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AULA 1 (PRIMEIRA PARTE) TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA 1 A DOUTRINA DE DEUS “Há algo muito proveitoso para a mente na contemplação do divino. É um assunto tão vasto que todos os nossos pensamentos se perdem em sua imensidão; é tão profundo que o nosso orgulho se afoga em sua infinidade. Podemos compreender e manejar outros assuntos, sentir algum tipo de satisfação com isto, e seguir nosso caminho pensando “vejam como sou sábio”. Mas, quando nos deparamos com essa ciência superior, descobrimos que nosso fio de prumo não pode ressoar a profundidade dela e que nossos olhos de águia não podem ver sua grandiosidade, e voltamos com a solene exclamação: “sou de ontem e nada sei”. Contudo, enquanto humilha a mente, pensar em Deus também a expande. Nada ampliará tanto o intelecto, nada magnificará tanto a alma do homem, quanto uma devotada, honesta e contínua investigação do grande assunto: Deus”. CHARLES SPURGEON 1 Por que devemos pensar corretamente a respeito de Deus? 2 “A adoração é pura ou vil conforme os pensamentos elevados ou inferiores que o adorador alimenta em relação a Deus. O que melhor revela a Igreja é o seu conceito de Deus, da mesma maneira que a sua mensagem mais significativa está naquilo que ela diz ou deixa de dizer a respeito dEle. Se soubéssemos exatamente o que nossos líderes religiosos mais influentes pensam hoje a respeito de Deus, talvez pudéssemos saber de antemão onde estaria a Igreja amanhã.” “Creio que o atual conceito cristão sobre Deus está tão decadente que se encontra profundamente abaixo da dignidade do Deus Altíssimo, constituindo para os crentes professos uma verdadeira calamidade moral. Todos os problemas do céu e da terra, mesmo que nos fossem apresentados juntos e de uma só vez, nada seriam em comparação ao problema esmagador de Deus: que Ele existe, como Ele é, e o que nós, seres morais, devemos fazer em relação a Ele.” “Os conceitos deturpados de Deus terminam por destruir o evangelho nos corações de todos aqueles que possuem esses conceitos.” “Acautelemo-nos para não aceitarmos no nosso orgulho a ideia de que a idolatria consiste apenas no ajoelhar-se perante objetos visíveis de adoração; e que os povos civilizados estão, portanto, livres disso. A essência da idolatria está nas ideias indignas que temos a respeito de Deus. Começa na mente e poderá ocorrer mesmo quando não seja praticado nenhum ato manifesto de adoração a uma imagem”. 1 Spurgeon, 1975, p.1. 2 Os trechos foram extraídos do livro “Mais perto de Deus”, de A.W. Tozer, Arte Editorial, pgs.7-11.

Samuel a doutrina de deus - versão final

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AULA 1 (PRIMEIRA PARTE) TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA

1

A DOUTRINA DE DEUS

“Há algo muito proveitoso para a mente na contemplação do divino. É um assunto tão vasto que todos

os nossos pensamentos se perdem em sua imensidão; é tão profundo que o nosso orgulho se afoga em

sua infinidade. Podemos compreender e manejar outros assuntos, sentir algum tipo de satisfação com

isto, e seguir nosso caminho pensando “vejam como sou sábio”. Mas, quando nos deparamos com essa

ciência superior, descobrimos que nosso fio de prumo não pode ressoar a profundidade dela e que

nossos olhos de águia não podem ver sua grandiosidade, e voltamos com a solene exclamação: “sou de

ontem e nada sei”. Contudo, enquanto humilha a mente, pensar em Deus também a expande. Nada

ampliará tanto o intelecto, nada magnificará tanto a alma do homem, quanto uma devotada, honesta e

contínua investigação do grande assunto: Deus”.

CHARLES SPURGEON1

Por que devemos pensar corretamente a respeito de Deus?2

“A adoração é pura ou vil conforme os pensamentos elevados ou inferiores que o adorador alimenta em

relação a Deus. O que melhor revela a Igreja é o seu conceito de Deus, da mesma maneira que a sua

mensagem mais significativa está naquilo que ela diz ou deixa de dizer a respeito dEle. Se soubéssemos

exatamente o que nossos líderes religiosos mais influentes pensam hoje a respeito de Deus, talvez

pudéssemos saber de antemão onde estaria a Igreja amanhã.”

“Creio que o atual conceito cristão sobre Deus está tão decadente que se encontra profundamente

abaixo da dignidade do Deus Altíssimo, constituindo para os crentes professos uma verdadeira

calamidade moral. Todos os problemas do céu e da terra, mesmo que nos fossem apresentados juntos e

de uma só vez, nada seriam em comparação ao problema esmagador de Deus: que Ele existe, como Ele é, e

o que nós, seres morais, devemos fazer em relação a Ele.”

“Os conceitos deturpados de Deus terminam por destruir o evangelho nos corações de todos aqueles que

possuem esses conceitos.”

“Acautelemo-nos para não aceitarmos no nosso orgulho a ideia de que a idolatria consiste apenas no

ajoelhar-se perante objetos visíveis de adoração; e que os povos civilizados estão, portanto, livres disso. A

essência da idolatria está nas ideias indignas que temos a respeito de Deus. Começa na mente e poderá

ocorrer mesmo quando não seja praticado nenhum ato manifesto de adoração a uma imagem”.

1 Spurgeon, 1975, p.1.

2 Os trechos foram extraídos do livro “Mais perto de Deus”, de A.W. Tozer, Arte Editorial, pgs.7-11.

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“Os conceitos errados a respeito de Deus não são apenas as fontes das quais jorram as águas poluídas da

idolatria – são, em si mesmo, idólatras.”

“Um conceito elevado de Deus é tão necessário para igreja que, quando de alguma forma este conceito

declina, a Igreja, sua adoração e os seus padrões morais declinam com ele. Antes da Igreja Cristã entrar

em decadência, esteja onde estiver, surge sempre uma corrupção de sua teologia simples e básica. Isto

acontece porque ela obtém uma resposta errada à pergunta: “Como é Deus?” e prossegue a partir desse

ponto”.

A mais pesada responsabilidade da Igreja em nossos dias está em purificar e elevar o seu conceito de Deus,

para que, mais uma vez, este se torne digno dEle – e da Igreja. Em todos os seus esforços, em todas as suas

orações, isto deve ter a primazia. Prestaremos o mais alto benefício à próxima geração de crentes se

legarmos a eles, sem qualquer nuança ou depreciação, o nobre conceito de Deus recebido de nossos pais

hebreus e cristãos de gerações passadas. Isto terá para eles maior valor do que qualquer coisa que a arte

ou a ciência possam inventar.

Doutrina da Trindade

Introdução

Como bem explica Millard J. Erickson: “Na doutrina da trindade encontramos uma das doutrinas que de

fato distinguem o cristianismo. Entre as religiões do mundo, a fé cristã é sem igual ao alegar que Deus é

um, mas que, ao mesmo tempo, há três pessoas que são Deus”3. “Sob esta bandeira marcharam apóstolos,

patriarcas, mártires, reformadores, reavivalistas, e o selo da aprovação divina tem estado sobre suas vidas

e seus labores. Não importa o quanto tenham divergido em questões menores, a doutrina da Trindade os

uniu. Durante mais de dezesseis séculos este tem permanecido como o teste final da ortodoxia”.4

Não há nenhuma dúvida de que a doutrina da Trindade é a mais distintiva doutrina da fé cristã. Nenhum

ser humano poderia ter concebido a doutrina da Trindade. Ela vem diretamente da Bíblia e absolutamente

de nenhum outro lugar.

São irretocáveis as palavras de Millard J. Erickson afirmando que “não defendemos a doutrina da Trindade

porque é evidente por si ou logicamente convincente. Nós a defendemos porque Deus revelou que Ele é

assim”5.

A palavra “Trindade”

3 Introdução à Teologia Sistemática, p. 127.

4 A.W. Tozer, Mais de Deus, p.28, 30.

5 Introdução à Teologia Sistemática, p. 139.

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Tertuliano

Verdades contidas na doutrina da Trindade

1. Há apenas um Deus

Dt 6:4 – “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR”.

Is 44:6 – “O SENHOR, o Rei e Salvador de Israel, o Deus Todo-Poderoso, diz: Eu sou o primeiro e

o último, além de mim não há outro Deus”.

I Co 8:4 – “Assim que, quanto ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo

nada é no mundo e que não há outro Deus, senão um só”.

Quando os escribas judeus perguntaram a Jesus qual era o maior mandamento, Ele respondeu: “O

primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Deus” (Mc

12:29).

2. O Pai é Deus

Jo 6:27 – “Trabalhai não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida

eterna, a qual o Filho do Homem vos dará, porque a este o Pai, Deus, o selou”.

Rm 1:7 – “A todos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados santos: Graça e paz de

Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo”.

3. Jesus é Deus

Obs. Apresentaremos inúmeros textos provando a divindade de Jesus, porém, um aprofundamento

será feito em aula específica (Aula 5 - Cristologia – A pessoa de Jesus).

a) Jesus se identificou com Jeová

o Jo 8:58 (comparar com Ex 3:14) – “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo

que, antes que Abraão existisse, eu sou”.

A palavra “trindade” não é encontrada na Bíblia. É um termo teológico usado

pela primeira vez por Tertuliano por volta do ano 220 d.C. Trindade significa

“tri-unidade” ou “três em unidade”.

Esta palavra é utilizada para resumir o ensinamento bíblico de que Deus é

três pessoas, porém, um só Deus.

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o Ap 1:17 – “E eu, quando o vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua

destra, dizendo-me: Não temas; eu sou o Primeiro e o Último” (exatamente as palavras

usadas por Jeová em Is 44:6).

b) Jesus possui os atributos de Deus

A título de exemplo: imutabilidade (Hb 13:8) e eternidade (Jo 8:58; Ap 1:17).

c) Jesus perdoa os pecados (Mt 9)

Como bem destaca Donald A. Carson “Se você faz alguma coisa contra mim e aí vem uma pessoa e diz: “Eu lhe perdoo”, que ousadia é essa? A única pessoa capaz de pronunciar genuinamente essas palavras é Jesus, porque o pecado, mesmo se cometido contra outras pessoas, é, antes de tudo e principalmente, um desafio a Deus e às suas leis. Os judeus imediatamente viram nisso uma blasfêmia”.

d) O Messias é Deus

O Messias é apresentado em Is 9:6 como “Deus Forte”. Ao se identificar como Messias Jesus estava reivindicando ser Deus.

e) Jesus aceitou adoração

O AT proíbe adorar qualquer ser que não Deus (Ex 20:1-5). Mas, em numerosas ocasiões Jesus aceitou adoração, revelando que Ele reivindicou ser Deus (por exemplo, Mt 8:2 e Jo 9:38).

f) O testemunho dos Apóstolos

O Apóstolo João afirmou que Jesus - o Verbo – é Deus (Jo 1:1). O mesmo apóstolo, em 1 Jo 5:20, escreveu que Jesus é o verdadeiro Deus. Tomé se dirigiu a Jesus com a seguinte expressão: “Senhor meu e Deus meu” (Jo 20:28), não sendo corrigido ou repreendido pelo Mestre. No mesmo sentido, o Apóstolo Paulo declara ser Jesus “o grande Deus e Salvador” (Tt 2:13).

O escritor aos Hebreus traz ainda uma declaração do próprio Deus Pai se referindo a Jesus como Deus (ver Hb 1:5-8).

g) O uso de parábolas

Na tese de doutorado de Cambridge sobre este tópico, Philip B. Payne observa que “das cinquenta e duas parábolas de narrativas de Jesus, vinte o descrevem na imagem que no Antigo Testamento se refere tipicamente a Deus. A frequência com que isto ocorre indica que Jesus se descrevia regularmente em imagens que eram particularmente apropriadas para descrever Deus”.6

6 Payne, JICDP, em TJ, p.17.

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Alguns questionam: “Por que a Bíblia chama Jesus de ‘Filho de Deus’, mas não O chama de ‘Deus Filho’, como querem os cristãos?”. Basta ler Jo 1:18, texto em que Ele é chamado de “Deus Unigênito” (ou seja, DEUS FILHO ÚNICO).

Concluindo o assunto, são perfeitas as palavras de C.S. Lewis:

“Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a seu respeito: ‘Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre moral, mas não aceito sua afirmação de ser Deus’. Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou então o diabo em pessoa. Faça sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prostrar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.”7

4. O Espírito Santo é Deus

Obs. Apresentaremos inúmeros textos provando a divindade do Espírito Santo, porém, um

aprofundamento será feito em aula específica (Aula 11 - Pneumatologia).

a) O Espírito Santo é chamado de Deus

o At 5:3-4 – “Disse, então, Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para

que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a,

não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio

em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus.”

Note que mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus.

b) O Espírito Santo possui os atributos de Deus

Por exemplo: eternidade (Hb 9:14), onipresença (Sl 139:7) e onisciência (1Co 2:11).

5. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são pessoas

Cada um dos três da Trindade é citado como uma pessoa (Eu, Quem). Cada um tem todos os

atributos ou faculdades básicas da personalidade: mente, vontade e sentimento.

a) O Pai é uma pessoa

Ele possui intelecto - Mt 6:32 – “... Vosso Pai celestial bem sabe...”, faculdade emocional - Gn

6:6 – “... pesou-lhe o coração”, e poder de vontade -Mt 6:10 – “Seja feita a tua vontade...”.

7 Cristianismo puro e simples, pgs. 69,70.

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b) O Filho é uma pessoa

Ele tem intelecto - Jo 2:25 – “... porque ele bem sabia o que havia no homem”, faculdade

emocional - Jo 11:35 – “Jesus chorou”, e poder de vontade - “Porque eu desci do céu não para

fazer a minha vontade”.

c) O Espírito Santo é uma pessoa

Ele tem intelecto - Jo 14:26 – “... Ele vos ensinará todas as coisas...”, faculdade emocional - Ef

4:30 – “Não entristeçais o Espírito Santo”, e poder de vontade - 1 Co 12:11 – “Mas um só e o

mesmo Espírito opera todas as coisas, repartindo particularmente a cada um como quer”.

6. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são pessoas distintas

a) O Pai e o Filho são pessoas distintas

Cristo distingue o Pai de si mesmo como “outro”

o Jo 5:32-37 – Há outro que testifica de mim (...) o Pai, que me enviou, ele mesmo

testificou de mim.

O Pai e Filho distinguem-se como o que envia e o que é enviado

o Gl 4:4 – “... vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho”.

b) O Pai e o Filho são pessoas distintas do Espírito

Jesus distingue o Espírito dele mesmo e do Pai

o Jo 14:16 – “Eu rogarei ao Pai, e ele vos enviará outro Consolador...”

Diante de tantas referências bíblicas sobre o assunto (entre muitas outras que poderiam ser mencionadas),

é correta a conclusão de Martyn Lloyd-Jones que diz: “...reconheçam vocês ou não esse fato, ninguém

pode ler a Bíblia sem, necessariamente, ver-se face a face com esta doutrina da Trindade”.8

Definindo o conceito

Tendo em vista estas verdades bíblicas, citaremos alguns conceitos formulados por inúmeros estudiosos

cristãos buscando sintetizar essas ideias:

“Deus existe eternamente como três pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo – e cada pessoa é plenamente

Deus, e existe só um Deus.”9

“Deus tem uma pluralidade de pessoas e uma unidade de essência.”10

8 Deus o Pai, Deus o Filho, p.113.

9 Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 165.

10 Norman Geisler, Teologia Sistemática, v.1, p.790.

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“Deus é um ser que existe eternamente como três pessoas. Deus é tanto verdadeiramente três (pessoas)

quanto um (ser divino)”.11

Embora não seja uma doutrina de fácil compreensão, até porque estamos falando de Deus, o Eterno, é assim que Ele disse Ser:

- Há um e somente um Deus - Há três Pessoas distintas que são Deus: Pai, Filho e Espírito Santo - Ele é três pessoas (trindade de pessoas), mas Ele tem só uma essência (unidade de natureza)

Não é contraditório dizer que Deus é “um” e ao mesmo tempo “três”?

Não. Deus é “três” e “um” em sentidos diferentes. Duas proposições são contraditórias quando elas afirmam e negam algo:

1 - Da mesma coisa; 2 - Ao mesmo tempo; 3 - No mesmo sentido.

Todavia, em relação à Trindade...

1 – Deus é um em relação à sua essência; 2 – Deus é mais que um em relação às suas pessoas.

Portanto, a Trindade não é contraditória, pois unidade e trindade são sentidos ou relações diferentes.

“Não é um mais um mais um igual a três. É um vezes um vezes um igual a um”.12

O que significa dizer “a mesma essência”?

Ambos têm a mesma natureza. Assim, as três pessoas compartilham todos os atributos divinos essenciais.

A doutrina da Trindade no Antigo Testamento

Quando examinamos as Escrituras em sua totalidade, percebemos que a evidência da doutrina da Trindade

no Novo Testamente é muito mais clara do que no Antigo Testamento. Este entendimento mais claro do

Novo Testamento é devido ao caráter progressivo da revelação redentora de Deus. Sobre o assunto, afirma

Billy Graham que “A doutrina da Trindade está mais bem desenvolvida no Novo do que no Antigo

11

Roger Olson, História das Controvérsias na Teologia Cristã, p. 186-187. 12

O Poder do Espírito Santo, p.24.

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Testamento. Como a revelação é progressiva, mais luz foi lançada sobre o assunto que estamos estudando

no Novo Testamento”.13

Todavia, embora a doutrina da Trindade não se ache explícita no Antigo Testamento, várias passagens

implicam que Deus existe como mais de uma pessoa. Vamos citar alguns exemplos:

Gn 1:1 – “No princípio criou Deus os céus e a terra”.

A palavra traduzida por “Deus” em Gn 1:1 é plural. A palavra hebraica é Elohim. Matthew Henry

diz que significa a pluralidade de pessoas na deidade: Pai, Filho e Espírito Santo.

Gn 1:26 – Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e à nossa semelhança”.

Sobre este texto Wayne Grudem entende que “a melhor explicação é que já nos primeiros

capítulos de Gênesis temos uma indicação da pluralidade de pessoas no próprio Deus”.

Gn 3:22 – “Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal”.

Gn 11:6-7 – “Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isso é apenas o começo,

agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer. Vinde, desçamos e confundamos ali a

sua linguagem, para que um não entenda a linguagem do outro”.

Is 6:8 – “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?”

No Sl 110:1 Davi fala: “Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Assenta-te à minha direita, até que eu

ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés’”.

Jesus corretamente entendeu que Davi se referia a duas pessoas distintas como “Senhor” (Mt

22:41-46).

Pv 30:4 – “Quem subiu ao céu e desceu? Quem encerrou os ventos nos seus punhos? Quem

amarrou as águas numa roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da terra? Qual é o

seu nome? E qual é o nome de seu filho, se é que o sabes?”

É coerente falar que, nesse texto, Salomão está falando de Jesus.

Outros exemplos poderiam ser mencionados. Porém, parece-nos que estes já são suficientes para

demonstrar a possibilidade de identificar a Trindade já no Antigo Testamento, embora sua melhor

compreensão decorra da luz trazida pelo Novo Testamento.

13

O Poder do Espírito Santo, p.23.

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Heresias relativas à Trindade na história da Igreja

Antes de adentrarmos nas questões das heresias relacionadas à Trindade, revisemos as verdades

expressadas por essa doutrina:

a) Triteísmo

É a crença em que há três deuses ou três seres separados na divindade. Poucos defenderam essa

ideia, uma vez que a Bíblia é clara no sentido de haver apenas um Deus.

b) Monarquianismo Modalista

Segundo essa heresia o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a mesma pessoa. São apenas modos de

revelação do ser divino. O primeiro modo de manifestação é o Pai, na criação e na doação da lei ao

seu povo; o segundo modo de manifestação é o Filho, na encarnação; e o terceiro modo é o

Espírito, na regeneração e na santificação.

A utilização da expressão “Monarquianismo” diz respeito ao fato de a heresia ensinar a existência

de apenas “um monarca” absoluto. “Modalismo” decorre do fato de afirmarem que o Pai, o Filho e

o Espírito Santo são “modos” de revelação do “monarca”.

O Monarquianismo também foi chamado de Sabelianismo na Igreja Oriental e Patripassianismo na

Ocidental. Teve como expoentes Noeto (c.200), Práxeas (c.200) e Sabélio (c.215), todos eles em

Roma.

Tal posicionamento é adotado no Brasil, por exemplo, pela Igreja Voz da Verdade. Nos Estados

Unidos podemos mencionar a Igreja Pentecostal Unida.

VERDADE 1 - HÁ APENAS UM DEUS

VERDADE 2 - O PAI É DEUS

VERDADE 3 - JESUS É DEUS

VERDADE 4 - O ESPÍRITO SANTO É DEUS

VERDADE 5 - O PAI, O FILHO E O ESPÍRITOSANTO SÃO PESSOAS

VERDADE 6 - O PAI, O FILHO E O ESPÍRITOSANTO SÃO PESSOAS DISTINTAS

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Acrescentado o que já dissemos quando estabelecemos as verdades da doutrina da Trindade, as Escrituras nitidamente mostram a diversidade entre as pessoas da Trindade. Alguns poucos exemplos, dentre milhares:

A cena do batismo em que o Pai fala para o Filho e o Espírito desce sobre o Filho (Mt 3); Jesus se referiu ao Espírito Santo como “outro Ajudador” (Jo 14:16); Em Jo 17 Jesus orou ao Pai e falou da glória que Eles compartilharam antes da criação. São

necessárias pelo menos duas pessoas para compartilhar algo. Em Jo 5:31 o Pai é apresentado como alguém que testifica de Cristo: “Há outro que testifica

de mim”. A palavra “hetero” é usada aqui para esclarecer que é alguém diferente da pessoa que fala.

Na fórmula batismal (Mt 28:19) todos os três ficam sob um nome singular: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”;

A bênção apostólica em 2 Co 13:13 (ou 13:14), em que todos os nomes estão juntos no mesmo contexto, nitidamente diferenciados;

Enfim, há tantos textos diferenciando as pessoas da Trindade no mesmo contexto fático que, sem muitas dificuldades, o Modalismo foi considerado pela Igreja como ensinamento herético.

Para não restar qualquer sombra de dúvidas, apresentaremos os textos preferidos do Modalismo:

o Jo 10:30 – “Eu e o Pai somos um”;

Curiosamente, ao citar esse texto, os defensores do Modalismo não citam o versículo 29 que claramente distingue a Pessoa do Pai da pessoa do Filho: “Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar”.

Ademais, esse texto nada mais faz do que corroborar a doutrina ortodoxa da Trindade. “Somos” (pluralidade) e “um” (unidade).

o Jo 14:9 – “Quem vê a mim vê o Pai”;

O mesmo erro é cometido. Texto tirado do contexto. Basta uma leitura dos versículos anteriores e posteriores ao versículo “9” que a distinção do Pai e do Filho fica patente.

Aliás, ler o evangelho de João é suficiente para afastar as premissas do Modalismo. Basta relembrar Jo 5:31 em que o Pai é apresentado como alguém que testifica de Cristo: “Há outro que testifica de mim”.

Para ambos os textos vale a boa e velha regra do “LEIA O CONTEXTO”.

c) Adocianismo

É a concepção de que Jesus viveu como homem comum até o seu batismo, quando Deus o

“adotou” como Filho, conferindo-lhe poderes sobrenaturais. Mesmo depois da adoção de Jesus

como Filho, eles não o julgavam detentor de uma natureza divina, mas apenas um homem sublime

que Deus chamava de Filho num sentido único.

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Foi, também, rejeitado pelos primeiros Concílios Ecumênicos.

d) Arianismo

O originador do movimento conhecido como Arianismo foi Ário (250-336), um presbítero de

Alexandria que por volta de 318 tornou-se adversário teológico do seu bispo, Alexandre.

Para Ário, somente o Pai era verdadeiramente Deus. Ário pregava que Deus Filho foi em dado

momento criado por Deus Pai e que antes desse momento o Filho não existia, nem o Espírito, mas

somente o Pai.

O Arianismo foi condenado no Concílio de Nicéia, em 325, mas não ficou morto. Ele sobreviveu

subterraneamente nas três décadas seguintes e teve um fortalecimento entre os anos 353 e 378,

porque nesse tempo teve o apoio imperial. Seu declínio ocorreu ao perder o apoio real, em 378, e

com o Concílio de Constantinopla, em 381, que sustentou e fortaleceu a ortodoxia afirmada em

Nicéia.

Para refutar essa ideia, ver acima comentários sobre a divindade de Jesus. Ver também aula de

Cristologia.

e) Subordinacionismo

O Subordinacionismo defendia que o Filho era eterno e divino, mas ainda assim não igual ao Pai no

seu ser e nos seus atributos. O Filho era inferior ou subordinado ao Pai no seu ser.

Orígenes (c. 185 – c.254), um dos pais da Igreja Primitiva, advogava uma forma de

Subordinacionismo.

Tal ensinamento foi claramente rejeitado no Concílio de Nicéia.

Pergunta: Por que Jesus disse que o “Pai é maior do que eu” (Jo 14:28)?

O Pai é maior que o Filho por ofício, mas não na essência, já que ambos são Deus. Tal como um pai

terreno que possui a mesma humanidade que o seu filho, mas exerce função superior a este, assim

também o Pai e o Filho na Trindade são iguais em essência, mas diferentes em função.

Note o seguinte esquema:

JESUS É IGUAL AO PAI O PAI É MAIOR DO QUE JESUS

Em essência, em constituição e em caráter

Em função, ofício e posição

f) Macedonismo

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AULA 1 (PRIMEIRA PARTE) TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA

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Trata-se de falso ensinamento que negava a divindade do Espírito Santo. Portanto, negava a

doutrina da Trindade.

O ensinamento sobre a Trindade em outras religiões e seitas

Com tudo o que foi tratado até aqui, podemos analisar ensinamentos errados espalhados por religiões e

seitas atuais. Tente observar os pontos em que elas violam as verdades estudadas acerca da doutrina da

Trindade. Aproveite para observar, também, que a maioria dos seus ensinos estão relacionados a uma ou

mais heresias que surgiram e foram condenadas na história da Igreja.

Judaísmo

Negam a doutrina da Trindade. Alguns reconhecem que Jesus foi um mestre da moralidade. Outros,

porém, o consideram como um impostor, pois não acreditam ser ele o verdadeiro Messias.

Islamismo

O Alcorão nega a doutrina da Trindade especificamente em Surate 4.167-170.

Aliás, Maomé ou não entendeu ou distorceu deliberadamente a doutrina cristã da Trindade. Segundo ele,

em Surate 5.116, a doutrina cristã ensina que existem três deuses, Deus o Pai, Jesus e Maria.

Ademais, em Surate 19.35 é dito que é impossível que Alá (Deus) tenha um filho. O islamismo aceita Jesus

como profeta, mas a natureza de Alá não permite que encarne na forma de um ser humano.

Testemunhas de Jeová

As testemunhas de Jeová negam a possibilidade de Deus existir na forma de três pessoas.

Para eles, Jesus é uma criação distinta e, apesar de ser chamado “um deus”, ele é apenas um anjo, um ser

criado e finito. Além disso, o Espírito Santo não tem o caráter de uma pessoa, mas sim de uma força

impessoal, uma força controlada que Deus emprega para realizar seus propósitos.

Mormonismo

No sistema de crenças dos mórmons, Deus não é eterno, não tem existência própria e, tampouco, é o Deus

todo-poderoso do universo. Deus não é nada mais do que um homem que se tornou deus. Deus foi criado

por um outro deus que existia antes de Deus pai, que rege o universo hoje. O atual Pai um dia já foi homem

mortal, mas progrediu e tornou-se Deus. Acreditam, ainda, que qualquer mórmom pode tornar-se Deus.

Note as palavras de Lorenzo Snow (Quinto presidente e profeta mórmom): “Como o homem é, Deus

também foi; como Deus é, o homem pode vir a ser”.

Vale dizer ainda que, para os mórmons, Deus Pai teve relações sexuais com a mãe Deus e teve milhões de

filhos espirituais. Jesus era o primogênito.

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AULA 1 (PRIMEIRA PARTE) TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA

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São tantas as aberrações dos ensinamentos mórmons que nos limitaremos a estas, já restando

demonstrado a desconformidade destas heresias com as Escrituras. Todavia, é preciso cautela, pois os

mórmons afirmam crer na doutrina da Trindade, porém, de forma completamente diferente do

ensinamento da Igreja por todos os séculos. Eles afirmam que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não têm a

mesma essência, resultando disso verdadeiro politeísmo. Ademais, há inúmeros enganos, como acima foi

visto, acerca de cada pessoa da trindade.

Kardecismo

No espiritismo não há que se falar na doutrina da Trindade.

Jesus é visto como a grande entidade encarnada, a maior que já apareceu no mundo. Segundo

eles Cristo foi um homem bom, mas não pode ter sido divino.

No kardecismo não há uma distinção entre o Espírito Santo e Deus, sendo que ambos são

considerados uma única pessoa. Noutros momentos, a promessa do Espírito Santo é

identificada com o próprio espiritismo.

CONCLUSÃO

Segundo Martyn Lloyd-Jones “a doutrina da Trindade é, além de qualquer dúvida, a mais misteriosa e a

mais difícil de todas as doutrinas bíblicas.” Ele diz ainda que “só há uma coisa a fazer: reconhecer que

estamos diante do mistério que é revelado na Bíblia. Não podemos esperar que entendamos. Não

podemos esperar que a aprendamos com nossas mentes; ela está inteiramente além de nós e acima de

nós. Simplesmente podemos contemplá-la com admiração, com temor e com adoração, bem como

ficarmos atônitos diante dela”.14 Como conclui J. I. Packer acerca da doutrina da Trindade: “Ela não é fácil,

mas é verdadeira”.15

Note o que afirmou o famoso evangelista Billy Graham sobre a doutrina da Trindade: “Quando comecei a

estudar a Bíblia, anos atrás, a doutrina da Trindade foi um dos problemas mais complexos que encontrei.

Jamais cheguei a uma conclusa satisfatória porque parte dela é mistério. Mas, apesar de não entendê-la

totalmente até hoje, aceito-a como revelação de Deus”.16

Alguém certa vez disse sobre a Trindade: “Tente explicá-la, e perderá a cabeça; Mas tente negá-la, e

perderá a alma”.

Por fim, afirmou Thomas Watson que “Nossos pensamentos limitados não podem compreender a Trindade

mais que uma casca de noz pode conter toda água do mar”. (...) “a trindade é simplesmente um objeto de

fé; a linha da razão é muito curta para penetrar esse mistério; porém, onde a razão não pode atravessar a

pé, a fé pode nadar”.17

14

Deus o Pai, Deus o Filho, p.114-115. 15

Teologia Concisa. 16

O Poder do Espírito Santo, p.21. 17

A Fé Cristã, p.136, 139.

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AULA 1 (PRIMEIRA PARTE) TEOLOGIA PROPRIAMENTE DITA

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Esquema para revisar:

DOUTRINA DA

TRINDADE

Palavra “trindade”: Criada por Tertuliano, por volta do ano 220 d.C, significando

três em unidade

Verdades

Essenciais

Há apenas um Deus

O Pai é Deus

Jesus é Deus

O Espírito Santo é Deus

O Pai, o Filho e o Espírito Santo são pessoas

O Pai, o Filho e o Espírito Santo são pessoas distintas

Heresias na História

da Igreja

Falsas Religiões e

Heresias

Triteísmo: Há três deuses

Monarquianismo Modalista: Há apenas uma pessoa se

revelando de modos diferentes

Adocianismo: Jesus era um homem comum que foi

adotado por Deus no batismo

Subordinacionismo: Jesus é inferior ao Pai em essência

Arianismo: Jesus era uma criatura

Macedonismo: Nega a divindade do Espírito Santo

Judaísmo: Não há três pessoas. Jesus é um profeta

(para alguns), ou um impostor (para outros).

Islamismo: Não há três pessoas. Jesus é apenas um

profeta.

Testemunhas de Jeová: Jesus não é Deus como o Pai.

O Espírito Santo não é uma pessoa.

Mórmons: Deus já foi um homem. Ele possui carne e

osso.

Kardecismo: Jesus é apenas a maior entidade

encarnada. Não há diferença entre o Espírito Santo e o

Pai.