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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP SANDRA LUZIA ASSIS DA SILVA As múltiplas dimensões do risco para pessoas que convivem com inundações recorrentes: o caso de moradores da Vila América, Santo André/SP MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo 2016

SANDRA LUZIA ASSIS DA SILVA As múltiplas dimensões do ... · (2006), o artista pintou à lembrança de uma explosão vulcânica ocorrida na Ilha de ktakatoa, ... do acervo dos moradores,

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

SANDRA LUZIA ASSIS DA SILVA

As múltiplas dimensões do risco para pessoas que convivem com inundações recorrentes: o

caso de moradores da Vila América, Santo André/SP

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

São Paulo

2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

SANDRA LUZIA ASSIS DA SILVA

As múltiplas dimensões do risco para pessoas que convivem com inundações recorrentes: o

caso de moradores da Vila América, Santo André/SP

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do título de Mestre

em Psicologia Social, sob a orientação da Professora

Doutora Mary Jane Paris Spink.

São Paulo

2016

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink

_____________________________

Profa. Dra. Gabriela Marques Di Giulio

________________________________

Profa. Dra. Bader Burihan Sawaia

____________________________

Figura: O Grito de Edvard Munch, 1893

Fonte: Internet, 2016

Edvard Munch se inspirou a pintar o quadro depois de caminhar com amigos em uma

tarde quente em Oslo, capital norueguesa, onde observou as cores quentes no céu e, no

mesmo momento, teve uma sensação de cansaço, de estar doente. Foi nessa hora que Much

diz ter percebido “o grito da natureza”. Segundo a psicóloga Susana Chames de Rozen

(2006), o artista pintou à lembrança de uma explosão vulcânica ocorrida na Ilha de ktakatoa,

Indonésia, muito longe de onde ele estava, mas que criou um crepúsculo avermelhado na

Europa de novembro de 1883 a fevereiro de 1884. Para Rozen isso é uma mostra da

consequência que os desastres têm nas sociedades e que não é preciso estar no lugar da

ocorrência para se sentir afetado por essa situação. A partir dessa reflexão dedico este

trabalho às 88 famílias que estão em área de risco na Vila América, Santo André/SP e que

convivem há mais de 20 anos com as inundações, afetando suas vidas, trazendo

consequências físicas, sociais, biológicas, econômicas e emocionais.

AGRADECIMENTOS

Há tantos a agradecer por tanto que me ajudaram, não somente por terem ensinado, mas

por terem me feito aprender, desenvolver e evoluir como pessoa e como pesquisadora.

Iniciarei meus agradecimentos à uma pessoa que admiro muito e que tive o privilégio

de ter como mestre na graduação, Gil Gonçalves Júnior, que me ensinou, inspirou, incentivou

e ajudou a chegar até aqui. Utilizo a palavra mestre não para me referir à sua titulação, mas pelo

significado substantivo da palavra, “homem que ensina e de muito saber”, ou ainda, como

adjetivo, “que serve de base ou de guia; fundamental”.

Agradeço de modo especial à minha orientadora Mary Jane Paris Spink, que me acolheu

no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos, da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, antes mesmo de meu ingresso ao Programa. Agradeço

também pelo carinho e paciência em orientar meus passos durante todos esses anos. Admiro-a

pela mulher que é, que além de ensinar, acolhe, afaga e protege. Ainda na graduação, fui

presenteada com a oportunidade de frequentar os encontros deste grupo de pesquisa tão

competente, rigoroso e acolhedor, não somente dentro da Universidade, mas também nas

participações em Congressos e nos bares, o que possibilitou uma maior interação no

relacionamento com as pessoas que compõe o núcleo.

Sou grata a três pessoas que estiveram comigo mais diretamente nessa trajetória: à uma

pessoa especial que se tornou uma grande amiga, Ju Meireles, obrigada pelo carinho nos

momentos de descontração e de muito trabalho; ao Roberth Tavanti que me ajudou no momento

inicial de pesquisa e que, mesmo durante as férias, leu meus escritos e me orientou sobre a

efetiva contribuição da Psicologia Social no tema riscos e desastres; à um colega que admiro e

respeito muito, Mário Martins, uma pessoa extremamente inteligente, comprometida e

solidária, que me acolheu e me orientou sobre meu tema de pesquisa quando eu ainda estava

elaborando o trabalho de conclusão de curso da graduação e que se manteve durante todo o

mestrado. Mário é um pesquisador fantástico que me inspira constantemente.

Aos preciosos amigos e amigas do núcleo, pelo acolhimento, pela amizade e pelas ricas

conversas que contribuíram para meu fortalecimento pessoal e intelectual durante esses anos.

Muito obrigada Vanda Nascimento, Jacque Brigagão, Vera Menegon, Mariana Cordeiro,

Camila Pereira, Claudia Malinverni, Eliete de Souza, Pedro Figueiredo, George de Luiz,

Simone Conejo, Juliana Camilo, Lupicinio Íñiguez, Rafael Furtado, Sueli Marino, Priscila

Kiseler, Jonas Souza, Elisângela Miranda, José Hercílio Pessoa, Rosa Azevedo, Juliana

Schulze, Simone Borges, Priscila Kiseler, Cintia Helena, Rubens Espejo, Thiago Freitas.

Não posso deixar de agradecer também a todos os colegas dos Programas de Psicologia

Social, Serviço Social e Ciências Sociais da PUC/SP e do Departamento de Saúde Ambiental

da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo que tive o prazer de conhecer nas

disciplinas realizadas durante a dissertação. Sou grata ainda ao professor e professoras que me

acolheram nessas disciplinas: Salvador Sandoval, Maria do Carmo Guedes, Bader Sawaia,

Dirce Koga, Marisa Borin e Gabriela Di Giulio.

Às professoras que compuseram minha banca de qualificação e que contribuíram com

preciosas ideias para esta pesquisa: Bader Sawaia e Gabriela Di Giulio.

À Marlene Camargo, por sempre ajudar com as burocracias institucionais e pelo

carinho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela

concessão da bolsa de mestrado que tornou possível, financeiramente, a realização desta

pesquisa.

À minha família, por terem compreendido e me apoiado no inevitável distanciamento

da convivência nos encontros familiares: meus queridos pais Natalina e Manoel; minhas irmãs

Paula e Fernanda; meu irmão Pedro; minha sobrinha Geovana e meu sobrinho Yuri; minha

querida sogra Mercedes e querido sogro Edson; meus cunhados (as) Adilson, Bruno, Tayany e

Mikaelly.

Agradeço também aos meus parentes que sempre torceram por mim e aos colegas do

Núcleo Grande ABC da Abrapso e do Núcleo de Emergência e Desastres do CRP/SP.

Por fim, agradeço às duas pessoas mais importantes para mim e para o êxito deste

trabalho, por quem busco forças e incentivo para continuar nessa trajetória, minha filha Sophia

e meu companheiro e amigo Anderson. Agradeço a vocês por me incentivar, por suportar meus

momentos de ausência e de angústia, por me falar para parar em certas circunstâncias, por torcer

para a finalização deste trabalho junto comigo e por ter compreendido a importância dele para

mim. Enfim, por me amar incondicionalmente. Amo vocês.

Durante os últimos meses, Sophia me fez algumas perguntas a qual a resposta não a

agradou muito: 1) Mãe está acabando seu trabalho? Não Sophia ainda não, falta muito; 2) E

agora mãe, está acabando? Não Sophia, ainda falta; 3) Quando vai acabar mãe? Em breve.

Finalizarei meus agradecimentos respondendo à pergunta feita por ela hoje: Acabou mãe? Sim

Sophia, acabou.

ASSIS-SILVA. Sandra Luzia. As múltiplas dimensões do risco para pessoas que convivem com

inundações recorrentes: o caso de moradores da Vila América, Santo André/SP (Dissertação de

Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar as múltiplas dimensões do risco para pessoas que

convivem com inundações recorrentes, tomando como estudo de caso a Vila América em Santo

André/SP. Para alcançar os objetivos desta pesquisa, adotou-se o enfoque da linguagem dos riscos

na perspectiva teórica desenvolvida no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Práticas Discursivas e

Produção de Sentidos (NEPPDS), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). A

estratégia metodológica contemplou o cruzamento de informações provenientes de cinco

fontes: 1) pesquisa documental com base em documentos de domínio público, jornais e sites;

2) diário de campo da pesquisadora; 3) visitas ao Serviço Municipal de Saneamento Ambiental

de Santo André (Semasa), ao qual está afeto o Departamento de Defesa Civil e à Vila América;

4) entrevista semiestruturada com moradores do bairro, 5) imagens fotográficas provenientes

do acervo dos moradores, feitas pela pesquisadora e de sites. Para análise e interpretação das

entrevistas, foram elaborados mapas dialógicos e os dados obtidos foram confrontados com o

que propõe a literatura especializada sobre risco. Percebemos que a inundação é um fenômeno

que atinge a população de modo geral, ocasionando danos à saúde física e emocional, bem

como materiais e socioeconômicos, evidencia um problema estrutural no país relacionado ao

processo de urbanização, assim como a fragilidade e precariedade das ações e políticas,

especialmente da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Os resultados mostram que

trabalhar com os sentidos de risco na vida cotidiana contribui para superar as abordagens

individualistas, tradicionalmente empregadas para entender a maneira de lidar com os riscos na

vida contemporânea. Em relação à convivência com riscos, percebeu-se que a decisão de mudar

ou permanecer em locais sujeitos a inundação depende de fatores relacionados à prioridade que

é dada a determinados riscos e aos sentidos a eles atribuídos, que os colocam em uma escala

hierárquica. Compreender como as pessoas dão prioridade a determinados riscos em

detrimentos de outros, torna-se mais uma opção para aprimorar ações de prevenção. Portanto,

esta pesquisa, produzida por meio do compartilhamento de informações e de observações do

cotidiano da Vila América, visa contribuir para dar visibilidade à problemática relacionada aos

riscos de inundação e à violação dos direitos desses moradores.

Palavras-chave: produção de sentidos; linguagem dos riscos; inundações; desastres; práticas

discursivas; defesa civil.

ASSIS-SILVA. Sandra Luzia. Multiple dimensions of risk for people living with recurrent

flooding: the case of residents in Vila América, Santo André/SP (Master Dissertation).

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

ABSTRACT

Our research analyses multiple dimensions of risk for people living with recurrent flooding in

Vila América, Santo André/SP. To achieve our goals, the language of risks approach was used

according to theoretical references developed in the Center for Studies and Research on

Discursive Practices and Meaning Production (NEPPDS in Portuguese) at Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Information was produced according to five

main sources: 1) analyses of public documents; 2) field journals; 3) visits to the Civil Defence

Department at the Municipal Service for Environmental Sanitation of Santo André (Semasa in

Portuguese) and to Vila América; 4) semi-structured interviews with people who live in Vila

América and 5) Photographs taken by residents and the researcher herself. Dialogic maps were

used for analysis and interpretation. Information pro duced with this technic was gathered and

counterpoised with specialized literature on risk. Results show that floods affect people socially,

materially and economically, causing damages to physical and emotional health. Floods also

highlight a structural problem in Brazil related to uncoordinated urbanization processes and

fragile public policies, especially National Police for Civil Protection and Defence. To discuss

the meaning of risk in daily life can contribute to overcame individualistic approaches to risk,

traditionally applied to understand the ways people deal individually with risk in contemporary

life. According to our research, the decision to move away or to stay in areas at risk of flooding

is related to priorities people give to some risks instead of others. The process by which this

hierarchy is produced depends on how people make sense of risks collectively. To understand

how people give priority to certain risks instead of others is an option to i mprove preventive

practices. Therefore, this research aims to give visibility to flood risk issues and civil rights

violations at Vila América.

Keywords: meaning production; language of risks; floods; disaster; discursive practives; civil

defence.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Região do Grande ABC, São Paulo

Figura 2: Mapas das áreas inundáveis na Vila América

Figura 3: Casa de W

Figura 4: Casa de W inundada

Figura 5: Rua Nilo Peçanha com lama após inundação

Figura 6: Casa de N inundada

Figura 7: Transbordamento do Córrego Guarará em 10/02/2013

Figura 8: Transbordamento do Córrego Guarará em 10/02/2013

Figura 9: Vila América inundada

Figura 10: Rua Erato inundada (em frente à casa de W)

Figura 11: Rua Erato inundada vista do portão da casa de W

Figura 12: Portão onde o cachorro se machucou

Figura 13: Rua Erato inundada no dia em que o cachorro se machucou

Figura 14: Rua Erato (em frente à casa de W durante chuva)

Figura 15: Construção da galeria na Avenida Pedro Américo, Vila América, 1964

Figura 16: Tanque de retenção de águas pluviais - Piscinão da Vila América

Figura 17: Rua Erato que dá acesso ao Piscinão

Figura 18: Cozinha de W inundada

Figura 19: Quarto de W inundado

Figura 20: Tanque de retenção de águas pluviais - Piscinão da Vila América

Figura 21: Praça 14 Bis na Rua Erato (acesso ao Piscinão)

Figura 22: Av. Santos Dumont

Figura 23: Av. Santos Dumont inundada

Figura 24: Brookfield Century Plaza Business

Figura 25: Sala de W inundada

Tabela 1: Relatório Pós-Chuvas em Santo André/SP – período 2008 a 2014

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11

1.1 TRAJETÓRIA DE PESQUISA NO CAMPO DOS RISCOS DE DESASTRES ..... 11

1.2 O PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................... 12

1.3 NOTAS SOBRE O REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................... 13

1.3.1 A linguagem como prática social ....................................................................... 13

1.4 A ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ..................................................................... 16

2. BASES CONCEITUAIS PARA PENSAR OS RISCOS NA VIDA COTIDIANA ... 17

2.1 RISCO COMO PRÁTICA DISCURSIVA ................................................................ 19

2.2 DO OTIMISMO QUANTO À GESTÃO DOS RISCOS ÀS CRÍTICAS DAS

CIÊNCIAS SOCIAIS ........................................................................................................... 23

2.2.1 Teoria Cultural do Risco .................................................................................... 23

2.2.2 Teoria Social do Risco ........................................................................................ 26

2.3 APONTAMENTOS SOBRE A PERCEPÇÃO DE RISCOS .................................... 29

3. OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS............................................................................ 36

3.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................................. 36

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................... 36

3.3 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ....................................................................... 37

3.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES ................................... 42

4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA VILA AMÉRICA ........................................................ 44

4.1 A CONSTITUIÇÃO DO BAIRRO ........................................................................... 44

4.1.1 Formação da Vila América ................................................................................. 44

4.1.2 A Vila América hoje ........................................................................................... 47

4.2 AS INUNDAÇÕES NA VILA AMÉRICA ............................................................... 49

5. AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO RISCO NA PERSPECTIVA DOS

MORADORES QUE CONVIVEM COM AS INUNDAÇÕES RECORRENTES NA

VILA AMÉRICA .................................................................................................................... 62

5.1 APRESENTANDO OS INTERLOCUTORES ......................................................... 62

5.1.1 A história de W ................................................................................................... 62

5.1.2 A história de N .................................................................................................... 64

5.2 A CONVIVÊNCIA COM AS INUNDAÇÕES DO CÓRREGO GUARARÁ ......... 66

5.2.1 Afinal, que córrego é esse? ................................................................................. 72

5.2.2 Por que ficar? A casa e a vizinhança .................................................................. 77

5.2.3 Sair na marra? A sombra da desapropriação e da remoção ................................ 84

6. A RESPOSTA DO PODER PÚBLICO ......................................................................... 86

6.1 SOLUÇÃO DO PROBLEMA DAS INUNDAÇÕES POR MEIO DE OBRAS ...... 86

6.1.1 SOLUÇÕES QUE CRIAM MAIS PROBLEMAS: O PISCINÃO .................... 91

6.2 AS AÇÕES LOCAIS DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL ..................................... 95

6.3 A PRESENÇA DAS EMPRESAS PRIVADAS ..................................................... 103

6.4 CONVIVÊNCIA COM INUNDAÇÕES NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS .. 106

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 113

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 118

APÊNDICES ......................................................................................................................... 126

APÊNDICE I - Informações sobre a ocorrência de desastres associados às chuvas no Estado

de São Paulo ........................................................................................................................... 127

APÊNDICE II – Termo de consentimento livre e esclarecido ............................................. 141

APÊNDICE III - Termo de autorização de uso de imagem ................................................. 143

APÊNDICE IV - Exemplos de mapas dialógicos ................................................................. 144

11

1. INTRODUÇÃO

1.1 TRAJETÓRIA DE PESQUISA NO CAMPO DOS RISCOS DE DESASTRES

Minha trajetória de pesquisa no campo dos riscos de desastres começou a se configurar

ainda durante a graduação. O primeiro passo foi a aproximação ao Núcleo Grande ABC da

Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), impulsionando meu interesse em

Psicologia Social, que passou a preponderar sobre as demais áreas de atuação da Psicologia.

O segundo foi dado do terceiro para o quarto ano de graduação, com a aceitação do

convite para compor o grupo de pesquisa G-14 da Universidade do Grande ABC (UNIABC),

cujo tema era: “Experiências inovadoras na formação do professor na área de saúde: uma

perspectiva interdisciplinar”, desenvolvido por pesquisadores de diversas áreas do saber e

alunos na Universidade do Grande ABC. Além da participação na pesquisa em questão, havia

a possibilidade da realização do trabalho de conclusão de curso (TCC) sob a orientação de

algum professor do grupo. Como um dos integrantes era um professor de Psicologia Social, a

realização do trabalho pôde ser nesse âmbito, com o título: Atuação do psicólogo com

moradores em área de risco: um enfoque psicossocial. A escolha do tema configurou-se após

o trágico desastre ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro em 2011, que deflagrou

questionamentos sobre a possível contribuição da Psicologia frente a essa ocorrência.

A área de pesquisa em riscos e desastres era desconhecida dos integrantes do G-14,

então, uma aproximação extremamente relevante para os desdobramentos do trabalho foi o

contato com o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Práticas Discursivas e Produção de Sentido

(NEPPDS), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), que vem

desenvolvendo pesquisas voltadas à gestão dos riscos na modernidade tardia. Essa aproximação

auxiliou na definição do referencial teórico do TCC, assim como resultou na minha escolha da

pós-graduação stricto senso para o desenvolvimento desta dissertação de mestrado.

Desde então, o interesse pelo tema foi se intensificando, levando-me também à

aproximação, em 2012, ao Núcleo sobre Psicologia em Emergências e Desastres do Conselho

Regional de Psicologia de São Paulo (CRP/SP), com a consequente participação como membro

desse núcleo desde 2014 até os dias atuais.

12

1.2 O PROBLEMA DE PESQUISA

As configurações das áreas de risco no Brasil refletem um problema que o país vem

enfrentando e se intensificou atualmente: processos sociais de urbanização acelerada e não

planejada, marcados pela presença de dinâmicas socioeconômicas novas e pela concentração

populacional em áreas urbanas. Tais fatores se expressam no cotidiano das pessoas que

convivem diretamente com riscos de desastres ou são afetadas de forma indireta por esse

fenômeno.

Diante disso, o problema desta pesquisa é analisar o modo pelo qual as pessoas que

convivem com inundações recorrentes lidam com as múltiplas dimensões do risco expressas

nesse fenômeno, pois entendemos que o risco não é igualmente compreendido por todas as

pessoas e as diversas compreensões alteram os modos pelos quais as pessoas gerenciam suas

vidas, tomam decisões sobre assuntos de interesse pessoal e social e modificam o seu entorno.

Buscando conhecer e entender os diversos olhares sobre a temática, participei da 2ª

Conferência Municipal de Proteção e Defesa Civil de São Paulo e da 1ª Conferência

Intermunicipal de Proteção e Defesa Civil do Grande ABC, quando pude dialogar com

representantes da sociedade civil, pesquisadores, voluntários e profissionais que atuam na área.

Dessa interlocução, especialmente com representantes de órgãos municipais responsáveis pela

Defesa Civil, resultou a escolha da Vila América, no município de Santo André, uma área de

risco com moradias legalizadas pelo poder público, como campo de pesquisa.

Utilizo o termo campo de pesquisa apoiada na proposta de Peter Spink (2003) que, em

seus estudos sobre pesquisa em Psicologia Social, defende que o pesquisador faz parte do

campo-tema desde o momento em que diz estar trabalhando com determinado assunto,

descartando assim a neutralidade das Ciências Sociais. Logo, minha escolha pelo tema desta

pesquisa e pelo local em que a realizei reflete minha trajetória de pesquisa iniciada ainda na

graduação, pois, ainda conforme o autor, o pesquisador não sai do campo, tendo em vista que

o campo não é um lugar específico, delineado, separado e distante, ou seja, o campo

compreende a problemática existente e suas relações; são redes de sociabilidades e

materialidades que se interconectam das mais diferentes maneiras.

A Vila América é uma área legalizada pelo poder público, que sofre há mais de 20 anos

com o problema das inundações e com o crescente agravamento da situação, ou seja, o problema

foi se intensificando com o passar dos anos sem que ações eficazes fossem realizadas.

Outro aspecto relevante para a escolha do campo foi o fato do município estar entre os

821 mais vulneráveis do ponto de vista do meio físico, de acordo com parâmetros obtidos nos

13

arquivos da Secretaria Nacional de Defesa Civil: número de mortes, frequência de grandes

eventos destrutivos e população atingida ou afetada. (BRASIL, 2016). Ademais, Santo André

inclui-se entre os municípios que foram considerados prioritários pelo Governo Federal, com

base em critérios específicos, como a recorrência de inundações, enxurradas e deslizamentos,

bem com o número de óbitos e desabrigados, registrados nos últimos 20 anos.

Dessa lista, 263 municípios receberam o mapeamento das áreas de risco do Serviço

Geológico do Brasil (CPRM), via Ministério de Minas e Energia, como ação emergencial para

delimitação de áreas em Alto e Muito Alto Risco a enchentes, inundações, e movimentos de

massa (deslizamentos), sendo que Santo André foi um dos municípios beneficiários.

Diante desse problema, buscaremos analisar as múltiplas dimensões do risco para

pessoas que convivem com inundações recorrentes, tomando como estudo de caso a Vila

América em Santo André/SP.

1.3 NOTAS SOBRE O REFERENCIAL TEÓRICO

Esta pesquisa insere-se no âmbito da Psicologia Social e sua proposta teórico-

metodológica é o estudo da produção de sentidos na vida cotidiana e a circulação de repertórios

em uma perspectiva histórica e social, tendo por foco a linguagem dos riscos.

Tem como referencial norteador mais importante o livro organizado por Mary Jane

Spink (1999/2013), Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações

teóricas e metodológicas, que buscou entender os fenômenos do cotidiano com base em um

olhar pautado pela dialogia dos processos sociais implícita nas práticas discursivas do dia-a-

dia.

Utilizamos, ainda, o texto Práticas discursivas como estratégias de

governamentalidade: a linguagem dos riscos em documentos de domínio público (SPINK;

MENEGON, 2004) como referência para a breve contextualização do conceito histórico de

linguagem dos riscos.

1.3.1 A linguagem como prática social

Para Mary Jane Spink e Vera Menegon (2004), a filosofia clássica, tendo por base

pressupostos ontológicos e epistemológicos realistas, fez com que a linguagem assumisse o

papel de mediação entre mente (interna) e mundo (externo). Em contraposição a essa

14

perspectiva, um conjunto de estudos começou a ser realizado com vistas a promover inversões

no modo pelo qual se compreendia a linguagem: deslocamento do foco na cognição para a

comunicação; deslocamento do foco no pensamento (ou ideias) para a linguagem exteriorizada,

a linguagem em uso, e deslocamento da língua como estrutura (la langue) para o foco na

produção de sentidos (la parole).

Esses deslocamentos possibilitaram que a linguagem fosse abordada como uma prática

que promove a construção de realidades. Das inversões citadas, o deslocamento do foco na

interioridade da mente para a exterioridade do uso é aquele que propicia a base para a

elaboração do conceito da linguagem dos riscos, incorporando as noções de formações

discursivas e práticas discursivas.

Compreendendo a linguagem como uma prática social, é necessário, segundo Mary Jane

Spink e Benedito Medrado (1999/2013), utilizar duas terminologias distintas para trabalhar os

diferentes níveis de análise: o primeiro é o discurso decorrente dos processos de

institucionalização e o segundo concerne aos momentos ativos do uso da linguagem, nos quais

convivem tanto a ordem como a diversidade. Os autores utilizam a expressão práticas

discursivas para se referir aos momentos de ressignificações, de rupturas, de produção de

sentido.

Dito de outra forma, o discurso está relacionado às regularidades linguísticas, ou seja,

discursos específicos e institucionalizados de determinadas áreas do saber, grupos sociais ou

estruturas que, ao se institucionalizarem, tendem à permanência no tempo, contrapondo-se

assim às mudanças históricas. Assim, ancorados nas reflexões de Mikhail Bakhtin (1929/1995),

os autores defendem que os discursos se aproximam da noção de linguagens sociais, que são

discursos peculiares a um estrato específico da sociedade num determinado contexto ou em um

determinado momento histórico, como uma profissão ou um grupo etário, por exemplo.

Ainda apoiados em Bakhtin (1995), os autores enfocam a questão do contexto, ou seja,

a situação, os interlocutores presentes ou presentificados, os espaços e o tempo. Para eles, essas

questões moldam a forma e o estilo ocasional das enunciações, ou seja, os gêneros de fala,

definidos como formas mais ou menos estáveis de enunciados que buscam coerência com o

contexto: o tempo e o(s) interlocutor(es) (SPINK; MEDRADO, 1999/2013).

Nessa perspectiva, o conceito de práticas discursivas remete, por sua vez, à linguagem

em ação, ou seja, às maneiras mediante as quais as pessoas, no cotidiano da vida, produzem

sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas e que têm como elementos

constitutivos: a dinâmica, ou seja, os enunciados orientados por vozes; as formas, que são os

15

speech genres; e os conteúdos, que são os repertórios interpretativos. Seguem definições nas

palavras dos autores:

Os conceitos de enunciados e vozes caminham juntos na abordagem de Bakhtin:

ambos descrevem o processo de interanimação dialógica que se processa numa

conversação. Em outras palavras, os enunciados de uma pessoa estão sempre em

contato com, ou são endereçados a, uma ou mais pessoas e esses se interanimam

mutuamente, mesmo quando os diálogos são internos. As vozes compreendem esses

interlocutores (pessoas) presentes (ou presentificados) nos diálogos.

Na perspectiva bakhtiniana, linguagem é, por definição, uma prática social. A pessoa

não existe isoladamente, pois os sentidos são construídos quando duas ou mais vozes

se confrontam: quando a voz de um ouvinte (listener) responde à voz de um falante

(speaker) (Wertsch, 1991). Entretanto, as vozes às quais um enunciado é dirigido

podem estar espacial ou temporalmente distanciadas. Dessa forma, inclusive o

pensamento é dialógico: nele habitam falantes e ouvintes que se interanimam

mutuamente e orientam a produção de sentidos e enunciados.

Os repertórios interpretativos são, em linhas gerais, as unidades de construção das

práticas discursivas – o conjunto de termos, descrições, lugares-comuns e figuras de

linguagem – que demarcam o rol de possibilidades de construções discursivas, tendo

por parâmetros o contexto em que essas práticas são produzidas e os estilos

gramaticais específicos ou speech genres. (SPINK; MEDRADO, 1999/2013, p. 26-

28, grifos dos autores)

Para Spink e Medrado (1999/2013, p.22), “o sentido é uma construção social, um

empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas, na

dinâmica das relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas, constroem os

termos que utilizam para compreender e lidar com as situações e fenômenos a sua volta”.

Trabalhar com os sentidos de risco na vida cotidiana, na perspectiva desses autores,

possibilita superar as abordagens individualistas tradicionalmente empregadas para entender a

maneira de lidar com os riscos na vida contemporânea, e buscar a compreensão da

complexidade gerada na convivência com riscos de moradores da Vila América, na cidade de

Santo André, que sofre constantemente com inundações em seu território.

No entanto, para compreender os sentidos num dado contexto, é necessário analisar o

diálogo contínuo entre sentidos novos e antigos, o que demanda adotar uma perspectiva

temporal. Para os autores ora citados, os sentidos passados podem não ser estáveis, ou seja, são

passíveis de renovação nos diálogos presentes ou futuros e, assim, a qualquer momento, podem

ser atualizados assumindo outras formas.

Spink e Medrado (1999/2013) trabalham as práticas discursivas na interface de três

tempos históricos: o tempo longo, que marca os conteúdos culturais, definidos ao longo da

história da civilização; o tempo vivido, das linguagens sociais aprendidas pelos processos de

socialização, e o tempo curto, marcado pelos processos dialógicos. Portanto, compreender o

modo como os sentidos circulam no cotidiano, implica considerar a interface desses tempos, na

qual se processa a produção de sentidos.

16

Baseados nesta perspectiva teórica, compreender o cotidiano implica reconhecer os

espaços e relações na ótica dos micro-lugares, considerando os eventos que acontecem no

cotidiano da vida e nos espaços de convivência comunitária das pessoas. Para Peter Spink

(2008), os micro-lugares estão além da concepção de espaço físico: eles constituem o campo

relacional humano com as materialidades de uma determinada matriz, ou seja, a execução de

sucessivas atividades coletivas permanentes e sem fim.

Por meio desta abordagem, esta pesquisa buscará contribuir para a construção de

modos de observação dos fenômenos sociais que tenham como foco a tensão entre a

universalidade e a particularidade, entre o consenso e a diversidade, com vistas a produzir uma

ferramenta útil para promover transformações sociais.

1.4 A ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Estruturamos esta pesquisa em seis capítulos, contando com esta parte introdutória, na

qual buscamos posicionar o leitor quanto ao caminho percorrido no campo, o qual suscitou

alguns questionamentos que serviram como disparadores para a elaboração desta dissertação.

Apresentamos ainda o referencial teórico que norteou o trabalho.

No segundo capítulo são apresentadas as bases conceituais desse referencial, que se

propõe a pensar os riscos na vida cotidiana. Nele traçamos uma visão panorâmica sobre os

diferentes repertórios dos sentidos históricos do risco e das Teorias Sociais e Culturais do Risco

que contribuíram como referência para a construção da abordagem da linguagem dos riscos.

O terceiro capítulo tem como foco os objetivos da pesquisa, assim como apresenta

sistematicamente os procedimentos e estratégias de análise das informações utilizadas para

alcançar esses objetivos. Foi adotado um roteiro metodológico que contemplou o cruzamento

de informações provenientes de cinco fontes: 1) pesquisa documental com base em documentos

de domínio público, jornais e sites; 2) diário de campo da pesquisadora; 3) visitas ao Serviço

Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André (Semasa), autarquia à qual está afeto o

Departamento de Defesa Civil e à Vila América; 4) entrevista semiestruturada com moradores

do bairro, 5) imagens fotográficas, provenientes do acervo dos moradores, feitas pela

pesquisadora e de sites. Para análise e interpretação foram utilizados mapas dialógicos.

Buscamos, no quarto capítulo, contextualizar a Vila América, apresentando a sua

formação e configuração atual, assim como o histórico das inundações nesse bairro. Ainda com

o objetivo de contextualizar a Vila América, no quinto capítulo apresentamos nossos

17

interlocutores e as múltiplas dimensões do risco vivenciadas por eles, recorrendo a imagens

para ilustrar o conteúdo tratado.

No sexto capítulo apontamos as ações e obras promovidas pelo poder público como

resposta à problemática, assim como as questões dos direitos na perspectiva dos moradores.

Trouxemos, como apêndices, informações sobre a ocorrência de desastres associados às

chuvas no Estado de São Paulo, conceitos de desastres, propostos por autores das Ciências

Sociais, da Psicologia e inclusos em documentos de domínio público que embasam as políticas

brasileiras. Para finalizar disponibilizamos o modelo do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), Termo de Autorização de Uso de Imagem e os Mapas Dialógicos.

2. BASES CONCEITUAIS PARA PENSAR OS RISCOS NA VIDA COTIDIANA

Embora não seja objetivo desse trabalho traçar a trajetória das abordagens que

contribuíram para a formalização e a disseminação da abordagem dos riscos como estratégia de

governo, buscaremos fornecer uma visão panorâmica dos sentidos históricos de risco seguindo

o caminho traçado por Mary Jane Spink, nos artigos intitulados: Tópicos do discurso sobre

risco: risco-aventura como metáfora na modernidade tardia (2001) e Contornos do risco na

modernidade reflexiva: contribuições da psicologia social (2000). Nesses artigos, a autora

discorre sobre risco citando três dimensões: uma forma de se relacionar com o futuro, uma

forma de conceituar risco e uma forma de gerir os riscos.

Considerando o risco como uma forma específica de se relacionar com o futuro, Spink

reitera que a palavra risco emerge na pré-modernidade, ou seja, na transição entre a sociedade

feudal e as novas formas de territorialidade que dariam origem aos Estados-nação. Embora o

conceito esteja relacionado à modernidade, se olharmos ao longo da história, veremos que a

humanidade sempre enfrentou perigos diversos, sejam os riscos involuntários, decorrentes de

catástrofes naturais como furacões, secas, inundações, terremotos, erupções vulcânicas, sejam

aqueles associados às guerras e às vicissitudes da vida cotidiana, como incêndios, acidentes

industriais, nucleares, ou ainda os riscos voluntários, decorrentes do que chamaríamos hoje de

“estilo de vida”.

No entanto, esses eventos eram referidos como perigos, fatalidades, hazards ou

dificuldades, mesmo porque a palavra risco não estava disponível nos léxicos das línguas indo-

europeias. Esses repertórios referiam-se à possibilidade de ocorrência de eventos vindouros, em

um momento histórico no qual o futuro ainda não era pensado como passível de controle.

18

Spink (2000) relata ser provável que a palavra risco tenha sido usada inicialmente como

termo náutico para denominar perigos invisíveis, como penhascos submersos que eram

prováveis, portanto passíveis de cálculo. A associação entre a palavra risco e a vida marítima

ocorreu em um período no qual a navegação era considerada importante base da atividade

comercial, emergindo, com isso, a necessidade de uma ferramenta para o cálculo das

probabilidades da ocorrência do evento.

Atrelado ao conceito de risco ocorre a sofisticação da estatística e seu uso como ciência

do Estado. Spink (2001) ressalta que o significado de estatística é status, que em latim quer

dizer estado ou condição. Em seu sentido inicial, a estatística era o ramo da ciência política que

dizia respeito à coleção e classificação de fatos relevantes para a tarefa administrativa. Nesse

sentido que ela encontra uma primeira função no governo das populações, na Ciência da Política

dos estados alemães dos séculos XVIII e XIX.

Para a autora, essa nova maneira de entender risco pode ser descrita tomando-se por

base os repertórios linguísticos disponíveis para significar o futuro. Há, portanto, uma

incorporação gradativa de termos, passando de fatalidade a fortuna e incorporando

paulatinamente os vocábulos hazard (século XII), perigo (século XIII), sorte e chance (século

XV) e, no século XVI, risco.

Na pré-modernidade o risco emerge como vocábulo, tornando-se um conceito

fundamental na modernidade clássica, que envolveu, de um lado, o lento desenvolvimento da

teoria da probabilidade, cuja história tem início no século XVII e, de outro, a sofisticação da

estatística e do seu uso como ciência do Estado, configurando a segunda dimensão histórica dos

riscos.

Spink (2001) ressalta que o avanço do cálculo de probabilidade foi fundamental para

que a coleta de informações sobre a população se tornasse um instrumento fundamental de

governo, permitindo a gestão dos riscos, prática que tem sua idade de ouro no século XIX. Ao

mesmo tempo em que emergem ferramentas para o cálculo das probabilidades, diversas

transformações no contexto europeu a partir da Segunda Guerra Mundial, contribuíram para

que o cálculo dos riscos se tornasse uma preocupação central da sociedade e com isso,

paulatinamente, a mensuração do risco tornou-se uma ferramenta útil para o governo das

populações.

Com foco no contexto histórico sobre a linguagem dos riscos, percebemos no discurso

relacionado à probabilidade, importantes desdobramentos que nos ajudam a compreender como

atualmente o conceito de risco vem sendo utilizado em âmbito mundial e em âmbito nacional

por órgãos responsáveis pela gestão da problemática dos ricos.

19

Em âmbito mundial, na Estratégia Internacional para a Redução de Desastres, risco é

conceituado como:

Probabilidade de consequências prejudiciais ou perdas esperadas (mortes, lesões,

propriedades, meios de subsistência, interrupção de atividade econômica ou ambiente,

ameaças naturais ou antropogênicas e condições de vulnerabilidade).

Convencionalmente, o risco é expresso por Risco = Ameaças x Vulnerabilidade.

Algumas disciplinas também incluem o conceito de exposição para referir-se

principalmente aos aspectos físicos da vulnerabilidade. Mas além de expressar uma

possibilidade de dano físico, é crucial reconhecer que os riscos podem ser inerentes,

aparecem ou existem dentro de sistemas sociais. Igualmente é importante considerar

os contextos sociais nos quais os riscos ocorrem, pois a população não

necessariamente compartilha as mesmas percepções sobre o risco e suas causas

subjacentes. (EIRD, 2015, p. 17-18).

No documento brasileiro intitulado “Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e

Medicina de Desastres”, encontramos cinco definições de risco:

1. Medida de dano potencial ou prejuízo econômico, expressa em termos de

probabilidade estatística de ocorrência e de intensidade ou grandeza das

consequências previsíveis. 2. Probabilidade de ocorrência de um acidente ou evento

adverso, relacionado com a intensidade dos danos ou perdas, resultantes dos mesmos.

3. Probabilidade de danos potenciais dentro de um período especificado de tempo e/ou

de ciclos operacionais. 4. Fatores estabelecidos, mediante estudos sistematizados, que

envolvem uma probabilidade significativa de ocorrência de um acidente ou desastre.

5. Relação existente entre a probabilidade de que uma ameaça de evento adverso ou

acidente determinado se concretize e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a

seus efeitos (BRASIL, 2015, p. 162).

Nos documentos oficiais de âmbito internacional ou nacional, portanto, risco vem sendo

considerado como passível de mensuração e cálculos, ou seja, os diferentes conceitos sobre

risco, formatados a partir da modernidade, estão relacionados à probabilidade de ocorrência de

um evento adverso, causando danos ou prejuízos à sociedade.

2.1 RISCO COMO PRÁTICA DISCURSIVA

Segundo Mary Jane Spink (2001), como já indicado, com o avanço do cálculo das

probabilidades no século XIX, os dados previstos passam a se tornar um instrumento

fundamental de governo. Entretanto, será apenas em meados do século XX que ocorrerá a

progressiva formalização do conceito e o aperfeiçoamento das técnicas de cálculo dos riscos.

Essa passagem é marcada pela relevante contribuição da epidemiologia, levando, na segunda

metade do século XX, à formatação de um campo de saber muito específico, denominado gestão

20

de riscos, que é o resultado da junção do cálculo de probabilidades e da herança da função

política da estatística, responsáveis por gerar os sofisticados modelos de análise de riscos.

Para a autora, é a partir da década de 1950 que o campo interdisciplinar da análise dos

riscos se fortalece, no contexto dos riscos associados à energia nuclear, englobando três áreas

de especialidade: o cálculo dos riscos (risk assessment), a percepção dos riscos pelo público e

a gestão dos riscos. Atualmente, a gestão dos riscos passou a englobar também a comunicação

sobre riscos ao público.

O cálculo dos riscos consiste na identificação dos efeitos adversos potenciais do

fenômeno em análise, a estimativa de sua probabilidade e da magnitude de seus efeitos. A

percepção dos riscos volta-se à relação entre o público e os riscos, focando ainda na perspectiva

do controle preventivo dos riscos, buscando, por meio da educação, influir nos comportamentos

deletérios para a saúde do corpo e do meio ambiente. A gestão dos riscos está relacionada a

quatro estratégias integradas: os seguros, as leis de responsabilização por danos, a intervenção

governamental direta e a autorregulação. Progressivamente, passou a incorporar também a

comunicação sobre riscos, na medida em que a participação pública quer na aceitação, quer no

autocontrole, passou a ser elemento imprescindível do controle social dos riscos.

Remontando às origens históricas dos discursos dos cálculos de probabilidades

apresentadas anteriormente, Mary Jane Spink e Vera Menegon (2004) propõem três tradições

distintas para compreender o conceito de risco na modernidade tardia: uma está relacionada

com a crescente necessidade de governar coletivos, a outra com a disciplinarização da vida

privada e também com o risco como aventura.

A tradição do risco como aventura está ligada aos campos do esporte e da economia,

propondo justificativa positiva em se correr risco para alcançar determinados ganhos. Trata-se

de uma tradição em que correr risco é o desejado.

A tradição relacionada à necessidade de governar coletivos é fruto da modernidade

clássica e está voltada à crescente necessidade de governar populações por meio de medidas

coletivas voltadas ao gerenciamento das relações espaciais, ou seja, à distribuição e ao

movimento das pessoas nos espaços físicos e sociais. A forma de governar coletivos nos

possibilita compreender o risco como forma de controle; como estratégia de

governamentalidade, conceito desenvolvido por Michel Foucault em vários escritos. Nas

palavras desse autor:

Vivemos na era da "governamentalidade", aquela que foi descoberta no século XVIII.

Governamentalização do Estado que é um fenômeno particularmente tortuoso, pois,

embora efetivamente os problemas da governamentalidade, as técnicas de governo,

21

tenham se tornado de fato o único espaço real da luta e dos embates políticos, essa

governamentalização do Estado foi, apesar de tudo, o fenômeno que permitiu ao

Estado sobreviver. E é possível que, se o Estado existe tal como ele existe agora, seja

precisamente graças a essa governamentalidade que é ao mesmo tempo exterior e

interior ao Estado, já que são as táticas de governo que, a cada instante, permitem

definir o que deve ser do âmbito do Estado e o que não deve, o que é público e o que

é privado, o que é estatal e o que é não estatal. Portanto, se quiserem, o Estado em sua

sobrevivência e o Estado em seus limites só devem ser compreendidos a partir das

táticas gerais da governamentalidade (FOUCAULT, 2008, p. 145).

Com foco no risco, o autor aponta para duas dimensões: a primeira relativa ao

gerenciamento de pessoas nos espaços físicos e sociais, e a segunda relacionada às condições

de vida no âmbito da saúde, fazendo-se necessário o controle dos riscos de algumas doenças

(FOUCAULT, 1979). Na perspectiva de governar a população, discutir a noção de risco

possibilita compreender as relações entre governantes e governados, tanto quanto quem é

responsável por legislar os riscos nas diferentes esferas do fazer humano.

De acordo com Spink (2000), essa definição é importante, pois como cada risco

demanda avaliação e regulação, para tanto, é necessária a contratação de peritos e a criação de

comissões técnicas responsáveis, o que nos permite compreender que o conceito se tornou, ao

longo do tempo, objeto de gestão que se expressa de formas diferentes quando usada em

contextos distintos.

Assim, a gestão dos riscos, como um fenômeno da modernidade tardia, é uma forma de

governar populações, sendo necessário compreende-la na perspectiva das mudanças que vêm

ocorrendo na esfera das estratégias de governamentalidade, pois estarmos vivenciando o fim da

sociedade disciplinar (ou modernidade clássica) e ingressando na era da sociedade de risco (ou

modernidade tardia). Isso implica entender como passamos do foco na gestão da vida para o

foco na gestão do risco (SPINK, 2001).

Para Spink e Menegon (2004), a análise dos riscos, tendo como base, além da gestão,

também cálculo deles, fez com que a percepção do risco pelas pessoas e recentemente a

comunicação do risco para o público, se convertesse em cenário de debates que confrontam

posturas objetivistas e socioculturais que partem de distintas definições do que vem a ser risco

e estão imbricadas com valores e ordens morais que extrapolam a racionalidade do cálculo do

risco. Esse debate, na modernidade tardia, desloca-se da esfera dos valores para a esfera do

cálculo, ponderando que os riscos manufaturados tendem a ser imponderáveis.

No entanto, sejam os riscos calculáveis ou imponderáveis, na medida em que afetam as

pessoas, são obrigatoriamente objetos de gestão pública, seja nos microcontextos de cada

cidade, Estado, nação, ou no macrocontexto da sociedade globalizada. Portanto, precisam ser

calculados, segurados e gerenciados.

22

Mediante os processos de socialização herdamos tensões advindas da forma como certas

constâncias discursivas se formaram na sociedade moderna, são elas:

1) tensão entre uma perspectiva coletiva de gerenciamento de risco – apoiada na

legislação – e uma perspectiva mais individualista de introjeção da disciplina; 2)

tensão entre as visões de leigos e de especialistas – os especialistas mais apoiados na

quantificação dos riscos enquanto os leigos lançam mão da informação disponível; 3)

tensão entre o imperativo da prevenção dos riscos e a percepção de que correr risco

ajuda a formar o caráter ou a liberar a criatividade (SPINK; MENEGON, 2004,

p.282).

Essas tensões e diferenças emergem dos distintos gêneros de fala utilizados em

diferentes campos, nos quais, mesmo preservada a ideia de controle baseado em cálculos, a

linguagem dos riscos assume conotações singulares e usos específicos, típicos das práticas

discursivas das diferentes arenas de atividade.

Considerando-se que a gestão de risco é uma estratégia de governamentalidade, faz-se

importante compreender como esse processo vem ocorrendo nas instâncias responsáveis, em

nosso país, pelas ações de regulação e controle, tanto quanto como tais instâncias o entendem.

A Defesa Civil considera a gestão de risco como qualquer atividade que aborda ou busca evitar

o aumento ou o desenvolvimento de novos riscos de desastres (CEPED UFSC, 2014).

A questão mundial da gestão de riscos de desastres surgiu essencialmente após 1998,

inspirada na realidade posta em evidência pelo desastre associado ao furacão Mitch e seus

desdobramentos. O furacão Mitch afetou grandes áreas em Honduras, Nicarágua, El Salvador,

Guatemala e Sul da Flórida, EUA, em outubro-novembro de 1988, causando mais de seis

bilhões de dólares de prejuízos e cerca de 18.000 mortes. Foi assim que se desenvolveu um

novo modelo que evoluiu da gestão de desastres (com ênfase na resposta) para a gestão de riscos

de desastres, que envolve intenções fundamentadas de redução de riscos e de desastres no

contexto do planejamento do desenvolvimento econômico e social (CEPED UFSC, 2014).

No Brasil, o marco para se discutir a gestão de risco, no âmbito da Política de Proteção

e Defesa Civil, foi a aprovação da Lei n° 12.608, de 10 de abril de 2012, que também passou

contemplar as atividades focadas em ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas

destinadas a evitar desastres e minimizar seus impactos para a população e restabelecer a

normalidade.

Durante muitos anos, em conformidade com a antiga Resolução n° 2, de 12 de

dezembro de 1994, do Conselho Nacional de Defesa Civil, a Política Nacional de Defesa Civil

previa ações de redução dos desastres que abrangiam quatro fases ou aspectos globais, a saber:

23

prevenção de desastres, preparação para emergências e desastres, resposta aos desastres e

reconstrução.

Atualmente, esses conceitos foram atualizados pela Estratégia Internacional para a

Redução de Desastres e também sofreram alteração no Brasil com a edição da lei acima citada,

tendo como principal diretriz a necessidade de uma abordagem sistêmica das ações de

prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação (CEPED UFSC, 2014).

Os desafios da administração de riscos e de desastres exigem a construção de um

caminho que incorpore uma gestão integrada de riscos de desastres nas diferentes esferas

governamentais, assim como entre as diversas áreas do saber. Esse campo interdisciplinar tem

focado suas ações nas percepções e comunicações dos riscos pelo público, assim como na

construção de cidades resilientes.

2.2 DO OTIMISMO QUANTO À GESTÃO DOS RISCOS ÀS CRÍTICAS DAS

CIÊNCIAS SOCIAIS

Todas essas arenas iniciaram-se num clima de franco otimismo, mas progressivamente

se depararam com críticas, sobretudo por parte de antropólogos e, mais tarde, sociólogos,

ecologistas e pensadores de outras áreas do saber, incluindo aí a Psicologia.

As críticas feitas por essas diferentes correntes teóricas partiram das ciências sociais,

mais especificamente da antropóloga Mary Douglas com a Teoria Cultural do Risco, e do

sociólogo Ulrich Beck com a Teoria Social do Risco, que se constituíram em referência

histórica para a construção da abordagem da linguagem dos riscos, base teórica desta pesquisa.

2.2.1 Teoria Cultural do Risco

Considerando as diferentes correntes teóricas, as abordagens da área das ciências sociais

coadunam entre si a crítica à hegemonia exercida pelas análises quantitativas e técnicas em

relação ao risco, sobretudo por ignorarem que as causas dos danos e a magnitude das

consequências são socialmente construídas.

A primeira crítica a essas análises vêm da antropóloga Mary Douglas com os estudos

denominados teoria Cultural do Risco. Essa autora (1992) considera que as ações relacionadas

aos riscos são frequentemente produtos de fenômenos socialmente organizados, que criam nas

pessoas significados próprios e são por ela nomeados como habituação socializada. Esse

24

significado é resultado da seleção dos riscos priorizados como relevantes para as pessoas diante

do contexto social no qual estão inseridas.

Esta perspectiva surge, originalmente, com estudos antropológicos de rituais de

purificação em sociedades tribais, registrados no livro Purity and Danger (DOUGLAS, 1966)

e é considerado o marco inicial da abordagem cultural dos riscos. Nesta obra, a autora analisa

a poluição moral a partir do estudo das relações entre restrições alimentícias e ordem social,

concluindo que quaisquer que sejam os riscos objetivos, as organizações sociais tendem a

enfatizar aqueles que possibilitam um reforço das ordens religiosa, política ou moral, a fim de

que estas se mantenham coesas.

Nessa dinâmica, os riscos se tornam parte de um processo sociocultural, que pode não

estabelecer relação direta com o seu caráter objetivo, mas sim com o processo cultural

socializado por um grupo de pessoas.

Fundada nesse estudo, e com o objetivo de analisar o comportamento de risco em

sociedades modernas, Douglas une-se a Aaron Wildavsky para elaborar uma abordagem mais

geral sobre os riscos, que inclui tanto as sociedades modernas como as tribais, e que foi

apresentada no livro Risk and Culture (DOUGLAS; WILDAVSKY, 1982). O foco principal

foi nos riscos tecnológicos ou ambientais, trazendo esse tema para o campo do debate político

e moral, sendo que, na seleção dos riscos relevantes para gestão, nem sempre a evidência

científica teria papel esclarecedor, pelo fato de que a escolha responderia a fatores sociais e

culturais, e não naturais.

Esta teoria caracteriza-se pela ênfase no caráter cultural de todas as definições de risco,

apontando para as diferenças entre leigos e peritos e para os diferentes entendimentos expressos

pelas diferentes maneiras dos atores sociais lidarem com os riscos, criticando a crença

inabalável da ciência como única detentora de sabedoria nas tomadas de decisões (DOUGLAS,

1992).

Um dos questionamentos da autora consiste no motivo pelo qual o risco passa a ganhar

destaque como substituto do conceito de perigo. Para ela, a preocupação com o risco consiste

em um produto da globalização e a consequência disso está vinculada a formas de fornecer

novos tipos de proteção. Em suas palavras:

No nível nacional das operações, a nação tem de fornecer novos tipos de proteção. No

nível internacional, serão necessárias algumas armas generalizadas de defesa para

atender as necessidades de justiça e bem-estar. A ideia de risco poderia ter sido

personalizada. A terminologia da universalização, da sua abstração, do seu poder de

condensação, sua cientificidade, sua conexão com a análise objetiva, torna-o perfeito.

Acima de tudo, os seus usos forenses cabem como ferramenta para a tarefa de

construir uma cultura que da suporte a uma sociedade industrial moderna. Dos

25

diferentes tipos de sistema de culpar que podemos encontrar na sociedade tribal, o

sistema atual está quase pronto para atribuir todas as mortes à conta de alguém, cada

acidente como causado por negligência criminosa de alguém, toda enfermidade com

uma ameaça de acusação (DOUGLAS, 1992, p.15, tradução nossa)1.

Para Douglas, esta nova preocupação com o risco faz parte de uma reação pública contra

grandes corporações, ou seja, a pressão política não é explicitamente contra a disputa dos riscos,

mas contra a exposição a outros riscos. A resposta do porque o risco tornou-se central para o

comportamento das pessoas está relacionada com as relações na sociedade global.

Com base nas reflexões apresentadas sobre a Teoria Cultural do Risco, ora apresentadas,

apontaremos as considerações e críticas de duas autoras sobre essa perspectiva; são elas: Débora

Lupton (1999) e Julia Guivant (1998).

Segundo Lupton (1999), a perspectiva da teoria cultural do risco tem sido influente por

proporcionar uma incisiva e persuasiva crítica às abordagens realistas que dominavam o campo

e por enfatizar as maneiras pelas quais as noções de risco eram usadas para estabelecer e manter

limites conceituais entre o eu e o outro, buscando compreender como o corpo humano é usado

simbolicamente e metaforicamente em práticas discursivas sobre o risco. Em suas palavras:

Sua abordagem "cultural/simbólica” enfatiza que os julgamentos sobre risco são

políticos, morais e estéticos, construídos através de quadros de compreensões

culturais e implicados com as noções do corpo e a importância de estabelecer e manter

fronteiras conceituais. Isto fornece uma perspectiva sobre o risco que configura um

contraponto importante para o foco individualista que predomina na perspectiva

realista (LUPTON, 1999, p. 57, tradução nossa)2.

Segundo a autora, para os interessados em questões de risco que vão além das

perspectivas individualistas, ou seja, para uma abordagem dos riscos fundamentalmente

compartilhada e cultural, os escritos de Douglas fornecem uma base firme. No entanto,

considera que esta teoria tende a ser um pouco mais estática, como é típico de análises

estruturalistas de fenômenos socioculturais, pois há pouca explicação sobre como as coisas

podem mudar.

1 Original: At the national level of operations, the nation has to provide new kinds of protection. At the

international level, some generalized weapon of defence will be required, to fill the needs of justice and welfare.

The idea of risk could have been custommade. Its universalizing terminology, its abstractness, its power of

condensation, its scientificity, its connection with objective analysis, make it perfect. Above all, its forensic uses

fit the tool to the task of building a culture that supports a modern industrial society. Of the different types of

blaming system that we can find in tribal society, the one we are in now is almost ready to treat every death as

chargeable to someone’s account, every accident as caused by someone’s criminal negligence, every sickness a

threatened prosecution. 2 Original: Her ‘cultural/symbolic’ approach emphasizes that risk judgements are political, moral and

aesthetic, constructed through cultural frameworks of understanding and implicated with notions of the body and

the importance of establishing and maintaining conceptual boundaries. This provides a perspective on risk that

sets up an important counterpoint to the individualist focus that pre-dominates in the realist perspective.

26

Para Julia Guivant (1998), a Teoria Cultural do Risco caracteriza-se pela ênfase no

caráter cultural de todas as definições de risco, o que leva à diluição das diferenças entre leigos

e peritos e à perda da diferenciação da pluralidade de racionalidades dos atores sociais na forma

de lidar com os riscos.

Também critica o limite do individualismo metodológico relacionado à forma pela qual

a abordagem estuda as instituições. Para a autora, a inevitabilidade de um conceito relativo de

segurança deveria ser incorporada pelas instituições sociais, em lugar de uma aversão radical

aos riscos, que leva ao desenvolvimento de medidas antecipatórias que podem gerar um falso

senso de segurança ao deixar de considerar a possibilidade de acontecimentos inesperados.

Com isso, segundo Guivant (1998), as ações implementadas para evitar ou controlar

determinados riscos, no geral apresentadas como soluções de caráter meramente técnico-

científico, podem provocar outra sequência de novos riscos. Uma forma de lidar com os riscos

seria fazer com que as populações potencialmente afetadas tivessem acesso a eles como

questões políticas e não como problemas “purificados”, apresentados em fórmulas

probabilísticas.

Desse modo, a alternativa seria evitar concentrar-se numa fonte única, de maneira que,

no caso de qualquer problema de nível tecnológico ou de abastecimento, se pudesse responder

com resiliência. Diversidade e flexibilidade seriam as melhores defesas ante um futuro incerto,

pois extinguir a variedade levaria a um aumento dos riscos.

2.2.2 Teoria Social do Risco

O sociólogo Ulrich Beck transformou esse campo de análise ao apresentar o conceito

de Sociedade de Risco para se referir a uma fase de radicalização dos princípios da

modernidade. Segundo Guivant (1998), o marco para o surgimento da sociedade de risco teria

sido a catástrofe de Chernobyl, que provocou um “choque antropológico” nas populações das

sociedades industrializadas do Ocidente no que se refere ao desenvolvimento tecnológico.

Vale destacar, ainda, que Beck tem como base para suas reflexões a situação da

Alemanha, onde as preocupações estão voltadas para os riscos globais. Ele analisa uma

sociedade na qual a preocupação com a satisfação das necessidades materiais básicas teria sido

substituída pela preocupação com o risco potencial de autodestruição da humanidade.

No livro Sociedade de Risco: Rumo a uma nova modernidade (2013) Beck discorre

sobre a teoria social do risco. O autor explica que a sociedade ocidental contemporânea está

27

vivendo um período de transição, em que a produção de riqueza é acompanhada da exacerbação

de riscos como consequência da modernização. Nas palavras do autor:

Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente

pela produção social dos riscos. Consequentemente, aos problemas e conflitos

distributivos da sociedade da escassez sobrepõem-se os problemas e conflitos

surgidos a partir da produção, definição e distribuição de riscos científico-

tecnologicamente produzidos (BECK, 2013, p. 23).

Para o autor, a oposição à possibilidade de cálculo probabilístico de um evento é a

condição fundamental para a modernidade tardia, que apresenta como característica a

multiplicação das incertezas manufaturadas e resulta na imprevisibilidade de desastres naturais.

Portanto, os riscos são formas sistemáticas de lidar com os perigos e as inseguranças induzidas

e introduzidas pelo próprio processo de modernização, e essa nova maneira de ver os riscos

difere das antigas.

Os novos riscos são fabricados e pautados por incertezas, atingindo a todos e

extrapolando os contornos pessoais, até mesmo as fronteiras territoriais e temporais. Essas

incertezas fabricadas, segundo Beck (2013), são reforçadas por rápidas inovações tecnológicas

e respostas sociais aceleradas, criando uma nova paisagem de risco global. Esta perspectiva

oferece uma abordagem que considera os processos macrossociais da corrente de significados

e estratégias de risco e se concentra em processos como a reflexividade, a individualização e a

globalização.

Para Beck (2012), o conceito de reflexividade permeia os vários grupos que

constantemente se confrontam na sociedade de risco através dos limites e das consequências de

suas ações, permitindo explicar a possibilidade de autocrítica que se pode ter diante de práticas

perigosas. A reflexividade está relacionada a diversos processos que perpassam a vida

cotidiana, como a suscetibilidade à revisão crônica da maior parte dos aspectos da atividade

social e das relações com a natureza à luz de novas informações. Isso ocorre tanto na esfera

privada, quanto nos projetos da ciência e nas atividades de governo.

Os estudos sobre reflexividade são centrais para Ulrich Beck e Anthony Giddens, pois

para ambos a sociedade contemporânea caracteriza-se pela radicalização dos princípios que

orientaram o processo de modernização industrial, marcando a passagem da sociedade moderna

para a sociedade da alta modernidade, segundo Giddens, ou para a sociedade de risco ou da

modernização reflexiva, segundo Beck. Com este argumento, ambos os teóricos também se

distanciam das análises pós-modernas, na medida em que afirmam que ainda estamos na

modernidade (GUIVANT, 1998).

28

O termo reflexiva, adotado por Beck (2012) no conceito de modernização reflexiva, não

significa "reflexão", mas sim "auto confrontação". Segundo o autor, a transição para a

reflexividade é um efeito colateral não intencional, despercebida e compulsiva da modernidade,

seguindo o padrão dos efeitos colaterais latentes. A reflexividade refere-se à suscetibilidade à

revisão crônica da maior parte dos aspectos da atividade social e das relações com a natureza,

à luz de novas informações, processo esse que perpassa a vida cotidiana, pensada como esfera

privada, o projeto da ciência e a própria atividade de governo.

Em relação à individualização, não se trata da identificação do singular na massa e não

se refere à alienação ou solidão. Significa a exigência, na modernidade tardia, de que os

indivíduos produzam suas novas formas de vida, que são continuamente sujeitas a mudanças.

Beck (2012) se refere, com esse termo, às transformações que vêm ocorrendo nas instituições

tradicionais, família, trabalho e educação, que fazem com que as biografias se tornem projetos

reflexivos e, como tal, processos centrais na constituição da subjetividade contemporânea.

A globalização, na visão de Beck (2013), se refere à interseção de ausência e presença

ou ao entrelaçamento de relações e eventos sociais que estão distantes dos contextos locais.

Trata-se do processo de separação das relações entre tempo e espaço que tem como

consequências a desterritorialização. Essa articulação de relações sociais que atravessam vastas

fronteiras de tempo e espaço torna-se possível porque o movimento: de pessoas, de produtos e

de informação, passou a ser facilitado pelos avanços nos meios de transporte. Entretanto, não é

essa a marca registrada da globalização, mas sim os desenvolvimentos na mídia eletrônica.

A Teoria Social do Risco permite romper com a ideia do perigo e do risco como eventos

excepcionais, ou seja, possibilita entender que os riscos produzidos na e pela modernidade são

fabricados socialmente pela intervenção humana sobre o meio. Em suma, coaduna-se com a

noção de que as causas e consequências de um desastre não são apenas naturais, mas estão

também relacionadas aos processos e estruturas sociais, especialmente às relações sociais de

desigualdade que, sendo historicamente produzidas, refletem em um território ocupado por

grupos mais empobrecidos, tornando-os mais suscetíveis à ocorrência desses eventos.

[...] o ‘ambiente’ soa como um contexto externo à ação humana. Porém, as questões

ecológicas só vieram à tona porque o ‘ambiente’, na verdade, não se encontra mais

alheio à vida social, humana, mas é completamente penetrado e reordenado por ela

(BECK; GIDDENS; LASH, 2012, p. 08).

Segundo o autor, de fato, estamos vivendo em um mundo fora de controle, caracterizado

por incertezas que têm sido fabricadas em decorrência do progresso tecnológico e científico

29

para o qual as ciências não podem garantir um risco zero, especialmente quando os resultados

de laboratório vão sendo aplicados industrialmente fora dele. Então, na tentativa de prevenir,

mitigar e remediar esses riscos, essas destruições produzidas pela própria modernização fazem

com que a sociedade tenha de lidar com efeitos não previstos que ela mesma produziu.

A partir das reflexões apresentadas sobre a Teoria Social do Risco, apontaremos as

considerações e críticas da autora Guivant (1998) que consideramos fundamentais para a

proposta que apresentaremos de entender risco numa perspectiva linguística.

Guivant (1998) ressalta que, quando Beck se refere à transição da sociedade de classes

para a sociedade de riscos, não devemos desconsiderar que todo o seu estudo está ancorado no

contexto europeu e mais particularmente na realidade alemã, que sendo uma sociedade

altamente industrializada, fez com que o autor não considerasse a possibilidade da existência

simultânea de ambos os tipos de sociedade, como ocorre no Brasil.

Quando nos referimos ao contexto brasileiro, um país atravessado pelos problemas da

sociedade de escassez, no qual a distribuição da riqueza é altamente desigual entre as classes

sociais e, ao mesmo tempo, já se defrontando com os problemas da sociedade de risco, sem

ainda contar com a reflexividade ativa identificada por Beck nas sociedades mais

industrializadas, podemos afirmar que, lidar com a problemática dos riscos de desastres, torna-

se um grande desafio.

Para a autora, uma alternativa para lidar com o problema é considerar a globalização

juntamente com as dinâmicas específicas que os riscos ambientais e tecnológicos podem

adquirir em diferentes sociedades e desenvolver uma abordagem teórica mais complexa e com

uma maior potencialidade explicativa, que dê conta das relações entre leigos e peritos e do papel

dos leigos no estabelecimento de políticas de controle e regulação dos riscos.

Essas reflexões nos dão sustentação para adotarmos uma abordagem alternativa sobre

os estudos dos riscos. Partimos de uma perspectiva da Psicologia Social Crítica, propondo o

estudo das práticas discursivas no cotidiano e da circulação de repertórios em uma perspectiva

histórica e social, entendendo-os como uma prática social, histórica, cultural e dialógica, que

determina a linguagem em uso.

2.3 APONTAMENTOS SOBRE A PERCEPÇÃO DE RISCOS

Considerando a complexidade inerente ao campo da percepção de riscos e a diversidade

de perspectivas teóricas, nosso objetivo não é realizar um levantamento sobre os diferentes

30

estudos existentes, mas abordar como as referências históricas que contribuíram para a

construção do referencial teórico e metodológico dessa pesquisa discutem o tema.

Os estudos sobre percepção de riscos no âmbito da Psicologia cognitivista e

psicométrica visam entender como pessoas que vivem em situação de risco definem, enfrentam

e convivem com essa situação em seu cotidiano. A perspectiva psicométrica de Paul Slovic

(1987) busca medir a influência relativa de diferentes fatores cognitivos na formulação da

percepção das pessoas sobre o risco, buscando identificar as "estratégias mentais" ou a

"heurística" com as quais percebem os riscos.

Para o autor, a percepção de determinados riscos está relacionada à importância e à

gravidade do evento, mesmo quando a probabilidade de ocorrência é relativamente baixa.

Riscos com baixa probabilidade, mas com consequências mais extremas, são percebidos como

mais ameaçadores do que riscos com consequências mais moderadas mesmo que com maior

probabilidade. As pesquisas nessa vertente mostram também que ter controle pessoal sobre um

risco ou ter maior familiaridade com ele são fatores que podem diminuir a percepção de risco

das pessoas.

Ainda referindo-se a esse autor, Slovic (2004) realizou estudos psicométricos cujo

objetivo era mostrar que a percepção do risco ocorre quando pessoas associam determinado

fenômeno a um sentimento, afeto, ou emoção de segurança ou perigo. Em suas experiências, o

autor se baseia em imagens e associações ligadas à emoção e afetação (a sensação de que algo

é bom ou ruim), revelando que a percepção do risco é dada por meio de um sentimento que nos

diz se algo é seguro ou não.

A percepção de cada um sobre uma situação específica pode variar de acordo com a

sensação da experiência e influenciar como as pessoas se veem sob risco e/ou convivem com o

risco em seu cotidiano. Variam também de acordo com a quantidade de informação a que tem

acesso e como a agência informativa lida com o assunto, ou seja, os desastres que recebem um

alto nível de atenção da mídia despertam mais preocupação do que aqueles que não o fazem,

mesmo se aqueles ocorram raramente.

De maneira geral, esses estudos buscam compreender a percepção do risco mediante um

olhar individualizado do fenômeno, ou seja, a relação da pessoa afetada com o risco que, apesar

das suas potencialidades explicativas, não enfocam questões sobre quais estímulos sociais ou

culturais determinam certos padrões, ou por qual razão atributos específicos são associados a

diferentes tipos de risco.

Buscando atender a essas questões, estudos sociológicos e culturais Beck e Douglas

(2013/1992) tendem a considerar os valores sociais e culturais que constituem uma orientação

31

para julgamento e direcionamento de comportamentos, as visões de mundo e as relações

institucionais entre leigos e peritos. Nessas abordagens as ações relacionadas aos riscos são

frequentemente produtos de uma habituação socializada, fenômenos socialmente organizados

que fazem emergir nas pessoas significados próprios, resultados da seleção dos riscos

priorizados como relevantes diante do contexto social na qual estão inseridas.

Na Teoria Cultural do Risco, Douglas (1992) defende que as pessoas selecionam e

interiorizam determinados riscos como relevantes, conforme o papel que eles possam ter em

seu contexto social e a atenção que as pessoas dão a determinados riscos em detrimento de

outros faz parte de um processo sociocultural que dificilmente tem uma relação direta com o

caráter objetivo dos riscos.

A autora descreve a cultura como sistema mnemônico, que ajuda as pessoas a calcular

os riscos e as suas consequências. A cultura não só ajuda as pessoas a compreenderem o risco,

como também contribui para uma noção individualista de risco, tendo em conta obrigações e

expectativas mútuas. Sua abordagem enfatiza que os julgamentos de risco são políticos, morais

e estéticos, construídos através de quadros culturais de compreensão.

Na Teoria Social do Risco, temos, nos estudos sobre modernização reflexiva de Ulrich

Beck, Anthony Giddens e Scott Lash (2012), uma tentativa de buscar compreender como as

pessoas percebem os riscos na modernidade, que incluem processos de individualização, de

pluralização de conhecimentos e de padrões morais e globalização. Em linhas gerais, esta

abordagem parte da ideia de que a meta-racionalidade da modernidade (racionalidade

instrumental, eficiência, justiça por meio de crescimento econômico, melhoria constante das

condições individuais de vida graças ao progresso científico e tecnológico) tem perdido seu

poder legítimo.

Para os autores, a dificuldade da ciência e da tecnologia em lidar com determinados

riscos tem levado a uma descrença das pessoas quanto ao papel delas na produção de benefícios

sociais e na promoção do progresso.

Para Beck (2012), a incapacidade das pessoas de distinguirem os riscos, reflete uma

combinação de racionalidade científica, deliberação institucional e esforços de organizações

ambientais.

A abordagem da modernização reflexiva defende que a maior parte das pessoas rejeita

uma visão de mundo em que o conhecimento e os julgamentos morais são considerados

arbitrários em decorrência dos diversos estilos de vida e de valores morais. As pessoas

procuram se apoiar em representantes que possam provê-los de um sentimento de segurança e

estabilidade. Esses representantes, que influenciam direta e indiretamente suas percepções,

32

incluem, por exemplo, crenças religiosas, fé numa racionalidade esclarecida e no sistema de

governança, dependência de julgamentos de um grupo de referência ou revitalização dos

valores tradicionais (BECK, 2012).

Numa tentativa de integrar a análise técnica do risco, os fatores culturais e sociais e as

respostas individuais que influenciam a percepção de risco, considerando como elemento

importante a maneira com que as informações são comunicadas, pois podem ampliar ou atenuar

a percepção de determinados riscos, alguns autores discutem a teoria da amplificação social do

risco (PIDGEON; KASPERSON; SLOVIC, 2003).

Nick Pidgeon, Roger Kasperson e Paul Slovic (2003) indicam que essa abordagem

busca compreender como os efeitos da informação sobre os riscos possíveis ou existentes

amplificam ou atenuam as percepções sobre o assunto no contexto social.

Eles consideram o meio pelos quais se processou a informação e quais os atores

envolvidos. Essa dinâmica foi denominada pelos autores como estações de amplificação, que

“podem incluir indivíduos, grupos sociais e instituições, por exemplo, cientistas ou instituições

científicas, jornalistas e meios de comunicação, políticos e agências governamentais, ou outros

grupos sociais e seus membros” (PIDGEON; KASPERSON; SLOVIC; 2003, p. 15, tradução

nossa)3.

O objetivo é analisar o risco de forma integral, considerando seus fatores técnicos,

psicológicos, culturais e sociais, assim como a consequência desse processo na maneira como

as pessoas vivenciam os riscos.

Nas palavras dos autores:

Tanto as estações sociais de amplificação, quanto a estrutura institucional, as

atribuições e a cultura influenciam a amplificação ou atenuação dos sinais de risco.

Mesmo os indivíduos em instituições não seguem simplesmente os seus valores

pessoais e interpretações sociais; eles também percebem o risco, aqueles que gerem

os riscos, e o problema de risco concordam com as tendências culturais e os valores

de sua organização ou grupo (PIDGEON; KASPERSON; SLOVIC, 2003, p. 15,

tradução nossa)4.

Esses estudos enfocam a percepção e a comunicação do risco, enfatizando como

principal influenciador nos processos perceptivos as diferentes estações de amplificação social,

3Original: Amplification stations can include individuals, social groups, and institutions, for example,

scientists or scientific institutions, reporters and the mass media, politicians and government agencies, or other

social groups and their members. 4Original: For social stations of amplification, the likes of institutional structure, functions, and culture

influence the amplification or attenuation of risk signals. Even the individuals in institutions do not simply

pursue their personal values and social interpretations; they also perceive the risk, those who manage the risks,

and the risk problem according to cultural biases and the values of their organization or group.

33

ou seja, os meios de comunicação, cientistas, agências governamentais e políticos ou interesses

de grupos econômicos.

As reflexões dessa abordagem acerca dos conceitos utilizados para antecipar ou explicar

os motivos pelos quais as pessoas respondem aos riscos existentes possibilitam formas de

elaboração de políticas públicas considerando as dimensões sociais dos riscos.

Nas palavras desses autores:

Em nossos escritos mais teóricos sobre amplificação social, temos enfatizado o valor

do potencial político que a investigação de um quadro de risco de base ampla e

integradora oferece. Tal nível de análises teóricas no âmbito de amplificação poderia

potencialmente abrir novas questões de investigação e possíveis iniciativas políticas

(PIDGEON, KASPERSON, SLOVIC, 2003, p. 46, tradução nossa)5.

Com foco nesses comportamentos, os estudos de Gabriela Di Giulio (2012), dialogando

com a abordagem da amplificação social do risco, contribuem para uma reflexão sobre a

prioridade dada pelas pessoas ao assunto. Seus estudos sobre percepção de riscos, associados

às mudanças climáticas e às situações envolvendo exposição a áreas contaminadas, apontam

para a prioridade do risco nas escolhas e respostas dos indivíduos, pois, mesmo havendo a

percepção do perigo, existem outras questões que norteiam seus comportamentos e decisões.

O estudo sobre situação de risco por exposição a área contaminada, realizado por

Gabriela Di Giulio, Newton Pereira e Bernardino Figueiredo (2008), em Adrianópolis,

município paranaense localizado na região do Vale do Ribeira, buscou analisar a influência da

mídia na construção social do risco. Os autores concluem que a escolha dos riscos aos quais as

pessoas dão maior atenção reflete aspectos como as crenças dos indivíduos acerca dos valores,

instituições sociais, natureza, justiça e moral.

Para eles, esses fatores são determinantes na superestimação ou subestimação de

determinados riscos, sendo que, diante de novas situações que envolvem riscos, as pessoas

tendem a não confiar em fatos e dados empíricos e se apegam a construções simbólicas.

Confiam mais nas próprias crenças e convicções e dificilmente mudam de opinião. Concluem

ainda que a forma como os meios de comunicação divulgam um determinado evento influencia

diretamente a percepção e as respostas e atitudes das pessoas. Desse modo, a divulgação

midiática pode ampliar ou atenuar a percepção de um determinado risco, dependendo da

5Original: In our more theoretical writings on social amplification, we have emphasized the potential

research and policy value that a broadly based and integrative framework of risk affords. Such meso-level of

theoretical analyses within the amplification framework could potentially open up new research questions and

potential policy initiatives.

34

extensão da cobertura e da seleção dos fatos que se faz ao divulgar um acontecimento ou uma

situação.

Retomando as reflexões no campo na Psicologia, mais especificamente na área da

Psicologia Social, destacamos as reflexões de Ângela Coelho, uma psicóloga social que foca

seus estudos na cognição humana e na percepção de risco de desastres.

A autora faz uma crítica aos teóricos que ignoram o contexto cultural em que tais riscos

são elaborados e discutidos, assim como e o ambiente no qual o risco e a percepção do risco

acontecem, pois defendem que se identificado o risco físico, as pessoas automaticamente

passariam a evita-los, como se a questão fosse apenas perceber ou não. (COELHO, 2011).

Para Coelho (2011), a questão da percepção de risco está relacionada ao modo como a

pessoa entende o ambiente e as possibilidades de moradia nesse ambiente, pois muitas vezes

elas podem saber que estão em uma região de risco, mas não tem disponibilidade econômica

para se mudar. Então, não é que elas não saibam do risco, é que uma infraestrutura política e

econômica as força a morarem em regiões de risco (COELHO, 2016).

A autora aponta, ainda, que a percepção das pessoas sobre os riscos depende da

combinação de elementos decorrentes de vulnerabilidade individual, social e programática.

Para isso, ela se apoia no conceito de vulnerabilidade de Aires. Em suas palavras:

Vulnerabilidade Individual: nível de informação. Quando a pessoa não tem

conhecimento do fato, ou seja, muitas pessoas podem morar em uma região de risco

e desconhecer o risco específico do local.

Vulnerabilidade Social: acesso aos meios de comunicação e aos recursos. A maioria

das informações são planejadas (sic) para quem é alfabetizada. O material de

divulgação e informação deve atingir a todas as populações. Para a percepção de risco

é preciso contar com a comunidade, porque não adianta uma pessoa, um técnico,

chegar e informar para aquela pessoa o que é o risco e ir embora daquela região, é

importante que a liderança faça parte desse diálogo, porque as pessoas vão acatar

muito mais de uma liderança do que de um técnico.

Vulnerabilidade programática: avaliação dos programas para responder a demanda.

Quando se explica para as pessoas o que acontece, mas quando chega na hora de um

evento, não há disponibilidade do aparato que iria protegê-las, então a vulnerabilidade

dessas pessoas aumenta (COELHO, 2016, módulo 5)

Coelho (2016) defende que percepção de risco é um elemento que mediará a reação da

pessoa ao evento e tem a ver com: a possibilidade da ocorrência do desastre em si, com as suas

idiossincrasias, e com as questões sociais. Mais precisamente, essa reação está relacionada com

fatores estressores e individuais.

Os fatores estressores incluem a natureza do desastre e a severidade do evento que está

intimamente relacionado com o grau de destruição e número de mortos. Se a comunidade é

afetada, mas não há mortos, a possibilidade da recuperação é esperada. No entanto, quando

35

além da destruição física há um número grande de mortos, e muitos desses mortos não serão

identificados ou encontrados, isso aumenta o grau de comprometimento psicológico. Isso

ocorre pois quando uma pessoa perde um ente querido, precisa fechar cognitivamente esse

processo, ou seja, fechar e elaborar o luto.

Os fatores individuais estão associados à percepção de risco que está relacionada a

recursos psicológicos, sexo e status econômico. A percepção de risco é como a pessoa vê e

entende o risco no seu dia-a-dia. Em relação ao sexo das pessoas, não quer dizer que homens

sejam mais fortes no enfrentamento; a questão é que a maioria das mulheres, além de cuidar

dos filhos, cuida dos pais e pessoas idosas da família de modo que, em caso de desastre, o

trabalho vai ser redobrado. A questão econômica interfere porque em muitos casos a pessoa

perde tudo o que construiu ao longo da vida e não há condições econômicas para recuperar. No

entanto, esses bens materiais possuem valores simbólicos e emocionais, como as lembranças,

as memórias, documentos e fotos, e isso não pode ser recuperado.

Entendemos que compreender os riscos nos termos das abordagens apresentadas, seja

buscando identificar as "estratégias mentais" ou a "heurística" de como as pessoas percebem os

riscos, seja considerando os valores sociais e culturais que contribuem para a constituição e

orientação de julgamento e direcionamento de comportamentos, seja ainda procurando

identificar os efeitos da informação sobre os riscos possíveis ou existentes, que podem

amplificar ou atenuar as percepções dos riscos, resulta em uma incompletude, pois tais enfoques

deixam de analisar a constante mudança dos processos da vida cotidiana decorrente dos sentidos

atribuídos pela convivência das pessoas com o fenômeno.

Retomando a crítica realizada por Guivant (1998) à Teoria Social do Risco, na qual a

autora analisa que no contexto brasileiro ainda não passamos de uma sociedade industrial para

uma sociedade de risco, nos termos do que afirma Beck, mas vivemos as duas

concomitantemente em um país atravessado pelos problemas da sociedade de escassez, na qual

a distribuição da riqueza é altamente desigual entre as classes sociais e ao mesmo tempo pelos

problemas da sociedade de risco, sem ainda contar com uma reflexividade ativa como a que o

autor identifica nas sociedades mais industrializadas.

Para Guivant (1998), o desafio seria considerar a globalização juntamente com as

dinâmicas específicas que os riscos ambientais e tecnológicos podem adquirir em diferentes

sociedades e desenvolver uma abordagem teórica mais complexa e com uma maior

potencialidade explicativa, que dê conta das próprias relações entre leigos e peritos e do papel

dos leigos no estabelecimento de políticas de controle e regulação dos riscos.

36

Para analisar a percepção que as pessoas têm sobre um determinado risco são

necessários, segundo Mary Jane Spink (2014), dois processos: primeiro, entender o significado

de comportamentos e práticas considerados arriscados e, segundo, compreender os processos

por meio dos quais os atores em questão dão sentido a comportamentos considerados arriscados.

É particularmente importante entender esses sentidos no contexto de outros riscos, em relação

aos custos e benefícios próprios dessa prática.

Entender esses dois pressupostos significa, segundo a autora, acrescentar à noção de

percepção de risco um fator relacionado à prioridade que é dada a um determinado risco em

relação a outro, em uma hierarquia de riscos. Desse modo, para compreender a percepção de

riscos no contexto de hierarquia de riscos, é preciso entender o significado de comportamentos

e práticas considerados arriscados e quais os processos por meio dos quais as pessoas dão

sentido a esses comportamentos.

3. OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS

3.1 OBJETIVO GERAL

Considerando a possível contribuição da Psicologia Social para as análises de risco, este

projeto busca analisar as múltiplas dimensões do risco para pessoas que convivem com

inundações recorrentes, tomando como estudo de caso a Vila América em Santo André/SP.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Historiar a formação do bairro;

Historiar os eventos de inundação na Vila América;

Analisar as múltiplas dimensões do risco para os moradores que convivem com

inundações recorrentes na Vila América;

Identificar as estratégias de organização dos moradores na busca de soluções de

prevenção, e

Identificar as respostas governamentais ao problema das inundações na Vila América

37

3.3 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

Para alcançar os objetivos desta pesquisa foi adotada uma estratégia metodológica que

contemplou o cruzamento de informações provenientes de cinco fontes: 1) pesquisa documental

com base em documentos de domínio público, jornais e sites; 2) diário de campo da

pesquisadora; 3) visitas ao Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André

(Semasa), ao qual está afeto o Departamento de Defesa Civil e à Vila América; 4) entrevista

semiestruturada com moradores do bairro, 5) imagens fotográficas provenientes do acervo dos

moradores, feitas pela pesquisadora e de sites.

Na condição de práticas discursivas, todos os documentos de domínio público, mesmo

assumindo formas distintas, tem algo a contar, o problema maior é aprender a ouvir. Segundo

Peter Spink (1999/2013), a escolha de material pode ser feita mediante uma análise inicial do

campo, ou pode-se emergir de forma mais aleatória com base naquilo aquilo que se apresenta,

mas sem deixa de conferir atenção ao acaso, pois este é um elemento importante e nunca deve

ser descartado. Para o autor, os pesquisadores no campo da produção de sentido aprendem a ser

“catadores permanentes de materiais possivelmente pertinentes” (P. SPINK, 1999/2013, p. 113)

Na pesquisa documental foi realizada uma busca sistemática em diversas fontes: 1) em

jornais que relataram as inundações na Vila América; 2) no site do Semasa, para buscar

informações sobre Proteção e Defesa Civil; 3) no site da Prefeitura de Santo André, para obter

dados relevantes sobre a Vila América; 4) no site do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), para caracterizar o município em termos de Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH); 5) no Anuário de Santo André 2014, para coletar informações sobre a dimensão

territorial e populacional, serviços e instituições localizadas nesse território, 6) no site do

Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, para buscar informações relativas à integração do

órgão responsável pela Defesa Civil em Santo André com os seus símiles dos outros seis

municípios que compõe o consórcio e, 7) no Centro de Referência do Posto de Atendimento do

Semasa, para a pesquisa de documentos de domínio público.

No Centro de Referência, foram consultados os seguintes materiais: 1) dois

documentos históricos da Coordenadoria de Planejamento para a descrição da formação da Vila

América; 2) o livro Águas Revoltas, que conta a história das enchentes do Rio Tamanduateí e

seus afluentes na cidade de santo André; 3) uma monografia sobre a drenagem urbana das águas

da parte baixa da cidade de Santo André, abordando a construção de um piscinão para resolver

a questão das enchentes locais; 4) anais da Assembleia Nacional da 32° Associação Nacional

38

dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE), referente a um levantamento da bacia

de drenagem do Córrego Guarará, que abrange o bairro Vila América.

No posto de atendimento do Semasa foi possível solicitar o relatório fotográfico e de

pós-chuva sobre as inundações que atingiram especificamente a Vila América, bem como da

construção do piscinão localizado na Avenida Capitão Mário de Toledo Camargo da Vila

América.

Estes documentos constituíram-se em subsídios importantes para entender as

informações decorrentes das entrevistas com moradores, pois segundo Spink (1999/2013), são

componentes significativos do cotidiano, que completam e competem com a narrativa e a

memória.

Em suma:

Os documentos de domínio público refletem duas práticas discursivas: como gênero

de circulação, como artefatos do sentido de tornar público, e como conteúdo, em

relação àquilo que está impresso em suas páginas. Os documentos de domínio público,

enquanto registros, são documentos tornados públicos, sua intersubjetividade é

produto da interação com um outro desconhecido, porém significativo e

frequentemente coletivo. São documentos que estão à disposição, simultaneamente

traços de ação social e a própria ação social (SPINK, 1999/2013, p. 102).

Dando continuidade aos procedimentos de pesquisa, também foram utilizados

registros sistematizados em diário de campo, produzidos a partir de visitas aos diferentes atores

envolvidos na rede de relações que sustentam as práticas sociais, assim como pela participação

em eventos e congressos pertinentes à temática.

Para Mary Jane Spink, Benedito Medrado e Ricardo Méllo (2014), os diários podem

ser compreendidos como anotações pessoais sobre acontecimentos marcantes ou sobre

experiências do dia-a-dia que, além de ferramentas de pesquisa, são práticas discursivas, ou

seja, linguagem em ação. Para os autores, essas produções “definem o gênero de linguagem a

que pertencem e lhes dá conotações específicas: a linguagem intimista dos diários pessoais; a

formalidade dos log books, a linguagem literária (ou jornalística) dos registros de eventos

públicos; o estilo factual dos diários de pesquisa” (p. 276-277).

As visitas foram feitas Departamento de Defesa Civil e à Vila América, que

possibilitaram, no primeiro caso, conhecer o entendimento dos técnicos quanto ao bairro e, no

segundo, a interlocução com os moradores para conhecer as perspectivas deles quanto à

problemática das inundações. Nas visitas ao Departamento de Defesa Civil também foram

obtidas informações técnicas sobre a ocorrência dos eventos, disponibilizados materiais para

consulta e indicação dos nomes e contatos dos interlocutores entrevistados. Nas visitas à Vila

América, além dos diálogos com os moradores, foi possível uma interação maior com os

39

interlocutores. E também disponibilizado o acervo pessoal desses moradores, composto por

informações, fotos e memórias, assim como foi obtida a autorização para a realização de

imagens de suas casas.

Para compreender as múltiplas dimensões do risco foram realizadas entrevistas

semiestruturadas com moradores do bairro. O convite para a participação foi intermediado pelo

Departamento de Defesa Civil e o número de entrevistados definido conforme a disponibilidade

dos moradores indicados. Vale ressaltar que, embora o bairro tenha 88 famílias morando em

área de risco, foi possível realizar entrevistas com 2 moradores, pois outros dois indicados, uma

moradora e um ex-morador, não aceitaram o convite, mas, em nosso método de pesquisa

qualitativo, de tradição hermenêutica, isso não interfere nos resultados, pois o objetivo é

descrever a realidade da vida cotidiana por meio da descrição, explicação ou contabilização das

pessoas com os eventos através de suas vivências. Como sustentação à essa justificativa,

faremos um breve relato histórico para situar o leitor em relação a esse posicionamento.

Historicamente, George Henrik Von Wright (1978) refere-se a dois modelos

instituídos em pesquisa em ciência, denominadas descritiva e teórica que, respectivamente,

referem-se à averiguação e descoberta de fatos e à construção de hipóteses e teorias. Esses

modelos servem a dois objetivos: predizer a ocorrência de eventos ou o resultado de

experimentos para antecipar novos fatos e explicar ou tornar inteligíveis fatos já registrados,

esses modelos distinguem as duas principais tradições de método científico, que diferem entre

si quanto às condições que uma explicação tem que satisfazer para ser considerada

cientificamente respeitável; uma tradição é chamada de aristotélica e a outra Galiléica.

A tradição Galiléica, associada principalmente a Galileu, tem sua ancestralidade

anterior a Aristóteles; traçada desde Platão, essa tradição segue paralela ao avanço do ponto de

vista causal-mecanicista, presente nos esforços das pessoas para explicar e predizer fenômenos

(VON WRIGHT, 1978).

O método científico nessa tradição é caracterizado pela formulação e teste de

hipóteses. Os aportes da Metodologia e da Filosofia da Ciência eram coincidentes não só porque

os objetos de investigação, derivados basicamente das ciências físicas e da natureza, a eles se

adequavam, mas também porque a própria ideia de uma ciência do ser humano não fazia parte

do panorama da época. Ainda, segundo o autor, uma posição nesses debates é a chamada de

positivismo, associada a Auguste Comte e John Stuart Mill, que propõe que “as novas físicas”

se adequem ao método científico, o monismo metodológico, e se desenvolvam modeladas no

padrão instituído pelas ciências da natureza, especialmente a física teórica.

40

Nesse cenário, no que tange à questão da relação entre as ciências da natureza e as

ciências humanas, se constitui outra posição como reação ao positivismo: a Filosofia da Ciência

antipositivista, que Von Wright (1978) denomina de hermenêutica. Essa tradição é representada

principalmente por Droysen, Dilthey, Simmel e Max Weber, assim como, Windelband e

Rickert, que estão relacionados a eles, e tem como base três principais características: a)

rejeitam o monismo metodológico do positivismo e se recusam a tomar o padrão das ciências

naturais exatas como o único e supremo ideal para a compreensão racional da realidade; b) a

distinção entre as ciências nomotéticas, que buscam leis gerais, e as ciências ideográficas, que

enfatizam as características singulares; c) a rejeição do conceito tradicional de explicação,

introduzindo a distinção entre explicação (em alemão Erklären) e compreensão (em alemão

Verstehen).

Segundo Von Wright (1978), embora Droysen tenha sido o primeiro a introduzir essa

distinção, foi Dilthey quem a sistematizou, adotando o termo Geisteswissenschaften para

denominar o conjunto de métodos compreensivos. A característica principal desse método,

intimamente associado à fenomenologia, é a compreensão baseada na empatia; a recriação na

mente do pesquisador da atmosfera mental, dos sentimentos, pensamentos e motivações do

objeto de estudo.

Nesse contexto, segundo Mary Jane Spink e Vera Menegon (1999/2013), configuram-

se os métodos de pesquisa qualitativos e quantitativos. Afiliados à tradição positivista, ou seja,

ao monismo, estão os quantitativos e, aderindo à tradição hermenêutica, ou seja, à

epistemologia da diferença, os qualitativos.

Esta pesquisa insere-se no âmbito da Psicologia Social e sua proposta teórico-

metodológica é o estudo da produção de sentidos na vida cotidiana e a circulação de repertórios

em uma perspectiva histórica e social tendo por foco a linguagem dos riscos. Esse referencial

apoia-se à perspectiva construcionista e tem como base a tradição hermenêutica e a metodologia

qualitativa.

Para Mary Jane Spink e Rose Mary Frezza (1999/2013), a perspectiva construcionista,

na Psicologia Social, foca o momento de interação das pessoas, priorizando os processos de

produção de sentido na vida cotidiana. Ou seja, preocupa-se com a explicação dos processos

por meio dos quais descreve-se e explica-se como as pessoas dão conta do mundo em que

vivem. Esse movimento propõe a desfamiliarização de conceitos cristalizados pela teoria

científica e que sugerem os modelos tradicionais de fazer ciência na modernidade.

Dar sentido ao mundo, segundo Spink e Menegon (1999/2013), é uma prática social

desenvolvida nas relações da vida cotidiana, atravessada por práticas discursivas construídas a

41

partir de uma multiplicidade de vozes e que faz parte da condição humana. Para as autoras, é

comum pensar que dar sentido é uma atividade que diz respeito apenas ao cotidiano e que isso

faz com que haja uma cisão entre as práticas científicas e o senso comum. Porém, a discussão

epistemológica contemporânea, principalmente aquela proveniente da moderna Sociologia do

Conhecimento, vem contribuindo para desfazer essa dicotomização rígida.

Dessa forma, tanto fazer ciência como desempenhar as atividades rotineiras (ou não)

de nosso cotidiano, passam a ser ressignificados como formas de produzir sentido sobre os

eventos do mundo. Essa aproximação paulatina, entretanto, não reduz uma atividade à outra;

há regras, gêneros de fala e linguagens sociais distintas que demarcam a produção de sentido

em diferentes domínios de nossas atividades, incluindo aí os diferentes domínios de pesquisa.

A escolha da entrevista como uma estratégia de pesquisa foi embasada na proposta de

Sérgio Aragaki et al (2014). Esses autores destacam que as informações não são colhidas como

se estivessem por aí, prontas, acabadas e esperando que alguém as recolha, sem a participação

ativa de quem entrevista. Ela é coproduzida em ato, estando, portanto, a reflexividade presente

desde o momento da escolha da entrevista como ferramenta.

A entrevista propicia processos de negociação de sentidos entre a pesquisadora e os

entrevistados, sendo que é por meio da sua processualidade, que se mantêm, transformam e

desafiam os posicionamentos que vão ocorrendo durante a sua produção. A produção dos

sentidos é uma prática social que faz parte da condição humana e é desenvolvida nas relações

que compõem o nosso cotidiano, o qual, por sua vez, é atravessado por práticas discursivas

construídas a partir de uma multiplicidade de vozes.

Em síntese, “a entrevista deve ser entendida como um processo dialógico em que ocorre

negociação de pontos de vista e de versões sobre os assuntos e acontecimentos, e que vai

posicionando ambos/as os/as participantes durante a sua interanimação” (ARAGAKI et al,

2014, p.59).

As entrevistas foram agendadas de acordo com a disponibilidade dos moradores e

realizadas em locais de suas preferências. Foi iniciada com a apresentação dos objetivos e

procedimentos de pesquisa, com a solicitação também de assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE), sendo explicitadas a confidencialidade e a

possibilidade de desistência e a permissão para a gravação. Cabe ressaltar que efetuamos a

entrevista com os moradores após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Nesta dissertação foi adotado o Código de Ética em Pesquisa 466/12, que enfatiza a

necessidade de consentimento livre e esclarecido dos interlocutores, a proteção dos

42

participantes, a ponderação sobre os riscos e benefícios, a garantia de que os danos previsíveis

sejam evitados e a contribuição com a produção de conhecimento na área.

Seguimos ainda os preceitos de uma ética dialógica que considera a competência ética

dos envolvidos, a possibilidade de estabelecimento de parcerias e de uma relação de confiança

entre o pesquisador e os interlocutores, em busca de relações de poder mais horizontais, e a

garantia do anonimato como condição para o desenvolvimento da pesquisa (SPINK, 2000).

3.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

Com o objetivo de sistematizar as informações relativas às entrevistas realizadas com

moradores da Vila América, elaboramos mapas dialógicos que possibilitaram preparar quadros

sínteses para a compreensão acerca da convivência com as inundações recorrentes na região.

De acordo com Mary Jane Spink e Helena Lima (1999/2013), os mapas são

instrumentos de visualização com duplo objetivo: o primeiro é dar subsídios ao processo de

interpretação e, o segundo, facilitar a comunicação dos passos subjacentes ao processo

interpretativo. Através deles é possível sistematizar o processo de análise das práticas

discursivas em busca dos aspectos formais da construção linguística, dos repertórios utilizados

nessa construção e da dialogia implícita na produção de sentido.

O uso de mapas dialógicos está diretamente atrelado ao referencial teórico-

metodológico com que trabalhamos, pois consideramos relevante dar visibilidade ao processo

de análise e ao contexto de coprodução das práticas discursivas. Contudo, os mapas não são

técnicas fechadas. Há um processo interativo entre a análise dos conteúdos e a elaboração das

categorias temáticas. Dessa forma, embora iniciando com categorias que refletem os objetivos

da pesquisa, o próprio processo de análise pode levar à redefinição destas, gerando uma

aproximação paulatina com repertórios utilizados para dar sentido às experiências.

Os mapas dialógicos são utilizados por pesquisadores e pesquisadoras do NEPPDS-

PUC/SP e o processo de análise inicia-se com duas formas de familiarização com o material

discursivo: a transcrição sequencial (TS) e a transcrição integral (TI).

A TS foi feita mediante a escuta atenta do áudio, mediante a qual se buscou identificar

os assuntos abordados, possibilitando assim o agrupamento deles em categorias temáticas, as

quais se prestaram à elaboração dos mapas dialógicos.

A seguir, foi realizada a TI do áudio, incluindo todas as falas e expressões comunicadas,

ou seja, foi feita de forma literal, de modo a preservar o discurso original do contexto de

pesquisa, considerando quem, sobre o que e como cada um/a fala. Terminada essa etapa, foram

43

enumeradas as linhas da transcrição (L), para permitir localizar no mapa dialógico e na

discussão dos resultados, onde se encontra a referida fala.

Utilizamos essa estratégia nas duas entrevistas realizadas, com W e N, elaborando um

mapa dialógico para cada uma delas. De modo geral, emergiram das entrevistas três categorias

temáticas: 1) Riscos: a convivência com todos os temas relacionados aos riscos de inundação,

2) Poder Público: a participação do poder público em relação à busca de soluções para o

problema e 3) Direitos: os direitos humanos dos moradores que convivem com os eventos. Os

conteúdos dos mapas foram então sintetizados, gerando um quadro para cada categoria

temática, com o conteúdo de cada uma das entrevistas localizado em colunas separadas. Esses

quadros constituíram a base para análise das categorias temáticas.

1) Riscos: como essa pesquisa se insere nos estudos psicossociais sobre produção de

sentidos na vida cotidiana e na circulação de repertórios em uma perspectiva histórica e

social, buscamos elencar os repertórios que demonstram como a/o entrevistada/o

compreende e convive com os riscos de inundação no seu cotidiano. Com base nos

conteúdos abordados, essa categoria foi subdividida nos seguintes tópicos: a)

alagamento (inundação, enchente, água); b) córrego; c) obras e piscinão; d) razões para

ficar (casa, moradia, vizinhança); razões para sair (desapropriação e remoção).

2) Poder Público: buscando entender não apenas como as pessoas convivem com os riscos

na dinâmica da vida cotidiana, mas também quais ações de enfrentamento são

desenvolvidas para a minimização desses problemas, elencamos nessa categoria temas

pertinentes as todas as instâncias públicas e/ou atores governamentais que tem algum

tipo de poder de tomada de decisões que auxiliam nesses enfrentamentos: a) ações locais

(Defesa Civil, Semasa, NUPDEC, reuniões de bairro); b) Resposta governamental

(Prefeitura, administradores, governo e Poder Público); c) agregamos também a essa

categoria, algumas instituições privadas que se estabeleceram na região com a

autorização de órgãos públicos e que de alguma maneira influenciam diretamente na

problemática da inundação do bairro: Carrefour, Supermercado Roldão e Shopping

Atrium.

3) Direitos: entendidos de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da

Organização das Nações Unidas, de acordo com a qual “Todos os seres humanos

nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência,

devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (BRASÍLIA, 1998).

Com base nessa definição, relacionamos nessa categoria assuntos que de alguma

44

maneira expressam como os direitos básicos dos entrevistados estão sendo tratados

diante dos eventos de inundação.

4. CONTEXTUALIZAÇÃO DA VILA AMÉRICA

Para contextualizar a Vila América, apresentamos primeiramente a formação do

município de Santo André e depois a constituição do bairro. Como o objetivo dessa pesquisa é

analisar as múltiplas dimensões dos riscos para pessoas que convivem com inundações

recorrentes, apresentaremos ainda o histórico das inundações na Vila América.

Para tanto, utilizaremos as seguintes fontes de informação: a) documento da Prefeitura

de Santo André (1989), disponibilizado pelo Centro de Referência do Semasa, que historia a

formação de vários bairros da cidade de Santo André; b) dissertação de mestrado de Cid Blanco

Junior (2006) intitulada: As transformações nas políticas habitacionais brasileiras nos anos

1990: o caso do Programa Integrado de Inclusão Social da Prefeitura de Santo André,

desenvolvida junto ao Programa de Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia da Escola de

Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo; c) o livro Águas Revoltas: histórias

de enchentes em Santo André, escrito por Magda Carmo dos Santos (2002) com objetivo de

conhecer o processo de formação da cidade e os diferentes tratamentos que foram dados à

questão ambiental; d) o Anuário de Santo André de 2014, que traz como base de dados o ano

de 2013; e) trechos de conversas com moradores registrados em diário de campo; f) relatos de

entrevistas, g) matérias de jornais.

4.1 A CONSTITUIÇÃO DO BAIRRO

4.1.1 Formação da Vila América

A Vila América é um bairro de Santo André que, por sua vez, integra a região do Grande

ABC, assim, é necessário, previamente à descrição da formação dessa vila, conhecer a formação

desse município e dessa região.

A região do Grande ABC, tal como está configurada, formou-se pela divisão de um

único município, São Bernardo do Campo, fundado em 1889, com a implantação da ferrovia

então denominada São Paulo Railway, que liga a região litorânea com a cidade de São Paulo e

o interior, na época dos grandes produtores de café. No entorno de uma das estações dessa linha

45

férrea iniciou-se a expansão da malha urbana que, após sucessivas divisões resultou nos sete

municípios atuais, cabendo a Santo André o núcleo original administrativo.

O surgimento da atual cidade de Santo André ocorreu na metade do século XIX, como

um distrito de São Bernardo do Campo, ao redor da parada de trens São Bernardo, assim

denominada por ser a mais próxima do povoado localizado junto ao Caminho do Mar

(BLANCO JR, 2006).

A presença da parada de trens, as terras planas do vale do Rio Tamanduateí e a

valorização constante dos preços dos terrenos para a instalação de indústrias em São Paulo, bem

como sua proximidade com a capital, fizeram de Santo André um local extremamente atraente

para a implantação de novos empreendimentos industriais ainda no final do século XIX.

Mas foi somente nos primeiros anos do século XX, com investimentos em

infraestrutura, incentivos fiscais propícios à instalação de indústrias e a duplicação da estrada

de ferro, que o número de estabelecimentos ao longo da linha férrea se ampliou, bem como a

malha urbana. Indústrias de pequeno e médio porte de móveis, têxteis, metalurgia, química e

produtos farmacêuticos se instalaram ao longo do eixo constituído pela linha férrea e,

posteriormente, pela Avenida dos Estados, marginal ao Rio Tamanduateí (SANTOS, 2002).

Esse processo foi impulsionado após a I Guerra Mundial, com a estabilização da

economia mundial e a conclusão de novas obras de infraestrutura na região, especialmente da

represa Billings e da usina Henry Borden, em 1924, que garantiram a transformação definitiva

da indústria como base de crescimento da cidade e a instalação de grandes metalúrgicas.

A construção da ferrovia nas proximidades do rio Tamanduateí foi estratégica, pois

atrairia diversas indústrias que necessitavam desse meio de transporte e também da água do rio

de seus afluentes, além do preço baixo dessas terras, que viviam encharcadas. A ferrovia

converte essas áreas em espaço de atração industrial e de concentração de vilarejos operários

localizados em plena várzea do rio.

Gradativamente, o bairro próximo à estação ferroviária foi concentrando o comércio e

as primeiras indústrias, e na virada para o século XX, o município já contava com a maior

concentração urbana da região, gerando diversas formas de incentivo, por parte do poder

público, para a vinda de mais empresas à cidade.

O crescimento industrial impulsionou o crescimento da população do então município

de São Bernardo, assim como os efeitos políticos da Revolução de 1930 também chegaram à

região, com a diminuição do poder dos grandes proprietários de terra no poder municipal em

detrimento de pessoas ligadas ao setor industrial. Foi nessa década que ocorreu o

desmembramento da região. O município de São Bernardo, sido criado em 1889 e que ocupava

46

a área equivalente a todo Grande ABC de hoje, passou a ser chamado de Santo André e teve a

sede administrativa transferida para esse distrito em 1938, fato que deu início às disputas

emancipacionistas que originariam, anos mais tarde, os municípios de São Bernardo do Campo

(1944), São Caetano do Sul (1948), Ribeirão Pires (1954), Mauá (1954), Diadema (1958) e Rio

Grande da Serra (1963) (BLANCO JR, 2006).

Na década de 1950, com os incentivos federais aos setores automobilísticos e a abertura

da Via Anchieta, criando um novo eixo São Paulo – Santos, a região recebeu ainda mais

indústrias e esse crescimento do setor industrial foi acompanhado também do crescimento

populacional.

Os processos de urbanização e industrialização de Santo André ocorreram praticamente

juntos desde a abertura da parada de trens. Porém, o processo de industrialização foi bem mais

acelerado que o de urbanização, fazendo com que durante alguns anos houvesse mais

trabalhadores nas fábricas do que moradores na cidade. Nos primeiros anos do século XX,

muitos trabalhadores das indústrias andreenses moravam em São Paulo e eram poucas as

habitações operárias na cidade. Somente com o passar dos anos, premidos pelo aumento do

custo da moradia na capital e incentivados pelo baixo custo da terra em santo André, foi que

surgiram os primeiros empreendimentos imobiliários privados destinados aos trabalhadores,

que em muitos casos optaram pela casa própria no novo núcleo urbano que aos poucos ganhava

ares de cidade (SANTOS, 2002).

A primeira Vila Operária de Santo André foi construída, em 1912, pela Fábrica de

Tecidos e Fiação São Bernardo (Ypiranguinha). Nos anos seguintes, grupos imobiliários

ajudaram na concentração da população nas proximidades das fábricas, por meio da construção

de casas para os operários. Paralelamente a esse processo, nas proximidades da estação

ferroviária São Bernardo, surgiram empreendimentos destinados às classes médias e alta, como

também aos operários.

Entretanto, esses empreendimentos não foram capazes de atender à crescente demanda

habitacional decorrente do crescimento industrial da cidade e das migrações campo-cidade no

pós-crise de 1929, fazendo com que a Prefeitura de São Bernardo (nome do município na época)

também intervisse no mercado imobiliário, por meio da isenção de impostos e taxas para quem

construísse casas populares para locação (BLANCO JR, 2006).

É nesse contexto que chega à cidade de Santo André a família de imigrantes italianos

Guazelli, adquirindo algumas terras. No ano de 1920, os irmãos Guazzelli venderam 46

alqueires de terra à Jorge de Barro Pires e compraram 16 alqueires de terra de Queiróz dos

47

Santos, formando e loteando a Vila América, nome escolhido para homenagear Américo, um

dos irmãos Guazzelli, falecido em 1928, aos 41 anos de idade (SANTO ANDRÉ, 1989).

Como essa região era, e ainda é, cortada pelo córrego Guarará, configurando-se como

várzea6, a família construiu uma olaria, podendo assim utilizar as águas represadas do córrego

na sua produção. Entre 1930 e 1960, as águas represadas foram também utilizadas pelo Clube

Atlético Aramaçan para a prática de natação e esportes náuticos, inicialmente com a permissão

da família e, a partir de 1951, com a permissão da Prefeitura, que desapropriara o terreno

(SANTOS, 2002).

4.1.2 A Vila América hoje

Utilizamos como fonte para as informações referentes à situação atual da Vila América,

trechos de conversas com moradores, extraídos do diário de campo da pesquisadora e o Anuário

de Santo André 2014, que traz como base de dados o ano de 2013. O documento possui um

conjunto de informações e dados estatísticos que permite conhecer alguns aspectos da realidade

do município. Já os dados censitários sobre características da população de Santo André

derivam do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 com

estimativa para 2013 (SANTO ANDRÉ, 2015).

O município de Santo André está localizado na porção sudeste da região metropolitana

de São Paulo, com uma configuração territorial que praticamente corta ao meio a região

denominada Grande ABC, área composta por sete municípios (Santo André, São Bernardo do

Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), com uma

população total de cerca de 2,5 milhões de habitantes distribuídos em 844 km².

6 Várzea: sf. Terreno baixo, plano e fértil, nas margens de um curso de água; vargem (FERREIRA, 2008,

p. 808)

48

Figura 1: Região do Grande ABC, São Paulo.

Fonte: Guilherme Afonso e Márcio Urios, Universidade Federal do ABC, 2010

A Vila América é um bairro do município de Santo André, com uma população de 4.518

habitantes, distribuídos em uma área de 0,53 km², com rendimento médio familiar per capita

de R$ 1.529,62, conta com 1565 domicílios particulares permanentemente ocupados e, desse

total, 88 estão em área de risco de inundação, conforme relato de moradores.

Em relação à dimensão territorial, é considerada uma macrozona urbana, onde está

localizada a bacia hidrográfica do Rio Tamanduateí; quanto ao clima, está sujeita a fatores

fisiográficos e atmosféricos da Serra do Mar e do Planalto Atlântico, que estabelecem as

condições regionais e locais que condicionam a temperatura, precipitação e umidade relativa.

A proximidade com a Serra do Mar e sua topografia proporcionam índices pluviométricos

muito acima da média do país, ultrapassando os 3.000mm anuais, podendo chegar a 4.000mm,

o que contribui para a recarga e manutenção dos corpos d’água e da represa Billings.

Como a Vila América é uma área de várzea, predomina a vegetação rasteira típica de

campos, e essa característica se deve aos seguintes fatores: lençol freático próximo da

49

superfície, chegando a aflorar em muitos casos, mesmo nas épocas mais secas; frio; altitude;

ventos e acidez do solo.

Geograficamente está cercada por importantes vias de acesso, que ligam o bairro ao

centro da cidade e a outros municípios. São elas: a) a Avenida Santos Dumont e a Avenida

Perimetral, que ligam o bairro ao centro e aos outros seis municípios da região do Grande ABC,

assim como ao Rodoanel Metropolitano de São Paulo, b) a Avenida dos Estados, que liga o

município à região Metropolitana de São Paulo e c) a Avenida Capitão Mário de Toledo, que

dá acesso a importantes bairros de Santo André.

Segue relato do morador N durante uma conversa com pesquisadora sobre a localização

da Vila América:

N: [...] a economia do município gira em torno desse eixo aqui também, que é a

Perimetral, que faz ligação pra Mauá, e consequentemente pra Ribeirão Pires, então

faz tudo, e tem saída pro Rodoanel aqui em Mauá [...] (ENTREVISTA 31/03/2016,

L195)

N: [...] essa via aqui do Córrego Guarará, da Capitão Mário de Toledo, é uma

importante via de locomoção do município, porque lá na ponta na Vila Luzita tem, eu

acho que tem no mínimo 1/3 da população de Santo André, parece que não é nada,

mas é muita gente, tem município que não tem a população que tem no bairro Vila

Luzita, Jardim Santo André, toda aquela área lá é densamente povoada, então eles

fazem recurso do transporte aí (DIÁRIO DE CAMPO – 20/03/2016).

O bairro é servido por transporte público municipal e intermunicipal de fácil acesso para

os moradores. Em seu entorno estão instalados vários estabelecimentos comerciais e, desde

empresas de grande porte a micro-empresas, bem como o Clube Aramaçan e o Estádio

Municipal Bruno José Daniel. Localiza-se a cinco minutos do centro da cidade; como afirma

uma moradora: “[...] é um local, se você ver, um local no centro, eu vou a pé para Santo André,

é um centro, perto de um shopping que vai ter um monte de coisa maior, vai ter hotel, vai ter

salas comerciais, prédio do outro lado” (DIÁRIO DE CAMPO, 29/09/2015).

4.2 AS INUNDAÇÕES NA VILA AMÉRICA

Como vimos, os processos de industrialização e urbanização do município de Santo

André ocorreram praticamente juntos desde a abertura da parada de trens. Na década de 1950,

a cidade era considerada o segundo maior polo industrial do Estado; com isso, muitas indústrias

chegavam e, com elas, mais e mais bairros eram criados em função da grande contratação de

mão de obra gerada pelo progresso e pela expansão dos negócios.

50

Esse cenário incentivou a organização de loteamentos para a acomodação de novas

unidades fabris e para a residência de trabalhadores, divididos social e economicamente. Os

loteamentos contavam com lotes destinados à habitação burguesa, à habitação proletária, e à

instalação industrial. Conforme Magda Santos (2002), com exceção das instalações industriais,

que estavam localizadas ao longo da via férrea, na várzea do Tamanduateí, os outros

loteamentos evitavam as várzeas, no entanto, por questões econômicas, os terrenos ofertados à

classe operária, não levavam essa questão em consideração.

Atraídas pelos curtos prazos de entrega dos lotes e prestações mínimas, além de

promessas de desenvolvimento e valorização, famílias eram encorajadas a ocupar esses

loteamentos em áreas alagadiças. O que facilitou esse processo foi o fato de, até então, não

haver leis para disciplinar a abertura de loteamentos. A primeira lei nesse sentido (Lei municipal

271, datada de abril de 1929) buscou disciplinar a abertura de novos loteamentos, exigindo a

reserva de áreas obrigatórias para o sistema viário e permitindo o arruamento de terrenos baixos

e alagadiços desde que tomadas providências para assegurar o escoamento das águas e seu

enxugo (SANTOS, 2002; PASSARELLI, 2005).

Nessa época, o país vivia um momento em que a palavra de ordem era o crescimento

urbano, e grandes prédios e casas começam a ser construídos. Essas ocupações, associadas ao

crescimento geral da cidade, trouxeram para a região a problemática das enchentes.

Embora a Prefeitura do município demonstrasse preocupação com o crescimento

acelerado, criando leis e grupos de estudos para planejar a expansão urbana, o problema das

enchentes, que se manifestava, sobretudo, na região próxima à estação ferroviária e nas

indústrias marginais ao Tamanduateí, não era entendido como algo que poderia se agravar, mas

que efetivamente se agravou com a ocupação crescente de áreas alagadiças e a

impermeabilização desenfreada de toda a bacia do Tamanduateí (SANTOS, 2002).

Outro elemento relevante para o progresso do município foi a pavimentação das ruas e

a utilização dos fundos do vale para a construção de avenidas marginais. Com isso, importantes

vias de acesso foram asfaltadas, transformando áreas próximas às margens dos rios em grandes

avenidas.

O processo desenfreado de urbanização nas décadas de 1950 a 1970 resultou no aumento

do número de loteamentos e no encarecimento do preço da terra, deflagrando uma crescente

ocupação, por famílias de baixa renda, de terrenos antes desprezados para a moradia: às

margens de córregos e com alta declividade (BLANCO JR, 2006). Esse processo de ocupação

de áreas inadequadas se intensificou e começaram a surgir as primeiras favelas da região,

51

criando o cenário para o agravamento das enchentes e demais situações de risco, como

deslizamentos e soterramentos.

As inundações começaram a atingir o centro da cidade, no entorno da estação

ferroviária, e obras para amenizar a problemática passaram a ser pensadas. No entanto, a

principal preocupação não era com as enchentes, mas com o desenvolvimento viário, pois com

o transbordamento dos córregos, as vias centrais da cidade ficavam intransitáveis. Então a

Prefeitura canaliza trechos dos córregos Cemitério e Carapetuba localizados no centro da

cidade, assim como amplia algumas vias.

Ao final da realização das obras, a recomendação era que houvesse continuidade numa

segunda fase, porque o canal feito naquele momento permitia o escoamento das águas somente

nos próximos cinco ou oito anos seguintes, quando então seria necessário realizar novas

canalizações, mas isso não ocorreu.

No final dos anos 1950, Santo André enfrentou um grande temporal que inundou a

região próxima à estação ferroviária e o problema começou a ser sentido também em bairros

formados fora do núcleo original, no Vale do Tamanduateí. Expressando a já citada prioridade

dada ao desenvolvimento viário, o poder público aprovou a lei 1.360 de 01 de junho de 1958,

autorizando a construção de prédios nos leitos dos dois córregos, deixando a responsabilidade

das obras de canalização e cobertura dos cursos d’água nas mãos das empresas privadas

responsáveis pelas obras (SANTOS, 2002).

Quanto ao bairro que é nosso estudo de caso, foi a partir da década de 1960 que o

represamento das águas do Guarará passa a causar alagamentos7 na Vila América, pois a água

da chuva demorava a escoar, causando transbordamento8 do córrego e, com o passar dos anos,

a inundação9 no bairro. Desde então, as enchentes10 tornam-se um problema constante na vida

7 Alagamento é o acúmulo momentâneo das águas em uma dada área por deficiência no sistema de

drenagem, podendo ter ou não relação com processos de natureza fluvial (MINISTÉRIO DAS CIDADES/IPT,

2007).

8 Transbordamento de água da calha normal de rios, mares, lagos e açudes, ou acúmulo de água por

drenagem deficiente, e a forma como evoluem as classificam como: enchentes ou inundações graduais, enxurradas

ou inundações bruscas, alagamentos e inundações litorâneas (BRASIL, 2014).

9 Por vezes, no período de enchente, as vazões atingem tal magnitude que podem superar a capacidade de

descarga da calha do curso d’água e extravasar para áreas marginais habitualmente não ocupadas pelas águas. Este

extravasamento das águas do canal de drenagem para as áreas marginais (planície de inundação, várzea ou leito

maior do rio), quando a enchente atinge cota acima do nível máximo da calha principal do rio caracteriza uma

inundação (MINISTÉRIO DAS CIDADES/IPT, 2007).

10 Enchente ou cheia são as águas de chuva, que ao alcançar um curso d’água, causam o aumento na vazão

por certo período de tempo, então a elevação temporária do nível da água em um canal de drenagem, devido ao

aumento da vazão ou descarga é chamada de enchente ou cheia (MINISTÉRIO DAS CIDADES/IPT, 2007).

52

da população não apenas da Vila América, mas de toda a cidade, atingindo também a estação

ferroviária e, inclusive, privando a população de ter acesso ao transporte para outros municípios.

Segundo Magda Santos (2002), em 1968 a região teve a maior inundação registrada até então,

quando cerca de 200 famílias ficaram desabrigadas e os prejuízos causados às indústrias foram

incalculáveis e jamais registrados em outras épocas.

Para atender às reclamações crescentes quanto às enchentes e a falta de obras para a

solução do problema, o poder público criou sucessivas leis de auxílio às famílias flageladas.

Entre os anos de 1951 e 1962, para cada temporal mais forte aprovava-se uma lei para ajudar

as vítimas daquela chuva. Em 1960, a lei 1.638 de 30 de dezembro, destinava 7 milhões de

cruzeiros para pessoas que comprovassem pobreza e cujos móveis ou utensílios indispensáveis

tivessem sido danificados pelo temporal ocorrido no Natal daquele ano. No caso de

reconstrução da casa, o Departamento de Obras acompanhava os trabalhos, liberando o dinheiro

em duas parcelas, uma no início e outra no final dos serviços. No ano seguinte, lei semelhante,

a 1.739 de 20 de novembro, autorizou a Prefeitura a prestar auxílio às famílias atingidas pelas

enchentes, aproveitando o crédito aberto pela lei anterior (SANTOS, 2002).

A partir de então, a solução para o problema das inundações passou a ser a completa

retificação e alargamento do rio Tamanduateí, atendendo também aos anseios de modernização

vivida pelo país, que demandava a realização de um plano viário. Para tanto, são feitas

intervenções no rio Tamanduateí, as margens dos córregos são convertidas em avenidas, ou

seja, vias de trânsito rápido, e constroem-se viadutos sobre a ferrovia.

Diante do agravamento da situação, as leis de auxílio a vítimas de enchentes, que até

então eram editadas de acordo com o acontecimento de chuvas intensas, começam a ser

modificadas. Em 1962, a lei 1.825 de 22 de maio, procura atender as vítimas de três temporais

de uma só vez, mas reduzia a ajuda de 30% (trinta por cento) do montante de prejuízos causados

ao imóvel e obrigava o interessado a provar que a propriedade danificada, além de única, servia

como efetiva residência. Para cobrir as despesas com essa lei, estimadas em 2 milhões de

cruzeiros, a Prefeitura cancelou obras que estavam previstas no Plano de Investimentos e que

incluíam a instalação de guias, sarjetas e iluminação pública (SANTOS, 2002).

Responsabilizado tanto pelas enchentes que transtornavam as indústrias quanto pelo

transbordamento de seus afluentes, o rio Tamanduateí começa a ser totalmente modificado no

final da década de 1960 e início da década de 1970. Por volta de 500 mil toneladas de terra

foram movimentadas no trabalho de ampliação da calha do rio. A meta era fazer com que ele

escoasse 160 mil litros de água por segundo, 60% a mais do que podia até então. Morros

53

próximos foram desfeitos e a terra jogada nos antigos meandros, acabando-se assim com as

antigas curvas do velho Tamanduateí.

Embora a obra tivesse como objetivo eliminar as enchentes, também permitia abrir

espaço em antigos brejos para a instalação de novas indústrias e, mais ainda, permitiria a

abertura da Marginal Tamanduateí e depois a construção da Avenida dos Estados. A

preocupação com o sistema viário e com a eliminação de enchentes de áreas para a instalação

de novas indústrias era o que motivava a realização de outras obras nessa mesma época, como,

por exemplo, a retificação dos córregos Apiaí e Guarará, e abertura de marginais ao longo do

córrego Carapetuba.

A obra realizada no Córrego Guarará é significativa para o agravamento das inundações

na região da Vila América. Isso porque, para permitir a construção da Avenida Capitão Mário

de Toledo Camargo, caminho natural do leito do córrego foi remanejado e retificado e grande

parte de sua extensão foi canalizada, com alguns trechos sendo totalmente fechados.

(FREITAS, 2007). A partir de então, além de conviver com as recorrentes enchentes no

município, passaram enfrentar alagamentos no seu próprio bairro.

N: Olha eu moro aqui há mais de meio século, eu estou com 62 anos, eu vim do

interior, agora aqui nesse local, na Vila América, eu moro há mais de 20 anos, desde

89, 89 para 2016, há vinte e tantos anos, há 27 anos. Mas antigamente dava uns

alagamentos e demorava meia hora, 1 hora e ia embora, isso nos anos 70 e 80, isso eu

sei por que sempre morei por aqui.

P: E sempre encheu?

N: Não, alagamento. Enchia, mas não era transbordamento porque não tinha essa

canalização atual, então desde 70 tem essa canalização aqui. (DIÁRIO DE CAMPO,

20/03/2016).

Apesar do grande investimento em obras da década de 1970, o problema das enchentes

apresentou-se ainda mais grave nos anos de 1980, pois a cidade continuava a crescer

rapidamente, levando a uma impermeabilização cada vez maior do solo pela construção de

prédios na região central e pelo surgimento de novos bairros e favelas. Com o tempo, as obras

acabaram se revelando insuficientes para escoar o crescente volume de água que corria para os

córregos, assim como não foram reservados recursos para a manutenção adequada das obras e

para a contenção das margens do rio Tamanduateí.

A partir da década de 1990, as inundações se intensificam no município de Santo André

com o registro calamidades que atingiram a todos: moradores de bairros pobres de periferia,

comerciantes e moradores da região central, e grandes indústrias instaladas próximas às

margens do rio Tamanduateí.

54

Atualmente, a Vila América continua sendo devastada por enchentes contínuas na época

das chuvas de verão, causadas pela ocupação urbana, pela impermeabilização do solo e por

obras de infraestrutura executadas sem o devido estudo de drenagem. Essas ações mal

executadas fizeram com que as inundações afetassem ainda mais o bairro, pois elas impedem

que as águas pluviais convirjam para o córrego Guarará, principal vetor de escoamento das

águas ao rio Tamanduateí, afluente do rio Tietê, garantindo o seu escoamento natural. Assim,

desde os anos 2000, no período de chuvas, invariavelmente, ali ocorrem em média três casos

de inundação e as águas chegam até a altura de 2m nas casas (SARTI, 2002).

Figura 2: Mapas das áreas inundáveis na Vila América

Fonte: Centro de Referência – Semasa, 2016

Os problemas das inundações causaram a desvalorização nos imóveis na região; isso

levou alguns moradores a colocarem suas casas à venda por um valor muito abaixo do mercado,

enquanto outros simplesmente as abandonaram e migraram para outros locais, conforme relato

da moradora W: “[...] você olha isso aqui, parece uma cidade fantasma, um monte de casa

abandonada, porque todo mundo que tinha condições de ir embora foi, os que estão restando

aqui, é porque não tem para onde ir [...]” (DIÁRIO DE CAMPO, 29/09/2015).

Também, há pessoas que, pela ausência de condições financeiras ou por se sentirem

injustiçadas, permanecem no local, esperando do poder público uma solução para o problema

que, segundo liderança comunitária, afeta 88 famílias que vivem na Vila América.

55

Para entender um pouco mais a situação vivenciada pelos moradores, segue um trecho

de uma matéria publicada no Jornal Diário do Grande ABC:

No último ano foram três cheias: duas no início do ano e uma no fim de novembro.

Além dos prejuízos materiais, como portões, muros e carros destruídos, móveis e

equipamentos eletroeletrônicos danificados com enchentes que chegam a atingir dois

metros de altura, os transtornos invadem também a vida familiar. "Abala a estrutura

de qualquer casamento. Tanto que só permanece morando aqui aqueles que não têm

condições de se mudar", confidencia o coordenador de promoção Eduardo Antunes

Rodrigues, 38 anos. [...]ao circular pelo local, é possível observar diversas casas

disponíveis para venda, apesar da desvalorização dos imóveis. Alguns moradores

preferem migrar para pontos mais altos e abandonar a própria residência, caso do

auxiliar de armazém Eduardo do Nascimento, 36. "Nasci e fui criado aqui, mas não

aguento mais. Vou deixar a casa vazia e mudar para a Vila Humaitá", revela. [...] O

descontentamento é visível. Basta uma volta pelo bairro para encontrar moradores

cansados dos transtornos anunciados e recorrentes. "De dezembro até abril a gente

fica preocupado e até evita sair de casa", destaca o líder comunitário do local, William

de Paiva, 44. Segundo ele, falta vontade do poder público, que há anos promete obras

de melhorias no local, que nunca saíram do papel. "Demos ideias de construir outro

piscinão na Praça 14 Bis ou até mesmo no Carrefour, muro de contenção, mas nada

foi atendido", comenta [...] (FERNANDJES, 2012).

Seguem também dados dos bairros atingidos pelo transbordamento de córregos e rio

em dias de chuvas, durante os anos 2008 a 2014 na cidade de Santo André, conforme consta no

Relatório pós-chuvas Santo André período 2008 a 201411, os quais evidenciam, também, a

problemática das inundações na Vila América12.

No ano de 2008 as chuvas que atingiram a cidade de Santo André fizeram com que

diversos bairros próximos aos principais córregos e rios do município sofressem com as

inundações. A Vila América, no que tange a altura atingida pela água, foi a que mais sofreu,

com 2m de altura, ficando atrás somente da Avenida dos Estados onde a altura atingida chegou

a 3,20m.

11 Com o objetivo de contextualizar o problema das inundações na Vila América, em 15 de setembro de

2014 solicitamos ao Semasa, por meio do processo administrativo de nº 4.496/2.014, um Relatório Fotográfico

das enchentes ocorridas na Vila América, no piscinão da Avenida Capitão Mário Toledo de Camargo e no Córrego

Guarará nos últimos 20 anos. Conforme arquivo institucional, no dia 19 de janeiro de 2015, foram disponibilizados

os seguintes documentos: a) 5 fotos de alagamentos na região (1 no ano de 2005, 3 no ano de 2010 e 1 do ano de

2013); b) Relatório Pós-chuva do município dos anos de 2008 a 2014; c) a obra Águas Revoltas – Histórias das

enchentes em Santo André, de autoria de Magda Santos; d) sugestão de acesso ao jornal local Diário da Grande

ABC. Após visitas ao local e conversas com moradores, percebemos que as intensas chuvas ocorridas no ano de

2011 não foram registradas do relatório, então, em 07 de novembro de 2015 solicitamos o desarquivamento do

processo com o objetivo de checar os dados disponibilizados: em 23/01/2016 desarquivaram o processo

acrescentando mais duas solicitações: a) mapa aéreo da cidade de Santo André e b) mapa aéreo da Vila América.

Até a presente data não tivemos retorno da solicitação (DIÁRIO DE CAMPO – 28/04/2016). 12 Realizamos o histórico dessas inundações e o comparamos com os dados do Estado de São Paulo. Esse

levantamento encontra-se no apêndice I.

56

De acordo com as informações, no ano de 2009 somente alguns bairros cercados pela

Bacia do Córrego Guarará sofreram com inundações no município, sendo a Vila América o

mais atingido, com as águas atingindo 1,20m de altura.

No ano de 2010 foram atingidos bairros localizados no entorno de dois córregos: o

Guarará e o Ribeirão dos Meninos, e do Rio Tamanduateí. Novamente o local mais afetado foi

a Vila América com altura das águas chegando a 2,10m.

Segundo esse Relatório, em 2011 houve transbordamentos no Rio Tamanduateí, na

Bacia dos Córregos Cemitério e Carapetuba, na Bacia do Ribeirão dos Meninos e na Bacia do

Córrego Jundiaí afetando bairros e avenidas ao seu entorno. Não constam informações sobre

inundação nos bairros próximos à Bacia do Córrego Guarará, mas segundo a moradora W, foi

nesse ano que ocorreu uma das piores enchentes na Vila América. Em suas palavras:

W: Em 2011, foi uma chuva horrível né, afetou Santo André inteiro. Mas se em lugar

que nunca deu enchente, deu, imagina nós que qualquer chuvinha já dá uma enchente?

Porque às vezes chove lá na cabeceira e aqui, às vezes nem choveu forte e vem água

aqui, porque se chove na cabeceira do rio, a água vem aqui, a chuva passa aqui [...] eu

perdi tudo, a casa em 2011 foi tudo embora, caiu o muro do vizinho, a parede da minha

sala. E a água quase pegou eu aqui dentro, cobriu a pia da cozinha, pegou a metade

da porta do fogão que estava em cima da ... sobrou nada, fiquei com a roupa do corpo,

sem água, porque aí acabou a água (DIÁRIO DE CAMPO – 29/09/2015).

Essa moradora também disponibilizou documentos entregues pelo Semasa e pelo

Departamento de Defesa Civil contendo informações sobre ocorrências em sua casa, na Vila

América, no ano de 2011: a) no dia 20/01/2011, conforme Relatório de Vistoria em Ocorrência,

foi realizada uma vistoria de edificação na casa de W “Em atendimento à solicitação, o

engenheiro da Equipe de emergência – Sr. Irton Teixeira Cardoso, constatou o que segue: área

de inundação, comprometimento de piso e paredes, há risco potencial no local. Encaminhar à

gerência de Drenagem para ciência”; b) no dia 14/03/2011, segundo Guia de Processo, W

solicitou desconto nas contas de fornecimento de água, em decorrência da inundação.

Procuramos também matérias em jornais e sites que contivessem informações sobre

chuvas, inundações ou enchentes na Vila América em Santo André no ano de 2011.

Encontramos quatro (4) notícias no mês de fevereiro e uma (1) no mês de dezembro,

confirmando os relatos dos moradores.

As notícias encontradas sobre as chuvas do mês de fevereiro retratam o mesmo evento,

já quanto às chuvas de dezembro, embora o texto seja semelhante ao de fevereiro, a matéria na

íntegra relata outra ocorrência. Seguem:

57

CHUVA PROVOCA ALAGAMENTO NO ABC: RUAS FICARAM ALAGADAS,

DEIXANDO MOTORISTAS ILHADOS. CÓRREGOS TRANSBORDARAM NA

REGIÃO, SEGUNDO O CGE.

A chuva forte que atingia a região metropolitana de São Paulo na tarde desta quarta-

feira (2) provocava muitos transtornos. De acordo com o Centro de Gerenciamento de

Emergências (CGE), da Prefeitura, chovia muito em São Bernardo do Campo,

Guarulhos, Mauá e no limite de Santo André com Ribeirão Pires. Segundo o CGE,

houve transbordamento dos córregos Saracantan, em São Bernardo do Campo, e

Ribeirão dos Meninos, em Santo André. O Córrego Guarará, próximo a São Caetano

do Sul, também transbordou. Na região, carros e ônibus ficaram no meio do

alagamento [...] Segundo a Defesa Civil de Santo André, foram registrados pontos

de alagamento nas regiões da Vila América e do Jardim Bom Pastor. Não havia

informação de vítimas. Equipes foram deslocadas para as ruas para atender as

solicitações de vistorias [...] (G1 SP, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011, grifos

nossos).

CHUVA COLOCA CIDADE DE SP EM ESTADO DE ATENÇÃO.

[...] na Grande São Paulo, houve registro de chuvas fortes apenas em Salesópolis. As

áreas que provocaram precipitação intensa na região do ABC e municípios vizinhos

já se encontravam na Baixada Santista e no oceano. Segundo dados da rede

telemétrica, às 14h40 foi constatado o extravasamento do córrego Ribeirão dos

Meninos, em São Caetano, com término às 16h. Mais cedo, às 14h, houve

transbordamento do mesmo córrego em Santo André, na altura da Faculdade de

Medicina, e do córrego Saracantan, em São Bernardo do Campo, que duraram até as

14h50. A Defesa Civil de Santo André disse que, às 16h20, havia pontos de

alagamento da região da Vila América, Jardim Bom Pastor e na Vila Sacadura

Cabral. Além disso, o nível do Rio Tamanduateí, no trecho que corta Santo André,

estava com o nível alto, com possibilidade de transbordar, caso a chuva continuasse

[...] (TERRA, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011, grifo nosso).

CHUVA INUNDA RUAS DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

A forte chuva que atingia o ABC Paulista, na tarde desta quarta-feira (2), provocou

alagamentos em São Bernardo do Campo e Santo André. Em razão do temporal,

transbordaram os córregos Saracantan, em São Bernardo do Campo, e Ribeirão dos

Meninos, além do rio Tamanduateí, ambos na altura de Santo André, segundo o CGE

(Centro de Gerenciamento de Emergências) [...] O temporal também causa estragos

em Santo André e em Diadema, onde outro motorista ficou ilhado dentro do carro e

aguardava a chegada dos bombeiros às 13h30. De acordo com o Corpo de Bombeiros,

o incidente ocorria na rua Granja, altura do número 377, no bairro Parque Real. Por

volta das 15h20, a Defesa Civil registrava em Santo André dois pontos de

alagamento intransitáveis na avenida Capitão Mario Toledo de Camargo, na

Vila América, e na avenida Lauro Gomes, no Jardim Bom Pastor (BRASIL MUNDO,

quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011, grifos nossos).

CHUVA CAUSA ALAGAMENTOS E DESLIZAMENTOS NA GRANDE SÃO

PAULO

As chuvas que atingem a região metropolitana nesta quarta-feira causam alagamentos

em diversas avenidas na Grande São Paulo. Há ainda registros de deslizamentos e

queda de árvore. Houve transbordamento de córregos e pessoas ficaram ilhadas pela

chuva. Na cidade de São Paulo, regiões estão em atenção. Os córregos Saracantan, em

São Bernardo do Campo, e Ribeirão dos Meninos, em Santo André -- na Grande

São Paulo --, transbordaram com as fortes chuvas, segundo o CGE (Centro de

Gerenciamento de Emergência), da Prefeitura de São Paulo[...]a Defesa Civil de

Santo André informou que foram registrados pontos de alagamento da região da

Vila América e Jardim Bom Pastor. O órgão alerta que o nível do rio Tamanduateí,

no trecho que corta a cidade, está alto e há risco de transbordamento (FOLHA DE

SÃO PAULO, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011, grifos nossos).

58

CHUVA PROVOCA ALAGAMENTO NO ABC

A chuva forte que atingia a região metropolitana de São Paulo na madrugada de hoje

(15) provocou muitos transtornos. De acordo com o Centro de Gerenciamento de

Emergências (CGE), da Prefeitura de SP, chovia muito em São Bernardo, São

Caetano, Guarulhos, Mauá e no limite de Santo André com Ribeirão Pires. Segundo

o CGE, houve transbordamento dos córregos Ribeirão dos Meninos, em São Caetano,

e dos Couros, em São Bernardo, também transbordaram, causando o bloqueio do

tráfego no limite entre São Caetano e a capital paulista. O Córrego Guarará,

próximo a São Caetano, também transbordou [...] Segundo a Defesa Civil de

Santo André, foram registrados pontos de alagamento nas regiões da Vila

América e do Jardim Bom Pastor. Não há informação de vítimas. Equipes foram

deslocadas para as ruas para atender às solicitações de vistorias [...] (DIÁRIO

REGIONAL, quinta-feira, 15 de dezembro de 2011, grifo nosso).

Em continuidade aos dados disponíveis nesse Relatório, no ano de 2012 constam pontos

atingidos pelo transbordamento dos Córregos Cemitério, Carapetuba, Guarará, Apiaí, Itrapoã,

Cassaquera e do Rio Tamanduateí. Novamente a Vila América foi a área mais atingida pelas

chuvas em relação à altura atingida pelas águas, 1,80m.

Segundo dados oficiais, durante o ano de 2013 a cidade de Santo André foi atingida

pelas fortes chuvas quatro vezes, ocasionando inundações nos bairros próximos a todos os

córregos e rios. Das quatro chuvas com eventos danosos na cidade, duas atingiram a Vila

América, com as águas atingindo, 2m e 1,50m, respectivamente.

Finalizando a análise dos dados disponibilizados por esse Relatório, em 2014, dos 6

bairros atingidos, a Vila América também foi o bairro em que a água atingiu a maior altura:

0,90cm.

Os dados oficiais dos anos de 2008 a 2014 disponibilizados no Relatório Pós-Chuva do

Semasa, demonstram que a Vila América é o bairro mais prejudicado em relação à altura

máxima atingida pela água da inundação, na cidade de Santo André.

59

Tabela 1: Relatório Pós-chuvas Santo André/SP

Pontos

atingidos Bairro

Lâmina

(m) 2008

Lâmina

(m)

2009

Lâmina

(m) 2010

Lâmina

(m) 2011

Lâmina

(m) 2012 Lâmina (m) 2013

Lâmina

(m) 2014

Fevereiro Fevereiro Janeiro Janeiro Janeiro Janeiro Fevereiro Fevereiro Dezembro Março

Bacia dos

Córregos

Cemitério

e

Carapetub

a

Centro 0,30 a 0,80 0,20 0,30 a 1,50 0,40 a 0,80 0,70 a 1,00

Bacia do

Rio

Tamanduat

Jaçatuba 0,80 a 3,20 1,70 0,20 0,80 a 1,00

Avenida

dos Estados 0,80 a 3,20 1,70 0,20 0,80 a 1,00

Pq. João

Ramalho 0,30 0,30 0,70 a 1,00 0,20 0,30

Jd. Alzira

Franco 0,50 0,30 0,20 0,40 0,40

Vila

Metalúrgic

a

0,50 a 1,50

Santa

Terezinha 0,30 a 0,80 0,20 a 2,00 0,80 0,20 a 0,50 0,20 a 0,50 0,20 a 0,30

Bangú 0,20 0,40

Bacia do

Córrego

Guarará

Vila Pires 0,15 a 0,50 0,40 a 0,60 0,20 a 1,00

Não

constam

informaçõe

s referentes

a esse ano

0,50 a 1,50 0,80 a 1,50 0,40 a 1,00

Vila

Vitória 0,20 a 1,00 0,50 1,20 a 1,50

Vila Luzita 0,30 a 1,00 0,50 0,40

Vila

América 0,50 a 2,00 0,20 a 1,20 0,25 a 2,10 1,60 a 1,80 0,80 a 2,00 0,60 a 1,50 0,50 a 0,90

Jd. Vila

Rica 0,40 - 1,00

Vila

Lutécia 0,80

Vila Sá 1,1 0,80 0,80 a 1,00

60

Bacia do

Rio

Oratório

Jardim Ana

Maria 0,30 0,40

Parque

Novo

Oratório

0,30 a 1,00 0,30

Bacia do

Ribeirão

dos

Meninos

Vila

Palmares 0,50 a 1,20 0,60 a 1,50 - 0,30 0,20 a 1,20

Bom Pastor 0,30 a 0,80

Sacadura

Cabral 0,30 a 0,80 0,30

Vila

Scarpelli -

Vila

Floresta 2,00

Bacia do

Córrego

Jundiaí

Santa

Terezinha 0,20 a 0,50

Bacia do

Córrego

Apiaí

Vila

Helena 0,40 0,30

Bacia do

Córrego

Itrapoã

Cidade São

Jorge

-

Carreament

o de

resíduos

-

Carreament

o de

resíduos

-

Carreament

o de

resíduos

-

Carreament

o de

resíduos

-

Carreament

o de

resíduos

Bacia do

Cassaquera

Homero

Thon 1,50 1,60 1,80 0,60 1,20 0,60

Centreville

-

Carreament

o de

materiais

-

Carreament

o de

materiais

-

Carreament

o de

materiais

-

Carreament

o de

materiais

-

Carreament

o de

materiais

Fonte: Centro de Referência - Semasa, 2015.

61

A cidade consta da lista dos 821 municípios considerados prioritários pelo Governo

Federal para receber ações visando à redução de desastres naturais. Esses municípios foram

escolhidos de acordo com critérios específicos, tais como: recorrência de deslizamentos,

inundações, enxurradas, desabamentos, número de óbitos, desabrigados e desalojados,

registrados nos últimos 20 anos. Dessa lista, Santo André é um dos 263 municípios com o

mapeamento das áreas de risco já realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), via

Ministério de Minas e Energia, o qual é tido como ação emergencial para a delimitação de áreas

em Alto e Muito Alto Risco de enchentes, inundações e movimentos de massa (deslizamentos).

Esse mapeamento foi entregue em março de 2013 (BRASIL, 2013).

O documento CPRM faz parte das ações de integração nacional do Governo Federal,

em cumprimento à Lei Federal 12.608/12, que estabeleceu a Política Nacional de Proteção e

Defesa Civil. Segundo tal mapeamento, Santo André tem 38 áreas de risco, entre níveis 3 e 4

(alto e muito alto), que incluem os diversos tipos de riscos: inundação, enxurradas,

deslizamentos e solapamentos. As áreas mais sensíveis do município, segundo o estudo, são

Jardim Irene, Jardim Santo André, Vila América, Recreio da Borda do Campo, Cata Preta,

Núcleo Espírito Santo, Gamboa, Sítio dos Vianas, Vista Alegre e Bacia do Rio Tamanduateí.

Esse diagnóstico, além de apresentar os resultados, inclui sugestões para a resolução dos

problemas. Com relação às áreas de inundação, relatou-se que há falta de implantação de um

sistema de alerta para a remoção temporária dos moradores durante os eventos de precipitação

elevada, e como, em alguns locais a população já se adaptou às frequentes ocorrências,

construindo diques de contenção na entrada das casas ou portões de vedação. Mas, mesmo não

havendo alto risco de morte, os moradores precisam ser avisados com maior antecedência para

evitar perda de bens materiais e proliferação de doenças.

Percebeu-se, ainda, que em determinados locais, as moradias, além de vulneráveis, estão

dentro do leito dos córregos, como nas Avenida Pedro Américo e Maurício de Medeiros, que

vem sendo atingidas anualmente pelas águas. Nesses casos, o sistema de alerta deve funcionar

apenas enquanto não é realizada a remoção definitiva das moradias.

Vale ressaltar que mesmo a Vila América estando classificada na tipologia de risco de

inundação, conforme o diagnóstico citado, vir sofrendo com inundações há pelo menos 20 anos

de acordo com relato de moradores e ser o bairro mais atingido diante do relatório pós-chuva

dos anos 2008 a 2014, não está entre os bairros citados nos resultados do documento da CPRM

e, por consequência, não consta das sugestões para a resolução do problema.

62

5. AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO RISCO NA PERSPECTIVA DOS

MORADORES QUE CONVIVEM COM AS INUNDAÇÕES RECORRENTES

NA VILA AMÉRICA

Como essa pesquisa se insere nos estudos psicossociais sobre produção de sentidos na

vida cotidiana e na circulação de repertórios em uma perspectiva histórica e social, discutiremos

neste subcapítulo temas que demonstram como a/o entrevistada/o compreende e convive com

os riscos de inundação no seu cotidiano.

5.1 APRESENTANDO OS INTERLOCUTORES

Apresentaremos neste subcapítulo os moradores que foram nossos interlocutores sobre

a vivência com o problema das inundações na Vila América. Buscando atender o Código de

Ética em Pesquisa 466/12, que enfatiza, entre outros, a proteção dos participantes, os

apresentaremos como a moradora W e o morador N.

5.1.1 A história de W

W é moradora da Vila América há 19 anos e convive com a inundação desde então.

Somente descobriu que a região sofria com os eventos após 40 dias de moradia.

W: É assim, depois de 8 anos de casada eu comprei essa casa aqui, eu comprei em

setembro. Comprei a casa, gastei tudo o que tinha e que não tinha para reformar a

casa, e 40 dias depois eu descobri que dava enchente, no dia do aniversário da minha

filha de 7 anos. Tinha um monte de gente aqui em casa, e eu ainda só não tirei a

comporta, porque, eu falei olha que portão feio, eu não conhecia o que era comporta,

olha que portão feio, então eu não tirei a comporta porque o dinheiro acabou, porque

a casa estava muito destruída. Eu até falei, olha que pessoal relaxado, e hoje comigo

está destruída de novo, porque a gente vai perdendo o gosto pela casa. Depois eu fui

saber, tinha um muro remendado ali, porque tinha dado uma enchente, tinha caído e

pessoa que morava aqui tentou segurar a mesa, porque a pessoa se apega no que ela

tem e aí cortou a mão dela, ficou com a mão cortada e teve que dar ponto, então eles

desgostaram e venderam a casa. Só que eu não tenho coragem de vender a casa e

desfazer o sonho de uma pessoa também, eu vou vender, eu vou falar e ninguém vai

querer comprar (ENTREVISTA, 05/02/2016, L1).

A casa foi financiada pelo antigo proprietário junto ao Banco Itaú, mas como W não

conseguiu refinanciá-la, por trabalhar por conta, comprou por contrato de gaveta. Terminou de

pagar as prestações do imóvel em 1998, restando apenas 60 prestações de resíduo, no entanto,

63

ao final das prestações residuais, em função do alto valor pago mensalmente, originou-se um

novo resíduo e W atualmente briga na justiça pela aquisição da propriedade.

W: Comprei contrato de gaveta, porque eu trabalho por conta e nosso país também

não dá, não dava crédito para eu conseguir comprar uma casa, comprei em contrato

de gaveta e continuei pagando as prestações dele que tinha e ainda tenho dívidas. Eu

estou brigando com o banco.

P: Então essa casa, com o antigo proprietário, era financiada?

W: Isso, e já não podia ser financiada aqui né.

P: Foi financiada por qual banco?

W: Pelo Itaú, e eu estou brigando na justiça por essa casa, porque a prestação era

muito alta, e quando eu terminei de pagar em 1998, era R$ 806,00 e passou para R$

1.250,00 o resíduo, e é R$47.000,00, então põe aí, R$1.250,00, 60 prestações, eu

geraria resíduo de novo, uma casa impagável. Então eu estou aqui, não posso

reformar, porque se eu reformar, uma que a Prefeitura não deixa, eles falam que não

pode subir a casa, e eu moro em área de risco e eles não deixam fazer nova construção

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L3-67).

Sua casa, além de residência é o local de trabalho do esposo, que possui uma gráfica nos

fundos. Mora com o esposo, o filho e o irmão; tem uma filha que não mora mais com a família.

Em função da convivência com a inundação, na luta por não perder seus bens materiais e até

mesmo a vida, W adquiriu cisto no braço, seu esposo duas hérnias de disco e sua filha um

problema da coluna quando teve 9 vértebras deslocadas, aos 10 anos de idade.

Foi liderança de Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil (NUPDEC) durante 7

anos, auxiliando no cadastramento de áreas de riscos e em atividades para melhoria da Vila.

Participou também da realização de campanhas em parceria com o Corpo de Bombeiros e com

a Eletropaulo, promovendo cursos de primeiros socorros nas escolas, e do Orçamento

Participativo do Município. Distanciou-se do trabalho voluntário por ter se desanimado com a

falta de ações definitivas para a resolução do problema em seu bairro.

Figura 3: Casa de W Figura 4: Casa de W inundada

Fonte: Sandra Luzia Assis da Silva, 2015 Fonte: Internet, 2015.

64

5.1.2 A história de N

N é morador da Vila América há 27 anos e da cidade de Santo André há mais de 50

anos. Sua propriedade é legalizada pelo Poder Público e toda a sua documentação está

devidamente atualizada, inclusive o pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Sua casa, além de residência é o local de trabalho, pois ali mantém uma oficina de conserto de

aparelhos eletroeletrônicos. Atualmente mora com outros dois irmãos.

Relata que o município sempre sofreu com alagamentos, e que quando foi morar em sua

atual casa sabia da ocorrência dos eventos. Mas gosta de enfatizar que anteriormente esses

eventos eram de pequena magnitude, diferentemente de como é atualmente.

N: Mas antigamente dava uns alagamentos e demorava meia hora, 1 hora e ia embora,

isso nos anos 70 e 80, isso eu sei por que sempre morei por aqui (DIÁRIO DE

CAMPO, 20/03/2016)

N: Mas não pode encher 2,20m, isso daí é um absurdo e fica de 4 a 5 horas. Eu estou

batendo nessa tecla, hoje ficamos de 4 a 5 horas debaixo de agua. Dois metros e vinte

de altura até chegar ao nível da rua demora 4 a 5 horas para escoar, isso é um absurdo.

Pode dar um alagamento quando dá cheia e tal, você pode ver, em todo lugar dá um

alagamento, mas não dá 2,20m e fica 4 a 5 horas debaixo da água, mas aqui acontece

isso (ENTREVISTA 31/03/2016, L138).

Não atua no NUPDEC, mas participa pontualmente de reuniões de bairro relacionadas

às obras de melhoria e de palestras informativas. Por residir há muito tempo na região, N

conhece e acompanha todas as obras existentes no entorno do seu bairro, tanto as que estão

ligadas diretamente com a problemática das inundações da Vila América, quanto outras que

não interferem diretamente no problema.

N: Eu estou esquecendo! Drenagem do esgoto vem de lá, da Vila, do shopping, do

entorno do shopping, vem pra cá a drenagem do esgoto, do esgoto, vem um tubo faz

aqui e aqui tem um pv que liga esse aqui que atravessa o esgoto por baixo da

canalização.

N: Isso daí é pra despoluir o rio Tietê, isso é outro projeto antigo, esse projeto é de 92,

que fizeram um projeto de saneamento e esgoto, quer dizer, no córrego, então aqui

desse meu lado aqui da pista Capitão Mario de Toledo aqui, passa um cano, acho que

de um 1,60m, não 1,60m é do outro lado, a 5m abaixo, do outro lado, sabe a Capitão

Mario ali, onde está o Polícia Científica, naquele gramado ali do lado, vai até a Vila

Pires lá para baixo, tem um cano de, um tubo de 1,60 de diâmetro, e desse lado tem

80cm, aqui tá a 3m de profundidade desse lado, do outro lado tá 5m, pra dar queda

logicamente, pra dar queda pra ir o esgoto para lá, e outro, há uns 2 anos atrás, fizeram

a intersecção, fizeram um tubo, fizeram uma galeria passando por baixo, assim dizem

que estava parado ali e tinha uns negócios (risos).

P: É, como o senhor sabe dessas informações todas, desses canos dessas obras?

N: Eu sei por que eu presenciei, eu estou aqui desde 89.

P: Ah tá, o senhor acompanha todas as obras?

65

N: Eu estou aqui desde 89, então a gente sabe que tem um cano lá, ai esse ano, esse

ano não o ano passado, teve uma intervenção aqui no meio da pista aqui da Afonso

Pena, fizeram umas casinhas e a empresa fez com um tipo de um tatuzinho, fizeram

alguma coisa assim, fizeram, assim dizem eles também, porque eu também não entrei

lá embaixo para ver (risos) e é um tubo que está ligado do outro lado, fizeram um

desse lado na galeria desse lado e outro do outro lado, e cruzaram, para que isso? Para

fazer o esgoto ligado do outro lado para depois fazer a ligação, não está funcionado

ainda, esse negócio do esgoto não está funcionando, estão fazendo a ligação, começou

em 92 isso aí (ENTREVISTA, 31/03/2016, L144–149).

Figura 5: Rua Nilo Peçanha com lama após inundação

Fonte: Acervo pessoal W, [s.d.]

Mesmo sofrendo com o problema da inundação pontual em períodos mais chuvosos, N

gosta de morar na região, pois é próximo do centro da cidade e como está bem localizada é de

fácil locomoção para outros municípios. Relata também que é um bairro tranquilo, com pouco

barulho e confusão, e atribui isso ao fato de os moradores da Vila América serem em sua

maioria pessoas mais velhas e que estão na região há bastante tempo. Também mantem um bom

relacionamento com os vizinhos.

N: aqui é um local ótimo para a gente ficar vivendo, está próximo de tudo. Só que nós

temos esse problema, quando chove muito enche de agua aqui. Então é, a vida da

gente aqui, é meio temerária quando chega a época de verão, mas fora isso aqui temos,

a vizinhança é ótima, são tudo pessoas que vivem há muito tempo aqui, gostam daqui

66

porque o local é de fácil acesso a tudo aqui, só que tem isso daí, o único problema é a

nossa enchente (ENTREVISTA 31/03/2016, L118).

Figura 6: Casa N inundada

Fonte: Livro Águas Revoltas: histórias de enchentes em Santo André (SANTOS, 2002, p. 98)

5.2 A CONVIVÊNCIA COM AS INUNDAÇÕES DO CÓRREGO GUARARÁ

Como essa pesquisa se insere nos estudos psicossociais sobre produção de sentidos na

vida cotidiana e na circulação de repertório em uma perspectiva histórica e social, discutiremos

a seguir temas que demonstram como a/o entrevistada/o compreende e convive com os riscos

de inundação no seu cotidiano.

Os moradores da Vila América vêm sofrendo com o problema das inundações há mais

de 20 anos durante o período de chuvas mais intensas, isso acontece porque o Córrego Guarará

que passa pelo bairro transborda e atinge parte das ruas da Vila América. O problema se agrava

porque o bairro fica na parte mais baixa do córrego, assim, quando a água lá chega, a correnteza

está muito forte e traz entulho e sujeira de regiões mais altas. Quando ocorre o transbordamento

a água chega a atingir até 2,20m de altura na casa de alguns moradores e 3m em algumas ruas

e o tempo de escoamento da água é de 4 a 5h.

67

W: Porque você fala que aqui dá 2m de água, esse lugar? É um centro, perto de um

shopping, só que esse pedacinho aqui é abandonado, são, acho que 88 famílias que

está nessa condição (ENTREVISTA 05/02/2016, L11).

W: Era 55 famílias, e depois aumentou, porque a água está subindo, sobe aqui nessa

rua que é subida e vai dar quase em 6 ou 8 casas para cima, e eu aqui, a pior parte é

aqui e aquela rua onde o japonês mora, que dá 2m, 2m e pouco (ENTREVISTA

05/02/2016, L13).

W: Contato com o barro a gente tem 5 a 6 vezes no ano quando dava enchente, porque

tinha ano que dava 5 a 6 enchentes no ano, já teve vezes de dar uma enchente e menos

de 24h dá uma enchente de novo (ENTREVISTA 05/02/2016, L18).

W: Agora, passar 5 a 6 enchentes em um ano não é brincadeira, teve um fevereiro que

deu 4. Quatro enchentes e fora os dias que você fica, toda vez que escurece e dá trovão,

a gente fica com medo (ENTREVISTA 05/02/2016, L164).

Figuras 7: Transbordamento do Córrego Guarará Figuras 8: Transbordamento do Córrego Guarará

Fonte: Semasa, 2014 Fonte: Semasa, 2014

Na rua da casa de N, Nilo Peçanha, localizada na parte mais baixa do bairro, a água já

atingiu de 2,5 a 3m de altura no muro que cerca sua residência e dentro da sua casa 1,90m,

deixando em suas paredes as marcas do ocorrido. Para N essa situação é absurdamente

inaceitável. O córrego divide a Avenida Capitão Mário de Toledo e quando ocorre o

transbordamento, a pista do lado esquerdo para quem vai em direção aos bairros é a mais afetada

por estar na parte mais baixa, consequentemente, a Vila América, que fica desse lado é bastante

afetada; tanto a pista quanto algumas ruas, especialmente a do interlocutor N, ficam

intransitáveis, a água chega a encobrir carros.

N comenta que frequentemente vê pessoas tentando passar inadvertidamente pela

inundação, sem perceber, muitas vezes, que por ali passa um córrego e que isso pode gerar uma

grande tragédia como se vê nos noticiários com frequência em períodos chuvosos.

68

A força da água que transborda do córrego é tão grande que N desistiu de tentar contê-

la e optou por deixar que ela entre livremente em sua casa. Houve uma época em que tinha um

portão com comporta, mas em consequência de uma forte chuva foi arrancado e depois disso

ele resolveu não mais colocá-lo:

P: O senhor tem comporta aqui?

N: Não tem, já coloquei mas caiu

P: Então o senhor deixa a agua entrar livremente

N: É logico, 2,20m do muro cobrir você tem que ter uma armação estrutura de

concreto que nem uma piscina, tem que fazer uma muralha aí, não é qualquer muro

que vai segurar 2,20m de água com a pressão que tem. Então a área aí tem 10 a 11

metros de frente e 20 de fundo, como você vai ficar segurando, você explode o muro.

P: 10 metros de frente e 20 metros de fundo a propriedade do senhor tem?

N: É, então o portão que tinha ali, que tá meio caído, caiu e caiu um poste ali. Porque

que caiu? Porque o portão não é comporta, é uma cantoneira de 20 polegadas, para

quem sabe uma cantoneira de 20 polegadas é cantoneira de fazer comporta mesmo

(risos). Caiu o portão inteiro, saiu a pilastra, a mureta, caiu tudo, rancou embaixo. Por

que? Porque tem que ter estrutura e num terreno que é baixo, tem que ter uma

tremenda estrutura para segurar isso e não é qualquer coisa. Mas caiu e está sem o

portão, tá só com a folha só para tampar, para dizer que tem propriedade fechada, se

não estaria aberto. Diante disso a prefeitura nada faz, mas nem material de construção

traz aqui quando cai as coisas, então deixa aí, eu estou vendo isso aí, tô vendo se vou

aumentar as coisas, fazer uma laje, alguma coisa aí para fazer uma estruturação melhor

(ENTREVISTA 31/03/2016, L130–135).

Figura 9: Vila América inundada

Fonte: Semasa, 2014

69

Já W prefere resistir à força da água utilizando comportas para que sua casa não seja

atingida e seus pertences destruídos toda vez que ocorre uma inundação, mas reconhece que

não é a melhor coisa a ser feita em função da força da água.

W: Porque é uma loucura segurar a água como a gente faz, o certo seria deixar entrar.

Está acabando com a casa mais ainda segurar, porque a água fica em uma pressão,

você não tem noção, o chão, as paredes, nem sei explicar, parece que você sente a

pressão da casa. A minha casa fica toda cheia, daqui, aqui, ali, atrás. Às vezes, se as

casas dos vizinhos entram, e aí o que aconteceu: uma comporta caiu, e foi um efeito

sanfona por causa de uma comporta mal feita. Caiu a da vizinha porque não aguentou

e aí foi caindo de todo mundo, só que a minha, a hora que bateu na minha comporta,

ela aguentou. Só que bateu na da minha vizinha e ela não aguentou, então minha

parede lateral caiu, e foi a de muitas casas que caiu. Ninguém pode com a água, o peso

da água você não tem noção, a comporta entorta, embarriga, comporta faz barulho,

ela começa a ranger, vem para dentro, assim (gesto). A gente já não sabe mais o que

faz (ENTREVISTA 05/02/2016, L118).

Figuras 10: Rua Erato inundada (em frente à casa Figura 11: Rua Erato inundada vista pelo portão da

de W) casa de W.

Fonte: Acervo pessoal W, [s.d.] Fonte: Acervo pessoal W, [s.d.]

Conviver com o risco de inundações frequentes fez com que o cotidiano dos moradores

da Vila América fosse modificado. W teve que mudar sua rotina de trabalho, alternando o

horário de entrada e saída conforme previsões meteorológicas, assim como viagens, passeios e

cirurgias são agendadas ou remanejadas de acordo com períodos não chuvosos. N também deixa

de sair nessa época para não correr o risco de ficar ilhado fora de casa por causa da inundação.

W: Eu tinha tudo mas agora eu não viajo. Desde 1997 eu não saio em final de ano, de

dezembro a abril ninguém sai daqui. Se você está no banco e dá um trovão, você larga

conta para pagar e volta para casa, está no mercado volta também. A vida da gente

muda, eu trabalho agora das 17h às 22h, mas na época de enchente, eu trabalho das

10h às 14h, eu mudo minha vida, todo mundo tem que se adaptar com isso. A gente

não sai, não arruma emprego longe, ninguém pode trabalhar, porque o que a gente vai

70

fazer, vai perder tudo todo ano? Vai ficar sem uma cama para dormir? Porque não é

baixo, minha casa que acho que tem 1m acima do nível da rua, na minha casa, a água

dá aqui no estômago se não tiver comporta. As outras casas aqui dão na testa, então

não é uma aguinha pouca (ENTREVISTA 05/02/2016, L130).

W: Eu tinha que fazer cirurgia e não fiz, o meu marido tinha duas hérnias e ainda teve

que esperar porque os exames saíram perto da época de enchente, então ele pediu para

esperar o outro ano para operar, porque como ele ia ficar em recuperação dentro de

casa dando enchente? E se a gente precisa travar comporta e erguer tudo?

Eu, olha o peso dessa mesa. Eu ergo até sem ver, eu carrego a mesa para um canto

para colocar as coisas em cima. Minha cama é muito pesada, virou em cima do meu

braço, por isso que eu estou com cisto, tenho que tratar, fazer cirurgia. Fazer cirurgia

como? Imagina uma criança de 10 anos tirar 9 vértebras da coluna, coitadinha. Ela

tinha 10 anos, eu estava de dieta, eu erguia a cama. Ela pôs o criado, eu joguei outra

coisa em cima e a cama virou, e, para não cair em cima de mim, ela segurou. Porque

ela sabia que eu estava de dieta, com cirurgia recente e o pequenininho aqui dentro,

dentro do carrinho. Aí depois que a gente ergueu tudo, ela levou o menino para cima,

o menino de três meses (ENTREVISTA 05/02/2016, L170).

N: Às vezes chove aqui, não enche d’água mas se choveu lá em cima pode crê que

vem e vem mesmo. Choveu 10 a 20 minutos de chuva forte lá em cima e aqui continua

chovendo e vai encher, aí quando para a chuva lá depois de meia hora, a gente aqui

está debaixo d’água ainda, esse que é o problema. O pessoal construiu aí e melhorou?

Melhorou, mas não adianta construir, aumentar a altura da casa ou senão altura do

muro, você levanta a casa e sobe uma pilastra e tal, mas e depois quando enche? Fica

debaixo da água na rua, como você vai ficar saindo, não é? Tem isso daí. A pessoa se

livrou de ter um certo prejuízo, mas ela tá se privando de sair, apesar que não acho

que deve sair também (risos), mas às vezes tem uma emergência, alguma coisa que

aconteça dentro de casa, que pode acontecer, às vezes o impossível acontece justo

naquela hora e tem uma emergência, vai fazer o que? Não pode sair, por isso não saio

quando começa a chover, pois posso correr o risco de não conseguir voltar para casa

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L183).

Quando o córrego transborda inundando ruas e casas, muitos são os problemas

enfrentados e os atores envolvidos, o que evidencia a complexidade da convivência com esse

desastre. W conta como inesperadamente sua família e vizinhos foram alertados pelos latidos

incessantes de um cão de que a água estava subindo:

W: Até os bichinhos que a gente tinha em casa tinha medo. O da minha vizinha aqui

quando começa a chover ele chora, ele fica apavorado quando ela não está em casa,

ele tem medo porque ele sabe que a dona dele tem medo de chuva. Uma vez o cachorro

da vizinha avisou a gente que estava dando enchente. Onze e pouco o cachorro

começou a berrar, berrar, e berrar, e ela falou: mas porque esse cachorro está

chorando? Quando ela olhou, estava, a água estava voltando. Porque a gente achou

que onze e pouco não era hora de dar enchente, sempre dá mais tarde, mas aquele dia

estava um dia chuvoso!

P: Onze e pouco da manhã?

W: Sim. Tirei meu menino pequeno da cama onze e pouco da manhã, e ele foi comer

dez e pouco da noite, criança pequena. E se o cachorro não vê? Porque tem que tirar

carro, tirar tudo, eu não deixo carro na garagem. Enquanto você está deitada na sua

cama dormindo enquanto está chovendo forte, a gente está na rua, está todo mundo

nas ruas, ninguém dorme, tem pavor (ENTREVISTA 05/02/2016, L124-126).

71

A interlocutora também revela que as consequências do evento são sentidas de diversas

formas e por diferentes atores:

P: Você havia comentado antes que o cachorro da vizinha da frente morreu.

W: Não, ele enfiou a barriga na lança na enchente de 2011. Ela pôs ele em cima da

casa térrea, que está até vazia, ela pôs os dois cachorros em cima, ele apavorou, ficou

assustado e pulou dentro da água. Aí ele foi tentar passar porque viu que estava muito

fundo, tentou passar pela grade do portão e enfiou a lança na barriga, não sei como!

Nessa hora caiu o meu muro aqui, eu corri para dentro e fiquei com aquela imagem

do cachorro berrando, achei que o bichinho tinha morrido. Aí depois contaram que

ela chamou o bombeiro, mas ele mesmo saiu da lança, ela levou ele no veterinário e

ele viveu ainda, conseguiu salvar o bichinho. Mas até os bichinhos sofrem, que nem

mereciam, porque não sabem nem o que está acontecendo (ENTREVISTA

05/02/2016, L127-128).

Figura 12: Portão onde o cachorro se machucou Figura 13: Rua Erato inundada no dia em que o cachorro

se machucou

Fonte: Sandra Luzia Assis da Silva, 2015 Fonte: Acervo pessoal W, [s.d.]

O fato é que, o passar dos meses, a aproximação do período chuvoso do verão, fazem

com que os moradores da Vila América se sintam apreensivos e angustiados com a eminência

do transbordamento do córrego e a consequente inundação das ruas e das suas casas.

W: Começa em novembro e vai dezembro, janeiro, fevereiro e março, são quatro

meses e meio que você fica com medo e esses quatro meses são piores que o resto do

ano todo, porque parece que é mais tempo que o resto do ano. Já está começando, a

gente já está com medo, é assim. A gente já está em outubro bem dizer e no fim de

novembro já tem enchente aqui. Então a gente já está com medo, já começa a ficar

com medo de saber que a vida da gente vai mudar. Eu odeio chuva, eu sei que todo

mundo gosta de chuva por causa de falta de água, mas eu odeio, não gosto de trovão

(DIÁRIO DE CAMPO, 29/09/2015).

72

Figuras 14: Rua Erato (em frente à casa de W durante chuva)

Fonte: Acervo pessoal W, [s.d.]

Portanto, seja para N seja para W, conviver com o risco do transbordamento do córrego

Guarará faz com que se sintam abandonados, esquecidos e impotentes, isto é, com sentimentos

de medo, insegurança, desânimo.

5.2.1 Afinal, que córrego é esse?

Muitos rios e córregos percorrem o município de Santo André: o Guarará, o Oratório, o

Apiaí, o Meninos, o Pequeno, o Grande, o Jundiaí, o Cumprido, o Beraldo, o Carapetuba, o

Cemitério e o Tamanduateí. Dentre esses, o Tamanduateí é o maior rio que corta a região do

Grande ABC e quando ainda não era canalizado e retificado, durante o período de chuvas,

espalhava suas águas fazendo e refazendo grandes lagoas, formando uma grande bacia

hidrográfica para onde convergiam os diversos córregos (SANTOS, 2002).

Pela margem direita, o Jundiaí e o Cumprido são os principais. Pela margem esquerda,

os maiores são o Beraldo, o Carapetuba, o Cemitério, o Apiaí e o Guarará. Também, o Ribeirão

73

dos Meninos, na fronteira com a cidade de São Bernardo do Campo e o Oratório, na fronteira

com a cidade de São Paulo.

Dos diversos córregos mencionados, afinal, que córrego é esse que causa tantos

problemas da vida dos moradores da Vila América? Embora todos os outros tenham uma

relação direta com o problema das enchentes na cidade de Santo André, vale contar um pouco

da história do Córrego Guarará, explicitando como e porque ele influenciou e influência a

problemática das inundações do bairro.

Em termos de relevo, a sub-bacia do córrego Guarará é uma extensa planície que se

desenvolve no sentido sul-norte e que começa praticamente no limite norte do Parque Natural

do Pedroso e continua até a foz no rio Tamanduateí. O córrego Guarará é alimentado por uma

série de tributários, tanto na sua margem direita quanto na sua margem esquerda. Estes corpos

tributários nascem aos pés de morros que formam a divisa com os municípios de São Bernardo

do Campo (no lado Oeste), e Mauá (no lado Leste). A morfologia dos morros delimita uma

estrutura em “espinha de peixe”, com o Guarará ao centro e seus tributários a leste e oeste. Esta

estrutura forma um conjunto de espaços com duas características básicas: áreas de alta

declividade na fronteira com São Bernardo do Campo e Mauá, e áreas de baixa declividade nos

vales dos córregos (COMARU; TANAKA, CRISTALDO, [s.d.]).

Antigamente, nas estações chuvosas, a terra absorvia boa parte das águas das chuvas,

que, dessa forma, chegavam mais lentamente e em menor volume ao córrego Guarará e ao rio

Tamanduateí. Isso era possível porque a região ainda não estava impermeabilizada com

construções e ruas asfaltadas, assim, o excesso de curso da água era despejado nas várzeas.

Em relação à geografia natural da cidade, eram as curvas dos rios e córregos, seus

meandros, que faziam com que a água fluísse vagarosamente de um ponto a outro. No entanto,

com a retificação ou canalização do rio, atualmente, por não encontrar obstáculos no percurso,

a água corre rapidamente do ponto mais alto para o mais baixo.

Até a década de 1940, Santo André recebia água limpa do córrego Guarará que era

captadas pela Estação de Tratamento de Águas, na altura da Vila Vitória, e mais à jusante, na

Vila América, formando um grande lago que foi utilizado para lazer por moradores da época e

por muitos anos utilizado pelo Clube Aramaçan para a prática de natação e esportes náuticos

(SANTOS, 2002).

Mas em meados de 1960, à medida que a expansão urbana crescia e despejava esgoto

no córrego, o clube primeiramente proibiu a natação no lago e, consequentemente, promoveu o

seu esvaziamento depois de uma grande enchente que causou muitos prejuízos na região. Em

1961 a Prefeitura pediu na justiça a desocupação da área por parte do clube.

74

Com o aumento da urbanização na região, as enchentes começaram a atingir a cidade e

o represamento das águas do Guarará passou a ser visto como causa de inundações em alguns

bairros, principalmente na Vila América, pois a água da chuva demorava a escoar, causando o

transbordamento do córrego.

Depois de uma grande enchente em 1961 que causou muitos prejuízos na região, a

Prefeitura pediu na justiça a intimação do clube para desocupar a área, e o clube teria que se

desfazer das dependências esportivas próximas da represa, pois havia um projeto para o lago

ser esvaziado. Mas em meio a uma crise política, isso não ocorreu, e o clube continuou a utilizar

o lago.

Só que, com passar do tempo e com o aumento da população na região, os bairros

situados rio acima se adensavam e despejavam o esgoto no córrego, e a poluição tornou-se

inevitável. Com isso, o clube proibiu a natação no lago, e, futuramente, com o mau cheiro que

vinha das águas, obrigou o esvaziamento dele. (SANTOS, 2002).

O morador N se recorda de como era bonito quando parte do córrego ainda não estava

fechado e impermeabilizado. Recorda-se também, que mesmo as casas estando em área de

várzea, não tinham maiores problemas com o transbordamento do córrego, pois a água escoava

rapidamente e não dava tempo para acontecer a inundação.

Nas palavras do morador N:

N: Antigamente não estava fechado, estava todo aberto, então fazia um

serpenteamento no córrego, ele entrava, olha só, ele entrava uma parte no Aramaçan,

fazia o lago e voltava (ENTREVISTA 31/03/2016, L54).

N: Isso aí fazia lá e era bonito, era bonito (risos) então serpenteava aqui, serpenteava

aqui, do outro lado, no estádio Bruno Daniel também, fazia uns negócios. Quando

fizeram o estádio Bruno Daniel tinha as lagoas lá, então aterraram lá também, aqui

também. Na Nicolau Manoel Barros tinha uns, não sei se você conhece taboa, aquelas

plantas aquáticas que subiam do brejo, estava aí e era um brejo, mas o que fizeram?

Aterraram tudo, estreitaram e deixaram um negócio reto, o córrego. Mas a velocidade

que vem a água da lá de cima, da Vila Luzita até aqui, quando chega aqui, tem uma

parede, dá uma trombada, o que acontece? Sobe, transborda e chega aqui na gente

(ENTREVISTA 31/03/2016, L58).

Como mencionado anteriormente, a situação se agrava com o remanejamento e

retificação do leito do Córrego Guarará e o que era seu caminho natural cedeu espaço à

construção da Avenida Capitão Mário de Toledo Camargo e grande parte de sua extensão foi

canalizada, alguns trechos totalmente fechados, em outros a céu aberto. Nas palavras da

moradora W: “Construíram a avenida mais alta, porque ela não era mais alta. Aí quando chove

forte, é intempérie da natureza. Mas todos falam que Deus que é culpado, não é a mão do

75

homem que construiu o rio, que ergueu a pista e canalizou o rio, e deu documentação para a

gente construir aqui” (ENTREVISTA, 05/02/2016, L21).

Figura 15: Construção da galeria na Avenida Pedro Américo, Vila América, 1964

Fonte: Internet, 2016

Para N as diversas construções de prédios nos bairros do entorno do Córrego Guarará

também contribuíram para o agravamento das inundações, contudo, essas construções ficam

justamente na parte desses bairros em que o rio está fechado, assim, a água corre e transborda

no lugar mais baixo, aberto e canalizado, a Vila América. Nas palavras dele:

N: Vila Luzita, Parque João Ramalho, Vila João Ramalho, lá em cima cai tudo aqui,

então o que que está acontecendo? Está impermeabilizando mais ainda por causa dos

prédios.

N: Eu não sou contra os prédios, eu tô querendo, tem que ser feito um projeto de

segurar a água lá também, mas não tem nenhum projeto, aliás, projeto tem, mas de

boas intenções, mas ninguém faz. Então o que que fizeram? Ah, vamos fazer o córrego

correr mais. Então colocaram o córrego para ficar o mais liso possível, colocaram as

pedras, fizeram a concretagem lá. Não sei, mas se água corre com mais velocidade e

vai dar mais tempo pra escoar, quando a água chega aqui e bate aqui no paredão, aqui

e o rio lá já encheu, então dá o retorno, realmente dá o refluxo. Mas se tiver uma

galeria maior dá menos refluxo ou senão deixar aberto, ai ele vai fluir por toda a praça

76

aqui embaixo, então vai diminuir a altura. Mas eles não aceitam fazer isso, porque já

fizeram um negócio de canalização (ENTREVISTA, 31/03/2016, L. 88-89).

N sente que com isso somente a Vila América fica prejudicada, ele acredita que o

problema minimizaria se o córrego como um todo estivesse aberto, não que isso evitasse o

transbordamento e a inundação, mas que a água se dividiria nos diversos bairros e a quantidade

de água que os atinge seria menor.

N: Ou senão, olha só, não quero prejudicar ninguém, mas então canaliza tudo, não

fica só a canalização na altura da 24 de Maio na pista para a gente aqui, vai até lá em

cima, aí sabe o que vai acontecer? Vai diminuir toda a água para todo mundo, vai

molhar todo mundo, porque?

P: Vai ter uma quantidade menor de agua, só que para todo mundo?

N: Porque vai espalhar, vai diminuir porque não vai dar 2m e meio aqui, vai dar tempo

de a água escoar, quer dizer, ele vai alagar, se tá canalizado tudo, vai sair água para

algum lugar ou vai vir por cima, mas vai espalhar por toda região (ENTREVISTA,

31/03/2016, L90 - 92).

Figuras 16: Córrego Guarará canalizado Figura 17: Córrego Guarará canalizado

Fonte: Selected for Google Maps and Google Earth, Fonte: Selected for Google Maps and Google Earth,

2015 2015

Então, afinal, que córrego é esse?

É o Córrego Guarará, cujas águas límpidas e serpenteantes um dia serviram de insumo

a uma olaria, formaram um grande lago com peixes que foi utilizado para a prática de natação

e esportes náuticos, e serviram também de importante espaço de lazer para que muitas famílias

pudessem passear no gramado à sua margem ou andar de barco em seu leito.

Atualmente, contudo, o Córrego Guarará, com suas curvas modificadas, suas águas não

mais límpidas, porém sujas e poluídas, é culpabilizado pela tragédia da inundação, que traz

transtorno e sofrimento aos moradores da Vila América.

77

5.2.2 Por que ficar? A casa e a vizinhança

Em relação a moradias em área de risco, é comum ouvirmos o questionamento sobre o

porquê as pessoas permanecem em locais sujeito a riscos e no caso da Vila América, o

questionamento é ainda maior por se tratar de uma região considerada de classe média.

Em aproximação com representantes de Poder Público, buscando informações sobre a

problemática da região, o aspecto mais enfatizado foi a insistência dos moradores da Vila

América em permanecer no local. Segue relato de diário de campo de conversa telefônica da

pesquisadora com um funcionário (F) do Semasa:

P: Estou precisando de documentos oficiais que falem das inundações da Vila

América, é possível? Solicitei à representante do Semasa.

F: Sim. Mas já vou te adiantar, os moradores da Vila América não são coitadinhos

não, eles sabem que estão em área de várzea e que lá enche mesmo. Eles também têm

condições econômicas de sair de lá, mas não saem (DIÁRIO DE CAMPO,

11/11/2014).

As entrevistas com os moradores nos possibilitou compreender que a decisão de ficar

ou sair relaciona-se com diversos sentidos atribuídos a esses riscos, sentidos esses que os fazem

a optar pela permanência na Vila América.

Para W, a realização do sonho da casa própria é algo que pesa muito nessa decisão.

Tinha o sonho de comprar sua própria casa, que era dificultado por não ter um emprego com

registro em carteira. A alternativa para a realização do sonho foi a possibilidade de compra por

contrato de gaveta oferecida pelo antigo proprietário da casa. Era a casa que procurava: grande,

bonita e bem localizada:

W: Aqui é grande, são dois quartos, sala, cozinha e um banheiro, só que são muito

grandes. Acho que tem 200 e poucos m² o terreno, sendo 100 e pouco m² de

construção. Tem a parte da gráfica do meu marido lá no fundo, que é lá que a gente

tem medo de pegar água, lá não pode, os computadores mesmo, ficam lá em cima. E

aquela salona lá está abandonada, não posso ter nada. Isso aqui (móveis da cozinha),

foi presente, o pessoal foi me dando porque fui perdendo tudo, minha, tudo o que eu

tinha de 21 anos de casada foi embora (ENTREVISTA 05/02/2016, L132).

W: E minha família gostava, minha casa era a que o pessoal mais gostava de vir,

mudou minha vida em tudo. O resto da minha família mora em apartamento ou

casinha pequena, e eu tinha uma casa enorme, em casa era sempre a reunião de família,

era aqui (ENTREVISTA 05/02/2016, L174).

Desde que se mudou para a Vila América, W teve que aprender a conviver com as

consequências das inundações, ela comenta o quanto isso foi difícil, pois é uma pessoa que

sempre gostou de tudo muito organizado em sua casa, mas que conviver com o risco de

inundação fez com que se organizasse de modo diferentemente no cotidiano:

78

W: Quarenta dias depois que eu comprei minha casa aqui, toda feliz que saí dos três

cômodos da casa da minha sogra embaixo e vim para essa “casona”, que eu descobri

que dava enchente. Sorte que tinha gente em casa, o meu irmão que ajudou, porque

eu não sabia o que fazer, eu só sentei e chorei. Eu era aquela pessoa que minha casa

era um brinco, muito enjoada com a casa. E hoje vivo desse jeito! Todo dia é assim,

minha casa cheirando bolor. Vivo com roupa na mala porque toda vez que ameaça

enchente eu coloco tudo dentro do carro, com medo de ficar sem roupa de novo, e

levo o carro para as ruas de cima que não dão enchente. Eu tinha um monte de coisa,

louça e um monte de coisa, mas agora tenho o que está lá. Eu uso a metade do que eu

tenho, nem sei o que eu tenho. Roupa uso sempre a mesma porque o resto está sempre

em mala. Às vezes eu tiro e lavo o que está amarelando, e é desse jeito

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L122).

Suas louças, alimentos e documentos ficam o tempo todo encaixotados em cima de

armários e guarda-roupas para que não sejam atingidos pela água, as roupas também ficam, no

entanto são colocadas dentro do carro da família no momento da chuva e o carro é levado para

ruas altas, que não atingidas pelo evento. Quanto aos móveis e eletroeletrônicos, são colocados

e erguidos estrategicamente pela família que opta por não se ausentar da casa durante o evento

para que possam cuidar de tudo.

W: [...] quando chove tenho que erguer geladeira, cama, pois entra água de esgoto na

minha casa, de tudo que é feito em um banheiro e em uma cozinha. Isso é o que entra

na minha casa, eu morria de nojo disso, tenho nojo disso ainda, tanto que eu e joguei

tudo fora, tudo o que tem aqui eu comprei de novo. Joguei panela, joguei roupa, fiquei

com a roupa do corpo porque pegou tudo, tudo, tudo o que você imagina. Imagina,

veio água quase no meu estômago aqui dentro, da minha vizinha veio na testa, já teve

casa de os bombeiros virem aqui e tirar a pessoa pelo teto, bebê recém-nascido, tirar

assim. Olha, mesmo assim ninguém faz nada (ENTREVISTA, 05/02/2016, L79).

79

Figuras 18: Cozinha de W inundada

Fonte: Acervo W, [s.d.]

Para W, o risco de perder sua casa e todos os bens materiais que conquistou em sua vida

é um problema maior que os riscos das inundações frequentes com as quais tem convivido,

desse modo, mesmo contra a orientação da Defesa Civil, ela opta por não deixar sua casa, na

tentativa de conseguir salvar esses bens:

W: Só que eu não saio também, deixar toda vez a minha casa sozinha. Se eu estou

aqui dentro eu vou erguendo, mas esse dia não teve jeito (2011), tive azar que caiu,

perdeu tudo. Tinha bastante coisa que já estava erguido, você não pode deixar sapato

no chão, em dia de chuva tudo fica erguido, nada fica no chão (ENTREVISTA,

05/02/2016, L172).

W: Mas não tem nada mesmo, não tem nem vontade de ter. Imagina você morar, não

ter uma casa arrumada, panela dentro de caixa, porque na hora que tem que erguer,

tudo tem que erguer. Agora, eu ergo bem alto, antes eu erguia assim (gesto), agora

tem que erguer bem alto para não perder, pelo menos para fazer a comida porque eu

já fiquei sem panela para comer. Tive comida porque eu levanto bem alto, porque a

parte debaixo do armário não tem nada, porque eu morro de nojo do armário. Meu

guarda-roupa eu tenho nojo dele, se eu fechar as portas ele fede, esse já é outro guarda-

roupa, já não sei quantos móveis eu perdi aqui dentro, porque móveis não foram feitos

para pegar água. Quem que aguentaria erguer um guarda-roupa? Você imagina ter que

erguer um guarda-roupa com maleiro? Toda vez que dá enchente eu tenho que lavar

o guarda-roupa na parte de baixo. Tinha vez que eu via que a enchente passou e aí eu

80

pegava o guarda-roupa, tirava toda a roupa e colocava para fora, isso uma vez por ano.

Eu até brinco, não varre embaixo do guarda-roupa não, não vai arrastar móveis não,

porque quando a enchente vier a gente é obrigada a arrastar mesmo e a limpar

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L169).

Figuras 19: Quarto de W inundado

Fonte: Acervo de W, [s.d.]

Para W, os bens materiais que tanto luta para preservar também fazem parte do sonho

da casa própria e de uma moradia digna. No entanto, relata que além desses prejuízos, existem

os sociais, emocionais, afetivos, psicológicos e biológicos que trouxeram consequências

irreparáveis para a vida da sua família e amigos.

W: Você imagina destruindo sua casa assim, tudo que você tem está dentro da sua

casa, eu perdi minhas lembranças que ninguém vai devolver, ninguém vai devolver

minha vida passada, minhas fotos, fita de formatura do pré da minha filha, foto. Minha

filha estava para casar, quase o casamento da minha filha não saiu, eu vendi meu carro

para poder pagar a festa da minha filha, porque ela tinha que ter a festa dela. Mesmo

com o que aconteceu eu disse, não vou deixar afetar a vida dela (ENTREVISTA,

05/02/2016, L73).

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W: A gente já desanimou, já estou desanimada já, cansou de lutar, a gente está cada

um lutando com sua vida para ver se a gente consegue sair daqui. Mas comprar uma

casa da noite para o dia não é fácil, ainda mais com a situação que está agora

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L88).

W relata que também já ouviu questionamentos do Poder Público quanto aos motivos

pelos quais não saem do bairro. Para ela, trabalhar e lutar para ter uma condição financeira que

facilite a conquista de seus sonhos, não significa que possa deixar para trás tudo o que

conquistou e recomeçar do zero, além de fatores econômicos existem também os emocionais,

o apego ao lugar à memória a ele vinculada. Em suas palavras:

W: O antigo superintendente da Defesa Civil, o coronel falou: vocês têm que sair de

lá. Mas eu vou comprar uma casa como? Um carro que a gente perde a gente compra

fácil.

P: Mas ele falou para vocês saírem daqui e fazerem o que com a casa?

W: Ele falou em off, ele falou: uma vez eu morava em um lugar que dava enchente,

mas quando eu cresci eu sai de lá. Eu falei para ele: mas eu não tenho dinheiro para

comprar outra casa, tudo o que eu tinha eu dei lá e ainda estou brigando na justiça

com banco ainda (ENTREVISTA, 05/02/2016, L89 – L91).

W: E além do prejuízo, eu falo que se algum dia eu sair daqui, nunca mais vou ser a

mesma pessoa. Onde eu vou eu já sei que dá enchente, eu falo aqui dá enchente, e eu

nunca tinha visto isto, só por televisão (ENTREVISTA, 05/02/2016, L121).

W: É isso que eles não veem, para eles da Defesa Civil é fácil, é fácil. Quando eles

deitam na cama, falei para eles várias vezes, na hora que você deita, você vai lá, você

entra na água de esgoto, água de merda, mas quando você vai para sua casa, sua casa

está limpa, sua cama está cheirosinha. Então para você é fácil, você sai de lá e esquece,

não é como a gente que está vivendo, entendeu? Eles falam: eu sei o que você está

sentindo! Mas não sabe, você não viveu isso, você não está aqui, você vai embora

para a sua casa, é outra coisa (ENTREVISTA, 05/02/2016, L93).

Percebemos que para W o apego à casa é muito forte. Já para N isso não é evidenciado,

a decisão de ficar na casa está relacionada com diversos sentidos atribuídos a aspectos sociais

do bairro, como o relacionamento com a vizinhança.

N possui um bom relacionamento com vizinhança, diz que é um ótimo bairro para se

morar no que tange ao relacionamento social. Em conversa, em uma de nossas visitas, ele

relatou que o bairro é tradicionalmente de pessoas mais velhas e que isso favorece o ambiente

tranquilo, não que ele tenha algo contra os jovens, mas que em bairros onde a maioria da

população é jovem, existe muito barulho em função de eventos sociais específicos dos tempos

modernos. Segundo o IBGE de 2010, com estimativa para 2013, dos 4518 habitantes da Vila

América, 777 tem entre 0 e 14 anos de idade; 1104 de 15 a 29 anos de idade e 2637 acima de

30 anos de idade, o que confirma as informações de N (SANTO ANDRÉ, 2015).

Em entrevista ele relata o seguinte:

82

N: A vizinhança é boa, o relacionamento é bom, todo mundo olha a vizinhança. Não

tenho queixa nenhuma, tanto é que nem os outros devem ter queixas da gente, nós

temos nossas virtudes e os nossos defeitos, nós podemos tanto achar ruim como achar

bom. Isso aí, nós somos seres humanos, somos emotivos, tem uma série de coisas,

isso daí tem que levar tudo em consideração. Às vezes a pessoa pode olhar feio, pode

olhar bem humorado, às vezes o cara não levantou bem (risos). Tudo isso daí é normal,

o relacionamento da gente é normal; não tem problema nenhum, não vai mudar isso

daí o relacionamento das pessoas daqui, simplesmente que chega numa época de cheia

que todo mundo fica nervoso, todo mundo estressado. Dá uma chuva e todo mundo

sai fora ai e fala: ô alagou! (ENTREVISTA, 31/03/2016, L182).

Em relação à vizinhança, W aponta ressalta a ajuda mútua no momento do evento, que

contribui para a diminuição dos prejuízos: “E a gente só não perde mais, porque a gente, nós,

nós temos um esquema já, e a gente tem que ajudar vizinho novo quando muda, porque a gente

avisa e a pessoa ri da cara da gente né, acha ruim, mas quando acontece, tem que socorrer

vizinho ainda” (ENTREVISTA, 05/02/2016, L135).

No entanto, aponta para algo delicado do cotidiano de quem mora em lugar com risco

de inundação e que diz respeito ao relacionamento entre velhos e novos moradores, ou seja, até

que ponto deve-se revelar a novos moradores a problemática da região. Conta que já chegou a

falar para uma vizinha que acabara de se mudar que a casa dela enchia de água e ela não

acreditou, constatando a dimensão do problema somente durante o evento:

W: O pessoal xinga, fica bravo com a gente, se a gente fala que enche, fica bravo,

depois se dá enchente e não fala fica olhando para gente de cara feia.

P: Você fala, as pessoas que ficam bravas, são as que mudam para cá?

W: É. A mulher que eu falei: olha, aqui dá enchente, a água passa pela sua janela; é

aluguel, se eu fosse você não morava aí. A mulher disse: mas o aluguel está barato.

Depois que encheu, ela disse chorando para mim: eu falei, essa mulher é louca, acha

que aqui dá enchente dessa altura? Ela ficou com a roupa do corpo, a bolsa e o

cachorro em cima do negócio. Em outra casa aí, perdeu carro, perdeu tudo, tudo. E

fomos nós quem ajudamos ela a limpar o pouco que sobrou e a pegar as coisinhas dela

e ir embora. Porque a gente vai falar alguma coisa que não é? Eu fico com dó, eu não

quero que a pessoa passe pelo que eu passei, eu só não vou embora porque eu não

tenho para onde ir. Se eu morasse de aluguel você acha que eu ia ficar aqui? Não ia,

de jeito nenhum. Aí ela perdeu tudo [...] (ENTREVISTA, 05/02/2016, L161-L163)

Outro aspecto delicado para W é o quanto deve comunicar aos interessados na compra

ou aluguel de uma casa, que o local é uma área de risco de inundação. Diante do impasse, W

decidiu expor o que vivencia cotidianamente, pois quando comprou sua casa e viu tudo se

destruindo com a inundação, se perguntou por que ninguém que morava no bairro o avisara

daquilo que ocorria ali, pois caso isso tivesse acontecido, tanto a compra da casa, quanto a

permanência no local poderiam ter sido diferentes. Por esse motivo, quando alguém que

83

pretende se mudar para o bairro vai pedir informações a respeito da região, ela não esconde o

que a atormenta há anos na Vila América:

W: [...] a vizinha da frente está vendendo a casa. O meu marido, o cara bateu aqui,

perguntou da enchente. O meu marido falou, e ela veio brigar com ele depois, você

falou que minha casa dá enchente! Ele falou: ué, ele bateu na minha porta e perguntou,

e eu não vou falar? Depois ele muda aí, e quem vai ficar vizinho dele sou eu. Eu falo,

falo e mostro ainda: vai na internet e coloca a rua aqui para você ver que não estou

falando mentira. Se você colocar, a minha casa está em um vídeo que o vizinho

gravou, ele colocou o vídeo que fez com o celular na hora, mas é minha casa. E aquela

enchente não foi a pior, não foi uma das mais altas, a mais alta foi a de 2011, e o

pessoal daqui falou que a de 1996, eu comprei a casa em 1997, em 1996 tinha dado

uma bem altona (ENTREVISTA, 05/02/2016, L161-L163).

Ainda sobre o relacionamento entre vizinhos da Vila América, W revela que o fato de

ter sido liderança de NUPDEC por 7 anos prejudicou sua relação com alguns moradores, pois

passou a não ser mais reconhecida como alguém do grupo deles. Durante o período em que

trabalhou como voluntária conseguiu muitas melhorias para o bairro, mas o fato de não ter

ocorrido uma solução definitiva para o problema fez com que os moradores desacreditassem

do poder público e dela própria, para os vizinhos, ela representava o mesmo grupo, achavam

que ela agia em causa própria. Em suas palavras:

W: Os próprios vizinhos daqui acham que eu e minha vizinha, porque a gente

trabalhou muito porque a gente era interesseira. Se reformássemos a casa era porque

a Prefeitura deu ou algum político. Mas não é, ninguém nunca deu nada para gente;

ao contrário, a gente tirava dinheiro do nosso bolso para ir trabalhar voluntário. Para

você ver, lá a gente não era bem vista, vamos dizer assim, por trabalhar e morar em

local de enchente e brigar com eles. Aqui a gente é puxa-saco, e por Deus, a gente só

tentava fazer as coisas para o bem de todos. Porque se eu fizer alguma coisa para mim

os meus vizinhos também vão usufruir disso. Então lá a gente era as cricris que

brigava, e aqui as puxa-saco. Tudo o que a gente fazia aqui achavam que a gente

ganhou da Prefeitura ou de um político, ganhou areia, ganhou bloco, e não é assim

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L161-L112).

Outro aspecto que faz com que N opte por ficar no bairro é o fato de ser uma região bem

localizada, que proporciona acessibilidade e infraestrutura necessária à vida cotidiana “Aqui é

uma área nobre, fica próxima ao centro, está bem localizada. Temos bons comércios ao entorno,

fácil acesso ao transporte público além da construção do shopping Atrium que valorizará ainda

mais a região” (DIÁRIO DE CAMPO – 20/03/2016).

São múltiplas as dimensões que perpassam os riscos de inundações para os moradores

da Vila América e a decisão de lá ficar está relacionada aos sentidos atribuídos a cada dimensão,

como: a realização do sonho da casa própria; a localização, infraestrutura e acessibilidade da

região; as relações de vizinhança. No entanto, em muitos momentos esses riscos passam a ser

84

percebidos no cotidiano com naturalização, gerando nos moradores sentimentos de

conformismo e aceitação.

W: É, porque a gente já está acostumado a 5 ou 6 enchentes a água entrar um palmo

na minha casa, eu já estou conformada. Para mim isso é melhor, antes isso do que cair

tudo. No começo eu chorei porque entrou um palmo de água na minha casa. A

primeira vez que deu queria ir embora, fiquei 40 dias longe, mas depois minha mãe

falou: o que você vai fazer? Vai voltar para minha casa? Eu falei não, vou voltar para

minha casa então. Fiquei 40 dias, abandonei minha casa, eu não queria voltar porque

o susto foi demais, eu nunca tinha visto aquilo. Só que com o tempo você vai ficando

calejada, hoje entrar um palmo eu já estou até contente. Para você ver a situação que

a gente vai vivendo; um palmo está bom.[...] (ENTREVISTA, 05/02/2016, L79).

N: Mesmo se eles fizerem o dreno vai resolver o problema das enchentes? Não vai,

vai diminuir e vai ficar, na minha opinião, a nível aceitável e o que é nível aceitável?

É um alagamento de meio metro e com rápida escoação. Escoando a água com tempo

menor, vai ter menos sujeira, menos uma série de coisas, menos prejuízo. A gente

sabe que aqui é um lugar baixo, todo lugar de alagamento é alagamento, mas não um

absurdo como o que acontece nesse bairro aqui de dar 2m, 2m e meio que cobre meu

muro [...] (ENTREVISTA, 31/03/2016, L69)

O fato de se conformarem com a iminência do risco de inundação, faz com que se sintam

aliviados ao se deparar com eventos de menor magnitude, por já terem vivido outros de maiores

proporções, assim como, que o fato de não ter ocorrido vítimas fatais, a ameaça disso, mesmo

que real e cotidiana, faz com que seja considerada distante.

W: Parece que na hora que começa a chover já vem tudo, imagina passar por tudo

aquilo de novo! E graças a Deus ninguém morreu, porque a água me pegou na hora

em que a tomada saiu e eu gritei e sai correndo, aí meu marido e minha filha já estavam

na porta aqui, meu filho nem fica, porque ele tem medo, então a água me pegou e a

porta bateu nas costas, e se me tranca aqui dentro? (ENTREVISTA, 05/02/2016,

L117).

N: [...] Quase que uma vez aconteceu uma tragédia, mas graças a Deus ainda não

aconteceu uma aqui, mas em outros lugares já aconteceu, você pode ver nas televisões

ai, olha deu uma enchente e a mulher passou direto e caiu no córrego, bom, a mulher

não tá sabendo, o cara, a pessoa que está usando o carro não tá sabendo que tem um

córrego ali, então a gente fica meio temeroso, a gente fica pensando na tragédia que

não aconteça (ENTREVISTA, 31/03/2016, L69).

5.2.3 Sair na marra? A sombra da desapropriação e da remoção

Percebemos que a decisão de permanecer ou sair relaciona-se com diversos fatores

sociais, econômicos e emocionais, que causam na vida dessas pessoas danos à saúde física e

psicológica, tanto quanto danos materiais e socioeconômicos.

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Vimos ainda, que existe a indicação, por parte do poder público, de que esses moradores

saiam de suas casas por acreditarem que eles tem condições financeiras para isso. Então

questionamos: Os moradores devem abandonar as suas casas? Isso resolverá o problema das

inundações do bairro? O que pensam a respeito da desapropriação e remoção? É o que desejam?

O que diz a lei?

O art. 22 da Lei 12.608/12, que dá nova redação à Lei 12.340/10, incluindo nela o art.

3º-B, estipula que:

Verificada a existência de ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de

deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou

hidrológicos correlatos, o município adotará as providências para redução do risco,

dentre as quais, a execução de plano de contingência e de obras de segurança e,

quando necessário, a remoção de edificações e o reassentamento dos ocupantes em

local seguro (BRASIL, 2015).

A lei estabelece ser preciso adotar providências para a redução do risco e quando

necessário seja feita a remoção e o reassentamento. Vimos que ações para a redução de riscos

estão executadas, no entanto, não foram eficazes para solucionar o problema e com isso há 20

anos a Vila América vem sofrendo com as inundações recorrentes.

Para a moradora W, não existe nada que possa ser feito para solucionar o problema e a

solução mais viável é a remoção das famílias que estão nas casas sujeitas ao evento. Mas para

ela isso não ocorre porque o valor das casas é considerado alto no mercado imobiliário. Afirma

ela:

W: A gente pede remoção, eu acho que a gente deve ser indenizado e retirado daqui,

porque não tem jeito, eles mesmos já falaram: “lá não tem jeito”. Se não tem jeito,

tem que retirar a gente daqui ué! Como eles tiram às vezes as pessoas de outros

lugares? O nosso problema é que as nossas casas aqui não são casas baratas, pelo

IPTU, pelo local onde tá; não são casas baratas. Se for pagar pelo valor das casas que

vale aqui, então são 88 casas, imagina o quanto dá! Porque nós aqui também já

desistimos, nós também achamos que tem que retirar, não tem o que fazer, isso aqui

já é um piscinão natural, se eles tirarem a gente daqui e fizer um piscinão, para com a

enchente em um monte de lugar (ENTREVISTA, 05/02/2016, L84).

Já N não acredita que a desapropriação seja a melhor alternativa. Mesmo concordando

que não existam obras para solucionar o problema definitivo da Vila América, por se tratar de

uma área de várzea, pensa que existem obras que possam minimizar o problema para que seja

possível a convivência com o evento sem maiores prejuízos. Também concorda que a remoção

é inviabilizada pelo custo das propriedades e defende que não ocorra a desapropriação por ser

uma área bem localizada e com boa infraestrutura. Diz ele:

86

N: Em relação à desapropriação, eu acho que eles não têm essa viabilidade, por que a

área aqui é muito assim, é uma área nobre, porque está tudo próximo de tudo quanto

é lugar. Você pode ir a pé para o centro tranquilamente, 10 a 15 minutos você está no

centro, tem toda a infraestrutura, aqui tem próximo hospital, é próximo de grandes

supermercados, um dos melhores colégios que é o colégio São José está próximo, o

que, nem 500 metros daqui. Tem infraestrutura de escola, tem tudo, tem a escola

Moraes de Barros, tem o EMEI, o Carlos Drummond de Andrade que é o EMEI

próximo e que tem uma boa infraestrutura, tem a escola Carlos de Campos, está tudo

próximo, igreja, tem tantas igrejas evangélicas quanto cristã. Tem um shopping novo

aí que chegou aí porque eles viram que é um local viável e tem um empreendimento

grandioso aí também, além de apartamentos, prédios comerciais, tudo, e isso aí

futuramente vai ser uma área bem valorizada. E quanto à desapropriação, eu acho que

deveria fazer uma infraestrutura para diminuir esses alagamentos, porque não é viável,

tem tantos projetos que a prefeitura fala, mas ninguém fala de desapropriação, mas

chega num ponto que fala não tem verba para isso, porque? Porque a área é muito

valorizada e não é certo ficar um piscinão numa área dessa, a não ser que tenha uma

intervenção de fazer um terminal rodoviário por exemplo. Mas tem área que é a praça

14 Bis aí, que é enorme, é só fazer uma infraestrutura que não vai alagar também. É

por isso que a gente fala, fazendo as galerias, fazendo, mas subterrâneo, resolve?

Resolve. Também se melhorar a drenagem para o rio, logicamente o Rio Tamanduateí

também tem que melhorar, mas aí tem que fazer uma coisa intercalada, mas fazer um

projeto viável. Agora do jeito que está aqui, a turma levanta uma parede lá para cima

e enche de agua aqui, coloca mais parede para encher mais de água aqui, então não é

possível. Agora, quanto à desapropriação eu não acho que é solução, não é a solução

a desapropriação do local, porque vai continuar enchendo e se vai encher vai

prejudicar a parte viária do município todo [...] (ENTREVISTA, 31/03/2016, L193-

L195)

6. A RESPOSTA DO PODER PÚBLICO

Buscando entender não apenas como as pessoas convivem os riscos na dinâmica da vida

cotidiana, mas também quais ações de enfrentamento são desenvolvidas para a minimização

desses problemas, discutiremos nesse subcapítulo temas pertinentes a todas as instâncias

públicas e/ou atores governamentais que tem algum tipo de poder de tomada de decisões que

pudessem contribuir para esses enfrentamentos.

6.1 SOLUÇÃO DO PROBLEMA DAS INUNDAÇÕES POR MEIO DE OBRAS

Os problemas com as enchentes que começaram a acontecer na da década de 1950 no

município de Santo André e persistem até os dias atuais, não eram exclusivos daquela região.

Outras cidades do Grande ABC e a capital paulista também passaram a sofrer com esse mesmo

problema.

Com o alargamento, canalização e retificação dos rios, a água passou a ter mais

velocidade, e o problema apenas foi transferido para a parte mais baixa da bacia, empurrando a

inundação para o município situado rio abaixo. Com o tempo, sem as medidas preventivas, este

87

ponto mais baixo não conseguia mais receber o volume crescente de água, causando refluxo e

transbordamento dos afluentes rio acima. Essa falta de ações preventivas e de uma ação

integrada entre Estado e município fez com que obras perdessem a utilidade em pouco tempo,

tendo que ser refeitas ou ampliadas a preços cada vez mais altos (SANTOS, 2002).

No final da década de 1980 percebeu-se a importância de realizar uma política que

integrasse Estado e municípios e que levasse em conta a unidade das bacias hidrográficas; uma

política com planos e metas coerentes, cujo cumprimento fosse garantido pela legislação e

principalmente pela participação ativa da sociedade. O objetivo se tornou o planejamento dos

recursos hídricos e deveria harmonizar drenagem urbana (combate à enchente), abastecimento

de água, coleta e tratamento de esgoto, além da gestão de resíduos sólidos (lixo).

Para a consolidação dessa nova perspectiva, contou-se com a Constituição Estadual de

1989, que estabeleceu o Sistema Integrado de Recursos Hídricos, congregando órgãos

estaduais, municipais e a representação da sociedade. No ano seguinte foi elaborado o primeiro

Plano Estadual de Recursos Hídricos, e no próximo, houve a aprovação da Lei Estadual 7.663

de 30/12/1991, regulamentando e instituindo o Sistema Integrado de Gerenciamento de

Recursos Hídricos, na qual a bacia hidrográfica é adotada como unidade físico-territorial de

planejamento e gerenciamento, e se prevê o rateio do custo das obras que beneficiam mais de

um município (SANTOS, 2002).

Diante da constatação de que a ampliação do leito dos rios não era a melhor solução

para os problemas, os recentes planos de drenagem, elaborados pelo governo estadual, passaram

a prever, a partir de 1997, a construção de reservatórios tipo piscinões (tanque de retenção de

águas pluviais) na bacia dos principais afluentes dos rios Tietê, Tamanduateí, Aricanduva e

Pirajuçara, entre outros. Esses reservatórios imitam o funcionamento das antigas várzeas

naturais: nas fortes chuvas, retêm parte da água que não caberia no leito, reservam-na e

devolvem-na lentamente ao rio conforme sua capacidade de escoamento.

Na tentativa de resolver o problema das inundações na Vila América, foi realizada a

construção de um piscinão, iniciada em 15/10/1999 e concluída em 24/05/2001, que contou

também com a participação da comunidade. A comunidade se organizou, primeiramente, nas

plenárias do orçamento participativo e depois constituiu uma comissão para acompanhar a

elaboração do projeto e a construção da obra.

O piscinão da Vila América está localizado sob o Viaduto Milo Camarosano, na

Avenida Capitão Mario de Toledo Camargo, com 48m de largura, 35m de comprimento, 6m de

altura e volume de armazenamento estimado em 3000m³. (SILVA; VAZ JR, 2002).

88

Esse piscinão tem a função de receber as águas pluviais provenientes da cabeceira e das

vias perpendiculares desta sub-bacia, por meio da micro-drenagem, despejando-a no

reservatório. Essas águas são armazenadas temporariamente e lançadas novamente ao Córrego

Guarará por de bombas. O sistema eletromecânico é composto por um conjunto de 3 bombas,

que são acionadas, uma por vez, quando a armazenagem de água atinge os seguintes níveis:

0,80m, 1,30m, e 1,70m (FREITAS, 2007).

Em relação aos dispositivos de segurança, para informação dos moradores do entorno

durante as chuvas, foi instalado um sistema de alerta semafórico indicando os níveis de água

no reservatório. Ocorre um alerta sonoro quando todas as bombas estiverem em funcionamento

e a vazão de entrada superar seu bombeamento, indicando que as vias da circunvizinhança já

estão em empoçamento, colocando em risco a circulação na área. Nas palavras da moradora W:

É um tipo de farol igual de trânsito, que quando a primeira luz está acesa, quer dizer

que as bombas estão ligadas, a segunda quer dizer que ele já está quase cheio, e a

vermelha que ele encheu, aí que a sirene logo dispara. As luzes são ligadas para o lado

da minha rua. Mas nós que pedimos para ter alguma coisa que desse para saber quando

o piscinão estiver cheio sem sair de casa (DIÁRIO DE CAMPO, 13/11/2015).

Ainda na tentativa de buscar de soluções para o problema das enchentes no município

de Santo André, conforme mencionado anteriormente, foi solicitado, no ano de 2013, por parte

do poder público municipal, ao Serviço Geológico do Brasil (CPRM), empresa do Governo

Federal ligada ao Ministério de Minas e Energia, um diagnóstico de ação emergencial para

delimitação de áreas com risco alto e muito alto de enchentes, inundações e movimentos de

massa.

Em relação à implantação de um sistema de alerta, sugerida nesse relatório, está sendo

realizado, pelo Departamento de Defesa Civil do município, o acompanhamento dos eventos

climáticos por meio de sistema de radares de monitoramento, que inclui o Córrego Guarará, e

um sistema de alerta preventivo por SMS que envia mensagens para os moradores cadastrados

(SEMASA, 2015).

Para a moradora W essas ações de prevenção são importantes e necessárias, mas não

são suficientes para a resolução do problema. Segue relato:

W: [...] antes de vir a chuva, eles mandam mensagens no celular de quem tem

cadastro. Antes eles avisavam por telefone, tinha uma época que era por telefone

também, eles ligavam e avisavam que ia ter chuva forte. Mas nesse dia (2011),

ninguém sabia de nada não, não tinha esse aviso, mas o aviso adianta muito o que?

Eu vou fazer o que? Eu vou morar em um barco, colocar um barco no lugar onde

moro? (DIÁRIO DE CAMPO – 29/09/2015)

89

Para os moradores, outros fatores, além da construção do piscinão, contribuíram para o

agravo da situação: a canalização do córrego Guarará, obra que elevou a avenida Capitão Mário

de Toledo, e a construção de grandes empreendimentos comerciais ao entorno da região.

Em relação à canalização do córrego Guarará e à elevação da avenida, fica claro no

capítulo em que contamos o histórico das inundações na Vila América que, embora se

buscassem soluções para o problema das enchentes na época, as obras de retificação e

canalização dos rios atendiam prioritariamente aos anseios da era moderna de modelos

urbanistas e rodoviaristas, e as consequências dessas ações seriam sofridas pelos moradores por

muito tempo. Nas palavras do morador N em entrevista com a pesquisadora:

N: Antigamente tinha uns córregos, aí taparam tudo e aterraram tudo, e fizeram, o

próprio Carrefour tem 1m e meio de altura lá, aterraram lá, porque? O Carrefour ali,

antigamente era uma fundição, era antigamente caminhões internacionais

P: E tinha o córrego que passava em frente?

N: Tinha não, o córrego é o mesmo, é esse córrego aqui, só que não estava fechado

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L50-L52).

As respostas do poder público para a solução do problema de inundação da Vila América

não tem sido eficazes e isso faz com que os moradores se sintam desanimados e esquecidos.

Para N o descaso vem de instâncias acima da Defesa Civil. Para ele, a equipe técnica até tem

boa vontade, mas o problema é de cunho político. Em suas palavras:

N: só que entra um administrador, entra outro, e sempre aquela mesma conversa que

vão fazer umas melhorias, que vão fazer isso, que vão fazer aquilo, e nada resolvido

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L10).

N: olha, boa vontade do pessoal técnico eles tem, agora falta uma vontade política na

minha opinião. Se o chefe do executivo quiser fazer isso, ele vai fazer, agora tem que

negociar com outras pessoas também, mas se ele quiser fazer ele faz essa intervenção

que a gente pede para fazer um dreno para lá, agora vai resolver a enchente, o

alagamento? (ENTREVISTA, 31/03/2016, L68).

O que os moradores estão acostumados a ouvir é que existem obras de melhorias para

serem feitas, mas que o andamento é lento em função da falta de verba, ou seja, por causa

questões financeiras. No entanto, N ressalta que existem diversos prédios sendo construídos na

Vila América, em locais onde não dá inundação, e que, conforme o previsto em lei, tais

empreendimentos devem disponibilizar uma verba para que a Prefeitura faça melhorias no seu

entorno. Portanto, esse dinheiro poderia ser investido em obras de combate às inundações.

N: O Poder Público fala, tem bom interesse tem boas intenções, mas na minha opinião

de boas intenções não adianta, tem que agir e executar obras que a gente precisa, agora

90

não fazem e vai piorando, porque? Fica construindo mais prédios, mais habitações lá

na pista, aqui na Marginal senão no entorno em si (ENTREVISTA, 31/03/2016, L77).

N: Mas eles não fazem, porque? Sempre falam da verba, da verba, só que eles tomam

essas verbas que tem para melhoria do entorno de um condomínio, isso daí vem no

projeto do condomínio, isso daí toda lei pra você fazer um condomínio, um prédio,

basicamente a Prefeitura vai falar que vai botar filetes aí, só que no entorno, no

entorno do prédio tem que ter melhoria, tem que ter uma adequação pra ter uma

estrutura pra pessoa viver em um condomínio, se continuar a mesma estrutura não vai

ter como a pessoa morar em um condomínio ou em um condomínio comercial, tem

que ter uma estrutura, então tem que fazer não só o prédio, construir a melhoria a

readequação do entorno, é o que fizeram aqui também no shopping, fizeram só que

não fizeram de acordo, fizeram pra eles, mas não sei se resolveu também , entende,

ali fizeram uma drenagem para não soltar, não alagar a pista, mas continua alagando.

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L99).

Entram e saem governos e o problema permanece, por isso, tanto para N quanto para

W, o problema não foi resolvido até o momento por questões políticas, pois obras embaixo da

terra não elegem ninguém, não podem ser exibidas nas campanhas eleitorais:

W: Mas não é fácil não e não vejo esperança, não vejo ninguém fazer nada. Duvido

que alguém vai fazer, ainda mais porque 88 casas não elegem ninguém, né! Não é

uma área grande que vai dar voto para alguém. Eu sou sincera, eu falo isso, eu já falei

até para eles. Lá eu sou tida como chata porque eu falo mesmo, cobro, falo, e eles

sabem. Antigamente o Diário do Grande ABC nem falava isso, eles não queriam fazer

matéria, nem isso eles faziam, não sei como há 2 anos essa menina que estava lá fazia,

mas que saiu, porque nem isso saia. A gente sabe que um pequenininho não consegue

nada, o poder é deles né, eles que sabem o que eles querem, eles estão no bem bom,

não querem pensar na gente. E é isso (ENTREVISTA, 05/02/2016, L176).

N: aí eles não fazem porque obras debaixo de galeria ninguém aparece, é esse que é

o problema não dá visibilidade. A questão não é econômica é política

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L95).

Os moradores revelam que na realidade sentem que suas vidas podem ser ceifadas pelo

descaso do Poder Público, entendem que os interesses políticos e econômicos são priorizados,

e se esquece do mais importante, ou seja, a vida das pessoas:

N: então o poder público tem que ver nessa parte, agora se as vidas forem ceifadas

como dizem a turma assim, de repente por causa disso, eu acho que falta

responsabilidade do Poder Público, né? (ENTREVISTA, 31/03/2016, L70)

N: Então eu acho que o Poder Público é responsável por isso aí, não só esse como os

outros, os anteriores também. Há quanto tempo isto está acontecendo? Deveriam ter

olhado melhor essa situação, mas eles não olham, eles olham para parte econômica da

coisa, aí esquece das outras coisas como a parte humana e a social. Tudo isso daí vão

deixando para depois, depois eu vejo, mas depois não tem jeito, depois que foi feito o

concreto, assentou lá na frente não tem jeito (ENTREVISTA, 31/03/2016, L178).

91

6.1.1 SOLUÇÕES QUE CRIAM MAIS PROBLEMAS: O PISCINÃO

Na busca da resolução do problema das inundações na Vila América, foi realizada a

obra do piscinão que gerou grande expectativa de que as inundações iriam ser drasticamente

reduzidas, tanto por parte do Poder Público, como por parte da população. E, de fato, por um

período após a sua construção, houve melhorias no controle de enchentes do bairro.

Acabadas as obras e decorridos já dois anos com os períodos chuvosos, observou-se

melhoria sensível no controle de enchentes do bairro, com a evolução do controle

operacional do tanque e seu sistema de esvaziamento através das bombas. Cabe

ressaltar, que antes das obras, todos os anos aconteciam em média três casos de

alagamentos em que as águas chegavam até 2,00m nas casas (SILVA; VAZ JR, 2002,

p. 242).

Figuras 20: Tanque de retenção de águas pluviais - Piscinão da Vila América

Fonte: Acervo Semasa, 2014

92

Figuras 21: Praça 14 Bis na Rua Erato (acesso ao Piscinão)

Fonte: Sandra Luzia Assis da Silva, 2015

No entanto, esse resultado não se manteve por muito tempo, e a iniciativa não foi

suficiente para conter o fluxo da água, que atinge dois metros de altura atualmente,

permanecendo os problemas para a população, que continua sofrendo prejuízos materiais e com

os sentimentos de frustração e desânimo.

Na perspectiva dos moradores, embora o tanque tenha solucionado o problema das

chuvas fracas, suportando a quantidade de água, a obra agravou o problema das inundações,

porque quando ocorrem chuvas intensas a água que transborda fica retida por 4 ou 5 horas,

forçando comportas e portões, que muitas vezes caem ou entortam.

O piscinão, que deveria receber somente a água da chuva e do córrego Guarará, com a

urbanização da cidade e a impermeabilização do solo, passou a receber também ás águas de

outras regiões, então, as bombas não dão conta de escoar tão grande volume de água, a Vila

América fica inundada por mais tempo, deixando os moradores mais expostos e afetados

durante o evento. Seguem relatos:

W: E o que eu acho que piorou na nossa vida, eles falam que não, mas foi o piscinão,

porque a avenida ali é mais alta, já é porque construíram a avenida mais alta, porque

ela não era mais alta (ENTREVISTA, 05/02/2016, L120).

93

W: E aí como eles são engenheiros e são estudados, porque eles acham que porque

são estudados, mas eles não convivem aqui. Fizeram o piscinão e o que acontece? O

piscinão não é, não tira a água do rio, primeiro o rio vaza e cai na nossa rua, depois

vai pro piscinão a água do rio quando transborda. Aí o piscinão joga no próprio rio,

três bombas, de novo no próprio rio, do rio passando de novo ali fechado na galeria.

Aí a gente disse: isso vai funcionar? Vai, vai, a gente é engenheiro, só que pergunta

para eles, vai lá e faz com eles o quanto entra de água e o quanto sai? Antigamente a

enchente, do mesmo jeito que o rio vinha com tudo e vazava aqui na nossa rua, em 2

horas a gente estava sem água, agora o que acontece, 5 ou 6 horas, fala para mim se

não piorou o piscinão (ENTREVISTA, 05/02/2016, L29 - L32).

N: Ultimamente fizeram esse piscinão que não vale nada também. Eles optaram por

fazer o piscinão desse lado da pista, não deveria, deveria ter feito o piscinão do outro

lado da pista, debaixo do viaduto, porque aí daria folga da gente. Não é que não

haveria enchente é que a nossa enchente aqui dá 2m e meio, cobre o muro eu fico 4 a

5 horas debaixo da água. Prevendo isso, eu falei olha não vai resolver porque a água

vem por cima da pista da Capitão Mário, da marginal Guarará aqui. Vem por cima e

não é a chuva que cai aqui na Vila América que vai dar toda essa inundação é a água

que vem lá de cima da Vila Luzita, de toda a bacia do Guarará que enche aqui, então

não vai ser suficiente porque quando enche vira uma bacia aqui e sem ralo. Fizeram o

piscinão, fizeram com as bombas elétricas tudo, mas não fizeram, quando enche total,

quando dá essa enchente toda não tem uma forma de vazão, quer dizer, deveria ter

uma comporta mecânica que abrisse e ia embora, tipo mecânica.

P: Há quanto tempo mais ou menos dá enchente de 2 metros de altura aqui?

N: Ah, isso aí é desde 2000 que fechou aí

P: Depois do piscinão?

N: Isso, depois do piscinão está dando isso aí com um tempo de duração da enchente,

4 a 5 horas (ENTREVISTA, 31/03/2016, L15 – L19).

Os dados oficiais dos anos 2008 a 2014, disponibilizados no Relatório Pós-Chuva do

Semasa, demonstram que a Vila América é o bairro mais prejudicado no que tange à altura

máxima da água atingida na inundação na cidade de Santo André. Embora não tenhamos dados

oficiais pós-chuva de anos anteriores, relatos de moradores demonstram que a obra piorou o

problema devido a um conjunto de fatores, como a canalização do Córrego Guarará juntamente

com a elevação da pista Capitão Mário de Toledo.

Para os moradores é necessário que se façam obras não somente na Vila América, pois

o problema das enchentes atinge outros bairros e a Vila América, por ser a região mais baixa,

recebe a água da chuva local mais toda a água que vem de outros bairros.

Por que afinal o que pretendia solucionar as inundações criou ainda mais problemas para

a Vila América? Para os moradores a construção do piscinão não obteve o resultado esperado

porque não foi planejado para atender especificamente a demanda da Vila América. Tinha

especialmente o objetivo de diminuir a paralização do tráfego nas principais avenidas de acesso

à cidade. Para eles a obra atendeu ainda, a problemática das inundações nas grandes empresas

do entorno, que com a elevação da pista e das grandes obras particulares executadas, fizeram

com que a Vila América se tornasse ainda mais vulnerável ao evento. Seguem relatos:

94

N: Ao invés de fazer um dreno, ou um cano de escoamento, não, fizeram isso aí nesse

projeto. Isso daí é uma coisa lamentável, pois levantaram a pista da Perimetral, que é

a av. Santos Dumont aqui, levantaram 1m 1m e pouco, porque? Porque antigamente

dava alagamento, mas assim mesmo, quando enche transborda e passa para o outro

lado e fica intransitável ali, fica uma coisa que cobre o carro também (ENTREVISTA,

31/03/2016, L59).

N: ultimamente também teve outra intervenção, fizeram o shopping novo aqui, o

Atrium e fizeram a drenagem. Fizeram uma galeria ali na rua do lado do Atrium que

sobe a av. Santos Dumont ali perto do Roldão, tudo ali. Só que fizeram a galeria deste

lado da ponte que a ponte vira um gargalo ali embaixo, é que não dá pra ver daqui,

mas é lá na ponte do Roldão (ENTREVISTA, 31/03/2016, L28).

Figuras 22: Avenida Santos Dumont Figura 23: Avenida Santos Dumont inundada

Fonte: Internet, 2016 Fonte: Internet, 2016

De acordo com W e N existem obras que podem melhorar a eficácia do piscinão,

minorando então o problema das inundações no bairro. No entanto, ressaltam que existem

outras formas de melhorar a problemática do bairro.

N: agora pra nós vivermos aqui a turma fala assim, tem que melhorar a situação da

drenagem, então toda a construção deveria ter um local para armazenar agua, mas isso

não está ocorrendo, tem os projetos mas isso não está ocorrendo. Você faz um prédio

e não tem lugar pra fazer isso porque cai a água e vai embora. Eles fazem a galeria

bonita do lado da casa, da rua, do entorno, mas onde vai cair essa água? Vai cair no

córrego, entende! O córrego deveria ter a largura das avenidas. Mas porque eles não

fizeram isso? O que eles fizeram com o córrego? Em uma parte, estreitaram o córrego

e fizeram a pista do lado e em outra, aterraram e fizeram a pista por cima. Mas deveria

ter feito o contrário, deveria ter feito as galerias embaixo das pistas aí, aí resolveria

grande parte (ENTREVISTA, 31/03/2016, L94).

W: N: se fizer uma galeria debaixo dessa pista toda, faz de um lado só, resolve o

problema, porque o que vai segurar é um piscinão na pista, não precisa fazer um

piscinão em uma área, reservar uma área pra fazer. Faz a pista toda com galeria isso

daí deveria ter feito antes; não fizeram, mas deveria ter feito aos poucos, ou diferente,

vamos supor estou aqui há vinte anos, se fizesse uma parte, um lado só durante esses

vinte anos, já teria resolvido, ou se não tivesse resolvido, teria diminuído bastante esse

problema (ENTREVISTA, 31/03/2016, L98).

95

Segundo informações citadas no apêndice I, é notório e evidente que no período sazonal

de precipitações pluviométricas a Vila América é a região mais prejudicada do município de

Santo André no que tange a desastres de categoria hidrológica de inundação. No entanto, os

moradores questionam: porque as ações realizadas no município não dão conta da resolução do

problema? Porque as obras previstas não são realizadas? Essas são algumas das perguntas de

pessoas que esperam por uma moradia mais digna.

6.2 AS AÇÕES LOCAIS DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL

Durante muitos anos, em conformidade com a Resolução n. 2, de 12 de dezembro de

1994, do Conselho Nacional de Defesa Civil, a Política Nacional de Defesa Civil previa ações

de redução dos desastres que abrangiam quatro fases: prevenção de desastres, preparação para

emergências e desastres, resposta aos desastres e reconstrução.

Atualmente, esses conceitos foram atualizados pela Estratégia Internacional para

Redução de Desastres da Organização das Nações Unidas (EIRD/ONU)13 e também sofreram

alteração no Brasil desde a aprovação da Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012, que instituiu a

Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), dando ênfase às ações de prevenção

numa perspectiva de redução dos riscos de desastres.

A atuação da Defesa Civil no Brasil, embora tenha sido predominantemente nas ações

de resposta, na última década do século XX buscou uma abordagem mais integrada dos eixos

que consideram o conhecimento dos riscos, ações voltadas para redução dos riscos e a

preparação para o manejo dos desastres (NOGUEIRA; OLIVEIRA; CANIL, 2014). No entanto,

foi somente com a Lei 12.608, de 10 de abril de 2012, que se pode observar mais concretamente

as ações de prevenção numa perspectiva de redução dos riscos de desastres.

Atualmente as ações de redução dos desastres da PNPDEC abrangem cinco fases:

prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.

a) Prevenção “integra todas as atividades que evitam os impactos adversos das

ameaças e os meios para minimizar os desastres ambientais, tecnológicos e biológicos” (EIRD,

2012, p.18).

13 A Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD), criada em 1999, é o ponto focal do

sistema das Nações Unidas designada para coordenar a redução de risco de desastres e para assegurar sinergias

entre as atividades das Nações Unidas e organizações regionais em torno da redução de desastres e atividades nos

campos socioeconômicos e humanitários. Entre outras ações, a EIRD coordena os esforços internacionais na

redução de risco de desastres, guiando, monitorando e informando sobre o progresso na implementação do Marco

de Ação de Hyogo (CEPED/UFSC, 2014, p. 47).

96

b) Mitigação:

A mitigação tem diferentes significados para os pesquisadores sobre mudanças

climáticas e para os especialistas em gestão de risco e desastres, frequentemente

causando alguma confusão. Para a gestão de risco e desastre, a mitigação foca nas

medidas estruturais e não estruturais realizadas para limitar os impactos adversos das

ameaças naturais, degradação ambiental e ameaças tecnológicas (EIRD, 2012, p.18).

c) Preparação: envolve “atividades que contribuem para que a resposta ao desastre

ocorra de forma oportuna e eficaz, focando nos indivíduos e comunidades para reduzir os

impactos de uma ameaça natural e lidar com as consequências de um potencial desastre” (EIRD,

2012, p.18).

d) Resposta:

É a prestação de serviços de emergência e de assistência pública durante ou

imediatamente após a ocorrência de um desastre, com o propósito de salvar vidas,

reduzir impactos sobre a saúde, garantir a segurança pública e satisfazer necessidades

básicas de subsistência da população afetada (EIRD, 2009, p.28, tradução nossa14).

e) Recuperação: “consiste nas decisões e ações tomadas após o desastre para

restaurar ou melhorar as condições de vida existentes na comunidade afetada antes do desastre”

(EIRD, 2012, p.18).

f) Reconstrução: “é o conjunto de ações tomadas após um desastre para reabilitar

o funcionamento de serviços básicos, reparar danos físicos e equipamentos comunitários,

restaurar a atividade econômica e dar suporte psicológico e bem estar social aos atingidos”

(EIRD, 2012, p.18).

De modo geral, a Lei 12.608/12 busca lidar com os desastres de forma ampla e

organizada, estabelecendo: capacitação e treinamento dos agentes de proteção e defesa civil;

obrigação da informação pública; identificação e análise de riscos; medidas estruturais e não

estruturais para mitigação e/ou solução de problemas; e sistemas de contingência.

No seu artigo 2º, esse dispositivo legal afirma que é dever da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos municípios a adoção de medidas necessárias à redução dos riscos de

desastres, e o foco principal é nas ações de prevenção sem, naturalmente, descuidar das ações

necessárias de resposta, de socorro e assistência e de recuperação, e define as competências da

14Respuesta: El suministro de servicios de emergencia y de asistencia pública durante o inmediatamente

después de la ocurrencia de un desastre, con el propósito de salvar vidas, reducir los impactos a la salud, velar por

la seguridad pública y satisfacer las necesidades básicas de subsistencia de la población afectada (EIRD, 2009, p.

28).

97

União, Estados, Distrito Federal e Municípios, isolada e conjuntamente (artigos 6º ao 9º)

(BRASIL, 2012).

De acordo com a Lei, são diretrizes da PNPDEC:

I – Atuação articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

para redução de desastres e apoio às comunidades atingidas;

II – Abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e

recuperação;

III – A prioridade às ações preventivas relacionadas à minimização de desastres;

IV – Adoção da bacia hidrográfica como unidade de análise das ações de prevenção

de desastres relacionados a corpos d’água;

V – Planejamento com base em pesquisas e estudos sobre áreas de risco e incidência

de desastres no território nacional;

VI – Participação da sociedade civil (BRASIL, 2012, art. 4º).

E objetivos:

I – Reduzir os riscos de desastres;

II – Prestar socorro e assistência às populações atingidas por desastres;

III – Recuperar as áreas afetadas por desastres;

IV – Incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa civil

entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das políticas setoriais;

V – Promover a continuidade das ações de Proteção e Defesa Civil;

VI – Estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sustentáveis

de urbanização;

VII – Promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e

vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência;

VIII – monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, biológicos,

nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de desastres;

IX – Produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres

naturais;

X – Estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em vista sua

conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos e da vida humana;

XI – Combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e promover

a realocação da população residente nessas áreas;

XII – Estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro;

XIII – Desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastres;

XIV – Orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de prevenção e

de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção; e

XV – Integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos do SINPDEC15

na previsão e no controle dos efeitos negativos de eventos adversos sobre a população,

os bens e serviços e o meio ambiente (BRASIL, 2012, art. 5º).

Essa Lei inclui os agentes políticos no rol de agentes de Proteção e Defesa Civil, define

as competências da União e dos entes federados e estabelece o vínculo da responsabilidade para

com as ações em sua área de abrangência.

É de responsabilidade da União, instituir e manter um cadastro nacional de municípios

com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações ou

processos geológicos e hidrológicos correlatos.

15 SINPDEC: Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (BRASIL, 2012).

98

Cabe aos Estados e Municípios identificar e mapear áreas de risco e realizar estudos de

identificação de ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades. Esta medida deve ser

acompanhada da obrigação do monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das

áreas, assim como de elaboração de cartas geotécnicas de aptidão à urbanização que deverão

estabelecer diretrizes urbanísticas voltadas para a segurança de novos loteamentos.

Os municípios devem integrar ao seu Plano Diretor as cartas geotécnicas e os

mapeamentos das áreas de risco, assim como, em relação à habitação, os moradores removidos

de áreas de risco passam a ser prioridade nos programas habitacionais da União, Estados e

Municípios.

No Município, o órgão de Proteção e Defesa Civil é responsável pelo funcionamento de

uma gestão articulada dos seguintes órgãos: Órgão Consultivo – Conselho Municipal de

Proteção e Defesa Civil; Órgão Central – Coordenadoria Executiva de Proteção e Defesa Civil;

Órgãos Regionais de Proteção e Defesa Civil; Órgãos Setoriais - Organizações Comunitárias

de caráter voluntário.

Na cidade de Santo André, o Departamento de Defesa Civil funciona de forma articulada

com o serviço de saneamento ambiental, sendo que ambos estão vinculados ao Semasa, que

também ao seu encargo: oferta de água, coleta de esgoto, drenagem urbana, gestão dos resíduos

sólidos, gestão ambiental e gestão de riscos ambientais. Esse departamento está ligado à

Comissão Estadual de Defesa Civil, órgão do Gabinete Militar do Governo do Estado e também

por meio da Secretaria de Defesa Civil – SEDEC (SEMASA, 2016).

Com proposta de cooperação intermunicipal, em 1990, na região do Grande ABC, foi

criado o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC com o objetivo de integrar a administração

indireta dos municípios consorciados para planejar e executar com legitimidade ações de

políticas públicas de âmbito regional em 7 eixos: infraestrutura (incluindo Defesa Civil);

desenvolvimento econômico; desenvolvimento urbano e gestão ambiental; saúde; educação

cultura e esporte; assistência, inclusão social e direitos humanos e; segurança pública.

(CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DO GRANDE ABC, 2015).

Portanto, o Departamento de Defesa Civil do município de Santo André atua de maneira

articulada com outras políticas públicas e órgãos correlatos dos municípios consorciados do

Grande ABC. Atende a uma média de 1.500 chamados por ano na cidade, agindo nos riscos de

alagamentos, enchentes, acidentes geológicos, consequências estruturais em residências,

incêndios, explosões, acidentes causados por produtos químicos e outros (SEMASA, 2016).

No que tange às ações realizadas, desenvolve os seguintes trabalhos: a) monitoramento

climático; b) alertas preventivos por SMS; c) ações preventivas; d) ações educativas; e)

99

gerenciamento de riscos; f) percepção de risco; g) operações chuvas de verão; h) assistência

humanitária; i) formação de NUPDECs (SEMASA, 2016).

a) Monitoramento climático: realiza o acompanhamento dos eventos climáticos

da cidade por meio de sistema e radares que monitoram a região, utilizando estações

meteorológicas que medem os índices pluviométricos, temperatura, umidade relativa do ar e

velocidade dos ventos. Utiliza ainda outros sistemas importantes de monitoramento climático,

tais como o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) do Estado de São Paulo e o Centro

Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

b) Alertas preventivos por SMS: desde novembro de 2013 está sendo

disponibilizado para os moradores de Santo André um sistema gratuito de alertas preventivos

por SMS. O sistema foi elaborado para atender à Lei Federal de Proteção e Defesa Civil

12.608/2012 e funciona baseado no monitoramento realizado pelo Departamento de Defesa

Civil por meio de vários sistemas meteorológicos disponíveis. Elas oferecem as seguintes

informações: chuvas fortes, ventos, cuidados com raios, baixa umidade, baixas ou altas

temperaturas, realização de eventos de formação para os NUPDECS.

c) Ações preventivas: realiza vistorias em edificações para evitar construções

irregulares, assim como vistorias no sistema hídrico e de drenagem, rios, córregos e piscinões

da cidade, para avaliar as condições e se foram realizadas as ações de manutenção, limpeza e

desassoreamento necessárias para evitar o agravamento das áreas propensas a inundações e

alagamentos.

É feita uma fiscalização por helicópteros, sobrevoando-se áreas de risco para evitar

ocupações de espaços sujeitos a deslizamentos e para fiscalizar e vistoriar também a situação

das áreas de maior risco mapeadas pelo IPT na cidade e que estão passando por remoções

preventivas.

Dentro do Plano Municipal de Redução de Riscos de Santo André está a remoção

preventiva de 322 moradias em risco, listadas pelo IPT. No total foram interditadas e estão

previstas as remoções de moradias em situação de risco alto (R3) e muito alto (R4) para

deslizamento. Após a realização das vistorias preventivas é feito um relatório contendo a

situação do local, registros fotográficos e encaminhamentos devidos para os setores

competentes visando à prevenção e possibilidade de projetos para minimizar ou eliminar os

riscos;

O Semasa disponibiliza para seus usuários, na página virtual de seu site, o

monitoramento dos principais córregos da cidade. As câmeras estão posicionadas nos córregos

Guarará (Avenida Capitão Mário Toledo de Camargo) e dos Meninos (Avenida Lauro Gomes),

100

no Tanque Vila América (Avenida Capitão Mário Toledo de Camargo com Rua Erato, junto ao

córrego Guarará) e em dois pontos do rio Tamanduateí (Avenida dos Estados, nas proximidades

da Rhodia e com a rua Sorocaba). As imagens são atualizadas a cada 30 segundos e são

acompanhadas 24 horas por dia pela equipe do Semasa no Centro de Controle Integrado

(CECOI).

d) Ações educativas: durante o ano, nos meses que antecedem o verão, são

realizadas atividades educativas, cursos e formações sobre percepção de risco, prevenção de

acidentes domésticos, mudanças climáticas, monitoramento meteorológico, primeiros socorros

e demais temas importantes para divulgar os principais riscos e como preveni-los. Essas

formações e apresentações são voltadas principalmente aos moradores das áreas mais

vulneráveis, nas quais são formados os NUPDECS, mas também atendem aos servidores

públicos que atuam em setores que interagem com a gestão de riscos, tais como: saúde,

planejamento participativo, habitação, educação, postos e centrais de atendimento ao munícipe

e escolas.

Também foi desenvolvido material educativo voltado às crianças e aos adolescentes,

especificamente, um gibi que conta de forma ilustrada as ações de gestão de riscos, e um livro

de colorir. As ações educativas têm como objetivo associar o conhecimento dos riscos ao

planejamento e controle do desenvolvimento territorial.

Em 2013, foi criada a campanha ‘Escola Amiga da Defesa Civil’ nas escolas do

município para incentivar as ações humanitárias na comunidade. As escolas participantes

receberam uma caixa de doação na qual os alunos podem depositar doações de itens de higiene

pessoal e limpeza; os artigos arrecadados são repassados para o Departamento de Defesa Civil,

que os utiliza no atendimento às vítimas de enchentes do município. A campanha foi realizada

em conjunto com a Prefeitura, por meio do Departamento de Esportes e da Secretaria de

Educação de Santo André.

e) Gerenciamento de riscos: com base nos mapeamentos das áreas mais

vulneráveis aos eventos climáticos e tecnológicos locais, tais como: deslizamentos, inundações,

solapamentos de margens de rios e córregos, incêndios, desabamentos, entre outros, a Defesa

Civil realiza ações educativas preventivas em escolas, universidades, junto aos NUPDECS e

aos demais gestores e servidores públicos.

f) Percepção de riscos: a Defesa Civil realiza formação e orientação dos

moradores, primordialmente para os que vivem em áreas de risco, bem como para os servidores

que atuam nessas áreas, visando ao desenvolvimento da percepção de risco de desastres, com

foco na redução desses mesmos riscos.

101

g) Programa operação chuvas de verão (POCV): o programa é coordenado pelo

Semasa, por meio do Departamento de Defesa Civil, envolve outras secretarias e autarquias da

Prefeitura Municipal de Santo André, sendo realizado todos os anos, durante o período de

chuvas fortes, iniciando-se em 1º de dezembro.

Durante o POCV, a Defesa Civil trabalha com quatro níveis de alerta: observação (início

da operação até seu término), atenção (acúmulo de chuvas em 72h consecutivas), alerta

(iniciado em caso de registro de trincas, degraus de abatimento ou outra feição de instabilidade

que indique possibilidade de escorregamento, observada mediante vistoria em campo, além de

previsão de continuidade de chuvas intensas e da constatação de locais inundados ou com

enchentes) e alerta máximo (quando todos os sinais descritos nos níveis de alerta se

intensificam).

h) Assistência humanitária: O Departamento de Defesa Civil, juntamente com as

equipes do Departamento de Assistência Social da Secretaria de Inclusão e Assistência Social

de Santo André, responsabilizam-se pela Assistência Humanitária às pessoas afetadas e

atingidas por desastres na cidade.

Em relação às ações de resposta, são disponibilizados kits à população afetada contendo

alimentos, água potável, material de limpeza e roupas, entre outros itens. A distribuição

emergencial e gratuita dos kits tem como objetivo aliviar o sofrimento humano e colaborar para

o restabelecimento da normalidade na situação adversa. A escolha do tipo de material leva em

consideração a tipificação dos desastres mais recorrentes no Brasil, as vulnerabilidades

causadas às pessoas, bem como as características da população brasileira e as normas mínimas

de assistência humanitária que preconiza a ONU.

i) Formação de NUPDEC: essa sigla refere-se ao Núcleo Comunitário de

Proteção e Defesa Civil, composto por membros da comunidade treinados para apoiar as ações

da Defesa Civil na prevenção de riscos e para agir em situações de eventos climáticos, sabendo

identificar os riscos de seu território e tomar as primeiras medidas de socorro junto aos seus

vizinhos e pessoas do bairro, se necessário.

Prioritariamente, os NUPDEC’s são formados por moradores de áreas sujeitas a

inundações, enchentes e deslizamentos e, no município, começaram a ser constituídos no ano

de 2001. A Defesa Civil realiza o trabalho de formação e aperfeiçoamento dos NUPDEC’s,

dando orientação e treinamento aos membros da comunidade no que se refere a primeiros

socorros, prevenção de acidentes domésticos, ação nos casos de inundações, enchentes,

deslizamentos, incêndios e outros eventos, além de serem cadastrados para receber alertas

102

preventivos via SMS quando há previsão de fortes chuvas, baixas temperaturas ou mesmo

reuniões dos NUPDEC’s.

Segundo Roberth Tavanti e Mary Jane Spink (2014), os NUPDEC’s devem ser

entendidos como um dos mais importantes recursos voltados ao desenvolvimento de ações de

prevenção, mitigação e preparação nos territórios vulneráveis e/ou afetadas pelos desastres, por

serem compostos por pessoas da região, que possuem grande articulação junto aos moradores.

Como estratégia de organização dos moradores na busca de soluções para o problema

de inundação da Vila América, assim como de ações para a melhoria do convívio com o evento

até que soluções definitivas passam ser tomadas, os moradores criaram junto com o

Departamento de Defesa Civil o NUPDEC local e participaram do planejamento e

desenvolvimento de algumas ações. Seguem relatos da moradora W, que foi líder de NUPDEC:

P: Por quanto tempo você trabalhou com eles?

W: Por 7 anos voluntária

P: O que você fazia nesse tempo, do que você participou?

W: Ah, de cadastro de área de risco.

P: Você os ajudavam a fazer o cadastro das áreas de risco?

W: Isso, cadastro de área de risco com eles, fazia campanha na nossa vila, a gente deu

ideia de trocar o horário do lixo, a gente dava ideia para eles, um monte de coisa a

gente deu ideia. Levamos o corpo de bombeiro e Eletropaulo nas escolas, a gente foi

com eles nas escolas, a escola que minha filha e a da vizinha estudavam. Era assim,

era dia de sábado de domingo que a gente trabalhava, dia de semana não, mais ia com

eles de sábado e domingo fazer curso de primeiros socorros e um monte de coisa

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L49 – L54).

Os moradores também participaram do planejamento de ações de prevenção através de

reuniões de bairro e nas plenárias do orçamento participativo. Opinaram sobre obras de

melhorias para a solução do problema das inundações do bairro, embora nem sempre suas ideias

foram atendidas. Seguem relatos dos moradores N e W:

W: Aí quando a gente participou do orçamento participativo e pediu obras no rio

Guarará. Pedimos no rio Guarará porque a gente sabe que ele é o problema, porque?

Porque ele chega ali e afunila, ele vem grande, vem a galeria afunilada, o funil se você

jogar muita água ele vaza, aí do lado do Carrefour o rio é estreito, mas como que não

dá enchente dentro do Carrefour e dá na gente aqui? Porque ele afunila lá, chega lá a

água chega menos, então a gente queria isso aqui (ENTREVISTA, 05/02/2016, L27

– L28).

N: Eu participei das reuniões para fazer esse piscinão da Vila América, mas eu não

concordei que fizesse desse lado. Mas o atual, que era o superintendente do Semasa,

que é o atual hoje, nós fizemos reuniões muitas vezes no ano 2000, eu falei olha, esse

piscinão não vai dar certo. Essas reuniões para fazer esse piscinão (risos), foram

muitas brigas para fazer, quer dizer muitas discussões, brigas no sentido de palavras,

assim, de discussões do que tinha que fazer, o que tinha que ser melhor

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L12).

103

Ainda como estratégia de organização dos moradores na busca de soluções de prevenção

do problema de inundação da Vila América, anualmente a moradora W busca a mídia local para

mostrar para tentar dar visibilidade ao problema que a região enfrente frequentemente W:

“Todo ano eu chamo reportagem aqui do Diário para mostrar que o prefeito não está fazendo,

já tem 2 anos, todo janeiro. Esse ano eu não consegui chamar porque acho que a menina que

vinha fazer entrevista não está lá, mas se você procurar têm” (ENTREVISTA, 05/02/2016,

L95).

Atualmente não existe liderança no NUPDEC da Vila América e a participação da

população junto à Defesa Civil é pequena, pois mesmo com a conquista de alguns benefícios

para os moradores, não há perspectiva de ações ou obras efetivas para a resolução do problema

das enchentes da região. Segue relato da entrevista da moradora W: “Por isso que agora, eles

me chamam para fazer as coisas, e eu não vou mais, agora vou cuidar da minha vida”

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L48).

Além da obra do piscinão não ter obtido o resultado esperado, outro fato contribuiu para

o desânimo e afastamento da população da Defesa Civil, foi a promessa de outras ações para a

resolução do problema sem o andamento necessário. Segue relato:

W: O prefeito Carlos Grana prometeu, em uma das 7 promessas dele para o ABC, que

a gente estaria incluso nisso aí, mas até agora nada! Já se passou mais da metade do

primeiro mandato dele e ele não fez nada. Prometeram que ia fazer um dreno no rio,

no nosso piscinão, para ir direto e não cair no rio, ir mas cair mais para frente, mas

também não fizeram nada, não chamaram mais a gente para a reunião. E está nessa, a

gente fica aqui abandonado, a gente se sente abandonado é só promessa só, não fazem

nada (ENTREVISTA, 05/02/2016, L82).

W: Procura que é uma promessa do prefeito, na hora da promessa, na hora de ganhar

voto. Está tudo aí, ganhou voto e sai todo mundo fora. Eu quero ver agora, na próxima

vez que ele for se candidatar se ele vai lembrar do que ele não fez (ENTREVISTA,

05/02/2016, L95).

Ao longo deste capítulo, destacamos diversas ações que constam em documentos oficias

sobre a atuação da Defesa Civil no município de Santo André, as quais, conforme relatos de

moradores, nem sempre são realizadas com a devida eficácia.

6.3 A PRESENÇA DAS EMPRESAS PRIVADAS

Elencamos as empresas privadas na categoria do Poder Público, porque percebemos ao

longo das entrevistas com os moradores, que algumas dessas instituições estabelecidas na

104

região com a autorização de órgãos públicos de alguma maneira influenciam diretamente a

problemática da inundação do bairro.

N relata que na atual propriedade do supermercado Carrefour existe uma parte do

Córrego Guarará aterrado, mas que antigamente passava aberto no local. Esse mesmo córrego

também foi canalizado para a obra da loja atacadista Roldão que fica ao lado do supermercado

Carrefour.

Essas obras contribuíram para a problemática da inundação na Vila América porque, o

aterramento de trechos do córrego fez com, nos trechos em que está descoberto, o fluxo de água

seja mais intenso e, consequentemente, mais intenso também o volume da água que transborda

para as ruas da Vila América.

Outro imóvel que contribui com o problema da inundação na região é o empreendimento

imobiliário Brookfield Century Plaza Business, que está localizado no bairro Homero Thon,

próximo à Vila América e compõe-se de quatro condomínios: o Residence, o Living, o Business

e o Hotel, além do Atrium Shopping.

Figura 24: Brookfield Century Plaza Business

Fonte: Internet, 2016

105

Para W, a rede de esgoto do empreendimento imobiliário passa próximo ao piscinão da

Vila América contribuindo, em caso de transbordamento, para piorar ainda mais a inundação,

pois junto com a água da chuva o conteúdo do esgoto do complexo atinge as ruas e as casas.

Segue relato:

W: E o shopping, a gente acha que o shopping também. Esses dias o rio vazou, que

chuva que deu tanto para o rio vazar? Esses dias o rio, não por cima, mas as bocas de

lobo não estavam mais aguentando mais, então começou a vazar e a gente já ficou

desesperado, eu estava trabalhando e vim “quebrando as pernas”.

P: Há quantos anos o shopping está aqui?

W: Esse aí eu acho que fazem uns 2 anos, mas ele fez uma mega construção aí, mexeu

na rede de esgoto, em tudo. Quanto mais esgoto ligar na gente pior.

P: Pelo o que eu vi, não é somente o shopping, é um condomínio, é um complexo com

vários prédios, é isso?

W: É isso mesmo, vai ter um monte de coisa maior, vai ter hotel, vai ter salas

comerciais e prédio do outro lado.

W: Aí eu descobri esses tempos atrás, fuçando, que a água de lá de esgoto vem tudo

para cá, para perto, para o lado do piscinão. Eles já sabem que aqui dá enchente e ao

invés de ligar para lá não, é aqui. A gente fuça em tudo né. Mas então está aqui desse

jeito, a casa está do jeito que você está vendo, a gente, ninguém tem (...)

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L65 – L70).

Embora N reconheça que o empreendimento imobiliário trará benefícios aos moradores

da Vila América, como a valorização imobiliária da região, também destaca as consequências

da obra, relacionada ao vazamento do esgoto, para o problema da inundação na região.

N: tem um shoping novo aí que chegou aí porque eles viram que é um local viável e

tem um empreendimento grandioso aí também, além de apartamentos, prédios

comerciais, tudo. Isso aí futuramente vai ser uma área bem valorizada

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L194).

N: Depois do shopping fizeram a galeria jogando antes da ponte, deveria ser jogado

após a ponte. Está difícil, fizeram o cano, agora fizeram o cano de lá para cá, tá e o

que aconteceu agora? Resumindo tudo o que aconteceu com esse esgoto, no dia 9 de

janeiro, agora eu vou falar agora, está ligado ali não sei o que, mas está parado. Sabe

o que aconteceu? Quando choveu veio todo o esgoto, veio água preta, água barrenta,

água preta e ficou aqui e transbordou. Aí a turma fala, não, não é esgoto de lá, bom,

mas nunca aconteceu de vir barro preto, é esgoto sim (ENTREVISTA, 31/03/2016,

L156).

N: Veio água de esgoto e ficou água de esgoto, quando sedimentou tudo e parou,

quando se foi limpar, você pode ver que não é terra vermelha, não é de areia, é agua

de esgoto.

P: Coisa que não tinha antes do shopping?

N: Não tinha, tá ocorrendo isso daí, e eu observei isso, antes não tinha isso daí, agora

não sei, aí eles falam, não, não é isso daí, mas veio esgoto de todo lado

(ENTREVISTA, 31/03/2016, L164 – L166).

106

N destaca que o problema maior é a falta de diálogo do poder público com as empresas

privadas, pois uma solução para amenizar o problema das inundações na região seria a execução

de obras subterrâneas no trecho do córrego que está dentro das propriedades privadas.

N: Mas aí teria que intervir na entrada do Carrefour ali, do supermercado e é questão

de poder econômico. Mas mesmo assim, se a Prefeitura negociasse com esse pessoal

eu acho que concordaria, porque isso não é só um benefício para a população, é um

benefício para o próprio comércio deles mesmo, do Carrefour, do Roldão, do

shopping.

P: O senhor fala que a prefeitura teria que negociar, por que eles teriam que entrar

com a parte de financiamento, porque é privado, é isso?

N: Não, não, intervir para colocar uma galeria no meio.

P: Então solicitar autorização para a realização de obras subterrâneas?

N: Isso, ter obras, só isso. Só alargar, fazer alguma coisa, porque não tem como fazer

isso daí, porque vai melhor para eles isso aí, vai melhorar o fluxo de trânsito porque

quando enche atrapalha eles, o comércio. Isso daí é falta de diálogo da Prefeitura, do

poder público com o poder econômico. O poder econômico que eu digo é do comércio,

do Carrefour e do Shopping. Então o shopping também fez a galeria, mas quem fez o

projeto foi a Semasa, só que fizeram e falaram: ah, mas é o único meio de fazer é

desse jeito (ENTREVISTA, 31/03/2016, L42 – L48).

No último trecho da fala acima mencionada, N relata que quem fez o projeto para a

construção da galeria de esgoto do empreendimento da Brookfield Century Plaza Business foi

o Semasa e alegou que a obra executada foi apresentada como a única forma possível de

construção. Então fica uma dúvida: foi previsto que a galeria de esgoto pioraria o problema das

inundações na Vila América?

6.4 CONVIVÊNCIA COM INUNDAÇÕES NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas que

afirma no artigo 1º que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em

direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de

fraternidade” (BRASÍLIA, 1998), com esse entendimento buscamos compreender nesse

capítulo como estão sendo tratados os direitos dos moradores da Vila América diante dos

eventos de inundação.

A Organização das Nações Unidas utiliza a Carta Internacional dos Direitos Humanos

como base para todas as ações relacionadas à proteção e promoção dos diretos dos seres

humanos e das liberdades fundamentais. Essa carta é constituída por três instrumentos que

definem e legitimam os direitos humanos e as liberdades fundamentais: a Declaração Universal

dos Direitos Humanos de 1948; o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e

107

Culturais das Nações Unidas de 1966 e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

das Nações Unidas também de 1966 (ONU, 2002).

Direitos Humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos. Incluem a) direitos

civis e políticos: direito à vida e à propriedade privada, liberdade de pensamento, de expressão,

de crença, igualdade formal, ou seja, de todos perante a lei, direitos à nacionalidade, de

participar do governo do seu Estado, podendo votar e ser votado, entre outros, fundamentados

no valor liberdade; b) direitos econômicos, sociais e culturais: direitos ao trabalho, à educação,

à saúde, à previdência social, à moradia, à distribuição de renda, entre outros, fundamentados

no valor igualdade de oportunidades; c) direitos difusos e coletivos: direito à paz, direito ao

progresso, autodeterminação dos povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão

digital, entre outros, fundamentados no valor fraternidade.

Vimos no capítulo 6.2, que discutiu as ações locais realizadas pelo Departamento de

Defesa Civil no município de Santo André, que como resposta de assistência humanitária são

disponibilizados de forma emergencial e gratuita kits à população afetada por desastres com o

objetivo aliviar o sofrimento humano e colaborar para o restabelecimento da normalidade na

situação adversa. No entanto, conforme relato de moradores locais, essa ação não é realizada

na Vila América que, mesmo sendo considerada como a região mais atingida por desastre

hidrológico de inundação no município, é privada da ação por ser economicamente considerado

um bairro de classe média.

Percebemos nessa ação uma violação de direitos humanos, porquanto, de acordo com o

artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos citada, não deveria ser feita nenhuma

distinção entre as pessoas que são afetadas por desastre como considerações relativas às

condições econômicas dos atingidos por desastres para a distribuição de kits de ação

humanitária. Seguem relatos dos moradores W e N:

W: Porque quando caiu, disse que eu tinha direito, direito do que? De uma cesta básica

que eles não querem dar para nós, dizem que a gente não precisa de cesta [...]

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L26)

W: Pois é! Sabe o que eu acho engraçado? No nosso país a pessoa que mora na favela

tem mais direito que eu que pago imposto, porque que eu sou menos do que eles? Já

teve vezes de eles virem aqui e falarem a gente vai lá levar marmita para o pessoal lá

de cima que desmoronou tudo, mas eu estou sem comer, como que faz?

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L47)

N: A Defesa Civil quando chega aqui fala para esperar a água baixar. Eu tô, eu e meus

vizinhos tudo limpando a casa, deveria ter trazido uma água, um suco, alguma coisa,

mas não traz, eles falam: ah vocês não precisam. Espera um pouquinho, eu não preciso

como assim? Vocês não precisam porque vocês têm condições, estão morando aqui

108

no centro e tal, a propriedade é sua. Mas se fosse um local de baixa renda o que vocês

fariam? Ah, teria que trazer isso, isso e assado. Então e para nós nada, nós que somos

os flagelados da enchente (risos) como diz as pessoas, os outros também são

flagelados, todos nós somos filhos de Deus. Eu falei assim: deveria ser o mesmo

tratamento.

P: Os mesmos direitos?

N: Sim, mas não. Eles falam que é a direção que fala isso, aquilo e assado, e diz que

tem gente piores que a gente. Ótimo, mas na atual situação quando dá enchente, nós

somos todos iguais e nós podemos perder a vida aqui como lá, onde está lá, mas não

estamos meio esperto aqui para preservar nossa vida, então tudo bem. Mas o prejuízo,

talvez seja o nosso prejuízo seja maior que o do pessoal de baixa renda, de mais

necessidade, porque? Porque a gente perde muitas coisas, e além do mais, a gente está

perdendo a nossa dignidade, das pessoas de viver em um local bom (ENTREVISTA,

31/03/2016, L115 – L117).

Sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, está previsto o direito à moradia,

entendida como um lugar seguro para viver, pois essa garantia possibilita aos seres humanos

um sentimento de dignidade, ou seja, saúde física e mental adequada, assim como uma boa

qualidade de vida. Para isso, dispor de uma habitação condigna é universalmente considerado

uma das necessidades básicas do ser humano (ONU, 2002).

O direito a uma habitação condigna é universalmente reconhecido por todos os países

que integram a ONU e reconhecem suas obrigações se refere à habitação, a saber, a de garantir

a todos os cidadãos de todos os estados, o direito de esperar que os seus governos se preocupem

com as suas necessidades de alojamento e reconheçam a obrigação fundamental de proteger e

de melhorar as casas e os bairros, em vez de os danificar e destruir.

A noção de habitação condigna é definida na Estratégia Global como compreendendo:

“intimidade suficiente, espaço adequado, segurança adequada, iluminação e ventilação

suficientes, infraestruturas básicas adequadas e localização adequada relativamente ao local de

trabalho e aos serviços essenciais – tudo isto a um custo razoável para os beneficiários” (ONU,

2002). Percebemos nos relatos dos moradores da Vila América que a realidade é bem diferente,

pois a convivência com o evento lhes causa prejuízos financeiros e materiais, sociais,

emocionais e biológicos.

W, moradora da região há 19 anos, relata que esses prejuízos a atingiram desde o início,

e ainda atingem tanto a ela quanto a sua família, causando grande sofrimento. Para ela, as

marcas deixadas pelos eventos serão sempre lembradas e sentidas.

Quanto aos prejuízos financeiros, percebemos nos relatos de N e W:

W: A comporta quem paga sou eu, já é a segunda comporta que eu tenho, eu tenho

bomba que eu ligo aqui, eu tenho válvula de retenção no esgoto e na água de chuva

que eu fecho, porque senão volta pela pia da cozinha. Quando der o nível da rua lá na

pia da cozinha vaza tudo e eu só não perdi antes as coisas, porque eu, se eu soubesse

que aquela parede ia cair, eu tinha feito outra parede lá com um monte de coluna,

109

porque desse outro lado aqui eu fiz, eu gastei uma grana, peguei dinheiro do cartão de

crédito para fazer para não perder tudo, lutei tantos anos para em 2011 chegar e cair.

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L23).

W: E antes, quando na minha casa tinha móveis, a gente demora quase 20 minutos

para erguer a casa inteira, erguia tudo e com isso as coisas foram acabando. Eu tenho

um cisto e meu marido tem hérnia, mas temos que erguer a geladeira para cima, quer

dizer, essa é outra, uma eu comprei e outra eu ganhei, porque eu perdi tudo, a casa em

2011 foi tudo embora. Caiu o muro do vizinho e a parede da minha sala. A água quase

pegou eu aqui dentro, cobriu a pia da cozinha, pegou a metade da porta do fogão que

estava em cima da... sobrou nada, fiquei com a roupa do corpo, sem água, porque aí

acabou a água (ENTREVISTA, 05/02/2016, L19).

Figuras 25: Sala de W inundada

Fonte: Acervo da moradora W, [s.d.]

Também os prejuízos sociais são sentidos por W e N:

W: Minha filha morava comigo e teve que ir embora. Depois que ela casou ficou um

tempo aqui, mas teve que ir embora porque eu falei: filha, você pode ficar aqui até

novembro, mas depois você tem que ir embora, porque virá enchente e os móveis que

seu marido comprou, porque ele morava no interior e veio embora e trouxe tudo para

cá, vai estragar tudo. Até isso, tudo afeta, afeta visita, afeta família, afeta meus

passeios, eu não saio no período das chuvas, nem adianta me chamarem para nada,

nunca mais soube o que era viajar. Minha mãe mora no interior e viu uma vez um

110

helicóptero aqui pela TV e ligou apavorada, minha irmã grávida, quando caiu tudo, a

gente não sabia como contar para ela o que tinha acontecido, ela passou mal, afeta a

família inteira, é um ciclo (ENTREVISTA 05/02/2016, L123).

N: E justamente acontece em época de verão que é uma temporada que a turma sempre

sai. Tem seus compromissos, tanto sociais como profissionais também, ou senão

geralmente nessa época do ano, final de ano, está, tem escolas, tem eventos, uma série

de eventos para participar porque é verão, uma temporada boa para fazer os eventos e

a gente às vezes fica privado de sair (ENTREVISTA 31/03/2016, L185).

Já os prejuízos emocionais, são relatados apenas no discurso de W:

W: E todo mundo tem medo, minha família chora, minha irmã quando se casou e

mudou para o interior, quando chovia lá ela começava a ficar apavorada mesmo minha

mãe dizendo: mas aqui não vem água. Eu tenho medo de chuva, eu tenho medo, é um

trauma, o psicológico aqui nesse lugar não é brincadeira não. A gente tem muito medo

de água, a gente tem até medo do que pode acontecer, não é só de perder as coisas,

mas também do que pode acontecer (ENTREVISTA, 05/02/2016, L171).

W: O psicológico de todo mundo aqui é afetado, além do bolso né, eu não me

recuperei mais depois de 2011. Pode passar o tempo que for que eu nunca mais serei

a mesma pessoa, perdi muita coisa que não volta mais, um passado de lembranças,

coisas da infância dos meus filhos. Para onde quer que eu for carregarei as marcas das

enchentes (ENTREVISTA, 05/02/2016, L72).

Quanto aos prejuízos biológicos, ou seja, consequências dos eventos à saúde dos

moradores, W relata o que sofreu e vem sofrendo em relação à sua saúde e de sua família e N

comenta sobre a falta de ações da Política de Saúde com os moradores que convivem com a

inundação:

W: Eu de dieta tive um furúnculo e fiquei com ele por 1 ano, isso aconteceu porque

eu peguei enchente de dieta. Com 40 dias que eu tinha ganhado neném, teve uma

enchente e a minha filha de 10 anos ficou segurando meu filho pequeno e eu fiquei

segurando o portão, a gente ficava amarrando ele para ele não cair porque ele vem

para dentro né. Aqui em casa todo mundo teve problema de saúde por causa das

enchentes, eu tive esse furúnculo e tenho cistos, meu marido hérnia e minha filha tirou

a coluna do lugar. Na verdade, já nem sei mais quantos problemas de saúde tivemos

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L133).

P: Quando, por exemplo, ocorre essa inundação, quando tem uma chuva forte como

ocorreu a de janeiro, tem algum outro tipo de ação, fora da Defesa Civil? Alguém vem

fazer algum trabalho com vocês? O pessoal da Saúde com vacinação ou o pessoal da

Assistência Social? Como funciona?

N: A Defesa Civil tem comparecido, mas a Saúde não aparece não, nem para tomar

uma vacina antitetânica, ou essas coisas contra leptospirose, fazer um programa, isso

não aparece não (ENTREVISTA, 31/03/2016, L110 – L111).

Mesmo diante da fragilidade da garantia de alguns direitos da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, percebemos, conforme o relato dos moradores, que há alguns direitos

garantidos por lei a pessoas que moram em área de risco efetivados.

111

São concedidos aos moradores que sofrem com as inundações, a isenção do Imposto

Predial e Territorial Urbano (IPTU) total quando há um evento no ano que atinge sua residência.

Isso é garantido de acordo com o decreto nº 15.965, de 18 de novembro de 2009 que

regulamenta o inciso IX do artigo 18 da Lei nº 6.582, de 06 de dezembro de 1989, com suas

alterações posteriores, que autoriza o Poder Executivo a conceder isenção sobre imóveis que

sofrem em seu interior enchentes provocadas por águas pluviais advindas da rua (SANTO

ANDRÉ, 2009). Segue decreto:

Art. 1º A isenção do IPTU de que trata o inciso IX do artigo 18 da Lei nº 6.582/1989

será concedida em relação ao crédito tributário relativo ao exercício fiscal da

ocorrência da enchente.

Art. 2º A concessão do benefício de que trata o artigo anterior deverá ser requerida

por meio de processo administrativo próprio, até o último dia útil do segundo mês

subsequente ao da ocorrência de enchentes no interior do imóvel provocadas por

águas pluviais.

Art. 3º O pedido de isenção do IPTU no exercício fiscal da ocorrência da enchente,

deverá ser instruído com os seguintes elementos informativos:

I - endereço e classificação fiscal do imóvel que sofreu a enchente;

II - data da ocorrência da enchente;

III - relatório elaborado pela Defesa Civil ou por outro órgão competente da

Administração, conforme o artigo primeiro da Lei nº 6.582/1989.

§ 1º Cada relatório se referirá a um exercício fiscal.

§ 2º O requerente deverá solicitar a concessão do benefício de que trata este decreto,

até a data estipulada no artigo 2º, mesmo que ainda não tenha sido emitido o relatório

pela Defesa Civil ou por outro órgão competente; devendo, contudo, demonstrar que

ingressou com a solicitação do respectivo documento, que deverá ser juntado ao

processo, assim que estiver disponível.

§ 3º Caso o benefício seja requerido por pessoa diversa do proprietário constante no

Cadastro Fiscal Imobiliário, o pedido deverá conter procuração específica com firma

reconhecida e documentos de identificação pessoal do requerente.

§ 4º Não se aplica o parágrafo anterior, no caso do solicitante ser compromissário,

detentor, coproprietário, locatário, comodatário ou possuidor a qualquer título do

imóvel objeto da solicitação do benefício, desde que apresente respectivo documento

que comprove a posse do bem e a responsabilidade pelo pagamento do IPTU no

exercício fiscal da ocorrência.

Art. 4º No caso da Municipalidade reconhecer a isenção regulamentada por este

decreto, será fornecida a respectiva declaração comprovando a concessão do

benefício.

Art. 5º Caso o sinistro ocorra após o pagamento total ou parcial do IPTU referente ao

exercício fiscal da ocorrência, os valores pagos serão restituídos ou compensados em

conformidade com a Lei nº 8.701/2004.

Parágrafo único. Especificamente, para a restituição ou compensação decorrente da

concessão da isenção tratada neste decreto, o requerente deverá apresentar os

comprovantes de pagamento do IPTU, objeto do pedido.

Art. 6º Exclusivamente para o exercício de 2009, o Departamento de Tributos da

Secretaria de Finanças aceitará os pedidos de isenção e restituição dos valores já

pagos, através de requerimentos individuais ou coletivos, que tenham sido

protocolizados até a data de publicação deste decreto.

Art. 7º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação (SANTO ANDRÉ,

2009).

112

Existe a garantia da isenção do IPTU, só que os moradores mencionam que há uma

burocracia documental no andamento da solicitação que dificulta a efetivação, pois em função

das próprias inundações, alguns documentos necessários para realização são perdidos, assim

como é exíguo o tempo que tem o m orador para instruir o processo administrativo. Seguem

relatos:

N: Aqui tá tudo certo, tem IPTU tem tudo, aqui tá tudo legalizado, a casa tem escritura,

tem tudo, está tudo certo. Paga-se IPTU? Paga-se IPTU quando não ocorre enchente

durante o ano, ou seja, quando não dá enchente eu tô pagando IPTU. Agora quando

dá enchente, ai você tem que entrar com um pedido na Prefeitura para isenção do

IPTU, coisa que deveria ser automático, não deveria ter que fazer as papeladas e pegar

cópia disso e cópia daquilo. Tem que pegar cópia de residência, tudo isso daí e leva

na Prefeitura ou na Semasa e protocola, tem que protocolar e ai esperar eles avaliar e

pegar o laudo da Defesa Civil para ver se aconteceu mesmo. Então, tendo o laudo da

Defesa Civil vai ter isenção mesmo, eu nem pago mais o IPTU quando enche de água.

Eles falam: olha é melhor o senhor pagar, mas eu falo espera aí se encheu de água

como é que eu vou ficar pagando? Aí eles falam: mas ressarce, a prefeitura ressarce.

Mas para que que eu vou ficar pagando se eu tenho a certeza que tem isso aí, porque

já estou com laudo, o laudo da Defesa Civil já está avaliando isso daí. Então não tem

como ficar pagando e também não tem esse problema de a Prefeitura ter que ressarcir,

entendeu? Não tem como isso daí, se já está certo, já está certo, tem que já carimbar

e liberar, mas não, fala que tem que avaliar. Então vai lá no departamento de obras,

departamento de tributos e a pessoa da fiscalização avalia enquanto eu fico esperando.

Isso aí sempre ocorreu e sempre deu certo, eles isentam e tal, mas deveria ter uma

coisa, olha essa área ocorreu isso, pá, então você manda, já está isento, mas não, tem

que fazer toda essa burocracia para ser isento. Dizem que tem umas leis aí de que

quando é área de enchente, essa coisa está isenta, mas aqui só isenta quando o Semasa

ou Prefeitura fala que dá. Mas ainda bem, eu vou lá e faço esse requerimento, agora

tem pessoas que não vai, tem pessoas que aí perde essa isenção (ENTREVISTA

31/03/2016, L109).

W: O IPTU também tem desconto, mas tenho contrato de gaveta e em uma das

enchentes eu perdi um dos documentos que todo ano tenho que apresentar, porque

todo ano tenho que apresentar toda documentação de novo. Eles estão carecas de saber

que aqui dá enchente, não poderia ter um processo já e o nome ficar cadastrado lá?

Não, então nesses dois anos eu não consegui e estou atrasada com o IPTU. É R$

800,00 e pouco que fazem falta, principalmente para mim que perde tudo, tem prejuízo

direto, você conserta de um lado e vaza de outro, então você tenta consertar

(ENTREVISTA, 05/02/2016, L40).

Os moradores também relatam que é concedido um desconto no pagamento da conta de

água no mês que ocorre algum evento, pois é necessária uma quantidade maior de água para a

limpeza das casas. Em suas palavras:

W: Mas eu só não perdi mais, por mérito meu, é só prejuízo, você gasta água, tem

desconto, mas é tudo burocracia, e isso ninguém fala, que fui eu e a Cida quem

conseguiu, correndo atrás deles.

P: O que vocês conseguiram, o desconto?

W: A gente brigava porque estávamos tomando prejuízo, aí o pessoal da Defesa Civil

conseguiu, através de uma lei, que a gente tivesse desconto. Se você pega os três

últimos meses e teve um mês, acho que deu 4 ou 5 enchentes em fevereiro, acho que

eu gastei de R$ 300,00 de água, mais prejuízo, aí você vai lá e eles veem nos três

113

meses o que você gastou e dá o desconto. O IPTU também tem (ENTREVISTA,

05/02/2016, L37 – L39).

Destacamos neste capítulo algumas garantias e violações de direitos dos moradores da

Vila América que sofrem com os eventos de inundações. No entanto, um assunto que sempre

causa tristeza e indignação nos moradores, é o fato da Vila América ser um bairro com todas as

residências legalizadas pelo poder público, com seus moradores cumprindo com os deveres

legais para manter a posse do imóvel, e esse investimento financeiro não é revertido em obras

de melhoria para o próprio bairro, sendo que entra ano e sai ano o problema permanece, quando

não se complica. Nas palavras de W:

W: Ninguém aqui é invadido, não que eu tenha nada contra, mas ninguém aqui

invadiu, como algumas favelas e fez uma casa em cima do rio. Minha casa é

legalizada, eu pago R$ 800,00 e pouco de IPTU e em 2011/ 2012 eu perdi tudo. Eu

trabalho aqui além de tudo, o meu ganha pão é aqui, eu perdi todo o meu maquinário,

eu perdi estoque de papel, eu perdi tudo, eu nunca vi meu marido tão desesperado de

como foi isso aí (ENTREVISTA, 05/02/2016, L22).

W: O que mais dói na gente é que ninguém faz nada, porque eu comprei minha casa,

eu não invadi, eu comprei, o meu IPTU é caro entendeu? Eu moro legalizado. Então

eu acho, eu não estou falando de ninguém, mas eu sinto que o tratamento é diferente

para mim e de quem mora em um lugar que invadiu, eles conseguem mais do que eu.

Eles dizem que eu tenho uma renda, só que a minha renda, quando ela é afetada, o

meu tombo é maior, porque as minhas contas não vão parar de vir só porque perdi

tudo. Sempre vão achar que o meu é pior que o do outro, só que falo: eu pago os meus

impostos, eu trabalho, nunca ganhei nada de graça de ninguém, eu não acho certo dar

nada de graça para ninguém, a pessoa tem que merecer o que tem e eu, sempre o que

eu tive foi trabalhando (ENTREVISTA, 05/02/2016, L150).

São inúmeras as perdas de pessoas que convivem com as inundações recorrentes

relatadas pelos moradores da Vila América, dentre elas os sentimentos de abandono e tristeza

que refletem as consequências emocionais e sociais vividas, chamando a atenção para que o

bairro possa ser visto como um lugar que necessita de ações definitivas. Essa fala do morador

N é bem representativa nesse sentido: “Viver nessa situação faz com que estamos perdendo

nossa dignidade. Será que não temos o direito de morar num lugar bom e digno, afinal, pagamos

por ele” (DIÁRIO DE CAMPO, 20/02/2016).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre os diversos questionamentos que a temática risco de desastres despertou durante

minha trajetória, optei nesta pesquisa por buscar entender como se configuram as áreas de risco

114

no Brasil e como é a convivência das pessoas com esta situação. Na busca de uma melhor

compreensão acerca dessa dinâmica, escolhemos como campo de pesquisa a Vila América no

município de Santo André.

Iniciamos historiando a formação do bairro e da ocorrência de inundações. Essa

contextualização nos possibilitou entender que o crescimento industrial na região do Grande

ABC refletiu diretamente no crescimento da população e na urbanização do município de Santo

André, incentivando a organização de loteamentos divididos socialmente e economicamente,

com a população mais empobrecida ocupando os loteamentos nas várzeas dos rios, dentre eles

a Vila América, onde passa o Córrego Guarará.

Com o crescimento urbano acelerado, grandes prédios e casas começam a ser

construídos, com ruas pavimentadas e construções de avenidas próximas às margens dos rios.

Essas ocupações, associadas ao crescimento geral da cidade, trouxeram para a região a

problemática das enchentes. A solução do Poder Público para resolver o problema das

inundações passou a ser a completa modificação e retificação de rios e córregos. Quanto à Vila

América, a obra realizada no córrego Guarará remanejou e retificou o leito do córrego e grande

parte de sua extensão foi canalizada, alguns trechos totalmente fechados, outros a céu aberto.

O que era para ser a solução passa a ser um problema para os moradores da Vila América, pois

a obra não visava resolver apenas a demanda das inundações do bairro, mas também a

construção da Avenida Capitão Mário de Toledo Camargo para atender o sistema viário do

município.

Perante a constatação de que as obras do leito do córrego não eram a melhor solução

para conter os problemas, foi construído um reservatório tipo piscinão na Vila América. Por um

período, após a sua construção, houve melhorias no controle das inundações no bairro, no

entanto, esse resultado não se manteve por muito tempo e a iniciativa não foi suficiente para

conter o fluxo da água, que, atualmente, atinge dois metros de altura na casa dos moradores.

O contato com a problemática na Vila América em Santo André/SP possibilita perceber

que a configuração das áreas de risco no país vem se apresentando como um problema estrutural

e heterogêneo. Os espaços a serem ocupados são determinados a partir de posições sociais ou

econômicas que resultam na alocação de determinados grupos sociais em áreas mais

vulneráveis a desastres. Essa forma de seleção de espaços sugere que a urbanização no Brasil

foi decisiva para fazer com que desastres tenham um caráter de construção social e sejam

reveladores de desigualdades sociais. Por exemplo, nas imediações da Vila América, cada vez

mais estão realizando obras imobiliárias que agravam ainda mais a problemática das inundações

115

no bairro, mas como o número de casas atingidas na Vila América é considerado pequeno em

comparação ao tamanho dos empreendimentos construídos, as obras continuam.

Notamos ainda que os processos e estruturas sociais, especialmente as relações sociais

de desigualdade, que são historicamente produzidas, refletem-se em um território e o tornam

mais propenso a suscetibilizar, principalmente os grupos mais empobrecidos, à ocorrência de

desastres.

Diante desse cenário, buscamos compreender como os moradores da Vila América

convivem com o risco de inundações recorrentes. Para tanto, fomos buscar na literatura bases

conceituais para pensar os riscos na vida cotidiana. Percebemos que, num primeiro momento,

o conceito de risco era utilizado para se referir à possibilidade de ocorrência de eventos

vindouros, em uma época na qual o futuro ainda não era pensado como passível e controle.

Porém, na modernidade clássica torna-se um conceito central, envolvendo de um lado o

desenvolvimento da teoria da probabilidade e do outro da estatística.

Percebemos nessa configuração quantitativa e técnica do risco, importantes

desdobramentos para compreender como atualmente o conceito vem sendo utilizado em âmbito

mundial e em âmbito nacional por órgãos responsáveis por gerir a problemática. Essa

configuração se torna, através da coleta de informações sobre a população, um instrumento

fundamental de governo denominado gestão de risco, que engloba três áreas de especialidades:

o cálculo e a percepção dos e a comunicação sobre riscos.

Esse campo disciplinar surge com muito otimismo, mas se torna progressivamente alvo

de críticas das Ciências Sociais quanto à hegemonia exercida pelas análises quantitativas e

técnicas sobre o risco, pois ignoram que as causas dos danos e a magnitude das consequências

são socialmente construídas. Essas referências contribuíram como referência histórica para a

construção da abordagem teórica adotada nesta pesquisa: a linguagem dos riscos.

As diversas linguagens sobre risco apresentadas nos permitiram perceber que as

diferentes maneiras de se enfocar o conceito determinam diversas formas de pensar e lidar com

um problema. Portanto, podemos dizer que os discursos determinam conhecimentos e práticas

a eles associadas, assim como essas práticas vão dando sentido à realidade cotidiana através das

linguagens utilizadas, evidenciando as especificidades sociais e culturais de um determinado

contexto. Essas concepções serviram como base para a configuração do nosso objetivo geral de

pesquisa, que buscou analisar, através da linguagem dos riscos, as múltiplas dimensões do risco

para os moradores da Vila América que convivem com inundações recorrentes.

As discussões acerca das diferentes perspectivas teóricas permitiram compreender que

o risco é uma construção linguística, logo social, e, portanto, os modos pelos quais se fala sobre

116

risco criam definições que determinam as formas de governar a vida das pessoas. Dessa

maneira, as múltiplas dimensões do risco explicitam as múltiplas formas de gerenciamento do

risco na vida cotidiana, dentre essas formas, as hierarquizações dos riscos.

A partir do diálogo com moradores, elaboramos mapas dialógicos que permitiram

identificar algumas dimensões do risco na perspectiva dos moradores: 1) Riscos: convivência

com todos os temas relacionados aos riscos de inundação, 2) Poder Público: participação do

poder público em relação à busca de soluções para o problema, e 3) Direitos: convivência com

as inundações na perspectiva dos direitos.

Sobre a convivência com os riscos de inundações há mais de 20 anos e com a atual

situação, em que o transbordamento da água do córrego chega a atingir até 2,20m de altura na

casa de alguns moradores e o escoamento da água dura de 4 a 5 horas, ficou evidente que, para

os moradores, a situação afeta a totalidade de suas vidas; suas rotinas diárias são modificadas

conforme previsões meteorológicas gerando sentimentos de apreensão e angústia constantes.

Portanto, conviver com o risco de inundação faz com que se sintam abandonados, esquecidos

e impotentes, portanto, com medo, insegurança e desânimo.

A pesquisa permitiu, ainda, compreender que a ambivalência entre querer ficar ou sair

da área de risco está relacionada com diversos sentidos atribuídos a esses riscos, entre eles: as

razões que levam a morar no local (a realização do sonho da casa própria); a questão do

preconceito, que leva à invisibilidade dos direitos de cidadania; a importância do lugar (as

relações de vizinhança, a localização, infraestrutura e acessibilidade da região); a ameaça

distante; e a incerteza sobre o futuro.

Percebemos que, para a moradora W, o sonho da conquista da casa própria e de uma

moradia digna é algo que pesa muito em sua decisão, evidenciando um forte apego à casa e à

memória evocada pelo local. Para ela, o risco de perder sua casa e todos os bens materiais que

conquistou em sua vida é um problema maior do que os riscos de inundações frequentes, com

os quais aprendeu a conviver. Mas isso não significa que emocionalmente não se sinta afetada.

W evidencia que existem prejuízos sociais, emocionais, afetivos, psicológicos e biológicos que

geraram consequências irreparáveis na vida da sua família e dos seus amigos.

Já para N, a decisão de permanecer está relacionada aos sentidos atribuídos à

importância dos aspectos sociais do bairro, como o relacionamento com a vizinhança, a

localização, infraestrutura e acessibilidade da região.

Notamos ainda que a convivência com temas relacionados aos riscos de inundação

reflete na naturalização do evento, gerando nos moradores sentimentos de conformismo e

aceitação. O fato de se conformarem com a iminência do risco de inundação, faz com que se

117

sintam aliviados ao se deparar com eventos de menor magnitude, por já terem vivido outros de

maiores proporções, assim como, por não ter ocorrido vítimas fatais, a ameaça, mesmo que real

e cotidiana, é considerada distante.

A pesquisa também mostrou que diversas ações e obras foram feitas no município de

Santo André e na Vila América para tentar conter o problema das inundações na região. No

entanto, nem sempre foram realizadas com a devida eficácia, nem o problema foi solucionado,

ao contrário, conforme relatos dos moradores, o quadro tem se agravado com o passar do tempo.

Na busca por soluções, moradores se organizaram para participar de ações de prevenção

e de melhoria da Vila, mas com o decorrer do tempo e as tentativas ineficazes de solução ou

mitigação, o sentimento de desânimo, descrença e impotência foi tomando conta das pessoas e

o trabalho se encerrou. Um dos motivos para que isso acontecesse foi a descrença no Poder

Público, pois entram e saem governos e o problema permanece. Por isso, para os moradores, o

problema está relacionado a questões políticas e econômicas, principalmente pelo fato de estar

ocorrendo um crescimento de instalações de empresas privadas ao entorno do bairro, com a

autorização do Poder Público que, de alguma maneira, contribuíram diretamente para o

agravamento das inundações na Vila América.

Foi possível identificar também que a convivência com as inundações há mais de 20

anos impactam nos direitos dos moradores, tanto na garantia quanto na violação. Por um lado,

existem alguns direitos garantidos, como descontos na conta de água e isenção de IPTU; por

outro, há violação no que se refere aos direitos básicos a uma habitação condigna, de acordo

com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a discriminação dos moradores na

distribuição de kits de ação humanitária.

Notamos que a convivência com os riscos no cotidiano gera consequências à saúde física

e psicológica dos moradores, afeta a dinâmica familiar, ocasiona perdas materiais e afeta a

memória social da família. Esses fatores evidenciam um problema estrutural relacionado ao

processo de urbanização e redução de desastre que coloca em pauta a fragilidade e a

precariedade das ações e políticas públicas.

Percebemos que a decisão entre mudar ou permanecer em locais sujeitos a inundação

depende de fatores relacionados à prioridade que é dada a determinados riscos e os sentidos

atribuídos a esses riscos, que os colocam em uma escala hierárquica. Portanto, compreender

como as pessoas dão prioridade a determinados riscos em detrimentos de outros, torna-se uma

opção para se pensar ações de prevenção.

Compreender a convivência com os riscos na vida cotidiana, no âmbito da Psicologia

Social, possibilitou superar as abordagens individualistas tradicionalmente empregadas para

118

entender a maneira de lidar com o fenômeno na vida contemporânea. Portanto, esta pesquisa,

produzida por meio do compartilhamento de informações e de observações na Vila América,

contribui para dar visibilidade à problemática relacionada aos riscos de inundação nos termos

das dimensões desenvolvidas pelos moradores na dinâmica da vida cotidiana.

Não esgotamos aqui as múltiplas dimensões do risco, mas buscamos apresentar um

recorte da problemática sobre o olhar de alguns moradores da Vila América. Esperamos que

essas questões, somadas às discussões realizadas por nós nesta dissertação, abram novas

possibilidades de investigações, entre os quais destacamos o papel e atuação integrada e

articulada das políticas públicas existentes, na garantia dos direitos dos moradores, assim como,

na busca da solução dos problemas das inundações do município.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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acordo com as normas publicadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.

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126

APÊNDICES

127

APÊNDICE I - Informações sobre a ocorrência de desastres associados às chuvas no Estado

de São Paulo

DEFININDO DESASTRES

Os desastres fazem parte da história da humanidade. Muitas civilizações e cidades

desapareceram, soterradas por eventos naturais e muitas outras pela ação humana. As guerras,

que ceifaram vidas ou a interferência no ciclo natural do desenvolvimento ambiental levando à

iminência de um desastre, causando prejuízos ambientais, econômicos, sociais e psicológicos.

Nos dias atuais os desastres têm recorrência e impactos intensos e presentes no cotidiano das

pessoas atingidas diretamente ou indiretamente pelo evento.

No âmbito da Sociologia, Allan Lavell (1993) aponta que a definição de um desastre

não deve ser considerada a partir das características do evento, mas sim do impacto que causam

em um território caracterizado por uma estrutura social vulnerável. Em suma, os danos sofridos

por determinados grupos sociais, afetados em maior ou menor grau, estão ligados a vários níveis

de vulnerabilidade, que irão influenciar a realização e definição do desastre e seus impactos.

São eles: a localização e formas de construção das habitações, as unidades de produção e

infraestrutura; a relação estabelecida entre as pessoas e o seu ambiente físico e natural; os níveis

de pobreza ; os níveis de organização institucional, social e política; atitudes culturais ou

ideológicas.

Portanto, nas palavras do autor:

[...] um desastre é tanto, produção como resultado de processos sociais, históricos e

territorialmente circunscritos e conformados. Uma consequência importante desta

determinação é que um desastre não deveria ser considerado como um fenômeno

“anormal” no que se refere ao conteúdo ou impacto; mas apenas quanto à

irregularidade ou o espaçamento temporal da sua aparição em um determinado

território. Pelo contrário, deve ser vista como a realização de um determinado estado

de normalidade, como uma expressão do normal e as condições prevalecentes de uma

sociedade que opera sob circunstâncias extremas (LAVELL, 1993, P. 79, tradução

nossa16).

Compreender os desastres no contexto brasileiro, embasados nas discussões da

Sociologia dos Desastres, requer, segundo Roberto Luiz do Carmo (2014), um conhecimento

16 Original: un desastre es tanto producto como resultado de procesos sociales, histórica y territorialmente

circunscritos y conformados. Una consecuencia importante de esta determinación es que un desastre no debería

considerarse en sí como un fenómeno “anormal” en lo que se refiere a su contenido o impacto; sino solamente

encuanto a la irregularidad o espaciamiento temporal de su parición en uno territorio determinado. Más bien debe

ser visto como la concreción de un particular estado de normalidad, como una expresión de las condiciones

normales y prevalecientes de una sociedad operando bajo circunstancias extremas.

128

dos processos tanto em caráter multidimensional, quanto multicausal, enfatizando os riscos

históricos e socialmente determinados. É necessário ainda compreender a dinâmica

populacional deflagrada no processo de ocupação dos espaços que resulta em efeitos que

potencializam os problemas de segurança humana e acentuam a ocorrência de desastres.

Para o autor, o país vem enfrentando atualmente processos sociais de urbanização

acelerada e não planejada, marcados pela concentração da população em áreas urbanas, e pela

presença de uma dinâmica social e econômica com implicações para as relações sociais. No

Brasil, a urbanização não foi apenas resultado do desenvolvimento econômico ou do processo

de industrialização. A relação entre esses dois fatores gerou uma distribuição desigual de

ganhos e de custos sociais e ambientais para a população.

Ainda na perspectiva da Sociologia dos Desastres, Norma Valencio (2010) define

desastres como: “os acontecimentos sociais trágicos, referenciados no espaço e no tempo, cuja

eclosão reflete e, ao mesmo tempo, recrudesce as tensões no interior e entre as esferas privadas

e públicas” (p. 318). Portanto, os desastres devem ser entendidos como resultantes de inúmeras

“falhas na constituição política do conjunto de atores que produzem e compartilham os projetos

em torno de prevenção, preparação, resposta e reconstrução” (p. 320).

No campo da Psicologia Social, Ângela Coelho (2011) define desastre como fenômenos

humanos, sociais, complexos e multidimensionais que causam morte, sofrimento e perdas

econômicas, causando uma destruição severa que excede a capacidade de a comunidade afetada

recuperar-se.

Para a autora, os desastres não devem ser vistos como naturais, mas considerados como

eventos eminentemente humanos e sociais, pois manter a qualidade de naturais gera a sensação

de que o mundo é desta forma e nada pode ser feito. O significado de todo evento é uma

interação complexa entre o desastre, o passado e o presente da pessoa, bem como o seu contexto

social.

Sandra Assis-Silva (2012) buscou coletar subsídios para propor uma atuação preventiva

com enfoque coletivo no momento pré-desastre, enfatizando, nos termos da Psicologia Social

Sócio-Histórica, a condição de sujeito dos destinatários da ação de psicólogos com moradores

em áreas de risco. Ao discutir o conceito de desastre, a autora aponta que na discussão do termo

há uma profusão de interpretações que contribuem para que se observem os diversos aspectos

humanos e sociais do problema, sendo o mais relevante, o entendimento de que é um problema

social e estrutural.

Buscando uma definição do conceito de desastre no âmbito da Psicologia, a Comissão

Nacional das Emergências e Desastres do Conselho Federal de Psicologia (CFP) propõe no II

129

módulo do Curso: Psicologia da Gestão Integral de Riscos e Desastres, do Orientapsi,

ministrado por Ionara Rabelo, a seguinte conceituação:

Para a psicologia a conceituação de um evento como desastre depende da perspectiva

daquele que o nomeia e do lugar que ele ocupa nessa interação com o evento. Assim,

o conceito de desastre é utilizado para nomear muitos eventos e/ou processos com

características distintas. Parte-se da compreensão do desastre como uma ruptura do

funcionamento habitual de um sistema ou comunidade devido aos impactos no bem-

estar físico, social, psíquico econômico e ambiental de uma determinada localidade.

Tal evento afeta um grande número de pessoas, ocasionando destruição estrutural e/ou

material significativa e altera a geografia humana provocando desorganização social

pela destruição ou alteração de redes de funcionais. Os desastres podem provocar

medo, horror, sensação de impotência, confrontação com a destruição, com o caos,

com a própria morte e de outrem, bem como, perturbação aguda em crenças, valores

e significados. Para haver um desastre é necessária a combinação de um conjunto de

fatores, ameaças, exposição, condições de vulnerabilidade e insuficiente gestão

integral de riscos. O desastre deve ser compreendido, vinculado ao contexto no qual

ele ocorre, ou seja, é necessário considerar as dimensões sócio político culturais de

vulnerabilidade, capacidade, exposição de pessoas e bens, características e percepções

dos riscos e meio ambiente (RABELO, 2016).

Em âmbito mundial, conforme a Estratégia Internacional para a Redução de Desastres

(EIRD, 2015), desastre é o resultado de eventos que provocam intensas alterações na sociedade,

gerando riscos às pessoas, aos bens materiais e ao meio ambiente:

Desastre é uma séria interrupção do funcionamento de uma comunidade ou sociedade

que causa perdas humanas e/ou importantes perdas materiais, econômicas ou

ambientais; que excedem a capacidade da comunidade ou sociedade afetada de lidar

com a situação utilizando seus processos de risco. Resulta da combinação de ameaças,

condições de vulnerabilidade e insuficiente capacidade ou medidas para reduzir as

consequências negativas e potenciais do risco (EIRD, 2015, p. 8-9).

Quanto à Política Nacional de Proteção e Defesa Civil17, quando procuramos a definição

de desastres, encontramos nos documentos oficiais produzidos pelo Estado brasileiro (leis,

decretos, etc.), duas descrições que, apesar do conteúdo distinto, compartilham de uma mesma

lógica de raciocínio: são ferramentas decorrentes do uso de cálculos probabilísticos.

Num primeiro caso, encontramos a definição de desastre como “o resultado de eventos

adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando

danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais”

(Decreto nº 7.257 de 04 de agosto de 2010). No outro documento, mais recente, a Instrução

Normativa n. 1, de 24 de agosto de 2012, do Ministério da Integração Nacional (que estabelece

17 Defesa Civil é conceituada segundo a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil como “Conjunto de

ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas, destinadas a evitar desastres, a minimizar seus

impactos para a população e a restabelecer a normalidade social” (CEPED/UFSC, 2014, p 28).

130

os critérios para a decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública em

municípios e estados), os desastres são definidos como:

[...] o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um

cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma

comunidade ou sociedade envolvendo extensivas perdas e danos humanos, materiais,

econômicos ou ambientais, que excede a sua capacidade de lidar com o problema

usando meios próprios (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE

2012).

Nesse novo documento, a definição agrega os termos “cenário vulnerável” e a expressão

“capacidade de lidar com o problema usando meios próprios”, isso como uma forma de se

adequar à definição mundial da Estratégia Internacional para a Redução de Desastres. Portanto,

o impacto dos desastres pode causar danos à sociedade, sejam eles pessoais, sociais,

econômicos ou ambientais. Não é a intensidade do evento que determina o desastre, mas sim

as suas consequências em termos de danos18 (humanos, ambientais e materiais) e prejuízos19

(sociais e econômicos).

Segundo Lídia Tominaga (2015) para que um evento seja considerado um desastre é

necessário a ocorrência de pelo menos um dos seguintes critérios adotados no relatório

Estatístico Anual do Emergency Disaster Data Base (EM-DAT): a) 10 ou mais óbitos; b) 100

ou mais pessoas afetadas; c) declaração de estado de emergência; d) pedido de auxílio

internacional.

Existem ainda quatro critérios de classificação dos desastres: quanto à intensidade, à

evolução, à periodicidade e à origem:

Em relação à intensidade, os desastres são classificados em dois níveis, que obedecem

a critérios baseados na relação entre a necessidade de recursos para reestabelecer a situação de

normalidade e a disponibilidade desses, na área afetada e nos diferentes níveis do Sistema

Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC)20:

a) Nível I – desastres de média intensidade que ensejam a decretação de situação de

emergência21:

18 Dano é o resultado das perdas humanas, materiais ou ambientais infligidas às pessoas, comunidades,

instituições, instalações e os ecossistemas, como consequência de um desastre (INSTRUÇÃO NORMATIVA N°

1 DE 24 DE AGOSTO DE 2012, p 30). 19 Prejuízo é a medida de perda relacionada com o valor econômico, social e patrimonial de um

determinado bem em circunstâncias de desastre (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE

2012, p 30). 20 O SINPDEC atua na redução de desastres em todo território nacional (BRASIL, 2007). 21 Situação de emergência é a situação de alteração intensa e grave das condições de normalidade em um

determinado município, estado ou região, decretada em situação de desastre, comprometendo parcialmente sua

capacidade de resposta (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE 2012, p 30).

131

São desastres de nível I aqueles em que os danos e prejuízos são suportáveis e

superáveis pelos governos locais e a situação de normalidade pode ser restabelecida

com os recursos mobilizados em nível local ou complementados com o aporte de

recursos estaduais e federais (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE

AGOSTO DE 2012).

b) Nível II – desastres de grande intensidade que ensejam a decretação de estado de

calamidade pública22

São desastres de nível II aqueles em que os danos e prejuízos são suportáveis e

superáveis pelos governos locais e a situação de normalidade pode ser restabelecida

com os recursos mobilizados em nível local ou complementados com o aporte de

recursos estaduais e federais (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE

AGOSTO DE 2012).

Quanto à evolução, os desastres são classificados em dois níveis:

a) Desastres súbitos ou de evolução aguda:

São desastres súbitos ou de evolução aguda os que se caracterizam pela velocidade

com que o processo evolui e pela violência dos eventos adversos causadores dos

mesmos, podendo ocorrer de forma inesperada e surpreendente ou ter características

cíclicas e sazonais, sendo assim facilmente previsíveis (INSTRUÇÃO NORMATIVA

N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE 2012).

b) Desastres graduais ou de evolução crônica “são os que se caracterizam por

evoluírem em etapas de agravamento progressivo” (INSTRUÇÃO NORMATIVA

N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE 2012).

Os desastres quanto à periodicidade, são classificados em: “a) esporádicos – aqueles

que ocorrem raramente com possibilidade limitada de previsão, e b) cíclicos ou sazonais –

aqueles que ocorrem periodicamente e guardam relação com as estações do ano e os fenômenos

associados” (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE 2012).

Buscando adequar a classificação brasileira com as das demais instituições de gestão de

desastres no mundo, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil passou a adotar a

classificação dos desastres relacionados à origem ou causa primária do agente causador, a

constante do Banco de Dados Internacional de Desastres (EM-DAT), do Centro para Pesquisa

sobre Epidemiologia de Desastres (CRED) da Organização Mundial de Saúde (OMS/ONU) e

a simbologia correspondente, classificando-os em:

22 Estado de calamidade pública é a situação de alteração intensa e grave das condições de normalidade

em um determinado município, estado ou região, decretada em relação de desastre, comprometendo

substancialmente sua capacidade de resposta (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE 2012,

p 30).

132

c) Naturais:

São desastres naturais aqueles causados por processos ou fenômenos naturais que

podem implicar em perdas humanas ou outros impactos à saúde, danos ao meio

ambiente, à propriedade, interrupção dos serviços e distúrbios sociais e econômicos.

[...] sua categorização é definida como geológicos, hidrológicos, meteorológicos,

climatológicos e biológicos (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO

DE 2012).

d) Tecnológicos:

São desastres tecnológicos aqueles originados de condições tecnológicas ou

industriais, incluindo acidentes, procedimentos perigosos, falhas na infraestrutura ou

atividades humanas específicas, que podem implicar em perdas humanas ou outros

impactos à saúde, danos ao meio ambiente, à propriedade, interrupção dos serviços e

distúrbios sociais e econômicos [...] Se categoriza como relacionados a substâncias

radioativas, produtos perigosos, incêndios urbanos, e transporte de passageiros e

cargas não perigosas (INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 1 DE 24 DE AGOSTO DE

2012).

De modo geral, tanto no âmbito mundial, quanto nacional, os desastres são o resultado

de eventos que provocam muitas alterações sociais, colocando em risco a vida das pessoas e do

meio ambiente. Percebemos ainda que existem fatores relacionados aos desastres, como

ameaças e vulnerabilidades, que são os meios pelos quais as pessoas estão mais ou menos

expostas, ou determinam a ocorrência ou não do evento.

A Estratégia Internacional para a Redução de Desastres apresenta o conceito de ameaça,

como:

Evento físico, potencialmente prejudicial, fenômeno e/ou atividade humana que pode

causar a morte e/ou lesões, danos materiais, interrupção de atividade social e

econômica ou degradação ambiental. Isso inclui condições latentes que podem levar

a futuras ameaças ou perigos, as quais podem ter diferentes origens: natural

(geológico, hidrometeorológico, biológico) ou antrópico (degradação ambiental e

ameaças tecnológicas). As ameaças podem ser individuais, combinadas ou

sequenciais em sua origem e efeitos. Cada uma delas se caracteriza por sua

localização, magnitude ou intensidade, frequência e probabilidade (EIRD, 2015, p. 2).

No documento brasileiro, “Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de

Desastres”, encontramos duas sugestões de definição de ameaça:

Ameaça é: 1. Risco imediato de desastre. Prenúncio ou indício de um evento

desastroso. Evento adverso provocador de desastre, quando ainda potencial.

2. Estimativa da ocorrência e magnitude de um evento adverso, expressa em

termos de probabilidade estatística de concretização do evento (ou acidente)

e da provável magnitude de sua manifestação (BRASIL, 2015, p. 18).

133

Nas duas definições, o conceito de ameaça é considerado um disparador, a probabilidade

de algo danoso acontecer para a sociedade, podendo ser potencialmente prejudicial se estiver

direcionado a populações ou cenários vulneráveis.

A distinção entre ameaças naturais e desastres nos possibilita compreender que os

desastres são na maior parte das vezes produzidos pelas ações do ser humano. Seguindo essas

definições, a classificação dos desastres quanto a sua origem, não se percebe nada de natural

nesse evento, a natureza é responsável pelas ameaças, e o ser humano ajuda a criar o desastre.

Ainda assim, a exposição não ocorre do mesmo modo em todos os lugares e para todas

as pessoas. A combinação de processos sociais com mudanças ambientais resulta na propensão

de determinados grupos sociais para uma condição de vulnerabilidade socioambiental.

O conceito de desastres coloca questões a serem analisadas tendo em vista a relação

causal ou natural, estando intrínseca aos eventos sua qualificação como naturais ou como

causados pela própria ação humana. Desse modo, os desastres são processos que evidenciam

uma série de problemas estruturais brasileiros, ou seja, há uma série de questões políticas,

econômicas e sociais que não dão conta de atuar nos desastres, nem tão pouco lidar com as

ameaças naturais.

As definições de desastres apontadas, mesmo não sendo totalmente coincidentes ou

concordes entre si, até porque nem sempre enfatizam os mesmos aspectos ou adotam os mesmos

enfoques, revelam-se como fenômenos complexos e multidimensionais que causam morte,

sofrimento, perdas emocionais e econômicas.

Dentre os inúmeros desastres que afetam a vida das pessoas no Brasil, principalmente nos

grandes centros urbanos, as inundações aparecem de forma cada vez mais frequente e intensa,

afetando de modo mais severo determinados grupos populacionais e espaços geográficos mais

vulneráveis, sendo esse o principal motivo pelo qual as escolhemos como foco dessa

dissertação.

SOBRE A OCORRÊNCIA DE CHUVAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Será apresentado um conjunto de dados obtidos no Atlas Brasileiro dos Desastres

Naturais 1991-2012, volume São Paulo, publicado pelo Centro Universitário de Estudos e

Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa Catarina em cooperação com a

Secretaria Nacional de Defesa Civil (CEPED-UFSC, 2013).

134

Importante ressaltar que os números apresentados estão relacionados apenas às áreas de

risco mapeadas e monitoradas no Estado e sabemos que, em função de um processo de

urbanização desordenado no país, muitos afetados pelos eventos deixam de ser considerados

por não constar no mapeamento. Outro fato relevante é que os dados se referem apenas aos

registros oficiais de inundações excepcionais caracterizadas como desastres conforme critérios

apontados anteriormente.

Conforme mencionado anteriormente, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil

classifica os desastres em duas categorias: os naturais e os tecnológicos. Os desastres naturais

podem ser provocados por diversos fenômenos, tais como, inundações, escorregamentos,

erosão, terremotos, tornados, furacões, tempestades, estiagens, entre outros. Além da

intensidade dos fenômenos naturais, o acelerado processo de urbanização no país levou ao

crescimento das cidades, muitas vezes em áreas impróprias à ocupação, aumentando as

situações de perigo e de risco a desastres naturais.

As inundações que atingem a Vila América frequentemente compõem a categoria dos

desastres naturais e estão inseridos no grupo dos hidrológicos, que englobam também as

enxurradas e os alagamentos, segundo a nova Classificação e Codificação Brasileira de

Desastres (COBRADE), tais desastres são conceituados como:

Submersão de áreas fora dos limites normais de um curso de água em zonas que

normalmente não se encontram submersas. O transbordamento ocorre de modo

gradual, geralmente ocasionado por chuvas prolongadas em áreas de planície

(CEPED-UFSC, 2013).

135

Figura 1: Perfil esquemático do processo de enchente e inundação

Fonte: Ministério das Cidades, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, 2007.

Nas inundações ocorre o transbordamento de água da calha normal de rios, mares, lagos

e açudes, ou acúmulo de água por drenagem deficiente, e a forma como evoluem as classificam

como: enchentes ou inundações graduais, enxurradas ou inundações bruscas, alagamentos e

inundações litorâneas (BRASIL, 2014).

Além de inundação e enchente, existem também os conceitos de alagamento e

enxurrada. Seguem conceituações de acordo com o Ministério das Cidades/IPT (2007):

As enchentes e inundações representam um dos principais tipos de desastres naturais

que afligem constantemente diversas comunidades, sejam áreas rurais ou metropolitanas. Esses

fenômenos de natureza hidrometeorológica fazem parte da dinâmica natural e ocorrem

frequentemente deflagrados por chuvas rápidas e fortes, chuvas intensas de longa duração,

degelo nas montanhas e outros eventos climáticos tais como furacões e tornados, sendo

intensificados pelas alterações ambientais e intervenções urbanas produzidas pelas pessoas,

como a impermeabilização do solo, retificação dos cursos d’água e redução no escoamento dos

canais devido a obras ou por assoreamento (MINISTÉRIO DAS CIDADES/IPT, 2007).

Segundo Lídia Tominaga (2015) no Brasil, os principais fenômenos relacionados a

desastres naturais são derivados da dinâmica externa da Terra, tais como, inundações e

enchentes, escorregamentos de solos e/ou rochas e tempestades. Esses fenômenos ocorrem

normalmente associados a eventos pluviométricos intensos e prolongados, nos períodos

chuvosos.

Tomando como base o Relatório Estatístico Anual do Emergency Disaster Data Base

(EM-DAT) sobre desastres de 2007, a autora relata que o Brasil se encontra entre os países mais

136

atingidos do mundo por inundações e enchentes, e que esse dado se reflete por todo o Estado

de São Paulo, sendo a região metropolitana a que tem tido o maior número de óbitos em

consequência desses eventos, provavelmente devido ao adensamento populacional, com um

grande número de núcleos habitacionais ocupando terrenos marginais de cursos d’água.

Os dados publicados no Atlas Brasileiro dos Desastres Naturais 1991-2012 indicam que

os registros de ocorrências de desastres praticamente quintuplicaram nos últimos dez anos no

Estado de São Paulo, considerando um total de 1427 registros oficiais de desastres naturais

ocorridos entre 1991 e 2012.

Gráfico 1: Total de registros de desastres coletados no período de 1991 a 2012

Fonte: CEPED-UFSC, 2013

Mostram, também, a ocorrência dos seguintes eventos adversos: estiagem e seca,

movimentos de massa, erosões, alagamentos, enxurradas, inundações, granizo, vendavais,

incêndios e geadas. E que, dos 645 municípios do Estado de São Paulo, 425 foram atingidos ao

menos uma vez por algum dos tipos de desastres citados.

Vale ressaltar que as práticas de registro dos eventos classificados como desastres se

aprimorou nos últimos tempos. Mais especificamente no Estado de São Paulo, a Coordenadoria

Estadual de Defesa Civil (CEDEC) iniciou no ano de 2000 a organização dos dados de

atendimentos efetuados durante as Operações de Verão, implantada anualmente, e que ocorre

nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março (TOMINAGA, 2015). Desse modo, sugerir

156 6

35

16 21

3

150

44

62

25

101

206

244

278

0

50

100

150

200

250

300

137

que os desastres vêm aumentando significativamente, desconsidera o fato que os desastres

fazem parte da história.

De acordo com os registros, os eventos adversos que apresentam os maiores números

de registros no Estado são: enxurrada, inundação, movimentos de massa, vendaval, estiagem e

seca e alagamento. Sendo que, inundações e enxurradas, que estão diretamente relacionados ao

aumento das precipitações pluviométricas, são os que estão entre os desastres mais frequentes.

Juntos, estes fenômenos somam 831 registros e equivalem a 68% dos registros de eventos

adversos do Estado de São Paulo:

Gráfico 2: Percentual dos desastres naturais mais recorrentes no Estado de São Paulo, no período de 1991 a 2012

Fonte: CEPED-UFSC, 2013

Além dos efeitos adversos atrelados a estes fenômenos, as enxurradas e inundações

muitas vezes ocorrem associadas a vendavais e também podem desencadear outros eventos,

que potencializam o efeito destruidor do desastre e aumentam os danos causados.

O Governo Federal realizou um levantamento para selecionar com base em critérios

específicos, tais como: recorrência de deslizamento, inundações, enxurradas, desabamentos,

número de óbitos, desabrigados e desalojados, registrados nos últimos 20 anos, os municípios

prioritários para receber ações visando à redução de desastres naturais. Desse levantamento

criou-se uma lista com 821 municípios, sendo que, no Estado de São Paulo, foram selecionadas

89 cidades, dentre elas Santo André.

8%

12%

8%

41%

17%

10%

4%

Estiagens e Secas Movimento de Massa Alagamentos Enxurradas

Inundação Vendaval Outros

138

Outro dado é que dos 645 municípios do Estado de São Paulo, segundo dados do Atlas

Brasileiro dos Desastres Naturais 1991-2012, em 141 constam ocorrências de inundação, dentre

eles Santo André, computando, no Estado, 238 registros oficiais de inundações excepcionais

caracterizadas como desastre, entre os anos de 1991 e 2012, ocorridas mais especificamente

nos meses de verão, que é a estação chuvosa. Mais de 300 mil pessoas foram afetadas ao longo

dos anos de 1991 e 2012, sendo registrados, oficialmente, 16 mortos, 109 feridos, 1521

enfermos, 7864 desabrigados, 38508 desalojados e 6423 pessoas atingidas por outros tipos de

danos:

Gráfico 3: Frequência anual de desastres por inundações no Estado de São Paulo no período de 1991 a 2012

Fonte: CEPED-UFSC, 2013

Como mencionado no início deste capítulo, os dados apresentados se referem aos

registros oficiais de inundações excepcionais caracterizadas como desastres, conforme critérios

objetivos adotados no relatório Estatístico Anual do EM-DAT. Dos números apresentados no

gráfico, Santo André aparece como um dos municípios afetados nos anos de 2004 e 2011.

Apresentaremos abaixo os dados disponibilizados no Relatório Pós-Chuvas pelo Centro de

Referência do Semasa de Santo André.

9

1

7

1 1

7

34

8

24

28

6569

0

10

20

30

40

50

60

70

80

139

Gráfico 4: frequência anual de inundações no município de Santo André do período de 2008 a 2014

Fonte: Relatório Pós-Chuvas do Centro de Referência – Semasa, 2015

Esse gráfico demostra que embora a cidade de Santo André conste nos registros oficiais

de inundações excepcionais caracterizadas como desastres apenas nos anos de 2004 e 2011,

isso não significa que não sofra frequentemente com as inundações no município e que esses

eventos ocorridos por precipitações prolongadas podem originar consequências negativas para

as comunidades, causando diversos danos.

De acordo com informações obtidas no Atlas, a recorrência dessas tipologias de

desastres não é proveniente apenas de fatores climáticos e meteorológicos, mas também do

resultado de um conjunto de elementos naturais ou antrópicos, como a falta de planejamento

nas cidades, que frequentemente resulta na ocupação de áreas de risco e com a total carência de

infraestrutura (CEPED-UFSC, 2013).

Realizando uma análise sobre as possíveis causas para os fenômenos acima citados

serem os de maior proporção no Estado, o Atlas atribui isso à ocorrência ao desenvolvimento

urbano que o Estado apresenta. A água, que anteriormente infiltrava no solo, com a urbanização

passa a escoar pelas tubulações pluviais aumentando o escoamento superficial do volume que

escoava de modo lento pela superfície do solo e ficava retido nas plantas, de tal maneira que

exige maior capacidade de escoamento. Esses eventos passaram a causar maiores danos à

população na medida em que, durante os anos, há registros confirmados e caracterizados como

desastres (CEPED-UFSC, 2013).

1 1 1 1 1

4

1

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

140

No entanto, vale ressaltar, esses resultados são frutos de informações referentes a dados

registrados oficialmente, conquanto se perceba que muitos eventos ocorridos, não somente no

Estado de São Paulo, mas em todo Brasil, não são confirmados oficialmente, assim como,

muitos outros erroneamente não são considerados desastres.

Como visto no capítulo anterior, o processo de urbanização da população brasileira não

aconteceu de maneira planejada e com equidade do espaço urbano, pois houve uma

concentração nas áreas urbanas, sem que houvesse o desenvolvimento de um espaço urbano

capaz de suprir as necessidades desse adensamento demográfico.

Com isso, evidenciamos que a recorrência dessas tipologias de desastres, classificados

como naturais, não é causado apenas por fatores climáticos e meteorológicos, mas também

como resultado de processos sociais, econômicos e culturais em desenvolvimento, constituindo

assim territórios críticos e vulneráveis (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE,

2014).

Ao nos aproximarmos dessa temática percebemos as fragilidades e a precariedade das

ações e políticas públicas em nosso país, sendo que apenas recentemente, em 10 de abril de

2012, aprovou-se a lei, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC)

e autoriza a criação do sistema de informações e monitoramento de desastres: a Lei nº 12.608.

141

APÊNDICE II – Termo de consentimento livre e esclarecido

CARTA DE INFORMAÇÃO SOBRE PESQUISA

Você está convidado a participar da pesquisa “Os sentidos dos riscos de desastres

associados às chuvas: um estudo com moradores da Vila América – Santo André/SP” (título

provisório), realizada por Sandra Luzia Assis da Silva, aluna do curso de mestrado do Programa

de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, sob orientação da Prof. Dra. Mary Jane Paris Spink. O objetivo dessa pesquisa é

contribuir para ampliar a compreensão sobre a questão da moradia, de pessoas que convivem

com inundações recorrentes em área de risco. Ao aceitar fazer parte desta pesquisa, você será

convidado (a) a participar de entrevistas sobre o assunto, que serão gravadas (áudio) de modo

a facilitar o registro das informações pela pesquisadora. A pesquisadora compromete-se e

assegura que:

a) A aceitação não implica que você estará obrigado (a) a participar, podendo

interromper sua participação a qualquer momento, mesmo que já tenha iniciado,

bastando, para tanto, comunicar à pesquisadora;

b) Os riscos da participação são mínimos, mas caso ocorram quaisquer

constrangimentos ou desconfortos estaremos disponíveis para dar o apoio que

o/a participante necessitar;

c) A sua participação é voluntária, neste caso não forneceremos quaisquer formas

de remuneração;

d) Na apresentação da pesquisa para a comunidade científica seu nome será

substituído por um pseudônimo de modo a garantir seu anonimato.

e) Você é livre para concordar ou não com este termo.

142

Eu, _____________________________________________________, após leitura de

CARTA DE INFORMAÇÃO SOBRE PESQUISA (acima), ciente da utilização do conteúdo

dos registros das entrevistas para pesquisa científica, não restando qualquer dúvida a respeito

do que foi lido e explicado a respeito desta pesquisa, permito que a entrevista seja gravada e

transcrita, sendo garantido o sigilo dos meus dados de identificação. Declaro estar ciente de que

estou autorizado (a) a encerrar minha participação no trabalho a qualquer momento que julgar

necessário sem sofrer qualquer tipo de penalidade.

O presente termo é assinado em duas vias, ficando uma em seu poder.

Santo André, __ de ____________ de 2016

_____________________________ ___________________________________

Participante Sandra Luzia Assis da Silva (Pesquisadora)

([email protected])

Telefone: (11) 98620-4288

143

APÊNDICE III - Termo de autorização de uso de imagem

Eu,__________________________________________, CPF__________________,

RG_______________________, depois de conhecer e entender os objetivos,

procedimentos metodológicos, riscos e benefícios da pesquisa, especificados no Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, por meio deste termo, a

pesquisadora SANDRA LUZIA ASSIS DA SILVA, responsável pelo projeto intitulado “Os

sentidos dos riscos de desastres associados às chuvas: um estudo com moradores da Vila

América – Santo André/SP” (título provisório), a realizar e/ou utilizar as fotos que se façam

necessárias, sem quaisquer ônus financeiros para nenhuma das partes.

Ao mesmo tempo, libero a utilização dessas fotos para fins científicos e de estudos

(livros, artigos, slides e transparências), em favor do pesquisador da investigação acima

especificada.

Local e data:___________________________, ______ de ____________ de 2016.

_________________________________ ________________________________

Participante da pesquisa Pesquisadora responsável pelo projeto

144

APÊNDICE IV - Exemplos de mapas dialógicos

SÍNTESE DA CATEGORIA TEMÁTICA RISCOS

Temas W N

chuva/alagamento/in

undação/enchente/ág

ua

L11 - W: porque você fala que aqui dá 2m de água, esse lugar? É um

centro, perto de um shopping, só que esse pedacinho aqui é abandonado,

são, acho que 88 famílias que está nessa condição.

L13 - W: era 55 famílias, e depois aumentou, porque a água está subindo,

sobe aqui nessa rua que é subida e vai dar quase em 6 ou 8 casas para

cima, e eu aqui, a pior parte é aqui e aquela rua onde o japonês mora, que

dá 2m, 2m e pouco.

L18 - W: Contato com o barro a gente tem 5 a 6 vezes no ano quando

dava enchente, porque tinha ano que dava 5 a 6 enchentes no ano, já teve

vezes de dar uma enchente e menos de 24h dá uma enchente de novo.

L164 - W: Agora, passar 5 a 6 enchentes em um ano não é brincadeira,

teve um fevereiro que deu 4. Quatro enchentes e fora os dias que você

fica, toda vez que escurece e dá trovão, a gente fica com medo.

L79 - W: É, porque a gente já está acostumado a 5 ou 6 enchentes a água

entrar um palmo na minha casa, eu já estou conformada. Para mim isso é

melhor, antes isso do que cair tudo. No começo eu chorei porque entrou

um palmo de água na minha casa. A primeira vez que deu queria ir

embora, fiquei 40 dias longe, mas depois minha mãe falou: o que você

vai fazer? Vai voltar para minha casa? Eu falei não, vou voltar para minha

casa então. Fiquei 40 dias, abandonei minha casa, eu não queria voltar

porque o susto foi demais, eu nunca tinha visto aquilo. Só que com o

tempo você vai ficando calejada, hoje entrar um palmo eu já estou até

L138 - N: Mas não pode encher 2,20m, isso daí é um absurdo e fica de 4

a 5 horas. Eu estou batendo nessa tecla, hoje ficamos de 4 a 5 horas

debaixo de àgua. 2,20m até chegar ao nível da rua demora 4 a 5 horas

para escoar, isso é um absurdo. Pode dar um alagamento quando dá cheia

e tal, você pode ver, em todo lugar dá um alagamento, mas não dá 2,20m

e ficar 4 a 5 horas debaixo da agua, mas aqui acontece isso.

L69 - N: Mesmo se eles fizerem o dreno vai resolver o problema das

enchentes? Não vai, vai diminuir e vai ficar, na minha opinião, a nível

aceitável e o que é nível aceitável? É um alagamento de meio metro e

com rápida escoação. Escoando a água com tempo menor, vai ter menos

sujeira, menos uma série de coisas, menos prejuízo. A gente sabe que

aqui é um lugar baixo, todo lugar de alagamento é alagamento, mas não

um absurdo como o que acontece nesse bairro aqui de dar 2m, 2m e meio

que cobre meu muro. Você pode ver, se você tirar uma fotografia aqui

você vai ver o risco da marca da água aqui, é o nível, o risco fica na

parede, então dá 1,90m aqui dentro de casa e lá fora cobre o muro de

2,20m. Lá pra lá, do outro lado ali no final da rua dá uns 3m, já teve

pessoal que quer passar inadvertidamente sem querer ou querer forçar

passar o carro, veio aqui quase que cai aqui dentro, aí dá uma tragédia ai

pessoas perde a vida bestamente, porque a pessoa não sabe que aqui é um

buraco, na pista está mais alto, você pode ver a pista, mas se cair aqui a

correnteza vem e dança. Quase que uma vez aconteceu uma tragédia, mas

graças a Deus ainda não aconteceu uma aqui, mas em outros lugares já

aconteceu, você pode ver nas televisões ai, olha deu uma enchente e a

145

contente. Para você ver a situação que a gente vai vivendo; um palmo

está bom. Quando chove tenho que erguer geladeira, cama, pois entra

água de esgoto na minha casa, de tudo que é feito em um banheiro e em

uma cozinha. Isso é o que entra na minha casa, eu morria de nojo disso,

tenho nojo disso ainda, tanto que eu e joguei tudo fora, tudo o que tem

aqui eu comprei de novo. Joguei panela, joguei roupa, fiquei com a roupa

do corpo porque pegou tudo, tudo, tudo o que você imagina. Imagina,

veio água quase no meu estômago aqui dentro, da minha vizinha veio na

testa, já teve casa de os bombeiros virem aqui e tirar a pessoa pelo teto,

bebê recém-nascido, tirar assim. Olha, mesmo assim ninguém faz nada.

L117 - W: Parece que na hora que começa a chover já vem tudo, imagina

passar por tudo aquilo de novo! E graças a Deus ninguém morreu, porque

a água me pegou na hora em que a tomada saiu e eu gritei e sai correndo,

aí meu marido e minha filha já estavam na porta aqui, meu filho nem fica,

porque ele tem medo, então a água me pegou e a porta bateu nas costas,

e se me tranca aqui dentro?

L121 - W: E além do prejuízo, eu falo que se algum dia eu sair daqui,

nunca mais vou ser a mesma pessoa. Onde eu vou eu já sei que dá

enchente, eu falo aqui dá enchente, e eu nunca tinha visto isto, só por

televisão.

L124 - W: Até os bichinhos que a gente tinha em casa tinha medo. O da

minha vizinha aqui quando começa a chover ele chora, ele fica apavorado

quando ela não está em casa, ele tem medo porque ele sabe que a dona

dele tem medo de chuva. Uma vez o cachorro da vizinha avisou a gente

que estava dando enchente. Onze e pouco o cachorro começou a berrar,

berrar e berrar, e ela falou: mas porque esse cachorro está chorando?

Quando ela olhou, estava, a água estava voltando. Porque a gente achou

que onze e pouco não era hora de dar enchente, sempre dá mais tarde,

mas aquele dia estava um dia chuvoso!

L125 - P: Onze e pouco da manhã?

mulher passou direto e caiu no córrego, bom, a mulher não tá sabendo, o

cara a pessoa que está usando o carro não tá sabendo que tem um córrego

ali, então a gente fica meio temeroso, a gente fica pensando na tragédia

que não aconteça.

L185 - N: E justamente acontece em época de verão que é uma temporada

que a turma sempre sai. Tem seus compromissos, tanto sociais como

profissionais também, ou senão geralmente nessa época do ano, final de

ano, está, tem escolas, tem eventos, uma série de eventos para participar

porque é verão, uma temporada boa para fazer os eventos e a gente às

vezes fica privado de sair.

146

L126 - W: Sim. Tirei meu menino pequeno da cama onze e pouco da

manhã, e ele foi comer dez e pouco da noite, criança pequena. E se o

cachorro não vê? Porque tem que tirar carro, tirar tudo, eu não deixo carro

na garagem. Enquanto você está deitada na sua cama dormindo, enquanto

está chovendo forte, a gente está na rua, está todo mundo nas ruas,

ninguém dorme, tem pavor.

L127 - P: Você havia comentado antes que o cachorro da vizinha da

frente morreu.

L128 - W: Não, ele enfiou a barriga na lança na enchente de 2011. Ela

pôs ele em cima da casa térrea, que está até vazia, ela pôs os dois

cachorros em cima, ele apavorou, ficou assustado e pulou dentro da água.

Aí ele foi tentar passar porque viu que estava muito fundo, tentou passar

pela grade do portão e enfiou a lança na barriga, não sei como! Nessa

hora caiu o meu muro aqui, eu corri para dentro e fiquei com aquela

imagem do cachorro berrando, achei que o bichinho tinha morrido. Aí

depois contaram que ela chamou o bombeiro, mas ele mesmo saiu da

lança, ela levou ele no veterinário e ele viveu ainda, conseguiu salvar o

bichinho. Mas até os bichinhos sofrem, que nem mereciam, porque não

sabem nem o que está acontecendo.

L130 - W: Eu tinha tudo, mas agora eu não viajo. Desde 1997 eu não saio

em final de ano, de dezembro a abril ninguém sai daqui. Se você está no

banco e dá um trovão, você larga conta para pagar e volta para casa, está

no mercado volta também. A vida da gente muda, eu trabalho agora das

17h às 22h, mas na época de enchente, eu trabalho das 10h às 14h, eu

mudo minha vida, todo mundo tem que se adaptar com isso. A gente não

sai, não arruma emprego longe, ninguém pode trabalhar, porque o que a

gente vai fazer, vai perder tudo todo ano? Vai ficar sem uma cama para

dormir? Porque não é baixo, minha casa que acho que tem 1m acima do

nível da rua, na minha casa, a água dá aqui no estômago se não tiver

comporta. As outras casas aqui dão na testa, então não é uma aguinha

pouca.

147

L133 - W: Eu de dieta tive um furúnculo e fiquei com ele por 1 ano, isso

aconteceu porque eu peguei enchente de dieta. Com 40 dias que eu tinha

ganhado neném, teve uma enchente e a minha filha de 10 anos ficou

segurando meu filho pequeno e eu fiquei segurando o portão, a gente

ficava amarrando ele para ele não cair porque ele vem para dentro né.

Aqui em casa todo mundo teve problema de saúde por causa das

enchentes, eu tive esse furúnculo e tenho cistos, meu marido hérnia e

minha filha tirou a coluna do lugar. Na verdade, já nem sei mais quantos

problemas de saúde tivemos.

L170 - W: Eu tinha que fazer cirurgia e não fiz, o meu marido tinha duas

hérnias e ainda teve que esperar porque os exames saíram perto da época

de enchente, então ele pediu para esperar o outro ano para operar, porque

como ele ia ficar em recuperação dentro de casa dando enchente? E se a

gente precisa travar comporta e erguer tudo?

Eu, olha o peso dessa mesa? Eu ergo até sem ver, eu carrego a mesa para

um canto para colocar as coisas em cima. Minha cama é muito pesada,

virou em cima do meu braço, por isso que eu estou com cisto, tenho que

tratar, fazer cirurgia. Fazer cirurgia como? Imagina uma criança de 10

anos tirar 9 vértebras da coluna, coitadinha. Ela tinha 10 anos, eu estava

de dieta, eu erguia a cama. Ela pôs o criado, eu joguei outra coisa em

cima e a cama virou, e, para não cair em cima de mim, ela segurou.

Porque ela sabia que eu estava de dieta, com cirurgia recente e o

pequenininho aqui dentro, dentro do carrinho. Aí depois que a gente

ergueu tudo, ela levou o menino para cima, o menino de três meses.

L171 - W: E todo mundo tem medo, minha família chora, minha irmã

quando se casou e mudou para o interior, quando chovia lá ela começava

a ficar apavorada mesmo minha mãe dizendo: mas aqui não vem água.

Eu tenho medo de chuva, eu tenho medo, é um trauma, o psicológico aqui

nesse lugar não é brincadeira não. A gente tem muito medo de água, a

gente tem até medo do que pode acontecer, não é só de perder as coisas,

mas também do que pode acontecer.

148

Córrego L21 - W: Construíram a avenida mais alta, porque ela não era mais alta.

Aí quando chove forte, é intempérie da natureza. Mas todos falam que

Deus que é culpado, não, é a mão do homem que construiu o rio, que

ergueu a pista e canalizou o rio, e deu documentação para a gente

construir aqui.

L27 - W: Aí quando a gente participou do orçamento participativo e

pediu obras no rio Guarará.

L28 - W: Pedimos no rio Guarará porque a gente sabe que ele é o

problema, por que? Porque ele chega ali e afunila, ele vem grande, vem

a galeria afunilada, o funil se você jogar muita água ele vaza, aí do lado

do Carrefour o rio é estreito, mas como que não dá enchente dentro do

Carrefour e dá na gente aqui? Porque ele afunila lá, chega lá a água chega

menos, então a gente queria isso aqui.

L50- N: Antigamente tinha uns córregos, aí taparam tudo e aterraram

tudo, e fizeram, o próprio Carrefour tem 1m e meio de altura lá, aterraram

lá, porque? O Carrefour ali, antigamente era uma fundição, era

antigamente caminhões internacionais

L51- P: E tinha o córrego que passava em frente?

L52 - N: Tinha não, o córrego é o mesmo, é esse córrego aqui, só que não

estava fechado.

L53 - P: Sim, só que antigamente não estava fechado, estava aberto?

L54 - N: Antigamente não estava fechado, estava todo aberto, então fazia

um serpenteamento no córrego, ele entrava, olha só, ele entrava uma

parte no Aramaçan, fazia o lago e voltava.

L58 - N: Isso aí fazia lá e era bonito, era bonito (risos) então serpenteava

aqui, serpenteava aqui, do outro lado, no estádio Bruno Daniel também,

fazia uns negócios. Quando fizeram o estádio Bruno Daniel tinhas as

lagoas lá, então aterraram lá também, aqui também. Na Nicolau Manoel

Barros tinha uns, não sei se você conhece taboa, aquelas plantas aquáticas

que subiam do brejo, estava aí e era um brejo, mas o que fizeram?

Aterraram tudo, estreitaram e deixaram um negócio reto, o córrego. Mas

a velocidade que vem a água da lá de cima, da Vila Luzita até aqui,

quando chega aqui, tem uma parede, dá uma trombada, o que acontece?

Sobe, transborda e chega aqui na gente.

L59 - N: Ao invés de fazer um dreno, ou um cano de escoamento, não,

fizeram isso aí nesse projeto. Isso daí é uma coisa lamentável, pois

levantaram a pista da Perimetral, que é a av. Santos Dumont aqui,

levantaram 1 metro 1 metro e pouco, por que? Porque antigamente dava

alagamento, mas assim mesmo, quando enche transborda e passa para o

outro lado e fica intransitável ali, fica uma coisa que cobre o carro

também.

149

L78 - N: porque é uma bacia aqui o Guarará e vai até, daqui vai até no

topo da represa lá no final da represa, no Jardim Santo André, é famosa

por uma série de coisas, Jardim Santo André lá em cima, lá no Jardim

Irene, daquele lá pra cá cai toda a água, quer dizer se você subir essa

Avenida Queirós Filho que começa aqui e vai lá em cima, vai até Jardim

Santo André, depois desce e tal, e pegando a avenida, Rua das Hortênsias,

Vila Helena, vai até a Avenida São Bernardo, naquele topo da Avenida

São Bernardo, toda a água desse lado cai tudo aqui, então é uma coisa

enorme, então, de uma forma ou de outra cai aqui, por que? Porque se

subir rua das hortênsias Vila Helena e tal cai para cá e é grande, você

deve conhecer por ali,

L88 - N: Vila Luzita, Parque João Ramalho, Vila João Ramalho, lá em

cima cai tudo aqui, então o que que está acontecendo? Está

impermeabilizando mais ainda por causa dos prédios.

L89 - N: Eu não sou contra os prédios, eu tô querendo, tem que ser feito

um projeto de segurar a água lá também, mas não tem nenhum projeto,

aliás, projeto tem, mas de boas intenções, mas ninguém faz. Então o que

que fizeram? Ah, vamos fazer o córrego correr mais. Então colocaram o

córrego para ficar o mais liso possível, colocaram as pedras, fizeram a

concretagem lá. Não sei, mas se água corre com mais velocidade e vai

dar mais tempo pra escoar, quando a água chega aqui e bate aqui no

paredão, aqui e o rio lá já encheu, então dá o retorno, realmente dá o

refluxo. Mas se tiver uma galeria maior dá menos refluxo ou senão deixar

aberto, aí ele vai fluir por toda a praça aqui embaixo, então vai diminuir

a altura. Mas eles não aceitam fazer isso, porque já fizeram um negócio

de canalização.

L90 - N: Ou senão, olha só, não quero prejudicar ninguém, mas então

canaliza tudo, não fica só a canalização na altura da 24 de Maio, na pista

para a gente aqui, vai até lá em cima, aí sabe o que vai acontecer? Vai

diminuir toda a água para todo mundo, vai molhar todo mundo, por que?

150

L91 - P; Vai ter uma quantidade menor de agua, só que para todo mundo?

L92 - N: Porque vai espalhar, vai diminuir porque não vai dar 2m e meio

aqui, vai dar tempo de a água escoar, quer dizer, ele vai alagar, se tá

canalizado tudo, vai sair água para algum lugar ou vai vir por cima, mas

vai espalhar por toda região.

Obras/Piscinão/Drena

gem/Ponte

L20 - W: E o que eu acho que piorou na nossa vida, eles falam que não,

mas foi o piscinão, porque a avenida ali é mais alta, já é porque

construíram a avenida mais alta, porque ela não era mais alta.

L29 - W: E aí como eles são engenheiros e são estudados, porque eles

acham que porque são estudados, mas eles não convivem aqui.

L30 – W: Fizeram o piscinão e o que acontece? O piscinão não é, não tira

a água do rio, primeiro o rio vaza e cai na nossa rua, depois vai pro

piscinão a água do rio quando transborda. Aí o piscinão joga no próprio

rio, três bombas, de novo no próprio rio, do rio passando de novo ali

fechado na galeria.

L31 – W: Aí a gente disse: isso vai funcionar? Vai, vai, a gente é

engenheiro, só que pergunta para eles, vai lá e faz com eles o quanto entra

de água e o quanto sai?

L32 - Antigamente a enchente, do mesmo jeito que o rio vinha com tudo

e vazava aqui na nossa rua, em 2h a gente estava sem água, agora o que

acontece, 5 ou 6h, fala para mim se não piorou o piscinão?

L12 - N: Eu participei das reuniões para fazer esse piscinão da Vila

América, mas eu não concordei que fizesse desse lado. Mas o atual, que

era o superintendente do Semasa, que é o atual hoje, nós fizemos reuniões

muitas vezes no ano 2000, eu falei olha, esse piscinão não vai dar certo.

Essas reuniões para fazer esse piscinão (risos), foram muitas brigas para

fazer, quer dizer muitas discussões, brigas no sentido de palavras, assim,

de discussões do que tinha que fazer, o que tinha que ser melhor.

L15 - N: Ultimamente fizeram esse piscinão que não vale nada também.

Eles optaram por fazer o piscinão desse lado da pista, não deveria,

deveria ter feito o piscinão do outro lado da pista, debaixo do viaduto,

porque aí daria folga da gente. Não é que não haveria enchente é que a

nossa enchente aqui dá 2m e meio, cobre o muro eu fico 4 a 5 horas

debaixo da água. Prevendo isso, eu falei olha não vai resolver porque a

água vem por cima da pista da Capitão Mário, da marginal Guarará aqui.

Vem por cima e não é a chuva que cai aqui na Vila América que vai dar

toda essa inundação é a água que vem lá de cima da Vila Luzita, de toda

a bacia do Guarará que enche aqui, então não vai ser suficiente porque

quando enche vira uma bacia aqui e sem ralo. Fizeram o piscinão, fizeram

com as bombas elétricas tudo, mas não fizeram, quando enche total,

quando dá essa enchente toda não tem uma forma de vazão, quer dizer,

deveria ter uma comporta mecânica que abrisse e ia embora, tipo

mecânica.

L16 - P: Há quanto tempo mais ou menos dá enchente de 2m de altura

aqui?

L17 - N: Ah, isso aí é desde 2000 que fechou aí.

151

L18 - P: Depois do piscinão?

L19 - N: Isso, depois do piscinão está dando isso aí com um tempo de

duração da enchente, 4 a 5h.

L73- N: O que a gente pede? Pra fazer uma melhoria pro bairro, essa

drenagem, fazer um cano pra escoar a água daqui e do outro lado,

L94 - N: Agora, pra nós que vivermos aqui a turma fala assim, tem que

melhorar a situação da drenagem, então toda a construção deveria ter um

local para armazenar agua, mas isso não está ocorrendo, tem os projetos

mas isso não está ocorrendo. Você faz um prédio e não tem lugar pra

fazer isso porque cai a água e vai embora. Eles fazem a galeria bonita do

lado da casa, da rua, do entorno, mas onde vai cair essa água? Vai cair no

córrego, entende! O córrego deveria ter a largura das avenidas. Mas

porque eles fizeram não fizeram isso? O que eles fizeram com o córrego?

Em uma parte, estreitaram o córrego e fizeram a pista do lado e em outra,

aterraram e fizeram a pista por cima. Mas deveria ter feito o contrário,

deveria ter feito as galerias embaixo das pistas aí, aí resolveria grande

parte.

L98 - N: se fizer uma galeria debaixo dessa pista toda, faz de um lado só,

resolve o problema, porque o que vai segurar é um piscinão na pista, não

precisa fazer um piscinão em uma área, reservar uma área pra fazer. Faz

a pista toda com galeria isso daí deveria ter feito antes; não fizeram, mas

deveria ter feito aos poucos, ou diferente, vamos supor estou aqui há vinte

anos, se fizesse uma parte, um lado só durante esses vinte anos, já teria

resolvido, ou se não tivesse resolvido, teria diminuído bastante esse

problema.

Casa/Moradia L1- W: É assim, depois de 8 anos de casada eu comprei essa casa aqui,

eu comprei em setembro. Comprei a casa, gastei tudo o que tinha e que

não tinha para reformar a casa, e 40 dias depois eu descobri que dava

enchente, no dia do aniversário da minha filha de 7 anos. Tinha um monte

de gente aqui em casa, e eu ainda só não tirei a comporta porque, eu falei,

L118 - N: aqui é um local ótimo para a gente ficar vivendo, está próximo

de tudo. Só que nós temos esse problema, quando chove muito enche de

agua aqui. Então é, a vida da gente aqui é meio temerária quando chega

a época de verão, mas fora isso aqui temos, a vizinhança é ótima, são

tudo pessoas que vivem há muito tempo aqui, gostam daqui porque o

152

olha que portão feio, eu não conhecia o que era comporta, olha que portão

feio, então eu não tirei a comporta porque o dinheiro acabou, porque a

casa estava muito destruída. Eu até falei, olha que pessoal relaxado, e

hoje comigo está destruída de novo, porque a gente vai perdendo o gosto

pela casa. Depois eu fui saber, tinha um muro remendado ali, porque

tinha dado uma enchente, tinha caído e a pessoa que morava aqui tentou

segurar a mesa, porque a pessoa se apega no que ela tem e aí cortou a

mão dela, ficou com a mão cortada e teve que dar ponto, então eles

desgostaram e venderam a casa. Só que eu não tenho coragem de vender

a casa e desfazer o sonho de uma pessoa também, eu vou vender, eu vou

falar e ninguém vai querer comprar.

L2 - P: Quando você comprou foi direto com o proprietário?

L3 - W: Comprei contrato de gaveta, porque eu trabalho por conta e

nosso país também não dá, não dava crédito para eu conseguir comprar

uma casa, comprei em contrato de gaveta e continuei pagando as

prestações dele que tinha e ainda tenho dívidas. Eu estou brigando com

o banco.

L4 - P: Então essa casa, com o antigo proprietário, era financiada?

L5 - W: Isso, e já não podia ser financiada aqui né.

L6 - P: Foi financiada por qual banco?

L7 - W: Pelo Itaú, e eu estou brigando na justiça por essa casa, porque a

prestação era muito alta, e quando eu terminei de pagar em 1998, era R$

806,00 e passou para R$ 1250,00 o resíduo, e é R$ 47.000,00, então, põe

aí R$ 1250,00, 60 prestações, eu geraria resíduo de novo, uma casa

impagável. Então eu estou aqui, não posso reformar, porque se eu

reformar, uma que a Prefeitura não deixa, eles falam que não pode subir

a casa, e eu moro em área de risco e eles não deixam fazer nova

construção.

local é de fácil acesso a tudo aqui, só que tem isso daí, o único problema

é a nossa enchente.

L130 - P: O senhor tem comporta aqui?

L131 - N: Não tem, já coloquei mas caiu

L132 - P: Então o senhor deixa a água entrar livremente

L133 - N: É logico, 2,20m do muro cobrir você tem que ter uma armação,

estrutura de concreto que nem uma piscina, tem que fazer uma muralha

aí, não é qualquer muro que vai segurar 2,20m de agua com a pressão que

tem. Então a área aí tem 10 a 11m de frente e 20 de fundo, como você vai

ficar segurando, você explode o muro.

L134 - P: 10m de frente e 20m de fundo a propriedade do senhor tem?

L135 - N: É, então o portão que tinha ali, que tá meio caído, caiu e caiu

um poste ali. Porque que caiu? Porque o portão não é comporta, é uma

cantoneira de 20 polegadas, para quem sabe uma cantoneira de 20

polegadas é cantoneira de fazer comporta mesmo (risos). Caiu o portão

inteiro, saiu a pilastra, a mureta, caiu tudo, rancou embaixo. Por que?

Porque tem que ter estrutura e num terreno que é baixo, tem que ter uma

tremenda estrutura para segurar isso e não é qualquer coisa. Mas caiu e

está sem o portão, tá só com a folha só para tampar, para dizer que tem

propriedade fechada, se não estaria aberto. Diante disso a Prefeitura nada

faz, mas nem material de construção traz aqui quando cai as coisas, então

deixa aí, eu estou vendo isso aí, tô vendo se vou aumentar as coisas, fazer

uma laje, alguma coisa aí para fazer uma estruturação melhor.

153

L19 - W: E antes quando na minha casa tinha móveis, a gente demora

quase 20 minutos para erguer a casa inteira, erguia tudo e com isso as

coisas foram acabando. Eu tenho um cisto e meu marido tem hérnia, mas

temos que erguer a geladeira para cima, quer dizer, essa é outra, uma eu

comprei e outra eu ganhei, porque eu perdi tudo, a casa em 2011 foi tudo

embora. Caiu o muro do vizinho e a parede da minha sala. A água quase

pegou eu aqui dentro, cobriu a pia da cozinha, pegou a metade da porta

do fogão que estava em cima da... sobrou nada, fiquei com a roupa do

corpo, sem água, porque aí acabou a água.

L23 - W: A comporta quem paga sou eu, já é a segunda comporta que eu

tenho, eu tenho bomba que eu ligo aqui, eu tenho válvula de retenção no

esgoto e na água de chuva que eu fecho, porque senão volta pela pia da

cozinha. Quando der o nível da rua lá na pia da cozinha vaza tudo e eu

só não perdi antes as coisas, porque eu, se eu soubesse que aquela parede

ia cair, eu tinha feito outra parede lá com um monte de coluna, porque

desse outro lado aqui eu fiz, eu gastei uma grana, peguei dinheiro do

cartão de crédito para fazer para não perder tudo, lutei tantos anos para

em 2011 chegar e cair.

L41 - W: A minha casa agora não dá mais, agora foi para o solo da casa

está ruim, o cara falou, a sua sala é perigosa, e você para onde sair? Eu

disse não. Então não vou tirar você daqui porque sua casa é térrea, porque

se fosse sobrado você teria que sair. Aí eu fiquei aqui e a sala está lá.

L73 - W: Você imagina destruindo sua casa assim, tudo que você tem

está dentro da sua casa, eu perdi minhas lembranças que ninguém vai

devolver, ninguém vai devolver minha vida passada, minhas fotos, fita

de formatura do pré da minha filha, foto. Minha filha estava para casar,

quase o casamento da minha filha não saiu, eu vendi meu carro para

poder pagar a festa da minha filha, porque ela tinha que ter a festa dela.

Mesmo com o que aconteceu eu disse, não vou deixar afetar a vida dela.

L72 - O psicológico de todo mundo aqui é afetado, além do bolso né, eu

não me recuperei mais depois de 2011. Pode passar o tempo que for que

154

eu nunca mais serei a mesma pessoa, perdi muita coisa que não volta

mais, um passado de lembranças, coisas da infância dos meus filhos. Para

onde quer que eu for carregarei as marcas das enchentes.

L88 - A gente já desanimou, já estou desanimada já, cansou de lutar, a

gente está cada um lutando com sua vida para ver se a gente consegue

sair daqui. Mas comprar uma casa da noite para o dia não é fácil, ainda

mais com a situação que está agora.

L92 - W: Você olha isso aqui, parece uma cidade fantasma, um monte de

casa abandonada já, porque quem tem condição vai embora, mas eu não

vou dar um pulo maior do que minha perna, porque eu já tomei esse

baque em 2011, eu trabalho aqui, perdi maquinário, perdi tudo. Eu vou

pagar aluguel como? Uma casa igual a essa, quanto é um aluguel de uma

casa igual a essa?

L118 – W: Porque é uma loucura segurar a água como a gente faz, o certo

seria deixar entrar. Está acabando com a casa mais ainda segurar, porque

a água fica em uma pressão, você não tem noção, o chão, as paredes, nem

sei explicar, parece que você sente a pressão da casa. A minha casa fica

toda cheia, daqui, aqui, ali, atrás. Às vezes, se as casas dos vizinhos

entram, e aí o que aconteceu: uma comporta caiu, e foi um efeito sanfona

por causa de uma comporta mal feita. Caiu a da vizinha porque não

aguentou e aí foi caindo de todo mundo, só que a minha, a hora que bateu

na minha comporta, ela aguentou. Só que bateu na da minha vizinha e ela

não aguentou, então minha parede lateral caiu, e foi a de muitas casas que

caiu. Ninguém pode com a água, o peso da água você não tem noção, a

comporta entorta, embarriga, comporta faz barulho, ela começa a ranger,

vem para dentro, assim (gesto). A gente já não sabe mais o que faz.

L122 - W: Quarenta dias depois que eu comprei minha casa aqui, toda

feliz que saí dos três cômodos da casa da minha sogra embaixo e vim

para essa “casona”, que eu descobri que dava enchente. Sorte que tinha

gente em casa, o meu irmão que ajudou, porque eu não sabia o que fazer,

eu só sentei e chorei. Eu era aquela pessoa que minha casa era um brinco,

155

muito enjoada com a casa. E hoje vivo desse jeito! Todo dia é assim,

minha casa cheirando bolor. Vivo com roupa na mala porque toda vez

que ameaça enchente eu coloco tudo dentro do carro, com medo de ficar

sem roupa de novo, e levo o carro para as ruas de cima que não dão

enchente. Eu tinha um monte de coisa, louça e um monte de coisa, mas

agora tenho o que está lá. Eu uso a metade do que eu tenho, nem sei o

que eu tenho. Roupa uso sempre a mesma porque o resto está sempre em

mala. Às vezes eu tiro e lavo o que está amarelando, e é desse jeito.

L123 - W: Minha filha morava comigo e teve que ir embora. Depois que

ela casou ficou um tempo aqui mas teve que ir embora porque eu falei:

filha, você pode ficar aqui até novembro mas depois você tem que ir

embora, porque virá enchente e os móveis que seu marido comprou,

porque ele morava no interior e veio embora e trouxe tudo para cá, vai

estragar tudo. Até isso, tudo afeta, afeta visita, afeta família, afeta meus

passeios, eu não saio no período das chuvas, nem adianta me chamarem

para nada, nunca mais soube o que era viajar. Minha mãe mora no interior

e viu uma vez um helicóptero aqui pela TV e ligou apavorada, minha

irmã grávida quando caiu tudo, a gente não sabia como contar para ela o

que tinha acontecido, ela passou mal, afeta a família inteira, é um ciclo.

L132 - W: Aqui é grande, são dois quartos, sala, cozinha e um banheiro,

só que são muito grandes. Acho que tem 200 e poucos m² o terreno, sendo

100 m² e pouco de construção. Tem a parte da gráfica do meu marido lá

no fundo, que é lá que a gente tem medo de pegar água, lá não pode, os

computadores mesmo, ficam lá em cima. E aquela salona lá está

abandonada, não posso ter nada. Isso aqui (móveis da cozinha), foi

presente, o pessoal foi me dando porque fui perdendo tudo, minha, tudo

o que eu tinha de 21 anos de casada foi embora.

L169 - W: Mas não tem nada mesmo, não tem nem vontade de ter.

Imagina você morar, não ter uma casa arrumada, panela dentro de caixa,

porque na hora que tem que erguer, tudo tem que erguer. Agora, eu ergo

bem alto, antes eu erguia assim (gesto), agora tem que erguer bem alto

para não perder, pelo menos para fazer a comida porque eu já fiquei sem

156

panela para comer. Tive comida porque eu levanto bem alto, porque a

parte debaixo do armário não tem nada, porque eu morro de nojo do

armário. Meu guarda-roupa eu tenho nojo dele, se eu fechar as portas ele

fede, esse já é outro guarda-roupa, já não sei quantos móveis eu perdi

aqui dentro, porque móveis não foram feitos para pegar água. Quem que

aguentaria erguer um guarda-roupa? Você imagina ter que erguer um

guarda-roupa com maleiro? Toda vez que dá enchente eu tenho que lavar

o guarda-roupa na parte de baixo. Tinha vez que eu via que a enchente

passou e aí eu pegava o guarda-roupa, tirava toda a roupa e colocava para

fora, isso uma vez por ano. Eu até brinco, não varre embaixo do guarda-

roupa não, não vai arrastar móveis não, porque quando a enchente vier a

gente é obrigada a arrastar mesmo e a limpar.

L172 - W: Só que eu não saio também, deixar toda vez a minha casa

sozinha. Se eu estou aqui dentro eu vou erguendo, mas esse dia não teve

jeito (2011), tive azar que caiu, perdeu tudo. Tinha bastante coisa que já

estava erguido, você não pode deixar sapato no chão, em dia de chuva

tudo fica erguido, nada fica no chão.

L174 – W: E minha família gostava, minha casa era a que o pessoal mais

gostava de vir, mudou minha vida em tudo. O resto da minha família

mora em apartamento ou casinha pequena, e eu tinha uma casa enorme,

em casa era sempre a reunião de família, era aqui.

Vizinhança L112 - W: Os próprios vizinhos daqui acham que eu e minha vizinha,

porque a gente trabalhou muito porque a gente era interesseira. Se

reformássemos a casa era porque a Prefeitura deu ou algum político. Mas

não é, ninguém nunca deu nada para gente; ao contrário, a gente tirava

dinheiro do nosso bolso para ir trabalhar voluntário. Para você ver, lá a

gente não era bem vista, vamos dizer assim, por trabalhar e morar em

local de enchente e brigar com eles. Aqui a gente é puxa-saco, e por Deus,

a gente só tentava fazer as coisas para o bem de todos. Porque se eu fizer

alguma coisa para mim os meus vizinhos também vão usufruir disso.

Então lá a gente era as cricris que brigava, e aqui as puxa-saco. Tudo o

L182 - N: A vizinhança é boa, o relacionamento é bom, todo mundo olha

a vizinhança. Não tenho queixa nenhuma, tanto é que nem os outros

devem ter queixas da gente, nós temos nossas virtudes e os nossos

defeitos, nós podemos tanto achar ruim como achar bom. Isso aí, nós

somos seres humanos, somos emotivos, tem uma série de coisas, isso daí

tem que levar tudo em consideração. Às vezes a pessoa pode olhar feio,

pode olhar bem humorado, às vezes o cara não levantou bem (risos).

Tudo isso daí é normal, o relacionamento da gente é normal; não tem

problema nenhum, não vai mudar isso daí o relacionamento das pessoas

daqui, simplesmente que chega numa época de cheia que todo mundo

157

que a gente fazia aqui achavam que a gente ganhou da Prefeitura ou de

um político, ganhou areia, ganhou bloco, e não é assim.

L135 - W: E a gente só não perde mais, porque a gente, nós, nós temos

um esquema já, e a gente tem que ajudar vizinho novo quando muda,

porque a gente avisa e a pessoa ri da cara da gente né, acha ruim, mas

quando acontece, tem que socorrer vizinho ainda.

L161 - W: O pessoal xinga, fica bravo com a gente, se a gente fala que

enche, fica bravo, depois, se dá enchente e não fala fica olhando para

gente de cara feia.

L162 - P: Você fala, as pessoas que ficam bravas são as que mudam para

cá?

L163 - W: É. A mulher que eu falei: olha, aqui dá enchente, a água passa

pela sua janela; é aluguel, se eu fosse você não morava aí. A mulher disse:

mas o aluguel está barato. Depois que encheu, ela disse chorando para

mim: eu falei, essa mulher é louca, acha que aqui dá enchente dessa

altura? Ela ficou com a roupa do corpo, a bolsa e o cachorro em cima do

negócio. Em outra casa aí, perdeu carro, perdeu tudo, tudo. E fomos nós

quem ajudamos ela a limpar o pouco que sobrou e a pegar as coisinhas

dela e ir embora. Porque a gente vai falar alguma coisa que não é? Eu

fico com dó, eu não quero que a pessoa passe pelo que eu passei, eu só

não vou embora porque eu não tenho para onde ir. Se eu morasse de

aluguel você acha que eu ia ficar aqui? Não ia, de jeito nenhum. Aí ela

perdeu tudo. A vizinha da frente está vendendo a casa. O meu marido, o

cara bateu aqui, perguntou da enchente. O meu marido falou, e ela veio

brigar com ele depois, você falou que minha casa dá enchente! Ele falou:

ué, ele bateu na minha porta e perguntou, e eu não vou falar? Depois ele

muda aí, e quem vai ficar vizinho dele sou eu. Eu falo, falo e mostro

ainda: vai na internet e coloca a rua aqui para você ver que não estou

falando mentira. Se você colocar, a minha casa está em um vídeo que o

vizinho gravou, ele colocou o vídeo que fez com o celular na hora, mas

é minha casa. E aquela enchente não foi a pior, não foi uma das mais

fica nervoso, todo mundo estressado. Dá uma chuva e todo mundo sai

fora aí e fala: ô alagou!

L183 - N: Às vezes chove aqui, não enche d’água, mas se choveu lá em

cima pode crê que vem e vem mesmo. Choveu 10 a 20 minutos de chuva

forte lá em cima e aqui continua chovendo e vai encher, aí quando para a

chuva lá depois de meia hora, a gente aqui está debaixo d’água ainda,

esse que é o problema. O pessoal construiu aí e melhorou? Melhorou,

mas não adianta construir, aumentar a altura da casa ou senão altura do

muro, você levanta a casa e sobe uma pilastra e tal, mas e depois quando

enche? Fica debaixo da água na rua, como você vai ficar saindo, não é?

Tem isso daí. A pessoa se livrou de ter um certo prejuízo, mas ela tá se

privando de sair, apesar que não acho que deve sair também (risos), mas

às vezes tem uma emergência, alguma coisa que aconteça dentro de casa,

que pode acontecer, às vezes o impossível acontece justo naquela hora e

tem uma emergência, vai fazer o que? Não pode sair, por isso não saiu

quando começa a chover, pois posso correr o risco de não conseguir

voltar para casa.

158

altas, a mais alta foi a de 2011, e o pessoal daqui falou que a de 1996, eu

comprei a casa em 1997, em 1996 tinha dado uma bem altona.

Desapropriação/Rem

oção

L83 - P: E em relação às casas, o que eles falam? Já falaram em remoção?

L84 - W: A gente pede remoção, eu acho que a gente deve ser indenizado

e retirado daqui, porque não tem jeito, eles mesmos já falaram: “lá não

tem jeito”. Se não tem jeito, tem que retirar a gente daqui ué! Como eles

tiram às vezes as pessoas de outros lugares? O nosso problema é que as

nossas casas aqui não são casas baratas, pelo IPTU, pelo local onde tá;

não são casas baratas. Se for pagar pelo valor das casas que vale aqui,

então são 88 casas, imagina o quanto dá! Porque nós aqui também já

desistimos, nós também achamos que tem que retirar, não tem o que

fazer, isso aqui já é um piscinão natural, se eles tirarem a gente daqui e

fizer um piscinão, para com a enchente em um monte de lugar.

L86 – W: Mas obra não adianta, vai gastar dinheiro, e daqui alguns anos

vai de novo, não tem o que fazer, porque a gente está abaixo do nível do

rio.

L 192 - P: E em relação a desapropriação, o que senhor acha?

L193 - N: Em relação à desapropriação, eu acho que eles não têm essa

viabilidade, por que a área aqui é muito assim, é uma área nobre, porque

está tudo próximo de tudo quanto é lugar. Você pode ir a pé para o centro

tranquilamente, 10 a 15 minutos você está no centro, tem toda a

infraestrutura, aqui tem próximo hospital, é próximo de grandes

supermercados, um dos melhores colégios que é o colégio São José está

próximo, o que, nem 500 metros daqui. Tem infraestrutura de escola, tem

tudo, tem a escola Moraes de Barros, tem o EMEI, o Carlos Drummond

de Andrade que é o EMEI próximo e que tem uma boa infraestrutura, tem

a escola Carlos de Campos, está tudo próximo, igreja tem tantas igrejas

evangélicas quanto cristã.

L194 - N: Tem um shoping novo aí que chegou aí porque eles viram que

é um local viável e tem um empreendimento grandioso aí também, além

de apartamentos, prédios comerciais, tudo, e isso aí futuramente vai ser

uma área bem valorizada.

L195 - N: E quanto à desapropriação, eu acho que deveria fazer uma

infraestrutura para diminuir esses alagamentos, porque não é viável, tem

tantos projetos que a Prefeitura fala, mas ninguém fala de desapropriação,

mas chega num ponto que fala não tem verba para isso, porque? Porque

a área é muito valorizada e não é certo ficar um piscinão numa área dessa,

a não ser que tenha uma intervenção de fazer um terminal rodoviário por

exemplo. Mas tem área que é a Praça 14 Bis aí, que é enorme, é só fazer

uma infraestrutura que não vai alagar também. É por isso que a gente

fala, fazendo as galerias, fazendo, mas subterrâneo, resolve? Resolve.

Também se melhorar a drenagem para o rio, logicamente o Rio

Tamanduateí também tem que melhorar, mas aí tem que fazer uma coisa

intercalada, mas fazer um projeto viável. Agora do jeito que está aqui, a

turma levanta uma parede lá para cima e enche de agua aqui, coloca mais

159

parede para encher mais de água aqui, então não é possível. Agora,

quanto à desapropriação eu não acho que é solução, não é a solução a

desapropriação do local, porque vai continuar enchendo e se vai encher

vai prejudicar a parte viária do município todo, a economia do município

gira em torno desse eixo aqui também, que é a Perimetral, que faz ligação

pra Mauá, e consequentemente pra Ribeirão Pires, então faz tudo, e tem

saída pro Rodoanel aqui em Mauá, então vai ser prejudicado todo o

comércio, toda a economia do município, e do pessoal que transita todo

aqui.

L198 - N: Então, quanto à desapropriação, não resolve o problema da

enchente não.

160

SÍNTESE DA CATEGORIA TEMÁTICA PODER PÚBLICO

Temas W N

Defesa

Civil/Semasa/NUPD

EC/Reunião de bairro

L48 - W: Por isso que agora, eles me chamam para fazer as coisas, e eu

não vou mais, agora vou cuidar da minha vida.

L49 - P: Por quanto tempo você trabalhou com eles?

L50 -W: Por 7 anos voluntária

L51 - P: O que você fazia nesse tempo, do que você participou?

L52 - W: Ah, de cadastro de área de risco.

L53 - P: Você os ajudava a fazer o cadastro das áreas de risco?

L54 - W: Isso, cadastro de área de risco com eles, fazia campanha na

nossa vila, a gente deu ideia de trocar o horário do lixo, a gente dava ideia

para eles, um monte de coisa a gente deu ideia. Levamos o Corpo de

Bombeiro e Eletropaulo nas escolas, a gente foi com eles nas escolas, a

escola que minha filha e a da vizinha estudavam. Era assim, era dia de

sábado, de domingo que a gente trabalhava, dia de semana não, mas ia

com eles de sábado e domingo fazer curso de primeiros socorros e um

monte de coisa.

L55 - P: Ainda tem esse trabalho aqui, alguém está participando?

L56 - W: Daqui da Vila não, a gente cansou, não foi mais, e a gente

também, sei lá, ganharam prêmio e a gente não ganhou nada com isso,

ganhou um prêmio e você pode consultar, foi por causa do NUPDEC,

tudo o que eles falavam a gente dava ideia, eu e minha vizinha era bem...,

eu acho que o local, onde as casas eram legalizadas, eram poucas pessoas

que iam, era diferente, eu e ela trabalhamos muito. Pedíamos doação nos

comércios, para ir nas escolas dar presentes para as crianças quando

terminasse os cursos, teve uma escola, não lembro o nome, mas aqui no

Antunes onde nossas filhas estudam a gente foi.

L71 - P: Tem algum tipo de ação sendo feita pela Defesa Civil, pela

Assistência Social ou da Saúde com vocês, o pessoal vem aqui conversar

com você para além das obras?

L72 - N: Olha, é, a Defesa Civil sempre participa, vem aqui dá uma

orientação e a gente também, tivemos um curso aí, fizemos reunião de

bairro, mas já desistimos, por quê? Porque já cansamos de ficar, não quer

prejudicar ninguém, tanto a Defesa Civil são prestativos, pessoal da

drenagem que quer fazer alguma coisa, falam isso, mas não fazem, chega

num momento e não começam a fazer as coisas.

L110 - P: Quando, por exemplo, ocorre essa inundação, quando tem uma

chuva forte como ocorreu a de janeiro, tem algum outro tipo de ação fora

da Defesa Civil? Alguém vem fazer algum trabalho com vocês? O

pessoal da Saúde com vacinação ou o pessoal da Assistência Social?

Como funciona?

L111 - N: A defesa civil tem comparecido, mas a Saúde não aparece não,

nem para tomar uma vacina antitetânica, ou essas coisas contra

leptospirose, fazer um programa, isso não aparece não.

L112 - P: Nem a Assistência Social?

L113 - N: Olha, eu não vi, se passou não veio aqui, vem a Defesa Civil

porque a gente solicita, telefona para lá, olha sua enchente, faz um laudo

aqui, aí eles vêm. Para mim é específico eles vem porque eu telefono,

mas deve acontecer que a Defesa Civil faz um rastreamento, isso não

resta a menor dúvida, encheu a pessoa não precisa nem avisar, mas eu

peço para ter o laudo da Defesa Civil para ter o que aconteceu isso ou

aquilo.

161

L58 - P: E como foi depois que vocês pararam o trabalho voluntário?

Continuam ainda algumas bem feitorias aqui, como está?

L59 - W: Não, lavar eles veem, porque a gente faz, pode perguntar lá que

todo mundo conhece, eu e a minha vizinha aqui, é pecinha rara, a gente

pede, a gente exige, quer, e eles tem que fazer. Lavar se deixar eu quero

que vem no outro dia, porque tem que ser rápido. Mas é porque a gente

pede, e porque a gente conhece algumas pessoas, a Marcia a gente

conhece há muitos anos, mas cesta básica eles não querem dar.

L60 - W: Por sinceridade, eu pegava a cesta básica e doava, na verdade

eu queria que ficasse registrado que eu tinha sido atendida, e outra coisa,

para ter desconto no IPTU, ou na água, na hora da enchente você tem que

ter um número de protocolo, você vai pensar lá em alguém, na hora que

você está com a casa enchendo, ou depois na hora que eu quero limpar a

casa? Você tem que ligar para Defesa Civil, você tem que registrar que

você ligou para você ter desconto depois. É muita burocracia, é tudo

dificultando para você desistir né, pra deixar para lá, e teve um tempo

atrás, que veio a Defesa Civil de São Paulo aqui, não sei por que.

L89 – W: O antigo superintendente da Defesa Civil, o coronel falou:

vocês têm que sair de lá. Mas eu vou comprar uma casa como? Um carro

que a gente perde a gente compra fácil.

L90 - P: Mas ele falou para vocês saírem daqui e fazerem o que com a

casa?

L91 - W: Ele falou em off, ele falou: uma vez eu morava em um lugar

que dava enchente, mas quando eu cresci eu sai de lá. Eu falei para ele:

mas eu não tenho dinheiro para comprar outra casa, tudo o que eu tinha

eu dei lá e ainda estou brigando na justiça com banco ainda.

L93 - W: É isso que eles não veem, para eles da Defesa Civil é fácil, é

fácil. Quando eles deitam na cama, falei para eles várias vezes, na hora

que você deita, você vai lá, você entra na água de esgoto, água de merda,

mas quando você vai para sua casa, sua casa está limpa, sua cama está

L114 - N: Aí presta serviço, às vezes presta serviço! Às vezes a Defesa

Civil com o pessoal são, não tenho queixas nenhuma como pessoas, agora

como a Defesa Civil é muito precária

L119 - N: E a gente faz a reunião com o pessoal, promete muitas coisas

e não sai do papel, é isso, é o que acontece, boa vontade, como diz o

pessoal, o inferno tá cheio, então, é, a gente fica esperando que uma alma

boa aí que resolva o nosso problema, porque pensar em promessa dos

nossos governantes aí é meio complicado, todo mundo fala que vão

resolver, minimizar, mas não resolvem nada, até agora nada aconteceu,

então espero, porque a esperança é a última que morre né, que aconteça,

que resolva alguma coisa no sentido de melhoria

162

cheirosinha. Então para você é fácil, você sai de lá e esquece, não é como

a gente que está vivendo, entendeu? Eles falam: eu sei o que você está

sentindo! Mas não sabe, você não viveu isso, você não está aqui, você

vai embora para a sua casa, é outra coisa.

L102 - Agora sumiu todo mundo, sumiu Defesa Civil. Só querem que a

gente vai em curso e esses negócios, e eu não tenho tempo, não estou

mais interessada nisso, estou cansada, não quero mais fazer curso, já

cansei de trabalhar voluntária e não ver nada, só minha casa acabando e

meu dinheiro indo embora, e a gente nessa luta aqui.

L144 - P: Vocês não recebem o aviso do Semasa pelo SMS que avisa da

chuva?

L145 - W: Tem.

L146 - P: Como é esse aviso?

L147 - W: Eles mandam pelo celular.

L148 - P: Mas eles mandam em que momento?

L149 - W: Eles mandam antes de chover, mas eu acho que eles olham o

próprio CGE, o CGE a gente também olha, não é tão preciso. Antes de

vir, eles mandam mensagens no celular de quem tem cadastro. Antes eles

avisavam por telefone, tinha uma época que era por telefone também,

eles ligavam e avisavam que ia ter chuva forte. Mas nesse dia (2011),

ninguém sabia de nada não, não tinha esse aviso. Mas o aviso adianta

muito o que? Eu vou fazer o que? Eu vou morar em um barco, colocar

um barco no lugar onde moro?

Prefeitura/administra

dores/governo/poder

público

L82 - O Prefeito Carlos Grana prometeu, em uma das 7 promessas dele

para o ABC, que a gente estaria incluso nisso aí, mas até agora nada! Já

se passou mais da metade do primeiro mandato dele e ele não fez nada.

Prometeram que ia fazer um dreno no rio, no nosso piscinão, para ir direto

e não cair no rio, ir, mas cair mais para frente, mas também não fizeram

L10 - N: Só que entra um administrador, entra outro, e sempre aquela

mesma conversa que vão fazer umas melhorias, que vão fazer isso, que

vão fazer aquilo, e nada resolvido.

L68 - N: Olha, boa vontade do pessoal técnico eles tem, agora falta uma

vontade política na minha opinião. Se o chefe do executivo quiser fazer

163

nada, não chamaram mais a gente para a reunião. E está nessa, a gente

fica aqui abandonado, a gente se sente abandonado é só promessa só, não

fazem nada.

L85 - Então o que a gente pede é isso, agora o Prefeito disse que ia fazer

alguma coisa

L87 - Já passou metade do mandato dele e ele não fez nada, e ele vai ser

mais um que vai prometer e não vai fazer nada.

L95 - Todo ano eu chamo reportagem aqui do Diário para mostrar que o

Prefeito não está fazendo, já tem 2 anos, todo janeiro. Esse ano eu não

consegui chamar porque acho que a menina que vinha fazer entrevista

não está lá, mas se você procurar tem. Procura que é uma promessa do

Prefeito, na hora da promessa, na hora de ganhar voto. Está tudo aí,

ganhou voto e sai todo mundo fora. Eu quero ver agora, na próxima vez

que ele for se candidatar se ele vai lembrar do que ele não fez.

L96 - P: Vocês fizerem alguma ação cobrando o que ele prometeu?

L97 - W: Não, porque na época que, estávamos eu e minha vizinha se

juntando aqui para fazer uma ação, e foi quando ele veio aqui e prometeu

que ele ia fazer alguma coisa.

L98 - P: Isso antes dele ganhar?

L99 - W: Isso, ele ganhou e a Prefeitura entrou.

L100 - P: Depois ele veio aqui?

L101 - W: É, ele veio algumas vezes aqui, depois sumiu.

L176 - W: Mas não é fácil não e não vejo esperança, não vejo ninguém

fazer nada. Duvido que alguém vai fazer, ainda mais porque 88 casas não

elegem ninguém, né! Não é uma área grande que vai dar voto para

alguém. Eu sou sincera, eu falo isso, eu já falei até para eles. Lá eu sou

tida como chata porque eu falo mesmo, cobro, falo, e eles sabem.

isso, ele vai fazer, agora tem que negociar com outras pessoas também,

mas se ele quiser fazer ele faz essa intervenção que a gente pede para

fazer um dreno para lá, agora, vai resolver a enchente, o alagamento?

L70 - N: Então o poder público tem que ver nessa parte, agora se as vidas

forem ceifadas como dizem a turma assim, de repente por causa disso, eu

acho que falta responsabilidade do Poder Público, né?

L77 - N: O Poder Público fala, tem bom interesse tem boas intenções,

mas na minha opinião, de boas intenções não adianta, tem que agir e

executar obras que a gente precisa, agora não fazem e vai piorando,

porque? Fica construindo mais prédios, mais habitações lá na pista aqui

na Marginal senão no entorno em si.

L95 - N: Aí eles não fazem porque obras debaixo de galeria ninguém

aparece, é esse que é o problema, não dá visibilidade. A questão não é

econômica é política.

L99 -N: Mas eles não fazem, porque? Sempre falam da verba, da verba,

só que eles tomam essas verbas que tem para melhoria do entorno de um

condomínio, isso daí vem no projeto do condomínio, isso daí toda lei, pra

você fazer um condomínio, um prédio, basicamente a Prefeitura vai falar

que vai botar filetes aí, só que no entorno, no entorno do prédio tem que

ter melhoria, tem que ter uma adequação pra ter uma estrutura pra pessoa

viver em um condomínio, se continuar a mesma estrutura não vai ter

como a pessoa morar em um condomínio ou em um condomínio

comercial, tem que ter uma estrutura, então tem que fazer não só o prédio,

construir a melhoria a readequação do entorno, é o que fizeram aqui

também no shopping, fizeram só que não fizeram de acordo, fizeram pra

eles, mas não sei se resolveu também , entende, ali fizeram uma

drenagem para não soltar, não alagar a pista, mas continua alagando.

L145 - N: Isso daí é pra despoluir o rio Tietê, isso é outro projeto antigo,

esse projeto é de 92, que fizeram um projeto de saneamento e esgoto,

quer dizer, no córrego, então aqui desse meu lado aqui da pista, Capitão

164

Antigamente o Diário do Grande ABC nem falava isso, eles não queriam

fazer matéria, nem isso eles faziam, não sei como há 2 anos essa menina

que estava lá fazia, mas que saiu, porque nem isso saia. A gente sabe que

um pequenininho não consegue nada, o poder é deles né, eles que sabem

o que eles querem, eles estão no bem bom, não querem pensar na gente.

E é isso.

Mario de Toledo aqui, passa um cano, acho que de um 1,60m, não 1,60m

é do outro lado, a 5m abaixo, do outro lado, sabe a Capitão Mario ali,

onde está o Polícia Científica, naquele gramado ali do lado, vai até a Vila

Pires lá para baixo, tem um cano de, um tubo de 1,60 de diâmetro, e desse

lado tem 80cm, aqui tá a 3m de profundidade desse lado, do outro lado

tá 5 metros, pra dar queda logicamente, pra dar queda pra ir o esgoto para

lá e outro, há uns 2 anos atrás, fizeram a intersecção, fizeram um tubo,

fizeram uma galeria passando por baixo, assim dizem que estava parado

ali e tinha uns negócios (risos).

L146 - P: E como o senhor sabe dessas informações todas, desses canos

dessas obras?

L147 - N: Eu sei por que eu presenciei, eu estou aqui desde 89.

L148 - P: Ah, tá, o senhor acompanha todas as obras?

L149 - N: Eu estou aqui desde 89, então a gente sabe que tem um cano

lá, ai esse ano, esse ano não, o ano passado, teve uma intervenção aqui

no meio da pista aqui da Afonso Pena, fizeram umas casinhas e a empresa

fez com um tipo de um tatuzinho, fizeram alguma coisa assim, fizeram,

assim dizem eles também, porque eu também não entrei lá embaixo para

ver (risos) e é um tubo que está ligado do outro lado, fizeram um desse

lado na galeria desse lado e outro do outro lado, e cruzaram, para que

isso? Para fazer o esgoto ligado do outro lado para depois fazer a ligação,

não está funcionado ainda, esse negócio do esgoto não está funcionando,

estão fazendo a ligação, começou em 92 isso aí.

L178 - N: Então eu acho que o Poder Público é responsável por isso aí,

não só esse como os outros, os anteriores também. Há quanto tempo isto

está acontecendo? Deveriam ter olhado melhor essa situação, mas eles

não olham, eles olham para parte econômica da coisa, aí esquece das

outras coisas, como a parte humana e a social. Tudo isso daí vão deixando

para depois, depois eu vejo, mas depois não tem jeito, depois que foi feito

o concreto, assentou lá na frente não tem jeito.

165

Empresas privadas:

Carrefour,

Supermercado

Roldão e Shoping

Atrium

L65 - W: E o shopping, a gente acha que o shopping também. Esses dias

o rio vazou, que chuva que deu tanto para o rio vazar? Esses dias o rio,

não por cima, mas as bocas de lobo não estavam mais aguentando mais,

então começou a vazar e a gente já ficou desesperado, eu estava

trabalhando e vim “quebrando as pernas”.

L66 - P: Quantos anos o shopping está aqui?

L67 - W: Esse ai eu acho que fazem uns 2 anos, mas ele fez uma mega

construção aí, mexeu na rede de esgoto, em tudo. Quanto mais esgoto

ligar na gente pior.

L68 - P: Pelo o que eu vi, não é somente o shopping, é um condomínio,

é um complexo com vários prédios, é isso?

L69 - W: É isso mesmo, vai ter um monte de coisa maior, vai ter hotel,

vai ter salas comerciais e prédio do outro lado.

L70 - W: Aí eu descobri esses tempos atrás, fuçando, que a água de lá de

esgoto vem tudo para cá, para perto, para o lado do piscinão. Eles já

sabem que aqui dá enchente e ao invés de ligar para lá não, é aqui. A

gente fuça em tudo né. Mas então está aqui desse jeito, a casa está do

jeito que você está vendo, a gente, ninguém tem...

L28 - N: Ultimamente também teve outra intervenção, fizeram o

shopping novo aqui, o Atrium e fizeram a drenagem. Fizeram uma galeria

ali na rua do lado do Atrium que sobe a Avenida Santos Dumont, ali perto

do Roldão, tudo ali. Só que fizeram a galeria deste lado da ponte que a

ponte vira um gargalo ali embaixo, é que não dá pra ver daqui, mas é lá

na ponte do Roldão.

L29 - P: Em frente ao Atrium?

L30 - N: Não, não, ali no Roldão, tem o supermercado Roldão, lá perto

do posto de gasolina do Carrefour ali.

L31 - P: Tá, tá.

L32 - N: Aquela ponte lá deveria ter um loteamento para dar uma vazão

maior.

L33 - P: Que é a ponte que sai da Mario de Toledo?

L34 - N: Não, não, é uma ponte baixa lá.

L35 - P: Tá

L36 - N: Antigamente ali, uma vez aconteceu isso, mas já faz muito

tempo que essa ponte está aí, está há mais de 50 anos, se não tiver 50

anos, está por volta de 50 anos, e ficou pequeno porque eles fizeram toda

a galeria da canalização em cima daquele lá, você pode ver que está

baixo, e não tem jeito lá, então o que acontece, vira um funil essa galeria

da marginal Guarará, chegou um ponto que dá o retorno, e trunca tudo e

transborda tudo.

L37 - S: Então piorou?

L38 - N: Piorou

L39 - P: E ainda mais depois do shopping?

166

L40 - N: Depois do shopping fizeram a galeria jogando antes da ponte,

deveria ser jogado após a ponte.

L41 - N: Tá.

L42 - N: Mas aí teria que intervir na entrada do Carrefour ali, do

supermercado e é questão de poder econômico.

L43 - N: Mas mesmo assim, se a Prefeitura negociasse com esse pessoal

eu acho que concordaria, porque isso não é só um benefício para a

população, é um benefício para o próprio comércio deles mesmo,

Carrefour, de Roldão, do shopping.

L44 - P: O senhor fala que a Prefeitura teria que negociar, por que eles

teriam que entrar com a parte de financiamento, porque é privado, é isso?

L45 - N: Não, não, intervir para colocar uma galeria no meio.

L46 - P: Então solicitar autorização para a realização de obras

subterrâneas?

L47 - N: Isso, ter obras, só isso, só alargar, fazer alguma coisa, porque

não tem como fazer isso daí, porque vai melhorar para eles isso aí, vai

melhorar o fluxo de trânsito porque quando enche atrapalha eles, o

comércio.

L48 - N: Isso daí é falta de diálogo da Prefeitura, do Poder Público com

o poder econômico. O poder econômico que eu digo é do comércio, do

Carrefour, do Shopping. Então o shopping também fez a galeria, mas

quem fez o projeto foi a Semasa, só que fizeram, e falaram: ah, mas é o

único meio de fazer é desse jeito.

L144 - N: Eu estou esquecendo! Drenagem do esgoto vem de lá, da Vila,

do shopping, do entorno do shopping, vem pra cá a drenagem do esgoto,

do esgoto, vem um tubo faz aqui e aqui tem um pv que liga esse aqui que

atravessa o esgoto por baixo da canalização.

167

L156 - N: Depois do shopping fizeram a galeria jogando antes da ponte,

deveria ser jogado após a ponte. Está difícil, fizeram o cano, agora

fizeram o cano de lá para cá, tá, e o que aconteceu agora? Resumindo

tudo o que aconteceu com esse esgoto, no dia 9 de janeiro, agora eu vou

falar agora, está ligado ali não sei o que, mas está parado. Sabe o que

aconteceu? Quando choveu veio todo o esgoto, veio água preta, água

barrenta, água preta e ficou aqui e transbordou. Aí a turma fala, não, não

é esgoto de lá, bom, mas nunca aconteceu de vir barro preto, é esgoto

sim.

L157 - P: Quando eles fizeram a obra do shopping?

L158 - N: Não eles fizeram e aterraram o cano.

L159 - P: Depois que o shopping estava pronto?

L160 - N: Sim, o shopping inaugurou ano passado, ano retrasado, não foi

agora.

L161 - P: Ah, tá, o senhor está falando da chuva que deu em janeiro desse

ano?

L162 - N: Isso, aconteceu isso.

L163 - P: Veio água de esgoto?

L164 - N: Veio água de esgoto e ficou áagua de esgoto, quando

sedimentou tudo e parou, quando se foi limpar, você pode ver que não é

terra vermelha, não é de areia, é água de esgoto.

L165 - P: Coisa que não tinha antes do shopping?

L166 - N: Não tinha, tá ocorrendo isso daí, e eu observei isso, antes não

tinha isso daí, agora não sei, aí eles falam, não, não é isso daí mas veio

esgoto de todo lado.

L194 - N: Tem um shoping novo aí que chegou aí porque eles viram que

é um local viável e tem um empreendimento grandioso aí também, além

168

de apartamentos, prédios comerciais, tudo. Isso aí futuramente vai ser

uma área bem valorizada.

169

SÍNTESE DA CATEGORIA TEMÁTICA DIREITOS

Temas W N

Direitos L22 W: Ninguém aqui é invadido, não que eu tenha nada contra, mas

ninguém aqui invadiu, como algumas favelas e fez uma casa em cima do

rio. Minha casa é legalizada, eu pago R$ 800,00 e pouco de IPTU e em

2011/ 2012 eu perdi tudo. Eu trabalho aqui além de tudo, o meu ganha pão

é aqui, eu perdi todo o meu maquinário, eu perdi estoque de papel, eu perdi

tudo, eu nunca vi meu marido tão desesperado de como foi isso aí.

L26 - W: Porque quando caiu, disse que eu tinha direito, direito do que?

De uma cesta básica que eles não querem dar para nós, dizem que a gente

não precisa de cesta, está bom, a gente não precisa de cesta básica, só que

eu sei que a cesta básica fica registrada que eu fui atendida, fica registrada.

Então imagina uma pessoa que é atendida desde 1997, bom, o atendimento

é provisório e alguma coisa teria que ser feita, porque desde 1997 que eu

moro aqui, eu, porque já tem gente que mora há muito mais tempo, é

atendido aqui? Porque eles quer dar cesta básica, tem que tentar dar um

jeito nisso aqui.

L37 - W: Eu só não perdi mais por mérito meu, é só prejuízo. Você gasta

água, tem desconto, mas é tudo burocracia, mas isso ninguém fala que fui

eu e a Cida quem conseguiu correndo atrás deles.

L38 - P: O que vocês conseguiram, o desconto?

L39 - W: A gente brigava porque estávamos tomando prejuízo, aí o pessoal

da Defesa Civil conseguiu através de uma lei que a gente tivesse desconto.

Se você pega os três últimos meses e teve um mês, acho que deu 4 ou 5

enchentes em fevereiro, acho que eu gastei de R$ 300,00 de água, mais

prejuízo, aí você vai lá e eles veem nos três meses o que você gastou e dá

o desconto. O IPTU também tem.

L108 - P: Queria também perguntar como é a documentação da casa do

senhor, o senhor paga IPTU, como que funciona?

L109 - N: Aqui tá tudo certo, tem IPTU tem tudo, aqui tá tudo legalizado,

a casa tem escritura tem tudo, está tudo certo. Paga-se IPTU? Paga-se IPTU

quando não ocorre enchente durante o ano, ou seja, quando não dá enchente

eu tô pagando IPTU. Agora, quando dá enchente, aí você tem que entrar

com um pedido na Prefeitura para isenção do IPTU, coisa que deveria ser

automático, não deveria ter que fazer as papeladas e pegar cópia disso e

cópia daquilo. Tem que pegar cópia de residência, tudo isso, daí e leva na

prefeitura ou na Semasa e protocola, tem que protocolar e aí esperar eles

avaliar e pegar o laudo da Defesa Civil para ver se aconteceu mesmo.

Então, tendo o laudo da Defesa Civil vai ter isenção mesmo, eu nem pago

mais o IPTU quando enche de água. Eles falam: olha é melhor o senhor

pagar, mas eu falo espera aí, se encheu de água como é que eu vou ficar

pagando? Aí eles falam: mas ressarce, a Prefeitura ressarce. Mas para que

que eu vou ficar pagando se eu tenho a certeza que tem isso aí, porque já

estou com laudo, o laudo da Defesa Civil já está avaliando isso daí. Então

não tem como ficar pagando e também não tem esse problema de a

Prefeitura ter que ressarcir, entendeu? Não tem como isso daí, se já está

certo, já está certo, tem que já carimbar e liberar, mas não, fala que tem que

avaliar. Então vai lá no departamento de obras, departamento de tributos e

a pessoa da fiscalização avaliar enquanto eu fico esperando. Isso aí sempre

ocorreu e sempre deu certo, eles isentam e tal, mas deveria ter uma coisa,

olha essa área ocorreu isso, pá, então você manda, já está isento, mas não,

tem que fazer toda essa burocracia para ser isento. Dizem que tem umas

leis aí de que quando é área de enchente, essa coisa está isenta, mas aqui

só isenta quando o Semasa ou Prefeitura fala que dá. Mas ainda bem, eu

170

L40 - O IPTU também tem desconto, mas tenho contrato de gaveta e em

uma das enchentes eu perdi um dos documentos que todo ano tenho tem

que apresentar, porque todo ano tenho que apresentar toda documentação

de novo. Eles estão carecas de saber que aqui dá enchente, não poderia ter

um processo já e o nome ficar cadastrado lá? Não, então nesses dois anos

eu não consegui e estou atrasada com o IPTU. É R$ 800,00 e pouco que

fazem falta, principalmente para mim que perde tudo, tem prejuízo direto,

você conserta de um lado e vaza de outro, então você tenta consertar.

L47 - W: Pois é! Sabe o que eu acho engraçado? No nosso país a pessoa

que mora na favela tem mais direito que eu que pago imposto, porque que

eu sou menos do que eles? Já teve vezes de eles virem aqui e falarem a

gente vai lá levar marmita para o pessoal lá de cima que desmoronou tudo,

mas eu estou sem comer, como que faz?

L150 - W: O que mais dói na gente é que ninguém faz nada, porque eu

comprei minha casa, eu não invadi, eu comprei, o meu IPTU é caro

entendeu? Eu moro legalizado. Então eu acho, eu não estou falando de

ninguém, mas eu sinto que o tratamento é diferente para mim e de quem

mora em um lugar que invadiu, eles conseguem mais do que eu. Eles dizem

que eu tenho uma renda, só que a minha renda, quando ela é afetada, o meu

tombo é maior, porque as minhas contas não vão parar de vir só porque

perdi tudo. Sempre vão achar que o meu é pior que o do outro, só que falo:

eu pago os meus impostos, eu trabalho, nunca ganhei nada de graça de

ninguém, eu não acho certo dar nada de graça para ninguém, a pessoa tem

que merecer o que tem e eu, sempre o que eu tive foi trabalhando.

vou lá e faço esse requerimento, agora tem pessoas que não vai, tem

pessoas que aí perde essa isenção.

L115 - N: A Defesa Civil quando chega aqui fala para esperar a água

baixar. Eu tô, eu e meus vizinhos tudo limpando a casa, deveria ter trazido

uma água, um suco, alguma coisa, mas não traz, eles falam: ah, vocês não

precisam. Espera um pouquinho, eu não preciso, como assim? Vocês não

precisam porque vocês têm condições, estão morando aqui no centro e tal,

a propriedade é sua. Mas se fosse um local de baixa renda o que vocês

fariam? Ah, teria que trazer isso, isso e assado. Então, e para nós nada, nós

que somos os flagelados da enchente (risos) como diz as pessoas, os outros

também são flagelados, todos nós somos filhos de Deus. Eu falei assim:

deveria ser o mesmo tratamento.

L116 - P: Os mesmos direitos?

L117 - N: Sim, mas não. Eles falam que é a direção que fala isso, aquilo e

assado, e diz que tem gente piores que a gente. Ótimo, mas na atual situação

quando dá enchente, nós somos todos iguais e nós podemos perder a vida

aqui como lá, onde está lá, mas não estamos meio esperto aqui para

preservar nossa vida, então tudo bem. Mas o prejuízo, talvez seja o nosso

prejuízo seja maior que o do pessoal de baixa renda, de mais necessidade,

por que? Porque a gente perde muitas coisas, e além do mais, a gente está

perdendo a nossa dignidade, das pessoas de viver em um local bom.