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SÃO PAULO P assados 10 anos, ninguém foi condenado por uma das maiores tragédias da aviação brasileira. Trata- se do acidente com o Airbus A320 da TAM, ocorrido em 17 de julho de 2007. Nesses anos, o caso foi julga- do pela primeira e segunda instân- cias da Justiça Federal e todos os de- nunciados pelo Ministério Público Federal foram absolvidos. Nesses dez anos, a TAM se juntou à empre- sa aérea chilena LAN, fusão que ocorreu no dia 5 de maio de 2016, e virou Latam Airlines, ou somente Latam como está estampado em suas aeronaves. O acidente foi investigado por três órgãos. Um deles, o Centro de Investigação e Prevenção de Aci- dentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica, que concluiu que uma série de fatores contribuíram para o acidente. O relatório do Cenipa constatou, entre vários pontos, que os pilotos movimentaram, sem per- ceber, um dos manetes para a posi- ção idle (ponto morto) e deixaram o outro em posição climb (subir). O sistema de computadores da aero- nave entendeu que os pilotos que- riam arremeter (subir). O documento também relata que não havia um aviso sonoro para ad- vertir os pilotos sobre a falha no po- sicionamento dos manetes e que o treinamento dos pilotos era falho: a formação teórica dos pilotos, pelo que se apurou na época, usava ape- nas cursos interativos em computa- dor. Outro problema apontado é que o copiloto, embora tivesse ex- periência, tinha poucas horas de voo em aviões do modelo A320, e que não foi normatizada, na época, a proibição em Congonhas de pousos com o reverso (freio aerodinâmico) inoperante, o que impediria o pou- so do avião nessas condições em si- tuação de pista molhada. A Latam Airlines negou que hou- vesse falhas no treinamento dos pi- lotos. Segundo a Latam, tanto o trei- namento quanto os procedimentos dos pilotos são feitos conforme pa- drões mundiais de segurança e nor- teados pelos manuais do fabrican- te e aprovados pelas autoridades do país de origem e órgãos reguladores. O Cenipa, no entanto, não é um órgão de punição, mas de preven- ção. Ele não aponta culpados, mas as causas do acidente. O relatório so- bre o acidente, portanto, dá infor- mações e 83 recomendações para que tragédias como essa não se re- pitam. O relatório feito pela Aero- náutica contribuiu para outras duas investigações, feitas pela Polícia Ci- vil e pela Polícia Federal, que leva- ram, no entanto, a conclusões bem diferentes sobre os culpados. O caso foi investigado inicial- mente pela Polícia Civil, que decidiu indiciar 10 pessoas pelo acidente, entre elas funcionários da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aero- portuária (Infraero), da Agência Na- cional de Aviação Civil (Anac) e da companhia aérea TAM. Após o indi- ciamento policial, o processo foi le- vado ao promotor Mário Luiz Sar- rubbo, do Ministério Público Esta- dual, que incluiu mais um nome e denunciou 11 pessoas pelo aciden- te. “O acidente poderia e deveria ter sido evitado. A aeronave, com o re- verso inoperante, não poderia pou- sar naquela pista naquela circuns- tância”, disse o promotor. O processo em âmbito estadual agradou às famílias das vítimas. “O processo, como foi feito pelo Dr. Sarrubbo, achei que foi muito bem feito. Apontou gente da Anac, In- fraero e TAM. Se não me engano, ele fez uma menção contra a Air- bus por não colocar como manda- tório aquele dispositivo de segu- rança [o aviso sonoro sobre o posi- cionamento dos manetes]”, disse Dario Scott, pai de Thais, que mor- reu no acidente. Por meio de nota, a Infraero in- formou que “não falhou”. “Restou comprovado, pelo Cenipa, que não houve falha do administrador na li- beração da pista. O acidente envol- vendo o A320 da TAM foi rigorosa- mente investigado, conforme Rela- tório Final da Investigação. As con- clusões dispostas no referido docu- mento não apontam a pista como fator contribuinte ao acidente”, diz o órgão. A empresa disse ainda que chegou a prestar esclarecimentos à Justiça e que, no decorrer da ação, a empresa foi excluída do processo. A denúncia do promotor não foi levada à Justiça estadual. O proces- so foi remetido ao Ministério Públi- co Federal porque, no entendimen- to do promotor, o caso se tratava de crime de atentado contra a segu- rança do transporte aéreo, compe- tência federal. “Em dado momento, na nossa investigação, detectamos que havia muitas questões envolvendo a em- presa aérea, o nível de segurança, er- ros em cadeia que resultaram nos erros fatais cometidos na cabine e, evidentemente, uma sequência an- terior envolvendo a empresa, a Anac, a Infraero. Havia também pro- blemas na pista, da falta de grooving. Então era muito mais uma questão sistêmica do que isolada. Quando concluímos a investigação estadual, me manifestei que havia indícios de crime de atentado contra a segu- rança do transporte aéreo e pedi a remessa dos autos para a Justiça Fe- deral, ou seja, para o Ministério Pú- blico Federal”, disse Sarrubbo. Por se tratar de um acidente aé- reo, o caso também foi investigado pela Polícia Federal, que finalizou sua investigação decidindo culpar apenas os dois pilotos, Kleyber Li- ma e Henrique Stefanini Di Sacco, pela tragédia. O inquérito da Polícia Federal se transformou em denún- cia e, nesse documento, que foi acei- to pela Justiça, o procurador Rodri- go de Grandis decidiu, ao contrário do indiciamento da Polícia Federal, denunciar três pessoas pelo caso. “Obviamente os pilotos não con- seguiram parar a aeronave e têm res- ponsabilidade. Foram mal treinados ou o que for, não sei, mas infeliz- mente eles não estão aqui para se defender. Mas é muito simplista eu falar na responsabilidade deles. Is- so é cômodo para a TAM, a Anac, a Airbus, a Infraero e não satisfaz os familiares”, disse Dario Scott. Justiça Federal A ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu, o então vice-presidente de operações da TAM, Alberto Farje- man, e o diretor de Segurança de Voo da empresa na época, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro foram denunciados pelo Mi- nistério Público por “atentado con- tra a segurança de transporte aéreo”, na modalidade culposa. Eles foram absolvidos pela Justiça de primeira instância e também pelo Tribunal Regional Federal. Os três viraram réus e foram jul- gados pelo juiz Márcio Assad Guar- dia, da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo que, em 2015, absolveu- os. Para o juiz, eles não agiram com dolo (intenção). “[Eles] não praticaram o crime de exposição de aeronave a perigo previsto no Artigo 261 e do Código Penal, seja porque as condutas a eles atribuídas não correspondem à figura típica abstratamente pre- vista na norma [ausência de sub- sunção do fato ao tipo], seja por- que não se encontram no desdo- bramento causal – normativo ou naturalístico – do resultado”, diz o juiz na sentença. “De acordo com as premissas apresentadas pelo ór- gão acusatório [MPF], seria possí- vel imputar a responsabilidade pe- nal pelo sinistro ocorrido em 17 de julho de 2007 a um contingente imensurável de indivíduos, nota- damente pela quantidade e pelo grau de desvirtuamento apresen- tados no curso do processo”. No mês passado, o TRF manteve a de- cisão de primeira instância e a ab- solvição dos réus. Apesar da demora e da absolvi- ção dos réus nas instâncias iniciais, as famílias ainda acreditam em con- denação. “A esperança é que esse quadro seja revertido. Para nós, fa- miliares, essas três pessoas que são réus no processo criminal, tem res- ponsabilidade por expor a aerona- ve a risco. O que a gente espera é que isso [a absolvição] se reverta e tenha uma punição. Tem que ter”, ressal- tou Dario Scott. “Essa questão, eu digo para as famílias, não terminou. Tenho con- vicção de que a Justiça ainda dará uma resposta ao recurso penden- te de apreciação. Tenho a firme convicção de que nós teremos uma resposta positiva da Justiça com a responsabilização penal daqueles que atuaram, eu insisto, não dolo- samente, mas daqueles que cola- boraram para esse tipo de evento”, disse Sarrubbo. O advogado que defende as fa- mílias também espera pela reforma da sentença nas instâncias superio- res e na punição aos culpados pelo acidente. “Continuo entendendo que, na realidade, quando o avião se cho- cou com o prédio da TAM, ali não foi o início da tragédia. Ali foi o fim da tragédia. O início da tragédia foi a autorização do pouso [no aero- porto de Congonhas]. Essa autori- zação, nas circunstâncias da pista, nas circunstâncias do avião, naquele momento chuvoso, com pista es- corregadia, o avião com o reverso pinado, voo lotadíssimo, não deve- ria ocorrer. Algumas pessoas deve- riam garantir que isso não ocorres- se e terminaram não cumprindo com seus deveres”, disse o advoga- do da família, Ronaldo Augusto Bre- tas Marzagão, que era Secretário de Segurança Pública de São Paulo na época do acidente. De acordo com o advogado, “a luta continua”. “Se ainda tivermos recursos para as cortes superiores, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, conti- nuaremos lutando porque estamos lutando em nome da memória de 199 pessoas mortas. E também es- tamos lutando para que o Brasil, alertado por essa tragédia, trabalhe incessantemente para que ela não mais ocorra.” Saudades Para lembrar a data, a associação de familiares e amigos das vítimas do voo 3054 da TAM realizou no sába- do (15) um evento na praça Memo- rial 17 de Julho, ao lado do Aeropor- to de Congonhas, em São Paulo. No prédio que havia no local, bateu o avião que tinha decolado de Porto Alegre e que não conseguiu pousar e nem arremeter em Congonhas. Morreram 199 pessoas. Amigos e parentes se reuniram às 10h para uma homenagem que começou com uma oração. Estrelas com os nomes das vítimas foram colocadas em volta do espelho. O espelho contorna a única sobrevi- vente, uma árvore. Após o evento, uma missa foi celebrada na Rua Re- pública do Iraque, nº 1.839, no Campo Belo. Para a dona de casa Maria Este- la Teixeira, que perdeu o filho Dou- glas no acidente, dez anos passaram rápido demais. “Ele não está longe de mim esse tempo todo. Ele conti- nua vivo e bem presente onde eu estou”, afirma. A escritora Marinalda Ura per- deu o chão naquele dia 17 de julho. Estavam no voo o filho, a filha, o genro e a única neta. “Foi muito di- fícil. Foi como se o mundo tivesse acabado para mim. Eu morri jun- to com eles. Eu não queria mais vi- ver. Depois desses anos eu come- cei a superar”, conta. O Estado do Maranhão São Luís, 17 de julho de 2017. Segunda-feira 11 GERAL Uma das maiores tragédias da aviação brasileira matou 199 pessoas no Aeroporto de Congonhas há 10 anos; todos os denunciados pelo acidente foram absolvidos; familiares fizeram homenagem às vítimas no sábado Acidente com avião da TAM completa 10 anos sem punição Foi como se o mundo tivesse acabado para mim. Eu morri junto com eles” MARINALDA URA, perdeu quatro familiares no acidente do avião, ocorrido há 10 anos Após a colisão do avião com o prédio de cargas da própria companhia, houve uma explosão que matou um total de 199 pessoas no acidente Fotos/Divulgação ENTENDA O CASO Eram aproximadamente 18h48 do dia 17 de julho de 2007 quando o Airbus A 320 da TAM, que vinha do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tentou pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A pista estava molhada e, por causa de uma reforma recente, não tinha grooving (ranhuras, que facilitam a frenagem do avião). De acordo com as investigações, por um erro no posicionamento dos manetes, que determinam a aceleração ou reduzem a potência do motor, a aeronave não parou. Um dos manetes estava na posição de ponto morto (idle), mas o outro em posição de aceleração. O airbus atravessou a pista, passou sobre a Avenida Washington Luís e bateu num prédio de cargas da própria companhia, provocando a morte de 199 pessoas. A situação da pista gerava, segundo investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea, uma certa preocupação e desconforto para os pilotos que tinham que pousar em Congonhas, principalmente quando chovia, como era o caso do dia do acidente. Além disso, segundo o relatório do Cenipa, que investigou todas as causas do acidente e apontou uma série de recomendações para prevenir futuros acidentes, outro problema foi que o avião operava com um reverso (sistema de freio aerodinâmico do motor) desativado (pinado), o que exigiria mais pista para parar a aeronave. O acidente 10 pessoas chegaram a ser indiciadas Vôo da TAM estava vindo de Porto Alegre Prédio de cargas da TAM ficou completamente destruído; na hora do acidente chovia em Congonhas

São Luís, 17 de julho de 2017. Segunda-feira 11 Acidente ... · se do acidente com o Airbus A320 da TAM, ocorrido em 17 de julho de 2007. Nesses anos, o caso foi julga-do pela primeira

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Page 1: São Luís, 17 de julho de 2017. Segunda-feira 11 Acidente ... · se do acidente com o Airbus A320 da TAM, ocorrido em 17 de julho de 2007. Nesses anos, o caso foi julga-do pela primeira

SÃO PAULO

Passados 10 anos, ninguémfoi condenado por umadas maiores tragédias daaviação brasileira. Trata-

se do acidente com o Airbus A320 daTAM, ocorrido em 17 de julho de2007. Nesses anos, o caso foi julga-do pela primeira e segunda instân-cias da Justiça Federal e todos os de-nunciados pelo Ministério PúblicoFederal foram absolvidos. Nessesdez anos, a TAM se juntou à empre-sa aérea chilena LAN, fusão queocorreu no dia 5 de maio de 2016, evirou Latam Airlines, ou somenteLatam como está estampado emsuas aeronaves.

O acidente foi investigado portrês órgãos. Um deles, o Centro deInvestigação e Prevenção de Aci-dentes Aeronáuticos (Cenipa), daAeronáutica, que concluiu que umasérie de fatores contribuíram para oacidente. O relatório do Cenipaconstatou, entre vários pontos, queos pilotos movimentaram, sem per-ceber, um dos manetes para a posi-ção idle (ponto morto) e deixaram ooutro em posição climb (subir). Osistema de computadores da aero-nave entendeu que os pilotos que-riam arremeter (subir).

O documento também relata quenão havia um aviso sonoro para ad-vertir os pilotos sobre a falha no po-sicionamento dos manetes e que otreinamento dos pilotos era falho: aformação teórica dos pilotos, peloque se apurou na época, usava ape-nas cursos interativos em computa-dor. Outro problema apontado éque o copiloto, embora tivesse ex-periência, tinha poucas horas de vooem aviões do modelo A320, e quenão foi normatizada, na época, aproibição em Congonhas de pousoscom o reverso (freio aerodinâmico)inoperante, o que impediria o pou-so do avião nessas condições em si-tuação de pista molhada.

A Latam Airlines negou que hou-vesse falhas no treinamento dos pi-lotos. Segundo a Latam, tanto o trei-namento quanto os procedimentosdos pilotos são feitos conforme pa-drões mundiais de segurança e nor-teados pelos manuais do fabrican-te e aprovados pelas autoridades dopaís de origem e órgãos reguladores.

O Cenipa, no entanto, não é umórgão de punição, mas de preven-ção. Ele não aponta culpados, masas causas do acidente. O relatório so-bre o acidente, portanto, dá infor-mações e 83 recomendações paraque tragédias como essa não se re-pitam. O relatório feito pela Aero-náutica contribuiu para outras duasinvestigações, feitas pela Polícia Ci-vil e pela Polícia Federal, que leva-ram, no entanto, a conclusões bemdiferentes sobre os culpados.

O caso foi investigado inicial-mente pela Polícia Civil, que decidiuindiciar 10 pessoas pelo acidente,entre elas funcionários da EmpresaBrasileira de Infraestrutura Aero-portuária (Infraero), da Agência Na-cional de Aviação Civil (Anac) e dacompanhia aérea TAM. Após o indi-ciamento policial, o processo foi le-vado ao promotor Mário Luiz Sar-rubbo, do Ministério Público Esta-dual, que incluiu mais um nome edenunciou 11 pessoas pelo aciden-te. “O acidente poderia e deveria tersido evitado. A aeronave, com o re-verso inoperante, não poderia pou-sar naquela pista naquela circuns-tância”, disse o promotor.

O processo em âmbito estadualagradou às famílias das vítimas. “Oprocesso, como foi feito pelo Dr.Sarrubbo, achei que foi muito bemfeito. Apontou gente da Anac, In-fraero e TAM. Se não me engano,ele fez uma menção contra a Air-bus por não colocar como manda-tório aquele dispositivo de segu-rança [o aviso sonoro sobre o posi-cionamento dos manetes]”, disseDario Scott, pai de Thais, que mor-

reu no acidente.Por meio de nota, a Infraero in-

formou que “não falhou”. “Restoucomprovado, pelo Cenipa, que nãohouve falha do administrador na li-beração da pista. O acidente envol-vendo o A320 da TAM foi rigorosa-mente investigado, conforme Rela-tório Final da Investigação. As con-clusões dispostas no referido docu-mento não apontam a pista comofator contribuinte ao acidente”, dizo órgão. A empresa disse ainda quechegou a prestar esclarecimentos àJustiça e que, no decorrer da ação, aempresa foi excluída do processo.

A denúncia do promotor não foilevada à Justiça estadual. O proces-so foi remetido ao Ministério Públi-co Federal porque, no entendimen-to do promotor, o caso se tratava decrime de atentado contra a segu-rança do transporte aéreo, compe-tência federal.

“Em dado momento, na nossainvestigação, detectamos que haviamuitas questões envolvendo a em-presa aérea, o nível de segurança, er-ros em cadeia que resultaram noserros fatais cometidos na cabine e,evidentemente, uma sequência an-terior envolvendo a empresa, aAnac, a Infraero. Havia também pro-blemas na pista, da falta de grooving.Então era muito mais uma questãosistêmica do que isolada. Quandoconcluímos a investigação estadual,me manifestei que havia indícios decrime de atentado contra a segu-rança do transporte aéreo e pedi aremessa dos autos para a Justiça Fe-deral, ou seja, para o Ministério Pú-blico Federal”, disse Sarrubbo.

Por se tratar de um acidente aé-reo, o caso também foi investigadopela Polícia Federal, que finalizou

sua investigação decidindo culparapenas os dois pilotos, Kleyber Li-ma e Henrique Stefanini Di Sacco,pela tragédia. O inquérito da PolíciaFederal se transformou em denún-cia e, nesse documento, que foi acei-to pela Justiça, o procurador Rodri-go de Grandis decidiu, ao contráriodo indiciamento da Polícia Federal,denunciar três pessoas pelo caso.

“Obviamente os pilotos não con-seguiram parar a aeronave e têm res-ponsabilidade. Foram mal treinadosou o que for, não sei, mas infeliz-mente eles não estão aqui para sedefender. Mas é muito simplista eufalar na responsabilidade deles. Is-so é cômodo para a TAM, a Anac, aAirbus, a Infraero e não satisfaz osfamiliares”, disse Dario Scott.

Justiça FederalA ex-diretora da Agência Nacionalde Aviação Civil (Anac) DeniseAbreu, o então vice-presidente deoperações da TAM, Alberto Farje-man, e o diretor de Segurança de

Voo da empresa na época, MarcoAurélio dos Santos de Miranda eCastro foram denunciados pelo Mi-nistério Público por “atentado con-tra a segurança de transporte aéreo”,na modalidade culposa. Eles foramabsolvidos pela Justiça de primeirainstância e também pelo TribunalRegional Federal.

Os três viraram réus e foram jul-gados pelo juiz Márcio Assad Guar-dia, da 8ª Vara Federal Criminal deSão Paulo que, em 2015, absolveu-os. Para o juiz, eles não agiram comdolo (intenção).

“[Eles] não praticaram o crimede exposição de aeronave a perigoprevisto no Artigo 261 e do CódigoPenal, seja porque as condutas aeles atribuídas não correspondemà figura típica abstratamente pre-vista na norma [ausência de sub-sunção do fato ao tipo], seja por-que não se encontram no desdo-bramento causal – normativo ounaturalístico – do resultado”, diz ojuiz na sentença. “De acordo comas premissas apresentadas pelo ór-gão acusatório [MPF], seria possí-vel imputar a responsabilidade pe-nal pelo sinistro ocorrido em 17 dejulho de 2007 a um contingenteimensurável de indivíduos, nota-damente pela quantidade e pelograu de desvirtuamento apresen-tados no curso do processo”. Nomês passado, o TRF manteve a de-cisão de primeira instância e a ab-solvição dos réus.

Apesar da demora e da absolvi-ção dos réus nas instâncias iniciais,as famílias ainda acreditam em con-denação. “A esperança é que essequadro seja revertido. Para nós, fa-miliares, essas três pessoas que sãoréus no processo criminal, tem res-

ponsabilidade por expor a aerona-ve a risco. O que a gente espera é queisso [a absolvição] se reverta e tenhauma punição. Tem que ter”, ressal-tou Dario Scott.

“Essa questão, eu digo para asfamílias, não terminou. Tenho con-vicção de que a Justiça ainda daráuma resposta ao recurso penden-te de apreciação. Tenho a firmeconvicção de que nós teremos umaresposta positiva da Justiça com aresponsabilização penal daquelesque atuaram, eu insisto, não dolo-samente, mas daqueles que cola-boraram para esse tipo de evento”,disse Sarrubbo.

O advogado que defende as fa-mílias também espera pela reformada sentença nas instâncias superio-res e na punição aos culpados peloacidente.

“Continuo entendendo que, narealidade, quando o avião se cho-cou com o prédio da TAM, ali nãofoi o início da tragédia. Ali foi o fimda tragédia. O início da tragédia foia autorização do pouso [no aero-porto de Congonhas]. Essa autori-zação, nas circunstâncias da pista,nas circunstâncias do avião, naquelemomento chuvoso, com pista es-corregadia, o avião com o reversopinado, voo lotadíssimo, não deve-ria ocorrer. Algumas pessoas deve-riam garantir que isso não ocorres-se e terminaram não cumprindocom seus deveres”, disse o advoga-do da família, Ronaldo Augusto Bre-tas Marzagão, que era Secretário deSegurança Pública de São Paulo naépoca do acidente.

De acordo com o advogado, “aluta continua”. “Se ainda tivermosrecursos para as cortes superiores,o Superior Tribunal de Justiça e oSupremo Tribunal Federal, conti-nuaremos lutando porque estamoslutando em nome da memória de199 pessoas mortas. E também es-tamos lutando para que o Brasil,alertado por essa tragédia, trabalheincessantemente para que ela nãomais ocorra.”

SaudadesPara lembrar a data, a associação de

familiares e amigos das vítimas dovoo 3054 da TAM realizou no sába-do (15) um evento na praça Memo-rial 17 de Julho, ao lado do Aeropor-to de Congonhas, em São Paulo. Noprédio que havia no local, bateu oavião que tinha decolado de PortoAlegre e que não conseguiu pousare nem arremeter em Congonhas.Morreram 199 pessoas.

Amigos e parentes se reuniramàs 10h para uma homenagem quecomeçou com uma oração. Estrelascom os nomes das vítimas foramcolocadas em volta do espelho. Oespelho contorna a única sobrevi-vente, uma árvore. Após o evento,uma missa foi celebrada na Rua Re-pública do Iraque, nº 1.839, noCampo Belo.

Para a dona de casa Maria Este-la Teixeira, que perdeu o filho Dou-glas no acidente, dez anos passaramrápido demais. “Ele não está longede mim esse tempo todo. Ele conti-nua vivo e bem presente onde euestou”, afirma.

A escritora Marinalda Ura per-deu o chão naquele dia 17 de julho.Estavam no voo o filho, a filha, ogenro e a única neta. “Foi muito di-fícil. Foi como se o mundo tivesseacabado para mim. Eu morri jun-to com eles. Eu não queria mais vi-ver. Depois desses anos eu come-cei a superar”, conta. �

O Estado do Maranhão São Luís, 17 de julho de 2017. Segunda-feira 11GERAL

Uma das maiores tragédias da aviação brasileira matou 199 pessoas no Aeroporto de Congonhas há 10 anos;todos os denunciados pelo acidente foram absolvidos; familiares fizeram homenagem às vítimas no sábado

Acidente com avião da TAMcompleta 10 anos sem punição

Foi como se o mundo tivesse acabadopara mim. Eu morri junto com eles”

MARINALDA URA, perdeu quatro familiares no acidente do avião, ocorrido há 10 anos

Após a colisão do avião com o prédio de cargas da própria companhia, houve uma explosão que matou um total de 199 pessoas no acidente

Fotos/Divulgação

ENTENDA O CASO

Eram aproximadamente18h48 do dia 17 de julhode 2007 quando o AirbusA 320 da TAM, que vinhado aeroporto SalgadoFilho, em Porto Alegre,tentou pousar noaeroporto de Congonhas,em São Paulo. A pistaestava molhada e, porcausa de uma reformarecente, não tinhagrooving (ranhuras, quefacilitam a frenagem doavião). De acordo com asinvestigações, por umerro no posicionamentodos manetes, quedeterminam a aceleraçãoou reduzem a potência domotor, a aeronave nãoparou. Um dos manetesestava na posição deponto morto (idle), mas ooutro em posição deaceleração.O airbus atravessou apista, passou sobre aAvenida Washington Luíse bateu num prédio decargas da própriacompanhia, provocando amorte de 199 pessoas.A situação da pistagerava, segundoinvestigação do Centro deInvestigação e Prevençãode Acidentes Aeronáuticos(Cenipa), da Força Aérea,uma certa preocupação edesconforto para ospilotos que tinham quepousar em Congonhas,principalmente quandochovia, como era o casodo dia do acidente.Além disso, segundo orelatório do Cenipa, queinvestigou todas as causasdo acidente e apontouuma série derecomendações paraprevenir futurosacidentes, outro problemafoi que o avião operavacom um reverso (sistemade freio aerodinâmico domotor) desativado(pinado), o que exigiriamais pista para parar aaeronave.

O acidente

10 pessoaschegaram a ser

indiciadas

Vôo da TAMestava vindo de

Porto Alegre

Prédio de cargas da TAM ficou completamente destruído; na hora do acidente chovia em Congonhas