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SÃO PAULO, 08, 09 e 10 DE NOVEMBRO DE 2014

SÃO PAULO, 21 DE MARÇO DE 2013 - prefeitura.sp.gov.br · frente e uma prova da importância da consciência para economia de água. O nível dos reservatórios do Sistema Alto Tietê

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SÃO PAULO, 08, 09 e 10 DE NOVEMBRO DE 2014

Antes e depois: chuva recente não eleva nível da água no Cantareira

Imagem de agosto mostra capacidade maior da Represa Atibainha.

Em foto feita em novembro, reservatório está bem abaixo do esperado

Nem mesmo as chuvas recentes foram suficientes para elevar o nível do Sistema Cantareira na primeira semana de novembro. Na Represa Atibainha, que fica entre as cidades de Mairiporã (SP) e Nazaré Paulista (SP), a quantidade menor de água no local é visível. Em imagem feita em 29 de agosto deste ano, é possível ver a marca antiga da água às margens da represa. Em outra foto feita em 5 de novembro, uma ilha de terra surge no meio do reservatório, indicando que a seca na região permanece.

Sistema de captação do volume morto da Represa Atibainha, em Nazaré Paulista, em 29 de agosto de 2014 (Foto: Isabela Leite/G1)

Sistema de captação do volume morto da Represa Atibainha, em Nazaré Paulista, em 5 de novembro de 20145 (Foto: Glauco Araújo/G1)

Para especialistas, economia de água deve continuar mesmo com chuvas

Nível das represas continua baixo e o alerta para falta de água continua.

Chuvas não foram suficientes para reservatórios se normalizarem.

Represa de Ponte Nova, em Salesópolis, exibe pedras de seu leito (Foto: Edson Martins/Jornal O Diário)

Engana-se aqueles que pensam que as chuvas dos últimos dias irá resolver o problema da falta de água para o abastecimento da grande São Paulo. De acordo com especialistas ouvidos pelo G1, a estiagem vivenciada é só uma mostra do que virá pela frente e uma prova da importância da consciência para economia de água.

O nível dos reservatórios do Sistema Alto Tietê estava com 8,3% da sua capacidade, na sexta-feira (7). Na quinta-feira (6), o nível de medição do Rio Tietê na estação de captação de água do Serviço Municipal de Águas e Esgoto (Semae), em Cocuera, registrava 1,25m. Segundo a assessoria de imprensa, tal medida está dentro da média para a época do ano, que oscila entre 1m e 1,5m.

O engenheiro civil, José Roberto Kachel, explica que a quantidade de chuva registrada nesta semana não corresponde ao valor que chegará até os reservatórios. “Em hipótese alguma dá para relaxar com o consumo de água. As represas continuam caindo porque a chuva não significa vazão afluente. A chuva que cai, parte dela evapora e outra parte se infiltra no solo e é absorvida pela vegetação. Para voltar ao normal, o solo precisa estar 'hidratado'.”

Embora a situação seja mais crítica na cidade de São Paulo, o Alto Tietê sofre diretamente com o problema. Além do sistema fornecer água à capital para suprir a escassez do Sistema Cantareira, parte da cidade de Mogi das Cruzes, é abastecida pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

Cerca de 35% das 125 mil ligações do município recebe água proveniente da Sabesp. Estas ligações estão concentradas no distrito de Brás Cubas, onde a água fica armazenada no reservatório de Santa Tereza, e nos bairros que fazem limite com outros municípios.

De acordo com a autarquia, o consumo médio dos mogianos é de 900 litros por segundo. Com a campanha de conscientização que tem sido feita desde abril houve uma queda de 10% no consumo mensal.

Mesmo com a redução do consumo, a biológa Nadja Soares alerta que períodos de estiagem se tornarão mais comuns. “Nós estamos vivendo um período de mudanças climáticas. Mesmo que a gente tenha mais dias de chuva, até mesmo nos levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que teremos anos mais secos.”

Com este prognóstico pessimista, Nadja alerta que a economia deve ser mantida, pois a falta de água, não atingirá somente o Nordeste do País, como acontecia antigamente. “A população de um modo geral e o próprio governo levaram um susto. Isso já era previsto, mas nunca tinha acontecido uma estiagem como essa aqui no Sudeste. A população deve manter um 'pé atrás' e diminuir o desperdício doméstico”, assegura

Kachel aponta também que nunca será atingida a capacidade máxima dos reservatórios por conta da margem de segurança e da captação das águas para o abastecimento. Para o especialista, o problema é crônico e os reservatórios já davam sinais de problemas no início do ano. “Em janeiro o Sistema Cantareira já estava com menos de 20% da sua capacidade, o Alto Tietê não sabemos. Não foi do dia para a noite que a pluviometria caiu. As vazões vieram caindo abaixo da média da série histórica, mas a Sabesp não quer nem ouvir falar em racionamento de água.”

Aposentado estoca água da chuva em 11 tambores (Foto: Reprodução/TV Diário)

Com o “susto” da possível falta de água, muitos moradores improvisaram técnicas para estocar água em casa. José Arthur Franzotti aproveitou os 11 tambores que tem em casa para guardar a água da chuva. “Quando nós colocamos a calha no telhado, a gente observou que muita água limpa era totalmente desperdiçada. Com a ideia de aproveitamento, o custo-benefício faz bem para o bolso. Além disso, você utiliza essa água para economizar, beneficiar a comunidade. Então, eu comecei a pensar em alguma coisa para reaproveitar essa água”, conta.

Nadja acredita que hábitos como o de José Arthur deverão ser incorporados pela sociedade. “Acabou a água para todo mundo. A economia daqui para frente vai ter que se tornar um hábito e isso não é uma coisa que vai mudar se começar a chover. Mogi das Cruzes e toda a Grande São Paulo é uma região extremamente habitada, por isso vai ser preciso repensar os nossos hábitos e os modos de utilizar os recursos. As pessoas têm que dar valor para a água que desperdiçam”.

Por meio da sua assessoria de imprensa, a Sabesp informa que "não há racionamento, rodizio, nem qualquer registro de consumo em nenhuma das 364 cidades operadas pela empresa". O órgão ainda ressalta que 75% dos consumidores economizaram água no mês de outubro, sendo que 50% receberam o bônus nas contas.

Sobre possíveis problemas no abastecimento em Mogi das Cruzes, o Semae reintera que "mantém diálogo constante com a Sabesp e possui um acordo com a estatal que vem sendo mantido até o momento: a autarquia tem a garantia da estatal paulista de que tanto o nível do Rio Tietê (...) quanto o abastecimento do reservatório de Santa Tereza serão mantidos, apesar da crise hídrica que afeta o Estado de São Paulo e parte da região Sudeste. Até agora, o Tietê tem mantido seu nível dentro da média histórica e o reservatório Santa Tereza vem recebendo água normalmente - o que mostra que a Sabesp vem cumprindo com o compromisso".

O Semae diz ainda que não estuda a implantação de bônus nas contas de água pelo fato do valor cobrado ser 39% mais barato que o praticado pela Sabesp, na primeira faixa de consumo, até 10 metros cúbicos.

Amazônia perdeu mais de 2000 árvores por minuto nos últimos 40 anos

Um relatório lançado na quinta-feira, 30, em São Paulo sintetiza, pela primeira vez, cerca de duzentos dos principais estudos e artigos científicos sobre o papel da floresta amazônica no sistema climático, na regulação das chuvas e na exportação de serviços ambientais para áreas produtivas, vizinhas e distantes da Amazônia. A avaliação conclui que reduzir a zero o desmatamento já não basta para garantir as funções climáticas do bioma.

Conduzido pelo pesquisador Antonio Donato Nobre, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, a pedido da Articulación Regional Amazónica (ARA), o estudo “O Futuro Climático da Amazônia” afirma que é preciso recuperar o que foi destruído – somente no Brasil alcança uma área de 763 mil Km2, o que equivale a três estados de São Paulo ou a 184 milhões de campos de futebol.

Entre os segredos que fazem da Amazônia um sistema único no planeta, está o fato de que a floresta mantém úmido o ar em movimento, o que leva chuvas para as regiões interiores do continente. Além disso, ela ajuda a formar chuvas em ar limpo, uma vez que as árvores emitem aromas a partir dos quais se formam sementes de condensação do vapor d’água, cuja eficiência na nucleação de nuvens resulta em chuvas fartas.

Outro segredo trazido à tona é que a floresta amazônica não mantém o ar úmido apenas para si mesmo. Ela exporta essa umidade por meio de rios aéreos de vapor, os chamados “rios voadores,” que irrigam áreas como o Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil e outras áreas como o Pantanal e o Chaco, além da Bolívia, Paraguai e Argentina. “Sem os serviços da floresta, essas produtivas regiões poderiam ter um clima inóspito, quase desértico”, diz o autor.

Gêisers de madeira – Segundo Nobre, essa competência de regular o clima se dá principalmente pela capacidade inata das árvores de transferir grandes volumes de água do solo para a atmosfera através da transpiração. São 20 bilhões de toneladas de água transpiradas ao dia, o equivalente a 20 trilhões de litros. Para se ter uma ideia, o volume despejado no oceano Atlântico pelo rio Amazonas é de pouco mais de 17 bilhões de toneladas diariamente. “As árvores funcionam como gêisers de madeira, jorrando esse imenso volume de água vaporosa na atmosfera”.

Mas o desmatamento pode colocar todos esses atributos da floresta em risco. Diversas previsões vêm sendo confirmadas por observações, entre elas estão à redução drástica da transpiração, a modificação na dinâmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estação seca nas zonas desmatadas. Vários estudos sugerem que a floresta, na sua condição original, tem grande resistência a cataclismos climáticos. Mas quando é abatida ou debilitada por motosserras, tratores e fogo sua imunidade é quebrada. Nos cálculos de Nobre, a ocupação da Amazônia já destruiu no mínimo 42 bilhões de árvores, ou seja, mais de 2000 árvores por minuto – ininterruptamente -, nos últimos 40 anos. O dano de tal devastação já se faz sentir no clima próximo e distante da Amazônia, e os prognósticos indicam agravamento do quadro se o desmatamento continuar e a floresta não forem restaurados.

Entre as medidas mitigadoras, o estudo propõe “universalizar o acesso às descobertas científicas que podem reduzir a pressão da principal causa do desmatamento: a ignorância”. E é preciso agir, recomenda o documento, que fala em um “esforço de guerra” para reverter o quadro atual.

Para Sérgio Guimarães, coordenador da ARA Regional, O Futuro Climático da Amazônia é uma grande contribuição nesse sentido. “Nossa intenção ao promover essa publicação é justamente tornar esse conhecimento acessível a diversos setores da sociedade. Quando todos entenderem a importância das florestas para nossa economia e nossa vida, com certeza isso estará no centro dos nossos debates e das nossas políticas públicas”, diz Guimarães.

Desmatamento

Estendendo-se por 6.9 milhões de km2 em nove países – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Suriname, Venezuela, Guiana e Guiana Francesa -, a Amazônia é uma das regiões naturais mais importantes do planeta e representa 40% das florestas tropicais remanescentes do mundo. Para Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF, combater o desmatamento na região já não é uma tarefa exclusiva das políticas nacionais, devido à crescente integração entre os países e as dinâmicas de mercado.

“Há frentes de desmatamento transfronteiriças, como por exemplo, entre o noroeste de Rondônia e o Nordeste da Bolívia, ou entre a tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia e a fronteira entre Equador e Colômbia, que são impulsionadas por ações descoordenadas entre os países. Além disso, a Amazônia tem complexo sistema de interação entre suas partes, sendo interdependente, pois o que se faz em uma parte prejudica outras. Sendo assim, é necessário ter políticas integradas e uma ação articulada que busque valorizar a floresta em pé em todo o bioma”, afirma.

O desmatamento da Amazônia secou São Paulo?

A Amazônia desmatada... (Foto: Arquivo/MMA)

... e os reservatórios da Cantareira secos. Alguma relação? (Foto: Luis Moura / Parceiro / Agência O Globo)

Enquanto a forte seca que afeta São Paulo continua, levando os reservatórios que abastecem milhões de pessoas ao colapso, muitos pesquisadores buscam as causas para a estiagem. Uma das hipóteses que apareceu nos últimos dias é de que o desmatamento da Amazônia tem relação direta com o a seca em São Paulo. Segundo essa hipótese, a derrubada desenfreada de árvores fez com que a Amazônia parasse de enviar umidade para o continente, e por isso não está chovendo no Sudeste. Será que podemos dizer que as motosserras do Norte secaram São Paulo?

Em tese, o desmatamento da Amazônia pode secar o resto do Brasil. Isso porque parte das chuvas de São Paulo surge a partir de umidade que vêm de lá. O pesquisador Antonio Nobre, do Inpe, explicou como funciona esse sistema ao apresentar o relatório O futuro climático da Amazônia, na quinta-feira, em São Paulo. As árvores da Amazônia transpiram e liberam vapor de água, formando nuvens. Essas nuvens são exportadas para o resto da América do Sul. Elas viajam pelo ar ladeando a cordilheira dos Andes, até chegar no Sul e Sudeste do Brasil e países como a Argentina, gerando as chuvas. São os rios voadores. Os modelos climáticos mostram que, se a destruição da Amazônia continuar, ela pode chegar a um ponto em que sua capacidade de exportar essas nuvens seja comprometida.

Acontece que esse cenário ainda não foi observado - felizmente. A Amazônia sofreu nas últimas décadas e cerca de 20% de toda a floresta já foi desmatada, mas ainda assim ela continua enviando umidade para o restante do continente. O que aconteceu é que, no último ano, essa umidade foi desviada no meio do caminho e não chegou em São Paulo.

O meteorologista Alexandre Nascimento, do Climatempo, conversou com o Blog do Planeta sobre o fenômeno. Segundo ele, no último verão, em novembro, dois bloqueios atmosféricos se formaram, um no Pacífico Sul e outro entre o Paraná e o Sudeste brasileiro. "É uma grande bolha de água quente que se forma em determinada região. As frentes frias se deslocam e, ao encontrar essa bolha, se desviam". Graças a esses dois bloqueios, tanto as frentes frias que vêm do Sul quanto a umidade da Amazônia não chegaram em São Paulo. "Esses bloqueios foram os grandes vilões do último verão". A previsão é que o fenômeno não se repita neste verão.

Mas mesmo que nós não soubessemos que a seca é causada por um fenômeno meteorológico, bastaria um pouco de lógica para perceber que o desmatamento da Amazônia não pode ser uma causa direta da seca. A Amazônia está sendo desmatada há mais de quatro décadas. Se isso já estivesse comprometendo as chuvas, estaríamos em uma situação muito mais complicada. E o Sudeste estaria secando gradualmente nos últimos 40 anos, na medida que a Amazônia foi perdendo vegetação.

O fato de o desmatamento da Amazônia não ter influência na seca do Sudeste agora não é desculpa para a devastação. Isso não significa que devemos ficar tranquilos com as motosserras e tratores derrubando a Amazônia. O desmatamento é sim um problema. Segundo os cálculos de Nobre, para se ter uma ideia, a Amazônia perde mais de 2 mil árvores por minuto.

Porém, se estivermos procurando uma devastação ambiental que agravou a crise de água, ela está bem mais próxima de São Paulo. É a destruição da Mata Atlântica. A reportagem de ÉPOCA visitou propriedades na região da Cantareira e constatou, sem grande surpresa, que as nascentes que estão desmatadas secaram, enquanto que as que têm florestas preservadas ainda têm água, mesmo com a seca. Os 500 anos de destruição da Mata Atlântica levou o bioma a ter apenas 7% de sua cobertura florestal original. Reflorestar e recuperar essas matas é uma forma inteligente de garantir o abastecimento de água no futuro.

Antonio Nobre: "Se houvesse florestas no Sudeste, a seca não seria tão

extrema"

As copas das árvores da Mata Atlântica (Foto: Divulgação/SOS Mata Atlântica)

Na semana passada, o Blog do Planeta publicou uma reportagem sobre a existência ou não de conexão entre a seca de São Paulo e o desmatamento na Amazônia. Segundo os cientistas que acompanham a estiagem no Sudeste, ainda não há como relacionar, diretamente, a perda de florestas no Norte com a seca paulista. Para eles, a falta de chuva é provocada por um bloqueio atmosférico que impediu a entrada de umidade vinda do Atlântico e da Amazônia.

A principal referência atual sobre o papel da floresta amazônica para a manutenção do clima é o estudo O futuro climático da Amazônia, do pesquisador Antonio Donato Nobre. Pesquisador de dois dos principais institutos do país, o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Nobre produziu um relatório que faz uma síntese de mais de 200 estudos sobre clima e Amazônia. Em uma entrevista por e-mail, ele explicou os principais resultados do estudo.

Segundo ele, ainda não é possível saber se a seca é causada pelo desmatamento da Amazônia ou por um fenômeno de bloqueio climático que ocorreu no verão passado na região Sudeste. Mais estudos são necessários. Mas as medições não deixam dúvidas

que o desmatamento no Norte já altera o clima na própria região amazônica. Além disso, se a Mata Atlântica do Sudeste não estivesse tão desmatada, os efeitos da seca não seriam tão graves. E Nobre faz um alerta: é preciso acabar com o desmatamento já, sob o risco de comprometer o "clima amigo" que gera chuvas para a agricultura em grande parte do Brasil.

>> Tudo o que você precisa saber sobre a crise de água em São Paulo

>> Mais notícias sobre a seca no Sudeste

ÉPOCA - Qual é a contribuição da Amazônia para as chuvas do Sul, Sudeste e Centro-oeste? Antonio Donato Nobre - A contribuição é total. O aporte liquido (no sentido de saldo) de vapor a estas regiões, que podemos chamar da Bacia do Prata - o que inclui além do Brasil, Bolivia, Paraguai e parte da Argentina - se dá principalmente nos meses de verão, de novembro a março. E é justamente nesse período que chegam os fluxos dos chamados rios aéreos de vapor procedentes da Amazônia. As frentes frias que procedem do sul do continente e chegam nessas regiões em outras épocas do ano são massas de ar frio que transportam pouquíssima umidade.

ÉPOCA - E para as chuvas que caem na própria Amazônia, qual a contribuição da floresta? Nobre - Também é total. As florestas transpiram grandes volumes de vapor d'água - o que mantém úmido o ar que adentra o continente por milhares de quilômetros. As árvores emitem "aromas" que são responsáveis pela formação de uma poeira finíssima com afinidade pela água, as "sementes de condensação"- sem as quais não se formam nuvens nem chuvas. Por fim, com evaporação de um fluxo de vapor que é maior do que o fluxo do rio Amazonas, e a condensação das nuvens, a pressão atmosférica na Amazônia cai, o que acelera e "suga" os ventos alíseos que vêm do Oceano Atlântico carregados de umidade - esse efeito é similar a de uma "bomba" de agua, sem a qual os ventos úmidos do oceano, fonte de toda água, não adentrariam a bacia Amazônica. Tire a floresta e os três fatores determinantes para as chuvas desaparecem, o que implica redução massiva das chuvas.

>> Amazônia: Saqueadores de terra pública sonegam R$ 270 milhões por ano só no Pará

ÉPOCA - Temos evidência de que a floresta já perdeu parte da sua capacidade de produzir umidade para a Amazônia ou para outras regiões? Nobre - Nao é a floresta, no seu estado pristino, que perdeu capacidade de fomentar a umidade atmosférica e com isso favorecer chuvas benignas. É sua destruição, sua ausência, e mesmo sua incineração, gerando fumaça e fuligem, que são responsáveis por destroçar o sistema climático amigo que existia antes, substituindo-o por um dramaticamente inóspito novo clima.

Imagens de satélite mostram a destruição bruta e a degradação das florestas, a cena do crime, além de mostrar também a geração e o deslocamento das nuvens de fumaça e fuligem que matam as chuvas. Torres de observação e outros instrumentos de superfície coletam em tempo real as mudanças no clima, as alterações na

concentração de vapor d'água, os efeitos da fumaça e fuligem. Modelos atmosféricos e modelos de vegetação que simulam no computador as condições reais e são aferidos por observações tanto de satélites quanto de superfície mostram a evolução do cenário de alteração climatica, uma evolução nada boa. Por fim, novas análises teóricas, baseadas em leis físicas, permitem antecipar o que deve acontecer nos cenários futuros. A ciência indica até o momento que o clima já está mudando na Amazonia. Está mudando mais nas zonas desmatadas, mas não somente.

ÉPOCA - Podemos dizer que a seca em São Paulo é uma consequência da redução do fluxo da umidade da Amazônia, ou ela tem a ver com outros fatores? Nobre - Podemos dizer que no último verão os fluxos de umidade que a Amazônia exporta não chegaram aqui. Quanto dessa falta teria a ver com o enfraquecimento dos rios aéreos de vapor e quanto a ver com o efeito de bloqueio atmosférico decorrente de mudanças climáticas ainda está sendo estudado. Ao mesmo tempo que as observações do clima na Amazônia não deixam dúvida de que o desmatamento está prejudicando o clima amigo por lá, há um alerta para as regiões que recebem a umidade amazônica: uma massa de ar quente, seco e com alta pressão tem estacionado sobre a região Sudeste, o que tem dificultado a penetração de umidade oriunda da Amazônia. O que podemos falar com convicção, porém, é que houvesse "florestas nativas" no Sudeste, tal fenômeno deletério não ocorreria nessas proporções, ou não permaneceria estacionado por tanto tempo, porque as matas resfriam a superfície e são fontes de vapor, dois fatores que conduzem a chuvas.

ÉPOCA - Se a Amazônia, em algum momento, perde a capacidade de gerar umidade, quem sofrerá primeiro? A própria Amazônia, o Sudeste? Nobre - Como ressalto no relatório, não é mais apropriado usar o tempo futuro no verbo da sua pergunta. Para saber das primeiras consequências basta assistir ao noticiário. Já estamos testemunhando a perda dos serviços ao clima devido a destruição de floresta, a cada ano os agricultores no Mato Grosso percebem as chuvas chegando mais tarde, são forçados a atrasar o plantio de suas lavouras. Hoje [5 de novembro] o ONS, o operador do sistema elétrico nacional, avisou que aumentou o risco de faltar energia elétrica por falta d'água nos reservatórios das usinas hidrelétricas. O racionamento de água já afeta muitas cidades no país, fora da tradicional zona da seca no Nordeste. O que mais precisamos para despertar para a realidade?

ÉPOCA - O desmatamento vem acontecendo desde a década de 1970 de forma progressiva, embora o ritmo tenha reduzido. É de se esperar que a redução da capacidade da floresta ocorra de forma progressiva, ou pode ser uma mudança brusca, de um ano para outro? Nobre - Para o clima interessa somente o saldo devedor. As taxas anuais maiores ou menores são cócegas nas bordas do sistema se considerado o principal da dívida, o desmatamento por corte raso, uma área equivalente a três vezes a área do Estado de São Paulo. E é essa dívida enorme que agora cobra a fatura, e demanda pagamento imediato. Como digo no relatório, o desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que sabe muito bem contar as árvores decepadas, não esquece nem perdoa. O sistema climático está por um lado sentindo a ausência das árvores de forma progressiva, como é o caso da progressiva extensão da duração da estação seca na

Amazônia. Mas pode gerar surpresas decorrente da acumulação sinergística de vários fatores, como parece ser a situação atual do Sudeste.

ÉPOCA - Há um limite? Quanto que a Amazônia pode perder de cobertura florestal até essa função de gerar umidade ser comprometida? Nobre - O fato de o sistema climático estar mostrando claros sintomas de desarranjo já deve indicar que chegamos no limite. Cinco anos atrás, em entrevista para o Jornal Valor, respondi pergunta similar, alertando já naquela época que estávamos muito próximos do limite, a partir do qual veríamos mais e mais desastres climáticos. Sem ter uma bola de cristal, fiz um palpite de que em cinco ou seis anos apareceriam os sintomas mais fortes da destruição que estávamos infligindo ao berço esplêndido. Parece que o palpite estava correto. Agora, a resposta sobre quanto tempo ainda temos é um categórico: nenhum! Acabou-se o prazo para complacência e procrastinação em relação ao desmatamento. Eu não saberia dizer se já passamos do ponto de não-retorno, a partir do qual desceremos forçosamente no abismo climático, mas quero crer que temos ainda a oportunidade de mudar de curso e evitar o pior. Por isso proponho um "esforço de guerra" no esclarecimento da sociedade, primeiro, e então no combate vigoroso ao desmatamento. Mas somente zerar o desmatamento para ontem já não será suficiente. Se queremos ter alguma chance de sucesso, precisamos "replantar e restaurar" florestas por todo o país. Essa é a melhor apólice de seguro que podemos comprar.

Governo agora divulga alta no desmate na Amazônia

Perda de cobertura vegetal na Amazônia cresceu 122% em agosto e

setembro, ante o mesmo período de 2013. Informação já estava disponível ao

menos desde 14 de outubro, antes do segundo turno da eleição presidencial

Agora é oficial: o desmatamento na Amazônia disparou em agosto e setembro. Foram

devastados 1.626 km² de florestas, um crescimento de 122% sobre os mesmos dois

meses de 2013.

O governo federal já conhecia esses dados antes do segundo turno da eleição

presidencial, realizado no último dia 26 --a divulgação do aumento no desmatamento

poderia prejudicar a votação da presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição.

As análises mensais do sistema de alertas de desmatamento Deter estavam prontas

pelo menos desde 14 de outubro no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

No dia 24, foram encaminhados pelo diretor do Inpe, Leonel Fernando Perondi, ao

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Em agosto, foram desmatados 890,2 km², um salto de 208% sobre os 288,6 km² do

mesmo mês de 2013. Em setembro foram 736 km², 66% mais que no ano passado.

Assim, nesse que é o primeiro bimestre do "ano fiscal" do desmatamento amazônico, a

taxa de aumento combinada foi de 122% --tradicionalmente, os dados de

desmatamento são medidos de agosto a julho.

Um dos fatores para o aumento do desmatamento pode ser a expansão da

agropecuária, que é o único setor da economia cujo PIB tem crescido

significantemente.

Além disso, anos eleitorais costumam ter aumento de desmatamento, supostamente

em função de uma menor fiscalização, e as mudanças recentes na legislação ambiental

podem ter estimulado os desmatadores a aumentar o ritmo das suas atividades.

Segundo o Ibama, houve ainda uma intensificação da atuação do crime organizado no

desmatamento para a venda ilegal de madeira

Hidrelétrica ameaça glaciar na Argentina

Glaciar Perito Moreno, um dos maiores monumentos naturais argentinos, está ameaçado por hidrelétrica

Ativistas e geólogos argentinos estão preocupados com os possíveis impactos da construção de uma hidrelétrica no glaciar Perito Moreno, que fica no extremo sul do país, perto da fronteira com o Chile.

Uma petição online, que já tem mais de 33 mil assinaturas, chama a atenção para o fato de que não há um estudo de impacto ambiental da construção da represa da hidrelétrica no glaciar.

Perito Moreno é uma geleira de cerca de 250 km², um pouco menor que o território da cidade de Santos. Ela fica no Estado de Santa Cruz, berço político do casal de presidentes Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner.

E será justamente o nome do ex-presidente que batizará a usina hidrelétrica que pode ameaçar o bloco de gelo gigante."Não há certeza de que algo acontecerá. O problema é que não estão estudando [essa possibilidade]. Vão começar a obra e, ao mesmo tempo, avaliar a consequência ambiental", afirma o engenheiro Gerardo Bartolomé, 52, que teve a iniciativa de fazer a petição na internet.

"Ou seja, é um estudo de impacto ambiental enquanto se faz o impacto ambiental. Sei que ninguém quer afetar o Perito Moreno, mas [as construtoras responsáveis pelo empreendimento e o governo] não estão convencidos da necessidade de

estudos."

Em nota, o Ministério do Planejamento argentino afirma que "de nenhuma maneira a localização da hidrelétrica afetará o comportamento" de Perito Moreno.

Segundo a pasta, engenheiros da Universidade Nacional de La Plata, na província de Buenos Aires, foram contratados para acompanhar as obras e simular seu funcionamento.

"Isso não tem nada a ver com os glaciares. São os cálculos de funcionamento da segurança das represas", contesta Bartolomé.

A hidrelétrica custará pelo menos US$ 4,8 bilhões, dinheiro que vai ser financiado por bancos chineses.

Uma das empresas encarregadas pela obra, prevista para começar em janeiro, é a chinesa Gezhouba, a outra é a argentina Electroingeniería. Elas ganharam a segunda licitação para a construção; a anterior, que foi anulada, tinha sido vencida pela brasileira Camargo Corrêa em conjunto com uma companhia do próprio país.

Só essa hidrelétrica deve aumentar a capacidade de produção de energia da Argentina em 10%. Conseguir a autossuficiência energética é uma meta da administração de Cristina Kirchner.

A obra vai usar as águas do rio Santa Cruz, a 160 quilômetros da jusante de Perito Moreno, mas mesmo assim pode influenciar a existência da geleira, afirma o geólogo Jorge Rabassa.

Ele explica que a questão é a possibilidade de que as comportas da reserva artificial que serão feitas para a hidrelétrica vão ser fechadas para represar água e depois abertas para gerar energia.

Isso pode fazer com que o nível do Lago Argentino, que tem contato com a geleira, oscile entre 10 a 15 centímetros diariamente.

"Gelo é um sólido frágil, cheio de rachaduras, algumas delas de dezenas de metros de profundidade. E isso pode fazer com que se desprendam pedaços da geleira (como pequenos icebergs)", explica Rabassa.

O geólogo afirma que para evitar isso é preciso garantir que o nível do reservatório da empresa nunca esteja mais alto, topograficamente, do que o lago. "Daí a geleira não vai ser afetada", afirma.

Ele também explica que o glaciar de Perito Moreno fica ligado ao chão do lago e a paredões de terra e que, por isso, não diminui. Mas, se ele se desprender, pode diminuir a uma velocidade de quilômetros por ano.