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“Poesia esfumaçada de uma cultura rebelada“ Saulo Matos Vitor Oliva Lucas Carniel Matheus Peleteiro Cristiano Rufino George Alves Rennan Sama Henrique Quaresma Artur Dória Greg Kooche Coletivo Sapiens Marginalis 2ª Edição – Ano 1

Sapiens Marginalis - 2º Edição

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Segunda edição do zine de artistas independentes integrantes do coletivo Sapiens Marginalis que buscam espaço com pé na porta e soco na cara! Arte à margem da sociedade.

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“Poesia esfumaçada de uma

cultura rebelada“

Saulo Matos

Vitor Oliva

Lucas Carniel

Matheus Peleteiro

Cristiano Rufino

George Alves

Rennan Sama

Henrique Quaresma

Artur Dória

Greg Kooche

Coletivo Sapiens Marginalis 2ª Edição – Ano 1

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SAPIENS MARGINALIS

2ª Edição

Editorial

A vida sempre me ensinou a revidar. Quando pequeno, eu era um pouco

desajeitado, gordinho, careca, quase cego, com uma porra de óculos fundo de

garrafa na cara e modéstia a parte, inteligente pra caralho. Eu era

praticamente um bullying ambulante. Pois bem, tive diversos apelidos, tipo:

rolha de poço, quatro olhos e por ai vai. Mas eu revidava, sim, como

revidava. Se eu sabia algum conteúdo muito bem, fazia questão de

ensinar aqueles filhos da puta que me sacaneavam tanto. Quer coisa mais

gostosa do que ajudar alguém que não gosta de você, mas não tem a mais

ninguém a quem recorrer? É um puta sentimento gostoso. Pois bem, o tempo

passou, e eu comecei a escrever. Meus primeiros textos, meus pais

provavelmente queimaram ou coisa do tipo, só por ter alguma referencia a

mata-los no meio da noite, não que eu fosse fazer isso realmente, mas lhes

chocou, e porra, eu também ficaria bem chocado se lesse algo do tipo escrito

por meu filho, mas entenderia. Quem sabe fosse uma maneira de revidar com a

vida. Escrevi, escrevi e escrevi, depois lia, mostrava pra uma outra

pessoa próxima, e apagava, destruía, e começava novamente. Era minha forma

de revidar. A vida foi sempre muito interessante pra mim, já me fodi

bastante, mas também já tive muita coisa boa. E isso é motivo para escrever.

É uma maneira de revidar, tanto o mal, quanto o bem, à mim importa sempre

revidar. Sigo escrevendo exatamente por esse motivo, revidar sempre. Mostrar

pra porra da vida, que quem manda nessa merda sou eu, e se a merda toda não

corresponder minhas expectativas, vou lá e escrevo a história com o final

que eu quero. A beleza da escrita é isso, você faz a história, você

momentaneamente é uma especie de deus, em um universo completamente seu. E

isso me encanta. Nesse universo, você pode matar seus pais, comer a garota

que quiser, usar a droga que der na telha, se apaixonar quantas vezes

quiser, partir o coração que um dia partiu o seu, e no fim das contas,

ninguém se prejudicou ou ficou magoado. Eu escrevo pra revidar, escrevo pra

não pirar, afinal de contas, tem coisa melhor do que ver suas ideias num

papel? Criar algo, é pra poucos, ainda mais num mundo insano e caótico em

que vivemos, e todos anseiam por boas ideias alheias, para então rouba-las.

Só me resta escrever, esse é o papel do poeta, criar amores, destruir

universos, e reconstruí-los imediatamente após, com um pouco de tinta da

caneta e uma folha de papel qualquer. Sempre fui apaixonado por anotações

rápidas em guardanapos, mas isso já é uma outra história. Enquanto não chega

o dia de contar essa história, eu sigo por ai, escrevendo, escrevendo e

escrevendo, pra revidar, e pra não pirar de vez, quem sabe um dia vocês me

encontrem caído em alguma sarjeta com um papel e uma caneta na mão, eu posso

estar revidando alguma coisa, então, por favor, me pague uma cerveja que eu

revido com uma boa história.

Greg Kooche

Capa

Erika Lima

Edição e Revisão

Gabriela Scodro

Saiba mais em

facebook.com/sapiens.marginalis

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SAPIENS MARGINALIS

2ª Edição

Penetras

Vejo falsidade, desleixo, dor, saudade, solidão, angustia, paranoia,

melancolia entrando em minha festa sem bater e de mãos abanando, arrastando

suas caras lavadas e sorrisos cheios de confiança. Devem ter tido uma ótima

semana se divertindo as custas dos outros. Velhos conhecidos que aparecem de

tempos em tempos para fazer arruaça na minha alma e até hoje nunca tomei

vergonha na cara de trancar a porta ou mandá-los embora.

Abro uma cerveja para cada e que se foda, sento no sofá e

compartilhamos parte de minha história varando a madrugada até que todos os

outros convidados sorridentes, crentes e parentes tenham ido embora, eles

nem quebraram nada, nenhuma briga, ninguém se queimou com cigarro, só um

bunda mole que vomitou, mas acertou o vaso e deu descarga, que merda. Mas os

penetras permanecem e infelizmente esta corja é boa de papo, melhor que

muita gente que conheço e que não conheço também. Continuo bebendo e bebendo

de tudo com essas companhias malditas, mesmo sabendo que a ressaca vindoura

terá efeito de tsunami, terremoto, erupção vulcânica e sonda peniana

alienígena, mas o pior é que dessa vez não terei amnésia, já sinto saudades.

Serei obrigado a lembrar de como cada filho da puta desses sabotou a

minha vida mais uma vez enquanto eu bebia ensandecidamente apenas observando

com a vista turva demais para entender qualquer coisa ao meu redor. Levanto

o rabo do sofá e quebro um quadro que eu mesmo pintei (nunca gostei daquela

porra mesmo) e logo após me queimo com um cigarro que não é da marca do

cigarro que eu fumo, é um mentolado tosco com bolinhas para estourar para

ficar com "hálito fresco" enquanto fuma, não arrumo briga com ninguém, pois

não vejo ninguém por perto, mas vomito a sala toda e volto para sentar

novamente no sofá e não há mais ninguém por lá, me senti sozinho e a melhor

hora da festa é essa. Adeus penetras macabros e moribundos, voltem sempre.

Está tudo bem agora, outras festas virão, outros penetras, outras vidas

opacas, mais geladeiras lotadas, infinitas ressacas, mãos amarelas de

cigarro até que um penetra chegará e me levará dessa merda com um sorriso

embriagado na cara por ter conseguido sobreviver tanto tempo neste lixo.

Saulo Matos

Saulo Matos - Rio de Janeiro

Não faz ideia do por que escreve e nem por que faz as coisas que faz. É viciado em Star

Wars, Marlboro vermelho e cerveja, uísque, cachaça, vinho e etc. Acha que a única

resposta que faz sentido na vida, no universo e tudo mais realmente é 42 e acaba de

descobrir que é ridiculamente péssimo em escrever mini biografias.

2ª Edição 2ª Edição 2ª Edição

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2ª Edição

O insolúvel

Vez outrora, numa tenebrosa madrugada

Ouvindo nada mais que o silêncio

Eu, ébrio solitário, contemplava:

"Que há nesta vida posta ao relento

Que me faça crer que há um sentido;

Uma vida onde o Diabo faz tudo,

Mas que sem um Deus não é nada?"

Tudo corre erroneamente

Pobre do homem que, ingenuamente,

Quis ser conhecedor de si mesmo

A dúvida, tal qual a morte, nos é inerente

E as respostas buscadas incessantemente

No fim, hão de serem postas a esmo

Perguntei às estrelas de onde vem a dor

E dor senti

Perguntei à lua de onde vem o calor

E, suando, contemplei o absurdo

Perguntas formam apenas perguntas

Não consenti

Frente à dúvida a violência deveras fecunda

E, rosnando, dei resposta ao abrupto

Estranho ser que reflete nas águas

Deste lago inóspito

Refleti se pudesse, quiça, conhecer,

Pouco que fosse, do óbvio

Deságua, tristeza, deságua

Tu és tudo que pude reconhecer

E me és fiel tal qual o vento mórbido

Oh, vida! Padecerei!

Separarei-me de ti

Logo eu, que sempre te busquei,

No fim, verei que não te vivi

Mas se quando se nasce se começa a morrer

Talvez na morte eu renasci

Deságua, tristeza, deságua.

Vítor Oliva

Vítor, nascido em Montes Claros/MG e criado nas contendas de Brasilia de Minas/MG acredita que

tudo que não vira poesia, vira pó. Portanto, escreve pra se salvar.

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2ª Edição

Depois da garoa

Lançados para cima da caminhonete, os pneus se confundem com o céu cor

de chumbo no fim de tarde. Depois da garoa fina e gelada o tempo se

endireita e adota um tom grafite mais indecente e presunçoso. Tal qual um

estivador num estaleiro, o sujeito com barba por fazer e banho por tomar

lança as gomas enrijecidas de um trator, carro ou caminhão para o ar. A meia

lua forma uma saliência corada do lado esquerdo do rosto, que rivaliza com o

cinza do ambiente, e os pés de galinha que surgem no canto superior da vista

verde e já desbotada por um princípio de catarata, denunciam que enquanto se

encarrega do último serviço da tarde, a atenção está nas quatro pernas

roliças e longas que desfilam na calçada e que poucos minutos depois se

misturam por entre outras pessoas zanzando até o terminal rodoviário. Mesmo

assim, a labuta não é interrompida. Certo de que tem um objetivo a cumprir,

o último da quinta-feira, continua o ofício dignamente. Engata um assovio,

que me lembra uma antiga e melancólica música sobre a madrugada fria

durante uma viagem solitária:

“-É noite alta, já chegou a madrugada. Você cansada chora triste e pensa

em mim... “

Orgulhosos por alguns lapsos de segundos, os objetos inservíveis, gastos

de uso, confundem-se com o grafite das últimas stratus remanescentes, para

depois caírem abruptamente na maltratada carroceria de madeira. Quantos

quilômetros aqueles pneus andaram? De quantas histórias foram testemunhas?

Depois de muitas distâncias percorridas, jazerão nos cantos, formando o

cenário triste e caótico de uma borracharia à beira da rodovia.

Dois policiais, rijos na esquina, acompanham a cena, convictos de que

estão cumprindo o seu dever. As mãos, às costas, formam um simbólico pedido

de desculpas pelas crueldades que cometerão nos subúrbios da cidade. Os

bonés, indiferentes, lhes conferem um ar de imponência e autoridade que em

nada combinam com a melancolia do momento. Como se saídos de um comercial da

Tommy Hilfiger, executivos, secretárias, estudantes, atendentes livram-se

das algemas e perambulam pela calçada. Um giroflex ilumina de azul e

vermelho a vitrina, conferindo uma grotesca imagem aos manequins, que ainda

perambulam pelas ruas, como se fossem imagens de telecines defeituosos. O

céu chumbo, de quinze minutos depois da garoa, volta a se enfezar à medida

em que o sol pálido se põe atrás dos prédios. Um cachorro manco chafurda em

sacolas plásticas do lixeiro tombado. Ganha um chute de um piá de prédio na

altura da barriga e foge esganiçando.

A esta altura todos os pneus estão empilhados e prontos para seguir

viagem, a derradeira. O estivador ajeita os fundilhos da calça puída e

endireita o surrado boné. Aninha-se no lado esquerdo da velha F1000 1985

cinza com detalhes em vermelho e bancos de tecidos rasgados e bate a chave,

com o peito estufado e um brilho nos olhos, certo de que a última tarefa do

dia está sendo concluída, como se fosse o capitão de um garboso veleiro

desatracando da costa de Paros e não um humilde estivador urbano levando

dezenas de carcaças de borracha. O velho motor a diesel ronca alto e

mistura-se aos outros sons urbanos, rasga o asfalto e perde-se no horizonte.

Lucas Carniel

Lucas Carniel mora no sertão do sudoeste do Paraná, na barranca do Rio Marrecas. Gosta

de graspa, fala “leitE quentE” e de vez em quando escreve uma ou outra bobagem que pode ser

publicada.

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2ª Edição

Se o mundo acabasse hoje?

Não me importaria a última tragada,

A última dose, ou talagada.

Isso não é necessário para os loucos,

Tampouco para os sábios.

É apenas um artifício para fugir da realidade.

Se o mundo acabasse hoje,

Eu iria querer estar com ela em meus braços,

Talvez tomando um café, cantando,

Ou muito provavelmente nu.

Se o fim estivesse próximo,

Não assistiria desastres do Jornal Nacional

Ou o final da novela,

Apenas terminaria de assistir a última temporada de Shameless

E talvez ouvir o novo disco do Tagore Suassuna.

Se o fim estivesse próximo,

Terminaria de ler os poucos livros do Bukowski

Que me restam para completar a coleção.

Se o mundo terminasse amanhã.

Quereria saber quando começou.

Diria o que foi difícil de dizer durante a vida inteira.

Não pediria desculpas a quem nunca mereceu,

Um cara digno saberia

Que é necessário encarar a morte com coragem e estilo.

Você não gostaria que ela lhe passasse a foice com desdém.

Gostaria?

Se o mundo fosse acabar amanhã

Eu morreria hoje,

Apenas para ter um gostinho de mistério,

Ao morrer sem saber como acabou.

Se acabou.

Matheus Peleteiro

Matheus Peleteiro, Soteropolitano, 19 anos e estudante de direito. Publica alguns poemas e

afins na sua página "espirituoso e trágico", e escreve por saber que a única coisa que pode

deixar no mundo são ideias, e por seu eterno medo de não deixar nada.

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2ª Edição

SEXTA-FEIRA

Todos sabemos:

Amor é algo raríssimo.

Muitas pessoas acham que amam, sentem-se amadas. Mas na verdade tudo não passa de

analgésico mental. Revela-se a farsa quando rosnam tempestades, o céu escurece e a paz

dilui. Mas não era eterno? Pra ser eterno é preciso ser legítimo, coeso. Indelével. É

preciso que haja entrega, sinceridade. Senão será apenas outro relacionamento rico em

angústias. Um castelo que desaba no primeiro sopro, algo fugaz.

"Sede de amor, febre de anseio. Quase a escuridão." - Djavan.

Isso ilustra muito bem o início ou hiato de um relacionamento sem as balizas acima

citadas.

O início é puro receio. Quebrar a barreira de forma precoce pode gerar uma série de

intempéries irremediáveis. Deve-se calcular cada passo como se estivesse num campo

minado.

Sim, a ânsia é imensa, o tesão também. Prudência? Deixe-a crescer. Claro, há

raríssimas exceções no qual ambas as partes se se jogam sem medo. Estamos falando de

algo recíproco (isso acontece uma vez a cada 2014 anos)... Se não fosse pelo fato do

hiato ter sido fruto de várias brigas estúpidas, sua odisseia seria bem semelhante ao

início.

Pra ruir o hiato é necessário que um dos guerreiros resolva oxidar a armadura do

orgulho. A questão é: quem? Primeiramente devemos analisar se realmente vale a pena.

Coloque tudo o que ocorreu numa balança. Veja se em algum momento a pessoa demonstrou

algum sentimento, buscou tua presença, quis teu beijo. Pode parecer estúpido aos olhos

do mundo, mas tais coisas são vitais pra quem tem fé no amor e batalha por um

relacionamento vivo.

E aí? Como foi? Saldo positivo? Caso contrário... Não perca tempo, valorize-se! A vida

segue seu delírio pouco importando se estamos mal ou bem. Saibas que o cosmos é justo,

leal. O universo te conhece com riqueza de detalhes e reverbera perante a energia que

emanas. Ou seja, colhemos o que plantamos. Clichê? Sim, porém, verdade.

Não há espaço para a negatividade (apesar deste universo ser regido por yin e yang).

Negatividade só atrasa e gera oco. Sei que é dificílimo suportar ao absurdo da

existência humana, mas é necessário construir algo. Construir algo com o mínimo de

influências nocivas. Algo fiel, espontâneo. A vida pulsa duro demais para ficarmos em

eterna inércia e infelizmente é preciso beber das trevas para sentir a luz. É preciso

seguir algumas regras, padrões. É preciso remar mesmo que seja imprescindível esperar.

Não há atalhos. Até hoje nenhum ser evoluiu burlando. Até hoje ninguém prosperou sem

amor. Você pode achar tudo isso uma incomensurável bobagem. Afinal, quem é esse cara?

Quanto ele ganha? Onde ele mora? Esposa? Filhos? Possui conta no Itaú Personalitè?

Idade? Diplomas? Quem é esse cara que discursa sobre amor, evolução, luz e trevas como

se fosse um especialista...? Eu sou eu. Ponto. É uma questão de escolhas. Escolhi

pesquisar, estudar, acreditar, percorrer. Escolhi viver todas as peripécias abordadas

acima. Se vale a pena? Tudo vale a pena quando há recíproca. O universo é um organismo

extremamente complexo que possui plena fixação em suas vidas. Nós somos uma espécie de

ribossomos (embora os ribossomos possuam profunda ciência no que diz respeito a seu

papel como vida). Apesar de tudo, sempre estive incongruente perante o mundo, a mercê

de todas as inúmeras intempéries cotidianas. Uma intrínseca sensação de estar no lugar

e hora errados. Cidades. As cidades são estranhas. Eu poderia culpa-las por drenarem

minha suavidade férrea, mas quem possui leveza integral? Ninguém. Até mesmo Jesus

provou sensações nebulosas. Aliás, um pouquinho só de caos não é assim tão ruim (só um

pouquinho). O que isso tem haver com amor? Tudo! O amor na Terra encontra-se fielmente

ligado ao caos, uma vez que criamos uma civilização altamente doente e repleta de

frustrações. Isso gerou uma série de deturpações sentimentais que anularam nossos

incríveis poderes e perpetuaram a terrível adaga do "quase" (neste exato momento estou

recordando um relacionamento que QUASE deu certo). A maioria se entrega, outros

trabalham, muitos se drogam. Alguns criam personagens monocromáticos e se escondem lá

dentro. Poucos escrevem. Enfim, é uma sexta-feira a noite. Uma sexta feira como

qualquer outra que já existiu ou irá existir. Talvez alguém esteja se arrumando

pensando em te chamar pra sair. Ou pode ser que você esteja fazendo a mesma coisa. Boa

sorte.

Cristiano Rufino

Cristiano Rufino

Rio de Janeiro - RJ

22 anos

Escorpiano. Gosta de artes em geral, mulheres.

Extremamente romântico, sincero e um pouco louco.

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2ª Edição

Boca de Foda

comecei o ano desempregado

me despediram -

O Funcionário Dos Meses -

porque comprei maconha

no lugar errado

na hora errada

com as cadelas do Estado vigiando a

boca

eu odiava aquele trampo,

mas a Paloma estava lá

e com a Paloma como colega,

o escravo da carvoaria se sente

executivo

do banco Safra

ou de qualquer buraco com dinheiro

jorrando

pra gente safada que usa gravata

então fiquei sem a Paloma

e sem as oito horas diárias,

de segunda

a sábado,

atendendo telefonemas de gente com

espírito de porco

e sem as esmolas do dia cinco

e do dia vinte

fiquei deprimido

achava que tinha talento sem

reconhecimento

e era verdade

se fosse na sexta-feira e não na

quinta-feira

o mundo estaria a meu favor

mas era quinta, então tomei no cu

forjei flagrante para a traficante

ela se fodeu mais que eu

a irmã dela,

chorando,

esbofeteou minha cara na delegacia

nem doeu fisicamente,

mas a imagem dos filhos pequenos da

safada,

chorando,

quando os policiais entraram na

casa,

ainda é recorrente na minha cabeça

foi assim que um ano sem muito a

perder começou

e,

para provar

que nenhum poço é tão fundo

que não se possa cavar

até bater com o rabo na porta do

inferno,

ainda consegui piorar

mas não vem ao caso porque são

coisas do coração

invente qualquer história de

amorzinho

que vai dar no mesmo

remorso mesmo,

só sinto pelos cinquenta reais de

maconha apreendida

e pela Paloma que sumiu: ela tem bom

senso

e por escrever isso

com uma gravata apertando meu

pescoço

e eu nem sou executivo.

Platycyamus Regnellii

Platycyamus Regnellii é o pseudônimo de George, um Mogli da roça, perdido na cidade de São

Paulo. Falava com galinhas na infância e nunca trepou com cabras. Estudante e militante pelo

direito de deixar a vida menos pesada, escreve porque foi o pior aluno de matemática da sala e

não tem talento para fazer outra coisa.

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2ª Edição

Princípios finais

Quando a terceira

idade chegar,

se ela chegar,

eu vou querer estar num bar.

Se eu for rico, um bar de rico.

Se eu for pobre, um bar de pobre.

Jogando cartas,

Vou ter um livro no bolso,

o qual escrevi.

Lerei alguns poemas

lembrando de tudo que perdi,

deixando cair sinceras lágrimas sobre

o papel amassado do passado.

Com a certeza de que só resta a saudade.

Tendo em mente que o amor é sinônimo de dor

mas que não deixa de ser saudável.

Com a paz tão esperada como

um manto sobre alma.

Um desconhecido momento

tomará conta de mim

e me abraçará no centro do

espaço onde deixarei de me mover

para sempre.

Os pássaros irão cantar

todos os dias de manhã

e não notarão minha presença.

Minha gata arranhará

a porta do quarto

esperando me encontrar.

Meu cachorro fará greve de fome

em luto por mim.

Meus amores já mortos

vão preferir ignorar a perda

do que nunca tiveram,

enquanto minha filha sutilmente

chora sua primeira e última lágrima.

Muito provavelmente irá chover

em minha homenagem,

e esse dia será tão feliz

que a morte ficará em dúvidas

se levou a pessoa certa.

Rennan Sama

Rennan Sama, 17 anos.

Nascido no Rio de Janeiro

acostumado à sarjeta

rasteja pelas avenidas da morte

levando preso aos pulsos

toda a dor e o amor

e a salvação que encontrou

em escrever.

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2ª Edição

Melodias Vendaval

Os ventos noturnos sussurram

Uma singela melodia,

Tão pagã

Que poucos conseguem ouvi-la.

Fadas azuladas e Ogros moribundos

Ao som do vento se perdem,

Fazendo a dança da copulação,

E o desejo e a malicia

Fica no ar,

Explodindo em convulsões carnais.

Cigarros são apagados

Em um pós-sexo,

Bebidas são ingeridas

Após o gozo glorioso.

A noite sempre cai por terra,

Assim cigarros são ascendidos,

Esquentando os corações,

Camas com suor e desejos

Se enchem,

O corpo entra em alma.

O dia amanhece,

E tudo volta ao normal.

Henrique Quaresma

Henrique Quaresma vive perdido em Manaus, é um típico estudante que não estuda, e escreve,

pois não tem talentos em outras artes – e nem nessa.

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2ª Edição

Depósito de fomes

Abri a geladeira da minha alma

E só o que encontrei foi fome

Pois bem, pensei

Vou comer esta fome

Que é a única que resta

E mastigar com uma pressa

Sem pressa de ter pressa.

Estou ciente

Infelizmente

De que essa fome não tem jeito

Pois desde sempre estive vivendo

Indefinidamente abstinente

E tudo o quanto faço é comer a fome

Que esquenta a geladeira

Dia após dia

Estragando todos os sólidos

Azedando todos os líquidos

Engasgando meu corpo.

Engulo um pouco de saliva

E como.

E como todos os dias

Digo a mim mesmo

Me entregando ao mormaço que se fez meu corpo

Que vivo de fomes.

Artur Dória

Artur Dória, caminhante de ruas esburacadas de Fortaleza. Escreve de forma cínica e

desprotocolada, sem muita certeza sobre o que está escrevendo, mas também não se importa muito

com isso. Já começou muitos textos, poucos terminou. Talvez um dia publique um livro poluído

de frases e versos desconexos e aleatórios que ultimamente vem encontrando em papéis

datilografados na máquina de escrever. Sua primeira poesia foi de amor e é possível que é por

isso que continue a escrever.

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SAPIENS MARGINALIS

2ª Edição

Mais uma história

- Mas me conta direito esse negócio ai. Por que que tu escreve?

- Sinceramente não sei. Acho que é pra não pirar. - Respondi

- Só por isso? – Ela insistiu.

- Realmente não tenho ideia. Eu gosto de ler, gosto de ouvir histórias,

gosto de contar histórias. Eu acho que quem escreve tem esse papel

importante dentro da merda toda que é o mundo. Quer dizer, desde os tempos

mais remotos, todas as tribos e o caralho a quatro, sempre tiveram os

contadores de histórias. Gosto de me ver mais ou menos dessa maneira.

- Tipo um xamã?

- É gata, tipo um xamã.

Dei-lhe um beijo e fui até a geladeira pegar mais uma cerveja. Poder

andar nu em casa é uma das melhores sensações do mundo. Fora de casa

também. Dar um rolê por uma praia semi-deserta pelado, é foda! Nadar nu

então? Melhor ainda. Nus, ficamos livres das amarras e de toda a loucura

que a sociedade impõe. Nu vemos todos desarmados, sem ter o que esconder.

Isso nos torna mais humanos.

Vira e mexe eu respondia essa questão para os amigos de bebedeira,

pros amigos de não bebedeira, e até pro meu pai. Por que escrever. Quase

sempre inventava umas histórias diferentes, mas todas elas tinham como

ligação a parte em comum de não querer pirar. Mas até isso era mentira. Eu

queria pirar, sempre. Não pirar, surtar, enlouquecer de tempos em tempos,

me parecia perigoso. Nunca consegui confiar em gente certa de mais,

tradicional de mais. Nada contra, até porque sei que eles também não

conseguem confiar muito em quem pira vez ou outra.

Voltei pra cama. Ela estava lá, nua. Livre de medos e anseios. Queria

apenas minha companhia. Porra, o que mais um cara como eu pode querer do

que uma mulher linda, nua em minha cama, uma cerveja gelada, e o fato de

poder andar nu pela casa e ela ainda assim querer minha companhia? Deitei

ao seu lado, dei-lhe um beijo no pescoço, sentei em frente ao notebook, e

escrevi esse texto, pensando em qual a próxima história que irei contar,

sobre o por que de escrever histórias.

Greg Kooche

Nascido na minuscula Campinas do Sul/RS, criado na árida Campo Grande/MS e atualmente radicado

na famosa ilha da magia, Florianópolis/SC, Greg Kooche se dedica a porres interminaveis, a

escrita de coisas que não precisam ser lidas e a um movimento que encara a vida sendo algo

curto demais pra ser levado muito a sério. Estreou literariamente com Contos Infames em 2014 e

é o mentor e criador do Coletivo Sapiens Marginalis.