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Universidade do Minho Escola de Direito Sara Carneiro Rodrigues Miguel abril de 2017 Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de violência doméstica - análise prática e crítica Sara Carneiro Rodrigues Miguel Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de violência doméstica - análise prática e crítica UMinho|2017

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Universidade do MinhoEscola de Direito

Sara Carneiro Rodrigues Miguel

abril de 2017

Regulação e Exercício das ResponsabilidadesParentais no contexto de violência doméstica- análise prática e crítica

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Sara Carneiro Rodrigues Miguel

abril de 2017

Regulação e Exercício das ResponsabilidadesParentais no contexto de violência doméstica- análise prática e crítica

Trabalho efetuado sob a orientação daProfessora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos

Relatório de Atividade Profissional Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões

Universidade do MinhoEscola de Direito

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ii

Nome: Sara Carneiro Rodrigues Miguel

Endereço de correio eletrónico: [email protected]

Cartão de cidadão n.º11079709

Título do Relatório de Atividade Profissional: Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de violência

doméstica- análise prática e crítica.

Orientadora:

Professora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos

abril, 2017

Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões

DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTE

TRABALHO

Universidade do Minho 30/04/2017

Assinatura_____________________________

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iii

Ao meu filho Francisco

que merecia mais e melhor mas

cuja felicidade tanto desejei ver

espelhada no rosto das várias

crianças com quem me cruzei

Ao meu marido Afonso

pelo seu carinho, apoio e paciência

À Professora Doutora Margarida

Maria Oliveira Santos pelos seus

ensinamentos e pelas palavras certas nos

momentos mais difíceis

Aos meus pais e à minha “vó”

Lena, as estrelinhas que me ensinaram o

caminho

À minha amiga Cecília por todo o

apoio e por ter acreditado em mim

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iv

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v

“Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII"

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Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de

violência doméstica- análise prática e crítica

Através do presente trabalho realizado no âmbito do Mestrado em Direito das

Crianças, Família e Sucessões da Escola de Direito da Universidade do Minho propôs-

se a autora a analisar a conciliação (possível) entre o fenómeno da violência doméstica e

a regulação do exercício das responsabilidades parentais, norteando a abordagem que

assim efetua pela sua prática enquanto magistrada do Ministério Público e, em concreto,

com a aprendizagem teórica e processual que extraiu da sua dedicação quase exclusiva,

durante dois anos, à investigação deste ilícito.

Optou-se por iniciar a referida análise com uma abordagem ao crime de

violência doméstica e sua evolução legislativa, penas principais e acessórias aplicáveis e

medidas de coação e outras medidas de proteção da vítima ao alcance dos magistrados

do Ministério Público e Judiciais.

Partiu-se de seguida para um estudo crítico das alterações legislativas

recentemente operadas no campo das medidas/providências tutelares cíveis, em

concreto, a revogação da Organização Tutelar de Menores operada pelo Regime Geral

do Processo Tutelar Cível identificando-se as questões que, na prática judiciária, podem

vir a surgir com a aplicação deste novo conjunto normativo.

Passando para o patamar do direito substantivo analisa a autora os critérios que

na prática judiciária maioritariamente presidem às decisões de Regulação das

Responsabilidades Parentais, e as especificidades das decisões a tomar nesta matéria

num contexto de violência doméstica.

Dentro deste último exercício analítico conclui-se este trabalho abordando, do

ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, a conciliação da execução de medidas de

coação e /ou pena acessória (mormente de afastamento e proibição de contactos) com o

exercício das responsabilidades parentais (regime e execução de visitas; exercício

conjunto das responsabilidades parentais).

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Regulation and Exercise of Parental Responsibilities in the context of

domestic violence - practical and critical analysis

Through the present work carried out within the scope of the Master's Degree in

Children, Family and Succession Law at the University of Minho School of Law, the

author proposes to analyze the (possible) conciliation between the phenomenon of

domestic violence and the regulation of the exercise of parental responsibilities, guiding

the approach that she makes by her practice as a magistrate of the Public Prosecution

Service and, in particular, with the theoretical and procedural experience that she drew

from her almost exclusive dedication for two years to the investigation of this crime.

It was decided to initiate this analysis with an approach to the crime of domestic

violence and its legislative evolution, applicable main and accessory penalties and

measures of coercion and other measures of protection of the victim within the reach of

the magistrates of the Public Prosecutor and Judicial.

A critical study of recent legislative changes in the field of civil protection

measures was then followed, specifically the revocation of the Guardianship

Organization of Minors operated by the General Regime of the Civil Guardianship

Process, identifying the issues that, in judicial practice may arise from the application of

this new set of rules.

Moving to the level of substantive law, the author analyzes the criteria that in the

judicial practice mainly govern the decisions of Regulation of Parental Responsibilities,

and the specifics of the decisions to be taken in this matter in a context of domestic

violence.

In this last analytical exercise, this work is approached from a doctrinal and

jurisprudential point of view, conciliation of the enforcement of coercion measures and /

or ancillary penalty (mainly removal and prohibition of contacts) with the exercise of

parental responsibilities (regime and execution of visits; joint exercise of parental

responsibilities).

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ÍNDICE

CAPITULO I……………………………………………………………………….15

O crime de violência doméstica e sua evolução legislativa-perspetiva prática,

doutrinária e jurisprudencial ....................................................................................... 15

1. Bem jurídico protegido e natureza do crime. ......................................................... 15

2. Evolução legislativa do crime de violência doméstica e a criação das penas

acessórias aplicáveis a este tipo legal ......................................................................... 16

CAPITULO II ........................................................................................................... 35

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível: alterações (inovações) legislativas com

impacto nos processos de regulação, limitação ou inibição das responsabilidades

parentais em contexto de violência doméstica ........................................................... 35

1. Princípios que nortearam o legislador .................................................................... 35

1.1. Celeridade Processual .......................................................................................... 36

1.2. Agilização e eficácia na resolução dos conflitos através da preferência pelos

métodos de consensualização ..................................................................................... 38

1.3. Incremento da proteção da criança ou jovem ...................................................... 39

2. A audição da criança............................................................................................... 42

CAPITULO III ......................................................................................................... 47

Os critérios que maioritariamente presidem às decisões de regulação das

Responsabilidades Parentais na prática judiciária – análise crítica. ........................... 47

CAPITULO IV .......................................................................................................... 55

A Regulação das Responsabilidades Parentais (provisória e/ou definitiva) num

contexto de violência doméstica – análise critica. ...................................................... 55

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 81

LISTA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 83

RELATÓRIO PROFISSIONAL ............................................................................. 89

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ABREVIATURAS

Ac. - Acórdão

Al. - Alínea

Art. - Artigo

CC - Código Civil

CEDH - Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEJ – Centro de Estudos Judiciários

CNPCJ- Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens

CPC- Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa

Cfr.- Confrontar

DL – Decreto-Lei

DR – Diário da República

LPCJP – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

LTE- Lei Tutelar Educativa

Ob. cit. – Obra citada

OTM- Organização Tutelar de Menores

P. – página

PGR- Procuradoria Geral da República

Proc. – Processo

RGPTC-Regime Geral do Processo Tutelar Cível

STJ - Supremo Tribunal de Justiça

TC - Tribunal Constitucional

V. - Vide

Vol. - Volume

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CAPITULO I

O crime de violência doméstica e sua evolução legislativa-perspetiva

prática, doutrinária e jurisprudencial

«“Chaga social”, “défice de cidadania”, “fenómeno que contraia os princípios

fundamentais do Estado de Direito” são clichés que auxiliam numa aproximação da

definição [de violência doméstica]» 1

1. Bem jurídico protegido e natureza do crime.

O bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é complexo,

abrangendo a integridade corporal, saúde física psíquica e mental e a dignidade humana

no âmbito dos contextos existenciais previstos no artigo 152º, o que lhe vale a

designação de crime pluriofensivo2.

Distanciando-se desta caraterização sobretudo jurisprudencial relativa ao bem

jurídico protegido por este tipo legal de crime, afasta Nuno Brandão3 a dignidade

humana, «valor fundante e transversal» da nossa ordem jurídica, como bem jurídico

específico deste crime considerando que ainda que se pudesse atribuir à dignidade

humana a condição de bem jurídico, seria mais seguro só considerar que esta estaria a

ser posta em causa, quando a vítima fosse submetida a um tratamento infra-humano.

Ora, tal exigência não existe no crime de violência doméstica ou de maus tratos.

Segundo Nuno Brandão, aceitando-se a dignidade humana como bem jurídico deste tipo

de crime, se considerarmos estar perante um crime de dano, esvaziamos o tipo de

1 JORGE DOS REIS BRAVO, “A atuação do Ministério Público no âmbito da violência doméstica”, Revista do Ministério Público,

102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 49.

2 Cf., a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012 (processo 632/10.9PBAVR.C1)

e mais recentemente o acórdão da Relação de Lisboa de 08 de Abril de 2015 (processo 2866/12.2T3SNT.L1-3), ambos disponíveis

em www.dgsi.pt).

Cf. SARA MARGARIDA NOVO DAS NEVES SIMÕES, “O crime de violência doméstica-aspectos materiais e processuais”,

Dissertação do 2ºCicilo de Estudos conducentes ao Grau de Mestre em Direito Forense, Universidade Católica Portuguesa,

Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, Março 2015, página 8

(http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18035/1/Tese%20Mestrado_final.pdf.).

Cf. CARLOS CASIMIRO, MARIA RAQUEL MOTA, “O crime de violência doméstica: a al. b) do n.º 1 do art. 152º do Código

Penal”, Revista do Ministério Público, 149, página 133.

3 Cf. NUNO BRANDÃO, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista Julgar nº12 (especial), ASJP, Lisboa,

Set.- Dez. 2010, páginas 14 e 15.

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significado e se o encararmos como crime de perigo, este passa a abarcar uma

incomportável multiplicidade de situações.

Por outro lado, carateriza-se também pelo facto de se tratar de um crime único

de execução reiterada que, assim, apenas se consuma com o último ato de execução,

aspeto que assume relevo, desde logo, no que toca à determinação da lei aplicável. Cada

ato praticado de forma sucessiva preenche parcialmente o crime. A soma de todas essas

situações parcelares deve ser considerada como evento unitário, ou seja, como um só

crime. 4

2. Evolução legislativa do crime de violência doméstica e a criação das penas

acessórias aplicáveis a este tipo legal

Apenas com o Código Penal de 1982, aprovado pelo DL n.º 400/82 de 23.09, no

artigo 153º n.º 1 alínea a) e n.º 3, se criminalizou autonomamente o que, nessa altura, foi

denominado «Maus Tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre

cônjuges». De tal normativo legal resultava, então, através da remissão efetuada pelo n.º

3 para a alínea a) do número 1, que será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos

ou pena de multa até 100 dias quem infligir ao cônjuge «(…) maus tratos físicos, o

tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres

decorrentes das suas funções lhe impõem». Em complemento previa o artigo 154º do

Código Penal que se daquelas descritas condutas resultasse para o cônjuge ofensa física

grave ou a morte então a pena de prisão aplicável oscilava, respetivamente, entre os 6

meses e os 4 anos de prisão e os 3 anos e os 9 anos de prisão e o limite máximo da pena

de multa aplicável elevava-se no primeiro caso para os 120 dias e no segundo para os

250 dias.

Note-se que na versão originária do Código Penal de 1982 este crime assumia

natureza pública e apenas previa como maus tratos a cônjuge os atos praticados contra a

sua integridade física e não ainda os atos contra o seu bem-estar e saúde psíquica, como

mais tarde o legislador viria a consagrar.

Os mencionados normativos legais não sofreram alteração até à entrada em vigor

do DL n.º 48/95 de 15.03, passando então a assumir a numeração 152º com a epígrafe

4Cf., a título exemplificativo, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Novembro de 2015 (processo

1242/14.7GBBCL.G1)

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«Maus tratos ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge». Para além de tal

alteração previu o legislador um aumento sensível nos limites mínimos e máximos da

pena de prisão aplicável ao mesmo tempo que deixava cair a aplicabilidade da pena de

multa. Assim, passou este crime a ser punido com uma pena de prisão entre 1 a 5 anos e

caso dos factos praticados viesse a resultar ofensas graves à integridade física da vítima

ou a morte desta, a pena de prisão aplicável passava a ser, respetivamente de 2 a 8 anos

e de 3 a 10 anos.

De assinalar também, para além do agravamento das molduras das penas

aplicáveis, a inclusão das relações análogas às dos cônjuges na previsão deste tipo legal

de crime que assim deixou de ser privativo dos factos praticados apenas dentro do

matrimónio.

O juízo de censura jurídico-penal que terá presidido a esta decisão legislativa

terá considerado, a nossa ver corretamente, que “mesmo sem vínculo formal do

casamento, sempre que a mera relação de namoro evolui para uma relação análoga à dos

cônjuges, numa comunhão afetiva potenciadora de uma maior desinibição, criam-se,

entre os companheiros, deveres de cooperação, de respeito e de proteção, que se

prolongam para além do fim da relação”. 5

Contudo - e cremos não acompanhando a preocupação legislativa que terá

presidido às mencionadas alterações - fez agora o legislador depender a instauração de

procedimento criminal da vontade da/o ofendida/o, ou seja, da apresentação de queixa

por parte desta/e junto das autoridades competentes. Equivale isto por dizer que a sorte

do referido procedimento dependia também da sua vontade, já que podia ela desistir do

procedimento criminal, assim impedindo que o mesmo corresse os seus termos.

Porém, dando aquele que para nós terá sido o primeiro passo para a natureza

pública que no futuro viria a reconhecer a este tipo legal de crime, veio o legislador

através da Lei n.º 65/98 de 02.09, embora mantendo as molduras penais anteriormente

fixadas, prever agora que apesar de o início do procedimento criminal continuar a

depender da vontade da vítima e da queixa que esta viesse a apresentar, poderia o

Ministério Público dar-lhe inicio caso entendesse que o interesse do ofendido o

justificava e este não se viesse a opor a tal decisão até à dedução do libelo acusatório.

A Lei n.º 7/2000 de 27.07 que se seguiu foi, cremos, bastante inovadora nesta

matéria. Na verdade, alargou ainda mais o leque das potenciais vítimas da prática deste

5 Cf. acórdão do STJ de 05 de Julho de 2012 (processo 2663/10.0GBABF.S1), disponível em www.dgsi.pt.

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tipo legal de crime e passou a prever a possibilidade de aplicação ao agressor, a par da

pena principal, da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de

afastamento da residência desta, pelo período máximo de dois anos.

Através desta alteração legislativa previu, então, o legislador que a vítima deste

tipo legal de crime podia ser para além do cônjuge e da pessoa que com ele mantivesse

relação análoga à dos cônjuges, também o progenitor de descendente comum em

primeiro grau, deixando assim o ilícito em causa espraiar-se a contextos estranhos à

divisão de cama, mesa e habitação, mas em que existisse entre agressor e vitima um

descendente em primeiro grau como denominador comum.

De extrema importância também o facto de ter sido com a Lei n.º 7/2000 de

27.07 que se operou a verdadeira viragem na natureza deste tipo legal de crime, que

reassumiu assim a natureza pública que o caracterizava na versão originária do Código

Penal de 1982, deixando pois o procedimento criminal de estar inteiramente “nas mãos

das vitimas” delas já não dependendo nem o seu inicio nem o seu prosseguimento.

Naturalmente que a exigência de queixa como condição de procedibilidade não

garantiu que o procedimento pudesse prosseguir de forma totalmente independente da

vontade da vitima, que continuava a poder, de certo modo, determinar o seu quase

imediato desfecho através de um despacho de arquivamento, ao se resguardar, amiúde

no seu chamado “direito ao silêncio” ou seja, direito a não prestar declarações quando

ainda mantivesse o casamento ou a união de facto com o agressor e os factos tivessem

ocorrido na pendência do matrimónio/relação análoga. 6

A autonomização do crime de violência doméstica aconteceu, porém, apenas

com a Lei n.º 59/2007 de 04.09, mantendo-se o crime previsto, agora com essa epígrafe,

no artigo 152º do Código Penal, comportando tal alteração legislativa, importantíssimas

inovações.

A primeira constatação que a análise desta alteração legislativa impõe é o facto

de, uma vez mais, o legislador ter considerado, para além dos que já vinham previstos,

outros contextos nos quais podem ser praticados atos integráveis neste ilícito criminal.

Referimo-nos precisamente à vitima considerada « (…) pessoa particularmente

6 Tal direito a não prestar declarações encontra-se previsto no artigo 134º do Código de Processo Penal, sendo curioso salientar que

este normativo legal não acompanhou a alteração legislativa operada relativamente ao artigo 152º n.º 1 do Código Penal, ao não

atribuir igual direito à pessoa que mantenha ou tenha mantido com o agressor uma relação de namoro e relativamente a factos

ocorrido durante esse relacionamento, quando estes passaram a poder ser enquadráveis no crime de violência doméstica.

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indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica,

que com ele [agressor] coabite» ainda que essa pessoa não esteja ao cuidado, sob a

guarda, responsabilidade da direção ou educação.

Até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 04.09 a proteção penal da pessoa

cuja condição (idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica)

impusesse considerar como pessoa particularmente indefesa, apenas podia ser alcançada

quando estivesse em causa a prática de maus tratos físicos e/ou psíquicos, através do

crime de violência doméstica (então maus tratos) caso sob o agressor impendesse um

dever legal ou uma situação de facto que o colocasse na posição de cuidador, guardador

ou educador.

Da existência de tal relação poderá resultar agora a prática do crime de maus

tratos previsto e punido pelo artigo 152º A n.º 1 do Código Penal. Dito de outro modo, a

vítima particularmente indefesa em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou

dependência económica está, agora, desde 2007, protegida em duas vertentes: quer

quando não está ao cuidado, sob a guarda, responsabilidade da direção ou educação do

agressor, bastando que coabite com ele (podendo então estar em causa a prática do

crime de violência doméstica) quer quando está (podendo enão estar em causa a prática

do crime de maus tratos).

Cremos ser esta a alínea que permite ao julgador uma maior subjetividade na

decisão porque ao contrário dos restantes conceitos (idade, deficiência, doença, gravidez

ou dependência económica) a integração do conceito «pessoa particularmente

vulnerável» terá de ser preenchido casuisticamente, chamando naturalmente o julgador

para tal, a sua experiência de vida, a sua sensibilidade, as suas opiniões pessoais.

Embora não exista definição legal para o conceito «pessoa particularmente

vulnerável» cremos estar ele próximo do conceito «vítima especialmente vulnerável»

que o artigo 2º alínea b) da Lei 112/2009 de 16.09 define como sendo «(…) a vítima

cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do

seu estado de saúde ou do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver

resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas

condições da sua integração social».

Tomemos como exemplo a seguinte realidade fáctica dada como provada

(acórdão já transitado em julgado)7:

7 Cf. acórdão da Relação de Lisboa de 09 de Abril de 2013 (processo n.º 641/11.0 JDLSB) publicado em, www.dgsi.pt.

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«1.O arguido PO... e a ofendida AP... viveram em comunhão de cama, mesa e

habitação, na Quinta da J..., desta comarca, como se de marido e mulher se tratassem,

desde Junho de 2008 a Julho de 2011, sendo que dessa união nasceu o menor AO..., a 2

de Maio de 2009.

2.A partir do primeiro trimestre do ano de 2011, o relacionamento entre ambos

deteriorou-se por o arguido desconfiar que a AP... mantinha um relacionamento

amoroso com outro indivíduo, seu colega de trabalho.

3. Na madrugada de 8 para 9 de Abril de 2011, como a ofendida chegasse a casa vinda

dum jantar de colegas nas Caldas da Rainha, achando-se exaltado e irritado com a

demora da mesma, o arguido gritou com aquela, dizendo-lhe que a matava e,

enfurecido, partiu diversos objectos na habitação.

4. No período temporal que mediou entre o dia 9 de Abril de 2011 e meados do mês de

Julho desse ano, por diversas vezes, a ofendida disse ao arguido que não pretendia

continuar a viver com ele, instando-o a que abandonasse a habitação, pois que a

Quinta da J... tratava-se de bem que ela e um irmão haviam herdado por morte dos

pais.

5. Contudo, o arguido recusou-se sempre a fazê-lo, não aceitando que aquela quisesse

pôr termo à relação e, suspeitando que a ofendida mantinha um relacionamento

amoroso com um colega de trabalho, enciumado, o arguido gritava com ela, instando-a

a revelar-lhe a identidade daquele, dizendo-lhe que a matava, o que fez por diversas

vezes.

6. Contudo, apesar de tais atuações, o arguido vendo que não conseguia que a ofendida

reatasse a vida em comum, acabou por concordar abandonar a residência, mas para

tanto exigiu contrapartidas financeiras.

7. Acedendo às exigências do arguido, a ofendida celebrou com ele um acordo de

separação, mediante o qual se comprometeu a entregar-lhe, como contrapartida pela

separação, €75.000 em numerário e 4.400 Ações duma sociedade anónima da qual era

accionista, sendo que a ofendida aceitou este acordo também porque desejava que o

arguido não ficasse, após a separação de ambos, numa difícil situação económica.

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8. Tendo já recebido parte das aludidas contrapartidas, no dia 9 de Agosto de 2011 o

arguido abandonou a casa da ofendida e viajou para Londres, a fim de ali estudar

inglês e arranjar trabalho.

(…)

27. Assim, na noite de 27 para 28 de Agosto, a hora não concretamente apurada, mas

já após as 23h25, agindo de modo similar ao anteriormente descrito, o arguido

conseguiu entrar novamente no recinto da quinta e depois na residência da ofendida,

isto porque não lograra abrir a fechadura da arrecadação com a chave que levara.

28. Ao entrar na casa, o arguido passou pelo armeiro embutido na parede do corredor

do primeiro andar da habitação, justamente no trajecto entre a janela “de entrada” e o

quarto da ofendida e dali retirou uma pressão de ar tendo com a mesma entrado no

quarto onde a ofendida dormia na companhia do filho de ambos, os quais acordaram

ante a chegada do arguido.

29. Face à presença inusitada do arguido naquele local e àquela hora, a arguida

perguntou- lhe o que fazia ali munido de uma pressão de ar tendo o arguido, face a tal,

regressado ao corredor, pousado a pressão de ar no corrimão, e retirado do armeiro,

devidamente municiada, a espingarda caçadeira semi-automática, calibre 12, de marca

FN/Browning, modelo B-80, com o número de série ...., que fora pertença do pai da

ofendida AP....

30. Regressando de imediato ao quarto da ofendida, a qual ainda se achava deitada na

cama na companhia do filho menor de ambos, o arguido empunhou a espingarda na

direcção da mesma, questionando-a sobre a identidade do novo namorado.

31.O arguido insistiu com a AP... pela identidade do dito namorado durante algum

tempo não obtendo desta a identificação da pessoa em causa. Findo este tempo o filho

do casal acabou por sair da cama por um dos lados desta.

32. Como a ofendida, amedrontada, se levantasse da cama pelo lado contrário, o

arguido, achando-se a cerca de 2 metros de distância, efectuou, sucessivamente, quatro

disparos na direcção daquela, acertando-lhe nos membros superiores quando a mesma

os pôs à frente do corpo para se proteger, bem como na região torácica e no abdómen.

33. Em consequência dos ferimentos que lhe foram provocados pelos disparos

efectuados pelo arguido, a ofendida sofreu as lesões traumáticas descritas no relatório

de autópsia de fls. 436 a 440, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos

os efeitos legais, lesões essas que foram a causa directa e necessária da sua morte.

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34. O arguido quis agir do modo descrito com o intuito de tirar a vida à ofendida, tal

como fez, motivado pelo facto da mesma não ter querido reatar a vida em comum

consigo, bem como por o haver preterido a favor doutro homem a quem deixava

pernoitar na casa onde residia o filho menor de ambos.».

Ao ser sujeito a julgamento no âmbito do processo comum n.º 641/11.0 JDLSB

ia o arguido acusado, para além do mais, pela prática de um crime de violência

doméstica p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) n.º 2 do Código Penal, um crime de

homicídio qualificado p. e p. pelo art.º 131.º e 132.º n.º 1 al. b) do Código Penal e um

crime de maus-tratos p. e p. pelo art.º 152.º-A n.º 1 al. a) do Código Penal.

Embora, o enfoque neste processo não se destine, nesta parte do nosso trabalho,

a apreciar a fundo tal matéria não podemos deixar de expressar o nosso ponto de vista

relativamente à decisão tomada em primeira instância quanto à absolvição do arguido

pela prática do crime de violência doméstica pelo qual ia acusado pelo Ministério

Público (decisão que não foi analisada no Tribunal da Relação de Lisboa por não

constituir objeto do recurso interposto pelo arguido).

Na verdade, embora aceitemos que a factualidade dada como provada e que terá

ocorrido entre 9 de Abril de 2011 e 9 de Agosto desse mesmo ano (factos dados como

provados nos pontos 4. a 8. do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância)

pudesse pela sua natureza, gravidade e reiteração vir a não ser integrada no crime de

violência doméstica, não compreendemos por que razão não procedeu o julgador à

alteração não substancial8 dos factos nos termos do artigo 358º n.º 1 do Código de

Processo Penal, condenando então o arguido pela prática de um crime de ameaça

previsto e punido pelo artigo 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) Código Penal (pressupondo

uma única resolução criminosa adotada quando o relacionamento começou a deteriorar-

se com factos praticados ao longo do tempo).

Por outro lado, importa tecer alguns considerandos relativamente ao teor da

acusação pública que contra o arguido foi deduzida, quando em face da factualidade

dada como provada nos pontos 27. a 34 do acórdão proferido em 1ª instância, lhe era

imputada a prática do crime de maus tratos previsto e punido no artigo 152º- A do

8 Cf. acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 14 de Maio de 2014 (290/12.6TAACN.C1), acórdão da Relação de Guimarães

de 02 de Novembro 2015(processo 77/14.1TAAVV.G1), acórdão da relação de Évora de 05 de Março de 2013 (processo

43/09.9GBRDD.E1), disponíveis em www.dgsi.pt.

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23

Código Penal (homicídio da mãe do menor de dois anos e meio à data da prática dos

factos e no interior do quarto, na sua presença) do qual o arguido veio a ser absolvido.

Consideramos, tal como constava do libelo acusatório, que os disparos

deflagrados sobre a mãe do menor, na sua presença quando com ela dormia e que

vieram a conduzir à sua morte constituem sérios maus tratos psicológicos infligidos

àquela criança suscetíveis de integrar, consoante a natureza da situação, ou o crime de

violência.9

Parece-nos, na realidade, inegável, que aquela experiência de vida naquela

criança imprimirá nela e no seu desenvolvimento marcas difíceis de superar, sobretudo

porque aliada à orfandade a que foi votada, aquela criança associará, mais cedo ou mais

tarde, a sua situação de vida a um ato do seu pai, pessoa que o devia proteger.

Desconhecemos qual terá sido o fundamento para a absolvição do arguido

quanto ao referido tipo legal de crime porque, como já tivemos oportunidade de afirmar,

tal matéria não constituía objeto do recurso não tendo sido assim apreciada pelo

Tribunal da Relação de Lisboa.

Uma vez que a razão subjacente a tal absolvição não pode ter sido a falta de

prova (porque foi dado como provado que o arguido matou a mãe do menor na sua

presença, quando com ela dormia) resta-nos avançar com outras duas hipóteses, tendo

sempre presente que apenas disso se tratam.

A primeira hipótese que colocamos é não ter o julgador considerado tal

experiencia imprimida pelo pai na vida do filho como um ato de mau trato psicológico.

Não podemos estar mais em desacordo com tal entendimento porque, pelos

fundamentos que já expusemos, a gravidade desta concreta situação íntegra, para nós,

de forma clara o conceito de maus tratos psicológicos praticados contra menor (neste

caso também pessoa particularmente indefesa por ter apenas dois anos de idade à data

da prática dos factos) não sendo bastante, a nosso ver, o recurso à mera agravante da

pena aplicável prevista no n.º 2 do artigo 152º do Código Penal. E a ser assim justificar-

se-ia (como parece ter também o Ministério Público em sede de inquérito) assacar ao

agressor a responsabilidade criminal pela prática de um crime de violência doméstica

contra a criança deixando, assim, de lado a mera agravante da pena.

9 Cf. MARIANA MESQUITA VILAS BOAS, Violência Contra Menores- Análise Crítica dos Artigos 152º e 152º-A do Código

Penal dissertação de mestrado, Universidade Católica, Porto, 2013.

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24

A segunda hipótese que avançamos é o facto de poder ter constituído um óbice à

condenação do arguido, neste caso, a circunstância de o pai se encontrar já, à data,

separado da mãe do menor (ainda que há escassos dias), tendo passado até a viver num

país diferente.

Aceitamos que o facto de o arguido, naquela altura, já não coabitar com a

criança, seu filho, afaste o preenchimento do crime de violência doméstica previsto no

artigo 152º n.º1 alínea d) do Código Penal (que, recorde-se, não lhe era imputado pelo

Ministério Público). Relativamente a esta matéria e quanto ao significado e peso

jurídico do conceito de coabitação diz-se no acórdão da Relação de Lisboa de 12 de

Outubro de 2016 10

que «Habitualmente abordada a propósito de relações matrimoniais,

a coabitação é significante para, entre o mais, comunhão de residência e de mesa. Por

conseguinte, em qualquer caso, será esta comunhão habitual, este convívio, esta partilha

que estreita laços e confiança que caracteriza o conceito juridicamente relevante de

coabitação (…)»

No entanto, tal circunstância não podia, a nosso ver, afastar a prática do crime de

maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º A n.º 1alínea a) do Código Penal já que

tendo cessado a coabitação entre os progenitores que, até àquela data viviam em

condições análogas à dos cônjuges, então as responsabilidades parentais cabiam a

ambos em conjunto no tocante às questões de particular importância, ficcionando-se a

manutenção daquela relação para este efeito.

Na verdade, determina o artigo 1911º do CC que «Quando a filiação se encontre

estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições

análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o

disposto nos artigos 1901.º a 1904.º» acrescentando o n.º 2 que «No caso de cessação da

convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905.º a

1908.º».

Ora, o mencionado artigo 1906º n.º 1 do CC estabelece, por sua vez, nesta

matéria, que «As responsabilidades parentais relativas às questões de particular

importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores

nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência

manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar

informações ao outro logo que possível.». Por seu turno, dispõe o n.º 3 deste normativo

10 Processo 413/15.3PFAMD.L1-3, disponível em www.dgsi.pt

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25

legal que «O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida

corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao

progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer

as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes,

tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.».

Ora, se assim é, como cremos ser, como afirmar que o arguido não tinha o filho

ao seu cuidado, sob a responsabilidade da sua direção ou educação, apesar de já não

coabitar com ele?

Em conclusão diremos pois que, em nosso entender, e pressupondo que a

decisão de absolvição assentou numa destas hipóteses ora analisadas, a absolvição do

arguido pela prática deste ilícito criminal foi erradamente decidida.

Parece-nos relevante avançar ainda com um outro exemplo que cremos ser

demonstrativo da plasticidade da norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 152º

apreciado no muito recente acórdão da Relação do Porto de 12 de Outubro de 2016 em

cujo sumário se lê «Pratica o crime de violência doméstica, o filho que, podendo, não

presta ao pai a assistência adequada ao seu estado físico e mental, conduta que se traduz

na ausência da prestação de cuidados alimentares, de cuidados de higiene pessoal, de

limpeza da casa e na promoção de uma situação de abandono.»11

.

Trata-se aqui a nosso ver de um resultado alcançado (crime de resultado) através

da omissão de atos, sendo a conduta do arguido punível nos termos do artigo 10º n.º 2

do Código Penal, uma vez que sobre o filho recaía o dever de garante previsto no artigo

1874º do Código Civil que determina no seu nº 1 que «Pais e Filhos devem-se

mutuamente respeito, auxilio e assistência» e que esta última, nos termos do n.º 2 do

mesmo normativo legal «(…)compreende a obrigação de prestar alimentos e a de

contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os

encargos da vida familiar.».

Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque12

explicando, então, que «o tipo legal

pode ser cometido por omissão, na medida em que sobre o agente impende um dever de

garante. Este dever de garante pode até impender sobre os agentes da autoridade pública

11 Processo: 2255/15.7T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.

12 Cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, página 406;

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(acórdão TEDH Kontrova v. Eslováquia, de 31.5.2007, sobre um caso de omissão de

reação das autoridades públicas diante de suspeita de violência doméstica»

Retomando a análise às alterações legislativas operadas pela Lei 59/2007 de 04

de Setembro salientamos agora, a introdução no texto normativo deste tipo legal de

crime do segmento «(…)de modo reiterado ou não (…)».

Até então, e embora fosse já matéria objeto de querela13

, a jurisprudência dos

nossos tribunais superiores e a doutrina14

vinha considerando necessário para o

preenchimento do tipo legal do crime de violência doméstica a prática

reiterada/continuada ao longo do tempo de maus tratos físicos ou psíquicos sobre a

pessoa do cônjuge. 15

( Importa, contudo, ter em conta como nos salienta Jorge Reis

Bravo16

que a reiteração « (…) não se confunde com repetição homótropa

(relativamente a factos de idêntica natureza), podendo ser de natureza diferenciada, e

que perdure por um período de tempo suficientemente longo em que se exclua a

consideração de se tratar de comportamento episódico ou pluriocasional, caso em que se

subtrairia à previsão legal»

Com a redação introduzida pela Lei 59/2007 de 04 de Setembro o crime de

violência doméstica passou a poder ter-se por cometido mesmo que não haja reiteração

de condutas, embora só em situações excecionais o comportamento violento único, pela

gravidade intrínseca do mesmo, preencha o tipo de ilícito.17

Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na origem da

Lei n.º 59/2007, de 4/9, escreve-se «na descrição típica da violência doméstica e dos

maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para

esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa.» - vide Diário da

Assembleia da República, II Série -A, n.º 10, de 18/10/2006.

Em suma, passou-se a admitir que um singular comportamento possa integrar o

crime quando assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela

13 Cf., a título de exemplo, o acórdão do STJ de 17 de Outubro de 1996 publicado na Coletânea de Jurisprudência acórdão do STJ, Ano IV, T 3, pagina 170 e acórdão da Relação do Porto de 03 de Julho de 2002 disponível em www.dgsi.pt (processo 0210597) 14 Cf. TERESA BELEZA in «Maus Tratos Conjugais, o artigo 53º n.º 3, do Código Penal, A.A.F.D.L. Lisboa, 1989, página 21; Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, página 334) 15 Cf., sobre a matéria e a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Outubro de 2012 processo 639/08.6GBFLG.G1 disponível em www.dgsi.pt). 16 JORGE DOS REIS BRAVO, “A atuação do Ministério Público no âmbito da violência doméstica”, Revista do Ministério Público ,102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 49. 17 Cf. nesse sentido e antes quer da redação atual quer da que foi dada ao artigo 152º, pela Lei 7/2000, o acórdão do STJ de 14 de Novembro de 1997, ACS. STJ, V, III, 235 e baseando-se em tal entendimento o acórdão da Relação do Porto de 12 de Maio de 2004 onde se lê «Para se configurar maus tratos...exige-se uma pluralidade de condutas, ou no mínimo uma conduta complexa, que revista gravidade e traduza, v.g. crueldade, insensibilidade».

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27

consideração do outro como pessoa. Por outras palavras quando o comportamento

singular só por si se revele claramente ofensivo da dignidade pessoal do cônjuge.

Neste sentido veja-se, a titulo de exemplo o acórdão da Relação de Lisboa de 15

de Janeiro de 2013 em cujo esclarecedor sumário se lê que «Com a reforma do Código

Penal operada pela lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a descrição típica do crime de

violência doméstica (autonomizado em relação ao tipo legal de maus-tratos a cônjuge,

tal como estava consagrado no artº 152º, nº 2, do Código Penal) tem uma amplitude

muito maior e prevê-se que, para o preenchimento do tipo legal, a inflição de maus

tratos pode concretizar-se “de modo reiterado ou não, podendo afirmar-se que, com

esta formulação, foi acolhido o entendimento segundo o qual um só ato de ofensas

corporais já configura um crime de violência doméstica. II- No entanto, se o crime de

violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade

física, coação, sequestro, etc., e se é distinto o bem jurídico tutelado pela respetiva

norma incriminadora, então, para a densificação do conceito de maus tratos não pode

servir toda e qualquer ofensa. III-Um único ato ofensivo só consubstanciará um “mau

trato” se se revelar de uma intensidade tal, ao nível do desvalor (quer da ação, quer do

resultado), que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido –a saúde física,

psíquica ou emocional –pondo em causa a dignidade da pessoa humana. IV-O facto de

o arguido ter atingido a assistente, com um murro, no nariz que ficou “ligeiramente

negro de lado” e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples

ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta

maltratante suscetível de configurar “violência doméstica”. É manifesto que essa

conduta do arguido, mesmo tendo em conta que a assistente estava com o filho (então

com 9 dias de vida) ao colo, não tem a gravidade bastante para se poder afirmar que,

com ele, foi aviltada a dignidade pessoal da recorrente e, portanto, que o seu bem-estar

físico e emocional foi, intoleravelmente, lesado.»18

19

De assinalar também que o legislador através da Lei n.º 59/2007 de 04.09 fez

incluir no texto normativo alguns exemplos de comportamentos suscetíveis de serem

considerados maus tratos físicos ou psíquicos, indicação que não existia anteriormente,

referindo-se, então agora, aos castigos corporais, às privações de liberdade e às ofensas

sexuais.

18 processo 1354/10.6TDLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. 19 Em igual sentido, veja-se também o acórdão da Relação de Coimbra de 02 de Outubro de 2013 (processo 32/13.9GBLSA.C1),

disponível em www.dgsi.pt.

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28

Note-se contudo que, por força da mesma Lei, a inclusão no texto do n.º 1 do

artigo 152º do Código Penal do segmento «(….) se pena mais grave lhe não couber por

força de outra disposição legal» obriga o julgador nos casos em que tenha havido,

designadamente, sequestro, rapto ou ofensas sexuais, a avaliar casuisticamente a

gravidade destas por forma a que se determine se tais comportamentos devem ou não

ser autonomizados do crime de violência doméstica e justificar, por essa via, a

imputação ao agressor, de um crime mais grave como seja, o crime de sequestro (artigo

158º n.º 2 e 3), o crime de rapto (artigo 161º do Código Penal), o crime de coação

sexual (artigo 163º n.º 1 do Código Penal), o crime de violação (artigo 164º do Código

Penal), em obediência ao principio da subsidiariedade. Se a gravidade de tais condutas

justificar essa autonomização poderá acontecer um afastamento do crime de violência

doméstica em virtude dos factos praticados apenas serem, por natureza, integráveis

naqueles ilícitos de natureza mais grave (concurso aparente ou subsidiariedade

expressa) ou termos uma situação de concurso efetivo entre tais ilícitos e o crime de

violência doméstica, se existirem também outros atos integradores deste último.

Quando se tratem de factos integradores do crime de violência domestica mas

que autonomizados corresponderiam a ilícitos criminais puníveis com pena de prisão

inferior a cinco anos (como é o caso, designadamente, do crime de ofensa à integridade

física simples, do crime de injúria ou do crime de ameaça) estaremos, então perante uma

situação de concurso aparente entre eles e o crime de violência doméstica (relação de

especialidade), que assim os afasta. 20

Alteração relevante foi também a introdução pela Lei n.º 59/2007 de 04 de

Setembro da agravação prevista no nº 2 do artigo 152º do Código Penal aplicável

quando os factos forem praticados contra menor, na presença de menor, no domicílio

comum ou da vítima. Em tais situações, prevê, então o legislador a agravação do limite

mínimo da pena de prisão aplicável que passa de um para dois anos.

Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque21

«o propósito do legislador foi o de

censurar mais gravemente os casos de violência doméstica com vítima menores ou

ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítima “indiretas”

dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. Por outro

20Cf. acórdãos da Relação de Coimbra de 15 de Dezembro de 2010 (processo 512/09.0PBAVR.C1) e de 22 de Setembro de 2010

(processo179/09.6TAMLD.C1), disponíveis em www.dgsi.pt. 21Ob. cit., página 406

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lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência

doméstica velada, em que a ação do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima

ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunha»

Como circunstâncias agravantes que são elas operam no domínio da culpa e não

da ilicitude, pelo que, à semelhança do que acontece com o crime de coação previsto no

artigo 154º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea b) do Código Penal, a sua aplicação não é

automática obrigando, assim, o julgador a ponderar, para decidir ou não pela agravação

da pena aplicável, se a conduta do agressor ultrapassa os limites da simples

censurabilidade e se se mostra reveladora de especial perversidade ou é merecedora de

um juízo de especial censurabilidade. Tal ponderação passará, designadamente, pela

consideração do contexto psicológico em que o arguido agiu, das suas concretas

condições e experiências de vida, da personalidade que revelou antes e depois da prática

dos factos e das suas capacidades intelectuais.

Veja-se a este propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de

201622

no qual se pode ler que «Tais circunstâncias - e outras similares, como se infere

da letra do preceito - poderão ou não revelar um maior desvalor da ação. Para aferir

deste maior desvalor (a tal especial censurabilidade), há que olhar ao contexto da prática

dos factos, em ordem a descortinar se, tendo em conta os motivos do agente, a sua

inserção na sociedade, a sua responsabilidade, a sua maturidade intelectual, etc., a

conduta reflete uma especial e acentuada desconformidade da sua personalidade com os

valores jurídico-penalmente relevantes. Ou seja, em suma, se o arguido revelou uma tal

indiferença para com o direito e os bens jurídicos em causa em particular que choque

sobremaneira a consciência jurídica coletiva.»

As penas acessórias previstas no artigo 152º do Código Penal não são todas uma

inovação da Lei n.º 59/2007 de 04.09, já que a pena acessória de proibição de contacto

do agressor com a vítima havia sido já introduzida no nosso ordenamento jurídico pela

Lei 7/2000 de 27.05. No entanto, com a Lei 59/2007 de 04.09 algumas alterações foram

operadas nesta pena acessória já prevista e outras penas acessórias foram criadas: a pena

acessória de uso e porte de armas, a pena acessória de obrigação de frequência de

programas específicos de prevenção da violência doméstica e a pena acessória de

inibição do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela.

22Processo 413/15.3PFAMD.L1-3

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30

Quanto à pena acessória de proibição de contacto do agressor com a vítima,

manteve-se a possibilidade dela incluir o afastamento do agressor da residência e

acrescentou-se a possibilidade de se determinar através dela também o afastamento do

agressor do local de trabalho da vítima. Outra alteração a assinalar foi o aumento do

tempo durante a qual tal pena acessória pode vigorar, tendo-se passado do limite

máximo de dois anos para o limite máximo de cinco anos.23

As penas acessórias previstas neste normativo legal não são de aplicação

automática ao contrário do que acontece com outras penas acessórias como a que se

encontra prevista no artigo 69º do Código Penal para os crimes aí previstos. A letra do

artigo 152º é inequívoca ao estabelecer quanto às penas acessórias do n.º 4 que « (…)

podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a

vítima e de proibição de uso e porte de armas (…)» e no n.º 6 que esta pena apenas deve

ser aplicada quando tal se mostre justificado pela «(…) concreta gravidade do facto e a

sua conexão com a função exercida pelo agente». (solução diferente daquela que se

consagrou em Espanha, onde o legislador decidiu que a pena de acessória proibição de

uso e porte de armas. 24

Neste sentido, e no que concerne à pena acessória de proibição de contatos

encontramos, nomeadamente, o acórdão da Relação de Coimbra de 19 de Novembro de

2008 25

no qual se lê que «A aplicação da pena acessória de afastamento da residência

da vítima depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso». Neste

igual sentido, e debruçando-se sobre a não rara situação de reconciliação do agressor e

da vítima e do retorno daquele à casa de morada de família, pronunciou-se o muito

recente acórdão da Relação de Évora de 29 de Novembro de 2016 26

. Consta então deste

referido aresto: «Ao que consta dos autos, e como decorre da factualidade tida como

assente em primeira instância (e não questionada por qualquer sujeito processual), a

ofendida, de sua livre vontade, decidiu voltar a viver com o arguido, em condições

23 Em Espanha com a LO 11/2003 reconheceram-se ainda outros fatores de agravamento das penas aplicáveis ao crime de violência

doméstica quando fosse praticado com utilização de armas e/ou quando fosse levado a cabo violando as penas ou medidas de coação

[em Espanha, medida cautelares] de afastamento ou comunicação com a vitima– cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La violência

doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005,

página 20.

24 Cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do

Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 23.

25 Processo 182/06.8TAACN, disponível em www.dgsi.pt. 26 Processo 195/15.9GCCUB.E1,disponível em www.dgsi.pt.

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31

análogas às dos cônjuges (pois está divorciada do arguido desde setembro de 2010). Do

mesmo modo, da análise dos autos (e da factualidade neles tida por provada) não

podemos concluir, minimamente, pela existência de um qualquer relacionamento

conflituoso entre o arguido e a ofendida a partir do momento em que, de comum acordo,

decidiram viver, de novo, em comunhão de leito, mesa e habitação.

Acresce que os factos delitivos cometidos pelo arguido, e dados como provados

na sentença sub judice, não se revestiram, no essencial, de atitudes de violência física

sobre a pessoa da ofendida, ou seja, não nos revelam uma personalidade do arguido

especialmente perigosa ou invulgarmente violenta. (…) Neste enquadramento, e com o

devido respeito por diferente opinião, as instâncias formais de controlo (nomeadamente

os tribunais) carecem de legitimidade para, sem mais, proibirem a ofendida e o arguido

de viverem, de novo, em comunhão de mesa, leito e habitação.

Por isso, e a nosso ver, não se pode aplicar, nessas circunstâncias, a pena

acessória de proibição de contactos com a vítima (nomeadamente impondo o

afastamento do arguido da residência onde vive com a ofendida), sob pena de ilegítima

ultrapassagem da liberdade e da autonomia de vontade da própria ofendida.».

Não podemos deixar de sufragar o entendimento assumido neste acórdão por ser,

numa situação como aquela em análise, inultrapassável a vontade da vítima (desde que

livre e esclarecida) de se reconciliar com o arguido. Semelhante situação justificaria,

cremos, caso a sentença ainda não tivesse transitado em julgado, a alteração da medida

de coação de proibição de contactos com a vítima e afastamento da sua residência, caso

esta eventualmente lhe tivesse sido aplicada, porque embora continuasse a haver perigo

de continuação da atividade criminosa (perigo esse que normalmente fundamenta a

aplicação desta medida de coação nesta tipologia de crimes), o certo é que a própria

vitima decidiu que não era assim, determinando um outro rumo para a sua vida.

A decisão de aplicação ou não da pena acessória de afastamento da vítima ou de

proibição de contactos com esta e particularmente a decisão sobre o seu quantum deve

ser ainda, a nosso ver, precedida por uma particular ponderação quando a vitima e o

agressor tenham filhos em comum e aquele não foi inibido ou limitado quanto ao

exercício das responsabilidades parentais (no próprio processo através da pena acessória

prevista no n.º 6 do artigo 152º do Código Penal ou em processo autónomo de

regulação/alteração do exercício das responsabilidades parentais).

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32

Por último, importa salientar que a violação de qualquer uma destas penas

acessórias apenas poderá fazer o arguido incorrer na prática de um novo crime, a saber,

o crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353º do

Código Penal. Nunca o incumprimento dessa pena poderá constituir fundamento para

uma eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão que tiver sido

aplicada ao arguido. Neste sentido veja-se, nomeadamente, o acórdão da Relação de

Coimbra de 28 de Janeiro de 201527

.

Interessante e diferente situação (com a qual já nos deparamos) é, por exemplo,

o arguido condenado na pena acessória de proibição de contatos com vigilância através

dos mecanismos de teleassistência, não se aproximar da vítima conforme lhe havia sido

imposto mas opor-se e impossibilitar por todos os meios a colocação de tais meios de

vigilância. Ora, somos de entendimento que tal conduta não é suscetível de integrar a

previsão do artigo 353º do Código Penal porque apesar de o arguido com a sua conduta

obstaculizar a vigilância da pena acessória ele não praticou ou levou a cabo o ato que

lhe estava vedado por tal pena acessória, precisamente, a aproximação à vítima. Note-se

com interesse para a apreciação jurídica desta matéria, que a colocação de tais

dispositivos depende do consentimento prévio do arguido e até das pessoas com idade

superior a 16 anos que com ele coabitem, podendo ser revogado a todo o tempo (artigo

4º n.º 1, 4 e 6 da Lei 33/2010 de 02 de Setembro).

Da última alteração legislativa operada ao crime de violência doméstica com a

Lei n.º 19/2013 de 21 de Fevereiro resultou, uma vez mais, um alargamento do leque de

vítimas suscetíveis de serem abarcadas por este tipo legal. Com a referida modificação

passou também a considerar-se integrar o crime de violência doméstica, os maus tratos

físicos e psíquicos aí descritos praticados no âmbito de uma relação de namoro ainda

que sem coabitação. 28

Relativamente a estas relações de namoro encontramos alguma jurisprudência

dos nossos tribunais superiores considerando que abrangem também, para efeitos da

incriminação por este tipo legal de crime, as relações de namoro extraconjugais.29

27 Processo 112/09.5GASJP-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.

28 Igual alteração fora já operada em Espanha no ano de 2003 com a LO 11/2003, conforme – cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La

violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun

2005, página 20.

29 Cf. a titulo exemplificativo acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2013 (processo83/12.0GCGRD.C1) e acórdão

da Relação do Porto de 08 de Março de 2017 (processo 121/15.5JAPRT.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

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33

Uma última referência que importará fazer relativamente ao crime de violência

doméstica prende-se com a tendência jurisprudencial maioritária dos nossos tribunais

superiores no sentido de considerarem, por regra, afastada a prática deste tipo legal de

crime quando existam agressões mútuas.30

E concordamos com esta posição.

Na verdade, o que justifica a autonomização da violência conjugal é uma

questão de exercício de poder arbitrário do mais forte sobre o mais fraco. Aliás, este

tipo legal de crime pressupõe “a consolidação no estado vivencial da vítima de um

estado de compressão na sua liberdade pessoal e de um apoucamento da dignidade que

a um qualquer ser humano é devida”31

pelo que, havendo agressões mútuas de similar

natureza, não podemos deixar de considerar não preenchidos os elementos objetivos e,

muito menos, subjetivos, do crime de violência doméstica. Nestas situações poderá estar

em causa qualquer um dos outros tipos legais de crime que se encontram, como já

referimos, em situação de concurso aparente (relação de subsidiariedade) com o crime

de violência doméstica.

30 Cf. a título exemplificativo, o acórdão da Relação do Porto de 09 de Janeiro de 2013 (processo 31/09.5GCVLP.P1), disponível em

www.dgsi.pt.

31 Cf. acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Junho de 2007 (processo 256/05.2GCAVR.C1), disponível em www.dgsi.pt.

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34

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35

CAPITULO II

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível: alterações (inovações) legislativas

com impacto nos processos de regulação, limitação ou inibição das

responsabilidades parentais em contexto de violência doméstica

1. Princípios que nortearam o legislador

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º

141/2015 de 08 de Setembro revogou a Organização Tutelar de Menores (OTM) que

então vigorava no nosso sistema jurídico através do DL n.º 314/78 de 27 de Outubro 32

,

sendo aplicável nos termos do artigo 5º (aplicação no tempo) «aos processos em curso à

data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência

da lei anterior.».

Os objetivos que presidiram ao “nascimento” do Regime Geral do Processo

Tutelar Cível foram, claramente, a obtenção de maior celeridade através da

simplificação da instrução e preferência dada à oralidade dos atos praticados33

,

agilização e eficácia na resolução desses conflitos privilegiando-se a consensualização

na tomada de decisões 34

Na verdade, salientando-se até a especifica realidade das crianças que crescem

no epicentro do fenómeno da violência doméstica pode ler-se na proposta de Lei n.º

338/XII que « (…) foi tida em conta a realidade dos graves danos psicológicos

potencialmente sofridos pelas crianças em contextos de rutura conjugal e, consequente,

perturbação dos vínculos afetivos parentais, especialmente agravada nas situações de

violência doméstica intrafamiliar. Essa realidade não é compaginável com delongas da

marcha processual, nem com a inerente dilação das decisões.

O Regime ora instituído tem como principal motivação introduzir maior

celeridade, agilização e eficácia na resolução desses conflitos, através da racionalização

e da definição de prioridades quanto aos recursos existentes, em benefício da criança e

da família.

32Alterado até à entrada em vigor da Lei 141/2015 de 08 de Setembro pela Declaração de 14/12 de 1978, Declaração de 07/02 de 1979, DL n.º 185/93, de 22/05, Retificação n.º 103/93, de 30/06, DL n.º 48/95, de 15/03, DL n.º 58/95, de 31/03, DL n.º 120/98, de

08/05, Retificação n.º 11-C/98, de 30/06, Lei n.º 133/99, de 28/08, Lei n.º 147/99, de 01/09, Lei n.º 166/99, de 14/09 e Lei n.º 31/2003, de 22/08). 33Artigo 4º n.º 1 alínea a). 34Artigo 4º n.º 1 alínea b).

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36

Na concretização desse objetivo são definidos novos princípios e procedimentos

destinados a simplificar e a reduzir a instrução escrita dos processos, privilegiando,

valorizando e potenciando o depoimento oral, quer das partes, quer da assessoria técnica

aos tribunais, nos processos tutelares cíveis e, em especial, no capítulo relativo ao

exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes.»35

1.1. Celeridade Processual

No tocante à pretendida celeridade processual através da simplificação da

instrução salientam-se as seguintes alterações/inovações:

a) O RGPTC prevê no seu artigo 15º que as notificações e convocatórias para

comparecer em tribunal devem ser efetuadas por qualquer meio mais

expedito que a remessa via postal, que só deve ser efetuada quando os outros

meios não se mostrem viáveis. Quanto a esta inovação, defende Paulo

Guerra 36

que o legislador devia ter concretizado quais os meios que

considera poderem ser utilizados e os que considera mais expeditos.

b) Estabelece-se (artigo 21º n.º 5) que na fase de instrução só deverá haver

lugar à solicitação de relatórios às equipas de assessoria técnica

relativamente às diligências a que assistiram, esclarecimentos que prestaram,

exames ou pareceres que elaboraram, «(…) quando a sua realização se

revelar de todo indispensável depois de esgotadas as formas simplificadas de

instrução, nomeadamente se forem insuficientes os depoimentos e as

informações a que se referem as alíneas a), c) e d) do n.º 1»

c) Estabelece-se no artigo 27 n.º 1 do RGPTC que «As decisões que apliquem

medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisória

devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior

interesse da criança». Quanto a este particular aspeto importa também ter em

consideração a inovação que, com a mesma finalidade, foi introduzida na Lei

35Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39542. 36Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 20, e-book disponível

em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.

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37

147/99 de 1 de Setembro37

com o aditamento do artigo 112º A 38

no qual se

estabelece que «Na conferência e verificados os pressupostos legais, o juiz

homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a

constar por apenso.». Salienta Paulo Guerra39

, quanto a este aspeto, que as

medidas tutelares cíveis têm também que se harmonizar com as medidas

tutelares educativas face ao que dispõe o artigo 43º n.º 3 da LTE.

d) Prevê-se no artigo 31º n.º 2 do RGPTC que não sendo possível concluir

numa só data a audiência de discussão e julgamento, a mesma pode ser

suspensa e marcada para a data mais próxima, que não deverá exceder os 30

dias, salvo se houver algum impedimento do tribunal ou dos mandatários em

virtude de outro serviço judicial já marcado, situação que deverá ficar vertida

em ata com especificação da identificação do processo em que tal diligência

terá lugar e a natureza desta. Semelhante disposição encontramos também no

artigo 29º n.º 4 e 5 do mesmo diploma relativamente ao adiamento do inicio

da audiência de discussão e julgamento.

e) Prevê o artigo 35º n.º 4 do RGPTC que os progenitores que não compareçam

pessoalmente à conferência poderão ser condenados em multa, sendo apenas

admissível a sua representação40

por mandatário judicial, ascendentes ou

irmão munidos de poderes especiais para tomarem, em seu nome, decisões

nesta diligência processual. Admite-se também a “presença” do progenitor

através de teleconferência a partir do núcleo de secretaria da área da sua

residência 41

f) O legislador previu no artigo 38º do RGPTC prazos máximos para a duração

das fases de mediação familiar e audição técnica especializada estabelecendo

que, terminadas as mesmas, o juiz, após ter sido informado dos resultados

37 Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LTE). 38 Aditamento operado pelo DL 142/2015 de 8 de Setembro. 39 Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 20, e-book disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf. 40 Caso estejam impossibilitados de comparecer ou residirem fora do município da sede da instância central ou local onde a

diligência se realize). 41Solução que melhor se adapta, em nosso entender, à centralização das secções de família e menores operada pela Lei da Organização Judiciária de 2014 agora mitigada pela recentíssima reforma judiciária do novo mapa judiciário que previu a reabertura

de secções locais de família e menores).

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38

alcançados, notifica as partes para continuação da conferência a realizar nos

cinco dias imediatos.

1.2. Agilização e eficácia na resolução dos conflitos através da preferência

pelos métodos de consensualização

Prevê-se no artigo 38º do RGPTC que, caso os pais (pessoalmente ou

devidamente representados para o efeito) não alcancem um acordo quanto à regulação

do regime das responsabilidades parentais que há-de vigorar, o juiz, após decidir

provisoriamente sobre o pedido 42

remete-os para a mediação ou para audição técnica

especializada.

Parece-nos bastante evidente a utilidade destas soluções que o tempo dos

tribunais não permitiria ou não facilitaria. Na verdade não se nos afigura que seja papel

do juiz trabalhar afincadamente na obtenção de acordo entre os progenitores, embora

naturalmente seja o seu papel abordá-los e procurar concilia-los nesta matéria. O acordo

entre os progenitores tem de ser alcançado por equipas especializadas que os ajudem a

solucionar ou minorar o conflito que ainda persiste entre eles, fazendo-os entender que a

relação amorosa entre ambos terminou mas que a relação parental irá perdurar e que por

isso, é premente, alcançar a concórdia em nome do interesse dos filhos.

Não obstante tais vantagens o certo é que já se fazem sentir algumas dificuldades

na execução prática de tais soluções de consensualização.

Na verdade, por um lado, e embora se compreenda que o legislador tenha tido

necessidade de estabelecer prazos curtos para a mediação43

(período máximo de três

meses) ou para a audição técnica especializada (período máximo de dois meses) atenta a

almejada celeridade processual e necessidade premente de resolver a situação daquela

criança cujo tempo não é igual ao nosso, suscitam-se-nos algumas dúvidas sobre a

possibilidade de alcançar uma solução consensualizada, sobretudo em casos de conflito

mais enraizado (como acontece, designadamente, nos contextos de violência

doméstica), em tão curto espaço de tempo.

42O estabelecimento de um regime provisório já não é, nesta fase do processo [embora pareça continuar a ser em qualquer outra fase -cf. artigo 28º n.º 1] uma faculdade do juiz como era na Organização Tutelar de Menores. Enquanto vigorou entre nós este regime

jurídico o juiz apenas decidiria a título provisório caso o estabelecimento de tal regime não lhe fosse requerido ou pelas partes ou

pelo Ministério Público em representação da criança ou jovem (cf. artigo 157º da OTM). 43Os princípios gerais da mediação encontram-se estabelecidos na Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril.

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39

Por outro lado, têm-se sentido algumas resistências por parte dos progenitores

relativamente ao recurso à mediação 44

, uma vez que os custos desta (e das deslocações

que terão de efetuar por conta da sua realização) ficarão a seu cargo, caso não

beneficiem de apoio judiciário que abranja esta despesa processual.45

1.3. Incremento da proteção da criança ou jovem

Outro aspeto muito relevante, cremos, é que do RGPTC resulta também, a nosso

ver, um incremento da proteção da criança no sentido da existência de um maior

controlo da situação da criança ou jovem quer por parte do Tribunal, quer por parte da

família alargada (com vinculo afetivo à criança). Neste sentido, vejam-se as seguintes

inovações:

a) Muito embora a assessoria técnica já estivesse consagrada no artigo 147º C

da OTM, o certo é que o RGPTC veio alargar o âmbito de atuação destas

equipas multidisciplinares 46

, estabelecendo que lhes caberá (para além das

funções que já anteriormente lhes estavam acometidas) apoiar as crianças

que intervenham nos processos (designadamente assistindo a criança na

diligência em que é ouvida, conforme dispõe o artigo 5º n.º 7 alínea a) do

RGPTC), acompanhar a execução das decisões 47

, mediar a execução do

regime das responsabilidades parentais 48 e assumir a função de gestor de

processo (figura que apenas nos era familiar no que tocava à atividade

desenvolvida pelas CPCJ) 49

44Cuja intervenção dependendo seu consentimento nos termos do artigo 24º n.º 1 do RGPTC. 45A utilização do Serviços de Mediação Familiar tem para cada um dos mediados um custo no valor de 50 € independentemente da duração ou número de sessões de mediação). 46Embora a OTM não previsse a multidisciplinariedade, haviam já sido criadas as equipas multidisciplinares de apoio aos tribunais-EMAT. 47Nos termos do artigo 40º n.º 2 do RJPTC pode o tribunal determinar que o regime de visitas estabelecido por sentença «(…) sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal» havendo também

nos termos do n.º 6 desse normativo, a possibilidade de o tribunal determinar que toda a execução do regime estabelecido seja

acompanhado pelas equipas de assessoria técnica, caso entenda haver risco de incumprimento da decisão, acompanhamento que decorra nos moldes previstos no n.º7. Acresce que nos termos do artigo 41º n.º 5, em caso de incumprimento e subsequente falta dos

pais à conferência prevista no n.º 3 ou em caso de ausências de alegações por parte do requerido ou sendo estas manifestamente

improcedentes pode o tribunal para efetivação do regime de visitas estabelecido ordenar «(…) a entrega da criança (..) presidindo à diligência a assessoria técnica do tribunal. 48Nos termos do n.º 10 do artigo 40º do RJPTC, nos casos em que tenha sido decretada medida de coação ou aplicada a um dos progenitores pena acessória de proibição de contato entre os progenitores «(…) o regime de visitas pode ser condicionado,

contemplando a mediação de profissionais especializados (…)». 49 Embora tenha pretendido que tais equipas funcionem junto das secções de família e menores o certo é que a concretização de tal intento parece ser ainda hoje uma miragem, decorrido que se mostra mais de um ano sobre a entrada em vigor da Lei 141/2015, recorrendo os magistrados, por regra, a técnicos da Segurança Social que então exercem a assessoria técnica prevista neste diploma

legal).Este acompanhamento também apenas nos era familiar no âmbito dos processos de promoção e proteção.

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40

Aplaudimos esta iniciativa de alargar as competências das equipas técnicas por

significar a aceitação (que já há muito era feita nos tribunais) de que o “trabalho no

terreno” poderá trazer melhores resultados do que a simples tomada de decisões sem

qualquer acompanhamento especializado (durante o processo decisório e após). Tal era

o que acontecia antes do RGPTC quando após a prolação de sentença (homologatória

ou não) os progenitores eram deixados à sua sorte, mesmo que houvesse dúvidas sobre a

capacidade de os mesmo cumprirem o regime estabelecido. O processo “parava” no

momento da prolação da sentença (do seu trânsito em julgado) e os tribunais limitavam-

se a aguardar notícia de eventuais incumprimentos.

No entanto, suscitam-se-nos sérias dúvidas quanto à efetiva possibilidade de

colocar em prática a assessoria técnica especializada, pelo menos nos moldes

pretendidos pelo RGPTC, apesar de muito esforço já efetuado, atenta a escassez de

meios técnicos, materiais e humanos que assolam as entidades, como a Segurança

Social por exemplo, que continuam a prestar tal assessoria. Sem uma efetiva

intervenção junto destas entidades no sentido de as dotar do número suficiente de

técnicos e meios para que realizem o tanto que agora o RGPTC pretende, tememos

seriamente que as muito boas intenções do legislador, não tenham cabal aplicação na

prática.

É certo que o processo de regulação das responsabilidades parentais era já, à

data, um processo de jurisdição voluntária o que deixava margem ao julgador para após

a prolação de sentença (regime definitivo ou provisório) controlar a forma como o

exercício das responsabilidades parentais reguladas estava a decorrer, caso alguma

dúvida o tivesse assaltado sobre o sucesso do seu cumprimento.

Mas tal muito raramente era feito, não só por não ser um procedimento

enraizado, mas também porque, em muitos Tribunais, sobretudo nos que tinham

competência na área da Família e Menores, as pendências processuais e o tempo do

despacho, não permitiam dar largas a procedimentos que, cremos, a maior parte do

Juízes aceitava como pertinente.

b) O princípio da plenitude da assistência do juiz prevista no artigo 30º do

RGPTC (ainda que com algum sacrifício da pretendida celeridade processual

já que poderá, nos termos deste normativo, implicar a repetição dos atos já

praticados) com vista a garantir, cremos, que a apreciação da situação de

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41

uma criança não passe “de mão em mão”, concentrando-se o conhecimento

daquela realidade factual em sede de audiência de discussão e julgamento, a

uma única pessoa que acompanhou a totalidade dos atos praticados). Igual

intenção parece ter estado também na criação da inovadora figura do gestor

do processo.

c) A possibilidade consagrada no artigo 35º n.º 2 do RJPTC de serem ouvidos

na conferência de pais os avós ou outros familiares e pessoas de especial

referência afetiva para a criança. Anteriormente previa-se apenas que o juiz

pudesse determinar que os avós ou outros parentes da criança ou jovem

estivessem presentes na conferência que era realizada nos termos do artigo

175º da OTM.

d) O aproveitamento probatório das declarações da criança prestadas em

processo-crime (declarações para memória futura) ou em processo de

natureza cível (com respeito pelo princípio do contraditório), solução que

permitirá que a criança não tenha de ser ouvida sobre a sua situação familiar,

mais vezes do que seria desejável.

e) Muito embora já estivesse anteriormente prevista na OTM (artigo 154º) a

conexão entre os processos de promoção e proteção, tutelares cíveis e

processos tutelares educativos relativamente à mesma criança, o RGPTC

alargou agora também tal conexão ao processos de promoção e proteção que

corram termos nas CPCJ, que assim devem ser remetidos, com tal finalidade,

às secções de família e menores.

Embora coloquemos algumas reservas à eficácia pratica de tal solução, já que

poderá implicar para aquelas secções um aumento exponencial de serviço sem

simultâneo incremento de meios humanos e técnicos (quer ao nível das próprias secções

quer das equipas de assessoria técnica de apoio ao tribunal) parece-nos inegável que o

conhecimento mais completo da situação de cada criança, que aquela conexão

favorecerá, permitirá decisões mais e melhor ponderadas e conformes ao superior

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42

interesse da criança, fim último da atuação a este nível. Igual objetivo terá estado

também na base da já referida criação da figura do gestor de processo.

2. A audição da criança

Para além daqueles objetivos que muito impacto se esperaria terem nas

regulações, inibições e limitações das responsabilidades parentais em contextos

familiares marcados pela violência doméstica, um outro princípio foi ainda mais

privilegiado e dinamizado com o RGPTC: o princípio da audição da criança. A

observância deste princípio nos moldes agora previstos constituirá, a nosso ver, um

instrumento marcante nos processos decisórios.

Na verdade, um dos caminhos a percorrer, e quiçá o mais importante, quer na

determinação do papel que cada um dos progenitores tem na vida da criança quer na

determinação dos fatores relativos a esta (designadamente, o seu grau de

desenvolvimento físico e psicológico, a integração no tecido social, nomeadamente,

escola, família alargada, núcleo de amizades, comportamento social, suas preferências e

capacidade de adaptação e socialização) é, precisamente, ouvir a criança.50

Defende

Paulo Guerra51

que as normas sobre a audição das crianças com vista a obter delas a sua

opinião sobre a matéria a apreciar e não para efeitos probatórios) deve ser respeitado

quer nos processos de divórcio sem consentimento convolados em divórcios por mútuo

acordo quer quando o Ministério Público (autoridade judiciária mencionada no artigo 5º

n.º 1 do RGPTC) aprecia os acordos relativos à regulação das responsabilidades

parentais que lhe são remetidos pelas Conservatórias do Registo Civil.

Antes da entrada em vigor do RGPTC a lei não definia a idade a partir da qual

era aconselhável o julgador ouvir o a criança/jovem, constituindo até então prática

corrente balizar nos 12 anos a idade mínima, embora sempre dependente da maturidade

que a criança demonstrasse para ser ouvida, para que dessa forma não se afetasse mais a

50O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a pugnar no sentido do reconhecimento ao menor, de um direito de participação nos procedimentos concernentes ao exercícios das responsabilidades parentais, mormente atinentes à fixação do regime

de visitas (cf. artigo 1.º, n.º 2 e 3º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança e artigo 15.º, n.º 1, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões relativas à Guarda de Menores e sobre o Restabelecimento

da Guarda dos Menores, o Princípio 3 da Recomendação R 84 (4), de 28 de fevereiro de 1984, do Comité de Ministros do Conselho

de Europa, sobre responsabilidades parentais, o artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e o artigo 24.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 51Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 23, e-book disponível

em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf

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43

sua vida do que aquilo que ela já é normalmente atingida pelo desacordo, por vezes

ódios e ressentimentos dos pais.

Seguindo a prática judicial e jurisprudencial consagrou-se, então, no artigo 35º

do RGPTC que «A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com

capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e

maturidade, é ouvida pelo tribunal (…) salvo se a defesa do seu superior interesse o

desaconselhar.»

O RGPTC é bem claro ao determinar no seu artigo 4º n.º 2 que para efeitos da

tomada de decisão sobre a pertinência da audiência da criança « (…) o juiz afere

casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em

discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.»

A OTM previa já no seu artigo 175º a audição da criança contudo com as

alterações e especificações introduzidas pelo RGPTC nesta matéria cremos ter o

legislador contribuído de forma decisiva para o sucesso dos processos de regulação das

responsabilidades parentais prevendo, em simultâneo, procedimento com vista a

minimizar o inevitável impacto que a audição da criança em tribunal tem na sua vida,

sobretudo neste contexto.

Ainda assim não foi o legislador tão longe adotando soluções que, por exemplo,

Maria Clara Sottomayor 52

preconizava e que iam no sentido de a opinião da criança ser

obtida e trazida ao processo por um representante da criança, nomeado pelo Tribunal ou

escolhido por ela, prática que permitiria segundo aquela incontornável autora, assegurar

que os interesses dos pais, mormente económicos não se sobrepusessem aos interesses

da criança. Embora compreendendo o ponto de vista da autora, somos da opinião com

base nas funções que anteriormente já desempenhamos nesta tão particular área do

direito, que a presença e o efetivo controlo que o Magistrado do Ministério Público faz

quer nos processos de regulação das responsabilidades parentais quer nos processos de

promoção e proteção (impulsionando-os, controlando as decisões judiciais tomadas e

participando nas conferências e audiências realizadas neste âmbito) em nome do

interesse das crianças/jovens, cuja defesa lhe está estatutariamente acometida, torna

desnecessária a figura do representante do menor, em nada deixando por respeitar as

recomendações que constam designadamente da Convenção Europeia Sobre o Exercício

dos Direitos da Criança (Estrasburgo, 1996) e Convenção dos Direitos da Criança

(1989).

52Ob. cit. página 43

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44

Encontramos também quem defenda, como é o caso de Maria Beatriz de Fragoso

Neves Batista 53

que o RGPTC não devia prever, como faz no seu artigo 5º alínea b),

que os advogados possam formular perguntas à criança já que «(…) se o objetivo é

deixar a criança o mais confortável possível, para evitar efeitos secundários hostis, o

facto deste RGPTC deixar plasmado em letra de lei uma margem para que os advogados

possam formular perguntas é, consequentemente, inverter a lógica que se pretende

atingir. É dar espaço para perguntas cruzadas, confusas, ambíguas, sinuosas, com vista a

obter as respostas mais favoráveis da criança para os seus clientes.».

Nesta matéria, defende Paulo Guerra54

que «(…) a audição da criança para

livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art.5º), não está sujeita às regras enunciadas

no n.º 6 e 7, do mesmo art.5º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz,

com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante

registo áudio ou áudio visual.». Assim, a não presença do advogado na audição da

criança ou do jovem para efeitos probatórios, constituirá, como bem salienta, uma

nulidade processual. E assim entende, explica, porque a criança tem direito, no livre

exercício do seu direito de opinião, a escolher entre falar ou não falar sobre a matéria e

o direito de contactar, confidencialmente, a CPCJ, o Ministério Publico, o Juiz e o seu

advogado (artigo 58º n.º 1 alínea g) da LPCJP) direito que considerada extensível a

todas as crianças (e não só àquelas que se encontram em situação de acolhimento) por

força da conjugação dos artigos 4º e 33º do RGPTC.

Não podemos deixar de concordar com tais posições embora entendamos

defensável que, mesmo na audição da criança para efeitos probatórios (e tendo em conta

o fim último de proteção do seu bem estar e do seu superior interesse) o contraditório

das partes se encontraria assegurado através do registo áudio ou audiovisual (de

preferência este) da diligência em que a criança foi ouvida, registo esse que aliás está

previsto no já mencionado artigo 5º n.º 7 alínea c) do RGPTC. Claro que está que a

solução mais adequada seria munir as secções de família e menores de infraestruturas

que permitissem aos advogados das partes verem e ouvirem em tempo real as

declarações prestadas pela criança ou jovem (nomeadamente, através de salas ou

53Do (in) cumprimento do exercício das responsabilidades parentais, Os comportamentos de alienação parental, no contexto do Novo Regime Geral do processo Tutelar Cível, Dissertação apresentação à faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no

âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-

Forenses, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2016). 54Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 23, e-book disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.

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45

gabinetes dotados de equipamentos semelhantes àqueles que existem para os

reconhecimentos pessoais em processo crime e sistema de áudio) formulando, através

do juiz (e sem que a criança disso se apercebesse) as perguntas e pedidos de

esclarecimento que entendessem pertinentes.

Do que assim vem dito e da análise atenta do texto da lei, retira-se que a audição

da criança prevista nos artigos 4º e 5º do RGPTC visa, então, duas finalidades distintas:

uma finalidade probatória, como meio de aquisição de prova e a finalidade de munir o

julgador das opiniões, sentimentos e perceções da criança face à sua realidade familiar.

Como nos ensina Paulo Guerra 55

ao contrário do que acontece com a audição da criança

com vista a que esta possa exprimir a sua opinião, diligência que é obrigatória nos

termos previstos no artigo 35º alínea b) do RGPTC, a audição da criança para efeitos de

prova já não o é, podendo ser determinada pelo tribunal a requerimento ou

oficiosamente, sempre que o seu interesse o aconselhar, devendo ser atendida nos

termos do artigo 413º do Código de Processo Civil.

Conforme já salientamos, podem ser consideradas como meio de prova no

processo tutelar cível as declarações para memória futura prestadas pela criança em

processo-crime, assim como aquelas que por ela tenham sido produzidas em processo

de natureza cível perante o juiz ou o Ministério Público, com respeito pelo

contraditório.

Saliente-se, quanto a esta matéria que caso venha ser proferida em Portugal

sentença quanto à regulação das responsabilidades parentais com preterição

(injustificada e não fundamentada) da audição da criança, ela não será reconhecida

noutro qualquer Estado Membro, atenta a nulidade processual de que padece.

55Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 21 e 22, e-book disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.

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47

CAPITULO III

Os critérios que maioritariamente presidem às decisões de regulação das

Responsabilidades Parentais na prática judiciária – análise crítica.

As responsabilidades parentais são um «um efeito da filiação (artigo 1877º e

seguintes do C.C.), uma forma de suprimento da incapacidade dos menores (...) Uma

situação jurídica complexa, em que avultam poderes funcionais, ao lado de puros e

simples deveres. Não um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício

livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo

altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do

direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do

filho, com vista ao seu desenvolvimento integral. (...) Conclui-se, em síntese, pelas

seguintes características do poder paternal: é de ordem pública (...) é um poder de

proteção (...) é irrenunciável (...) não é intangível (...)» 56

O direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (cf. artigo 36º,

n.º5, Constituição da República Portuguesa) é um direito-dever legalmente estabelecido,

tal como todos os poderes – deveres, ou poderes – funcionais, fundamentalmente, no

interesse pessoal e patrimonial dos filhos menores não emancipados, não constituindo

um puro direito subjetivo dos pais.

As responsabilidades parentais configuram-se, assim, como um conjunto de

faculdades cometidas legalmente aos pais “no interesse dos filhos”, em ordem a

assegurar convenientemente o seu sustento, saúde, segurança, educação, a representação

da sua pessoa e a administração dos seus bens (cf. artigo 1878.º do Código Civil).

Ao nível do direito constitucional, a Constituição da República Portuguesa

estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as diretrizes normativas de

proteção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos

fundamentais dos pais – direito à educação e manutenção dos filhos – só podem ser

restringidos em situações especialmente previstas na lei, sempre em prol da defesa dos

direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências da proporcionalidade e

da adequação (cf. artigos 18.º, n.º2, 36.º, n.º6, 67.º, 69.º e 70.º CRP).

56ARMANDO LEANDRO, “Poder paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”,

Separata do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, pág. 119 e seguintes.

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48

Não significa isto que deles se retire a ideia de uma proteção ou prevalência,

absoluta da família biológica, como melhor se analisa no acórdão da Relação do Porto

de 22 de Setembro de 2009 onde se pode ler que «(…) Deve assim considerar-se que o

direito dos pais à manutenção e educação dos filhos é um direito que apenas tem

conteúdo e pode ser exercido na dimensão do dever correspondente e do direito dos

filhos ao seu bem-estar. Assim, sempre que os pais, por ação ou omissão, não cumprem

com o seu dever e com o direito dos filhos, são eles próprios a colocarem em causa a

possibilidade de exercerem o seu direito a manterem os filhos consigo.»57

Na verdade, ao contrário do que acontecia no poder paternal do primitivo Direito

Romano (patria potestas) as responsabilidades parentais atualmente não mais consistem

num poder exclusivo e absoluto do pater famílias sobre o filho, que lhe permitia

abandoná-lo, expô-lo e até dispor da sua vida.

Assistiu-se historicamente a uma deslocação progressiva do enfoque do poder

paternal das pessoas dos pais para as pessoas dos filhos, passando o interesse destes a

constituir o critério, o limite e a ratio essendi daquele poder. A criança/jovem deixou de

ser visto como objeto de direitos, para passar a ser visto como sujeito de direitos.

As responsabilidades parentais (outrora poder paternal) surgem como um

"conjunto de poderes-deveres, como uma situação jurídica complexa em que avultam

poderes funcionais, que devem ser exercidos altruisticamente, no interesse do filho, de

harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção

e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu harmonioso e integral

desenvolvimento físico, intelectual e moral" 58

As responsabilidades parentais são pois "(…) uma constelação de direitos e

deveres , dos pais e dos filhos, e não um simples direito subjetivo dos pais perante o

Estado e os filhos"59

Como deixamos antever, "o exercício do poder paternal não é livre, mas

vinculado e controlado, definindo a lei um quadro de proteção do menor contra os

próprios progenitores, mediante a possibilidade de os limitar ou mesmo inibir do

respetivo exercício". Numa palavra, o poder paternal não é intangível, estando sujeito

ao controlo judiciário, quando tal se justifique, o que leva Carbonnier a falar de uma

57Acórdão da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2009 (proc. 5698/05.0TBSTS-A.P1), disponível em www.dgsi.pt. 58Cf. artigos 1874º,1878º,1882º,1885º e seg. e 1997º, todos do CC. (3) Parecer n.º 8/91 da Procuradoria-Geral da República, in DR II Série, de 18/9/92, p.46; (4) Armando Leandro, «Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitação. Algumas reflexões da

prática judiciária», Temas de Direito da Família, ciclo de conferências no conselho distrital do Porto da Ordem dos Advogados,

Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p. 119 e 121). 59 VITAL MOREIRA E GOMES CANOTILHO, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed,. pág. 222.

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49

relação triangular, pois o Tribunal como que se insere na relação bilateral pais-filhos. 60

61

A intromissão do Estado no âmbito das relações parentais está estritamente

subordinada à salvaguarda dos interesses das crianças/jovens, designadamente nos casos

em que se apresentam maltratados ou negligenciados por forma a pôr em risco a sua

saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento físico e psíquico. Nesses

casos, a atuação interventora fica subordinada ao superior interesse da criança.

É incontestável que a lei protege e tutela a família natural, (cf. artigos 67º, 68º e

36º da CRP), reconhecendo aos pais «o direito e o dever de educação e manutenção dos

filhos», bem como que a criança não deve ser separada de seus pais contra a vontade

destes, salvo se tal separação se mostrar necessária ao interesse superior da criança, ( tal

decorre do nº 6 do art.º 36º da CRP e do disposto no artigo 9º, nº 1 da Convenção dos

Direitos da Criança.

Assim, quer porque decorre daquela norma de direito internacional, quer porque

está consagrado no diploma fundamental de direito interno, a CRP, é consentida a

separação da criança dos seus pais quando estes não cumpram os seus deveres

fundamentais enquanto progenitores.

Para além da legislação constitucional supra mencionada, avultam, ainda,

relacionadas com os direitos das crianças, múltiplas Convenções e legislação avulsa que

desde o dealbar do século passado tem reconhecido que a criança/jovem, pela

especialidade da sua situação face ao adulto, tem direito a uma proteção especial que lhe

preserve o seu futuro e o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade,

congregando-se essa ideia na expressão “superior interesse” da criança.

Entre esses vários instrumentos jurídicos, será de realçar a CDC, espelhando os

artigos 3.º, n.º1 e 9.º, n.º1 e 3, o princípio de que todas as decisões adotadas, mormente

por tribunais, se regem primacialmente pelo interesse superior da criança e que esta não

será separada dos pais contra a vontade destas, salvo se as autoridades competentes

decidirem (sem prejuízo de revisão das decisões) que essa separação é necessária no

interesse superior da criança. Mas também, e exemplificativamente:

-Convenção da Haia sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, de

25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto n.º 22/83, de 11 de Maio;

60Parecer n.º 8/91 da PGR 61ARMANDO LEANDRO, ob. cit., p. 122.

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50

-Anexo à Recomendação n.º R (84) sobre as responsabilidades parentais

(adotada pelo Comité de Ministros do Conselho de Ministros do Conselho da Europa

em 28/09/1984), Princípio 2, do qual emerge o interesse da criança/jovem como leit

motiv de toda a regulação da intervenção estadual, bem como a submissão do poderes-

deveres que enformam as responsabilidades parentais àquele princípio;

-Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à

execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de proteção

das crianças, adotada na Haia em 19 de outubro de 1996, aprovada pelo Decreto n.º

52/08, de 13 de novembro;

-Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003,

relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria

matrimonial e em matéria de responsabilidade parental;

-Recomendação da Comissão Europeia 2013/112/eu de 20/2/2013;

No que concerne à lei ordinária portuguesa, os artigos 1901.º a 1920.º-A, do CC

regulam a matéria do ainda ali chamado poder paternal, sem olvidar a específica

regulação prevista no Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Assim, resulta do artigo 1906.º, n.º 1, do CC (aplicável por força do disposto no

artigo 1909.º do mesmo código) que quando os pais da criança/jovem se encontrem

separados e não alcancem entre si um acordo sobre a forma como o exercício das

responsabilidades parentais há-de decorrer, cabe ao tribunal regulá-lo de harmonia com

os interesses da criança/jovem, nos termos do artigo 1906.º, n.º 7, do CC.

A regulação do exercício das responsabilidades parentais definirá, no essencial,

e tendo em conta o superior interesse da criança, a residência da criança/jovem, o

regime de visitas do progenitor a quem esta não tenha sido confiada (progenitor não

guardião) e o regime de prestação de alimentos.

A sentença a proferir, no que ao exercício das responsabilidades parentais diz

respeito, deverá ter, assim, como fio-de-prumo o superior interesse da criança,

conforme, aliás, resulta do já mencionado artigo 3º do texto da CDC.

Ora, dispõe o artigo 1905º e sg. do CC- ex vi 1909º, do CC-, que “o destino do

filho, os alimentos a este devidos e forma de os prestar serão regulados por acordo dos

pais (...) Na falta de acordo, o Tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor,

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51

incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não

seja confiado.”

Na verdade, a prossecução do interesse da criança/jovem, em caso de rutura da

relação dos progenitores, tem sido entendida em estreita conexão com a garantia de

condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o seu

desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente

oponham os progenitores e que possibilitem o desenvolvimento de relações afetivas

contínuas com ambos, em especial com o progenitor a quem não foi confiado.

O superior interesse da criança poderá até ditar, conforme decorre do artigo

1907.º do CC, “ (…) o filho pode ser confiado a terceira pessoa, por acordo ou decisão

judicial, ou quando se verifique algumas das circunstâncias previstas no art.º 1918.º”,

caso «(…) a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se

encontrem em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades

parentais(…)”.

Mas o que se deve entender por superior interesse da criança?

A delimitação deste critério de atuação do julgador assume extrema relevância

uma vez que o conceito “superior interesse da criança” não se encontra definido na lei,

sendo antes um conceito jurídico indeterminado a preencher atendendo ao caso

concreto.

Com efeito e como refere Maria Clara Sottomayor62

“A utilização deste conceito

pelo legislador permite uma extensão dos poderes interpretativos do juiz e confere-lhe o

poder de decidir em oportunidade. Este conceito, apesar de não ser definível, é dotado

de uma especial expressividade. É uma “noção mágica”, de força apelativa e tendência

humanizante. O interesse do menor, dado o seu estreito contacto com a realidade, não é

suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos. Este critério só

adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses

da criança como crianças. Caberá pois, em cada caso concreto (...) ao juiz, nos casos

litigiosos, concretizar o conteúdo do interesse daquela criança, cujo destino está em

jogo.»

Citando Hélene Gaudemet-Tallon e por essa via salientando que o recurso a um

conceito jurídico indeterminado revela por parte do legislador a admissão da

incapacidade de o texto legal apreender o fenómeno familiar na sua infinita variedade e

62 MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Lisboa, Almedina, Coleção: Monografias, 2016, página 38.

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52

imensa complexidade», defende Maria Clara Sottomayor63

uma solução que aproxime a

nossa legislação do sistema legal inglês de enunciação de uma lista de fatores a serem

obrigatoriamente levados em consideração pelo julgador. Tal solução, segundo esta

autora, diminuiria a arbitrariedade das decisões e permitiria, através do recurso, um

melhor e mais eficaz escrutínio das partes relativamente às decisões tomadas.

Na ausência de critérios legalmente explanados têm vindo os nossos tribunais a

inspirar-se largamente nos ensinamentos de Maria Clara Sottomayor, utilizando e

adaptando os critérios por ela encontrados para se chegar à solução que melhor espelhe

o superior interesse da criança em cada caso concreto.

Um dos pontos essenciais a avaliar será, compreensivelmente, procurar

determinar qual dos progenitores desavindos garante de forma mais eficaz (sustentada e

equilibrada) a vida, a saúde física ou mental dos filhos, a sua segurança, educação, são

desenvolvimento moral e intelectual e aquele que com eles vinha estabelecendo, ao

longo da vida conjunta, uma maior e compensadora vinculação afetiva, mostrando-se

física e psicologicamente presente e empenhado na vida das suas crianças.

Por outras palavras, será fulcral definir qual dos progenitores assume, em relação

à criança o papel de “figura primária de referência”.64

A subjetividade da decisão do julgador aumenta exponencialmente quando

ambos os pais, ainda que de forma diferente, se posicionam equitativamente quanto ao

filho relativamente àqueles aspetos, pois que a existência de um progenitor ausente

(física e/ou mentalmente), displicente ou abusador da existência física e emocional do

criança/jovem, redundam numa decisão judicial de contornos menos difíceis.

Outros aspetos serão ainda levados em linha de conta pelo julgador e, de forma

necessária, subjetivamente valorados por este, como seja o estilo de vida de cada um

dos progenitores, a sua situação financeira, a atividade profissional dos progenitores e

tempo livre disponível para as crianças, condições geográficas (proximidade da escola,

e da habitação do outro progenitor e de outros elementos da família alargada que façam

normalmente parte da vida da criança) e estruturais da habitação, a existência de outros

irmãos etc.

63Ob. cit., página 33. 64Ob. cit. pág. 39.

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53

Relativamente aos sobreditos critérios e à vantagem que decorreria da

aproximação, nessa matéria, do regime jurídico português ao sistema legal inglês

ousamos defender posição diversa de Maria Clara Sottomayor.

Na verdade, por um lado, fomos percebendo pela prática judiciária, que a

realidade tende normalmente a ultrapassar a criação legislativa (como segundo aquela

autora o próprio legislador terá admitido), gerando o decorrer dos anos e o

desenvolvimento das sociedades a necessidade de ir considerando outros

fatores/critérios que antes não eram valorados pelo julgador ou que não eram valorados

da forma que a concreta época da tomada de decisão impõe.

A este propósito e debruçando-se sobre a constante necessidade de o julgador

adaptar os critérios ao decorrer do tempo e desenvolvimento societário veja-se, a título

de exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2013 no qual se

afirma «A necessidade de constante mudança dos pais e das famílias mercê da recente

crise económica que se associou à já velha crise social e institucional, a globalização a

proximidade entre as cidades (no nosso caso em resultado de novas e múltipla estradas e

auto estradas e scuts) e entre os países em resultado das viagens low cost, alteraram

definitivamente o que se tinha assente como padrão de vida familiar ideal.

Dir-se-ia até, que se torna fundamental educar os filhos com essa plasticidade

que lhes permitirá resistir às mudanças que no futuro provavelmente enfrentarão,

habilitando-os com competências de independência e de adaptação.

Daí que esse conceito tão querido dos nossos tribunais que é de preservar a

«estabilidade existente» deva ser entendido de modo não restritivo, em nossa

opinião.»65

De um outro prisma, cremos que a criação e desenvolvimento doutrinários e

judiciais de critérios que norteiem a tomada de decisão do julgador em sede de

regulação do exercício das responsabilidades parentais tem respondido de forma

bastante satisfatória e eficaz à necessidade de orientação que a tomada de posição do

julgador nesta matéria exige.

Não ignoramos que a fixação legislativa dos critérios a adotar pelo legislador

diminuiria, naturalmente, a subjetividade das decisões do julgador. No entanto, não

cremos que a diminuísse de forma tão sensível ou relevante como pretende aquela

autora, porquanto sempre o julgador teria de colocar o seu cunho pessoal, a sua

experiência de vida na forma como valoraria cada um dos critérios fixados por lei, cuja

65Processo n.º 5358/11.3TBSXL-8, disponível em www.dgsi.pt.

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54

consideração naturalmente não se poderia reduzir a uma simples operação aritmética de

soma de fatores.

Acreditamos, por isso, que a fixação legislativa de critérios orientadores para a

tomada de decisões relativas às regulações das responsabilidades parentais, não traria

nenhuma mais-valia suficientemente significativa, nomeadamente ao nível do escrutínio

das decisões, que justificasse uma alteração nesse sentido.

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55

CAPITULO IV

A Regulação das Responsabilidades Parentais (provisória e/ou definitiva)

num contexto de violência doméstica – análise critica.

Efetuada esta breve abordagem aos critérios que têm vindo a nortear os nossos

tribunais na incessante procura de aproximação das decisões judiciais ao interesse das

crianças envolvidas, importa agora procurar definir, na medida do possível, os aspetos a

considerar na regulação das responsabilidades parentais sobre uma criança inserida num

contexto de violência doméstica entre os progenitores.

Neste particular contexto, importa nunca esquecer que a família é o núcleo de

desenvolvimento pessoal da criança, é o local onde vive as experiências e adquire

conhecimentos que irão marcar o seu desenvolvimento e definir a sua identidade pessoal

os quais terão evidentes reflexos na gestão de afetos, de conflitos, de resposta às

adversidades que terão de enfrentar na vida adulta.

A família e os progenitores da criança são ou deverão ser o refúgio privilegiado

da criança, o “ninho” onde sempre deverão poder regressar quando se sentirem

atemorizados e ameaçados.

No entanto, paradoxalmente, pode ser também no seio familiar que a criança se

depara com as maiores e mais marcantes ameaças à sua existência física e psicológica,

sorvendo nele experiências tão marcantes que podem modificar para sempre a sua vida,

deixando marcas irreparáveis na sua existência enquanto ser humano.

E tais vivências assumem contornos ainda mais perniciosos não só porque

normalmente ocorrem em espaços fechados ao olhar e ajuda de terceiros mas também e

sobretudo por se ver a criança na dupla e dolorosa necessidade de se salvaguardar e ao

mesmo tempo acorrer ao salvamento de uma das figuras essenciais da sua vida,

normalmente a mãe, como nos vêm demonstrando os dados estatísticos recolhidos.

A par desta vivência presente da criança tão marcante a nível do seu

desenvolvimento físico, mental e emocional temos a mais que provável assunção da

violência como um elemento normal na vida conjugal, no relacionamento social entre

pares que vai definir o adulto que teremos amanhã.

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56

Segundo Sani66

«a violência doméstica ao transfigurar o lar num ambiente

perigoso e inesperado cria para a criança um mundo confuso, assustador e pouco

seguro. A proximidade da experiência e relacional aos intervenientes, bem como, a

importância que aquele contexto possui para o desenvolvimento da criança e jovem, são

razões bastante evidentes para se compreender o motivo desta sofrer mais com o

testemunho de violência entre os pais do que os conflitos entre outros adultos»

De entre os vários e já mencionados instrumentos legislativos europeus que, por

via destas constatações, se debruçaram sobre o fenómeno da violência doméstica e

sobre os seus reflexos na vida das crianças envolvidas, salientamos, pela importância

que assume, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à

Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de

Istambul de 11 de Maio de 201167

.

O texto desta Convenção recomenda, para além do mais, quanto a esta matéria

que os Estados parte deverão:

-« (…) adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para

que os direitos e as necessidades das crianças testemunhas de todas as formas de

violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção sejam

devidamente tidos em conta na prestação de serviços de proteção e apoio às vítimas»

(artigo 26º);

-« (…) adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para

assegurar que os incidentes de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação da

presente Convenção sejam tidos em conta na tomada de decisões relativas à guarda das

crianças e sobre o direito de visita das mesmas (…)» (artigo 31º n.º 1)

-« (…) adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para

assegurar que o exercício de um qualquer direito de visita ou de um qualquer direito de

guarda não prejudique os direitos e a segurança da vítima ou das crianças.» (artigo 31º

n.º 2)

Ora, tendo por base os considerandos e referências legislativas que efetuamos, e

chamando novamente à colação os critérios orientadores doutrinária e judiciariamente

66 Citado por TÂNIA SOFIA DE SOUSA, Os filhos do silêncio: crianças e jovens expostos à violência conjugal – um estudo de

casos, Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social, no Curso de Mestrado em Riscos e Violência(s) nas Sociedades Actuais: Análise e Intervenção Social, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2013

(file:///C:/Data/MP01537/Desktop/Universidade%20do%20Minho/T%C3%A2nia_Sousa_Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf. 67 Aprovada em Portugal pela Resolução da AR n.º 4/2013, de 21 de Janeiro.

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57

adotados, cremos estarem reunidas as condições para partindo de um caso concreto

lançar algumas questões relativas à regulação do exercício das responsabilidades

parentais em contexto de violência doméstica e procurar dar-lhes a nossa resposta

possível.

Atentemos, então, na primeira realidade factual (dada como provada em sede de

sentença condenatória ainda não transitada em julgado) que aqui nos propomos analisar

e que conduziu à condenação do arguido, para além do mais (que extravasa o objeto

deste relatório), nas seguintes penas principais e acessórias:

-pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo

152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal:

a) na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução

por igual período estando tal suspensão sujeita a Regime de Prova e,

concomitantemente, ao cumprimento pelo arguido das seguintes obrigações: frequentar

o Programa de Prevenção de Violência Doméstica, ministrado pela DGRSP, com

acompanhamento da sua execução pela mesma entidade e pagar à demandante, no prazo

de 15 (quinze) meses a contar do trânsito em julgado da presente sentença,

comprovando documentalmente nos autos nesse prazo, nos termos prescritos nos artigos

50.º, 52.º, n.º 1, al. b), 53.º e 54.º, todos do Código Penal.

b) na pena acessória de proibição de uso e porte de armas prevista no artigo

152.º, n.º 4, do Código Penal pelo período de 2 anos e 6 meses;

-pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo

artigo 86º n.º 1 alínea c) da lei 5/2006 de 23 de Fevereiro na pena de 180 dias de

multa à taxa diária de € 6, que perfaz um total de € 1.080.

«1. A ofendida AR residiu com o arguido AM durante cerca de 5 anos, como se

fossem marido e mulher em comunhão de cama, mesa e habitação, residindo o casal na

Travessa (…), Amarante, área desta Comarca de Porto Este.

2. Desta relação entre o arguido e a ofendida nasceram as filhas MM no dia 03

de Julho de 2012 e a BM no dia 16 de Setembro de 2013.

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58

3. Em data não concretamente apurada, mas logo após o nascimento da filha

MM a ofendida disse ao seu companheiro que não queria ficar tanto tempo sozinha em

casa e que queria ir para casa dos seus pais.

4. Porque o arguido não aceitou tal decisão agarrou a ofendida por um braço e

empurrou-a contra a parede.

5. Com tal conduta, o arguido causou à ofendida AR, direta e necessariamente,

dores e lesões de natureza e extensão não concretamente apuradas em virtude de não ter

recorrido a tratamento hospitalar.

6. Igualmente, em data não concretamente apurada, em Março de 2014, quando

a MM tinha apenas 6 meses de idade, o arguido regressou a casa do café completamente

embriagado, após ter passado toda a noite fora de casa sem avisar a ofendida, gerando-

se uma discussão entre o casal, tendo este dirigido à ofendida as seguintes expressões:

“puta, vaca, filha da puta” e desferiu um murro na porta do guarda-fatos do quarto

partindo a almofada da porta.

7. No seguimento da referida discussão o arguido pegou na filha MM e veio

para a rua com a filha nos braços para impedir que a ofendida saísse de casa só tendo

entregue a filha à ofendida com a intervenção da GNR que esta, assustada, chamou ao

local.

8. Por diversas vezes, o arguido, na sequência de discussões que então mantinha

com a ofendida, colocou-a fora de casa, sem as filhas, impedindo-a de entrar e dizendo-

lhe, para além de mais, que a casa e o carro não eram dela e que a sua família não tinha

nada.

9. Ademais, com uma regularidade quase diária o arguido iniciava discussões

com a ofendida apelidando-a de “puta”, “vaca”, “cabra” e dizendo-lhe “não vales nada”,

e por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, designadamente no dia 18

de Novembro de 2015, o arguido disse à ofendida que quem mandava era ele e que ela

fazia apenas aquilo que ele queria.

10. Em data não concretamente apurada mas no decurso do mês de Outubro de

2015, uma vez mais no decorrer de uma discussão, o arguido pegou num prato e atirou-

o contra a banca da cozinha onde se partiu.

12. Com tais condutas, o arguido causou à ofendida direta e necessariamente

dores e lesões de natureza e extensão não concretamente apuradas em virtude de esta

não ter recorrido a tratamento hospitalar.

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59

13. Igualmente em data não concretamente apurada, mas quando a sua filha BM

tinha apenas 1 mês de idade e a ofendida estava com ela ao colo, o arguido irritado

porque a Beatriz chorava muito, disse à ofendida para que tratasse da filha, que era para

isso que ela ali estava tendo-a, então, empurrado contra a cama onde a ofendida veio a

cair com a filha ao colo não tendo a bebé caído ao chão devido à rápida intervenção

desta que a agarrou.

14. Ademais, no decorrer dessa discussão, o denunciado disse à ofendida em tom

sério e ameaçador “mato-te a ti e a qualquer um”.

15. No dia 19 de Novembro de 2015, de manhã, o arguido voltou a dirigir à

ofendida, em tom sério e ameaçador “mato-te a ti e a qualquer um”.

16. As acima mencionadas palavras proferidas pelo arguido, conjugadas com o

tom sério e ameaçador com que as mesmas foram proferidas, assim anunciando a sua

intenção de atentarem contra a vida da ofendida, provocaram nesta intranquilidade e

medo de que o arguido viesse efetivamente a concretizar tal intenção.

17. No dia 18 de Novembro de 2015, cerca das 18 horas e 30 minutos, o arguido

iniciou uma discussão com a ofendida e empunhando uma faca de cozinha na mão,

ordenou-lhe que fosse fazer o jantar, desferindo-lhe, sem mais, um estalo na face do

lado esquerdo.

18. Após, como a ofendida reagiu dizendo-lhe: “estás parvo Toni” o arguido

desferiu-lhe outro estalo, desta vez no lado direito da face, ao mesmo tempo que lhe

dizia que a partir de agora seria assim e que a ela teria que fazer o que ele mandasse.

19. Não satisfeito, e após ter questionado novamente a ofendida sobre o jantar, o

arguido agarrou-a e empurrou-a contra um móvel da habitação, só a tendo largado

quando a filha de ambos, MM, de apenas 3 anos de idade, se colocou entre ambos,

pedindo ao pai para largar a mãe, o que ele fez.

20. A ofendida, assustada, subiu as escadas em direção a um dos quartos, tendo

o arguido ido no seu encalce e agarrado a mesma pelo “rabo-de-cavalo”, puxando-a, ao

mesmo tempo que lhe dizia em tom sério “ficas a saber que a tua vida é isto despacha-te

e vai mudar a tua filha”.

21. A ofendida fugiu, então, para outro quarto para onde o arguido a seguiu e

começou a bater-lhe utilizando para o efeito um guarda-chuva com que previamente se

havia munido, atingindo-a várias vezes nas costas onde o veio a partir.

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22. Nessa altura, com medo e porque a filha BM tinha ido atrás de si para o

quarto, a ofendida agarrou-a e encolheu-se sobre ela, enquanto o arguido lhe batia com

o guarda-chuva.

23.A ofendida conseguiu, então, fugir para o exterior da residência seguida pelas

filhas que choravam, tendo-se dirigido ao carro do denunciado procurando o telemóvel

para ligar à G.N.R. a pedir ajuda.

24. Quando já se encontrava fora de casa, o arguido que a tinha seguido,

agarrou-a pelo pescoço, apertando-o e empurrou-a contra um tanque que aí se

encontrava.

25. Ao aperceber-se da presença da vizinha E, o arguido largou a ofendida,

voltou para dentro de casa e da varanda disse para a ofendida “tens 5 minutos para

voltar para dentro ou mato-te”.

26. A ofendida aproveitou a ocasião e fugiu para um estabelecimento comercial

nas imediações da habitação, onde se escondeu, vindo posteriormente a ser acolhida

pelos pais do arguido, em casa de quem pernoitou.

27. Ao atuar do modo descrito em 18. a 24. o arguido quis e provocou na

ofendida equimose arroxeada no pescoço localizada na região do ângulo mandibular

esquerda com 3 cm de maior diâmetro, área de escoriação avermelhada, localizada na

face lateral esquerda do terço superior com 3 cm por 3 cm de maiores dimensões; uma

equimose de coloração arroxeada localizada na região omoplata esquerda com 5 cm de

maior diâmetro, no abdómen: equimose de coloração amarelo-arroxeada localizada na

região da fossa ilíaca esquerda com 4 cm de maior diâmetro; no membro superior

direito: escoriações avermelhadas, lineares de pequenas dimensões nos dedos; no

membro superior esquerdo: escoriações avermelhadas, lineares de pequenas dimensões

nos dedos e equimose de coloração arroxeada, localizada na face posterior do terço

médio com 8cm de maior diâmetro, das quais resultaram 8 dias para a cura, sem

afetação da capacidade de trabalho.

28. No dia 19 de Novembro de 2015, cerca das 07 horas e 15 minutos, quando a

ofendida voltou a casa para se vestir e vestir as filhas, o arguido, que apenas pelas 08

horas e 30 minutos lhe abriu a porta de casa, disse-lhe “chamaste a guarda ficas a saber

que a partir de agora vais levar nas trombas todos os dias”.

29. No final do dia 19 de Novembro de 2015, após a ofendida ter saído do

trabalho e se ter dirigido a casa dos pais, o arguido ligou-lhe para o telemóvel e disse-

lhe “eu vou-te matar tu não me tiras as minhas filhas”.

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30. Porque a ofendida lhe desligou a chamada e não atendeu as restantes

ligações que o arguido lhe fez, este telefonou ao irmão da ofendida a quem disse que

partiria tudo em casa e que a ofendida não lhe iria raptar as filhas.

31. Ao atuar do modo acima descrito o arguido pretendia provocar na ofendida

as lesões que efetivamente provocou, assim como maltratá-la psiquicamente,

amedrontando-a, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e perturbando-a,

bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como

provocaram, tanto medo e inquietação, como marcas físicas e psicológicas, que

afetaram a sua liberdade de atuação e o seu equilíbrio emocional, não se coibindo de o

fazer na presença das filhas.

32. Sabia ainda o arguido que não podia tratar a ofendida da forma como tratou e

que não tinha causa justificativa para o fazer, não ignorando demonstrar baixeza de

carácter, pretendendo e conseguindo o arguido humilhar a ofendida assustando-a e

conseguindo diminui-la no respeito que lhe era devido.

33. Acresce ainda que, no dia 21 de Novembro de 2015, cerca das 01h40m, na

sequência da busca efetuada à residência do arguido sita na Travessa (…) Amarante este

tinha à sua guarda e na sua posse:

a)Uma arma de ar comprimido, com um cano longo e de alma estriada, coronha

de madeira de cor castanha e cano de aço em cor preta, de calibre 4.5;

b)Uma caixa contendo várias munições de calibre 4.5;

c)Um instrumento de madeira, com cerca de 44,5cm de comprimento,

vulgarmente conhecido por taco de basebol;

d)Um pau com cerca de 53 cm de comprimento, com diâmetro da extremidade

inferior (moca), cerca de 8cm e 3 cm de diâmetro na extremidade superior

(empunhadura);

e)uma faca com lâmina de corte de 11cm;

f)seis cartuchos de caça calibre .12

g)uma munição de calibre .32

h)um fulminante.

34. O arguido não era titular de licença válida para uso e porte e/ou simples

detenção no domicílio de qualquer tipo de arma.

35. Ademais o arguido conhecia a natureza e características dos objetos referidos

em 33. alíneas c), d) e e) os quais apenas podem ser usados como instrumento de

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agressão, bem sabendo que a posse não justificada dos mesmos lhe estava vedada por

lei.

36. Por outro lado, o arguido não possuía declaração aquisitiva da arma de ar

comprimido e respetivas munições, referidas em 33. a) e b), bem sabendo que a mesma

era obrigatória.

37. O arguido conhecia a natureza e características de todas as armas referidas

em 33., bem sabendo que a posse das mesmas, sem para estar devidamente autorizado,

lhe estava vedada por lei.

38.º Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo

que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.»

O AM veio a ser detido no dia 20 de Novembro de 2015 pelo Núcleo de

Investigação e Apoio de Vitimas Especificas na sequência de mandados de detenção

fora de flagrante de delito emitidos nessa mesma data pelo Ministério Público, tendo

então sido aplicadas ao AM em sede de primeiro interrogatório judicial

cumulativamente as seguintes medidas de coação:

-termo de identidade e residência;

-proibição de se aproximar da sua companheira AR, num raio de 300 metros;

-proibição de manter com a AR qualquer tipo de contato direto (seja escrito,

falado, por meio tecnológico ou informático), ambas fiscalizadas através de meios

técnicos de controlo à distância;

-obrigação de não adquirir não usar armas e de entregar todas as armas que tenha

em seu poder;

-obrigação de sujeitar-se a tratamento da dependência de álcool, nos moldes a

definir pela DGRSP.

Logo no dia 22 de Novembro de 2015, primeiro dia útil seguinte à realização do

primeiro interrogatório judicial de AM e da sua sujeição às descritas medidas de coação,

foi remetida à competente Instância de Família e Menores informação sobre a pendência

do inquérito n.º 963/15.1GBAMT, cópia da ata do primeiro interrogatório judicial e

expressa menção à necessidade de ser regulado o exercício das responsabilidades

parentais relativamente às crianças MM e BM.

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Em conferência de pais realizada a 17 de Dezembro de 2015 no âmbito do

processo de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 2570/15.0T8PRD foi fixado,

por acordo obtido entre os progenitores, o seguinte regime:

(…)

RESIDÊNCIA: Fixa-se a residência das menores junto da sua progenitora, AR.

*

EXERCICIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS: As

responsabilidades parentais, relativas às questões de particular importância para a vida

das menores, serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, nos termos do

art.º 1906.º, n.º 1 C.C. (na redação da Lei n.º 61/2008, de 31/10), cabendo à progenitora

com quem as menores residem habitualmente, as decisões relativas aos atos da vida

corrente, nos termos do art.º 1906.º, n.º 3 do C. C. (na redação da Lei nº 61/2008, de

31/10).

*

VISITAS:

1. O progenitor poderá estar com as menores sempre que puder, sem

prejuízo das atividades escolares e de descanso das menores, a combinar com a

progenitora, com 24H00 horas de antecedência.

2. 2. As menores passarão fins de semana quinzenais com o progenitor,

devendo os avós paternos ir buscar as menores na sexta-feira ao infantário, no final das

atividades escolares, devendo os avós paternos entregá-las na segunda - feira no

infantário, no início das atividades escolares.---

3. As menores pernoitarão um dia por semana com o progenitor,

respetivamente de quarta-feira para quinta-feira, devendo os avós paternos ir buscar as

menores na quarta-feira ao infantário, no final das atividades escolares, devendo os avós

paternos entregá-las no dia seguinte (quinta-feira) no infantário, no início das atividades

escolares.---

4. Nos dias festivos relativos à véspera de Natal, dia de Natal, passagem de

ano e dia de ano novo, as menores passarão, alternadamente, com cada um dos

progenitores, a iniciar-se este ano a véspera de Natal com a progenitora, dia de Natal

com o progenitor, a passagem de ano com o progenitor e o dia de ano novo com a

progenitora.---

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5. No dia de aniversário das menores, as mesmas tomarão, alternadamente,

uma das principais refeições com cada um dos progenitores.---

6. No dia de aniversário dos progenitores, as menores passarão o dia com o

progenitor homenageado, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso das

menores.---

7. No dia da mãe e no dia do pai, as menores passarão o dia com o

progenitor homenageado, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso das

menores.

8.As menores passarão 15 (quinze) dias das suas férias escolares de Verão com o

progenitor, em períodos seguidos ou intercalados de 8 dias, a combinar com a

progenitora com 60 (sessenta) dias de antecedência.

(…)

Concedida a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, o mesmo no

uso da palavra promoveu: " Por o antecedente acordo salvaguardar devidamente os

interesses superiores das menores (…), o Ministério Público nada tem a opor à sua

homologação."

*

Após, pela Mm.ª Juiz de Direito foi proferida a seguinte:

****************

S E N T E N ÇA

****************

Nestes autos de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, em

que é Requerente o Ministério Público em representação das menores e Requeridos,

(….), foi obtido acordo entre os progenitores sobre o exercício das responsabilidades

parentais das menores (…), nascida em 03-07-2012 e (…), nascida em 16-09-2013.

Quer pelo seu objeto, quer pela qualidade das pessoas que nele intervieram, quer

ainda por acautelar os interesses das menores e verificados os pressupostos dos artigos

1905.º e 1906.º do Código Civil, aplicáveis ex vi art.º 1911, n.º 2 do mesmo Código,

julgo válido o acordo celebrado, que homologo pela presente sentença,

condenando os progenitores a cumpri-lo nos seus precisos termos.

Custas por ambos os progenitores, em partes iguais (art.º 7º, n.º 1 e Tabela I do

RCP).

Nos termos do disposto nos art.º 303.º e 306.º do CPC, conjugado com o art.º

11.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/02, fixo

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65

o valor da presente ação, para efeitos tributáveis, em €30.000,01 (trinta mil euros e um

cêntimo).

Oportunamente cumpra o disposto no art.º 78.º do C.R.C

Registe e notifique.

(…)

Vejamos então.

-Será aconselhável decidir, como aconteceu no referido processo, a fixação de

um exercício conjunto das responsabilidades parentais e um regime livre de visitas entre

progenitores marcados pela violência doméstica durante a coabitação ou após o fim

desta?

No que tange ao exercício das responsabilidades parentais relativamente às

questões de particular importância da criança/jovem estabelece o artigo 1906º n.º 1 do

CC sob a epígrafe «Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio,

separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do

casamento» o regime regra de que «As responsabilidades parentais relativas às

questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por

ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo

nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho,

devendo prestar informações ao outro logo que possível.».

Este não foi, contudo, o regime regra que sempre vigorou no nosso sistema

jurídico. Na verdade, antes da entrada em vigor da Lei 61/2008 de 31 de Outubro o

regime regra em vigor era o do exercício exclusivo do então poder paternal por parte do

progenitor a quem a guarda da criança tivesse sido confiada. Tal regime podia ser

afastado definindo-se, por acordo entre os progenitores, a partilha da totalidade do

exercício das responsabilidades parentais ficcionando-se que, quanto a este particular

aspeto, o matrimónio entre os pais se mantinha ou apenas quanto a determinados

assuntos definidos pelos progenitores da criança/jovem ou quanto à administração dos

bens deste.

O regime regra aplicável desde a entrada em vigor da Lei 61/2008 de 31 de

Outubro pode ser afastado, através de decisão fundamentada do Tribunal, quando o

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exercício conjunto se mostrar contrário aos interesses da criança, podendo neste caso, o

exercício ser acometido apenas a um dos progenitores. (artigo 1906º n.º2 do CC).

Ora, cuidou o legislador de concretizar uma situação em que o estabelecimento

do regime regra (exercício conjunto por ambos os progenitores) se revela

presuntivamente contrário ao interesse da criança/jovem.

Referimo-nos precisamente às situações de violência doméstica.

Na verdade, estabelece o artigo 40º n.º 9 da Lei 141/2015 de 08 de Setembro

(RGPTC) que para efeitos de vir a ser decidido, nos termos do n.º 9 desse mesmo

normativo, que o exercício das responsabilidades parentais relativamente a questões de

particular importância na vida do filho caiba em exclusivo a um dos progenitores se

presume «(…) contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das

responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena

acessória de proibição de contacto entre os progenitores».

Com bem salienta Ana Massena 68

«(…) a interpretação que fazemos dos n.ºs. 8

e 9 do art.º 40.º do RGPTC, leva-nos a concluir que o legislador do RGPTC quis realçar

a importância que uma situação daquela natureza pode ter na decisão quanto ao

exercício das responsabilidades parentais, podendo, até, determinar a sua fixação em

exclusivo por um dos progenitores, contrariamente à regra geral do art.º 1906.º n.º 1 do

Código Civil, por se presumir aquela situação contrária à defesa do superior interesse da

criança.»

Embora o texto normativo deste artigo 40º não seja totalmente inequívoco,

cremos que a medida de coação a que o legislador nele se refere não será apenas aquela

que implica a proibição de contatos entre o agressor e vitima, progenitores da criança.

Neste sentido, Ana Massena 69

esclarecendo que «No que concerne à questão da

natureza da medida de coação cujo decretamento é aludido no n.º 9 do art.º 40.º do

RGPTC, afigura-se-nos que, em ambas as situações previstas – aplicação de medida de

coação ou pena acessória – a intenção do legislador terá sido a de equacionar a situação

que implica restrição/proibição de contactos entre os progenitores.

E se, quanto à pena acessória, esta leitura resulta clara, em relação à aplicação da

medida de coação é certo que podem surgir algumas dúvidas.

68 e 62 “ Família e Crianças: As Novas Leis, Resolução de Questões práticas, Coleção Formação Contínua, e-book CEJ disponível

em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf)

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Contudo, em nosso entender, o elemento literal da norma não afasta a

interpretação acima referida, antes o reforça e, por outro lado, mostrar-se-ia desajustada

ee

Enquanto presunção legal, partiu aqui o legislador, nos termos do artigo 349º do

CC, de dois factos conhecidos, a existência da suspeita fundada da prática de um crime

de violência doméstica por parte de um dos progenitores em relação ao outro ou a sua

condenação (transitada em julgado) pela prática deste crime e a aplicação ao progenitor

agressor de uma medida de coação de afastamento ou a sua condenação, para além do

mais, numa pena acessória de proibição de contacto para afirmar/concluir um facto

desconhecido: que qualquer uma dessas situações (aplicação de medida de coação ou

condenação em pena acessória de proibição de contactos) desaconselha, na perspetiva

da resposta ao superior interesse da criança, o estabelecimento do regime regra de

exercício comum das responsabilidades parentais.

Trata-se, contudo, de uma presunção ilidível (artigo 350º do CC). Ou seja, o

tribunal em caso de suspeita da prática do crime de violência doméstica e aplicação de

medida de coação de proibição de contacto ou em caso de condenação pela prática de

tal ilícito pelo menos na pena acessória de equivalente conteúdo, pode optar pelo regime

de exercício em comum das responsabilidades parentais se os elementos de prova

coligidos demonstrarem que, apesar daquelas circunstâncias, o interesse superior da

criança continua assegurado com a opção por tal solução.

O estabelecimento desta presunção legal ilidível corresponde, em nosso

entender, a uma visão atualista e prática do legislador face ao complexo fenómeno da

violência doméstica.

Contudo, nem sempre esta solução legislativa tem encontrado eco nas decisões

dos nossos tribunais que optando por aplicar naqueles casos o regime de exercício

comum das responsabilidades parentais não cuidam de justificar o afastamento da

presunção legal estabelecida no artigo 40º n.º 9 do RGPTC, abstendo-se até de realizar

prova que demonstre que apesar do cenário de violência doméstica que indiciariamente

(em fase de inquérito criminal e até trânsito em jugado da decisão final) ou efetivamente

(já após transitada em julgado a decisão de condenação) se lhes apresenta, o interesse da

criança se encontra assegurado com o exercício conjunto das responsabilidades

parentais.

Temos assistido, na realidade, e ao arrepio do que o RGPTC estabelece, que

alguns tribunais se limitam a estabelecer o regime regra, escudando-se na existência de

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terceiras pessoas, sejam avós, tios ou outros parentes (que amiúde nem têm voz ativa no

decurso do processo tutelar cível apesar de poderem nele ser auscultados [artigo 21º n.º

1 alínea a) do RGPTC]) que acabam por, solidários com a criança, com um dos

progenitores ou mesmo para satisfação das suas próprias necessidades (como é o caso

dos avós, pais do progenitor não guardião, que assim encontram forma de conviver mais

amiúde com os netos) estabelecer a «ponte» no ficcionado exercício conjunto das

responsabilidades parentais nas questões de particular interesse/relevância na vida da

criança.

E nem se diga que a opção por este regime foi efetuada porque os progenitores

nele acordaram e que tal consenso dispensa a fundamentação da decisão adotada, pois

que o se tribunal entender que o regime acordado entre os progenitores não salvaguarda

o superior interesse da criança, não o deve homologar. Neste sentido veja-se a título

exemplificativo o acórdão da Relação de Évora de 25 de Junho de 2015 70

no qual se

pode ler que «Impõe-se ao tribunal na regulação do exercício das responsabilidades

parentais defender e fazer cumprir o superior interesse da criança, porque os pais não

estão de acordo ou o acordo que apresentam põe em causa esse princípio

fundamental do direito da família.»(negrito e sublinhado nossos).

Através da análise do regime de exercício das responsabilidades parentais que

assim foi espartanamente estabelecido neste processo ficamos sem saber como irá o

progenitor não guardião (o AM) exercer em conjunto com a progenitora as

responsabilidades parentais, combinar com ela sempre que queira estar com as filhas ou

com elas passar os aniversários, Véspera de Natal, Natal, ano Novo, dia da mãe e do pai

e férias já que, recorde-se o progenitor se encontra proibido de se aproximar da mãe das

crianças num raio de 300 metros e de manter com ela qualquer tipo de contacto direto

(seja escrito, falado, por meio tecnológico ou informático).

Com base em igual raciocínio cremos não ter cabimento ou sequer ser exequível

o fixado regime livre de visitas ao progenitor agressor não guardião.

Analisando o regime assim estabelecido seriamos levados a pensar tratar-se de

uma regulação como tantas outras, já que com exceção da menção à intervenção dos

avós paternos, nada ali aponta para a existência de um cenário (ainda que indiciário) de

violência de doméstica que conduziu à rutura da relação entre os progenitores das

70 processo 789/13.7TMSTB-B.E1 disponível em www.dgsi,pt

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crianças e à aplicação de medidas de coação ao AM, verdadeiramente limitativas da sua

liberdade.

Para além das dificuldades que, cremos, a falta de pormenor no que tange aos

concretos aspetos da regulação das responsabilidades parentais que a particular situação

daqueles progenitores e daquelas crianças impunha que não existisse e que desde logo

poderá dar aso a incumprimentos do regime estabelecido, nada ali nos esclarece por que

razão a solução encontrada salvaguarda devidamente o interesse daquelas crianças,

omitindo quer o Ministério Público na sua promoção quer o Juiz ao homologar o acordo

alcançado, qualquer razão para que assim tivesse entendido por forma a terem afastado,

como afastaram, sem mais, a presunção prevista no artigo 40º n.º 9 do RGPTC.

Como bem salienta Maria Clara Sottomayor «a fundamentação das sentenças

[ainda que meramente homologatórias dos acordos alcançados pelos progenitores]

também assume, neste âmbito, um papel decisivo, pois permite aos seus destinatários

[sejam os próprios progenitores quando não há acordo entre eles quer o Ministério

Público] identificar os fatores que levaram o juiz à decisão e o peso que lhes foi

atribuído, permitindo-lhes recorrer para um tribunal superior em caso de abuso dos

poderes discricionários.»71

Em nossa opinião, a decisão que no caso se impunha, com base no que assim

vem dito e nos termos do artigo 40º n.º 9 da Lei 141/2015 de 08 de Setembro (RGPTC),

era que as responsabilidades parentais fossem atribuídas em exclusivo à progenitora, a

quem incumbirá, não só a decisão sobre os atos da vida corrente das crianças, como as

decisões de particular importância para a vida das mesmas.

Tal opção encontrava também assento nos demais critérios que vêm sendo

doutrinária e judiciariamente definidos, já que a progenitora era neste caso [como a

prova que podia e devia ter sido sumariamente produzida certamente demonstraria] a

figura primária de referência, a cuidadora quase exclusiva daquelas crianças,

assumindo, apesar do conflito que a oponha ao progenitor, uma postura imparcial

relativamente ao seu desempenho parental sabendo distinguir, de forma assinalável

(embora, como adiantaremos adiante, se nos coloquem sérias reservas à efetiva

possibilidade de fazer tal destrinça), o papel do AM como companheiro e o papel deste

enquanto pai.

É que efetivamente a decisão conjunta, por ambos os progenitores, das questões

de particular importância da vida das filhas não serve, neste caso e em nosso entender, o

71 Ob. cit.pág. 39.

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70

interesse das crianças, considerando a ausência de comunicação entre os pais (imposta

pela medida de coação aplicada em sede de inquérito) e a grave situação de conflito

subjacente à violência doméstica que a progenitora vinha sendo vitima até à dissolução

da relação.

Tal situação, que constitui aliás, em nosso entender, uma nulidade processual

(artigo 615º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC) poderia ter ficado a dever-se (embora no caso

concreto, e como se explanou, tal não tenha acontecido) a uma deficiente articulação

entre a secção de inquérito (onde corria termos o processo de inquérito pela eventual

prática do crime de violência doméstica) e a Instância Central de Família e Menores

que, no caso, estavam sediadas na mesma Comarca.

Tal articulação é pois essencial para que a regulação do exercício das

responsabilidades parentais a definir corresponda efetivamente ao superior interesse da

criança envolvida, razão pela qual o Magistrado do Ministério Público que titule o

processo de inquérito em que se investigue a prática do crime de violência doméstica no

seio de um agregado familiar com crianças, deve de imediato comunicar a pendência do

inquérito e, se for o caso, a sujeição de um dos progenitores a medidas de coação

mormente de afastamento e proibição de contactos, ao Magistrado do Ministério

Público que desempenhe funções na respetiva Instância de Família e Menores, valendo

igual raciocínio para qualquer alteração ou revogação de tais medidas.

Só dessa forma poderá este Magistrado avaliar a pertinência de ele próprio

requerer, em cumprimento do dever legal que sobre ele impende (artigo 37.º-B, n.º 1 da

Lei 112/2009 de 16.09), a regulação do exercício das responsabilidades parentais

(quando ainda não exista) ou diligenciar pela alteração do regime até então em vigor já

que, recorde-se, o legislador criminal não olvidou integrar no crime de violência

doméstica, os maus tratos físicos ou psíquicos praticados contra o ex-cônjuge, pessoa

com quem o agressor tenha mantido uma relação de namoro ou análoga à dos cônjuges

ou simplesmente quando os liga a existência de um descendente comum em 1º grau

(artigo 152º n.º 1 alíneas a), b) e c) do CPP).

Semelhante essencial articulação tem também de ser estabelecida e mantida

entre o Magistrado do Ministério Público que titule o processo de inquérito e a CPCJ da

área de residência da criança, a quem a pendência daquele inquérito deve também ser

imediatamente comunicada, a par da comunicação efetuada Magistrado da Instância de

Família e Menores nos termos supra expostos, para que nessa sede se avalie a situação

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71

da criança/jovem e se conclua se efetivamente se encontrará, por força dos atos de

violência doméstica de que direta ou indiretamente é vitima, numa situação de perigo

prevista no artigo 3º da LPCJP que justifique a imediata instauração de processo de

promoção e proteção (cf. Ponto 3.4 da Diretiva 7/2012 da PGR e Diretiva Conjunta da

PGR/CNPCJ assinada em 23 de Junho de 2009).

Ao permitir ao magistrado do Ministério Público que desempenhe funções na

respetiva Instância de Família e Menores conhecer aquela concreta situação de vida e a

investigação criminal que sobre ela é feita, dar-se-á ainda hipótese de ele efetivamente

apreciar a legalidade e ponderar a adequação das medidas adotadas e decisões

proferidas pela CPCJ como lhe impõe, aliás, o artigo 72º n.º 2 da LPCJP.

Sempre se dirá também que, no que tange às CPCJ normalmente tal

comunicação é efetuada pelo órgão de polícia criminal que elabora o auto de notícia ou

recebe a denúncia da prática do crime de violência doméstica, o que faz em simultâneo

com a elaboração da ficha de avaliação de risco.

Transmutando a realidade factual daquela família, analisemos o que aconteceria

ou poderia acontecer ao exercício das responsabilidades parentais daquelas crianças

caso a respetiva regulação já tivesse sido efetuada antes da instauração do processo e da

aplicação ao agressor da medida de coação e da pena acessória de proibição de contacto

com a vítima, no caso o outro progenitor.

Neste caso, facilmente se compreenderá que o regime que até esse momento se

encontrava estabelecido deverá ser revisto reanalisando a manutenção dos pressupostos

que conduziram ao estabelecimento do exercício conjunto das responsabilidades

parentais e, bem assim, o regime de visitas pelo agressor que até então se mostrava

definido.

Quanto a este aspeto estabelece o artigo 14º n.º 2 da Lei 112/2009 de 16/09 que

«Sempre que existam filhos menores, o regime de visitas do agressor deve ser avaliado,

podendo ser suspenso ou condicionado, nos termos da lei aplicável.».

Por fim, ficcionemos que aquando da aplicação das referidas medida de coação

ou pena acessória, o processo tutelar cível com vista à regulação das responsabilidades

parentais já se encontra pendente sem que contudo tenha ainda sido proferida sentença

sobre essa matéria.

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72

Neste caso, defende Miguel Vaz que «A situação terá que ser apreciada em

concreto e procurar, caso se justifique, segundo as circunstâncias do caso, desencadear

as diligências urgentes e apropriadas (por exemplo relatórios psicológicos ou exames

periciais para averiguar da necessidade de afastamento de um dos pais) e fixar um

regime provisório adequado, apelando se necessário à intervenção de terceiros nos

convívios.».

Concordamos inteiramente com a posição assim defendida, chamando contudo

novamente à atenção que, em nosso entender, a intervenção e terceiros mediados dos

convívios entre o progenitor agressor e as crianças não deve ser estabelecido – sob pena

de o regime provisório ou definitivo definido poder ficar ditado ao insucesso- sem

auscultar esses intervenientes acidentais apurando junto dos mesmos a sua efetiva

disponibilidade e capacidade para fornecer a sua colaboração e definir juntamente a

forma como a mesma se há-de efetivar.

A segunda realidade fáctica que nos propusemos abordar permitir-nos-á

discorrer sobre a hipótese de atribuição da residência (provisória e/ou definitiva) da

criança ao progenitor suspeito ou condenado pela prática do crime de violência

doméstica contra o outro progenitor, mormente a mãe 72

Vejamos então a factualidade da como provada (por sentença transitada em

julgado) no processo comum singular n.º 890/14.0OPCOER no âmbito do qual TA foi

condenado pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo

artigo 152º n.º 1 alínea a) do Código Penal na pena principal de dois anos e dez meses

de prisão suspensa na sua execução por igual período e na pena acessória de proibição

de contacto com a vitima nos ternos do artigo 152º n.º 4 pelo período de dois anos:

«1. O arguido e AV iniciaram relacionamento amoroso em Outubro de 2010,

tendo coabitado entre finais de 2011 e o dia 4 de Novembro de 2014, ocasião em que o

relacionamento findou, tendo, nesta data, a ofendida abandonado a residência dos pais

do arguido, levando consigo as filhas de ambos.

2. Do aludido relacionamento resultaram os nascimentos de MA, a 8 de Março

de 2012, e de BA, a 27 de Novembro de 2013.

72De acordo com o último relatório anual da APAV relativo ao ano de 2015, disponível em http://www.apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Relatorio_Anual_2015.pdf, 82,2% das vítimas de crime que recorreram aos serviços da Associação eram mulheres e destas 27,7 % eram Cônjuge do agressor, 14 % companheiras do agressor,

8, 1 % ex-companheiras do agressor).

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73

3. As menores, que se encontraram à guarda e cuidados da progenitora, com

quem residiram, até ao dia 7 de Dezembro de 2015, encontram-se, desde então, à guarda

e cuidados do progenitor, ora arguido, com quem residem.

4. Durante o relacionamento, o arguido agrediu fisicamente a vítima, por

diversas vezes, tal como ocorreu no dia 16 de Fevereiro de 2014, da parte da tarde, no

interior da então residência do casal, sita na (…), em Lisboa, tendo o agressor puxado e

arrastado a ofendida pelos cabelos, desferindo-lhe murros na cabeça e pontapés nas

pernas e apertado as suas mãos com tal violência que lhe causou traumatismo na mão

direita.

5. Em consequência desta agressão, a vítima recebeu tratamento médico no

Hospital de S. Francisco Xavier, a 17 de Fevereiro de 2014.

6. No dia 9 de Julho de 2014, depois do jantar, de novo no interior da já referida

ex-residência do casal, o arguido puxou a ofendida pelos cabelos e desferiu-lhe

pontapés no corpo e socos na cabeça e tronco, projetando-a para o chão, onde a

continuou a atingir com pontapés. que a atingiram no tórax e nas costas.

7. A ofendida recebeu tratamento médico a 10 de Julho de 2014, igualmente no

Hospital São Francisco Xavier, tendo apresentado um quadro de traumatismo craniano e

traumatismo torácico.

8. No dia 26 de Outubro de 2014. cerca das 09HOO. no interior da viatura

automóvel do arguido, que circulava na Avenida Marginal, este agarrou a vítima pelos

cabelos e projetou a cabeça desta de encontro ao "tablier", desferiu-lhe vários socos na

cabeça, rosto e braços e apertou-lhe o pescoço.

9. O arguido começou a agredir a vítima ainda na zona de Oeiras, só cessando

quando passaram a praia de Carcavelos.

10. De novo a vítima foi receber tratamento médico no Hospital São Francisco

Xavier, nesse mesmo dia 26 de Outubro de 2014, apresentando um quadro de

traumatismo craniano e da face, hematoma da pirâmide nasal, hematoma frontal direito

e hematoma do braço direito.

11. Examinada pericialmente neste tribunal a 7 de Novembro de 2014, a vítima

ainda apresentava três equimoses na face medial da metade proximal do braço direito,

escoriação com crosta imediatamente abaixo da equimose superior. equimose na face

anterior da metade distal da coxa direita, equimose na face anterior do terço médio da

coxa esquerda, equimose na face anterior do terço proximal da perna esquerda, dois

nódulos moles no couro cabeludo, na região parietal direita e na região occipital,

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74

12. Que lhe causaram quinze dias de doença, três dos quais com afetação da

capacidade de trabalho geral e profissional.

13. As filhas do casal assistiram às agressões acima indicadas.

14. O arguido atuou com o intuito logrado de maltratar física e psiquicamente a

sua ex-companheira, demonstrando completo desprezo pela sua dignidade pessoal.

15. O arguido TA tinha o pleno conhecimento de toda a factualidade, tendo

agido da forma como quis agir.

16. Bem sabendo que a sua conduta era, e é, proibida e punível por lei.

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:

17. O arguido TA cresceu no seio de uma família organizada, de equilibrados

recursos socioeconómicos, residente na zona da Ajuda, onde são proprietários de um

restaurante, não tendo a dinâmica relacional entre os elementos do agregado sido

marcada por exposição a modelos de violência na relação entre os progenitores,

sobressaindo a existência de uma estrutura familiar coesa.

18. Iniciou o percurso escolar em idade normal, tendo reprovado duas vezes

consecutivas, no 9.° e 10.° ano de escolaridade, por faltas e desmotivação, tendo

concluído o 12.0 ano de escolaridade, já após a saída da Força Aérea, onde permaneceu

entre os 17 e os 21 anos de idade.

19. Após o cumprimento do Serviço Militar, trabalhou cerca de dois anos no

restaurante dos pais, tendo posteriormente criado uma empresa de materiais de

construção, onde desenvolveu atividade laboral até 2012, altura em que teve de

abandonar o negócio, por dificuldades económicas entretanto surgidas.

20. TA e AV estabeleceram uma relação de namoro, que se prolongou durante

um período de cerca de dois anos, na fase da adolescência, tendo posteriormente o casal

permanecido vários anos sem estabelecerem contacto, tendo o arguido estabelecido

entretanto uma nova relação de namoro, que manteve durante cerca de 10 anos, a qual

veio a terminar quando reencontrou a ofendida. Há cerca de quatro anos voltaram a

relacionar-se, e, na sequência de Ana Vilma ter engravidado, passaram a viver em união

de facto.

21. Numa fase inicial, viveram numa habitação arrendada, na zona de (…),

tendo posteriormente, na sequência de dificuldades económicas, integrado, em 2012, o

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75

agregado dos pais do arguido. O casal tem três filhas, uma com três anos e outra com

dois anos de idade.

22. À data dos factos, o arguido residia com a ofendida e com as duas filhas, em

casa dos seus progenitores, numa vivenda localizada na (…). Uma das irmãs do arguido

e os seus dois filhos integravam provisoriamente o agregado de origem, na sequência do

processo de divórcio daquela. A ofendida tinha mais dois filhos de diferentes

relacionamentos, encontrando-se o mais velho (11 anos) entregue ao pai, e a mais nova

(5 anos), entregue a uma tia, a quem foi entregue durante a gestação da filha mais nova

do casal. Ambos os menores passavam alguns fins de semana no agregado. A

companheira exercia funções de assistente operacional educativa, desde Outubro de

2014, num estabelecimento escolar em (…). O arguido desenvolvia funções de

comercial de iogurtes para a (…), atividade que mantém, auferindo o salário líquido

mensal de cerca de € 800,00.

23. O arguido evidencia forte vinculação às filhas, manifestando, em finais do

mês de Novembro de 2015, aquando da elaboração do relatório social, sofrimento e

revolta pelo afastamento das menores, uma vez que, após a saída de casa da ofendida e

das filhas, em Novembro de 2014, esteve cerca de um ano sem conhecer o paradeiro das

menores.

24. O arguido continua integrado no agregado dos pais, mantendo um convívio

próximo com as restantes irmãs já autonomizadas. Mantém-se profissionalmente ativo

e, há cerca de um ano, iniciou uma nova relação afetiva, que foi descrita como

gratificante e de apoio mútuo, perspetivando, a médio prazo, vir a constituir uma nova

família. As menores Margarida e Beatriz encontram-se, desde o dia 7 de Dezembro de

2015, à guarda e cuidados do progenitor, com quem residem.

25. O arguido apresenta-se como um indivíduo aparentemente tranquilo, com

facilidades ao nível da comunicação e do relacionamento interpessoal. Contudo, foi

percetível que em contexto de frustração e descontrolo emocional evidencia baixo

autocontrolo e dificuldades ao nível da contenção dos impulsos, não antevendo a

consequência dos seus atos.

26. O arguido considera que o atual processo teve forte impacto na sua vida,

causando-lhe grande desgaste psicológico provocado pela quebra, durante cerca de um

ano, no relacionamento com as filhas, aspeto que assume como central e que considera

injusto, tanto para si, como para a sua família, com quem as menores sempre

mantiveram um relacionamento muito próximo.

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27. O arguido não se revê como agressor doméstico, assumindo um discurso de

vitimização relativamente à ofendida, considerando que a mesma deve sofrer de alguma

patologia do foro psiquiátrico, atendendo à instabilidade comportamental apresentada.

28. À data da prática dos factos, o arguido não tinha antecedentes averbados no

respetivo registo criminal.»

Com interesse para este trabalho, salientam-se também as seguintes passagens da

matéria factual dada como não provada em sede de audiência de discussão e

julgamento:

«(…)

c) que a ofendida AV provocava, recorrentemente, discussões na presença de

terceiros, sempre com recurso a insultos e, por vezes, com agressão física;

d) - que o arguido foi insultado e agredido fisicamente pela ofendida em

inúmeras ocasiões, tendo esses eventos sido muitas vezes presenciados por familiares e

amigos;

e) - que a ofendida foi acolhida no seio da família do arguido, sendo sempre

auxiliada a nível pessoal, financeiro, afetivo e profissional;

f) - que a ofendida contava diferentes versões de factos da sua vida a pessoas

distintas, e, quando confrontada com as incongruências detetadas, escusava-se a

esclarecer e optava por ofender e agredir o arguido e demais pessoas que a

confrontassem;

g) que as discussões entre ofendida e arguido eram, recorrentemente,

presenciadas por familiares e amigos;

h) que um dos pontos de conflito do casal se prendia com o facto de a ofendida

negar ao arguido, bem como a terceiros, a maternidade da menor Mariana, bem como a

existência de processos na comissão de proteção de menores;

i) que o arguido teve conhecimento de um processo a decorrer na tema, a

mesma escusou-se a esclarecer, tendo o arguido informado a mesma que iria à

Comissão para se inteirar do que se passava;

j) que, após a separação, o arguido teve conhecimento de que a ofendida, em

relacionamentos anteriores, era igualmente conflituosa, provocando discussões com

vista à sua vitimização;

k) que o arguido é uma pessoa trabalhadora, honesta e sempre foi um bom pai

de família.»

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No âmbito do processo de promoção e proteção que correu termos na secção de

família e menores de Cascais foi aplicada às crianças MA e BA por despacho datado de

14 de Janeiro de 2016, a título provisório, a medida de promoção e proteção de apoio

junto dos respetivos pais73

, com entregas imediatas a estes, nos termos dos artigos 35º

n.º 1 alínea a), 37º, 91º,92º todos da LPCJP ficando as crianças aos seus cuidados.

A opção provisória pela aplicação de tal medida, segundo consta do referido

despacho, prendia-se com «(…) a gravidade da situação em que se encontravam as

crianças,- abandono de uma das crianças logo após o parto por parte da mãe, sinais de

pouca estimulação da MA, suspeita de situação de carência alimentar, diferenciação da

progenitora em relação às filhas, multiplicidade de cuidadores (…) estado de grande

exaltação por parte da progenitora e vontade da MA de ser entregue ao pai. (…)».

A situação em que se encontravam as crianças havia levado, antes da prolação

daquele despacho, à emissão de mandados de condução e entrega da BA que não

chegaram a ser cumpridos porque Equipa de Crianças de Jovens da Segurança Social de

Cascais deliberou a aplicação do artigo 91º LPCJP e no último momento a progenitora

ter colaborado quer entregando a BA quer a MA.

Tal medida provisória veio a ser revista 6 meses depois, decidindo-se pela sua

manutenção.

Lançando-se mão da possibilidade que o artigo 112º A da LPCJP passou a

conferir, em conferência realizada a 06 de Dezembro de 2016 decidiu-se, por acordo,

aplicar às crianças BA e MA 74

a medida de promoção e proteção junto dos pais prevista

no artigo nos seguintes termos plasmados na ata da referida conferência:

«(…)

1.O pai e a mãe comprometem-se a assegurar, cada um todas as necessidades

básicas das crianças, incluindo as necessidades da alimentação, higiene, saúde.,

educação e estabilidade emocional.

73A referência a pais é efetuada neste processo porque estava também em causa a aplicação provisória de uma medida de promoção

e proteção a outra filha que a V tinha com diferente progenitor), 74E à outra irmã

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2.O pai e a mãe comprometem-se a adotar atitude e comportamentos entre si,

que evitem qualquer conflito, de forma direta ou indireta, no que diz respeito à

vivência das suas filhas;

(…)

4.Os avós paternos e os avós maternos comprometem-se a supervisionar e

assegurar- respetivamente os avós paternos em relação ao pai e os avós maternos

em relação à mãe-que pelos pais sejam asseguradas às crianças todas as

necessidades básicas, incluindo as necessidades da alimentação, higiene, saúde,

educação e estabilidade emocional, obrigando-se a intervir junto dos pais,

quando tal não esteja a decorrer de forma adequada para as crianças;

(…)

1. As crianças mantêm a sua residência com o pai, em casa dos avós paternos e

sempre com supervisão destes;

(…)

5.1 As crianças passam a estar com a mãe em fins de semana alternados, de 6ª a

2ª feira, na residência desta ou dos avós maternos, mas sempre com supervisão

dos avós maternos, indo a mãe ou os avós maternos buscar as crianças, à 6ª feira,

ao equipamento de infância que frequentam, aí as indo levar à 2ª feira de manhã;

(…)

7.1. A mãe, a partir da mensalidade de Janeiro de 2017, contribuirá para a

prestação da escola das filhas, com o montante de € 70,00 (setenta euros

mensalmente, a entregar diretamente na escola até ao dia 8 de cada mês;

(…)

10. O pai e a mãe, bem como os avós paternos e os avós maternos,

comprometem-se a acatar as orientações e diretivas dadas pela equipa da ISS-IP

que acompanha a medida, quanto à melhor adequação dos respetivos

procedimentos para o bem estar das crianças.

(…)»

A tomada de posição quanto a esta decisão dependerá, a nosso ver, da resposta à

seguinte questão: será suficiente considerar vítima indireta aquela criança que não

tendo sido agredida pelo seu progenitor viu, sentiu, temeu, procurou evitar, pôr termo à

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79

violência doméstica perpetrada contra o seu outro progenitor (embora não

exclusivamente mas predominantemente a mãe)?

Na verdade, é para nós difícil fazer a destrinça entre os conceitos de criança

vítima direta e criança vítima indireta da violência doméstica, tais são as consequências

que uma vivência familiar destruturada por agressões físicas e verbais têm numa

criança.

Em nosso entender, a criança crescida num contexto familiar pautado pela

violência doméstica entre os seus progenitores é efetivamente, também ela, vítima direta

daquela violência, podendo a sua situação justificar até na nossa opinião e como já

anteriormente referimos, a imputação ao progenitor que violentou o outro, de um crime

de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º n.º 1 alínea d) CP em

concurso real com o crime de violência doméstica previsto e punido pelas restantes

alíneas do mesmo normativo legal.

Ora se assim é, como cremos ser, o progenitor condenado pela prática do crime

de violência doméstica relativamente ao outro progenitor, não reunirá, à partida, em

nosso entender, o requisito da capacidade de garantir aos filhos de forma eficaz o seu

bem-estar e desenvolvimento sobretudo moral e intelectual. Nestas situações cremos

estar perante alguém que, pelo menos neste aspeto, não se relaciona com a criança de

forma equitativa com o outro progenitor (vitima), porque assumiu comportamentos

abusadores da existência física e emocional da criança.

Na verdade, o que nos poderá permitir afirmar, sem mais, que o pai/mãe

condenado pela prática daquele crime reúne agora, após a separação, esse requisito

quando durante a vida conjunta com as crianças e o outro progenitor, sujeitou-as a

cenários de violência intensa contra a mãe/pai mostrando-se indiferente face ao

sofrimento que no momento lhes causava e às repercussões que tais comportamentos

viriam a ter na sua vida futura?

Cremos que nada ou muito pouco nos permitirá concluir nesse sentido.

Note-se que, para além dessa desconsideração pelo bem-estar psíquico e

desenvolvimento emocional das suas crianças, aquele progenitor demonstra uma

personalidade em que a agressão física e o insulto se assumem como respostas

adequadas a situações de conflito, desagrado ou frustração. O caminho escolhido por

aquele progenitor face às contrariedades da vida em comum não foi a tentativa de

resolução pacífica e através do diálogo, mas sim o recurso à agressão física e verbal

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80

com contornos de assinalável gravidade no que à natureza a consequências das

agressões físicas diz respeito.

É certo que por outro lado, a comprovar-se a situação das crianças tal como foi

relatada no processo de promoção e proteção que levou, em sede de procedimento de

urência, à entrega das crianças aos respetivos pais, também poderá aqui a mãe, a vitima

de violência doméstica não reunir, naquele momento, as condições para ter consigo as

filhas.

Daí que, havendo no processo disponibilidade demonstrada por parte dos avós

maternos e paternos das crianças, somos levados a colocar a hipótese de o bem-estar

destas e são desenvolvimento ficarem mais bem salvaguardados junto destes

ascendentes, pelo menos provisoriamente, garantindo-se contudo o contato das filhas

com ambos os pais, aumentando-o progressivamente à medida que as equipas técnicas

viessem a obter deles uma efetiva alteração comportamental e de postura perante a vida

societária (no caso do pai) e psicológica e de aquisição de capacidades parentais (por

parte da mãe).

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CONCLUSÃO

A violência doméstica constituiu sempre no nosso país um fenómeno de elevada

expressão e sérias consequências quer para a própria vítima quer para os familiares que

vivem de forma próxima esta realidade, com especial incidência nas crianças que

assistem à prática de atos de violência.

Embora a nossa sociedade se tenha revelado durante muitos anos profundamente

patriarcal e os atos de violência, sobretudo contra mulheres, fossem socialmente

tolerados e se encontrassem enraizados na cultura de alguns meios sociais e familiares,

o certo é que a evolução legislativa, acompanhando o evoluir dos tempos tem

contribuído para alterar este paradigma.

A sociedade está muito e cada vez mais atenta a este fenómeno, muito por força

da intervenção dos meios de comunicação social, o que não deixa de ter resultados

positivos quer ao nível da repressão social deste tipo de crime quer ao nível da proteção

da própria vitima que, mais capaz de avaliar a sua situação de vida e mais conhecedora

das medidas e meios de proteção ao seu dispor, se revelará mais capaz de reagir num

contexto de violência em que se encontre inserida.

Ainda assim, Portugal continua a ser tragicamente conhecido pelas altas taxas da

prática deste crime e pela morte das suas vítimas, que muitas vezes não se conseguem

atempadamente impedir.

Muito foi já feito sobretudo ao nível da criação de medidas e soluções para

proteção e apoio das vítimas mas muito também ainda falta fazer.

Em primeiro lugar, ao nível legislativo, entendemos que, pela gravidade que

encerra e consequências que acarreta, este tipo de crime devia conhecer um

agravamento das molduras das penas principais e acessórias aplicáveis, sobretudo

quando estão em causa atos de violência praticados na presença de crianças.

Já na perspetiva processual deste fenómeno, quer ao nível criminal, da promoção

e proteção de crianças, quer ao nível das medidas tutelares cíveis embora já se tenha

percorrido um longo e profícuo caminho importará procurar ainda alcançar uma melhor

e maior conciliação entre as decisões condenatórias e as decisões das instâncias de

família e menores.

Por outro lado, ao nível logístico sempre importaria não olvidar que a criação ou

reforço de medidas de proteção da vítima ficará esvaziada de conteúdo se não for

acompanhada da dotação das entidades responsáveis pela aplicação, execução e

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fiscalização de tais medidas, de mais profissionais técnicos e mais e melhores meios

logísticos.

Referimo-nos, em concreto, à necessidade de colocar à disposição

nomeadamente da Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, das

Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, dos institutos e gabinetes

médico legais (sobretudo ao nível das perícias do dano psicológico) mais técnicos e

dota-los de uma melhor preparação. Salientamos também a necessidade de criar

soluções e instrumentos de ressocialização do agressor, que se revelam escassos, só

assim se podendo alcançar a almejada prevenção especial que, nestes casos tanto se faz

sentir e que certamente contribuirá para um retrocesso desta criminalidade.

Por outro prisma, só tal incremento permitirá retirar toda a potencialidade de

figuras processuais como a suspensão provisória do processo ou a suspensão da

execução da pena de prisão aplicável ao agressor que, na realidade judiciária e caso

houvesse efetivamente um acompanhamento desse período de suspensão, alcançariam

resultados muito mais positivos do que aqueles que até ao momento se tem vindo a

alcançar.

Aludimos igualmente ao maior e melhor aproveitamento das soluções

legislativas inseridas com o Regime Geral do Processo Tutelar, através da criação de

mais centros de mediação familiar e através da efetiva dotação dos nossos tribunais das

já previstas equipas técnicas.

O caminho para a diminuição deste flagelo começou já a ser trilhado e embora

muito ainda haja por fazer quer a nível social, quer a nível legislativo quer a nível

jurisprudencial, este é certamente a direção correta a adotar.

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LISTA BIBLIOGRÁFICA

1)ALBUQUERQUE, PAULO PINTO DE, Comentário do Código de Processo

Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do

Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011;

2)BATISTA, MARIA BEATRIZ DE FRAGOSO NEVES, Do (in) cumprimento

do exercício das responsabilidades parentais, Os comportamentos de alienação

parental, no contexto do Novo Regime Geral do processo Tutelar Cível, Dissertação

apresentação à faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no âmbito do 2º

Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de

Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, Faculdade de Direito da Universidade

de Coimbra, 2016, disponível em

https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31349/2/Do%20incumprimento%20do%2

0exercicio%20das%20responsabilidades%20parentaispdf (última consulta a 2-5-2017);

3)BELEZA, TERESA PIZARRO “Violência Doméstica”, Revista do CEJ, n.º 8

(Especial): Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, 2008;

4)BELEZA, TERESA PIZARRO, Violência Doméstica, Coletânea de Textos da

Parte Especial do Direito Penal, Lisboa, AAFDL, 2008;

5)BRANDÃO, NUNO “A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência

Doméstica”, Julgar, n.º 12: n.º Especial: Crimes no Seio da Família e Sobre Menores,

2010;

6)BRAVO, JORGE DOS REIS, “A atuação do Ministério Público no âmbito da

violência doméstica”, Revista do Ministério Publico, n.º 102, Ano 26, Abr-Jun, 2005.

7)CARDOSO, CRISTINA AUGUSTA TEIXEIRA, A Violência Doméstica e as

penas acessórias, Dissertação do 2º Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre

em Direito Criminal, Porto, Universidade Católica, Maio 2012, inédito;

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84

8)CASIMIRO, CARLOS e MOTA, MARIA RAQUEL, “O crime de violência

doméstica: a al. b) do n.º 1 do art. 152º do Código Penal”, Revista do Ministério

Público, N.º 122, ano 31, Abr-Jun, 2010;

9)CLEMENTE, ROSA, Inovação e Modernidade no Direito de Menores - A

Perspectiva da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Coimbra, Coimbra

Editora, 2009;

10)CONDE FERNANDES, PLÁCIDO “Violência doméstica – novo quadro

penal e processual penal”, Revista do CEJ, n.º 8 (Especial): Jornadas sobre a Revisão do

Código Penal, 2008;

11)CORROZA, ELENA IÑIGO, “La violência doméstica en Espanã: El delito

de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Publico, n.º 102, Ano 26,

Abr-Jun, 2005;

12)DIAS, AUGUSTO SILVA, Crimes contra a vida e a integridade física, 2ª

ed., Lisboa, AAFDL, 2007;

13)DIAS, JORGE DE FIGUEIREDO (Dir.), Comentário Conimbricense do

Código Penal, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012;

14)DIAS, JORGE DE FIGUEIREDO, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2ª

ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007;

15)FARIA COSTA, JOSÉ DE, Direito Penal Especial (Contributo a uma

Sistematização dos Problemas “Especiais” da Parte Especial), Coimbra, Coimbra

Editora, 2004.

16)FERREIRA, MARIA ELISABETE, Da Intervenção do Estado na Questão

da Violência Conjugal, Coimbra, Almedina, 2005;

17)FEVEREIRO, ANDREIA FILIPA VICENTE, A Regulação das

Responsabilidades Parentais em Caso de Divórcio, Dissertação apresentada para

Page 86: Sara Carneiro Rodrigues Miguel - repositorium.sdum.uminho.pt

85

obtenção do grau de Mestre em Direito na especialidade de Ciências Jurídico-

Processuais, Departamento de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa,

Janeiro de 2014, disponível em

http://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/400/1/RESPONSABILIDADES%20PARENT

AIS%20-%20Andreia%20Fevereiro.pdf (última consulta a 2-5-2017);

18)FIALHO, ANTÓNIO JOSÉ, Guia Prático do Divórcio e das

Responsabilidades Parentais, Centro de Estudos Judiciários, e-book disponível em

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/GuiaDivorcioRespParent/GuiaDivorcioRespP

arent_v4.pdf (última consulta 23-01-2017);

19)GOMES, ANA SOFIA, Responsabilidades Parentais, 3.ª Edição (act. e

aumentada), Lisboa, Quid Juris, 2012;

20)GONÇALVES, RUI ABRUNHOS, “Agressores conjugais: investigar,

avaliar e intervir na outra face da violência conjugal”, Revista Portuguesa de Ciência

Criminal, Ano 14, nº 4, Coimbra Editora, Coimbra, Out.-Dez. 2004;

21)GONÇALVES, MANUEL LOPES MAIA, Código de Processo Penal

Anotado, Coimbra, Edições Almedina, 2009;

22)GUERRA, PAULO, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

Anotada, Coimbra, Almedina, 2016;

23)GUERRA, PAULO, BOLIEIRO, HELENA, A Criança e a Família: Uma

Questão de Direito(s) - Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e

das Crianças e Jovens, Coimbra, Coimbra Editora, 2014;

24)GUERRA, PAULO e GAGO, LUCILIA (coord.), Violência Doméstica,

implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, manual

multidisciplinar, Centro de Estudos Judiciários (CEJ)/Comissão para a Cidadania e a

Igualdade de Género (CIG), e-book, 2016, disponível em

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Violencia-Domestica-CEJ_p02_rev2c-

EBOOK_ver_final.pdf (última consulta a 14-7-2016);

Page 87: Sara Carneiro Rodrigues Miguel - repositorium.sdum.uminho.pt

86

25)GUERRA PAULO, MASSENA, ANA e PERQUILHAS, MARIA (conceção

e organização), Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas,

Coleção Formação Contínua do Centro de Estudos Judiciários, e-book disponível em

http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_re

solucao_questoes_praticas.pdf (última consulta a 23-01-2017);

26)LÚCIO, ÁLVARO LABORINHO, “O advogado e a Lei Tutelar Educativa”,

Revista do Ministério Público, n.º 104, Out-Dez 2005;

27)LEITE, ANDRÉ LAMAS “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas

entre o Direito Penal e a Criminologia”, Julgar, n.º 12: n.º Especial: Crimes no Seio da

Família e Sobre Menores, 2010;

28)MATOS, RICARDO JORGE BRAGANÇA DE, “Dos maus tratos a cônjuge

à violência doméstica: um passo à frente na tutela da vítima?”, Revista do Ministério

Público, Ano 27, nº 107, Jul.-Set. 2006;

29)MIRANDA, JORGE / MEDEIROS, RUI JOSÉ JOAQUIM GOMES,

Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora,

2005;

30)MOREIRA, VITAL, CANOTILHO, JOSÉ JOAQUIM GOMES,

Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora,

2014;

31)NOGUEIRA, ALBERTO PINTO, Magistrados do Ministério Público do

Distrito Judicial do Porto, Código de Processo Penal Comentado e Notas Práticas,

Coimbra, Coimbra Editora, 2009;

32)RAMIÃO, TOMÉ D’ALMEIDA, Organização Tutelar de Menores anotada

e Comentada, Jurisprudência e legislação Conexa, 6ª edição, Lisboa, Quid Iuris, 2007;

Page 88: Sara Carneiro Rodrigues Miguel - repositorium.sdum.uminho.pt

87

33)RAMIÃO, TOMÉ D'ALMEIDA, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em

Perigo - Anotada e Comentada - Jurisprudência e Legislação, Lisboa, Quid Juris, 2014;

34)RODRIGUES, HUGO MANUEL LEITE, Questões de particular

importância no exercício das responsabilidades parentais, 1ª Edição, Coimbra,

Coimbra Editora, 2011;

35)SANTOS, CLÁUDIA CRUZ, “Violência doméstica e mediação penal: uma

convivência possível?”, Julgar, n.º 12: n.º Especial: Crimes no Seio da Família e Sobre

Menores, 2010;

36)SANTOS, MANUEL SIMAS e HENRIQUES, MANUEL LEAL, Código de

Processo Penal Anotado, Lisboa, Reis dos Livros, 2008;

37)SANTOS, MARGARIDA, A determinação do segredo de justiça na relação

entre o Ministério Público e o Juiz de Instrução Criminal – (in)compatibilidade com a

estrutura do processo penal, Lisboa, Rei dos Livros, 2011;

38)SIEBER, ULRICH, “O futuro do Direito Penal Europeu – Uma nova

abordagem dos objectivos e dos modelos de um sistema de direito penal europeu ”, in

MÁRIO FERREIRA MONTE (coord.), Que Futuro para o Direito Processual Penal? –

Simpósio em Homenagem a Jorge de Figueiredo Dias, por ocasião dos 20 anos do

Código de Processo Penal Português, Coimbra, Coimbra Editora, 2009;

39)SIMÕES, SARA MARGARIDA NOVO DAS NEVES, O crime de violência

doméstica- aspetos materiais e processuais, Dissertação do 2º Ciclo de Estudos

conducente ao Grau de Mestre em Direito Forense, Lisboa, Universidade Católica

Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, disponível em

http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18035/1/Tese%20Mestrado_final.pdf.

(última consulta a 30-04-2017)

40)SOTTOMAYOR, MARIA CLARA, Regulação do Exercício das

Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Lisboa, Almedina, Coleção:

Monografias, 2016;

Page 89: Sara Carneiro Rodrigues Miguel - repositorium.sdum.uminho.pt

88

41)SOUSA, TÂNIA SOFIA, Os Filhos do Silêncio: Crianças e Jovens Expostos

à violência Conjugal-Um Estudo de Casos, Dissertação de Mestrado apresentada na

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lusófona de Humanidades

e Tecnologias, Lisboa, 2013, disponível em

http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/5018/T%C3%A2nia_Sousa_Disser

ta%C3%A7%C3%A3o.pdf?sequence=1 (última consulta a 30-04-2017);

42)VILAS BOAS, MARIANA MESQUITA, Violência Contra Menores-

Análise Crítica dos Artigos 152º e 152º-A do Código Penal dissertação de mestrado,

Universidade Católica, Porto, 2013;

42)XAVIER, RITA LOBO, Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio

e das responsabilidades parentais: Lei n.º 61-2008, de 31 de Dezembro, Coimbra,

Almedina, 2009;

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RELATÓRIO PROFISSIONAL

A) Dados biográficos e percurso profissional

A autora nasceu a 25 de Janeiro de 1977 e concluiu a 18 de Setembro de 2000 o

curso de Direito na Faculdade de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa.

Nesse mesmo ano de 2000 iniciou a Pós Graduação de Direito Penal Económico

e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que veio a concluir

em 2001.

Em 2011 ingressou na Pós Graduação em Ciências Jurídico Empresariais pela

Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto que viria a terminar em 2002.

Foi Formadora do Instituto de Emprego e Formação Profissional entre 2000 e

2006 nas áreas de legislação comercial e fiscal e legislação laboral e fiscal inerente à

função pessoal, sendo também então responsável pela elaboração dos programas e

conteúdos das ações de formação ministradas, com Certificado de Aptidão Profissional

emitido a 15.03.2002

Exerceu advocacia entre 5 de Janeiro de 2001 e 26 de Julho de 2006 (incluindo

estágio entre cinco de Janeiro de 2001 e cinco de Julho de 2002), com a cédula

profissional n.º 9713P e inscrição suspensa a pedido da própria.

Desempenhou as funções de jurista da empresa de trabalho temporário Alutemp,

Lda. com responsabilidade ao nível da elaboração de contratos de trabalho, acordos de

cessação de contratos de trabalho direção de recursos humanos, propositura de ações

judiciais e respetivo acompanhamento posterior.

Frequentou o XXV curso normal de formação do CEJ, como auditora de justiça,

entre Setembro de 2006 e Julho de 2008 tendo sido, enquanto auditora de justiça,

membro do conselho de gestão do CEJ.

A autora foi, então, nomeada Procuradora-Adjunta em regime de estágio na

extinta comarca de Paredes, por Despacho n.º 20973/2008 do Conselho Superior do

Ministério Público, publicado no DR, 2ª série, n.º 154, de 11 de Agosto de 2008, com

efeitos a partir de 15 de Setembro de 2008, tendo em Março de 2009 transitado para a

extinta comarca de Paços de Ferreira e em 27 de Abril de 2009 para as extintas

comarcas agregadas de Murça/Sabrosa, conforme despacho n.º 11367/2009 da

Procuradoria-Geral da República, publicado no DR, 2ª Série, n.º 89, de 8 de Maio de

2009.

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90

Por Despacho do Conselho Superior do Ministério Público, n.º 1104/2009,

publicado no DR, 2ª série, n.º 71, de 13 de Abril, com efeitos a partir de 15 de Julho de

2009, foi nomeada Procuradora Adjunta auxiliar nas comarcas agregadas de

Murça/Sabrosa onde se manteve até 31 de Agosto de 2010.

Nesse hiato temporal foi interlocutora das Comissões de Proteção de Crianças e

Jovens de Murça e Sabrosa exercendo as competências inerentes aos requerimentos para

aplicação de medidas de promoção e proteção nos termos das alíneas b) a f) do artigo

11º da LPCJ e os procedimentos judiciais urgentes ao abrigo do artigo 91º, n.º 4 da

mesma Lei.

A autora foi, então, colocada na extinta comarca de Alcanena como

Procuradora-Adjunta auxiliar por deliberação do Conselho Superior do Ministério

Público n.º 1545/2010, publicada no DR, 2ª série, n.º 170, de 1 de Setembro de 2010 e

transferida para a extinta comarca da Vila Pouca de Aguiar como Procuradora-Adjunta

auxiliar por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público n.º 1058/2011,

publicada no DR 2ª série n.º 80, de 26 de Abril de 2011.

Até 31 de Agosto de 2012 foi interlocutora da CPCJ de Ribeira de Pena (Vila

Pouca de Aguiar.

Foi, então, transferida como Procuradora-Adjunta efetiva para a extinta comarca

de Amarante por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público n.º

1640/2013, publicado na 2ª série, n.º 167, de 30 de Agosto de 2013 onde se mantém até

à atualidade (atualmente núcleo de Amarante da Comarca do Porto Este), tendo, entre

03 de Dezembro de 2013 e 31 de Agosto de 2014 sido interlocutora da Comissão de

Proteção de Crianças e Jovens de Amarante.

Entre 01 de Setembro de 2014 e 31 de Agosto de 2016, enquanto Procuradora-

Adjunta efetiva no núcleo de Amarante do DIAP da Comarca do Porto Este foram-lhe

exclusivamente distribuídos os inquéritos em que se investigava a eventual prática dos

crimes de violência doméstica, maus tratos e contra a autodeterminação sexual tendo

ainda, entre 03 de Novembro de 2014 e 31 de Janeiro de 2015 tramitado também os

inquéritos da mesma tipologia de crimes do núcleo do Marco de Canavezes do DIAP da

Comarca do Porto Este.

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B) Classificação de Serviço

Após a inspeção ordinária a que foi sujeita em Abril de 2016 (relativa ao

desempenho de funções entre 2012 e 2016) a autora obteve a classificação de “Bom

com distinção” conforme deliberação do Conselho Superior do Ministério Público.

C) Cursos, Conferências, Congressos e Ações de formação a que assistiu

a) Instrumentos Internacionais de Direito da Família e Menores do Centro

de Estudos Judiciários (07.01.2010);

b) Alteração do objeto do processo penal do Centro de Estudos Judiciários

(07.05.2010);

c) Cibercriminalidade do Centro de Estudos Judiciários (15.03.2013);

d) Prova Digital do Centro de Estudos Judiciários (15.03.2013);

e) Ações Encobertas do Centro de Estudos Judiciários (21.06.2013);

f) Colóquio sobre Crimes Contra Crianças na internet (07.03.2014);

g) II Encontro de Família e Menores do Distrito Judicial do Porto

(09.05.2014);

h) Conferência Internacional Prevenir e Combater o Tráfico de Seres

Humanos do Centro de Estudos Judiciários (31.10.2014);

i) Conferência Internacional “A Convenção de Istambul e os Crimes

Sexuais” organizada pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas - Auditório B da

Universidade Nova de Lisboa (27 e 28.11.2014);

j) Produção, apreciação e valoração da prova em julgamento no processo

penal do Centro de Estudos Judiciários (13.03.2015);

k) Criminalidade económico-financeira e recuperação dos produtos do

crime do Centro de Estudos Judiciários (17 e 24.04.2015);

l) IV Seminário do DIAP de Lisboa sobre “Violência nas relações intima e

contra pessoas especialmente vulneráveis” (04.12.2015).

D- Intervenções da responsabilidade da autora

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a) “Os Direitos da Mulher: Perspetiva Social e Jurídico-Penal” no âmbito da

palestra subordinada ao tema “Violência Doméstica” organizada pela Câmara

Municipal de Sabrosa (08 de Março de 2010);

b) “Criança: uma questão de direitos” tema desenvolvido no âmbito do

workshop organizado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sabrosa

subordinado ao tema “Parentalidade e seus desafios” (06 de Julho de 2010);

c) “Direito e Proteção na Família - Aspetos Legais: da violência conjugal à

regulação das responsabilidades parentais” no Seminário Diferentes Olhares na

intervenção com a família - Direito e Proteção da Família - aspetos legais: da violência

conjugal à regulação das responsabilidades parentais” organizado pela Comissão de

Proteção de Crianças e Jovens de Amarante (15 de Maio de 2014);

d) “Gestão de casos de risco e integração legal” na palestra organizada pelo

Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa EPE (19 de Junho de 2015).

E- Outros

A autora é membro da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas.