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Universidade do MinhoEscola de Direito
Sara Carneiro Rodrigues Miguel
abril de 2017
Regulação e Exercício das ResponsabilidadesParentais no contexto de violência doméstica- análise prática e crítica
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Sara Carneiro Rodrigues Miguel
abril de 2017
Regulação e Exercício das ResponsabilidadesParentais no contexto de violência doméstica- análise prática e crítica
Trabalho efetuado sob a orientação daProfessora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos
Relatório de Atividade Profissional Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões
Universidade do MinhoEscola de Direito
ii
Nome: Sara Carneiro Rodrigues Miguel
Endereço de correio eletrónico: [email protected]
Cartão de cidadão n.º11079709
Título do Relatório de Atividade Profissional: Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de violência
doméstica- análise prática e crítica.
Orientadora:
Professora Doutora Margarida Maria Oliveira Santos
abril, 2017
Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões
DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTE
TRABALHO
Universidade do Minho 30/04/2017
Assinatura_____________________________
iii
Ao meu filho Francisco
que merecia mais e melhor mas
cuja felicidade tanto desejei ver
espelhada no rosto das várias
crianças com quem me cruzei
Ao meu marido Afonso
pelo seu carinho, apoio e paciência
À Professora Doutora Margarida
Maria Oliveira Santos pelos seus
ensinamentos e pelas palavras certas nos
momentos mais difíceis
Aos meus pais e à minha “vó”
Lena, as estrelinhas que me ensinaram o
caminho
À minha amiga Cecília por todo o
apoio e por ter acreditado em mim
iv
v
“Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII"
vi
vii
Regulação e Exercício das Responsabilidades Parentais no contexto de
violência doméstica- análise prática e crítica
Através do presente trabalho realizado no âmbito do Mestrado em Direito das
Crianças, Família e Sucessões da Escola de Direito da Universidade do Minho propôs-
se a autora a analisar a conciliação (possível) entre o fenómeno da violência doméstica e
a regulação do exercício das responsabilidades parentais, norteando a abordagem que
assim efetua pela sua prática enquanto magistrada do Ministério Público e, em concreto,
com a aprendizagem teórica e processual que extraiu da sua dedicação quase exclusiva,
durante dois anos, à investigação deste ilícito.
Optou-se por iniciar a referida análise com uma abordagem ao crime de
violência doméstica e sua evolução legislativa, penas principais e acessórias aplicáveis e
medidas de coação e outras medidas de proteção da vítima ao alcance dos magistrados
do Ministério Público e Judiciais.
Partiu-se de seguida para um estudo crítico das alterações legislativas
recentemente operadas no campo das medidas/providências tutelares cíveis, em
concreto, a revogação da Organização Tutelar de Menores operada pelo Regime Geral
do Processo Tutelar Cível identificando-se as questões que, na prática judiciária, podem
vir a surgir com a aplicação deste novo conjunto normativo.
Passando para o patamar do direito substantivo analisa a autora os critérios que
na prática judiciária maioritariamente presidem às decisões de Regulação das
Responsabilidades Parentais, e as especificidades das decisões a tomar nesta matéria
num contexto de violência doméstica.
Dentro deste último exercício analítico conclui-se este trabalho abordando, do
ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, a conciliação da execução de medidas de
coação e /ou pena acessória (mormente de afastamento e proibição de contactos) com o
exercício das responsabilidades parentais (regime e execução de visitas; exercício
conjunto das responsabilidades parentais).
viii
ix
Regulation and Exercise of Parental Responsibilities in the context of
domestic violence - practical and critical analysis
Through the present work carried out within the scope of the Master's Degree in
Children, Family and Succession Law at the University of Minho School of Law, the
author proposes to analyze the (possible) conciliation between the phenomenon of
domestic violence and the regulation of the exercise of parental responsibilities, guiding
the approach that she makes by her practice as a magistrate of the Public Prosecution
Service and, in particular, with the theoretical and procedural experience that she drew
from her almost exclusive dedication for two years to the investigation of this crime.
It was decided to initiate this analysis with an approach to the crime of domestic
violence and its legislative evolution, applicable main and accessory penalties and
measures of coercion and other measures of protection of the victim within the reach of
the magistrates of the Public Prosecutor and Judicial.
A critical study of recent legislative changes in the field of civil protection
measures was then followed, specifically the revocation of the Guardianship
Organization of Minors operated by the General Regime of the Civil Guardianship
Process, identifying the issues that, in judicial practice may arise from the application of
this new set of rules.
Moving to the level of substantive law, the author analyzes the criteria that in the
judicial practice mainly govern the decisions of Regulation of Parental Responsibilities,
and the specifics of the decisions to be taken in this matter in a context of domestic
violence.
In this last analytical exercise, this work is approached from a doctrinal and
jurisprudential point of view, conciliation of the enforcement of coercion measures and /
or ancillary penalty (mainly removal and prohibition of contacts) with the exercise of
parental responsibilities (regime and execution of visits; joint exercise of parental
responsibilities).
x
xi
ÍNDICE
CAPITULO I……………………………………………………………………….15
O crime de violência doméstica e sua evolução legislativa-perspetiva prática,
doutrinária e jurisprudencial ....................................................................................... 15
1. Bem jurídico protegido e natureza do crime. ......................................................... 15
2. Evolução legislativa do crime de violência doméstica e a criação das penas
acessórias aplicáveis a este tipo legal ......................................................................... 16
CAPITULO II ........................................................................................................... 35
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível: alterações (inovações) legislativas com
impacto nos processos de regulação, limitação ou inibição das responsabilidades
parentais em contexto de violência doméstica ........................................................... 35
1. Princípios que nortearam o legislador .................................................................... 35
1.1. Celeridade Processual .......................................................................................... 36
1.2. Agilização e eficácia na resolução dos conflitos através da preferência pelos
métodos de consensualização ..................................................................................... 38
1.3. Incremento da proteção da criança ou jovem ...................................................... 39
2. A audição da criança............................................................................................... 42
CAPITULO III ......................................................................................................... 47
Os critérios que maioritariamente presidem às decisões de regulação das
Responsabilidades Parentais na prática judiciária – análise crítica. ........................... 47
CAPITULO IV .......................................................................................................... 55
A Regulação das Responsabilidades Parentais (provisória e/ou definitiva) num
contexto de violência doméstica – análise critica. ...................................................... 55
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 81
LISTA BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................... 83
RELATÓRIO PROFISSIONAL ............................................................................. 89
xii
xiii
ABREVIATURAS
Ac. - Acórdão
Al. - Alínea
Art. - Artigo
CC - Código Civil
CEDH - Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
CNPCJ- Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens
CPC- Código de Processo Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
Cfr.- Confrontar
DL – Decreto-Lei
DR – Diário da República
LPCJP – Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
LTE- Lei Tutelar Educativa
Ob. cit. – Obra citada
OTM- Organização Tutelar de Menores
P. – página
PGR- Procuradoria Geral da República
Proc. – Processo
RGPTC-Regime Geral do Processo Tutelar Cível
STJ - Supremo Tribunal de Justiça
TC - Tribunal Constitucional
V. - Vide
Vol. - Volume
xiv
15
CAPITULO I
O crime de violência doméstica e sua evolução legislativa-perspetiva
prática, doutrinária e jurisprudencial
«“Chaga social”, “défice de cidadania”, “fenómeno que contraia os princípios
fundamentais do Estado de Direito” são clichés que auxiliam numa aproximação da
definição [de violência doméstica]» 1
1. Bem jurídico protegido e natureza do crime.
O bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é complexo,
abrangendo a integridade corporal, saúde física psíquica e mental e a dignidade humana
no âmbito dos contextos existenciais previstos no artigo 152º, o que lhe vale a
designação de crime pluriofensivo2.
Distanciando-se desta caraterização sobretudo jurisprudencial relativa ao bem
jurídico protegido por este tipo legal de crime, afasta Nuno Brandão3 a dignidade
humana, «valor fundante e transversal» da nossa ordem jurídica, como bem jurídico
específico deste crime considerando que ainda que se pudesse atribuir à dignidade
humana a condição de bem jurídico, seria mais seguro só considerar que esta estaria a
ser posta em causa, quando a vítima fosse submetida a um tratamento infra-humano.
Ora, tal exigência não existe no crime de violência doméstica ou de maus tratos.
Segundo Nuno Brandão, aceitando-se a dignidade humana como bem jurídico deste tipo
de crime, se considerarmos estar perante um crime de dano, esvaziamos o tipo de
1 JORGE DOS REIS BRAVO, “A atuação do Ministério Público no âmbito da violência doméstica”, Revista do Ministério Público,
102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 49.
2 Cf., a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012 (processo 632/10.9PBAVR.C1)
e mais recentemente o acórdão da Relação de Lisboa de 08 de Abril de 2015 (processo 2866/12.2T3SNT.L1-3), ambos disponíveis
em www.dgsi.pt).
Cf. SARA MARGARIDA NOVO DAS NEVES SIMÕES, “O crime de violência doméstica-aspectos materiais e processuais”,
Dissertação do 2ºCicilo de Estudos conducentes ao Grau de Mestre em Direito Forense, Universidade Católica Portuguesa,
Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, Março 2015, página 8
(http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18035/1/Tese%20Mestrado_final.pdf.).
Cf. CARLOS CASIMIRO, MARIA RAQUEL MOTA, “O crime de violência doméstica: a al. b) do n.º 1 do art. 152º do Código
Penal”, Revista do Ministério Público, 149, página 133.
3 Cf. NUNO BRANDÃO, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista Julgar nº12 (especial), ASJP, Lisboa,
Set.- Dez. 2010, páginas 14 e 15.
16
significado e se o encararmos como crime de perigo, este passa a abarcar uma
incomportável multiplicidade de situações.
Por outro lado, carateriza-se também pelo facto de se tratar de um crime único
de execução reiterada que, assim, apenas se consuma com o último ato de execução,
aspeto que assume relevo, desde logo, no que toca à determinação da lei aplicável. Cada
ato praticado de forma sucessiva preenche parcialmente o crime. A soma de todas essas
situações parcelares deve ser considerada como evento unitário, ou seja, como um só
crime. 4
2. Evolução legislativa do crime de violência doméstica e a criação das penas
acessórias aplicáveis a este tipo legal
Apenas com o Código Penal de 1982, aprovado pelo DL n.º 400/82 de 23.09, no
artigo 153º n.º 1 alínea a) e n.º 3, se criminalizou autonomamente o que, nessa altura, foi
denominado «Maus Tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre
cônjuges». De tal normativo legal resultava, então, através da remissão efetuada pelo n.º
3 para a alínea a) do número 1, que será punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos
ou pena de multa até 100 dias quem infligir ao cônjuge «(…) maus tratos físicos, o
tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres
decorrentes das suas funções lhe impõem». Em complemento previa o artigo 154º do
Código Penal que se daquelas descritas condutas resultasse para o cônjuge ofensa física
grave ou a morte então a pena de prisão aplicável oscilava, respetivamente, entre os 6
meses e os 4 anos de prisão e os 3 anos e os 9 anos de prisão e o limite máximo da pena
de multa aplicável elevava-se no primeiro caso para os 120 dias e no segundo para os
250 dias.
Note-se que na versão originária do Código Penal de 1982 este crime assumia
natureza pública e apenas previa como maus tratos a cônjuge os atos praticados contra a
sua integridade física e não ainda os atos contra o seu bem-estar e saúde psíquica, como
mais tarde o legislador viria a consagrar.
Os mencionados normativos legais não sofreram alteração até à entrada em vigor
do DL n.º 48/95 de 15.03, passando então a assumir a numeração 152º com a epígrafe
4Cf., a título exemplificativo, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Novembro de 2015 (processo
1242/14.7GBBCL.G1)
17
«Maus tratos ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge». Para além de tal
alteração previu o legislador um aumento sensível nos limites mínimos e máximos da
pena de prisão aplicável ao mesmo tempo que deixava cair a aplicabilidade da pena de
multa. Assim, passou este crime a ser punido com uma pena de prisão entre 1 a 5 anos e
caso dos factos praticados viesse a resultar ofensas graves à integridade física da vítima
ou a morte desta, a pena de prisão aplicável passava a ser, respetivamente de 2 a 8 anos
e de 3 a 10 anos.
De assinalar também, para além do agravamento das molduras das penas
aplicáveis, a inclusão das relações análogas às dos cônjuges na previsão deste tipo legal
de crime que assim deixou de ser privativo dos factos praticados apenas dentro do
matrimónio.
O juízo de censura jurídico-penal que terá presidido a esta decisão legislativa
terá considerado, a nossa ver corretamente, que “mesmo sem vínculo formal do
casamento, sempre que a mera relação de namoro evolui para uma relação análoga à dos
cônjuges, numa comunhão afetiva potenciadora de uma maior desinibição, criam-se,
entre os companheiros, deveres de cooperação, de respeito e de proteção, que se
prolongam para além do fim da relação”. 5
Contudo - e cremos não acompanhando a preocupação legislativa que terá
presidido às mencionadas alterações - fez agora o legislador depender a instauração de
procedimento criminal da vontade da/o ofendida/o, ou seja, da apresentação de queixa
por parte desta/e junto das autoridades competentes. Equivale isto por dizer que a sorte
do referido procedimento dependia também da sua vontade, já que podia ela desistir do
procedimento criminal, assim impedindo que o mesmo corresse os seus termos.
Porém, dando aquele que para nós terá sido o primeiro passo para a natureza
pública que no futuro viria a reconhecer a este tipo legal de crime, veio o legislador
através da Lei n.º 65/98 de 02.09, embora mantendo as molduras penais anteriormente
fixadas, prever agora que apesar de o início do procedimento criminal continuar a
depender da vontade da vítima e da queixa que esta viesse a apresentar, poderia o
Ministério Público dar-lhe inicio caso entendesse que o interesse do ofendido o
justificava e este não se viesse a opor a tal decisão até à dedução do libelo acusatório.
A Lei n.º 7/2000 de 27.07 que se seguiu foi, cremos, bastante inovadora nesta
matéria. Na verdade, alargou ainda mais o leque das potenciais vítimas da prática deste
5 Cf. acórdão do STJ de 05 de Julho de 2012 (processo 2663/10.0GBABF.S1), disponível em www.dgsi.pt.
18
tipo legal de crime e passou a prever a possibilidade de aplicação ao agressor, a par da
pena principal, da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de
afastamento da residência desta, pelo período máximo de dois anos.
Através desta alteração legislativa previu, então, o legislador que a vítima deste
tipo legal de crime podia ser para além do cônjuge e da pessoa que com ele mantivesse
relação análoga à dos cônjuges, também o progenitor de descendente comum em
primeiro grau, deixando assim o ilícito em causa espraiar-se a contextos estranhos à
divisão de cama, mesa e habitação, mas em que existisse entre agressor e vitima um
descendente em primeiro grau como denominador comum.
De extrema importância também o facto de ter sido com a Lei n.º 7/2000 de
27.07 que se operou a verdadeira viragem na natureza deste tipo legal de crime, que
reassumiu assim a natureza pública que o caracterizava na versão originária do Código
Penal de 1982, deixando pois o procedimento criminal de estar inteiramente “nas mãos
das vitimas” delas já não dependendo nem o seu inicio nem o seu prosseguimento.
Naturalmente que a exigência de queixa como condição de procedibilidade não
garantiu que o procedimento pudesse prosseguir de forma totalmente independente da
vontade da vitima, que continuava a poder, de certo modo, determinar o seu quase
imediato desfecho através de um despacho de arquivamento, ao se resguardar, amiúde
no seu chamado “direito ao silêncio” ou seja, direito a não prestar declarações quando
ainda mantivesse o casamento ou a união de facto com o agressor e os factos tivessem
ocorrido na pendência do matrimónio/relação análoga. 6
A autonomização do crime de violência doméstica aconteceu, porém, apenas
com a Lei n.º 59/2007 de 04.09, mantendo-se o crime previsto, agora com essa epígrafe,
no artigo 152º do Código Penal, comportando tal alteração legislativa, importantíssimas
inovações.
A primeira constatação que a análise desta alteração legislativa impõe é o facto
de, uma vez mais, o legislador ter considerado, para além dos que já vinham previstos,
outros contextos nos quais podem ser praticados atos integráveis neste ilícito criminal.
Referimo-nos precisamente à vitima considerada « (…) pessoa particularmente
6 Tal direito a não prestar declarações encontra-se previsto no artigo 134º do Código de Processo Penal, sendo curioso salientar que
este normativo legal não acompanhou a alteração legislativa operada relativamente ao artigo 152º n.º 1 do Código Penal, ao não
atribuir igual direito à pessoa que mantenha ou tenha mantido com o agressor uma relação de namoro e relativamente a factos
ocorrido durante esse relacionamento, quando estes passaram a poder ser enquadráveis no crime de violência doméstica.
19
indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica,
que com ele [agressor] coabite» ainda que essa pessoa não esteja ao cuidado, sob a
guarda, responsabilidade da direção ou educação.
Até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007 de 04.09 a proteção penal da pessoa
cuja condição (idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica)
impusesse considerar como pessoa particularmente indefesa, apenas podia ser alcançada
quando estivesse em causa a prática de maus tratos físicos e/ou psíquicos, através do
crime de violência doméstica (então maus tratos) caso sob o agressor impendesse um
dever legal ou uma situação de facto que o colocasse na posição de cuidador, guardador
ou educador.
Da existência de tal relação poderá resultar agora a prática do crime de maus
tratos previsto e punido pelo artigo 152º A n.º 1 do Código Penal. Dito de outro modo, a
vítima particularmente indefesa em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou
dependência económica está, agora, desde 2007, protegida em duas vertentes: quer
quando não está ao cuidado, sob a guarda, responsabilidade da direção ou educação do
agressor, bastando que coabite com ele (podendo então estar em causa a prática do
crime de violência doméstica) quer quando está (podendo enão estar em causa a prática
do crime de maus tratos).
Cremos ser esta a alínea que permite ao julgador uma maior subjetividade na
decisão porque ao contrário dos restantes conceitos (idade, deficiência, doença, gravidez
ou dependência económica) a integração do conceito «pessoa particularmente
vulnerável» terá de ser preenchido casuisticamente, chamando naturalmente o julgador
para tal, a sua experiência de vida, a sua sensibilidade, as suas opiniões pessoais.
Embora não exista definição legal para o conceito «pessoa particularmente
vulnerável» cremos estar ele próximo do conceito «vítima especialmente vulnerável»
que o artigo 2º alínea b) da Lei 112/2009 de 16.09 define como sendo «(…) a vítima
cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do
seu estado de saúde ou do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver
resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas
condições da sua integração social».
Tomemos como exemplo a seguinte realidade fáctica dada como provada
(acórdão já transitado em julgado)7:
7 Cf. acórdão da Relação de Lisboa de 09 de Abril de 2013 (processo n.º 641/11.0 JDLSB) publicado em, www.dgsi.pt.
20
«1.O arguido PO... e a ofendida AP... viveram em comunhão de cama, mesa e
habitação, na Quinta da J..., desta comarca, como se de marido e mulher se tratassem,
desde Junho de 2008 a Julho de 2011, sendo que dessa união nasceu o menor AO..., a 2
de Maio de 2009.
2.A partir do primeiro trimestre do ano de 2011, o relacionamento entre ambos
deteriorou-se por o arguido desconfiar que a AP... mantinha um relacionamento
amoroso com outro indivíduo, seu colega de trabalho.
3. Na madrugada de 8 para 9 de Abril de 2011, como a ofendida chegasse a casa vinda
dum jantar de colegas nas Caldas da Rainha, achando-se exaltado e irritado com a
demora da mesma, o arguido gritou com aquela, dizendo-lhe que a matava e,
enfurecido, partiu diversos objectos na habitação.
4. No período temporal que mediou entre o dia 9 de Abril de 2011 e meados do mês de
Julho desse ano, por diversas vezes, a ofendida disse ao arguido que não pretendia
continuar a viver com ele, instando-o a que abandonasse a habitação, pois que a
Quinta da J... tratava-se de bem que ela e um irmão haviam herdado por morte dos
pais.
5. Contudo, o arguido recusou-se sempre a fazê-lo, não aceitando que aquela quisesse
pôr termo à relação e, suspeitando que a ofendida mantinha um relacionamento
amoroso com um colega de trabalho, enciumado, o arguido gritava com ela, instando-a
a revelar-lhe a identidade daquele, dizendo-lhe que a matava, o que fez por diversas
vezes.
6. Contudo, apesar de tais atuações, o arguido vendo que não conseguia que a ofendida
reatasse a vida em comum, acabou por concordar abandonar a residência, mas para
tanto exigiu contrapartidas financeiras.
7. Acedendo às exigências do arguido, a ofendida celebrou com ele um acordo de
separação, mediante o qual se comprometeu a entregar-lhe, como contrapartida pela
separação, €75.000 em numerário e 4.400 Ações duma sociedade anónima da qual era
accionista, sendo que a ofendida aceitou este acordo também porque desejava que o
arguido não ficasse, após a separação de ambos, numa difícil situação económica.
21
8. Tendo já recebido parte das aludidas contrapartidas, no dia 9 de Agosto de 2011 o
arguido abandonou a casa da ofendida e viajou para Londres, a fim de ali estudar
inglês e arranjar trabalho.
(…)
27. Assim, na noite de 27 para 28 de Agosto, a hora não concretamente apurada, mas
já após as 23h25, agindo de modo similar ao anteriormente descrito, o arguido
conseguiu entrar novamente no recinto da quinta e depois na residência da ofendida,
isto porque não lograra abrir a fechadura da arrecadação com a chave que levara.
28. Ao entrar na casa, o arguido passou pelo armeiro embutido na parede do corredor
do primeiro andar da habitação, justamente no trajecto entre a janela “de entrada” e o
quarto da ofendida e dali retirou uma pressão de ar tendo com a mesma entrado no
quarto onde a ofendida dormia na companhia do filho de ambos, os quais acordaram
ante a chegada do arguido.
29. Face à presença inusitada do arguido naquele local e àquela hora, a arguida
perguntou- lhe o que fazia ali munido de uma pressão de ar tendo o arguido, face a tal,
regressado ao corredor, pousado a pressão de ar no corrimão, e retirado do armeiro,
devidamente municiada, a espingarda caçadeira semi-automática, calibre 12, de marca
FN/Browning, modelo B-80, com o número de série ...., que fora pertença do pai da
ofendida AP....
30. Regressando de imediato ao quarto da ofendida, a qual ainda se achava deitada na
cama na companhia do filho menor de ambos, o arguido empunhou a espingarda na
direcção da mesma, questionando-a sobre a identidade do novo namorado.
31.O arguido insistiu com a AP... pela identidade do dito namorado durante algum
tempo não obtendo desta a identificação da pessoa em causa. Findo este tempo o filho
do casal acabou por sair da cama por um dos lados desta.
32. Como a ofendida, amedrontada, se levantasse da cama pelo lado contrário, o
arguido, achando-se a cerca de 2 metros de distância, efectuou, sucessivamente, quatro
disparos na direcção daquela, acertando-lhe nos membros superiores quando a mesma
os pôs à frente do corpo para se proteger, bem como na região torácica e no abdómen.
33. Em consequência dos ferimentos que lhe foram provocados pelos disparos
efectuados pelo arguido, a ofendida sofreu as lesões traumáticas descritas no relatório
de autópsia de fls. 436 a 440, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos
os efeitos legais, lesões essas que foram a causa directa e necessária da sua morte.
22
34. O arguido quis agir do modo descrito com o intuito de tirar a vida à ofendida, tal
como fez, motivado pelo facto da mesma não ter querido reatar a vida em comum
consigo, bem como por o haver preterido a favor doutro homem a quem deixava
pernoitar na casa onde residia o filho menor de ambos.».
Ao ser sujeito a julgamento no âmbito do processo comum n.º 641/11.0 JDLSB
ia o arguido acusado, para além do mais, pela prática de um crime de violência
doméstica p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1 al. b) n.º 2 do Código Penal, um crime de
homicídio qualificado p. e p. pelo art.º 131.º e 132.º n.º 1 al. b) do Código Penal e um
crime de maus-tratos p. e p. pelo art.º 152.º-A n.º 1 al. a) do Código Penal.
Embora, o enfoque neste processo não se destine, nesta parte do nosso trabalho,
a apreciar a fundo tal matéria não podemos deixar de expressar o nosso ponto de vista
relativamente à decisão tomada em primeira instância quanto à absolvição do arguido
pela prática do crime de violência doméstica pelo qual ia acusado pelo Ministério
Público (decisão que não foi analisada no Tribunal da Relação de Lisboa por não
constituir objeto do recurso interposto pelo arguido).
Na verdade, embora aceitemos que a factualidade dada como provada e que terá
ocorrido entre 9 de Abril de 2011 e 9 de Agosto desse mesmo ano (factos dados como
provados nos pontos 4. a 8. do acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância)
pudesse pela sua natureza, gravidade e reiteração vir a não ser integrada no crime de
violência doméstica, não compreendemos por que razão não procedeu o julgador à
alteração não substancial8 dos factos nos termos do artigo 358º n.º 1 do Código de
Processo Penal, condenando então o arguido pela prática de um crime de ameaça
previsto e punido pelo artigo 153º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea a) Código Penal (pressupondo
uma única resolução criminosa adotada quando o relacionamento começou a deteriorar-
se com factos praticados ao longo do tempo).
Por outro lado, importa tecer alguns considerandos relativamente ao teor da
acusação pública que contra o arguido foi deduzida, quando em face da factualidade
dada como provada nos pontos 27. a 34 do acórdão proferido em 1ª instância, lhe era
imputada a prática do crime de maus tratos previsto e punido no artigo 152º- A do
8 Cf. acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 14 de Maio de 2014 (290/12.6TAACN.C1), acórdão da Relação de Guimarães
de 02 de Novembro 2015(processo 77/14.1TAAVV.G1), acórdão da relação de Évora de 05 de Março de 2013 (processo
43/09.9GBRDD.E1), disponíveis em www.dgsi.pt.
23
Código Penal (homicídio da mãe do menor de dois anos e meio à data da prática dos
factos e no interior do quarto, na sua presença) do qual o arguido veio a ser absolvido.
Consideramos, tal como constava do libelo acusatório, que os disparos
deflagrados sobre a mãe do menor, na sua presença quando com ela dormia e que
vieram a conduzir à sua morte constituem sérios maus tratos psicológicos infligidos
àquela criança suscetíveis de integrar, consoante a natureza da situação, ou o crime de
violência.9
Parece-nos, na realidade, inegável, que aquela experiência de vida naquela
criança imprimirá nela e no seu desenvolvimento marcas difíceis de superar, sobretudo
porque aliada à orfandade a que foi votada, aquela criança associará, mais cedo ou mais
tarde, a sua situação de vida a um ato do seu pai, pessoa que o devia proteger.
Desconhecemos qual terá sido o fundamento para a absolvição do arguido
quanto ao referido tipo legal de crime porque, como já tivemos oportunidade de afirmar,
tal matéria não constituía objeto do recurso não tendo sido assim apreciada pelo
Tribunal da Relação de Lisboa.
Uma vez que a razão subjacente a tal absolvição não pode ter sido a falta de
prova (porque foi dado como provado que o arguido matou a mãe do menor na sua
presença, quando com ela dormia) resta-nos avançar com outras duas hipóteses, tendo
sempre presente que apenas disso se tratam.
A primeira hipótese que colocamos é não ter o julgador considerado tal
experiencia imprimida pelo pai na vida do filho como um ato de mau trato psicológico.
Não podemos estar mais em desacordo com tal entendimento porque, pelos
fundamentos que já expusemos, a gravidade desta concreta situação íntegra, para nós,
de forma clara o conceito de maus tratos psicológicos praticados contra menor (neste
caso também pessoa particularmente indefesa por ter apenas dois anos de idade à data
da prática dos factos) não sendo bastante, a nosso ver, o recurso à mera agravante da
pena aplicável prevista no n.º 2 do artigo 152º do Código Penal. E a ser assim justificar-
se-ia (como parece ter também o Ministério Público em sede de inquérito) assacar ao
agressor a responsabilidade criminal pela prática de um crime de violência doméstica
contra a criança deixando, assim, de lado a mera agravante da pena.
9 Cf. MARIANA MESQUITA VILAS BOAS, Violência Contra Menores- Análise Crítica dos Artigos 152º e 152º-A do Código
Penal dissertação de mestrado, Universidade Católica, Porto, 2013.
24
A segunda hipótese que avançamos é o facto de poder ter constituído um óbice à
condenação do arguido, neste caso, a circunstância de o pai se encontrar já, à data,
separado da mãe do menor (ainda que há escassos dias), tendo passado até a viver num
país diferente.
Aceitamos que o facto de o arguido, naquela altura, já não coabitar com a
criança, seu filho, afaste o preenchimento do crime de violência doméstica previsto no
artigo 152º n.º1 alínea d) do Código Penal (que, recorde-se, não lhe era imputado pelo
Ministério Público). Relativamente a esta matéria e quanto ao significado e peso
jurídico do conceito de coabitação diz-se no acórdão da Relação de Lisboa de 12 de
Outubro de 2016 10
que «Habitualmente abordada a propósito de relações matrimoniais,
a coabitação é significante para, entre o mais, comunhão de residência e de mesa. Por
conseguinte, em qualquer caso, será esta comunhão habitual, este convívio, esta partilha
que estreita laços e confiança que caracteriza o conceito juridicamente relevante de
coabitação (…)»
No entanto, tal circunstância não podia, a nosso ver, afastar a prática do crime de
maus tratos previsto e punido pelo artigo 152º A n.º 1alínea a) do Código Penal já que
tendo cessado a coabitação entre os progenitores que, até àquela data viviam em
condições análogas à dos cônjuges, então as responsabilidades parentais cabiam a
ambos em conjunto no tocante às questões de particular importância, ficcionando-se a
manutenção daquela relação para este efeito.
Na verdade, determina o artigo 1911º do CC que «Quando a filiação se encontre
estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições
análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o
disposto nos artigos 1901.º a 1904.º» acrescentando o n.º 2 que «No caso de cessação da
convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905.º a
1908.º».
Ora, o mencionado artigo 1906º n.º 1 do CC estabelece, por sua vez, nesta
matéria, que «As responsabilidades parentais relativas às questões de particular
importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores
nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência
manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar
informações ao outro logo que possível.». Por seu turno, dispõe o n.º 3 deste normativo
10 Processo 413/15.3PFAMD.L1-3, disponível em www.dgsi.pt
25
legal que «O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida
corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao
progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer
as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes,
tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.».
Ora, se assim é, como cremos ser, como afirmar que o arguido não tinha o filho
ao seu cuidado, sob a responsabilidade da sua direção ou educação, apesar de já não
coabitar com ele?
Em conclusão diremos pois que, em nosso entender, e pressupondo que a
decisão de absolvição assentou numa destas hipóteses ora analisadas, a absolvição do
arguido pela prática deste ilícito criminal foi erradamente decidida.
Parece-nos relevante avançar ainda com um outro exemplo que cremos ser
demonstrativo da plasticidade da norma contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 152º
apreciado no muito recente acórdão da Relação do Porto de 12 de Outubro de 2016 em
cujo sumário se lê «Pratica o crime de violência doméstica, o filho que, podendo, não
presta ao pai a assistência adequada ao seu estado físico e mental, conduta que se traduz
na ausência da prestação de cuidados alimentares, de cuidados de higiene pessoal, de
limpeza da casa e na promoção de uma situação de abandono.»11
.
Trata-se aqui a nosso ver de um resultado alcançado (crime de resultado) através
da omissão de atos, sendo a conduta do arguido punível nos termos do artigo 10º n.º 2
do Código Penal, uma vez que sobre o filho recaía o dever de garante previsto no artigo
1874º do Código Civil que determina no seu nº 1 que «Pais e Filhos devem-se
mutuamente respeito, auxilio e assistência» e que esta última, nos termos do n.º 2 do
mesmo normativo legal «(…)compreende a obrigação de prestar alimentos e a de
contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os
encargos da vida familiar.».
Neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque12
explicando, então, que «o tipo legal
pode ser cometido por omissão, na medida em que sobre o agente impende um dever de
garante. Este dever de garante pode até impender sobre os agentes da autoridade pública
11 Processo: 2255/15.7T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
12 Cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, página 406;
26
(acórdão TEDH Kontrova v. Eslováquia, de 31.5.2007, sobre um caso de omissão de
reação das autoridades públicas diante de suspeita de violência doméstica»
Retomando a análise às alterações legislativas operadas pela Lei 59/2007 de 04
de Setembro salientamos agora, a introdução no texto normativo deste tipo legal de
crime do segmento «(…)de modo reiterado ou não (…)».
Até então, e embora fosse já matéria objeto de querela13
, a jurisprudência dos
nossos tribunais superiores e a doutrina14
vinha considerando necessário para o
preenchimento do tipo legal do crime de violência doméstica a prática
reiterada/continuada ao longo do tempo de maus tratos físicos ou psíquicos sobre a
pessoa do cônjuge. 15
( Importa, contudo, ter em conta como nos salienta Jorge Reis
Bravo16
que a reiteração « (…) não se confunde com repetição homótropa
(relativamente a factos de idêntica natureza), podendo ser de natureza diferenciada, e
que perdure por um período de tempo suficientemente longo em que se exclua a
consideração de se tratar de comportamento episódico ou pluriocasional, caso em que se
subtrairia à previsão legal»
Com a redação introduzida pela Lei 59/2007 de 04 de Setembro o crime de
violência doméstica passou a poder ter-se por cometido mesmo que não haja reiteração
de condutas, embora só em situações excecionais o comportamento violento único, pela
gravidade intrínseca do mesmo, preencha o tipo de ilícito.17
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na origem da
Lei n.º 59/2007, de 4/9, escreve-se «na descrição típica da violência doméstica e dos
maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para
esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa.» - vide Diário da
Assembleia da República, II Série -A, n.º 10, de 18/10/2006.
Em suma, passou-se a admitir que um singular comportamento possa integrar o
crime quando assuma uma intensa crueldade, insensibilidade, desprezo pela
13 Cf., a título de exemplo, o acórdão do STJ de 17 de Outubro de 1996 publicado na Coletânea de Jurisprudência acórdão do STJ, Ano IV, T 3, pagina 170 e acórdão da Relação do Porto de 03 de Julho de 2002 disponível em www.dgsi.pt (processo 0210597) 14 Cf. TERESA BELEZA in «Maus Tratos Conjugais, o artigo 53º n.º 3, do Código Penal, A.A.F.D.L. Lisboa, 1989, página 21; Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, página 334) 15 Cf., sobre a matéria e a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Outubro de 2012 processo 639/08.6GBFLG.G1 disponível em www.dgsi.pt). 16 JORGE DOS REIS BRAVO, “A atuação do Ministério Público no âmbito da violência doméstica”, Revista do Ministério Público ,102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 49. 17 Cf. nesse sentido e antes quer da redação atual quer da que foi dada ao artigo 152º, pela Lei 7/2000, o acórdão do STJ de 14 de Novembro de 1997, ACS. STJ, V, III, 235 e baseando-se em tal entendimento o acórdão da Relação do Porto de 12 de Maio de 2004 onde se lê «Para se configurar maus tratos...exige-se uma pluralidade de condutas, ou no mínimo uma conduta complexa, que revista gravidade e traduza, v.g. crueldade, insensibilidade».
27
consideração do outro como pessoa. Por outras palavras quando o comportamento
singular só por si se revele claramente ofensivo da dignidade pessoal do cônjuge.
Neste sentido veja-se, a titulo de exemplo o acórdão da Relação de Lisboa de 15
de Janeiro de 2013 em cujo esclarecedor sumário se lê que «Com a reforma do Código
Penal operada pela lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, a descrição típica do crime de
violência doméstica (autonomizado em relação ao tipo legal de maus-tratos a cônjuge,
tal como estava consagrado no artº 152º, nº 2, do Código Penal) tem uma amplitude
muito maior e prevê-se que, para o preenchimento do tipo legal, a inflição de maus
tratos pode concretizar-se “de modo reiterado ou não, podendo afirmar-se que, com
esta formulação, foi acolhido o entendimento segundo o qual um só ato de ofensas
corporais já configura um crime de violência doméstica. II- No entanto, se o crime de
violência doméstica é punido mais gravemente que os ilícitos de ofensas à integridade
física, coação, sequestro, etc., e se é distinto o bem jurídico tutelado pela respetiva
norma incriminadora, então, para a densificação do conceito de maus tratos não pode
servir toda e qualquer ofensa. III-Um único ato ofensivo só consubstanciará um “mau
trato” se se revelar de uma intensidade tal, ao nível do desvalor (quer da ação, quer do
resultado), que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido –a saúde física,
psíquica ou emocional –pondo em causa a dignidade da pessoa humana. IV-O facto de
o arguido ter atingido a assistente, com um murro, no nariz que ficou “ligeiramente
negro de lado” e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples
ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta
maltratante suscetível de configurar “violência doméstica”. É manifesto que essa
conduta do arguido, mesmo tendo em conta que a assistente estava com o filho (então
com 9 dias de vida) ao colo, não tem a gravidade bastante para se poder afirmar que,
com ele, foi aviltada a dignidade pessoal da recorrente e, portanto, que o seu bem-estar
físico e emocional foi, intoleravelmente, lesado.»18
19
De assinalar também que o legislador através da Lei n.º 59/2007 de 04.09 fez
incluir no texto normativo alguns exemplos de comportamentos suscetíveis de serem
considerados maus tratos físicos ou psíquicos, indicação que não existia anteriormente,
referindo-se, então agora, aos castigos corporais, às privações de liberdade e às ofensas
sexuais.
18 processo 1354/10.6TDLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. 19 Em igual sentido, veja-se também o acórdão da Relação de Coimbra de 02 de Outubro de 2013 (processo 32/13.9GBLSA.C1),
disponível em www.dgsi.pt.
28
Note-se contudo que, por força da mesma Lei, a inclusão no texto do n.º 1 do
artigo 152º do Código Penal do segmento «(….) se pena mais grave lhe não couber por
força de outra disposição legal» obriga o julgador nos casos em que tenha havido,
designadamente, sequestro, rapto ou ofensas sexuais, a avaliar casuisticamente a
gravidade destas por forma a que se determine se tais comportamentos devem ou não
ser autonomizados do crime de violência doméstica e justificar, por essa via, a
imputação ao agressor, de um crime mais grave como seja, o crime de sequestro (artigo
158º n.º 2 e 3), o crime de rapto (artigo 161º do Código Penal), o crime de coação
sexual (artigo 163º n.º 1 do Código Penal), o crime de violação (artigo 164º do Código
Penal), em obediência ao principio da subsidiariedade. Se a gravidade de tais condutas
justificar essa autonomização poderá acontecer um afastamento do crime de violência
doméstica em virtude dos factos praticados apenas serem, por natureza, integráveis
naqueles ilícitos de natureza mais grave (concurso aparente ou subsidiariedade
expressa) ou termos uma situação de concurso efetivo entre tais ilícitos e o crime de
violência doméstica, se existirem também outros atos integradores deste último.
Quando se tratem de factos integradores do crime de violência domestica mas
que autonomizados corresponderiam a ilícitos criminais puníveis com pena de prisão
inferior a cinco anos (como é o caso, designadamente, do crime de ofensa à integridade
física simples, do crime de injúria ou do crime de ameaça) estaremos, então perante uma
situação de concurso aparente entre eles e o crime de violência doméstica (relação de
especialidade), que assim os afasta. 20
Alteração relevante foi também a introdução pela Lei n.º 59/2007 de 04 de
Setembro da agravação prevista no nº 2 do artigo 152º do Código Penal aplicável
quando os factos forem praticados contra menor, na presença de menor, no domicílio
comum ou da vítima. Em tais situações, prevê, então o legislador a agravação do limite
mínimo da pena de prisão aplicável que passa de um para dois anos.
Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque21
«o propósito do legislador foi o de
censurar mais gravemente os casos de violência doméstica com vítima menores ou
ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítima “indiretas”
dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. Por outro
20Cf. acórdãos da Relação de Coimbra de 15 de Dezembro de 2010 (processo 512/09.0PBAVR.C1) e de 22 de Setembro de 2010
(processo179/09.6TAMLD.C1), disponíveis em www.dgsi.pt. 21Ob. cit., página 406
29
lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência
doméstica velada, em que a ação do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima
ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunha»
Como circunstâncias agravantes que são elas operam no domínio da culpa e não
da ilicitude, pelo que, à semelhança do que acontece com o crime de coação previsto no
artigo 154º n.º 1 e 155º n.º 1 alínea b) do Código Penal, a sua aplicação não é
automática obrigando, assim, o julgador a ponderar, para decidir ou não pela agravação
da pena aplicável, se a conduta do agressor ultrapassa os limites da simples
censurabilidade e se se mostra reveladora de especial perversidade ou é merecedora de
um juízo de especial censurabilidade. Tal ponderação passará, designadamente, pela
consideração do contexto psicológico em que o arguido agiu, das suas concretas
condições e experiências de vida, da personalidade que revelou antes e depois da prática
dos factos e das suas capacidades intelectuais.
Veja-se a este propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Outubro de
201622
no qual se pode ler que «Tais circunstâncias - e outras similares, como se infere
da letra do preceito - poderão ou não revelar um maior desvalor da ação. Para aferir
deste maior desvalor (a tal especial censurabilidade), há que olhar ao contexto da prática
dos factos, em ordem a descortinar se, tendo em conta os motivos do agente, a sua
inserção na sociedade, a sua responsabilidade, a sua maturidade intelectual, etc., a
conduta reflete uma especial e acentuada desconformidade da sua personalidade com os
valores jurídico-penalmente relevantes. Ou seja, em suma, se o arguido revelou uma tal
indiferença para com o direito e os bens jurídicos em causa em particular que choque
sobremaneira a consciência jurídica coletiva.»
As penas acessórias previstas no artigo 152º do Código Penal não são todas uma
inovação da Lei n.º 59/2007 de 04.09, já que a pena acessória de proibição de contacto
do agressor com a vítima havia sido já introduzida no nosso ordenamento jurídico pela
Lei 7/2000 de 27.05. No entanto, com a Lei 59/2007 de 04.09 algumas alterações foram
operadas nesta pena acessória já prevista e outras penas acessórias foram criadas: a pena
acessória de uso e porte de armas, a pena acessória de obrigação de frequência de
programas específicos de prevenção da violência doméstica e a pena acessória de
inibição do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela.
22Processo 413/15.3PFAMD.L1-3
30
Quanto à pena acessória de proibição de contacto do agressor com a vítima,
manteve-se a possibilidade dela incluir o afastamento do agressor da residência e
acrescentou-se a possibilidade de se determinar através dela também o afastamento do
agressor do local de trabalho da vítima. Outra alteração a assinalar foi o aumento do
tempo durante a qual tal pena acessória pode vigorar, tendo-se passado do limite
máximo de dois anos para o limite máximo de cinco anos.23
As penas acessórias previstas neste normativo legal não são de aplicação
automática ao contrário do que acontece com outras penas acessórias como a que se
encontra prevista no artigo 69º do Código Penal para os crimes aí previstos. A letra do
artigo 152º é inequívoca ao estabelecer quanto às penas acessórias do n.º 4 que « (…)
podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a
vítima e de proibição de uso e porte de armas (…)» e no n.º 6 que esta pena apenas deve
ser aplicada quando tal se mostre justificado pela «(…) concreta gravidade do facto e a
sua conexão com a função exercida pelo agente». (solução diferente daquela que se
consagrou em Espanha, onde o legislador decidiu que a pena de acessória proibição de
uso e porte de armas. 24
Neste sentido, e no que concerne à pena acessória de proibição de contatos
encontramos, nomeadamente, o acórdão da Relação de Coimbra de 19 de Novembro de
2008 25
no qual se lê que «A aplicação da pena acessória de afastamento da residência
da vítima depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso». Neste
igual sentido, e debruçando-se sobre a não rara situação de reconciliação do agressor e
da vítima e do retorno daquele à casa de morada de família, pronunciou-se o muito
recente acórdão da Relação de Évora de 29 de Novembro de 2016 26
. Consta então deste
referido aresto: «Ao que consta dos autos, e como decorre da factualidade tida como
assente em primeira instância (e não questionada por qualquer sujeito processual), a
ofendida, de sua livre vontade, decidiu voltar a viver com o arguido, em condições
23 Em Espanha com a LO 11/2003 reconheceram-se ainda outros fatores de agravamento das penas aplicáveis ao crime de violência
doméstica quando fosse praticado com utilização de armas e/ou quando fosse levado a cabo violando as penas ou medidas de coação
[em Espanha, medida cautelares] de afastamento ou comunicação com a vitima– cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La violência
doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005,
página 20.
24 Cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do
Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun 2005, página 23.
25 Processo 182/06.8TAACN, disponível em www.dgsi.pt. 26 Processo 195/15.9GCCUB.E1,disponível em www.dgsi.pt.
31
análogas às dos cônjuges (pois está divorciada do arguido desde setembro de 2010). Do
mesmo modo, da análise dos autos (e da factualidade neles tida por provada) não
podemos concluir, minimamente, pela existência de um qualquer relacionamento
conflituoso entre o arguido e a ofendida a partir do momento em que, de comum acordo,
decidiram viver, de novo, em comunhão de leito, mesa e habitação.
Acresce que os factos delitivos cometidos pelo arguido, e dados como provados
na sentença sub judice, não se revestiram, no essencial, de atitudes de violência física
sobre a pessoa da ofendida, ou seja, não nos revelam uma personalidade do arguido
especialmente perigosa ou invulgarmente violenta. (…) Neste enquadramento, e com o
devido respeito por diferente opinião, as instâncias formais de controlo (nomeadamente
os tribunais) carecem de legitimidade para, sem mais, proibirem a ofendida e o arguido
de viverem, de novo, em comunhão de mesa, leito e habitação.
Por isso, e a nosso ver, não se pode aplicar, nessas circunstâncias, a pena
acessória de proibição de contactos com a vítima (nomeadamente impondo o
afastamento do arguido da residência onde vive com a ofendida), sob pena de ilegítima
ultrapassagem da liberdade e da autonomia de vontade da própria ofendida.».
Não podemos deixar de sufragar o entendimento assumido neste acórdão por ser,
numa situação como aquela em análise, inultrapassável a vontade da vítima (desde que
livre e esclarecida) de se reconciliar com o arguido. Semelhante situação justificaria,
cremos, caso a sentença ainda não tivesse transitado em julgado, a alteração da medida
de coação de proibição de contactos com a vítima e afastamento da sua residência, caso
esta eventualmente lhe tivesse sido aplicada, porque embora continuasse a haver perigo
de continuação da atividade criminosa (perigo esse que normalmente fundamenta a
aplicação desta medida de coação nesta tipologia de crimes), o certo é que a própria
vitima decidiu que não era assim, determinando um outro rumo para a sua vida.
A decisão de aplicação ou não da pena acessória de afastamento da vítima ou de
proibição de contactos com esta e particularmente a decisão sobre o seu quantum deve
ser ainda, a nosso ver, precedida por uma particular ponderação quando a vitima e o
agressor tenham filhos em comum e aquele não foi inibido ou limitado quanto ao
exercício das responsabilidades parentais (no próprio processo através da pena acessória
prevista no n.º 6 do artigo 152º do Código Penal ou em processo autónomo de
regulação/alteração do exercício das responsabilidades parentais).
32
Por último, importa salientar que a violação de qualquer uma destas penas
acessórias apenas poderá fazer o arguido incorrer na prática de um novo crime, a saber,
o crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto no artigo 353º do
Código Penal. Nunca o incumprimento dessa pena poderá constituir fundamento para
uma eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão que tiver sido
aplicada ao arguido. Neste sentido veja-se, nomeadamente, o acórdão da Relação de
Coimbra de 28 de Janeiro de 201527
.
Interessante e diferente situação (com a qual já nos deparamos) é, por exemplo,
o arguido condenado na pena acessória de proibição de contatos com vigilância através
dos mecanismos de teleassistência, não se aproximar da vítima conforme lhe havia sido
imposto mas opor-se e impossibilitar por todos os meios a colocação de tais meios de
vigilância. Ora, somos de entendimento que tal conduta não é suscetível de integrar a
previsão do artigo 353º do Código Penal porque apesar de o arguido com a sua conduta
obstaculizar a vigilância da pena acessória ele não praticou ou levou a cabo o ato que
lhe estava vedado por tal pena acessória, precisamente, a aproximação à vítima. Note-se
com interesse para a apreciação jurídica desta matéria, que a colocação de tais
dispositivos depende do consentimento prévio do arguido e até das pessoas com idade
superior a 16 anos que com ele coabitem, podendo ser revogado a todo o tempo (artigo
4º n.º 1, 4 e 6 da Lei 33/2010 de 02 de Setembro).
Da última alteração legislativa operada ao crime de violência doméstica com a
Lei n.º 19/2013 de 21 de Fevereiro resultou, uma vez mais, um alargamento do leque de
vítimas suscetíveis de serem abarcadas por este tipo legal. Com a referida modificação
passou também a considerar-se integrar o crime de violência doméstica, os maus tratos
físicos e psíquicos aí descritos praticados no âmbito de uma relação de namoro ainda
que sem coabitação. 28
Relativamente a estas relações de namoro encontramos alguma jurisprudência
dos nossos tribunais superiores considerando que abrangem também, para efeitos da
incriminação por este tipo legal de crime, as relações de namoro extraconjugais.29
27 Processo 112/09.5GASJP-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
28 Igual alteração fora já operada em Espanha no ano de 2003 com a LO 11/2003, conforme – cf. ELENA IÑIGO CORROZA, “La
violência doméstica em España: El delito de malos tratos en el seno familiar”, Revista do Ministério Público, 102, ano 26, Abr-Jun
2005, página 20.
29 Cf. a titulo exemplificativo acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Fevereiro de 2013 (processo83/12.0GCGRD.C1) e acórdão
da Relação do Porto de 08 de Março de 2017 (processo 121/15.5JAPRT.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
33
Uma última referência que importará fazer relativamente ao crime de violência
doméstica prende-se com a tendência jurisprudencial maioritária dos nossos tribunais
superiores no sentido de considerarem, por regra, afastada a prática deste tipo legal de
crime quando existam agressões mútuas.30
E concordamos com esta posição.
Na verdade, o que justifica a autonomização da violência conjugal é uma
questão de exercício de poder arbitrário do mais forte sobre o mais fraco. Aliás, este
tipo legal de crime pressupõe “a consolidação no estado vivencial da vítima de um
estado de compressão na sua liberdade pessoal e de um apoucamento da dignidade que
a um qualquer ser humano é devida”31
pelo que, havendo agressões mútuas de similar
natureza, não podemos deixar de considerar não preenchidos os elementos objetivos e,
muito menos, subjetivos, do crime de violência doméstica. Nestas situações poderá estar
em causa qualquer um dos outros tipos legais de crime que se encontram, como já
referimos, em situação de concurso aparente (relação de subsidiariedade) com o crime
de violência doméstica.
30 Cf. a título exemplificativo, o acórdão da Relação do Porto de 09 de Janeiro de 2013 (processo 31/09.5GCVLP.P1), disponível em
www.dgsi.pt.
31 Cf. acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Junho de 2007 (processo 256/05.2GCAVR.C1), disponível em www.dgsi.pt.
34
35
CAPITULO II
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível: alterações (inovações) legislativas
com impacto nos processos de regulação, limitação ou inibição das
responsabilidades parentais em contexto de violência doméstica
1. Princípios que nortearam o legislador
O Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela Lei n.º
141/2015 de 08 de Setembro revogou a Organização Tutelar de Menores (OTM) que
então vigorava no nosso sistema jurídico através do DL n.º 314/78 de 27 de Outubro 32
,
sendo aplicável nos termos do artigo 5º (aplicação no tempo) «aos processos em curso à
data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência
da lei anterior.».
Os objetivos que presidiram ao “nascimento” do Regime Geral do Processo
Tutelar Cível foram, claramente, a obtenção de maior celeridade através da
simplificação da instrução e preferência dada à oralidade dos atos praticados33
,
agilização e eficácia na resolução desses conflitos privilegiando-se a consensualização
na tomada de decisões 34
Na verdade, salientando-se até a especifica realidade das crianças que crescem
no epicentro do fenómeno da violência doméstica pode ler-se na proposta de Lei n.º
338/XII que « (…) foi tida em conta a realidade dos graves danos psicológicos
potencialmente sofridos pelas crianças em contextos de rutura conjugal e, consequente,
perturbação dos vínculos afetivos parentais, especialmente agravada nas situações de
violência doméstica intrafamiliar. Essa realidade não é compaginável com delongas da
marcha processual, nem com a inerente dilação das decisões.
O Regime ora instituído tem como principal motivação introduzir maior
celeridade, agilização e eficácia na resolução desses conflitos, através da racionalização
e da definição de prioridades quanto aos recursos existentes, em benefício da criança e
da família.
32Alterado até à entrada em vigor da Lei 141/2015 de 08 de Setembro pela Declaração de 14/12 de 1978, Declaração de 07/02 de 1979, DL n.º 185/93, de 22/05, Retificação n.º 103/93, de 30/06, DL n.º 48/95, de 15/03, DL n.º 58/95, de 31/03, DL n.º 120/98, de
08/05, Retificação n.º 11-C/98, de 30/06, Lei n.º 133/99, de 28/08, Lei n.º 147/99, de 01/09, Lei n.º 166/99, de 14/09 e Lei n.º 31/2003, de 22/08). 33Artigo 4º n.º 1 alínea a). 34Artigo 4º n.º 1 alínea b).
36
Na concretização desse objetivo são definidos novos princípios e procedimentos
destinados a simplificar e a reduzir a instrução escrita dos processos, privilegiando,
valorizando e potenciando o depoimento oral, quer das partes, quer da assessoria técnica
aos tribunais, nos processos tutelares cíveis e, em especial, no capítulo relativo ao
exercício das responsabilidades parentais e seus incidentes.»35
1.1. Celeridade Processual
No tocante à pretendida celeridade processual através da simplificação da
instrução salientam-se as seguintes alterações/inovações:
a) O RGPTC prevê no seu artigo 15º que as notificações e convocatórias para
comparecer em tribunal devem ser efetuadas por qualquer meio mais
expedito que a remessa via postal, que só deve ser efetuada quando os outros
meios não se mostrem viáveis. Quanto a esta inovação, defende Paulo
Guerra 36
que o legislador devia ter concretizado quais os meios que
considera poderem ser utilizados e os que considera mais expeditos.
b) Estabelece-se (artigo 21º n.º 5) que na fase de instrução só deverá haver
lugar à solicitação de relatórios às equipas de assessoria técnica
relativamente às diligências a que assistiram, esclarecimentos que prestaram,
exames ou pareceres que elaboraram, «(…) quando a sua realização se
revelar de todo indispensável depois de esgotadas as formas simplificadas de
instrução, nomeadamente se forem insuficientes os depoimentos e as
informações a que se referem as alíneas a), c) e d) do n.º 1»
c) Estabelece-se no artigo 27 n.º 1 do RGPTC que «As decisões que apliquem
medidas tutelares cíveis e de promoção e proteção, ainda que provisória
devem conjugar-se e harmonizar-se entre si, tendo em conta o superior
interesse da criança». Quanto a este particular aspeto importa também ter em
consideração a inovação que, com a mesma finalidade, foi introduzida na Lei
35Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39542. 36Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 20, e-book disponível
em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.
37
147/99 de 1 de Setembro37
com o aditamento do artigo 112º A 38
no qual se
estabelece que «Na conferência e verificados os pressupostos legais, o juiz
homologa o acordo alcançado em matéria tutelar cível, ficando este a
constar por apenso.». Salienta Paulo Guerra39
, quanto a este aspeto, que as
medidas tutelares cíveis têm também que se harmonizar com as medidas
tutelares educativas face ao que dispõe o artigo 43º n.º 3 da LTE.
d) Prevê-se no artigo 31º n.º 2 do RGPTC que não sendo possível concluir
numa só data a audiência de discussão e julgamento, a mesma pode ser
suspensa e marcada para a data mais próxima, que não deverá exceder os 30
dias, salvo se houver algum impedimento do tribunal ou dos mandatários em
virtude de outro serviço judicial já marcado, situação que deverá ficar vertida
em ata com especificação da identificação do processo em que tal diligência
terá lugar e a natureza desta. Semelhante disposição encontramos também no
artigo 29º n.º 4 e 5 do mesmo diploma relativamente ao adiamento do inicio
da audiência de discussão e julgamento.
e) Prevê o artigo 35º n.º 4 do RGPTC que os progenitores que não compareçam
pessoalmente à conferência poderão ser condenados em multa, sendo apenas
admissível a sua representação40
por mandatário judicial, ascendentes ou
irmão munidos de poderes especiais para tomarem, em seu nome, decisões
nesta diligência processual. Admite-se também a “presença” do progenitor
através de teleconferência a partir do núcleo de secretaria da área da sua
residência 41
f) O legislador previu no artigo 38º do RGPTC prazos máximos para a duração
das fases de mediação familiar e audição técnica especializada estabelecendo
que, terminadas as mesmas, o juiz, após ter sido informado dos resultados
37 Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LTE). 38 Aditamento operado pelo DL 142/2015 de 8 de Setembro. 39 Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 20, e-book disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf. 40 Caso estejam impossibilitados de comparecer ou residirem fora do município da sede da instância central ou local onde a
diligência se realize). 41Solução que melhor se adapta, em nosso entender, à centralização das secções de família e menores operada pela Lei da Organização Judiciária de 2014 agora mitigada pela recentíssima reforma judiciária do novo mapa judiciário que previu a reabertura
de secções locais de família e menores).
38
alcançados, notifica as partes para continuação da conferência a realizar nos
cinco dias imediatos.
1.2. Agilização e eficácia na resolução dos conflitos através da preferência
pelos métodos de consensualização
Prevê-se no artigo 38º do RGPTC que, caso os pais (pessoalmente ou
devidamente representados para o efeito) não alcancem um acordo quanto à regulação
do regime das responsabilidades parentais que há-de vigorar, o juiz, após decidir
provisoriamente sobre o pedido 42
remete-os para a mediação ou para audição técnica
especializada.
Parece-nos bastante evidente a utilidade destas soluções que o tempo dos
tribunais não permitiria ou não facilitaria. Na verdade não se nos afigura que seja papel
do juiz trabalhar afincadamente na obtenção de acordo entre os progenitores, embora
naturalmente seja o seu papel abordá-los e procurar concilia-los nesta matéria. O acordo
entre os progenitores tem de ser alcançado por equipas especializadas que os ajudem a
solucionar ou minorar o conflito que ainda persiste entre eles, fazendo-os entender que a
relação amorosa entre ambos terminou mas que a relação parental irá perdurar e que por
isso, é premente, alcançar a concórdia em nome do interesse dos filhos.
Não obstante tais vantagens o certo é que já se fazem sentir algumas dificuldades
na execução prática de tais soluções de consensualização.
Na verdade, por um lado, e embora se compreenda que o legislador tenha tido
necessidade de estabelecer prazos curtos para a mediação43
(período máximo de três
meses) ou para a audição técnica especializada (período máximo de dois meses) atenta a
almejada celeridade processual e necessidade premente de resolver a situação daquela
criança cujo tempo não é igual ao nosso, suscitam-se-nos algumas dúvidas sobre a
possibilidade de alcançar uma solução consensualizada, sobretudo em casos de conflito
mais enraizado (como acontece, designadamente, nos contextos de violência
doméstica), em tão curto espaço de tempo.
42O estabelecimento de um regime provisório já não é, nesta fase do processo [embora pareça continuar a ser em qualquer outra fase -cf. artigo 28º n.º 1] uma faculdade do juiz como era na Organização Tutelar de Menores. Enquanto vigorou entre nós este regime
jurídico o juiz apenas decidiria a título provisório caso o estabelecimento de tal regime não lhe fosse requerido ou pelas partes ou
pelo Ministério Público em representação da criança ou jovem (cf. artigo 157º da OTM). 43Os princípios gerais da mediação encontram-se estabelecidos na Lei n.º 29/2013, de 19 de Abril.
39
Por outro lado, têm-se sentido algumas resistências por parte dos progenitores
relativamente ao recurso à mediação 44
, uma vez que os custos desta (e das deslocações
que terão de efetuar por conta da sua realização) ficarão a seu cargo, caso não
beneficiem de apoio judiciário que abranja esta despesa processual.45
1.3. Incremento da proteção da criança ou jovem
Outro aspeto muito relevante, cremos, é que do RGPTC resulta também, a nosso
ver, um incremento da proteção da criança no sentido da existência de um maior
controlo da situação da criança ou jovem quer por parte do Tribunal, quer por parte da
família alargada (com vinculo afetivo à criança). Neste sentido, vejam-se as seguintes
inovações:
a) Muito embora a assessoria técnica já estivesse consagrada no artigo 147º C
da OTM, o certo é que o RGPTC veio alargar o âmbito de atuação destas
equipas multidisciplinares 46
, estabelecendo que lhes caberá (para além das
funções que já anteriormente lhes estavam acometidas) apoiar as crianças
que intervenham nos processos (designadamente assistindo a criança na
diligência em que é ouvida, conforme dispõe o artigo 5º n.º 7 alínea a) do
RGPTC), acompanhar a execução das decisões 47
, mediar a execução do
regime das responsabilidades parentais 48 e assumir a função de gestor de
processo (figura que apenas nos era familiar no que tocava à atividade
desenvolvida pelas CPCJ) 49
44Cuja intervenção dependendo seu consentimento nos termos do artigo 24º n.º 1 do RGPTC. 45A utilização do Serviços de Mediação Familiar tem para cada um dos mediados um custo no valor de 50 € independentemente da duração ou número de sessões de mediação). 46Embora a OTM não previsse a multidisciplinariedade, haviam já sido criadas as equipas multidisciplinares de apoio aos tribunais-EMAT. 47Nos termos do artigo 40º n.º 2 do RJPTC pode o tribunal determinar que o regime de visitas estabelecido por sentença «(…) sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal» havendo também
nos termos do n.º 6 desse normativo, a possibilidade de o tribunal determinar que toda a execução do regime estabelecido seja
acompanhado pelas equipas de assessoria técnica, caso entenda haver risco de incumprimento da decisão, acompanhamento que decorra nos moldes previstos no n.º7. Acresce que nos termos do artigo 41º n.º 5, em caso de incumprimento e subsequente falta dos
pais à conferência prevista no n.º 3 ou em caso de ausências de alegações por parte do requerido ou sendo estas manifestamente
improcedentes pode o tribunal para efetivação do regime de visitas estabelecido ordenar «(…) a entrega da criança (..) presidindo à diligência a assessoria técnica do tribunal. 48Nos termos do n.º 10 do artigo 40º do RJPTC, nos casos em que tenha sido decretada medida de coação ou aplicada a um dos progenitores pena acessória de proibição de contato entre os progenitores «(…) o regime de visitas pode ser condicionado,
contemplando a mediação de profissionais especializados (…)». 49 Embora tenha pretendido que tais equipas funcionem junto das secções de família e menores o certo é que a concretização de tal intento parece ser ainda hoje uma miragem, decorrido que se mostra mais de um ano sobre a entrada em vigor da Lei 141/2015, recorrendo os magistrados, por regra, a técnicos da Segurança Social que então exercem a assessoria técnica prevista neste diploma
legal).Este acompanhamento também apenas nos era familiar no âmbito dos processos de promoção e proteção.
40
Aplaudimos esta iniciativa de alargar as competências das equipas técnicas por
significar a aceitação (que já há muito era feita nos tribunais) de que o “trabalho no
terreno” poderá trazer melhores resultados do que a simples tomada de decisões sem
qualquer acompanhamento especializado (durante o processo decisório e após). Tal era
o que acontecia antes do RGPTC quando após a prolação de sentença (homologatória
ou não) os progenitores eram deixados à sua sorte, mesmo que houvesse dúvidas sobre a
capacidade de os mesmo cumprirem o regime estabelecido. O processo “parava” no
momento da prolação da sentença (do seu trânsito em julgado) e os tribunais limitavam-
se a aguardar notícia de eventuais incumprimentos.
No entanto, suscitam-se-nos sérias dúvidas quanto à efetiva possibilidade de
colocar em prática a assessoria técnica especializada, pelo menos nos moldes
pretendidos pelo RGPTC, apesar de muito esforço já efetuado, atenta a escassez de
meios técnicos, materiais e humanos que assolam as entidades, como a Segurança
Social por exemplo, que continuam a prestar tal assessoria. Sem uma efetiva
intervenção junto destas entidades no sentido de as dotar do número suficiente de
técnicos e meios para que realizem o tanto que agora o RGPTC pretende, tememos
seriamente que as muito boas intenções do legislador, não tenham cabal aplicação na
prática.
É certo que o processo de regulação das responsabilidades parentais era já, à
data, um processo de jurisdição voluntária o que deixava margem ao julgador para após
a prolação de sentença (regime definitivo ou provisório) controlar a forma como o
exercício das responsabilidades parentais reguladas estava a decorrer, caso alguma
dúvida o tivesse assaltado sobre o sucesso do seu cumprimento.
Mas tal muito raramente era feito, não só por não ser um procedimento
enraizado, mas também porque, em muitos Tribunais, sobretudo nos que tinham
competência na área da Família e Menores, as pendências processuais e o tempo do
despacho, não permitiam dar largas a procedimentos que, cremos, a maior parte do
Juízes aceitava como pertinente.
b) O princípio da plenitude da assistência do juiz prevista no artigo 30º do
RGPTC (ainda que com algum sacrifício da pretendida celeridade processual
já que poderá, nos termos deste normativo, implicar a repetição dos atos já
praticados) com vista a garantir, cremos, que a apreciação da situação de
41
uma criança não passe “de mão em mão”, concentrando-se o conhecimento
daquela realidade factual em sede de audiência de discussão e julgamento, a
uma única pessoa que acompanhou a totalidade dos atos praticados). Igual
intenção parece ter estado também na criação da inovadora figura do gestor
do processo.
c) A possibilidade consagrada no artigo 35º n.º 2 do RJPTC de serem ouvidos
na conferência de pais os avós ou outros familiares e pessoas de especial
referência afetiva para a criança. Anteriormente previa-se apenas que o juiz
pudesse determinar que os avós ou outros parentes da criança ou jovem
estivessem presentes na conferência que era realizada nos termos do artigo
175º da OTM.
d) O aproveitamento probatório das declarações da criança prestadas em
processo-crime (declarações para memória futura) ou em processo de
natureza cível (com respeito pelo princípio do contraditório), solução que
permitirá que a criança não tenha de ser ouvida sobre a sua situação familiar,
mais vezes do que seria desejável.
e) Muito embora já estivesse anteriormente prevista na OTM (artigo 154º) a
conexão entre os processos de promoção e proteção, tutelares cíveis e
processos tutelares educativos relativamente à mesma criança, o RGPTC
alargou agora também tal conexão ao processos de promoção e proteção que
corram termos nas CPCJ, que assim devem ser remetidos, com tal finalidade,
às secções de família e menores.
Embora coloquemos algumas reservas à eficácia pratica de tal solução, já que
poderá implicar para aquelas secções um aumento exponencial de serviço sem
simultâneo incremento de meios humanos e técnicos (quer ao nível das próprias secções
quer das equipas de assessoria técnica de apoio ao tribunal) parece-nos inegável que o
conhecimento mais completo da situação de cada criança, que aquela conexão
favorecerá, permitirá decisões mais e melhor ponderadas e conformes ao superior
42
interesse da criança, fim último da atuação a este nível. Igual objetivo terá estado
também na base da já referida criação da figura do gestor de processo.
2. A audição da criança
Para além daqueles objetivos que muito impacto se esperaria terem nas
regulações, inibições e limitações das responsabilidades parentais em contextos
familiares marcados pela violência doméstica, um outro princípio foi ainda mais
privilegiado e dinamizado com o RGPTC: o princípio da audição da criança. A
observância deste princípio nos moldes agora previstos constituirá, a nosso ver, um
instrumento marcante nos processos decisórios.
Na verdade, um dos caminhos a percorrer, e quiçá o mais importante, quer na
determinação do papel que cada um dos progenitores tem na vida da criança quer na
determinação dos fatores relativos a esta (designadamente, o seu grau de
desenvolvimento físico e psicológico, a integração no tecido social, nomeadamente,
escola, família alargada, núcleo de amizades, comportamento social, suas preferências e
capacidade de adaptação e socialização) é, precisamente, ouvir a criança.50
Defende
Paulo Guerra51
que as normas sobre a audição das crianças com vista a obter delas a sua
opinião sobre a matéria a apreciar e não para efeitos probatórios) deve ser respeitado
quer nos processos de divórcio sem consentimento convolados em divórcios por mútuo
acordo quer quando o Ministério Público (autoridade judiciária mencionada no artigo 5º
n.º 1 do RGPTC) aprecia os acordos relativos à regulação das responsabilidades
parentais que lhe são remetidos pelas Conservatórias do Registo Civil.
Antes da entrada em vigor do RGPTC a lei não definia a idade a partir da qual
era aconselhável o julgador ouvir o a criança/jovem, constituindo até então prática
corrente balizar nos 12 anos a idade mínima, embora sempre dependente da maturidade
que a criança demonstrasse para ser ouvida, para que dessa forma não se afetasse mais a
50O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a pugnar no sentido do reconhecimento ao menor, de um direito de participação nos procedimentos concernentes ao exercícios das responsabilidades parentais, mormente atinentes à fixação do regime
de visitas (cf. artigo 1.º, n.º 2 e 3º da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança e artigo 15.º, n.º 1, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Reconhecimento e a Execução de Decisões relativas à Guarda de Menores e sobre o Restabelecimento
da Guarda dos Menores, o Princípio 3 da Recomendação R 84 (4), de 28 de fevereiro de 1984, do Comité de Ministros do Conselho
de Europa, sobre responsabilidades parentais, o artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e o artigo 24.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 51Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 23, e-book disponível
em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf
43
sua vida do que aquilo que ela já é normalmente atingida pelo desacordo, por vezes
ódios e ressentimentos dos pais.
Seguindo a prática judicial e jurisprudencial consagrou-se, então, no artigo 35º
do RGPTC que «A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com
capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e
maturidade, é ouvida pelo tribunal (…) salvo se a defesa do seu superior interesse o
desaconselhar.»
O RGPTC é bem claro ao determinar no seu artigo 4º n.º 2 que para efeitos da
tomada de decisão sobre a pertinência da audiência da criança « (…) o juiz afere
casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em
discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica.»
A OTM previa já no seu artigo 175º a audição da criança contudo com as
alterações e especificações introduzidas pelo RGPTC nesta matéria cremos ter o
legislador contribuído de forma decisiva para o sucesso dos processos de regulação das
responsabilidades parentais prevendo, em simultâneo, procedimento com vista a
minimizar o inevitável impacto que a audição da criança em tribunal tem na sua vida,
sobretudo neste contexto.
Ainda assim não foi o legislador tão longe adotando soluções que, por exemplo,
Maria Clara Sottomayor 52
preconizava e que iam no sentido de a opinião da criança ser
obtida e trazida ao processo por um representante da criança, nomeado pelo Tribunal ou
escolhido por ela, prática que permitiria segundo aquela incontornável autora, assegurar
que os interesses dos pais, mormente económicos não se sobrepusessem aos interesses
da criança. Embora compreendendo o ponto de vista da autora, somos da opinião com
base nas funções que anteriormente já desempenhamos nesta tão particular área do
direito, que a presença e o efetivo controlo que o Magistrado do Ministério Público faz
quer nos processos de regulação das responsabilidades parentais quer nos processos de
promoção e proteção (impulsionando-os, controlando as decisões judiciais tomadas e
participando nas conferências e audiências realizadas neste âmbito) em nome do
interesse das crianças/jovens, cuja defesa lhe está estatutariamente acometida, torna
desnecessária a figura do representante do menor, em nada deixando por respeitar as
recomendações que constam designadamente da Convenção Europeia Sobre o Exercício
dos Direitos da Criança (Estrasburgo, 1996) e Convenção dos Direitos da Criança
(1989).
52Ob. cit. página 43
44
Encontramos também quem defenda, como é o caso de Maria Beatriz de Fragoso
Neves Batista 53
que o RGPTC não devia prever, como faz no seu artigo 5º alínea b),
que os advogados possam formular perguntas à criança já que «(…) se o objetivo é
deixar a criança o mais confortável possível, para evitar efeitos secundários hostis, o
facto deste RGPTC deixar plasmado em letra de lei uma margem para que os advogados
possam formular perguntas é, consequentemente, inverter a lógica que se pretende
atingir. É dar espaço para perguntas cruzadas, confusas, ambíguas, sinuosas, com vista a
obter as respostas mais favoráveis da criança para os seus clientes.».
Nesta matéria, defende Paulo Guerra54
que «(…) a audição da criança para
livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art.5º), não está sujeita às regras enunciadas
no n.º 6 e 7, do mesmo art.5º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz,
com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante
registo áudio ou áudio visual.». Assim, a não presença do advogado na audição da
criança ou do jovem para efeitos probatórios, constituirá, como bem salienta, uma
nulidade processual. E assim entende, explica, porque a criança tem direito, no livre
exercício do seu direito de opinião, a escolher entre falar ou não falar sobre a matéria e
o direito de contactar, confidencialmente, a CPCJ, o Ministério Publico, o Juiz e o seu
advogado (artigo 58º n.º 1 alínea g) da LPCJP) direito que considerada extensível a
todas as crianças (e não só àquelas que se encontram em situação de acolhimento) por
força da conjugação dos artigos 4º e 33º do RGPTC.
Não podemos deixar de concordar com tais posições embora entendamos
defensável que, mesmo na audição da criança para efeitos probatórios (e tendo em conta
o fim último de proteção do seu bem estar e do seu superior interesse) o contraditório
das partes se encontraria assegurado através do registo áudio ou audiovisual (de
preferência este) da diligência em que a criança foi ouvida, registo esse que aliás está
previsto no já mencionado artigo 5º n.º 7 alínea c) do RGPTC. Claro que está que a
solução mais adequada seria munir as secções de família e menores de infraestruturas
que permitissem aos advogados das partes verem e ouvirem em tempo real as
declarações prestadas pela criança ou jovem (nomeadamente, através de salas ou
53Do (in) cumprimento do exercício das responsabilidades parentais, Os comportamentos de alienação parental, no contexto do Novo Regime Geral do processo Tutelar Cível, Dissertação apresentação à faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no
âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-
Forenses, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2016). 54Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 23, e-book disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.
45
gabinetes dotados de equipamentos semelhantes àqueles que existem para os
reconhecimentos pessoais em processo crime e sistema de áudio) formulando, através
do juiz (e sem que a criança disso se apercebesse) as perguntas e pedidos de
esclarecimento que entendessem pertinentes.
Do que assim vem dito e da análise atenta do texto da lei, retira-se que a audição
da criança prevista nos artigos 4º e 5º do RGPTC visa, então, duas finalidades distintas:
uma finalidade probatória, como meio de aquisição de prova e a finalidade de munir o
julgador das opiniões, sentimentos e perceções da criança face à sua realidade familiar.
Como nos ensina Paulo Guerra 55
ao contrário do que acontece com a audição da criança
com vista a que esta possa exprimir a sua opinião, diligência que é obrigatória nos
termos previstos no artigo 35º alínea b) do RGPTC, a audição da criança para efeitos de
prova já não o é, podendo ser determinada pelo tribunal a requerimento ou
oficiosamente, sempre que o seu interesse o aconselhar, devendo ser atendida nos
termos do artigo 413º do Código de Processo Civil.
Conforme já salientamos, podem ser consideradas como meio de prova no
processo tutelar cível as declarações para memória futura prestadas pela criança em
processo-crime, assim como aquelas que por ela tenham sido produzidas em processo
de natureza cível perante o juiz ou o Ministério Público, com respeito pelo
contraditório.
Saliente-se, quanto a esta matéria que caso venha ser proferida em Portugal
sentença quanto à regulação das responsabilidades parentais com preterição
(injustificada e não fundamentada) da audição da criança, ela não será reconhecida
noutro qualquer Estado Membro, atenta a nulidade processual de que padece.
55Família e Crianças: As Novas Leis: Resolução de Questões Práticas, Centro de Estudos Judiciários, página 21 e 22, e-book disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf.
46
47
CAPITULO III
Os critérios que maioritariamente presidem às decisões de regulação das
Responsabilidades Parentais na prática judiciária – análise crítica.
As responsabilidades parentais são um «um efeito da filiação (artigo 1877º e
seguintes do C.C.), uma forma de suprimento da incapacidade dos menores (...) Uma
situação jurídica complexa, em que avultam poderes funcionais, ao lado de puros e
simples deveres. Não um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício
livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo
altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do
direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do
filho, com vista ao seu desenvolvimento integral. (...) Conclui-se, em síntese, pelas
seguintes características do poder paternal: é de ordem pública (...) é um poder de
proteção (...) é irrenunciável (...) não é intangível (...)» 56
O direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (cf. artigo 36º,
n.º5, Constituição da República Portuguesa) é um direito-dever legalmente estabelecido,
tal como todos os poderes – deveres, ou poderes – funcionais, fundamentalmente, no
interesse pessoal e patrimonial dos filhos menores não emancipados, não constituindo
um puro direito subjetivo dos pais.
As responsabilidades parentais configuram-se, assim, como um conjunto de
faculdades cometidas legalmente aos pais “no interesse dos filhos”, em ordem a
assegurar convenientemente o seu sustento, saúde, segurança, educação, a representação
da sua pessoa e a administração dos seus bens (cf. artigo 1878.º do Código Civil).
Ao nível do direito constitucional, a Constituição da República Portuguesa
estabelece princípios jurídico-constitucionais que estruturam as diretrizes normativas de
proteção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos
fundamentais dos pais – direito à educação e manutenção dos filhos – só podem ser
restringidos em situações especialmente previstas na lei, sempre em prol da defesa dos
direitos fundamentais da criança e sempre sujeitos às exigências da proporcionalidade e
da adequação (cf. artigos 18.º, n.º2, 36.º, n.º6, 67.º, 69.º e 70.º CRP).
56ARMANDO LEANDRO, “Poder paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”,
Separata do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, pág. 119 e seguintes.
48
Não significa isto que deles se retire a ideia de uma proteção ou prevalência,
absoluta da família biológica, como melhor se analisa no acórdão da Relação do Porto
de 22 de Setembro de 2009 onde se pode ler que «(…) Deve assim considerar-se que o
direito dos pais à manutenção e educação dos filhos é um direito que apenas tem
conteúdo e pode ser exercido na dimensão do dever correspondente e do direito dos
filhos ao seu bem-estar. Assim, sempre que os pais, por ação ou omissão, não cumprem
com o seu dever e com o direito dos filhos, são eles próprios a colocarem em causa a
possibilidade de exercerem o seu direito a manterem os filhos consigo.»57
Na verdade, ao contrário do que acontecia no poder paternal do primitivo Direito
Romano (patria potestas) as responsabilidades parentais atualmente não mais consistem
num poder exclusivo e absoluto do pater famílias sobre o filho, que lhe permitia
abandoná-lo, expô-lo e até dispor da sua vida.
Assistiu-se historicamente a uma deslocação progressiva do enfoque do poder
paternal das pessoas dos pais para as pessoas dos filhos, passando o interesse destes a
constituir o critério, o limite e a ratio essendi daquele poder. A criança/jovem deixou de
ser visto como objeto de direitos, para passar a ser visto como sujeito de direitos.
As responsabilidades parentais (outrora poder paternal) surgem como um
"conjunto de poderes-deveres, como uma situação jurídica complexa em que avultam
poderes funcionais, que devem ser exercidos altruisticamente, no interesse do filho, de
harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção
e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu harmonioso e integral
desenvolvimento físico, intelectual e moral" 58
As responsabilidades parentais são pois "(…) uma constelação de direitos e
deveres , dos pais e dos filhos, e não um simples direito subjetivo dos pais perante o
Estado e os filhos"59
Como deixamos antever, "o exercício do poder paternal não é livre, mas
vinculado e controlado, definindo a lei um quadro de proteção do menor contra os
próprios progenitores, mediante a possibilidade de os limitar ou mesmo inibir do
respetivo exercício". Numa palavra, o poder paternal não é intangível, estando sujeito
ao controlo judiciário, quando tal se justifique, o que leva Carbonnier a falar de uma
57Acórdão da Relação do Porto de 22 de Setembro de 2009 (proc. 5698/05.0TBSTS-A.P1), disponível em www.dgsi.pt. 58Cf. artigos 1874º,1878º,1882º,1885º e seg. e 1997º, todos do CC. (3) Parecer n.º 8/91 da Procuradoria-Geral da República, in DR II Série, de 18/9/92, p.46; (4) Armando Leandro, «Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitação. Algumas reflexões da
prática judiciária», Temas de Direito da Família, ciclo de conferências no conselho distrital do Porto da Ordem dos Advogados,
Livraria Almedina, Coimbra, 1986, p. 119 e 121). 59 VITAL MOREIRA E GOMES CANOTILHO, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed,. pág. 222.
49
relação triangular, pois o Tribunal como que se insere na relação bilateral pais-filhos. 60
61
A intromissão do Estado no âmbito das relações parentais está estritamente
subordinada à salvaguarda dos interesses das crianças/jovens, designadamente nos casos
em que se apresentam maltratados ou negligenciados por forma a pôr em risco a sua
saúde, segurança, formação, educação e desenvolvimento físico e psíquico. Nesses
casos, a atuação interventora fica subordinada ao superior interesse da criança.
É incontestável que a lei protege e tutela a família natural, (cf. artigos 67º, 68º e
36º da CRP), reconhecendo aos pais «o direito e o dever de educação e manutenção dos
filhos», bem como que a criança não deve ser separada de seus pais contra a vontade
destes, salvo se tal separação se mostrar necessária ao interesse superior da criança, ( tal
decorre do nº 6 do art.º 36º da CRP e do disposto no artigo 9º, nº 1 da Convenção dos
Direitos da Criança.
Assim, quer porque decorre daquela norma de direito internacional, quer porque
está consagrado no diploma fundamental de direito interno, a CRP, é consentida a
separação da criança dos seus pais quando estes não cumpram os seus deveres
fundamentais enquanto progenitores.
Para além da legislação constitucional supra mencionada, avultam, ainda,
relacionadas com os direitos das crianças, múltiplas Convenções e legislação avulsa que
desde o dealbar do século passado tem reconhecido que a criança/jovem, pela
especialidade da sua situação face ao adulto, tem direito a uma proteção especial que lhe
preserve o seu futuro e o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade,
congregando-se essa ideia na expressão “superior interesse” da criança.
Entre esses vários instrumentos jurídicos, será de realçar a CDC, espelhando os
artigos 3.º, n.º1 e 9.º, n.º1 e 3, o princípio de que todas as decisões adotadas, mormente
por tribunais, se regem primacialmente pelo interesse superior da criança e que esta não
será separada dos pais contra a vontade destas, salvo se as autoridades competentes
decidirem (sem prejuízo de revisão das decisões) que essa separação é necessária no
interesse superior da criança. Mas também, e exemplificativamente:
-Convenção da Haia sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, de
25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto n.º 22/83, de 11 de Maio;
60Parecer n.º 8/91 da PGR 61ARMANDO LEANDRO, ob. cit., p. 122.
50
-Anexo à Recomendação n.º R (84) sobre as responsabilidades parentais
(adotada pelo Comité de Ministros do Conselho de Ministros do Conselho da Europa
em 28/09/1984), Princípio 2, do qual emerge o interesse da criança/jovem como leit
motiv de toda a regulação da intervenção estadual, bem como a submissão do poderes-
deveres que enformam as responsabilidades parentais àquele princípio;
-Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à
execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de proteção
das crianças, adotada na Haia em 19 de outubro de 1996, aprovada pelo Decreto n.º
52/08, de 13 de novembro;
-Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003,
relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria
matrimonial e em matéria de responsabilidade parental;
-Recomendação da Comissão Europeia 2013/112/eu de 20/2/2013;
No que concerne à lei ordinária portuguesa, os artigos 1901.º a 1920.º-A, do CC
regulam a matéria do ainda ali chamado poder paternal, sem olvidar a específica
regulação prevista no Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Assim, resulta do artigo 1906.º, n.º 1, do CC (aplicável por força do disposto no
artigo 1909.º do mesmo código) que quando os pais da criança/jovem se encontrem
separados e não alcancem entre si um acordo sobre a forma como o exercício das
responsabilidades parentais há-de decorrer, cabe ao tribunal regulá-lo de harmonia com
os interesses da criança/jovem, nos termos do artigo 1906.º, n.º 7, do CC.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais definirá, no essencial,
e tendo em conta o superior interesse da criança, a residência da criança/jovem, o
regime de visitas do progenitor a quem esta não tenha sido confiada (progenitor não
guardião) e o regime de prestação de alimentos.
A sentença a proferir, no que ao exercício das responsabilidades parentais diz
respeito, deverá ter, assim, como fio-de-prumo o superior interesse da criança,
conforme, aliás, resulta do já mencionado artigo 3º do texto da CDC.
Ora, dispõe o artigo 1905º e sg. do CC- ex vi 1909º, do CC-, que “o destino do
filho, os alimentos a este devidos e forma de os prestar serão regulados por acordo dos
pais (...) Na falta de acordo, o Tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor,
51
incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não
seja confiado.”
Na verdade, a prossecução do interesse da criança/jovem, em caso de rutura da
relação dos progenitores, tem sido entendida em estreita conexão com a garantia de
condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o seu
desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente
oponham os progenitores e que possibilitem o desenvolvimento de relações afetivas
contínuas com ambos, em especial com o progenitor a quem não foi confiado.
O superior interesse da criança poderá até ditar, conforme decorre do artigo
1907.º do CC, “ (…) o filho pode ser confiado a terceira pessoa, por acordo ou decisão
judicial, ou quando se verifique algumas das circunstâncias previstas no art.º 1918.º”,
caso «(…) a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se
encontrem em perigo e não seja caso de inibição do exercício das responsabilidades
parentais(…)”.
Mas o que se deve entender por superior interesse da criança?
A delimitação deste critério de atuação do julgador assume extrema relevância
uma vez que o conceito “superior interesse da criança” não se encontra definido na lei,
sendo antes um conceito jurídico indeterminado a preencher atendendo ao caso
concreto.
Com efeito e como refere Maria Clara Sottomayor62
“A utilização deste conceito
pelo legislador permite uma extensão dos poderes interpretativos do juiz e confere-lhe o
poder de decidir em oportunidade. Este conceito, apesar de não ser definível, é dotado
de uma especial expressividade. É uma “noção mágica”, de força apelativa e tendência
humanizante. O interesse do menor, dado o seu estreito contacto com a realidade, não é
suscetível de uma definição em abstrato que valha para todos os casos. Este critério só
adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses
da criança como crianças. Caberá pois, em cada caso concreto (...) ao juiz, nos casos
litigiosos, concretizar o conteúdo do interesse daquela criança, cujo destino está em
jogo.»
Citando Hélene Gaudemet-Tallon e por essa via salientando que o recurso a um
conceito jurídico indeterminado revela por parte do legislador a admissão da
incapacidade de o texto legal apreender o fenómeno familiar na sua infinita variedade e
62 MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, Lisboa, Almedina, Coleção: Monografias, 2016, página 38.
52
imensa complexidade», defende Maria Clara Sottomayor63
uma solução que aproxime a
nossa legislação do sistema legal inglês de enunciação de uma lista de fatores a serem
obrigatoriamente levados em consideração pelo julgador. Tal solução, segundo esta
autora, diminuiria a arbitrariedade das decisões e permitiria, através do recurso, um
melhor e mais eficaz escrutínio das partes relativamente às decisões tomadas.
Na ausência de critérios legalmente explanados têm vindo os nossos tribunais a
inspirar-se largamente nos ensinamentos de Maria Clara Sottomayor, utilizando e
adaptando os critérios por ela encontrados para se chegar à solução que melhor espelhe
o superior interesse da criança em cada caso concreto.
Um dos pontos essenciais a avaliar será, compreensivelmente, procurar
determinar qual dos progenitores desavindos garante de forma mais eficaz (sustentada e
equilibrada) a vida, a saúde física ou mental dos filhos, a sua segurança, educação, são
desenvolvimento moral e intelectual e aquele que com eles vinha estabelecendo, ao
longo da vida conjunta, uma maior e compensadora vinculação afetiva, mostrando-se
física e psicologicamente presente e empenhado na vida das suas crianças.
Por outras palavras, será fulcral definir qual dos progenitores assume, em relação
à criança o papel de “figura primária de referência”.64
A subjetividade da decisão do julgador aumenta exponencialmente quando
ambos os pais, ainda que de forma diferente, se posicionam equitativamente quanto ao
filho relativamente àqueles aspetos, pois que a existência de um progenitor ausente
(física e/ou mentalmente), displicente ou abusador da existência física e emocional do
criança/jovem, redundam numa decisão judicial de contornos menos difíceis.
Outros aspetos serão ainda levados em linha de conta pelo julgador e, de forma
necessária, subjetivamente valorados por este, como seja o estilo de vida de cada um
dos progenitores, a sua situação financeira, a atividade profissional dos progenitores e
tempo livre disponível para as crianças, condições geográficas (proximidade da escola,
e da habitação do outro progenitor e de outros elementos da família alargada que façam
normalmente parte da vida da criança) e estruturais da habitação, a existência de outros
irmãos etc.
63Ob. cit., página 33. 64Ob. cit. pág. 39.
53
Relativamente aos sobreditos critérios e à vantagem que decorreria da
aproximação, nessa matéria, do regime jurídico português ao sistema legal inglês
ousamos defender posição diversa de Maria Clara Sottomayor.
Na verdade, por um lado, fomos percebendo pela prática judiciária, que a
realidade tende normalmente a ultrapassar a criação legislativa (como segundo aquela
autora o próprio legislador terá admitido), gerando o decorrer dos anos e o
desenvolvimento das sociedades a necessidade de ir considerando outros
fatores/critérios que antes não eram valorados pelo julgador ou que não eram valorados
da forma que a concreta época da tomada de decisão impõe.
A este propósito e debruçando-se sobre a constante necessidade de o julgador
adaptar os critérios ao decorrer do tempo e desenvolvimento societário veja-se, a título
de exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2013 no qual se
afirma «A necessidade de constante mudança dos pais e das famílias mercê da recente
crise económica que se associou à já velha crise social e institucional, a globalização a
proximidade entre as cidades (no nosso caso em resultado de novas e múltipla estradas e
auto estradas e scuts) e entre os países em resultado das viagens low cost, alteraram
definitivamente o que se tinha assente como padrão de vida familiar ideal.
Dir-se-ia até, que se torna fundamental educar os filhos com essa plasticidade
que lhes permitirá resistir às mudanças que no futuro provavelmente enfrentarão,
habilitando-os com competências de independência e de adaptação.
Daí que esse conceito tão querido dos nossos tribunais que é de preservar a
«estabilidade existente» deva ser entendido de modo não restritivo, em nossa
opinião.»65
De um outro prisma, cremos que a criação e desenvolvimento doutrinários e
judiciais de critérios que norteiem a tomada de decisão do julgador em sede de
regulação do exercício das responsabilidades parentais tem respondido de forma
bastante satisfatória e eficaz à necessidade de orientação que a tomada de posição do
julgador nesta matéria exige.
Não ignoramos que a fixação legislativa dos critérios a adotar pelo legislador
diminuiria, naturalmente, a subjetividade das decisões do julgador. No entanto, não
cremos que a diminuísse de forma tão sensível ou relevante como pretende aquela
autora, porquanto sempre o julgador teria de colocar o seu cunho pessoal, a sua
experiência de vida na forma como valoraria cada um dos critérios fixados por lei, cuja
65Processo n.º 5358/11.3TBSXL-8, disponível em www.dgsi.pt.
54
consideração naturalmente não se poderia reduzir a uma simples operação aritmética de
soma de fatores.
Acreditamos, por isso, que a fixação legislativa de critérios orientadores para a
tomada de decisões relativas às regulações das responsabilidades parentais, não traria
nenhuma mais-valia suficientemente significativa, nomeadamente ao nível do escrutínio
das decisões, que justificasse uma alteração nesse sentido.
55
CAPITULO IV
A Regulação das Responsabilidades Parentais (provisória e/ou definitiva)
num contexto de violência doméstica – análise critica.
Efetuada esta breve abordagem aos critérios que têm vindo a nortear os nossos
tribunais na incessante procura de aproximação das decisões judiciais ao interesse das
crianças envolvidas, importa agora procurar definir, na medida do possível, os aspetos a
considerar na regulação das responsabilidades parentais sobre uma criança inserida num
contexto de violência doméstica entre os progenitores.
Neste particular contexto, importa nunca esquecer que a família é o núcleo de
desenvolvimento pessoal da criança, é o local onde vive as experiências e adquire
conhecimentos que irão marcar o seu desenvolvimento e definir a sua identidade pessoal
os quais terão evidentes reflexos na gestão de afetos, de conflitos, de resposta às
adversidades que terão de enfrentar na vida adulta.
A família e os progenitores da criança são ou deverão ser o refúgio privilegiado
da criança, o “ninho” onde sempre deverão poder regressar quando se sentirem
atemorizados e ameaçados.
No entanto, paradoxalmente, pode ser também no seio familiar que a criança se
depara com as maiores e mais marcantes ameaças à sua existência física e psicológica,
sorvendo nele experiências tão marcantes que podem modificar para sempre a sua vida,
deixando marcas irreparáveis na sua existência enquanto ser humano.
E tais vivências assumem contornos ainda mais perniciosos não só porque
normalmente ocorrem em espaços fechados ao olhar e ajuda de terceiros mas também e
sobretudo por se ver a criança na dupla e dolorosa necessidade de se salvaguardar e ao
mesmo tempo acorrer ao salvamento de uma das figuras essenciais da sua vida,
normalmente a mãe, como nos vêm demonstrando os dados estatísticos recolhidos.
A par desta vivência presente da criança tão marcante a nível do seu
desenvolvimento físico, mental e emocional temos a mais que provável assunção da
violência como um elemento normal na vida conjugal, no relacionamento social entre
pares que vai definir o adulto que teremos amanhã.
56
Segundo Sani66
«a violência doméstica ao transfigurar o lar num ambiente
perigoso e inesperado cria para a criança um mundo confuso, assustador e pouco
seguro. A proximidade da experiência e relacional aos intervenientes, bem como, a
importância que aquele contexto possui para o desenvolvimento da criança e jovem, são
razões bastante evidentes para se compreender o motivo desta sofrer mais com o
testemunho de violência entre os pais do que os conflitos entre outros adultos»
De entre os vários e já mencionados instrumentos legislativos europeus que, por
via destas constatações, se debruçaram sobre o fenómeno da violência doméstica e
sobre os seus reflexos na vida das crianças envolvidas, salientamos, pela importância
que assume, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à
Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de
Istambul de 11 de Maio de 201167
.
O texto desta Convenção recomenda, para além do mais, quanto a esta matéria
que os Estados parte deverão:
-« (…) adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para
que os direitos e as necessidades das crianças testemunhas de todas as formas de
violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção sejam
devidamente tidos em conta na prestação de serviços de proteção e apoio às vítimas»
(artigo 26º);
-« (…) adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para
assegurar que os incidentes de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação da
presente Convenção sejam tidos em conta na tomada de decisões relativas à guarda das
crianças e sobre o direito de visita das mesmas (…)» (artigo 31º n.º 1)
-« (…) adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para
assegurar que o exercício de um qualquer direito de visita ou de um qualquer direito de
guarda não prejudique os direitos e a segurança da vítima ou das crianças.» (artigo 31º
n.º 2)
Ora, tendo por base os considerandos e referências legislativas que efetuamos, e
chamando novamente à colação os critérios orientadores doutrinária e judiciariamente
66 Citado por TÂNIA SOFIA DE SOUSA, Os filhos do silêncio: crianças e jovens expostos à violência conjugal – um estudo de
casos, Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social, no Curso de Mestrado em Riscos e Violência(s) nas Sociedades Actuais: Análise e Intervenção Social, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias,
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2013
(file:///C:/Data/MP01537/Desktop/Universidade%20do%20Minho/T%C3%A2nia_Sousa_Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf. 67 Aprovada em Portugal pela Resolução da AR n.º 4/2013, de 21 de Janeiro.
57
adotados, cremos estarem reunidas as condições para partindo de um caso concreto
lançar algumas questões relativas à regulação do exercício das responsabilidades
parentais em contexto de violência doméstica e procurar dar-lhes a nossa resposta
possível.
Atentemos, então, na primeira realidade factual (dada como provada em sede de
sentença condenatória ainda não transitada em julgado) que aqui nos propomos analisar
e que conduziu à condenação do arguido, para além do mais (que extravasa o objeto
deste relatório), nas seguintes penas principais e acessórias:
-pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo
152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal:
a) na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução
por igual período estando tal suspensão sujeita a Regime de Prova e,
concomitantemente, ao cumprimento pelo arguido das seguintes obrigações: frequentar
o Programa de Prevenção de Violência Doméstica, ministrado pela DGRSP, com
acompanhamento da sua execução pela mesma entidade e pagar à demandante, no prazo
de 15 (quinze) meses a contar do trânsito em julgado da presente sentença,
comprovando documentalmente nos autos nesse prazo, nos termos prescritos nos artigos
50.º, 52.º, n.º 1, al. b), 53.º e 54.º, todos do Código Penal.
b) na pena acessória de proibição de uso e porte de armas prevista no artigo
152.º, n.º 4, do Código Penal pelo período de 2 anos e 6 meses;
-pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo
artigo 86º n.º 1 alínea c) da lei 5/2006 de 23 de Fevereiro na pena de 180 dias de
multa à taxa diária de € 6, que perfaz um total de € 1.080.
«1. A ofendida AR residiu com o arguido AM durante cerca de 5 anos, como se
fossem marido e mulher em comunhão de cama, mesa e habitação, residindo o casal na
Travessa (…), Amarante, área desta Comarca de Porto Este.
2. Desta relação entre o arguido e a ofendida nasceram as filhas MM no dia 03
de Julho de 2012 e a BM no dia 16 de Setembro de 2013.
58
3. Em data não concretamente apurada, mas logo após o nascimento da filha
MM a ofendida disse ao seu companheiro que não queria ficar tanto tempo sozinha em
casa e que queria ir para casa dos seus pais.
4. Porque o arguido não aceitou tal decisão agarrou a ofendida por um braço e
empurrou-a contra a parede.
5. Com tal conduta, o arguido causou à ofendida AR, direta e necessariamente,
dores e lesões de natureza e extensão não concretamente apuradas em virtude de não ter
recorrido a tratamento hospitalar.
6. Igualmente, em data não concretamente apurada, em Março de 2014, quando
a MM tinha apenas 6 meses de idade, o arguido regressou a casa do café completamente
embriagado, após ter passado toda a noite fora de casa sem avisar a ofendida, gerando-
se uma discussão entre o casal, tendo este dirigido à ofendida as seguintes expressões:
“puta, vaca, filha da puta” e desferiu um murro na porta do guarda-fatos do quarto
partindo a almofada da porta.
7. No seguimento da referida discussão o arguido pegou na filha MM e veio
para a rua com a filha nos braços para impedir que a ofendida saísse de casa só tendo
entregue a filha à ofendida com a intervenção da GNR que esta, assustada, chamou ao
local.
8. Por diversas vezes, o arguido, na sequência de discussões que então mantinha
com a ofendida, colocou-a fora de casa, sem as filhas, impedindo-a de entrar e dizendo-
lhe, para além de mais, que a casa e o carro não eram dela e que a sua família não tinha
nada.
9. Ademais, com uma regularidade quase diária o arguido iniciava discussões
com a ofendida apelidando-a de “puta”, “vaca”, “cabra” e dizendo-lhe “não vales nada”,
e por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, designadamente no dia 18
de Novembro de 2015, o arguido disse à ofendida que quem mandava era ele e que ela
fazia apenas aquilo que ele queria.
10. Em data não concretamente apurada mas no decurso do mês de Outubro de
2015, uma vez mais no decorrer de uma discussão, o arguido pegou num prato e atirou-
o contra a banca da cozinha onde se partiu.
12. Com tais condutas, o arguido causou à ofendida direta e necessariamente
dores e lesões de natureza e extensão não concretamente apuradas em virtude de esta
não ter recorrido a tratamento hospitalar.
59
13. Igualmente em data não concretamente apurada, mas quando a sua filha BM
tinha apenas 1 mês de idade e a ofendida estava com ela ao colo, o arguido irritado
porque a Beatriz chorava muito, disse à ofendida para que tratasse da filha, que era para
isso que ela ali estava tendo-a, então, empurrado contra a cama onde a ofendida veio a
cair com a filha ao colo não tendo a bebé caído ao chão devido à rápida intervenção
desta que a agarrou.
14. Ademais, no decorrer dessa discussão, o denunciado disse à ofendida em tom
sério e ameaçador “mato-te a ti e a qualquer um”.
15. No dia 19 de Novembro de 2015, de manhã, o arguido voltou a dirigir à
ofendida, em tom sério e ameaçador “mato-te a ti e a qualquer um”.
16. As acima mencionadas palavras proferidas pelo arguido, conjugadas com o
tom sério e ameaçador com que as mesmas foram proferidas, assim anunciando a sua
intenção de atentarem contra a vida da ofendida, provocaram nesta intranquilidade e
medo de que o arguido viesse efetivamente a concretizar tal intenção.
17. No dia 18 de Novembro de 2015, cerca das 18 horas e 30 minutos, o arguido
iniciou uma discussão com a ofendida e empunhando uma faca de cozinha na mão,
ordenou-lhe que fosse fazer o jantar, desferindo-lhe, sem mais, um estalo na face do
lado esquerdo.
18. Após, como a ofendida reagiu dizendo-lhe: “estás parvo Toni” o arguido
desferiu-lhe outro estalo, desta vez no lado direito da face, ao mesmo tempo que lhe
dizia que a partir de agora seria assim e que a ela teria que fazer o que ele mandasse.
19. Não satisfeito, e após ter questionado novamente a ofendida sobre o jantar, o
arguido agarrou-a e empurrou-a contra um móvel da habitação, só a tendo largado
quando a filha de ambos, MM, de apenas 3 anos de idade, se colocou entre ambos,
pedindo ao pai para largar a mãe, o que ele fez.
20. A ofendida, assustada, subiu as escadas em direção a um dos quartos, tendo
o arguido ido no seu encalce e agarrado a mesma pelo “rabo-de-cavalo”, puxando-a, ao
mesmo tempo que lhe dizia em tom sério “ficas a saber que a tua vida é isto despacha-te
e vai mudar a tua filha”.
21. A ofendida fugiu, então, para outro quarto para onde o arguido a seguiu e
começou a bater-lhe utilizando para o efeito um guarda-chuva com que previamente se
havia munido, atingindo-a várias vezes nas costas onde o veio a partir.
60
22. Nessa altura, com medo e porque a filha BM tinha ido atrás de si para o
quarto, a ofendida agarrou-a e encolheu-se sobre ela, enquanto o arguido lhe batia com
o guarda-chuva.
23.A ofendida conseguiu, então, fugir para o exterior da residência seguida pelas
filhas que choravam, tendo-se dirigido ao carro do denunciado procurando o telemóvel
para ligar à G.N.R. a pedir ajuda.
24. Quando já se encontrava fora de casa, o arguido que a tinha seguido,
agarrou-a pelo pescoço, apertando-o e empurrou-a contra um tanque que aí se
encontrava.
25. Ao aperceber-se da presença da vizinha E, o arguido largou a ofendida,
voltou para dentro de casa e da varanda disse para a ofendida “tens 5 minutos para
voltar para dentro ou mato-te”.
26. A ofendida aproveitou a ocasião e fugiu para um estabelecimento comercial
nas imediações da habitação, onde se escondeu, vindo posteriormente a ser acolhida
pelos pais do arguido, em casa de quem pernoitou.
27. Ao atuar do modo descrito em 18. a 24. o arguido quis e provocou na
ofendida equimose arroxeada no pescoço localizada na região do ângulo mandibular
esquerda com 3 cm de maior diâmetro, área de escoriação avermelhada, localizada na
face lateral esquerda do terço superior com 3 cm por 3 cm de maiores dimensões; uma
equimose de coloração arroxeada localizada na região omoplata esquerda com 5 cm de
maior diâmetro, no abdómen: equimose de coloração amarelo-arroxeada localizada na
região da fossa ilíaca esquerda com 4 cm de maior diâmetro; no membro superior
direito: escoriações avermelhadas, lineares de pequenas dimensões nos dedos; no
membro superior esquerdo: escoriações avermelhadas, lineares de pequenas dimensões
nos dedos e equimose de coloração arroxeada, localizada na face posterior do terço
médio com 8cm de maior diâmetro, das quais resultaram 8 dias para a cura, sem
afetação da capacidade de trabalho.
28. No dia 19 de Novembro de 2015, cerca das 07 horas e 15 minutos, quando a
ofendida voltou a casa para se vestir e vestir as filhas, o arguido, que apenas pelas 08
horas e 30 minutos lhe abriu a porta de casa, disse-lhe “chamaste a guarda ficas a saber
que a partir de agora vais levar nas trombas todos os dias”.
29. No final do dia 19 de Novembro de 2015, após a ofendida ter saído do
trabalho e se ter dirigido a casa dos pais, o arguido ligou-lhe para o telemóvel e disse-
lhe “eu vou-te matar tu não me tiras as minhas filhas”.
61
30. Porque a ofendida lhe desligou a chamada e não atendeu as restantes
ligações que o arguido lhe fez, este telefonou ao irmão da ofendida a quem disse que
partiria tudo em casa e que a ofendida não lhe iria raptar as filhas.
31. Ao atuar do modo acima descrito o arguido pretendia provocar na ofendida
as lesões que efetivamente provocou, assim como maltratá-la psiquicamente,
amedrontando-a, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e perturbando-a,
bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como
provocaram, tanto medo e inquietação, como marcas físicas e psicológicas, que
afetaram a sua liberdade de atuação e o seu equilíbrio emocional, não se coibindo de o
fazer na presença das filhas.
32. Sabia ainda o arguido que não podia tratar a ofendida da forma como tratou e
que não tinha causa justificativa para o fazer, não ignorando demonstrar baixeza de
carácter, pretendendo e conseguindo o arguido humilhar a ofendida assustando-a e
conseguindo diminui-la no respeito que lhe era devido.
33. Acresce ainda que, no dia 21 de Novembro de 2015, cerca das 01h40m, na
sequência da busca efetuada à residência do arguido sita na Travessa (…) Amarante este
tinha à sua guarda e na sua posse:
a)Uma arma de ar comprimido, com um cano longo e de alma estriada, coronha
de madeira de cor castanha e cano de aço em cor preta, de calibre 4.5;
b)Uma caixa contendo várias munições de calibre 4.5;
c)Um instrumento de madeira, com cerca de 44,5cm de comprimento,
vulgarmente conhecido por taco de basebol;
d)Um pau com cerca de 53 cm de comprimento, com diâmetro da extremidade
inferior (moca), cerca de 8cm e 3 cm de diâmetro na extremidade superior
(empunhadura);
e)uma faca com lâmina de corte de 11cm;
f)seis cartuchos de caça calibre .12
g)uma munição de calibre .32
h)um fulminante.
34. O arguido não era titular de licença válida para uso e porte e/ou simples
detenção no domicílio de qualquer tipo de arma.
35. Ademais o arguido conhecia a natureza e características dos objetos referidos
em 33. alíneas c), d) e e) os quais apenas podem ser usados como instrumento de
62
agressão, bem sabendo que a posse não justificada dos mesmos lhe estava vedada por
lei.
36. Por outro lado, o arguido não possuía declaração aquisitiva da arma de ar
comprimido e respetivas munições, referidas em 33. a) e b), bem sabendo que a mesma
era obrigatória.
37. O arguido conhecia a natureza e características de todas as armas referidas
em 33., bem sabendo que a posse das mesmas, sem para estar devidamente autorizado,
lhe estava vedada por lei.
38.º Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo
que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.»
O AM veio a ser detido no dia 20 de Novembro de 2015 pelo Núcleo de
Investigação e Apoio de Vitimas Especificas na sequência de mandados de detenção
fora de flagrante de delito emitidos nessa mesma data pelo Ministério Público, tendo
então sido aplicadas ao AM em sede de primeiro interrogatório judicial
cumulativamente as seguintes medidas de coação:
-termo de identidade e residência;
-proibição de se aproximar da sua companheira AR, num raio de 300 metros;
-proibição de manter com a AR qualquer tipo de contato direto (seja escrito,
falado, por meio tecnológico ou informático), ambas fiscalizadas através de meios
técnicos de controlo à distância;
-obrigação de não adquirir não usar armas e de entregar todas as armas que tenha
em seu poder;
-obrigação de sujeitar-se a tratamento da dependência de álcool, nos moldes a
definir pela DGRSP.
Logo no dia 22 de Novembro de 2015, primeiro dia útil seguinte à realização do
primeiro interrogatório judicial de AM e da sua sujeição às descritas medidas de coação,
foi remetida à competente Instância de Família e Menores informação sobre a pendência
do inquérito n.º 963/15.1GBAMT, cópia da ata do primeiro interrogatório judicial e
expressa menção à necessidade de ser regulado o exercício das responsabilidades
parentais relativamente às crianças MM e BM.
63
Em conferência de pais realizada a 17 de Dezembro de 2015 no âmbito do
processo de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 2570/15.0T8PRD foi fixado,
por acordo obtido entre os progenitores, o seguinte regime:
(…)
RESIDÊNCIA: Fixa-se a residência das menores junto da sua progenitora, AR.
*
EXERCICIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS: As
responsabilidades parentais, relativas às questões de particular importância para a vida
das menores, serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, nos termos do
art.º 1906.º, n.º 1 C.C. (na redação da Lei n.º 61/2008, de 31/10), cabendo à progenitora
com quem as menores residem habitualmente, as decisões relativas aos atos da vida
corrente, nos termos do art.º 1906.º, n.º 3 do C. C. (na redação da Lei nº 61/2008, de
31/10).
*
VISITAS:
1. O progenitor poderá estar com as menores sempre que puder, sem
prejuízo das atividades escolares e de descanso das menores, a combinar com a
progenitora, com 24H00 horas de antecedência.
2. 2. As menores passarão fins de semana quinzenais com o progenitor,
devendo os avós paternos ir buscar as menores na sexta-feira ao infantário, no final das
atividades escolares, devendo os avós paternos entregá-las na segunda - feira no
infantário, no início das atividades escolares.---
3. As menores pernoitarão um dia por semana com o progenitor,
respetivamente de quarta-feira para quinta-feira, devendo os avós paternos ir buscar as
menores na quarta-feira ao infantário, no final das atividades escolares, devendo os avós
paternos entregá-las no dia seguinte (quinta-feira) no infantário, no início das atividades
escolares.---
4. Nos dias festivos relativos à véspera de Natal, dia de Natal, passagem de
ano e dia de ano novo, as menores passarão, alternadamente, com cada um dos
progenitores, a iniciar-se este ano a véspera de Natal com a progenitora, dia de Natal
com o progenitor, a passagem de ano com o progenitor e o dia de ano novo com a
progenitora.---
64
5. No dia de aniversário das menores, as mesmas tomarão, alternadamente,
uma das principais refeições com cada um dos progenitores.---
6. No dia de aniversário dos progenitores, as menores passarão o dia com o
progenitor homenageado, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso das
menores.---
7. No dia da mãe e no dia do pai, as menores passarão o dia com o
progenitor homenageado, sem prejuízo das atividades escolares e de descanso das
menores.
8.As menores passarão 15 (quinze) dias das suas férias escolares de Verão com o
progenitor, em períodos seguidos ou intercalados de 8 dias, a combinar com a
progenitora com 60 (sessenta) dias de antecedência.
(…)
Concedida a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público, o mesmo no
uso da palavra promoveu: " Por o antecedente acordo salvaguardar devidamente os
interesses superiores das menores (…), o Ministério Público nada tem a opor à sua
homologação."
*
Após, pela Mm.ª Juiz de Direito foi proferida a seguinte:
****************
S E N T E N ÇA
****************
Nestes autos de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, em
que é Requerente o Ministério Público em representação das menores e Requeridos,
(….), foi obtido acordo entre os progenitores sobre o exercício das responsabilidades
parentais das menores (…), nascida em 03-07-2012 e (…), nascida em 16-09-2013.
Quer pelo seu objeto, quer pela qualidade das pessoas que nele intervieram, quer
ainda por acautelar os interesses das menores e verificados os pressupostos dos artigos
1905.º e 1906.º do Código Civil, aplicáveis ex vi art.º 1911, n.º 2 do mesmo Código,
julgo válido o acordo celebrado, que homologo pela presente sentença,
condenando os progenitores a cumpri-lo nos seus precisos termos.
Custas por ambos os progenitores, em partes iguais (art.º 7º, n.º 1 e Tabela I do
RCP).
Nos termos do disposto nos art.º 303.º e 306.º do CPC, conjugado com o art.º
11.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/02, fixo
65
o valor da presente ação, para efeitos tributáveis, em €30.000,01 (trinta mil euros e um
cêntimo).
Oportunamente cumpra o disposto no art.º 78.º do C.R.C
Registe e notifique.
(…)
Vejamos então.
-Será aconselhável decidir, como aconteceu no referido processo, a fixação de
um exercício conjunto das responsabilidades parentais e um regime livre de visitas entre
progenitores marcados pela violência doméstica durante a coabitação ou após o fim
desta?
No que tange ao exercício das responsabilidades parentais relativamente às
questões de particular importância da criança/jovem estabelece o artigo 1906º n.º 1 do
CC sob a epígrafe «Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio,
separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento» o regime regra de que «As responsabilidades parentais relativas às
questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por
ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo
nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho,
devendo prestar informações ao outro logo que possível.».
Este não foi, contudo, o regime regra que sempre vigorou no nosso sistema
jurídico. Na verdade, antes da entrada em vigor da Lei 61/2008 de 31 de Outubro o
regime regra em vigor era o do exercício exclusivo do então poder paternal por parte do
progenitor a quem a guarda da criança tivesse sido confiada. Tal regime podia ser
afastado definindo-se, por acordo entre os progenitores, a partilha da totalidade do
exercício das responsabilidades parentais ficcionando-se que, quanto a este particular
aspeto, o matrimónio entre os pais se mantinha ou apenas quanto a determinados
assuntos definidos pelos progenitores da criança/jovem ou quanto à administração dos
bens deste.
O regime regra aplicável desde a entrada em vigor da Lei 61/2008 de 31 de
Outubro pode ser afastado, através de decisão fundamentada do Tribunal, quando o
66
exercício conjunto se mostrar contrário aos interesses da criança, podendo neste caso, o
exercício ser acometido apenas a um dos progenitores. (artigo 1906º n.º2 do CC).
Ora, cuidou o legislador de concretizar uma situação em que o estabelecimento
do regime regra (exercício conjunto por ambos os progenitores) se revela
presuntivamente contrário ao interesse da criança/jovem.
Referimo-nos precisamente às situações de violência doméstica.
Na verdade, estabelece o artigo 40º n.º 9 da Lei 141/2015 de 08 de Setembro
(RGPTC) que para efeitos de vir a ser decidido, nos termos do n.º 9 desse mesmo
normativo, que o exercício das responsabilidades parentais relativamente a questões de
particular importância na vida do filho caiba em exclusivo a um dos progenitores se
presume «(…) contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das
responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena
acessória de proibição de contacto entre os progenitores».
Com bem salienta Ana Massena 68
«(…) a interpretação que fazemos dos n.ºs. 8
e 9 do art.º 40.º do RGPTC, leva-nos a concluir que o legislador do RGPTC quis realçar
a importância que uma situação daquela natureza pode ter na decisão quanto ao
exercício das responsabilidades parentais, podendo, até, determinar a sua fixação em
exclusivo por um dos progenitores, contrariamente à regra geral do art.º 1906.º n.º 1 do
Código Civil, por se presumir aquela situação contrária à defesa do superior interesse da
criança.»
Embora o texto normativo deste artigo 40º não seja totalmente inequívoco,
cremos que a medida de coação a que o legislador nele se refere não será apenas aquela
que implica a proibição de contatos entre o agressor e vitima, progenitores da criança.
Neste sentido, Ana Massena 69
esclarecendo que «No que concerne à questão da
natureza da medida de coação cujo decretamento é aludido no n.º 9 do art.º 40.º do
RGPTC, afigura-se-nos que, em ambas as situações previstas – aplicação de medida de
coação ou pena acessória – a intenção do legislador terá sido a de equacionar a situação
que implica restrição/proibição de contactos entre os progenitores.
E se, quanto à pena acessória, esta leitura resulta clara, em relação à aplicação da
medida de coação é certo que podem surgir algumas dúvidas.
68 e 62 “ Família e Crianças: As Novas Leis, Resolução de Questões práticas, Coleção Formação Contínua, e-book CEJ disponível
em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_familia_criancas_as_novas_leis_resolucao_questoes_praticas.pdf)
67
Contudo, em nosso entender, o elemento literal da norma não afasta a
interpretação acima referida, antes o reforça e, por outro lado, mostrar-se-ia desajustada
ee
Enquanto presunção legal, partiu aqui o legislador, nos termos do artigo 349º do
CC, de dois factos conhecidos, a existência da suspeita fundada da prática de um crime
de violência doméstica por parte de um dos progenitores em relação ao outro ou a sua
condenação (transitada em julgado) pela prática deste crime e a aplicação ao progenitor
agressor de uma medida de coação de afastamento ou a sua condenação, para além do
mais, numa pena acessória de proibição de contacto para afirmar/concluir um facto
desconhecido: que qualquer uma dessas situações (aplicação de medida de coação ou
condenação em pena acessória de proibição de contactos) desaconselha, na perspetiva
da resposta ao superior interesse da criança, o estabelecimento do regime regra de
exercício comum das responsabilidades parentais.
Trata-se, contudo, de uma presunção ilidível (artigo 350º do CC). Ou seja, o
tribunal em caso de suspeita da prática do crime de violência doméstica e aplicação de
medida de coação de proibição de contacto ou em caso de condenação pela prática de
tal ilícito pelo menos na pena acessória de equivalente conteúdo, pode optar pelo regime
de exercício em comum das responsabilidades parentais se os elementos de prova
coligidos demonstrarem que, apesar daquelas circunstâncias, o interesse superior da
criança continua assegurado com a opção por tal solução.
O estabelecimento desta presunção legal ilidível corresponde, em nosso
entender, a uma visão atualista e prática do legislador face ao complexo fenómeno da
violência doméstica.
Contudo, nem sempre esta solução legislativa tem encontrado eco nas decisões
dos nossos tribunais que optando por aplicar naqueles casos o regime de exercício
comum das responsabilidades parentais não cuidam de justificar o afastamento da
presunção legal estabelecida no artigo 40º n.º 9 do RGPTC, abstendo-se até de realizar
prova que demonstre que apesar do cenário de violência doméstica que indiciariamente
(em fase de inquérito criminal e até trânsito em jugado da decisão final) ou efetivamente
(já após transitada em julgado a decisão de condenação) se lhes apresenta, o interesse da
criança se encontra assegurado com o exercício conjunto das responsabilidades
parentais.
Temos assistido, na realidade, e ao arrepio do que o RGPTC estabelece, que
alguns tribunais se limitam a estabelecer o regime regra, escudando-se na existência de
68
terceiras pessoas, sejam avós, tios ou outros parentes (que amiúde nem têm voz ativa no
decurso do processo tutelar cível apesar de poderem nele ser auscultados [artigo 21º n.º
1 alínea a) do RGPTC]) que acabam por, solidários com a criança, com um dos
progenitores ou mesmo para satisfação das suas próprias necessidades (como é o caso
dos avós, pais do progenitor não guardião, que assim encontram forma de conviver mais
amiúde com os netos) estabelecer a «ponte» no ficcionado exercício conjunto das
responsabilidades parentais nas questões de particular interesse/relevância na vida da
criança.
E nem se diga que a opção por este regime foi efetuada porque os progenitores
nele acordaram e que tal consenso dispensa a fundamentação da decisão adotada, pois
que o se tribunal entender que o regime acordado entre os progenitores não salvaguarda
o superior interesse da criança, não o deve homologar. Neste sentido veja-se a título
exemplificativo o acórdão da Relação de Évora de 25 de Junho de 2015 70
no qual se
pode ler que «Impõe-se ao tribunal na regulação do exercício das responsabilidades
parentais defender e fazer cumprir o superior interesse da criança, porque os pais não
estão de acordo ou o acordo que apresentam põe em causa esse princípio
fundamental do direito da família.»(negrito e sublinhado nossos).
Através da análise do regime de exercício das responsabilidades parentais que
assim foi espartanamente estabelecido neste processo ficamos sem saber como irá o
progenitor não guardião (o AM) exercer em conjunto com a progenitora as
responsabilidades parentais, combinar com ela sempre que queira estar com as filhas ou
com elas passar os aniversários, Véspera de Natal, Natal, ano Novo, dia da mãe e do pai
e férias já que, recorde-se o progenitor se encontra proibido de se aproximar da mãe das
crianças num raio de 300 metros e de manter com ela qualquer tipo de contacto direto
(seja escrito, falado, por meio tecnológico ou informático).
Com base em igual raciocínio cremos não ter cabimento ou sequer ser exequível
o fixado regime livre de visitas ao progenitor agressor não guardião.
Analisando o regime assim estabelecido seriamos levados a pensar tratar-se de
uma regulação como tantas outras, já que com exceção da menção à intervenção dos
avós paternos, nada ali aponta para a existência de um cenário (ainda que indiciário) de
violência de doméstica que conduziu à rutura da relação entre os progenitores das
70 processo 789/13.7TMSTB-B.E1 disponível em www.dgsi,pt
69
crianças e à aplicação de medidas de coação ao AM, verdadeiramente limitativas da sua
liberdade.
Para além das dificuldades que, cremos, a falta de pormenor no que tange aos
concretos aspetos da regulação das responsabilidades parentais que a particular situação
daqueles progenitores e daquelas crianças impunha que não existisse e que desde logo
poderá dar aso a incumprimentos do regime estabelecido, nada ali nos esclarece por que
razão a solução encontrada salvaguarda devidamente o interesse daquelas crianças,
omitindo quer o Ministério Público na sua promoção quer o Juiz ao homologar o acordo
alcançado, qualquer razão para que assim tivesse entendido por forma a terem afastado,
como afastaram, sem mais, a presunção prevista no artigo 40º n.º 9 do RGPTC.
Como bem salienta Maria Clara Sottomayor «a fundamentação das sentenças
[ainda que meramente homologatórias dos acordos alcançados pelos progenitores]
também assume, neste âmbito, um papel decisivo, pois permite aos seus destinatários
[sejam os próprios progenitores quando não há acordo entre eles quer o Ministério
Público] identificar os fatores que levaram o juiz à decisão e o peso que lhes foi
atribuído, permitindo-lhes recorrer para um tribunal superior em caso de abuso dos
poderes discricionários.»71
Em nossa opinião, a decisão que no caso se impunha, com base no que assim
vem dito e nos termos do artigo 40º n.º 9 da Lei 141/2015 de 08 de Setembro (RGPTC),
era que as responsabilidades parentais fossem atribuídas em exclusivo à progenitora, a
quem incumbirá, não só a decisão sobre os atos da vida corrente das crianças, como as
decisões de particular importância para a vida das mesmas.
Tal opção encontrava também assento nos demais critérios que vêm sendo
doutrinária e judiciariamente definidos, já que a progenitora era neste caso [como a
prova que podia e devia ter sido sumariamente produzida certamente demonstraria] a
figura primária de referência, a cuidadora quase exclusiva daquelas crianças,
assumindo, apesar do conflito que a oponha ao progenitor, uma postura imparcial
relativamente ao seu desempenho parental sabendo distinguir, de forma assinalável
(embora, como adiantaremos adiante, se nos coloquem sérias reservas à efetiva
possibilidade de fazer tal destrinça), o papel do AM como companheiro e o papel deste
enquanto pai.
É que efetivamente a decisão conjunta, por ambos os progenitores, das questões
de particular importância da vida das filhas não serve, neste caso e em nosso entender, o
71 Ob. cit.pág. 39.
70
interesse das crianças, considerando a ausência de comunicação entre os pais (imposta
pela medida de coação aplicada em sede de inquérito) e a grave situação de conflito
subjacente à violência doméstica que a progenitora vinha sendo vitima até à dissolução
da relação.
Tal situação, que constitui aliás, em nosso entender, uma nulidade processual
(artigo 615º n.º 1 alíneas b) e c) do CPC) poderia ter ficado a dever-se (embora no caso
concreto, e como se explanou, tal não tenha acontecido) a uma deficiente articulação
entre a secção de inquérito (onde corria termos o processo de inquérito pela eventual
prática do crime de violência doméstica) e a Instância Central de Família e Menores
que, no caso, estavam sediadas na mesma Comarca.
Tal articulação é pois essencial para que a regulação do exercício das
responsabilidades parentais a definir corresponda efetivamente ao superior interesse da
criança envolvida, razão pela qual o Magistrado do Ministério Público que titule o
processo de inquérito em que se investigue a prática do crime de violência doméstica no
seio de um agregado familiar com crianças, deve de imediato comunicar a pendência do
inquérito e, se for o caso, a sujeição de um dos progenitores a medidas de coação
mormente de afastamento e proibição de contactos, ao Magistrado do Ministério
Público que desempenhe funções na respetiva Instância de Família e Menores, valendo
igual raciocínio para qualquer alteração ou revogação de tais medidas.
Só dessa forma poderá este Magistrado avaliar a pertinência de ele próprio
requerer, em cumprimento do dever legal que sobre ele impende (artigo 37.º-B, n.º 1 da
Lei 112/2009 de 16.09), a regulação do exercício das responsabilidades parentais
(quando ainda não exista) ou diligenciar pela alteração do regime até então em vigor já
que, recorde-se, o legislador criminal não olvidou integrar no crime de violência
doméstica, os maus tratos físicos ou psíquicos praticados contra o ex-cônjuge, pessoa
com quem o agressor tenha mantido uma relação de namoro ou análoga à dos cônjuges
ou simplesmente quando os liga a existência de um descendente comum em 1º grau
(artigo 152º n.º 1 alíneas a), b) e c) do CPP).
Semelhante essencial articulação tem também de ser estabelecida e mantida
entre o Magistrado do Ministério Público que titule o processo de inquérito e a CPCJ da
área de residência da criança, a quem a pendência daquele inquérito deve também ser
imediatamente comunicada, a par da comunicação efetuada Magistrado da Instância de
Família e Menores nos termos supra expostos, para que nessa sede se avalie a situação
71
da criança/jovem e se conclua se efetivamente se encontrará, por força dos atos de
violência doméstica de que direta ou indiretamente é vitima, numa situação de perigo
prevista no artigo 3º da LPCJP que justifique a imediata instauração de processo de
promoção e proteção (cf. Ponto 3.4 da Diretiva 7/2012 da PGR e Diretiva Conjunta da
PGR/CNPCJ assinada em 23 de Junho de 2009).
Ao permitir ao magistrado do Ministério Público que desempenhe funções na
respetiva Instância de Família e Menores conhecer aquela concreta situação de vida e a
investigação criminal que sobre ela é feita, dar-se-á ainda hipótese de ele efetivamente
apreciar a legalidade e ponderar a adequação das medidas adotadas e decisões
proferidas pela CPCJ como lhe impõe, aliás, o artigo 72º n.º 2 da LPCJP.
Sempre se dirá também que, no que tange às CPCJ normalmente tal
comunicação é efetuada pelo órgão de polícia criminal que elabora o auto de notícia ou
recebe a denúncia da prática do crime de violência doméstica, o que faz em simultâneo
com a elaboração da ficha de avaliação de risco.
Transmutando a realidade factual daquela família, analisemos o que aconteceria
ou poderia acontecer ao exercício das responsabilidades parentais daquelas crianças
caso a respetiva regulação já tivesse sido efetuada antes da instauração do processo e da
aplicação ao agressor da medida de coação e da pena acessória de proibição de contacto
com a vítima, no caso o outro progenitor.
Neste caso, facilmente se compreenderá que o regime que até esse momento se
encontrava estabelecido deverá ser revisto reanalisando a manutenção dos pressupostos
que conduziram ao estabelecimento do exercício conjunto das responsabilidades
parentais e, bem assim, o regime de visitas pelo agressor que até então se mostrava
definido.
Quanto a este aspeto estabelece o artigo 14º n.º 2 da Lei 112/2009 de 16/09 que
«Sempre que existam filhos menores, o regime de visitas do agressor deve ser avaliado,
podendo ser suspenso ou condicionado, nos termos da lei aplicável.».
Por fim, ficcionemos que aquando da aplicação das referidas medida de coação
ou pena acessória, o processo tutelar cível com vista à regulação das responsabilidades
parentais já se encontra pendente sem que contudo tenha ainda sido proferida sentença
sobre essa matéria.
72
Neste caso, defende Miguel Vaz que «A situação terá que ser apreciada em
concreto e procurar, caso se justifique, segundo as circunstâncias do caso, desencadear
as diligências urgentes e apropriadas (por exemplo relatórios psicológicos ou exames
periciais para averiguar da necessidade de afastamento de um dos pais) e fixar um
regime provisório adequado, apelando se necessário à intervenção de terceiros nos
convívios.».
Concordamos inteiramente com a posição assim defendida, chamando contudo
novamente à atenção que, em nosso entender, a intervenção e terceiros mediados dos
convívios entre o progenitor agressor e as crianças não deve ser estabelecido – sob pena
de o regime provisório ou definitivo definido poder ficar ditado ao insucesso- sem
auscultar esses intervenientes acidentais apurando junto dos mesmos a sua efetiva
disponibilidade e capacidade para fornecer a sua colaboração e definir juntamente a
forma como a mesma se há-de efetivar.
A segunda realidade fáctica que nos propusemos abordar permitir-nos-á
discorrer sobre a hipótese de atribuição da residência (provisória e/ou definitiva) da
criança ao progenitor suspeito ou condenado pela prática do crime de violência
doméstica contra o outro progenitor, mormente a mãe 72
Vejamos então a factualidade da como provada (por sentença transitada em
julgado) no processo comum singular n.º 890/14.0OPCOER no âmbito do qual TA foi
condenado pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo
artigo 152º n.º 1 alínea a) do Código Penal na pena principal de dois anos e dez meses
de prisão suspensa na sua execução por igual período e na pena acessória de proibição
de contacto com a vitima nos ternos do artigo 152º n.º 4 pelo período de dois anos:
«1. O arguido e AV iniciaram relacionamento amoroso em Outubro de 2010,
tendo coabitado entre finais de 2011 e o dia 4 de Novembro de 2014, ocasião em que o
relacionamento findou, tendo, nesta data, a ofendida abandonado a residência dos pais
do arguido, levando consigo as filhas de ambos.
2. Do aludido relacionamento resultaram os nascimentos de MA, a 8 de Março
de 2012, e de BA, a 27 de Novembro de 2013.
72De acordo com o último relatório anual da APAV relativo ao ano de 2015, disponível em http://www.apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Relatorio_Anual_2015.pdf, 82,2% das vítimas de crime que recorreram aos serviços da Associação eram mulheres e destas 27,7 % eram Cônjuge do agressor, 14 % companheiras do agressor,
8, 1 % ex-companheiras do agressor).
73
3. As menores, que se encontraram à guarda e cuidados da progenitora, com
quem residiram, até ao dia 7 de Dezembro de 2015, encontram-se, desde então, à guarda
e cuidados do progenitor, ora arguido, com quem residem.
4. Durante o relacionamento, o arguido agrediu fisicamente a vítima, por
diversas vezes, tal como ocorreu no dia 16 de Fevereiro de 2014, da parte da tarde, no
interior da então residência do casal, sita na (…), em Lisboa, tendo o agressor puxado e
arrastado a ofendida pelos cabelos, desferindo-lhe murros na cabeça e pontapés nas
pernas e apertado as suas mãos com tal violência que lhe causou traumatismo na mão
direita.
5. Em consequência desta agressão, a vítima recebeu tratamento médico no
Hospital de S. Francisco Xavier, a 17 de Fevereiro de 2014.
6. No dia 9 de Julho de 2014, depois do jantar, de novo no interior da já referida
ex-residência do casal, o arguido puxou a ofendida pelos cabelos e desferiu-lhe
pontapés no corpo e socos na cabeça e tronco, projetando-a para o chão, onde a
continuou a atingir com pontapés. que a atingiram no tórax e nas costas.
7. A ofendida recebeu tratamento médico a 10 de Julho de 2014, igualmente no
Hospital São Francisco Xavier, tendo apresentado um quadro de traumatismo craniano e
traumatismo torácico.
8. No dia 26 de Outubro de 2014. cerca das 09HOO. no interior da viatura
automóvel do arguido, que circulava na Avenida Marginal, este agarrou a vítima pelos
cabelos e projetou a cabeça desta de encontro ao "tablier", desferiu-lhe vários socos na
cabeça, rosto e braços e apertou-lhe o pescoço.
9. O arguido começou a agredir a vítima ainda na zona de Oeiras, só cessando
quando passaram a praia de Carcavelos.
10. De novo a vítima foi receber tratamento médico no Hospital São Francisco
Xavier, nesse mesmo dia 26 de Outubro de 2014, apresentando um quadro de
traumatismo craniano e da face, hematoma da pirâmide nasal, hematoma frontal direito
e hematoma do braço direito.
11. Examinada pericialmente neste tribunal a 7 de Novembro de 2014, a vítima
ainda apresentava três equimoses na face medial da metade proximal do braço direito,
escoriação com crosta imediatamente abaixo da equimose superior. equimose na face
anterior da metade distal da coxa direita, equimose na face anterior do terço médio da
coxa esquerda, equimose na face anterior do terço proximal da perna esquerda, dois
nódulos moles no couro cabeludo, na região parietal direita e na região occipital,
74
12. Que lhe causaram quinze dias de doença, três dos quais com afetação da
capacidade de trabalho geral e profissional.
13. As filhas do casal assistiram às agressões acima indicadas.
14. O arguido atuou com o intuito logrado de maltratar física e psiquicamente a
sua ex-companheira, demonstrando completo desprezo pela sua dignidade pessoal.
15. O arguido TA tinha o pleno conhecimento de toda a factualidade, tendo
agido da forma como quis agir.
16. Bem sabendo que a sua conduta era, e é, proibida e punível por lei.
Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:
17. O arguido TA cresceu no seio de uma família organizada, de equilibrados
recursos socioeconómicos, residente na zona da Ajuda, onde são proprietários de um
restaurante, não tendo a dinâmica relacional entre os elementos do agregado sido
marcada por exposição a modelos de violência na relação entre os progenitores,
sobressaindo a existência de uma estrutura familiar coesa.
18. Iniciou o percurso escolar em idade normal, tendo reprovado duas vezes
consecutivas, no 9.° e 10.° ano de escolaridade, por faltas e desmotivação, tendo
concluído o 12.0 ano de escolaridade, já após a saída da Força Aérea, onde permaneceu
entre os 17 e os 21 anos de idade.
19. Após o cumprimento do Serviço Militar, trabalhou cerca de dois anos no
restaurante dos pais, tendo posteriormente criado uma empresa de materiais de
construção, onde desenvolveu atividade laboral até 2012, altura em que teve de
abandonar o negócio, por dificuldades económicas entretanto surgidas.
20. TA e AV estabeleceram uma relação de namoro, que se prolongou durante
um período de cerca de dois anos, na fase da adolescência, tendo posteriormente o casal
permanecido vários anos sem estabelecerem contacto, tendo o arguido estabelecido
entretanto uma nova relação de namoro, que manteve durante cerca de 10 anos, a qual
veio a terminar quando reencontrou a ofendida. Há cerca de quatro anos voltaram a
relacionar-se, e, na sequência de Ana Vilma ter engravidado, passaram a viver em união
de facto.
21. Numa fase inicial, viveram numa habitação arrendada, na zona de (…),
tendo posteriormente, na sequência de dificuldades económicas, integrado, em 2012, o
75
agregado dos pais do arguido. O casal tem três filhas, uma com três anos e outra com
dois anos de idade.
22. À data dos factos, o arguido residia com a ofendida e com as duas filhas, em
casa dos seus progenitores, numa vivenda localizada na (…). Uma das irmãs do arguido
e os seus dois filhos integravam provisoriamente o agregado de origem, na sequência do
processo de divórcio daquela. A ofendida tinha mais dois filhos de diferentes
relacionamentos, encontrando-se o mais velho (11 anos) entregue ao pai, e a mais nova
(5 anos), entregue a uma tia, a quem foi entregue durante a gestação da filha mais nova
do casal. Ambos os menores passavam alguns fins de semana no agregado. A
companheira exercia funções de assistente operacional educativa, desde Outubro de
2014, num estabelecimento escolar em (…). O arguido desenvolvia funções de
comercial de iogurtes para a (…), atividade que mantém, auferindo o salário líquido
mensal de cerca de € 800,00.
23. O arguido evidencia forte vinculação às filhas, manifestando, em finais do
mês de Novembro de 2015, aquando da elaboração do relatório social, sofrimento e
revolta pelo afastamento das menores, uma vez que, após a saída de casa da ofendida e
das filhas, em Novembro de 2014, esteve cerca de um ano sem conhecer o paradeiro das
menores.
24. O arguido continua integrado no agregado dos pais, mantendo um convívio
próximo com as restantes irmãs já autonomizadas. Mantém-se profissionalmente ativo
e, há cerca de um ano, iniciou uma nova relação afetiva, que foi descrita como
gratificante e de apoio mútuo, perspetivando, a médio prazo, vir a constituir uma nova
família. As menores Margarida e Beatriz encontram-se, desde o dia 7 de Dezembro de
2015, à guarda e cuidados do progenitor, com quem residem.
25. O arguido apresenta-se como um indivíduo aparentemente tranquilo, com
facilidades ao nível da comunicação e do relacionamento interpessoal. Contudo, foi
percetível que em contexto de frustração e descontrolo emocional evidencia baixo
autocontrolo e dificuldades ao nível da contenção dos impulsos, não antevendo a
consequência dos seus atos.
26. O arguido considera que o atual processo teve forte impacto na sua vida,
causando-lhe grande desgaste psicológico provocado pela quebra, durante cerca de um
ano, no relacionamento com as filhas, aspeto que assume como central e que considera
injusto, tanto para si, como para a sua família, com quem as menores sempre
mantiveram um relacionamento muito próximo.
76
27. O arguido não se revê como agressor doméstico, assumindo um discurso de
vitimização relativamente à ofendida, considerando que a mesma deve sofrer de alguma
patologia do foro psiquiátrico, atendendo à instabilidade comportamental apresentada.
28. À data da prática dos factos, o arguido não tinha antecedentes averbados no
respetivo registo criminal.»
Com interesse para este trabalho, salientam-se também as seguintes passagens da
matéria factual dada como não provada em sede de audiência de discussão e
julgamento:
«(…)
c) que a ofendida AV provocava, recorrentemente, discussões na presença de
terceiros, sempre com recurso a insultos e, por vezes, com agressão física;
d) - que o arguido foi insultado e agredido fisicamente pela ofendida em
inúmeras ocasiões, tendo esses eventos sido muitas vezes presenciados por familiares e
amigos;
e) - que a ofendida foi acolhida no seio da família do arguido, sendo sempre
auxiliada a nível pessoal, financeiro, afetivo e profissional;
f) - que a ofendida contava diferentes versões de factos da sua vida a pessoas
distintas, e, quando confrontada com as incongruências detetadas, escusava-se a
esclarecer e optava por ofender e agredir o arguido e demais pessoas que a
confrontassem;
g) que as discussões entre ofendida e arguido eram, recorrentemente,
presenciadas por familiares e amigos;
h) que um dos pontos de conflito do casal se prendia com o facto de a ofendida
negar ao arguido, bem como a terceiros, a maternidade da menor Mariana, bem como a
existência de processos na comissão de proteção de menores;
i) que o arguido teve conhecimento de um processo a decorrer na tema, a
mesma escusou-se a esclarecer, tendo o arguido informado a mesma que iria à
Comissão para se inteirar do que se passava;
j) que, após a separação, o arguido teve conhecimento de que a ofendida, em
relacionamentos anteriores, era igualmente conflituosa, provocando discussões com
vista à sua vitimização;
k) que o arguido é uma pessoa trabalhadora, honesta e sempre foi um bom pai
de família.»
77
No âmbito do processo de promoção e proteção que correu termos na secção de
família e menores de Cascais foi aplicada às crianças MA e BA por despacho datado de
14 de Janeiro de 2016, a título provisório, a medida de promoção e proteção de apoio
junto dos respetivos pais73
, com entregas imediatas a estes, nos termos dos artigos 35º
n.º 1 alínea a), 37º, 91º,92º todos da LPCJP ficando as crianças aos seus cuidados.
A opção provisória pela aplicação de tal medida, segundo consta do referido
despacho, prendia-se com «(…) a gravidade da situação em que se encontravam as
crianças,- abandono de uma das crianças logo após o parto por parte da mãe, sinais de
pouca estimulação da MA, suspeita de situação de carência alimentar, diferenciação da
progenitora em relação às filhas, multiplicidade de cuidadores (…) estado de grande
exaltação por parte da progenitora e vontade da MA de ser entregue ao pai. (…)».
A situação em que se encontravam as crianças havia levado, antes da prolação
daquele despacho, à emissão de mandados de condução e entrega da BA que não
chegaram a ser cumpridos porque Equipa de Crianças de Jovens da Segurança Social de
Cascais deliberou a aplicação do artigo 91º LPCJP e no último momento a progenitora
ter colaborado quer entregando a BA quer a MA.
Tal medida provisória veio a ser revista 6 meses depois, decidindo-se pela sua
manutenção.
Lançando-se mão da possibilidade que o artigo 112º A da LPCJP passou a
conferir, em conferência realizada a 06 de Dezembro de 2016 decidiu-se, por acordo,
aplicar às crianças BA e MA 74
a medida de promoção e proteção junto dos pais prevista
no artigo nos seguintes termos plasmados na ata da referida conferência:
«(…)
1.O pai e a mãe comprometem-se a assegurar, cada um todas as necessidades
básicas das crianças, incluindo as necessidades da alimentação, higiene, saúde.,
educação e estabilidade emocional.
73A referência a pais é efetuada neste processo porque estava também em causa a aplicação provisória de uma medida de promoção
e proteção a outra filha que a V tinha com diferente progenitor), 74E à outra irmã
78
2.O pai e a mãe comprometem-se a adotar atitude e comportamentos entre si,
que evitem qualquer conflito, de forma direta ou indireta, no que diz respeito à
vivência das suas filhas;
(…)
4.Os avós paternos e os avós maternos comprometem-se a supervisionar e
assegurar- respetivamente os avós paternos em relação ao pai e os avós maternos
em relação à mãe-que pelos pais sejam asseguradas às crianças todas as
necessidades básicas, incluindo as necessidades da alimentação, higiene, saúde,
educação e estabilidade emocional, obrigando-se a intervir junto dos pais,
quando tal não esteja a decorrer de forma adequada para as crianças;
(…)
1. As crianças mantêm a sua residência com o pai, em casa dos avós paternos e
sempre com supervisão destes;
(…)
5.1 As crianças passam a estar com a mãe em fins de semana alternados, de 6ª a
2ª feira, na residência desta ou dos avós maternos, mas sempre com supervisão
dos avós maternos, indo a mãe ou os avós maternos buscar as crianças, à 6ª feira,
ao equipamento de infância que frequentam, aí as indo levar à 2ª feira de manhã;
(…)
7.1. A mãe, a partir da mensalidade de Janeiro de 2017, contribuirá para a
prestação da escola das filhas, com o montante de € 70,00 (setenta euros
mensalmente, a entregar diretamente na escola até ao dia 8 de cada mês;
(…)
10. O pai e a mãe, bem como os avós paternos e os avós maternos,
comprometem-se a acatar as orientações e diretivas dadas pela equipa da ISS-IP
que acompanha a medida, quanto à melhor adequação dos respetivos
procedimentos para o bem estar das crianças.
(…)»
A tomada de posição quanto a esta decisão dependerá, a nosso ver, da resposta à
seguinte questão: será suficiente considerar vítima indireta aquela criança que não
tendo sido agredida pelo seu progenitor viu, sentiu, temeu, procurou evitar, pôr termo à
79
violência doméstica perpetrada contra o seu outro progenitor (embora não
exclusivamente mas predominantemente a mãe)?
Na verdade, é para nós difícil fazer a destrinça entre os conceitos de criança
vítima direta e criança vítima indireta da violência doméstica, tais são as consequências
que uma vivência familiar destruturada por agressões físicas e verbais têm numa
criança.
Em nosso entender, a criança crescida num contexto familiar pautado pela
violência doméstica entre os seus progenitores é efetivamente, também ela, vítima direta
daquela violência, podendo a sua situação justificar até na nossa opinião e como já
anteriormente referimos, a imputação ao progenitor que violentou o outro, de um crime
de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º n.º 1 alínea d) CP em
concurso real com o crime de violência doméstica previsto e punido pelas restantes
alíneas do mesmo normativo legal.
Ora se assim é, como cremos ser, o progenitor condenado pela prática do crime
de violência doméstica relativamente ao outro progenitor, não reunirá, à partida, em
nosso entender, o requisito da capacidade de garantir aos filhos de forma eficaz o seu
bem-estar e desenvolvimento sobretudo moral e intelectual. Nestas situações cremos
estar perante alguém que, pelo menos neste aspeto, não se relaciona com a criança de
forma equitativa com o outro progenitor (vitima), porque assumiu comportamentos
abusadores da existência física e emocional da criança.
Na verdade, o que nos poderá permitir afirmar, sem mais, que o pai/mãe
condenado pela prática daquele crime reúne agora, após a separação, esse requisito
quando durante a vida conjunta com as crianças e o outro progenitor, sujeitou-as a
cenários de violência intensa contra a mãe/pai mostrando-se indiferente face ao
sofrimento que no momento lhes causava e às repercussões que tais comportamentos
viriam a ter na sua vida futura?
Cremos que nada ou muito pouco nos permitirá concluir nesse sentido.
Note-se que, para além dessa desconsideração pelo bem-estar psíquico e
desenvolvimento emocional das suas crianças, aquele progenitor demonstra uma
personalidade em que a agressão física e o insulto se assumem como respostas
adequadas a situações de conflito, desagrado ou frustração. O caminho escolhido por
aquele progenitor face às contrariedades da vida em comum não foi a tentativa de
resolução pacífica e através do diálogo, mas sim o recurso à agressão física e verbal
80
com contornos de assinalável gravidade no que à natureza a consequências das
agressões físicas diz respeito.
É certo que por outro lado, a comprovar-se a situação das crianças tal como foi
relatada no processo de promoção e proteção que levou, em sede de procedimento de
urência, à entrega das crianças aos respetivos pais, também poderá aqui a mãe, a vitima
de violência doméstica não reunir, naquele momento, as condições para ter consigo as
filhas.
Daí que, havendo no processo disponibilidade demonstrada por parte dos avós
maternos e paternos das crianças, somos levados a colocar a hipótese de o bem-estar
destas e são desenvolvimento ficarem mais bem salvaguardados junto destes
ascendentes, pelo menos provisoriamente, garantindo-se contudo o contato das filhas
com ambos os pais, aumentando-o progressivamente à medida que as equipas técnicas
viessem a obter deles uma efetiva alteração comportamental e de postura perante a vida
societária (no caso do pai) e psicológica e de aquisição de capacidades parentais (por
parte da mãe).
81
CONCLUSÃO
A violência doméstica constituiu sempre no nosso país um fenómeno de elevada
expressão e sérias consequências quer para a própria vítima quer para os familiares que
vivem de forma próxima esta realidade, com especial incidência nas crianças que
assistem à prática de atos de violência.
Embora a nossa sociedade se tenha revelado durante muitos anos profundamente
patriarcal e os atos de violência, sobretudo contra mulheres, fossem socialmente
tolerados e se encontrassem enraizados na cultura de alguns meios sociais e familiares,
o certo é que a evolução legislativa, acompanhando o evoluir dos tempos tem
contribuído para alterar este paradigma.
A sociedade está muito e cada vez mais atenta a este fenómeno, muito por força
da intervenção dos meios de comunicação social, o que não deixa de ter resultados
positivos quer ao nível da repressão social deste tipo de crime quer ao nível da proteção
da própria vitima que, mais capaz de avaliar a sua situação de vida e mais conhecedora
das medidas e meios de proteção ao seu dispor, se revelará mais capaz de reagir num
contexto de violência em que se encontre inserida.
Ainda assim, Portugal continua a ser tragicamente conhecido pelas altas taxas da
prática deste crime e pela morte das suas vítimas, que muitas vezes não se conseguem
atempadamente impedir.
Muito foi já feito sobretudo ao nível da criação de medidas e soluções para
proteção e apoio das vítimas mas muito também ainda falta fazer.
Em primeiro lugar, ao nível legislativo, entendemos que, pela gravidade que
encerra e consequências que acarreta, este tipo de crime devia conhecer um
agravamento das molduras das penas principais e acessórias aplicáveis, sobretudo
quando estão em causa atos de violência praticados na presença de crianças.
Já na perspetiva processual deste fenómeno, quer ao nível criminal, da promoção
e proteção de crianças, quer ao nível das medidas tutelares cíveis embora já se tenha
percorrido um longo e profícuo caminho importará procurar ainda alcançar uma melhor
e maior conciliação entre as decisões condenatórias e as decisões das instâncias de
família e menores.
Por outro lado, ao nível logístico sempre importaria não olvidar que a criação ou
reforço de medidas de proteção da vítima ficará esvaziada de conteúdo se não for
acompanhada da dotação das entidades responsáveis pela aplicação, execução e
82
fiscalização de tais medidas, de mais profissionais técnicos e mais e melhores meios
logísticos.
Referimo-nos, em concreto, à necessidade de colocar à disposição
nomeadamente da Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, das
Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, dos institutos e gabinetes
médico legais (sobretudo ao nível das perícias do dano psicológico) mais técnicos e
dota-los de uma melhor preparação. Salientamos também a necessidade de criar
soluções e instrumentos de ressocialização do agressor, que se revelam escassos, só
assim se podendo alcançar a almejada prevenção especial que, nestes casos tanto se faz
sentir e que certamente contribuirá para um retrocesso desta criminalidade.
Por outro prisma, só tal incremento permitirá retirar toda a potencialidade de
figuras processuais como a suspensão provisória do processo ou a suspensão da
execução da pena de prisão aplicável ao agressor que, na realidade judiciária e caso
houvesse efetivamente um acompanhamento desse período de suspensão, alcançariam
resultados muito mais positivos do que aqueles que até ao momento se tem vindo a
alcançar.
Aludimos igualmente ao maior e melhor aproveitamento das soluções
legislativas inseridas com o Regime Geral do Processo Tutelar, através da criação de
mais centros de mediação familiar e através da efetiva dotação dos nossos tribunais das
já previstas equipas técnicas.
O caminho para a diminuição deste flagelo começou já a ser trilhado e embora
muito ainda haja por fazer quer a nível social, quer a nível legislativo quer a nível
jurisprudencial, este é certamente a direção correta a adotar.
83
LISTA BIBLIOGRÁFICA
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Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, Faculdade de Direito da Universidade
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https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31349/2/Do%20incumprimento%20do%2
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84
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13)DIAS, JORGE DE FIGUEIREDO (Dir.), Comentário Conimbricense do
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14)DIAS, JORGE DE FIGUEIREDO, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2ª
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88
41)SOUSA, TÂNIA SOFIA, Os Filhos do Silêncio: Crianças e Jovens Expostos
à violência Conjugal-Um Estudo de Casos, Dissertação de Mestrado apresentada na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias, Lisboa, 2013, disponível em
http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/5018/T%C3%A2nia_Sousa_Disser
ta%C3%A7%C3%A3o.pdf?sequence=1 (última consulta a 30-04-2017);
42)VILAS BOAS, MARIANA MESQUITA, Violência Contra Menores-
Análise Crítica dos Artigos 152º e 152º-A do Código Penal dissertação de mestrado,
Universidade Católica, Porto, 2013;
42)XAVIER, RITA LOBO, Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio
e das responsabilidades parentais: Lei n.º 61-2008, de 31 de Dezembro, Coimbra,
Almedina, 2009;
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RELATÓRIO PROFISSIONAL
A) Dados biográficos e percurso profissional
A autora nasceu a 25 de Janeiro de 1977 e concluiu a 18 de Setembro de 2000 o
curso de Direito na Faculdade de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa.
Nesse mesmo ano de 2000 iniciou a Pós Graduação de Direito Penal Económico
e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que veio a concluir
em 2001.
Em 2011 ingressou na Pós Graduação em Ciências Jurídico Empresariais pela
Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto que viria a terminar em 2002.
Foi Formadora do Instituto de Emprego e Formação Profissional entre 2000 e
2006 nas áreas de legislação comercial e fiscal e legislação laboral e fiscal inerente à
função pessoal, sendo também então responsável pela elaboração dos programas e
conteúdos das ações de formação ministradas, com Certificado de Aptidão Profissional
emitido a 15.03.2002
Exerceu advocacia entre 5 de Janeiro de 2001 e 26 de Julho de 2006 (incluindo
estágio entre cinco de Janeiro de 2001 e cinco de Julho de 2002), com a cédula
profissional n.º 9713P e inscrição suspensa a pedido da própria.
Desempenhou as funções de jurista da empresa de trabalho temporário Alutemp,
Lda. com responsabilidade ao nível da elaboração de contratos de trabalho, acordos de
cessação de contratos de trabalho direção de recursos humanos, propositura de ações
judiciais e respetivo acompanhamento posterior.
Frequentou o XXV curso normal de formação do CEJ, como auditora de justiça,
entre Setembro de 2006 e Julho de 2008 tendo sido, enquanto auditora de justiça,
membro do conselho de gestão do CEJ.
A autora foi, então, nomeada Procuradora-Adjunta em regime de estágio na
extinta comarca de Paredes, por Despacho n.º 20973/2008 do Conselho Superior do
Ministério Público, publicado no DR, 2ª série, n.º 154, de 11 de Agosto de 2008, com
efeitos a partir de 15 de Setembro de 2008, tendo em Março de 2009 transitado para a
extinta comarca de Paços de Ferreira e em 27 de Abril de 2009 para as extintas
comarcas agregadas de Murça/Sabrosa, conforme despacho n.º 11367/2009 da
Procuradoria-Geral da República, publicado no DR, 2ª Série, n.º 89, de 8 de Maio de
2009.
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Por Despacho do Conselho Superior do Ministério Público, n.º 1104/2009,
publicado no DR, 2ª série, n.º 71, de 13 de Abril, com efeitos a partir de 15 de Julho de
2009, foi nomeada Procuradora Adjunta auxiliar nas comarcas agregadas de
Murça/Sabrosa onde se manteve até 31 de Agosto de 2010.
Nesse hiato temporal foi interlocutora das Comissões de Proteção de Crianças e
Jovens de Murça e Sabrosa exercendo as competências inerentes aos requerimentos para
aplicação de medidas de promoção e proteção nos termos das alíneas b) a f) do artigo
11º da LPCJ e os procedimentos judiciais urgentes ao abrigo do artigo 91º, n.º 4 da
mesma Lei.
A autora foi, então, colocada na extinta comarca de Alcanena como
Procuradora-Adjunta auxiliar por deliberação do Conselho Superior do Ministério
Público n.º 1545/2010, publicada no DR, 2ª série, n.º 170, de 1 de Setembro de 2010 e
transferida para a extinta comarca da Vila Pouca de Aguiar como Procuradora-Adjunta
auxiliar por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público n.º 1058/2011,
publicada no DR 2ª série n.º 80, de 26 de Abril de 2011.
Até 31 de Agosto de 2012 foi interlocutora da CPCJ de Ribeira de Pena (Vila
Pouca de Aguiar.
Foi, então, transferida como Procuradora-Adjunta efetiva para a extinta comarca
de Amarante por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público n.º
1640/2013, publicado na 2ª série, n.º 167, de 30 de Agosto de 2013 onde se mantém até
à atualidade (atualmente núcleo de Amarante da Comarca do Porto Este), tendo, entre
03 de Dezembro de 2013 e 31 de Agosto de 2014 sido interlocutora da Comissão de
Proteção de Crianças e Jovens de Amarante.
Entre 01 de Setembro de 2014 e 31 de Agosto de 2016, enquanto Procuradora-
Adjunta efetiva no núcleo de Amarante do DIAP da Comarca do Porto Este foram-lhe
exclusivamente distribuídos os inquéritos em que se investigava a eventual prática dos
crimes de violência doméstica, maus tratos e contra a autodeterminação sexual tendo
ainda, entre 03 de Novembro de 2014 e 31 de Janeiro de 2015 tramitado também os
inquéritos da mesma tipologia de crimes do núcleo do Marco de Canavezes do DIAP da
Comarca do Porto Este.
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B) Classificação de Serviço
Após a inspeção ordinária a que foi sujeita em Abril de 2016 (relativa ao
desempenho de funções entre 2012 e 2016) a autora obteve a classificação de “Bom
com distinção” conforme deliberação do Conselho Superior do Ministério Público.
C) Cursos, Conferências, Congressos e Ações de formação a que assistiu
a) Instrumentos Internacionais de Direito da Família e Menores do Centro
de Estudos Judiciários (07.01.2010);
b) Alteração do objeto do processo penal do Centro de Estudos Judiciários
(07.05.2010);
c) Cibercriminalidade do Centro de Estudos Judiciários (15.03.2013);
d) Prova Digital do Centro de Estudos Judiciários (15.03.2013);
e) Ações Encobertas do Centro de Estudos Judiciários (21.06.2013);
f) Colóquio sobre Crimes Contra Crianças na internet (07.03.2014);
g) II Encontro de Família e Menores do Distrito Judicial do Porto
(09.05.2014);
h) Conferência Internacional Prevenir e Combater o Tráfico de Seres
Humanos do Centro de Estudos Judiciários (31.10.2014);
i) Conferência Internacional “A Convenção de Istambul e os Crimes
Sexuais” organizada pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas - Auditório B da
Universidade Nova de Lisboa (27 e 28.11.2014);
j) Produção, apreciação e valoração da prova em julgamento no processo
penal do Centro de Estudos Judiciários (13.03.2015);
k) Criminalidade económico-financeira e recuperação dos produtos do
crime do Centro de Estudos Judiciários (17 e 24.04.2015);
l) IV Seminário do DIAP de Lisboa sobre “Violência nas relações intima e
contra pessoas especialmente vulneráveis” (04.12.2015).
D- Intervenções da responsabilidade da autora
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a) “Os Direitos da Mulher: Perspetiva Social e Jurídico-Penal” no âmbito da
palestra subordinada ao tema “Violência Doméstica” organizada pela Câmara
Municipal de Sabrosa (08 de Março de 2010);
b) “Criança: uma questão de direitos” tema desenvolvido no âmbito do
workshop organizado pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sabrosa
subordinado ao tema “Parentalidade e seus desafios” (06 de Julho de 2010);
c) “Direito e Proteção na Família - Aspetos Legais: da violência conjugal à
regulação das responsabilidades parentais” no Seminário Diferentes Olhares na
intervenção com a família - Direito e Proteção da Família - aspetos legais: da violência
conjugal à regulação das responsabilidades parentais” organizado pela Comissão de
Proteção de Crianças e Jovens de Amarante (15 de Maio de 2014);
d) “Gestão de casos de risco e integração legal” na palestra organizada pelo
Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa EPE (19 de Junho de 2015).
E- Outros
A autora é membro da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas.