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FICHA TÉCNICA Título SAUDADES DA TERRA – Livro IV Autor DOUTOR GASPAR FRUTUOSO Edição INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA Revisão de texto e reformulação de índices JERÓNIMO CABRAL Catalogação Proposta FRUTUOSO, Gaspar, 1522-1591 Saudades da terra : livro IV / Doutor Gaspar Frutuoso ; [Palavras prévias de João Bernardo de Oliveira Rodrigues] - Nova ed. - Ponta Delgada : Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. Ass: AÇORES / HISTÓRIA / HISTORIOGRAFIA AÇORIANA. séc. 15 -16

Saudades da Terra Volume 4

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FICHA TCNICA

Ttulo Autor Edio Reviso de texto e reformulao de ndices

SAUDADES DA TERRA Livro IV DOUTOR GASPAR FRUTUOSO INSTITUTO CULTURAL DE PONTA DELGADA JERNIMO CABRAL

Catalogao Proposta FRUTUOSO, Gaspar, 1522-1591

Saudades da terra : livro IV / Doutor Gaspar Frutuoso ; [Palavras prvias de Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues] - Nova ed. Ponta Delgada : Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998.Ass: AORES / HISTRIA / HISTORIOGRAFIA AORIANA. sc. 15 -16

LIVRO QUARTODAS

SAUDADES DA TERRA

SAUDADES DA TERRA

Livro Quarto

PALAVRAS PRVIAS

Joo Bernado de Oliveira Rodrigues Ponta Delgada, 10 de Novembro de 1977

Publicando-se, como agora se faz, o Livro IV das Saudades da Terra, fica completa a edio que o Instituto Cultural de Ponta Delgada se props levar a efeito, sugerida, diga-se de passagem, pelos falecidos Drs. Martim Machado de Faria e Maia e Antnio Augusto Riley da Motta em artigos publicados na imprensa local em 1957. Tal sugesto somente falhou na pessoa indicada para a dirigir, tratando-se de uma obra que o que de mais notvel at aqui se escreveu em matria de historiografia aoriana, e que, por isso mesmo, necessitava de algum mais idneo, tanto em saber como em erudio, para que resultasse trabalho verdadeiramente condigno de um autor da envergadura intelectual do Dr. Gaspar Frutuoso. Contudo, levou-se a cabo aquilo que tantos pretenderam sem o conseguir: a edio completa deste marco incontestvel da historiografia insulana, com base no manuscrito original, por tantos anos vedado curiosidade dos estudiosos, mesmo antes de ter cado nas mos da Famlia que durante um sculo o possuiu e que, em obedincia a uma tradio obsoleta e mesmo absurda, por largo espao de tempo no consentia que mos estranhas o manuseassem. que j o clebre e erudito teatino, D. Antnio Caetano de Sousa, famoso sobretudo pela sua Histria Genealgica da Casa Real Portuguesa, na sua censura, como qualificador do Santo Ofcio para a publicao da Histria Insulana, do P.e Antnio Cordeiro, diz que um dos mritos dessa obra e do seu autor fazer patente ao mundo a escondida e sempre desejada 1 Histria das Ilhas, que comps o Doutor Gaspar Frutuoso. ( ) Pertencendo ento o cdice ao Colgio dos Jesutas de Ponta Delgada, no era, de facto, acessvel e fcil a sua consulta a quem no residisse aqui. J em alguns dos livros publicados anteriormente se disse das razes que nos levaram a relegar para ltimo lugar a publicao deste livro que o autor dedicou ilha de S. Miguel e de que at h bem pouco tempo existiam venda exemplares dos trs volumes da primeira edio, isto , daquela que se publicou entre 1924 e 1931, fazendo parte com o Livro III (referente ilha de Santa Maria) da homenagem que, ento, se prestou memria do autor, por ocasio da passagem do quarto Centenrio do seu nascimento. Houve, pois, a necessidade de publicar primeiramente os livros que nunca haviam sido editados e, a seguir, aqueles que constituam j raridades bibliogrficas. A quando daquelas comemoraes, o grupo de estudiosos, que empreendeu a publicao deste Livro, serviu-se da cpia excelente do Morgado Joo dArruda, sem dvida a mais perfeita de todas de que nos d conta Joo de Simas no seu valioso estudo bibliogrfico das Saudades da Terra (2), a qual, ento existente na Livraria de Jos do Canto, hoje faz parte do recheio da Biblioteca Pblica e Arquivo Distrital de Ponta Delgada. J em 1876, Francisco Maria Supico e Jos Pedro de Jesus Cardoso se haviam lanado na publicao da parte genealgica da obra, isto , os captulos deste Livro IV relativos s genealogias desta mesma ilha de S. Miguel. Foi uma reproduo de cpia bastante imperfeita, deixando, por isso, muito a desejar em fidelidade e correco, no dizer da Subcomisso editora constituda para a comemorao do Centenrio. (3) No foi sem esforo que agora se levou a cabo este trabalho. Circunstncias de vria ordem, designadamente de natureza tipogrfica, no permitiram que ele se empreendesse em

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mais curto espao de tempo, tendo-se ainda em vista o natural desejo de que to valiosa obra, subsidiada pela Junta Geral do Distrito Autnomo de Ponta Delgada, no deixasse de sair dos prelos locais, como instrumento de trabalho dos tipgrafos micaelenses. Est assim em parte explicada a demora no aparecimento desta segunda edio do Livro IV das Saudades da Terra, to ansiosamente esperada, desde que nos ltimos tempos se acentuou o interesse pelo que se tem escrito sobre os Aores. este Livro IV o mais volumoso da obra de Frutuoso, o que, de resto, no admira, tratandose da terra da sua naturalidade e onde mais tempo viveu. Alis, Frutuoso, logo no comeo do captulo I, confessa que vai ser muito mais prolixo do que at a, pois que falando desta ilha de S. Miguel, onde reside e de que sabe mais particularidades, vai dizer miudezas que cansam e enfadam a quem as diz ou escreve, e muito mais a quem as ouve. No nos esqueamos de que se est dirigindo Fama, a quem dedica toda a sua narrativa. Com efeito, sobretudo neste Livro que notamos as mltiplas tendncias do seu esprito e da cultura que o informava. Autntica figura do Renascimento, apresenta-se-nos como estudioso verdadeiramente enciclopdico, a quem nenhum assunto deixa de interessar, debruando-se com intensa curiosidade sobre os mais variados ramos do saber, sobretudo em matria de cincias da Natureza. Chega a ser assombrosa neste campo a meticulosidade da sua observao. Como diz Rodrigo Rodrigues, ao referir-se descrio desta ilha de S. Miguel, ela to pormenorizada, os relevos do terreno, o recorte das costas, as ravinas, as grotas e a paisagem to minuciosamente pintadas, que no pode haver dvidas de que a percorreu toda, anotando vagarosamente a sua mida topografia e a sua curiosa toponmia. (4) Por seu turno, o ilustre mineralogista micaelense, que foi o Dr. Eugnio Pacheco, no lhe regateia elogios na sua obra Ensaio sobre a bibliografia geolgica dos Aores, ao registar a sua especial predileco pelos assuntos geolgicos, bem manifestada no exame e classificao que faz s rochas e ao descrever os fenmenos ssmicos e vulcnicos, que os Aores sofreram durante o sculo XVI. , pois, este Livro IV o mais valioso documento a atestar o valor da personalidade do Dr. Gaspar Frutuoso, pois que nele aborda os mais variados assuntos e sempre de forma inegavelmente superior para a poca e para o meio em que viveu. Acrescenta ainda Rodrigo Rodrigues que nem sequer lhe faltava o mtodo e a clareza da exposio, mesmo nas difusas e longussimas dedues genealgicas, cuja justeza podemos afirmar, em face da abundante documentao com que o Dr. Ernesto do Canto e outros genealogistas micaelenses as confrontaram e verificaram. (5) Para a elaborao deste Livro deve certamente ter procedido a um prodigioso trabalho prvio de colheita e seleco de materiais de toda a espcie, como tambm acentua Rodrigo Rodrigues, de que resultou este admirvel testemunho da ilha de S. Miguel no seu tempo. Como bvio, Frutuoso, logo no primeiro captulo, trata do descobrimento desta ilha, com base na tradio oral, mantida entre os seus habitantes, de que d verses, algumas por ele mesmo inaceitveis, mas assentando no ano de 1444, como data do acontecimento, hoje absolutamente posta de parte pela crtica histrica moderna. No vamos aqui alongarmo-nos sobre o problema, por demasiado debatido nos nossos tempos; alis, j o abordmos nas Palavras Prvias que antecederam a publicao do Livro III. Limitemo-nos, por agora, concluso de que essa data ter resultado de confuses entre viagens de descobrimento e de povoamento, como, alis, o parecer de historiadores modernos, entre os quais, Velho Arruda, que chega a perguntar se o ano de 1444, no inventado por Frutuoso, mas recolhido pela tradio oral, no ser o de uma das mais importantes colonizaes que para esta ilha tivesse vindo at ento, e que por trazer individualidades capazes de fixar lembranas, essa data se consagrasse e se fixasse na mente das geraes posteriores at poca do cronista. (6) Querer Velho Arruda referir-se quela que, comandada por Gonalo Vaz Botelho (pai no dizer de Frutuoso dos dois primeiros homens que nasceram na ilha, Nuno e Anto Gonalves Botelho) e a que ele, Frutuoso, deu especial relevo, fosse uma das que porventura se tivessem seguido primeira de que nos d notcia, numa das verses que aponta, e seria constituda por naturais da frica do Norte, mouriscos, enviados pelo Infante D. Pedro, que deteve at sua morte a alta donataria desta ilha e se

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mostrara bastante interessado no seu aproveitamento como meio de obter trigo para abastecer o Reino? Esta hiptese reforada com a carta de 20 de Abril de 1447, pela qual D. Afonso V, querendo fazer merc ao Infante D. Pedro por ter azo dele poder melhor encaminhar como a sua ilha de S. Miguel seja bem povoada isenta da dzima de todos os gneros todollos moradores que ora vivem e moram, ou morarem daqui em diante em a dita ilha (7). O que certo que, aps a morte do Regente, parece ter sido descurado o povoamento de S. Miguel, at vinda de Rui Gonalves da Cmara, seu terceiro capito donatrio, em 1474 ou 1475, isto , depois da compra da respectiva capitania a Joo Soares de Albergaria, que tambm detinha a de Santa Maria e nela se deixou ficar, confirmada a 10 de Maro do primeiro dos anos citados pela Infanta D. Beatriz, como tutora de seu filho D. Diogo, duque de Viseu, que, na qualidade de governador da Ordem de Cristo, possua a alta donataria das Ilhas. Na respectiva carta se diz: que a dita ilha ds o comeo da sua povoao at o presente mui mal aproveitada e pouco povoada... de que havendo respeito disposio do dito Rui 8 Gonalves que por todas as razes muito bem disposto para fazer povoar a dita ilha etc ( ). O prprio Frutuoso, no captulo 66. deste Livro IV informa que at essa data a ilha era quase erma. E h ainda uma carta, datada de 12 de Fevereiro de 1471, em que o alto donatrio apresenta Ordem de Cristo, a quem pertencia a jurisdio espiritual destas ilhas, um capelo para ser nomeado para S. Miguel; deste documento se infere que havia uma rudimentar populao, pois que os habitantes representaram a D. Beatriz contra a falta de um vigrio ou capelo que lhes desse assistncia religiosa. (9). Data, portanto, de 1474 ou 1475 o povoamento metdico de S. Miguel e a sua organizao como sociedade jurdica e de privilgios municipais, pois foi com Rui Gonalves da Cmara, primeiro do nome e filho de Joo Gonalves Zarco, primeiro capito do Funchal e grande colonizador da Madeira, que se d incio a uma fase de desenvolvimento bastante notvel, em que a nossa ilha foi adquirindo as necessrias estruturas administrativas, fase, alis, continuada pelos seus sucessores, Joo Rodrigues da Cmara e Rui Gonalves da Cmara, segundo de nome, que igualmente chamaram numerosos povoadores, por quem, a exemplo de seu pai e av, foi feita a distribuio das terras, segundo o sistema das sesmarias, impulsionando assim a sua cultura e estabelecendo a pouco e pouco variados centros de populao. O ano de 1474 deveras importante para o nosso Arquiplago e sobretudo para as ilhas mais povoadas, que saem do estado de semi-abandono em que se encontravam. Basta lembrarmo-nos de que tambm a data da diviso da ilha Terceira em duas capitanias: a de Angra e a da Praia entregues respectivamente a Joo Vaz Corte-Real e a lvaro Martins Homem, qualquer deles de envergadura fora do comum e ambos capazes de darem quela ilha o desenvolvimento que se impunha como centro de navegao e explorao martima ocidental em que cedo se tornou notvel. Outras ilhas, como Faial e Pico se foram desenvolvendo nos anos seguintes, sob a superior direco da Infanta D. Beatriz, como se disse, me e tutora do alto donatrio D. Diogo, duque de Viseu. A Velho Arruda, que tratou este assunto com larga viso na sua excelente Coleco de documentos sobre o descobrimento e o povoamento dos Aores (10), no escapou a coincidncia de j no ano de 1474 estar o futuro D. Joo II altamente interessado nos assuntos 11 da Guin e viagens de explorao africanas ( ); por isso no nos repugna acreditar que o ento Prncipe D. Joo que entrara em 1471 para a Famlia dos Duques de Viseu, pelo seu casamento com a futura Rainha D. Leonor, estivesse por detrs de D. Beatriz a orient-la na colonizao e desenvolvimento das ilhas aorianas, que ele previa serem do maior interesse, tanto para a navegao na costa africana como para as viagens no sentido ocidental, algumas delas, sabemo-lo bem, passando a fazer-se com ponto de partida em Angra e ainda hoje de consequncias to discutveis, mas a que o Prncipe Perfeito parecia ligar suma importncia. E Velho Arruda lembra ainda que 1474 a data da clebre carta de Toscanelli, o cosmgrafo florentino consultado por D. Afonso V para saber qual o melhor caminho para atingir a ndia, carta que tanto influenciou Colombo nas suas viagens para o Ocidente, de que resultou o conhecimento do continente americano.

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No admira, pois, o interesse que ao futuro D. Joo II deveriam despertar as ilhas aorianas, terras que podiam servir, como serviram, de entreposto busca das regies 12 orientais pela via do Ocidente ( ). Conhece-se ainda um documento datado de 13 de Maio de 1487 e transcrito no vol. XII do Archivo dos Aores, em que o Duque de Viseu deixa bem perceber o interesse do ento j rei D. Joo II no povoamento das ilhas, muito a propsito citado pelo Dr. Jos de Almeida Pavo Jr. no seu recente e erudito trabalho Aspectos populares micaelenses no povoamento e na 13 linguagem. ( ) Refiro-me a estes factos para melhor ajuizarmos da importncia que o descobrimento e o povoamento dos Aores parecem ter assumido no contexto geral da poltica de expanso portuguesa, que, como sabemos, teve naquele soberano um genial representante, ficando assim a sua notvel figura, segundo as melhores presunes, indelevelmente ligada ao aproveitamento das nossas ilhas. Este Livro IV abrange o longo perodo que vai desde o povoamento da ilha de S. Miguel no sculo XV at data do falecimento do autor, pois que at ao fim ele procurou actualiz-lo, de que so provas no manuscrito original as inumerveis entrelinhas do seu prprio punho e os espaos em branco, que, especialmente nos ltimos captulos, pretendia preencher com notcias, que a doena, ou porventura a morte quase repentina, no consentiu colher, ou informar-se de forma mais verdica. So 251 folhas reunidas em 113 captulos, em grande parte preenchidas pelo seu inconfundvel cursivo, abrindo com abundante matria genealgica, pelo que se consideram fonte de inestimvel apreo para os estudos desta especialidade em S. Miguel. Mas temos de reconhecer que este Livro um dos que registam maior nmero de anomalias, se assim quisermos chamar falta de uma uniformidade de escrita, paginao, enumerao de captulos e outros aspectos que garantem a autenticidade de um manuscrito. Tais anomalias vo desde as numerosas entrelinhas da sua prpria mo, facilmente reconhecveis pela letra que para elas usou e a mesma que nos surge nos registos paroquiais da Matriz da Ribeira Grande, at aos atentados cometidos por mo estranha, de que resultou o desaparecimento de vrias folhas, ficando os respectivos captulos irremediavelmente truncados por no se conhecerem cpias anteriores a to grave viciamento. J tratmos deste assunto, com o possvel pormenor, no exame que fizemos a todo o manuscrito ao publicarmos o Livro I das Saudades da Terra. No vamos, pois, repeti-lo, pelo que nos detemos a registar o que neste Livro IV mais pode ferir a nossa ateno. certo que algumas substituies de folhas, ou mesmo introduo, feitas por mo estranha, tiveram o consentimento do autor; as suas inconfundveis entrelinhas, em letra em extremo mida, mas sempre facilmente legvel, assim o comprovam. Porm, quanto s mutilaes a que nos referimos, cometidas aps a sua morte, num propsito evidente de adulterao do manuscrito, lembremo-nos de que algum motivo houve para os padres do Colgio da Companhia de Jesus em Ponta Delgada, a quem Frutuoso legou a sua livraria, tomarem a medida preventiva constante do aviso que em letra bem grada apuseram na primeira pgina do cdice e reza da seguinte forma: Est ordenado pelos superiores que estes livros se no emprestem em nenhum modo para fora de casa, por vrios inconvenientes que nisso pode haver e ainda quando em casa se deixe ver a algum de fora, deve assistir lhe algum dos nossos por boas razes. No temos dvida de que um tal aviso foi medida de precauo para evitar que se cometessem novos atentados autenticidade do manuscrito, para lhes no chamar actos de criminoso vandalismo, como sejam por exemplo o desaparecimento de algumas folhas e a destruio pelo fogo de trs linhas da pgina 202 deste Livro. Quanto ao primeiro, no h dvida de que desapareceram ou foram arrancadas quatro folhas (303 a 306). manifesto o desacordo entre o reclamo do verso da folha 302 e a palavra que d comeo folha seguinte que est numerada de 307. E a confirmar o atentado est o captulo que se segue, o 52. que primitivamente era o 53., pois que o algarismo trs, ainda bem visvel, foi emendado para dois com tinta muito diferente da usada por Frutuoso. E a mutilao s pode explicar-se se atendermos ao assunto que versa o anterior captulo, o 51.; nele o autor demora-se na enumerao dos grandes proprietrios da

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terra, aqueles que constituam a nobreza da ilha, descendentes dos primitivos povoadores do sculo XV e dos que no decorrer do sculo XVI receberam dadas de terras por parte dos capites donatrios. Como dissemos algures lgico supor-se que o captulo que se seguia, o 52., donde constariam as quatro folhas desaparecidas e as que no cdice figuram com os nmeros 307 e 308, tratasse da actividade comercial da ilha, visto que a primeira destas folhas, hoje fazendo parte do captulo anterior, comea precisamente com a relao dos principais mercadores da poca em S. Miguel, expressa nos seguintes termos: H nesta ilha neste tempo de agora e sempre houve de trinta at quarenta homens da terra que todos negoceiam. E logo cita Gaspar Dias, Cristvo Dias, seu irmo, Antnio e Francisco Mendes Pereira, os Crastos ou Castros, Joo Lopes Cardoso, etc., todos negociantes ricos e poderosos, que assim figurariam nas Saudades da Terra em captulo especial e bem separado do que diz respeito aos proprietrios do solo. Tal separao, que, porventura, beliscaria a vaidade daqueles vultos importantes do comrcio local, pode ter sido o motivo do desaparecimento que vimos referindo, pois que, com ele, esses mercadores ficaram reunidos no mesmo captulo aos proprietrios da terra, por assim dizer, aqueles a quem Frutuoso atribua foros de nobreza, representando as famlias dos antigos povoadores, como Botelhos, Camelos, Regos, Bettencourts, Oliveiras, Barbosas, Medeiros, Gagos, Velhos, etc. No nos parece que esse acto fosse obra do prprio Frutuoso, porque a emenda verificada no actual captulo 52. (o primitivo 53.), no da sua mo e a tinta difere muito da que ele usava. Mais adiante, a fls. 311, verso, a fraude completa-se. Frutuoso, na sequncia do que estava a escrever sobre o valor do trigo, d incio, no alto do verso dessa folha tabela dos diversos preos daquele cereal desde o ano de 1513, pondo como reclamo no retro da mesma, as palavras com que se inicia a dita tabela. Ora, com letra que no a dele, abre-se o actual captulo 53. Da valia de trigo em tempos diversos de 1513-1589, quer dizer: essa tabela fazia parte do captulo anterior, intitulado Da grande abundncia de trigo que houve na ilha de S. Miguel e dos preos que teve em alguns anos. Mas como era preciso harmonizar os nmeros dos captulos que se seguem com a supresso do primitivo captulo 52., depois de emendar o captulo 53. para 52., criou-se um outro com a tabela do trigo, a que se ps aquela numerao, para assim condizer com os restantes captulos deste Livro IV, que seguem todos da em diante regularmente e sem mais emendas at ao fim. de notar que a letra da epgrafe deste novo captulo 53. a da mo que emendou o nmero do captulo 52. (14) Como dissemos, este assunto tratado mais demoradamente em O manuscrito original das Saudades da Terra que antecede o texto do Livro I desta edio do Instituto Cultural de Ponta Delgada e a poder o leitor informar-se com mais pormenor das razes que presumivelmente determinaram um tal vandalismo. Outro estrago que o cdice sofreu verifica-se a fls. 202, isto , no cap. XI deste Livro, todo ele escrito pela mo de Frutuoso. Este de tal forma grosseiro que no oferece dvidas o seu intuito criminoso. Com a ponta de um cigarro, algum destruiu no sentido horizontal cerca de trs linhas do texto que se referem ao cativeiro que sofreram na guerra de frica, onde haviam acompanhado El-rei D. Sebastio, os filhos de Duarte Borges de Gamboa, provedor da Fazenda Real nestas ilhas dos Aores e tesoureiro mor do Reino. A proeza no antiga, pois cometeu-se em tempos relativamente prximos, isto , depois de concluda a cpia do Morgado Joo dArruda, que datada de 1814, o que nos permite reconstituir o texto inutilizado. Remetemos o leitor mais curioso para o que acerca deste assunto escrevemos a folhas CL do Livro I, da referida edio do Instituto Cultural de Ponta Delgada. Outra anomalia digna de registo so os catorze captulos em que se faz a pormenorizada e saborosa descrio desta ilha de S. Miguel. No foram escritos por Frutuoso, mas tudo indica, mormente o estilo, que tais captulos sejam da sua autoria, tal a mincia e o esprito de observao que lhe so peculiares: alis,

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algumas entrelinhas no seu conhecido cursivo extremamente mido confirmam que foi trabalho a que no ficou estranho, porventura atestando que a redaco dos captulos fora revista e poderia considerar-se definitiva. Tanto o papel como a letra so muito diferentes dos que usou em quase todo o manuscrito; esta ltima assemelha-se muito do Contraponto do Doutor Daniel da Costa, que figura no Livro III, embora de talhe mais pequeno, possivelmente do mesmo copista e excelente calgrafo que Frutuoso encarregaria de copiar esse panegrico do Bispo do Funchal, D. Lus de Figueiredo e Lemos, que era mariense, e outras passagens da sua obra, porventura, as que se apresentassem mais carregadas de notas e emendas, como deveriam ser estes captulos de que ora tratamos. No podemos duvidar de que para a descrio topogrfica da ilha teria reunido durante muito tempo grande quantidade de apontamentos, que, depois de ordenados, exigiriam um trabalho de cpia, para a sua idade j bastante penoso e fatigante, no dispensando, por isso, o auxlio de outrem. Como disse j, no vejo razes para duvidar de que ele fosse o autor desses catorze captulos em que to pitorescamente se descreve a ilha de So Miguel, e cujo estilo, to conforme com o das restantes descries topogrficas, que se contm nas Saudades da Terra, do melhor sabor frutuosiano. (15) Calculamos que, depois da obra numerada da primeira ltima folha, esses captulos tenham sido passados a limpo, substituindo os primitivos, escritos pela mo do cronista e que pelas muitas notas e acrescentamentos que apresentariam, houve a necessidade de renovar. A prova de que assim tenha acontecido est no facto de a eles se seguirem nove folhas em branco, pertencentes a essa srie de cadernos que vimos analisando, pois que da pgina 290, aonde termina a descrio da ilha, passa-se logo para o nmero 300, embora o reclamo esteja absolutamente certo, captulo 51., captulo este que agora se segue com letra de Frutuoso e no muito conhecido papel de que habitualmente se servia. Tais folhas, que deveriam ter sido as que restassem da cpia acima mencionada, j hoje no existem no manuscrito e foram aproveitadas pelo Padre Manuel Gonalves, da Companhia de Jesus, para escrever a notcia do terramoto de 1630, que acompanhara a erupo vulcnica da Lagoa Seca no Vale das Furnas, j muito depois da morte de Frutuoso (1591), e que parece ser a smula da relao que acerca de tal sucesso fez para ser entregue ao Conde de Vila Franca, D. Rodrigo da Cmara, que lha encomendara. Este foi outro atentado que o cdice sofreu, cometido j em poca muito recente, pois que o Dr. Ernesto do Canto, ao publicar aquela notcia no Archivo dos Aores, chamando-lhe lembrana, diz expressamente que foi escrita por aquele religioso no manuscrito original das Saudades da Terra e que dela fala o P.e Antnio Cordeiro na Histria Insulana, Livro V, captulo XII. de ter em conta o depoimento do ilustre historiador micaelense, porquanto, ao dar estampa aquele volume do Archivo dos Aores, j ele compulsara o cdice, o que, alis, confirmado pela circunstncia de algumas cpias das Saudades da Terra, feitas no sculo XIX, reproduzirem essa notcia. Quase no fim do Livro e em pleno captulo (102.) sobre a batalha naval de Vila Franca, que um dos maiores que nele se contm e preenchido em grande parte com a letra de Frutuoso (at pgina 419), surgem 3 cadernos algum tanto mais pequenos e estreitos do que o papel usado pelo cronista e com uma letra totalmente diversa das que figuram no cdice. A introduo destes flios, com que se conclui o Livro IV, fez-se sem dvida alguma com a aprovao do autor; prova-o a sua letra muito mida em algumas epgrafes de captulos e em entrelinhas, uma delas at bastante extensa. O captulo 112. s tem o ttulo (De Gonalo Vaz Coutinho que agora he governador da milcia na ilha de S. Miguel) e o respectivo nmero, ambos da mo do cronista, e o 113. no chegou a concluir-se, donde depreendemos em vista tambm dos espaos em branco que de vez em quando surgem, e das pequenas notas algum tanto desligadas entre si, a que pretendia, porventura, dar redaco definitiva, que Frutuoso, j bastante envelhecido e adoentado morreu quase repentinamente no teve tempo para os redigir devidamente ou obter matria para os completar, encarregando algum de o auxiliar na cpia desta parte final do Livro, que, segundo parece, pelos esclarecimentos da sua mo, lhe mereceu interesse at os ltimos dias da vida. No entanto, e sem embargo de tais lacunas, ele d-o por concludo, a pginas 443, porque depois de uma folha completamente em branco e

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dirigindo-se Fama, diz que ali est o que pde saber desta ilha de S. Miguel, e anuncia j a narrativa que se lhe segue, isto , a Histria dos Dois Amigos, que constitui o Livro V. J algures chamei a ateno para a curiosa semelhana que se nota entre as narrativas da Guerra da Independncia, quer nesta parte do Livro IV, quer no Livro VI, e a relao que sobre o mesmo escreveu o Licenciado Mosqueira de Figueiroa, Adido Geral da Armada e do Exrcito do Rei Catlico, a qual, publicada em Madrid em 1596, isto , cinco anos aps a morte do nosso cronista, foi transcrita pelo Dr. Ernesto do Canto no volume IV do Archivo dos Aores. 16 ( ). Isto nos leva a supor a existncia de uma fonte documental comum, que Frutuoso transcrevesse quase na ntegra. E se nos lembrarmos de que foi aquele magistrado quem lavrou a sentena de morte dos partidrios de D. Antnio, aps a conquista da ilha Terceira, de presumir que essa fonte fossem quaisquer peas dos respectivos processos. Tambm ultimamente tivemos ocasio de verificar que os captulos 102. e 103. deste Livro IV, sobre a batalha naval de Vila Franca, so em grande parte uma cpia da Relao que 17 acerca da mesma batalha enviou o Marqus de Santa Cruz a Filipe II ( ). Como se v, por esta pequena resenha que de alguns deles fiz, so numerosos os problemas que oferecem as Saudades da Terra sagacidade da crtica e de cuja resoluo nem sempre foi possvel desempenharmo-nos de forma mais satisfatria. Esperemos que no decorrer dos tempos, surja algum, que melhor dotado e com suficiente experincia em assuntos desta natureza, possa fazer uma anlise mais profunda e concludente a este notvel cdice, cuja fama ultrapassou os limites estreitos das nossas ilhas aorianas para despertar a curiosidade de vultos da maior proeminncia na sociedade portuguesa, como o atestam algumas cpias de que nos d conta o erudito Joo de Simas no seu valioso 18 trabalho j aqui mencionado. ( ) No queremos dar por findas estas Palavras Prvias sem dirigir os rendidos agradecimentos do Instituto Cultural de Ponta Delgada, a cuja Direco hoje presido, ao Sr. Engenheiro Antnio Manuel de Medeiros Ferreira, pelo interesse que lhe mereceu a publicao deste Livro IV, no desempenho das suas funes de Presidente da Comisso Administrativa da Junta Geral de Ponta Delgada, concorrendo para que, pelo menos, se lhe desse incio, e tambm ao Governo Regional dos Aores, que permitiu o seu prosseguimento. E, por fim, seria injustia, para com a memria de um falecido, ao terminar a publicao da obra, no lhe prestar o devido preito de homenagem. Refiro-me ao terceiro Marqus da Praia e Monforte, que, num gesto, que nunca por demais se elogia, se dignou oferecer Junta Geral do nosso distrito o precioso cdice, que durante tantos anos se manteve inacessvel na posse da sua famlia, permitindo assim que se lhe desse a luz da publicidade. 10 de Novembro de 1977

Joo Bernardo de Oliveira Rodrigues

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FOTOCPIA DA PGINA N. 180 DO MANUSCRITO ORIGINAL DAS SAUDADES DA TERRA, EM QUE SE D COMEO AO LIVRO QUART

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LIVRO QUARTO DAS SAUDADES DA TERRA

DO DOCTOR GASPAR FRUTUOSO EM QUE SE TRATA DO DESCOBRIMENTO DA ILHA DE SO MIGUEL E DA VIDA E PROGNIA DOS ILUSTRES CAPITES DELA E DE SEUS MORADORES E DE ALGUMAS COISAS QUE NELA ACONTECERAM.

Livro Quarto das Saudades da Terra

SAUDADES DA TERRA

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CAPTULO I COMO FOI ACHADA A ILHA DE SO MIGUEL POR FREI GONALO VELHO, COMENDADOR DE ALMOUROL, DA QUAL TAMBM FOI FEITO CAPITO, SENDO-O J DA ILHA DE SANTA MARIA, ENVIADO PELO INFANTE DOM HENRIQUE A ESTE DESCOBRIMENTO

Querendo eu contar as coisas desta ilha de S. Miguel, em que vivo, disse Fama: Agora, Senhora, vos necessrio ter mais sofrimento em me ouvir do que at aqui tivestes, porque, falando desta ilha (por ser ao presente minha morada, de que sei mais particularidades), hei-de dizer muitas miudezas que cansam e enfadam a quem as diz ou escreve, e muito mais a quem as ouve. Ao que ela me replicou: Com esses enfadamentos, Senhora, me desenfado eu, e por isso os peo, quero e desejo, para ser aprazvel a todos e desenfadar a uns, que ho-de louvar o bem dito e enfadar a outros, que se desenfadaro com terem que dizer e murmurar do mal feito, que a mais doce fruta da terra. E assim cumprirei com a obrigao de meu nome, pois este o meu natural e natureza. Vs, Senhora, segui a vossa, que dizer verdades gerais e particulares de coisas grandes e pequenas, ainda que elas no sejam aprazveis, quando tocam em culpas prprias e coisas secas e estriles. Mas, pois eu pretendo saber todas, contai-me vs as mais que puderdes e souberdes, que tudo, como at aqui, me ser manjar aprazvel e gostoso. Ao que eu respondi, dizendo: J que quereis, Senhora, enfadamentos, que somente pertencem aos naturais desta ilha, ouvi-os. Pois no h aldeia no mundo de que os meus moradores no contem grandes fundamentos de sua primeira habitao, e alguns fingidos, quero, Senhora, contar desta ilha de S. Miguel os verdadeiros, pelo melhor modo que me foi possvel saber, com muitas inquiries, perguntas e viglias, sem ter aceitao de pessoa, para deixar de falar a verdade sabida. E se isto de mim no crerem os maldizentes e murmuradores, que nunca no mundo faltaram, nem faltaro at ao fim dele, eu fico comigo satisfeita, que diante de Deus no terei culpa, nesta parte, (ainda que outras muitas tenha) de afeio nem lisonjaria, de dio nem vingana, de temor nem covardia, com que me pudera cegar, se algumas destas faltas tivera para me desviar da verdade das coisas que contei e contar quero. Porque, posto que seja condio geral de todas as gentes, por darem antigos e ilustres princpios a sua linhagem, sempre fabularem coisas, a que a antiguidade, no testemunha... (ilegvel) d licena; assim como no deixei de contar a certeza do que soube dos ilustres capites da ilha da Madeira e Santa Maria, e de seus moradores, assim tambm no deixarei de dizer (pois falo antre vivos que, se no viram, ouviram) o que ouvi afirmar por muito certo a alguns antigos, dignos de f desta ilha de S. Miguel, do que sabiam da origem e feitos de seus ilustres capites, que dos da ilha da Madeira por linha masculina descendem. E ainda que aqui nascera, sem suspeita de natural, com rosto descoberto, sem pejo, nem empacho, direi verdadeiramente tudo quanto disser dos naturais desta ilha, reprovando alguns fingimentos antigos e ditos fora de propsito e razo, que no levam caminho de verdade, e aprovando os mais razoveis e verdadeiros. J tenho atrs contado algumas razes que deram motivo ao infante D. Henrique para mandar descobrir a ilha de Santa Maria, e as mesmas teve para se mover ao descobrimento desta de S. Miguel e das mais dos Aores; pelo que, depois de achada a ilha de Santa Maria, ordenou de mandar descobrir esta de S. Miguel, a qual empresa cometeu e encomendou a Frei Gonalo Velho, capito de Santa Maria, que, ento, estava no Algarve. E preparadas todas as coisas necessrias para o novo descobrimento, partiu o dito Frei Gonalo Velho, com o regimento que o infante para isso lhe deu. E (como contam os antigos) no navio em que vinha de Sagres, navegaram at se prem quase na altura da ilha de Santa Maria, vendo por seus rumos e pontos, e depois com seus olhos, que lhe ficava ela da banda do sul; e andando neste

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meio mar, antre (19) estas ilhas, s voltas, ora com um bordo para uma parte, ora para a outra, no podendo ver esta ilha de S. Miguel, nem achando terra alguma, se tornaram ao Regno (20). E sendo perguntados Frei Gonalo Velho e o piloto, por que banda tomaram a ilha de Santa Maria, disseram que pela parte do norte; ao que replicou o infante, dizendo: passastes entre o ilhu e a terra; porque chamava ilhu ilha de Santa Maria, por ser pequena e ter notcia disso, pela ver no mapa que tinha, ou pelas outras razes j ditas, e entendia por terra esta ilha de S. Miguel, por ser muito maior. Donde se muitos enganaram e enganam, cuidando que era o ilhu de Vila Franca e afirmando que antre ele e a terra desta ilha de S. Miguel passou este navio, que veio a este descobrimento, no havendo ele passado seno por antre estas duas ilhas, como j tenho dito. Alguns dizem que depois tornou o infante a mandar a Frei Gonalo Velho, e que achou primeiro o ilhu de Vila Franca, onde saiu sem ver a ilha; e fazendo nele dizer missa, sem consagrar nela, por lhe parecer que estava no mar, como em navio, porque era o ilhu pequeno. Acabada a missa, comearam a ouvir uns gritos grandes, que eles entendiam ser de demnios, que gritavam e diziam: nossa esta ilha, nossa ! Mas, contudo, desembarcaram em terra e tomaram posse dela, desapossando os demnios. Como conta Plutarco outra histria quase semelhante de gritos de demnios, que recita o magnfico cavaleiro Pero Mexia, em sua Silva, dizendo o mesmo Plutarco: Lembra-me haver ouvido a Emiliano, orador, varo prudente e humilde, que vindo seu pai navegando por mar para Itlia, passando uma noite muito junto a uma ilha chamada Paraxis, estando toda a gente da nau acordada, ouviram uma grande e temerosa voz, que soava da dita ilha despovoada, chamando pelo nome de Atamano, que assim se chamava o piloto da nau, que era natural do Egipto; e ainda que esta voz foi ouvida por Atamano, e por todos, uma e outra vez, nunca ousou responder, at que, j ouvindo-se chamar a terceira vez, respondeu, dizendo: quem chama? que quereis? E ento a voz soou muito mais alto e disse: Atamano, o que te quero que tenhas em todo caso cuidado, em chegando ao golfo chamado Alagoa, de fazer saber ali e dizer a brados que o grande demnio, o deus Pan, morto. Ouvido isto, toda a gente da nau ficou muito espantada, e acordou-se antre eles que o mestre no curasse de dizer nada, se o tempo lhe servisse quando por ali passasse, seno seguir seu caminho. Mas aconteceu que chegados Alagoa, que era o lugar assinalado, subitamente lhes acalmou o vento, que no puderam navegar, e, vendo-se assim em calma, determinaram de fazer saber a nova que lhes era encomendada; e pondo-se o piloto ao bordo da nau, alou a voz quanto pde e assim ao ar disse: Fao-vos saber que o grande diabo Pan morto! E logo em acabando ele de dizer isto, foi to grande a multido de vozes e gritos que ouviram, que atroou todo o mar, e durou aquele choro, que ouviram fazer, mui grande espao. O qual eles ouvindo, com grandssimo medo fizeram sua viagem o melhor que puderam. E chegados ao porto, e depois de vindos a Roma, se publicou nele e nela este caso por muito estranho. Eu, no somente este, mas tambm o outro de dizerem que dizendo missa seca no ilhu de Vila Franca ouviram os gritos dos demnios, que bradavam, dizendo: nossa esta ilha! nossa ! ambos tenho por estranhos e mui alheios da verdade, ou, pelo menos, ainda que o da Alagoa acontecesse, permitindo Deus que os demnios fizessem aquelas querimnias do seu gran diabo ser morto de dor e pesar, no tempo da paixo do Salvador do mundo, que lhe desfazia seus enganos e tirou seu domnio e tirania, sem o tal diabo poder morrer, na realidade da verdade; este desta ilha nunca aconteceu, nem saiu no ilhu de Vila Franca Frei Gonalo Velho e os que com ele vinham a primeira vez que a acharam. Mas a verdade deste descobrimento passou desta maneira. H se de notar (como tenho contado) que sendo a ilha de Santa Maria descoberta por mandado do dito infante D. Henrique, a proveu de gados para multiplicarem na terra; e mandou trazer cavalos e guas e outras coisas necessrias, e sendo os navios que isso traziam junto dela, com os temporais que lhe deram, no podendo sofrer a tormenta, nem pairar, aos mares, tornaram a arribar; e alijando no meio da travessa, para salvarem suas vidas, botaram as guas ao mar, donde lhe ficou o nome de val, ou vale, das guas, que aqueles primeiros descobridores lhe puseram. Neste tempo, ou pouco mais alm, aconteceu na ilha de Santa Maria, por algum delito ou falta que fez a seu senhor, fugir um escravo, homem preto da Guin, dos moradores da ilha, e acolher-se serra, da banda do norte, e por ser em tempo de vero, e o ar sem nvoa, via o negro dela, algumas vezes, a ilha de S. Miguel, quando fazia o tempo claro. E depois de ser tornado, dizia que da serra, donde andara, vira uma terra grande para a banda do norte. E sendo disto certificado o infante D. Henrique, por esta notcia e razo que lhe acresceu s outras que ele entendia, posto que j tinha mandado descobrir esta de S. Miguel, sem os

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descobridores a poderem achar, tornou a mandar o mesmo Frei Gonalo, por ser capito da ilha de Santa Maria e j cursado nestas viagens, ao descobrimento destoutra, sua vizinha. Deixando parte o que tenho atrs dito dos cartaginenses, que conjecturei haverem sido primeiros e antigos descobridores de todas, ou das mais destas ilhas dos Aores, que me parece ter sombra de verdade pelas razes j ditas, e no falando no que outros dizem, que foi esta ilha de S. Miguel, antes de ser achada pelos portugueses, setenta anos atrs descoberta por um grego, que com tormenta desgarrou de Clez, e vindo a dar nela, a foi pedir a El-Rei, que lha deu, e trazendo gado que nela lanou, logo faleceu, com que ficou a ilha erma at o tempo que os portugueses a descobriram, em que acharam ossada de gados, e que na baa da Lagoa se achou de carneiros, pelo que lhe puseram nome Porto dos Carneiros, o que eu tenho por coisa fabulosa e longe da verdade, direi o que sei do descobrimento dela, certo por memrias e escritos dos antigos e por tradio deles, que de mo em mo, ou de memria em memria, veio ter s mos e lembrana dos moradores presentes que nela agora vivem, que o que se segue. Depois de tornado Frei Gonalo Velho, capito da ilha de Santa Maria, da primeira viagem que fez por mandado do infante ao descobrimento desta ilha de S. Miguel, sem a poder achar nem ver, andando perto dela, lavrando com muitos bordos o mar de antre ambas, pelo que o infante sabia, lhe respondeu que andara antre o ilhu, que a ilha de Santa Maria, e a terra, que esta de S. Miguel; e pelo que lhe disseram, que a vira o negro fugido, tornou (como j disse) a mandar o mesmo Frei Gonalo Velho a busc-la, dando-lhe por regimento que pusesse a popa no ilhu, que era a ilha de Santa Maria, e ao norte navegasse, e dariam na ilha que ele mandava buscar. O que cumprindo o dito Frei Gonalo Velho e o piloto que trazia consigo, que se chamava Foam (sic) Vicente, natural do Algarve, cujo nome no soube, quase doze anos inteiros depois de ser descoberta a ilha de Santa Maria, aos oito dias do ms de Maio da era de mil e quatrocentos e quarenta e quatro anos, por dia do aparecimento do arcanjo S. Miguel, prncipe da igreja, foi vista e descoberta por eles esta ilha; que, por ser achada e aparecer em tal dia e festa do aparecimento do arcanjo, lhe foi posto este nome ilha de S. Miguel, de felicssima sorte, governando o Reino o infante D. Pedro, filho de el-Rei D. Joo, de Boa Memria, o primeiro do nome e dcimo Rei de Portugal; o qual se prova, pois, por morte deste Rei D. Joo, de Boa Memria, reinou seu filho D. Duarte, que nasceu na cidade de Viseu no ano de mil e trezentos e noventa e um, e viveu quarenta e dois anos, dos quais reinou cinco, e faleceu na era de mil e quatrocentos e trinta e oito anos; e por sua morte houvera de reinar seu filho D. Afonso, o qual nasceu na era de mil e quatrocentos e trinta e dois anos, e por no ser mais que de seis anos, no foi entregue do Regno, seno seu tio o infante D. Pedro, que governou por seu sobrinho, D. Afonso, at a era de mil e quatrocentos e quarenta e oito anos, em que foi entregue ao dito Rei D. Afonso. Antre os quais anos mil e quatrocentos e trinta e dois, em que nasceu el-Rei D. Afonso e comeou a governar o Regno por ele o infante D. Pedro, e o ano de mil e quatrocentos e quarenta e oito, em que acabou de governar, por entregar o governo a el-Rei D. Afonso, se inclui e contm o ano de mil e quatrocentos e quarenta e quatro, quando esta ilha de S. Miguel foi achada, em o qual o infante D. Pedro governava o Reino. E logo no ano de mil e quatrocentos e quarenta e nove el-Rei D. Afonso, sendo ainda no primeiro ano de seu reinado, deu licena ao infante D. Henrique, seu tio, para mandar povoar estas ilhas dos Aores, que havia dias que eram descobertas. No ano de mil e quatrocentos e oitenta, outros dizem, de oitenta e um, faleceu este Rei D. Afonso, e no mesmo ano, antes de seu falecimento, fez as pazes com Castela. Chegando aqui s ilhas os novos descobridores, tomaram terra no lugar, onde agora se chama a Povoao Velha, pela que ali fizeram depois, como adiante contarei, e, desembarcando antre duas frescas ribeiras de claras, doces e frias guas, antre rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo de cedros, louros, ginjas e faias, e outras diversas rvores, deram todos, com muito contentamento e festa, graas a Deus, no as que por to alta merc se lhe deviam, seno as que podem dar uns coraes contentes com o bem to grande que tinham presente, desejado por muitos dias e com tanto trabalho e enfadamento de importunas viagens por tantas vezes buscado. De crer que trariam sacerdote consigo, que dissesse ali missa (como alguns dizem) onde no lugar agora est uma ermida de Santa Brbara, e aquela foi a primeira que nesta ilha se disse; mas que missa fosse ou quem a dissesse, no se sabem as particularidades disso, nem de outras que ali passariam (como alguns querem dizer e contarei adiante). Andavam os novos ento, e agora antigos

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descobridores, ora pouco pela terra, porque muito no podiam, por lho impedir o espesso mato, ora muito mais pelo mar, no barco de seu navio, correndo parte da costa, vendo das guas salgadas as doces ribeiras, que, por antre o arvoredo, pelas rochas caam, examinando e atentando todas as particularidades que podiam e os lugares ss e saudosos da erma e solitria ilha, acompanhados de uns altos montes e baixos vales, povoados de arvoredo, com cuja verdura vestida estava toda a terra, dando grandes esperanas de ser mui frtil e proveitosa a seus moradores, que nela viessem a fazer suas colnias. E dizem comummente os antigos que, vendo muitos aores e bons, dos quais levavam daqui para o Reino alguns no princpio, como tinham visto na ilha de Santa Maria, lhe puseram nome ilhas dos Aores, o que bem podia ser; mas o que outros tm por mais verdade que, por aqui no haver seno poucos e como adventcios, vinham a esta ilha doutras terras no sabidas, vendo no ar muitos milhafres que havia, que com eles se pareciam e por tais os julgavam, como agora h, e assim parecerem, lhe puseram este nome de ilhas dos Aores, o qual tambm se apegou s outras ilhas de baixo, que depois se descobriram, onde no faltam estas aves de rapina; ou tambm por ento nelas se acharem aores, ainda que depois e agora os no houve, nem h em nenhuma delas, seno alguns que com temporais e tormentas acertam de vir desgarrados de outras partes. E no fazendo os novos descobridores detena muitos dias nos que ali estiveram, tomando guas, ramos de rvores e algum caixo de terra, e pombos que, sem trabalho e sem laos, s mos tomavam, e outras coisas que a acharam, para levar por mostra ao infante, se partiram para ele, que, contente com tal nova, os recebeu, contentes por lha levarem, e lhes fez mercs a todos com a benignidade que se devia a to bons servidores e tais servios mereciam, fazendo particular merc a Frei Gonalo Velho da capitania da ilha que novamente achara, com a outra capitania que lhe tinha dado da ilha de Santa Maria, com que ficou capito de ambas, porque os multiplicados e continuados servios no se pagam com singelos prmios, seno com mercs dobradas (21).

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CAPTULO II DA MAIS ANTIGA E PRIMEIRA POVOAO E MAIS ANTIGOS E PRIMEIROS POVOADORES QUE NA ILHA DE SO MIGUEL HOUVE

Depois de achada a ilha de So Miguel, tornando para o Regno seus descobridores, foram pelo mar, enquanto a no perdiam de vista, para trs atentando e notando sua figura, e viram que em cada ponta de sua comprido tinha um mui alto pico, que, assim como eram os dois extremos dela, assim eram tambm extremados na grandura, e em grande quantidade e altura sobrepujavam a todos os mais montes que pelo meio havia; e demarcando-a por eles o piloto, para depois a poder melhor reconhecer, sendo chegados a Sagres (como tenho dito) e havendo o infante feito merc da capitania dela a Frei Gonalo Velho, juntamente com a da ilha de Santa Maria, tornou logo a mandar, ou o mesmo Frei Gonalo Velho e o piloto, ou o piloto s, sem ele, com outra companhia, a deitar gado e aves e outras coisas necessrias e provar a ventura de sua fertilidade tambm, com sementes de trigo e legumes, com que partiram de Sagres. E navegando com prspera viagem, vindo vista da ilha, vendo-a o piloto, a desconheceu por lhe ver um s pico da parte do oriente e no ver o outro da banda do ponente, com que ida a demarcara; porque neste meio tempo, enquanto eles foram ao Regno e tornaram, aconteceu que se alevantou o fogo, a primeira vez sabida nesta terra, e ardeu aquele alto pico para a banda do noroeste nesta ilha, junto da ponta dos Mosteiros; onde agora se chamam as Sete Cidades s cavidades dele, das quais depois particularmente contarei. E dizem que o mesmo piloto e os do navio viram no mar muita pedra pomes e troncos de rvores que dali saram, sem entender a causa disso. Mas, ainda que ento e depois foram achados os sinais e efeitos deste fogo, que fez arrebentar e abaixar aquele pico, no foi visto, por no ser povoada a ilha no tempo que ele arrebentou. Do qual dizia Pedro Gonalves Delgado e Duarte Vaz, seu irmo, antigos e parentes dos primeiros habitadores, que eles tinham ouvido a seu pai que o piloto e os primeiros que vieram a povoar esta ilha desconheceram a terra, por no verem j o pico por onde a tinham demarcada, por causa do fogo que, sem eles o saberem, tinha dantes arrebentado, sumido e espalhado aquele grande pico. Contudo, saram em terra na Povoao, em que a primeira vez haviam desembarcado, onde se certificaram ser aquela a mesma ilha que dantes tinham demarcada. E ali foi o primeiro assento, que nesta ilha se fez de povoao de gente, que desembarcou nela por dia da dedicao do arcanjo S. Miguel, a vinte nove de Setembro do mesmo ano. E povoando ali primeiro, e depois em outras partes, se chamou aquele lugar pelo tempo adiante, em respeito das outras povoaes, a Povoao Velha. O que foi grande dom de Deus e especial merc feita a esta ilha aparecer e achar-se no dia do aparecimento de S. Miguel e tornar-se a achar e povoar no dia de sua dedicao, por se dedicar toda a este Santo Arcanjo, Prncipe da Igreja, e t-lo por seu Prncipe e Padroeiro, pois sua, chamando-se, de seu nome, de S. Miguel; onde morando os descobridores em suas cafuas de palha e feno, ouviam quase por espao de um ano tamanho arrodo, bramidos e roncos, que a terra dava com grandes tremores, ainda procedido da subverso e fogo do pico que se sumira dantes, que estando todos pasmados e medrosos, sobstentando a vida com muito trabalho, assentaram de se tornar para o Regno, mas por falta de embarcao o no fizeram, por ser j tornado o navio em que haviam vindo. E porque neste princpio h vrios pareceres e contam diversas coisas, di-los-ei aqui todos, para que cada um tome e escolha deles o que mais lhe quadrar e parecer mais verdadeiro. Uns dizem que os primeiros habitadores que neste navio vieram e desembarcaram nesta ilha foram Jorge Velho e sua mulher Africnes, Pero de Sam Miguel e sua mulher Aldona Roiz, Joo de Rodes e Joo de Arraiolos, que outros dizem de Arajo, todos naturais de frica, criados do infante D. Henrique, por quem ele mandava fazer experincias da terra, os quais se diz que foram os que fizeram primeiramente justia na ilha, e enforcaram um homem na dita Povoao em uma rvore e, depois de morto, lhe tiraram a inquirio das culpas, como dizem

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que se faz s vezes em Castela, e, porque alegava defesa, responderam: julgar-te, enforcar-te e depois tirar-te inquirione. E de tal doctrina no podia deixar de ficar em bom foro a terra, porque, se a seguira, enforcando logo os malfeitores e ladres que acham com o furto nas mos, no andariam agora muitos nela a furtar-lhe o fato, sem haver um castigo. Parece que, como toda a coisa violenta no perptua, foi to violenta neste princpio, nesta terra, a justia, que no pde nela durar muito. Outros contam que logo depois de achada esta ilha de S. Miguel e antes de ser habitada, sendo j povoada a ilha de Santa Maria havia alguns anos, se afeioou nela um homem com uma mulher casada e lhe matou o marido; pelo que se ps a monte com a mulher e deu conta disso a um seu amigo, pedindo-lhe favor e ajuda para escapar das mos da justia e concedendo-lho o amigo, ordenou de tomar uma noite um barco, como tomou, em o qual embarcando ambos e a mulher com eles, e partindo para esta ilha de S. Miguel, que de l viam, ou tinham ouvido que se via, tomaram a Povoao, que o mais perto e direito caminho que tinham. No se tardou muito tempo que o infante D. Henrique mandou gente para povoarem a ilha, a qual veio surgir no mesmo porto da Povoao, onde acharam rasto e sinal de gente na areia e na terra, de que se muito maravilharam; mas eles no apareciam seno a fazer-lhes alguns saltos no fato e mantimentos que tinham, no ousando aparecer pelo mal que era feito; porque dizem que este amigo deste homem, que trouxera a mulher, se namorou dela, e, sentido pelo outro, o matou, de maneira que por amor dela matou dois homens; e, pelas ofensas e saltos que ele fazia, lhe armaram laos e buscaram todos os meios que puderam inventar para o tomar, como tomaram. Outros dizem que a mulher, enfadada de andar com ele nestes trabalhos em terra erma, o deixou e se veio para a gente, ou que foram ambos tomados, sem se saber a certeza, mas dizem que ela descobriu todo o caso como passava, pelo que o enforcaram sem mais processo de justia. Outros dizem que dez ou doze homens casados vieram com suas mulheres e filhos e fizeram assento na Povoao Velha. E porque vinha em sua companhia um homem solteiro, que no queria ir trabalhar nem montear com eles, mas ficava sempre nas pousadas, que eram cabanas de palha, ou feno, ou rama, temendo-se dele por ficar s com suas mulheres, ordenaram entre todos buscar modo com que o punissem, para se verem livres do arreceio que dele tinham, e fizeram entre si juiz, escrivo e alcaide, e dizendo que ele lhe fazia adultrio, foi sentenciado que o enforcassem, como logo foi enforcado em uma rvore, pelo que o infante D. Pedro, Regente ento do Regno, os mandava ir emprazados para os castigar, se no foram os infantes, e principalmente o Infante D. Henrique, que, por povoar esta sua terra, falou ao Infante D. Pedro, seu irmo, que lhe perdoasse e alcanou dele perdo para eles. Outros contam que, alguns anos depois da ilha de Santa Maria ser povoada, se namorou um mancebo de uma moa, filha de um homem principal da terra, e como ambos no pudessem gozar de seus amores, como desejavam, determinou o mancebo de a furtar e lev-la fora da ilha, para o que descobriu seu intento a um amigo seu, por cujo conselho tirou a moa de casa de seu pai e com ela se vieram em um pequeno barco a esta ilha, que ento no era povoada, posto que havia dias que era descoberta, e se via muitas vezes da ilha de Santa Maria; pelo que parece que vieram estes namorados, enquanto o navio, que a descobriu, era tornado ao Reino, ou depois de ter j o infante mandado lanar muito gado nesta ilha, a cuja costa, chegado o mancebo com sua amiga em aquela pequena embarcao, foram desembarcar em um porto, que agora se chama a Povoao Velha e, metendo-se pela ilha dentro, fizeram antre o espesso arvoredo umas pequenas choupanas em que viviam. Passados alguns meses, vieram o mancebo e o companheiro a pelejar sobre a moa, em tanto que um matou ao outro. E neste tempo chegou ao mesmo porto um navio do Regno, com gente que mandava o infante para povoar a ilha; os quais, vendo a planura da terra e uma grande e formosa ribeira, que neste porto entra no mar, fizeram ao longo dela casas cobertas de palha, que na primeira noite foram logo queimadas pelo homem que nela andava, por cuja causa e por outras suspeitas e receios que dele tinham os novos povoadores, o prenderam em um cepo que lhe armaram e o enforcaram em uma de muitas rvores que ali havia. E considerando depois que tinham nisso mal feito, assentaram de fazer dele autos e tirar devassa, em que todos testemunharam; e, depois de tirada, saram com um despacho sem apelao, como dizem que fez Joo do Monte a Belchior Martins, na Alagoa. Dizem que estes mesmos desta primeira povoao foram os primeiros que nesta ilha semearam trigo, e os campos em que foi semeado eram to abundantes e frtiles, que o trigo no dava espiga, mas fazia uma cana grossa, coberta de grandes e largas folhas, como dizem

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acontecer no Brasil, o que vendo eles, escreveram ao infante que a terra no era para povoar, pois no dava trigo, e era muito estreita, com somente um lombo de serrania, e lhes desse licena para se irem, posto que dava em muita abundncia muitos legumes, como chcharos, lentilhas, favas e ervilhas, e o gado multiplicava em grande maneira, porque, do pouco que Sua Alteza mandara lanar na ilha, estava quase toda povoada. Ao que respondeu o infante que abastava dar os legumes que diziam e multiplicar tanta cpia de gado, como afirmavam, para se povoar, quanto mais, se naquela parte no dava trigo pela fertilidade do lugar, que o daria em outra; a qual razo se mostrou dali a poucos anos ser verdadeira, porque, discorrendo estes novos povoadores pela costa desta mesma ilha em um batel, vieram ter a uma pequena praia que tinha ao mar um ilhu defronte, no muito apartado dela, onde desembarcaram. E olhando bem a terra, em um largo e espaoso campo que tem, determinaram de o cultivar, como cultivaram, semeando nele trigo que rendia tanto, que lhe ps espanto. E a uma vila, que, primeiramente, depois se edificou neste mesmo campo, puseram nome Vila Franca do Campo, por ser nele edificada. De maneira que o homem que veio da ilha de Santa Maria foi o primeiro povoador desta ilha e o primeiro que edificou casa nela, e os que depois vieram foram os segundos povoadores, com os quais ficou a mulher, que veio furtada da ilha de Santa Maria, ou fosse solteira ou casada. E posto que a Povoao, que agora chamam Velha, no desse trigo naqueles primeiros anos que o semearam, depois o deu em grande abundncia e o melhor da ilha, como so todas as coisas que a terra naquela parte d e frutifica, mais avantajadas em bondade e melhores de toda ela. Outros afirmam que depois de descoberta esta ilha de S. Miguel e deitado gado nela (e no podia haver muito tempo que era achada, porque, segundo dizem, os carneiros que deitaram na Alagoa, ali os acharam juntos com alguma multiplicao, sem serem ainda espalhados pela ilha, pelo que se chamou aquele lugar Porto dos Carneiros), veio um Gonalo Vaz, o Grande, que depois foi ouvidor do Capito, nesta ilha, a povo-la por mandado do infante, de cuja casa era, e achou estes carneiros juntos, descobrindo a costa. E dizem que este Gonalo Vaz (pai de Gonalo Vaz, o moo, e de Nuno Gonalves, que depois se chamou de Rosto de Co, que foi o primeiro homem que aqui nasceu, nesta ilha, e pai de Joo Gonalves e de Francisco Gonalves) foi o primeiro que fez a Povoao Velha; e vinham em sua companhia Afonso Anes do Penedo e Rodrigo Afonso, Afonso Anes o Colombreiro, Vasco Pereira, Joo Afonso dAbelheira, Pedro Afonso, Joo Pires, Gonalo de Teves, almoxarife, e Pero Cordeiro, seu irmo, escrivo do almoxarifado e tabelio pblico em todas estas ilhas dos Aores, achadas e por achar (22), e os naturais de frica, que j disse, e outros a que no soube o nome, todos gente nobre da casa do infante D. Henrique. E desembarcando em terra, alm da ribeira da Povoao, que vai da banda do oriente, junto donde agora est uma ermida de Santa Brbara, e apartando-se as mulheres por antre o feno, que ali havia muito comprido, a mulher de Gonalo Vaz, o Grande, com grande sobressalto e medo que houve, achou antre ele um homem morto, e gritando e chamando o marido e mais companhia, acudiram logo todos e pasmaram de ver homem morto em terra erma; e, postos em confuso, deitavam diversos juzos, cuidando e temendo que houvesse algum gentio nesta ilha, pela qual razo se vigiavam, at que veio o homem que o matou ter com eles e descobriu a verdade, e eles, havendo d dele, o deixaram andar em sua companhia, sem lhe fazer algum mal; mas a mulher, sua amiga, no ousando aparecer de vergonhosa, se foi por um escalvado at uma ribeira da banda norte, onde depois a foram achar uns homens, que pelo mesmo caminho a buscaram, e achando-a muito disforme, negra e descorada, por lhe faltarem os mantimentos, e no comer seno alguma fruta da serra, que chamam romania, e por outro nome uvas de serra, de que em toda a parte desta ilha h muita quantidade, e lapas, junto do mar, ou algum outro marisco, ribeira lhe puseram nome a ribeira da Mulher, como hoje em dia se chama. E o homem homicida, indo eles a montear dentro, pelo mato, roubava-lhes as cafuas de palha e feno, que tinham feitas, queimando-lhes algumas e furtando-lhes coisas de comer e algum fato, sem o poderem depois haver mo, porque se escondia e embrenhava naquele espesso e alto mato, que toda a terra cobria; pelo que, usando de manha, se embarcaram em um batel e indo ao longo da costa, como que a iam descobrir, deixaram suas espias na terra, o que vendo o matador se foi s cafuas, onde o tomaram as espias, e, por no haver cadeia onde o ter preso, consultaram todos juntos antre si que pela inquietao que lhe dava e os furtos que fazia, e pela morte do homem que matara, o enforcassem e assim o fizeram, porque o enforcaram logo, sem mais forma nem figura de juzo, em um zimbro, que estava ali grande em uma quebrada de terra, como baixa rocha, junto de outra ribeira mais pequena, que est para o ocidente, antre a qual e outra grande est a Povoao Velha, ainda que alguns dizem que foi a forca uma faia. E os mouriscos de frica, que o Infante de sua casa mandara em companhia de

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Gonalo Vaz, o Grande, que tambm era de casa do Infante, e por seu mandado vieram povoar esta ilha, diziam naquele auto da justia: forcarte, forcarte e depois tirarte inquirione. E assim foi a obra, como eles, diziam, por palavra, que, depois de enforcado o paciente, fizeram autos de suas culpas e os mandaram ao Infante, que houve por bem feito e aprovou sua morte. E alguns querem dizer que estranhou o Regente este feito e os mandava ir presos, mas por rogos do Infante D. Henrique, seu irmo, lhe perdoou, por lhe dizer que tinha necessidade deles para povoarem a ilha, alm de fazerem justia no que fizeram, ainda que no guardaram a ordem que se nela devera ter. Outros contam isso por outro modo (como acontece uma mesma coisa, vista ou ouvida de muitos, contar-se por muitas e diferentes maneiras), dizendo que veio Gonalo Vaz, o Grande, por mandado do infante povoar esta ilha de S. Miguel, e saindo alguns na Povoao em terra, com suas mulheres, acharam entre o feno um homem morto, e como o acharam, temeram e tornaram-se a recolher aos navios. Ao outro dia tornaram a desembarcar com suas armas, a descobrir a terra e saber se era povoada de gente, e de que gentio seria, com a qual determinao, correndo todas as veredas e lugares, por onde lhes parecia que se podia servir a gente, havendo-a na terra, no acharam mais que trs rastos, dois grandes e um pequeno, que eram dos dois homens e da mulher; e assim estiveram trs ou quatro dias suspensos, sem verem pessoa alguma, mas, contudo, se vigiavam sempre e dormiam nos navios; e a cabo de quatro dias lhe saiu a eles um homem, que, tomado e posto a tormento, confessou que aquele homem que ali estava morto, ele o matara por gozar de sua amiga, que o mesmo morto trouxera da ilha de Santa Maria, em cuja companhia ele viera; e acabando de fazer esta confisso, Gonalo Vaz, o Grande, o mandou enforcar em uma rvore de ginja, que ali estava. E mandou depois vir o marido da mulher da ilha de Santa Maria, que est dezassete lguas desta de S. Miguel, de porto a porto, e lha entregou, reconciliando-a com ele e fazendo-os amigos. Contam mais que semeara Gonalo Vaz, o Grande, e os que com ele vieram o primeiro ano, trigo na Povoao Velha e deu-lhe bom trigo e muito; e semeando o segundo ano no mesmo lugar, por Nosso Senhor no ser servido de habitarem ali, lhe no deu seno joio e aveia. E da, indo correndo a costa para o ponente, foram dar no ilhu de Vila Franca, e, ali, defronte, saram em terra e habitaram, a qual, semeando e cultivando, lhe respondeu com muitas e abundantes novidades. E de Vila Franca vinham correndo a costa em barcos, e saindo na Ponta Delgada, cinco lguas de Vila Franca, na ponta de Santa Clara, iam a montear, e, entrando pela terra dentro um tiro de besta, e tiro e meio, sem poder mais entrar nela, pelo mato ser muito maninho e espesso, estavam dois dias e trs, em que carregavam de porcos monteses, com que se tornavam para suas casas bem providos. Desta maneira contam diversos coisas diversas, mas os mais dizem que houve duas povoaes, e na primeira vieram os naturais de frica, j nomeados, logo quando o infante mandou deitar gado nesta ilha, no tanto para a povoar, como para experimentar a terra, como est dito; os quais dizem ser l cavaleiros, que l chamam fidalgos, que trouxera o infante D. Henrique de frica, quando l passara, e um deles, de que ele mais confiava, fez regente dos outros, dando-lhe poder que os governasse e estivessem todos sua obedincia. E achando-se este homem, atrs dito, de que se suspeitava mal, perguntou o regente mourisco aos outros que pena merecia quem fazia adultrio. E disseram-lhe que El-Rei mandava dar morte de forca, o qual ele ouvindo, o mandou enforcar sem mais autos, nem inquiries, nem cerimnias. E na segunda povoao veio Gonalo Vaz, o Grande, homem muito honrado e principal dos da casa do infante D. Henrique, e os mais, j ditos, em sua companhia, tambm homens principais e honrados, deles de casa do infante (sic), e outros naturais do Algarve, que o dito infante mandaria para povoarem esta ilha. E deles e dos outros que primeiro vieram se comeou a fazer a povoao dela, que depois se multiplicou e estendeu por ela com nobre gerao, afora outros homens, tambm fidalgos e honrados, que, depois, de outras partes a ela vieram, uns solteiros e outros casados, com seus filhos e filhas, como adiante direi. E parece que este Gonalo Vaz, o Grande, com seus companheiros j ditos, veio na era de mil e quatrocentos e quarenta e nove anos, pelo que, no captulo primeiro do Livro Segundo da Primeira Dcada da sua sia, diz o docto (23), e curioso Joo de Barros que em algumas lembranas do Tombo e livros da Fazenda de el-Rei D. Afonso, o quinto do nome, somente achou que no ano de mil e quatrocentos e quarenta e nove deu el-Rei licena ao infante D. Henrique que pudesse mandar povoar as ilhas dos Aores, as quais j naquele tempo eram descobertas e nelas lanado algum gado, por mandado do mesmo infante, por um Gonalo Velho, comendador de Almourol, junto da vila de Tancos; ou, se no veio Gonalo Vaz neste ano, em que el-Rei D. Afonso deu esta licena, que foi o primeiro de seu reinado, sendo ele de

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dezassete anos, depois de sair da tutoria e tomar posse do governo dele, vieram logo no seguinte, ou no tardou muito, porque para isso se dava licena, para logo se pr em efeito a povoao delas, de que o infante D. Henrique era muito curioso e cuidadoso, por gozar mais cedo do fruto dos trabalhos de seu descobrimento.

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CAPTULO III ( ) DOS DOIS CAPITES PRIMEIROS QUE FORAM DAS DUAS ILHAS DE SANTA MARIA E DE SO MIGUEL, E DA PROGNIA DOS VELHOS, DONDE ELES DESCENDEM, E OS DESTAS DUAS ILHAS QUE DELES PROCEDEM

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Como diz o docto Joo de Barros, muito aproveita a lio da histria para virem os cursados nela a grande estado de honra e acrescentamento de fazenda; como Marco Tlio, que uma das coisas que o ps em a dignidade consular, que era a maior que naquele tempo havia, foi ter grande conhecimento das linhagens, famlias, das propriedades e de outros negcios pblicos do povo romano, sem as quais coisas, o seu orar fora edifcio sem fundamento, telhado sem paredes, folha sem tronco, rama sem raiz, polpa sem ossos, carne sem nervos e msica sem compasso. Pelo que direi aqui a prognia dos antigos descobridores e povoadores desta ilha, comeando na gerao e apelidos dos Velhos, donde descende o primeiro Capito dela, Frei Gonalo Velho, comendador de Almourol, que no princpio a descobriu e povoou com os mais que depois a ela vieram. Os parentescos nesta ilha (como as rvores dela estavam no princpio travadas com seus ramos) esto liados uns com outros que, se foram mais frescos e no foram discorrendo e saindo j do quarto grau por diante, escassamente se pudera contrair matrimnio entre pessoas nobres, e principalmente o da prognia dos Velhos, que o apelido do primeiro Capito, que a veio descobrir e povoar. Para algum entendimento do qual, se h-de notar que houve em Portugal um fidalgo, Martim Gonalves de Travassos, casado com uma fidalga chamada D. Catarina Dias de Melo, que tiveram dois filhos, um chamado Nuno Martins de Travassos, to abalizado fidalgo do Reino e de tanta valia que teve por seu pagem a um Ferno Roiz Pereira, que, depois, deu por parente aos Pereiras, e veio a ser amo da duquesa infanta D. Breatiz, me del-Rei D. Manuel, e criou os infantes, seus filhos. E outro fidalgo, Ferno Velho, casado com outra fidalga, chamada D. Maria lvares Cabral, filha do senhor de Belmonte, que houveram os filhos seguintes: sc., o primeiro, Gonalo Velho Cabral, chamado o famoso Comendador do Castelo de Almourol e senhor das Pias e Bezalga e Cardiga, e Capito e Comendador desta ilha de S. Miguel e da de Santa Maria; o segundo, lvaro Velho, a quem no soube a descendncia, por ficar em Portugal; a terceira, D. Tareja Velha, que casou com um Fuo Soares, de que nasceu Joo Soares de Albergaria, que depois foi segundo Capito destas ilhas de S. Miguel e Santa Maria, por lhas deixar o dito seu tio, Gonalo Velho; a quarta filha de Ferno Velho e de D. Maria lvares Cabral se chamou D. Violante Cabral; a quinta, D. Leonor Velha, e no sei se tiveram mais filhos. D. Violante Cabral casou com Diogo Gonalves de Travassos, filho de Martim Gonalves de Travassos e de sua mulher D. Catarina Dias de Melo. Dantre o dito Diogo Gonalves de Travassos e D. Violante Cabral nasceram os filhos seguintes, sc., Rui Velho de Melo, em quem Gonalo Velho ps a comenda do castelo de Almourol e senhoria das Pias e Bezalga e Cardiga. Este Rui Velho foi estribeiro-mor de el-Rei D. Joo, segundo do nome, e houve um filho natural e uma filha: o filho, chamado Simo Velho, viveu em Tomar e foi ndia, donde veio muito rico; a filha havia nome Violante Velha e foi casada com um Francisco Botelho, de que houve nobres filhos. Por morte de Rui Velho, que no casou, houve estas comendas D. Nuno Manuel e, depois, o conde do Redondo. Tiveram mais os ditos Diogo Gonalves de Travassos e D. Violante Cabral estes filhos: Pero Velho, Nuno Velho, D. Caterina Velha Cabral, D. Leanor Velha Cabral. Pedro Velho de Travassos e Nuno Velho vieram para estas ilhas com seu tio Gonalo Velho, e nelas casaram, como adiante direi.

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D. Caterina Velha Cabral casou com um fidalgo, a quem no soube o nome, de que houve a D. Caterina, que casou com um Martim da Silveira, do qual houve a Manuel da Silveira, senhor da Terena, e Diogo da Silveira, capito-mor que foi do mar da ndia, e a mulher de Nuno da Cunha, que foi Viso-Rei da ndia, e no sei se teve mais filhos. D. Lianor Cabral casou com outro fidalgo, cujo nome no soube; dentre eles nasceu uma filha, por nome D. Ceclia, que casou com Francisco Miranda, de que nasceram Diogo de 25 Miranda e Pero de Miranda, dayo ( ) da S de vora. Diogo Gonalves de Travassos, como fica dito, filho de Martim Gonalves de Travassos e de D. Catarina Dias de Melo, foi veador do infante D. Pedro, Regente do Reino, e seu escrivo da puridade e aio e padrinho dos filhos do dito infante, e foi do conselho del-Rei D. Afonso, quinto do nome. Jaz sepultado no mosteiro da Batalha, porta da capela de el-Rei D. Joo, de Boa Memria, primeiro do nome, e dos infantes, seus filhos, da banda de fora, e tem sobre a cova uma campa com uma grande letra D, que quer dizer o seu nome, Diogo, a qual letra lhe mandou pr el-Rei, por ser muito privado seu, tanto que, adoecendo ele morte, o foi visitar a sua casa o mesmo Rei em pessoa. Era homem grande de corpo, bem disposto, gentil-homem, muito valente e foroso, com as quais partes tinha bem servido a el-Rei nas guerras contra Castela e fora por seu mandado com o infante D. Pedro na tomada de Ceuta, onde foi armado cavaleiro pelo dito infante, pelo que era muito favorecido dos Prncipes. Era Gonalo Velho, o famoso comendador de Almourol e primeiro Capito que foi da ilha de Santa Maria e desta de S. Miguel, tambm to valente de sua pessoa, que mandando el-Rei D. Joo correr touros em vora, mandou ele fazer um cadafalso para levar a v-los umas sobrinhas suas, sc., D. Ceclia e D. Catarina, e outras parentas. Estando j o corro (26) cerrado, entrou ele com as sobrinhas, e passando com elas e dois pagens, que iam diante dele para o cadafalso, havia um touro muito poderoso e afamado de bravo, que estava para se correr, o qual disse el-Rei que deitassem no corro a Gonalo Velho, que passava com suas sobrinhas, conhecendo dele sua valentia, de que tinha muitas experincias; tanto que o touro foi no corro 27 e o vira (?) ir, arremeteu a ele, recolheu com o brao esquerdo para trs ( ) os pagens junto das sobrinhas, vindo o touro j mui perto para o levar nos cornos, e fazendo o que de sua natureza, que abaixar a cabea e sarrar (28) os olhos, arrancou ele de um terado que levava na cinta, e lhe deu com ele um golpe no jarzilo, junto dos cornos, no lugar por onde os matam, com que lhe derribou a cabea, de maneira que caiu o touro no cho, perneando e morrendo; ele alimpou o terado do sangue no mesmo touro, muito quieto, dizendo: Os rapazes que vos c mandaram outro tanto lhe fizera eu, se eles c vieram. E levou suas sobrinhas ao cadafalso. E Joo Rodrigues da Cmara, quarto Capito desta ilha de S. Miguel, contava, (pelo ouvir na corte, onde andava), esta histria dele, miudamente. Sendo este Gonalo Velho, comendador de Almourol, como era, muito privado e da casa do infante D. Henrique, o que mandou descobrir estas ilhas, tendo uma vez brigas com uns fidalgos da casa do mestre de Santiago, que foi antes de D. Jorge, filho de el-Rei D. Joo, (outros dizem que do mesmo D. Jorge, o que parece no ser este) sobre qual deles era mor senhor, se o infante D. Henrique, se o dito mestre de Santiago, afrontados eles das palavras que Gonalo Velho lhe dissera, indo ele para a sua comenda de Almourol, acompanhado de vinte de cavalo, afora outra gente de p, por se temer deles, foi pousar no caminho em uma pousada, onde, andando de noite, passeando e rezando a vspera e completas por umas Horas, lhe atiraram por um buraco da porta com uma besta e o quadrelo lhe deu e pregou nas Horas por onde rezava, sem lhe fazer nenhum dano. Chamando ele, ento, pelos criados, se saiu com eles a cavalo, buscando os contrrios pelo campo, sem os poder achar; somente sendo j manh, viram os sinais das ferraduras e tropel dos cavalos, que se iam recolhendo, por de dia o no ousarem cometer, seno de noite, com espias diante de si, por conhecerem do dito Gonalo Velho ser to valente e esforado de sua pessoa, que no podiam dele de dia tirar o melhor rosto a rosto; e por isso o foram cometer treio (29), de noite. Era Gonalo Velho de tantas foras, que podia espremer um homem e esmiu-lo antre as mos. E alm disto muito animoso, pelo que foi de noite no alcance, buscando a seus contrrios, o que de alguns foi taxado e julgado por temeridade, porque fora possvel serem tantos seus inimigos (30) em cilada, que o puderam tomar aquela noite. Mas o grande esforo, nimo e valentia, que tinha, o fez cometer, sem estimar nem temer, tal perigo. E por ser desta qualidade e de to boas partes, era muito privado do infante D. Henrique e foi enviado por ele a descobrir estas ilhas de Santa Maria e de S. Miguel, que descobriu e foi feito Capito delas, trazendo consigo aos ditos dois sobrinhos, Pero Velho e Nuno Velho. E

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tornando-se para o Regno por no se contentar de viver em terra erma, seno na corte, onde se criara s abas dos Prncipes, os quisera fazer Capites, um de uma, e outro de outra, mas o Infante acabou com ele que fosse Capito delas outro seu sobrinho, do mesmo Gonalo Velho, que andava em casa do dito infante, chamado Joo Soares de Albergaria, filho de outra sua irm, do dito Gonalo Velho, e irmo (sic) (31) da dita D. Violante, mulher de Diogo Gonalves de Travassos, atrs dito. O qual, feito Capito depois da renunciao de seu tio, que ficou em Portugal, onde faleceu sem ter filhos, se veio morar a estas ilhas, governando-as com muita prudncia e diligncia, residindo principalmente o mais do tempo na ilha de Santa Maria, por ser mais povoada naquele tempo (32). E dos filhos que teve disse j, tratando da ilha de Santa Maria, pelo que agora no direi mais deles, remetendo-me ao que dito tenho. Nem agora tornei a falar neles, seno por haverem sido dos primeiros Capites desta ilha de S. Miguel, sendo Gonalo Velho o primeiro, e seu sobrinho Joo Soares o segundo. Dos sobrinhos do qual Gonalo Velho, chamados Pero Velho Cabral e Nuno Velho Cabral, procederam os Velhos destas duas ilhas de Santa Maria e S. Miguel, como agora direi, alm do que tenho dito deles na histria da ilha de Santa Maria, j contada. Dos dois filhos de Diogo Gonalves de Travassos e de D. Violante Cabral, sobrinhos do Capito Gonalo Velho, que com ele vieram a estas ilhas, que houveram de ser Capites delas, se o infante o consentira, o Pero Velho, nesta de S. Miguel, fez a ermida de Nossa Senhora dos Remdios da Alagoa e jaz sepultado nela, e viveu ali perto, onde tinha suas terras. No sei com quem foi casado, mas de sua mulher houve dois filhos, sc., Gonalo Velho e Estevo de Travassos, e trs filhas, sc., a mulher que foi de Joo lvares do Olho, e a mulher de Joo Afonso, o Corcs (sic) de alcunha, que era tambm da casta dos Velhos, e a me de 33 Joo Velho Cabral, cujas foram as casas que agora so de Jernimo Lus ( ), filho de Sebastio Lus e genro de Aires Lobo. Gonalo Velho, filho de Pero Velho, foi casado com uma mulher da gerao dos Amados, chamada Catarina lvares de Benevides, de que houve os filhos seguintes, sc., a mulher de Jorge Nunes Botelho, que chamavam Margarida Travassos, Amador Travassos e Nuno Velho e Francisco Travassos e Lopo Cabral de Melo e Tareja Velha, que casou com um letrado, chamado Antnio lvares, filho de Joo lvares, do Pico que Arde, da Ribeira Grande, a segunda vez com Sebastio Fernandes de Freitas, dos quais no houve filhos. Amador Travassos, filho de Gonalo Velho, casou com Maria dOliva, em frica, onde esteve muitos anos em servio de el-Rei e de l a trouxe; da qual houve a Heculiano Cabral, sacerdote, a Afonso dOliva e Nuno Travassos e uma filha, que se chama Briolanja Cabral, a qual casou com Pero Castanho, homem de grandes espritos, e outra filha, chamada Margarida Travassos, que casou com Miguel Fernandes, filho de Sebastio Fernandes de Freitas, e outra filha chamada Roqueza Cabral, que casou com Antnio Correia de Sousa. Estevo Travassos, filho de Pero Velho, casou com Catarina Gonalves, filha de Gonalo Anes e de Catarina Afonso, naturais da cidade do Porto, de que houve filhos: Pero Velho de Melo e Joo Cabral e Amador Travassos, sacerdote, vigairo que foi em S. Roque, e filhas, Filipa Travassos, mulher de Joo Cabral, que no houveram filhos. Joo Cabral casou com uma filha de Vasco Vicente, da vila de gua de Pau, irm do Padre Manuel Vaz, beneficiado na vila da Ribeira Grande, e houve de seu marido muitos filhos e filhas; e Branca Velha, mulher de Cristovo Roiz, do qual houve alguns filhos e filhas. Pero Velho de Melo casou em Lagos com uma nobre mulher, a quem no pude saber o nome, de que houve duas filhas, Violante Cabral, mulher de Manuel Roiz, o Saramago de alcunha, e outra que se chama Antnia Travassos, que casou com Manuel Fernandes, filho de Joo Fernandes, de Santa Clara. Violante Velha, filha de Pero Velho, sobrinho do primeiro Capito da ilha de Santa Maria e desta de S. Miguel, chamado Gonalo Velho, Comendador de Almourol, casou com Joo lvares do Olho, de que houve quatro filhos e uma filha, que casou com Pedro da Costa, de Vila Franca do Campo. O primeiro filho, chamado lvaro Velho, casou com Margarida lvares, de que houve estes filhos, sc., Gaspar Velho, Baltazar Velho, Sebastio Velho, Joo Cabral, Violante Velha e Maria Fernandes. O segundo filho, chamado Rui Velho, foi casado com Guiomar de Teves, filha de Pero de Teves, da Calheta, e de Catarina de Meza, filha de um homem a que no soube o nome, da casa de el-Rei de Castela, donde veio fugido a esta ilha 34 no tempo das comunidades ( ), e casou aqui com Isabel ou Guiomar Franca; e houve o dito Rui Velho, de sua mulher Guiomar de Teves, os filhos seguintes: o primeiro, chamado Pero

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Velho, que casou com Lianor Pereira, de que houve quatro filhos e uma filha, ainda de pouca idade. Houve mais Rui Velho uma filha, por nome Violante Velha, que casou com Gomes Gonalves Morgade, de que houve trs filhos e uma filha: um deles, chamado Joo Velho, casou com uma filha de Manuel Afonso, de que tem um filho e uma filha. Outro filho de Rui Velho e Guiomar de Teves, chamado Amador Velho, casou em Portugal com Isabel da Costa, de que no tem filhos. Outro filho, chamado Rui Velho, como seu pai, casou com Ana de Aguiar, de quem tem dois filhos de pouca idade. Outro filho de Rui Velho, por nome Sebastio Velho, casou com Briolanja Afonso, filha de Pero Afonso Pereira e de Guiomar Fernandes, da qual tem trs filhas e um filho. Outro filho houve Joo lvares do Olho de sua mulher Violante Velha, chamado Andr Travassos, que casou com Isabel Roiz, de que houve um filho, chamado Joo Travassos, e uma filha, por nome Violante Velha. O quarto filho de Joo lvares do Olho e de Violante Velha, chamado Pero Velho, foi casado com Breatiz Pais, filha de Joo Pais, cidado da cidade do Porto, e de sua mulher Clara Gonalves, o qual Pero Velho houve estes filhos: o primeiro, Salvador Pais, que casou em Portugal; o segundo, Afonso Pais, que faleceu menino; o terceiro, Joo Pais, ainda solteiro; o quarto, Sebastio Velho, que casou em Gran Canria; o quinto, Antnio Pais, que foi para as ndias de Castela; o sexto, Pero Velho, meirinho das execues nesta ilha de S. Miguel, que foi preso na cidade de Angra, por ser da parte de el-Rei Filipe, o qual por isso lhe fez merc do hbito de Santiago, com vinte mil reis de tena. Houve mais Pero Velho, de sua mulher Breatiz Pais, uma filha, chamada, como sua me, Breatiz Pais, que casou com Cristovo de Oliveira, filho de Manuel de Oliveira, escudeiro, morador na Ribeirinha, termo da vila da Ribeira Grande, de que no tem filhos. A mulher de Joo Afonso Crcos, filha de Pero Velho, chamada Lianor Velha, teve estes filhos, sc., Ado Travassos, que casou com uma mulher da casa de Gaspar de Betancor, por nome Genebra de Sequeira. Teve mais o Crcos duas filhas, sc., a mulher de Gaspar Perdomo, chamada Breatiz Velha, e a de Loureno Mendes de Vasconcelos, chamada Margarida Cabral, ambos fidalgos, e houveram muitos filhos e filhas. Gaspar Perdomo houve de sua mulher Breatiz Velha estas filhas, sc., D. Francisca, que no casou, e D. Sima, que casou em Portugal com D. Joo Pereira, bisneto do conde da Feira. Houve tambm Gaspar Perdomo trs filhos, sc., Ibonel de Betancor, Baltazar de Betancor e Belchior de Betancor, os quais casaram nesta ilha com muito honradas e virtuosas mulheres. Loureno Mendes teve filhos: Francisco Mendes e Jordo de Vasconcelos, e filhas: D. Francisca e D. Beatriz, que no casaram. Joo Velho Cabral, filho de uma filha (35) de Pero Velho de Travassos, que fez a ermida de Nossa Senhora dos Remdios, teve de sua mulher D. Isabel Ferreira estes filhos, sc., o licenciado Sebastio Velho Cabral, que foi juiz de fora em Almdovar, uma vila de Portugal, no campo de Ourique, e depois faleceu no Cabo Verde com sua mulher Maria de Paiva, de que ficaram um filho e duas filhas, a mais velha, chamada Helena Cabral, casou com Gonalo Bezerra, filho do mestre Joo e de Grismonda Tavares, na vila da Ribeira Grande, e a outra, Francisca Cabral, est solteira; e o filho se chama Manuel Cabral, que, como mancebo de bons espritos (36), se foi desta ilha a buscar alguma ventura. Teve mais o dito Joo Velho Cabral, da dita sua mulher, outros dois filhos, chamados Joo Velho Cabral e Lopo Cabral, discretos e esforados cavaleiros, que faleceram na ndia em servio de el-Rei. Teve tambm Joo Velho Cabral duas filhas, uma chamada Branca Velha, que casou com Duarte de Mendona, homem fidalgo e alferes da bandeira da cidade da Ponta Delgada, de que no houve filhos, seno uma filha, que faleceu menina. E casou o dito Duarte de Mendona segunda vez com Maria de Medeiros, neta de Rafael de Medeiros e de sua mulher D. Maria. Dizem que casou Joo Velho Cabral, segunda vez, com Breatiz lvares, filha de Joo lvares do Olho e de sua segunda mulher, tambm chamada Breatiz Alvares, de que houve um filho, chamado Nuno Cabral, que faleceu solteiro e foi morto por franceses na caravela de Francisco de Mares (37) e duas filhas, uma por nome Brianda Cabral, que casou com um filho do licenciado Antnio Tavares, chamado Jordo da Silva, alferes da bandeira do capito, seu irmo, Gonalo Tavares, na mesma cidade, de que tem muitos filhos e filhas, e outra, ainda solteira, chamada Francisca Cabral. Lopo Cabral de Melo, filho de Gonalo Velho, casou com uma filha de Diogo Vaz, cavaleiro, e de sua mulher, Constana Afonso, filha de Afonsenes, da Maia, de que houve filhos: Fr. Jernimo de Melo, da ordem de S. Domingos, que por sua muita virtude e letras foi prior, primeiro em Coimbra e depois em Aveiro e Elvas, e depois em Benfica, e foi em captulos

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gerais, trs ou quatro vezes, um dos definidores; e, uma vez, se afirma que o quiseram fazer ou geral ou provincial, e ele se escusou por querer antes estar recolhido e quieto em sua cela; e outro, Diogo Cabral de Melo, que nas ndias de Castela; e Manuel Cabral que casou com Maria da Costa, filha de Joo Roiz Camelo; e Teodsio Cabral, que casou com Catarina de Vasconcelos, filha de Gonalo Mourato e de Catarina de Oliveira. E houve o dito Lopo Cabral de Melo, tambm da primeira mulher, uma filha, chamada Isabel Cabral, que casou com Manuel Lopes de Sousa, filho de Sebastio Afonso de Sousa, capito duma bandeira daquela banda da Bretanha, e de sua mulher Isabel de Oliveira; e outra filha, religiosa, chamada Roqueza Cabral, e agora Roqueza das Chagas, que freira no mosteiro de Jesus na vila da Ribeira Grande. Depois casou Lopo Cabral de Melo com D. Filipa de Melo, filha de Manuel de Melo e de Antnia de Bulho, natural de Alccer do Sal, irm de Joo de Melo, genro de Francisco dArruda da Costa, da qual tem filhos: Manuel de Melo, que casou na vila da Ribeira Grande com Ana da Ponte, filha de Andr Lopes e de Margarida da Ponte, e Jernimo de Melo, e Cristovo de Melo, e uma filha que faleceu. Tinha mais Gonalo Velho, pai de Lopo Cabral de Melo, de sua mulher Catarina Alvres de Benevides, um filho por nome Nuno Velho, que casou no Algarve, em Alvor, com Inez de Oliveira, filha de Rui de Oliveira, cavaleiro do hbito de Santiago e de Maria Vaz, sua mulher, o qual Nuno Velho teve um filho, chamado Amador Travassos, que clrigo e prior do Sovoral (sic), termo da vila de Mortgoa. Teve Nuno Velho mais uma filha, chamada Catarina Cabral de Melo, que casou no Algarve com Antnio Portela, moo da cmara de el-Rei, de que teve filhos e filhas. Houve Nuno Velho, de sua mulher Inez de Oliveira, outra filha por nome Margarida Cabral, que faleceu solteira e foi dama da Condessa, mulher do conde de Lyra, sobrinho de el-Rei. Teve mais Gonalo Velho, pai de Lopo Cabral de Melo, uma filha, chamada Breatiz Velha, que foi casada com Afonsenes Colombreiro, de que houve uma filha, chamada Breatiz Velha, como a me; era meia irm do padre Joo Soares da Costa; a qual casou com Ferno Pires Quental, de que houve uma filha, do nome de sua me. O segundo filho de Diogo Gonalves de Travassos e de D. Violante Cabral, sobrinho de Gonalo Velho, primeiro Capito destas ilhas de Santa Maria e de S. Miguel, chamado Nuno Velho de Travassos, casou aqui a primeira vez com Isabel Afonso, de que houve um filho, chamado Diogo Velho, que casou no lugar da Relva, av de Manuel da Fonseca Falco; e Isabel Nunes Velha, mulher de Ferno Vaz Pacheco, e Guiomar Nunes Velha, mulher de Andr Lopes Lobo, da casa do duque de Bragana, os quais moraram todos nesta ilha de S. Miguel. Casou o dito Nuno Velho, segunda vez, na ilha de Santa Maria, com Africaes, viva, mulher que fora de Jorge Velho, da qual houve o primeiro filho, chamado Duarte Nunes Velho, cavaleiro do hbito de Santiago, que morou, em Malbusca, da dita ilha, e Grimaneza Afonso de Melo que casou com Loureno Anes, da Ilha Terceira, nobre e poderoso, do qual houve um filho, chamado Sebastio Nunes Velho, pai de Ins Nunes Velha, me de D. Lus de Figueiredo de Lemos, dantes dayo da S de Angra e agora benemrito bispo do Funchal, como tenho 38 dito, quando tratei da ilha de Santa Maria; e outros filhos ( ). Outros dizem que primeiro houve Nuno Velho estes filhos de Africaes, j viva, e depois casou nesta ilha de S. Miguel o dito Nuno Velho e houve os filhos acima ditos; e de sua mulher que, ou antes ou depois foi casada, ou casou com Anto Pacheco de que houve um filho, chamado Anto Pacheco, pai de Pero Pacheco, genro de Jorge Nunes Botelho. E esta mulher de Nuno Velho e de Anto Pacheco, ou de algum destes dois maridos, ou de outro terceiro marido, se foi casada terceira vez, houve uma filha, mulher que foi de Afonso Roiz Cabea, que teve as rendas destas ilhas alguns anos (39). Mas o mais certo que (40) este Nuno Velho casou primeira vez nesta ilha com Isabel Afonso, mulher nobre, no sei cuja filha, da qual houve duas filhas, a primeira Guiomar Nunes Velha, que casou com Andr Lopes Lobo, da casa do duque de Bragana, pai de Aires Lobo. A segunda filha de Nuno Velho e de Isabel Afonso, chamada Isabel Nunes Velha, casou com Ferno Vaz Pacheco, do qual houve quatro filhas e um filho. A primeira filha, Guiomar Pacheca, casou com Heitor Barbosa da Silva, filho de Sebastio Barbosa da Silva, da qual houve trs filhos e duas filhas: o primeiro Nuno Barbosa, o segundo Pero Barbosa, o terceiro Henrique Barbosa, o Valente, que faleceu na ndia; a primeira filha Filipa da Silva, a segunda Maria Pacheca, que ambas faleceram solteiras. A segunda filha de Ferno Vaz Pacheco e de Isabel Nunes Velha, chamada Maria Pacheca, casou com Estevo lvares de Rezende, filho de Pedralvres das Cortes, da Faj, de que houve