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Ana Flávia Quintão Fonseca SAÚDE, AMBIENTE E ZOONOSES: VISÃO DOS PROFISSIONAIS DE UMA REGIONAL DE SAÚDE EM BELO HORIZONTE, 2010 Dissertação apresentada à UFMG, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciência Animal. Área de Concentração: Epidemiologia Orientador: Prof. Élvio Carlos Moreira Belo Horizonte UFMG-EV 2010

SAÚDE, AMBIENTE E ZOONOSES - fct.unesp.br · Ana Flávia Quintão Fonseca SAÚDE, AMBIENTE E ZOONOSES: VISÃO DOS PROFISSIONAIS DE UMA REGIONAL DE SAÚDE EM BELO HORIZONTE, 2010

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  • Ana Flvia Quinto Fonseca

    SADE, AMBIENTE E ZOONOSES:

    VISO DOS PROFISSIONAIS DE UMA REGIONAL DE SADE EM BELO

    HORIZONTE, 2010

    Dissertao apresentada UFMG, como

    requisito parcial para a obteno do grau

    de Mestre em Cincia Animal.

    rea de Concentrao: Epidemiologia

    Orientador: Prof. lvio Carlos Moreira

    Belo Horizonte

    UFMG-EV

    2010

  • Deus por me conduzir nessa jornada

    terrena e minha me, fonte de inspirao,

    tranquilidade, amor e paz. Seu exemplo me

    ensinou a nunca desistir de lutar pelo que eu

    acredito.

  • Agradecimentos

    Inicio meus agradecimentos pela pessoa maravilhosa que tem me acompanhado ao longo dos

    ltimos doze anos e com a qual tenho compartilhado muitos momentos especiais. Ao Alexandre agradeo

    profundamente pelo amor, apoio e companheirismo, mas principalmente agradeo pelo otimismo e alegria

    que foram meu suporte nesta empreitada. Eu te amo.

    Agradeo Amanda, gatha e Alice por existirem em minha vida e pela felicidade e amor que

    me proporcionam. Ctia por ter sido sempre meu brao direito.

    minha me Maria de Lourdes e irmos Renata, Raquel e Frederico pelas palavras de estmulo

    e presena nos momentos de necessidade. Pela alegria que trazem ao meu corao.

    s minhas queridas amigas Alessandra, Andreza e Mayara da Escola de Sade Pblica do Estado

    de Minas Gerais que estiveram presentes na minha trajetria e colaboraram muito em tudo que foi

    possvel. Obrigada pela amizade!

    Ao Onofre e a Marilene por tornarem possvel a realizao deste trabalho. Obrigada pelo apoio,

    motivao, amizade e, principalmente, por me darem as condies necessrias para que esse trabalho

    fosse desenvolvido. Sem vocs eu no teria conseguido!

    Aos profissionais voluntrios por partilharem comigo sua rica experincia de trabalho no

    Sistema nico de Sade, tornando possvel essa investigao. Vocs so exemplos a serem seguidos pelos

    profissionais da Sade!

    Aos gerentes das Unidades Bsicas de Sade visitadas, Cristina, Fausto e Vitria pelo

    acolhimento e encaminhamento.

    Ao professores Luiz Brant e Jos Newton pela inspirao, direcionamento, orientao. Pelo

    exemplo de profissionais brilhantes.

    Ao Colegiado de Ps-Graduao em Cincia Animal da Escola de Veterinria, especialmente

    Luzete e Dbora, pela cordialidade, eficincia e presteza na realizao do seu trabalho. Ao professor

    Romrio pelo acolhimento e compreenso.

    Aos colegas de mestrado pela alegria, incentivo e agradvel convivncia. Agradeo pelas

    enriquecedoras e estimulantes discusses.

    Finalmente, agradeo ao criador pelo dom da vida e o desejo pelo conhecimento!

  • Eu no tenho filosofia: tenho sentidos...

    Se falo na Natureza no

    porque saiba o que ela ,

    Mas porque a amo, e amo-

    a por isso,

    Porque quem ama nunca

    sabe o que ama

    Nem sabe por que ama,

    nem o que amar...

    Amar a eterna inocncia,

    E a nica inocncia no

    pensar...

    (Alberto Caeiro)

    Belo Horizonte, MG, 2010

  • SUMRIO

    RESUMO............................................................................................................... ......................... 13

    ABSTRACT..................................................................................................................... ............... 14

    1. INTRODUO..................................................................................................... ......................... 15

    2. A SADE E SUA INTERFACE COM O AMBIENTE................................................................. 19

    2.1 Aspectos sobre a sade......................................................................................... .......................... 20

    2.2 Sade e ambiente.................................................................................. ........................................... 22

    2.3 Sade e Ambiente no contexto das Cincias da Sade................................................................... 23

    3 ENFOQUE ECOSSISTMICO DE SADE................................................................................. 24

    3.1 Consideraes sobre os enfoques ecolgicos........................................................ .......................... 25

    4 ZOONOSES NO CONTEXTO DOS PROFISSIONAIS DE SADE........................................... 26

    4.1 Consideraes sobre o controle de zoonoses em Belo Horizonte................................................... 27

    5 REPRESENTAO SOCIAL.............................................................................. .......................... 30

    5.1 Dimenses tericas da teoria das representaes sociais................................................................ 30

    5.2 Aspectos sobre os limites da representao social.......................................................................... 32

    6 ASPECTOS METODOLGICOS........................................................................ ......................... 34

    6.1 O campo das Cincias Sociais e a metodologia de pesquisa qualitativa......................................... 34

    6.2 Fundamentao terica e metodolgica e caracterizao do estudo............................................... 36

    6.3 Campo de pesquisa.......................................................................................................................... 39

    6.4 Caracterizao da Regional Oeste......................................................................... .......................... 42

    6.5 A escolha dos atores sociais e o desenho da pesquisa..................................................................... 44

    6.6 Caracterizao da amostra..................................................................................... .......................... 45

    6.7 Coleta de informaes..................................................................................................................... 49

    7 ANLISE DAS INFORMAES....................................................................... .......................... 51

    7.1 Discurso higienista na relao sade e ambiente............................................................................ 52

    7.2 Viso antropocntrica com relao ao ambiente............................................................................. 65

    7.3 Fragilidade do conceito de zoonoses no mbito da Sade Pblica................................................. 71

    8 CONSIDERAES FINAIS................................................................................ .......................... 79

    9 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................................ 80

    10 ANEXOS......................................................................................................................................... 86

  • LISTA DE TABELAS Tabela 1- Distribuio da amostra e total de recursos humanos em valores absolutos, segundo UBS.

    Belo Horizonte, 2010..............................................................................................................

    40

    Tabela 2- Distribuio da populao de Usurios das UBS em estudo segundo faixa etria. Belo

    Horizonte, 2010.............................................................................................................. ........

    40

    Tabela 3- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo sexo, escolaridade e

    realizao de visita domiciliar no grupo de ACS. Belo Horizonte, 2010...............................

    45

    Tabela 4- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo faixa etria e

    Unidade de atuao no grupo de ACS. Belo Horizonte, 2010...............................................

    46

    Tabela 5- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo sexo, ps-graduao

    e realizao de visita domiciliar no grupo de enfermeiros. Belo Horizonte, 2010................

    46

    Tabela 6- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo faixa etria e

    Unidade de atuao no grupo de enfermeiros. Belo Horizonte, 2010....................................

    46

    Tabela 7- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo faculdade de origem

    no grupo de enfermeiros. Belo Horizonte, 2010....................................................................

    47

    Tabela 8- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo nvel de ps-

    graduao no grupo de enfermeiros. Belo Horizonte, 2010..........................................

    47

    Tabela 9- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo instituio de ps-

    graduao no grupo de enfermeiros. Belo Horizonte, 2010...................................................

    47

    Tabela 10- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo sexo, ps-graduao

    e realizao de visita domiciliar no grupo de mdicos. Belo Horizonte, 2010......................

    48

    Tabela 11- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo faixa etria e

    Unidade de atuao no grupo de mdicos. Belo Horizonte, 2010..........................................

    48

    Tabela 12- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo faculdade de origem

    no grupo de mdicos. Belo Horizonte, 2010..........................................................................

    48

    Tabela 13- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo nvel de ps-

    graduao no grupo de mdicos. Belo Horizonte, 2010.........................................................

    49

    Tabela 14- Distribuio da amostra em valores absolutos e percentuais segundo instituio de ps-

    graduao no grupo de mdicos. Belo Horizonte, 2010.........................................................

    49

  • LISTA DE FIGURAS Figura 1- Subdivises adotadas na organizao territorial em sade..................................................... 42

    Figura 2- Distribuio espacial das Unidades Administrativas Regionais de Belo Horizonte.............. 44

  • LISTA DE SIGLAS

    ACS Agente Comunitrio de Sade

    CCZ Centro de Controle de Zoonoses

    CERSAM Centro de Referncia em Sade Mental

    CNUMAD Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

    COPASADE . Conferncia Pan-americana sobre Sade e Ambiente no Desenvolvimento Humano

    Sustentvel

    DCZ Departamento de Controle de Zoonoses

    ESF Estratgia de Sade da Famlia

    FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations

    FUNASA Fundao Nacional de Sade

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IJC International Joint Comission of the Great Lakes

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    MS Ministrio da Sade

    NAF Ncleo de Apoio Famlia

    NESCON Ncleo de Educao em Sade Coletiva

    OMS Organizao Mundial de Sade

    ONU Organizao das Naes Unidas

    OPAS Organizao Pan-Americana de Sade

    PBH Prefeitura de Belo Horizonte

    PSF Programa de Sade da Famlia

    SES/MG Secretaria Estadual de Sade de Minas Gerais

    SMSA Secretaria Municipal de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    SNVA Sistema Nacional de Vigilncia Epidemiolgica e Ambiental em Sade

    UBS Unidade Bsica de Sade

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

  • UP Unidades de Planejamento

    UPA Unidade de Pronto Atendimento

    URS Unidade de Referncia Secundria

    WHO World Health Organization

  • Resumo

    A temtica sade e ambiente vem sendo amplamente discutida atravs de disciplinas tanto do campo da

    sade quanto das cincias ambientais. No cenrio desta discusso percebe-se a necessidade de um

    ambiente equilibrado para o alcance de condies de sade desejveis. Desta maneira, este trabalho de

    pesquisa foi realizado na tentativa de compreender a interface entre sade e ambiente e sua relao com o

    surgimento de zoonoses, na viso de profissionais da Estratgia de Sade da Famlia (ESF). As zoonoses

    se configuram como patologias intimamente relacionadas a alteraes ambientais. No mbito de uma

    viso ampliada de sade torna-se desejvel que os profissionais desse campo de conhecimento

    apresentem um maior envolvimento na discusso acerca da temtica sade e ambiente. O objetivo deste

    trabalho identificar e compreender as percepes, ideias e imagens de alguns profissionais da sade

    pblica sobre a articulao entre sade, ambiente e zoonoses. A presente pesquisa foi realizada na

    perspectiva das Cincias Sociais sendo desenvolvida no contexto da abordagem qualitativa. Realizou-se a

    anlise das informaes obtidas de profissionais Agentes Comunitrios de Sade, enfermeiros e mdicos

    de trs Unidades Bsicas de Sade da regional Oeste de Belo Horizonte. Para a definio do nmero de

    participantes foi utilizado o critrio de saturao. Como tcnica de anlise das informaes utilizou-se a

    anlise de contedo, desenvolvida na perspectiva da representao social. A coleta de informaes foi

    realizada atravs de entrevistas semi-estruturadas, sendo entrevistados 29 profissionais. A partir da anlise

    das informaes obtidas foram apreendidas trs categorias de anlise, quais sejam, Discurso higienista na

    relao sade e ambiente, Viso antropocntrica com relao ao ambiente e Fragilidade do conceito de

    zoonoses no mbito da sade pblica. Foi possvel observar que, apesar da significativa percepo com

    relao interao entre sade e ambiente, essa percepo se mostra limitada e reducionista. Com relao

    ao conceito de zoonoses observou-se uma fragilidade na compreenso do mesmo e sua associao com o

    servio de Zoonoses da Secretaria Municipal de Sade de Belo Horizonte. Apesar de toda a complexidade

    do sistema de organizao da ESF na ateno sade, a discusso sobre sade e ambiente, como um

    saber necessrio prtica ampliada da sade, parece no se fazer presente de maneira abrangente e

    integrada com a discusso atual. Encontrando-se, ainda, desvinculada de um enfoque ecossistmico de

    sade.

    Palavras Chave: Sade, ambiente, zoonoses, ESF

  • Abstract

    The thematic of health and environment has been widely discussed by both disciplines in the health and

    environmental sciences. In the scenario of this discussion it is perceived the need for a balanced

    environment for the achievement of desirable health conditions. Thus, this research was conducted in an

    attempt to understand the interface between health and environment and its relation with the emergence of

    zoonoses, in the view of professionals from the Family Health Strategy (FHS). Zoonotic diseases are

    configured as closely related to environmental changes. Within an expanded vision of health it is

    necessary that professionals in this field of knowledge have a greater involvement in the discussion on the

    theme of health and environment. The objective of this paper is to identify and understand the

    perceptions, ideas and images of some public health professionals about the connection between health,

    environment and zoonoses. This survey was conducted from the perspective of social sciences being

    developed in the context of a qualitative approach. The analysis of information was obtained from

    professional community health agents, nurses and physicians. For the definition of number of participants

    the criterion of saturation was used. As technical analysis of the information has been used content

    analysis, developed from the perspective of social representation.

    Data collection was conducted through semi-structured interviews, being interviewed 29 professionals.

    From the analysis of information three categories of analysis were seized, which are, hygienist speech in

    relation to health and environment, anthropocentric view regarding the environment and fragility within

    the framework of public health. Despite the significant insight regarding the interaction between

    environment and health, it was observed that this perception is limited and reductionist. Regarding the

    concept of zoonoses it was noticed a weakness in its understanding and its association with the Zoonosis

    Service of the Department of Health of Belo Horizonte. Despite all the complexity of the organization of

    the ESF in health care, the discussion on health and environment, as a practical knowledge necessary to

    expanded health, doesnt seems to be present in a comprehensive and integrated way with the current

    discussion. Lying still, separated from an ecosystem approach to health.

    Keywords: Health, environment, zoonoses, FHS

  • 15

    1 - INTRODUO

    A formao em Cincias Biolgicas e a prtica

    do trabalho de pesquisa em Sade Pblica no

    Sistema nico de Sade (SUS) levaram a uma

    busca da compreenso acerca da relao

    existente entre a sade das pessoas e o ambiente

    onde esto inseridas. No mbito da formao

    acadmica o curso de biologia favorece uma

    percepo mais ampla com relao interao

    entre os seres vivos e o meio. No contexto da

    prtica profissional o conhecimento acerca do

    trabalho de profissionais da Sade Pblica, entre

    eles os membros da Equipe de Sade da Famlia

    (ESF), possibilita uma sensibilizao acerca da

    condio de sade de grande parte da populao.

    Tal populao se caracteriza pela utilizao dos

    servios pblicos de sade.

    Diante da percepo da necessidade de

    um ambiente equilibrado para o alcance de

    condies de sade desejveis, este trabalho de

    pesquisa foi realizado na tentativa de

    compreender a interface entre sade e ambiente e

    sua relao com o surgimento de zoonoses, na

    viso de profissionais da ESF. Estes profissionais

    possuem uma relao de proximidade com a

    populao, devido ao trabalho que desenvolvem

    nas Unidades Bsicas de Sade (UBS), pautado

    no estabelecimento de uma convivncia

    fundamentada na responsabilizao com as

    comunidades de abrangncia. Assim, estabelece-

    se tambm uma interao com o ambiente onde a

    populao reside, principalmente devido ao fato

    desses trabalhadores terem como parte da sua

    prtica a realizao das visitas domiciliares.

    Para tratar de questes relevantes para a

    sade das comunidades so desenvolvidas

    polticas pblicas, que pautam suas aes

    principalmente na proteo e na preveno da

    sade. A Sade da Famlia se configura como

    uma dessas polticas e entendida pelo

    Ministrio da Sade como uma estratgia de

    reorientao do modelo de assistncia, realizada

    atravs da implantao de equipes

    multiprofissionais em unidades bsicas de sade.

    Estas equipes so responsveis pelo

    acompanhamento de um nmero definido de

    famlias, localizadas em uma rea geogrfica

    delimitada. As equipes atuam com aes de

    promoo da sade, preveno, recuperao,

    reabilitao de doenas e agravos mais

    frequentes, e na manuteno da sade desta

    comunidade. Elas tm a responsabilidade pelo

    acompanhamento das famlias fato que cria a

    necessidade de ultrapassar os limites

    classicamente definidos para a ateno bsica no

    Brasil, especialmente no contexto do SUS

    (BRASIL, 2008)1.

    Ainda, de acordo com Oliveira e Borges

    (2008, p. 370):

    Em 1990, como decorrncia dos princpios

    consagrados na Constituio, criado o Sistema nico de Sade (SUS), com o

    objetivo de alterar a situao de

    desigualdade na assistncia sade da populao brasileira, tornando obrigatrio o

    atendimento pblico a qualquer cidado. O

    SUS se prope a promover a sade, priorizando as aes preventivas e

    democratizando as informaes relevantes,

    para que a populao conhea seus direitos e os riscos sua sade.

    Em vista da necessidade do estabelecimento

    de mecanismos capazes de assegurar a continuidade dessas conquistas sociais,

    vrias propostas de mudana inspiradas nas

    ideias da reforma sanitria e nos princpios do SUS foram esboadas e implementadas.

    O Programa de Sade da Famlia (PSF)

    uma dessas iniciativas e se concretiza como um novo paradigma de promoo da sade,

    focado principalmente no estabelecimento

    de vnculos e criao de laos de compromisso e co-responsabilidade entre

    os profissionais de sade e a populao.

    De acordo com Souza (2002, p. 25), o

    PSF foi desenvolvido como estratgia para

    promover a organizao das aes da ateno

    bsica sade, nos sistemas municipais. Alm

    disso, busca uma maior racionalidade na

    utilizao dos demais nveis assistenciais e tem

    produzido resultados positivos nos principais

    indicadores de sade das populaes assistidas

    pelas equipes sade da famlia.

    O trabalho desenvolvido pelas equipes

    de Sade da Famlia promove e possibilita uma

    permanente comunicao e troca de saberes e

    experincias entre os integrantes do grupo, e

    desses com o saber popular trazido pelo Agente

    Comunitrio de Sade (ACS). Diante desse

    cenrio, todos os profissionais tm a

    possibilidade de atuar no desenvolvimento de

    estratgias para a promoo da sade da

    populao. O modelo mdico-assistencialista

    1http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/a

    rea.cfm?id_area=149

  • 16

    deixa de ser o referencial. As equipes so

    compostas, no mnimo, por um mdico de

    famlia, um enfermeiro, um auxiliar de

    enfermagem e seis ACS. Quando ampliada,

    possui um dentista, um auxiliar de consultrio

    dentrio e um tcnico em higiene dental.

    No desenvolvimento de suas aes, cada

    grupo se responsabiliza pelo acompanhamento

    de cerca de 3 mil a 4 mil e 500 pessoas ou de mil

    famlias de uma determinada regio (BRASIL,

    2004). A atuao das equipes ocorre

    principalmente nas UBS, nas residncias e na

    mobilizao da comunidade. Caracteriza-se

    como porta de entrada de um sistema

    hierarquizado e regionalizado de sade, com um

    territrio definido e uma populao delimitada,

    sob a sua responsabilidade. Ainda tem como

    caractersticas, a interveno em fatores de risco

    sob os quais a comunidade est exposta, a

    prestao de assistncia integral, permanente e

    de qualidade, a realizao de atividades de

    educao e promoo da sade, a atuao

    intersetorial abrangendo situaes que

    transcendem a questo da sade, entre outras.

    Ao se deslocar para as comunidades,

    esses profissionais de sade aproximam-se da

    realidade da populao. Neste processo torna-se

    possvel uma interao estreita com a

    comunidade, o que abre oportunidade para uma

    mobilizao mais concreta acerca das questes

    de sade. Entretanto, o profissional se depara

    tambm, de acordo com a Secretaria Municipal

    de Sade da Prefeitura de Belo Horizonte (BELO

    HORIZONTE, 2008), com questes delicadas da

    vida cotidiana destas pessoas como violncias,

    pobreza e dificuldades da vida familiar.

    Segundo Souza (2002) as iniciativas de

    instalao das equipes e dos ACS vm

    acumulando uma experincia muito rica que

    possibilita um aumento significativo de

    qualidade no processo de desenvolvimento e

    consolidao do SUS no pas. Ela ainda afirma

    que o PSF humaniza a relao profissional entre

    a sade e o cidado, reorganiza as referncias e

    racionaliza gastos.

    O plano de ao, denominado Agenda

    21, resultante de um processo que culminou com

    a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio

    Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio de Janeiro em 1992, j trazia, como uma

    preocupao consensual entre vrios pases, a

    promoo de um modelo de desenvolvimento

    que levasse em conta a proteo ambiental e a

    justia social. Na introduo do captulo seis

    deste documento pode-se observar essa

    preocupao:

    A sade e o desenvolvimento esto

    intimamente relacionados. Tanto um desenvolvimento insuficiente que conduza

    pobreza como um desenvolvimento

    inadequado que resulte em consumo excessivo, associados a uma populao

    mundial em expanso, podem resultar em

    srios problemas para a sade relacionados ao meio ambiente, tanto nos pases em

    desenvolvimento como nos desenvolvidos.

    Os tpicos de ao da Agenda 21 devem estar voltados para as necessidades de

    atendimento primrio da sade da

    populao mundial, visto que so parte integrante da concretizao dos objetivos

    do desenvolvimento sustentvel e da

    conservao primria do meio ambiente. Os vnculos existentes entre sade e melhorias

    ambientais e scio-econmicas exigem

    esforos intersetoriais. Tais esforos, que abrangem educao, habitao, obras

    pblicas e grupos comunitrios, inclusive

    empresas, escolas e universidades e organizaes religiosas, cvicas e culturais,

    esto voltados para a capacitao das

    pessoas em suas comunidades a assegurar o desenvolvimento sustentvel.

    Especialmente relevante a incluso de

    programas preventivos, que no se limitem a medidas destinadas a remediar e tratar

    (CONFERNCIA DAS NAES

    UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E

    DESENVOLVIMENTO, 1992)2

    Para Forget e Lebel (2001) este documento

    reconhece que para atender s necessidades

    bsicas das populaes deve-se prestar mais

    ateno s ligaes entre sade e a melhoria do

    meio fsico e social.

    Diante dessa discusso, importante

    ressaltar qual o conceito dado ao espao nos

    estudos e nas prticas de sade. Em estudos

    epidemiolgicos o espao compreendido

    separado do tempo e das pessoas, como o lugar

    geogrfico que predispe a ocorrncia das

    doenas (CZERESNIA; RIBEIRO, 2000, p.

    596), ou seja, como apenas mais uma varivel.

    Entretanto, segundo as autoras, o espao

    constitui-se e distingue-se dos corpos no

    momento da vivncia concreta dos fenmenos

    atravs de uma interface que se configura no

    decorrer da prpria existncia (CZERESNIA;

    2http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=co

    nteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575

    &idMenu=9065

    http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575&idMenu=9065http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575&idMenu=9065http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575&idMenu=9065

  • 17

    RIBEIRO, 2000, p. 596). Desta maneira, torna-se

    desejvel que a epidemiologia considere o

    espao em que ocorre o processo do adoecimento

    em sua interface com o corpo. Essa viso atual e

    multidisciplinar do conceito de espao pode

    ampliar a compreenso da interao entre os

    seres humanos e os demais organismos presentes

    no meio em que vivem, a qualidade dessa relao

    e seus impactos para a sade ecossistmica.

    De acordo com Silva (1997, p. 586), a

    utilizao do espao como categoria de anlise

    para a compreenso da ocorrncia e distribuio

    das doenas nas coletividades anterior ao

    surgimento da epidemiologia como disciplina

    cientfica. Este autor ainda pontua que a

    epidemiologia descritiva clssica percebe o

    espao como um conjunto de determinantes,

    geralmente de natureza biolgica ou natural. Mas

    atualmente, com o aumento de neoplasias, a

    poluio ambiental e outros fatores fsicos tm se

    tornado progressivamente foco de maior ateno.

    O autor afirma que Pavlovsky, em sua

    teoria da nidalidade natural das doenas

    transmissveis (ou teoria dos focos naturais das

    doenas transmissveis) desenvolvida em 1930,

    realizou possivelmente a primeira apreciao

    terica do conceito de espao aplicada

    epidemiologia. Esta teoria demonstra marcado

    cunho ecolgico e seu grande mrito est

    relacionado ao estabelecimento do conceito de

    patobiocenose onde o espao era o cenrio no

    qual circulava o agente infeccioso. Trabalhando

    com a aparncia visvel do espao, a paisagem,

    Pavlovsky deixa implcito em sua teoria que h

    um conjunto de relaes no interior da paisagem,

    que so responsveis pela ocorrncia da doena

    (PAVLOVSKY, s.d., a e b). Silva (1997, p. 586)

    ainda pontua que:

    A modificao do espao determinava alteraes na patobiocenose, alterando a

    circulao do agente infeccioso. Ainda que

    a que a teoria dos focos naturais de Pavlovsky seja por demais restrita para as

    necessidades atuais da epidemiologia, o

    modelo do foco natural e da sua transformao pela ao humana com

    consequente alterao da epidemiologia de

    uma doena fundamental para a anlise do espao enquanto categoria da

    epidemiologia. O espao em sua

    conceituao clssica em epidemiologia

    apenas o substrato que exerce sua

    influncia atravs de fenmenos naturais

    como o clima.

    Como os espaos intocados se tornaram

    cada vez mais escassos com a crescente

    urbanizao, aps a Segunda Guerra Mundial, a

    teoria de Pavlovsky foi colocada de lado. Esta

    teoria daria conta apenas das fases iniciais de

    transformao dos focos naturais. Uma vez que o

    meio j no era natural caberia recorrer

    compreenso do comportamento humano. Tal

    cenrio se caracteriza pelo salto terico da

    ecologia para a sociologia. As produes tericas

    realizadas neste contexto colocam em segundo

    plano a anlise de transformaes sofridas pelo

    espao mesmo quando estas se mostram bvias,

    como por exemplo, a relao da construo de

    hidreltricas e a disseminao de doenas tais

    como a esquistossomose.

    No mbito da discusso acerca de

    doenas determinadas e geradas pela sociedade,

    como determinadas doenas mentais ou do

    trabalho, a anlise do espao no ocupa papel to

    central quanto no caso de doenas ligadas ao

    meio. Mas quando se busca compreender a

    epidemiologia destas, como por exemplo, as

    zoonoses ou a maioria das doenas infecciosas,

    principalmente as transmitidas por vetor, o

    espao deve necessariamente ser considerado

    como categoria de anlise para que no sejam

    desconsiderados processos importantes (SILVA,

    1997).

    Para Czeresnia e Ribeiro (2000) o

    ncleo epistemolgico que orienta a percepo

    do espao, do ponto de vista epidemiolgico a

    teoria da doena. Assim torna-se necessrio que a

    explicao epidemiolgica busque expressar de

    alguma forma o espao em que ocorre o processo

    do adoecimento, ou seja, a interface entre corpo e

    espao. Entretanto essa configurao, tanto no

    contexto da abordagem das doenas

    transmissveis, quanto no contexto das doenas

    no transmissveis, realizada atravs da

    utilizao do conceito de risco so limitadas.

    Ampliando a discusso sobre o conceito

    de espao as autoras afirmam que o

    reconhecimento da importncia de valores como

    subjetividade, autonomia foram incorporadas no

    contexto das transformaes do discurso

    cientfico. Tais transformaes trouxeram novos

    elementos para pensar a relao entre espao e

    doena. Os elementos simblicos contribuem de

    modo significativo para a configurao territorial

    e, certamente para o processo de adoecer,

    individual e coletivo (CZERESNIA; RIBEIRO,

    2000, p. 604). Apesar da complexidade das

    teorias acerca do conceito de espao em

    epidemiologia cabe ressaltar que o que importa

  • 18

    no so os mtodos ou sistemas de pensamento

    definidos, mas a capacidade de resolver

    problemas concretos.

    De acordo com a reflexo das questes

    abordadas neste estudo, torna-se necessrio

    discutir sobre as temticas de sade e ambiente

    de uma forma mais ampliada e global,

    principalmente no mbito do enfoque

    ecossistmico de sade, que traz tona questes

    profundas e complexas da relao entre a sade

    humana e ecossistmica.

    Baseada em uma abordagem qualitativa

    de pesquisa este trabalho se orienta teoricamente

    sob o enfoque crtico-participativo com viso

    histrico-estrutural que, baseando-se na dialtica

    da realidade, busca conhecer a realidade para

    transform-la. Esta linha de pesquisa se

    apresenta como uma alternativa metodolgica

    frente ao positivismo quantitativista

    (TRIVIOS, 2009).

    Este autor ainda sinaliza que

    diferentemente das pesquisas de natureza

    positivista e fenomenolgica, o enfoque

    histrico-estrutural, atravs da utilizao do

    mtodo dialtico, considera o contexto social do

    fenmeno em estudo, privilegiando a prtica e a

    funo transformadora do conhecimento

    adquirido da realidade que se procura desvendar.

    Neste sentido, adota-se neste estudo a

    base terica dialtica com enfoque histrico-

    estrutural, pois este se encontra de acordo com a

    realidade social da pesquisa em sade e ambiente

    ao favorecer o alcance da dinmica complexa

    dos significados atribudos aos problemas em

    questo, suas relaes, qualidades e contradies,

    alm de possibilitar uma transformao da

    realidade de interesse. Trivios (2009) ainda

    pontua que a pesquisa de carter histrico-

    estrutural busca, alm da compreenso dos

    significados, suas razes numa perspectiva

    ampliada do sujeito como ser social e histrico.

    O objetivo geral deste trabalho

    identificar e compreender as percepes, ideias e

    imagens de alguns profissionais da sade pblica

    acerca da articulao entre sade e ambiente e a

    sua relao com o surgimento de zoonoses.

    Buscou-se especificamente identificar

    quais so os discursos formulados por estes

    profissionais para a descrio de entre impacto

    ambiental e zoonoses e verificar a utilizao da

    temtica sade e ambiente nas prticas dos

    profissionais da rea da sade pblica. Alm

    disso, objetivou-se de maneira especfica

    tambm verificar a finalidade do binmio sade

    e ambiente na prtica profissional.

    A presente pesquisa foi desenvolvida no

    contexto da abordagem qualitativa, iniciando-se

    com a anlise das informaes obtidas dos

    profissionais ACS, enfermeiros e mdicos de trs

    UBS da regional de sade Oeste. Estas unidades

    foram selecionadas conforme orientao da

    Gerente Regional de Sade. A tcnica de anlise

    das informaes utilizada foi a anlise de

    contedo, desenvolvida na perspectiva da

    representao social.

    No mbito de uma viso ampliada de

    sade torna-se desejvel que os profissionais

    dessa rea de conhecimento apresentem um

    maior envolvimento na discusso acerca da

    temtica sade e ambiente. Tal discusso justifica

    o desenvolvimento deste trabalho. No relatrio

    final da 12 Conferncia Nacional de Sade

    (2002), no Eixo temtico III, diretriz 23,

    evidencia-se que o desenvolvimento de polticas

    intersetoriais deve estar voltado para a garantia

    da promoo da sade e a qualidade de vida

    envolvendo prioritariamente setores e

    instituies como sade, educao, meio

    ambiente, agricultura, trabalho, cultura, esportes,

    transporte, Ministrio Pblico, justia, segurana,

    assistncia social, dentre outras, para o

    desenvolvimento das seguintes aes integradas

    (BRASIL, 2003, p. 51):

    I. no controle dos processos produtivos e

    dos produtos, das condies de trabalho e dos servios prestados pelo poder pblico e

    pelo setor privado;

    II. na qualidade ambiental nos centros urbanos, na rea rural, nas reas indgenas e

    de florestas;

    III. na efetividade das aes de fiscalizao

    e de vigilncia em sade ambiental,

    sanitria, do trabalhador e epidemiolgica;

    IV. na eficincia, segurana e acessibilidade do transporte coletivo.

    Dessa forma, pensar a relao entre ambiente e

    sade deve ser uma prtica presente nas

    discusses acerca da qualidade da sade de uma

    populao e essa relao com a preservao

    ambiental, coordenada principalmente, na rea

    da sade, por seus profissionais j que so eles

    que lidam diretamente com essa realidade.

    Sero abordados, inicialmente, aspectos

    da sade e sua interface com o ambiente, no

    segundo captulo. Posteriormente sero

    enfatizadas as perspectivas do Enfoque

    Ecossistmico de Sade no terceiro captulo. A

    seguir, o lugar das zoonoses no contexto dos

  • 19

    profissionais de sade ser discutido no quarto

    captulo. Ser discutido o estudo da

    representao social possibilidade de

    esclarecimentos de fenmenos coletivos no

    quinto captulo e os aspectos metodolgicos

    deste estudo sero apresentados no sexto

    captulo. Finalmente, no stimo captulo ser

    analisado como alguns profissionais da ESF

    percebem a relao sade e ambiente, e como

    associam o impacto ambiental e o surgimento de

    zoonoses, no seu cotidiano e prtica profissional.

    2 A SADE E SUA INTERFACE COM

    O AMBIENTE

    As questes de sade so mais

    comumente discutidas, ao longo da histria, na

    perspectiva de doenas ou condies negativas

    de sade que acometem certo grupo de pessoas.

    O foco destas discusses ou mesmo de

    programas pblicos de sade , principalmente,

    voltado para a erradicao ou controle de

    enfermidades. O objetivo da sade, ainda a

    ausncia de doena. Isso se deve, possivelmente,

    ao fato da mesma ser fonte de dor, sofrimento e

    desconforto. Esta situao pode estar

    relacionada, tambm, forma como percebemos

    a nossa sade, ou doena, desde tempos muito

    antigos. Assim, a relao entre ambiente e

    doena tem um antigo referencial terico.

    Existem, desde tempos muito remotos,

    inmeras tentativas de explicar ou interpretar a

    doena. Na dificuldade do homem primitivo em

    estabelecer relaes de causa e efeito,

    dependente do grau de conhecimento produzido

    e do domnio tecnolgico, com relao origem

    da doena, as primeiras tentativas de

    interpretao esto associadas ao sobrenatural, ao

    mgico. Os primeiros mdicos eram pessoas

    que recorriam rituais de magia, exorcismo, com

    o intuito de expulsar os maus espritos

    causadores do mal fsico. As curas obtidas com

    estas prticas possivelmente esto associadas ao

    psicossomatismo. Posteriormente a interpretao

    da doena passou a ser associada a uma punio,

    por parte das entidades espirituais, a

    comportamentos que desagradavam aos mesmos,

    ou ordem social o castigo divino (LOYOLA

    CONTRERAS, 2000).

    Hipcrates de Cs, no sculo V a.C.,

    afirmava que as doenas estavam ligadas a

    causas naturais, estabelecendo uma relao de

    causa e efeito, embora a interpretao da sade

    ainda tivesse um suporte religioso. Hipcrates

    dizia que as doenas resultavam do desequilbrio

    dos chamados humores do corpo, quais sejam,

    sangue, linfa, bile amarela e bile negra (SCLIAR,

    2002 a). De acordo com Capra (2006), no mago

    da medicina hipocrtica se encontra a convico

    de que as doenas no so causadas por

    demnios ou foras sobrenaturais, mas so

    fenmenos naturais que podem ser estudados

    cientificamente e influenciados por

    procedimentos teraputicos e pela judiciosa

    conduta individual.

    Em meados do sculo XVII, torna-se

    hegemnica a teoria miasmtica que preconizava

    a idia de que as doenas eram originadas de

    emanaes resultantes do acumulo de dejetos,

    entretanto a medicina grega tambm apresentava

    conceitos e prticas ligadas a miasmas e humores

    que influenciaram a cultura medieval. Essa

    doutrina foi aceita largamente pela cincia no

    sculo XVIII at meados do sculo XIX. A idia

    de miasmas surge dentro de uma medicina

    racionalista, que busca construir sistemas lgicos

    explicativos, atravs da observao e representa

    uma das primeiras tentativas de interpretao no

    sobrenatural da doena. Esta teoria deu

    importantes contribuies no desenvolvimento

    do conhecimento do processo sade/doena

    (LOYOLA CONTRERAS, 2000).

    No perodo Renascentista constri-se

    um olhar cientfico que busca dados na realidade,

    medindo e manipulando seu objeto de estudo, na

    busca de compreend-lo e caracteriz-lo. O

    objeto passa a conter a resposta do que ele .

    Para Soares de Oliveira (2002) na viso

    iluminista a natureza passa a ser percebida como

    algo palpvel e o mundo comea a ser

    compreendido a partir do concreto, do real. Este

    movimento filosfico apaga os traos religiosos

    medievais do perodo renascentista.

    Com o surgimento da sociedade

    capitalista mercantil as relaes sociais foram se

    intensificando e se moldando ao mercado. Neste

    cenrio, durante a sua interao com o meio o

    homem desenvolve a prtica do trabalho. Atravs

    deste ele capaz de transformar os objetos e os

    seres e assim re-constri e transforma a natureza,

    a partir da sua ideao do ambiente.

    Para Soares de Oliveira (2002) no

    processo de apropriao e modificao dos

    recursos naturais, atravs do trabalho, ocorre a

    socializao da natureza. O processo social de

  • 20

    produo capitalista coloca a natureza em um

    lugar diferente ao ocupado pelo homem, exterior

    a ele, e permite um novo tipo de relao entre o

    homem e natureza onde a mesma vista como

    um recurso, um fator de produo, e no como

    meio de sobrevivncia que deve ser cuidado e

    preservado. A autora afirma que existe um

    antagonismo na relao capital x trabalho, onde o

    capital nutre-se da explorao do trabalho do

    homem.

    Como o homem que realiza este

    trabalho capitalizado, ao entrar em contradio

    com o capital, ele entra em contradio com a

    prpria natureza. Tal contradio se relaciona

    dicotomia entre sociedade e natureza gerada pela

    alienao do trabalho e da prpria natureza. Essa

    alienao ampliada pela taxa de explorao do

    trabalho e da natureza. Assim, (SOARES DE

    OLIVEIRA, 2002, p. 4) pontua que a perda da

    identidade orgnica do homem com a natureza,

    se d a partir do capital, que gera a contradio e

    que, essa contradio, gera a perda da

    identificao do homem com a natureza e,

    consequentemente a degradao ambiental.

    A dinmica histrica dessa sociedade

    chega ao sculo XIX, sob a gide da Revoluo

    Industrial. Como consequncia da mesma, as

    cidades crescem e as condies de vida se

    tornam cada vez piores. Segundo Barreto (1994),

    grande parte da populao dessas cidades vivia

    em ambientes extremamente insalubres e o que o

    Estado tornava-se cada vez mais forte e influente

    na forma de viver das pessoas. Movimentos

    sociais buscavam soluo para as crises e, nesse

    contexto, os estudos sobre as condies de sade

    se intensificaram. Destes estudos surgem

    diferentes correntes de conhecimento cuja

    agregao d origem nova disciplina: a

    Epidemiologia.

    De acordo com Loyola Contreras

    (2000), com os descobrimentos microbiolgicos,

    na segunda metade do sculo XIX, novos fatos

    permitem uma ltima interpretao unicausal da

    doena. Barreto (1994), ainda pontua que, todo o

    conhecimento epidemiolgico at ento

    acumulado sobre os fatores de ocorrncia das

    doenas e sua determinao social, sofreu um

    grande retrocesso. Ocorre uma reconceituao da

    causalidade, o parasito se torna a causa definitiva

    da doena. O conceito da multicausalidade

    (fatores sociais) d lugar novamente

    unicausalidade para cada doena um agente

    especfico observada nas doutrinas anteriores.

    Este conceito se mostra insuficiente

    para explicar o enorme dinamismo e

    complexidade do binmio sade/doena e d

    lugar Teoria Ecolgica Multicausal onde uma

    doena no pode ser concebida separadamente

    do ecossistema no qual interatuam os fatores que

    possibilitam que ela aparea. Esses fatores so

    agrupados em trs classes: hospedeiro, agente,

    ambiente (LOYOLA CONTRERAS, 2000).

    A partir dos anos 60 ou 70 so

    formuladas importantes objees s limitaes a

    que tem estado sujeita a epidemiologia, devido

    ao predomnio da ideologia positivista na qual

    predomina a viso biolgico-fsico-qumica

    analtica da doena. Como a medicina no

    conseguiu resolver importantes problemas de

    sade dos pases capitalistas, iniciou-se uma

    procura extra-biolgica da doena, no domnio

    da Sociologia, da Histria, da Economia, da

    Psicologia (LOYOLA CONTRERAS, 2000).

    Torna-se importante reconhecer o carter

    coletivo e, portanto social da doena que , para

    esta teoria, resultado de uma transformao das

    relaes entre hospedeiro, agente e ambiente,

    devida aos processos sociais e intimamente

    vinculada aos modos de produo.

    2.1 Aspectos sobre a sade

    Reflexes acerca do conceito de sade

    vm se desenvolvendo h vrios anos, em

    diferentes disciplinas, principalmente, da rea da

    sade. Segundo Coura (1992) a sade tem sido

    conceituada ao longo dos anos de vrias

    maneiras, desde a concepo simplista de seu

    antnimo, ou seja, ausncia de doena, at

    concepes mais abrangentes, como a adotada

    pela Organizao Mundial de Sade (OMS,

    1981), que a define como um estado de completo

    bem-estar fsico, mental e social, e no apenas

    ausncia de doena ou enfermidade. O mesmo

    autor analisa que o conceito simplista de sade

    exclusivamente organicista e ignora os aspectos

    sociais e ecolgicos, fundamentalmente

    importantes para um bem-estar fsico, mental e

    social. Por outro lado, pontua que a concepo da

    OMS no representa uma conquista doutrinria

    exequvel e exata. Seria um exagero considerar,

    por exemplo, que uma pessoa viajando em um

    nibus apertado no calor dos trpicos no estaria

    dentro dos preceitos preconizados por essa

  • 21

    concepo, e, portanto estaria doente.

    Perkins (1938) define sade como um

    estado de relativo equilbrio da forma e funo

    do corpo que resulta do seu ajustamento

    dinmico bem-sucedido com as foras que

    tendem a alter-la. No um intercmbio passivo

    entre a substncia do corpo e as foras que o

    impelem, mas uma resposta ativa trabalhando

    para o seu ajustamento. Por outro lado, Ren

    Dubos (1968) diz que o homem mais um

    produto do seu meio do que de sua herana

    gentica, reforando que a sade dos seres

    humanos no est determinada por suas raas, e

    sim pelas condies sob as quais vivem.

    (COURA, 1992)

    Este autor considera que embora a

    definio de sade de Perkins (1938) seja bem

    mais realista do que a formulada pela OMS, por

    considerar o componente adaptativo, ela no

    considera os aspectos psicossociais, enquanto a

    conceituao de Dubos (1968), bem mais

    abrangente, nega exageradamente o componente

    gentico, tomando-se inaceitvel do ponto de

    vista cientfico.

    Ainda de acordo com Coura (1992),

    seria desejvel associar a viso de adaptao

    relativa definio de Perkins (1938) com a de

    modus vivendi de Dubos (1968) e a de integrao

    da OMS para alcanar uma definio mais ampla

    e real de sade. Assim, em sua concepo a

    sade seria conceituada atravs da adaptao do

    homem ao seu meio, com a preservao da sua

    integridade fsica, funcional, mental e social.

    Dessa forma, alm de serem incorporadas as

    noes fundamentais de "adaptao" e de

    "preservao", tem-se a substituio do subjetivo

    "bem-estar", da OMS, por "integridade"

    (COURA, 1992).

    Segundo Medronho et al. (2006) a

    Constituio Brasileira reconhece a sade no

    como uma simples resultante do ato de estar ou

    no doente mas sim a resposta complexa s

    condies gerais de vida a que diferentes

    populaes so expostas.

    Sem querer esgotar o assunto,

    importante ressaltar a complexidade dessa

    discusso, em busca de uma definio mais

    concreta para o conceito de sade. De acordo

    com Almeida Filho (2000, p. 17):

    no presente momento, preciso avanar

    para um tratamento epistemolgico e terico deste intrigante ponto cego, objeto-

    modelo potencial para uma nova definio da Sade em sociedades concretas,

    buscando produzir reflexes e indicaes conceituais e metodolgicas capazes de

    enriquecer a pesquisa e a prtica no campo

    da Sade Coletiva.

    Medronho et al. (2006) afirmam que os

    subsdios para a tomada de decises e para o

    planejamento das aes de sade e bem-estar,

    assim como a avaliao do impacto das mesmas,

    tm sido limitadas devido insuficincia de

    documentao do impacto das importantes

    mudanas econmicas que vm acontecendo

    internacionalmente.

    O mesmo autor afirma que, dessa

    maneira, faz-se necessrio, para abordar o estudo

    da situao de vida e sade em grupos

    populacionais, um modelo conceitual integrador

    de condies e qualidade de vida, problemas de

    sade e respostas sociais. Contudo, o conceito de

    qualidade de vida muito abrangente, pois

    considera que cada indivduo, famlia,

    comunidade ou grupo populacional, em cada

    momento da sua existncia, tem necessidades e

    riscos que lhes so caractersticos levando em

    considerao idade, sexo entre outros.

    O documento Formulando estratgias

    para a sade de todos no ano 2000 (OMS, 1981)

    estabelece que somente a elevao da qualidade

    de vida e a diminuio da pobreza extrema e das

    desigualdades sociais permitiriam alcanar as

    metas propostas em sua conceituao de sade

    (COURA,1992).

    Em geral, definies de sade de

    plantas, animais, pessoas, comunidades e

    ecossistemas envolvem alguma noo de

    equilbrio e harmonia, alm da capacidade de

    resposta e adaptao a um ambiente de mudana.

    A sade est diretamente relacionada ao

    cumprimento de metas desejveis e a doena

    seria apenas uma restrio na realizao destes

    objetivos. A conquista da sade uma atividade

    social dentro das limitaes biofsicas, mais do

    que uma atividade biomdica dentro das

    restries sociais (WALTNER-TOEWS, 2001).

    Isso significa dizer que a sade est

    mais relacionada ao comportamento das pessoas

    em suas prticas sociais do que aos servios e

    insumos de sade oferecidos pela prtica

    biomdica.

    Entretanto, os profissionais que detm

    as competncias necessrias para prevenir e

    tratar doenas so mal preparados para promover

    a sade. Desta maneira, programas de controle e

    preveno de doenas podem criar problemas de

    sade (WALTNER-TOEWS, 2001).

  • 22

    2.2 - Sade e ambiente

    A temtica sade e ambiente vem sendo

    amplamente discutida atravs de disciplinas tanto

    da rea da sade quanto das cincias ambientais.

    Nos ltimos, anos existe um maior nmero de

    estudos relacionando estes temas (PALCIOS et

    al., 2004).

    Entretanto, a existncia de relaes

    entre a sade das populaes humanas e

    ambiente j est presente nos primrdios da

    civilizao humana, atravs dos escritos

    hipocrticos (PIGNATTI, 2004, p. 133).

    O pensamento hegemnico de que todos

    os recursos naturais seriam infinitos e renovveis

    fez com que as sociedades, aps a explorao

    dos mesmos, abandonassem esse habitat. Esse

    processo afetou profundamente a qualidade do

    ambiente e de vida das suas populaes

    (AUGUSTO, 2003, p. 178).

    Por vrias dcadas, aps a Segunda

    Guerra Mundial, vrias partes do mundo uniram

    esforos para erradicar doenas atravs da

    aplicao de cincias biomdicas e promoo da

    sade atravs de programas pblicos,

    fomentando equidade social e econmica. Estas

    aes pareciam surgir efeito, mas, nos ltimos

    anos do sculo XX os esforos para promoo da

    sade foram largamente abandonados em favor

    do aumento da atividade econmica, ao custo de

    um aumento rpido das disparidades de renda

    dentro e entre os pases. Isto ocorreu em um

    contexto de mudana ambiental global, a uma

    velocidade e escala sem precedentes na histria

    humana recente (WALTNER-TOEWS, 2001).

    De acordo com Sabroza e Waltner-

    Toews (2001) o estabelecimento de uma nova

    ordem mundial, com a integrao de economias

    de diversos pases e o subsequente aumento da

    circulao de pessoas e mercadorias, tem levado

    a uma perda da unidade dos modos de vida

    tradicionais e degradao ambiental.

    Diante deste cenrio, o adoecimento da

    populao humana e a destruio dos meios de

    sobrevivncia ambientais desta e das demais

    espcies, tem se tornado um fato cada vez mais

    contundente. Frente s importantes alteraes

    causadas no ambiente pela imposio de uma

    sociedade de consumo, com consequentes

    impactos na sade humana, as questes de sade

    continuam ainda, na maioria das vezes, sendo

    observadas, pelas polticas pblicas, com um

    olhar extremamente biologicista.

    Segundo Forget e Lebel (2001) no

    sculo vinte houve um considervel progresso no

    desenvolvimento de modelos para ilustrar e

    conceituar as relaes entre o ambiente e a sade

    humana. A modelagem da sade humana baseada

    na relao humana com o ambiente foi

    inicialmente desenvolvida pela experincia do

    mundo biomdico e a luta para controlar doenas

    infecciosas. Apesar de oferecer abordagens

    reducionistas, este enfoque, dominado pelo

    clssico modelo biomdico de sade permitiu

    que pesquisadores dessem passos importantes na

    direo da compreenso das causas das doenas

    que afetam seres humanos. Temos agora uma

    compreenso muito maior dos mecanismos

    basais das doenas e podemos observar que

    houve progressos espetaculares na medicina

    clnica.

    Contudo, torna-se importante ressaltar

    que a sade de uma populao depende

    intimamente da complexa relao que esta

    estabelece com o seu meio. Forget e Lebel

    (2001), citando Nielsen (1998), apontam que o

    mundo est sujeito influncia de muitos fatores

    complexos que minam a sade de todos os seres

    vivos, e esta questo no pode ser resolvida

    exclusivamente atravs do enfoque mdico

    reducionista, a despeito de toda sua sofisticao.

    Dessa maneira, a relao existente entre a sade

    e ambiente, em toda sua amplitude, deve ser

    objeto de ateno, principalmente no

    desenvolvimento de polticas de sade.

    Entretanto, segundo Minayo et al.

    (2006), embora seja bvia a relao desses dois

    termos na prtica concreta e emprica, ela no

    um dado. Portanto, torna-se necessria uma

    maior reflexo acerca dessa relao.

    Desde 1972, data da primeira

    conferncia da Organizao das Naes Unidas

    (ONU) sobre meio ambiente, as questes

    ambientais foram consideradas objeto de

    preocupao e interveno dos estados e de certa

    articulao internacional. A partir de ento, vem

    se desenvolvendo um processo de tomada de

    conscincia gradual e global sobre o fato de que

    o uso predatrio do planeta e de seus recursos

    pode inviabilizar a vida no mesmo. Neste

    processo, as questes relacionadas com a

    pobreza frente ao uso racional dos recursos

    naturais, do desenvolvimento de novas

    tecnologias no poluentes e poupadoras desses

    recursos, ganham destaque. Destacam-se tambm

    as disparidades entre pases centrais e perifricos

  • 23

    (BRASIL, 2002).

    Com a Conferncia das Naes Unidas

    sobre o meio ambiente, consolidaram-se alguns

    pontos importantes j apontados em 1972, nos

    princpios expressos na Declarao do Rio sobre

    o Meio Ambiente e Desenvolvimento, como:

    a) o da sobrevivncia do planeta que se

    trata. Assim sendo, todos os pases so

    atingidos indistintamente. A responsabilidade de proteger o planeta para

    as geraes futuras , portanto, de todos,

    guardando o respeito equidade como princpio de justia fundamental na

    distribuio dos nus da mudana de rumo

    do desenvolvimento em direo proteo ambiental;

    b) os seres humanos ocupam o centro das

    preocupaes o que coloca a sade humana no centro das preocupaes

    articulada ao meio ambiente e ao

    desenvolvimento; c) o desenvolvimento sustentvel almeja

    garantir o direito a uma vida saudvel e

    produtiva em harmonia com a natureza' para as geraes presentes e futuras

    (BRASIL, 2002, p. 9).

    Fica assegurada a autonomia dos

    estados, no mbito da liberdade e

    responsabilidade na promoo do

    desenvolvimento econmico, de maneira que

    responda equitativamente s necessidades de

    desenvolvimento humano e ambientais,

    introduzindo-se assim, a associao entre o

    desenvolvimento, a proteo do ambiente, a

    preservao da sade e a promoo do bem-estar

    humano de forma sustentvel ao longo de

    geraes (BRASIL, 2002).

    A partir da Conferncia Rio-92, a

    Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS)

    iniciou os preparativos para a conferncia Pan-

    Americana sobre Sade e Ambiente no

    Desenvolvimento Humano Sustentvel, com o

    objetivo de elaborar um plano regional de ao

    no contexto do desenvolvimento sustentvel,

    articulando os planos nacionais a serem

    elaborados pelos diversos pases e apresentados

    na Conferncia realizada em outubro de 1995

    (BRASIL, 2002).

    2.3 Sade e ambiente no contexto das

    Cincias da Sade

    De acordo com Augusto (2003), nos

    ltimos 20 anos a denominada Sade Ambiental,

    de carter multidisciplinar, vem se

    desenvolvendo no campo das Cincias da Sade.

    No setor da Sade, at pouco tempo atrs, a

    dimenso de ambiente era compreendida pelo

    homem como externa ele. Mais recentemente,

    o tema vem ganhando relevncia no SUS que

    incorporou a Vigilncia Ambiental ao Sistema

    Nacional de Vigilncia Epidemiolgica e

    Ambiental em Sade (SNVA). A partir do ano

    2000 o Ministrio da Sade cria a denominada

    Vigilncia Ambiental. Atualmente, encontra-se

    constitudo o Sistema Nacional de Vigilncia

    Ambiental em Sade.

    As questes ambientais relacionadas

    sade foram durante muitos anos do sculo

    passado uma preocupao quase que exclusiva

    de instituies voltadas para o saneamento bsico

    no Brasil (TAMBELLINI; CMARA, 1998).

    Entretanto, ainda hoje, possvel

    perceber que muitas as aes de Sade

    Ambiental no mbito governamental tm sido

    desenvolvidas na perspectiva higienista, voltadas

    principalmente para as aes de saneamento

    bsico.

    Segundo os mesmos autores, a idia de

    ambiente, como elemento importante para o

    campo da sade pode ser considerada antiga,

    porm sua caracterizao em termos tcnicos

    cientficos tem sido considerada suficientemente

    vaga e imprecisa para admitir variadas formas e

    concepes na elaborao da sua (do ambiente)

    possvel relao com a sade propriamente dita

    (TAMBELLINI; CMARA, 1998, p. 48). Este

    ambiente tem sido percebido como meio externo

    ou o cenrio onde os processos de doena se

    desenrolam.

    Para estes autores a epidemiologia teve

    papel decisivo na elaborao de questes que

    abriram espao para a incorporao da relao

    sade e ambiente no campo da Sade Coletiva.

    Entretanto, em um primeiro momento, ainda

    prevalecia a idia de ambiente como

    externalidade ao sujeito. Algumas concepes

    de ambiente ficaram fora do foco central de

    preocupaes de uma Sade Coletiva emergente,

    como, por exemplo, aquela que o compreendia

    no mbito de um espao definido

    geograficamente (TAMBELLINI; CMARA,

    1998, p. 49), recuperada mais tarde por trabalhos

    recentes.

    A dimenso ecolgica desta abordagem

    a que tem sido menos desenvolvida, atualmente

    entre ns, ainda que alguns esforos tenham sido

  • 24

    feitos nesse sentido, especialmente naquelas

    reas que tm como objeto as doenas

    parasitrias (TAMBELLINI; CMARA, 1998,

    p. 49).

    Subsistiu, em um primeiro momento,

    margem da Sade Coletiva, uma concepo de

    sade ambiental no formato de modelos

    epidemiolgicos tradicionais. Essa talvez tenha

    sido uma possibilidade para a rea da Sade

    Ambiental se desenvolver cientificamente, sem

    considerar as questes da subjetividade e as

    explicaes das Cincias Sociais que justifique

    seu afastamento e quase excluso do mbito da

    Sade Coletiva, nesse perodo. A reincorporao

    de uma nova Sade Ambiental, integrando o

    campo da Sade Coletiva torna-se possvel

    quando a Sade do Trabalhador, estabelecida

    como disciplina deste campo, aponta e se declara

    parte de uma relao mais ampla que envolve a

    produo, o ambiente e a sade. Desde ento, a

    rea da Sade Ambiental tem fornecido um

    significativo aporte de conhecimentos e tcnicas

    ao campo da Sade Coletiva. Entretanto, no setor

    da sade parece haver maior dificuldade para sua

    efetiva implantao e desenvolvimento

    (TAMBELLINI; CMARA, 1998).

    3 - ENFOQUE ECOSSISTMICO DE

    SADE

    Num cenrio mais abrangente de

    discusso sobre sade e ambiente, uma viso

    mais ampliada em relao ao que est sendo

    produzido na rea se apresenta na proposta do

    enfoque ecossistmico de sade.

    Este enfoque apresenta-se como umas

    das possibilidades de construo terico-prtica

    das relaes entre sade e ambiente nos nveis

    microssociais, dialeticamente articulados a uma

    viso ampliada de ambos os componentes

    (MINAYO et al., 2006, p. 173). Trata-se de um

    modelo terico-metodolgico que vem sendo

    construdo nos Estados Unidos e no Canad e se

    configura como uma proposta de desconstruo

    do paradigma antropocntrico e de dominao.

    Na busca de respostas a problemas concretos de

    qualidade de vida, rene a reflexo de cientistas,

    sociedade civil e gestores pblicos (MINAYO et

    al., 2006).

    Apesar da no aceitao da sade como

    simples ausncia de sade na definio da OMS,

    quase todos os esforos para melhorar a sade

    humana no sculo passado tm sido destinados a

    livrar o mundo de vrias doenas. De fato, a

    erradicao de doenas contagiosas uma grande

    conquista da rea, mas os programas de controle

    de doenas no tm sido muito efetivos nos

    ltimos tempos. O surgimento de inmeros

    organismos multi-resistentes e insetos vetores

    resistentes a pesticidas indicam resultados

    involuntrios de terapias que utilizamos para

    control-los ou elimin-los. Assim torna-se

    necessrio encontrar solues mais criativas para

    alcanar a sade (WALTNER-TOEWS, 2001).

    O autor ainda afirma que o sucesso de

    programas que se propem a promover sade em

    algumas dimenses, como por exemplo, atravs

    da reestruturao ambiental para melhoria do

    suprimento de alimento, energia e gua, tm tido

    resultados negativos sobre a sade, expandindo

    ou criando novos habitats para fauna e flora que

    causam doenas, e removendo fontes de

    renovao natural da terra. Programas de

    controle de doenas podem, por si, prejudicar a

    sade, de pelo menos duas maneiras.

    Primeiramente, perturbando sistemas ecolgicos

    que tornam a sade possvel, como no caso do

    uso da DDT para controle do vetor da Malria,

    mas que pe em perigo a integridade de

    interaes entre insetos polinizadores, pssaros e

    a produo de alimento. Em segundo lugar,

    suplementao alimentar, vacinao e programas

    de tratamento com drogas baseados no modelo

    biomdico podem comprometer a capacidade das

    pessoas se adaptarem ao seu meio, com seus

    prprios recursos. Alm disso, profissionais da

    assistncia sade, que so bem preparados para

    diagnosticar e tratar doenas so, em geral,

    pobremente treinados para promover a sade. De

    acordo com ele, os atuais esforos dos programas

    de controle de sade e doena esto focados em

    encontrar determinantes individuas de doenas e

    as amplas condies sistmicas tm sido

    ignoradas.

    Problemas resolvidos individualmente

    originam problemas maiores nos nveis regional

    ou global. Assim, salvando crianas atravs de

    campanhas de vacinao, sem programas

    concomitantes de educao, nutrio, agricultura

    e sustentabilidade ambiental, compromete-se a

    sade de todas as comunidades (WALTNER-

    TOEWS, 2001). Esse fato se deve ao no

    desenvolvimento de uma imunidade natural

    frente aos patgenos presentes no nosso meio.

    Para este autor, de fato, a tenso entre

  • 25

    uma sade populacional sustentvel, que requer

    certa taxa de morte e reposio, e sade

    individual para a qual morte o ltimo resultado

    negativo, no pode ser resolvida dentro do

    modelo biomdico atual. As atuais abordagens

    disciplinares ligadas sade, focadas em

    questes biomdicas e de comportamento

    pessoal, inibem pesquisas que abordem as reais

    causas, que refletem interaes entre economia,

    poltica e ecossistema.

    Waltner-Toews (2001) ainda afirma que

    os problemas de sade no esto somente

    relacionados falta de investimentos em sade

    pblica e infra-estrutura cientfica. Esta muito

    importante, mas o no investimento no bem

    pblico, generalizado sob as condies da

    globalizao, um produto da falta de apreciao

    da natureza e complexidade destes problemas.

    O desenvolvimento de sistemas e

    enfoques que buscam a compreenso de

    interaes ecossistmicas aponta uma alternativa

    busca no somente de sade, mas de

    preservao ambiental e qualidade de vida

    (WALTNER-TOEWS, 2001). Diante das

    discusses ampliadas acerca do conceito de

    sade, os estudos devem estar direcionados para

    um pensamento em termos de sistemas

    complexos.

    3.1 Consideraes sobre os enfoques

    ecolgicos

    Segundo Forget e Lebel (2001), nos

    ltimos 30 anos vrios enfoques ecolgicos

    globais tm sido propostos, para fornecer uma

    melhor compreenso da complexa relao entre o

    cenrio no qual a vida ocorre e o estado da sade

    humana. Esses modelos globais, que tm tido

    uma forte influncia na sade pblica, so

    baseados essencialmente em quatro amplos

    componentes que tm impacto na vida das

    comunidades e dos indivduos. So eles, cenrio

    biofsico (ambiente), fatores sociais (incluindo

    aspectos econmicos e estruturais), aspectos

    comportamentais dos indivduos (estilo de vida)

    e sua bagagem gentica (composio biolgica).

    Existem considerveis debates acerca da

    relevncia destes componentes no mbito da

    sade pblica. Esta linha de pensamento tem

    influenciado esforos, por parte das autoridades

    da sade pblica, para prevenir doenas e

    promover sade, em vez de focar apenas no

    tratamento.

    Eles afirmam que enquanto uma viso

    mais holstica da sade pblica vem se

    desenvolvendo, um processo paralelo foi

    ganhando dinmica nas esferas da gesto de

    recursos naturais e meio ambiente. No Canad,

    pesquisadores responsveis pela gesto

    ambiental na regio dos Grandes Lagos,

    ecossistema compartilhado pelo Canad e

    Estados Unidos, propuseram um enfoque global

    de gerenciamento de bacias hidrogrficas. O

    esquema permite que recursos sejam utilizados

    com propsitos econmicos, assegurando a

    integridade ambiental e sustentabilidade das

    bacias hidrogrficas. Neste contexto surge o

    enfoque ecossistmico.

    Waltner-Toews (2001) descreve este

    enfoque como uma abordagem conceitual e de

    gesto desenvolvida e aplicada por ecologistas da

    International Joint Comission of the Great Lakes

    (IJC). Estes lagos representam 21% das reservas

    de gua doce do mundo e so cercados com

    algumas das maiores cidades industriais da

    Amrica do Norte. Aps a Segunda Guerra

    Mundial, essa regio foi submetida a um enorme

    crescimento industrial e de agricultura. Nesse

    perodo, os lagos e seu entorno recebiam

    resduos industriais e humanos. A partir da

    dcada de 80, uma srie de estudos apontou para

    uma significante degradao ambiental desta

    rea.

    A IJC foi criada para gerir estes recursos

    aquticos, atendendo a objetivos econmicos,

    sociais e de sade, assegurando a

    sustentabilidade do ecossistema. Ela introduziu a

    noo de uma abordagem ecossistmica de

    gesto dos recursos que integra conhecimento

    gerado para os elementos individuais que afetam

    todo o ecossistema dos Grandes Lagos e as

    necessidades e aspiraes dos habitantes

    humanos da regio (FORGET; LEBEL, 2001).

    Os autores afirmam que o enfoque

    ecossistmico para a sade humana prope a

    promoo da sade coletiva atravs de um

    gerenciamento mais sensato do ecossistema,

    atravs de pesquisas participativas e

    transdisciplinares. Ele explora as relaes entre

    vrios componentes de um ecossistema para

    definir e avaliar os determinantes essenciais para

    a sade humana e sustentabilidade do

    ecossistema. Esta abordagem coloca a gesto dos

    recursos do ecossistema sujeita a uma melhoria

    sustentvel e equitativa da sade humana, bem

  • 26

    como a sade do prprio ecossistema. A

    abordagem ecossistmica para a sade humana

    depende de pesquisa participativa e

    interdisciplinar, que sensvel s necessidades

    dos diferentes grupos sociais e as suas

    aspiraes. Alm disso, na clssica abordagem de

    gesto de recursos, esse enfoque valoriza

    igualmente os trs componentes bsicos:

    ambiente, a economia e a comunidade. O ponto

    de intercesso entre estas trs reas representa a

    sade do ecossistema.

    Segundo Minayo (2002), esta

    abordagem tem alguns desafios metodolgicos.

    Dentre eles encontra-se o posicionamento da

    sade pblica e individual dentro de um enfoque

    ecossistmico e a insero de um enfoque

    ecossistmico dentro do pensamento e das

    prticas da sade pblica e individual.

    Waltner-Toews (2001) pontua que

    existem boas evidncias de que o enfoque

    ecossistmico pode nos ajudar a alcanar uma

    viso global de sade, entretanto:

    Se nada mais, a abordagem ecossistmica traz um profundo conhecimento de que ns

    no podemos administrar o planeta para

    a sade, mas podemos olhar para as oportunidades de melhor se adaptar e sentir

    em casa - para ser saudvel - em um mundo

    incerto e contraditrio. Mesmo se as nossas esperanas estiverem perdidas, contudo, e o

    controle de doenas especficas e resultados

    de sade que buscamos no forem alcanados, os requisitos fundamentais da

    abordagem do ecossistema para a comunicao aberta e democrtica, da

    tolerncia, negociao e conscincia

    ecolgica, certamente fizeram o esforo valer a pena. (WALTNER-TOEWS, 2001,

    p. 21).

    4 - ZOONOSES NO CONTEXTO DOS

    PROFISSIONAIS DE SADE

    O carter assistencialista do modelo

    biomdico de sade vigente favorece uma viso

    limitada e compartimentalizada por parte dos

    profissionais e usurios dos servios. Esse fato

    colabora com a percepo desintegrada de sade

    e ambiente em sua forma mais complexa, que

    leva em conta as interaes existentes entre todos

    os organismos e o seu meio de sobrevivncia.

    Assim, torna-se importante discutir a

    questo das doenas relacionadas interveno

    humana no seu meio. As zoonoses so

    enfermidades que se apresentam de uma maneira

    intimamente relacionada ao meio na qual se

    insere uma populao e forma como ela

    interage com o mesmo.

    vila-Pires (1989), afirma que desde a

    antiguidade o homem associou o surgimento de

    certas doenas e epidemias com a presena ou

    influncia de animais que trariam o pressagio de

    mau agouro. Ele pontua que:

    Das dez pragas do Egito, anunciadas por Moiss (Isaas VII 18-19), cinco so

    animais: rs, piolhos, moscas, pestes de

    animais e gafanhotos [...] H mais de mil anos os povos do oriente relacionavam as

    epidemias de peste bubnica presena de

    ratos e o relato bblico da derrota dos israelitas pelos filisteus (I Samuel 5)

    constituiu a primeira referncia segura desta

    doena (VILA-PIRES, 1989, p. 83).

    Este autor ainda afirma que, alguns

    helmintos j eram conhecidos no antigo Egito,

    mas seus ciclos complexos foram estudados no

    sculo XIX. O desconhecimento da taxonomia e

    biologia de vetores e reservatrios ocasionou

    atrasos na resoluo de questes, por exemplo,

    como o fato de que a transmisso da peste se

    daria atravs da picada de pulgas de ratos. Esta

    dificuldade se deu porque Simond, em 1898, teve

    dificuldade de comprovar suas ideias j que no

    sabia distinguir, at ento, entre as diversas

    espcies comuns de pulgas em ratos.

    Somente a aceitao da teoria

    microbiana das infeces, que ps fim

    polmica que dividia os adeptos do contgio e

    dos miasmas, esclareceu a natureza do

    princpio viral, abrindo caminho investigao

    epidemiolgica e ecolgica das zoonoses

    (VILA-PIRES, 1989).

    De acordo com o Segundo Relatrio da

    Organizao Mundial da Sade/ Food and

    Agriculture Organization Expert Group on

    Zoonoses (1958), Van Der Hoeden (1964, p. 1)

    pontua que zoonoses so aquelas doenas e

    infeces que so naturalmente transmitidas

    entre animais vertebrados e homem. Este

    conceito se mostra muito mais abrangente do que

    o significado etimolgico da palavra, qual seja,

    doena animal. Desde os primrdios da

    histria as doenas dos homens foram

    comparadas com as dos animais. Entretanto, no

    foi at a descoberta das propriedades da

    patogenicidade de bactrias e alguns outros

    organismos menores que as semelhanas entre as

  • 27

    vrias doenas transmissveis do homem e os

    animais foram devidamente avaliadas. Em

    consequncia disto, muitas ligaes

    epidemiolgicas entre as doenas humanas e

    animais, at ento desconhecidas, foram

    reveladas.

    Segundo o mesmo autor, mesmo

    doenas de animais que no so transmissveis

    ao homem podem ser prejudiciais a ele. Em

    certas regies remotas do mundo, doenas epi e

    panzoticas podem atingir animais de caa a

    ponto de deixar a populao local privada de

    alimentos de origem animal, o que pode trazer

    srios problemas de deficincia protica. At o

    incio do sculo passado poucas doenas

    humanas de origem animal haviam sido

    reconhecidas (raiva, antraz, varola bovina, entre

    outras). Atualmente so conhecidas inmeras

    zoonoses, sendo a maioria causada por bactrias,

    vrus e zooparasitas. Com a elucidao da

    patognese e epidemiologia destas enfermidades

    tem se tornado evidente que os animais

    configuram um reservatrio amplo de numerosas

    doenas humanas.

    As zoonoses esto entre os mais

    frequentes riscos de sade sob os quais a

    humanidade se defronta, principalmente nas

    regies tropicais e subtropicais, onde vetores

    artrpodes desempenham um papel importante

    na transmisso destas doenas. H muitas razes

    para acreditar que a maioria das doenas

    infecciosas e parasitrias da espcie humana tem

    origem nos animais. Os organismos patognicos

    se adaptaram ao ambiente do corpo humano,

    quer como parasitas ou comensais, sendo essas

    associaes eventualmente reversveis (VAN

    DER HOEDEN, 1964).

    Para Gonalves (1995), diante da

    definio da OMS, as zoonoses no so aquelas

    doenas ligadas a produo animal, mas

    sobretudo as doenas de animais que entram no

    cenrio da sade pblica. O conhecimento destas

    doenas de fundamental importncia, tanto

    para mdicos como para os veterinrios, no

    sentido de proporem normas tcnicas,

    recomendaes e programas, visando seu

    controle, nos meios rural e urbano.

    Entretanto, para que ocorra o controle

    efetivo na transmisso de zoonoses devem-se

    levar em considerao as relaes ecolgicas que

    os seres humanos tm desenvolvido ao longo de

    sua existncia. So exemplos de doenas

    relacionadas ao impacto ambiental atravs do

    desmatamento, por exemplo, a doena de

    Chagas, a Leishmaniose e a Febre Amarela. A

    Leptospirose reflete principalmente a baixa

    qualidade de vida das pessoas acometendo

    populaes residentes em reas de risco, onde h

    falta de saneamento bsico, precrias condies

    de habitao, presena de lixo e crregos

    assoreados.

    A conscientizao de que essa ao

    predatria traz problemas importantes sade

    humana e ecossistmica deve estar clara na

    prtica e no discurso do profissional da sade.

    Dessa maneira, possvel que essa forma de

    pensar faa parte da realidade dos cidados que

    utilizam os servios prestados por estes

    profissionais.

    4.1 Consideraes sobre o controle de

    zoonoses em Belo Horizonte

    O controle de endemias no Brasil

    sempre esteve a cargo da Unio sendo

    coordenado atualmente pela Fundao Nacional

    de Sade (FUNASA). O trabalho desenvolvido

    pelos Agentes de Combate s Endemias. Essa

    denominao foi criada pela Lei n 9.490 de 14

    de Janeiro de 2008. At ento esses profissionais

    eram denominados agentes de sade, guardas de

    endemias e, em Belo Horizonte, Agentes de

    Controle de Zoonoses. At 1998 o trabalho

    desenvolvido por estes trabalhadores cobria

    praticamente todos os Estados da Federao.

    Neste perodo, devido falta de recursos em

    Minas Gerais, a Coordenao Regional de Sade

    estabeleceu parcerias com municpios no intuito

    de ampliar as aes de controle, principalmente

    da esquistossomose (JARDIM et al., 1998).

    Funcionrios contratados pelos

    municpios eram treinados e trabalhavam sob a

    superviso da FUNASA. Neste contexto Belo

    Horizonte iniciou suas atividades no controle de

    endemias, visando o controle do Aedes aegypti, e

    posteriormente incorporou o controle de

    leishmaniose. Desta forma, o municpio ficou

    responsvel pelas aes de controle cuja

    experincia pode ser observada como exemplo

    de descentralizao do controle de endemias

    (JARDIM et al., 1998).

    De acordo com os mesmos autores a

    organizao dos servios de controle de zoonoses

    no municpio de Belo Horizonte apresentou o

    seguinte histrico:

  • 28

    A primeira abordagem deste tema ocorreu no decreto n. 138, de 1 de abril

    de 1943 que aprova o regulamento dos

    servios internos da Prefeitura. De

    acordo com este decreto o

    Departamento de Fiscalizao de

    Limpeza, seo de zonas fiscais, tinha

    como responsabilidade fiscalizar a

    observncia das posturas municipais e

    impor sanes legais aos infratores. A

    Inspetoria de Limpeza Pblica era

    responsvel pela apreenso de animais e

    a Inspetoria de Educao e Sade

    tratava das questes de sade pblica,

    educao e assistncia, de acordo com o

    mesmo decreto. Entretanto, antes de

    1940 j eram registradas atividades de

    captura e apreenso de animais em vias

    pblicas. Dentre os servios

    compreendidos pela Inspetoria de

    Educao e Sade o Servio de Sade

    compreendia:

    o Servio Mdico, que abrangia a

    assistncia mdica e hospitalar;

    o Servio Veterinrio Municipal, composto pela Inspeo Sanitria

    Animal (servio sanitrio do matadouro e dos mercados) e Defesa

    Sanitria Animal (profilaxia anti-

    rbica e assistncia veterinria) (JARDIM et al., 1998, p. 368-369).

    A Lei n. 209, de 1947, criava o Departamento de Sade e Assistncia

    cujas aes de sade pblica estavam

    relacionadas com a realizao de

    pesquisas em sade pblica, estudo de

    incidncia de doenas, realizao de

    anlises de gua dos crregos e eleger

    prioridade quanto limpeza destes

    crregos por parte do Departamento de

    Limpeza. Em 1948 torna-se legalizada a

    matrcula e vacinao de ces na cidade

    e em 1957 fica estabelecida a jornada de

    trabalho da funo de enfermagem

    veterinria como tarefa da unidade de

    Medicina Veterinria Preventiva. Em

    1967 o Departamento de Sade e

    Assistncia transformado em Secretar

    ia Municipal de Sade e Bem-Estar

    Social. Em 1970 a Secretaria se torna

    organizada em trs departamentos:

    Assistncia, medicina Preventiva e

    Fiscalizao Sanitria. Com relao ao

    ltimo departamento, a Seo de Polcia

    Sanitria participava de aes de

    saneamento bsico e trabalhos de

    enfrentamento de endemias. Neste

    mesmo departamento o Setor de Tendal

    era responsvel pela inspeo de

    matadouros e coordenao e execuo

    da profilaxia da raiva no mbito

    veterinrio.

    Mediante tal falta de estrutura, em 1983, o decreto n. 4.537 dispe

    sobre a estrutura da Secretaria

    Municipal de Sade criando trs rgos

    e cinco departamentos, dentre eles o

    Departamento de Controle de Zoonoses

    (DCZ). Este departamento, Segundo

    Jardim et al. (1998, p. 370) tinha as

    atribuies de: executar as atividades

    necessrias ao controle fsico, qumico e

    biolgico das zoonoses, executar o

    controle da populao de murinos,

    artrpodes e outros vetores, executar

    programas de erradicao da raiva

    dentre outras. No ano seguinte o

    Departamento de Controle de Zoonoses

    ficou composto, dentre outros, o

    Servio de Controle de Vetores e

    Roedores, pelo Servio de Laboratrio

    de Zoonose e o Servio de Profilaxia da

    Raiva. Em 1983 o DCZ assumiu

    totalmente a responsabilidade pelo

    programa de controle de raiva,

    executado at ento pela Secretaria

    Estadual de Sade de Minas Gerais

    (SES/MG). Neste perodo o Laboratrio

    de Zoonoses atendia a outros

    municpios do Estado, Escola de

    Veterinria da Universidade Federal de

    Minas Gerais (UFMG), Secretaria de

    Estado de Agricultura e particulares.

    Todas essas alteraes implicam

    diretamente na organizao dos servios

    de zoonoses dos municpios.

    A sano da Lei n. 4.323/86 e do Decreto n. 5.616/87 marcam as

    atividades do controle de zoonoses, pois

    revisam as responsabilidades dos

    proprietrios sobre seus animais. Com a

    Constituio 1988 e a Lei Orgnica da

    Sade n. 8.080 de 1990 as decises e

    discusses so direcionadas para o

    processo de municipalizao e

    descentralizao das aes de sade. A

    descentralizao das aes de controle

  • 29

    de zoonoses se concretizou com o

    remanejamento de profissionais do DCZ

    para os Distritos Sanitrios. O DCZ

    perdeu sua posio transformando-se no

    Centro de Controle de Zoonoses (CCZ),

    com representao de servios nos

    Distritos. A Lei n. 6.352 de 1993

    normatizou essa nova proposta de

    organograma, assim a unidade fsica do

    CCZ tornou-se referncia laboratorial e

    de suporte para captura e manejo de

    animais, atendendo demanda dos

    Distritos Sanitrios segundo diretrizes

    tcnicas e administrativas da SES. Esta

    Lei tambm reconheceu o Servio de

    Controle de Zoonoses, dentro do novo

    Departamento de Planejamento e

    Coordenao das Aes de Sade

    (DPCAS), que se trona responsvel pelo

    planejamento tcnico das aes e

    anlise de dados produzidos pelos

    Distritos. Com o aparecimento de casos

    de leishmaniose visceral em Belo

    Horizonte e o agravamento da situao

    nacional com relao ao dengue, no

    possvel mais trabalhar com o

    atendimento de reclamaes pontuais.

    Trona-se necessrio o estabelecimento

    de um planejamento anual das aes

    com consequente apropriao das

    informaes geradas no campo.

    O controle de endemias se torna objeto de discusses permanentes

    envolvendo todos os nveis. A

    realizao e o planejamento dos

    servios so revisados e adaptados

    realidade do municpio. Os espaos

    urbanos adquirem importncia

    diferenciada e os servios comeam a

    identificar as especificidades de cada

    microrea. A partir do conhecimento

    dos problemas e desafios especficos de

    cada rea um grande avano com

    relao ao controle de zoonoses

    proporcionado. Entre 1995 e 1996 os

    servios de controle de zoonoses foram

    descentralizados para as UBS.

    De acordo com a Secretaria Municipal

    de Sade (BELO HORIZONTE, 2008 a) novos

    avanos relacionados s aes de vigilncia,

    promoo e proteo sade foram obtidos com

    a descentralizao das atividades de controle de

    zoonoses para as UBS. Esta nova configurao

    demanda a integralidade das aes e a vinculao

    com a populao adscrita favorece o cuidado

    com o meio ambiente diante das aes de

    preveno de doenas transmitidas por vetores.

    Este cenrio favorece uma maior vinculao das

    aes de controle de zoonoses com a assistncia

    e as reas da vigilncia em sade.

    A interao dos servios de controle de

    zoonoses com a ESF proporcionou a criao de

    processos de identificao de territrios e

    discusses sobre atribuies complementares

    entre os profissionais de campo. Essa

    configurao se estabelece no mbito da

    organizao da assistncia e da consolidao do

    papel dos agentes de endemias como parte

    integrante da e