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SAULO NUNES DE SOUZA O local no ensino de História: Ações didáticas para pensar historicamente UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Março / 2020

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SAULO NUNES DE SOUZA

O local no ensino de História:

Ações didáticas para pensar

historicamente

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Março / 2020

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SAULO NUNES DE SOUZA

O local no ensino de História:

Ações didáticas para pensar historicamente

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Ensino de História,

Mestrado Profissional, da Universidade

Federal Fluminense, como requisito final para

a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo de Almeida Ferreira

Niterói

2020

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Ficha catalográfica automática - SDC/BCGGerada com informações fornecidas pelo autor

Bibliotecário responsável: Sandra Lopes Coelho - CRB7/3389

S719l Souza, Saulo Nunes de O local no ensino de História: Ações didáticas parapensar historicamente / Saulo Nunes de Souza ; Rodrigo deAlmeida Ferreira, orientador. Niterói, 2020. 138 f. : il.

Dissertação (mestrado profissional)-Universidade FederalFluminense, Niterói, 2020.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/PEH.2020.mp.12436942706

1. Ensino de História. 2. História oral. 3. Histórialocal. 4. História pública. 5. Produção intelectual. I.Ferreira, Rodrigo de Almeida, orientador. II. UniversidadeFederal Fluminense. Instituto de História. III. Título.

CDD -

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Aprovada em:______/______/______

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo de Almeida Ferreira (Orientador)

Universidade Federal Fluminense

________________________________________________________

Profª. Dra. Ana Maria Mauad de Sousa Andrade Essus (Avaliadora)

Universidade Federal Fluminense

________________________________________________________

Profª. Dra. Sonia Maria de Almeida Ignatiuk Wanderley (Avaliadora)

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

________________________________________________________

Prof. Dr. Everardo Paiva de Andrade (Suplente)

Universidade Federal Fluminense

Niterói

2020

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos estudantes do Colégio Estadual Hilton Gama,

com os quais eu muito aprendi e sem os quais este trabalho não seria possível.

Agradeço igualmente aos seus familiares que se dispuseram a ceder seus

testemunhos e juntos construir nossa pesquisa. Este trabalho também é de vocês.

Agradeço também aos colegas de trabalho que acompanharam o

desenvolvimento da pesquisa. Obrigado Carlinha – pela parceria com a biblioteca do

colégio –, Luís Fernando – pelas nossas conversas sobre a pesquisa nas voltas do

trabalho –, Martha – pelo apoio ao projeto – e Odila – por sua incrível figura.

Aos professores do ProfHistória pelo muito que pude aprender nesses dois

anos. Nas figuras de Larissa Viana e Marcos Barreto, agradeço a todos os

professores. Agradeço Juceli Silva por ter feito parte de mais essa etapa de meus

estudos.

Agradeço Rodrigo de Almeida Ferreira, meu orientador, pelos conselhos e

sugestões para o trabalho, assim como pelas conversas sobre discos.

Meu muito obrigado às professoras Ana Maria Mauad e Sonia Wanderley por

terem se disposto a leitura do texto final e pelos importantes comentários na banca de

qualificação.

Às amizades construídas no ProfHistória, principalmente Raquel e Luís Rafael,

pela cumplicidade e desabafos durante o processo de escrita.

Aos familiares e amigos, João Ricardo, Neila, Bárbara, Nicole, Renan,

Benedicto, Ana Clara, Ada, Cláudio, Tainã, Emílio, Elen, Thaís, Mariana, Raffaele,

Fabrício, David e Pedro, obrigado por compreenderem minha pouca presença nesses

últimos anos.

Agradeço por fim Mayã, que caminha comigo e quem emprestou ouvidos e

olhos às primeiras ideias e às primeiras linhas mal escritas. Ao seu lado foi mais fácil.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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RESUMO

A pesquisa desenvolveu um conjunto de ações didáticas junto aos estudantes

de primeiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Hilton Gama, em São João de

Meriti, estado do Rio de Janeiro. Através da história local, operamos conceitos básicos

do ensino de História. Tivemos o objetivo de gerar nos estudantes uma melhor

compreensão da disciplina, da pesquisa histórica e das relações entre a vida pessoal

e a História. Para tanto, utilizamos um conjunto variado de fontes, com a história oral

como principal metodologia. O compartilhamento de memórias foi uma das bases da

pesquisa. Os estudantes realizaram entrevistas com familiares e membros das

localidades onde residem, com o intuito de constituir um acervo de memória para a

biblioteca escolar. A constituição do acervo e a divulgação da pesquisa para a

comunidade escolar, assim como a participação de seus integrantes, foram pensadas

através da história pública. A pesquisa possibilitou levar os estudantes à prática de

pesquisa em História, bem como ao desenvolvimento da consciência histórica.

Palavras-chave: Ensino de História, didática da História, saberes históricos no espaço

escolar, história local, história oral, história pública.

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ABSTRACT

The research developed a set of didatic actions with the high school first year students

of Colégio Estadual Hilton Gama, in São João de Meriti, state of Rio de Janeiro.

Through local history, we operate basic concepts of History teaching. We had the

objective of creating in students a better understanding of the subject, the historical

research and the relationship between personal life and History. Therefore, we used a

varied sources, with the oral history as the main methodology. The sharing of memories

was one of the bases of the research. The students conducted interviews with family

members and members of the localities where they live, in order to constitute a

collection of memory for the school library. The constitution of the collection and the

dissemination of research to the school community, as well as the participation of its

members, were thought through public history. The research made it possible to take

students to the practice of research in History, as well as the development of historical

consciousness.

Keywords: History teaching, didactics of History, historical knowledge in school space,

local history, oral history, public history.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Mapa 1 – Mapa da localidade da escola.....................................................................39

Tabela 1 – Cruzamento de dados do IBGE com a matrícula escolar...........................57

Gráfico 1 – Municípios de nascimento dos estudantes do CEHG...............................60

Gráfico 2 – Bairros de residência dos estudantes do CEHG.......................................61

Fotografia 1 – Estação de São Mateus nos anos 1990..............................................68

Fotografia 2 – Rua Nossa Senhora das Graças.........................................................70

Fotografia 3 – Rua Nossa Senhora das Graças em 2019..........................................71

Fotografia 4 – Programação da exibição das entrevistas...........................................95

Fotografia 5 – Acervo Nossas Histórias na biblioteca do CEHG..............................101

Captura de Tela 1 – Perfil Nossas Histórias no Instagram........................................102

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10

CAPÍTULO 1 – PENSAR O ENSINO DE HISTÓRIA ENTRE A MEMÓRIA E O

LOCAL.......................................................................................................................17

1.1 O OLHAR À AULA DE HISTÓRIA..............................................................17

1.2 BASE CONCEITUAL..................................................................................20

1.2.1 Didática da História....................................................................20

1.2.2 Os Saberes..................................................................................24

1.2.3 Memória e Tempo Presente.......................................................28

1.3 CONCEITOS BÁSICOS DA HISTÓRIA NO ENSINO ESCOLAR...............32

1.3.1 Tempo histórico..........................................................................34

1.3.2 Continuidade/ruptura e mudança/permanência......................35

1.3.3 Fontes históricas em sala de aula.............................................36

1.4 O CEHG E A HISTÓRIA LOCAL.................................................................38

1.4.1 Por que nos voltarmos para o local?.........................................38

1.4.2 Conceituando História Local.....................................................40

CAPÍTULO 2 – INVESTIGAR A HISTÓRIA LOCAL NA SALA DE AULA.................45

2.1 PENSAR O PLANO PEDAGÓGICO...........................................................47

2.2 O PROPÓSITO DAS AÇÕES DIDÁTICAS.................................................50

2.3 A PRIMEIRA ETAPA DAS AÇÕES DIDÁTICAS.........................................54

2.3.1 Variação de escala: reconhecimento e estranhamento...........55

2.3.2 A História Local em fontes variadas..........................................62

2.3.3 A memória familiar compartilhada em sala de aula..................72

2.3.4 Entrevistas de 2018 nas turmas de 2019...................................76

CAPÍTULO 3 – AS ENTREVISTAS: REALIZAÇÃO, DIVULGAÇÃO E ACERVO.....80

3.1 PENSAR O ENSINO DE HISTÓRIA ENTRE A HISTÓRIA ORAL E A

HISTÓRIA PÚBLICA........................................................................................81

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3.1.1 História oral.................................................................................81

3.1.2 História oral, ensino de História e a relação com o local.........83

3.1.3 História pública e história oral...................................................86

3.1.4 História pública, ensino de História e operação

historiográfica.....................................................................................88

3.2 A SEGUNDA ETAPA DAS AÇÕES DIDÁTICAS........................................90

3.2.1 Elaboração de roteiros...............................................................90

3.2.2 Breve manual para entrevistas..................................................92

3.2.3 A exibição das entrevistas.........................................................94

3.3 O ACERVO DE MEMÓRIA LOCAL..........................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................104

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................110

ANEXO 1 – Fontes da segunda ação didática.......................................................116

ANEXO 2 – Manual, carta de apresentação e cartas de cessão de direitos........120

ANEXO 3 – Exibição das entrevistas.....................................................................130

ANEXO 4 – Acervo Nossas Histórias.....................................................................132

ANEXO 5 – Relação de entrevistas gravadas em DVD.........................................134

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INTRODUÇÃO

Algumas preocupações sempre se fizeram presentes em minhas aulas. Será

que estão entendendo a matéria? Será que estou deixando claro para que isso serve?

A ideia de o estudante não ver significação nas aulas de história sempre me fez

questionar se estava ensinando de forma incompleta. É algo como se todos os anos

em que o estudante ficasse sentado em uma sala assistindo a aulas de história se

bastassem em si mesmos.

Como uma forma de fazer a História se mostrar mais próxima, organizei certa

vez, junto a outra professora, um passeio na região central do Rio de Janeiro com

estudantes de turmas de terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Hilton

Gama (CEHG). Desenvolvemos um roteiro da Pequena África, passando por todo o

centro e encerrando na Cinelândia. Abordamos diversas questões que podiam ser

observadas no trajeto. Em algumas horas, fomos da escravidão no Rio de Janeiro

colonial até o Porto Maravilha, passando pela reforma Pereira Passos.

Ao que parece, o passeio agradou. No entanto, uma dúvida me perturbava: por

que tive que fazer meus alunos pegarem o metrô na Pavuna, andarem mais de 23

quilômetros, por dezessete estações, durante 40 minutos, para chegarem ao centro

do Rio e poderem “ver” a História?

Para deixar mais claras as particularidades que envolvem responder a essa

pergunta, é preciso saber de onde estamos falando. O CEHG localiza-se no bairro de

São Mateus, no município de São João de Meriti – RJ. Integra a região metropolitana,

mais especificamente sua parte denominada Baixada Fluminense. Trata-se de um

colégio de referência da regional da Secretaria de Estado de Educação do Rio de

Janeiro (SEEDUC-RJ), à que pertence1, apresentando a possibilidade de formação

técnica em enfermagem, e, em decorrência, o público estudantil não se resume

apenas a oriundos da localidade, mas se estende por diversos bairros.

São João de Meriti tem os seus limites mais próximos da escola nas fronteiras

com o município de Nilópolis e os bairros Anchieta e Pavuna, da cidade do Rio de

Janeiro. O colégio tem nesses espaços a origem de grande parte dos alunos. A

1 O CEHG encontra-se inserido na Regional Metropolitana VII, que abrange os municípios de Belford Roxo, Mesquita, Nilópolis e São João de Meriti.

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proximidade de poucos metros do colégio com o encontro do Rio Pavuna com a Via

Light demonstra a considerável distância a que se encontra da região central do

município a que pertence. Igualmente, nota-se a proximidade com outros dois

municípios.

A partir dessas observações sobre a localidade e as origens dos estudantes

que frequentam o CEHG, coloco algumas perguntas. Haveria alguma forma de

proporcionar ao estudante maior entendimento sobre a História e a relação que ela

estabelece com suas vidas? De que maneira posso trazer os estudantes para essa

pesquisa?

Uma reflexão sobre os propósitos que envolvem o ensino da História como

disciplina escolar faz-se necessária para observarmos a existência de consonância

entre este e a pesquisa proposta. A partir de sua consolidação no século XIX como

disciplina escolar, a História incumbiu-se da tarefa de transmitir a ideia de nação

conjuntamente com os valores e sentimento de patriotismo que esta pretendesse que

fossem assimilados. Circe Bittencourt (2005), ao refletir sobre o caráter nacional no

ensino de História no Brasil, nos demonstra que ele transpassa o Império e adentra o

período republicano:

Assim, desde o início da organização do sistema escolar, a proposta de ensino de História volta-se para uma formação moral e cívica, condição que se acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX. Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma ideia de nação associada à de pátria, integradas como eixos indissolúveis. (BITTENCOURT, 2005, p. 47).

Com o advento do regime republicano, a autora nos destaca uma mudança na

atenção dada à questão nacional dentro do processo de escolarização:

[…] as políticas educacionais procuravam proporcionar a escolarização para um contingente social mais amplo, e novos programas curriculares buscavam sedimentar uma identidade nacional, por meio da homogeneização da cultura escolar no que diz respeito à existência de um passado único na constituição da Nação. (BITTENCOURT, 2005, p. 48).

Apesar da longa trajetória e reformulações da disciplina, desde então, a força

desses propósitos iniciais ainda se encontra presente no senso comum, fortemente

impregnado ao apego a uma cronologia de matriz ocidental. No decorrer do texto,

observaremos como essa compreensão de História ligada a aspectos macros e à

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nação tece questões por meio das quais podemos pensar uma ideia de História

voltada ao local.

Um trabalho realizado com os estudantes em 2017 sinalizou um possível

caminho a seguir como forma de proporcionar a eles a compreensão da historicidade

da vida e as relações que se estabelecem entre o presente e o passado. Esse trabalho

era parte da feira literária do CEHG, organizada pela biblioteca. Como na ocasião

estava interessado na figura do cronista João do Rio, sugeri aos estudantes que

fizéssemos um trabalho inspirado no livro A Alma Encantadora das Ruas. A proposta

era abrangente. A partir da explicação do livro e comentário de trechos, foi pedido aos

estudantes que refizessem os passos de João do Rio, voltados para os mesmos

elementos que descreve na obra, mas pensando as localidades em que vivem.

Dessa experiência pode ser percebido o interesse que se despertou nos

estudantes ao aproximarmos a história escolar da realidade cotidiana. Também foi

muito observado o interesse surgido pela possibilidade de comparação entre passado

e presente que a atividade proporcionou. Dessa forma, a partir do meu ingresso no

ProfHistória, as lembranças desse momento serviram para pensar um trabalho a ser

desenvolvido.

Visando possibilitar que os estudantes compreendessem o vínculo existente

entre a História e suas vidas, resolvi me voltar para a história local. É no âmbito local

e no cotidiano que o estudante constrói seus vínculos e identidade. A hipótese que se

apresentava era que, ao olhar para a história local, a História se tornaria mais próxima

da realidade vivida pelos estudantes. Conforme levantamento das dissertações

defendidas no ProfHistória, até 2018, a história local corresponde ao tema principal

de 7% em um universo de dezesseis temas (FERREIRA, M., 2018). Afora os temas

com os quais a história local se relaciona, podemos constatar que a temática é

percebida como significativa pelos professores mestrandos do programa. Tais

pesquisas usufruem de recente bibliografia2 voltada para as relações que se

desenvolvem entre o ensino de História e a história local.

Ao nos voltarmos para a grade curricular do ensino básico a que estamos

sujeitos enquanto professores, observamos a história local como um aspecto ignorado

2 Cf. CIAMPI, 2007; FONSECA, 2006; GABRIEL; MONTEIRO; MARTINS, 2016; GONÇALVES, 2007; REZNIK, 2002, 2005, 2010; SAMUEL, 1990; SCHMIDT, 2007; MENEZES; SILVA, 2007.

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pelo Currículo Mínimo de História estipulado pela SEEDUC-RJ. Compartilhando da

crença de seu potencial para o desenvolvimento da consciência histórica, acreditamos

que o olhar à história local é uma importante ferramenta para que possamos alcançar

o propósito de trabalhar a História como disciplina escolar.

Pensada geralmente como uma forma de desenvolver a familiaridade do

estudante com a História, o ensino da história local predomina como proposta para o

segundo segmento do Ensino Fundamental, quando a disciplina História passa a ser

ofertada. Igualmente, podemos observar reflexões que se voltam para seus usos no

primeiro segmento do Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Podemos atribuir esses recortes principalmente à intenção de desenvolver

proximidade, no caso do Fundamental, e à possibilidade de usos da memória e da

história vivida, no caso da EJA.

Devemos observar que trabalhamos com turmas de 1° ano do Ensino Médio.

Dessa maneira, contamos com um público já familiarizado com estudo da História e

com maior inserção na vida social de sua localidade quando comparado com os de

faixa etária inferior. Acreditamos que trabalhar com essa faixa etária torna possível

fazer melhores usos da pesquisa em história local e colocar em debate outras formas

de compreender o conhecimento histórico já manejadas pelos estudantes no Ensino

Fundamental.

No entanto, de que forma isso poderia ser feito? Nas proximidades do CEHG,

não temos museus ou centros culturais voltados para a história da região. A que outros

meios poderíamos recorrer? Aos casarões que eram sede das antigas fazendas da

região e resquícios do antigo poder local? Essa opção foi descartada devido à

intenção de aproximarmos a História do estudante, o que se distancia de um olhar às

elites locais.

A opção pela história oral veio como forma de satisfazer uma tripla função. Em

primeiro, ao levar os estudantes a realizarem entrevistas, eles serão aproximados da

prática da pesquisa histórica. Em segundo, possibilita maior identificação e

proximidade do estudante com a História ao entrevistar algum familiar ou conhecido.

Em terceiro, superamos uma possível carência de fontes acessíveis aos estudantes.

Vemos o potencial de transcendermos lugares tradicionalmente consolidados

no ambiente escolar, onde o professor se apresenta como única fonte de

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conhecimento e os alunos devem apenas assimilar o que lhes é transmitido, no que

Paulo Freire (2017) chamou de educação bancária. Pelas mesmas razões, visualiza-

se o potencial de, por meio da compreensão de métodos e práticas da pesquisa

histórica, que, no caso, se voltaram para o campo de estudos da memória e da

metodologia da história oral, os estudantes poderem desenvolver autonomia

investigativa e a compreensão dos mecanismos que envolvem a pesquisa em História.

Vale ressaltar a forte relação e o impacto que uma pesquisa em história local

pode gerar quando os próprios habitantes dessas localidades são os agentes

produtores dessa pesquisa. Ao estimularmos o trabalho com a memória por meio da

oralidade, na busca de relatos, estamos levando o ensino-aprendizagem para fora dos

muros da escola e trabalhando em conjunto com a comunidade.

Desse modo, para nossa pesquisa, desenvolvemos um plano pedagógico com

a finalidade de levar os estudantes à compreensão da História como um conhecimento

dotado de regras, possibilitar o entendimento do processo histórico e a capacidade de

situar-se historicamente. Para tanto, foi elaborado um conjunto de ações didáticas nas

quais foram operados conceitos básicos do ensino de História. Essa operação passou

pelo uso e interpretação de fontes variadas, incluindo memórias próprias ou familiares.

Assim, foi possível identificar eventos, temáticas e períodos de significação para os

moradores das localidades em que os estudantes residem.

Essas reflexões nos encaminharam à aplicação de uma experiência-piloto no

ano de 2018, com turmas de 1° ano do Ensino Médio. Dessa primeira experiência,

surgiram as reflexões necessárias para o desenvolvimento, de forma mais elaborada,

da pesquisa em 2019. A experiência de 2018 proporcionou, também, uma primeira

realização de entrevistas, embora de maneira pouco planejada e direcionada.

Nossa pesquisa assumiu na escola o nome de projeto Nossas Histórias. As

ações didáticas serviram de preparação para os estudantes realizarem entrevistas nas

localidades em que vivem. As entrevistas elaboradas foram, por fim, utilizadas na

construção de um acervo escolar voltado para a memória local. Esse acervo é

composto de DVDs das filmagens das entrevistas e livretos com transcrições destas,

assim como um perfil no Instagram.

O projeto integrou a Semana de Cultura do colégio e teve o intuito de mostrar

para a comunidade escolar as entrevistas e reflexões desenvolvidas pelos estudantes.

Page 16: SAULO NUNES DE SOUZA - educapes.capes.gov.br

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Por conta disso, nossa pesquisa também mantém relações com a ideia de história

pública. Ao termos os membros de uma localidade inseridos em uma pesquisa que

visa ao entendimento da história de suas localidades, podemos considerar que

estabelecemos consonância com a ideia de história pública. Mais especificamente do

que Ricardo Santhiago (2016) considera como um dos “engajamentos fundamentais”

da história pública, o qual consiste na produção desenvolvida em parceria com o

público, em que apresenta aspectos colaborativos e a ideia de autoridade

compartilhada assume centralidade (SANTHIAGO, 2016, p. 28).

Isso posto, a dissertação está voltada para o ensino de História, a história local,

a história oral e a história pública como seus eixos fundamentais. O primeiro capítulo

trabalhará a compreensão que compartilhamos acerca do ensino de História.

Partiremos do ensino de História dentro da ideia de operação historiográfica

apresentada por Michel de Certeau (1982) e a releitura realizada por Fernando Penna

(2013). O estudo dos saberes escolares, realizado por Ana Maria Monteiro (2007), e

da cultura histórica escolar, apresentado por Carmen Gabriel (2015), assume

centralidade em nossa perspectiva de ensino de História. Conceitos básicos da

História para o ensino também serão abordados. Da mesma forma, trabalharemos a

compreensão de memória e de local, centrais à nossa proposta, à que recorreremos.

No segundo capítulo, discutiremos o modo como concebemos a investigação

da história local em sala de aula. Apresentaremos as questões que envolveram nosso

planejamento pedagógico, bem como as ações didáticas. Nesse capítulo, nos

voltaremos para a primeira etapa de ações didáticas desenvolvidas junto aos

estudantes. O intuito dessa etapa foi elaborar uma reflexão aprofundada sobre a

história das localidades em que se inserem, assim como criar afinidades com o uso e

interpretação de fontes históricas. Para isso, recorreremos aos conceitos de tática e

estratégia apresentados por Certeau (1998), para o estudo do cotidiano, e à ideia de

paradigma indiciário levantada por Carlo Ginzburg (1989).

Ao terceiro capítulo, direcionaremos reflexões que se voltaram para a história

oral, a história pública, as relações que ambas estabelecem entre si e com o ensino

de História. Voltaremo-nos para a segunda etapa das ações didáticas, que, nesse

capítulo, assumem o papel de fornecer o preparo dos estudantes para a realização

das entrevistas. Abordaremos a apresentação das entrevistas realizadas pelos

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estudantes para a comunidade escolar na perspectiva da história pública. Por fim,

apresentaremos o acervo de entrevista desenvolvido pelos estudantes.

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CAPÍTULO 1 – PENSAR O ENSINO DE HISTÓRIA ENTRE A MEMÓRIA E O LOCAL

1.1 O OLHAR À AULA DE HISTÓRIA

As aulas de História na educação básica têm como finalidade possibilitar ao

estudante o entendimento do processo histórico e a capacidade de situar-se

historicamente. A compreensão ao estudante de que sua vida pessoal se encontra

inserida dentro de um contexto histórico que transcende ao momento e ao local onde

vive, bem como a capacidade para exercer interpretação histórica, deve se colocar

como um horizonte nas aulas. No entanto, quando os estudantes indagam o professor

a respeito da utilidade de um conteúdo ou qual a relação que este estabelece com

suas vidas, temos a compreensão de que a disciplina não está exercendo esse

propósito.

Propor uma pesquisa que vise à compreensão do conhecimento histórico por

parte dos estudantes implica refletir sobre como trabalhar com os conceitos

operacionais fundamentais da História como disciplina escolar. As noções de tempo

histórico, continuidade e ruptura são aqui mobilizadas como questões centrais a

serem trabalhadas com os estudantes no intuito de tornar clara a compreensão acerca

do conhecimento histórico.

Para tanto, devemos traçar um entendimento a respeito da ideia de pesquisa

em ensino de História que estamos empregando e as relações que se estabelecem

entre a História como conhecimento científico e a História trabalhada no espaço

escolar. Também se faz necessário definir os papéis do professor e dos estudantes

dentro do processo da pesquisa e a forma como são concebidos.

Em A Escrita da História, Certeau (1982) nos traz os aspectos que o levam a

definir seu entendimento acerca da operação historiográfica. Para o autor, três

elementos são fundamentais para a compreensão do processo que envolve tal

operação:

Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira necessariamente limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura). É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual trata, e que essa realidade pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, “enquanto prática”. (CERTEAU, 1982, p. 65).

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Dessa forma, o lugar social do historiador, o domínio das técnicas de análise

das fontes e a escrita de um trabalho seriam os aspectos constitutivos da operação

historiográfica. Certeau (1982) nos sinaliza para o fato de que o valor de uma obra em

história, produzida de acordo com os requisitos de sua operação, passa pelo

reconhecimento dos pares. Mesmo no caso de um livro produzido para ampla

circulação, o seu valor e qualidade historiográficos não serão atribuídos pelo público

que consome, mas por outros historiadores.

Ao observar a categoria de operação historiográfica em sua tese, Penna (2013)

nos atenta que esta não absorve o ensino de História na educação básica. Através do

diálogo entre Certeau e Ricouer, da teoria da História, com a ideia de transposição

didática de Chevallard, Penna (2013) irá apontar para o fato de o ensino de História

poder ser pensado através da ideia de operação. Dessa maneira, o autor volta-se para

a reflexão acerca das “operações historiográficas escolares” como forma de ligar o

ensino de História à ideia de operação historiográfica, bem como afirmá-lo como uma

produção historiográfica de características específicas.

O não enquadramento do ensino de História junto à operação historiográfica

decorre da necessidade atribuída por Certeau (1982) de uma produção ser

reconhecida pelos pares como historiografia (PENNA, 2012). Por esse entendimento,

Penna (2013) observa que o ensino de História na educação básica seria excluído da

operação historiográfica.

No entanto, ao observar que Certeau (1982) considera que o produto de uma

operação historiográfica é um texto, Penna (2012) traz para o debate a compreensão

de “aula como texto”. Cunhada por Ilmar de Mattos (2007), a ideia de aula como texto

baseia-se no caráter de autoria que um professor de História tem em relação às suas

aulas. Segundo Mattos (2007, p. 12):

[…] a condição para quem ensina história se tornar um autor reside, antes de tudo, na leitura dos textos dos que escrevem a história, a produção historiográfica. Uma relação mediada pelo ato de ler; mas uma leitura que possibilita a produção do texto de uma aula – embora não ainda a Aula como texto, em sentido pleno. Ele não será jamais a mera repetição ou transcrição do texto lido, e quem o produz sabe disto; assim como sabe que jamais lhe será atribuído o valor do texto escrito e impresso que distingue a obra historiográfica. Não obstante, ele se constitui na condição necessária para revelar um novo autor – o professor de História.

Page 20: SAULO NUNES DE SOUZA - educapes.capes.gov.br

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O paralelo criado por Mattos (2007) entre a aula de História e um texto

produzido por um historiador vai possibilitar aproximar ambos do que Certeau (1982)

definiu como produto da operação historiográfica. A ideia de “aula como texto” de

Mattos (2007) estabelece relações que Penna (2013) chama de “dupla demanda”

presente no conhecimento escolar, que leva em conta tanto o conhecimento teórico

quanto o público ao qual ele se dirige (PENNA, 2013, p. 221-222). Dessa forma, a

aula de História, por voltar-se para um público estudantil, o qual não poderia

compreender uma exposição exclusivamente teórica do conhecimento histórico, vai

demandar uma operação especificamente direcionada à finalidade didática.

Através da articulação entre o lugar social de Certeau (1982), entendido como

central dentro da operação historiográfica, e o conceito de transposição didática de

Yves Chevallard (1991), Penna (2013) irá propor a existência de duas operações

historiográficas distintas que envolvem o conhecimento histórico escolar e o ensino

de História. Uma operação liga-se à transposição didática externa, que Chevallard

(1991) chama de noosfera, em que são produzidos os currículos escolares e materiais

didáticos do conhecimento histórico escolar voltados para um público extenso. Outra

operação dirige-se para a transposição didática interna, realizada em sala de aula pelo

professor, produzindo versões locais do conhecimento histórico escolar, voltadas para

as particularidades das turmas com as quais trabalha (PENNA, 2013).

A compreensão da aula de História como finalidade de uma operação

historiográfica dotada de características próprias, que estabelece relações com a

operação historiográfica acadêmica, mas detém suas especificidades, assume papel

definidor em nossa compreensão de pesquisa em ensino de História. Nossa pesquisa

baliza-se no olhar à aula de História como momento de consolidação de uma

operação.

Com base nessa compreensão, estabelecemos um conjunto de estratégias que

visaram aproximar o estudante do conhecimento histórico e possibilitaram a

operacionalização de conceitos centrais do ensino de História. Tais estratégias se

aplicam nas atividades que compõem nossa ação didática e se voltam à questão da

desconexão entre História ensinada e reconhecimento da historicidade da vida.

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20

1.2 BASE CONCEITUAL

Para a composição de nosso suporte teórico, faz-se necessária uma reflexão

acerca da didática da História e as relações que estabelece com o saber escolar e a

memória dentro de nossa pesquisa. Para tanto, outros conceitos – tais como

consciência histórica, cultura histórica, cultura escolar, saber escolar, saber docente,

memória e tempo presente – também serão mobilizados, assim como serão

apresentadas as conexões que estabelecem entre si.

1.2.1 Didática da História

A compreensão de didática da História aqui empregada relaciona-se com o

conceito alemão de Geschichtsdidaktik. A didática da História vincula-se ao campo da

História e dela extrai seus conceitos, métodos e referenciais de análise e pesquisa. É

assim entendida por alguns como uma área da própria História que se volta para o

estudo e pesquisa de formas de História não científicas (CARDOSO, 2008). Fugimos,

portanto, às compreensões genéricas que reduziriam a didática da História apenas às

maneiras de se ensinar a História em sua forma escolar. Abrimos aqui a possibilidade

para que formas variadas de produção e reflexão sobre a História sejam enquadradas

como objetos de interesse da didática da História.

O conceito de consciência histórica é um dos pontos centrais para a

compreensão da didática da História. Jörn Rüsen (2001, p. 57) entende por

consciência histórica um conjunto de “operações mentais com as quais os homens

interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de

forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo”. Isto

posto, podemos compreender toda forma de pensar historicamente como decorrente

da mobilização da consciência histórica (RÜSEN, 2001). Assim, a consciência

histórica não se resume a um componente que se manifeste exclusivamente em

formas científicas de conhecimento histórico, mas sim como algo inerente à

necessidade humana de interpretar e se situar no tempo.

Faz-se imprescindível compreendermos o raciocínio que Rüsen (2001)

desenvolve sobre a constituição do pensamento histórico científico para situarmos a

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21

consciência histórica nele. O autor elabora sua matriz disciplinar da ciência da História

com o propósito de identificar e demonstrar a interdependência dos elementos que

circundam a pesquisa e a ciência da História, assim como a distinguir do pensamento

histórico comum (RÜSEN, 2001). A matriz é composta de cinco fatores

interdependentes que assumem uma sequência pela qual, após chegarmos ao último

fator, retornamos ao primeiro, formando um ciclo.

O primeiro fator, e que nos interessa mais de perto, é denominado por Rüsen

(2001) de interesses. Este é concebido pelas carências humanas de orientação da

vida no tempo e a necessidade de se apossar do passado através do conhecimento

(RÜSEN, 2001). Trata-se do momento em que, a partir da vida prática, a consciência

histórica se manifesta como interesse cognitivo no passado a fim de satisfazer as

demandas que lhe são impostas pelo presente e auxiliar na projeção do futuro. Esses

interesses, todavia, ainda não se constituem como conhecimento histórico (RÜSEN,

2001). Para tanto, ainda será necessário atravessar os elementos que fazem com que

os interesses transitem da dimensão da vida prática para o campo da ciência

especializada. Esse fator assume importância em nossa pesquisa devido à

proximidade que apresenta com a vida prática e o cotidiano, sendo quesitos

importantes para nossa posterior correlação da consciência histórica com o local,

memória, cotidiano, saber escolar e tempo presente.

Em sequência, o segundo fator intitula-se ideias, as quais estabelecem critérios

de sentido e interpretação das carências de orientação no tempo (RÜSEN, 2001, p.

31). Por meio das ideias, as carências de orientação no tempo passam a constituir

conhecimento histórico. Em decorrêcia, o passado acaba por assumir a condição de

história.

Os interesses e as ideias “como precondições – oriundas da vida prática – do

pensamento histórico se efetivam na experiência concreta do passado” (RÜSEN,

2001, p. 33). No processo dessa efetivação, temos a aplicação dos métodos de

pesquisa necessários para a constituição do que entendemos por História. Esses

métodos consistem no terceiro fator que Rüsen atribui à matriz da ciência da História

(RÜSEN, 2001). Os métodos de pesquisa atribuem caráter científico aos interesses e

ideias, e o produto dessa pesquisa apresenta-se como historiografia.

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A partir daí, somos direcionados para as formas de apresentação como o

quarto fator. Neste, temos o retorno do trabalho científico, que se origina nas carências

de orientação no tempo, para a dimensão da vida prática na forma de historiografia

(RÜSEN, 2001, p. 34).

Direcionamo-nos, então, ao quinto e último fator, que consiste nas funções de

orientação existencial. Rüsen (2001) nos atenta para o fato de que, por se originar nas

carências de orientação no tempo, a História como ciência necessita retornar à vida

prática com a função de satisfazer essas carências.

Encerrados os fatores que compõem a matriz da ciência da História, não temos

como consequência o fechamento de um ciclo, mas sim o retorno da produção

científica originada nas carências da vida prática para a própria vida prática com a

função de propor uma diretriz diante das carências em que se baseou. Dessa forma,

o ciclo é retroalimentado por meio da inserção do pensamento científico na vida

prática, sendo ele um dos atributos (mas não o único) na formação da consciência

histórica, que, por sua vez, agirá na interpretação de novas carências e demandas da

vida prática. A matriz proposta tem como uma das finalidades possibilitar diferenciar

o pensamento histórico comum daquele constituído cientificamente (RÜSEN, 2001).

Com base na matriz de Rüsen (2001), podemos observar que nossa pesquisa

se volta para a dimensão da vida prática. Nessa dimensão, a produção científica da

História não é o único elemento que influencia a consciência histórica. Devemos nos

ater às outras influências que agem na consciência histórica de estudantes em fase

escolar.

Podemos conceber a didática da História como um campo que se volta para a

reflexão acerca da consciência histórica e os diversos meios que a influenciam.

Ligamos isso ao que Sonia Wanderley (2018, p. 102) nos aponta sobre “o ensino de

história ter como objetivo a reflexão/desenvolvimento acerca da consciência histórica”,

e não o propósito de “construir” consciência histórica, pois seria incompatível com o

conceito.

Segundo Luis Fernando Cerri (2001), o emprego da consciência histórica não

é uma ação opcional, mas decorre da necessidade humana de conferir significado à

dinâmica do tempo. Por conseguinte, não será empregada apenas de forma

racionalizada. A esse apontamento, unimos a consideração de que a escola,

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especificamente as aulas de História, não é a forma exclusiva pela qual a consciência

histórica irá se operar nos estudantes. O entendimento de que o “letramento histórico”

dos estudantes não é exclusivamente desenvolvido pela escola, mas que conta com

manifestações que transcendem ao espaço escolar (WANDERLEY, 2018, p. 102), nos

traz a necessidade de pensar um ponto comum entre as aulas de História e essas

outras manifestações.

O conceito de cultura histórica entra em nossa pesquisa como ferramenta que

ajuda a compreender outras dimensões da História para além da História científica. O

conceito também é fundamental para o entendimento da didática da História. Mais

uma vez, recorremos a Rüsen (1994) para sua definição:

[…] a cultura histórica pode ser definida como a articulação prática e operante da consciência histórica na vida de uma sociedade. […] A cultura histórica contempla as diferentes estratégias da investigação científico-acadêmica, da criação artística, da luta política pelo poder, da educação escolar e extraescolar, do ócio e de outros procedimentos da memória histórica pública. (Rüsen, 1994, p. 4 apud SCHMIDT, 2011, p. 111)3.

A cultura histórica mantém relação com a produção cultural de temática e

reflexão histórica realizada tanto no meio acadêmico como na produção artística,

cinematográfica, literária, televisiva e escolar (GONTIJO, 2019). Todas essas esferas

que são englobadas na cultura histórica são manifestações da consciência histórica

na busca de satisfazer suas demandas de orientação no tempo.

Ao pensar uma definição para didática da História, Gabriel (2015) articula o

conceito de cultura histórica conjuntamente ao de cultura escolar. Dessa forma, a

autora propõe definir a didática da História através de uma cultura histórica escolar. A

articulação de ambos os conceitos possibilita romper com compreensões dicotômicas

e hierárquicas “expressas por meio de tensões como teoria x prática, conteúdo x

forma, história x pedagogia” (GABRIEL, 2015, p. 14).

Antes de nos aprofundarmos na questão, necessitamos nos voltar para o

conceito de cultura escolar. Por cultura escolar compartilhamos do entendimento de

André Chervel (1990), que considera como característica do sistema escolar a

3 RÜSEN, Jörn. ¿Que es la cultura histórica?: Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia. Tradução: F. Sánchez Costa e Ib Schumacher. Original em: FÜSSMANN, K.; GRÜTTER, H.T.; RÜSEN, J. (eds). Historiche Faszination, GeschichtsKultur Heute. Keulen, Weimar and Wenen: Böhlau, 1994. p.3-26. Disponível em: www.culturahistorica.es. Acesso em: 05 jan. 2020.

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formação de uma cultura própria, em paralelo à formação dos indivíduos. Essa cultura,

por sua vez, se insere e influencia a sociedade (CHERVEL, 1990). Através do estudo

das disciplinas escolares, o autor nos traz o entendimento de que, muitas vezes,

manifestações da cultura escolar influenciam outras esferas da cultura, bem como o

saber acadêmico.

Também compreendemos que a cultura escolar estabelece relações com as

demais culturas que são contemporâneas dela, tais como a religiosa, popular ou

política, podendo manter relações conflituosas ou não com essas (JULIA, 2001). Por

não ser um universo isolado, mas em contato direto com múltiplas manifestações

culturais, a cultura escolar manterá vínculo com outras manifestações da cultura

histórica.

Isto posto, retornamos a Gabriel (2015) para sedimentarmos nossa

compreensão de didática da História. Para a autora, a didática da História direciona-

se à produção do conhecimento histórico escolar:

[…] o conhecimento histórico escolar resultaria de um processo de didatização da cultura histórica nas tramas da cultura escolar. A Didática da História pode ser entendida, nesta abordagem, como um campo discursivo que articula em uma mesma cadeia de equivalência e sentidos de história como objeto de investigação e como objeto de ensino. (GABRIEL, 2015, p. 16).

Podemos, portanto, entender que a didática da História age na mediação dos

elementos da cultura histórica manifestos na cultura escolar como forma de produzir

conhecimento. Em nossa pesquisa, essa mediação volta-se para a possibilidade de

refletirmos acerca da consciência histórica dos estudantes e repensá-la através de

uma ação didática.

1.2.2 Os saberes

Trazer para nossa pesquisa o debate sobre os saberes que envolvem a prática

docente nos possibilita solidificar nossa construção teórica e conceitual. As categorias

de saber escolar e saber docente serão aqui trabalhadas a partir de Ana Maria

Monteiro (2007), em cuja tese são abordados tais saberes mobilizados por

professores de História em sua prática.

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25

A ideia de uma racionalidade técnica – na qual o professor é colocado na

condição de mero transmissor de saberes que não são por eles produzidos, mas

apenas transmitidos aos alunos – será criticada por Monteiro (2007). Essa concepção,

para além de negar a subjetividade do professor dentro do processo de ensino,

também situa o estudante em uma condição de mero receptor, passivo dentro dessa

dinâmica. Fortemente ligada a uma ideia de reprodução de conhecimento, atrelada a

uma transmissão de valores dominantes, a perspectiva da racionalidade técnica vai

de encontro aos estudos a respeito da construção cultural dos currículos e ao

entendimento de professores e alunos como dotados de perspectivas próprias acerca

da compreensão do mundo e de que estas interagem (MONTEIRO, 2007).

A partir do deslocamento de uma ideia universalizante da cultura para uma ideia

de cultura entendida pela pluralidade, a escola passa a ser compreendida para além

de um local onde conhecimento e saberes são transmitidos pelos professores aos

estudantes. Temos, assim, uma ideia de espaço escolar que, ao mesmo tempo que é

configurador de uma cultura escolar, também é configurado por esta (MONTEIRO,

2007). Considera-se, igualmente, que a cultura escolar se encontra, assim como

qualquer outra, em relação aos mais diversos tipos de interesses que possam

influenciá-la. Podemos entender, então, que os integrantes de um espaço escolar

agem na produção da cultura escolar em seu cotidiano, não se limitando à condição

de reprodutores ou receptores de saberes.

Nessa perspectiva, a própria ideia de saberes será redimensionada e

proporcionará a definição do conceito de saber escolar. Sendo oriundo da cultura

escolar, o saber escolar apresenta configuração cognitiva própria, possibilitando se

opor às ideias que o consideram como uma versão simplificada e reduzida de um

saber maior a ser transmitido, como uma deformação de um conhecimento superior

acadêmico (MONTEIRO, 2007). Segundo Monteiro (2007, p. 83), os saberes

escolares constituem-se a partir da “compreensão de que a educação escolar não se

limita a fazer uma seleção entre o que há disponível da cultura num dado momento

histórico, mas tem por função tornar os saberes selecionados efetivamente

transmissíveis e assimiláveis”. A produção desse saber escolar não seria fundada na

disponibilidade do que existe na cultura em determinado contexto histórico, mas sim

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em agir na efetiva transmissão e assimilação dos saberes que fossem mobilizados

para tal (MONTEIRO, 2007).

Ao pensar sobre transmissão dos saberes escolares, Monteiro (2007) parte da

ideia de transposição didática. Fruto de divergências conceituais, a transposição

didática poderia estar relacionada à sua consideração como um movimento

descendente do saber acadêmico para o saber a se ensinar (sendo a legitimidade do

que venha a ser ensinado sujeita ao saber acadêmico). Essa compreensão é

compartilhada por Chevallard (1991), que, ao considerar que o processo de

transposição didática é exterior ao professor, hierarquiza os saberes com prevalência

do saber acadêmico.

Tal perspectiva é contestada por Monteiro (2007, p. 87), pois a autora considera

o aspecto educativo um “elemento epistemológico estruturante, fundamental para que

se possa compreender o processo de constituição do saber escolar”. Destarte, uma

concepção de transposição didática como algo que envolve uma relação descendente

a partir do conhecimento acadêmico e desconsidera a interferência dos agentes

envolvidos (professores e estudantes) no processo de ensino-aprendizagem não se

torna compatível com a compreensão do saber escolar como dotado de configuração

própria e oriundo do ambiente escolar.

Fundamentada na constatação da relação hierarquizada entre o saber

acadêmico e o saber escolar na ideia de transposição didática, Monteiro (2007) irá

observar compreensões de que o movimento não é necessariamente descendente,

mas pode agir em direção oposta e incluir a relação com práticas sociais de referência,

tal como apontado por Chervel (1990). A autora compreende que, ao pensarmos o

ensino de História, é incompatível limitarmos suas referências ao saber acadêmico

(MONTEIRO, 2007). Assim, as práticas sociais de referência compõem o conjunto de

elementos que vão agir na formação do saber histórico escolar através do trabalho de

didatização, em contraponto à noção de fluxo hierárquico a partir do saber acadêmico.

Podemos acrescentar no debate um apontamento de Cerri (2001), segundo o

qual a ideia de consciência histórica fortalece o conceito de saber histórico escolar e

possibilita também se observar outras modalidades de saberes históricos. Ao

considerarmos que o saber histórico escolar é influenciado pelas práticas sociais de

referência e que estas chegam às aulas de História através dos estudantes, podemos

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supor que essas mesmas práticas agem na formação da consciência histórica desses

mesmos estudantes. Logo, podemos entender essas práticas sociais de referência e

a constituição do saber escolar assentados no que Rüsen (2001) chama de vida

prática.

Por observar a insuficiência do conceito de transposição didática, Monteiro

(2007) sugere como alternativa o conceito de mediação didática. A autora parte da

ideia de “mediação didática” como uma ação que age em perspectiva dialética, na

qual a compreensão se dá por meio da mediação do contraditório por uma ação

dialógica. Dentro desse quadro, a autora propõe a articulação dos conceitos de

didatização e axiologização como forma de reorientar a discussão.

Por ser a mediação um processo que necessariamente transpassa pelo

professor, algumas linhas sobre os saberes docentes se fazem necessárias. Tardif,

Lessard e Lahaye (1991, p. 231) irão definir o saber docente como um saber plural

“formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação

profissional, do currículo e da prática cotidiana”. Os autores ressaltam a importância

da experiência na configuração do saber docente:

[…] os saberes da experiência surgem como núcleo vital do saber docente, a partir do qual o(a)s professore(a)s tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relação de interioridade com sua própria prática. Nesse sentido, os saberes da experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, “polidos” e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido. (TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991, p. 232).

Desse modo, podemos entender a experiência docente como meio pelo qual

múltiplos saberes serão mobilizados pelo professor para sua prática cotidiana.

Compreender que o professor age através da mediação de diversos saberes fortalece

o posicionamento acerca da didática da História, tomado de empréstimo de Gabriel

(2015). A mediação entre cultura histórica e cultura escolar também passa, em nosso

ver, por uma mediação de saberes.

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1.2.3 Memória e tempo presente

Como um de nossos intuitos foi levar os estudantes à prática de entrevistas,

faz-se necessário nos voltarmos aos conceitos de memória e tempo presente. São

conceitos fundamentais para trabalharmos junto aos estudantes os elementos que

fundamentam a História e a compreensão de temporalidades. Possibilitam melhor

entendimento a respeito da investigação histórica, da diferenciação entre uma

memória e um conhecimento histórico cientificamente produzido, bem como da

relação passado/presente. Aspectos gerais que envolvem esses conceitos devem ser

trabalhados com os estudantes para que compreendam o que estão produzindo ao

realizarem uma entrevista.

Por ser a memória um elemento constitutivo da História, devemos tornar claro

aos estudantes que a memória não pode ser tratada como sinônimo nem substitutivo

da História (BITTENCOURT, 2005). Deve-se proporcionar a eles a compreensão de

que, por si só, memórias não constituem a História, mas contribuem como elementos

importantes ao serem problematizadas, confrontadas com outras memórias e

analisadas à luz do conhecimento histórico.

É importante entendermos que a memória não consiste em um fenômeno que

age apenas em uma perspectiva individual, internalizado na pessoa, mas que se

fundamenta, principalmente, na sua existência em coletividade (HALBWACHS, 2003,

p. 71). As lembranças que evocamos são fortemente ligadas ao contato com os outros

e validadas na confirmação por outros, sendo assim difícil relacionar a memória a um

fenômeno meramente individual. Assim como as vivências humanas, a memória

apresenta muitos aspectos externos ao indivíduo que as reporta, sendo o “outro” um

ponto fundamental em sua compreensão.

De acordo com Maurice Halbwachs (2003), em seu estudo acerca da memória

coletiva, nesse contato entre nossas memórias e as memórias dos outros, para que

as memórias individuais se beneficiem das memórias do grupo, estas necessitam

estar em concordância com as demais. Isso possibilita que uma coletividade se

entenda como tal. Por meio de uma adesão voluntária, tal memória reforça e recria os

laços de um grupo, colaborando na construção de uma memória coletiva e uma ideia

de pertencimento (HALBWACHS, 2003). O autor também nos diz que a sustentação

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de uma memória está fortemente ligada à duração do grupo que a mantém, podendo

ela nos escapar ao nos afastarmos ou não integrarmos mais um grupo o qual

compúnhamos.

Tal adesão não se trata de uma aceitação plena do que é entendido por

memória da coletividade. Memórias individuais relacionam-se às memórias coletivas

por meio de constante estado de negociação e readaptação (POLLAK, 1989, p. 3-4)

para que dessa forma possam usufruir e se beneficiar de uma memória comum. Essa

relação evidencia que a memória carrega em si um caráter seletivo, através do qual

haverá uma constante apuração e triagem do que será mantido como tal, aliadas às

memórias herdadas por meio do contato e interação com outras memórias (POLLAK,

1992).

Partindo do entendimento de que a identidade se desenvolve em/na relação

com outros, a memória agirá como um dos fatores que proporcionam a construção

dos sentimentos de identidade e pertencimento (POLLAK, 1992). Entende-se também

a memória individual como negociável e modelável para o desenvolvimento da

consciência de pertencimento a uma memória coletiva. Isso possibilita a construção

das identidades, individuais e coletivas. Essas identidades encontram-se em

constante transformação e readaptação, devido à influência que esta recebe da

memória que, por sua vez, igualmente se apresenta como mutável (POLLAK, 1992).

Não apenas no tocante às identidades referentes ao local, que nos interessam mais

diretamente, mas também em outros aspectos identitários, podemos observar a

relação que estas estabelecem com a memória.

Devemos ressaltar que a memória não consiste em algo estático passível de

em algum dado momento ser coletado pelo historiador para seus usos. Ao momento

em que se exprime uma memória, esta não é apenas proferida, mas simultaneamente

produzida. Nesse processo, as lembranças assumem forma e são arranjadas dentro

de uma narrativa lógica por aquele que as detém.

A compreensão dessa característica inerente à memória nos permite observar

que ela se faz orientada pelo momento e contexto em que é evocada. Traz em si

profundas marcas e referenciais de seu presente. Dessa forma, nos encontramos na

necessidade de direcionarmos algumas linhas à questão do tempo presente, pois seu

entendimento se faz necessário ao trabalharmos por meio do uso da história oral.

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O tempo presente é entendido por François Dosse (2012, p. 7) como o meio

termo “entre passado e presente ou o trabalho do passado no presente”. Para o autor,

o tempo presente não se trata apenas do período mais próximo temporalmente do

indivíduo, mas sim da contemporaneidade do que se encontra no passado (DOSSE,

2012). Podemos perceber que o tempo presente se compreende a partir daquilo que,

estando no passado, ainda se apresenta como demanda do presente. Da mesma

maneira, está relacionado ao voltar-se ao passado a partir do ponto de vista do

presente.

Na comparação entre recortes mais distanciados e o tempo presente, a

distância temporal pode se mostrar uma variável na capacidade de observação de

processos históricos. Distante do período para o qual se volta, o historiador poderá

atentar para movimentações que não seriam perceptíveis ao historiador que se

encontra inserido no contexto e tempo em que seu objeto de pesquisa ocorre. Isso

não define um débito científico inerente ao ato de pesquisar o tempo presente. Um

aspecto positivo da história do tempo presente, ressaltado por René Rémond (1996),

seria a possibilidade de evitar “ilusões de ótica que a distância e o afastamento podem

gerar” (RÉMOND, 1996, p. 209), ou seja, a imposição de uma racionalidade que não

teria como se fazer evidente naquele momento.

Pensar o tempo presente vai nos trazer particularidades que distinguem seus

usos do uso de recortes temporais mais distanciados. O tempo presente pode ser

caracterizado pela presença de testemunhas e personagens envolvidos com o tema

pesquisado. Estes podem se opor ao trabalho do historiador alegando imprecisões

ou, da mesma forma, monitorá-lo. Temos aqui forte interação entre memória e história,

na qual, por meio de uma memória social viva, sujeitos históricos se fazem presentes

e atuantes (DELGADO; FERREIRA, 2013).

Esse caráter de incompletude e constante atualização existente na história do

tempo presente (BEDÁRIDA, 1996) é fortemente ligado à relação que estabelece com

a memória, que também tem essa característica. Sendo assim, o tempo presente não

comporta uma delimitação de duração. Ele se define pela presença de testemunhas

que possam trazer sua contribuição ou contestação ao debate. Para vias de

delimitação, consideraremos aqui como testemunha não apenas aqueles incluídos na

característica de testemunha ocular, mas também aqueles que assumem o papel de

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preservadores e porta-vozes das memórias de outrem, quando estas não desfrutam

do devido espaço em uma memória oficial e têm a necessidade de serem conservadas

e propagadas (GAGNEBIN, 2006).

Por sua vez, a consciência histórica apresenta estreita relação com o tempo

presente a partir do entendimento de que sua constituição advém de demandas do

presente para com o passado (RÜSEN, 2001). Podemos entender essas demandas

como integrantes das carências de orientação no tempo que se manifestam na vida

prática. Segundo Maria Auxiliadora Schmidt (2014, p. 112), “o impulso para esse

retorno é sempre dado pelas experiências do tempo presente e da nossa vida prática.

Ou seja, a consciência histórica é o local onde o passado é levado a falar e este só

vem a falar quando questionado”. Portanto, o olhar ao tempo presente se faz

necessário tanto por serem suas demandas que vão impulsionar a consciência

histórica na satisfação de suas carências quanto pela relação que a memória

estabelece com ambos os conceitos.

Voltar-nos-emos, agora, à intenção de aproximar os conceitos de memória e

tempo presente de nossa pesquisa com os estudantes. Trazemos a reformulação que

Peter Seixas (2016) faz da matriz disciplinar da ciência da História de Rüsen (2001).

Ao propor uma matriz História/Memória para a educação histórica, Seixas (2016)

adiciona a memória à vida prática como categorias que possibilitam a formação da

consciência histórica para a satisfação das necessidades humanas de suas carências

de interpretação e orientação temporal. Logo, a memória passa a ser entendida como

parte fundamental na constituição da consciência histórica. Com base nisso, o autor

elabora uma proposta de educação histórica,

[…] entre práticas históricas e crenças memoriais, onde professores qualificados têm considerável autonomia para lidar com as culturas memoriais dos alunos em suas aulas e onde as memórias comunitárias – talvez até mesmo memórias divididas – são submetidas e ampliadas pela crítica, historicamente apurada, retroalimentando a memória pública. (SEIXAS, 2016, n.p., tradução nossa)4.

4 No original: “[…] between historical practices and memorial beliefs, where skilled teachers have considerable autonomy to address the memorial cultures of the students in their classes and where community memories – perhaps even divided memories – are subjected to and enlarged by critical, historical scrutiny, feeding back into public memory” (SEIXAS, 2016, n.p.).

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A proposta de Seixas (2016) visa a uma educação histórica baseada na

problematização de memórias presentes na comunidade em que os estudantes se

inserem. Essas memórias devem ser analisadas e contextualizadas historicamente

com o propósito de evitar tanto a sacralização de memórias quanto sua exclusão do

processo educativo. O autor ressalta a importância de trabalhar mesmo aquelas

memórias que sejam carregadas de temas sensíveis para a comunidade.

No tocante ao tempo presente, trazer essa perspectiva para a sala de aula

implica uma completa mudança do olhar à disciplina História. Como objeto de estudo,

o presente ocupa lugares restritos nos currículos escolares. Estes são normalmente

limitados aos anos finais dos ciclos da educação básica. A disposição cronológica do

currículo escolar faz com que a aproximação com o presente na disciplina coincida

com o término da etapa de ensino em que o estudante se encontra, seja no Ensino

Médio, seja no Fundamental. Essa forma de organizar os currículos escolares5 pode

ocasionar uma compreensão errônea do presente como algo alheio ao processo

histórico e, em consequência, dificultar ao estudante o entendimento de si dentro

desse processo.

1.3 CONCEITOS BÁSICOS DA HISTÓRIA NO ENSINO ESCOLAR

Devido a nossa pesquisa ter a intenção de possibilitar que o estudante se situe

historicamente e compreenda as relações que a História estabelece com sua vida, é

importante que trabalhemos conceitos básicos para o ensino de História. Junto a isso,

também refletiremos sobre o uso de fontes em sala de aula como forma de aproximar

o estudante do processo de pesquisa.

Por conceitos básicos entendemos aqueles que assumem o papel de levar ao

entendimento da História como uma ciência voltada para determinadas questões.

Conceitos aplicáveis para conteúdos específicos – como monarquia, feudalismo,

revolução e colonização – não serão o nosso foco. Iremos nos direcionar a conceitos

5 Tal forma de organização consta nos currículos do Ensino Fundamental e Médio da SEEDUC-RJ, bem como nos currículos de Ensino Fundamental das escolas municipais do Rio de Janeiro. Dessa forma, dificilmente o aluno que nos chega ao CEHG no Ensino Médio teve contato com o tempo presente em sua vida escolar.

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que fogem a momentos particulares da História, tais como tempo histórico, processo

histórico, continuidade e ruptura, mudança e permanência.

Schmidt (1999) observa que o trabalho com conceitos históricos em sala de

aula possibilita ao estudante melhores condições de análise da realidade social. No

entanto, a autora atenta para o fato de o trabalho com conceitos se diferenciar da

mera assimilação de significados de palavras:

Se o trabalho com a construção de conceitos históricos deve fazer parte do processo ensino-aprendizagem de História, é preciso ter cuidado para não transformar este objetivo no uso abusivo de termos técnicos ou na imposição de definições abstratas e memorizações formais de palavras e do seu significado. Aprender conceitos não significa acumular definições ou conhecimentos formais, mas construir uma grade que auxilie o aluno na sua interpretação e explicação da realidade social. (SCHMIDT, 1999, p. 149).

Logo, ao trabalhar com conceitos é importante que estes se façam funcionais

para o estudante, principalmente fora do ambiente escolar. O ensino é capaz de agir

na vida cotidiana do estudante e em suas interpretações da realidade vivida, além de

desvincular o ensino de História da impressão de mera erudição necessária para o

cumprimento de uma disciplina escolar.

A autora sinaliza para a importância de conceitos trabalhados com estudantes

em fase escolar possuírem um “caráter mais universal possível”, para que possam ser

utilizados em diferentes contextos históricos (SCHMIDT, 1999, p. 151). Considera

também necessário um tratamento didático dos conceitos pelo professor, devido a sua

complexidade (SCHMIDT, 1999). Ademais, nos chama a atenção para:

[…] o fato de que o aluno já tem um vocabulário histórico de uso cotidiano, adequado para descrever situações da realidade em que ele vive. Isto significa que os alunos trazem, ao cotidiano da sala de aula, ideias próprias sobre o mundo social, por exemplo, sobre economia, poder, família. (SCHMIDT, 1999, p. 148).

É importante que os conceitos trabalhados com os estudantes estabeleçam

relações com o cotidiano e que possibilitem repensá-lo. Sem explicitar, Schmidt (1999)

ressalta a multiplicidade de saberes que envolvem o trabalho com conceitos em sala

de aula. Isso faz deste necessariamente um trabalho de mediação de saberes. O

“vocabulário histórico de uso cotidiano” é fruto de uma cultura histórica em que o

estudante se encontra inserido e a qual traz para o ambiente escolar. Dessa forma, o

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34

trabalho de conceitos em sala de aula enquadra-se em nossa concepção de pesquisa

em ensino de História.

1.3.1 Tempo Histórico

A compreensão do conceito de tempo histórico se faz de suma importância para

possibilitar que o estudante se conceba como sujeito inserido dentro de um processo

que transcende a própria vida. A compreensão de tempo histórico também vai

proporcionar assimilar as ideias de processo histórico, continuidade e ruptura. Para

tanto, esse conceito não pode ser entendido como sinônimo de tempo cronológico.

Ao se voltarem para essa questão, Elza Nadai e Circe Bittencourt (1990, p. 75-

76) nos chamam a atenção para o fato de que, apesar de comumente os professores

de História transmitirem aos seus estudantes que a intenção da matéria é estabelecer

conexões entre o passado e o presente, não raramente acabam por deixar

transparecer que o curso consiste em uma sucessão de fatos do passado. Conceber

a História pela ótica da sucessão de fatos faz com que o tempo cronológico seja

entendido como o mesmo que o tempo histórico.

No entanto, Nadai e Bittencourt (1990) observam que o tempo histórico

ensinado nas escolas não se limita ao cronológico, também podendo ser

compreendido como uma noção de tempo qualitativo, pelo qual entendemos como

delimitado pelas ações humanas. Como forma de clarificar o entendimento dos

estudantes sobre o tempo histórico, as autoras consideram que:

Cabe ao professor explicitar e indagar qual noção de tempo tem sido (ou será) objeto do trabalho na sala de aula, à medida que se supõe, a nível teórico, ser a história a disciplina encarregada de situar o aluno diante das permanências e das rupturas das sociedades e de sua atuação enquanto agente histórico. (NADAI; BITTENCOURT, 1990, p. 75).

Aproximando de nossa pesquisa, através das atividades desenvolvidas junto

aos estudantes, buscamos seguir a orientação das autoras a respeito de buscar

compreender como os estudantes pensam o tempo (NADAI; BITTENCOURT, 1990).

No caso, mais ligados a uma compreensão qualitativa a respeito do tempo histórico,

às ações de seus familiares, temáticas abordadas e movimentos populacionais.

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35

Entretanto, em paralelo, buscamos demarcar os possíveis recortes cronológicos aos

quais as compreensões de tempo histórico dos estudantes se voltavam.

1.3.2 Continuidade/ruptura e mudança/permanência

Os conceitos de continuidade, ruptura, mudança e permanência possibilitam

aos estudantes ter melhor entendimento do processo histórico. São conceitos

fundamentais ao ensino, pois proporcionam perceber que a História não consiste em

uma cadeia de fatos isolados, acarretando, assim, melhor compreensão das relações

existentes entre o passado e o presente. Desse modo, também são conceitos que

reforçam a noção de tempo histórico.

Pensar em termos de continuidade e ruptura possibilita periodizar a História

ensinada dentro de fases e ciclos, assim como tornar inteligível e aferir a dimensão

dos eventos passados (MENEGUELLO, 2019). Por continuidade, podemos entender

elementos estruturais e de relações (MENEGUELLO, 2019) de um determinado tempo

se fazerem presentes em um tempo posterior. No que compete à ideia de ruptura,

podemos definir como a interrupção da continuidade de algum desses elementos por

algum evento. Por mais que a ideia de ruptura completa possa ser contestada, ela

funciona como ferramenta didática para que os estudantes entendam a passagem de

um tempo para outro.

O par mudança/permanência carrega grande proximidade com o par

continuidade/ruptura. A ideia de permanência é comumente utilizada como sinônimo

de continuidade. No entanto, devemos pontuar que a continuidade carrega uma

compreensão de tempo percorrido por uma estrutura, ao passo que a permanência

pode ser entendida como o que se mantém entre um momento e outro. Não

consideramos necessário que, ao trabalharmos tais conceitos junto aos estudantes,

eles sejam diferenciados de forma detalhada.

A mudança e a permanência são entendidas como processos que atuam em

sintonia, sinalizando para as forças que atuam em favor de uma ou de outra

(SEFFNER, 2019). Por meio da observação dos esforços de mudança e permanência

podemos compreender os atores de determinado contexto histórico e seus

posicionamentos. São conceitos que favorecem a compreensão de conjunturas

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históricas pelos estudantes e “os esforços de mudança e permanência que estavam

em jogo; os modos como se deram os embates; as ideias, valores e princípios políticos

postos em discussão; as regras que presidiam os conflitos” e como tais questões

foram solucionadas (SEFFNER, 2019, p. 169).

1.3.3 Fontes históricas em sala de aula

Para que fosse possível operar conceitos básicos da História para o ensino de

História junto aos estudantes, foram realizadas uma série de ações didáticas. Nelas,

o emprego de fontes históricas foi fundamental para que transpuséssemos tais

conceitos e tornássemos inteligíveis aos estudantes. As fontes utilizadas foram de

natureza diversa, sendo compostas por levantamentos estatísticos do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados da matrícula escolar, notícias de

jornal, textos de memorialistas, fotografias e entrevistas realizadas pelos estudantes

do CEHG no ano letivo de 2018. Tais fontes foram empregadas nas ações didáticas

com finalidades específicas e guiadas pelo intuito de aproximar a História da realidade

vivida pelo estudante e do processo de investigação histórica, como veremos

detalhadamente no segundo capítulo.

O uso de fontes históricas em sala de aula difere do uso para uma pesquisa

histórica acadêmica. Como operação historiográfica, a utilização de fontes não é

imprescindível ao ensino de História. Ao se direcionar para as fontes em sua pesquisa,

o historiador tem domínio sobre os conceitos e sobre o momento histórico ao qual se

volta. Já um estudante em fase escolar não tem o mesmo domínio, o que implica

objetivos diferentes ao trabalharmos com fontes em sala de aula (BITTENCOURT,

2005).

Flávia Caimi (2008) nos chama a atenção para o caráter meramente ilustrativo

e comprobatório de um acontecimento histórico presente em fontes apresentadas em

materiais didáticos até a década de 1990. Segundo a autora, a partir dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) e do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),

temos a proposição e entendimento do uso de fontes históricas como mecanismo de

construção de conhecimento (CAIMI, 2008). Essa é a perspectiva que foi empregada

ao idealizarmos nossas ações didáticas.

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Vale observar, no entanto, que o uso de fontes históricas em sala de aula não

tem como objetivo levar o estudante à prática historiográfica acadêmica

(BITTENCOURT, 2005). Ao utilizarmos fontes históricas em nossas ações didáticas,

tivemos o propósito de levá-lo a compreender os procedimentos necessários para a

produção do conhecimento histórico. Tal compreensão é fundamental para que os

estudantes possam diferenciar o conhecimento histórico cientificamente produzido de

opiniões e achismos sem fundamentos.

Para tanto, explicar aos estudantes que uma fonte não traz a informação e a

História prontas para a nossa leitura é necessário. Ao serem utilizadas em sala de

aula, os estudantes devem ser estimulados a interpretar e perguntar às fontes o que

elas aparentam trazer. Tal trabalho aproxima-se do que Ginzburg (1989) apresenta

como paradigma indiciário para o entendimento da investigação histórica. Dessa

forma, os estudantes devem ser guiados às fontes na busca de indícios que possam

levar à compreensão do passado. Não se trata, no entanto, de esperar que, sozinhos,

eles possam usufruir perfeitamente das fontes sem auxílio da mediação do professor

e de apontamentos realizados por este (CAIMI, 2008).

A natureza distinta e variada das fontes utilizadas torna possível encaminhar

aos estudantes maior esclarecimento sobre o que são fontes históricas. Por não se

tratar de um meio em que se buscaria uma resposta formulada, como poderia ser um

livro didático, as fontes apresentam-se como possibilidades interpretativas. Em sua

variedade, permitem que o estudante compreenda que existem formas específicas de

se buscar indícios do passado em cada tipo de fonte.

O trabalho com fontes e conceitos básicos foi desenvolvido de forma

direcionada nas ações didáticas realizadas junto às turmas que participaram da

pesquisa. Com isso, foi possível munir os estudantes de compreensão mais elaborada

acerca dos elementos definidores da História, bem como da interpretação de fontes.

Acreditamos, assim, que os estudantes estariam melhor preparados para o momento

em que fossem levados a realizar suas próprias entrevistas, voltadas para as histórias

de vida das pessoas das localidades em que residem.

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1.4 O CEHG E A HISTÓRIA LOCAL

1.4.1 Por que nos voltarmos para o local?

Em nossa pesquisa, a História Local é para onde os estudantes tiveram seu

olhar direcionado na busca de desenvolverem maior entendimento acerca da História,

sua produção e seu lugar dentro dela. Essa decisão não se dá por acaso. Algumas

particularidades que envolvem o CEHG e a localidade onde se encontram nos fizeram

optar pela História Local.

Como já dito, o CEHG situa-se no município de São João de Meriti, na Baixada

Fluminense6. Seus estudantes residem nos arredores dos dois lados da fronteira que

divide a Zona Norte do município do Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense. Estamos

falando de uma região que não é mencionada no material didático de História

disponível, nem é cenário de produções midiáticas ou cinematográficas de temática

histórica. Também se trata de uma região que no presente é comumente

caracterizada pelos aspectos da violência e precariedade dos serviços públicos.

Compreendemos que essas questões, por si só, já tornariam legítima a busca da

história da localidade junto aos estudantes.

Ao observarmos os livros didáticos, podemos constatar que determinados

eventos históricos costumam ser direcionados a lugares específicos. Nesse aspecto,

o Rio de Janeiro é um lugar onde os livros didáticos apresentam diversos eventos de

nossa história. No entanto, esse Rio de Janeiro não é o mesmo em que os estudantes

do CEHG residem. Estamos falando de um Rio de Janeiro que, por mais que possa

ser o cenário de eventos de relevância nacional, se resume às regiões centrais. Essa

questão pode gerar uma compreensão errônea de que a História pertence a lugares

específicos, ao passo que outros lugares não são dotados de História. Levar os

estudantes a pesquisarem sobre a história da localidade em que residem possibilita

6 Sendo fruto de divergências, as definições de até onde se estende a Baixada Fluminense são variáveis, podendo incluir toda a extensão entre a baía de Sepetiba e o litoral norte do Estado, ou, em uma perspectiva reduzida, distinguir entre Baixada de Sepetiba e Baixada Fluminense. A problematização da questão não consiste em nossos intuitos. Voltar-nos-emos à ideia de Baixada na medida em que os alunos utilizarem a definição como referencial, aí sendo entendida como espaço onde se demarca a identidade.

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romper com essa visão e aproximar o próprio estudante da História e de sua

compreensão.

Situado no bairro de São Mateus, o CEHG localiza-se mais especificamente no

sub-bairro de Vila União, que faz fronteira com os municípios do Rio de Janeiro e

Nilópolis, ficando o CEHG a menos de duas quadras de cada uma dessas cidades

vizinhas. Essa questão soma-se ao fato de o colégio ser uma das principais

referências escolares da região. O público estudantil origina-se, principalmente,

desses três municípios e contempla uma variedade de bairros.

Mapa 1 – Mapa da localidade da escola

Fonte: Recorte e edição do autor a partir do Google Maps7.

Por essa particularidade, ao pensarmos a história local investigada, não nos

restringimos às fronteiras de bairros ou municípios, tendo por local onde os estudantes

estabelecem seus convívios e mantêm referenciais. Dessa forma, partimos das

compreensões que os estudantes têm de suas localidades no presente para nos

reportarmos ao passado como forma de repensá-las e contextualizá-las

historicamente.

A história local contribui para termos uma noção mais imediata em relação ao

passado, que não é possível quando observamos a partir da dinâmica nacional

(SAMUEL, 1990). Ao nos apoiarmos nos referenciais dos estudantes e associá-los ao

7 Disponível em: https://www.google.com/maps/place/Col%C3%A9gio+Estadual+Hilton+Gama/@-22.8147189,-43.395924,14.75z/data=!4m5!3m4!1s0x99640ae26f7d97:0x63edc76bec85b4a4!8m2!3d-22.8128889!4d-43.389086. Acesso em: 26 abr. 2019.

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cotidiano, às histórias de vida, tivemos ferramentas que possibilitaram contribuir para

relacionarmos as histórias vividas com memórias coletivas, possibilitando a

contextualização da vida em sociedade (BITTENCOURT, 2005). Podemos também

considerar que, ao promover identificação, o estudo da História Local possa

igualmente desenvolver e reforçar aspectos identitários ligados à vida em comunidade

(FONSECA, 2006).

1.4.2 Conceituando História Local

Para solidificarmos uma compreensão do que está aqui sendo entendido por

História Local, vale uma observação a respeito de sua proximidade e distanciamento

em relação à ideia de história regional, com a qual comumente se confunde. O

conceito de região, ao voltar-se para a existência de relações sociais e consciências

de pertencimento, foge às delimitações das fronteiras administrativas (TOLEDO,

2010). Ao dirigir-se à História Regional, um pesquisador tem como foco um espaço

específico que pode igualmente não se traduzir em delimitações geográficas e

administrativas, mesmo que se volte para a relação deste mesmo espaço com outros

ou com uma totalidade ao qual integra.

Compreende-se o valor dos estudos de histórias regionais para evitar uma

imposição e extensão da interpretação de um determinado contexto histórico pelo

ponto de vista da região hegemônica econômica e politicamente. O regional também

favorece a valorização das diferenças e multiplicidades, que, em contraponto ao

aspecto homogêneo muitas vezes transmitido pelo ensino da história nacional,

possibilita o aprofundamento da sua compreensão (BITTENCOURT, 2005).

Uma história regional traz em si o reconhecimento histórico e cultural de uma

determinada região, contribuindo para a valorização dos mais diversos aspectos que

compõem sua identidade. Pelo fato de pensarmos nossas atividades voltadas a uma

localidade de interseção com o município do Rio de Janeiro, uma história regional

poderia estar carregada dos mesmos aspectos, momentos históricos, valores e

personagens deste município. Devido a sua preeminência política e econômica na

região, poderia potencialmente vir a ofuscar as particularidades que envolvem os

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41

demais municípios. Dessa maneira, ao pensarmos o local nos voltamos à realidade

espacial e social mais próxima ao estudante.

A pesquisa em História Local ou Regional é uma tradição que remonta ao

século XIX. Por isso, devemos considerar as mudanças ocorridas em sua abordagem

pela historiografia. Não sendo inicialmente uma história produzida por acadêmicos,

mas a partir de historiadores amadores (BURKE, 1992), teremos grande influência da

história nacional na produção de histórias locais e regionais.

Segundo Luís Reznik (2002), esse modelo de história local apresentaria

características ufanistas, com a valorização de grandes personagens – muitas vezes

ligados às elites locais – e feitos narrados de forma grandiosa, o que pode tornar sua

cronologia subordinada aos recortes da história nacional (REZNIK, 2002). Trata-se de

uma concepção de história na qual o valor atribuído à localidade se dá na medida em

que se consegue relacioná-la com a história nacional e se volta às particularidades

que possam, de alguma forma, ter colaborado na construção da nação, produzindo a

partir daí sua identidade8. Aspectos identitários, culturais ou até a demarcação de

períodos históricos que gerem significação própria apenas para aquela localidade não

são o foco das histórias locais produzidas com base nessa concepção tradicional.

Ao refletirmos sobre uma forma de pensarmos o local fora de uma condição de

submissão em relação à esfera nacional, devemos tomar o cuidado para não cairmos

na negação do âmbito nacional e criarmos uma ideia de local desvinculado de tudo

que for exterior a ele. Devemos nos ater à ideia de não colocarmos o âmbito local em

oposição ao nacional (GONÇALVES, 2007; REZNIK, 2010), por compreender que, ao

pesquisar o local, vamos nos deparar com processos e manifestações que

transcendem suas fronteiras.

Tanto o local quanto a nação vão apresentar aspectos de similaridade se os

pensarmos através do conceito de comunidade imaginada (GONÇALVES, 2007;

REZNIK, 2005). A nação pode ser definida como uma comunidade que, ao mesmo

tempo que é limitada em fronteiras ou acesso ao compartilhamento da nação, é

8 Materiais produzidos por Arlindo de Medeiros à época da fundação do município de São João de Meriti, em 1947, carregam a marca de produzir uma narrativa da história local atrelada a grandes nomes e marcos fundadores nos referidos moldes da relação com a história nacional. Igualmente, foram produzidos materiais voltados para “cidadãos ilustres” e seus feitos.

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soberana (ANDERSON, 2008, p. 33). Excetuando-se a ideia de soberania, os limites

se fazem presentes e importantes na concepção de uma localidade.

Em diálogo com a concepção de comunidade imaginada apresentada por

Benedict Anderson9 (2008), Reznik (2005) argumenta que, mesmo em tamanho

reduzido, uma localidade pode ser compreendida pela mesma ótica, na medida em

que, assim como a nação, um bairro ou um município também são inventados,

compartilham de memórias comuns, aspiram uma vida em conjunto e se perpetuam

como tais em suas manifestações, comemorações que ocorrem periodicamente.

Podemos, ainda, considerar que, assim como a nação, o local também produz

indivíduos que se reconhecem como integrantes de uma mesma comunidade e

identificam seus semelhantes por meio de seu acervo cultural próprio.

Outro conceito que nos ajuda a pensar a história por uma perspectiva local é o

de escala de observação. Utilizado comumente pela cartografia e áreas afins, tal

conceito foi tomado de empréstimo pela micro-história, na qual se torna um aspecto a

ser ponderado e uma variável ao se elaborar o recorte de um trabalho de pesquisa

histórica.

Ao pensarmos a variação de escala em um mapa, observamos que ela pode

determinar a quantidade de espaço que se observa dentro daquela representação.

Não se trata de considerar que escalas que englobem uma maior extensão territorial

estarão tratando das mesmas questões que as que funcionem em menor recorte, mas

de termos ciência de que a escala influenciará o que se apresenta a nós como algo

com potencial de se observar ou analisar. Nesse ponto, encontra-se a variável

fundamental na questão. Ilustremos com a fala de Bernard Lepetit (1998) que debate

a generalização do ponto de vista da cartografia:

Os cartógrafos, em sua prática cotidiana, sabem disso: generalizar para poder desenhar um mapa é sacrificar detalhes do traçado de um rio ou de uma margem em função da escala de representação escolhida, é diminuir o número de variações reconhecidas como pertinentes. (LEPETIT, 1998, p. 79).

A generalização cria uma ilusão de homogeneidade estendendo um atributo a

toda uma gama de pessoas sem observar suas nuances. Seja por efeito comparativo,

9 “Na verdade, qualquer comunidade maior que a aldeia primordial do contato face a face (e talvez mesmo ela) é imaginada” (ANDERSON, 2008 p. 33).

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ao observar em um ponto e expandir para outro, seja tomando o todo por uma parte

dele. Podemos constatar que, por meio da generalização, a singularidade é retirada

em atenção aos pontos comuns. Contudo, não consiste em um procedimento que

reduza ou expanda a profundidade de análise, mas que, na medida em que possibilita

visualizarmos certas questões, outras se tornam distantes a nós (LEPETIT, 1998).

Do momento em que surge, a micro-história vai redirecionar o olhar até então

prevalecente na historiografia, que não voltava sua atenção para o evento singular, o

imprevisto, o personagem. A pesquisa em História tinha como principal foco os ciclos,

os padrões, as dinâmicas sociais em que o próprio recorte tendia a ser extenso em

tempo e espaço. A escala de observação não era considerada como um aspecto

passível de alterar uma questão, pois as dimensões locais, ligadas a recortes

espaciais menores, destinavam-se ao fornecimento de dados para a confirmação de

um aspecto de maior alcance (REVEL, 1998).

Jacques Revel (1998) nos atenta para o caráter determinante que o

deslocamento da escala de análise representa para a micro-história. Trata-se de

redirecionar a abordagem da história social, até então centrada na perspectiva macro,

para um novo recorte. Desmonta-se aqui uma oposição entre individual e social,

buscando-se observar a realidade social na interação entre indivíduos. Volta-se para

a pluralidade de contextos e manifestações. Dessa forma, a perspectiva da micro-

história traz para a história social um novo conjunto de variáveis que podem aprimorar

sua análise. Não se trata, no entanto, de o olhar micro bastar-se em si mesmo, pois,

ao falar em social, estamos remetendo a uma coletividade com a qual se deve manter

um diálogo (REVEL, 1998).

O autor chama a atenção para o fato de não ser a escala micro dotada de

nenhum privilégio analítico em relação à perspectiva macro. Entende que aquilo que

pode propiciar um novo entendimento acerca da História é a variação de escala, não

a substituição dos usos de uma por outra (REVEL,1998). Igualmente, compreende

que a participação de indivíduos ou coletividades na História vai variar entre níveis

mais ou menos locais ou globais. No âmbito individual, se observaria uma

manifestação específica dentro da História, mas não apartada dela. Aqui,

encontramos consonância com as reflexões anteriores, que destacavam a importância

de não negarmos a esfera nacional ao nos voltarmos para a História Local, pelo

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entendimento da existência de questões que fogem ao seu espaço, mas se fazem

presentes nele.

Acreditamos que pensar o local através da redução de escala e da ideia de

comunidade imaginada nos fornece meios para interpretar os aspectos definidores

das localidades pesquisadas pelos estudantes e compreender que se inserem em

outros contextos e escalas para além deles. Trabalhar pela escala local permitiu que

as temáticas surgidas dentro do processo de pesquisa fossem compreendidas como

elementos constituintes do imaginário das localidades sobre si próprias, assim como

historicizar essas mesmas temáticas, tornando mais inteligíveis aos estudantes.

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CAPÍTULO 2 – INVESTIGAR A HISTÓRIA LOCAL NA SALA DE AULA

Neste capítulo, apresentaremos as reflexões que levaram ao desenvolvimento

da metodologia empregada na pesquisa, assim como sua aplicação junto aos

estudantes. Abordaremos o plano pedagógico elaborado para a aplicação da

pesquisa, além das ações didáticas que o compõem. Questões surgidas no decorrer

da investigação e a recepção dos estudantes serão trazidas para o debate como forma

de melhor compreendermos como o processo transcorreu.

Para tanto, pensamos nossa metodologia à luz dos conceitos de estratégia e

tática, aos quais recorreremos novamente à Michel de Certeau. No livro A Invenção

do Cotidiano, Certeau (1998) se volta para as práticas cotidianas, em suas

reapropriações e operações das múltiplas manifestações da cultura pelas pessoas

comuns. Dessa forma, o autor evoca os conceitos de estratégia e tática como lugares

distintos de uma prática cotidiana, que envolvem respectivamente uma imposição, ou

regra, e os seus desvios.

Por estratégia, podemos entender um lugar de imposição da regra, da ordem,

ou da norma, em uma situação privilegiada de poder. A estratégia cria “a base de onde

se podem gerir as relações com uma exterioridade” (CERTEAU, 1998, p. 99). Essa

exterioridade é entendida pelo autor de forma múltipla, podendo incorporar tanto um

público consumidor quanto um objeto de pesquisa. Logo, podemos entender que

instituições com o poder de regulamentar a ação de outros se baseiam na imposição

de sua estratégia.

A tática assume papel antagônico em relação à estratégia. Para Certeau, “a

tática é a arte do fraco” (CERTEAU, 1998, p. 101). Ao passo que a estratégia se

fundamenta na possibilidade de se impor através de um lugar de poder, a tática define-

se pela ausência desse poder de imposição, tendo por necessidade agir de acordo

com os meios que se fazem possíveis no momento. Certeau (1998) nos atém que, à

tática,

[…] nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, à distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação da própria: a tática é o movimento “dentro do campo de visão do inimigo”. (CERTEAU, 1998, p. 100).

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Assim, tática pode ser entendida como uma ação dos que se encontram

sujeitos às normas impostas, que envolve usos próprios e desvios dessas normas.

Para aproximarmos o conceito de tática de nossa pesquisa, podemos associá-lo ao

conceito de resistência, tal como entendido por Henry Giroux (1986). A resistência

pode ser entendida como uma ação consciente de negação ao que é imposto como

norma por uma instância detentora de poder. O autor destaca o fato de que tanto

interesses progressistas (entendidos pelo autor como radicais) quanto interesses

reacionários podem vir a ser os estímulos de uma resistência (GIROUX, 1986).

Portanto, podemos entender a tática como a forma pela qual a resistência age em

relação à estratégia imposta.

Associarmos tática à resistência nos possibilita observar o estudante como

sujeito inscrito entre esses conceitos. Independentemente das razões que envolvem

o desinteresse de um estudante por um conteúdo ensinado, ou por uma disciplina, o

não cumprimento das atividades propostas ou seu cumprimento fora da norma pode

caracterizar a ação do estudante como tática. Igualmente, podemos observar a tática

manifesta nos usos que os estudantes fazem do ambiente escolar, da forma como

resistem às suas regras e nas proposições de assuntos de interesse ao professor.

No que compete ao conceito de estratégia em nossa pesquisa, podemos

considerá-lo como pertencente à escola como instituição que configura e garante a

aplicação de normas de comportamento e do currículo imposto pela secretaria de

educação. Esta relação que se estabelece entre estratégias e táticas no cotidiano

escolar age na configuração da cultura escolar e em sua constante reconfiguração.

E o papel do professor dentro desse contexto? Como parte integrante de uma

instituição de ensino, o professor é encarregado de aplicar conteúdos

preestabelecidos, bem como zelar pelo cumprimento de normas e leis que envolvem

o sistema educacional. A prática docente poderia ser associada à implementação de

estratégias voltadas para o público escolar. O professor, a partir de seu lugar de poder

em relação aos estudantes, também realiza suas próprias estratégias ao elaborar

seus planos de curso e de aula, no intuito de garantir o ensino dos conteúdos

pertinentes à sua disciplina.

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No entanto, seria errôneo considerar que a prática docente se resume à

deliberação de estratégias de ensino. Por mais que planejar como proceder para o

ensino da disciplina seja fundamental, essa etapa não se dá em isolado de outros

elementos que compõem uma aula, no caso os meios materiais disponíveis e os

estudantes. Mesmo que o planejamento de uma aula seja um ato solitário do

professor, este é elaborado tendo como referência o espaço em que será realizada e

o público ao qual a aula se volta. Dessa forma, ao mesmo tempo que o professor cria

estratégias para sua prática, ele desenvolve táticas em relação às normas que lhe são

impostas pelo sistema educacional em vista dos meios que lhe são disponibilizados

pelo próprio sistema para tanto.

As táticas/estratégias criadas pelo professor têm como referência as táticas de

resistência dos estudantes à disciplina e aos conteúdos ministrados. Segundo Certeau

(1998, p. 41), a prática é constituída das “maneiras de fazer”, em que a correlação de

poder entre estratégias e táticas é ressignificada. Assim, podemos considerar que, ao

transitar entre estratégias e táticas do cotidiano escolar, o professor tem a sua prática

definida.

No referente à História como disciplina escolar, essa prática envolve o

desenvolvimento de estratégias que se manifestam na mediação entre saberes

históricos e propiciam incorporar de forma tática elementos da cultura histórica dos

estudantes para a transmissão do conteúdo. Tal compreensão apresenta forte relação

com a característica, detalhada anteriormente, de a didática da História operar na

mediação entre a cultura histórica e a cultura escolar (GABRIEL, 2015). Dessa

maneira, as ações didáticas desenvolvidas em nossa pesquisa podem ser

compreendidas à luz das táticas e estratégias que compõem o cotidiano escolar.

2.1 PENSAR O PLANO PEDAGÓGICO

Chamamos de plano pedagógico o planejamento realizado com o objetivo de

possibilitar ao estudante a compreensão de si como sujeito inserido dentro de um

contexto histórico, o entendimento da historicidade da vida e a produção do

conhecimento histórico. Para tanto, o plano abrange um conjunto de ações didáticas

implementadas com o propósito de operar conceitos básicos da História junto aos

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48

estudantes. Em algumas dessas ações, temos a solicitação do cumprimento de

atividades pelos estudantes, prevalecendo a dimensão dialógica e a troca de

conhecimentos. Essas ações voltam-se em sequência para um mesmo fim, mas

detêm finalidades específicas dentro desse processo. Tanto o plano pedagógico como

suas ações podem ser compreendidos na dimensão estratégica dentro de nossa

pesquisa.

Tendo isso em vista, a história local apresenta-se como meio ao qual voltamos

nosso olhar no propósito de operar tais conceitos. Também foi através do olhar à

história local que buscamos fontes com as quais trabalhamos. Esse conjunto de ações

finaliza-se com a produção das entrevistas que, juntamente com suas transcrições,

serviram de material inicial para a constituição de um acervo escolar de memória local

e irá compor o acervo da biblioteca do CEHG.

As razões que circundam o planejamento, para além da conclusão do objetivo

a partir do problema observado, envolvem as condições que fizeram considerar

possível sua efetivação. Um elemento fundamental a ser pensado são as condições

técnicas necessárias para que o desenvolvimento das ações didáticas. Por condições

técnicas nos referimos aos recursos materiais disponíveis e habilidades preexistentes

dos estudantes. Esses recursos englobam toda a gama de materiais utilizados dentro

do processo.

A cada ação didática foram necessários recursos específicos relacionados, em

sua maioria, ao trabalho com fontes para pesquisa. As fontes de natureza jornalística,

dados de levantamentos da prefeitura, relatos de memorialistas e fotografias são de

fácil reprodução. No entanto, pensar na realização de entrevistas implica meios não

necessariamente acessíveis a todos. Dessa forma, as filmagens foram propostas após

constatação da posse de celulares com câmera pela maioria dos estudantes. Por se

tratar de uma atividade em grupo, não se fez necessário que todos possuíssem o

aparelho. Para as exibições de entrevistas, foi fundamental a existência de projetores

e televisores no CEHG. Porém, a gravação das entrevistas e a confecção dos

cadernos com as transcrições foram custeadas pela pesquisa do professor, sob baixo

custo.

A disponibilidade de tempo também é um aspecto das condições técnicas que

deve ser levado em consideração. Por ser uma pesquisa voltada para uma

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interferência na maneira como os estudantes se relacionam com a história escolar e

na forma como concebem a História, foi crucial assimilar o maior número de

estudantes possível. A construção de um acervo de entrevistas igualmente torna a

participação de muitos estudantes necessária. Na impossibilidade de utilizar o

contraturno para a realização das atividades, foi preciso que elas ocorressem em

paralelo ao curso da disciplina. Contando com a duração de uma aula10 cada

atividade, elas foram realizadas em paralelo ao currículo mínimo obrigatório.

Totalizando oito aulas, estas foram distribuídas entre o segundo e o quarto bimestres

do ano letivo, como forma de possibilitar que o currículo mínimo pudesse ser

ministrado simultaneamente. A opção pela distribuição das ações didáticas ao longo

do ano teve o intuito de diferenciá-las de um conteúdo curricular como os demais.

Visamos, assim, trazer a compreensão de um processo de construção gradual e

refletido que transcende um assunto que muitas vezes se restringe apenas a um

bimestre11.

Nosso planejamento contou com ações-piloto realizadas com outras turmas do

CEHG no ano de 2018. Essas ações foram uma primeira experiência de realização

de entrevistas voltadas para a história local pelos estudantes. Já contando com uma

proposta de construção de um acervo escolar de memória, essa experiência foi

apresentada aos estudantes como parte integrante da pesquisa de mestrado do

professor e projeto escolar. A experiência-piloto de 2018 foi batizada pelos estudantes

de projeto Nossas Histórias – nome mantido para as ações didáticas do ano letivo de

2019.

Realizadas nos dois últimos bimestres de 2018, as atividades foram reduzidas

e bastante improvisadas. Ainda assim, foram importantes para repensar as etapas de

desenvolvimento do projeto para 2019. Foram realizadas um total de quatro

atividades, sendo as duas primeiras de caráter reflexivo sobre o passado da

localidade. Na terceira, foram transmitidas orientações sobre como proceder na

10 Referimo-nos aos dois tempos, de 50 minutos cada, que é estipulado pela SEEDUC-RJ como carga horária semanal para a disciplina História. 11 Por mais que oito aulas possam ser reservadas dentro de um bimestre, não consideramos ideal, pois todo o processo exige tempo para elaboração, investigação por parte do professor, contato dos estudantes com pessoas que possam lhes transmitir informações sobre o passado local, seleção de possível entrevistado pelos estudantes, realização e edição das entrevistas, assim como tempo para a incorporação pelo professor de possíveis temáticas surgidas entre uma ação didática e outra.

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realização das entrevistas, e, na quarta, as entrevistas foram exibidas para as turmas

participantes do Nossas Histórias de 2018.

Com essa experiência-piloto foi possível ter conhecimento de temáticas

históricas que envolvem as localidades em que os estudantes residem e são de

interesse de seus habitantes. Migrações de outros estados para a Baixada

Fluminense e zona norte do Rio de Janeiro, acesso a bens culturais, mudanças na

estrutura urbana e a presença da violência surgiram como temas que possibilitaram

pensar o conjunto dos tipos de fontes a serem utilizadas nas ações didáticas de 2019.

Também foi possível a realização de uma primeira leva de entrevistas, de forma mais

espontânea e improvisada, que foram utilizadas como fontes na continuidade do

projeto.

2.2 O PROPÓSITO DAS AÇÕES DIDÁTICAS

A partir dos apontamentos acima, elaboramos um conjunto de ações didáticas

com o intuito de alcançarmos o objetivo de possibilitar aos estudantes a compreensão

da historicidade da vida e a produção do conhecimento histórico. Refletiremos a seguir

sobre como as ações didáticas buscaram alcançar tais objetivos, a finalidade de cada

uma delas e sua organização sequencial dentro da proposta.

As ações didáticas foram executadas entre os meses de abril e outubro de 2019

e consistiram em atividades do projeto Nossas Histórias, realizado com estudantes de

primeiro ano do Ensino Médio do CEHG. Foram apresentadas aos estudantes como

um conjunto de atividades com o propósito de os preparar para a elaboração de

entrevistas a serem apresentadas na Semana de Cultura do colégio, ocorrida entre os

dias 21 e 25 de outubro de 2019.

Tais ações visaram agir no desenvolvimento da consciência histórica dos

estudantes, bem como da reflexão sobre esta, tendo como foco o passado local e as

relações que memórias pessoais e familiares estabelecem com a História. Essas

atividades também possuíram o intuito de capacitar os estudantes nos procedimentos

básicos para organizar uma entrevista como metodologia de história oral12 e, por

12 A história oral foi selecionada como metodologia em nossa pesquisa por possibilitar, segundo Magalhães e Santhiago (2015, p. 10), a autonomia do estudante, bem como um “aprendizado ativo, participativo e colaborativo”.

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consequência, estimulá-los ao exercício reflexivo da pesquisa e conhecimento em

História.

A aplicação das ações didáticas foi empreendida em duas etapas, com

finalidades distintas dentro de nossa pesquisa. A primeira, composta de quatro ações,

teve o intuito de operar conceitos básicos da História junto aos estudantes, levá-los à

reflexão acerca da história local através da análise de fontes e ao compartilhamento

de memórias. Tal etapa é central em nossa proposta de aproximar o estudante da

pesquisa histórica e possibilitar a compreensão da historicidade da vida. A segunda

etapa destacou a dimensão técnica de nossa proposta. Quer dizer, após proporcionar

ao estudante a reflexão sobre o passado local, temos, nessa etapa, a preparação para

a elaboração de entrevistas e o seu compartilhamento.

No presente capítulo, nos voltaremos para a primeira etapa das ações

didáticas, a finalidade específica de cada uma, os conceitos operados, as fontes

analisadas e sua aplicação. Aspectos da segunda etapa serão abordados no terceiro

capítulo, assim como o acervo de entrevistas produzido pelos estudantes e sua

divulgação para a comunidade escolar.

As ações didáticas que abordaremos neste momento apresentam aspectos

comuns no que tange ao seu desenvolvimento. Todas partem da análise e

interpretação de fontes vinculadas ao passado local como forma de operar, junto aos

estudantes, os conceitos históricos considerados aqui fundamentais: tempo histórico,

continuidade, ruptura, mudança e permanência. Não se trata, no entanto, apenas da

apresentação de fontes aos estudantes e sua explicação pelo professor. A isso

unimos uma intenção dialógica, através da qual os estudantes, ao serem levados a

falar sobre suas interpretações das fontes apresentadas, trazem seus conhecimentos

acerca da história local para a sala de aula. Dessa forma, nossas ações didáticas

fundamentam-se na troca de saberes entre estudantes e professor, em que a cultura

histórica daqueles e a memória local são levadas ao diálogo com as fontes locais. Por

meio desse diálogo, intencionamos produzir conjuntamente um conhecimento

histórico de interesse local, bem como agir no desenvolvimento da consciência

histórica dos estudantes.

A utilização de fontes nas ações didáticas foi fundamental para trazer aos

estudantes a distinção entre conhecimento histórico produzido mediante métodos

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científicos e o senso comum acerca do passado. Ao serem interpretadas em grupo e

com a mediação do professor, foi possível transmitir a eles o entendimento de que

uma fonte não apresenta a História em si, mas que está sujeita aos indícios do

passado que se apresentam através das perguntas que fazemos ao interpretá-la.

Trabalhar a análise de fontes em grupo também permitiu levar ao entendimento de

múltiplas questões que podem ser observadas e diversos olhares que podem ser

direcionados a uma mesma fonte.

Os conhecimentos dos estudantes acerca do passado local são fundamentais

para o desenvolvimento das ações didáticas. Ao trabalharmos com fontes que se

voltam para a história de uma localidade junto aos seus integrantes, estes irão buscar

estabelecer relações entre o que as fontes apresentam e a memória que mantêm

sobre o passado. No caso, os estudantes em contato com essas fontes relacionaram-

nas com o que entendiam por história das localidades, acionando experiências

vivenciadas e relatos ouvidos de familiares.

No entanto, trabalhar com fontes nas ações didáticas não consiste em

corroborar o que os estudantes concebem como história local. Ao contrário, visamos

colocar em dúvida questões que surgiram no ano de 2018, dotadas de forte senso

comum. Com isso, na busca de vínculos e indícios entre as fontes e a memória local,

nos aproximamos da analogia que Ginzburg (1989), ao definir o paradigma indiciário,

faz com a expressão árabe firasa, entendida como “capacidade de passar

imediatamente do conhecido para o desconhecido, na base dos indícios”

(GINZBURG, 1989, p. 179). Dessa forma, o trabalho com fontes, mesmo

considerando essencial o diálogo com a memória local, buscou não apenas produzir

identificações, mas também estranhamento em relação ao que era preconcebido

como história das localidades trabalhadas.

O diálogo entre fontes históricas e memória local também se fez como

imprescindível para que fosse possível operar conceitos fundamentais à compreensão

do conhecimento histórico. Para tanto, buscamos um efeito comparativo entre

passado e presente. Tal comparação foi efetuada através da observação de

elementos e temáticas que foram evocados pelas memórias compartilhadas e trazidos

pelas fontes históricas. As temáticas trabalhadas são diversas e voltam-se para

aspectos cotidianos da vida urbana, como acesso a meios culturais, estrutura pública,

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deslocamento, habitação, violência e migrações. Essas temáticas, ao serem

abordadas na comparação entre passado e presente, possibilitaram a operação dos

conceitos de continuidade, ruptura, mudança e permanência. Recorrendo a esses

conceitos, foi possível levar os estudantes à compreensão do tempo histórico como

tempo qualitativo, que transcende a divisão cronológica.

A partir do trabalho com temáticas da história local através de conceitos

fundamentais para a compreensão histórica, conseguimos refletir sobre as

particularidades que envolvem a história das localidades onde os estudantes residem

e contextualizar essa história dentro de uma perspectiva para além das próprias

localidades. Com isso, nossas ações didáticas voltaram-se à história local em

consonância com a observação de Reznik (2010) de que não se trata de uma história

em oposição nem subordinação à história nacional. Tratamos de reforçar o

entendimento de que o local, apesar de particularidades que não necessariamente

teriam relevância para além dele, não se encontra desvinculado de eventos e forças

que atuam fora da localidade e em outras escalas. Isso possibilitou levar aos

estudantes uma aproximação entre as localidades que residem e processos históricos

para que transcendam tais localidades, colaborando para a historicização da vida.

Com base na reflexão tecida sobre os propósitos e funcionamentos de nossas

ações didáticas, podemos mais uma vez estabelecer vínculo com a definição de

didática da História proposta por Gabriel (2015). Ao realizarmos ações didáticas que

visam trazer conhecimentos dos estudantes sobre o passado local para a construção

de um novo conhecimento histórico em sala de aula, estamos agindo em consonância

com a ideia da autora de didatizarmos a cultura histórica dos estudantes no contexto

da cultura escolar.

Também podemos no momento reforçar a relação que nossas ações didáticas

mantêm com os conceitos de tática e estratégia abordados através de Certeau (1998).

Por entendermos que a prática docente transita entre estratégias e táticas impostas

pelo cotidiano escolar, o planejamento de nossas ações didáticas é parte da dimensão

estratégica de nossa prática. Todavia, a necessidade de conciliarmos nossa pesquisa

com a rigidez dos horários escolares e a aplicação do currículo escolar obrigatório nos

coloca em uma relação tática ao cotidiano escolar. Por nossas ações didáticas agirem

na mediação da memória e cultura histórica dos estudantes através da interpretação

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de fontes relacionadas à história local, podemos considerá-las uma estratégia que

busca se desenvolver por meio de questões trazidas por eles que fogem à

possibilidade de serem planejadas, táticas.

Por último, precisamos refletir sobre a relação que nossas ações didáticas

mantêm com o que Penna (2013) define como operação historiográfica escolar.

Entendida como fruto de uma transposição didática externa (na qual são produzidos

os materiais didáticos disponíveis) e uma transposição didática interna (realizada pelo

professor ao criar uma versão local dos conhecimentos a serem transmitidos), trata-

se de duas operações distintas. No entanto, nossas ações didáticas não ocupam um

lugar claro dentro de nenhuma dessas operações. Por fugirem ao currículo escolar,

elas não trazem uma operação de transposição didática externa de um conhecimento

a ser transposto internamente aos estudantes.

Contudo, podemos considerar que nossas ações didáticas, apesar de não

comportarem a transposição de um conteúdo preestabelecido, são entendidas como

operação historiográfica escolar por haver uma transposição didática interna. Essa

transposição interna é tratada aqui como a mediação de conhecimentos da cultura

histórica do estudante e da memória local através dos quais o entendimento sobre a

historicidade da vida é didatizado.

2.3 A PRIMEIRA ETAPA DAS AÇÕES DIDÁTICAS

Após as reflexões realizadas sobre as questões que envolvem a metodologia

de nossas ações didáticas, iremos nos voltar para as especificidades de cada uma

das ações que serão abordadas neste momento. Nas quatro ações didáticas a seguir,

apresentaremos as suas finalidades, as fontes utilizadas, o procedimento planejado,

os conceitos possíveis de serem operados e a recepção das ações pelas turmas

envolvidas no projeto.

Tal etapa da pesquisa também consiste na primeira etapa do projeto Nossas

Histórias, em 2019. Aos estudantes, as ações didáticas foram apresentadas como um

conjunto de atividades integrantes do projeto, que seriam desenvolvidas como

preparação para a realização das entrevistas. Após a elaboração destas e sua

apresentação para a turma, participaríamos da Semana de Cultura do CEHG com a

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exibição das entrevistas para as demais turmas, funcionários e professores. Por ser

um processo longo, ficou acordado com os estudantes que a participação nas

atividades seria pontuada bimestralmente. Nas atividades que antecederam as

entrevistas, devido a sua natureza de debate e reflexão coletiva, seria avaliada a turma

como um todo. Já nas entrevistas realizadas, a avaliação seria de cada grupo13. Os

estudantes também estavam cientes que o projeto Nossas Histórias era parte

integrante da pesquisa de mestrado em desenvolvimento pelo professor e das razões

que motivaram trabalhar junto a eles.

Para vias de diferenciação, ao falarmos em atividades, estaremos nos referindo

aos exercícios solicitados aos estudantes dentro de nossas ações didáticas.

2.3.1 Variação de escala: reconhecimento e estranhamento

Nossa primeira ação didática ocorreu nos dias 4 e 5 de abril de 201914. Foram

utilizados como fontes a serem analisadas dados do censo demográfico do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados levantados a partir dos cadastros

de matrícula15 dos estudantes e sondagens realizadas durante a aplicação da ação

com as turmas. Apesar de as fontes trabalhadas não tocarem diretamente em

questões históricas, processos e temáticas puderam ser observados a partir das

reações dos estudantes às informações apresentadas.

Essa ação didática teve como intuito averiguar o entendimento dos estudantes

sobre a realidade em que se inserem e, ao mesmo tempo, produzir um estranhamento

sobre essa mesma realidade. O principal efeito positivo que podemos tirar dessa

atividade é a visualização de si dentro de diversas escalas de análise e a promoção

um debate acerca das possibilidades de interpretação que os dados estatísticos

apresentados podem suscitar. Dessa forma, por meio da análise de dados

13 Mesmo não considerando uma forma ideal de envolver os estudantes no projeto, a pontuação oferecida serviu como forma de estimular o envolvimento nas atividades e reconhecimento pelo trabalho exercido. 14 Os dois dias devem-se ao fato de as turmas participantes da pesquisa terem as aulas de História em dias diferentes (1001 e 1002 na quinta-feira e 1003 na sexta-feira). Não se trata, então, de uma atividade realizada em dois dias com cada turma. 15 Os dados trabalhados foram devidamente autorizados pela direção escolar e não abordavam de forma individual estudantes nem seus responsáveis, assim como foram omitidas quaisquer informações que pudessem interferir na sua privacidade.

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estatísticos, pretendeu-se inserir a sala de aula dentro de um contexto maior,

ressaltando suas semelhanças e especificidades.

Essa primeira ação foi dividida em duas partes dentro de uma mesma aula. Na

primeira parte, realizamos a análise de totalidade de população, diferença quantitativa

entre homens e mulheres, e autodeclaração racial através de uma variação de escala.

Essa variação comportou as esferas nacional, estadual, municipal16, o CEHG17 e a

turma em que a ação se desenvolvia. Na segunda parte, voltamo-nos para a análise

de dados referentes aos municípios de nascimento e dos bairros de residência dos

estudantes do CEHG. Esses dados foram extraídos do registro de matrícula anual.

Nessa parte, já temos a possibilidade de operarmos conceitos básicos para a

compreensão histórica através da interpretação dos dados realizada pelos

estudantes.

Iniciamos a primeira parte da ação didática com o gradual preenchimento no

quadro de uma tabela dos dados a serem trabalhados. Foram dispostas cinco colunas

representando cada uma um recorte geográfico, cortadas por linhas referentes à

totalidade populacional, quantitativo de mulheres e homens, e declaração de cor ou

raça. A atividade consistiu basicamente em indagar aos estudantes sobre como

concebiam os quantitativos a serem preenchidos e, a partir da comparação entre o

palpite dos estudantes e o preenchimento da tabela, estabelecer reflexões. Dessa

forma, trabalhamos baseados na composição da seguinte tabela18:

16 Apesar de a ideia de local a ser trabalhada com os estudantes não se resumir aos limites do município de São João de Meriti, nessa ação didática ele foi incorporado como forma de proporcionar a variação de escala necessária à comparação dos dados analisados. 17 Essa ação didática foi inspirada em uma das realizadas na experiência-piloto de 2018. Naquele ano, não foi realizada a comparação dos dados da matrícula escolar com os dados do recenseamento do IBGE. Os dados das matrículas foram inseridos apenas em 2019. 18 Os dados do IBGE são referentes ao censo demográfico de 2010, e os dados da matrícula são do ano de 2019. A coluna referente à turma foi preenchida durante a atividade, com base nos alunos presentes.

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Tabela 1 – Cruzamento de dados do IBGE com a matrícula escolar

Fonte: Compilação do autor a partir do cruzamento de dados do IBGE e da matrícula escolar.

Ao preenchimento do primeiro item da tabela, o total populacional do Brasil, foi

possível perceber que os estudantes não tinham conhecimento ou estimativas

aproximadas sobre os quantitativos. Predominaram palpites de quantias

extremamente reduzidas para a população brasileira, em torno de poucas centenas

de milhares19. Excetuando-se a turma, essa visão reduzida, no que tange às

totalidades populacionais trabalhadas, fez-se presente nos recortes estadual,

municipal e no próprio CEHG. O preenchimento da primeira linha da tabela levou os

estudantes ao estranhamento acerca da dimensão populacional de lugares de

pertencimento, como o país e a escola.

O campo seguinte, referente ao número de pessoas do sexo feminino e

masculino proporcionou um primeiro exercício de interpretação de fontes. A partir da

observação da existência de mais pessoas do sexo feminino em todos os recortes, os

estudantes levantaram hipóteses sobre as possíveis razões que envolvem a questão.

Também foi possível observarmos uma primeira particularidade que envolve o público

19 Alguns poucos estudantes souberam afirmar uma quantia aproximada. Também houve alguns que sugeriram números superiores a bilhões. A maioria afirmou nunca ter tido contato com dados referentes aos quantitativos populacionais ou ter conhecimento sobre o censo demográfico do IBGE, o que foi explicado.

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escolar do CEHG, que conta com uma proporção de 2/3 de pessoas do sexo feminino

para 1/3 do sexo masculino20.

Dentre as hipóteses apresentadas pelos estudantes para a desproporção de

gêneros no colégio, a que assumiu mais força foi a do envolvimento dos homens com

a criminalidade. Segundo eles, os homens abandonariam a escola para ingressarem

no tráfico de drogas e outros crimes e morreriam mais cedo em decorrência disso. Foi

importante ressaltar que, com base nessa lógica, apenas do CEHG teriam saído cerca

de 250 potenciais criminosos, sem considerar demais colégios e o restante do país.

Segundo essa projeção, nos levaria à um número irreal se levada em conta toda

população. As reflexões prosseguiram e foram apresentadas outras hipóteses, como

um maior cuidado com a saúde entre as mulheres, o que poderiam interferir em uma

menor expectativa de vida para homens. No referente ao CEHG, os estudantes

elaboraram a hipótese de que mais mulheres seriam atraídas para o colégio devido

ao fato de ele apresentar a opção de formação técnica em enfermagem, vista como

uma profissão mais feminina.

Através das reflexões desse item, foi possível levar os estudantes ao

entendimento da complexidade da interpretação de uma fonte e a multiplicidade de

fatores que podem estar envolvidos em uma mesma questão. O tema da violência,

abordado pela primeira vez nesse momento, será retomado nas ações didáticas

seguintes.

O campo referente à cor ou raça gerou uma série de dúvidas e

questionamentos dos estudantes. Inicialmente, eles manifestaram estranhamento,

pois acreditavam que a população negra era maior do que a apresentada na tabela.

Alguns consideraram preconceituosa a definição “preto”, nos dados do IBGE,

afirmando que o correto seria “negro”. Por sua vez, apontou-se que é utilizado “negro”

nos dados da matrícula. Foi explicado que o IBGE considera como população negra

a soma dos que se declaram pretos e pardos, o que, nos dados da matrícula,

englobaria negros e pardos.

Para o preenchimento do item referente à cor ou raça da turma, foi explicado

que o IBGE trabalha através da autodeclaração. A preocupação imediata dos

20 No ano letivo de 2018, uma das turmas contava com um estudante transgênero. Os estudantes questionaram como pessoas transgênero são registradas no censo demográfico, ao que destaquei que é considerada a autodeclaração do morador do domicílio computado.

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estudantes foi com a possibilidade de os dados serem fraudados através da mentira.

Foi necessário explicar que dessa forma é possível o sujeito se definir através de sua

identificação, sem uma imposição que poderia ser preconceituosa. Realizamos, então,

o levantamento dos estudantes mediante a declaração de cada um para o

preenchimento da coluna referente à turma. Foi possível observar que muitos tiveram

dificuldade em saber como se definir, pedindo inclusive a opinião dos colegas. Isso

possibilitou que os estudantes pensassem suas identificações e as comparassem

dentro de outras escalas. Ao compararmos os dados referentes à cor ou raça, foi

possível verificar mais uma particularidade dos estudantes do CEHG21. Tanto o

colégio como o município de São João de Meriti apresentam maior percentual de

população negra em relação às esferas estadual e nacional.

Os dados trabalhados nessa primeira parte da ação didática possibilitaram aos

estudantes reconstruir um conhecimento sobre a localidade em que se inserem e suas

particularidades dentro de outras escalas de abrangência, assim como um

entendimento inicial de si dentro de um contexto maior. Essa parte também assume

importância ao demonstrar a complexidade que envolve a interpretação de fontes.

Para a segunda parte da ação didática, utilizamos dados sobre municípios de

nascimento e bairros de residência dos estudantes, extraídos da matrícula escolar.

Esses dados foram apresentados no quadro aos estudantes, junto de sua proporção

percentual. Nessa parte, não tivemos o intuito de averiguar se os estudantes tinham

conhecimento sobre os números e percentuais apresentados, mas sim direcionar o

debate já iniciado para a operação de conceitos básicos e a abordagem de novas

temáticas pertinentes às localidades em que vivem.

Iniciamos listando o quantitativo de estudantes nascidos em cada município e

o percentual referente, tal como no gráfico a seguir:

21 Foram desconsiderados os não declarados, mantendo a proporção. A ausência de declaração foi relacionada a uma possível dificuldade de definição no ato da matrícula, tal como eles tiveram ao realizarem em sala de aula.

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Gráfico 1 – Municípios de nascimento dos estudantes do CEHG

Fonte: Compilação do autor a partir de dados da matrícula escolar.

O motivo de nos utilizarmos desses dados decorre dos relatos dos estudantes

na experiência-piloto de 2018, que afirmavam que seus familiares haviam migrado de

outros estados para o Rio de Janeiro. No entanto, a maioria dos estudantes era natural

desse estado. Ao serem apresentados às turmas de 2019, os dados relativos aos

locais de nascimento22 não levantaram grandes questionamentos ou maiores

curiosidades por parte dos estudantes. Perguntados se haviam nascido em outros

estados, apenas três estudantes, entre as três turmas, responderam que sim23.

Contudo, ao serem perguntados quem tinha mãe, pai, avôs ou avós nascidos em

outros estados, mais da metade dos estudantes levantou as mãos24.

Identificar a existência de um movimento migratório que se fazia presente com

intensidade nas gerações anteriores aos estudantes e que agora não acontece da

22 Em Baixada (outros), incluem-se Duque de Caxias, Japeri, Mesquita, Paracambi e Queimados. Em Outros do Estado do RJ, estão incluídos Angra dos Reis, Cabo Frio, Macaé, Maricá, Niterói, São Gonçalo, Três Rios e Vassouras. Outros Estados incluem Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo. 23 Na turma 1001, nenhum estudante manifestou ter nascido em outro estado. Na turma 1002, duas estudantes alegaram ter nascido uma no Espírito Santo e outra na Bahia. Na turma 1003, uma informou ter nascido na Bahia. 24 Foi possível observar grande surpresa por parte dos estudantes da turma 1001 ao perceberem que, apesar de todos serem naturais do Rio de Janeiro, grande parte tinha familiares vindos de outros estados. Por se tratar da turma mais agitada entre as três, surpreendeu o silêncio que se seguiu à situação.

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mesma forma foi o primeiro meio que nos possibilitou trabalhar alguns dos conceitos

básicos propostos. Não foi possível ao momento identificar as origens nem a extensão

temporal que caracterizariam a continuidade desse intenso fluxo migratório. Porém,

ao menos podemos observar que, em algum momento, entre a geração dos

estudantes e a de seus familiares, a razão da intensidade desse fluxo migratório sofreu

uma ruptura. Igualmente, possibilita pensarmos o tempo histórico de forma qualitativa,

através da identificação de um tempo em que essas migrações ocorriam.

Por último, foram apresentados os dados referentes aos bairros de residência

dos estudantes com a finalidade de compreender outras de suas particularidades,

assim como aprofundar a ideia de local abordada em nosso projeto. Trata-se do

entendimento do colégio como local onde diversos outros locais se encontram,

inclusive alguns consideravelmente distantes, tal como no gráfico a seguir:

Gráfico 2 – Bairros de residência dos estudantes do CEHG

Fonte: Compilação do autor a partir de dados da matrícula escolar de 2019.

Mesmo com predominância dos arredores do colégio, os 11% referentes a

Outros Bairros incorporam localidades consideravelmente distantes, o que levou os

estudantes a especularem as possíveis causas dessa questão.

Eles apontaram a inexistência do Chapadão, complexo de favelas da região,

nos dados apresentados. Por não se tratar de um bairro específico, apesar de

incorporar partes de diversos bairros, o Chapadão não foi incluído nos dados. No

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62

entanto, essa questão observada pelos estudantes nos trouxe um novo provável tema

para as entrevistas a serem realizadas no projeto: a história do Chapadão.

Como podemos perceber, essa primeira ação didática, para além da proposta

de levar os estudantes ao estranhamento da realidade vivida a partir da interpretação

de fontes e identificação de processos históricos para a operação de conceitos

básicos, proporcionou também identificar questões de interesse deles. Alicerçados

nessa primeira ação didática, acreditamos que os estudantes estavam munidos de

conhecimentos necessários para se aprofundarem na investigação histórica das

localidades.

2.3.2 A História Local em fontes variadas

A segunda ação didática desenvolvida junto aos estudantes foi realizada

durante os dias 6 e 7 de junho de 201925 e voltou-se de forma mais aprofundada para

a investigação da história local. Em tal ação, os conceitos básicos selecionados, como

parâmetros da pesquisa, foram operados através das diversas temáticas que puderam

ser observadas por meio do variado conjunto de fontes selecionadas26. Essas fontes

eram compostas de fotografias, notícias de jornal, relatos de memória e dados

referentes aos serviços públicos, população e bens culturais do município de São João

de Meriti. Esse conjunto de fontes foi disponibilizado para análise dos estudantes com

o intuito de demonstrar os múltiplos meios através dos quais o passado pode ser

investigado.

Essa ação didática foi idealizada a partir da observação de falas que se fizeram

presentes na experiência-piloto de 2018. Tais falas abordavam o passado como um

tempo muito melhor que o presente, no que se refere à segurança. Esse

posicionamento foi ilustrado em falas como: “antigamente não tinha o perigo de

agora”, “não existia violência” ou “naquela época não tinha essa bandidagem”.

Contrariamente, o passado também era caracterizado como um período pior que o

presente no que compete à existência de estruturas públicas, lazer e acesso a bens

25 Por problemas de segurança pública que acarretaram o fechamento do colégio por algumas vezes durante o mês de maio, as ações didáticas tiveram de ser adiadas, causando assim um longo intervalo entre a primeira e a segunda. 26 Ver Anexo 1.

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culturais como se notou em falas nesse tom: “Antigamente não tinha nada pra fazer”,

“Ninguém tinha celular e computador” ou “Aqui não tinha nada, era só mato”.

Com base nessa observação, as fontes utilizadas foram selecionadas de forma

a colocar em dúvida interpretações simplistas acerca do passado. Dessa maneira,

pretendemos demonstrar aos estudantes que, através de indícios observados por

meio da análise de fontes históricas, podemos construir interpretações e

conhecimentos mais elaborados, evitando cairmos em reducionismos como “bom” ou

“ruim” ao caracterizarmos o passado. Detalharemos a seguir essas fontes para depois

nos voltarmos à aplicação da ação didática.

Entre as fontes, utilizamos dados do município de São João de Meriti nos anos

de 1950 e 1972, referentes à população, quantidade de cinemas, hotéis, telefones,

automóveis, escolas, hospitais, academias e estabelecimentos de ensino de artes27.

Apesar de nem todos os dados listados estarem presentes nos dois períodos, esse

material foi importante ao possibilitar aos estudantes a comparação entre duas épocas

distintas de um mesmo lugar.

Os relatos foram organizados de forma a se assemelharem a um jornal antigo,

sob o título Guaraná com Rolha28. Cada um dos dois exemplares elaborados

apresentavam uma manchete tema do jornal, sendo um Casos de assombrações e

mistérios intrigam São João de Meriti, e o outro Tragédias e casos de polícia que

marcaram a cidade. Ao preparar um material que se assemelhasse a um jornal,

tivemos intenção de simular a experiência de ler um jornal impresso, o que não é mais

um hábito. Por carecerem de referências e se parecerem com causos, foram

considerados registros de memória e não fontes jornalísticas.

27 As informações referentes ao ano de 1950 foram retiradas do livro Memória Histórica de São João de Meriti, de Arlindo de Medeiros, publicação de 1958, com apoio da prefeitura. Vale observar que a forma como Arlindo de Medeiros constrói a história do município, desde o período colonial até o momento em que escreve, é carregada de ufanismo e valorização de momentos e personagens considerados ilustres. Trata-se claramente de uma forma tradicional de se escrever uma história local. No entanto, podemos notar uma preocupação com pesquisa em arquivos e com os dados disponibilizados pelo censo do IBGE de 1950. Já as informações referentes ao ano de 1972 foram extraídas do Levantamento sócio-econômico e diagnóstico, realizado pelo Conselho Municipal de Planejamento da prefeitura no ano de 1972. 28 O conteúdo dos jornais foi extraído do livro Reportagens Fluminenses, novamente de Arlindo de Medeiros (1959). O livro narra eventos ocorridos na Baixada Fluminense, principalmente em São João de Meriti. No entanto, carece de fontes e referências dos relatos. Outro problema nessa publicação foi a linguagem, muito rebuscada e de difícil compreensão para os mais jovens, sendo necessário adaptar para se tornar mais inteligível aos estudantes, bem como eliminar expressões preconceituosas.

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Também compunha o material uma notícia jornalística sobre o tombamento de

um terreiro de candomblé, no bairro de Coelho da Rocha, pelo Instituto Estadual do

Patrimônio Cultural (INEPAC). Tal notícia propiciou debater sobre patrimônio histórico

e cultural e trazer para o trabalho a cultura afro-brasileira29. A notícia do tombamento

do terreiro também possibilitou confrontar a mentalidade supersticiosa em relação às

religiões afro-brasileiras que pôde ser observada em uma das notícias do Guaraná

com Rolha.

O material fotográfico apresenta origem diversa, sendo a maioria extraída do

livro Baixada Fluminense: memória fotográfica (NOGUEIRA, 2008)30. Outras imagens

foram encontradas no site da prefeitura de São João de Meriti31, da Paróquia de São

João Batista32 e no banco de imagens da Agência O Globo33. Para tornar as

fotografias acessíveis aos estudantes, elas foram impressas em papel fotográfico.

Cada uma delas contava no seu verso com explicações sobre o lugar e o ano em que

haviam sido feitas, como era costume fazer com as fotografias mais antigas. Com

isso, pretendíamos simular uma relação com o ato de ver fotografias diferente das que

os estudantes estão habituados, que é através de smartphones34.

Utilizar fotografias em nossa ação didática implica também uma atividade de

leitura desse material conjuntamente com os estudantes, de forma que os possibilite

“reconhecer numa fotografia não a realidade em si mesma, mas sua (re)apresentação”

(MAUAD, 2009, p. 251). Desse modo, busca-se problematizar com os estudantes o

caráter meramente ilustrativo ou informativo da imagem para o ensino de História, por

entender que, como fonte, a imagem não fala por si.

O conjunto de fontes selecionadas dialogava entre si e com alguns pontos

debatidos na ação didática anterior. Através dessas fontes, era possível levar os

estudantes a perceber diversos aspectos da vida local em outras épocas, como

acesso aos bens culturais, transporte público, mudanças na paisagem urbana,

29 Fundado na Pedra do Sal, em 1886, foi transferido para Coelho da Rocha em 1940. Conforme o tombamento, esse terreiro é uma das instituições mais antigas da cidade ainda em funcionamento. 30 As imagens do livro utilizadas pertencem ao acervo do Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense (IPAHB) e ao acervo do organizador Marcus Monteiro. 31 Disponível em: https://meriti.rj.gov.br/semtracite1/a-cidade/. Acesso em: 11 fev. 2020. 32 Disponível em: https://matrizdesaojoao.com.br. Acesso em: 11 fev. 2020. 33 Disponível em: http://banco.agenciaoglobo.com.br. Acesso em: 11 fev. 2020. 34 Imprimir as fotografias com impressora ou apenas as projetar seria mais barato, mas o material provavelmente se desgastaria rapidamente com o uso de uma turma para outra e perderíamos a experiência do ato de manusear fotografias.

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violência, superstições e preconceitos. Alguns desses aspectos podiam ser

observados em mais de um tipo de fonte, favorecendo que os estudantes fizessem

associações a partir de indícios observados.

Como atividade, foi solicitado que a turma se organizasse em grupos e estes

debatessem o material recebido. Como não havia fotografias em quantidade

suficiente, elas foram distribuídas de forma a serem trocadas entre os grupos. Foi

transmitida aos estudantes a orientação de se aterem aos diversos elementos

presentes nas fotografias, como vestuário, arquitetura, paisagem, ações e a

identificação de lugares conhecidos. Por considerarmos que a interpretação das

fontes não deve ser delegada apenas aos estudantes (CAIMI, 2008), após analisarem

o material com seus grupos, iniciamos um debate com toda a turma sobre os

conteúdos das fontes que mais os haviam despertado a atenção.

Durante a atividade, os estudantes apontaram para o quantitativo populacional

de São João de Meriti nas fontes. Enquanto em 1950 havia o número arredondado de

60 mil habitantes, em 1972 esse número era de 303.108 habitantes. Trata-se de um

crescimento populacional pouco provável por causas naturais para um intervalo

temporal curto. Questionados sobre as razões de a população se multiplicar cinco

vezes em 22 anos, alguns sugeriram uma possível chegada de pessoas vindas de

outros lugares35, o que permitiu relacionarmos com a questão da migração, surgida

na ação didática anterior. Alguns estudantes relataram que os familiares haviam

migrado após o ano de 1972 e que, em muitos casos, o pai ou o avô havia chegado

antes dos demais parentes36.

Isso possibilitou identificarmos um processo histórico, caracterizado por intenso

fluxo migratório entre o período de 1950 a 1972, que se estendeu para além deste,

mas que hoje não se apresenta mais da mesma forma. Detectar esse processo nos

permitiu pensar o tempo histórico das localidades em que os estudantes se inserem a

partir de um “tempo da migração”, que em algum momento sofreu uma ruptura e no

qual os estudantes não estão inseridos.

35 Alguns sugeriram um crescimento natural, mas, após serem lembrados que, de acordo com o censo de 2010, a população do município era de cerca de 458 mil habitantes, a hipóteses foi descartada. 36 Outro dado presente no material que proporcionou relacionarmos a migração de outras regiões como provável causa do crescimento populacional de São João de Meriti entre 1950 e 1972 foi o que tange à quantidade de hotéis. Com um aumento de um para quinze, foi possível perceber um provável crescimento na demanda de lugares para estadia temporária no período.

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O tema das migrações assume importância para demonstrarmos que a escala

local não se encontra isolada nela mesma, mas que estabelece relações para além

de seu território. Dessa forma, demonstramos que a História local não é composta

apenas de fatos de relevância para uma localidade, mas também de processos que a

conectam a outras.

Identificar as migrações ainda proporcionou demonstrar a relação que a vida

dos estudantes tem com a História. O tema surge como importante ferramenta para

auxiliar na compreensão da historicidade da vida, assim como perceber um elemento

comum a grande parte dos membros daquelas localidades. Ao levarmos os

estudantes a compreender a aproximação entre a História e a vida pessoal através de

um determinado processo histórico, estamos sinalizando para um possível aspecto

identitário a ser pensado. Por boa parte das entrevistas realizadas tanto em 2018

quanto em 2019 terem se voltado para a temática das migrações, podemos considerar

esse tema como muito significativo para o entendimento da identidade local.

A seguir, nos voltaremos para um conjunto de elementos que podem ser

observados nas fontes disponibilizadas aos estudantes e que convergem para as

mesmas finalidades. Por meio das paisagens das fotografias, dos cinemas, estações

de trens, relatos supersticiosos e de banditismo, foi possível operar conceitos de

mudança, permanência e continuidade junto aos estudantes. Essa variedade de

elementos também proporcionou trabalharmos a motivação dessa ação didática, que

foi levar os estudantes a problematizar reducionismos como “bom” ou “ruim” ao se

referirem ao passado.

Presente entre as fotografias e nos dados sobre São João de Meriti em 1950 e

1972, os cinemas foram um dos elementos que mais chamaram a atenção dos

estudantes e melhor auxiliaram na proposta. Ao constatarem o decréscimo do número

de cinemas – quinze em 1950, oito em 1972, e seis salas atualmente37 –, os alunos

puderam perceber a mudança referente ao acesso a bens culturais e entretenimentos.

Ao observarem a localização de alguns dos cinemas nas fotos e a partir de

comentários de colegas38, eles constataram que os antigos cinemas eram mais

37 Averiguando posteriormente, o dado para 2019 foi retificado com os estudantes para sete cinemas, após ser localizada uma sala no SESC, localizado no centro de São João de Meriti. 38 Um estudante comentou ter ouvido da avó que, na praça de São Mateus, existia um cinema onde hoje é uma loja de ferragens. Não podemos confirmar, mas é provável que existisse, devido à importância da praça na vida local, que contava também com igreja e estação de trem.

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próximos de suas residências que os atuais39. Isso não só permite operar o conceito

de mudança em História como questionar o passado como ruim porque “não tinha

nada pra fazer”.

As estações de trens foram um importante elemento de reconhecimento e

compreensão da vida cotidiana no passado. Em uma fotografia, datada de 1928, os

estudantes identificaram o prédio da estação de Nilópolis, ainda preservado e em

funcionamento. Todos os elementos presentes na foto da estação, como trens, ônibus

e as pessoas circulando, são reconhecíveis apesar de esteticamente diferentes. No

entanto, ao serem alertados para a presença exclusiva de homens nessa fotografia,

foi possível levar os estudantes à reflexão de mais um aspecto de mudança, que foi,

em um dado momento, a inserção da mulher no mercado de trabalho e em espaços

da vida pública.

Outra fotografia retratando uma estação de trem possibilitou também pensar

sobre mudanças e questionar o presente como mais bem estruturado no acesso a

bens públicos que o passado:

39 Os cinemas mais próximos das regiões onde os estudantes do CEHG costumam morar são os do Shopping Grande Rio (próximo à Rodovia Presidente Dutra), Shopping Jardim Guadalupe (na Avenida Brasil), Via Shopping (também na Avenida Brasil) e Shopping Nova Iguaçu (próximo à Via Light). Todos esses dependem de ônibus ou carro para acessar, sendo que, dependendo de onde se dirija, há a necessidade de mais de uma condução, como relatado.

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Fotografia 1 – Estação de São Mateus nos anos 1990

Fonte: Site Estações Ferroviárias40.

A fotografia da estação de São Mateus chamou a atenção dos estudantes pelo

fato de nunca a terem visto em funcionamento41. Permitiu entender que a oferta de

serviços públicos não consiste em constantes melhorias, podendo haver perdas para

populações de algumas localidades, como no caso do bairro de São Mateus e demais

bairros afetados pela interrupção do funcionamento da linha férrea.

No referente aos relatos presentes nos dois exemplares de Guaraná com

Rolha, violência e preconceito são os dois temas que iremos abordar através desse

material como forma de demonstrar a operação de conceitos e o rompimento com

preconcepções simplistas.

A questão da violência, como já observado, é comumente entendida pelos

estudantes como um fenômeno muito recente. O relato sobre A morte do palhaço foi

inserido no material para demonstrar que, há quase cem anos, em 1923, também

ocorriam brigas e mortes por motivos fúteis que podiam vitimar um inocente. Com

igual motivação, foi inserido no material dois relatos sobre conflitos entre criminosos,

que, segundo os textos, eram em grande número, e policiais. Esses textos nos

40 Disponível em: https://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_auxiliar/saomateus.htm. Acesso em: 18 fev. 2020. 41 A linha a que a estação pertencia teve suas atividades encerradas no início dos anos 1990 e, desde então, serve de moradia improvisada.

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possibilitaram operar a ideia de continuidade a partir da violência, ao quebrarmos a

ideia de um passado idealizado quanto à segurança.

No entanto, ao perceber que os estudantes associaram a figura do criminoso

dos relatos à do traficante42 atual, foi importante intervir. Os relatos não comentam

sobre que tipos de crimes eram praticados, mas, se levarmos em conta que são

anteriores a 1959, o tráfico de drogas como conhecemos não era presente. Os

estudantes disseram que, segundo familiares, o tráfico de drogas existia há muito

tempo, mas de forma distinta, mais escondido e com menos presença da figura do

traficante armado. Também trouxeram os arredores do colégio como exemplo, por

narrarem ter presenciado nos últimos anos um movimento de pessoas armadas

durante a noite que não era observado anteriormente43. Dessa forma, foi possível

trabalhar a ideia da violência como uma continuidade, mas também observar

mudanças dentro da própria violência.

Para o tema do preconceito, estabelecemos uma relação entre o relato O

defunto andou e a notícia sobre o tombamento do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. O

defunto do relato era um pai de santo, descrito de forma preconceituosa pela sua

prática e associado ao mal. Quando indagados sobre o que o relato pretendia

transmitir, os estudantes detiveram-se no fato de o defunto ter andado. A partir disso,

foi possível trabalhar com as turmas uma mudança de mentalidade acerca das

religiões de matrizes africanas. Destaquei que o terreiro já se encontrava, desde os

anos 1940, no bairro de Coelho da Rocha, logo, era contemporâneo ao momento em

que Medeiros (1958) escrevia o livro de onde foram extraídos os relatos.

Enquanto no relato sobre o pai de santo Cai N’Água podemos ver uma visão

preconceituosa e supersticiosa na qual a conversão ao cristianismo é vista como a

solução, na notícia sobre o tombamento do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá vemos a

valorização de um espaço de prática de uma religião de matriz africana como

patrimônio cultural. No entanto, ao trazermos o fato de que o preconceito com religiões

de matriz africana não se circunscreve apenas ao passado, devemos levar em conta

42 Para exemplificar a mudança na forma como o tráfico de drogas é exercido, lembrei do filme Cidade de Deus. Na cena em que é contada a história da boca dos apês, onde uma senhora vendia drogas de forma amadora, o lugar vai aos poucos sendo tomado por grupos que se aproximam da forma como o tráfico é exercido hoje, mesmo que o filme não toque na existência de facções criminosas. 43 Essa mudança coincide com o momento de meu ingresso no CEHG como professor, no ano de 2015.

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sua permanência. Assim, trabalhar as duas fontes sob uma mesma questão nos

possibilitou exemplificar aos estudantes a mudança/permanência em História.

Um último ponto que abordaremos sobre essa ação didática é a possibilidade

de levar os estudantes à busca de indícios do passado para a interpretação de fontes.

Utilizamos a seguinte fotografia:

Fotografia 2 – Rua Nossa Senhora das Graças

Fonte: Doação. Acervo não identificado44.

Ao perceberem ser a única entre as fotografias que não apresentava uma

descrição no verso, os estudantes foram perguntados sobre como poderiam identificar

sobre qual período e qual localidade se tratava. Reconheceram o local com facilidade

por se tratar da rua onde hoje é a Feira da Pavuna45.

44 A fotografia foi enviada em formato digital por um estudante do ano letivo de 2018. No entanto, ele não sabia sua origem nem foi possível identificar. 45 A feira atravessa o bairro da Pavuna e avança pelo centro de São João de Meriti.

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Fotografia 3 – Rua Nossa Senhora das Graças em 2019

Fonte: Fotografia de Saulo Nunes, 2019.

Para identificarem a época da fotografia, os estudantes foram chamados a

buscar outros indícios que pudessem nos servir para estimar uma data. Eles

observaram que no letreiro do cinema era possível ler Em torno dele rondava a morte.

Alguns estudantes com acesso à internet no celular pesquisaram sobre o título do

filme e descobriram ser um faroeste italiano lançado em 1969. Declararam, então, ser

a foto da mesma época que o filme. Essa afirmação precipitada foi importante para

chamar a atenção para o fato de que muitos cinemas passavam filmes antigos,

podendo assim ser posterior ao lançamento do filme. Na falta de maiores elementos

que conseguíssemos investigar, concordamos que a fotografia era posterior a 1969,

mas que não poderíamos afirmar com certeza quando46.

Essa ação didática foi a que assumiu a estratégia mais abrangente ao se munir

de variados tipos de fontes para trabalhar os conceitos básicos selecionados.

Também assumiu uma dimensão tática ao se colocar sujeita às reações dos

estudantes ao material analisado. Para além do trabalho com fontes, temos o

reconhecimento de formas variadas pelas quais é possível investigar o passado. Foi,

ainda, possível aprofundar os estudantes na reflexão sobre a história das localidades

em que se inserem. Dessa forma, consideramos que estavam com maiores condições

de seguirem para a ação didática seguinte.

46 Em uma turma, foi observado que a foto não devia ser tão recente por ser em preto e branco. Especularam então que era possivelmente anterior aos anos 1980.

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2.3.3 A memória familiar compartilhada em sala de aula

Nos dias 13 e 14 de junho de 2019, foi realizada nossa terceira ação didática.

Assim como as anteriores, essa ação didática buscou trabalhar os mesmos conceitos

básicos da História selecionados. No entanto, a memória familiar foi a principal fonte

à qual nos recorremos para operar esses conceitos. Para tanto, os estudantes foram

orientados a buscar junto aos familiares fotografias que retratassem o passado das

localidades em que vivem ou viveram. A atividade solicitada aos estudantes foi que, a

partir das fotografias, eles conversassem com seus familiares sobre o passado familiar

e local, para compartilharem essas memórias e fotografias47 com a turma.

Por conta da proposta da ação didática, podemos dizer que, diferentemente

das anteriores, esta demandou maior dimensão tática à prática do professor. Por

partirmos das memórias trazidas por estudantes, estamos sujeitos aos conteúdos

destas para que possamos mediar conhecimentos, associá-las às atividades

anteriores e operar os conceitos necessários. Desse modo, essa ação didática vem

acompanhada de um caráter de imprevisibilidade que impede planejamentos rígidos.

Ao nos voltarmos para memórias de familiares como forma de interpretar as

experiências humanas no tempo, devemos considerar o papel da narrativa na

constituição destas como consciência histórica (RÜSEN, 2001). Como o autor

destaca:

A mera subsistência do passado na memória ainda não é constitutiva da consciência histórica. Para a constituição da consciência histórica requer-se uma correlação expressa do presente com o passado – ou seja, uma atividade intelectual que pode ser identificada e descrita como narrativa (histórica). (RÜSEN, 2001, p. 63-64).

Assim, ao estimular os estudantes a compartilharem memórias familiares,

acreditamos agir no desenvolvimento da consciência histórica deles. Também

estabelecemos consonância com a proposta de Seixas (2016) de adicionar o

elemento da memória à dimensão da vida prática na reflexão sobre as bases em que

se manifesta a consciência histórica na interpretação de suas demandas.

47 Alguns, que não tivessem autorização para levar as fotografias por receio de se deteriorarem, foram autorizados a levar fotos delas no celular. Dessa forma, poderiam compartilhar a imagem e preservar o original.

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Ademais, devemos levar em consideração que nessa ação os estudantes estão

compartilhando memórias que não necessariamente pertencem a eles. No entanto,

consideramos que, ao compartilharem memórias de outros, com o propósito de

construir um debate em que essas memórias assumem centralidade, pode ser

atribuído aos estudantes o papel de testemunhas (GAGNEBIN, 2006).

Ao iniciarmos a ação didática48, foi necessário esclarecer com os estudantes

alguns aspectos da memória para que eles a entendessem como fonte em nossa

atividade. Essa breve explicação visou marcar as diferenças entre memória e História.

Para que evitassem compreender memória e História como sinônimos, se fez

necessário explicitar o papel da memória na constituição da História, mas não em sua

substituição.

Compreender que a memória não se trata de algo estático, existente dentro das

pessoas e passível de ser coletado, mas sim algo mutável e em constante negociação

e adaptação (POLLAK, 1989), foi fundamental para que as turmas tivessem ciência

de que não estavam em uma caçada por memórias escondidas. Estavam, na verdade,

levando os que eles indagaram sobre o passado a produzir memória. Também foram

esclarecidos de que memórias são produzidas no presente e sujeitas às demandas e

comparações com ele. A seguir, serão apresentadas algumas das memórias trazidas

pelos estudantes para demonstrar como foi possível relacioná-las com a proposta

dessa ação didática.

Um estudante apresentou uma fotografia49 na qual podíamos ver um casal de

idosos em um terreno baldio, com uma casa distante ao fundo. Por si só a foto não

trazia maiores informações. O estudante, que conversou sobre a imagem com o pai,

disse que o casal na foto eram os avós dele e que teriam cerca de 60 anos à época,

por volta do final da década de 1980 ou início da de 1990. A fotografia foi feita na

Jaqueira, nas proximidades do CEHG. Contou que, segundo seu pai, nessa época,

na rua havia apenas três casas, algumas criações de animais e a jaqueira que dá

nome ao lugar. Essa informação chamou a atenção da turma, pois atualmente não

48 Para essa ação didática, as cadeiras da sala de aula foram organizadas em uma grande roda, como forma de romper com o padrão de uma aula, na qual os estudantes assistem ao professor expor conteúdos, e criar um espaço que melhor proporcionasse o compartilhamento das memórias. 49 A fotografia atraiu a curiosidade dos demais estudantes, pois, além dos avós, podiam ser vistos “fantasmas” deles. Isso possibilitou comentar sobre as diferenças técnicas entre fazer uma foto antes e após o advento e popularização da fotografia digital através dos celulares.

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existem terrenos baldios no local. A partir dessas informações, foi possível especular

ter havido uma intensificação na ocupação territorial no bairro após os anos 1990.

O estudante também contou que o pai concluiu os estudos, entre final dos anos

1970 e início dos 1980, em um colégio no centro de Nilópolis. Os demais perguntaram

por que não estudava no CEHG, já que era mais perto. Foi então observado o fato de

o CEHG ter sido fundado em 1983 e os outros colégios das proximidades

posteriormente50. A necessidade de deslocamento do pai para um ponto mais distante

para ter acesso aos estudos nos possibilitou refletir sobre como era o sistema

educacional na região, quais eram os colégios existentes e como se dava o

deslocamento dos estudantes em outras épocas.

A fala desse estudante proporcionou identificar dois aspectos de mudanças

relevantes para as localidades: primeiro, a intensificação da ocupação urbana,

eliminando algumas características rurais ainda presentes no início dos anos 1990 e,

segundo, a maior oferta escolar a partir dos anos 1980.

Foi possível perceber que alguns estudantes buscaram trazer falas que

apresentavam temas abordados nas ações didáticas anteriores e relacioná-las com a

ação atual. Um exemplo foi uma estudante que disse ter conversado com a avó sobre

as atividades que estavam sendo desenvolvidas no colégio e os assuntos que eram

tratados. Atualmente com 75 anos, a avó chegou ao Rio de Janeiro por volta de

195751. Ela, que na época tinha apenas 13 anos, veio sozinha para trabalhar na casa

de uma família. Essa fala nos possibilitou observar mais um aspecto na história dos

que migraram de outras regiões, ao trazer uma situação bem diferente das

anteriormente relatadas quando, normalmente, um homem adulto vinha antes e trazia

o restante da família após se estabelecer. O relato também abriu para a possibilidade

de pensarmos questões sobre o trabalho infantil e as possíveis necessidades urgentes

das famílias e pessoas que vieram de longe.

Essa memória estimulada pela fotografia familiar assume importância ao

redimensionar o tema das migrações, que tinha sido analisado nas atividades

anteriores a partir da análise de dados do censo, dando caráter mais humano à

50 São esses o CIEP 195 – Aníbal Machado, no bairro do Paiol de Pólvora, em Nilópolis; e o CIEP 399 – Jean Baptiste Debret, na mesma rua do CEHG. 51 A estudante não soube dizer ao certo a origem da avó, apenas que era de outro estado.

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questão52. Permitiu aproximar o tempo das migrações, que identificamos, da realidade

vivida dos estudantes.

A violência foi um dos temas novamente presentes e que possibilitou grande

troca de experiências entre os estudantes. Na turma, havia duas primas que relataram

que uma tia-avó havia sido dona de um ponto de venda de drogas, popularmente

chamados de “boca”, em Vigário Geral. Não souberam precisar quando, mas disseram

que ela havia traficado drogas durante várias décadas até falecer por causas naturais,

com quase 90 anos. Disseram que não era uma “boca” como as de hoje, mas que as

vendas ocorriam dentro de uma casa, de forma mais discreta. Também afirmaram que

“não tinha esse negócio de trocar tiro toda hora e facção. Até tinha, mas era diferente”.

O testemunho, que despertou o interesse da turma e ao qual foram

acrescentados diversos comentários dos colegas, foi um exemplo de construção de

conhecimento sobre uma temática através do acréscimo de outros testemunhos ou

narrações de experiências próprias. Também permitiu uma importante comparação

entre passado e presente ao reforçar os aspectos da mudança da violência e sua

continuidade, observados na ação didática anterior.

O último depoimento que abordaremos é o de um estudante que apresentou

um conjunto de fotografias, datadas de 2005. As fotografias apresentavam barracos

improvisados em madeira. Disse ser a rua em que passou parte da infância, na

comunidade conhecida como Final Feliz, no bairro de Anchieta, onde não reside mais.

O estudante afirmou ter achado interessante trazer essas fotos, pois atualmente o

lugar se encontra completamente diferente. Contou ter acompanhado a mudança de

barracos em madeira para casas de alvenaria. Observou que isso pode ser

considerado como uma melhoria na qualidade de vida das pessoas daquela região.

Também foi apontado pelo estudante que, hoje, ele não costuma mais ir à rua vista

nas fotografias, pois agora existe um movimento de tráfico de drogas inexistente em

2005, que torna o acesso mais complicado, ainda mais pelo fato de não ser mais

morador.

A fala trazida, diferente das demais, teve no estudante, não em um familiar mais

velho, o observador de mudanças que impactaram a vida da localidade para melhor e

52 Importantes comentários sobre familiares que migraram de outros estados já tinham sido feitos nas outras ações didáticas. No entanto, nessa fala assumiu o papel de fonte à qual compartilhávamos e interpretávamos a história local.

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para pior. Por meio das fotografias apresentadas, o estudante procurou comprovar o

processo de mudança por ele observado e ponderou sobre melhoras e pioras na vida

da localidade.

Essa ação didática permitiu reforçar os conceitos operados a partir dos

testemunhos trazidos pelos estudantes. Foi possível observar a influência dos temas

abordados nas ações didáticas anteriores na busca desses testemunhos, bem como

tentativas de relacionar as memórias familiares ao projeto em desenvolvimento. Por

não se tratar apenas de uma transmissão de testemunhos, mas também uma

interpretação e contextualização destes, podemos considerar que essa ação didática

também levou os estudantes a experimentar maior autonomia na investigação

histórica, ainda que mediada pelo professor.

2.3.4 Entrevistas de 2018 nas turmas de 2019

Na quarta e última ação didática da primeira etapa da pesquisa, utilizamos

como fontes quatro entrevistas realizadas pelos estudantes que participaram da

experiência-piloto de 2018. Empreendida nos dias 29 e 30 de agosto de 2019, pode

ser considerada como uma ação didática de interseção entre a proposta da primeira

e da segunda etapa da pesquisa. Isso porque, além de levar os estudantes à operação

de conceitos básicos através de fontes históricas e à identificação de temáticas

referentes à história local, também se propôs a pensar o material que viriam a produzir,

no caso as entrevistas.

As entrevistas apresentadas foram selecionadas como as melhores dentre as

realizadas em 2018, além de terem contemplado diferentes estilos e abordarem temas

diversos. Como atividade, foi solicitado aos estudantes que buscassem relacionar os

assuntos abordados nas entrevistas com as ações didáticas efetuadas anteriormente.

Também foi pedido que apontassem sugestões de perguntas que poderiam ter sido

elaboradas nas entrevistas, com o intuito de estimular a interpretação destas, e se

algum assunto não havia ficado claro. Ainda foi solicitado que observassem as

possibilidades para a filmagem e montagem das entrevistas53.

53 Ressaltou-se que as turmas participantes do projeto em 2018 não tiveram a mesma preparação que as turmas de 2019 estavam tendo, que a discussão sobre a história das localidades tinha sido feita de

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A primeira entrevista foi feita pelo neto do senhor Edson Gomes da Silva,

natural de Pernambuco. No vídeo, sr. Edson fala sobre a vida no interior de

Pernambuco e as razões para a família ter vindo para o Rio de Janeiro. Temos nessa

entrevista uma primeira fala que apresenta uma razão concreta para a migração, pois,

segundo o entrevistado, na cidade em que cresceu havia apenas uma indústria e, por

isso, pouca oferta de emprego. Devido a isso, vieram encontrar parentes já

estabelecidos no Rio de Janeiro.

Foi observada, então, a necessidade de se marcar claramente as épocas e

lugares sobre os quais se fala. Outro aspecto apontado pela turma, inclusive como

motivo de graça, foi a quantidade de vezes em que o neto do seu Edson olha para a

câmera. Consideraram que, caso o entrevistador queira aparecer na filmagem, talvez

fosse melhor estar atento ao entrevistado, ou posicionado em outro ângulo.

Destacaram também que, em alguns momentos, houve barulho de fogos, o que pode

atrapalhar a escuta, sendo interessante, caso possível, gravar em local mais

silencioso ou com uso de microfone54.

A entrevista seguinte foi realizada com a dona Léa da Silveira de Lima,

moradora antiga da Vila União, nas proximidades do CEHG. Logo de imediato,

chamou a atenção o fato de que o vídeo se inicia com a foto de dona Léa com fundo

musical e o título do projeto Nossas Histórias sobrepondo a imagem, diferindo-se do

anterior, no qual já se inicia pela entrevista. Durante sua entrevista, dona Léa comenta

sobre sua antiga profissão, sobre moda e como era a localidade.

Essa entrevista apresentou outra possibilidade de como filmar, bem como

informações que se relacionam com falas apresentadas sobre os arredores do colégio

em outras atividades. Observou-se a forma como as duas estudantes encarregadas

da entrevista fizeram a filmagem, sem aparecer no vídeo, apenas conversando com

dona Léa55. Para além disso, com o agradecimento de dona Léa ao fim, foi possível

comentar com as turmas sobre a importância que o ato de poder falar sobre o passado

forma mais superficial e que não tinham material para se espelhar ou comparar, tendo o trabalho sido feito de forma mais espontânea. 54 Um estudante deu a sugestão de se utilizar o próprio fone de ouvido do celular como microfone, de forma a ter menos interferência sonora na gravação. 55 As meninas inseriram no vídeo alguns comentários sobre suas dificuldades com o trabalho em forma de legenda.

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que viveu e sobre a própria história tem para algumas pessoas e a necessidade de,

por conta disso, respeitar o momento.

O terceiro vídeo foi realizado de forma distinta dos demais. Inicia-se com uma

introdução bem elaborada e trilha sonora de modo a parecer a abertura de um

telejornal. Nessa abertura, aparecem as frases “O jornalismo que é a cara do povo” e

“Todas as histórias do seu bairro”, seguidas do título Jornal A Baixada tem Voz. As

entrevistadoras assumiram o papel de apresentadoras de telejornal e repórteres. Esse

vídeo contou com três entrevistados e dois temas distintos. Um dos temas foi uma

mudança nos serviços públicos e qualidade de vida da população. Foram

entrevistadas duas pessoas para falarem sobre o lixão que existia no bairro do Paiol

de Pólvora, onde atualmente existe uma FAETEC. Outra entrevista foi a história de

uma senhora que migrou de Pernambuco para o Rio de Janeiro.

Para além da estética jornalística, esse vídeo trouxe aos estudantes a

possibilidade de se voltarem para questões pontuais ao procurarem investigar

mudanças ocorridas. Da mesma forma, destaca-se a possibilidade de buscar construir

uma compreensão sobre um assunto através da fala de mais de uma pessoa56.

A última entrevista exibida trouxe um tema até então não abordado, que foi o

impacto de grandes obras públicas na vida de uma população, no caso a construção

da Via Light, em 1998. Entrevistada pela sua filha, a senhora Guaraciara Monteiro da

Silva também é moradora do bairro Paiol de Pólvora, em Nilópolis. Inicialmente, conta

sobre os benefícios trazidos com as obras, como dragagens e a facilidade que

propiciou para se chegar ao município de Nova Iguaçu. Antes, esse acesso exigia

mais tempo e um percurso maior, cortando os centros de Nilópolis e Mesquita até

chegar ao destino.

Quando perguntada sobre os impactos negativos das obras, Guaraciara conta

que muitas pessoas foram removidas e casas foram demolidas. Também nos revela

56 Em uma das turmas, tivemos a presença do grupo que realizou essa entrevista para comentar sobre a experiência. Contaram que, inicialmente, pretendiam entrar na FAETEC e entrevistar professores para contarem sobre seu funcionamento e o impacto que acreditavam exercer na localidade. Infelizmente, a falta de tempo e excesso de burocracia impediu que as filmagens fossem feitas. Aconselharam a turma a buscar casos pontuais para investigar, buscando a opinião de vários moradores, como haviam feito no caso do lixão. Outro conselho que passaram foi sobre a necessidade de se fazer o roteiro de entrevista e elaborar perguntas previamente, pois perceberam que facilitou o trabalho já ter em mãos as perguntas elaboradas. Essa troca foi importante por trazer a fala de estudantes que já tinham passado por experiência semelhante à que a turma iria passar.

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que, após a conclusão da obra, algumas casas foram reerguidas pelos moradores,

entre elas a que mora. Ao final do vídeo, temos duas fotos de Guaraciara em frente à

sua casa antes da obra da Via Light e atualmente, já com a presença da via ao fundo.

O que chamou a atenção das turmas nessa entrevista foi o fato de ter sido feita

de forma bastante simples e ainda assim muito interessante. Como a entrevistadora

focou em um único tema, tivemos uma fala mais aprofundada sobre a questão, o que

se diferencia dos demais vídeos apresentados, em que vários temas foram abordados

de forma rápida.

O tema abordado também foi de grande importância por trazer a figura da

pessoa desalojada e acrescentar ao debate sobre melhorias estruturais os aspectos

negativos àqueles que são diretamente afetados por obras públicas. Essa entrevista

possibilitou associar a ideia de mudança a algo não necessariamente positivo. E,

mesmo havendo aspectos positivos em uma mudança, seus aspectos negativos não

podem ser necessariamente observados por aqueles que não acompanharam o

processo. Dessa forma, ao trazermos o testemunho dos que foram prejudicados

dentro de um processo histórico, foi possível demonstrar que uma memória pode vir

a desnaturalizar impressões cotidianas voltadas apenas aos benefícios de uma

intervenção pública.

Essa ação didática proporcionou aos estudantes o contato com outras

memórias e a identificação de novos temas e falas que se relacionavam com as ações

desenvolvidas. Também permitiu que os estudantes entrassem em contato com

diferentes possibilidades de como desenvolver as próprias entrevistas posteriormente.

A partir desse momento, nos voltaremos à preparação dos estudantes para a busca

de seus próprios depoimentos, o compartilhamento destes e a construção do acervo

de entrevistas.

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CAPÍTULO 3 – AS ENTREVISTAS: REALIZAÇÃO, DIVULGAÇÃO E ACERVO

Na etapa anterior, buscamos levar os estudantes à reflexão sobre a história das

localidades em que residem e aproximá-los de um entendimento sobre o processo de

pesquisa histórica. Neste capítulo, iremos abordar a segunda etapa de nossas ações

didáticas, que objetivou proporcionar aos estudantes as condições necessárias para

a realização das entrevistas. Também discutiremos sobre os conteúdos das

entrevistas realizadas e sua constituição em acervo escolar. A divulgação dessas

entrevistas para a comunidade escolar será igualmente abordada, assim como as

impressões do público sobre elas.

Iniciamos com uma reflexão sobre a história oral como metodologia de

pesquisa, o processo de produção de entrevistas e seus usos como fontes históricas.

As relações que a história oral estabelece com a história local também foram trazidas

para o debate. Junto a essas questões, acrescentamos reflexões sobre as

especificidades do uso da história oral para o ensino de História, com foco na busca

da história local.

Por desenvolvermos uma pesquisa que se volta para a produção de entrevistas

sobre o passado local e com o envolvimento de integrantes das localidades nesse

processo, torna-se inevitável nos direcionarmos ao debate da história pública.

Apontando as relações que o conhecimento histórico estabelece com os diversos

públicos, a história pública vem a ser uma ferramenta fundamental para pensarmos

nossas ações didáticas e o acervo de entrevistas derivado delas. Para tanto,

discutiremos sobre o já estabelecido vínculo entre história pública e história oral e

como a aula de História pode ser pensada como prática de história pública. Também

retomaremos o debate sobre operações historiográficas para situarmos a história

pública nele e reforçarmos o debate sobre a aula de História como operação.

Como as ações didáticas dessa segunda etapa da pesquisa se direcionaram

para a preparação, o desenvolvimento e o compartilhamento de entrevista, os

conceitos básicos trabalhados na etapa anterior serão abordados de outra forma. Ao

invés de serem discutidos a partir de uma atividade construída com esse propósito,

eles se fizeram presentes nas entrevistas desenvolvidas pelos estudantes. Dessa

forma, demonstraremos como, através das memórias compartilhadas presentes nas

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entrevistas realizadas, podemos operar os conceitos básicos trabalhados na primeira

etapa da pesquisa. Da mesma maneira, observaremos nas falas dos entrevistados os

temas abordados, a relação com o debate já construído e como essas falas

acrescentam para o aprofundamento de nossa compreensão sobre a história das

localidades.

3.1 PENSAR O ENSINO DE HISTÓRIA ENTRE A HISTÓRIA ORAL E A HISTÓRIA

PÚBLICA

Nos subitens a seguir, nos voltaremos ao ensino de História entre os campos

da história oral e da história pública, assim como para as relações que esses dois

estabelecem entre si. Do mesmo modo, pensaremos como a história local se insere

dentro dessas relações. As ações didáticas da segunda etapa foram empreendidas

com base nas reflexões teóricas desenvolvidas sobre as interseções dessas quatro

áreas. Tal construção teórica irá colaborar para sedimentarmos o entendimento inicial

de nossas ações didáticas como operação historiográfica escolar.

3.1.1 História Oral

A história oral surge como metodologia de pesquisa em História em meados do

século XX, possibilitada pela eclosão de tecnologias de gravação mais acessíveis.

Volta-se para a realização de entrevistas com pessoas que vivenciaram eventos ou

conjunturas de interesse para o pesquisador. Verena Alberti (2005) nos aponta para

o caráter interdisciplinar da metodologia da história oral, com seus usos difundidos em

diversas áreas do conhecimento. A história oral traz a capacidade de se produzir a

fonte a ser utilizada na pesquisa. Seu advento possibilitou repensar a compreensão

de fonte histórica.

Originada a partir de um testemunho que traz uma memória, a fonte oral é

carregada de traços de subjetividade. No entanto, esse elemento não é exclusivo dela,

também podendo ser atribuído a fontes escritas (ALBERTI, 2005). O tempo presente

igualmente é uma reflexão que se deriva da relação entre história oral e memória. A

memória evocada com base em um testemunho oral irá carregar as demandas e

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interpretações do momento em que ela é proferida. Logo, podemos dizer que o

presente é um dos elementos orientadores da constituição das memórias trazidas em

um testemunho oral.

Trabalhar testemunhos produzidos a partir de entrevistas de história oral como

fontes históricas não os coloca em condição específica de uso ou análise. A crítica ao

documento e a compreensão de seu processo de produção também se fazem

necessárias, assim como em qualquer tipo de fontes. A possibilidade de equívocos

causados pela memória se fazerem presentes em um testemunho, mais do que um

problema, é um elemento a se investigar. Para tal, é importante um conhecimento

aprofundado sobre o tema abordado em uma entrevista e a utilização de outras fontes

que possam estabelecer um diálogo (ALBERTI, 2005). A primeira etapa de nossas

ações didáticas visou agir nesse sentido.

Alberti (2005) também nos chama a atenção para o fato de a narrativa ser um

dos elementos que fundamentam uma entrevista de história oral. Segundo a autora,

“Ao contar suas experiências, o entrevistado transforma o que foi vivenciado em

linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com

determinado sentido” (ALBERTI, 2005, p. 171). É por meio da narrativa oral

desenvolvida em uma entrevista que as memórias do entrevistado assumirão

coerência narrativa.

Dessa forma, devemos entender que a cadência lógica da narrativa oral

também será constituída a partir da necessidade de atribuição de sentidos ao passado

acionado pela memória. Esses sentidos também são orientados pelas demandas que

o tempo presente apresenta.

Devemos levar em consideração que uma entrevista de história oral implica

uma situação peculiar em que o entrevistado é convidado a falar sobre sua vida para

uma pessoa ou mais, que em alguns casos desconhece. Assim, o testemunho oral

deve ser entendido como resultado da interação entre pessoas em torno do assunto

abordado. Seu conteúdo não é inevitável ao momento da entrevista. Ele será, mesmo

que com pouca interferência do entrevistador, resultado da construção narrativa que

o entrevistado desenvolve a partir de perguntas ou pontuações do entrevistador

(ALBERTI, 2005).

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Com seu surgimento, a história oral possibilitou novas formas de pensar a

história de grupos sociais que não eram representados pela história nacional. Grupos

sociais privilegiados, membros das elites e arquivos oficiais deixam vasta quantidade

de documentos escritos. Isso não pode ser observado quando nos voltamos para as

classes populares. Portanto, a história oral apresenta-se como importante

metodologia para pensar a “História vista de baixo”.

Devemos, no entanto, não cair no equívoco de pensarmos que somos quem

pode “dar voz” aos que não a têm. Essa postura pode reforçar estereótipos de classe

e concepções preconceituosas acerca da incapacidade de grupos marginalizados

falarem sobre si mesmos (ALBERTI, 2005, p. 159). Não devemos contribuir para a

acentuação de diferenças que façam do pesquisador alguém dotado de capacidade

superior de controle da fala alheia.

A perspectiva que o pesquisador deve ter ao trabalhar por meio da história oral

é de compreender a necessidade de conhecer os testemunhos que busca. Mais do

que “dar voz” ou conceder um benefício a quem cede o testemunho, o pesquisador

deve reconhecer que está trabalhando junto a pessoas que detêm um conhecimento

do qual ele precisa (ALBERTI, 2005). Devemos entender como uma prática que

envolve uma relação de troca. Em nossa pesquisa, essa troca se estabelece a partir

da proposta de construção de um acervo para que esses testemunhos possam ser

preservados e utilizados como fontes para o desenvolvimento da consciência histórica

dos estudantes.

3.1.2 História oral, ensino de História e a relação com o local

Trabalhar com história oral no ensino de História implica pensarmos além da

relação entrevistador e entrevistado. No caso de nossa pesquisa, que visa levar os

estudantes à realização de entrevistas sobre as localidades em que vivem, faz-se

necessário pensar sobre o estudante dentro desse processo. Ele não é um historiador

de formação, não tem experiência em realização de entrevistas dessa natureza, nem

traz consigo o conhecimento das áreas da História que se relacionam com a história

oral. No entanto, está inserido na comunidade a qual investiga e compartilha de muitos

dos referenciais e memórias das pessoas que ele possa vir a entrevistar. O estudante

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pode ser compreendido como um elemento que transita entre o universo do

entrevistado e do pesquisador a partir da mediação do professor.

A primeira etapa de nossas ações didáticas teve o intuito de agir na

aproximação do estudante, de forma simplificada, dos elementos pertencentes ao

universo do pesquisador a que ele não tinha acesso. Por essa razão, trabalhamos

variadas formas de pesquisar a história local, assim como desenvolvemos a

compreensão de conceitos como mudança, permanência e memória. A segunda

etapa de nossas ações didáticas direciona-se para a necessidade de, em um projeto

escolar de história oral, prepararmos os estudantes para a entrevista (MAGALHÃES;

SANTHIAGO, 2015). Para isso, foram trabalhadas nessas ações, como veremos mais

à frente, como o estudante deve proceder na busca de um entrevistado, como

preparar a execução da entrevista, como agir no seu decorrer e o que deve ser feito

posteriormente com o material produzido.

Ao levarmos os estudantes à realização de entrevistas, devemos evitar que

caiam no equívoco de considerar que o testemunho colhido consiste em História. Para

tal, faz-se necessário frisar junto aos estudantes as distinções entre memória e

História57. A entrevista produzida deve ser entendida como uma fonte a qual podemos

recorrer na busca de interpretarmos a história local. Por seu caráter de pessoalidade,

a entrevista pode relativizar ou até mesmo contradizer generalizações acerca do

passado, permitindo repensar questões preconcebidas (ALBERTI, 2005).

No entanto, em nossa pesquisa, não pretendemos encaminhar os estudantes

à análise das entrevistas realizadas com vistas à produção em moldes acadêmicos.

As entrevistas assumem aqui o papel de produzir efeitos reflexivos no público escolar.

Dessa forma, elas possibilitam levar aos membros de uma localidade uma reflexão

sobre o seu passado com base nos testemunhos de seus próprios integrantes. Os

testemunhos podem colaborar no desenvolvimento da consciência histórica dos

integrantes de uma localidade, assim como reforçar uma identidade local.

Recorreremos a Raphael Samuel (1990) para entendermos as relações

positivas que podem se estabelecer entre a história local e a história oral. O autor nos

atenta aos usos exclusivos de outros tipos de documentações ao se pesquisar o local

57 Na terceira ação didática realizada, já abordamos essa questão junto aos estudantes. Não houve uma ação didática específica para debater as distinções entre memória e História. No entanto, pontuamos a questão constantemente durante o processo de pesquisa.

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(SAMUEL, 1990). Se partirmos de relatórios de províncias, mapas que demonstrem

processos de modificações urbanas, estatísticas diversas, fotografias de época, ou

mesmo a ideia de arqueologia industrial que o autor nos traz, podemos correr o risco

de excluirmos dessa história local seus habitantes, suas relações com o lugar,

perigando fazermos uma história desvinculada das pessoas.

Devemos considerar que a natureza do documento trabalhado irá orientar a

memória que se pretende trazer e determinar o grupo que falará pela localidade.

Quando nos voltamos para edificações históricas, como sedes de fazendas, prédios

públicos, ou trabalhos de memorialistas locais exaltando suas grandes personalidades

e seus feitos, que costumam ser os materiais de acesso mais fácil e recorrente ao

trabalho de professores, corremos o risco de estarmos perpetuando a memória das

elites e do poder local58 (FONSECA, 2006).

Por meio do testemunho oral, nos surgem questões que não seriam possíveis

observar, ao menos mais complicadas de se alcançar, por meio de fontes de outra

natureza. Ao entrarmos em contato com um testemunho, impressões pessoais

conduzirão a reflexão e os indivíduos ou grupos que compartilham das memórias

expostas estarão no cerne da questão. O impacto de uma política de reestruturação

urbana para uma população, o cotidiano do ambiente de trabalho, as relações

pessoais que se estabelecem no ofício ou na vida familiar, a vida econômica para

além dos números são questões que dificilmente seriam evidenciadas, salvo por meio

das memórias dos habitantes do lugar ao qual se observa. A testemunha pode trazer

para as mais diversas questões a revelação de um pano de fundo que de outra forma

não seria viável (SAMUEL, 1990).

Compreendermos esse importante atributo do testemunho oral não nos deve

fazer descartar outras fontes que possam contribuir para a pesquisa local, mas

considerar que, à luz do relato, podemos ter contato com questões que não seriam

possíveis notar apenas pelo trabalho das fontes, bem como estas podem servir de

importantes mecanismos ao ativarem e direcionarem a memória para um determinado

assunto.

58 Alguns dos casarões das fazendas da Família Telles de Menezes, que tem seu poder na região remontando ao século XIX, ainda se encontram preservados, mas, por termos o intuito de nos distanciarmos das narrativas que remetam ao antigo poder local, não nos voltamos a esses espaços para discussão da história local com os estudantes.

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Sobre o tipo de entrevista de história oral realizado em nossa pesquisa,

precisamos tecer uma breve reflexão. As entrevistas realizadas por projetos de

história oral costumam se voltar para histórias de vida ou temas específicos. No caso

do projeto Nossas Histórias, a busca por testemunhos foi orientada pelo passado local

como tema a se investigar. No entanto, esse passado local foi buscado através da

relação das histórias de vida de seus integrantes. Produzimos, então, histórias de vida

selecionadas dentro da temática dos locais em que vivem os estudantes do CEHG.

3.1.3 História pública e história oral

A história pública traz para o debate a relação que o conhecimento histórico,

sua produção e sua circulação mantêm com o público. Não se resume apenas em

pensar como expandir o acesso ao conhecimento histórico. A história pública também

traz a reflexão sobre como o entendimento acerca do passado é desenvolvido nas

pessoas, as diversas áreas pela qual a História circula e como esta alcança seus

públicos (LIDDINGTON, 2011).

A história pública surge nos Estados Unidos, direcionada à expansão dos

mercados possíveis ao historiador, através de cursos e especializações orientados

especificamente para a área. Em diferentes países onde seu debate foi reclamado, a

história pública assumiu características próprias. Observa-se na Grã-Bretanha a

presença de disputas entre as propostas voltadas para o patrimônio, ao passo que,

na Austrália, assume papel atuante na disputa entre a instituição de uma narrativa

nacional e as reivindicações de cultura e história próprias pelos seus povos originários

(LIDDINGTON, 2011; FRISCH, 2016). No Brasil, o debate vem assumindo contornos

próprios e rápida ascensão.

A história pública e a história oral apresentam em suas origens propósitos

diferentes, voltadas para o mercado e para a produção de acervos respectivamente.

No entanto, por muitas vezes caminharam em direção a cruzamentos nos quais

estabeleceram trocas que, em alguns momentos, tornaram tênues seus limites

(SHOPES, 2016). Observa-se um duplo movimento em que uma relação de ensino-

aprendizagem se estabelece entre ambas (ALMEIDA, 2018).

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A ideia de autoridade compartilhada, trabalhada por Michael Frisch (2016), é

um dos pontos de contato entre a história pública e a história oral que nos interessam

mais de perto. A partir da reflexão acerca de sua experiência com história oral, o autor

estende à história pública o que entende como uma natureza de ambas as áreas. A

autoridade compartilhada parte do entendimento de o historiador não ser, nesses

casos, o único detentor da autoria e da interpretação no trabalho. No caso da história

oral, a autoridade está inevitavelmente compartilhada com o entrevistado. Já na

história pública, essa autoridade encontra-se dividida com o público com o qual se

trabalha. Não se trata do fato de o historiador, por opção e índole, decidir por

compartilhar a autoridade ou autoria de seu trabalho com outros que com ele

colaboraram. Essa seria uma compreensão errônea. Trata-se, efetivamente, de

entendermos a autoridade compartilhada como uma característica inerente da história

oral e história pública que deve ser respeitada e entendida nesses moldes (FRISCH,

2016, p. 62).

Em nossa pesquisa, a ideia de autoridade compartilhada deve ser pensada não

apenas entre professor e estudantes ou entre entrevistador e entrevistado. Devemos

aqui compreender que o estudante circula entre diversos pontos dessa autoridade

compartilhada. Ao buscar por testemunhos, testemunhar e trazer seus conhecimentos

para a troca com os demais colegas, os estudantes circularam pelas diversas esferas

da pesquisa, sendo inconcebível não os reconhecer como detentores de fundamental

autoridade dentro desse processo.

Para além da proximidade por meio da ideia de autoridade compartilhada, nota-

se um movimento em que a história oral, por seu característico contato com o outro

em uma produção que não se resume a “uma via de mão única”, influenciou o debate

da história pública, a qual, por sua vez, intensificou por meio do caráter público os

propósitos sociais da primeira (SANTHIAGO, 2018, p. 146). Ao levar em consideração

as demandas dos que se dispõem a participar de um trabalho de história oral,

pensando em um retorno e um alcance desse material e agindo em compromisso com

a construção do conhecimento histórico, estaremos tendo em conta os interesses do

público na constituição da pesquisa e acervo (ALMEIDA, 2018).

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Para pensarmos que tipo de relação nossa pesquisa estabelece com o público,

Santhiago (2016) nos chama a atenção ao que caracteriza como “quatro

engajamentos fundamentais” que circundam a história pública:

[…] a história feita para o público (que prioriza a ampliação de audiências); a história feita com o público (uma história colaborativa, na qual a ideia de “autoridade compartilhada” é central); a história feita pelo público (que incorpora formas não institucionais de história e memória); e história e público (que abarcaria a reflexividade e a autorreflexividade do campo). (SANTHIAGO, 2016, p. 28).

Por termos guiado os estudantes à produção de entrevistas por meio da história

oral, não se tratando de um material a ser entregue, nem do estudo de manifestações

de memória já presentes na localidade, entendemos que nossa prática estabeleceu

uma relação com o público. Público este que aqui transita entre os estudantes, que

assume o papel de pesquisador, testemunha e espectador, assim como os seus

entrevistados e comunidade escolar.

3.1.4 História pública, ensino de História e operação historiográfica

A História escolar estabelece diálogo com múltiplas manifestações da cultura

histórica, as quais transcendem o espaço da sala de aula, mas que chegam a ela por

meio dos alunos e do próprio professor. Seja em filmes, séries, notícias, seja de

variadas naturezas com as quais a disciplina inevitavelmente manterá uma relação de

troca. Sabendo que, por muitas vezes, o público pode não usufruir de meios para

contextualizar as narrativas que cheguem a ele, na escola esse quadro passará pela

mediação do professor, que trabalhará por meio de sua problematização (FERREIRA,

R., 2018). Por entendermos a escola como um lugar para onde essas variadas

manifestações da cultura histórica convergem e dialogam, podemos considerar a

História escolar como também uma História Pública (ANDRADE; ANDRADE, 2016).

Um ponto de convergência que podemos observar entre o ensino de História e

a história pública decorre de pensarmos ambos em um lugar de fronteira, entrelugar.

Trata-se de compreender que “a relação aprender/ensinar História produz-se na

articulação de diferenças culturais” (ANDRADE; ANDRADE, 2016, p. 183). Essas

diferenças compõem diversos meios pelos quais os múltiplos saberes históricos

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podem ser articulados. Tanto para o ensino de História quanto para a história pública,

a articulação dos mais diversos tipos de saberes, produtos culturais e conhecimentos

é definidora de sua prática. Logo, ambas as áreas se constituem a partir desse lugar

de fronteira.

Voltamos à Penna e sua releitura acerca das operações historiográficas. Como

demonstrado anteriormente, ao deslocarmos o lugar social ocupado e expandirmos a

compreensão de texto produzido em uma operação historiográfica, podemos pensar

a aula de História como operação. O autor nos traz a possibilidade de, não apenas a

aula de História, mas outras formas de textos, como museus, filmes, curadorias, serem

consideradas (PENNA; SILVA, 2016). Atentar para as diversas formas de textos

implica levar em conta os vários tipos de públicos aos quais eles se direcionam. A

partir disso, abre-se precedente para pensarmos outras operações desenvolvidas por

profissionais da História (PENNA; SILVA, 2016).

Assim, podemos compreender o projeto desenvolvido junto aos estudantes

como operação. No caso, essa operação realizada não se restringe apenas à aula de

História, como seria a operação historiográfica escolar abordada no primeiro capítulo.

Duas especificidades diferem nosso projeto de uma aula de História como operação.

Em primeiro, o público ao qual nos voltamos é bastante heterogêneo, integrando os

estudantes envolvidos no projeto, demais estudantes do colégio, professores e

familiares. Esses integrantes assumem posições diferentes dentro do processo de

pesquisa, mas compõem o público de nossa operação.

Outra especificidade é o texto produzido por tal operação. Tanto as ações

didáticas quanto o acervo de entrevistas constituído podem ser compreendidos como

texto derivado dela. Todavia, vale ressaltar que, dependendo da posição ocupada

dentro do público, o acesso a esses textos será variado. No caso, as ações didáticas

voltaram-se apenas aos estudantes diretamente envolvidos, ao passo que o acervo

se faz acessível a todo o público.

Nossa pesquisa pode ser compreendida como uma prática de história pública

e como uma operação historiográfica orientada para público diverso. Essa

compreensão exemplifica-se a partir do reconhecimento de nosso lugar de fronteira,

da necessidade de mediar conhecimentos, culturas e saberes provenientes desse

lugar, e do intuito de estabelecermos com o público um acervo/texto oriundo de nossa

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operação. O público ao qual nos voltamos pode ser, então, entendido como elemento

determinante para propiciar nossa reflexão e igualmente elemento ao qual se dirige

em todas as suas etapas.

3.2 A SEGUNDA ETAPA DAS AÇÕES DIDÁTICAS

Abordaremos agora a aplicação da segunda etapa de ações didáticas, assim

como as entrevistas desenvolvidas e a sua divulgação para a comunidade escolar.

Como já dito, essa segunda etapa volta-se para o preparo dos estudantes para a

realização das entrevistas. Para tanto, trabalhamos junto a eles as etapas de uma

entrevista, o preparo prévio, situações que possam ocorrer durante sua execução e

como proceder posteriormente. Esse trabalho foi realizado em duas ações didáticas.

A exibição das entrevistas, assim como seus conteúdos, será debatida a partir

da culminância do projeto Nossas Histórias na semana de cultura do CEHG. Vale

ressaltar que, entre as duas ações didáticas preparatórias para as entrevistas e a

semana cultural, houve em cada uma das turmas participantes uma atividade de

compartilhamento dessas entrevistas. Nessa atividade, apenas os estudantes de cada

turma assistiram ao material produzido e comentaram sobre as razões de terem

escolhido as pessoas que entrevistaram. Também foi nessa atividade que foram

selecionados os vídeos que mais chamaram a atenção dos estudantes para serem

exibidos na Semana de Cultura CEHG. Portanto, para evitarmos repetições em um

exercício descritivo, não nos aprofundaremos nessa atividade, pois as questões

abordadas na exibição das entrevistas na Semana de Cultura são as mesmas.

3.2.1 Elaboração de roteiros

Nossa quinta ação didática foi realizada nos dias 5 e 6 de setembro de 2019 e

teve a intenção de levar os estudantes à elaboração do roteiro que utilizariam em suas

entrevistas. Para tanto, eles foram orientados a sondarem pessoas que pudessem

lhes dar a entrevista e que tivessem em mente as razões de escolherem tais pessoas.

Foi solicitado aos estudantes que se organizassem em grupos, de preferência

os mesmos que trabalhariam juntos na entrevista. A atividade consistia basicamente

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em pensar um conjunto de perguntas tendo em mente a pessoa a ser entrevistada.

Aos que não tinham essa confirmação foi permitido pensar em uma pessoa hipotética,

com perguntas direcionadas a um tema específico, ou até mesmo pensar perguntas

que poderiam ser feitas aos entrevistados dos vídeos assistidos na atividade anterior.

Foram orientados em primeiramente pensar nos motivos de se querer

entrevistar alguém, ter ideia sobre o que a pessoa pode transmitir e quais assuntos

abordar com ela. Esse foi um ponto em que se observou dificuldade dos estudantes

em saber explicar as razões para querer entrevistar determinada pessoa. Muitos

inicialmente pensavam apenas em buscar um parente ou conhecido de idade mais

avançada para entrevistar, mas sem saber o que a pessoa teria para contar. Visto

isso, foi importante frisar que a entrevista não deve ser feita de surpresa, mas sim

após longa reflexão sobre como, com quem e por quais motivos. Foram aconselhados

a lembrar de conversas ouvidas de parentes ou vizinhos que pudessem se relacionar

com o nosso projeto.

No referente às perguntas, os estudantes foram orientados a pensar na

entrevista em três partes: 1ª) apresentação do entrevistado, da localidade, de quando

a entrevista está sendo realizada e os temas que pretende abordar; 2º) o

desenvolvimento, com perguntas direcionadas ao que é pretendido buscar e possíveis

perguntas decorrentes da fala do entrevistado; 3º) um desfecho em que o entrevistado

pode ser levado a recapitular o que foi dito ou fazer um panorama geral avaliando a

trajetória, assim como relacionar com o presente ou projeções de futuro.

Podemos dizer que essa ação não obteve o resultado pretendido. Em parte,

pela estratégia traçada ter deixado muito vaga, muito abstrata, a ideia de entrevista.

Em parte, também, por muitos entre os estudantes não terem conseguido explicar as

razões de querer entrevistar determinada pessoa ou ainda não terem algum possível

entrevistado.

Ao pensarmos de forma distanciada, proporíamos outras duas possibilidades

para trabalhar a mesma questão. Uma possibilidade seria disponibilizar aos

estudantes uma das entrevistas realizadas na experiência-piloto de 2018 como forma

de registrar o roteiro aparentemente utilizado. A partir daí eles poderiam propor uma

reformulação desse roteiro e sugerir outras perguntas a serem realizadas, como forma

de preencher lacunas e melhor aproveitar a fala do entrevistado. Outra possibilidade,

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que não exclui a anterior, seria os estudantes entrevistarem o próprio professor. Essa

possibilidade permitiria aos estudantes comparar formas variadas de se voltar a um

mesmo entrevistado, assim como levar à compreensão de que o conteúdo resultante

de uma entrevista está diretamente relacionado ao tipo de roteiro que se desenvolve.

3.2.2 Breve manual para entrevistas

Em vista do insucesso da ação didática anterior, houve a necessidade de

reformularmos a ação seguinte. Realizada nos dias 26 e 27 de setembro de 2019,

essa ação didática inicialmente abordaria formas de filmagens, a preparação do

ambiente da entrevista, cessão de direitos de imagem e a transcrição das entrevistas.

Foram incluídas na atividade orientações para a elaboração de um roteiro. Como

forma de facilitar a compreensão e sanar possíveis dúvidas que pudessem ocorrer, foi

elaborado e distribuído entre os estudantes um Breve manual para entrevistas, feito

de forma simplificada e ilustrada59. A atividade voltou-se para a explicação desse

manual, que aborda questões diversas que envolvem da organização dos grupos60

até o fim da entrevista.

O manual ressalta a importância de se pensar nos motivos de querer entrevistar

alguém. Foram orientados a conversar previamente com a pessoa que quisessem

entrevistar, colocando-a a par do projeto, bem como para saber tanto da

disponibilidade quanto da possível contribuição da pessoa ao trabalho. Este primeiro

contato com o entrevistado é fundamental para que os estudantes tenham uma ideia

mais aprofundada do que pode ser abordado no roteiro. Observou-se que o roteiro é

um importante mecanismo para auxiliar na entrevista, mas que também é flexível,

podendo fugir dele caso surjam assuntos que se queira aprofundar.

As questões legais que envolvem o armazenamento de entrevistas pela escola

e os direitos de imagem do entrevistado são importantes de serem frisadas. Os

estudantes foram orientados a informar, no primeiro contato com o entrevistado, sobre

59 Ver Anexo 2. 60 A organização dos grupos ficou estipulada em no máximo seis integrantes. Foi permitido que os grupos contassem com integrantes das três turmas participantes, não sendo obrigatório formar grupo apenas com os colegas da própria turma. Os estudantes foram aconselhados a não fazerem o trabalho sozinhos ou em grupos reduzidos devido à quantidade de coisas a se fazer e observar durante todo processo.

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a necessidade de preenchimento da carta de cessão de direitos, caso concordasse

em ceder a entrevista61. O manual também acompanha uma carta de apresentação a

ser levada nesse primeiro contato, detalhando sobre as razões do projeto e colocando

o professor à disponibilidade para responder quaisquer dúvidas62.

O manual abordava questões que envolvem tanto a preparação do ambiente

da entrevista quanto formas de proceder em relação ao entrevistado. Maneiras de

burlar adversidades são sugeridas e possíveis reações do entrevistado são

levantadas. Da mesma forma, o manual trata do desenvolvimento e encerramento da

entrevista, assim como de cuidados com o arquivo produzido.

Todas as orientações tiveram como intuito colocar os estudantes a par de

alguns procedimentos que envolvem a prática de entrevistas em história oral. Sugerir

meios que permitem reduzir adversidades técnicas ou do ambiente proporcionam um

material de melhor qualidade audiovisual. Ao orientarmos os estudantes sobre a

possibilidade de o entrevistado se emocionar ou ocorrer momentos de silêncio,

estamos reduzindo as chances dessas situações surgirem como “surpresas” ao

estudante, deixando-o sem saber como agir.

O manual também contava com uma Ficha de resumo de entrevista, contendo

o nome do entrevistado, data e local onde a entrevista foi realizada, integrantes do

grupo e suas respectivas funções. Além disso, teriam de escrever um resumo da

entrevista realizada, contando os principais assuntos abordados e demais

informações que pudessem trazer de forma sintética o entendimento sobre seu

conteúdo. Essa ficha serviu tanto para a organização do material quanto como um

exercício de síntese e reflexão dos estudantes sobre a entrevista realizada. Serviu,

ainda, como referência aos estudantes para a apresentação na Semana de Cultura.

Os estudantes também foram informados da necessidade de transcreverem as

entrevistas. Não foram impostas regras rígidas de transcrição, apenas sendo exigido

que ficasse claro no texto quem eram as pessoas envolvidas e a quem pertencia cada

fala. Essas transcrições deveriam ser enviadas ao professor por e-mail para correção

61 Ressaltamos que as entrevistas foram cedidas em nome do CEHG, cabendo ao professor apenas o desenvolvimento do projeto, não os direitos sobre o material produzido. 62 Também havia um modelo de carta de cessão de direitos de imagem para menor de idade, a ser preenchida pelos responsáveis dos estudantes que optassem por aparecer nas entrevistas.

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e edição. A partir delas, teríamos um conjunto de livretos que, juntamente das

gravações das entrevistas, comporiam nosso acervo.

Por fim, ficou acordado que as entrevistas deveriam estar prontas nos dias 10

e 11 de outubro, quando seriam assistidas pelas turmas participantes do projeto. A

partir daí planejaríamos a apresentação do projeto Nossas Histórias na Semana de

Cultura do CEHG.

3.2.3 A exibição das entrevistas

A culminância do projeto Nossas Histórias na Semana de Cultura do CEHG

pode ser entendida como o momento em que nossa pesquisa assume maiores

características que a enquadram na perspectiva da história pública. O processo

desenvolvido para a investigação da história local com o público agora se volta para

o público63.

A Semana de Cultura do CEHG ocorre no segundo semestre do ano. A

proposta é que professores desenvolvam junto às turmas trabalhos a serem

apresentados para professores, funcionários e estudantes de outras turmas. Cada

turma fica sob a orientação de um professor. Durante uma semana, parte da carga

horária diária é reservada para as apresentações. Logo, trata-se de um projeto que

mobiliza todos os estudantes do colégio.

A apresentação das turmas envolvidas no projeto Nossas Histórias ocorreu no

dia 25 de outubro de 2019. A princípio, teríamos a manhã inteira disponível para a

exibição das entrevistas. No entanto, imprevistos implicaram a redução do horário

disponível e nos levaram à necessidade de selecionar um número restrito de

entrevistas a serem apresentadas. Com isso, surgiu a ideia da divisão em temas.

Tentamos, nessa divisão, contemplar as três turmas envolvidas e incorporar as

entrevistas que tivessem despertado mais a atenção dos estudantes.

A apresentação consistiu em quatro sessões com diferentes temáticas, com

duração de cerca de meia hora cada uma, o que incluía a apresentação de duas ou

três entrevistas realizadas pelos estudantes. Essas sessões foram divididas entre os

63 Ver Anexo 3.

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seguintes temas: Histórias da escola e arredores, Histórias de Paiol e Anchieta,

Histórias de quem veio de longe e Histórias que se encontram na escola64.

A cada entrevista, os estudantes que participaram de seu desenvolvimento

faziam uma apresentação contando as razões de terem entrevistado a pessoa, os

obstáculos enfrentados, os assuntos abordados e as questões que mais chamaram a

atenção nos testemunhos.

Fotografia 4 – Programação da exibição das entrevistas

Fonte: Fotografia de Saulo Nunes, 2019.

A divisão em quatro sessões seguidas teve como propósito fazer com que o

compartilhamento das entrevistas alcançasse o maior público possível. Também

levamos em consideração que, com outras atividades acontecendo no colégio, uma

exibição de duas horas seguidas poderia se tornar desinteressante aos que

quisessem ver outras apresentações65.

64 Esse último tema consiste em entrevistas que, apesar de não se voltarem para a história de uma localidade específica, nem sobre histórias de pessoas que migraram de outras regiões do país, abordaram assuntos que foram considerados importantes. Na primeira entrevista sob esse tema, a entrevistada conta sua relação com os estudos durante sua vida. A segunda foi incluída devido à importância que a entrevistada dá ao ato de ceder um testemunho. 65 As entrevistas realizadas pelos estudantes tiveram duração variada, entre 3 e 10 minutos.

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A montagem da apresentação contou com a colaboração voluntária dos

estudantes66. O interior da sala de vídeo e o seu exterior foram decorados de forma a

criar um ambiente diferente do uso cotidiano da sala. Na área externa à sala de

exibição, os estudantes colaram cartazes com a programação e decoraram com as

fotografias utilizadas na segunda ação didática, alimentando a curiosidade sobre o

que iria acontecer e demonstrando que o passado local era o assunto.

Pensando no retorno das impressões do público sobre as entrevistas, cada

pessoa recebia na entrada uma pequena folha com a frase “O que você mais gostou

nas entrevistas?” para preenchimento voluntário e não identificado. Isso possibilitou

entendermos que o que mais interessou aos que assistiram às entrevistas foi a

possibilidade de comparar o passado com o presente e perceber as mudanças

ocorridas. Foi possível, também, observar que a leitura sobre as mudanças serem

qualitativamente positivas ou negativas foi variada. No entanto, por cada pessoa ter

assistido em geral a apenas uma sessão, não é possível saber se algum assunto em

específico exerceu um maior atrativo no público.

Mais do que buscar construir o entendimento de uma narrativa homogênea

sobre a história das localidades, as entrevistas colaboraram ao levar diferentes pontos

de vista acerca do passado. Esses pontos de vista são possíveis de serem observados

entre uma entrevista e outra. Todavia, podemos perceber que algumas entrevistas

convergem para a problematização que buscamos realizar junto aos estudantes na

primeira etapa das ações didáticas. Podemos ilustrar com falas do senhor Cleber

Souza ao comparar o bairro São Mateus há mais de vinte anos com sua situação

atual:

[…] houve uma evolução, porque naquela época algumas ruas eram de barro, principalmente aqui quando eu comecei minha época de namoro. A minha noiva, no caso minha esposa atual. Eu ia visitar ela na casa dela […] as ruas eram em barro. Hoje não, agora está tudo asfaltado. Então nesse ponto houve uma grande evolução. (SOUZA, Cleber Elias M. de, entrevista realizada em 05/08/2019).

Mas, ao ser perguntado sobre o acesso a tipos de lazer disponíveis no passado,

a fala assume outro posicionamento:

66 Um grupo de estudantes auxiliou na exibição dos filmes, no uso do projetor, na regulagem do som, na organização das sessões e na entrada e saída do público.

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Nisso mudou. Houve uma evolução, mas no nosso bairro, aqui no caso, essa evolução foi na verdade uma regressão. Porque quando eu vim, na época aqui tinha cinema, tinha Correio, tinha uma Estação Ferroviária. Quer dizer, perdemos muitas coisas que tinham aqui. Hoje o bairro realmente regrediu. Com a evolução era para aqui estar muito mais desenvolvido e houve um retrocesso aqui no nosso bairro. (SOUZA, Cleber Elias M. de, entrevista realizada em 05/08/2019).

Podemos observar uma consonância entre as falas acima e a problematização

realizada nas nossas ações didáticas no que tange à ideia de mudança na relação

passado/presente. O entrevistado demonstrou que nem todas as mudanças, ao

contrário do que esperava, ocorreram para melhor. Isso colabora junto à nossa

proposta de evitarmos preconcepções que classificam o passado como

inevitavelmente melhor ou pior em relação ao presente. A entrevista com o senhor

Cleber Souza possibilitou colocar o público escolar a par de uma discussão que havia

sido realizada com os estudantes participantes da pesquisa.

Não temos como afirmar ao certo se a leitura do passado realizada pelo

entrevistado teve influência do debate que vinha sendo construído com os

estudantes67. Podemos acreditar que a recorrência de perguntas a respeito de

cinemas, criminalidade e estações de trem tenham sofrido a influência das reflexões

realizadas na primeira etapa das ações didáticas. Também podemos atribuir às

reflexões construídas na primeira etapa a incidência de entrevistas que se voltam

exclusivamente à questão das migrações, suas razões e impressões dos que

chegaram68.

Um exemplo que podemos trazer foi o caso de uma estudante, vinda da Bahia,

que entrevistou sua avó. A avó havia morado no Rio de Janeiro na juventude,

retornado para Salvador e, novamente, se mudou para o Rio de Janeiro. Um aspecto

interessante dessa entrevista é que, através de uma mesma pessoa, podemos

observar motivações diferentes para migrar a outro estado. Segue um trecho do

testemunho da senhora Magnólia Santos sobre as razões de sua chegada alguns

anos atrás:

67 No caso, o senhor Cleber Souza era pai da estudante que o entrevistou. 68 Histórias de pessoas que migraram de outras regiões do país ou do estado do Rio de Janeiro foram o tema exclusivo de 4 das 22 entrevistas realizadas. A questão também surge em várias outras entrevistas como assunto secundário.

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Motivos de trabalho. Porque nas cidades do Nordeste é muito difícil o emprego. A gente tem uma vida assim meio complicada em termos financeiros. A cidade de Salvador, em si, o Nordeste em si! Mesmo que você tenha uma, uma função, você tenha curso, tenha uma profissão, você não consegue ter um salário digno com que você estudou. Eles não dão essa oportunidade. Porque é muita gente para competir e ganhar um salário pequeno. (SANTOS, Magnólia, entrevista realizada em 06/10/2019).

A entrevistada relatou uma motivação comum à migração de uma região para

outra, que é a busca por melhores condições de vida e emprego. No entanto, ao

abordar as razões de ter vindo morar no Rio de Janeiro durante a juventude69,

Magnólia Santos apresentou motivações distintas:

Na primeira vez, na verdade, foi mais curiosidade. Porque eu ouvia falar Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, capital, Cristo Redentor. Então eu vim com 18 anos. Aí fiquei, fui pra Baixada Fluminense. Queria conhecer o morro. Poque eu ouvia falar muito no morro, então eu queria conhecer. Aí eu fui no morro. Me lembro que eu fui visitar uma vez e achei aquilo maravilhoso. Porque, assim, subir ladeira, tinha os baile funk. Inclusive eu fui morar em Nilópolis. Participei de baile funk também na época. (SANTOS, Magnólia, entrevista realizada em 06/10/2019).

O interesse cultural surge aqui como motivador para a migração. Possibilita

levar o público à reflexão sobre uma pluralidade de razões que envolvem a vinda de

pessoas e o reconhecimento da migração como um dos elementos constitutivos da

identidade local.

A exibição de entrevistas voltadas às localidades e temáticas que envolvem a

comunidade escolar, produzidas por membros dessa mesma comunidade, é algo em

que devemos nos deter. A situação criada pela exibição da entrevista carrega em si

grande potencial de produzir identificações. Por mais que um espectador possa não

ter se envolvido diretamente no projeto, ele possivelmente reconhecerá um vizinho,

um lugar sobre o qual se fala, uma experiência relatada e perceberá alguma afinidade

com o que assiste. Essa afinidade parte da observação de elementos comuns aos

integrantes daquela comunidade e reforça o entendimento de uma identidade

compartilhada.

69 Segundo a entrevista, ela chegou ao Rio de Janeiro em 1986, aos 18 anos de idade, e retornou em 1987.

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Não podemos esquecer do fato de que esse projeto se desenvolveu com o

intuito de se voltar à pesquisa histórica das localidades em que os estudantes residem.

Dessa forma, ao termos elementos cotidianos do público escolar apresentados como

relevantes ao estudo histórico, estamos contribuindo para que o público espectador

dessas entrevistas se compreenda como igualmente dotado de conhecimento

histórico relevante. Assim, o contato com essas entrevistas também propicia que o

espectador, ao se identificar com questões abordadas nos testemunhos, se entenda

como integrante de uma comunidade e uma história que transcende ele mesmo.

Podemos considerar que, ao buscarmos produzir efeitos e reflexões em uma

comunidade, estamos agindo em consonância com o que Alberti (2005) compreende

como um dos usos da história oral fora da perspectiva acadêmica. Também reforça o

entendimento de nosso projeto como uma prática de história pública desenvolvida

com o público ao qual se volta.

O impacto desse tipo de projeto pode ser pensado, como vimos, a partir dos

estudantes que se envolveram na pesquisa, do público escolar que assistiu às

entrevistas, mas, ainda, a partir dos entrevistados. É o caso da última entrevista

exibida na semana de cultura, na qual a senhora Zilma Simões encerra dizendo que:

“era um sonho meu de contar minha história de infância e ser entrevistada” (SIMÕES,

Zilma, entrevista realizada em 04/10/2019). Podemos considerar possível que os

familiares ou conhecidos que concordam ceder um testemunho também sentem um

reconhecimento do saber que detêm. Acreditamos, então, que o próprio ato de

estimular os estudantes a buscarem pessoas que possam ceder testemunhos para a

construção de um debate sobre a história local, por si só já age na autoestima e

valorização da comunidade envolvida.

Como último apontamento, foi possível observar que as entrevistas produzidas

para a semana de cultura apresentaram melhor desenvolvimento e montagem se

comparadas com as entrevistas realizadas na experiência-piloto de 2018. Isso nos

leva a crer que tanto as reflexões provenientes da primeira etapa de ações didáticas

quanto as orientações técnicas da segunda etapa surtiram efeitos positivos na

produção do material.

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3.3 O ACERVO DE MEMÓRIA LOCAL

Uma das propostas da pesquisa era a constituição de um acervo de entrevistas

voltadas para a história das localidades em que os estudantes residem. Podemos

entender esse acervo como o produto decorrente das ações didáticas desenvolvidas

durante esse processo de pesquisa. Ele foi constituído com o intuito de preservar os

testemunhos colhidos pelos estudantes e garantir seu acesso à comunidade escolar.

Foram desenvolvidas formas variadas de meios para que esse acesso e preservação

fossem garantidos70.

Para isso, contamos com importante parceria com a biblioteca do CEHG. A

biblioteca escolar desenvolve diversos projetos anualmente, que contam com a

participação de professores de diversas áreas. Trata-se de um espaço bastante

produtivo dentro do colégio e muito frequentado pelos estudantes. Essas

características fizeram da biblioteca escolar do CEHG não apenas um lugar

necessário à preservação, mas também à divulgação e ao acesso do acervo

desenvolvido.

Para a preservação e acesso às entrevistas, foram gravados DVDs de vídeo

divididos em temas específicos, compostos de sete volumes diferentes e

numerados71. Os primeiros cinco volumes são catalogados por bairros específicos72.

Já os dois volumes restantes se denominam Histórias de quem veio de longe, tratando

dos que migraram para a região, e Outras histórias, incluindo entrevistas com temas

específicos que não se enquadram nem em histórias de bairros nem de imigrantes. O

acervo de DVDs também é composto por um volume extra, incluindo algumas das

entrevistas realizadas na experiência-piloto de 2018. Para cada um desses volumes,

foram feitos três exemplares.

Gravar as entrevistas em meio físico sob o formato de DVD de vídeo tem suas

razões. Em primeiro, ao fazermos um DVD de vídeo, ao invés de dados, reduzimos a

possibilidade de as entrevistas serem utilizadas, sem autorização, em redes sociais.

70 Ver Anexo 4. 71 Para a relação de entrevistas ver Anexo 5. 72 Os DVDs são divididos nos seguintes volumes: 1 – Histórias do CEHG e São Mateus; 2 – Histórias de Anchieta; 3 – Histórias do Paiol de Pólvora; 4 – Histórias da Pavuna; 5 – Histórias de Éden; 6 – Histórias de quem veio de longe; 7 – Outras histórias; e mais o volume extra sob o título de Entrevistas 2018.

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Assim, é possível ceder o material para empréstimo dos estudantes com maior

segurança. Outra razão é que, ao termos esse material compondo o acervo da

biblioteca escolar, chamamos a atenção dos frequentadores para o projeto

desenvolvido, permitindo que outras gerações de estudantes tenham acesso a ele.

Junto aos DVDs, também foram entregues à biblioteca escolar vinte volumes

de um livreto contendo as transcrições das entrevistas realizadas no projeto Nossas

Histórias. Essas transcrições foram realizadas pelos estudantes e editadas pelo

professor de forma a padronizar o material. As transcrições permitem outro tipo de

trabalho com as entrevistas, possibilitando que os estudantes possam se voltar mais

atentamente ao conteúdo das falas.

Fotografia 5 – Acervo Nossas Histórias na Biblioteca do CEHG

Fonte: Fotografia de Raphael Smith, 202073.

73 Fotografia feita por um estudante do colégio que participou do projeto em 2018. Nela, podem ser vistos os DVDs à esquerda e os livretos com as transcrições à direita. No centro, temos o baú onde o material foi entregue e onde se encontram guardados os documentos preenchidos, as fotografias e demais fontes utilizadas durante o projeto, bem como um pendrive com esses materiais, todos os vídeos e transcrições armazenados.

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Seguindo uma sugestão da banca de qualificação, foi criado um perfil em uma

rede social como forma de armazenar e divulgar as entrevistas realizadas. Essa

sugestão foi apresentada aos estudantes para sondagem do interesse deles na

questão. A rede social escolhida foi o Instagram, por ter sido apontada pelos

estudantes como meio mais organizado para divulgação de vídeos. Foi considerada

a possibilidade de que muitos pretensos entrevistados poderiam ficar receosos de

autorizar que a imagem fosse colocada em um perfil público, que qualquer um

pudesse ter acesso. Foi então acordado que criaríamos o perfil, mas que este seria

restrito à comunidade escolar, pais e pessoas que cedessem entrevistas.

Concordamos também que nem todos os vídeos seriam postados no perfil, devido ao

trabalho que levaria. Dessa forma, ficariam exibidos aqueles que fossem mais bem

elaborados, abordassem melhor os temas e que fossem escolhidos pelas turmas74.

Captura de tela 1 – Perfil Nossas Histórias no Instagram

Fonte: Instagram75.

74 Destaco aqui a grande ajuda que tive dos estudantes para aprender a postar vídeos no Instagram. Não fosse a paciente explicação deles sobre o funcionamento do IGTV, plataforma de vídeos de maior duração no Instagram, não teria sido possível. 75 Disponível em: https://www.instagram.com/nossashistoriashg/?hl=pt-br. Acesso em: 06 mar. 2020.

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O perfil foi criado algumas semanas antes da semana cultural do CEHG.

Diariamente, eram postadas fotografias, músicas sobre a localidade e entrevistas

produzidas na experiência-piloto de 2018. Cada entrevista era acompanhada de uma

descrição e contextualização dos assuntos abordados, como forma de inteirar seus

espectadores do debate desenvolvido com os estudantes nas ações didáticas. Foi um

importante meio de divulgação da apresentação do dia 25 de outubro e levou o público

ao conhecimento do projeto. As entrevistas realizadas em 2019 foram aos poucos

sendo incluídas, junto a outros materiais.

O perfil do Nossas Histórias no Instagram também é um dos produtos derivados

da pesquisa desenvolvida com os estudantes. Sua administração ficará a cargo da

biblioteca e dos professores que desejarem. Serve como um meio facilitado para a

divulgação do projeto ao público escolar, assim como para seu uso didático.

Ademais, a biblioteca escolar recebeu outros materiais que não envolvem a

divulgação do projeto. São esses as fontes trabalhadas nas ações didáticas, entre

elas as fotografias e o manual de entrevistas. Também receberam as versões físicas

e digitalizadas das cartas de cessão de direitos das entrevistas, para vias de controle

e comprovação dos direitos do material. Modelos em branco de cartas de cessão e

apresentação foram incluídos nesse material. Por fim, receberam versões digitais das

entrevistas realizadas em 2018 e 2019 para eventual necessidade.

Esse acervo abre a possibilidade para que outros professores possam trabalhar

através dele ou acrescê-lo. Consiste em importante meio, e, caso existisse

anteriormente à nossa pesquisa, sem dúvida o trabalho desenvolvido teria se voltado

para seu uso e assumido outro formato.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscando reduzir a distância entre a História ensinada na escola e a realidade

vivida pelos estudantes, o presente trabalho procurou criar meios que possibilitassem

a aproximação entre ambos. Para que tal intuito fosse possível, consideramos

necessário que os estudantes fossem levados ao exercício da pesquisa histórica,

condizente com seu nível de formação. Assim, criamos um conjunto de ações

didáticas voltadas para a assimilação de conceitos básicos da História a partir do

trabalho com fontes históricas. Acreditamos que esse tipo de trabalho possibilitou aos

estudantes o reconhecimento das especificidades que distinguem um conhecimento

histórico produzido cientificamente de uma mera opinião.

As ações didáticas desenvolvidas são entendidas como um tipo de operação

historiográfica escolar. Tal compreensão resulta da incorporação da ideia apresentada

por Penna (2013), a partir da releitura do conceito de operação historiográfica,

proposto por Certeau (1982). Por essa proposição, entende-se a existência de outras

modalidades de operações desenvolvidas pelo historiador que decorrem do

deslocamento da ideia de lugar social e da expansão da ideia de texto, como produto

dessa operação. Nossas ações didáticas são consideradas aqui como o texto

originado na operação que desenvolvemos.

O planejamento das ações didáticas ocorreu à luz de nossa concepção de

didática da História, que deve agir na mediação dos elementos da cultura histórica

que se manifestam na cultura escolar. A partir da mediação desses elementos,

consideramos ser possível colaborar com o desenvolvimento da consciência histórica

dos estudantes. Através desse entendimento, desenvolvemos ações didáticas

voltadas para a mediação de saberes trazidos pelos estudantes com o intuito de

construirmos uma reflexão com base nos elementos que envolvessem a dimensão da

vida prática.

Para pensar o planejamento e a execução das ações didáticas também

recorremos a Certeau (1998), em especial aos conceitos de estratégia e tática, dos

estudos do cotidiano, para pensar a prática docente. Compreendemos que a prática

docente, inclusive nossas ações didáticas, demandam um planejamento, que aqui é

chamado de estratégia. No entanto, essa estratégia encontra-se sujeita a elementos

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que possam colocá-la em questão e levar à necessidade de ser reformulada de acordo

com as demandas do processo. Logo, o professor apresenta-se como elemento

definidor de uma estratégia, mas que deve ter em consideração sua flexibilidade de

acordo com os elementos com os quais precisa negociar. Ao mesmo tempo que age

dentro de estratégias, o professor desenvolve táticas para que sua prática se efetive.

Compreendemos aqui que a mediação da cultura histórica dos estudantes dentro da

cultura escolar se desenvolve na articulação entre estratégia e tática pelo professor.

Baseados nessas observações, direcionamos nosso olhar à história local como

forma de mobilizarmos e mediarmos conhecimentos mais próximos da vida práticas

dos estudantes. Foi possível notar que, ao estabelecermos essa proximidade, tivemos

maiores condições de levar os estudantes ao entendimento das relações que a

História mantém com suas vidas pessoais, assim como valorizar conhecimentos que

não compõem o quadro curricular da disciplina.

A primeira etapa de ações didáticas desenvolvidas buscou, por meio do uso de

fontes voltadas para a história local, promover essa mediação de saberes e da cultura

histórica dos estudantes dentro da cultura escolar. Isso foi possível porque, ao serem

apresentados a uma fonte ou debate que envolva a realidade vivida, os estudantes

não consomem aquele momento de forma passiva. Ao invés disso, reconhecemos

que os estudantes buscaram comparar as questões observadas com os

conhecimentos que mantinham, seja para confirmar, seja para contrapor. Dessa

forma, quando os estudantes interpretaram a variação de escala apresentada a partir

dos dados do IBGE e da matrícula escolar, quando identificaram lugares em

fotografias, quando trouxeram testemunhos de familiares e quando debatiam as

entrevistas assistidas, eles estavam apresentando seus conhecimentos e

possibilitando a mediação, indo ao encontro de algumas hipóteses relativas ao

aprendizado no ensino de história levantadas nesta pesquisa.

Ao partirmos de fontes que possibilitam aos estudantes desenvolver reflexões

sobre a história local, colaboramos para que aquele local, delimitado pelo entorno da

escola, fosse compreendido como espaço inserido na História, mas também dotado

de processos históricos próprios. Observamos que esses processos são, muitas

vezes, conhecidos pelos estudantes, como o caso das migrações. Mas não

necessariamente compreendidos dentro de uma perspectiva histórica. Assim, o

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106

trabalho também possibilitou chamar a atenção dos estudantes para o fato de que,

mesmo fora da disciplina escolar, eles possuem conhecimentos históricos que se

voltam para a realidade local e familiar, mas que não deixam de ser conhecimentos

históricos.

Para que esses conhecimentos pudessem ser utilizados de forma a propiciar

aos estudantes maior compreensão da ideia de História, adotamos como metodologia

trabalhar por meio da problematização de conceitos básicos para o entendimento do

conhecimento histórico. Os conceitos foram selecionados com base na orientação

dada por Schmidt (1999), segundo a qual os conceitos trabalhados com estudantes

devem apresentar caráter abrangente. Com isso, espera-se que os estudantes

possam associá-los a outros contextos e eventos históricos.

Conceitos como tempo histórico, continuidade, ruptura, mudança e

permanência foram operados através da interpretação das fontes históricas junto aos

estudantes. Para além de uma definição conceitual pormenorizada, buscamos levá-

los à sua compreensão através do efeito comparativo entre passado e presente. Os

conceitos manejados assumem importância não apenas para a execução das ações

didáticas e estudo da disciplina, mas também se apresentam como ferramentas a

auxiliar os estudantes na interpretação do que Rüsen (2001) chama de carências de

orientação da vida no tempo.

A memória foi um elemento que assumiu importante papel em nossa pesquisa.

O olhar à memória fez-se presente tanto na primeira quanto na segunda etapa das

ações didáticas. Incorporamos a proposição de Seixas (2016) de incluir a memória à

vida prática para pensarmos a formação da consciência histórica. Como sugerido pelo

autor, nos voltamos ao trabalho e problematização de memórias presentes na

localidade em que os estudantes vivem.

A estratégia de trabalhar com memórias trazidas pelos testemunhos tanto de

estudantes quanto de entrevistados teve como intuito demonstrar aos primeiros que,

apesar de serem meios pelos quais podemos pesquisar sobre o passado, memórias

não são sinônimos de História. Demarcar as distinções entre memória e História junto

a eles foi fundamental para afirmar as especificidades de um conhecimento histórico

cientificamente produzido em relação à mera memória que negue esse conhecimento.

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Tal compreensão possibilita o trabalho com memórias divergentes, de forma a serem

problematizadas dentro da contextualização histórica.

Pensar a memória como fonte, através da qual buscamos trabalhar a história

local com os estudantes, nos direcionou para a história oral como metodologia. Não

se trata de uma escolha inevitável, mas que, diante de outras formas de se trabalhar

a história local, abriu possibilidades que nos interessaram. Em primeiro, por meio da

história oral foi possível suprimir a carência de fontes acessíveis aos estudantes. Além

disso, trouxe a possibilidade de que o estudante pudesse ir à procura dessas fontes,

ao invés de apenas as receber em uma ação didática. Desse modo, foi possível

estimular a autonomia dos estudantes e envolver familiares e membros das

localidades na pesquisa desenvolvida. A história oral possibilitou, portanto, maior

aproximação da história pesquisada com a realidade vivida e familiar dos estudantes.

Pela seleção da história oral como metodologia, fez-se necessário realizar um

preparo dos estudantes sobre procedimentos da realização de entrevistas. Apesar do

problema observado na elaboração de roteiros, foi possível constatar que tanto as

ações didáticas da primeira quanto da segunda etapa colaboraram para a melhor

qualidade das entrevistas desenvolvidas, se comparadas com a experiência-piloto de

2018. As ações didáticas da primeira etapa possibilitaram melhor condução das

entrevistas a partir das reflexões realizadas sobre o passado local. Dessa forma, foi

possível observar a consonância entre o conteúdo debatido em algumas entrevistas

e as reflexões desenvolvidas nas ações didáticas. A segunda etapa assumiu

importante papel na qualidade técnica das entrevistas. A composição de ambiente, a

qualidade das filmagens, divisão do trabalho em equipe, melhor trato com os

entrevistados e melhor desenvolvimento do roteiro de entrevistas a partir do trabalho

desenvolvido na primeira etapa.

A incorporação da história oral como metodologia, devido a sua possibilidade

de envolver familiares e membros das localidades em que os estudantes vivem,

implicou trazermos para nossa pesquisa o debate da história pública. A história oral

estabelece paralelo com a história pública a partir da ideia de autoridade

compartilhada, segundo Frisch (2016), fundamental às duas áreas.

Partindo do entendimento de que uma aula de História pode se constituir como

prática de história pública, podemos considerar que nossas ações didáticas se

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incluem também nessa perspectiva. No entanto, em nossa pesquisa, o caráter de

história pública não se restringe ao espaço da sala de aula. O público para o qual nos

voltamos não é composto apenas dos estudantes que participaram da pesquisa, mas

também de seus familiares e vizinhos que cederam os testemunhos, assim como dos

demais estudantes, funcionários e professores que estiveram presentes na

apresentação final do projeto Nossas Histórias.

O acervo de entrevistas desenvolvido ajuda a reforçar nosso entendimento do

caráter de história pública da pesquisa. Termos no colégio um acervo de entrevistas

voltadas para a memória das localidades em que os estudantes se inserem, com

acesso disponível para estudantes e professores, leva o caráter público do projeto

para além do momento de seu desenvolvimento e apresentação. A existência de um

acervo com tais características permite colocar estudantes que não estiveram

envolvidos na pesquisa a par do debate construído. No entanto, não se trata de um

acervo encerrado e com uma narrativa fechada. Ele carrega grande potencial de

acréscimo e usos pedagógicos.

O acervo derivado do projeto e seu meio de divulgação, no caso o Instagram,

também são formas de reforçarmos a identidade local a partir das temáticas históricas

abordadas. Diferentemente do trabalho que seria realizado por um historiador, o uso

pedagógico das entrevistas visa à reflexão dos membros da comunidade escolar.

Assim, situações, por vezes, conhecidas e banalizadas podem ser compreendidas

como elementos constitutivos da identidade local.

O desenvolvimento do acervo junto aos estudantes é, ainda, compreendido

como o momento em que o plano pedagógico desenvolvido se consolida como um

tipo de operação historiográfica escolar. A partir dele, temos o encerramento de um

processo que buscou agir no desenvolvimento da consciência histórica dos

estudantes, no entendimento de elementos que possibilitam a distinção entre

conhecimento cientificamente produzido e discurso não refletido, bem como na

criação de vínculos entre realidade vivida e História. O acervo constitui-se como meio

que torna possível estender esse processo para outros e base a partir da qual outras

reflexões podem se desenvolver.

Com a realização desta pesquisa pelo ProfHistória, acreditamos que, ao

pensarmos o ensino de História fundamentados na ideia de operação e nos voltarmos

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para o trabalho de conceitos básicos para a compreensão histórica, foi possível

proporcionar aos estudantes maior inteligibilidade das relações que a História

estabelece com a vida pessoal. O olhar à história local por meio da história oral

demonstrou carregar grande potencial pedagógico, ainda mais se unido ao intuito de

levar o estudante a participar ativamente da pesquisa. Por fim, podemos considerar

que a pesquisa desenvolvida permitiu que estudantes e professor, ao se voltarem para

uma mesma questão de interesse, demonstrassem ser possível desenvolver o ensino-

aprendizagem em História fora de posições tradicionais que colocam professores

como transmissores e estudantes como receptores de conhecimento.

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ANEXO 1 – Fontes da segunda ação didática

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ANEXO 2 – Manual, carta de apresentação e cartas de cessão de direitos

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ANEXO 3 – Exibição das entrevistas

Fotografias realizadas pelos estudantes que se voluntariaram para a organização da

apresentação.

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ANEXO 4 – Acervo Nossas Histórias

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Fotografias realizadas pelo estudante Raphael Smith do CEHG.

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ANEXO 5 – Relação de entrevistas gravadas em DVD

VOLUME 1 – HISTÓRIAS DO CEHG E SÃO MATEUS Entrevistado: Cleber Elias Martins de Souza Grupo: Ana Vitória (filmagem), Isabela (entrevistadora), Emely (roteiro), Jéssica (resumo e transcrição), Diego (filmagem), Eduarda (roteiro). Assunto: Comparação do passado e presente de São Mateus. Local: São Mateus, São João de Meriti – RJ Data: 07/10/2019 Duração: 09:58 Entrevistada: Denise de Mendonça Patrício da Cunha Grupo: Millena de Mendonça (entrevistadora), Richard da Silva Lage, Patrício da Cunha, Paulo Victor dos Santos Pires Barbosa, Kauan Souza dos Santos. Assunto: História de vida. Local: São Mateus, São João de Meriti – RJ Data: 09/10/2019 Duração: 03:11 Entrevistada: Marcia Sodré de Souza Grupo: Sabryna Sodré de Souza da Silva (entrevistadora), Thalyta Nascimento Mendes dos Santos (filmagem), Thais Eustáquio Alves (edição), Maria Eduarda Porto de Souza Santos (resumo), Danielle Cardoso do Nascimento (roteiro). Assunto: Carnaval, saúde, segurança e transporte público. Local: São Mateus, São João de Meriti – RJ Data: 08/10/2019 Duração: 08:45 Entrevistadas: Mariza Sobra & Mariângela Grupo: Camille Vitória, Evelyn Roberta (entrevistadora), Victória Verciane (entrevistadora), Jeovana Goveia. Local: Colégio Estadual Hilton Gama, São Mateus, São João de Meriti – RJ Assunto: Carreira como diretora do CEHG e história de Vila União/Portugal Pequeno. Data: 18/10/2019 e 21/10/2019 Duração: 18:35

VOLUME 2 – HISTÓRIAS DE ANCHIETA Entrevistada: Ercília Maria da Silva Pinheiro Grupo: Richard Luís (entrevistador), Brenda (roteiro), Caio (roteiro), Moisés (filmagem e edição), Tiago Oliveira (transcrição), Marcus Vinícius (transcrição). Assunto: Mudança de Saquarema, fundação do Parque Esperança. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data: 08/10/2019 Duração: 19:47

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Entrevistado: Jorge Luíz Costa Paula Grupo: Thayane Machado, Lucas Queiroz, Gustavo Fraga, Kaiky Malheiros, Glaucio Machado (entrevistador), Alexandre Junior. Assunto: História de vida. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data: 07/10/2019 Duração: 11:42 Entrevistada: Maria Francelina Fernandes de Freitas Grupo: Juliana Freitas, Lara Bitonio (entrevistadora), Luccas Kauã, Luis Henrique, Marlon Neves, Renan Souza. Assunto: Passado do bairro, história de vida. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data:08/10/2019 Duração: 08:25 Entrevistada: Regina de Oliveira Grupo: Ana Clara Grangeiro (filmagem), Kamilly Ramos (entrevistadora), Matheus Vieira (entrevistador), Wendel Luiz (entrevistador). Assunto: Mudanças, segurança, estilo da década de 1970, vida escolar. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data: 16/10/2019 Duração: 06:11 Entrevistada: Vera Lucia Ferreira Fernandes Grupo: Ruan Araújo (entrevistador), Daniel Glimmer. Assunto: Infância, mudanças urbanas, segurança. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data: 09/10/2019 Duração: 04:23

VOLUME 3 – HISTÓRIAS DO PAIOL DE PÓLVORA Entrevistados: Cristiane Matos Marques & Gilberto Moreira Ficha Grupo: Jamily Rodrigues Nobre (entrevistadora), Larissa Coutinho de Freitas (entrevistadora). Assunto: A vida no Paiol antigamente. Local: Paiol de Pólvora, Nilópolis – RJ Data: 09/10/2019 Duração: 08:45 Entrevistada: Fatima Aparecida dos Santos Grupo: Thais Santos (entrevistadora), Leticia Silva da Rosa, Maria Luisa, Rafaella da Silva Macedo, Juliane dos Santos. Assunto: História de vida. Local: Paiol de Pólvora, Nilópolis – RJ Data: 10/10/2019 Duração: 03:36

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VOLUME 4 – HISTÓRIAS DA PAVUNA Entrevistado: Anderson Rosa Abreu Grupo: Cauã Oliveira de Barros (roteiro), Caike Lima de Jesus (entrevistador), Matheus Vinicius Pereira Villardi (filmagem), Thiago dos Santos da Silva (edição), Vitor Queiroz de Andrade (resumo e transcrição). Assunto: Brincadeiras de infância, trabalho. Local: Pavuna, Rio de Janeiro – RJ Data: 17/10/2019 Duração: 05:41 Entrevistados: Pedro Paulo & Jurema Lins Grupo: Kelly Samara (edição), Mylena De Oliveira (filmagem), Vitória Lins (entrevistadora), Camille Vitória (roteiro), Hosana (transcrição). Assunto: Mudanças no bairro. Local: Pavuna, Rio de Janeiro – RJ Data: 16/10/2019 Duração: 04:37

VOLUME 5 – HISTÓRIAS DE ÉDEN Entrevistado: Rogério de Oliveira Misael Grupo: Brenda da Silva Barbosa (entrevistadora), Fabiane Vitória Silva da Cruz Costa (Roteiro), João Almeida dos Santos (filmagem), Maria Clara de Souza (edição). Assunto: Infância, educação, saúde e violência. Local: Éden, São João de Meriti – RJ Data:10/10/2019 Duração: 12:57 Entrevistada: Rosane Aparecida da Silva Grupo: Pedro de Araújo Botelho Silva, João Pedro da Silva (entrevistador), Rodrigo Nascimento, Júlio Cesar, Lucas Melo. Assunto: Mudanças no bairro. Local: São Mateus, São João de Meriti – RJ Data: 09/10/2019 Duração: 05:26

VOLUME 6 – HISTÓRIAS DE QUEM VEIO DE LONGE Entrevistada: Magnólia Pereira Santos Grupo: Igor Simões (entrevistador), Gleice Caroline (assistente do entrevistador), Cássia Santana, Thamires Fonseca. Assunto: Salvador, Rio de Janeiro anos 80, trabalho. Local: Pavuna, Rio de Janeiro – RJ Data: 06/10/2019 Duração: 10:08

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Entrevistado: Raimundo Braga Evangelista Grupo: Gabriel Morais (entrevistador), Camily Simões (filmagem), Eder Dola (edição de vídeo), Ana Marcela (roteiro), Kaylane (resumo), Kesia (resumo). Assunto: Ceará, Costa Barros, mudanças no bairro. Data: 16/10/2019 Duração: 09:01 Entrevistada: Rosiane Batista de Melo de Souza Grupo: Ana Victoria (entrevistadora), Clara Martins (edição), Gabriel Melo (filmagem), Giovanna Vitória (resumo), Julia Gabriellen (resumo), Thainá Correia (filmagem). Assunto: Manaus, Anchieta, saudades. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data: 04/10/2019 Duração: 05:49 Entrevistada: Valéria Antunes Marinho Grupo: Larissa Marinho (entrevistadora), Vivian Medeiros, Bianca Cardoso (entrevistadora), Raissa Cardoso. Assunto: Araruama, história de vida, saudades. Local: Anchieta, Rio de Janeiro – RJ Data: 09/10/2019 Duração: 04:49

VOLUME 7 – OUTRAS HISTÓRIAS Entrevistada: Nilza Maria S. Anunciação Grupo: João Vitor Teixeira (filmagem), Tamires Cristina (entrevistadora), Débora Hellen (entrevistadora). Assunto: Estudos. Local: Tomazinho, São João de Meriti – RJ Data: 10/10/2019 Duração: 14:44 Entrevistada: Valderlúcia do Nascimento Tomaz Grupo: Diego Oliveira, Jhonas Robson, Juliana Silva (entrevistadora), Juliana Santos, Lucas Pacheco, Matheus Carvalho. Assunto: Caju (bairro), mudanças, indústrias. Local: Caju, Rio de Janeiro – RJ Data:05/10/2019 Duração: 07:44 Entrevistada: Zilma Simões de Lima Grupo: Cauany Simões (entrevistadora), Emilly Cristine. Assunto: Petrópolis, infância, sonhos. Data: 04/10/2019 Duração: 04:53

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NOSSAS HISTÓRIAS 2018

O volume Nossas Histórias 2018 consiste em uma seleção de entrevistas

realizadas na fase piloto do Projeto Nossas Histórias. Nessa fase as entrevistas, bem

como o tratamento posterior, não foram realizadas com o mesmo rigor e

acompanhamento que as entrevistas elaboradas em 2019. Devido a isso, nas

descrições das entrevistas realizadas em 2018 algumas informações se encontram

ausentes. A seleção se fez com base na qualidade, interesse despertado no público

na ocasião de sua apresentação e assunto abordado. As entrevistas selecionadas

para representar o volume Nossas Histórias 2018 também foram utilizadas na quarta

ação didática da primeira etapa da pesquisa.

Entrevistado: Edson Gomes da Silva Entrevistador: Jean Alves. Assunto: Razões da mudança Pernambuco para o Rio de Janeiro. Data: 08/12/2018 Duração: 06:54 Entrevistada: Léa da Silveira de Lima Entrevistadoras: Gabrielly Rocha e Bianca. Assunto: Vila União/Portugal Pequeno antigamente; mudanças. Data: 08/12/2018 Duração: 09:55 Entrevistados: Jurandir; Débora; Mirian Entrevistadoras: Jamily, Lorena, Estefany. Assunto: Lixão da FAETEC e migrações. Data: 06/12/2018 Duração: 09:27 Entrevistada: Maria da Conceição Gomes Entrevistadora: Yasmin Nascimento Gomes Assunto: Migração. Data: 09/12/2018 Duração: 07:39 Entrevistada: Guaraciara Monteiro da Silva Entrevistadora: Stephany Oliveira. Assunto: Construção da Via Light. Data: 10/12/2018 Duração: 08:35