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Contorno de mo na gruta de Pech-Merle, Frana. Era Paleoltica, cerca de 15 mil anos atrs.

Pegada do astronauta Neil Armstrong na chegada do homem Lua, em 1969.

A primeira imagem de uma impresso da palma da mo, encontrada na gruta de Pech-Merle, na Frana, provavelmente de 15mil anos atrs. A segunda, de 1969, a pegada de Neil Armstrong, um dos trs astronautas que chegaram pela primeira vez Lua. D um titulo que relacione as duas imagens.

o Para comearConta-se que por volta de 1920 foram encontradas na ndia duas meninas que teriam crescido entre lobos. Essas crianas no possuam quaisquer das caractersticas humanas: no choravam, no riam e, sobretudo, no falavam. Seu processo de humanizao s teve incio quando passaram a participar do convvio humano. Um fato notvel, porm, ocorreu nos Estados Unidos com Helen Keller (1880-1968), nascida cega e surda e que portanto no aprendera a falar. Desse modo, permaneceu praticamente excluda do processo de humanizao at a idade de 7 anos, quando seus pais contrataram a professora Anne Sullivan. Essa mulher admirvel conduziu Helen ao mundo humano das significaes, de incio pelo sentido do tato. Comeou por dedilhar sinais nas mos da menina, relacionando-os com os objetos, sem saber de incio se a criana

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percebia a relao entre sinal e coisas. At que um dia, ao bombearem a gua de um poo, Helen deu o passo definitivo na direo da linguagem. Em sua autobiografia, ela relata:... minha professora colocou minha mo sob o jorro. medida que o fluxo gelado escorria em minha mo, ela soletrou na outra a palavra gua, primeiro devagarzinho e depois mais depressa. Fiquei quieta; toda a minha ateno concentrava-se no movimento de seus dedos. De repente senti uma nebulosa conscincia de algo como que esquecido - uma impresso de retorno do pensamento; e de alguma forma o mistrio da linguagem me foi revelado. Soube ento que -g-u-a significava a maravilhosa coisa fria que deslizava pela minha mo. [...] Sa do poo ansiosa por aprender. Tudo tinha um nome, e cada nome dava origem a um novo pensamento. Ao voltarmos para casa, todo objeto que eu tocava parecia vibrar, cheio de vida. Isso se dava porque eu via tudo com a nova e estranha viso que se me apresentara.'

A ao por instintoSe os animais superiores so inteligentes, o mesmo no acontece com os animais que se situam nos nveis mais baixos da escala zoolgica - tais como os insetos -, porque eles agem principalmente por reflexos e instintos . A ao instintiva regida por leis biolgicas, idnticas na espcie e invariveis de indivduo para indivduo. A rigidez do instinto d a iluso de perfeio, j que o animal executa certos atos com extrema habilidade. No h quem no tenha observado com ateno e pasmo o "trabalho" paciente da aranha tecendo a teia. Todavia, esses atos no se renovam no tm histria -, portanto, permanecem os mesmos ao longo do tempo, salvo no que se refere s modificaes decorrentes da evoluo das espcies e das mutaes genticas. Ainda que ocorram essas alteraes, elas continuam valendo para os descendentes, por transmisso hereditria.

No mesmo dia Helen associou inmeras outras "palavras" com objetos. Depois, com o tempo, aprendeu a falar, a ler e a escrever. Tornou-se uma escritora e conferencista conhecida mundialmente. Esses relatos nos propem uma pergunta inicial: seria a linguagem o elemento que caracteriza fundamentalmente a cultura humana e que distingue o ser humano do animal?

fJ O comportamento

animal

Muitas vezes nos surpreendemos com as semelhanas entre os humanos e os animais, principalmente com aqueles que se encontram nos nveis mais altos da escala zoolgica de desenvolvimento, como macacos e; ces. Tal como eles, temos inteligncia, demonstramos amor e dio, sentimos prazer, dor e sofrimento, expressamos alegria, tristeza e desejos, alm de tantas outras caractersticas comuns que descobrimos no convvio com os animais. Por isso mesmo, indagamos: "Ser que meu cachorro pensa?". E se pensa, em que o "pensamento" dele se distingue do meu?Citado em: SAGAN, Car!. Os drages do den: especulaes Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p. 90.

A vespa "fabrica" a clula onde deposita o ovo; junto dele coloca insetos, dos quais a larva, ao nascer, ir se alimentar. Se retirarmos os insetos e o ovo, mesmo assim a vespa dar prosseguimento s etapas seguintes, at o fechamento adequado da clula, ainda que vazia. Esse comportamento "cego" porque no leva em conta a finalidade da "fabricao" da clula, ou seja, a preservao do ovo e da futura larva.

Instinto. Do latim instinctus: impulso ou inclinao. Comportamento inato (que nasce com o indivduo) e que independe das circunstncias e do controle racional da vontade.

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sobre a evoluo

da inteligncia

humana.

Natureza e cultura

Captulo4

_

Os atos instintivos ignoram a finalidade da prpria ao. Em contrapartida, o ato humano voluntrio consciente da finalidade, isto , o ato existe antes como pensamento, como possibilidade, e a execuo resulta da escolha de meios necessrios para atingir os fins propostos. Quando h interferncias externas no processo, os planos so modificados para se adequarem nova situao.

., O uso da intelignciaAo contrrio da rigidez dos reflexos e dos instintos, a inteligncia d uma resposta ao problema ou situao nova de maneira improvisada e criativa. Esse tipo de comportamento compartilhado por seres humanos e animais superiores. Experincias interessantes foram realizadas pelo psiclogo gestaltista Wolfgang Khler, quando instalou nas Ilhas Canrias uma colnia de chimpanzs, na dcada de 1910. Em um dos experimentos, o animal faminto no conseguia alcanar as bananas penduradas no alto da jaula. Depois de um tempo, o chimpanz resolveu o problema ao puxar um caixote para alcanar a fruta. Segundo Khler, a soluo encontrada pelo chimpanz no foi imediata, mas ocorreu no momento em que o animal teve um insight. A viso global lhe permitiu estabelecer a relao entre o caixote e a fruta: esses dois elementos, antes separados e independentes, passaram a fazer parte de uma totalidade.

A inteligncia distingue-se do instinto pela flexibilidade, pois as respostas variam de acordo com a situao e tambm de animal para animal. Tanto que Sulto, um dos chimpanzs mais inteligentes no experimento de Khler, foi o nico a realizar a proeza de encaixar um bambu em outro para alcanar o alimento colocado mais alto. Portanto, os comportamentos descritos no se comparam resposta instintiva, de simples reflexo, por tratar-se de atos de inteligncia, de inveno.

., A linguagem, limiar do humanoOs animais tambm tm um certo tipo de linguagem. Por exemplo, por meio de uma dana as abelhas indicam umas s outras onde acharam plen. Ningum pode negar que o cachorro expressa emoo por sons que nos permitem identificar medo, dor, prazer. Quando abana o rabo ou rosna, entendemos o que isso significa; e quando lhe dizemos "vamos passear", ele nos aguarda alegremente junto porta. No exemplo das abelhas, estamos diante de uma linguagem programada biologicamente, idntica em todos os indivduos da espcie. No segundo exemplo, o co rosna por instinto, mas entende seu dono pela inteligncia, mediante aprendizagem por reflexo condicionado. Seria mesmo apenas isso? Para entender a linguagem animal, foram feitos diversos experimentos com animais superiores, como chimpanzs. Na dcada de 1960, o casal de psiclogos Robert e Beatrice Gardner, sabendo que o chimpanz no fala porque no dispe de aparelho fonador adequado reproduo da linguagem oral, recorreu linguagem de sinais dos deficientes auditivos. Realizaram ento a faanha de ensinar de 100 a 200 expresses chimpanz Washoe, que foi capaz de formar frases com sujeito e predicado para pedir gua, comida ou brinquedo. No entanto, mesmo que identifiquemos nas respostas dadas pelos animais associaes semelhantesInteligncia. De modo amplo, capacidade de resolver problemas prticos de maneira flexvel e eficaz. No sentido estritamente humano, capacidade de solucionar problemas pelo pensamento abstrato (raciocnio, simbolizao). Gestaltista. Seguidor da Gestalt (em alemo, "figura", "forma"), teoria tambm conhecida como Psicologia da Forma. Insight. Em ingls, "viso interna". Para os psiclogos da Gestalt, o conhecimento que deriva de "iluminao s bita", "esta 10", viso globa I". "

Na ilustrao, um exemplo de percepo global, em que vemos ora a figura de um saxofonista, ora o rosto de uma mulher. Trata-se de uma figura ambgua, com a qual os gestaltistas mostram no haver puro estimulo sensorial, porque nossa percepo j orientada por um conhecimento anterior.

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Unidade 2 Antropologia filosfica

s realizadas por humanos, trata-se de uma linguagem rudimentar, que no alcana o nvel de elaborao simblica de que somos capazes. Portanto, a linguagem humana um divisor de guas entre a natureza humana e a dos animais. Somos seres que falam, e a palavra encontra-se no limiar do universo humano, como veremos no prximo captulo, "Linguagem e pensamento'.

A lngua que aprende, a maneira de se alimentar, o jeito de se sentar, andar, correr, brincar, o tom da voz nas conversas, as relaes familiares; tudo, enfim, se acha codificado. At na emoo, que nos parece uma manifestao to espontnea, ficamos merc de regras que educam a nossa expresso desde a infncia.

~

PARA REFLETIRPode-se falar em "nu natural"? Toda pessoa encontra-se envolta em panos e portanto em interdies, pelas quais levada a ocultar sua nudez em nome de valores (sexuais, amorosos, estticos) que lhe so ensinados. Portanto, o corpo humano nunca apresentado como mera anatomia. Discuta com seu colega como variam, conforme o tempo e o lugar, as regras sobre o cobrir-se e o desnudar-se.

D O agir humano:

a cultura

A linguagem humana intervm como forma abstrata que nos distancia da experincia vivida e nos permite reorganiz-Ia em outro contexto, dando-lhe novo sentido. pela palavra que nos situamos no tempo, para lembrar o que ocorreu no passado e antecipar o futuro pelo pensamento. Se a linguagem, por meio da representao simblica e abstrata, permite que nos distanciemos do mundo, tambm ela que nos possibilita o retorno para agir sobre ele e transform-lo. O mundo que resulta do pensar e do agir humanos no pode ser chamado de natural, pois se encontra modificado e ampliado por ns. Portanto, as diferenas entre ser humano e animal no so apenas de grau, porque, enquanto o animal permanece mergulhado na natureza, ns somos capazes de transform-Ia em cultura.

Todas as diferenas existentes no comportamento modelado em sociedade resultam da maneira pela qual nela foram organizadas as relaes entre os indivduos. por meio delas que se estabelecem os valores e as regras de conduta que norteiam a construo da vida social, econmica e poltica.o z o 'j o

.:

s:;; Revendo

o capitulo

D Faa a distino 11 Em que

entre ao instintiva e ao inteligente. D exemplos. sentido a diversidade cultural um fato?

Ningum - concluiu meu companheiro de viagem doutor em tudo!'." (Roberto DaMatta, O Estado de S. Paulo, 26 dez. 2002. Caderno D. p. 8.) O antroplogo Roberto DaMatta relata a conversa que teve com seu guia, quando fazia pesquisa de campo. Explique como a fala do guia demonstra que o conceito de cultura vai alm do sentido comum que se costuma atribuir "pessoa culta".

Como possvel, em uma dada cultura, conciliar tradio e ruptura? Explique e d exemplos. sobre a histria de Tarzan, obra de Edgar Rice Burrough. Com base nos relatos sobre as meninas-lobo e de Hellen Keller, explique por que essa histria inverossimil,

11 Informe-se

11 " impossvel

litlJJR!ST4R%J\.lhe Wild Anin;:.~~ ~~ria.1 S"'pr(!mo ~ \

EIIIO lincoln

sobrepor, no homem, uma primeira camada de comportamentos que chamaramos de 'naturais' e um mundo cultural ou espiritual fabricado. No homem, tudo natural e tudo fabricado, como se quiser, no sentido em que no h uma s palavra, uma s conduta que no deva algo ao ser simplesmente biolgico e que ao mesmo tempo no se furte simplicidade da vida animal." (Maurice Merleau-Ponty. Fenomenologia da percepo. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 257.) A partir da citao .de Maurice Merleau-Ponty, explique o que significa dizer que para o ser humano "tudo natural e tudo fabricado". D exemplos.

11 Segundo

As aventuras de Tarzan, nade Elmo Lincoln, de 1921.

verso

o jurista e filsofo Norberto Bobbio, "apenas a democracia permite a formao e a expanso das revolues silenciosas, como foi por exemplo nestas ltimas dcadas a transformao das relaes entre os sexos - que talvez seja a maior revoluo dos nossos tempos". (O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 39.) Responda s questes.a) Por que s a democracia

> Aplicando os concei.tos

permitiria "revolues

silenciosas"?

11 "Um dia, em pleno

serto goiano, ia este cronista em busca de um grupo de ndios apinais acampados em local distante, para com eles complementar seus estudos etnogrficos, quando o guia e companheiro de viagem, Aldirio, perguntou no meio daquele mundo t,\tsiaI).p',feito de areia, sol e cu azul: 'Mestre Roberto - disse ele com os olhos brilhantes de ironia -, se eu lhe deixasse aqui, o senhor saberia voltar para a aldeia?' ' claro que no!', respondeu um eu meu sobressaltado pelo potencial agressivo da questo e j querendo entrar em pnico. 'Pois como eu digo, cada um doutor no seu ramo. O senhor na escrita e na leitura, eu no caminhar pelo serto, no selar dos cavalos, no cozinhar e no saber dos caminhos.

b) Voc concorda que a mudana na relao de gneros "talvez seja a maior revoluo de nossos tempos?" Justifique.

> Dissertao

11 Faa

uma dissertao relacionando o tema do capitulo e a citao do filsofo francs Blaise Pascal: "O homem no passa de um canio, o mais fraco da natureza, mas um canio pensante". (Pensamentos, aforismo 347. So Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 127.(Coleo Os Pensadores).)

Rosiano. Relativo ao universo

literrio

de Guimares

Rosa.