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Scientia vol.09 nº02

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jul-dez de 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA

ChancelerAly da Silva

Presidente em ExercícioJosé Luíz Dantas

ReitorManoel Ceciliano Salles de Almeida

Vice-ReitoraLuciana Dantas da Silva Pinheiro

Pró-Reitor AcadêmicoPaulo Regis Vescovi

Pró-Reitor AdministrativoEdson Immaginário

Pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e ExtensãoDanièlle de Oliveira Bresciani

Page 3: Scientia vol.09 nº02

REVISTA do cEnTRo unIVERSITáRIo VIlA VElhA

VIlA VElhA (ES) v. 9, n. 2, julho/dEzEmbRo 2008

ISSN 1518-2975Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 163-354, jul./dez. 2008

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ScIEnTIA: REVISTA do cEnTRo unIVERSITáRIo VIlA VElhA© 2008 Centro Universitário Vila Velha (UVV)

É permitida a reprodução total ou parcial desta obra desde que seja feita sua identificação.

Editores:Danièlle de Oliveira Bresciani Luciana Dantas da S. Pinheiro Renata Diniz Ferreira

conselho Editorial:Augusto Cesar Salomão MozineDanièlle de Oliveira BrescianiDenise Maria Simões MottaMarlene Elias PozzattoRenata Diniz Ferreira

consultores ad hoc:Isabel Cristina Louzada CarvalhoMaria da Penha Smarzaro SiqueiraRachel Diniz Ferreira

Revisão:Tânia Canabarro

normalização:Gestão.Info Consultoria Ltda

capa:Juan Carlos Piñeiro Cañellas

Editoração:BIOS

Impressão:Grafitusa

Catalogação na publicação elaborada pela Biblioteca Central/UVVScientia : revista do Centro Universitário Vila Velha / Sociedade Educa-

cional do Espírito Santo, Centro Universitário Vila Velha.− Vol. 1, n. 1, (jan./jun. 2000)- . − Vila Velha : O Centro, 2000- .

v. : il.

Semestral. ISSN 1518-2975.

1. Generalidades – Periódicos. I. Sociedade Educacional do Espírito Santo. Centro Universitário Vila Velha.

CDD 000

Revista interdisciplinar semestral

Tiragem: 1.000 exemplares

Indexada nas bases de dados:• IRESIE, gerenciada pela Universidad

Nacional Autónoma de México (UNAM)• Latindex (América Latina, Caribe,

Espanha e Portugual)

Depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 10.944/2004)

Registro no CCN/IBICT

Solicita-se permuta - Exchange is solicitedSe solicita el canje - On demande I’ échange

Endereço: Rua Comissário José Dantas de Melo, 2129102-770 - Vila Velha - ES (Brasil)Tel: (27) 3421-2097E-mail: [email protected] page: www.uvv.br

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Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 165-166, jul./dez. 2008

SumáRIo

EDITORIAL ........................................................................................... 167

A DISTINÇÃO DE REGRAS E PRINCÍPIOS EM ROBERT ALEXYThe distinction of rules and principles for Robert AlexyIsabelle de Baptista .................................................................................................... 169

AVALIAÇÃO AUDITIVA EM ADULTOS INFECTADOS COM A MICOBACTÉRIA, EM USO DE AMICACINA, ATRAVÉS DOS MÉTODOS DE EMISSÕES OTOACÚSTICAS PRODUTO DE DISTORÇÃO (EOADP) E AUDIOMETRIA TONAL: UM ESTUDO DE CASOAssesment hearing in adults infected with mycobacteria and amikacin used in the treatment by two methods - evoked otoacoustic emissions by distortion product (eoadp) and pure tone audiometry: a case studyCarolina Moreira Vargas Nogueira; Josiane Ferrari Franco; Priscilla Oliveira Vescovi............................................................................................. 185

AVALIAÇÃO ECONÔMICA DA UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS SUBMARINOS PARA A PRODUÇÃO DE PETRÓLEOEconomic analysis to use subsea petroleum production equipmentsThiago Roza Bertolani; Henri Fiorenza de Lima......................................................... 197

CONSTRUÇÃO HERMENÊUTICA DO CONSTITUCIONALISMO DIRIGENTEHermeneutic construction of directing constitucionalismNelson Camatta Moreira............................................................................................. 235

DIFERENTES FORMAS DE USO DOS PRODUTOS DOS MANGUEZAIS NAS PRINCIPAIS FASES DA ECONOMIA DO BRASIL-COLÔNIADiferents ways of using the products from mangroves in the main phases of brazil colony economyRenata Diniz Ferreira ................................................................................................. 269

EXTENSÃO SUPERSIMÉTRICA DO MODELO EFETIVO DE DOIS TIPOS DE AUTOVALORESEffective supersymmetric extension of the model of two kinds of eigenvaluesLuiz Otávio Buffon; Ozemar Souto Ventura ................................................................ 295

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O CAMINHO PARA AS CIDADES: CULTURA POLÍTICA, URBANIZAÇÃO E SOCIABILIDADE NO BRASILThe pathway to the cities: political culture, urbanization and sociability in BrazilAugusto Cesar Salomão Mozine ................................................................................ 319

O PODER VIA DOMINAÇÃO BUROCRÁTICAThe power though bureaucratic dominationRossana Ferreira da Silva Mattos .............................................................................. 333

INSTRUÇÕES EDITORIAIS AOS AUTORES .............................................. 341

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EdIToRIAl

Desde o ano 2000 a Scientia, revista interdisciplinar do Centro Univer-sitário Vila Velha, vem desempenhando seu papel na difusão do conhe-cimento técnico científico, tanto institucional quanto interinstitucional.

Após oito anos de um trabalho comprometido com a qualidade, coube ao volume 9 ser o marco histórico da última edição da revista, em seu atual formato impresso. Os desafios da sustentabilidade e a neces-sidade da disseminação da informação, cada vez mais longe e mais rápido, abriram a perspectiva para uma publicação mais dinâmica, moderna e engajada nos novos paradigmas da informação globalizada e informatizada.

Vale, entretanto, ressaltar e enaltecer o importante papel desempenhado por toda equipe responsável pela edição, revisão, normalização, edito-ração e divulgação; bem como o comprometimento e a qualidade dos artigos submetidos pelos autores; além do inequívoco apoio da UVV ao longo do tempo em que a Scientia foi publicada.

Oferecemos, neste número, mais oito artigos abrangendo diferentes áreas do saber evidenciando mais uma vez, a interdisciplinaridade como objetivo maior a ser alcançado pela Scientia. Os assuntos abordados enfocam os mais variados assuntos no âmbito da ciência moderna, apresentando desde visões teóricas até aplicações práticas do conhecimento que vem sendo desenvolvido nos últimos anos no Espírito Santo.

Desse modo, desde seu primeiro número, a revista Scientia distribui 14 volumes, totalizando 134 artigos publicados, sendo 49 na área das Ciências Aplicadas, 27 nas Ciências Agrárias, 22 nas Ciências da Saúde, 15 nas Ciências Humanas, 11 nas Ciências Exatas e da Terra, 5 nas Ciências Biológicas e 5 nas Engenharias.

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A revista Scientia se despede de sua fase impressa, acreditando ter cumprido seu papel de difusor do conhecimento científico. Agradecemos a todos os autores que acreditaram no seu potencial e esperamos contar com novas contribuições no próximo desafio pretendido pela revista.

Renata Diniz FerreiraDoutora em Geografia Física pela Universidade de São PauloCoordenadora de Pesquisa do Centro Universitário Vila Velha

Professora do Mestrado em Ecologia de Ecossistemas

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A dISTInÇÃo dE REGRAS E PRIncÍPIoS Em RobERT AlEXY

Isabelle de Baptista1

RESumo

Robert Alexy é conhecido, principalmente, pela discussão que apresentou ao meio jurídico a respeito da distinção entre regras e princípios, em razão do novo caráter assumido pelos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito e a positivação desses direitos nas Constituições modernas. Para tanto, aborda a teoria dos princípios, contemplando a análise de conceitos fundamentais para compreensão da temática; em seguida, analisa a teoria da argumentação jurídica e a busca pela resposta correta que deverá ser alcançada pelo julgador através de argumentações racionais e fundamentadas. Ao final, ressalta a importância da obra e do legado jurídico propiciado pela teoria de Robert Alexy.

Palavras-chave: Normas sociais. Princípios gerais do direito. Direitos fundamentais. Estado de direito.

1 InTRoduÇÃo

Robert Alexy é conhecido, principalmente, pela discussão que apresen-tou ao meio jurídico a respeito da distinção entre regras e princípios. Para compreender tal distinção, é necessário contextualizar a produção teórica realizada por Alexy.

1 Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória. Professora do Centro Universitário Vila Velha e assessora jurídica no Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo. E-mail: [email protected].

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O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha exigiu, através da Re-solução de 14 de fevereiro de 1973, que as decisões dos seus juízes deveriam basear-se em argumentações racionais. Então, a questão foi saber o que é racional ou se a argumentação jurídica racional é algo que interessa não apenas aos juízes do Tribunal Constitucional Federal alemão e, também, a toda a comunidade jurídica e ao cidadão ativo na seara política. Para Alexy (2005), a possibilidade de uma argumentação jurídica racional depende do para o caráter científico da Ciência do Di-reito, mas também da legitimidade das decisões judiciais. Dessa forma, propõe na sua obra Teoria da Argumentação jurídica de 1976, como deve ser entendida a argumentação jurídica, como se efetua e com que alcance ela é possível.

Também foi um marco para Alexy a questão do novo caráter assumido pelos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, em vir-tude da positivação desses direitos nas Constituições modernas, com vigência imediata e, acima de tudo, o amplo controle feito através do Tribunal Constitucional Federal alemão.

Dessa forma, Alexy se preocupou em dar a devida interpretação racio-nal a esses direitos e visualizou a necessidade de métodos específicos para interpretação e aplicação dos direitos fundamentais, em razão da grande vagueza das formulações dos catálogos desses direitos. Nesse contexto, publica sua importante obra denominada Teoria dos direitos Fundamentais em 1985.

Alexy, de certa forma, propõe um aperfeiçoamento da teoria de Ronald Dworkin, filósofo do direito de Oxford, que iniciou uma grande discussão jurídica a respeito do seguinte questionamento: Para cada caso jurídico, há uma única resposta correta?

A tese de Dworkin contrapõe ao sistema de regras positivas de Kelsen e Hart em que o sistema jurídico é composto por regras, regras válidas e/ou eficaz. Se diante da vagueza da linguagem da norma e diante de casos não regulados por leis positivas, neste espaço vazio não cabe ao juiz agir de forma subjetiva, levando em consideração a utilização de métodos. É preciso buscar no sistema de regras a resposta, utilizando-se de critérios como o hierárquico, lex superior derogat lex inferiorem; o critério da especialidade, lex specialis derogat lex generalis; e o critério cronológico, lex posterior derogat lex priorem. Assim, não há que se falar em uma única resposta correta.

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Dworkin, contrapondo a esse modelo de regras do sistema jurídico, propõe um modelo de princípios. Por este modelo, o sistema jurídico é composto por regras e, também, por princípios jurídicos que de-vem permitir que o julgador encontre uma única resposta correta nos casos em que somente as regras não determinam a única resposta correta.

Comentando a teoria de Dworkin, Alexy (2002, p. 8, tradução nossa) afirma que

[...] a única resposta correta ou verdadeira seria assim a melhor que possa justificar-se através de uma teoria substantiva que contenha aqueles princípios e ponderações de princípios que melhor se correspondam com a Constituição, as regras de Direito e dos precedentes.

Mas isso não é a resposta correta, que dependerá do juiz Hércules dworkiano, que seja capaz de decidir com habilidade, sabedoria, paci-ência e com perspicácia, e, assim, estando apto a encontrar a resposta correta.

Para Alexy, a teoria de Dworkin estabelece uma grande quantidade de questionamentos. Por meio de sua (i) teoria dos princípios, demonstrará que os critérios de Dworkin para a distinção de regras e princípios afe-tam certamente a pontos importantes, mas não o seu núcleo, o ponto central. E através de sua (ii) teoria da argumentação jurídica, que leva em consideração o critério de razão prática, demonstrará os déficits da teoria dos princípios de Dworkin. E é a união de ambas as teorias que constitui a base da teoria do direito de Robert Alexy.

O presente artigo, portanto, trata da distinção entre regras e princípios e, para tanto, serão abordados aspectos da teoria proposta por Alexy, relevantes ao tema ora tratado.

Com o objetivo de ordenar o presente trabalho, o tema será analisado basicamente em duas partes: a parte 1 abordará a teoria dos princípios proposta por Robert Alexy, contemplando a análise de conceitos funda-mentais para compreensão da temática; a parte 2 abordará, de forma sucinta por não ser o objeto específico do presente trabalho, a teoria da argumentação jurídica e a busca pela resposta correta que deverá ser alcançada pelo julgador através de argumentações racionais e fun-

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damentadas. Ao final, concluiremos ressaltando a importância da obra e do legado jurídico propiciado pela teoria de Robert Alexy.

2 TEoRIA doS PRIncÍPIoS

2.1 REGRAS E PRINCÍPIOS

As normas constitucionais que asseguram os direitos fundamentais são distinguidas entre dois tipos de normas: as regras e os princípios. Tanto as regras como os princípios devem ser compreendidos como normas porque ambos dizem o que deve ser. Isto é, ambos podem ser formulados com a ajuda das expressões deônticas básicas de ordem (mandado), de permissão e de proibição.

Existem vários critérios tradicionais para a distinção entre regras e princípios. O mais comum é o critério da generalidade. Segundo este critério, os princípios são normas com um grau de generalidade rela-tivamente alto e as regras, normas, com um nível relativamente baixo de generalidade. O exemplo apresentado por Alexy (2008a) é o caso da norma de que todos gozam de liberdade de crenças. Nesse caso, trata-se de uma norma de generalidade alta. Em relação à norma que diz que o preso tem o direito a converter outros presos à sua crença, trata-se de uma norma de generalidade baixa. Dessa forma, a primeira norma é um princípio e a segunda é uma regra. Para Alexy, esta é uma tese fraca, já que se trata, portanto, de uma abordagem meramente quantitativa.

Ronald Dworkin, explicando o caráter das regras, a partir de uma dis-tinção lógica entre estas e os princípios, diz que sua aplicação seguirá o sistema do tudo-ou-nada (all-or-nothing fashion), vale dizer, as regras simplesmente se aplicam ou não se aplicam aos casos concretos para os quais foram estipuladas. Não há meio termo ou incerteza que deixe margem à interpretação. Para exemplificar, tomemos como uma regra a norma de direito fundamental contida no inciso LXV do artigo 5° da Constituição de 1988: “[...] a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” (BRASIL, 1988).

Este dispositivo de direito fundamental expressa a norma proibitiva de manutenção na prisão de pessoa conduzida a essa situação de forma ilegal, determinando o relaxamento imediato pela autoridade pública

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competente. Trata-se da garantia constitucional que tem todo cidadão de não ser mantido preso em razão de ilegalidade que deu causa à prisão. Por se tratar de uma regra, esta norma de direito fundamental será ou não cumprida quando se referir a um caso concreto. Vale dizer, não há um meio termo, já que a regra será ou não aplicada, relaxa-se ou não a prisão ilegal.

Para Dworkin, os princípios possuem uma dimensão que as regras não possuem, que é uma dimensão de peso (dimension of weight) que se mostra, principalmente, nas colisões entre princípios. Nesse caso, será aplicado valor decisório ao princípio que tenha um peso relativamente maior. Ao contrário, em caso de conflito de regras como, por exemplo, uma regra autoriza determinado comportamento e outra que proíbe o mesmo, então, uma regra estabelece uma exceção para a outra, ou, ao menos, uma deve ser declarada inválida. No caso dos princípios não há como invalidá-los ante ao conflito. Nesse caso, há que levar em consideração que os princípios podem ser cumpridos em graus diferentes, de acordo com as possibilidades fáticas que se apresentem para sua realização. Um princípio não deixará de ser cumprido ou aplicado se seu conteúdo normativo não for realizado com exatidão.

Essa tese de Dworkin é o pressuposto direto da tese de princípios de Alexy que realiza uma abordagem que vai ao núcleo da diferença entre regras e princípios, aperfeiçoando, portanto, o entendimento anterior. Para ele, os princípios poderiam ser caracterizados como mandados ou ordens de otimização (Optimierungsgebote). Nas palavras de Alexy (2002, p. 13, grifo do autor, tradução nossa), “[...] os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais/fáticas existentes [...]”. Ou seja, os princípios são mandados de otimização que podem ser cumpridos em diferentes graus e na medida devida do seu cumprimento, dependente das possibilidades reais e concretas, como também das possibilidades jurídicas existentes no momento da aplicação efetiva do princípio.

Já em relação às regras, ocorre o contrário. As regras são normas que exigem um cumprimento pleno e que podem ou não ser cumpridas. Caso a regra seja válida, logo é obrigatório fazer exatamente o que ordena, nem mais nem menos, portanto, as regras contêm determinações no campo do fático e juridicamente possível.

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Por todo o exposto, conclui-se que se a norma a ser aplicada exige a maior medida possível de cumprimento em relação às possibilidades jurídicas e fáticas, estamos diante de um princípio. Todavia, se a norma exige somente uma determinada medida de cumprimento, trata-se de uma regra. Sobre essa temática, esclarece Alexy (2008b, p. 37)

A base do argumento de princípio forma a distinção entre regras e princípios. Regras são normas que ordenam, proíbem ou permi-tem algo definitivamente ou autorizam algo definitivamente. Elas contêm um dever definitivo. Quanto os seus pressupostos estão cumpridos, produz-se a conseqüência jurídica. Se não se quer aceitar esta, deve ou declarar-se a regra como inválida e, com isso, despedi-la do ordenamento jurídico, ou, então, inserir-se uma exceção na regra e, nesse sentido, criar uma nova regra. A forma da aplicação da regra é a da subsunção. Princípios contêm, pelo contrário, um dever ideal. Eles são mandamentos a serem otimizados. [...] A forma de aplicação para eles típica é, por isso, a ponderação.

O critério empregado por Robert Alexy afirma que entre regras e princí-pios existe não somente uma diferença de grau, quantitativa, mas uma diferença de natureza qualitativa.

2.2 O CARÁTER PRIMA FACIE DAS REGRAS E PRINCÍPIOS

Os princípios não possuem um caráter de definitividade e subsunção como as regras, mas ordenam que algo deve ser realizado na maior medida possível, levando em consideração possibilidades jurídicas e fáticas postas no caso concreto. Assim, os princípios não são mandatos definitivos, mas apenas um dever prima facie. Os princípios representam razões que podem ser desprezadas ou assimiladas por outras razões opostas, não apresentando, de imediato, uma solução para resolver a problemática existente na relação entre uma razão e sua oposição. Por isso, os princípios carecem de conteúdo de determinação com relação aos princípios contrapostos e às possibilidades do mundo fático.

De forma diversa é o caso das regras. Como exigem que se haja exa-tamente o que se ordena, contêm uma determinação no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode fracassar, o que pode conduzir à invalidez da regra; mas se não for o caso, vale definitivamente, cumpre exatamente o seu comando deôntico.

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Por isso, em um primeiro momento é possível deduzir que os princí-pios possuem um mesmo caráter prima facie e as regras um caráter definitivo. Todavia, Alexy propõe um modelo diferenciado do defendido por Dworkin, ao dizer que as regras, quando válidas, são aplicadas de uma maneira do tudo-ou-nada (all or nothing fashion) e os princípios contêm uma razão que indica uma direção da decisão, de acordo com a dimensão de peso.

Em relação às regras, a necessidade de um modelo diferenciado resulta do fato de que é possível, com motivo da decisão de um caso, introduzir nas regras uma cláusula de exceção, assim, a regra perde seu caráter definitivo para a decisão do caso. E a regra de exceção pode levar à discussão para a base de um princípio.

Ademais, o caráter prima facie dos princípios pode ser reforçado se forem introduzidas uma carga de argumentação em favor de determi-nados princípios ou de determinados tipos de princípios, especialmente se tratarem de direitos fundamentais.2

De todo o apresentado, verifica-se que as regras e os princípios são razões de tipos diferentes. Os princípios sempre são razões prima facie; as regras, a menos que tenha uma exceção, são razões definitivas.

2.3 OS PRINCÍPIOS E A SEPARAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL

Os positivistas entendiam o direito como um sistema de regras, em que o elemento moral não era incluído na abordagem jurídica. Em contraponto com as teorias positivistas, Alexy perfilha a corrente de pensamento que recoloca a moral no debate jurídico.

No conceito de direito positivista, o sistema jurídico é composto de regras. Já para o conceito não-positivista, o sistema jurídico é também composto de regras, mas é acrescido de uma dimensão ideal ou discur-siva da correção. O elemento central dessa correção é a justiça, e esta só é alcançada se levar em consideração o elemento moral. Segundo Alexy (2008b, p. 10)

A necessidade do direito não significa a despedida da racionali-dade discursiva. A pretensão, necessariamente unida com o direito, de correção exige, ao contrário, que o positivo e o correto ou, para formular em outras palavras, o institucional

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e o ideal se complementem, penetrem e intensifiquem mu-tuamente. Por esse complemento, penetração e intensificação nasce o estado constitucional democrático (grifo nosso).

Os princípios, como mandatos de otimização, tratam de um aspec-to metodológico, sendo mais claro de visualização em relação aos princípios constitucionais, como os da dignidade humana, liberdade, igualdade, democracia, Estado de Direito e Estado Social. Os princípios não compreendem, simplesmente, normas vagas, mas são tarefas de otimização e tal tarefa, enquanto forma, é jurídica; enquanto estrutura, é sempre moral, ou seja, a motivação de existência de um princípio tem um conteúdo moral. Nesse sentido, a tese dos princípios é o ponto de partida adequado para refutar as teses positivistas que separam o direito e moral.

Para se analisar a conexão conceitual entre o direito e a moral é ne-cessário levar em consideração as teorias da pretensão de correção e a teoria do discurso. A teoria da pretensão sustenta que todo o sistema jurídico, que inclui as normas individuais e as decisões judiciais, possui pretensão de correção, cujo elemento central é a justiça. No direito, a racionalidade é evidenciada pela correção das suas assertivas. Corre-ção implica a garantia da fundamentabilidade. Segundo Alexy (2008b, p. 21), “[...] o promover da correção consiste, portanto, da tríade de (1) afirmação da correção, (2) garantia da fundamentabilidade e (3) espe-rança do reconhecimento da correção [...]”, ressaltando a vinculação dos atos institucionais como as decisões e sentenças judiciais, e também de todos que participam do sistema jurídico.

A teoria do discurso se refere à teoria procedimental da correção prática, baseada na seguinte fórmula: uma norma N é correta rigorosamente quando N pode ser o resultado do procedimento P.

O procedimento do discurso refere-se ao procedimento da argumen-tação, por isso proporciona a possibilidade de estabelecer níveis de justificação cada vez melhores, proporcionando a mudança no sistema jurídico. Segundo Alexy (2008b, p. 27)

É uma suposição central da teoria do discurso, que a aprovação no discurso, primeiro, pode depender de argumentos e que, segundo, entre a aprovação universal sob condições ideais e os conceitos de correção e de validez moral existem uma relação necessária.

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Essa conexão deixa formular-se como segue: corretas e, com isso, válidas, são, rigorosamente, as normas que, em um discurso ideal, por cada um, iriam ser apreciadas como corretas.

Através desses entendimentos Alexy cria, então, a sua teoria da argu-mentação jurídica que tem como base a integração da teoria do discurso jurídico com o discurso prático geral, ou seja, parte do discurso racional estabelecido pela prática, consubstanciada no agir humano para chegar ao melhor argumento existente no sistema normativo. Assim, correto é o que é discursivamente racional.

2.4 TEORIA DOS PRINCÍPIOS, A QUESTÃO DA ÚNICA RESPOSTA CORRETA E A TEORIA DO VALOR

Caso fosse possível a criação de uma lista, de certo modo completa, dos princípios vigentes no sistema jurídico, sem abordar o peso relativo dos princípios e a relação de prioridade entre eles, certamente seria possível decidir com mais facilidade qual princípio deveria ser levado em consideração na apreciação do caso concreto. Todavia, para Alexy (2002, tradução nossa), uma simples relação de princípios seria mais um catálogo de pontos de vista que a disposição topográfica deles. Então, trata-se de uma teoria fraca dos princípios.

Uma versão forte seria uma teoria que contenha, além dos princípios, todas as relações de prioridade abstratas e concretas entre eles e, por isso, determinam univocamente a decisão de cada um dos casos. Se isso fosse possível, estaria certa a teoria de Dworkin da única resposta correta.

Para identificar o ponto forte da teoria dos princípios é preciso fixar a semelhança dos princípios com o valor, já que “[...] toda colisão de princípios pode expressar como uma colisão entre valores e vice-versa [...]” e que o problema identificado por ocasião da colisão corresponde também a um problema de hierarquia de valores (ALEXY, 2002, p. 16, tradução nossa).

Cabe ressaltar que, para Alexy, princípios e valores são a mesma coisa, mas um contempla o aspecto deontológico e o outro o aspecto axiológico.

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Como exemplo, temos o caso de decidir entre o princípio de liberda-de de imprensa e o da segurança exterior, mas poderia se tratar de uma colisão entre o valor da liberdade de imprensa e a da segurança exterior.

Essa hierarquia de valores tem sido muito criticada por não ser possível obter, de imediato e precisamente, um resultado, uma ordem estrita para o caso concreto. Entretanto, é possível uma teoria dos princípios que seja mais que um catálogo e que consista de três elementos:

(I) um sistema de condições de prioridade: por ocasião de colisão entre princípios, deve-se resolver mediante a aplicação da ponderação no caso concreto, sendo possível, também, estabelecer relações de prioridade com a decisão de outros casos.

Para tanto, Alexy sugere o exemplo do caso Lebach, julgado pelo Tri-bunal Constitucional Federal alemão, em que se discutiu a informação de um delito grave repetido por diversas vezes pela via televisiva, após o acusado ter cumprido a pena e saído da prisão. Diante desse caso, algumas questões foram propostas: 1º) há colisão entre a proteção fundamental da personalidade e a proteção igual da liberdade de informação; 2º) a informação sobre um delito grave que favorecia a existência de prioridade prima facie da liberdade de informação; 3º) aliada a todas as essas questões, o fato que tal exposição colocava em perigo a ressocialização do autor, então a proteção da persona-lidade prevalece sobre a liberdade de informação.

Dito isso, percebe-se que as condições de prioridade estabelecidas até o momento num sistema jurídico e as regras que se correspon-dem proporcionam informação sobre o peso relativo dos princípios. Dessa forma, ao elencar prioridades, permite-se a possibilidade de um procedimento de argumentação jurídica, de forma a eleger o princípio que será aplicado ao caso concreto.

(II) um sistema de estruturas de ponderação:3 os princípios, enquanto mandatos de otimização, exigem uma realização mais completa possível em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Quanto às possibilidades fáticas leva aos conhecidos princípios de adequação e necessidade. Quanto às possibilidades jurídicas implica numa “lei da ponderação” que pode ser formulada da seguinte forma: quanto mais alto o grau de descumprimento de um princípio, maior deve

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ser a importância do cumprimento do outro (proporcionalidade em sentido estrito).

Isso significa que uma teoria dos princípios conduz a estruturas de argumentação racional, o que não significa a disposição deles num simples catálogo.

(III) um sistema de prioridades prima facie: estabelecem cargas de argu-mentação e criam certa ordem no campo de princípios. Assim, não contém uma determinação definitiva e sim uma determinação mais forte dos argumentos em favor de uma prioridade de um princípio que julga em sentido contrário. Com isso, a ordem depende de uma argumentação.

No exemplo citado anteriormente, a liberdade de informação corresponde a uma prioridade prima facie frente à proteção da personalidade.

3 ARGumEnTAÇÃo juRÍdIcA E RAzÃo PRáTIcA

Por todo o exposto, conclui-se que é impossível uma teoria forte dos princípios de forma a determinar para cada caso uma resposta correta, em razão da limitação do poder do conhecimento humano, que poderia superar o Hércules dworkiano, como também por razões lógicas em sentido mais amplo. Entretanto, de todos os modos, é possível uma teoria fraca dos princípios, mas esta não determina para cada caso uma resposta correta. Todavia, essa ideia de uma única resposta correta não deve ser abandonada. Para tanto, é possível seguir por duas vias:

(I) uma que afirma a existência de uma única resposta correta que não depende da existência de um procedimento que permite mostrar a resposta;

(II) a compreensão de que a adição de um nível dos princípios ao das regras não leva, todavia, a um modelo completo do sistema jurídico. Os princípios, como as regras, não regulam, por si mesmos, sua aplicação.

Alexy propõe uma terceira via que é a teoria da argumentação jurídica como meio de se obter uma decisão racionalmente fundamentada. Assim, uma resposta correta só é possível se envolver esses três níveis.

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A argumentação jurídica leva em consideração os vetores deontológi-cos básicos das questões práticas: ordenar, proibir ou permitir, assim, a argumentação jurídica é um caso especial de argumentação prática em geral. É um caso especial porque está situada sob uma série de vínculos institucionais que se pode caracterizar como vinculação à lei, ao precedente e à dogmática.

Estes vínculos, que podem conceber-se mediante um sistema de regras e formas específicas de argumentação jurídica, não levam em cada caso a um resultado. Isto vale tanto para a subsunção de regras como a ponderação de princípios. Por isso, em relação aos princípios, foi deixado claro que sua estrutura, enquanto mandatos de otimização, leva sempre a um conteúdo moral e sua aplicação sempre irá abordar questões morais.

Por este aspecto, as teses gerais de que todos os casos mais ou menos problemáticos são necessariamente valorações que não podem extrair obrigatoriamente do material autoritariamente fixado. A racionalidade da argumentação jurídica depende por isso essencialmente de si e do alcance que estas valorações adicionais são susceptíveis de um controle racional.

3.1 TEORIA PROCEDIMENTAL

A questão da racionalidade da fundamentação jurídica leva assim a ques-tão da possibilidade de fundamentar racionalmente os juízos práticos ou morais em geral. Não são possíveis teorias morais materiais que, para cada questão prática, permitam extrair, com segurança, uma resposta, mas são possíveis teorias morais procedimentais que formulam regras ou condições de argumentação ou decisão prática racional. E uma teoria moral procedimental é a do discurso prático racional.

3.2 DISCURSO, RESPOSTA CORRETA, RAZÃO PRÁTICA

A peça nuclear da teoria do discurso está formada por um sistema de regras do discurso e de princípios do discurso, cuja observância assegura a racionalidade da argumentação e dos seus resultados.

Alexy formulou explicitamente esse sistema através de um sistema de 28 regras, que incluem a contradição, claridade linguística, verdade empírica e ponderação. Esse sistema de regras, que pretende formular

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algo assim como um código de razão prática, não só complementa as regras específicas do discurso jurídico como também constitui a base para sua justificação e crítica do sistema jurídico em seu conjunto.

Assim, a questão da única resposta correta depende essencialmente se o discurso prático leva à única resposta correta para o caso, que depende de um consenso baseado nas cinco idealizações:

1 tempo ilimitado,

2 informação ilimitada,

3 claridade linguística conceitual ilimitada,

4 capacidade e disposição ilimitada para a troca de funções,

5 carência de prejuízos ilimitada.

Em todo caso, está claro que, na realidade, não existe nenhum procedi-mento que permita, com a segurança necessária, levar, em cada caso, a uma única resposta correta.

O ponto decisivo é se os participantes de um discurso jurídico, com afir-mações e fundamentações de pleno sentido, devem, independente de existir ou não uma única resposta correta elevar a pretensão de que sua resposta é a única correta, através do procedimento argumentativo.

4 conSIdERAÇÕES FInAIS

Diante da insuficiência da teoria positivista e do método subsuntivo para resolver os problemas difíceis (hard cases), foi desenvolvida o sistema de regras e princípios que compreendem espécies do gênero norma. Na esteira desse novo contexto da teoria jurídica, Robert Alexy influenciou sobremaneira através da distinção que propôs entre regras e princípios, que acabou por constituir a base da justificação jusfundamental e ponto importante para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais.

E, ainda, é o ponto de partida para responder a pergunta acerca da possibi-lidade e dos limites da racionalidade dos direitos fundamentais. Na verdade,

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diante de um caso difícil, o juiz não estará desamparado normativamente para decidir. O juiz não poderá decidir arbitrariamente, pois deverá estar amparado pelos princípios jurídicos, que também são normas.

Ante a esta situação, a ciência dos direitos fundamentais se vê con-frontada com a tarefa de dar respostas racionalmente fundamentadas às questões vinculadas com os direitos fundamentais. Dessa forma, a teoria dos direitos fundamentais de Alexy intenta contribuir para o cumprimento de tal tarefa.

Enfim, a teoria de Alexy contribui para a tarefa de dar respostas racional-mente fundamentadas às questões vinculadas aos direitos fundamentais. Para tanto, tornou a teoria dos princípios o núcleo da abordagem jurídica. Daí a importância da teoria elaborada por Robert Alexy que influenciou toda a ciência do direito, promovendo uma verdadeira “viragem meto-dológica”, modificando os conceitos até então postos como verdadeiros, como por exemplo: a teoria das normas jurídicas, do sistema jurídico, das fontes normativas, dos métodos hermenêuticos, das antinomias entre normas, e sua consequente forma de resolução de conflitos, da relação entre direito e moral, dentre outras contribuições.

ThE dISTIncTIon oF RulES And PRIncIPlES FoR RobERT AlEXY

AbSTRAcT

Robert Alexy is known mainly by the thread that had the legal means to respect the distinction between rules and principles, because the new character made for Constitucional rights in Democratic State of Law and positive rights in the modern Constitutions. It’s discussed the theory of principles, including the analysis of concepts fundamental to understanding the topic, then analyzes the theory of legal argument and the search for the correct answer to be reached by the judge through rational and reasoned arguments. In the end, you emphasized the importance of the work and the legacy provided by the legal theory of Robert Alexy.

Keywords: Social norms. General principles of law. Civil rights. Rule of law.

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noTAS EXPlIcATIVAS

2 Segundo Alexy, (2008b) os direitos fundamentais são considerados como o núcleo de todo o constitucionalismo discursivo e propõe que os direitos do homem e os direitos fundamentais possuem uma rela-ção estreita. Os direitos do homem possuem como características os seguintes aspectos: são (i) universais, (ii) fundamentais, (iii) prefe-renciais, (iv) abstratos e (v) morais. Já os direitos fundamentais, por outro lado, são os direitos que foram acolhidos em uma constituição com o intuito de positivar os direitos do homem. A positivação não anula os direitos do homem, mas confere validade jurídica a eles.

3 Conforme leciona Alexy (2003, p. 135-136), “o princípio da propor-cionalidade consiste de três princípios: os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Todos os três princípios expressam a idéia de otimização. Os direitos constitu-cionais enquanto princípios são comandos de otimização. Enquanto comandos de otimização, princípios são normas que requerem que algo seja realizado na maior medida possível, das possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios da adequabilidade e da necessidade dizem respeito ao que é fática ou factualmente possível. O princípio da adequação exclui a adoção de meios que obstruam a realização de pelo menos um princípio sem promover qualquer princípio ou finalidade para a qual eles foram adotados. [...] O balanceamento sujeita-se a um terceiro sub-princípio da proporcionalidade, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Esse princípio expressa o que significa a otimização relativa às possibilidades jurídicas (legal).

REFERÊncIAS

ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008a.

______. constitucionalismo discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008b.

______. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racio-nal como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.

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ALEXY, R. derecho y razón práctica. México: Biblioteca de Ética, Filosofia del Derecho y Política, 2002.

______. Direitos fundamentais, balanceamento e racionalidade. Ratio juris, v. 16, n. 2, p. 131-140, jun. 2003.

BRASIL. Constituição (1988). constituição [da] República Federativa do brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

correspondência para/reprint request to: Rua Maria Eleonora Pereira, 175/104Jardim da Penha29060-18 – Vitória - ES, Brasil

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AVAlIAÇÃo AudITIVA Em AdulToS InFEcTAdoS com A mIcobAcTÉRIA, Em uSo dE AmIcAcInA,

ATRAVÉS doS mÉTodoS dE EmISSÕES oToAcÚSTIcAS PRoduTo dE dISToRÇÃo (EoAdP)

E AudIomETRIA TonAl: um ESTudo dE cASo

Carolina Moreira Vargas Nogueira1

Josiane Ferrari Franco2

Priscilla Oliveira Vescovi3

RESumo

Verifica a prevalência de comprometimento auditivo em adultos que fo-ram infectados com a micobactéria e usaram amicacina no tratamento, através de dois métodos − emissões otoacústicas evocadas por produto de distorção (EOADP) e audiometria tonal. metodologia: Foram avaliados pacientes, com queixas auditivas, com idade entre 40 e 49 anos, após o início do uso da amicacina para tratamento da micobactéria, entre no-vembro de 2007 e fevereiro de 2008. Dos pacientes analisados, 3 (100%) apresentavam alterações auditivas na audiometria tonal e 2 (66,66%) alterações na EOADP. Em relação à lateralidade, 2 (66,66%) tinham perda auditiva bilateral e um (33,33%) na orelha direita. No total, os 3 (100%) pacientes passaram a apresentar deficiência auditiva. Os fatores de risco para a deficiência auditiva foram ter usado amicacina durante o tratamento. A prevalência de perda auditiva detectada através de quatro métodos (EOADP, timpanometria, pesquisa dos reflexos estapédicos ipsi e contralaterais e audiometria tonal) foi elevada nos pacientes que fizeram uso de amicacina. Há necessidade de realizar avaliação auditiva tanto durante o tratamento, quanto após a suspensão.

Palavras-chave: Surdez. Emissões otoacústicas. Impedânciometria. Audiometria

1 Fonoaudióloga. E-mail: [email protected] Fonoaudióloga. E-mail: [email protected] Fonoaudióloga. E-mail: [email protected].

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1 InTRoduÇÃo

A deficiência auditiva pode ser adquirida na fase adulta, como con-sequência de vários fatores, dentre os quais doenças, desequilíbrios fisiológicos e uso de drogas ototóxicas − ototoxidade.

A ototoxicidade é definida como lesões causadas aos sistemas coclear e/ou vestibular resultante de exposição a substâncias químicas. Há uma grande quantidade de drogas ototóxicas, no mínimo 130. Dentre elas as mais comuns são: antibióticos aminoglicosídeos, salicilatos, quinino, agentes antineoplásicos e diuréticos de alça (BENTO; MINITI; MARONE, 1998). As substâncias tóxicas geralmente exercem sua ação predominante em uma das porções da orelha interna, mas podem agir em mais de um local. Os três principais sítios de ação são as células ciliadas na cóclea, o vestíbulo e a estria vascular (SEBASTIAN, 1986; OLIVEIRA, 1999).

Segundo Miniti, Bento e Butugan (2000), os aminoglicosídeos mais co-cleotóxicos são: di-hidroestreptomicina, kanamicina, eeomicina sistêmica e amicacina, que constitui o alvo principal desta pesquisa.

A amicacina é um antibiótico aminoglicosídeo muito usado com proprie-dades ototóxicas conhecidas, sendo que a sua potencial toxicidade, conforme Vallejo e outros (2001) é predominantemente coclear. Os aminoglicosídeos podem causar lesões progressivas no epitélio senso-rial auditivo a partir das espiras basais até as apicais, sendo as células ciliadas externas (CCE) as atingidas (GUTIERREZ, 1994).

De acordo com Oliveira, Canedo e Rossato (2002), as alterações celulares envolvidas na cocleotoxidade causadas pela amicacina dos aminoglicosídeos tem seu começo com o dano celular no giro basal da cóclea. Com a continuidade da exposição, o dano progride para o ápice da cóclea. A progressão do acometimento segue a seguinte ordem: a camada mais interna de células ciliadas externas é a mais susceptível, seguida pela camada média e então pela mais externa. Somente de-pois que a maioria das células ciliadas externas foram destruídas é que ocorrem transformações na única camada de células ciliadas internas. Este dano inicial corresponde à perda auditiva inicial do quadro, que ocorre nas frequências altas.

Na literatura são avaliados há tempo os fatores de risco para perda auditiva associada ao uso de fármacos ototóxicos. Kawashiro e outros

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(1996) observaram que os adultos com alterações auditivas haviam recebido amicacina por longo período sem perspectiva de conclusão do tratamento. Em estudo de caso-controle realizado por Borradori e outros (1997), oito adultos com perda auditiva neurosensorial tinham recebido aminoglicosídeo por mais de 10 dias e encontrou-se relação com a dose acumulada e a duração do tratamento. A perda auditiva pode ocorrer durante o curso do tratamento ou meses após a utilização.

Segundo Oliveira (1999), as ações ototóxicas dos aminoglicosídeos são conhecidas. A gentamicina é a mais vestibulotóxica e a amicacina a mais cócleo tóxica. Por vezes, pequenas dosagens podem determinar ações tóxicas, havendo variação individual quanto à suscetibilidade.

A farmacologia da amicacina tem mecanismo de ação bactericida. Inibe a síntese protéica das bactérias sensíveis pelo bloqueio irreversível de subunidades de ribossomas. Sua distribuição se dá em todos os tecidos e líquidos orgânicos, inclusive sistema nervoso central. A eliminação não é feita por metabolização e, por isso, é excretada pelos rins. Estudos recentes têm demonstrado que pode ser administrada em dose única diária sem perda de eficácia e com redução da toxicidade renal.

Pode acarretar as seguintes reações: hipersensibilidade causando rash, urticária, estomatite e eosinafilia; nefrotoxidade reversível; lesão do oi-tavo par craniano; bloqueio neuro-muscular; e outros efeitos adversos, como: náuseas, vômitos, leucopnia, miocardite e elevação temporária das enzimas hepáticas, zumbidos, perda auditiva nas frequências altas e, mais raramente, distúrbios vestibulares (SHARP; SAENZ; MARTIN, 1974).

Segundo Harrison e outros (1991), em dose de 400mg/kg/dia intra-muscular provoca completa eliminação das células ciliadas externas e lesão parcial das internas na primeira e na segunda espira da cóclea de cobaias, com lesões menos intensas na terceira e quarta espiras, ocorrendo lesões parciais nas células ciliadas internas.

Para Oliveira (1994), pacientes que estão em uso de drogas ototóxicas devem passar por monitorizações. Monitorar as funções auditivas e ves-tibulares de todos os pacientes que estão em uso de drogas ototóxicas é impraticável. Há alguns tipos de pacientes que são considerados de alto risco para ototoxicidade, e seria aconselhável realizar testes para avaliação dos efeitos dessa droga. São esses: paciente com alteração

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renal; paciente que vai receber altas doses de drogas ototóxicas e/ou por tempo prolongado (mais de 14 dias); paciente com perda auditiva neurossensorial ou disfunsão vestibular prévias, principalmente se for resultante de drogas ototóxicas; extremos de idade (neonatos e maiores de 65 anos); paciente recebendo combinação de drogas ototóxicas, especialmente aminoglicosídeos e diuréticos de alça; paciente que apresentar sintomas auditivos ou vestibulares no uso de drogas oto-tóxicas; paciente com mal estado geral, desnutrição; recém-nascido de alto risco: baixo peso, septicemia, meningite, hiperbilirrubinemia, hipotensão, permanência em incubadora, apnéia, desequilíbrio hidro-eletrolítico, insuficiência real; paciente com combinação de droga com ruído; e paciente com tendência familiar.

Dentre as drogas ototóxicas, indubitavelmente os aminoglicosídeos são os mais largamente utilizados devido à sua alta eficácia antimicrobiana e baixo custo. Recentemente vários estudos vêm sendo desenvolvidos visando encontrar mecanismos de proteção da orelha interna contra estes agentes lesivos, mostrando resultados promissores e vislumbrando um caminho na direção da solução deste grave problema (MAUDONNET, 2005).

Os testes audiológicos destes pacientes, idealmente, devem ser rea-lizados uma vez antes da administração da droga e, a partir de então, semanalmente ou cada 15 dias até 3 meses após o término do trata-mento. Os testes de emissões otoacústicas e timpanometria entram como complementação desta avaliação auditiva.

Diante do exposto, este estudo apresenta os resultados ototóxicos do uso de amicacina em pacientes infectados por micobactéria em hospitais da Grande Vitória, estado do Espírito Santo, após atos cirúrgicos. Esses pacientes foram monitorados audiologicamente após o uso da primeira dosagem da droga, através de audiometria, timpanometria e pesquisa de reflexos acústicos, EOAT e EOADP. Desta forma, pôde-se determinar a ocorrência ou não de ototoxidade e avaliar possíveis alterações na fisiologia do ouvido interno e ainda detectar precocemente toxidade coclear.

2 objETIVoS

Verificar a prevalência de comprometimento auditivo em adultos que foram infectados com a micobactéria e usaram amicacina no tratamento,

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através de dois métodos: emissões otoacústicas evocadas por produto de distorção (EOADP) e audiometria tonal.

3 mETodoloGIA

3.1 SUJEITOS

Foi realizado um estudo de corte prospectivo sobre a função auditiva de 3 pacientes de ambos os sexos, com idade entre 40 e 49 anos, após serem contaminados por micobactérias durante a internação para cirurgia videoendos-cópica, quando fizeram uso do medicamento Amicacina. Durante o tratamento, foi utilizada uma dosagem de 500mg de 12 em 12 horas, por via intramuscular, no período de sete dias. Após alta hospitalar, foi necessária a continuação do uso da amicacina a 15mg/Kg, ministrada de 15 em 15 dias.

Os casos foram escolhidos aleatoriamente dentre os pacientes que apresentaram queixas auditivas após começarem o tratamento da mi-cobactéria com o uso da amicacina na unidade hospitalar, no período de janeiro a junho de 2008.

Em todos os casos, após os devidos esclarecimentos, foi solicitado consentimento assinado pelos pacientes ou seus responsáveis legais.

3.2 EXAMES AUDIOLÓGICOS

Os pacientes, após o começo do uso da amicacina e aparecimento de queixas auditivas ainda durante a internação, foram avaliados pelos métodos: emissões otoacústicas transiente (EOAT) na faixa de frequ-ência de 1,5k a 4khz; emissões otoacústicas por produto de distorção (EOADP) na faixa de frequência de 2,0k a 5,0khz; timpanometria; reflexo estapédico contra para as freqüências de 0.50k, 1k, 2k e 4khz) e Ipsi- laterais para as frequências de 1k e 2khz); e audiometria tonal na faixa de frequência de 0,250k a 8khz. Os pacientes continuaram o acompanhamento após a alta e, como apresentaram exames audioló-gicos alterados neste estudo, foram acompanhados em consultório e encaminhados para tratamento especializado.

A execução da avaliação por emissões EOAT e EOADP foi realizada no consultório de origem, com o aparelho da interacoustic OTOREAD. Para interpretação dos testes, utilizou-se protocolo padronizado.

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Para realizar o método de audiometria tonal, utilizou-se o aparelho da Madsen ORBITER 922 version 2 e a timpanometria e pesquisa dos reflexos com o aparelho da Madsen ZODIAC 901. Os exames de audio-metria tonal foram registrados e analisados no Setor de Audiologia do Serviço de Otorrinolaringologia do hospital estudado, de acordo com as normas internacionais. Foram utilizados fones de modelo concha como estimuladores monoaurais em forma de tons puros, na frequência de 250hz a 8khZ. A primeira intensidade apresentada era de 30dBNA, sendo diminuída sucessivamente até o desaparecimento da resposta. O limiar auditivo foi determinado com apresentações decrescentes de 10dBNA, a partir do nível de intensidade de 30dBNA até não se obter mais respostas. Considerou-se como critério de presença de comprometimento auditivo respostas acima de 20dBNA (DAVIS; SILVERMAN, 1966).

O paciente foi considerado como tendo alteração auditiva quando o resultado de qualquer dos exames acima descritos mostrava-se altera-do, conforme é apresentado no Quadro 1. Os resultados da pesquisa foram analisados descritivamente através do cálculo de médias e pro-porções.

Foram avaliados os seguintes fatores de risco para deficiência auditiva:

a) Fármacos ototóxicos: uso da amicacina por tempo prolongado.b) Uso de equipamentos: tempo de permanência em sessões de câmera

hiperbárica nas quais os pacientes relatavam sensação de plenitude auricular.

4 RESulTAdoS

Em relação às características da amostra, 1 paciente (33,33%) era do sexo feminino e 2 (66,66%) do sexo masculino. A faixa etária compre-endeu sujeitos entre 40 e 49 anos, sendo 1 paciente (33,33%) com 40 anos de idade, 1 (33,33%) com 43 anos e 1 (33,33%) com 49 anos.

Os pacientes apresentaram durante a internação: plenitude auricular, desconforto auditivo e tontura. Em relação aos fármacos ototóxicos utilizados durante a hospitalização, 3 pacientes receberam amicacina.

Os resultados dos testes auditivos demonstram, conforme Quadro 1, através da EOADP, que 3 pacientes (100%) apresentam comprome-

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timento das células ciliadas externas da cóclea para as frequências avaliadas (2k – 5khz). Na audiometria tonal, constata-se deficiência auditiva ao longo do tratamento em 3 (100%) dos pacientes. Em relação à lateralidade, 2 pacientes (66,66%) apontam deficiência bilateral e 1 (33,33%) na orelha direita. Portanto, a maior parte das perdas auditivas foi bilateral e apresentou comprometimento coclear.

Quadro 1 - Avaliação da deficiência auditiva pelos métodos de EOADP e audiometria tonal apresentada por adultos que foram submetidos à cirurgias endoscópicas e adquiriram a micobactéria

nº cASo EoAdP

dATAáudIo TonAl

lATERAlIdAdE GRAu

Presente bilateral 08/02/08 - NormalPresente bilateral 04/03/08 Direito ModeradoAusente bilateral 24/03/08 Direito ModeradoAusente bilateral 02/04/08 Direito Leve a moderadoPresente bilateral 07/01/08 Bilateral Leve a moderadoPresente bilateral 12/02/08 Bilateral Leve a moderadoAusente bilateral 28/03/08 Bilateral Leve a moderadoPresente bilateral 21/11/07 Bilateral NormalPresente bilateral 08/01/08 Bilateral LevePresente bilateral 12/03/08 Bilateral Leve

O Quadro 2 demonstra que, com a utilização dos dois testes para a audiometria tonal, 3 (100%) dos pacientes apresentaram alteração au-ditiva. Já para a EOADP, 2 pacientes (66,66%) apresentaram alteração auditiva e 1 (33,33%) apresenta exame normal.

Quadro 2 - Deficiência auditiva apresentada nos pacientes em uso de amicacina para tratamento da micobactéria através dos métodos de o EOADP e audiometria tonal

cASoEoAdP AudIo TonAl

Exame Final lateralidade Exame Final lateralidade1 Alterado Direito Alterado Direito2 Alterado Bilateral Alterado Bilateral3 Normal - Alterado Bilateral

5 dIScuSSÃo

A prevalência de deficiência auditiva apresentada neste estudo, anali-sada através dos dois métodos EOADP e AUDIOMETRIA TONAL foi de

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100%. Este valor é elevado quando comparado aos índices encontrados na literatura por outros autores (CECCARELLI et al., 1997; CHAN-CRASEKHAR et al., 2000), que variam de 55 a 62%. Uma explicação para estas variações pode ser decorrente das variações de amostra e métodos. O próprio grupo do estudo apresentaria resultados diversos se fossem considerados os resultados em dois momentos − durante ou após a internação (índice maior). Também, caso fosse considerado o resultado exclusivo de EOADP, o resultado seria menor. O elevado índice de deficiência auditiva foi favorecido pela pesquisa ter sido realizada ao longo do uso da amicacina, com dois métodos, e, também, por ter avaliado um grupo de adultos muito propícios à lesão auditiva.

Quanto ao tipo de perda auditiva e os métodos utilizados para o diag-nóstico de deficiência auditiva, sabemos que:

a) Deficiência neurosensorial: resulta de desordens na orelha interna e na cóclea e é mais frequente em adultos, causada por fármacos. Este tipo de deficiência é diagnosticado através do método de EOADP e da avaliação audiológica completa e BERA.

b) Deficiência condutiva: resulta de alterações nas orelhas externas e média. É pouco freqüente em adultos. Neste, a presença de fluído no canal auditivo externo, temporária, causa diminuição da condução. É a mais comum em crianças e jovens por otite média com efusão. Este tipo de deficiência é diagnosticada através da audio e timpanometria.

c) Deficiência mista: é a combinação de desordem condutiva e neu-rossensorial. Este tipo é diagnosticado através dos métodos de audiometria e timpanometria;

d) deficiência central: resultante de alterações acima do tronco cerebral. Este tipo é diagnosticado através do método de BERA.

A avaliação do acompanhamento dos casos, após a alta, no uso da amicacina segue as conclusões de Psaromatis e outros (1997), ou seja, as lesões cocleares e retrococleares ainda não estavam plenamente estabelecidas durante o início do uso da amicacina e se manifestaram mais tardiamente. Neste caso, concorda-se com os autores e recomenda-se, em outros estudos, estender as avaliações dos pacientes de risco durante todo o período de tratamento ou mais, utilizando os dois testes audiológicos e neurofisiológicos.

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6 conSIdERAÇÕES FInAIS

A perda auditiva foi elevada em pacientes adultos em uso de amicacina no tratamento da micobactéria em um serviço hospitalar da Grande Vi-tória, estado do Espírito Santo. A EOADP e a audiometria tonal foram os exames mais sensíveis para o diagnóstico. É recomendável o seguimento auditivo ambulatorial desses pacientes durante e após a conclusão do tratamento, preferencialmente com dois testes auditivos − EOADP e avaliação audiológica completa.

ASSESmEnT hEARInG In AdulTS InFEcTEd WITh mYcobAcTERIA And AmIKAcIn uSEd In ThE TREATmEnT bY TWo mEThodS - EVoKEd

oToAcouSTIc EmISSIonS bY dISToRTIon PRoducT (EoAdP) And PuRE TonE AudIomETRY:

A cASE STudY

AbSTRAcT

To assess the prevalence of hearing impairment in adults who were infected with mycobacteria and amikacin used in the treatment by two methods − evoked otoacoustic emissions by distortion product (EOADP) and pure tone audiometry. We evaluated patients with hearing complaints, aged between 40 and 49 years after the beginning of the use of amikacin for treatment of mycobacterium, between november 2007 and february 2008. Of the patients tested, 3 (100%) had hearing impairment in the pure tone audiometry and 2 (66.66%) changes in EOADP. In relation to laterality, 2 (66.66%) had bilateral hearing loss and one (33.33%) in the right ear. In total, the 3 (100%) patients started to produce hearing loss. Risk factors for hearing loss were amikacin have used during treatment. The prevalence of hearing loss detected through four methods (EOADP, tympanometry, Reflection and IPSIA estapédicos contra-lateral and pure tone audiometry) was high in patients who used the amikacin. There is a need to onduct hearing assessment both during treatment and after the suspension.

Keywords: Deafness. Otoacoustic emissions. Audiometry, impedance. Audiometry.

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correspondência para/reprint request to: Josiane Ferrari FrancoRua Antônio Bernardes da Silveira, 17Santos Dumont29109-400 – Vila Velha - ES, Brasil

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AVAlIAÇÃo EconÔmIcA dA uTIlIzAÇÃo dE EQuIPAmEnToS SubmARInoS PARA

A PRoduÇÃo dE PETRÓlEo

Thiago Roza Bertolani1Henri Fiorenza de Lima2

RESumo

Para viabilizar a produção de petróleo ou gás no mar são necessários vários recursos tecnológicos, além do conhecimento acumulado ao longo dos anos de desenvolvimento desta indústria. Dentre as alternativas levantadas para permitir a exploração de um campo marítimo, está a utilização de equipamentos conhecidos como manifolds submarinos. Estes surgem como opção para a simplificação do arranjo de dutos submarinos, o que pode trazer ganhos econômicos para o projeto, a depender de um estudo detalhado. Para esta avaliação é importante co-nhecer os custos envolvidos no dimensionamento, fabricação, instalação e operação destes dispositivos, uma vez que se tratam de componentes bastante dispendiosos, tendo participação significativa nos custos da implementação de um projeto. Desta maneira, propõe-se o desenvol-vimento de uma ferramenta computacional para facilitar a tomada de decisão quanto ao uso deste tipo de equipamento em detrimento às configurações convencionais.

Palavras-chave: Poços de petróleo submarino – perfuração. Indústria petrolífera. Petróleo – prospecção. Petróleo – aspectos econômicos.

1 Bacharel em Engenharia de Petróleo pelo Centro Universitário Vila Velha. E-mail: [email protected]

2 Mestre em Engenharia Submarina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Centro Universitário Vila Velha e engenheiro de equipamentos da Petrobras. E-mail: [email protected].

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1 InTRoduÇÃo

Depois que o óleo ou gás é encontrado, através da perfuração marítima exploratória, é necessário que um projeto de desenvolvimento da pro-dução seja implementado, para que este possa ser extraído de forma econômica. Então, o hidrocarboneto é encaminhado, por meio de dutos, à planta de processo presente em uma plataforma para o tratamento que vai condicioná-lo para o envio à refinaria.

Os poços produtores são dispostos de modo a maximizar o volume de óleo extraído, podendo ser perfurados de forma vertical ou inclinada. No leito marinho estarão, então, localizadas as cabeças-de-poço, sobre as quais estarão instalados equipamentos que permitirão o controle da abertura e fechamento do respectivo poço.

Pode haver, ainda, poços injetores de água ou gás (a chamada re-cuperação secundária), que tem a finalidade de manter a pressão do reservatório, de modo a manter a produção maximizada e pelo maior tempo possível.

Em face de condicionantes operacionais, como espaço e peso suportado, o número de ligações diretas entre os poços e plataforma é limitado. Estas interligações podem ser realizadas de forma direta ou por meio de equipamentos chamados manifolds submarinos, que funcionam como concentradores ou distribuidores de fluidos e localizam-se sobre o leito marinho.

Atualmente se torna imprescindível o uso de equipamentos submarinos na indústria do petróleo uma vez que a maior parte da produção mundial desse combustível fóssil se concentra em área offshore. A perspectiva de novas descobertas de petróleo em lâminas d’água cada vez mais profundas, devido ao esgotamento dos reservatórios situados em meno-res profundidades, tem imposto um grande desafio a toda comunidade técnica. A tarefa é tornar viável, técnica e economicamente, a explotação desses reservatórios, bem como reduzir os riscos envolvidos nessas operações. Neste cenário os manifolds podem surgir como alternativas interessantes para aplicação, mas muitas vezes eles podem trazer dúvidas em função da alta complexidade que trazem para o projeto, além do alto custo de fabricação e instalação. Outras incertezas, como atrasos em sua construção e disponibilidade operacional, podem fazer com que estes só sejam utilizados quando a configuração convencional

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não atende os requisitos do projeto. Isso pode acontecer mesmo quando análises econômicas indicam sua adoção.

Desta forma, este trabalho tem como objetivo desenvolver uma meto-dologia para avaliar, de forma bastante simples, a conveniência ou não da utilização de um manifold submarino de produção em um projeto de desenvolvimento de um campo produtor de petróleo, de modo a facilitar a tomada de decisão, levando em conta as diversas variáveis envolvidas no processo.

Será elaborada, também, uma planilha para automatizar esta atividade uma vez que esta costuma demandar bastante tempo da já escassa disponibilidade de recursos humanos qualificados para tal avaliação.

Por fim, este estudo se justifica pelo alto potencial de economia (na or-dem de milhões de dólares) que a utilização de um equipamento dessa natureza pode trazer.

2 SISTEmAS mARÍTImoS dE PRoduÇÃo

Um Sistema Marítimo de Produção é composto por um ou mais poços produtores e, eventualmente, poços injetores, dutos para o escoamento dos fluidos produzidos e equipamentos submarinos e de superfície para prover o sistema das facilidades necessárias para seu bom desempenho e atendimento de seu objetivo.

Os poços injetores servem para manter a pressão do reservatório, que tende a cair com o esvaziamento por parte do volume suprimido.

Normalmente ocorre a produção de água salgada (presente nas cama-das subterrâneas) juntamente com o óleo. Esta precisa ser separada e descartada, após tratamento adequado. Esse papel é desempenhado pela planta de processo das plataformas.

A necessidade de se lidar com uma grande complexidade de dutos em função da quantidade de poços, aliada a grandes distâncias percorridas pelo óleo até chegar aos centros consumidores, representa um grande desafio para a engenharia submarina.

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2.1 UNIDADE ESTACIONÁRIA DE PRODUÇÃO (UEP)

As plataformas ou UEP’s disponibilizam, na superfície, uma locação para as facilidades de produção, perfuração/completação, recebimen-to e suporte de dutos, utilidades, salas de controle, equipamentos de segurança e alojamento de pessoal.

As primeiras instalações de produção aplicáveis em lâmina d’água rasa (até 300m) são chamadas de plataformas fixas (usualmente sustenta-das por estruturas de aço ou cimento). Perfurados a partir da própria plataforma, os poços eram ligados através de tubulações verticais. Com o aumento das lâminas d’água, esse tipo de instalação passou a ter limitações para atingir reservatórios ou poços com grande afastamento, a custos razoáveis. Foi quando surgiram os sistemas flutuantes de pro-dução (plataformas semi-submersíveis – SS – e os navios de processo – FPSO), que permitiram atingir uma nova fronteira exploratória. Nestas unidades, os poços submarinos são perfurados por plataformas espe-cíficas para este fim e, na fase de produção, ligados à UEP através de dutos. A evolução permitiu o desenvolvimento de novas estruturas que vieram para atender necessidades específicas, por exemplo as Tension Leg Platforms (TLP), torres complacentes e SPAR Buoys.

Os principais fatores norteadores da escolha do tipo de plataforma a ser adotado são: localização do campo, lâmina d’água (LDA), condições ambientais, capacidade requerida de processamento, tempo de desenvol-vimento, necessidade de armazenamento, capacidade de receber dutos (carga e espaço), prazo para a instalação (desde o projeto) e custo.

Outros fatores que interferem no traçado do arranjo submarino são: relevo marinho afastamento entre os poços e a plataforma e dos poços entre si, profundidade do reservatório e segurança operacional.

Na Figura 1, são apresentadas as principais configurações de plataformas de produção utilizadas atualmente, dando uma ideia da sua limitação quanto à profundidade onde são aplicadas.

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Figura 1 – Principais tipos de plataformasFonte: Minerals Management Service

2.2 DUTOS SUBMARINOS

Os dutos submarinos são responsáveis pela transferência de fluidos entre dois pontos quaisquer da malha submarina. Eles podem ser classificados à natureza dos carregamentos a que estão expostos, quanto ao material de que são feitos e quanto à função que serão aplicados.

No primeiro caso, podem ser:

• Estáticos – também chamados de flowlines, correspondem aos trechos que permanecem repousando sobre o leito marinho durante toda a vida útil do duto.

• Dinâmicos – conhecidos como risers, são os trechos suspensos entre o leito marinho e a plataforma (em unidades do tipo fixas e podem ser instalados internamente a condutores ou presos a uma das pernas desta unidade que não sofrem carregamento dinâmico).

Quanto ao material de que são construídos:

• Rígidos – compostos por uma única camada de aço, projetada para resistir a todas as solicitações, além de um revestimento externo anti-corrosivo.

• Flexíveis – estruturas com múltiplas camadas concêntricas, onde cada uma destas possui uma aplicação estrutural ou funcional bem definida. Normalmente possui maior custo de fabricação, quando comparado à opção rígida, porém, sua instalação é mais barata e permite reaproveitamento em projetos distintos.

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Quanto à função:

• Dutos de Produção – utilizados para o escoamento da produção a partir do poço.

• Dutos de Serviço – utilizados em poços de produção para a circulação de pigs,3 permitindo acesso ao espaço anular do poço e servindo como meio de injeção de gas lift.

• Dutos de Injeção – utilizados para a injeção de água ou gás em poços injetores.

• Dutos de Exportação – dutos que servem para o escoamento da produção de óleo (oleoduto) ou gás (gasoduto), após processamento dos hidrocarbonetos. A exportação pode se dar para terra ou para outra unidade, para armazenamento, por exemplo. Possuem, nor-malmente, maiores diâmetros em relação aos dutos de produção, devido às maiores vazões suportadas.

Existem, ainda, outras formas de classificar os dutos, com tem pouca relevância para o desenvolvimento deste estudo.

Outros termos importantes de serem definidos são:

• Jumper – trecho de duto ou umbilical instalado entre dois equipa-mentos, normalmente de comprimento menor do que o restante do duto.

• Bundle – conjunto de linhas de um poço ou equipamento. Por serem lançadas ao longo de uma mesma rota, as linhas de um bundle têm comprimentos aproximadamente iguais.

Existem ainda configurações não-convencionais que aliam múltiplas funções. Estas não estão sendo consideradas no presente estudo.

Quanto aos risers, estes podem assumir várias configurações, sendo a mais comum a em catenária livre (free hanging), onde este tipo de curva é formado entre a conexão com a plataforma até o ponto onde o duto toca o solo marinho, tangenciando-o. Algumas configurações alternativas podem ser requeridas, uma vez que os risers são especialmente solici-tados durante todo o tempo de operação estando suscetíveis à fadiga.

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As principais variáveis que interferem na escolha da configuração dos risers são: diâmetro dos dutos, movimentos da unidade de produção (carregamentos ambientais) e LDA.

Em geral, as ditas configurações alternativas representam um custo muito maior quando comparadas com as demais. O uso de manifolds sugere o uso de diâmetros maiores, o que pode levar à utilização de sistemas diferenciados e implicar uma dificuldade extra.

Composição Típica do Duto Flexível

A composição das diferentes camadas de um duto flexível está ligada diretamente ao tipo de utilização e a lâmina d’água na qual será utilizado. Uma configuração típica é mostrada na Figura 2, sendo, respectivamente: (1) Carcaça Intertravada; (2) Camada Interna de Pressão; (3) Armadura de Pressão; (4) Camada Anti-Desgaste; (5) Armaduras de Tração; (6) Capa externa. Algumas aplicações podem exigir a utilização de isola-mento térmico e que representaria uma camada extra. Dutos de injeção de água não possuem a primeira camada.

Figura 2 – Composição típica de um duto flexívelFonte: Lemos (2005).

2.3 UMBILICAIS DE CONTROLE ELETRO-HIDRÁULICOS (UEH)

Umbilicais são cabos que têm como função o controle hidráulico de válvulas submarinas (seja este, direto ou multiplexado), a injeção de produtos químicos e a leitura de instrumentos de medição, de pressão e temperatura, por exemplo.

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Para poços produtores, são utilizados umbilicais com 9 mangueiras hidráulicas (controle direto), 3 de injeção química e cabo elétrico para leitura de sinais.

Para poços injetores são utilizados umbilicais com 5 mangueiras hidráu-licas (controle direto) e cabo elétrico para leitura de sinais.

Para uso em manifolds, podem ser utilizados dois tipos de umbilicais: um com 4 mangueiras hidráulicas (controle multiplexado), 6 de injeção química e cabo elétrico para leitura de sinais e outro exclusivo para injeção química, com 10 mangueiras.

Existem, ainda, os cabos de potência, utilizados para fornecer energia elétrica para equipamentos submarinos que possuam esta necessidade (tipicamente, sistemas de bombeamento).

Cada poço produtor, em geral, possui três linhas: uma de produção, uma de serviço e uma umbilical. Quando este utilizar sistema de bombeamento submarino, existem duas possibilidades: uso de um cabo de potência extra ou integrado ao UEH. No caso de poços satélites, estas linhas se interligam diretamente à plataforma. Quando se estiver falando de poços interligados a manifolds, este bundle interligará cada poço ao manifold, e este equipamento será interligado através de um bundle próprio.

Poços injetores possuem apenas duas linhas: a de injeção e a linha umbilical eletro-hidráulico.

2.4 EQUIPAMENTOS SUBMARINOS

O direcionamento da exploração e produção offshore de petróleo para águas profundas impõe a necessidade de mudança mais radical na trajetória tecnológica da indústria, especialmente no que se refere à constituição de novos materiais e especificações técnicas mais preci-sas, além da adoção de tecnologias mais complexas para instalação e operação dos equipamentos.

Atualmente os equipamentos utilizados na produção submarina de petróleo têm características próprias de projeto, fabricação, material e montagem, destacando-se as operações em ambiente adverso com elevadas pressões e baixas temperaturas quanto maior for a lâmina

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d’água. Associado a este contexto, está a dificuldade de intervenção, manutenção, monitoração e inspeção desses equipamentos, que re-querem alta confiabilidade operacional com a finalidade de evitar as dispendiosas operações de reparo, havendo, ainda, maior dificuldade de obtenção de dados de falhas pelo menor tempo de experiência em relação aos sistemas convencionais.

Os principais equipamentos utilizados no desenvolvimento de um campo são os seguintes:

ANM: Para se controlar a pressão e a vazão, é instalada na cabeça do poço uma Árvore de Natal Molhada (ANM), equipamento para uso submarino, constituído por válvulas gaveta de atuação hidráulica, um conjunto de linhas de fluxo e um sistema de controle a ser interligado ao painel de controle, localizado na UEP, tendo, permitindo o acesso ao poço através da coluna de produção e do espaço anular.

O conjunto de válvulas permite uma grande flexibilidade de alinhamen-tos, além de permitir despressurizações em função de necessidades operacionais. A ANM também pode ser destinada à injeção de gás ou água no reservatório, sendo, em geral, utilizado o mesmo modelo de árvore. As árvores de natal podem ser do tipo convencional ou horizontal (ANMH), que se diferencia da primeira por permitir melhor acesso ao poço, possibilitando uma eventual retirada da coluna de produção ou do conjunto de bombeamento (se houver), sem a retirada da ANM, o que diminui o custo de intervenção.

PLET (Pipe Line End Termination): Este equipamento é utilizado para interligar um duto flexível a um duto rígido, em LDA’s profundas, ou seja, que não permitem a ação de mergulhadores (> 300m). É lançado interligado ao duto rígido, funcionando como um terminal. Posteriormente o duto flexível é interligado através de conexão vertical. O PLET pode ser provido de uma válvula de bloqueio, a depender da necessidade do projeto. A Figura 3 mostra um PLET.

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Figura 3 – Exemplo de um PlETFonte: Flowline... (acesso em 2009)

PLEM (Pipe Line End Manifold): Consiste em um manifold simplificado, que reúne ou distribui fluxo, porém, com válvulas de atuação manual, que são abertas ou fechadas no caso de novas interligações ou desco-nexões. Geralmente são utilizados para a exportação de óleo ou gás, provenientes de plataformas/campos distintos, destinados ao mesmo ponto em terra.

Bombeamento Submarino: Para que seja possível a chegada do fluido à superfície é necessário que a pressão de fluxo no fundo seja maior que a soma de todas as perdas de carga na coluna de produção e dutos. Estas perdas de pressão incluem o peso da coluna hidrostática do flui-do, as perdas por fricção, as perdas nas restrições (regulador de fluxo, válvulas, etc.), as perdas devido à aceleração do fluido e à pressão nos equipamentos de separação.

Quando a pressão do reservatório é relativamente baixa, os fluidos nele contidos não alcançam a superfície sem que sejam utilizados meios artificiais para elevá-los, sendo esta uma tendência no decorrer da vida produtiva. Utilizando equipamentos específicos, reduz-se a pressão de fluxo no fundo do poço, com o consequente aumento do diferencial de pressão sobre o reservatório, resultando assim no aumento da vazão. Esta solução pode ou não ser utilizada em conjunto com o manifold.

• Bombeio Centrífugo Submerso Submarino (BCSS): neste tipo de bombeio a energia é transmitida para o fluido no interior da coluna de produção, onde se localiza uma bomba centrífuga de múltiplos

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estágios ou no percurso do óleo até a plataforma, através de aciona-mento elétrico, onde essa energia se transforma em energia mecânica, aumentando assim a pressão e elevando o óleo até a superfície.

• Elevação por Gas Lift: é um método de elevação artificial que utili-za a energia contida em gás comprimido para elevar os fluidos. O gás é introduzido dentro coluna através de mandris, o que diminui o gradiente médio de pressão, diminuindo a pressão de fluxo no fundo e gerando um aumento de vazão. É um método muito versátil e de baixo investimento, que proporciona altas vazões em grandes profundidades, sendo especialmente indicado para óleos pesados, pelo fato de reduzir a densidade do fluido na coluna e dutos. Assim, a pressão do reservatório torna-se suficiente para elevar a mistura gás-líquido para a superfície.

Separadores Submarinos: Separadores de fundo são equipamentos utilizados para segregar e separar as fases em um escoamento bifásico ou multifásico. Sua aplicação é recente e muitos projetos tem tido boas perspectivas de prolongamento de sua vida produtiva. Tem a mesma função dos separadores de superfície, porém, reduzem o volume de água chegando na plataforma, o que pode aumentar a capacidade de produção. Alguns separam o gás da fase líquida, para assim facilitar o bombeamento.

3 MANIFOLDS SubmARInoS

Manifolds submarinos são equipamentos cuja função é reunir em um tronco coletor (header) a produção oriunda de vários poços. Tal equi-pamento é constituído por arranjos de tubulações (coleta, injeção, teste e exportação), conjunto de válvulas de bloqueio, válvulas de controle de escoamento (chokes) e subsistemas de monitoramento e controle através da UEP. No caso de injeção de gás ou água, o manifold tem como função distribuir para os poços os fluidos vindos da plataforma. As funções de produção e injeção podem estar contidas num mesmo equipamento.

As partes que compõem um manifold são a sub-base, o conjunto de tubulações e válvulas, um sistema de controle submarino e um sistema de conexão aos dutos. A sub-base permite a compensação da inclinação do solo. Estes equipamentos, quando instalados, representam uma

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dificuldade em termos de recuperação, uma vez que apresentam uma complexa logística e alto custo de intervenção. Os arranjos de tubulação propiciam operações específicas: a produção propriamente dita (coleta a produção dos poços e direciona para a exportação para a UEP); teste de produção (segregar a produção de um único poço, para obtenção de dados); gas lift (direciona o gás vindo da UEP para os poços); e injeção de produtos químicos. Além destes, o manifold ainda é composto por válvulas, chokes, módulos eletrônicos de controle, módulos de medição e linhas hidráulicas. Todas as válvulas e chokes podem ser atuados hidraulicamente ou por ROV.4

As principais vantagens na utilização de manifolds são as reduções do comprimento total de dutos e a redução do número de risers, o que impacta em economia e redução de peso e da concorrência por espaço na plataforma.

O manifold permite a produção conjunta de poços de diferentes capaci-dades. O equilíbrio conseguido na produção desses poços se faz à custa do estrangulamento dos poços de mais alta capacidade de produção. Naturalmente, o somatório das vazões atingidas nessa forma sinérgica tende a ser menor do que aquelas que seriam atingidas com a produção em separado desses poços, mas podem ser economicamente mais atraentes devido à economia atingida nos custos de investimento, porém podem vir a permitir a interligação de mais poços do que permitiria a unidade (no caso de falta de espaço na UEP).

De forma semelhante à UEP, os manifolds são projetados para um nú-mero definido de interligações aos poços. E em virtude da necessidade de manutenção da viabilidade econômica, os manifolds devem operar com uma capacidade mínima. Alguns dos critérios adotados na decisão pelo uso de manifolds são:

• Número de poços e sua distribuição (coordenadas das cabeças dos poços).

• Perfil do leito marinho (curvas batimétricas).

• Número máximo de poços que cada manifold submarino suporta e número mínimo, o que corresponde ao grau de utilização do equi-pamento.

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• Tipos de plataformas disponíveis e suas lâminas d’água máximas de operação.

• Número máximo de interligações provenientes de manifolds ou poços, que podem ser interligados à Unidade Estacionária de Produção.

• Custos de equipamentos e serviços.

O uso dos manifolds submarinos é recomendado quando se reúnem diversos poços em uma mesma região e que não estejam próximos à plataforma de processo, ganhando com a redução do número de dutos submarinos e de umbilicais de controle. Sua vantagem é reduzir o custo do sistema, pois, ao invés de diversos dutos ligando os poços individualmente à plataforma, tem-se apenas um duto coletor (ou um par de dutos) de maior diâmetro, o que reduz consideravelmente as cargas na plataforma.

Apesar de toda esta conveniência é importante lembrar que possíveis falhas em um manifold podem impactar a produção de um número ampliado de poços, o que exigirá uma série de cuidados durante sua operação, bem como um projeto contemplando as facilidades neces-sárias para evitar maiores inconvenientes. Uma das formas criadas para facilitar a manutenção de um manifold foi a adoção de módulos recuperáveis de válvulas, medidores e módulos eletrônicos para trocas rápidas quando necessário.

Algumas das razões para adoção de manifolds submarinos são:

• Antecipação da produção/injeção de conjuntos de poços através do pré-lançamento de dutos e umbilicais entre os poços e os próprios manifolds, antes da chegada da plataforma, com consequente an-tecipação da produção e otimização de recurso.

• Otimização do arranjo submarino gerando menor congestionamento de linhas no fundo, com consequente redução de custos com mate-riais e serviços de instalação.

• Redução de custos com umbilicais de controle através da adoção de sistema de controle eletro-hidráulico multiplexado.

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• Redução de carga nas plataformas flutuantes devido ao menor nú-mero de risers a elas conectados.

• Viabilização da utilização de FPSO’s com sistema de ancoragem em Turret5 em função do reduzido espaço para acomodar os risers.

Histórico do Uso de Manifolds

No final dos anos 70, foi implantado o primeiro manifold submarino, que consistia em um equipamento atmosférico encapsulado, logo se tornando obsoleto em função das maiores profundidades requeridas. Foi quando começaram a surgir equipamentos de contemplação molhada. Em 1990, foi desenvolvido no Brasil o primeiro sistema de controle eletro-hidráulico multiplexado para uma ANM, que operou com sucesso por mais de uma década. Esse sistema de controle permitia a atuação de todas as funções hidráulicas da ANM a partir de apenas dois níveis de pressão (LP – baixa e HP – alta pressão). Ainda em 1990, foi iniciado na Petrobras, o projeto básico da primeira geração de manifolds submarinos para águas profundas. Esta adotava sistema de controle eletro-hidráulico multiplexado, conexão vertical e previa testes de qualificação de todos os seus componentes.

Com a considerável experiência acumulada no uso da técnica de pro-dução submarina utilizada na Bacia de Campos, Golfo do México, Mar do Norte e na Costa Oeste da África, observa-se que uma configura-ção mostrada na Figura 4, que consiste na instalação independente de um manifold ligado por jumpers a poços satélites, localizados em suas proximidades, é simples e flexível. Tal configuração permite ainda uma redução de interfaces críticas entre os equipamentos e as fases de perfuração e produção no desenvolvimento do campo, além de pro-piciar uma redução de custos de investimentos e ainda uma potencial antecipação da produção.

Figura 4 – Manifold com poços interligadosFonte: Oliveira (2003).

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Decisões acerca de uso ou não do manifold são tomadas a partir do número de poços, da vazão diária por poço e do arranjo dos poços, levando em consideração que o arranjo de poços é determinado pela área do reservatório, a profundidade e tipo de poço a ser perfurado.

O manifold é um equipamento dos mais versáteis devido a suas múltiplas funções, sendo as principais configurações mostradas a seguir:

Manifold Submarino de Produção (MSP): O manifold de produção, nor-malmente reúne as facilidades de injeção de gas lift, com medição e regulagem; passagem de pig para limpeza, controle dos poços, leitura de sinais e injeção de produtos químicos e é claro, a produção dos poços com a possibilidade de teste individual de cada poço. A Figura 5 mostra um manifold submarino de produção durante sua instalação.

Figura 5 – Manifold submarino de produção sendo instaladoFonte: Oliveira (2003).

Manifold Submarino de Injeção (MSI): Equipamento que tem como prin-cipal função distribuir os fluidos de injeção, usualmente água, em um conjunto de poços de injeção, além de controlar os poços injetores.

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Manifold Submarino de Gas Lift (MSGL): Equipamento cujo funciona-mento se baseia na distribuição do gas lift (gás comprimido) nos poços interligados a este, com o intuito de provocar um aumento na vazão. Normalmente, acumula a função de controle do poço.

Manifold Submarino de Controle (MSC): Utilizado para multiplexação de sinal elétrico e hidráulico e também para injeção de produtos químicos. Tem como objetivo reduzir o número de umbilicais a serem interligados.

Template manifold: Template é uma base de aço instalada no leito marinho, onde são instalados ou fixados equipamentos, peças e cabos utilizados nas operações de exploração e produção, normalmente servindo como guia para a perfuração de vários poços, lado a lado. Normalmente, os templates são fixados no solo marinho através de estacas e fornecem, no caso de uma TLP, apoio para ancoragem. Template manifold é uma estrutura que incorpora um manifold às ANM’s. A partir deste ponto, são perfurados poços direcionais ou horizontais e são distribuídos de forma a drenar o reservatório da forma mais econômica possível.

3.1 SISTEMA DE CONTROLE SUBMARINO

O sistema de controle submarino tem como principal finalidade contro-lar a operação das válvulas de sub-superfície, das válvulas da ANM, dos chokes (válvulas de controle de fluxo e pressão) submarinos e das válvulas do manifold. Ele também permite a monitoração das variáveis de processo necessárias para operação com segurança do sistema de produção, de modo a permitir uma pronta atuação do sistema de controle em condições de operações que requeiram uma rápida parada de emergência.

A solução adotada para permitir esta automação é a utilização de fluido hidráulico pressurizado, obtido através de uma Unidade de Potência Hidráulica (HPU), localizada na superfície. Os primeiros sistemas de controle foram do tipo hidráulico direto, no qual há uma linha hidráulica (ou função) para cada válvula a ser operada. Estes ainda são utiliza-dos em poços satélites. Para grandes distâncias, em função do longo tempo de resposta ou quando existe um grande número de válvulas a serem controladas em um equipamento, utiliza-se a multiplexação do sinal hidráulico. Neste sistema, o comando individual para cada válvula é feito através de sinais elétricos enviados para válvulas sole-nóide. Neste caso, o umbilical possui um número reduzido de linhas

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hidráulicas, atuando em conjunto com acumuladores submarinos. Desta forma, sobra espaço para um número maior de mangueiras de injeção química no UEH.

4 InSTAlAÇÃo dE duToS E EQuIPAmEnToS SubmARInoS

Para a instalação de dutos flexíveis, são utilizados barcos de lança-mento chamados Lay Supply Vesse (LSV), que carregam os dutos e umbilicais e transportam até o local de instalação, onde procedem a Conexão Vertical Direta (CVD) na ANM, e daí lança, através de uma rota preestabelecida, até a plataforma ou outro equipamento submarino. Neste trabalho, será tratado apenas do uso de flexíveis, uma vez que estes representam a maioria das ocorrências de dutos no sistema de coleta utilizados no Brasil.

Pull in: Esta operação consiste na transferência de carga do barco de lançamento para um sistema de superfície (plataforma ou monobóia6), através de guinchos e cabos de aço de ambas as embarcações. O pull in pode ser de primeira ou segunda extremidade, a depender do lado da linha que será instalado primeiro. A operação de pull in necessita do auxílio de mergulhadores.

A operação inversa (transferência de linha flexível de uma unidade de su-perfície para um navio de lançamento de linhas flexíveis) é o pull out.

Para o lançamento de equipamentos submarinos, podem ser utilizados rebocadores dotados de guinchos e guindaste do tipo A-Frame (em forma de pórtico), geralmente localizado na popa. Este é utilizado no transbordo de equipamentos. Além destes, os barcos de lançamento de dutos rígidos normalmente são capazes de lançar PLET’s e sondas de perfuração, as ANM’s.

O uso de Veículo de Operação Remota (ROV) é fundamental para a realização de qualquer serviço, seja uma simples inspeção, atuação de válvulas ou travamento de algum componente. Estes podem atingir profundidades superiores a 3000m de LDA.

Os métodos de instalação de manifolds (métodos verticais) são os seguintes:

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• Drill Pipe Riser – o manifold submarino é instalado via sonda flutuante de perfuração. Para esta instalação a estrutura do manifold é dotada de um ponto de suporte central.

• Cabo – o manifold submarino é instalado via cabo por meio de uma embarcação de apoio (AHTS – Anchor Handing Tug Supply), também utilizada para operações de ancoragem, ou uma balsa guindaste de lançamento. Para esta condição de instalação, a estrutura do manifold é dotada de quatro pontos para içamento.

• Roldana – o equipamento é instalado por meio de uma operação conjunta entre uma sonda de perfuração e um AHTS, com o auxílio de uma roldana.

Em geral, os métodos verticais de instalação demonstraram-se inefi-cientes com o aumento da lâmina d’água e da massa dos manifolds, tendo em vista que nesses casos observam-se grandes amplificações dinâmicas em função de ressonância. Dispositivos de compensação de movimentos normalmente só estão presentes em sondas de perfuração (cujo custo diário é muito mais alto do que outras embarcações).Um método de instalação pendular é uma nova metodologia de insta-lação de manifolds em águas profundas, proposta pela Petrobras, que pode vir a substituir a instalação vertical pelo menos para casos mais críticos. Na instalação pendular há necessidade de duas embarcações. Apesar disso, os custos envolvidos são muito menores do que pelos meios convencionais. A Figura 6 ilustra este método.

Figura 6 – Instalação de um manifold pelo método pendularFonte: Neves (2005).

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5 ESTudo dE cASo

Este trabalho propõe a elaboração de uma planilha a partir de um mo-delo desenvolvido para auxiliar na visualização e, consequentemente, na tomada de decisão, quanto ao uso ou não de um manifold em um sistema submarino de produção como alternativa à utilização de poços satélites.

Para tanto, será feita a avaliação de custos de dutos e equipamentos submarinos, considerando o manifold e suas facilidades (material), sua instalação (serviço) e como estes valores se comportam em função da geometria do sistema (distância entre poços, distância destes até a plataforma e número de poços a serem interligados). Entretanto, este estudo não levará em conta outras variáveis que poderiam influenciar (mesmo que não economicamente) na opção pelo uso deste método como: disponibilidade de espaço em plataforma, possibilidade de interligação de poços extras, cronograma empregado ocasionando antecipação da produção ou perda de produção devido às perdas de carga.

A utilização de dutos rígidos é possível, mas, para efeito de simplificação, esse trabalho só fará uso dos flexíveis. Estudos envolvendo rígidos po-derão enriquecer este trabalho, no futuro, até porque maiores distâncias sugerem essa opção como a mais econômica.

Para que esse trabalho se adéque à realidade e que seja peremptório na tomada de decisão, serão utilizados dados aproximados que o segmento utiliza. A Tabela 1 lista a especificação dos dutos flexíveis comercialmente utilizados em águas profundas e suas aplicações.

Tabela 1 – diâmetros comerciais de dutos flexíveis utilizados em águas profundas

diâmetro do duto Aplicação

2,5” Injeção de gas lift

4” Injeção de gas lift e serviço quando houver passagem de pig

6” Produção ou Injeção8” Produção ou injeção

91/8” Gasodutos

111/8” Gasodutos

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Para efeitos de avaliação de custos, será considerado que as flowlines serão isoladas termicamente (o que ocorre na maioria dos casos para a manutenção da temperatura dos fluidos). Quanto aos risers, devido aos diferentes requisitos e solicitações, no topo e no fundo do mar, nor-malmente são divididos em dois trechos com estruturas distintas. Para efeito de simplificação, esta avaliação considerará um único custo.Neste estudo, a configuração de riser a ser adotada é a em catenária, a partir da plataforma até a conexão riser/flow7 (CRF) de onde partem as flowlines, como pode ser visto na Figura 7.

Figura 7 – Sistema em catenária dos dutos até a CRF

Para avaliação de custos para poços satélites serão utilizados em sua interligação, dutos de produção de 6’’, tanto para riser quanto para flowline; dutos de serviço de 4’’, umbilicais compostos de 9 funções de controle de 3/8’’ e 3 mangueiras de injeção de produtos químicos de alta resistência ao colapso (HCR) de 1/2’’ e um cabo elétrico para a leitura de sinais de instrumentos do poço e ANM. Estas linhas compõem o bundle de um poço produtor.

Para o eventual uso de um manifold, este contará com um bundle composto por:

• Um duto de produção – Normalmente com diâmetro maior do que o de um poço satélite, uma vez que terá de permitir um fluxo maior de hidrocarboneto. Para este trabalho, será utilizado um duto de produção de 91/8’’.

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• Um duto de teste – Utilizado quando o manifold não possui medição multifásica submarina, o que exige que os poços sejam testados periódica e individualmente. Deverá ter o diâmetro de um duto de produção de um poço satélite (6”).

• Duto de serviço – Utilizado para a passagem de pig e, possivelmente, para a injeção de gas lift.

• Umbilical de controle – Composto por 4 mangueiras de controle de 3/8’’ e 6 de injeção de produtos químicos, além de cabo elétrico.

• Umbilical de injeção química – Composto exclusivamente por man-gueiras HCR para suprir a demanda pela injeção de produtos.

Outras especificações podem ser incluídas no modelo, dependendo da conveniência para o estudo que estiver sendo conduzido como, por exemplo, cabo de potência para bombeio submarino.

O material utilizado para o bundle entre os poços e o manifold é com-posto pelos mesmos elementos de poço satélite.

Os custos utilizados neste trabalho são aproximados e listados na Tabela 2 e não podem ser considerados como exatos. Na ocasião da aplica-ção real desta ferramenta, deverá ser feita uma consulta ao mercado, que está sujeito a alterações, em função de inflação, indisponibilidade, concorrência entre fabricantes, etc.

Vale lembrar que todas as planilhas presentes neste estudo podem ser alimentadas manualmente de forma que cada valor possa ser corrigido e utilizado da melhor forma, de modo a reduzir os erros.

Tabela 2 – Preço dos dutos utilizados neste trabalho

Especificação Preço (uS$/m)Produção de 6'' (Riser) 1500

Produção de 6'' (Flowline Isolada) 2000Produção de 9'' (Riser) 2500

Produção de 9'' (Flowline Isolada) 3500Serviço de 4'' (Riser e Flowline) 500

Umbilical de 9 + 3 HCR + Cabo elétrico 380Umbilical de 4 + 6 HCR + Cabo elétrico 400

Umbilical de Inj. Química (10 HCR) 400

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Obs.: Os custos dos acessórios utilizados já estão contabilizados no preço total dos dutos, mas podem ser detalhados em um caso real para se obter um valor mais acurado. Já o custo da ANM é desconsiderado no modelo, uma vez que a comparação considera o mesmo número de poços que utilizam ANM’s idênticas.

5.1 SISTEMA COM POÇOS SATÉLITES

Para dar início ao estudo de caso foi feita a modelagem do custo do material e serviço de instalação para se interligar uma série de poços a uma plataforma. As equações deduzidas foram inseridas em uma planilha Excel®. Dentre as demais premissas já citadas, este estudo não leva em conta a utilização de poços de injeção.

Para esse primeiro caso, considera-se a produção a partir de uma plataforma do tipo FPSO com sistema de ancoragem spread mooring,8 de onde saem vários bundles que vão ao encontro dos poços, confor-me mostrado na Figura 8. Os poços localizam-se a uma distância C1 somada com a distância média da conexão riser/flow até os poços D, dada pela Equação 1.

Figura 8 – Configuração de poços satélites

∑=

=n

i nDiD

1 (1)

O valor total do sistema levará em consideração a quantidade de poços a serem interligados à plataforma, o que impactará nos com-primentos de dutos e, como consequência, no custo de materiais e serviços.

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Para simplificação, o comprimento dos risers será considerado fixo, no valor de 2000 metros, da plataforma até a CRF (C1), valor típico para uma LDA de 1400 metros.

Um resumo dos parâmetros utilizados para a elaboração do modelo matemático é mostrado na Tabela 3.

Tabela 3 – Parâmetros utilizados no modelo de interligação convencional

dutos Preço do Riser (uS$1000/m)

Preço do Flow (uS$1000/m)

Produção 6'' 1,50 2,00Serviço 4'' 0,50 0,50

Umbilical (9F+3Inj) 0,38 0,38

Preço Total do Bundle 2,38 2,88

Estes parâmetros podem ser alterados na equação de forma a corrigi-la em função da evolução de preços, eficiência operacional, peculiaridades do projeto, entre outros.

O custo do sistema completo é dado pela Equação 2.

ServMatSist $$$ += (2)

$Sist Custo total do sistema (US$).

$Mat Custo do material utilizado (US$).

$Serv Custo do serviço de instalação (US$).

O custo do material sai da Equação 3.

nDnC FlowBRiserBMat ××+××= .1. $$$ (3)

$B.Riser Preço do bundle de riser (US$/m).

$B.Flow Preço do bundle de flow (US$/m).

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C1 Comprimento do bundle entre a plataforma e a conexão riser/flow, fixado em 2000m (típico de uma LDA de 1400m).

D Comprimento médio da conexão riser/flow até os poços (m).

n Número de poços.

O serviço para instalação dos dutos nesse estudo é obtido através da Equação 4. Neste caso, considerou-se que um LSV instala 2000 metros de duto por dia a um custo diário de US$ 130000,00. Os tempos para pull in e para a conexão das linhas na ANM foram estimados em 1 dia para cada operação, em média. Vale lembrar que estes valores podem ser revisados, sem prejuízo para a aplicabilidade do modelo.

( )

BarcoLanc

cvdpullinServVCDddn $)(3$ 1

×

+++××= (4)

dpullin Tempo de pull in (dias).

dcvd Tempo de conexão de cada linha na ANM (dias).

VLanc Velocidade de lançamento da linha pelo barco (m/dia).

$Barco Preço do barco (US$/dia).

O modelo desconsidera custos de carregamento e navegação (fato que requer um estudo específico, com possibilidade de aprimoramento da planilha) e também leva em consideração uma prática adotada em águas profundas, que é o lançamento singelo, ou seja, um duto por vez.

A partir dos dados acima e agrupando as equações com os respectivos preços equivalentes ao bundle, será gerada uma planilha que fornecerá o preço final do sistema o qual terá como variáveis o número de poços e a distância média dos dutos que interligam a plataforma aos poços, conforme mostra a Tabela 4.

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Tabela 4 – Planilha com o preço do sistema com poços satélites (em milhões de US$)

nº de poços

Distância média dos poços até a Conexão Riser Flow (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 5,9 9,0 12,1 15,2 18,2 21,3 24,4 27,5 30,5 33,6 36,7

2 11,9 18,0 24,2 30,3 36,5 42,6 48,8 54,9 61,1 67,2 73,4

3 17,8 27,0 36,2 45,5 54,7 63,9 73,1 82,4 91,6 100,8 110,0

4 23,7 36,0 48,3 60,6 72,9 85,2 97,5 109,8 122,1 134,4 146,7

5 29,7 45,0 60,4 75,8 91,2 106,5 121,9 137,3 152,7 168,0 183,4

6 35,6 54,0 72,5 90,9 109,4 127,8 146,3 164,7 183,2 201,6 220,1

7 41,5 63,0 84,6 106,1 127,6 149,1 170,7 192,2 213,7 235,2 256,8

8 47,4 72,0 96,6 121,2 145,8 170,4 195,0 219,6 244,2 268,8 293,4

9 53,4 81,1 108,7 136,4 164,1 191,8 219,4 247,1 274,8 302,5 330,1

10 59,3 90,1 120,8 151,6 182,3 213,1 243,8 274,6 305,3 336,1 366,8

Intuitivamente, não faz sentido a referência a um campo de petróleo com quantidade zero de poços e/ou uma distância D= 0. Neste segundo caso, os valores adquiridos devem-se à instalação apenas dos risers, situação hipoteticamente possível, apesar de bastante improvável, já que a locação dos poços normalmente não apresenta tal geometria. Apesar disso, esses valores foram mantidos para permitir melhor visualização do gráfico mostrado na Figura 9.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11S1

S4

S70,00

50,00

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

Preç

o to

tal (

MM

US$

)

Número de poços Dist

ânci

a

250,00-300,00200,00-250,00150,00-200,00100,00-150,0050,00-100,000,00-50,00

Figura 9 – Gráfico do comportamento do custo do sistema de poços satélites

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5.2 SISTEMA DE POÇOS COM MANIFOLD

De forma análoga, utilizando-se os mesmos critérios, considera-se que, ao invés da interligação com poços satélites, será utilizado um manifold instalado a uma distância D da CRF e a uma distância média até os poços d, dada pela Equação 5. A Figura 10 apresenta esta configuração.

Figura 10 – Configuração de poços com manifold

∑=

=n

i ndid

1 (5)

Uma condição para que essa avaliação seja adequada é de que a distância empregada no sistema de poços satélites seja semelhante à distância total da plataforma até os poços, passando pelo manifold, sugerindo-se uma tolerância de 10%, conforme mostrado na Equação 6. Uma estimativa melhor pode ser obtida em estudo específico.

DdD ≈+ DdD ×<+ou 1,1 (6)

Continuando com o estudo, poderiam ser interligados um ou dois risers de produção de 9’’ (dependendo das vazões), que, junto com a flowline, seguiriam até o manifold. O mesmo vale para o duto de teste, o de ser-viço, e os umbilicais. Esses dutos dão origem ao bundle do manifold, e seu custo é destaca-do pela Tabela 5.

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Tabela 5 – Preço dos dutos utilizados da plataforma até o manifold

dutos Preço do Riser (uS$ 1000/m)

Preço do Flow (uS$ 1000/m)

Produção 9'' 2,50 3,50

Teste 6'' 1,50 2,00

Serviço 4” 0,50 0,50

Umbilical de Controle (4F+6Inj) 0,40 0,40

Umbilical de Injeção Química 0,40 0,40

Preço Total do Bundle 5,30 6,80

As linhas que interligarão os poços ao manifold terão a mesma configura-ção de poços satélites, possuindo os custos observados na Tabela 3.

No caso da utilização de manifold, existe uma tendência à redução do custo dos materiais no que se refere à quantidade de dutos, porém, há um componente extra que é o custo do próprio manifold, bem como sua instalação.

O preço do serviço de instalação das linhas é semelhante ao caso an-terior, mas será dividido entre o custo de instalação das linhas entre o manifold e os poços e entre a plataforma e o manifold, observando-se as peculiaridades de cada atividade. As Equações 7, 8 e 9 desmembram este custo.

21 $$$ ServServServ += (7)

$Serv Custo total do serviço (US$).

$Serv1 Custo de instalação dos dutos entre o manifold e os poços (US$).

$Serv2 Custo de instalação entre a plataforma e o manifold (US$).

Barco

LanccvdServ

Vddn $23$ 1 ×

+×××=

(8)

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n Número de poços.

dcvd Tempo de conexão de cada linha na ANM ou manifold (dias).

d Distância média entre o manifold e os poços (m).

VLanc Velocidade de lançamento da linha pelo barco (m/dia).

$Barco Preço do barco (US$/dia).

BarcoLanc

cvdpullinServVDCdd $)(5$ 1

2 ×

+

++×= (9)

dpullin Tempo de pull in (dias).

C1 Comprimento do bundle entre a plataforma e a conexão riser/flow (2000m).

D Distância da conexão riser/fow até o manifold (m).

O tempo médio para cada CVD (Conexão Vertical Direta) será o mes-mo já estimado, assim como o tempo de pull in, ambos com 1 dia de duração.

O valor do manifold dependerá do número de válvulas, da lâmina d’água, das facilidades e do número de poços, fatores estes que influenciam no peso e na sua estrutura. Considerando um manifold de produção com injeção de gas lift padrão, para o projeto em questão, é proposta a Equação 10 (estimativa grosseira).

810100$

6 nMan

××= (10)

$Man Preço do manifold (US$).

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225

Para sua instalação, o modelo sugerido neste trabalho considera um valor fixo, não importando o tamanho do manifold. Essa estimativa leva em conta que a instalação é feita por um barco de apoio com ROV e dois barcos auxiliares. Os valores diários destes barcos são mostrados na Tabela 6. Sabendo-se que o tempo de serviço dura em média sete dias, o custo a ser adotado será de US$ 770.000,00.

Tabela 6 – Parâmetros para o cálculo do preço de instalação do manifold

Quantidade de barcos com ROV 1

Quantidade de barcos auxiliares 2

Preço do barco com ROV (US$/dia) 50000

Preço do barco de auxiliar (US$/dia) 30000

Reunindo as equações deduzidas, obtem-se a Equação 11.

ServFlowBManInsManFlowBRiserBSist nddDC $$$$)($$$ 2..1.1. +××+++−×+×= (11)

$Sist Preço total do sistema.

$B.Riser Preço do bundle de riser.

$B.Flow1 Preço do bundle de flow da CRF até o manifold.

$Ins.Man Preço de Instalação do manifold.

$B.Flow2 Preço do bundle de flow do manifold até os poços.

A planilha resultante desta avaliação mostrará o valor total a ser de-sembolsado para a implementação do sistema com o uso do manifold, em função da distância entre este e a UEP e o número de poços. Para se ter uma sensibilidade da influência da distância dos poços até o manifold, o estudo será efetuado para 1, 2 e 3km. Para cada situação foi gerada uma planilha, as quais são mostradas nas Tabelas 7, 8 e 9. Para ilustrar, a Figura 11 mostra o gráfico onde são plotados os valores da primeira tabela.

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Tabela 7 – Planilha de custos do sistema de poços com manifold (d = 1km)

nº de poços

Distância média da CRF até os poços (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 22,2 29,4 36,5 43,6 50,7 57,9 65,0 72,1 79,2 86,4 93,5

2 38,6 45,7 52,8 60,0 67,1 74,2 81,3 88,5 95,6 102,7 109,8

3 54,9 62,1 69,2 76,3 83,4 90, 6 97,7 104,8 111,9 119,1 126,2

4 71,3 78,4 85,5 92,7 99,8 106,9 114,0 121,2 128,3 135,4 142,5

5 87,7 94,8 101,9 109,0 116,2 123,3 130,4 137,5 144,7 151,8 158,9

6 104,0 111,1 118,3 125,4 132,5 139,6 146,8 153,9 161,0 168,1 175,3

7 120,4 127,5 134,6 141,7 148,9 156,0 163,1 170,2 177,4 184,5 191,6

8 136,7 143,8 151,0 158,1 165,2 172,3 179,5 186,6 193,7 200,8 208,0

9 153,1 160,2 167,3 174,4 181,6 188,7 195,8 202,9 210,1 217,2 224,3

10 169,4 176,6 183,7 190,8 197,9 205,1 212,2 219,3 226,4 233,6 240,7

1 2 3 4 5 6 7 8 9S1

S4

S70,00

50,00

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

Preç

o

Nº de poços

Distân

cia

250,00-300,00200,00-250,00150,00-200,00100,00-150,0050,00-100,000,00-50,00

Figura 11 – Gráfico do sistema de poços com manifold (d = 1km)

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227

Tabela 8 – Planilha de custos do sistema de poços com manifold (d = 2km)

nº de Poços

Distância média da CRF até os poços (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 18,5 25,6 32,8 39,9 47,0 54,1 61,3 68,4 75,5 82,6 89,8

2 37,9 45,1 52,2 59,3 66,4 73,6 80,7 87,8 94,9 102,1 109,2

3 57,4 64,5 71,6 78,7 85,9 93,0 100,1 107,2 114,4 121,5 128,6

4 76,8 83,9 91,0 98,2 105,3 112,4 119,5 126,7 133,8 140,9 148,0

5 96,2 103,4 110,5 117,6 124,7 131,9 139,0 146,1 153,2 160,4 167,5

6 115,7 122,8 129,9 137,0 144,2 151,3 158,4 165,5 172,7 179,8 186,9

7 135,1 142,2 149,3 156,5 163,6 170,7 177,8 185,0 192,1 199,2 206,3

8 154,5 161,6 168,8 175,9 183,0 190,1 197,3 204,4 211,5 218,6 225,8

9 173,9 181,1 188,2 195,3 202,4 209,6 216,7 223,8 230,9 238,1 245,2

10 193,4 200,5 207,6 214,8 221,9 229,0 236,1 243,3 250,4 257,5 264,6

Tabela 9 – Planilha de custos do sistema de poços com manifold (d = 3km)

nº de Poços

Distância média da CRF até os poços (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 14,8 21,9 29,0 36,2 43,3 50,4 57,5 64,7 71,8 78,9 86,0

2 37,3 44,4 51,5 58,7 65,8 72,9 80,0 87,2 94,3 101,4 108,5

3 59,8 66,9 74,0 81,2 88,3 95,4 102,5 109,7 116,8 123,9 131,0

4 82,3 89,4 96,5 103,7 110,8 117,9 125,0 132,2 139,3 146,4 153,5

5 104,8 111,9 119,1 126,2 133,3 140,4 147,6 154,7 161,8 168,9 176,1

6 127,3 134,4 141,6 148,7 155,8 162,9 170,1 177,2 184,3 191,4 198,6

7 149,8 156,9 164,1 171,2 178,3 185,4 192,6 199,7 206,8 213,9 221,1

8 172,3 179,4 186,6 193,7 200,8 207,9 215,1 222,2 229,3 236,4 243,6

9 194,8 201,9 209,1 216,2 223,3 230,4 237,6 244,7 251,8 258,9 266,1

10 217,3 224,5 231,6 238,7 245,8 253,0 260,1 267,2 274,3 281,5 288,6

5.3 RESULTADOS

Comparando as curvas, avaliando a diferença entre os valores de cada um dos cenários com manifold em relação à opção convencional, obtêm-se as Tabelas 10 a 12. Os valores negativos indicam a combinação

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distância x número de poços cuja vantagem é o uso de poços satélites. A faixa em destaque indica uma diferença pequena, que sugere o uso de poços satélites independente do resultado favorável.

Tabela 10 – Resultado da comparação feita pelos dois métodos (d = 1km)

nº de poços

Distância média da CRF até os poços (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 -16,3 -20,4 -24,4 -28,5 -32,5 -36,6 -40,6 -44,7 -48,7 -52,8 -56,8

2 -26,7 -27,7 -28,7 -29,7 -30,6 -31,6 -32,6 -33,6 -34,5 -35,5 -36,5

3 -37,2 -35,1 -33,0 -30,9 -28,8 -26,7 -24,6 -22,5 -20,4 -18,3 -16,2

4 -47,6 -42,4 -37,2 -32,1 -26,9 -21,7 -16,5 -11,4 -6,2 -1,0 4,2

5 -58,0 -49,8 -41,5 -33,3 -25,0 -16,8 -8,5 -0,3 8,0 16,3 24,5

6 -68,4 -57,1 -45,8 -34,5 -23,1 -11,8 -0,5 10,9 22,2 33,5 44,8

7 -78,9 -64,5 -50,1 -35,7 -21,3 -6,9 7,6 22,0 36,4 50,8 65,2

8 -89,3 -71,8 -54,3 -36,9 -19,4 -1,9 15,6 33,1 50,5 68,0 85,5

9 -99,7 -79,2 -58,6 -38,1 -17,5 3,1 23,6 44,2 64,7 85,3 105,8

10 -110,1 -86,5 -62,9 -39,3 -15,6 8,0 31,6 55,3 78,9 102,5 126,1

Tabela 11 – Resultado da comparação feita pelos dois métodos (d = 2km)

nº de poços

Distância média da CRF até os poços (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 -12,6 -16,6 -20,7 -24,7 -28,8 -32,8 -36,9 -40,9 -45,0 -49,0 -53,1

2 -26,1 -27,1 -28,0 -29,0 -30,0 -31,0 -31,9 -32,9 -33,9 -34,9 -35,8

3 -39,6 -37,5 -35,4 -33,3 -31,2 -29,1 -27,0 -24,9 -22,8 -20,7 -18,6

4 -53,1 -47,9 -42,7 -37,6 -32,4 -27,2 -22,0 -16,9 -11,7 -6,5 -1,3

5 -66,6 -58,3 -50,1 -41,8 -33,6 -25,3 -17,1 -8,82 -0,57 7,68 15,9

6 -80,1 -68,8 -57,4 -46,1 -34,8 -23,5 -12,1 -0,8 10,5 21,9 33,2

7 -93,6 -79,2 -64,8 -50,4 -36,0 -21,6 -7,2 7,2 21,6 36,0 50,4

8 -107,1 -89,6 -72,1 -54,7 -37,2 -19,7 -2,2 15,3 32,7 50,2 67,7

9 -120,6 -100,0 -79,5 -58,9 -38,4 -17,8 2,7 23,3 43,8 64,4 84,9

10 -134,1 -110,5 -86,8 -63,2 -39,6 -16,0 7,7 31,3 54,9 78,6 102,2

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Tabela 12 – Resultado da comparação feita pelos dois métodos (d = 3km)

nº de poços

Distância média da CRF até os poços (km)

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

1 -8,9 -12,9 -17,0 -21,0 -25,1 -29,1 -33,2 -37,2 -41,3 -45,3 -49,4

2 -25,4 -26,4 -27,4 -28,4 -29,3 -30,3 -31,3 -32,3 -33,2 -34,2 -35,2

3 -42,0 -39,9 -37,8 -35,7 -33,6 -31,5 -29,4 -27,3 -25,2 -23,1 -21,0

4 -58,6 -53,4 -48,2 -43,1 -37,9 -32,7 -27,5 -22,4 -17,2 -12,0 -6,8

5 -75,2 -66,9 -58,7 -50,4 -42,2 -33,9 -25,7 -17,4 -9,1 -0,9 7,4

6 -91,7 -80,4 -69,1 -57,8 -46,4 -35,1 -23,8 -12,5 -1,1 10,2 21,5

7 -108,3 -93,9 -79,5 -65,1 -50,7 -36,3 -21,9 -7,5 6,9 21,3 35,7

8 -124,9 -107,4 -89,9 -72,5 -55,0 -37,5 -20,0 -2,5 14,9 32,4 49,88

9 -141,5 -120,9 -100,4 -79,8 -59,3 -38,7 -18,2 2,4 22,96 43,5 64,1

10 -158,0 -134,4 -110,8 -87,2 -63,5 -39,9 -16,3 7,4 31,0 54,6 78,2

Analisando-se a planilha, pode-se verificar uma vantagem de até US$ 126 milhões, considerando-se o uso de manifold. Quanto maior o nú-mero de poços e a distância destes até a plataforma, mais evidenciada a superioridade do manifold. Para um número pequeno de poços (dois) pode ser que este equipamento submarino nunca seja econômico. Para o estudo ser completo, faltam considerações sobre confiabilidade e outros riscos que podem implicar em perda de produção, como atrasos na fabricação e indisponibilidades. Um estudo mais detalhado pode ser conduzido. Os gráficos das Figuras 12 e 13 dão uma ideia visual do comportamento dos custos.

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1 2 3 4 5 6 7 8 9S1

S3S5S7S9

-100,00

-50,00

0,00

50,00

100,00

150,00

Preç

o (M

ilhõe

s U

S$)

Número de poços

Dist

. (Km

)

100,00-150,0050,00-100,000,00-50,00-50,00-0,00-100,00--50,00

Figura 12 – Gráfico da comparação para o cenário (d = 1km)

A análise de sensibilidade realizada mostra que a dispersão dos poços (distância destes entre si) afeta de forma significativa o custo do sistema com manifold. Para cada 1000 metros de variação entre a posição do manifold e os poços, o preço total do sistema altera aproximadamente 9%, para D = 10km.

100,00-150,0050,00-100,000,00-50,00-50,00-0,00-100,00--50,00

100,00-150,0050,00-100,000,00-50,00-50,00-0,00-100,00--50,00

1 2 3 4 5 6 7S1S3S5S7S9

-100,00

-50,00

0,00

50,00

100,00

150,00

Preç

o (M

ilhõe

s U

S$)

Número de poços

Dist

. (Km

)

1 2 3 4 5 6 7S1S3S5S7S9

-100,00

-50,00

0,00

50,00

100,00

150,00

Preç

o (M

ilhõe

s U

S$)

Número de poços

Dist

. (Km

)

Figura 13 – Gráficos da comparação para os cenários (d = 2km e d = 3km)

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6 conSIdERAÇÕES FInAIS

Pode-se concluir que, apesar das limitações, este trabalho representa uma ferramenta poderosa e de fácil utilização, atuando em uma primeira etapa na tomada de decisão sobre qual filosofia de produção utilizar.

Pode-se adotar uma estimativa mais conservadora se for considerado D = D, ou seja, o manifold irá se justificar somente em condições mais severas.

Modelos mais precisos (e complexos) podem ser deduzidos a partir deste estudo, incluindo o estudo para outras configurações de UEP.

O maior refinamento será especialmente útil para aumentar a confiabi-lidade nos valores presentes nas células azuis da panilha.

7 SuGESTÕES dE ESTudoS FuTuRoS

A comparação pode ser mais completa se for incluída a alternativa de dutos rígidos. A consideração de poços injetores no projeto também aumentaria o alcance da avaliação, requerendo, para tanto, o aprimo-ramento do modelo.

Outros estudos que poderiam ser conduzidos:

- Estudo das facilidades presentes em um manifold, com refinamento dos custos de fabricação, operacionais e de instalação (detalhamento semelhante pode ser adotado para os dutos).

- Estudo de arranjo considerando a otimização no número e na posição dos manifolds, além de estudos de escoamento, com definição do diâmetros dos dutos.

- Aplicações onde o fator econômico não é decisivo para a opção por esta tecnologia.

- Estudo sobre a confiabilidade do produto e sobre o efeito dessa ferramenta no cronograma do projeto.

- Uso de ANM’s em Piggy Back (onde estes equipamentos são inter-ligados à UEP aos pares).

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- Utilização conjunta com risers alternativos (grandes diâmetros e/ou grandes profundidades), bem como modelagens específicas para cada tipo de UEP.

EconomIc AnAlYSIS To uSE SubSEA PETRolEum PRoducTIon EQuIPmEnTS

AbSTRAcT

To allow the offshore oil or gas production, many technological resources and knowledge joined in dozens of years in this industry are required. One of the different alternatives to achieve this intent is the use of equipments known as subsea manifolds. These represent an option to simplify the layout of pipelines, that may decrease the investments in the project, depending on some detailed studies. For this evaluation is very important to know the costs to design, assembly, install and operate these devices, because they means significant share of the project budget. So, this work propose to develop a computational tool to became easier the decision between the use of this kind of solution instead of conventional configurations.

Keywords: Oil well drilling, submarine. Petroleum, industry and trade. Petroleum - prospecting. Petroleum - economic aspects.

noTAS EXPlIcATIVAS

3 Pig – Dispositivo utilizado para a limpeza interna ou inspeção dos dutos.

4 Remotely Operated Vehicle – Robô submersível operado remotamente a partir de uma embarcação. É utilizado para inspecionar ou realizar montagens de equipamentos de exploração e produção em grandes profundidades, abrir ou fechar válvulas, etc.

5 Tipo de ancoragem que prevê o uso de um swivel que permite ao FPSO girar, alinhando-se às condições ambientais, o que reduz os movimentos da embarcação. O Turret recebe os dutos flexíveis e umbilicais, além das linhas de ancoragem.

6 Estrutura flutuante que tem a finalidade de permitir a atracação de navios petroleiros para a atividade de transferência de óleo

7 Ligação flangeada unindo os tramos dinâmico (riser) e estático (flo-wline) do duto

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8 “Ancoragem espalhada”. Sistema em que o navio fica preso ao fundo marinho através de linhas de ancoragem fixas em sua proa e popa. Esta configuração não apresenta problema de espaço para os risers, tratando-se então de uma hipótese conservadora

REFERÊncIAS

FLOWLINE connection systems. Disponível em: <http://www.oceaneering.com/ subsea-products/subsea-field-development-hardware/flowline-connection-systems/>. Acesso em: 2009.

LEMOS, C. A. D. Análise de fadiga em risers flexíveis. 2005. Tese (Doutorado em Ciências e Engenharia Oceânica) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

NEVES, C. R. Instalação de manifolds em águas profundas pelo método pendular à luz de ensaios com modelos reduzidos em tan-que oceânico e verificação numérica. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências e Engenharia Oceânica). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

OLIVEIRA, M. F. D. Análise de aplicação de um sistema de bom-beamento multifásico submarino na produção de petróleo. 2003. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

correspondência para/reprint request to: Henri Fiorenza de LimaRua Avenida Estudante José Júlio de Souza, 1730/1503Praia de Itaparica29102-010 – Vila Velha - ES, Brasil

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conSTRuÇÃo hERmEnÊuTIcA do conSTITucIonAlISmo dIRIGEnTE1

Nelson Camatta Moreira2

RESumo

Como condição fundante de um projeto estruturador de um constitucio-nalismo-dirigente à moda brasileira, propõe-se a necessária construção hermenêutica de um paradigma jurídico pautado por uma ética includente (oposta ao modelo neoliberal globalizante), com uma concepção de reconhecimento extensiva a todos os membros da comunidade política. Para tanto, num primeiro momento, é necessário que se reconheça a carga valorativa da ordem constitucional brasileira. Em seguida, aborda o projeto dirigente que esta ordem sugere como contribuição para a afir-mação da dignidade humana no Brasil. Por fim, enfrenta o problema da ausência de um sentimento constitucional capaz de fomentar o projeto dirigente e, consequentemente, a efetivação do texto de 1988.

Palavras-chave: Direito constitucional. Constitucionalismo. Dignidade. Cidadania.

1 O tema proposto neste artigo repercute parcialmente os resultados da pesquisa desenvolvida para a elaboração de tese de doutoramento na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS (Brasil), com estágio anual – 2007 – na Universidade de Coimbra (Portugal) com fundamental apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior.

2 Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor do Centro Universitário de Vila Velha. E-mail: [email protected].

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1 InTRoduÇÃo

O ideal de um constitucionalismo dirigente consiste numa construção interpretativa, que teve como base normativa o texto da Constituição portuguesa de 1976, elaborada por Canotilho (2001), que, por sua vez, defende, em síntese, a superação da noção da existência de normas meramente programáticas advindas do texto constitucional, pregando a importância dos princípios e da materialidade da Constituição.

Transportando para a realidade periférica brasileira, alguns autores, como Streck (2004a), por exemplo, sugerem a sedimentação, no campo jurídico, de um “[...] constitucionalismo dirigente adequado a países de modernidade tardia [...]”: como tentativa de defesa diante dos devasta-dores ataques neoliberais ao Estado brasileiro e de luta pela proteção dos direitos fundamentais – previstos na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil – e pela contínua construção da democracia.

É importante frisar que, no paradigma que antecede à noção de Cons-tituição programático-dirigente, o texto constitucional era entendido como uma terceira coisa que se interpunha entre o sujeito (filosofia da consciência) e o objeto (a sociedade). A linguagem constituinte, da busca do novo, da emancipação da sociedade, da busca da afirmação da dignidade – defendendo-se/implementando-se direitos fundamentais –, “[...] do resgate de promessas da modernidade, dramaticamente so-negadas em países periféricos como o Brasil, passa a ser, no interior do novo paradigma, condição de possibilidade desse novo [...]”, pois, na tradição engendrada pela noção de Estado Democrático de Direito, não se configura mais um constitucionalismo de cariz liberal, mas sim, um constitucionalismo hermeneuticamente construído em um “[...] novo-modo-de-ser, instituído pelo pacto constituinte, que estabelece os limites do mundo jurídico-social [...]” (STRECK, 2004a, p. 127).

Na verdade, “[...] não há uma Teoria da Constituição, mas várias Teorias da Constituição, adequadas à sua realidade concreta [...]” (BERCOVICI, 2004, p. 265). Daí, então, exsurge a noção acerca da continuidade do projeto de um constitucionalismo dirigente (e não de o constitucionalismo dirigente) moldado – a partir do movimento constituinte pós-ditadura militar no Brasil – de acordo com as características/necessidades pá-trias, logicamente inseridas também num contexto de transformações globais.

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A ideia é, então, trabalhar-se uma Teoria da Constituição adequada a um país periférico, como o Brasil – no qual o Estado social foi um simu-lacro –, e que sofre com o impacto da globalização neoliberal. Ou seja, é preciso assegurar, ainda que com grandes dificuldades, um núcleo mínimo valorativo, construído/reconhecido sócio-historicamente, a fim de se evitar aquilo que Neves (1995, p. 158) chama de “desconstitucio-nalização fática” ou “concretização desconstitucionalizante” que,

[...] nos âmbitos das ‘Constituições nominalistas’ dos países pe-riféricos, destacando-se o Brasil, atua no sentido da manutenção do status quo social. Serve à permanência das estruturas reais de poder, em desacordo com o modelo textual de Constituição, cuja efetivação relevante importaria profundas transformações sociais.

A partir de um viés hermenêutico-filosófico, a Constituição pode ser en-tendida como um conjunto de valores compartilhados por determinada comunidade política, cabendo ao intérprete revelar à sociedade o seu existir comunitário. E esse processo de revelação não se faz possível, no campo jurídico, principalmente, quando não há a devida adaptação de teorias importadas desde modelos centrais.

Esse é o grande desafio, portanto, que se segue enfrentado pelo texto subsequente: a discussão acerca dos pressupostos da teoria constitu-cional-dirigente, com fundamentação filosófica, inserida num contexto global extremamente complexo.

2 A conSTITuIÇÃo bRASIlEIRA como oRdEm dE VAloRES SubSTAnTIVoS

Considerando-se a função reguladora assumida pelo Estado moderno, o direito – como ordem jurídica (im)posta – acaba-se tornando sinônimo de lei, que, por sua vez, passa a ser considerada simplesmente um comando do soberano. Ela é identificada como jurídica pela sua origem, e não pelo conteúdo. Ou seja, ela pode ser justa ou injusta sem que isso afete a sua qualificação jurídica. Daí a noção weberiana de que, no positivismo jurídi-co, qualquer direito pode criar-se e modificar-se por meio de um estatuto sancionado corretamente quanto à forma (ROTH, 1998, p. 17). Assim,

Um sistema de regras é formal na medida em que permite que seus intérpretes, oficiais ou não, justifiquem as suas decisões me-

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diante referência às próprias regras e à presença ou ausência dos fatos enumerados pelas regras, sem consideração de quaisquer argumentos de justiça ou utilidade (UNGER, 1979, p. 214).

Habermas (1992), analisando Weber, aduz, então, que o Direito passa a ser, precisamente, aquilo que um legislador político (independente de ele ser ou não, democraticamente, legitimado) delibera como direito, de acordo com um procedimento legalmente institucionalizado.

O positivismo, nessa fase, parte das leis ou, subsidiariamente, de outras tantas normas sociais da ordem estatuída numa espécie de hierarquia que culmina em ordenamento único, pleno, hermético e consagrado sob a égide estatal. As raízes sociais, a dinâmica dos grupos e das classes, ou não entram em linha de conta, ou ficam atadas e limitadas, pois, em todo caso, prevalece a voz do Estado. Nessa perspectiva, o direito não existe antes do Estado e não paira acima dele (WOLKMER, 1995).

Em Kelsen (1984), já no século XX, esse modelo liberal-positivista vai encontrar a sua proposta mais avançada, na medida em que se concebe que o direito deve ser definido como norma que, por sua vez, constitui-se no objeto da ciência do direito. Para esta, o estudo da lei deve se dar em sua pureza, separado de qualquer influência moral, sociológica, psicológica, ou filosófica. O neopositivismo lógico kelseniano3 nasce, no campo jurídico, do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas e naturais.

Na busca pela segurança e previsibilidade nas relações sociais, conceitua-se o fenômeno jurídico em relação à moral e à política de maneira autô-noma, recusando-se a justiça e a eficácia como critérios de juridicidade, de modo que o positivismo deverá elaborar o seu próprio critério do que é jurídico. Esse será a validade (UNGER, 1979).

Destarte, no âmbito da interpretação e da aplicação da norma jurídi-ca, as possibilidades de discussões acerca da justiça ou da ética são expurgadas na medida em que a tarefa do jurista, em especial do juiz, consiste na mera aplicação da lei ao caso concreto. Não se discutem, portanto, requisitos éticos de validade da lei ou, mesmo, a justiça no caso concreto. Sobre isso, Bobbio (1995, p. 136-137) afirma:

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A validade de uma norma jurídica indica a qualidade de tal norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em outros termos, existe como norma jurídica. Dizer que uma norma jurídica é válida significa dizer que tal norma faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente numa dada sociedade.

Dentre os mitos compartilhados pelo positivismo jurídico, os mais aceitos e consolidados são os dogmas da coerência, da completude e da unidade do ordenamento jurídico, vetores para a consolidação dos propósitos da segurança e certeza jurídicas exigidos pela sociedade de mercado. O direito positivo é pressuposto como autossuficiente, preciso e claro; nele todos os conflitos e fatos ocorrentes no mundo da vida encontram a possibilidade de um enquadramento lógico-dedutivo.

Quanto à atividade interpretativa, tanto em seu momento teórico quanto decisório, seria uma atividade dedutiva, que revelaria caminhos lógicos tendentes a explicitar a racionalidade profunda do sistema de direito positivo. “[...] Criam, pois, uma ilusão, ou uma aparência de realidade, em relação a duas afirmações fictícias: a de que a ordem jurídica ofe-rece segurança e, depois, que o legislador é sempre racional em suas determinações e prescrições [...]” (WARAT, 1995, p. 53).

Todavia, deve-se registrar que esse modelo liberal-individualista-norma-tivista4 sofreu algumas alterações, no âmbito da teoria do direito, que acompanharam as transformações estatais. Na passagem do Estado liberal para o Estado social, dois tipos de influência imediata podem ser destacadas. O primeiro tipo refere-se à “[...] rápida expansão do uso de normas ilimitadas e de cláusulas gerais na legislação, administração e jurisdição [...]”, como se pode identificar na reaproximação entre Estado e Sociedade (garantias de direito sociais, interferência mais intensa do Estado na economia, etc.). O segundo tipo de impacto do Estado social sobre o direito é a “[...] transição de estilos de raciocínio legais forma-listas para estilos teleológicos ou prudenciais, da preocupação com a justiça formal para um interesse na justiça processual e substantiva [...]” (UNGER, 1979, p. 204).

O Estado Social identificado a partir do século XIX trouxe, principalmente em países como, por exemplo, Alemanha e México, uma proposta de (re)discussão do direito no qual prevaleceria o raciocínio jurídico teleológico e as preocupações com a justiça distributiva. Com isso, “[...] o estilo do discurso jurídico passa a se assemelhar ao do argumento comum

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da política ou da economia. Todos se caracterizam pelo predomínio do racionalismo instrumental sobre outras formas de pensamento [...]” (UNGER, 1979, p. 209).

Mas, apesar dessas propostas, a maneira de se operacionalizar o direito no convívio social ou, dito de outra forma, o modo de produção do direito5 segue influenciado preponderantemente pelo modelo liberal-individual-normativista, o que, por sua vez, acaba gerando – juntamente com outros fatores, como, por exemplo, a globalização e seus efeitos deletérios – uma dificuldade de efetivação dos direitos humanos em sua plenitude polidimensional (direitos civis, políticos, econômicos, sociais, comunicacionais, dentre outros).

O que se verificou ao longo da modernidade, principalmente no século XX, foi uma espécie de vitória de ideologias forjadas sob discursos for-malistas6 sobre dois dos principais ideais do Estado social, quais sejam a equidade e a solidariedade.

Dizia Orwell, citado na epígrafe da obra de Bauman (1998):

Enquanto escrevo, seres humanos altamente civilizados estão sobrevoando, tentando matar-me. Não sentem qualquer inimizade por mim como indivíduo, nem eu por eles. Estão apenas ‘cumprin-do o seu dever’, como se diz. Na maioria, não tenho dúvida, são homens bondosos e cumpridores das leis, que na vida privada nunca sonhariam em cometer assassinato. Por outro lado, se um deles conseguir me fazer em pedaços com uma bomba bem lançada não vai dormir mal por causa disso. Está servindo ao seu país, que tem o poder de absolve-lo do mal.

O exemplo da Guerra moderna, em especial da Segunda, serve apenas para reforçar o panorama de predomínio da técnica e do formalismo que marcaram a racionalidade do século XX. Essa ideologia, paradoxalmen-te, acompanhou o processo de afirmação (e de negação) dos direitos fundamentais, bem como do constitucionalismo no século passado.

Questões envolvendo a ética com a política e o direito – a partir da segunda metade do século XX – tornaram-se objeto de investigação de juristas e filósofos do direito, no intento de superar o hermetismo positivista delimi-tado alhures. No âmbito jurídico dois fatores marcaram esse resgate ético: a expansão da proteção normativa internacional dos direitos humanos,

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no pós II Guerra, e a difusão de Constituições impregnadas de ideais democráticos, principalmente em países marcados pelo autoritarismo como foram, por exemplo, os casos de Portugal e Espanha, na Europa e o Brasil, juntamente com os demais países latino-americanos, todos na segunda metade do século XX. Esses dois fatores jurídicos (Tratados e Constituições), na verdade, são apenas espelhos das preocupações contemporâneas com fenômenos que vêm marcando um novo período do convívio humano – iniciado aproximadamente a partir da segunda metade do século XX e que ainda se encontra em aberto.

Tais fenômenos deveram-se ao reconhecimento de tormentosa com-plexidade das relações sociais, principalmente, a partir da segunda metade do século XX. Nesse período, o convívio humano foi abalado por diversos impactos, tais como: o avanço tecnológico em todas as áreas de conhecimento; a insurgência de novos valores e direitos que se tornaram parte integrante do receituário axiológico da democracia de massas; e, ainda, as transformações do processo político

[...] permeável às condicionantes de uma nova ordem internacio-nal que, longe de estabilizar o convívio das nações e melhorar a qualidade de vida dos povos do planeta, apresenta novos desafios e angústias para a humanidade [...] (CASTRO, 1999, p. 103).

Tudo isso, com a presença de um ingrediente complexo que é a globalização,7 em suas diferentes feições, acaba levando

à perda de autonomia, com reflexos negativos na capacidade de ação democrática, sob a forma de: a) perda de competências de controle (ou seja de defesa do cidadão contra efeitos de ações de agentes externos, sejam empresas, outros governos ou organis-mos intergovernamentais); b) déficit de legitimação (pois o círculo dos que participam das decisões democráticas não corresponde aos afetados pelas decisões) e c) incapacidade de realizar polí-ticas sociais com eficácia legitimadora (efeito da competição por capitais e da substituição do processo político de decisão pela dinâmica do mercado) (HABERMAS, 1999).

Atentos às insuficiências notadamente geradas ao longo da história dos direitos humanos, todos os que se preocupam com a política e o direito buscam discutir aqueles sob a orientação de um novo paradigma, voltado para a superação de um modelo positivista que ao longo da história se mostrou insuficiente. Esse novo paradigma não abre mão da presença

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do Estado, ainda como a mais importante das instituições modernas, todavia reconhece a necessidade de uma revisão dos pressupostos intersubjetivos de convivência sustentável, quais sejam: uma interação equânime entre Estado, democracia e diretos humanos.

Eis aí, então, a necessidade de se re-inserir a discussão ética no direito, pois essa discussão, assim chamada em virtude de estar vinculada à concepção da democracia como regime político que se fundamenta em valores morais da pessoa humana, permite que se incorpore à inter-pretação da lei no caso concreto as finalidades do regime democrático. O sentido da leitura do direito, em especial no que tange à aplicação de direitos humanos, torna-se ética na medida em que valores como liberdade, igualdade e fraternidade são encarados não como simples arranjos político-institucionais, mas sim como dimensões morais do cidadão a serem implementadas na sociedade política.

3 oS dIREIToS FundAmEnTAIS E A dEmocRAcIA como PIlARES dA conSTITuIÇÃo dIRIGEnTE

Para a implementação de um discurso eficientemente democrático, Claude Lefort parece ter ofertado importante pista para uma adequada visão dos direitos humanos em tempos de crise do Estado e do direito moderno. Em sua obra, na qual intenta dialogar com aqueles que desferiram duras críticas aos direitos humanos – taxando-os de artifícios, que servem como verdadeiro véu utilizado para “[...] mascarar as relações estabelecidas nas sociedades burguesas [...]” – como foi o caso, em especial, de Karl Marx (2002), Lefort (1991, p. 50) defende a ideia de que

[...] os direitos do homem não são um véu, [pois] longe de terem por função mascarar a dissolução dos liames sociais – fazendo de cada um, uma mônada –, os direitos do homem atestam e, ao mesmo tempo, suscitam uma nova rede de relações entre os homens [...].

E assim, para se sustentar essa rede de relações, deve-se buscar num viés democrático original um duplo fenômeno que acompanha as diversas declarações de direitos humanos, quais sejam:

(a) um poder destinado doravante a permanecer em busca de seu fundamento, porque a lei e o saber não são mais incorporados

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na pessoa daquele ou daqueles que o exercem, e (b) uma so-ciedade acolhendo o conflito de opiniões e o debate dos direitos, porque se dissolveram os marcos de referência da certeza que permitiam aos homens situarem-se de uma maneia determina-da, uns em relação aos outros (LEFORT, 1991, p. 52).

O raciocínio moderno, portanto, da soberania que opunha Estado e so-ciedade civil, não pode ser desenvolvido mais hegemonicamente, princi-palmente em relação aos direitos humanos, pois, diante da complexidade que envolve o aparelho de Estado, percebe-se quotidianamente o quanto este é impotente para garantir as políticas internas de implementação e garantia dos direitos fundamentais, bem como também é insuficiente para defesa dos direitos humanos em face do choque provocado pela globalização neoliberal.

Em síntese, ainda com Lefort (1991, p. 54), entende-se que

[...] assim como o Estado não pode fechar-se em si mesmo para tornar-se o grande órgão que comanda todos os movimentos do corpo social, assim também os detentores da autoridade política permanecem obrigados a repor em causa o princípio de conduta dos assuntos públicos.

Isso reforça a própria ideia Lefortiana de que se deve constantemente reinventar e atualizar a democracia, porque esta, como afirma Chauí (1983), “[...] trata da criação ininterrupta de direitos, da subversão contínua de estabelecidos, da reinstituição permanente do social e do político [...]”.

Essa assertiva, que traz o viés politizador do direito,

[...] ultrapassa não só o sentido conservador do liberalismo que reduz os direitos humanos ao seu caráter de direito natural, vistos como questão puramente ética, como também as críticas marxistas que reduzem o ideário democrático à pura ideologia. Para o marxismo, a democracia não possui força política, sendo no máximo uma relação de forças. Na verdade, a democracia é uma forma política articulada a partir do princípio da enunciação de direitos, onde o princípio maior é o direito de enunciá-los. (ROCHA, 2003, p. 180).

Não se pode deixar de registrar o cenário (acelerado) globalizante, que obriga a reflexão acerca da necessidade de que

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[...] percebamos que o espaço da democracia, em razão de um processo conjunto de desterritorialização e reterritorialização consectário da complexidade das relações contemporâneas, se multiplica, não ficando mais restrito aos limites geográficos do Estado Nação, mas incluindo o espaço internacional, comunitário, além das experiências locais – como, e.g., no caso dos projetos de democracia participativa (MORAIS, 2001, p. 71, grifo nosso).

Essa temática – que envolve a atuação do Estado em prol dos Direitos Humanos sob o impacto da globalização neoliberal – será retomada mais à frente, onde analisar-se-á tal atuação a partir de uma postura constitucional-dirigente. Por hora, é válido registrar a relação existente entre os direitos fundamentais e a democracia como pressupostos para a implementação do projeto constitucional de 1988.

Analisando-se o movimento de redemocratização do Estado brasileiro, iniciado na década de 1980, percebe-se que o intuito daqueles que se reuniram no movimento constituinte não foi apenas o de participar do processo de reconstrução do Estado de Direito, após anos de autorita-rismo militar, mas também – em oposição ao positivismo e revelando um compromisso com os ideais do pensamento comunitário – dar um fundamento ético à nova ordem constitucional brasileira, tomando-a como estrutura normativa que incorpora os valores de uma comunidade histórica concreta. Nessa perspectiva,

[...] os representantes deste constitucionalismo ‘comunitário’ se contrapõem à idéia de que a tarefa primordial da Constituição é a defesa da autonomia dos indivíduos (e da sociedade) contra um poder público inimigo, por meio da criação de um sistema fechado de garantias da vida privada [...] (CITTADINO, 2004, p. 73).

A atuação decisiva dos constitucionalistas comunitários no processo constituinte dos anos 80 foi fundamental para a incorporação, por parte da Constituição de 1988, de todos esses compromissos, podendo-se enumerar várias marcas comunitárias no ordenamento constitucional:

em seu preâmbulo, quando identifica a igualdade e a justiça como valores supremos da sociedade brasileira; ao definir os objetivos e fundamentos do Estado Brasileiro, destacando a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade justa e solidá-ria; ao adotar diversos institutos processuais que asseguram o alargamento do círculo de intérpretes da Constituição, revelando

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um compromisso com a soberania popular e com a democracia participativa; e finalmente quando confere ao Supremo Tribunal Federal atribuições jurídico-políticas de uma Corte Constitucional (CITTADINO, 2004, p. 228).

É importante notar que o traço marcante do comunitarismo identificado na postura assumida pela Constituição de 1988, qual seja, a equiparação de princípios e normas constitucionais a valores, não encontra inspira-ção em um movimento ou em uma teoria específica, mas em diversas concepções de comunitaristas.

A noção de Estado, portanto, é acoplada ao conteúdo material das constituições, mediante seus valores substantivos compartilhados his-toricamente, numa tradição, pois a teoria dos direitos humanos

[...] não proíbe de maneira alguma que os cidadãos do Estado Democrático de Direito, no âmbito de uma ordem estatal conjunta, validem uma concepção do que seja bom, advenha ela da própria origem cultural, ou de um consenso alcançado em discursos de natureza política; entretanto, essa mesma teoria proíbe sim, no interior do Estado, que se privilegie uma forma de vida em detri-mento de outra (HABERMAS, 2002, p. 248).

E parece que, mesmo estando definidos, democraticamente, os valores – dentre eles, o mais importante que é a dignidade humana8 – e suas prioridades na Constituição, as possibilidades que são constantemente abertas para a aplicação (aplicatio, no sentido empregado por GADAMER, 1994) do direito exigem do jurista, em especial do juiz, a devida postura hermenêutica em cada caso concreto. Por isso, no Estado Democrático de Direito, a lei (Constituição) passa a ser uma forma privilegiada de instrumentalizar a ação do Estado na busca do desiderato apontado pelo texto constitucional, entendido no seu todo “[...] dirigente-valorativo-principiológico [...]” (STRECK, 2004a, p. 148).

Nessa perspectiva, Castro (2005), inspirado nas obras de comunitaris-tas como Walzer (2003) e Taylor (1995), edificou a sua tese acerca do constitucionalismo societário e comunitário, que toma a Constituição como uma estrutura normativa que envolve um conjunto de valores. Donde se verifica, portanto, a conexão entre os valores

[...] compartilhados por uma determinada comunidade política e a ordenação jurídica fundamental e suprema representada

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pela Constituição, cujo sentido jurídico, consequentemente, só pode ser apreciado em relação à totalidade da vida coletiva [...] (CASTRO, 2005, p. 21).

Assim, a Constituição de 1988, inserida num momento histórico brasileiro, surge como uma Constituição-compromisso, pois

[...] além de descortinar um roteiro extensivo para o atingimento das renovadas metas sociais-democráticas, sua missão mais notória foi, sem dúvida, a de coroar e dar fecho ao processo de transição lenta e gradual projetado pelos arquitetos do declínio da ditadura militar [...] (CASTRO, 2005, p. 117).

Em suma, as preocupações do texto constitucional, assentam-se em dois princípios basilares que são a proteção e efetivação dos direitos humanos e a sedimentação da democracia. O primeiro inspirado no movimento protetivo iniciado, principalmente, no âmbito internacional, após a II Guerra, com a Carta da ONU de 1948, juntamente com os demais tratados internacionais de direitos humanos que a sucederam, e, no plano intra-estatal, com as Constituições garantidoras do século XX. E ambos como respostas ao Estado autoritário militar brasileiro e à ausência de reconhecimento e respeito ético-culturais.

4 o conSTITucIonAlISmo dIRIGEnTE E A buScA dAS PRomESSAS dEScumPRIdAS

Como uma típica Carta-compromissária, a atual Constituição encarnou a síntese das contradições brasileiras juntamente com o desejo de mudança. Da mescla ideológica do Poder Constituinte (BONAVIDES, 1989), traduz-se o embate entre as diversas forças que compuseram a Assembleia Nacional – 1986-1988. Com inspiração em postulados humanistas, em que radicam a efetivação de direitos sociais e a sedi-mentação da democracia, a Constituição reúne

um magnânime e humanitário projeto de pacificação nacional ao lado de um elenco de direitos à esperança, a serem efetivados segundo a capacidade transformadora da sociedade e da classe política brasileira, do que propriamente uma solução acabada de organização social e política para um país marcado por im-penitentes contrastes classistas e regionais (CASTRO, 2005, p. 125-126).

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Os compromissos assumidos pela Constituição brasileira de 1988 – es-pecialmente aqueles previstos em seus três primeiros artigos – faz com que esta seja classificada, segundo a sua estruturação como Constitui-ção Dirigente, por não se resumir a um mero ordenamento político, mas também como ordenamento econômico e social. A tese do Constitucio-nalismo Dirigente foi amplamente divulgada no Brasil a partir da obra de Canotilho (2001) – inspirada inicialmente em diferentes obras como a de Vezio Crisafulli e Peter Lerche –, que, tendo como enfoque privilegiado a Constituição portuguesa de 1976, buscava a afastar de vez qualquer dúvida em relação à aplicabilidade das normas programáticas. Nesta visão, em síntese, desvaloriza-se a ideia clássica de Constituição como estatuto delimitador do Poder, para que se confira um grande valor às normas programáticas e aos objetivos de mudança econômica e social, que na ótica da Constituição portuguesa visariam a transição gradativa para o socialismo (era o que dispunha o art. 1º, atualmente revogado, da Constituição portuguesa de 1976).

O modelo de Constituição Dirigente inspirou diversos membros da Assembleia Constituinte brasileira. Por isso, a presente Constituição não almeja simplesmente retratar a realidade política vigente, como em modelos ultrapassados do século XX, mas também cuida da inserção de objetivos programáticos que não poderiam ser aplicados no momento da elaboração do texto constitucional. Em simples termos, os agentes do Poder Constituinte originário submetem os futuros governos e a so-ciedade à realização de princípios constitucionalmente aventados para a transformação da realidade social. Assim, nas palavras de Canotilho (2001, p. 487),

[...] o programa constitucional de governo concebe-se também como programa em conformidade com a Constituição, devendo distinguir-se de outras figuras afins com as quais anda sistemati-camente confundido (programa eleitoral e partidário, acordo parti-dário-governametal e acordo programático-governamental).

Canotilho (apud BERCOVICI, 2006, p. 243), com isso, propõe

[...] a reconstrução da teoria da Constituição por meio de uma Teoria Material da Constituição, concebida também como teoria social. A Constituição Dirigente busca racionalizar a política, incorporando uma dimensão materialmente legitimadora, ao es-tabelecer um fundamento constitucional para a política [...].

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É interessante registrar que a publicação de um artigo numa revista es-panhola em 1995 acerca do dirigismo constitucional causou um enorme frisson em todos aqueles que se preocupavam com a efetivação do texto constitucional, tendo em vista que o próprio Canotilho (1995), pai de tal teoria, teria decretado a morte da Constituição Dirigente. Todavia, o próprio autor encarregou-se de acalmar os nervos dos (neo)constucionalistas brasileiros ao afirmar que “[...] a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias [...]” (CANOTILHO, 2001, p. xxix). Assim, após inclusive as discussões entre juristas brasileiros e o próprio autor português no seminário intitulado “Jornadas sobre a Constituição Dirigente em Canotilho”, perceberam-se que a morte apresentada pelo autor era relativa, pois tal teoria não teria falecido e sim amadurecido, emancipado e alcançado novos horizontes significativos (GRAU, 2005).

A partir disso, Streck (2004b, p. 332) afirma que

[...] para uma melhor compreensão da problemática relacionada à sobrevivência ou morte da assim denominada Constituição dirigente, é necessário que se entenda a Teoria da Constituição enquanto uma teoria que resguarde as especificidades histórico-factuais de cada Estado nacional. Desse modo, a teoria da Consti-tuição deve conter um núcleo (básico) que albergue as conquistas civilizatórias próprias do Estado Democrático (e Social) de Direito, assentado, como já se viu à sociedade, no binômio democracia e direitos-fundamentais-sociais. Esse núcleo derivado do Estado Democrático de Direito faz parte, hoje, de um núcleo básico geral-universal que comporta elementos que poderiam confortar uma teoria geral da Constituição e do constitucionalismo do Ocidente. Já os demais substratos constitucionais aptos a conformar uma teoria da Constituição derivam das especificidades regionais e da identidade nacional de cada Estado.

Com essa concepção, alcança-se a convicção que a Constituição não pode ser entendida como entidade normativa independente e autô-noma, sem história e temporalidade próprias. Não há uma teoria da Constituição, mas várias teorias da Constituição, adequadas à realidade concreta. A Constituição não deve estar apenas adequada ao tempo, mas também ao espaço. Afora o núcleo universal, capaz de ensejar a teoria geral da Constituição, há um núcleo específico – que se amolda historicamente e espelha anseios variados em diversos Estados – e

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se pode chamar de núcleo de direitos sociais-fundamentais plasma-dos em cada texto que atendam ao cumprimento das promessas da modernidade. Assim,

O preenchimento do déficit resultante do histórico descumprimento das promessas da modernidade pode ser considerado, no plano da Constituição adequada a países periféricos ou, mais especi-ficamente, de uma Teoria da Constituição Dirigente Adequada aos Países de Modernidade Tardia (TCDAPMT), como conteúdo compromissário mínimo a constar no texto constitucional, bem como os correspondentes mecanismos de acesso à jurisdição constitucional e de participação democrática.

Uma Teoria da Constituição Dirigente Adequada a Países de Modernidade tardia, que também pode ser entendida como uma teoria da Constituição dirigente-compromissária adequada a paí-ses periféricos, deve, assim, cuidar da construção das condições de possibilidade para o resgate das promessas da modernidade incumpridas, as quais, como se sabe, colocam em xeque os dois pilares que sustentam o próprio Estado Democrático de Direito (STRECK, 2004b, p. 332-333).9

Todavia, a implementação das promessas da modernidade por meio de um Estado Democrático de Direito interage com outros fatores complica-dores, dentre estes, destaca-se o fenômeno recente, das últimas décadas cuja análise se torna inafastável quando o assunto é atuação estatal e efetivação de direitos. Trata-se da globalização neoliberal que impactou e segue impactando o Estado na modernidade, impedindo, inclusive a efetivação de direitos sociais, prejudicando, consequentemente, o outro pilar do Estado Democrático de Direito, que é a democracia.

Considerando-se que a legitimidade e atuação do Estado na moderni-dade pautam-se pela noção de Soberania, entendida como um ponto de referência necessário para as teorias políticas e jurídicas, cuja finalidade básica é justificar o monopólio da força num determinado território e sobre uma determinada população, com a globalização, especialmente em suas facetas econômica e tecnológica, aduz Bauman (2003, p. 100), citando Paul Virilio,

a soberania territorial perdeu quase toda a substância e boa parte de sua atração, pois, na medida em que cada ponto pode ser alcançado e abandonado no mesmo instante, a posse per-manente de um território, com seus deveres e compromissos de

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longo prazo, transforma-se em um passivo e se torna um peso e não mais um recurso na luta pelo poder.

Assim, pode-se afirmar que a união entre a Nação e o Estado, sustentá-culo fundante da soberania, não pode ser mais vista como um conceito sólido. Talvez, Bauman esteja com a razão quando afirma:

O romance secular da nação com o Estado está chegando ao fim; não exatamente um divórcio, mas um arranjo de ‘viver juntos’ está substituindo a consagrada união conjugal fundada na leal-dade incondicional. Os parceiros estão agora livres para procurar e entrar em outras alianças; sua parceria não é mais o padrão obrigatório de uma conduta própria e aceitável. (...) Parece haver pouca esperança de resgatar os serviços de certeza, segurança e garantias do Estado. A liberdade da política do Estado é incan-savelmente erodida pelos novos poderes globais providos das terríveis armas da extraterritorialidade, velocidade de movimento e capacidade de evasão e fuga (BAUMAN, 2001, p. 212).

‘A economia’ – o capital, que significa dinheiro e outros recursos necessários para fazer as coisas, para fazer dinheiro e mais coisas – move-se rápido; rápido o bastante para se manter per-manentemente um passo adiante de qualquer Estado (territorial, como sempre) que possa tentar conter e redirecionar suas via-gens. (...) A ‘globalização’ nada mais é que a extensão totalitária de sua lógica a todos os aspectos da vida. Os Estados não têm recursos suficientes nem liberdade de manobra para suportar a pressão – pela simples razão de que ‘alguns minutos bastam para que empresas e até Estados entrem em colapso’ (BAUMAN, 1999, p. 63 e 73).

Com as afirmações apresentadas acima, não se quer induzir a conclusão de que o Estado-Nação não desempenhe mais funções relevantes na nova ordem internacional, nem que a soberania estatal, na sua face voltada para o plano interno, tenha deixado de existir, mas o que, seguramente, se pode afirmar é que o modelo tradicional apresentado a partir do século XVI sofreu impactos altamente contundentes e deformadores em seu percurso histórico, em especial, a partir da segunda metade do século XX. Em outras palavras, resume-se a crise como um fenômeno que não pode ser ignorado, mas que, ao mesmo tempo, não faz desaparecer o poder, e sim, uma determinada forma de organização do poder, que teve seu ponto de força no conceito político-jurídico de soberania.

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O Estado-providência (assistencial) com sua promessa de equilíbrio entre a liberdade e a igualdade entrou em crise. Como diagnóstica Ost (1999, p. 337),

a sociedade assistencial desagrega-se, a ciência e a lei são atin-gidas pela dúvida, o mercado e a privatização triunfam, ao mesmo tempo que o medo regressa. A ‘sociedade do risco’ toma então o lugar do Estado-providência, e volta-se a falar de segurança em vez de solidariedade. É que o risco assume um outro rosto e uma outra escala, iludindo os instrumentos clássicos de prevenção.

O modelo de sociedade solidária, que deveria interagir com o Estado-providência, para que este pudesse cumprir com as suas promessas, não se sustentou (ou, na verdade, sequer foi implementada) na moder-nidade ocidental.10 Vale agora a lógica de uma sociedade individualista e, paradoxalmente, globalizada. De acordo com Rocha (2004, p. 45),

A transnacionalização é a união de dois pólos espaciais incon-ciliáveis na lógica tradicional: o local e o universal. Para muitos, pareceria a recuperação da dialética, porém não se trata da possibilidade de nenhuma síntese. Trata-se da produção da simultaneidade entre a presença e a ausência que somente é possível devido a sua impossibilidade. Este paradoxo é constitu-tivo da nova forma de sociedade que começamos a experimentar, e, nesse sentido, é um convite a reinventar, uma vez mais, o político e o Direito.

E quando se ingressa numa sociedade globalizada (transnacionalizada ou pós-moderna),

[...] o problema é o fato que qualquer perspectiva mais raciona-lista ligada ao normativismo e ao Estado se torna extremamente limitada. Não se pode assim continuar mantendo uma noção de racionalidade no Direito ao se insistir no ideal kelseniano [...] (ROCHA, 2001, p. 118).

A perspectiva normativista, delineada nos itens anteriores, engessa as possibilidades de decisão numa sociedade extremamente complexa, marcada pela incerteza e pela ausência de definições absolutas. O pro-blema do Direito, conforme esclarece Rocha (2001, p.118), “[...] é que ele é uma estratégia de imposição de certos valores consagrados que se quer que se repitam empiricamente em situações semelhantes no

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futuro [...]”. A dogmática jurídica, como esse arcabouço teórico construído desde o passado, tem a pretensão de alcançar soluções para todos os conflitos a partir da institucionalização de valores.

O direito possui sua existência vinculada ao tempo, estando ambos relacionados com a sociedade. O problema está na falta de sincronia entre o tempo do direito estatista em face dos acontecimentos de uma sociedade globalizada. O paradigma jurídico moderno não é capaz de atender às inúmeras contingências dessa forma de sociedade.

Porém,

“[...] o Estado ainda detém o monopólio em muitas questões cha-ves da sociedade, dificultando as análises simplistas que afirmam que o seu desaparecimento. O Estado continua existindo, ao lado de outras organizações, caracterizando mais um paradoxo, é soberano e não-soberano [...]” (ROCHA, 2004, p. 46).

Como consectário da crise da soberania estatal, na contemporaneidade – associada às crises estrutural, funcional e política (MORAIS, 2002, p. 40-57), que vêm induzindo aos “desmontes de Estados”11 –, aparece a crise constitucional, que se manifesta através do chamado processo de desconstitucionalização promovido pelo dito neoliberalismo.12

Nesse sentido, a Constituição – considerada o locus privilegiado na modernidade, onde, num primeiro momento, instalaram-se conteúdos de um Estado burocrático e de um sistema que, definiu o perfil do po-der soberano e assegurou os direitos individuais, transformando-se, posteriormente, num terreno de intermediação e negociação entre interesses e valores conflitantes (tendo como resultado mais sintomá-tico o reconhecimento de valores socioeconômicos) – aparece, neste fim de século XX e início de século XXI, como um verdadeiro entrave para o funcionamento do mercado, como um freio da competitividade dos agentes econômicos e como obstáculo da expansão da economia (SANTOS, 2002, p. 149).

5 cIdAdAnIA E conSTITuIÇÃo dIRIGEnTE

Se a democracia foi sintetizada anteriormente como a possibilidade de se enunciar direitos, numa perspectiva garantidora da constante atua-

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lização dos direitos humanos, a cidadania, agora na visão Arendtiana, deve ser celebrada, na perspectiva democrática, como o direito a ter direitos (LAFER, 2003), máxima alcançada após detida preocupação com a questão dos apátridas, mas que acabou contribuindo para uma revisão político-jurídico-filosófica dos direitos humanos, bem como para o rompimento com a noção estrita de cidadania.

As implicações jusfilosóficas da concepção da cidadania como direito a ter direitos, captada por Lafer, em sua obra, extrapolam os incidentes totalitários que chocaram a humanidade no século XX, com destaque para o nazismo, e alcançam o ponto de vista sobre os direitos huma-nos que se relacionam com a cidadania, considerando-se a igualdade e a diferença como paradoxo indissociável da existência humana. As pessoas necessitam da diferença para se afirmarem em suas esferas privadas e, ao mesmo tempo, encontram a igualdade na participação política desde a polis até o Estado-Nação (ARENDT, 2004).

Todavia, a participação política e o reconhecimento do indivíduo como cidadão que tem direito não podem ser atrelados apenas ao Estado Nação, segundo a teoria da internacionalização da defesa dos direitos humanos.13 Se as transformações impactaram o Estado, que não se afirma mais soberanamente, na perspectiva moderna, e se a preocu-pação com os direitos humanos expandiu-se para além das fronteiras territoriais, principalmente a partir de 1948, o conceito de cidadania também pode ser revisitado,

[...] não apenas em seus conteúdos – mas, e particularmente, em seus espaços de expressão, embora hoje prevaleça, ainda, uma noção de cidadania identificada com um elenco conhecido de liberdades civis e políticas, assim como de instituições e com-portamentos políticos altamente padronizados, que possibilitam a participação formal dos membros de uma comunidade política nacional, especialmente na escolha de autoridades que ocupam os mais elevados cargos e funções de governo, estando, também ela, indissociável da idéia moderna de território (GOMES, 2000, p. 90).

Os direitos fundamentais são um repertório comum que a comunidade, não mais apenas nacional, mas global, compartilha simbolicamente, seja como transformação de situações aviltantes à dignidade humana, seja como mecanismos de contestação (e resistência) em face dos efeitos

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negativos provocados pelo fenômeno da globalização. Se o direito a ter direitos significa “[...] pertencer, pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juridicamente organizada e viver numa estrutura onde se é julgado por ações e opiniões [...]” (LAFER, 2003, p. 154), e se a comunidade juridicamente organizada passou (e continua passando) por transformações, logo a noção de cidadania deve ser pensada para além da soberania nacional.

Em virtude disso, ao atualizar a noção acerca da cidadania, as palavras de Lafer (2003, p. 154), na trilha de pensamento de Arendt, servem para sintetizar a presente exposição, na medida em que afirma que:

Num mundo único a cidadania, como base para o direito a ter di-reitos e como condição para o indivíduo beneficiar-se do princípio da legalidade, evidenciando-se dessa maneira o surgimento de um novo ‘estado totalitário de natureza’, não pode ser examinada ape-nas no âmbito interno de uma comunidade política. Em verdade, só pode ser assegurada por um acordo da comitas gentium, pois este só pode existir, observa Hannnah Arendt em artigo publicado em 1949, por meio de acordo e garantias mútuas, pois não se trata de algo dado, mas construído, e este construído, no caso, requer um entendimento de alcance internacional. A relevância desta conclusão não é hoje contestada em Direito Internacional Público, que ratione materiae necessariamente inclui no seu objeto a repartição legal da população mundial.

Assim, reconhece-se, hodiernamente, cada vez mais a implementação da defesa dos direitos humanos para além das fronteiras estatais, numa tentativa de construção de um sistema integrado internacional de pro-teção dos direitos humanos, formado essencialmente pela interseção normativa entre tratados internacionais e textos constitucionais. E o ponto central desse sistema consiste justamente na ideia de dignidade humana, capaz de gerar

[...] novas pautas hermenêuticas para a interpretação da realidade social, econômica, política e cultural, as concepções de direitos humanos de natureza não jurisdicista vão além da simples de-núncia das ilusões homogeneizadoras que permitem à sociedade representar-se sob a imagem de uma ordem integrada, unívoca e coesa, sob a égide de um texto constitucional absolutizado em sua soberania. Elas, por exemplo, recolocam a idéia de justiça no centro das discussões – não uma justiça abstrata, fundada

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em critérios metafísicos ou transcendentes, mas uma justiça in fieri, pensada com base em situações concretas e perspectivas históricas específicas [...] (FARIA, 2004, p. 12).

Portanto, em relação à defesa dos direitos fundamentais, o ponto con-vergente, tanto do discurso constante no texto constitucional brasileiro quanto no DIDH, é a dignidade humana. É essa, inclusive – além da própria previsão normativa (art. 5º, §§ 1º ao 3º) –, que possibilita a lei-tura diferenciada dos tratados internacionais de direitos humanos em relação aos demais tratados. Essa conclusão advém de uma análise sistemática do próprio texto constitucional que eleva à categoria de princípio a “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), sugerindo ainda a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, II) para, mais à frente, no art. 5º, §§ 1º e 2º, garantir a aplicabilidade imediata aos tratados internacionais.

O princípio “da dignidade da pessoa humana” ainda segue fortemente ancorado na concepção filosófica kantiana no sentido de que a pessoa (ser humano) deve ser sempre considerada como um fim e não como um meio, repudiando, assim, qualquer pretensão de coisificação ou instrumentalização do homem. Todavia, refutando a noção ontológica de dignidade, Hegel defende a necessidade de assunção da condição de cidadão para o ser humano atingir tal qualidade (dignidade), con-substanciando, desse modo, a máxima de que cada um deve respeitar os outros como pessoas, ou seja, a dignidade é (também) o resultado do reconhecimento. A partir desses aportes filosóficos, Sarlet (2004, p. 59-60) aduz que a dignidade humana pode ser concebida como

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser hu-mano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável (parâmetros da Organização Mundial da Saúde), além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

O surgimento dessa concepção, segundo Charles Taylor, nas sociedades pré-modernas eram marcadas por uma forte divisão em castas, cujas hierarquias sociais se baseavam na honra − que é uma questão de

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preferências. Para que alguns a detenham, é essencial que outros não a possuam. Desse modo quem a detém usufruía, na “pré-modernidade”, de privilégios que outros não tinham acesso. Dessa maneira, para Taylor (2000, p. 242-243), a substituição da noção antiga de honra pela noção de dignidade estendeu a possibilidade do reconhecimento a um nível muito mais abrangente:

Opõe-se a essa noção de honra a noção moderna de dignida-de, agora usada num sentido universalista e igualitário que nos permite falar da ‘dignidade [inerente] dos seres humanos’ ou de dignidade dos cidadãos. A premissa de base aqui é de que todos partilham dela. É óbvio que esse conceito de dignidade é o único compatível com uma sociedade democrática [...].14

É dessa ideia inicial de amplitude da dignidade humana que a leitura hermenêutica do princípio da dignidade da pessoa humana na Consti-tuição de 1988 deve considerar o valor da disposição topográfica de tal princípio, pois, como se nota, o legislador constituinte se encarregou de prever tal princípio logo na parte inaugural do texto, juntamente com os demais fundamentos da “Carta Cidadã”. Dito de outra forma, com as palavras de Sarlet (2004, p. 61), entende-se que

[...] o Constituinte deixou transparecer de forma inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem cons-titucional, inclusive (e especialmente), das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais) aquilo que se pode – e neste ponto parece haver consenso – denominar de núcleo essencial da nossa Constituição formal e material [...].15

Da mesma forma, ineditamente na história do constitucionalismo brasi-leiro, a dignidade humana foi reconhecida como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III, da Constituição de 1988), sendo ainda citada em vários outros capítulos do texto constitucional,

[...] seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por fina-lidade assegurar a todos uma existência digna (artigo 170, caput), seja quando, na esfera da ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana […] (artigo 226, § 6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade (artigo 227, caput) (SARLET, 2004, p. 62).

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Sintetizando, com Castro (2005), entende-se que o Estado Constitucio-nal Democrático da atualidade é um Estado de abertura constitucional radicado no princípio do ser humano. Neste momento, cabe aclarar que a noção apresentada alhures não se reduz a uma exposição metafísica daquilo que seja “a dignidade da pessoa humana”, para utilizar a termi-nologia empregada pelo constituinte.

Isso porque, ao considerar o ser humano como pessoa (art. 1º, inciso III; 17, caput; 34, inciso VII, b; 226, par. 7º), a Constituição – inserida na tradição ocidental (conforme se verificou na abordagem de Sarlet, com Kant e Hegel) – atribui-lhe traços constitutivos determinados: concre-tude/historicidade, individualidade, racionalidade, sociabilidade. Essas dimensões da pessoa estabelecem alguns recursos como necessários para o pleno desenvolvimento ou para a vida digna do ser humano (li-berdade, saúde, segurança, educação, etc.). Com isso, ao afirmar, no texto constitucional, a dignidade humana, o constituinte buscou colocar o ser humano como um credor de bens necessários para que ele alcan-ce uma vida digna como pessoa, isto é, como ser concreto, individual, racional e social. A busca desses bens estabelece deveres de justiça para o Estado, para a sociedade e para a própria pessoa.

Assim, esses recursos necessários à vida digna, quando considerados na perspectiva da comunidade, são chamados de valores. Os valores integram o bem comum, o conjunto de condições que permite a todos os membros da comunidade alcançarem a vida digna. Os valores formam o conteúdo dos deveres de justiça social. Assim, o desenvolvimento, enquanto valor, deve orientar a atividade econômica pública e privada. Na medida em que a atividade econômica persegue o valor desenvol-vimento, ela é justa, isto é, atende às exigências da justiça social.

Contudo, o salutar processo de expansão da defesa dos direitos huma-nos no ambiente internacional, iniciado, conforme já se afirmou, princi-palmente a partir do II pós-guerra, a precariedade do cenário social de civilizações periféricas – como a brasileira, marcadas por um quadro geral de cidadanias precárias – ainda sugere intervenções estatais básicas, nos moldes previstos pelo Constitucionalismo-dirigente, até porque a efetivação de direitos sociais passa, primordialmente, pelo Estado que, paradoxalmente, ainda é soberano.

Por isso, retornando-se à relação que deve se manter inexorável entre cidadania e atuação estatal dirigida pela Constituição, assume-se a tese

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de que, tão importante quanto a atuação da jurisdição constitucional – referida alhures –, é o fomento de uma tradição hermenêutico-social de um sentimento constitucional, para a implementação dos compro-missos modernos do Estado brasileiro, materializados nas promessas de garantias dos direitos sociais e nos objetivos expostos no texto constitucional.

Sobre o sentimento constitucional, Verdú (2004, p. 73-74) – ampara-do pela teoria de Pellegrino Rossi – entende que este atua como um verdadeiro liame moral entre as instituições e os homens e, se essa vinculação moral falha, “[...] resulta que: a) nada é sólido nem regular, b) não há cuidado na defesa da ordem estabelecida, c) nem espírito de continuidade nas reformas.” Não há como negar que a ideia de um sentimento constitucional remonta, em seu nascedouro, a visão burguesa liberal do século XVIII, mais especificamente datada de 1789, ocasião da Declaração do Direito do Homem e do Cidadão: “[...] Toda a sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação de poderes não possui Constituição [...]”. O ter (anseios populares veemente demonstrados) e o estar em (ordenação racional da convivência política) Constituição foram sentimentos patentes de países que lutaram por independência.

Para países recém-saídos de experiências institucionais autoritárias, com Estados sociais omissos, uma concepção da Constituição Dirigente, condizente com os valores de um Estado Democrático de Direito, deve se fundamentar numa Teoria que, por sua vez,

[...] já não pode ser só fruto da intelecção constitucional, senão, ademais, e em alguns momentos e casos muito significativamente, resultado da sensibilidade constitucional, de modo que a explica-ção das conexões normativo-institucionais do ‘estar-em-Consti-tuição’ nunca hão de perder de vistas motivações emocionais do ‘ter-Constituição’ e de conviver conforme a Constituição.

A princípio, o sentimento constitucional consiste na adesão interna à normas e instituições fundamentais de um país, experimentada com intensidade mais ou menos consciente porque estimula-se (sem que seja necessário um conhecimento exato de suas peculiaridades e funcionamento) que são boas e convenientes para a integração, manutenção e desenvolvimento de uma justa convivência (VERDÚ, 2004, p. 74-5, grifo nosso).

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Por isso, além da noção da sua força normativa – legado da tradição constitucional européia do século XX (pós- II Guerra) –, a compreensão da Constituição como dirigente, programática e compromissária é funda-mental para se atribuir sentido à relação Constituição-Estado-Sociedade, assim como para se alcançar a finalidade maior desse trinômio, que é o bem comum.

6 conSIdERAÇÕES FInAIS

Com base nos argumentos desenvolvidos na pesquisa, ora materializada no presente projeto, logram-se alguns apontamentos conclusivos:

a) Com o advento da Constituição de 1988, inaugura-se um novo momento do constitucionalismo no Brasil à medida que, em face do conteúdo altamente comprometido com os ideais democráticos e com a defesa dos direitos humanos, promove-se uma verdadeira revolução no campo jurídico brasileiro. Essa revolução pode ser resumida na proposta de um resgate ético do direito como um todo, capitaneado pelo direito constitucional;

b) A partir do Estado Democrático de Direito sugerido pelo texto supra-citado, a cidadania no Brasil deve ser reestruturada, principalmente à luz dos ideais transformadores desse modelo de Estado, que sugerem, principalmente, a melhoria das condições sociais no Brasil. Para tanto, a Carta assume uma postura Compromissária-dirigente, com metas bem definidas principalmente a favor daqueles que sempre se viram alijados de qualquer possibilidade de participação materialmente democrática no Estado e na sociedade;

c) Todavia, há dificuldades para a materialização da democracia num modelo de sociedade em que boa parte dos “cidadãos” não são reco-nhecidos como integrantes do jogo democrático. Como consequência disso, percebe-se que falta no Brasil um sentimento constitucional que, inevitavelmente, acaba por comprometer a efetivação da própria Cons-tituição dirigente, na medida em que este texto depende diretamente de uma cidadania ativista, capaz de, ao lado da própria Jurisdição consti-tucional, implementar as promessas descumpridas da modernidade.

d) Por fim, como proposta diferenciada para a leitura da problemática exposta anteriormente, sugere-se no presente texto uma leitura

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hermenêutica das ações políticas que viabilize sair-se dos impasses deixados pelas concepções filosóficas de cunho hegemônico no que se refere à identidade dos agentes morais e políticos.

hERmEnEuTIc conSTRucTIon oF dIREcTInG conSTITucIonAlISm

AbSTRAcT

As a founding condition in a structuring project of a directing constitutio-nalism to the Brazilian way, one proposes the necessary hermeneutic construction of a legal paradigm ruled by a including ethic (opposite to the globalizing neo-liberal model), with a conception of extensive recognition to every members of the political community. Therefore, in a first moment, it is needed that one recognizes the worthy burden of Brazilian Constitutional order. Afterwards, one approaches the directing project that this order suggests as a contribution for the assertion of the human dignity in Brazil. At last, one faces the problem of a constitutional feeling’s lack able to encourage the directing project and, consequently, the effectiveness of the 1988 text.

Keywords: Constitutional law. Constitutionalism. Dignity. Citizenship.

noTAS EXPlIcATIVAS

3 Kelsen pode ser considerado um neopositivista, “[...] pois postula uma ciência do Direito alicerçada em proposições normativas que descrevem sistematicamente o objeto do Direito. Trata-se de uma metateoria do Direito, que, ao contrário do positivismo legalista do-minante na tradição jurídica (que confunde lei e direito), propõe uma ciência do Direito como uma metalinguagem distinta de seu objeto” (ROCHA, 2003, p. 96).

4 Termo empregado por Streck (2001) como alusão ao modelo de ra-cionalidade jurídica difundido a partir do movimento liberal europeu do século XVIII.

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5 Segundo Dezalay e Trubek (1998, p. 39-40), o modo de produção do direito inclui: “[...] a) o modo com que a profissão jurídica e a prestação de seus serviços são organizadas; b) a localização de papéis entre as várias posições no campo jurídico (praticantes, aplicadores da lei, acadêmicos, etc.); c) o modo com que o campo produz o habitus, incluindo variações na educação e a importância das vantagens sociais (antecedentes e relações pessoais) para recrutamento no campo; d) as modalidades para a articulação da doutrina preponderante e os modos com que estas incidem em relações entre jogadores e posições; e) o papel que os advogados, juntamente com os protagonistas globais e regimes transnacionais representam num dado campo jurídico; f) a relação entre regulação e proteção; g) o modo dominante de legitimação.”

6 “A idéia de formalismo põe em relevo os motivos mais profundos que inspiram esta busca de governo sob a lei. Para o formalismo, o cerne do direito é um sistema de regras gerais, autônomas, públicas e positivas que limitam, ainda que não determinem inteiramente, aquilo que um indivíduo pode fazer como autoridade ou como pessoa privada” (UNGER, 1979, p. 213-214).

7 Ianni (1999, p. 19), apresentando “metáforas da globalização”, comenta que “A fábrica global instala-se além de toda e qualquer fronteira, articulando capital, tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho social e outras forças produtivas. Acompanhada pela publicidade, a mídia impressa e eletrônica, a indústria cultural, mis-turadas em jornais, revistas, livros, programas de rádio, emissões de televisão, videoclipe, fax, redes de computadores e outros meios de comunicação, informação e fabulação, dissolve fronteiras, agiliza os mercados, generaliza o consumismo. Provoca a desterritorializa-ção e a reterritorialização das coisas, gentes e idéias. Promove o redimensionamento de espaços e tempos [...]”. Não é o propósito principal deste trabalho aprofundar a discussão sobre os efeitos e as perspectivas da globalização em relação aos direitos humanos, todavia, partindo-se dessa observação de Octávio Ianni, é necessário reforçar que a globalização, justamente por proporcionar o desman-che de fronteiras, impondo, assim, uma revisão sobre o conceito de soberania absoluta e cidadania, sugere uma (re)visão da possibilidade de universalidade dos direitos humanos, para além da perspectiva da jurisdição doméstica.

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8 No âmbito normativo, a preocupação com o princípio da igualdade humana encontra inspiração em diversos textos constitucionais do século XX, como na Constituição do México de 1917, art. 3º, II, “c”, a da Itália de 1947, art. 3º e de Portugal de 1976, art. 1º, bem como nos instrumentos normativos internacionais, como na Declaração dos Direitos do Homem de 1948, art. 1º.

9 Acerca da modernidade tardia e duas conseqüências no campo jurídico, vide, em especial o capítulo 1, de Streck (2004). Sobre a necessidade de adequação temporal e espacial da Constituição, Bercovici (2003, p. 131-132) afirma que “[...] Fechando os olhos para a realidade constitucional, o pensamento jurídico positivista abso-lutizou as soluções constitucionais históricas do liberalismo como atemporais. Para não cair neste equívoco, a Teoria da Constituição deve ser entendida na lógica das situações concretas históricas de cada país, integrando em um sistema unitário a realidade histórico-política e a realidade jurídica.”

10 Como afirma Silva (2005, p. xvii): “[...] A solidariedade, mostra Lipo-vetsky, toma novas formas e ganha o planeta em campanhas humani-tárias transmitidas pela televisão. Mesmo o humanitário, esse pensar nos outros, acontece sob a forma de espetáculo. Por que não? Já não se quer ser santo pela prática de boas ações. Pode-se admirar Madre Teresa de Calcutá sem querer viver como ela. Acabou a época da devoção absolutamente desinteressada. Nesta era da solidariedade espetacularizada, cada um faz da sua doação uma forma de ganho, de vibração, de visibilidade, talvez até de marketing.”

11 Em relação ao Brasil e a todos os países periféricos e semi-periféricos, a crise é ainda mais dramática porque, como já se afirmou anteriormente, o Estado social foi um simulacro na medida em que sua implementação foi altamente precária e insuficiente. Contudo as medidas tomadas, prin-cipalmente na última década do século XX, apontam para o “desmonte do Estado”, numa tentativa de reduzi-lo a um modelo “minimizado”, “enxuto”, sem nunca ter sido, de fato, generoso socialmente, tal qual o modelo francês, por exemplo. Como nota Bercovici (2004, p. 263-290), “[...] O Estado brasileiro, constituído após a Revolução de 1930, é, por-tanto, um Estado estruturalmente heterogêneo e contraditório. É um Estado Social sem nunca ter conseguido instaurar uma sociedade de bem-estar: moderno e avançado em determinados setores da economia, mas tradicional e repressor em boa parte das questões sociais.”

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12 Sobre este assunto, Streck (2004a, p. 66-77) defende a necessidade de uma “[...] resistência constitucional [...]”, adotando uma postura substancialista, capaz de contribuir para o cumprimento de pro-messas adotadas na Carta Magna brasileira, que foram pouco (ou nada!) cumpridas na realidade tupiniquim. Neste sentido, cf. também: BONAVIDES (2001, p. 44-46).

13 Em defesa desta teoria, na doutrina nacional, dentre outros: Trindade (1997); Mello (2000); Piovesan (2006).

14 No original: Taylor (1995, p. 226-227).

15 No mesmo sentido, cf. Piovesan (2004, p. 79-100).

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dIFEREnTES FoRmAS dE uSo doS PRoduToS doS mAnGuEzAIS nAS PRIncIPAIS FASES dA

EconomIA do bRASIl-colÔnIA

Renata Diniz Ferreira1

RESumo

Investiga e analisa, em fonte bibliográfica e documental, as diferentes formas de utilização dos produtos provenientes do manguezal durante as principais fases da economia do Brasil-Colônia, no período compre-endido entre 1500 e 1822. Subdivide estes produtos em bens de uso direto, indireto e bens de uso passivo, relacionando-os com as ativi-dades da exploração do pau-brasil, da cultura da cana e produção de açúcar, do tráfico e trabalho dos escravos nos engenhos, da “indústria” do couro, além de outras formas de uso como medicamento, material de construção e beleza cênica.

Palavras-chave: Gerenciamento costeiro. Manguezais – Brasil. Man-guezais – aspectos econômicos. Brasil – história – período colonial, 1500-1822.

1 InTRoduÇÃo

Este artigo tem como proposta investigar, em fonte bibliográfica e docu-mental, as diferentes formas de uso dos manguezais e suas relações com as atividades econômicas no Brasil-Colônia. O período pesquisado estende-se de 1500 até 1822, por ocasião da independência do Brasil,

1 Doutora em Geografia Física pela Universidade de São Paulo. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: [email protected].

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muito embora este país tenha sido elevado à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves em 1815, deixando de ser, na teoria, uma colônia de além-mar.

Considerado como um dos ecossistemas mais produtivos da superfície terrestre, o manguezal constitui um sistema ecológico costeiro tropical, representado por espécies vegetais típicas, às quais se associam outros componentes da fauna e flora, adaptados a um substrato periodicamente inundado pela maré com grandes variações de salinidade (GLOSSÁRIO..., 1997). No Brasil, adota-se o termo manguezal para a abordagem ecológico-fisionômica e mangue para a abordagem taxonômica vegetal.

Os manguezais ocorrem ao longo da faixa intertropical, entre os parale-los 23°27’N e 23°27’S. Se as condições ambientais permitirem, podem ser encontrados em latitudes maiores (30°N e 30°S) apresentando, entretanto, uma redução em seu desenvolvimento estrutural (CINTRÓN; SCHAEFFER-NOVELLI, 1981). Calcula-se que 75% das costas tropicais da terra são dominadas por este tipo de vegetação, correspondendo a uma área aproximada de 157.050km² (FAO, 2007).

Incluídos nas chamadas Áreas Úmidas Costeiras, nas interfaces da terra com o mar (DIEGUES, 2002), ao longo dos 7.367km do litoral brasileiro (IBGE, 2002), ocorrem consideráveis bosques de mangues abrigados em baías, deltas, estuários e enseadas desde o Cabo Orange no Amapá (04°30’N) até Laguna em Santa Catarina (28°30’S).

Em 1981, a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) e a United Nations Environment Programe (UNEP) avaliaram a área de ocorrência dos manguezais brasileiros em 25.000km² (FAO, 2003). Hertz (1991) reduziu esta estimativa para 10.123,76km², após a conclusão do seu Atlas sobre Manguezais do Brasil. Tal informação foi divulgada, em 2007, pela FAO no trabalho intitulado The world’s mangroves 1980-2005.

As maiores ocorrências de manguezal no Brasil foram registradas do Amapá até o Maranhão na costa Norte. Só este último estado abrange uma área aproximada de 4.878km² (HERTZ, 1991), correspondendo a 48% do total do referido ecossistema no Brasil.

No decorrer de toda história da ocupação dos espaços naturais pelo homem, os manguezais sempre apareceram associados a uma forma

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de uso direto ou indireto pelos povos que habitavam as linhas de costas e ilhas onde eles podiam ser encontrados. Intensas pesquisas em uma profusão de vestígios geológicos, arqueológicos e em documentos de diferentes épocas comprovaram que, durante algum tempo e de forma parcimoniosa, o homem utilizou os manguezais como lugar para viver; como inesgotável fonte de alimento, de lenha e de madeira; como refúgio e esconderijo; como cemitério e florestas sagradas.

De acordo com Vanucci (1999, p. 117),

É grande a semelhança de hábitos dos habitantes de manguezais em diferentes partes do mundo, qualquer que seja sua etnia; e isso tem continuidade, mostrando que a capacidade de adaptação a situações comparáveis induz o desenvolvimento de utensílios e hábitos semelhantes.

Entretanto, os manguezais também sofreram fortes impactos provocados pela ignorância de alguns e, principalmente, pela prepotência e ganância de outros. Deste modo, as intensas e constantes atividades de explo-ração de madeira, de lenha, de alimentos e de tanino provocaram as mais diferentes formas de estresse aos manguezais em muitas regiões tropicais do planeta. Em alguns países, tais impactos culminaram na conversão total deste ecossistema em áreas de agricultura, de silvicul-tura, de aquicultura e de expansão urbana.

As diversas maneiras utilizadas pelo homem para extrair os recursos dos manguezais foram classificadas e agrupadas em diferentes moda-lidades.

Para Vanucci (1999, p. 117) “[...] o principal uso dos manguezais é para pesca e aproveitamento de seus produtos [...]”. Por produtos esta autora entende o solo, a água, os produtos químicos, medicamentos, material vegetal, animais comestíveis, produtos animais, ornamentos e esculturas.

Diegues (2001) considera que os manguezais são utilizados por co-munidades humanas para a produção de bens, tais como: bens de uso direto (extração de madeira, de folhas, de tanino, de lenha e de medicamentos), bens de uso indireto (captura de peixes, crustáceos, moluscos, mamíferos, aves e mel) e bens de não-uso, onde foram con-sideradas as funções e serviços do ecossistema (estabilidade da costa,

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habitat, berçário, produção primária, reciclagem de dejetos, recreação e turismo).

Rivera e Casas (2005) utilizaram o conceito de Valor Econômico Total (VET), na tentativa de classificar os valores que compõem um bosque de mangue. Para eles o manguezal tem um valor passivo (sem o seu uso efetivo) e um valor ativo subdividido em uso presente (uso direto e indireto) e uso futuro (banco de recursos genéticos). Os valores de uso direto são os bens e serviços que se reconhecem de maneira imediata pelo consumo ou desfrute direto deles, podendo ser extrativos (madeira, lenha e tanino) e não-extrativos (recreação, paisagem e observação de aves). Os valores de uso indireto se referem aos benefícios recebidos pela sociedade por meio dos serviços prestados pelo ecossistema como um todo (pesca e coletas dependentes do mangue, filtragem de águas residuais, amortecimento de tormentas, fixação de nitrogênio e captura de carbono).

Neste trabalho, foram considerados como produtos de uso direto, a madeira, a lenha, o tanino e as folhas, aqueles extraídos das árvores que representam as diferentes espécies vegetais que ocorrem nos man-guezais. Como produtos de uso indireto, foram classificados aqueles extraídos do manguezal, cuja existência total ou parcial depende da presença das árvores de mangue (peixes, moluscos, crustáceos, aves, mamíferos, barro e lama). Finalmente, como produtos de uso passivo, foram incluídos aqueles relativos à beleza cênica e à contemplação, inspirados pelo ecossistema.

Tendo em vista o período de análise da pesquisa, não foram consideradas nem classificadas as funções e serviços dos manguezais (berçário, habitat, produção primária e reciclagem de dejetos), uma vez que, no Brasil-Colônia, as informações sobre esta formação vegetal tinham um caráter mais utilitário e botânico, não sendo observada sob o ponto de vista ecossistêmico.

O Quadro 1 foi elaborado para melhor visualização das diferentes formas de uso dos produtos provenientes dos manguezais durante o período estudado.

2 oS mAnGuEzAIS E AS ATIVIdAdES EconÔmIcAS do bRASIl-colÔnIA

Alguns milhares de anos antes da chegada dos portugueses à América, os primeiros grupos humanos que ocuparam o litoral brasileiro na pré-

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história e início da história eram constituídos por caçadores e coletores que encontraram um ambiente bastante desfavorável com matas espar-sas, nível do mar bem abaixo do atual, climas menos quentes e muito mais secos (AB’SABER,1990).

A ocupação humana e utilização dos recursos disponíveis na costa brasileira, nos moldes semelhantes aos de hoje, só foi possível nos últimos 6.000 anos, após a Transgressão Flandriana que retrabalhou todo material arenoso disponível na plataforma emersa, dando origem às restingas e lagunas. Tais fatos impuseram modificações fisiográficas e ecológicas ao ambiente, possibilitando a proliferação de frutos do mar e consequente alteração na dieta das populações presentes, que pas-saram a utilizar ostras, peixes e berbigões na sua alimentação diária. (AB’SABER, 1990).

Os caçadores, os pescadores e os catadores de mariscos deixaram os sambaquis como testemunho de suas atividades. Estes sítios antigos apareceram entre 7.000 e 2.000 anos atrás, e foram edificados, principal-mente, com as conchas de mariscos além de outros objetos descartados nas atividades da rotina diária, onde as populações instalavam suas residências provisórias e enterravam seus mortos (PROUS, 2006).

Durante este período, procedeu-se à ocupação das bordas das lagu-nas, dos fundos das baías e das áreas limítrofes aos manguezais já existentes ou ainda em expansão. As populações aí instaladas viram-se obrigadas a enfrentar os novos desafios impostos pelas condições ambientais vigentes e a buscar alternativas alimentares para suprirem a demanda do crescimento populacional. Deste modo, intensificou-se a coleta de mariscos, a caça de animais de maior porte, a coleta de vegetais e a agricultura de subsistência baseada, principalmente, na produção de tubérculos.

Com a expansão dos manguezais nas bordas das lagunas na região Sul e Sudeste e nas margens de estuários e em frente das barreiras nas costas do Pará e Maranhão, possibilitando a proliferação de frutos do mar (AB’SABER, 1990), os primeiros habitantes do litoral brasileiro estreitaram suas relações com esse ecossistema. Ao longo dos anos que se sucederam, observaram o comportamento e os ciclos de vida da fauna e da flora aí existentes. A partir de constatações empíricas potencializaram a caça, a pesca e a coleta neste ambiente; aproveita-ram a madeira para combustível e para as construções rudimentares;

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descobriram novos usos de plantas e animais para a medicina caseira, usaram as conchas para adornos, utilizaram o tanino, o barro e obtiveram o mel. Dos mistérios que permaneceram afundados na lama escura, criaram os deuses e mitos do manguezal.

A necessidade de obter, cada vez mais, novas fontes de alimento entre a terra e mar, implicou o aumento do território de cada agrupamento e a necessidade de defendê-lo do assédio dos agrupamentos vizinhos. Foi neste momento de expansão territorial e cultural que os habitantes da costa brasileira viram chegar as erráticas caravelas de Pedro Álvares Cabral em 1500, no alvorecer do século XVI.

Nesta época, os manguezais e os diferentes usos de seus produtos tam-bém não constituíam uma novidade para o reino de Portugal. Os lusitanos tinham informações e contatos com as rotas comerciais do Mediterrâneo, do Mar Vermelho e do Oceano Índico onde, principalmente ao longo do litoral da Índia e das infinidades de ilhas da Oceania, o mangue vicejava e era conhecido pela humanidade há milhares de anos.

No primeiro quarto do século XV, Portugal deu início a sua expansão marítimo-comercial, lançando-se no então desconhecido Oceano Atlânti-co, através do qual atingiu as costas da África (Ceuta -1415), da Ilha da Madeira (1425) e dos Açores (1427). Posteriormente, ao dobrar o Cabo Bojador (1434), possibilitou uma exploração mais intensa da costa oci-dental deste continente até Serra Leoa (TEIXEIRA; DANTAS, 1979).

Ao tomarem Constantinopla e Alexandria (1453), os turcos restringiram a passagem para o Oriente pelo Mar Mediterrâneo, prejudicando o co-mércio das especiarias provenientes da Ásia e tornando mais necessária ainda a expansão marítima por outros mares. Diante de tal situação, as naus portuguesas avançaram suas rotas pelo Atlântico, atingiram a embocadura do Rio Congo (1482) e dobraram o Cabo das Tormentas (1488). Posteriormente, sob o comando de Vasco da Gama, alcançaram Calicute em 1498, definindo um novo caminho marítimo para o Oriente e restabelecendo o comércio com a Índia (TEIXEIRA; DANTAS, 1979).

Desta forma, documentos, cartas náuticas, relatos e notícias, trazidas de todas estas viagens expansionistas, possibilitaram aos portugueses novas e importantes informações sobre os manguezais presentes nas costas orientais e ocidentais da África e da Índia.

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De acordo com Vanucci (1999, p. 95), “[...] os portugueses tardaram a reconhecer o uso que pode ser feito dos produtos dos manguezais, e o mangue era visto, sobretudo como fonte de lenha e estacas [...]”.

Além disso, os pilotos e navegadores lusitanos tinham uma percepção negativa dos manguezais, uma vez que tais sítios deviam ser evitados pelos navios, sob o risco de ficarem permanentemente atolados. Estes locais também serviam de refúgio aos nativos e esconderijo aos piratas nas ilhas das Molucas e do Caribe, respectivamente, e constituíam o habitat da mosca tsé-tsé (Glossima morsitans), nas costas africanas, responsável pela transmissão da doença do sono (VANUCCI, 1999). Para Blainey (2004), esta doença representava um grande perigo para os animais de carga, chegando a matar em um quarto da área da África todos os animais domésticos, excluindo-se as aves.

Ao chegar ao Brasil, Pero Vaz de Caminha elaborou o primeiro docu-mento formal sobre a nova colônia, no qual descreveu as características físicas dos nativos, seus hábitos alimentares e o comportamento deles em frente ao primeiro contato com o homem europeu.

Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha, ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostu-mado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam (CAMINHA, 2001, p. 54).

Sobre o ambiente natural do novo território, Caminha fez breves refe-rências às extensas linhas de praias, aos recifes, às aves coloridas, aos camarões e à grande quantidade de “arvoredos” encontrados ao longo da costa, sem nenhuma alusão específica aos manguezais. Talvez até porque eles eram muito conhecidos nos litorais da Ásia, Oceania e África e constituíssem a formação litorânea mais comum encontrada na nova paisagem que se descortinava aos olhos dos portugueses.

Quando Cabral deixou o Brasil e retomou seu rumo em direção às Índias, sua esquadra levantou âncora abarrotada com muita lenha e água potável, prática bastante comum naquela época das grandes navegações. Deste modo, estes foram os únicos recursos da “Terra de Vera-Cruz” que despertaram o interesse dos portugueses naquela ocasião.

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Entretanto, outros homens que aqui estiveram e viveram descreveram, de forma mais pormenorizada, não só a fauna e flora dos manguezais, como também as estreitas relações entre os indígenas e este ecossistema, evidenciando a herança de um período pré-colonial de sua exploração deixada pelos ancestrais.

Entre os relatos que descrevem o uso dos manguezais pelos indígenas, estão as cartas do Padre José de Anchieta que, nascido na Ilha de Tene-rife, veio para o Brasil na armada de Duarte da Costa, em 1553. Durante os 44 anos em que viveu no solo brasileiro até a sua morte em 1597, Anchieta estabeleceu um estreito contato com os nativos da colônia.

Este jesuíta escreveu, em 1560, uma memorável carta sobre As Coi-sas Naturais de São Vicente, hoje São Paulo e outras regiões do litoral brasileiro. Uma das mais antigas descrições da Rhizophora mangle no Brasil pode ser encontrada neste documento.

Há outras árvores que enchem por toda parte os esteiros do mar, onde se criam, cujas raízes, nascidas umas quase no meio do tronco, outras nos pontos que brotam e se erguem os ramos, do comprimento de lanças, se inclinam pouco a pouco para o chão, até que passados muitos dias o tocam (ANCHIETA, 1984, p. 141).

Na mesma carta, sobre a fauna dos manguezais, Anchieta (1984, p. 126) destacou a presença do peixe-boi e o uso deles na alimentação dos indígenas.

Há um certo peixe (que chamamos de peixe-boi, e os índios, iguaraguá), freqüente na vila do Espírito Santo e noutras povo-ações para o Norte [...]. Muito grande no tamanho, alimentam-se de ervas, como mostram as mesmas ervas pastadas nos rochedos à beira dos mangues.[...] é muito bom para se comer [...]. A gordura [...] derretida ao fogo, torna-se liquida e pode-se bem comparar à manteiga [...] e usa-se em vez de azeite para temperar a comida.

Outro documento importante sobre os costumes indígenas em relação aos manguezais foi escrito em 1587 pelo português Gabriel Soares de Souza que aqui chegou em 1569, tornando-se, logo após, proprietário de engenho na Bahia. Trata-se do Tratado Descritivo do Brasil em cuja primeira parte elaborou um roteiro geral da “costa brasílica”. Na segunda

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parte do livro tratou com mais profundidade dos aspectos históricos, geográficos, econômicos e dos costumes dos indígenas na Bahia.

É, sobretudo, no Memorial e Declaração das Grandezas da Bahia que o autor revela-se um arguto observador dos manguezais como um ecossis-tema, evidenciando a interdependência da flora e fauna e as diferentes formas de uso direto e indireto de seus produtos pelos habitantes de um Brasil quinhentista.

Algumas dessas observações estão muito à frente da mentalidade mercantilista existente naquela época e muito próximas dos preceitos da ecologia humana, considerando-se a forma pela qual o autor perce-be o uso sustentável do caranguejo-uçá (Ucides cordatos), feito pelos indígenas.

[...] estes caranguejos se criam na vasa, entre os mangues, de cuja folha se mantem e tem corais uma só vez no ano; e como desovam pelam a casca, assim os machos como as fêmeas, e nasce-lhes outra casca por baixo; enquanto a têm mole estão por dentro cheios de leite, a fazem dor de barriga aos que os comem; e quando as fêmeas estão com corais, os machos estão mui gordos, tanto que parece o seu casco estar cheio de manteiga. [...] Estes uçás são infinitos, e faz espanto a quem atenta para isso, e é não haver quem visse nunca caranguejos desta casta quando são pequenos, que todos aparecem e saem das covas de lama, onde fazem a sua morada, do tamanho que hão de ser; das quais covas os tiram os índios mariscadores com o braço nu; e como tiram as fêmeas fora as tornam logo a largar para que não acabem e façam criação (SOUZA, 1971, p. 289).

Sobre as ostras, este autor relata com entusiasmo a profusão e qualidade delas como fontes de alimento.

Nos mangues se criam outras ostras pequenas, a que os índios chamam leri-mirim, e criam-se nas raízes e ramos deles até onde lhes chega a maré preamar; as quais raízes e ramos estão co-bertos destas ostras, que se não enxergam o pau, e estão umas sobre as outras; as quais são pequenas, mas muito gostosas; e nunca acabam, porque tiradas umas logo lhes nascem outras; e em todo o tempo são muito boas e leves [...] (SOUZA, 1971, p. 291).

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Após a partida de Cabral, foi o italiano Américo Vespúcio (apud MAES-TRI, 1997, p. 18) quem esteve pela primeira vez no Brasil (1501 e 1502), acompanhando a frota de reconhecimento da nova terra, provavelmente comandada por Gonçalo Coelho. Aqui também nada encontrou que pu-desse satisfazer a postura utilitarista daquela época ao relatar que “[...] nessa costa não vimos coisa alguma de proveito, exceto [...] árvores de pau-brasil [...] tendo estado na viagem bem dez meses, e visto que nessa terra não encontramos coisa de metal algum, acordamos nos despedirmos dela”.

Nesta ocasião, ao longo de sua viagem pelo litoral brasileiro, Gonçalo Coelho batizou os acidentes geográficos pelos quais passou (Cabo de Santo Agostinho, Rio São Francisco, Baía de Todos os Santos, Rio de Janeiro, Baía de Angra dos Reis e Cananéia). Ao partir de Cananéia em direção à África, levava a bordo de sua esquadra água e lenha su-ficientes para seis meses de viagem, além de mantimentos e algumas toras de pau-brasil (BUENO, 2006).

Os trinta anos posteriores ao descobrimento do Brasil foram marcados por um total desinteresse da Coroa Portuguesa pela nova colônia. Assim, entre 1500 e 1530, aproximadamente, a principal atividade econômica continuou sendo a extração do pau-brasil negociada através de escambo com os indígenas (FAUSTO, 1995).

Deste modo, surgiu a primeira atividade econômica da colônia a fazer uso do manguezal como suporte. Ao longo destes anos, tal ecossistema foi grande fornecedor de alimento, de lenha e de madeira para os pou-cos habitantes das feitorias de exploração do pau-brasil, principalmente entre Pernambuco e Rio de Janeiro, além de fornecedor de parte da lenha para os fogões dos navios que voltavam abarrotados de madeira para a Europa (Quadro 1).

A descrição dos recursos da feitoria da Ilha do Gato, no fundo da Baía de Guanabara, sustenta a importância dos manguezais no período de exploração do pau-brasil.

No século XVI, a Ilha do Gato apresentava quatro características ambientais: era extensa, fértil, coberta de florestas e com abundantes fontes de água. O mar, a terra e os manguezais abasteciam com fartura de alimentos toda clientela indígena, depois os visitantes europeus [...] (BUENO et al., 2002, p. 122).

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Para Andrade (2005), nas feitorias de Pernambuco os portugueses habituaram-se aos alimentos, aos costumes e, muito provavelmente, às mulheres indígenas uma vez que as europeias não se dispunham vir para as terras brasilianas.

Sobre o assunto Freire (1964, p.128) considera:

Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da Amé-rica a que se constituiu mais harmoniosa quanto às relações da raça: dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiên-cias dos povos atrasados pelo adiantado [...] servindo-se em sua economia e vida doméstica de muitas tradições, experiências e utensílios da gente autóctone.

Este fato fica evidente em uma das cartas do Padre Antônio Vieira, jesuíta português que veio para o Brasil aos sete anos de idade e aqui morreu, em 1697, na Bahia (VIANA, 1954). Neste documento ele evidenciou sua inabalável fé em Deus, seu entrosamento com os costumes dos nativos e sua confiança na generosidade de uma terra capaz de suprir as necessidades básicas dos homens que nela se empenhavam.

Deus sustentará com a providência que costuma, os que por se empregarem todos em seu serviço, não reparam em commodi-dades próprias: um punhado de farinha e um caranguejo nunca nos póde faltar no Brasil, e enquanto lá houver algodão, e tujucos, também não nos faltará de que fazer uma roupeta da companhia (VIEIRA, 1854, p. 41-42).

Bluteau (1789, p. 497 e 59) considera “tujuco” como um tremendal de mangue e, ao descrever o mangue, deixou bem claro que “[...] a terra, que apodrece de suas folhas tinge bem de preto o algodão [...]”. Para Novo Diccionario da Língua Portugueza, publicado em Lisboa em 1806, tujuco significa lameirão de mangue. Em Ferreira (1999), tal palavra significa charco, pântano ou atoleiro, podendo variar para o termo tijuco.

Entretanto, não só os portugueses chegavam à costa do Brasil nos trinta anos que sucederam a sua descoberta. Também os franceses, os holandeses e os espanhóis por aqui passaram e daqui carregaram lenha, pau-brasil, penas de pássaros e peles de animais.

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Para se ter uma ideia do tráfico ilegal entre o Brasil e França, por exemplo, em março de 1531 a nau francesa, denominada Pelegrina, tomou de assalto a Ilha de Itamaracá, no litoral pernambucano, onde permaneceu por três meses. Cinco meses mais tarde, tendo deixado o Brasil, esta embarcação foi capturada pelos portugueses em Málaca e em seus porões foram encontradas quinze mil toras de pau-brasil, três mil peles de onça, 600 papagaios e mais de uma tonelada de algodão (BUENO, 2006).

Tais assédios levaram D. João III a providenciar a já tardia colonização da nova terra. Por isso, enviou Martin Afonso de Souza (1530-1533) para patrulhar, explorar e ocupar a colônia. Posteriormente dividiu o território brasileiro em 14 capitanias hereditárias (1534 e 1536) e enviou Tomé de Souza como primeiro governador geral (1549), que aqui che-gou acompanhado por mais mil pessoas e os primeiros jesuítas, entre eles o Padre Manoel da Nóbrega. Estes últimos tinham como missão catequizar os indígenas promovendo “[...] a organização do Estado e da Igreja, estreitamente aproximados” (FAUSTO, 1995, p. 47).

A expedição de Martim Afonso de Souza (1530-1533) veio acompa-nhada por imigrantes com experiência na atividade açucareira na Ilha da Madeira que, ao chegarem ao Brasil, começaram a cultivar a cana em São Vicente (SP), depois por todo litoral até Pernambuco, dando impulso à produção de açúcar, logo transformada na principal atividade econômica de integração entre a Colônia e a Metrópole.

No Nordeste, de acordo com Andrade (2005), os engenhos expandiram-se rapidamente. Segundo este autor, em Pernambuco, eles eram cinco em 1550, passaram para trinta em 1570, depois sessenta e seis em 1584 e cento e quarenta e quatro em 1630. Neste período havia ainda dezenove na Capitania da Paraíba e dois na do Rio Grande do Norte totalizando, deste modo, 166 engenhos só nesta região. No Sudeste, os engenhos prosperaram, em menor escala, no Rio de Janeiro e São Paulo.

A história da cana-de-açúcar e de toda sua cadeia produtiva entrelaçou-se com a ecologia dos manguezais, tornando-se assim a segunda atividade econômica do Brasil-Colônia a utilizar tal ecossistema, tanto direta quanto indiretamente pelas mais diferentes formas de uso (Quadro 1).

Em 1587, Souza (1971, p. 205 e 218) já descrevia algumas formas de aproveitamento dos mangues nas fazendas de cana-de-açúcar, assim

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afirmando. “[...] há uma espécie de mangue [...] que serve para encai-brar as casas de mato, e os mais grossos para as casas de engenho, por serem muito compridos e rijos [...] Destes mangues se faz também lenha para os engenhos [...]”.

André João Antonil nasceu na Itália em 1649. Veio para o Brasil em 1681, onde passou o resto de sua vida, vindo a falecer em 1716 na Bahia. Seu livro Cultura e Opulência do Brasil, escrito em 1711, é uma grande contribuição sobre a economia colonial deste país, principalmente no que diz respeito à cana-de-açúcar e aos engenhos do Recôncavo Baiano. Através de sua obra é possível detectar o papel do manguezal na implantação e manutenção da atividade açucareira.

Ter olaria no Engenho, [...] escusa mayores gastos; porque no Engenho há sempre necessidade de formas, tijolo & telha [...] a fornalha da olaria gasta muita lenha de armar, & muita de calde-ar, e a de caldear ha de ser de mangues, os quais tirados saõ a destruição do marisco, que he remedio dos Negros. [...] Tendo, porèm, o Senhor do Engenho muita gente, lenha, & mangues para mariscar de sobejo; poderá também ter Olaria [...] (ANTO-NIL, 1711, p. 82).

Os Mangues dão os caybros e marisco. E os Apicús( que são as coroas, que faz o mar entre si, & a Terra firme & as cobre a Maré) dão o barro, para purgar o assúcar nas Formas, & para a Olaria. [...] Ha-se porèm de advertir, que nem toda lenha he boa para se fazer Decoada (...) A melhor he a dos Mangues brancos [...] (ANTONIL, 1711, p. 36 e 62).

Para Castro (1965, p. 105), no século XVII, em plena idade de ouro do ciclo açucareiro, “[...] os traços naturais da terra e os traços culturais do homem se procuram ajustar, e se ajustam mesmo, nesta paisagem cultural tão ordenada, tão coerente com as influências geográficas e biológicas circundantes [...]”. Para este mesmo autor, entretanto, o final do período açucareiro coincide com a fase do absenteísmo da cultura brasileira, onde o homem se desvincula da boa terra e se volta para o cenário intelectual europeu.

É importante observar que o progresso da atividade açucareira fez surgir outro tipo de atividade econômica, em detrimento da demanda de mão-de-obra necessária ao trabalho nos canaviais e nos engenhos. Trata-se do “[...] tráfico dos escravos entre a África e a América [...], sem dúvida,

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um dos circuitos comerciais mais importantes da história da humanidade” (SOARES, 2000, p. 71). Ainda de acordo com esta autora, o total de escravos traficados para o Brasil girou em torno de três milhões e meio de africanos, dos quais metade foi trazida ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, cabendo ao século XVIII um total de 1.700.000 indivíduos.

Este novo contingente humano precisava ser alimentado e, de acordo com Freire (1964), a alimentação do negro nos engenhos era baseada em milho, toucinho e feijão, além da farinha de mandioca. Suplementarmente, nas áreas litorâneas, os moluscos e os caranguejos dos manguezais completavam a dieta dos escravos e dos outros empregados, podendo ser, muitas vezes, apreciados pelos próprios senhores dos engenhos.

Vale lembrar que os escravos procedentes das costas da Mina e da Gui-né (SOARES, 2000), também conheciam os manguezais que ocorriam, em maior ou menor área, nos seus países de origem (Angola, Congo, Guiné, Benin, entre outros). Considerando a grande semelhança entre os bosques de mangues da América Oriental e da África Ocidental, não deve ter sido difícil a adaptação destes indivíduos aos manguezais brasileiros como fonte alternativa de sobrevivência.

Com relação à utilização da fauna dos manguezais como fonte de ali-mento nas fazendas, observa-se, na obra de Gabriel Soares de Souza (1971), que o consumo dos caranguejos era mais destinado aos índios, por força do seu costume alimentar, aos escravos e serviçais era menos importantes.

Os moluscos mais proveitosos à gente da Bahia são uns caran-guejos a que os índios chamam de uçás, os quais são grandes e têm muito que comer; e são mui sadios para a mantença dos escravos e gente do serviço [...]. E não há morador nas fazendas da Bahia que não mande cada dia um índio mariscar destes ca-ranguejos, com os quais dão de comer a toda gente de serviço [...] (SOUZA, 1971, p. 289).

São muitos os outros documentos e textos que relatam a prática de alimentar escravos com os produtos provenientes deste ecossistema. Para Fernão Cardim, em sua obra publicada em 1625, “[...] uça he hum genero de caranguejos que se achão na lama, e são infinitos, e o sustentamento de toda esta terra, máxime dos escravos de Guiné, e Índios da Terra [...]” (CARDIM, 1980, p. 51). “Acham-se também na terra

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diferentes castas de cangrejos, que são o sustento dos pobres que vivem nela e dos índios naturais e escravos de Guiné” (BRANDÃO, 1977, p. 220). Algranti (1988), no Rio de Janeiro, descreveu os negros catando caranguejos à luz de tochas para comê-los com avidez.

Para Andrade (2005, p. 81), próximo a alguns engenhos existiam áreas com campos de criação e cultura de mantimentos que forneciam os ali-mentos aos engenhos, vilas e capitanias nordestinas. Além disso, “[...] também o mar e os rios eram muito piscosos, os manguezais ofereciam saborosos caranguejos e as matas, abundante caça”.

Deste modo, consolidou-se a terceira atividade econômica do Brasil-Colônia a apropriar-se dos manguezais para sua manutenção e êxito (Quadro 1).

A parceria entre os manguezais e a dieta alimentar dos escravos foi bastante proveitosa para a conservação do primeiro. O Código de Pos-turas da Casa da Câmara de Salvador (1631/1889), por exemplo, em setembro de 1672, não consentia “[...] que as pessoas tirassem cascas dos mangues em todo o Recôncavo, pois afetavam os mariscos que eram o sustento dos moradores e seus escravos. Pena de seis mil reis” (BEZERRA, 1988, p. 18).

Uma vez alforriados era, ainda, nos manguezais que os escravos bus-cavam abrigo e moradia. “No Recife colonial e holandês, os mocambos já pontilhavam a área alagadiça. [...] Na margem do continente não ousavam os holandeses pôr o pé, temiam essas terras de aluviões [...] e imensos manguezais” (BEZERRA, 1965, p. 33).

Mas foi no período entre 1871 e 1888, já no Brasil-Império, que os mocambos proliferam em Recife. “[...] toda massa operária escraviza-da foi transformada, juridicamente, em indivíduos livres. E, quase de repente, a planície recifense ficou ao dispor da plebe negra e mestiça” (BEZERRA, 1965, p. 30).

Além da mão-de-obra escrava, os engenhos demandavam, ainda, a manutenção de muitos bois para o duro trabalho de transporte e da moagem da cana e também para o transporte da lenha obtida cada vez mais distante. Sobre este assunto Salvador (1982), nascido na Bahia em 1564, descreveu em 1627 o uso de paus de mangue, direitos e delgados nas cercas que, atadas aos cipós, impediam que os bois dos engenhos saíssem dos pastos e invadissem os canaviais.

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Segundo Teixeira e Dantas (1979), os conflitos gerados pelo crescimento do rebanho e as suas constantes invasões nas plantações de cana-de-açúcar evidenciaram a incompatibilidade desta atividade dentro dos engenhos, culminando com a proibição da mesma na faixa litorânea em 1701.

Deslocada do litoral, a atividade criatória no Nordeste passou a ser or-ganizada nos sertões da Bahia e de Pernambuco, expandindo-se para outros estados na região. “Assim, a pecuária organiza-se no interior como um novo setor econômico, subsidiário do setor açucareiro, fornecendo-lhe animais de tração, de corte, o couro e a lenha” (TEIXEIRA; DANTAS, 1979, p. 128). Do mesmo modo, para estes autores, o crescimento da pecuária no Sul do Brasil subsidiou e economia da mineração em expansão nas “Gerais”.

Pela quarta vez, os mangues foram utilizados como coadjuvantes em mais uma atividade econômica da colônia, desta vez como fornecedo-res de tanino para a “indústria dos curtumes” que proliferaram com a expansão da atividade da pecuária (Quadro 1).

Cardim (1980), ao descrever os manguezais brasileiros, citou o uso da casca de uma espécie não identificada para fazer tinta e curtir couro.

Do mesmo modo, sobre o assunto relatou Gabriel Soares de Souza em 1587: “Há uns mangues [...], a que o gentio chama apareíba, que tem madeira rija, de que se faz carvão, cuja casca [...] tem tal virtude que serve aos curtidos para curtir toda sorte de peles em lugar de sumagre, fazem tão bom curtume como ele”. (SOUZA, 1971, p. 205 e 218). Apa-reíba era a denominação que os índios davam ao mangue vermelho (Rhizophora mangle) e sumagre (Rhus coriana) um arbusto de origem asiática, cujas cascas e folhas também forneciam tanino.

O Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, em sua viagem ao Brasil entre 1815 e 1817, fez observações consistentes sobre a exploração do tanino na Bahia.

A margem é inteiramente coberta de mangues (Conocarpus e Avicennia), cuja casca é de grande uso em curtume, sendo exportada [...] para o Rio de Janeiro. Um curtidor desta cidade mantém uma porção de escravos, em Caravelas, só para tirar e secar carregamentos inteiros de casca de mangue. Uma grande

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embarcação veleja constantemente de um ponto para outro, transportando a casca, e é, por isso, denominada casqueiro (MAXIMILIANO, 1940, p. 220).

O zoólogo Johann Spix e o botânico Carl Martius estiveram no Brasil por três anos e meio (1817 a 1820) em importantíssima missão científica quando, entre inúmeras contribuições sobre a flora e fauna brasileiras, relataram o aproveitamento de duas espécies de mangue na produção do tanino:

A casca do mangue que, por conter muito tanino, é de importância para o curtidor, extrai-se dos manguezais do litoral da baía de Ca-mamu é exportada para a Bahia. No Brasil [...] o mangue-vermelho (Rhizophora mangle L.) dá em pedaços pesados e espessos a melhor casca; [...] o mangue-branco (Avicennia nitida, tomentosa e Conocarpus erecta L.) em pedaços finos, uma casca inferior para os curtumes (SPIX; MARTIUS, 1981, p. 192).

Para esses cientistas, o emprego desse material para curtir parece ter sido trazido pelos portugueses das Índias Orientais.

Segundo Santos (1952), a Avicennia esteve intimamente ligada à história de Santos e São Vicente em São Paulo, pois forneceu o tanino, por mais de três séculos, a todos os curtumes fundados no Sul.

De acordo com Diegues (2001) no alvará de 10 de julho de 1760, D. José I, então rei de Portugal, proibiu o corte das árvores do mangue reservadas para a exploração do tanino. Entretanto, após a retirada da casca, tais árvores poderiam ser abatidas normalmente, evidenciando que a medida tinha um caráter de proteção mais da atividade econômica em voga do que do ecossistema propriamente dito.

Finalmente, a expansão da lavoura do tabaco no Nordeste (século XVII) exigiu maior demanda de couro e, por consequência, mais extração de tanino dos mangues, transformando a produção de fumo na quinta ati-vidade econômica do Brasil-Colônia dependente dos mangues, mesmo que de uma forma indireta (Quadro 1).

Um rolo de tabaco, com oito arrobas cada um, para ser exportado tinha de ser encourado. No Recôncavo Baiano encourava-se, anualmente, cerca de vinte e cinco mil rolos, enquanto que em Pernambuco e Alagoas

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mais dois mil e quinhentos. Deste modo “[...] bem se vê quantas rezes são necessárias para encourar vinte & sete mil & quinhentos Rolos” (ANTONIL, 1711, p.187).

Além da produção de bens diretos e indiretos, não podem ser esquecidas, também no Brasil-Colônia, as formas de uso passivo deste ecossistema (Quadro 1). É comum observar, nos relatos dos viajantes e naturalistas que aqui estiveram neste período, o valor cênico creditado a este ecos-sistema. “O privilégio que tem o litoral dos trópicos de revestir-se com uma ourela sempre verde de manguezais”, comentam Spix e Martius (1981, p. 51) ao se referirem a essa formação vegetal encontrada por eles na costa do Brasil e, em particular, na foz do Rio Amazonas.

Em 1821, o pintor Rugendas (1989) não só se encantou com os man-guezais e suas aves presentes no Rio Inhomerim (RJ), como também os eternizou em uma de suas aquarelas.

Paralelamente à exploração econômica, outros tipos de usos dos manguezais eram efetuados na esteira da evolução histórica que se processou ao longo dos 315 anos do colonialismo português no Brasil (Quadro 1).

O povoamento e ocupação da colônia, bem como a edificação de casas, de colégios, de igrejas e de prédios públicos nos núcleos de povoação, demandaram a necessidade de material de construção, entre eles a cal. Dos sambaquis e dos manguezais, muitas cascas de ostras foram retiradas para a caiação das moradias e havia “[...] tantas ostras na Bahia e em outras partes, que se carregam barcos delas, muito grandes para fazerem cal da casca [...] muito boa para as obras, a qual é muito alva [...]” (SOUZA, 1971, p. 291).

Para Cardim (1980, p. 52-53), a cal retirada dos sambaquis era muito boa para guarnecer e cair, mas não muito segura para vedar água em tanques. Além disso, os propágulos “[...] emquanto são verdes estes gomos são tenros, e porque são vãos por dentros se fazem delles boas frautas”.

Muitas são as referências encontradas sobre o uso das espécies da flora e fauna dos manguezais como medicamento. Bluteau (1712, p. 135 e 137) relatou que em várias partes da América, as ostras eram encontradas penduradas nas árvores cobertas pela maré enchente. A

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concha calcinada e em pó “[...] é aperitiva, detersiva, boa para limpar os dentes, curar almorreymas & chagas”. “[...] Assim os Caranguejos, como o lodo com eles empedernido, são remédio para defluxoes & achaques do ventre”. Já Spix e Martius (1981, p. 192) observaram que o pó da casca do mangue vermelho era usado como cataplasma.

3 conSIdERAÇÕES FInAIS

Nos primórdios da história do Brasil, os manguezais encontrados ao longo do litoral deste país constituíam uma formação vegetal conhecida e percebida de diferentes modos pelos indígenas nativos, pelos portu-gueses colonizadores e pelos africanos escravos.

Tal situação facilitou a apropriação deste ecossistema e o uso direto, indireto e passivo de seus produtos, principalmente durante as dife-rentes fases econômicas desenvolvidas no cenário litorâneo do Brasil-Colônia.

Para os indígenas, o manguezal constituía um grande provedor de alimentos a céu aberto e acesso fácil. Disponível durante todo ano, a utilização deste recurso estava sujeita apenas ao conhecimento de al-gumas regras elementares de coleta seletiva de gênero e número, além da observância de sazonalidades. Embora os sambaquis, deixados por estes agrupamentos humanos, sejam considerados como as primeiras cicatrizes antrópicas no litoral brasileiro, em geral e no manguezal, em particular, as relações entre o homem e seu ambiente eram pautadas no uso sustentável dos recursos provenientes dele.

Os colonizadores chegaram à costa brasileira impregnados de pre-conceitos e temores com relação aos manguezais, sentimentos estes adquiridos ao longo do tempo e no decorrer das suas expansões e aventuras marítimas pelos litorais asiáticos e africanos.

Fundamentados na visão antropocêntrica e na percepção de uma natureza pródiga e inesgotável, uma vez aqui instalados, trataram de domar a terra “achada”, usando e abusando dos recursos naturais existentes, na tentativa de transformá-los em mercadoria de pronta entrega e lucro rápido.

Os manguezais não escaparam à regra desta apropriação descontro-lada, diretamente proporcional às necessidades básicas e prementes

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de um mercado em expansão. Deste ecossistema retiraram a lenha, a madeira, o tanino, o alimento, o barro, a lama, o medicamento e tudo mais que pudesse abastecer os navios, os engenhos e os curtumes, todos considerados emergências econômicas na época.

Se por um lado os portugueses absorveram parte dos costumes indíge-nas, por outro e muito mais fortemente, trataram de abafar as relações dos nativos com a mãe-terra, primitivas demais para seus interesses mercantilistas e aspirações espirituais da catequese.

Para os negros trazidos para o trabalho braçal na nova colônia não hou-ve grandes opções. O manguezal supriu em primeira instância a fome muitas vezes urgente e, em seguida, a deficiência de proteína imposta por uma alimentação mal balanceada no tempo em que eram homens escravos. Mais tarde, já no Brasil Império, tal ecossistema acolheu este mesmo contingente humano, livre do jugo da escravidão, mas destitu-ído de espaço e lugar para iniciar uma nova existência, agora do lado ocidental do Atlântico.

Deste amálgama de raças, culturas, credos, perspectivas, percepções e destinos, o homem brasileiro foi moldado dentro de uma complexa e conflitante relação de amor, de desprezo e ódio pela natureza. Mesmo após quinhentos anos de amadurecimento histórico, existencial e cien-tífico, ele ainda não é capaz de assimilar plenamente toda a importância ecológica e as grandes inter-relações com o meio em que vive e, muito menos, de ver o manguezal como um ecossistema ecologicamente insubstituível, socialmente generoso e economicamente produtivo.

dIFEREnTS WAYS oF uSInG ThE PRoducTS FRom mAnGRoVES In ThE mAIn PhASES oF

bRAzIl colonY EconomY

AbSTRAcT

Investigates and analyzes, using bibliographic and documented sources, the different forms of using the products from the mangroves during the principal phases of the Brazilian Colony economy, in the period between 1500 and 1822. Subdivides these products into direct used products, indirect and passive used products, relating to the activities of exploitation of pau-

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brasil, the culture and the production of sugar cane, the traffic and work of slaves in the sugar mills, the leather industry, as well as other usages, like the production of medicines, construction material and the scenic beauty.

Keywords: Coastal zone management. Mangroves – Brazil. Mangroves - economic aspects. Brazil – history - colonial period, 1500-1822.

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EXTEnSÃo SuPERSImÉTRIcA do modElo EFETIVo dE doIS TIPoS dE AuToVAloRES

Luiz Otávio Buffon1 Ozemar Souto Ventura2

RESumo

Relata a construção de uma extensão supersimétrica N=1 do modelo efetivo de dois autovalores e realizado um estudo das álgebras e dos vínculos de super Virasoro relacionados com o modelo. Apresenta no limite planar a identificação com os modelos superconformes da teoria de campos.

Palavras-chave: Autovalores. Ising, Modelo de. Teoria de campos (Física).

1 InTRoduÇÃo

Os modelos de matrizes aleatórias foram inicialmente propostos em 1950 como modelos efetivos para a física nuclear (MEHTA, 1991). Em 1985, foi descoberta sua utilidade no processo de quantização da teoria de cordas bosônicas e da gravitação em duas dimensões. Isso só foi possível porque a teoria de cordas bosônicas pode ser vista como uma teoria de campos conformes acoplados à gravidade quântica em duas dimensões, isto é, uma teoria de campos em superfícies aleatórias.

1 Doutor em Física pela Universidade de São Paulo. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: [email protected].

2 Doutor em Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Centro Universitário Vila Velha e do Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo. E-mail: [email protected].

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Uma dificuldade em teoria de cordas é obter resultados não-perturbativos. Em 1989, ocorreram progressos nessa direção usando-se modelos de matrizes juntamente com um limite contínuo de dupla escala (AMBJORN; DURHUUS; FROLICH, 1985; DAVID, 1985a, 1985b; KAZAKOV, 1985; KAZAKOV; KOSTOV; MIGDAL, 1985).

O modelo de uma matriz hermitiana pode ser resolvido através da técnica de equações de loops, obtidas a partir dos vínculos de Virasoro satisfeitos pela função de partição do modelo. Ajustando-se o potencial crítico e tomando-se um limite contínuo adequado, obtemos a família conforme ( ) ( )12,2, −= kqp , para 2≥k , que correspondem aos modelos mínimos acoplados à gravidade em duas dimensões, sendo que 2=k corresponde à gravitação pura com carga central 0=c (BRÉSIN; KAZAKOV, 1990; DOUGLAS; SHENKER, 1990; GROSS; MIGDAL, 1990).

Os vínculos de Virasoro possuem spin conforme 2=s e satisfazem a álgebra de Virasoro. Em Itoyama e Matsuo (1991a, 1991b) e Zamo-lodchikov (1985), mostraram que a função de partição do modelo de uma matriz satisfaz também a vínculos de spins superiores ,2>s associados com os geradores de uma álgebra ∞W .

Para descrever o restante da série conforme ),( qp , é necessário consi-derar os modelos de duas matrizes (DOUGLAS, 1990; DAUL; KAZAKOV, 1985). O modelo de Ising em redes aleatórias pode ser descrito por um tipo de modelo de duas matrizes hermitianas com potencial cúbico ou quadrático e acoplamento linear. A função de partição desse modelo de matrizes é um funcional gerador para a função de partição de modelos de Ising e a solução exata foi obtida em Kazakov (1986, 1989) e em Boulatov e Kazakov (1987). O modelo de duas matrizes e em geral os modelos multi-matriciais (ITOYAMA; MATSUO, 1991a, 1991b; ZAMO-LODCHIKOV, 1985), também possuem vínculos de spins superiores, denominados de vínculos W.

Os modelos baseados em autovalores são modelos efetivos obtidos a partir da diagonalização dos modelos de matrizes. A versão diagonalizada do modelo de uma matriz é denominada de modelo de um autovalor e pode ser resolvida através da técnica dos polinômios ortogonais (MEHTA, 1981; CHADHA; MAHOUX; MEHTA, 1981).

O objetivo deste trabalho é obter e resolver o modelo de dois tipos de superautovalores, que seria uma possível extensão supersimétrica do

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modelo de dois tipos de autovalores. No limite contínuo, essa versão supersimétrica pode descrever modelos superconformes mínimos ),( qp , acoplados à supergravidade em duas dimensões. Através desse modelo, talvez seja possível obter uma extensão supersimétrica para o modelo de Ising em redes aleatórias.

2 modEloS boSÔnIcoS dE mATRIzES

2.1 O MODELO DE UM TIPO DE AUTOVALOR

O modelo discreto de um tipo de autovalor )( ix é definido pela função de partição

),()(exp 2

11 ji

N

iii xxxVNdxZ −∆

Λ−= ∏∫

=∑∞

=

=0

)(k

kiki xgxV

(1)

onde N é o número de autovalores reais ),( ix kg , Λ e são constantes

de acoplamento. O termo ∏<

−=−∆N

jiiiii xxxx )()( é o determinante

de Van der Monde. De acordo com Brésin e Kazakov (1990); Douglas e Shenker (1990); Gross e Migdal (1990), este modelo apresenta transi-ção de fase para o contínuo no limite ∞→N , quando suas constantes de acoplamento se aproximam de certos valores críticos:

crkk gg → ,

crΛ→Λ . No ponto crítico, o modelo descreve teorias conformes mínimas crΛ→Λ com ∞= ,...,3,2m acopladas à gravitação em duas dimensões.

Essa interpretação aparece ao compararmos expoentes críticos com os obtidos no contínuo via teoria de Liouville. Os expoentes críticos podem ser calculados através da equação de Schwinger-Dyson.

2.2 SOLUÇÃO INTERATIVA DO MODELO DE UM TIPO DE AUTOVALOR

A equação de loop do modelo de um tipo de autovalor definido em (1) é da forma [ ] 0)()()(2 =′+ −ppVp ωω , (2)

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onde ( ) ∑∑∑∞

= =+

=

=−

=0 1

11

1)(n

N

ini

N

i px

xppω .

O termo do tipo [ ]−)( pf indica potências negativas de p. Essa equação de Schwinger-Dyson é não perturbativa. Usando a identidade abaixo para os loops microscópicos,

k

N

i

kik g

ZxN ∂

∂=

Λ−= ∑

=

1

1ω ,

a equação (2) pode ser decomposta numa série de equações diferenciais

para a energia livre [ ]FNZF 21 exp( = , do tipo:

∑∞

= −−+

=

∂∂∂Λ

+∂∂

∂∂

Λ+∂∂

0

2

2

22 0

k knkknkknk gg

FNg

FgF

gFkg ,

onde .1−≥n A energia livre pode ser expandida em potências de 2/1 N , da forma:

...42

21

0 +++=NF

NFFF

No limite planar ∞→N obtemos a resolução perturbativa do modelo. A resolução não-perturbativa é feita através de uma transformação de variáveis em Ambjorn (1993). Esse método já foi generalizado para o modelo supersimétrico de um superautovalor em Plefka (1995).

2.3 O MODELO DE DOIS TIPOS DE AUTOVALORES

O modelo discreto de dois tipos de autovalores ),( ii yx é definido pela função de partição

)()(),(exp1

2 jiji

N

iiiii yyxxyxUNdydxZ −∆−∆

Λ−= ∏∫

=

, (3)

onde o potencial é ( )∑∞

=

−+=0

),(k

iikik

kikii ycxyfxgyxU , sendo

cfg kk ,, constantes de acoplamento. O modelo de Ising corresponde à escolha do potencial cúbico. O parâmetro N é o número de autovalores reais. A equação de Schwinger-Dyson do modelo de Ising em redes

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aleatórias foi deduzida no limite planar )( ∞→N usando a formulação de matrizes ao invés de autovalores (BRÉZIN et al., 1978; GAVA; NA-RAIN, 1991; MIGDAL, 1983; STAUDACHER, 1993).

3 EXTEnSÕES SuPERSImÉTRIcAS doS modEloS EFETIVoS dE AuToVAloRES

3.1 EXTENSÃO SUPERSIMÉTRICA DO MODELO EFETIVO DE UM TIPO DE AUTOVALOR

O modelo de um superautovalor foi construído em Alvarez-Gaumé (1992) e é definido através da função de partição

( )∏∏∫<=

Λ−

−−

=

N

jij

,iji

N

i

VN

iiS xxeddxZ

iSS θθθ

11

onde ix são os autovalores bosônicos e iθ seus companheiros super-simétricos grassmanianos. O potencial supersimétrico mais geral sem interação nos autovalores é

( )∑∞

=

+=0k

ikkkiiS gxV θψ ,

sendo SΛ e kg constantes de acoplamento bosônicas e kψ acoplamen-tos fermiônicos. Este modelo, de forma análoga ao bosônico, pode ser resolvido via equações de Schwinger-Dyson (equações de superloops), obtidas a partir dos vínculos de supervirasoro bosônicos e fermiônicos, de spins respectivamente dados por .2,2/3=s Os vínculos são:

0,ˆˆ1

211 ==

+

Sm

SSn ZGZL 1−≥n .

Integrando sobre os autovalores fermiônicos, obtemos

)()(1

QPfxedxZ UefN

iief ∆

= −

=∏∫ ,

onde

∑∑∑=≠

= ≥

−=N

jijiji

ki

N

i kkef QxgU

1

12

1 0 2ξξ

ββ ,

sendo S

=β , ,∑≥

=0k

kiki xψξ ∏

<

−=∆N

jiji xxx ) e()( ( )1

21 −−−= jiij xxQ .

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300

Tomando-se um limite planar contínuo adequado (ALVAREZ-GAUMÉ, 1992; ABDALLA et al., 1994), é possível obter a família ( ) ( ) 1,4,2, ≥= mmqp de modelos superconformes mínimos acoplados à supergravidade em duas dimensões. A supergravidade pura corresponde ao caso m=1.

Em Buffon, Dalmazi e Zadra (1996; 1997), foram obtidos infinitos vínculos de spins superiores pares ,...,6,4=s deste modelo 0ˆ

1)( =SsS

n ZW e verificou-se que eles são redutíveis aos vínculos de supervirasoro. Estes vínculos estão associados com os geradores bosônicos da extensão

N=1 da álgebra ∞W , denominada de álgebra super

⊕ ∞+∞

21

2

WW N=1.

Um estudo completo dessas álgebras ∞W clássica e quântica de spins 2/3≥s foi feito. Foram encontradas duas álgebras clássicas distintas

dadas em termos de parênteses de Poisson graduados no superespaço de fase, porém, quanticamente, somente uma delas sobrevive e é dada em termos de anticomutadores. Essas estruturas algébricas são úteis na resolução do modelo de superautovalores. Assim como foi feito no caso bosônico, essa estrutura algébrica pode ser usada para a resolução do modelo de dois tipos de superautovalores.

3.2 EXTENSÃO SUPERSIMÉTRICA DO MODELO EFETIVO DE DOIS TIPOS DE AUTOVALORES

O Modelo de dois tipos de superautovalores é a extensão supersimétrica N=1 do modelo de duas matrizes. É obtido através da supersimetriza-ção do modelo efetivo de dois autovalores. Sua função de partição é dada em termos de dois conjuntos de autovalores bosônicos e de seus companheiros fermiônicos. O modelo obtido é muito geral, pois possui todos os acoplamentos diferentes de zero. Espera-se que algum caso particular deste modelo seja a extensão supersimétrica do modelo de Ising em redes aleatórias. Este modelo será o primeiro modelo unitário de matéria conformemente acoplada à supergravidade.

A ideia é que em vez de trabalhar com o modelo de duas matrizes e tentar obter a versão supersimétrica baseada em supermatrizes, vamos trabalhar com o modelo de dois tipos de autovalores e obter sua versão supersimétrica .1=N

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301

3.2.1 Definição do Modelo

A função de partição é

( )θθττ

θθθθ,,,

2

2

),(),(yxUN

S

SSe ,yxDyDDxDZ Λ

∆∆= ∫ (4)

onde ∏=

=N

iiiii dddydxDyDDxD

1

θθθθ é a medida de integração, sendo

ix e iy os autovalores bosônicos, iθ e iθ seus respectivos companhei-ros supersimétricos. O parâmetro SΛ é a constante cosmológica deste modelo supersimétrico. Este modelo é denominado de modelo de dois tipos de superautovalores. O potencial supersimétrico é

( ) ∑ ∑ ∑ ∑ ∑= ≥ ≥ ≥ ≥

+++==N

i lk lk lk lk

li

kikli

li

kikli

li

kiklii

li

kiklSS yxyxyxfyxgyxUU

1 0, 0, 0, 0,22 ,,, ψθψθθθθθ ,

onde klg e klf são acoplamentos bosônicos, e klψ e klψ são acoplamentos fermiônicos. O expoente τ ainda é indeterminado, pois não conhecemos o modelo de matriz que corresponde a esse modelo efetivo. Vamos con-

siderar ( ) ( )∏<

−−=∆ji

jiji xxx θθθ, e ( ) ( )∏<

−−=∆ji

jiji yyy θθθ, .

As constantes de acoplamento devem ser sintonizadas precisamente para que o modelo apresente comportamento universal no limite de dupla escala cSSN Λ→Λ∞→ , . Isso pode ser feito através da equação de Schwinger-Dyson do modelo.

3.2.2 os Vínculos e a álgebra de Supervirasoro

Os vínculos de supervirasoro podem ser calculados através da invariância da função de partição em relação as transformações de supersimetria em ix e iθ :

1+= niinin xx θεδ 1+−= n

inin xεθδ, , 1−≥n ,

onde nε é um parâmetro infinitesimal anticomutante. Os gera-dores destas transformações são os operadores diferenciais

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302

∑=

++

∂∂

−∂∂

=N

i i

ni

i

niin x

xxg

1

11

θθ . As variações geradas por essas trans-

formações são:

Na medida:

[ ] ( ) θθεθδ DxDxnDxDN

i

niinn

+= ∑

=11 .

Em ( )θτ ,x∆ :

nδ ( )=θτ ,x∆ τ ( )θτ ,x∆ ∑∑≠ =

ji

n

k

knj

kiin xx

0θε .

No potencial:

∑ ∑ ∑ ∑ ∑= ≥ ≥ ≥ ≥

++++++

+−−=N

i lk lk lk lk

li

nkiklii

li

kniikl

li

knikl

li

nkiiklnSn yxkyxfyxyxkgU

1 0, 0, 0, 0,

112 ψθθθψθεδ

.

Impondo que a função de partição seja invariante por estas transforma-ções 0=SnZδ , obtemos a identidade de Ward

( )( ) ++

+−∆∆ ∑∑∑∑∫=

= ==

N

j

knj

n

k

N

i

kii

N

i

nii xxxnyxDyDDxD

10 1111),(),( θτθτθθθθ ττ

∑ ∑ ∑ ∑∑ ∑≥ = ≥ =

++++

≥ =

+ +

Λ

−−

Λ

−−

Λ

−0, 1 0, 1

11

0, 1 lk

N

i lk

N

i

li

nkii

Skl

li

nki

Skl

lk

N

i

li

nkii

Skl yxNfyxNyxNkg θψθ

0),,,(

10,=

Λ

− Λ−

=

+

≥∑∑ n

yxUNN

i

li

nkiii

Slkkl

SSeyxNk εθθψ

θθ

Escrevendo os termos acima como derivadas de ),,,( θθ yxUN S

Se Λ−

em re-lação aos acoplamentos, encontramos o gerador aniquilando a função de partição

( )1,0ˆ),(),(ˆ ,,,

2/122/1

2

−≥=∆∆= Λ−

++ ∫ neGyxDyDDxDZGyxUN

nSn

SS

θθττ

θθθθ ,

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Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

303

onde

{lnklk

kln

Sn

k kkn

Sn kgn

NgNG

,0,00 00,

22

2/1 )1()1(ˆ+≥= −

+ ∂∂

+∂∂

−−∂∂

Λ= ∑∑ ψψ

τψ

τ

∂∂

−∂

∂−

∂∂

++++++ lnk

kllnk

kllnk

kl fkf

g ,,1,1

ψψ

ψ.

Vamos considerar também as outras transformações de supersimetria

1+= n

iinin yy θεδ , ,1+−= ninin yεθδ .1−≥n Os geradores destas

transformações são os operadores diferenciais ∑=

++

∂∂

−∂∂

=N

i i

ni

i

niin y

yyg

1

11

θθ .

Seguindo o mesmo procedimento de impor que a variação da função de

partição é nula, chegamos ao vínculo 1,0ˆ22/1 −≥=+ nZG Sn , onde

{nlklk

kln

Sn

k kkn

Sn kgn

NgNG

+≥= −+ ∂

∂+

∂∂

−−∂∂

Λ= ∑∑

,0,00 0,0

22

2/1 )1()1(ˆψψ

τψ

τ

∂∂

+∂

∂+

∂∂

++++++ 1,1,, lnk

kllnk

klnlk

kl gf

fl ψ

ψψ .

Os dois geradores fermiônicos anticomutam 0ˆ,ˆ2/12/1 =

+++ mn GG . Então

as duas álgebras de super Virasoro são desacopladas, como no modelo de duas matrizes hermitianas. Para obtermos o gerador S

nL̂ , calculamos

o anticomutador [ ]+++ 2/12/1ˆ,ˆmn GG e impomos que eles satisfaçam à

álgebra de super Virasoro. Assim, temos:

∑∑= −

= −−

+∂∂∂

Λ+

∂∂

−−∂∂∂

−−

Λ=

n

k knk

S

n

Sn

k knk

SSn ggNg

nN

knN

L0 0,0,

22

0

1

0 0,10,

22

2)1(

2)1()21(

4ˆ τ

τψψ

τ

{

∂∂

+∂∂

+++∂∂

+++∂∂

++++≥∑

lnkkl

lnkkl

lnkkl

lnklkkl k

ffknkn

gkg

,,,,0,)12(

21)12(

21

ψψ

ψψ .

Através do anticomutador +

++

2/12/1ˆ,ˆmn GG , obtemos:

∑∑= −

= −−

+∂∂∂

Λ+∂∂

−−∂∂∂

−−

Λ=n

k knk

S

n

Sn

k knk

SSn ggNg

nN

knN

L0 ,0,0

22

0

1

0 1,0,0

22

2)1(

2)1()21(

4ˆ τ

τψψ

τ

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Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

304

{

∂∂

+∂∂

+++∂∂

+++∂∂

++++≥∑

nlkkl

nlkkl

nlkkl

lnklkkl gf

flnlnl,,,,0,

lg)12(21)12(

21

ψψ

ψψ

.

Os operadores Sn

Snnn LLGG ˆ,ˆ,ˆ,ˆ

2/12/1 ++ formam a extensão supersimétri-

ca dos operadores de Virasoro que atuam no modelo bosônico de duas matrizes. Esses vínculos aniquilam a função de partição su-

persimétrica 0ˆ,ˆ,ˆ,ˆ2/12/1 =

++ SSn

Snnn ZLLGG . A álgebra de supervirasoro

formada por eles é:[ ] Smnmn LGG 12/12/1

ˆ2ˆ,ˆ+++ , ,++ = [ ] S

mnS

mSn LmnLL +−= ˆ)(ˆ,ˆ

[ ] 2/12/1ˆ)12(

21ˆ,ˆ

+++ −−= nmmSn GmnGL .Os ope radores com ba r -

ras formam uma álgebra idêntica. O desacoplamento é dado por

[ ] 0 eˆ,ˆ =Sm

Sn LL 0ˆ,ˆ

2/12/1 =

+++ mn GG .

3.2.3 Equações de Schwinger-Dyson Supersimétricas e Limite Planar

As Equações de Schwinger-Dyson supersimétricas são as equações de superloops do modelo. Para obtê-las, definimos a energia livre do mode-

lo [ ]SS ZN

F 222 log1= . Considerando a expressão 0ˆ11

22/12

2 =+ SnS

ZGZN

,

obtemos o vínculo em termos de energia livre. No limite planar ∞→N ,

os termos contendo as derivadas segunda da energia livre proporcionais

a 2/1 N são desprezados, restando:

{ 0,

2

,1

2

,1

2

,

2

0,0 0,

2

0,

22 =

∂∂

−∂∂

−∂∂

+∂∂

+∂∂

∂∂

Λ++++++≥= −

∑∑lnk

Skl

lnk

Skl

lnk

Skl

lnk

S

lkkl

n

k k

S

kn

SS

fFkFf

gFFkgF

gF

ψψ

ψψψ

τ .

A equação para SnL̂ no limite planar ∞→N é:

{

∂∂

+∂∂

+++∂∂

+++∂∂

++++≥∑

lnk

Skl

lnk

Skl

lnk

Skl

lnk

S

lkkl

FkfFfknFkn

gFkg

,

2

,

2

,

2

,

2

0,)12(

21)12(

21

ψψ

ψψ

Page 145: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

305

02

)21(4 0,

2

0 0,

221

0 0,1

2

0,

22

=

∂∂

∂∂Λ

+

∂∂

∂∂

−−Λ

+−=

= −−∑∑

kn

Sn

k k

SSn

k kn

S

k

SS

gF

gFFF

knτ

ψψτ

.

As médias dos superloops microscópicos bosônicos e fermiônicos são funções de um ponto definidas como:

∑=

Λ=

∂∂Λ

−=N

i

li

kS

kl

S

S

Sklg yx

NgZ

ZN i1

2

22

2)( 1

ω ∑=

Λ=

∂∂Λ

−=N

i

li

ki

S

kl

S

S

Skl yxN

ZZN i

1

2

22

2)( 1

θψ

ν, ψ , (5)

∑=

Λ=

∂∂Λ

−=N

i

li

kii

S

kl

S

S

Sklf yx

NfZ

ZN i1

2

22

2)( 1

θθω ∑=

Λ−=

∂∂Λ

−=N

i

li

ki

S

kl

S

S

Skl yxN

ZZN i

1

2

22

2)( 1

θψ

ν, ψ , e Sg Λ=)00(ω . Usando estes loops obtemos a equação de superloops

para 2/1ˆ

+nG

[ ]∑ ∑≥ =

−++++++ =−−+0, 0

)0()0,(),(),1(),1(),(

lk

n

k

kkng

lnkfkl

lnkkl

lnkgkl

lnkkl kfkg ψψψ νωτωψνωψν .

Para SnL̂ , encontramos

∑≥

++++ =

+++++++

0,

),(),(),(),( )12(21)12(

21

lk

lnkkl

lnkfkl

lnkkl

lnkgkl kfknknkg ψψ νψωνψω

∑∑−

=

−−

=

− −−+=1

0

)0,1()0,(

0

)0,()0,( )21(42

n

k

knkn

k

kng

kg kn ψψ νν

τωω

τ.

Definimos também os seguintes geradores para os superloops micros-cópicos:

∑≥

+=0

1

)()( )(

mm

mlgl

g pp

ωω ∑

≥+=

01

)()( )(

mm

mll

pp ψ

ψ

νν, ,

∑≥

+=0

1

)()( )(

mm

mlfl

f pp

ωω ∑

≥+=

01

)()( )(

mm

mll

pp ψ

ψ

νν, .

E as partes do potencial

∑≥

=0

)( )0,(k

kkl

lg xgxU ∑

=0

)( )0,(k

kkl

lf xfxU,

,

∑≥

=0

)( )0,(k

kkl

l xxU ψψ ∑≥

=0

)( )0,(k

kkl

l xxU, ψψ

.

Assim, as equações de superloops para os geradores são:

Page 146: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

306

Para 2/1ˆ

+nG

{ }∑≥

+′−−+′0

)()()()()()()()()( )()()0,()()0,()()0,()()0,(l

llf

lllf

lg

lllg pQppUppUppUppU ωνων ψψψψ

0)()( )0()0( =− ppg ψντω , (6)

onde,

∑ ∑ ∑ ∑∑ ∑≥

+

= ≥

+

=

−+−−+−

≥ =

−− ++−−=1

1

2 1

1

2

2),1(2),1(

2 2

2),()( )(k

k

m k

k

m

mlmkkl

mlmkgkl

k

k

m

mlmkkl

l pfppkgpQ ψψ νωψν

∑ ∑≥ =

−−+2 2

2),(

k

k

m

mlmkfkl pk ωψ

.

Para nSL̂

[ ] [ ]∑≥ ′+′−′+′

0

)()()()()()()()( )()0,(21)()0,()()0,(

21)()0,(

l

lf

lf

lllllg

lg ppUppUppUppU ωννω ψψψψ

[ ] [ ] 0)()(2

)(2

)()()0,()()0,(21 )0()0(2)0()()()()()( =′+−

+′+′− ppppTppUppU g

llllf

lf ψψψψ νν

τω

τνω (7)

onde

∑ ∑∑ ∑≥ =

−−

≥ =

−− −+−−−=2 2

2),(

2 2

2),()( )12(21)(k

k

m

mlmkkl

k

k

m

mlmkgkl

l pmkpkgpT ψνψω

∑ ∑∑ ∑≥ =

−−

≥ =

−− −+−2 2

2),(

2 2

2),()12(21

k

k

m

mlmkkl

k

k

m

mlmkfkl pkpmkf ψνψω

.

Para os operadores 2/1ˆ

+nG e nSL̂ , temos as equações de superloops

no limite planar:

{ 01,

2

1,

2

,

2

,

2

0,0 ,0

2

,0

22 =

∂∂

+∂∂

+∂∂

+∂∂

+∂∂

∂∂

Λ++++++≥= −

∑∑lnk

Skl

lnk

Skl

nlk

Skl

nlk

S

lkkl

n

k kn

S

k

SS

gFFf

fFlFgl

gFF

ψψ

ψψψ

τ .

( ) ( )

.02

)21(4

212121

21

,0

2

,0

2

0

2

1,0

2

,0

21

0

2

0, ,

2

,

2

,

2

,

2

=

∂∂

∂∂Λ

+

∂∂

∂∂

−−Λ

+

∂∂

+++∂∂

+∂∂

+++∂∂

−=−−

=

≥ ++++

∑∑

kn

S

k

Sn

k

S

kn

S

k

Sn

k

S

lk lnk

Skl

lnk

Skl

lnk

Skl

lnk

Skl

gF

gFFFkn

FlngFgl

fFflnFl

τψψ

τ

ψψ

ψψ

Page 147: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

307

Usando os loops (5) obtemos as equações de superloops para 2/1ˆ

+nG

[ ]∑ ∑≥ =

−++++++ =+++0, 0

),0()0()1,()1,(),(),(

lk

n

k

kng

knlkgkl

nlkkl

nlkfkl

nlkkl flgl ωντωψνωψν ψψψ .

Para SnL̂ , encontramos

∑≥

++++ =

+++++++

0,

),(),(),(),( )12(21)12(

21

lk

nlkkl

nlkfkl

nlkkl

nlkgkl lflnlngl ψψ νψωνψω

∑∑−

=

−−

=

− −−+=1

0

)1,0()0(

0

),0()0( )21(42

n

k

knkn

k

kng

kg kn ψψ νν

τωω

τ.

Definimos, nesse caso, os seguintes geradores para os superloops microscópicos:

∑≥

+=0

1

)()( )(

mm

kmgk

g pp

ωω ∑

≥+=

01

)()( )(

mm

kmk

pp ψ

ψ

νν,

,

∑≥

+=0

1

)()( )(

mm

kmfk

f pp

ωω ∑

≥+=

01

)()( )(

mm

kmk

pp ψ

ψ

νν,

,

e as partes do potencial

∑≥

=0

)( ),0(l

lkl

kg ygyU ∑

=0

)( ),0(l

lkl

kf yfyU, ,

∑≥

=0

)( ),0(l

lkl

k yyU ψψ ∑≥

=0

)( ),0(l

lkl

k yyU, ψψ .

Assim, as equações de superloops para os geradores são:

Para 2/1ˆ

+nG

{ }∑≥

+++′+′0

)()()()()()()()()( )()(),0()(),0()(),0()(),0(k

kkg

kkkf

kf

kkkg pQppUppUppUppU ωνων ψψψψ

0)()( )0()0( =− pp gωντ ψ , (8)

onde,

Page 148: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

308

∑ ∑ ∑ ∑∑ ∑≥ = ≥

+

=

−+−−−

≥ =

−− +−−−=2 2 1

1

2

2)1,(2),(

2 2

2),()( )(l

l

m l

l

m

mmlkkl

mmlkfkl

k

l

m

mmlkkl

k pfplpglpQ ψψ νωψν

∑ ∑≥

+

=

−+−−1

1

2

2)1,(

l

l

m

mmlkgkl pωψ .

Para nSL̂

[ ] [ ]∑≥ ′+′−′+′

0

)()()()()()()()( )(),0(21)(),0()(),0(

21)(),0(

k

kf

kf

kkkkkg

kg ppUppUppUppU ωννω ψψψψ

[ ] } [ ] 0)()(2

)(2

)()(),0()(),0(21 )0()0(2)0()()()()()( =′+−+′+′− ppppTppUppU g

kkkkf

lf ψψψψ νν

τω

τνω (9)

onde

∑ ∑∑ ∑≥ =

−−

≥ =

−− −+−−−=2 2

2),(

2 2

2),()( )12(21lg)(l

l

m

mmlkkl

l

l

m

mmlkgkl

k pmlppT ψνψω

∑ ∑∑ ∑≥ =

−−

≥ =

−− −+−2 2

2),(

2 2

2),()12(21

l

l

m

mmlkkl

k

l

m

mmlkfkl plpmlf ψνψω

.

As equações de superloops (6), (7), (8) e (9), podem ser usadas para resolver o modelo de dois superautovalores. Contudo, devido ao grande número de variáveis de loops essa resolução é complexa e necessitará de novas equações de superloops provenientes de vínculos de ordem superiores.

O modelo que estamos usando é muito geral. O modelo de Ising em redes aleatórias é descrito pelo modelo bosônico com acoplamento line-ar. Assim, podemos estudar casos particulares mais simples do modelo supersimétrico generalizado. Um exemplo é a redução:

cfcggggg kkkkkkkk ====== 00001100 ,,,,, ψψψψ .

O potencial fica na forma

( ) [ ]∑ ∑= ≥

+++++=N

i kiiii

kiki

kik

kiki

kikS cyxyygxxgyxU

1 02 ,,, θθψθψθθθ .

Os acoplamentos fermiônicos devem ser nulos nos pontos críticos e são usados como fontes para derivarmos a função de partição para obtermos os loops fermiônicos microscópicos.

Page 149: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

309

3.2.4 Integração sobre os Autovalores Fermiônicos

Nessa seção, vamos considerar a função de partição (4) e fazer uma in-tegração sobre as variáveis fermiônicas tomando o limite planar ∞→N . Para isso, vamos rescrever o potencial supersimétrico na forma

{ }∑=

+++=≡N

iiiiiiiiiS fgUU

12

~ ψθψθθθββ ,

sendo

S

=β ∑≥

=0,lk

li

kikli yxgg, , , ,∑

=0,lk

li

kikli yxff ∑

=0,lk

li

kikli yxψψ ∑

=0,lk

li

kikli yxψψ .

Decompondo os termos

∑∆=∆ =

−N

jijijiF

exx 1,2)(),(θθ

τ

ττ θ∑

∆=∆, =

−N

jijiji F

eyy 1,2)(),(θθ

τ

ττ θ ,

onde ( ) 1−−= jiij xxF ( ) 1−−= jiij yyF, e 0== iiii FF . Redefinindo as variáveis

( )NNi ψψψψ ...... 11≡Γ ( )NNi θθθθη, ...... 11≡ ,

obtemos a função de partição

Γ−+

−∆∆= ∑ ∑∑∫

= ==

N

ji

N

iijiji

N

iiS i

GgyxDxDyDZ2

1,

2

112 exp)()( ηβηηβη ττ

,

onde

∏=

≡N

iidD

2

1

ηη

−−=

ijiji

ijiij

Ff

fFG,

22

22τ

δβ

δβτ

(10).

Fazendo a mudança de variáveis iii χηη +=~ikii G Γ−= −1

χe encontra-mos a função de partição

( ) .~~exp~exp)()(2

1,

2

1

2

1,12 ∫ ∑∏∫

∑ Γ++

∑−∆∆=

====j

N

fiiji

N

ii

N

jiijiijiji

N

iiS GdGgyxDxDyZ ηηηδβχχχβττ

Page 150: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

310

Usando a integral de formas quadráticas para férmions dada por

)(~~exp~ 2

1,

2

1

GPfGd j

N

fiiji

N

ii =

∫ ∑∏

==

ηηη ,

encontramos o modelo efetivo bosônico

( ) )2(41exp)()(

2

1,

12

1GPfGgyxDxDyZef

N

jijiji

N

ii

∑ ΓΓ+

∑−∆∆=

=

=∫ ββττ

.

Usando (10), obtemos

[ ][ ])()()()(2

)1(2

1

2/

0

22 FPfFPffeyxDxDyaN

Zefa

ll

UN

a

aaNa ef

∆∆

−= ∏∫∑

=

=

− ττβτ ,

onde

( ) .41 2

1,

12

1∑ ΓΓ−

∑=

=

=

N

jijiji

N

iief GgU ββ

Se anularmos os acoplamentos bosônicos 0=if , os pffafianos se de-sacoplam em dois e a função de partição fica na forma

[ ][ ])()()()( FPfFPfe .yxDxDyZef efUN −∆∆= ∫ τττ

Se anu la rmos também os acop lamentos fe rm iôn icos 00 ==→== iiklkl ψψψψ e 0=Γi , o modelo efetivo pode ser identi-

ficado com um modelo puramente bosônico.

3.2.5 limite Planar

Usando a aproximação de ponto de sela e o limite planar ∞→N , ob-teremos informações sobre o comportamento crítico do modelo. Expo-nenciando os pffafianos temos

[ ] [ ]{ })(log)(logexp)()( FPfFPfeyxDxDyZef efUN +∆∆= −∫ τττ .

Page 151: Scientia vol.09 nº02

Scientia: Rev. Cent. Univ. Vila Velha, Vila Velha (ES), v. 9, n. 2, p. 295-317, jul./dez. 2008

311

O pffafiano é definido como

( )NN

piiii

pspermutaçõeii

nN FFFFPf ,,

)0(, 14321

...)1(21

−∑≥

−= ,

sendo NN iiiiii <<< −14321 ,...,, . A soma é sobre todas as 4/)1( −NN configurações obtidas nas pn permutações possíveis. Vamos analisar o termo )log(SJ = , onde

∑∑≥≥

−−≤−=

)0(,,,,,

)0(, 1432114321

......)1(pspermutaçõe

iiiiiiiiiipspermutaçõe

iin

NNNN

p FFFFFFS,

NN iiiiii FFFmáximoNNS ,,, 1432'...

4)1(

−≤ .

Assim, temos para o logaritmo

[ ]NN iiiiii FFFmáximoNNSJ ,,, 1432'

...log4

)1(log)log(−

+ .

≤= (11)

Eliminando o primeiro termo, podemos analisar o comportamento crítico do modelo somente baseado no segundo termo. Quando tomamos o

limite contínuo ∞→N , temos )(1

11, xuN

xxF

kkkk −→

−=

++ , onde

xzxu∂∂

=)( é

uma densidade de autovalores e ./ Nkz = Assim, temos:

1

1 /2/1, !

11−

≥ =−

++

∂∂

−→−

= ∑ω

ω

ω

ω

ω

ω Nkzlkklkk z

xNl

xxF .

Vamos definir NNFFFF ,134120 ... −= como o primeiro termo do pffafiano que tem os índices ordenados. Tomando o limite ∞→N pode-se mostrar que

pFF >0 , onde pF são os outros termos com permutações nos índices. Por exemplo, se NNp FFFF ,12413 ... −= , temos:

Nz

Nzp

zxzx

FFFF

FF

/2

/3

3412

2413

0 41

=

=

∂∂∂∂

→= → 041 FFp ≈ .

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312

Num outro caso em que NNNNp FFFFF ,22,3341,1 ... −−−= , temos:

∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

→=

=≥=≥

−==

∑∑Nz

s

s

sNz

NNzNz

NN

NNp

zx

szx

zx

zx

NFFFF

FF

/21/11

/)1(/12

,112

21,1

0

!1

!1

1

ω

ω

ω ω

→ 02

1 FN

Fp ≈ .

Assim, NN iiiiii FFFmáximoF ,,0 14321

...−

= e usando (11), encontramos

[ ]

−=≤ ∏

= −

2/

1 2120

1loglogN

j jj xxFJ .

No limite contínuo essa expressão se reduz para

[ ] ∫≈≤1

00 )](log[

2log xudzNFJ .

Fazendo a mesma análise para o outro pffafiano, obtemos o modelo efetivo

[ ] [ ]{ }00 loglogexp)()( F ,FeyxDxDyZef efUN +∆∆≈ −∫ τττ (12)

onde NNFFFF ,134120 ... −= e [ ] ∫≈1

00 )](log[

2log yvdNF ω , sendo

yyv

∂∂

=ω)( uma

densidade de autovalores. Ao calcularmos a energia livre a partir de (2.3.8), temos

[ ] [ ] [ ] [ ][ ]0022 loglog)(log)(log1lim)( FFyxUN

gF efNS ++∆+∆+−−= ∞→ττ .

Os termos provenientes de efU e dos Van der monde são proporcionais a 2N . Assim, concluímos que os termos provenientes do pffafiano são desprezíveis. Dessa forma, nesse limite N, quando integramos sobre os férmions e anulamos os acoplamentos fermiônicos, o modelo efetivo tem o mesmo comportamento crítico que o modelo puramente bosônico de dois autovalores, dado por

−∆∆= ∑∫

=

N

iiB gyxDxDyZ

1exp)()( βττ

(13)

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Assim, suas energias livres são proporcionais, BS FF ≈2 . Nessa apro-ximação, podemos usar os resultados já conhecidos para o modelo bosônico de duas matrizes e encontrar o comportamento crítico do modelo de dois superautovalores. Os expoentes serão os mesmos, mas as constantes cosmológicas são diferentes.

3.2.6 Identificação dos Modelos Superconformes

O estudo do comportamento crítico do modelo de dois superautovalores será baseado na equivalência com o modelo bosônico de dois autovalores e na relação dimensional entre as constantes cosmológicas. Mesmo nessa abordagem aproximada, é possível identificar quais modelos superconformes acoplados à supergravidade o modelo supersimétrico pode descrever.

Temos interesse na versão supersimétrica do modelo de Ising em redes aleatórias. Sabemos que o modelo de Ising bosônico é descrito por um modelo de duas matrizes bosônicas, com um potencial cúbico e inte-ração linear entre as matrizes. Para esse modelo, 1=τ . Após o limite contínuo, encontramos o seguinte escalonamento kk

B tF µ≈≈ , sendo t uma variável de escala interpretada como a constante cosmológica renormalizada, e µ a constante cosmológica física. Neste caso, temos

µ=t . Na linguagem de teorias de campos conformes, o modelo de Ising é representado por )3,4(),( =pq e é unitário.

Na formulação do contínuo, a função de partição tem a escala

+−− ≈≈ αβ µ //,

QQcontinuoB

mínimotZ .

Impondo a equivalência das duas formulações e usando que

pqQQ

+=−=−+

1minβα

, encontramos

37

min

==−=−+

kQQβα

.

Assim, para o modelo de Ising, temos

IsingsttFB

γµµ −≡≈≈ 23/73/7,

onde 3/1−=Isingtγ é a sua susceptibilidade.

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Vamos analisar o modelo de dois superautovalores. Após a integração nos férmions, com acoplamentos fermiônicos nulos e no limite planar

∞→N , concluímos que a energia livre do modelo supersimétrico é pro-porcional à energia livre do modelo bosônico puro de dois autovalores definidos em (13). Considerando a parte bosônica do potencial do nosso modelo idêntica ao potencial do modelo de Ising e ,1=τ concluímos que a energia livre supersimétrica é proporcional à bosônica, isto é,

3/73/7 µ≈≈≈ tFF BS. Supondo que as constantes cosmológicas dos

dois modelos obedeçam à mesma relação dimensional do modelo de uma matriz, temos 2

Sµµ ≈ . Assim,

3/143/7SS tF µ≈≈ .

Contudo, da formulação no contínuo, temos:

≈continuoSZ +−− ≈ αβ µ // Q

SQ mínimot ,

e que

37

2)(2

min

=−++

=qpqpQ

β 3141 =+=−,

+ qpQ

α.

Identificando a energia livre SF e a função de partição ScontinuaZ , te-mos, )3,11(),( =pq que é um modelo não unitário de carga central

33/95ˆ −=c . Neste caso, 8=− pq é par, o que é característico dos modelos supersimétricos.

4 conSIdERAÇÕES FInAIS

O modelo de uma matriz pode ser resolvido no limite planar com a apro-ximação de ponto de sela, permitindo calcular alguns expoentes críticos conformes e identificando o modelo. Fazendo isso no modelo de supe-rautovalores, é possível mostrar que em ordem zero dos acoplamentos fermiônicos, este modelo tem o mesmo comportamento crítico que o modelo bosônico. Analogamente, o modelo de dois superautovalores, em ordem zero nos acoplamentos fermiônicos, tem o mesmo compor-tamento crítico que o modelo bosônico de duas matrizes.

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315

Concluímos que o modelo de dois superautovalores, com potencial bosônico cúbico e acoplamento linear nas matrizes, no limite contínuo, parece corresponder a um modelo não unitário. Contudo, gostaríamos de obter um modelo supersimétrico que fosse unitário como um modelo estatístico em super-redes aleatórias. Se considerarmos a parte bosônica do potencial quadrático, o modelo tem comportamento crítico que pode ser unitário. Isso é o que acontece no modelo de superautovalores que descreve a supergravidade pura 0=c )4,2(),, ( =qp 1e =m , e , isto é, potencial quadrático ou gaussiano. A resolução do modelo de dois superautovalores numa forma mais geral pode fornecer uma descrição do modelo de Ising em redes aleatórias.

EFFEcTIVE SuPERSYmmETRIc EXTEnSIon oF ThE modEl oF TWo KIndS oF EIGEnVAluES

AbSTRAcT

Reports the construction a N = 1 supersymmetric extension of the effec-tive model of two eigenvalues and we did a study of algebra and links related to the super Virasoro model. Presents on planar boundary the identification with superconformes models of field theory.

Keywords: Eigenvalues. Ising model. Field theory (Physics).

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correspondência para/reprint request to: Luiz Otávio BuffonRua Promotor Diógenes Malacarne, 14Solon Borges29072-035 – Vitória - ES, Brasil

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o cAmInho PARA AS cIdAdES: culTuRA PolÍTIcA, uRbAnIzAÇÃo E SocIAbIlIdAdE no bRASIl

Augusto Cesar Salomão Mozine1

RESumo

Aborda o processo de urbanização brasileiro partindo dos reflexos co-loniais, no que diz respeito à cultura política e à sociabilidade nacional. Explora a contribuição de proeminentes sociólogos brasileiros, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira, para traçar um perfil de aproximação entre a situação política nacional e o avanço em direção às cidades, ressal-tando os aspectos políticos da sociabilidade que marcaram momentos históricos nacionais. Aponta a perspectiva negativista da cultura política na consolidação do processo urbano do Brasil, culminando em uma era de indeterminação.

Palavras-chave: Urbanização – Brasil. Cultura política. Sociabilidade.

1 InTRoduÇÃo

O processo de urbanização no Brasil é um fenômeno intrinsecamente ligado às fases político-econômicas pelas quais o país passou. De fato, momentos históricos como a Colonização, a Regência, o Império e as várias fases da República ditaram padrões de trato da economia bra-sileira e de localização espacial de sua população, alterando, segundo

1 Doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: [email protected].

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o momento histórico, o lócus de ação política e a forma/interesses inerentes a esta ação. Por vezes, viu-se a expressividade da dicotomia sertão versus litoral; em outros momentos, o que esteve explícito foi a urbanização como solução para problemas de organização política advindos da herança lusitana. Por fim, a entrada na era da indetermi-nação, conforme aponta Francisco de Oliveira, caracterizaria o ápice dos processos político e urbano e sua subsunção à economia.

Este estudo não tem por objetivo traçar um histórico apurado do pro-cesso de urbanização no Brasil. Ao contrário, busca no Caminho para as Cidades as diretrizes políticas que influenciaram, desde o período colonial, os deslocamentos populacionais, os objetivos econômicos governamentais e seu amoldamento pela Elite Nacional. Como marco teórico, baseia-se estritamente na bibliografia da disciplina Sociabili-dade e Cultura Política no Brasil: dos legados às novas configurações, ressaltando-se as contribuições de Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (2006); de Florestan Fernandes, em A Revolução Burguesa no Brasil (1976) e de Francisco de Oliveira, em Política numa Era de Indeterminação (2007).

2 A hERAnÇA colonIAl: bRASIl RuRAl E oS REFlEXoS do modElo PolÍTIco-SocIAl luSITAno.

O impulso colonizador português, ainda que precoce comparado ao restante da Europa, se baseou em um espírito aventureiro balizador do caráter do colonizador e de seu padrão de trato pessoal e de socia-bilidade. A colonização da América do Sul pelos países ibéricos é um particular exemplo, acompanhando as tipologias de Holanda (2006), da dicotomia entre aventureiro e o trabalhador, entre o semeador e o ladrilhador, respectivamente lusitanos e castelhanos. Este padrão dual apresentou grande preponderância na formatação da colonização brasileira e, embora não se apresentasse em formas puras, mas sem-pre com matizes contrárias, o português que aqui chegou emprestou a aventura e a semeadura à nação a se formar.

Conforme ressalta Holanda (2006), o modelo de ocupação do território brasileiro foi eminentemente rural, embora não tenha sido completamente agrário. O medo de se avançar em direção ao interior fez com que a organização territorial da colônia se concentrasse no litoral, fazendo de cada margem costeira um porto, por onde se escoaria a semeadura

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e a extração colonial. Como expoente desse espírito encontra-se a aversão ao trabalho, cujo ponto marcante está na intensificação do tráfico negreiro e na manutenção da escravidão até períodos tardios da pós-Independência brasileira, o que será o emblema do padrão de sociabilidade, baseada em privilégios e beneficiamento pessoal, que se estabelecerá no país.

A formação da sociedade brasileira, nesse ínterim, se dá a partir de um transplante da cultura européia para um ambiente adverso – tropical e selvagem – notadamente em sua forma autônoma de relações interpes-soais peculiar ao povo ibérico, que sobrevaloriza o patrimonialismo, a individualidade e a hereditariedade como critérios de beneficiamento pessoal. Nesse sentido, é relevante entender a Sombraceria, enquanto força exterior e respeitável, moralizante e temida, mantenedora dos privilégios, da hereditariedade e da organização social, como fator de-terminante da sociabilidade no Brasil.

Cabe destacar, conforme aponta Holanda (2006, p. 21) que:

É dela que resulta largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidarie-dade e ordenação entre esses povos [os ibéricos]. Em terra onde todos são barrões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida.

E acrescenta: “[...] À frouxidão da estrutura social, à falta de hierarquia organizada devem-se alguns dos episódios mais singulares da história das nações hispânicas, incluindo-se nelas Portugal e Brasil [...]” (HO-LANDA, 2006, p. 21). Tais episódios, aos quais se refere Holanda, podem ser tipicamente caracterizados como a Independência, a Abolição da Escravatura, a República, a Revolução de 30, a Ditadura e a Abertura Econômica. Como se pretende demonstrar ao longo deste estudo, essa herança colonial, aliada a esses momentos históricos determinaram o Brasil de hoje e sua estrutura sócio-política em uma “era de indetermi-nação” (OLIVEIRA, 2007) pautada pela vontade econômica, formando assim um modo de vida particular ao brasileiro e apresentando grande preponderância enquanto molde de seu trato social.

Ainda nesse contexto de formação do Homem – Cordial – Brasileiro, cabe destacar sua ética da fidalguia, na qual o que importa são as virtudes capitais individuais, consubstanciadas na inferiorização do trabalho e

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edificação do ócio. Esse tipo de relação com o trabalho, segundo Holanda (2006), é responsável pela inexistência de uma solidariedade endógena, advinda de uma moral do trabalho. Nessas sociedades, isso contribui com a ressaltada frouxidão da estrutura social, criando um ambiente propício para a dominação política através da força, característica das diversas composições do Estado brasileiro até 1988.

O espírito sombracero, destarte, é o balizador do ânimo aventureiro com o qual se dá a ocupação do território brasileiro. O objetivo finalista da explo-ração colonial, primeiro na extração do Pau-Brasil, depois na exportação do açúcar da Zona da Mata nordestina, seguido pela extração do ouro nas Minas Gerais, buscava simplesmente a garantia de manutenção do pacto colonial e o fornecimento da Metrópole. Assim, o aventureiro que vem para o Brasil espera um simples usufruto da terra colonial, tendo como principal ponto de apoio o enriquecimento rápido que ela pode promover.

Isto implica dizer, no âmbito deste estudo, que as raízes da formação social nacional, sua organização espacial e suas referências quanto a um território de sociabilidade compartilhada, se fincam em um solo arenoso, no qual as bases de um compromisso social, de construção de uma nação, não estão claras. Dessa forma, consoante o que apre-senta Holanda (2006, p. 41) é importante destacar que esse espírito aventureiro se mostra preponderante à formação colonial do Brasil, não só por seu caráter adaptativo, capaz de manter o formato das relações sociais lusitanas em um ambiente muito diferente, mas por introduzir a mão-de-obra escrava africana como uma forma de garantir o trabalho na lavoura. Dessa forma, como aponta Holanda (2006, p. 41):

Não foi, por conseguinte, uma civilização tipicamente agrícola o que instauraram os portugueses no Brasil com a lavoura açuca-reira. Não o foi, em primeiro lugar, porque a tanto não conduzia o gênio aventureiro que os trouxe à América; em seguida, por causa da escassez de população do reino, que permitisse emi-gração em larga escala de trabalhadores rurais, e finalmente pela circunstância de a atividade agrícola não ocupar então, em Portugal, posição de primeira grandeza.

Esses fatores são preponderantes ao entendimento do atraso na abo-lição da escravatura, na discriminação ao africano escravo – o traba-lhador – que se perpetuou após o Império e mesmo no discurso racial predominante na segunda metade do século XIX e início do século XX,

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demonstrada por Ventura (2000). A introdução do negro escravizado transpôs à sociedade brasileira uma moral das senzalas, responsável por um languedescimento da população colonial do Brasil. De fato, nesse ponto vale os ensinamentos de Freyre (2001) sobre como a atitude dos escravos domésticos – mucamas, negrinhos e negrinhas que contribuiu para a formação moral e social dos filhos dos senhores de engenho.

Por conseguinte, cabe destacar, ainda segundo Holanda (2006), como o modelo de ocupação do território foi relevante na configuração da he-rança colonial do Brasil. Apoiado na dicotomia ladrilhador – o hispânico, capaz de projetar cidades racionais baseadas no modelo metropolitano, e semeador – o lusitano, sentimental, cujo espírito aventureiro levou à exploração de novas terras, sem fazer delas o prolongamento da me-trópole, o autor ressalta a importância da exploração desses padrões de ocupação do território na constituição das futuras sociedades das colônias Ibéricas. No Brasil, de fato, o primeiro marco de rompimento com o espírito semeador só se dá no século XVIII, com a exploração do ouro nas Minas Gerais, o que faz surgir um pequeno surto urbano nas regiões auríferas, que decai com o esgotamento da produção das jazidas de aluvião.

Exceção representada na obra jesuítica, esse padrão de colonização denota que, nas palavras de Holanda (2006, p. 102), “[...] a colônia é simples lugar de passagem, para o governo como para os súditos.” Dessa maneira, as cidades edificadas na América Portuguesa não buscavam romper com a irregularidade do relevo, já que não eram produtos de uma atividade mental ou de um rigor técnico que tivesse por objetivo encravar explicitamente a formação urbana na natureza, tal qual ocorreu na América espanhola.

Vê-se, portanto, que essa herança colonial constitui-se como parte da consolidação de um modelo rural no qual se sobressai a aversão ao trabalho e uma ocupação desordenada do território. Entende-se com isso, conforme Holanda (2006, p. 97) que:

Essa primazia acentuada da vida rural concorda bem com o mo-delo de dominação portuguesa, que renunciou a trazer normas imperativas e absolutas, que cedeu todas as vezes em que as conveniências imediatas aconselharam a ceder, que cuidou me-nos em construir, planejar ou plantar alicerces, que em feitorizar uma riqueza fácil e quase ao alcance da mão.

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Do exposto, tem-se que, para compreender as fases subsequentes da socialização, da cultura política e do processo urbano no Brasil, deve-se levar em conta essa formação peculiar da identidade nacional, baseada na hereditariedade, na aversão ao trabalho e na exaltação do ócio, na introdução do trabalho forçado, consubstanciado no agravamento do mandonismo e da autoridade pessoal. É nesse contexto que um Brasil independente vê a forma-ção de sua nação, de sua burguesia, cujos interesses econômicos mantêm instituições políticas de ordem autoritária em quase toda a história.

3 FoRmAÇÃo dA buRGuESIA bRASIlEIRA: mAnuTEnÇÃo dA hERAnÇA colonIAl E PRocESSo uRbAno

Um novo ciclo da ocupação urbana do Brasil se dá com o rompimento do período colonial. A instalação da Família Real Portuguesa em 1808 no Rio de Janeiro constitui o primeiro marco de uma mudança no padrão da urbanização que perdurará por quase um século, tendo na Proclamação da República seu término. Esse período é caracterizado pela pós-Revolução Burguesa brasileira, que ocorre com a Proclamação da Independência em 1922 – o momento político, pela consolidação do liberalismo mercantil autônomo – o momento econômico, e pela abolição do tráfico negreiro e, posteriormente, da própria escravatura – o momento social.

Nesse sentido, a Independência é o fato histórico alavancador de uma nova sociabilidade, baseada no meio urbano e que somente se consolida com a industrialização do Brasil pós-Revolução de 1930. Isto se deu, pois a trans-formação do Brasil em uma nação independente demandou da elite senhorial da época uma tomada de decisão, pela primeira vez na história, quanto aos rumos da lavoura, da economia e da política nacional, bem como do trato com o exterior. Dessa maneira, nas palavras de Fernandes (1976, p. 27)

Essa porção de senhores rurais tendeu a secularizar suas idéias, suas concepções políticas e suas aspirações sociais; e, ao mes-mo tempo, tendeu a urbanizar, em termos ou segundo padrões cosmopolitas, seu estilo de vida, revelando-se propensa a aceitar formas de organização da personalidade, das ações ou das rela-ções sócias e instituições econômicas, jurídicas e políticas que eram mal vistas e proscritas no passado.

Essa alteração de visão de mundo não foi suficiente, contudo, para exercer uma forte influência no padrão de identidade e da sociabilida-

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de do então brasileiro. De fato, a intensidade da introdução das ideias liberais, no meio político pela Constituição do Império de 1824 e no econômico a partir do acompanhamento da economia internacional e a vinculação incondicional à economia inglesa, não encontrou paralelo no meio social. Em processos como a urbanização e a consolidação de uma elite nacional, no entanto, ideais como liberdade e igualdade foram postos em segundo plano, em detrimento a uma “dualidade ética” que privilegiava o “nosso grupo” – familiar, patriarcal e patrimonialista, em oposição ao “grupo dos outros” – o restante da sociedade indistintamente (FERNANDES,1976, p. 28).

Isto se dá, pois segundo Fernandes (1976, p. 32): “As elites nativas não se erguiam contra a estrutura da sociedade colonial, mas contra as implicações econômicas, sociais e políticas do estatuto colonial”. Esse apego à herança sócio-cultural do período anterior é responsável pela manutenção da escravidão, pelo beneficiamento pessoal e familiar ad-vindo daquela sombraceria indicada por Holanda (2006) como norte do padrão de sociabilidade de bases ibéricas. Nesse contexto, o processo urbano iniciado com a implantação da Regência no Reino do Brasil e sua posterior intensificação com a Independência e transformação em Império caracteriza um movimento balizado por iniciativas políticas e econômicas revolucionárias, pautadas pela cartilha liberal.

Essa adoção do ideário liberal, concomitante ao apego à herança co-lonial:

[...] condicionavam uma tal concentração do poder político ao nível dos privilégios senhoriais, que ‘sociedade civil’ e ‘estamen-tos sociais dominantes’ passaram a ser a mesma coisa. De fato, não só o grosso da população ficou excluído da sociedade civil. Esta diferenciava-se, ainda, segundo gradações que respondiam à composição da ordem estamental, construída racial, social e economicamente na colônia [...] (HOLANDA, 2006, p. 40).

Assim, esclarece-se como a aversão ao trabalho, a exaltação do ócio – cujo maior expoente é o sistema de trabalho forçado escravista – perpetua-se no Brasil, mantendo aqueles padrões de sociabilidades rurais coloniais no meio urbano do Brasil independente. O poder político, diante dessa configuração social, partia de uma metamorfose entre o ideal da liberdade para o senhor-cidadão e a autoridade sobre todos os outros. De fato, a grande lavoura perpetuou-se, mas sem interferir

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decisivamente na reorganização do fluxo de renda, do novo sistema econômico e da urbanização, ao contrário, ela buscou formas adaptativas que permitissem a coexistência com o novo regime social.

Esse sistema econômico-social que pautou a sociabilidade no Brasil Império estimulou um intenso crescimento de centros urbanos. Não houve, contudo, modificações no padrão de construção das cidades. De fato, parece que o espírito semeador apontado por Holanda como expoente do período colonial, perpetua-se, visto o caráter intenso e difuso com que se viu o impulso urbano nessa época (FERNANDES, 1976), típico do aventureiro, semeador, que via na intensificação do comércio internacional um ponto de aquisição rápida de riquezas e um motor para transformar qualquer porto em cidade comercial-exportadora.

Nesse afã da busca pelo comprador externo, a sociedade brasileira passa a integrar-se mais com o exterior, a elite urbana, influenciada pelas ideias européias, passa a adotar uma postura mais cosmopolita, aproveitando-se do impulso liberal.

Assim, a assimilação de novos modelos de organização das casas, das manufaturas, dos bancos, dos serviços públicos etc., tanto pressupunha certo ‘progresso institucional’ quanto a objetivação de condições culturais internas de integração de uma ‘sociedade nacional’, de uma ‘economia de mercado’ etc. (FERNANDES, 1976, p. 66).

Dessa maneira, as próprias relações políticas foram experimentando o afloramento de certas ideias como o positivismo e a eugenia, esta última responsável por intensas polêmicas entre o movimento abolicionista e os conservadores.

De fato, a partir de meados do século XIX, as discussões nos meios sociais e políticos sobre o grau de miscigenação da população brasileira e seu impacto na formação da nação tornam-se emblemáticos na reor-ganização do padrão de sociabilidade. A subvalorização da população mestiça e negra, seu isolamento e marginalização é fator preponderante na origem do processo de favelização de centros urbanos como o Rio de Janeiro. O escravo, excluído do movimento abolicionista, se viu es-quecido pela sociedade política após a gradual eliminação do trabalho forçado, que culminou na Lei Áurea de 1988. Exemplo marcante de como se moldavam as relações sociais entre os cidadãos e os negros e

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mestiços está expressa na posição de Nina Rodrigues (apud VENTURA, 2002, p. 347), para quem:

A concepção liberal de justiça, apoiada na universalidade das idéias, entraria em contradição com a realidade do país, marcada pela heterogeneidade étnica. A existência de raças não-brancas desmentia os princípios fundamentais ao liberalismo, como o livre-arbítrio e a capacidade de discernimento, tornando proble-mática a implantação de um sistema político baseado em eleições periódicas. Acreditando que cada raça se encontrava em estádios evolutivos distintos [...].

Essa visão da organização social torna-se dominante e perpetua-se até praticamente meados da República Velha. Já nesse início do século XX é que o mestiço, emoldurado na figura do sertanejo, começa a ganhar valor no meio social enquanto “roda viva da nacionalidade” (CUNHA, apud VENTURA, 2002, p. 351). Agregam-se a isso, os estudos de Freyre (2001) sobre os efeitos da miscigenação na correção da distância entre brancos e negros no Brasil e a exaltação da mestiçagem promovida por Jorge Amado em seus romances, ou mesmo em Euclides da Cunha em Os Sertões.

Esse ideário que surge no início do século XX vai desembocar na Re-volução de 1930 e no período Vargas, no qual um grande revés com relação à noção e valor do trabalho é impulsionado pela industrialização e pelas influências do imigrante europeu. É nesse período, segundo Fernandes (1976), que se consolida a Revolução Burguesa no Brasil, destacando um país mais urbano, cuja sociabilidade dá mostras de rompimento com a herança colonial. O surto industrial e o amálgama entre as elites rurais e urbanas produzido por Vargas desembocam em relações – agora – de classes, na sociedade brasileira.

Culminam com esse processo urbano, apoiado na mudança do padrão de sociabilidade, a doação dos estatutos trabalhistas e posterior Conso-lidação das Leis do Trabalho, como um presente do Estado paternalista às classes trabalhadoras. Apesar deste avanço em termos de regime jurídico, cabe destacar que isso se deu à margem de um rompimento com a dependência histórica do Brasil. O desarranjo institucional e social resolveu-se, segundo Fernandes (1976), pela própria reordenação dos padrões de sociabilidade; a crise econômica que se seguiu, contudo, teve sua solução subordinada à reorganização do padrão de dependência

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externa. Esse fato parece o prenúncio de uma era da indeterminação identificada por Oliveira (2007), melhor explorada no próximo item, na qual os moldes da dependência externa são os definidores e balizadores da questão sócio-política nacional.

4 dA “ERA dE InVEnÇÕES” À “ERA dA IndETERmInAÇÃo”: conSolIdAÇÃo do PRocESSo dE uRbAnIzAÇÃo

O fim da Era Vargas é responsável por um novo momento político e so-cial – e por que não econômico? – na história nacional. O novo regime democrático, amplo e irrestrito, que se segue, coloca o Brasil, enfim, em um ciclo de crescimento industrial pautado pelo trabalho assalaria-do e pelo grande capital. A sociedade brasileira reafirma-se enquanto sociedade de classes e o meio urbano torna-se o destino e o lócus da ação social e da sociabilidade. O golpe militar de 1964, contudo, traz um revés a esse quadro de democratização, mas inaugura uma era de inovações políticas e econômicas que apresenta novos reflexos quanto à urbanização e à sociabilidade nacionais.

Para Oliveira (2007, p. 17), a ditadura inaugura um processo de inovação na história das relações sócio-políticas do Brasil. O governo autoritário, segundo o autor, “[...] promoveu uma aceleração na transformação das forças produtivas, logrando um crescimento econômico que elevou a média da expansão capitalista nos últimos 50 anos, como ficou reco-nhecido nos anos do ‘milagre brasileiro’”. Bem ou mal, esta foi a mola propulsora da consolidação de uma intensa relação de classes, dando estatura à burguesia nacional e revelando a profundidade do abismo social provocado pelo capitalismo industrial urbano.

Nesse contexto, verifica-se o afloramento e intensificação das ativida-des dos movimentos sociais e o nascimento de um eixo cultural crítico, expresso no cinema novo e na tropicália, enquanto, institucionalmente, o período militar também representou um momento de internalização das decisões políticas e do planejamento nacional (OLIVEIRA, 2007), conjugados nas mãos de um estado forte e autocrático, cuja posse dos meios de produção dava um novo direcionamento às formas de controle das classes trabalhadoras.

Cabe ressaltar, contudo que:

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[...] o golpe não significou uma mudança de modelo, senão que as exigências do processo de acumulação da industrialização substitutiva requeriam radicalização do controle do novo ator fundamental – o proletariado – e uma acumulação primitiva ainda mais profunda. E não significou uma nova sociabilidade (OLIVEIRA, 2007, p. 19).

De fato, o que a ditadura fez foi intensificar os mecanismos de controle da classe trabalhadora criados no primeiro período Vargas. A mudança no padrão da sociabilidade vai surgir, segundo o autor, justamente da reformulação do movimento sindical e das organizações de classe, em forte oposição a uma “política policial”, consubstanciada em um intenso controle das “classes subalternas”, como forma de manter a ordem e a paz social (OLIVEIRA, 2007). Esse movimento da classe trabalhadora, dentre outras, como a artística, vai levar às sublevações populares que dão causa à democratização, fruto da luta popular e do próprio desgaste do regime autoritário.

Com a Nova República, nesse contexto, nasce o afã de expansão dos direitos civis, sociais e coletivos e, dada a inusitada e incrível participação popular na formulação política, a Constituição de 1988 rompe, ao menos parcialmente, com o modelo elitista de delegação da ordem jurídica e social herdado do período colonial. Esse momento histórico é caracterís-tico também da consolidação de uma mudança lenta e gradual da moral do trabalho, que passa a ter mais valor social (OLIVEIRA, 2007).

Isso, no entanto, não significa o ponto final da trajetória da sociabilidade e da urbanização brasileiros; parece jocoso, mas o “[...] demônio, cujas intenções não eram das melhores [...]”, referido por Holanda (2006, p. 208) na década de 1920, parece finalmente ter se mostrado por completo. Pois, conforme aponta Oliveira (2007, p. 25), a Nova República depara-se com um momento histórico internacional completamente diferente do da era das inovações. Sua principal característica está em que:

A acumulação de capital nas economias líderes do desenvolvi-mento havia gestado um progresso técnico que elevou a produti-vidade do trabalho a níveis tão elevados que, de fato, parecia que o consumo do trabalho vivo de uma parte ponderável da força de trabalho começava a ser irrelevante [...].

Deparou-se, por fim, com uma intensificação das relações financeiras internacionais, da criação de grandes conglomerados industriais mundiais,

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marco de um processo ora denominado globalização, ora financeiriza-ção, consubstanciado em um apego acirrado à ideologia neoliberal e no enfraquecimento do Estado enquanto agente de mudança e coesão social. Nesse novo contexto mundial, o país completamente voltado para uma realidade urbana, na qual o trabalho constitui a categoria pri-mordial de sociabilização (OLIVEIRA, 2007, p. 27), vê-se em uma forte contestação ao Estado enquanto agente de mudanças. A ordem social é posta à prova por fenômenos como a “[...] favelização e colombiani-zação das periferias [...]”.

Reafirmando a contribuição de Oliveira (2007, p. 35) para entender esse momento histórico expresso na indeterminação político-social e econômica, destaca-se que “[...] A sociabilidade centrada no trabalho não pôde resistir, e a vitória ideológica do capital transformou-se em uma guerra de todos contra todos [...]”. Nesse ínterim, os centros urbanos se transformaram em um campo de batalha, no qual a violência e a marginalização dão constante impulso a um movimento de individuali-zação e privatização da vida. A aclamada dicotomia global/local mostra sua verdadeira face; o local é o espaço da opressão, da restrição da sociedade civil a um espaço – urbano – construído para aprisioná-la; o global, por sua vez, é o lócus do grande capital, anônimo e concentrado em bolhas financeiras virtuais (OLIVEIRA, 2007).

Como se vê, a atual era de indeterminação põe por terra toda uma trajetória da história social brasileira, consubstanciada no fluxo em direção à cidade e na busca por um padrão de sociabilidade expresso em uma moral de valoração do trabalho. Não obstante a este quadro incerto, há que se buscar alternativas políticas – ainda inexistentes ou não desvendadas – de se romper com essa anomia político-social. De fato, dois séculos galgando um padrão de sociabilidade, que valorasse direitos conquistados e não apenas visualizados, não permitem que um contexto externo incerto defina e domine a organização das relações sócio-políticas nacionais.

5 conSIdERAÇÕES FInAIS

O presente estudo procurou traçar uma trajetória da sociabilidade no Brasil. Através da leitura sistemática da bibliografia apresentada, buscou-se ressaltar como a reafirmação de processos políticos e econômicos desde o período colonial representaram o principal marco dessa socia-

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bilidade. Tentou-se, também, relacionar as formas como o padrão da sociabilidade se manteve, ou se viu modificado perante o processo de urbanização do país apontando, ainda que timidamente, uma via de mão dupla nas contribuições entre sociabilidade e urbanização. Nesse contexto cabe ressaltar que não se pretendeu esgotar a temática, muito menos descrever em profundidade os momentos históricos relacionados neste estudo.

ThE PAThWAY To ThE cITIES: PolITIcAl culTuRE, uRbAnIzATIon And SocIAbIlITY In bRAzIl

AbSTRAcT

Approach the urbanization processes in Brazil on the perspective of colonial reflexes on political culture e national sociability. Prospect the contribution of prominent Brazilian sociologists, such as Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira, in order to draw a label of the forthcoming between the national political condition and the onrush to the cities, emphasizing the political aspects of sociability that have marked national historical moments. Point the negative perspective of political culture on the Brazilian urban process consolidation, culminating in an “indetermination era”.

Keywords: Urbanization – Brazil. Political culture. Sociability.

REFERÊncIAS

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correspondência para/reprint request to:Av. Antônio Gil Veloso, 1453/302Praia da Costa29101-011 – Vila Velha - ES, Brasil

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o PodER VIA domInAÇÃo buRocRáTIcA

Rossana Ferreira da Silva Mattos1

RESumo

Examina os conflitos inerentes à sociedade capitalista, por um lado, caracterizada por uma maior racionalidade e eficiência, por meio da ado-ção de métodos científicos, eliminação de movimentos desnecessários e seleção dos operários com base nas suas habilidades, e por outro lado, a necessidade de maior flexibilidade. Neste contexto, o estudo da burocracia emerge como crucial para o entendimento das relações de poder na sociedade moderna.

Palavras-chave: Poder (Ciências Sociais). Burocracia.

1 InTRoduÇÃo

A sociedade capitalista − caracterizada por uma maior racionalidade e eficiência através da adoção de métodos científicos, eliminação de movimentos desnecessários e seleção dos operários com base nas suas habilidades, exige uma nova ordem social, centrada na normatização e no disciplinamento, de forma a moldar comportamentos e atitudes relacionados à atividade produtiva.

Neste contexto, o estudo da burocracia emerge como crucial para o enten-dimento da sociedade moderna, pois como afirma Etizioni (1972, p. 7)1 Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: [email protected].

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A nossa sociedade é uma sociedade de organizações. Nascemos em organizações, somos educados por organizações, e quase todos nós passamos a vida a trabalhar para organizações. [...] Ao contrário de sociedades anteriores, a sociedade moderna atribui um elevado valor moral ao racionalismo, à eficiência e à competência.

Ao estudar a burocracia, Weber (apud MOUZELLIS, 1973, p. 21-22) considerou-a como um tipo de dominação: dominação do quadro ad-ministrativo. “[...] neste tipo de relação se encontra sempre um certo número de crenças que legitimam o exercício do poder, tanto aos olhos do governante como dos governados.”

Assim, para Weber (1978, p. 24)

[...] o tipo burocrático mais puro de organização administrativa – isto é, o tipo monocrático de burocracia – é capaz de atingir o mais alto grau de eficiência e neste sentido é, formalmente, o mais racional e conhecido meio de exercer dominação sobre os seres humanos.

Neste sentido, o entendimento da burocracia weberiana implica numa análise de sua teoria da dominação, pois o foco de seu trabalho não se concentra no conceito geral de poder, mas em um tipo específico de poder que ele chama de dominação.

Assim, considerando o enfoque do artigo, o mesmo dará ênfase ao poder via dominação racional-legal ou burocrática.

2 o PodER VIA domInAÇÃo buRocRáTIcA

Segundo Weber (2004, p. 191), dominação é um tipo de poder,

em que uma situação de fato, em que uma vontade manifesta (‘man-dado’) do ‘dominador’ ou dos ‘dominadores’ quer influenciar as ações de outras pessoas (do ‘dominado’ ou dos ‘dominados’), e de fato as influencia de tal modo que estas ações, num grau socialmente rele-vante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações (‘obediência’).

Neste tipo de poder, há certo número de crenças que legitimam o seu exercício tanto aos olhos dos dominadores como dos dominados.

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E é a partir destas crenças que acontece a relativa estabilidade dos sistemas de dominação.

Assim, as crenças na legitimidade da dominação constituem-se em um dos principais critérios para a construção weberiana do sistema de do-minação. Weber distingue três tipos de dominação legítima: tradicional, carismática e racional.

A dominação carismática tem sua legitimidade baseada “[...] na ve-neração extraordinária da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por estas reveladas ou criadas [...]” (WEBER, 2004, p. 141).

Na dominação tradicional, a legitimidade se baseia “[...] na crença cotidia-na na santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a autoridade [...]” (WEBER, 2004, p. 141).

E, por fim, a dominação racional legitima-se com base “[...] na crença na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude dessas ordens, estão nomeados para exercer a dominação [...]” (WEBER, 2004, p. 141).

Neste conceito, a dominação racional, ou burocrática, fundamenta-se no saber, tornando-a assim, especificamente racional. Seu desenvol-vimento, no capitalismo, criou a necessidade de uma administração estável, rigorosa, intensiva e incalculável (WEBER, 1978). Além disto, a racionalidade legitima-se através da dominação burocrática e, segundo Weber (1995, p. 350):

O seu ideal é o seguinte: proceder sine ira et studio, ou seja, sem a menor influência possível de motivos pessoais e sem a influência de qualquer espécie que seja, portanto, livre de arbítrio e capri-cho, e, particularmente, ‘sem consideração à pessoa’; portanto de maneira estritamente formal segundo regras racionais ou, no caso em que elas falham, segundo pontos de vista de conveni-ência ‘objetiva’. O dever de estar graduado numa hierarquia de cargos, com subordinação dos inferiores aos superiores, prevê um direito de queixa que é regulamentado. A base do funcionamento técnico é a disciplina.

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Considerando que no capitalismo predomina o padrão de racionalidade tendente a fins, a burocracia se torna fator social predominante.

Assim, para Weber, a burocracia implica predomínio do formalismo, existência de normas escritas, estrutura hierárquica, divisão horizontal e vertical de trabalho e impessoalidade no recrutamento dos quadros (TRAGTENBERG, 1974). Suas características fundamentais são (WE-BER, 1982):

(1) áreas de autoridade delimitadas por leis ou normas administrati-vas;

(2) hierarquia de cargos organizada monocraticamente;

(3) plena capacidade dos funcionários;

(4) o desenvolvimento dos cargos sujeitos a regras gerais e baseados num modelo ideal.

Entretanto, é importante ressaltarmos que Weber (apud TRAGTENBERG, 1974, p. 170) desenvolveu seus trabalhos sobre burocracia enquanto tipo ideal, ou seja:

Seu método – o tipo ideal – positivamente orientado, define-se como uma teoria do conhecimento subjetiva, como instrumento para chegar ao objeto em si, privado de qualquer substanciali-dade. Esse nominalismo oferece a vantagem pragmática para o pensamento: os conceitos serem o mais possível vazios ante a realidade concreta, porém mais unívocos.

No entanto, apesar das críticas, a maioria das organizações são até certo ponto burocratizadas (MORGAN, 1996). Com isso, é importante destacar que atualmente a burocracia passou a ser estudada “[...] como uma série de dimensões, cada qual na forma de um contínuo” (HALL, 1978, p. 29).

A proposição deste critério para o estudo da burocracia, como uma série de dimensões, é fundamental para o estudo empírico das relações de poder nas organizações, pois possibilita um estudo mais concreto da realidade organizacional, uma vez que dificilmente se encontrará as características da burocracia na forma como foram apresentadas teori-

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camente por Weber, ou seja, não se presumindo que as organizações são totalmente burocratizadas ou não-burocráticas.

Na realidade, Hall (1978) sugere que para identificar o grau de buro-cratização de uma organização é preciso verificar as características, ou dimensões, atribuídas à burocracia e que podem ser sistematicamente medidas a fim de demonstrar o grau em que as organizações são mais ou menos burocráticas.

Entretanto, atualmente, a crise da burocracia está, no conteúdo, relacio-nada a limitações no cumprimento de seu papel essencial em assegurar regras impessoais. Neste sentido, o principal aspecto crítico é a captura da burocracia por interesses particularísticos ou a usurpação política, desbalanceando as relações entre política e administração.

Estas disfunções são ressaltadas por Merton (1978) quando alerta para o fato de que, para assegurar a disciplina, as pressões sobre o burocrata, com a finalidade de moldá-lo a suas obrigações, geram:

(1) transferência dos sentimentos dos fins da organização para os detalhes particulares da conduta exigida pelas normas;

(2) a submissão à norma, de início concebida como meio, transforma-se em um fim em si mesma;

(3) deslocamento dos objetivos pelos quais ‘um valor instrumental’ se converte em valor final.

O resultado é uma mecanização excessiva, onde, ao invés de agir, os homens se comportam criando, assim, um estado de servidão do homem para com o sistema.

É neste contexto, que Marx e Durkheim criticam os valores predominantes na sociedade industrial, a partir dos conceitos de alienação e anomia.

No capitalismo, “Desvenda-se o caráter alienado de um mundo em que as coisas se movem como pessoas e as pessoas são dominadas pelas coisas que elas próprias criam” (MARX, 1996, p. 34).

Em outra perspectiva, Secrétant (apud DURKHEIM, 1995, p. 5), reforça o conflito na sociedade capitalista, onde:

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A medida de nossa perfeição não se encontra mais em nossa complacência para conosco mesmos, nos aplausos da multidão ou no sorriso aprovador de um diletantismo precioso, mas na soma dos serviços prestados e em nossa capacidade de prestarmos outros mais.

Entretanto, é importante ressaltar que estas críticas têm respaldo se dirigidas ao modo de produção capitalista, predominante na sociedade moderna, e não ao trabalho desenvolvido por Weber. Esta ressalva é importante, pois o próprio Weber temia pelas consequências da burocra-cia e, segundo Tragtenberg (1974), o que é real é que Weber estudou a burocracia porque via na sua expansão no sistema social o maior perigo ao homem. Estudou-a para criar os mecanismos de defesa ante a burocracia. Mais ainda:

Admitindo a inexorabilidade da mecanização burocrática, mos-tra ele (Weber) que hoje tendemos irresistivelmente para esta direção com uma racionalidade mais aperfeiçoada do que a das burocracias pré-capitalistas, razão por que formula a questão: a quem caberá no futuro viver nessa prisão? (TRAGTENBERG, 1974, p. 142).

Considerando o exposto anteriormente, Tragtenberg (1974, p. 132) argumenta que

Weber atuou como um profeta, na sua previsão do declínio alemão e na subjugação da Nação a novo autoritarismo. Atuou como profeta desarmado. Já Maquiavel ensinava que os profetas desarmados sucumbem pelo menos a curto prazo, acrescenta-mos nós.

Assim, cabe destacar que o modo de produção capitalista, hegemônico na sociedade contemporânea, torna a burocracia inevitável, na medida em que atende aos interesses do capital.

Por outro lado, as organizações precisam se tornar mais abertas e flexíveis às constantes mudanças e, com isto, criar novas relações de poder.

E é neste contexto que se instala o conflito, pois o discurso dominante, quando não é de mascarar os procedimentos burocráticos adotados, é o de colocar que, na sociedade contemporânea, onde o ambiente é dinâmico, imprevisível, a economia globalizada, a reestruturação pro-

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dutiva, e o desenvolvimento tecnológico, entre outros fatores, exigem uma burocracia mais flexível, atendendo assim a uma nova realidade social.

3 conSIdERAÇÕES FInAIS

A predominância da racionalidade e tecnicismo, inerentes à dominação burocrática, se por um lado atendem, parcialmente, a necessidade de controle em algumas situações, ou seja, aquelas em que o ambiente é relativamente estável, onde a produção se concentra basicamente em um único produto quando a precisão é fundamental, por outro lado, é a base de vários problemas relacionados às relações de poder na sociedade contemporânea.

Isto se deve às próprias características da burocracia que, apesar da eficiência em certas áreas, conforme apresentado anteriormente, são definidas com base em objetivos previamente determinados, o que limita a capacidade, principalmente das pessoas envolvidas nos processos decisórios, de se adequar a situações novas. E, a complexidade da so-ciedade atual, caracterizada por mudanças constantes, exige criatividade e flexibilidade para atender às novas demandas, gerando conflito entre a racionalidade burocrática e as situações de mudanças, que exigem novas ações e respostas.

ThE PoWER ThouGh buREAucRATIc domInATIon

AbSTRAcT

Analyses the intrinsic to capitalistic society conflicts, by one side, set by rationality and efficiency, understood as scientific methods adoption, unnecessary movements elimination and work force selection based on its abilities and; on the other hand, as a higher requirements for flexibility. In this sense, the study on bureaucracy emerges on as crucial to the power relations on modern society study.

Keywords: Power (Social Sciences). Bureaucracy.

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MORGAN, G. Imagens da organização. São Paulo: Atlas, 1996.

MOUZELIS, N. P. organizacion y burocracia. Barcelona: Península, 1973.

TRAGTENBERG, M. burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1974.

WEBER, M. Os fundamentos da organização burocrática: uma cons-trução do tipo ideal. In: CAMPOS, E. Sociologia da burocracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

______. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

______. metodologia das ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1995. pte. 2.

______. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compre-ensiva. Brasília: Editora UnB, 2004. 2 v.

correspondência para/reprint request to: Rua Amélia Tartuce Nasser, 315/302Jardim da Penha29060-110 – Vitória - ES, Brasil

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InSTRuÇÕES EdIToRIAIS AoS AuToRES1

1 PRoPoSTA EdIToRIAl

Neste momento em que a acessibilidade à informação se tornou uma questão central no ambiente científico e acadêmico é fundamental que professores, pesquisadores, alunos e demais profissionais disponham de canais de informação adequados que viabilizem e estimulem a difusão de questões vinculadas ao saber científico.

Nessa perspectiva, Scientia: Revista do centro universitário Vila Velha é uma publicação interdisciplinar editada pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão do Centro Universitário Vila Velha, instituição de ensino superior mantida pela Sociedade Educacional do Espírito Santo, com vistas à divulgação semestral de produções científicas e acadêmicas inéditas nos formatos: editorial, artigo original, artigo de revisão, relato de experiência ou de técnica, resenha e/ou resumo de tese, de dissertação e de monografia de pós-graduação.

Na avaliação dos originais é adotada a prática do peer review, conjugada com o blind review, com a submissão a dois ou mais membros do Conselho Editorial e/ou a assessores ad hoc, especialistas na temática da contribui-ção recebida, procurando assegurar isenção, agilidade e objetividade no processo de julgamento dos originais.

A visibilidade da produção científica publicada na revista Scientia tem se consolidado a partir da indexação de seu conteúdo nas bases de dados IRESIE e LATINDEX (UNAM/México) e da disponibilidade no site do Centro Universitário Vila Velha (<www.uvv.br>).

2 PÚblIco-AlVo REAl E PoTEncIAl

Pesquisadores, professores, alunos de graduação e pós-graduação e demais profissionais do Centro Universitário Vila Velha, da Faculdade de Vitória, da Faculdade Guaçuí e de outras instituições de ensino superior do Brasil e do exterior, associações de estudantes e de profissionais de

1 Versão aprovada em 10 de outubro de 2005.

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ensino e pesquisa, além de dirigentes de agências de fomento e de política em Ciência e Tecnologia.

Com uma tiragem de 1.000 exemplares, Scientia é distribuída como doação para parte do público interno do Centro Universitário Vila Velha e como permuta para instituições de ensino superior, inclusive bibliotecas, do Brasil e de outros países.

3 oRIEnTAÇÕES GERAIS

As contribuições para publicação, redigidas em português, espanhol ou inglês, com a devida revisão lingüística, podem ser enviadas por pes-quisadores, professores e alunos do Centro Universitário Vila Velha e de outras instituições de ensino superior, bem como por outros profissionais, independente de vinculação institucional, do Brasil e do exterior.

Os conceitos e opiniões expressos nas contribuições publicadas são de total responsabilidade dos autores (Anexo B), que deverão providenciar permissão, por escrito, para uso de qualquer tipo de ilustração publicada em outras fontes.

Os autores poderão retirar o original enviado, segundo seus critérios de conveniência, a qualquer momento antes de ser selecionado pelo Conselho Editorial.

Os originais aprovados poderão sofrer alterações de ordem normativa, ortográfica e/ou lingüística, a serem executadas pela equipe da revista, com vistas a manter o padrão culto do idioma e adequação às normas ado-tadas por Scientia, respeitando, porém, o estilo dos autores. Os originais publicados não serão devolvidos aos autores nem as provas finais serão reapresentadas, exceto em caso de extrema necessidade.

As contribuições recusadas ficarão à disposição do autor responsável pelo contato com Scientia pelo prazo de 90 dias, a contar da data de comuni-cação do resultado da avaliação. Após esse prazo, as contribuições serão eliminadas, garantindo-se nesse processo a total destruição do suporte (papel, disquete, CD-ROM, etc.)

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As contribuições publicadas passam a ser propriedade de Scientia (Anexo C), ficando sua reimpressão, total ou parcial, sujeita à autorização expressa dos Editores da revista. A transferência de direitos autorais mencionada refere-se, única e exclusivamente, à contribuição encaminhada para pu-blicação na revista Scientia.

Cada autor receberá, gratuitamente, dois exemplares do fascículo que inclui sua contribuição.

As contribuições enviadas deverão se enquadrar em uma das seguintes seções:

• Editorial: comentário crítico e aprofundado dos editores ou profissionais convidados com reconhecido domínio sobre o tema.

• Artigos originais: relatos inéditos e completos de estudos e pesquisas científicas, representando 60% das contribuições publicadas.

• Artigos de revisão: estudos que fornecem visão sistematizada e crítica de avanços do conhecimento em determinadas áreas/temáticas, a partir da literatura disponível.

• Relatos de experiência ou de técnica: descrições criteriosas de práti-cas de intervenções e vivências profissionais que possam interessar à atuação de outros profissionais.

• Resenhas: revisões críticas de livros, artigos, teses ou dissertações, com opiniões que possam nortear interesse para leitura ou não da publicação na íntegra.

• Resumos: descrições sucintas e de caráter informativo do conteúdo de teses, dissertações ou monografias de pós-graduação.

Dentre as tipologias anteriormente descritas, exceto para os artigos originais, as contribuições podem ser produzidas por pesquisadores/profissionais de renome, a convite da UVV.

Excepcionalmente serão aceitas contribuições que já tenham sido publi-cadas em periódicos estrangeiros, condicionadas aos mesmos critérios de avaliação dos trabalhos inéditos e à apresentação, por parte do autor, da autorização por escrito do editor da revista em que o texto tenha sido publicado como original.

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A critério do Conselho Editorial de Scientia, poderão ser publicados números especiais e/ou temáticos com objetivo de atender à demanda das linhas de pesquisa implantadas nos cursos oferecidos pelo Centro Universitário Vila Velha.

4 coRPo EdIToRIAl

A estrutura editorial de Scientia está constituída pelos editores, conselho editorial e assessores científicos ad hoc com as seguintes responsabilidades e representatividade:

4.1 EDITORES

Responsáveis pelo gerenciamento da revista, incluindo seus aspectos admi-nistrativos, financeiros e controle de qualidade. Sua representatividade envolve o Vice-Reitor, o Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão, o Co-ordenador de Pesquisa – todos do Centro Universitário Vila Velha –, além de um profissional, a convite da UVV, que possa contribuir para o aprimoramento das variáveis intrínsecas e extrínsecas da publicação.

4.2 CONSELHO EDITORIAL

Sua constituição evidencia a participação de colaboradores do Centro Universitário Vila Velha e da comunidade científica nacional e, dentro do possível, estrangeira, a saber:

• Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão, membro nato e seu presidente;

• Coordenador de Pós-Graduação Lato Sensu, membro nato;

• Coordenador de Pesquisa, membro nato; e

• Diretor da Biblioteca Central, membro nato.

• Cinco membros da comunidade acadêmica, representando diferentes áreas do saber com, no mínimo, o título de mestre. Tais representan-tes, com mandato de dois anos, devem ser indicados pelos membros natos do Conselho Editorial.

Suas responsabilidades envolvem a discussão da política editorial de Scientia; a avaliação da adequação das contribuições ao escopo e ao

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formato da revista, o que envolverá o parecer de dois a três membros; e a indicação dos assessores científicos ad hoc.

4.3 ASSESSORES CIENTÍFICOS AD HOC

A adequação da contribuição, além de ser atestada pelo Conselho Edi-torial, pode ser comprovada por um processo de avaliação realizado por assessores científicos ad hoc, especialistas na área de conhecimento das contribuições recebidas, que desempenham a função de emitir pareceres elucidativos das questões e/ou pareceres conflitantes que possam ter emergido no processo de avaliação dos membros do Conselho Editorial, bem como de avaliar as contribuições que não sejam de pleno domínio daquele Conselho.

5 AcEITAÇÃo E PublIcAÇÃo dAS conTRIbuIÇÕES

A publicação da contribuição está condicionada ao parecer favorável do Conselho Editorial e/ou dos assessores científicos ad hoc.

Do resultado da avaliação podem derivar três situações, a saber:

• contribuição aceita, sem restrições;

• contribuição aceita, com restrições passíveis de revisão, que deverão ser atendidas/cumpridas pelo autor;

• contribuição recusada, o que não impede sua reapresentação para nova avaliação, exceto se a recusa tiver ocorrido por duas vezes.

6 EncAmInhAmEnTo

A contribuição deve atender ao disposto no item 7 destas Instruções (Estrutura das contribuições) e ser encaminhada aos editores da revista, acompanhada de:

• Carta de encaminhamento (Anexo A) assinada por todos os autores, explicitando: a concordância com as condições e normas adotadas pela revista; e a indicação de apenas um autor como responsável pelo contato com Scientia, incluindo seu endereço completo, inclusive telefones e endereço eletrônico;

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• Declaração de Responsabilidade (Anexo B);

• Termo de Transferência de Direitos Autorais (Anexo C);

• Procedência do artigo com entidade financiadora;

Considerando sua periodicidade semestral, far-se-á o esforço para que as contribuições recebidas, depois de submetidas ao processo de avaliação, revisão e de possíveis adaptações, sejam publicadas com base no seguinte cronograma:

• Contribuições recebidas até setembro de cada ano – publicação no 1º número do ano seguinte;

• Contribuições recebidas até abril de cada ano – publicação no 2º número do ano.

Essa proposta de cronograma poderá ser modificada levando-se em conta a necessidade de alterações pelos editores e/ou autores.

Endereço para envio das contribuições:

Centro Universitário Vila Velha – Scientia

Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão

Rua Comissário José Dantas de Melo, 21

CEP 29102-770 - Vila Velha - ES (Brasil)

Telefone: (27) 3421-2097

E-mail: [email protected] ou [email protected]

7 ESTRuTuRA dAS conTRIbuIÇÕES

É recomendável que a contribuição enviada esteja de acordo com as normas da ABNT referentes a artigos em publicação periódica científica impressa (NBR 6022:2003); citações em documentos (NBR 10520:2002); numeração progressiva de documentos (NBR 6024:2003) e resumo (NBR 6028:2003), bem como com a norma de apresentação tabular do IBGE, publicada em 1993 (última edição).

A contribuição deve ser redigida em português, espanhol ou inglês, com estilo de redação claro e coerente na exposição das idéias, observando o

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uso adequado da linguagem. Deve ser digitada em extensão “.doc” (Word, versão 6.0 ou superior) ou “.rtf” (Rich Text Format), impressa em três vias e gravada em disquete (3½) ou CD-ROM. Na etiqueta do disquete ou CD-ROM deverão constar: título do trabalho, autoria e versão do software.

O texto deve estar configurado para papel A4, digitado em fonte Arial 11, com margens superior, inferior, direita e esquerda de 3cm, folhas devidamente numeradas no canto superior direito, alinhamento justificado, parágrafo em bloco e entrelinha com espaço 1,5.

Na primeira lauda do texto devem ser informados:

a) título, em português e inglês, expressando de forma concisa, clara e precisa o conteúdo da contribuição. O título deve ser centralizado, em negrito e todo em letras maiúsculas;

b) nome completo dos autores, titulação e vinculação institucional (so-mente um título acadêmico e uma afiliação por autor);

c) endereço postal completo, telefones e endereço eletrônico dos auto-res;

d) resumo, em português e inglês (abstract), explicitando objetivo(s), metodologia, resultados e conclusões, mesmo que parciais, deve ser redigido com o verbo na voz ativa e terceira pessoa do singular, com um mínimo de 150 e um máximo de 250 palavras. Não será permitido o uso de expressões tais como “Este artigo apresenta...”; “O objetivo deste estudo foi...” e similares (Anexo D);

e) palavras-chave, em português e inglês (keywords), que representem o conteúdo da contribuição. Apresentar de três a cinco palavras-chave. A Biblioteca Central do Centro Universitário Vila Velha (tel.: (27) 3320-2022; e-mail: [email protected]) deve ser consultada para orientar a adoção das palavras-chave. O autor deve entrar em contato com a Biblioteca com antecedência e enviar uma cópia do trabalho, juntamente com sugestões de palavras-chave. O prazo para entrega é de 48 horas a contar da data de solicitação.

Na segunda lauda deverá ser iniciado o texto da contribuição propriamen-te dita, com identificação apenas do título, o que garantirá a prática do blind review.

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A estrutura das contribuições deverá atender aos seguintes requisitos:

• Artigos originais deverão apresentar introdução, objetivos, metodo-logia, resultados, discussão e conclusão (ou seções similares) e sua extensão estará limitada, no máximo, a 30 laudas.

• Artigos de revisão, com exceção da introdução, discussão e conclusão, terão sua estrutura a critério do autor. Sua extensão estará limitada, no máximo, a 30 laudas.

• Relatos de experiência ou de técnica terão sua organização a critério do autor, mas deles deverão constar, no mínimo, introdução, descri-ção da experiência ou da técnica e discussão. Sua extensão estará limitada, no máximo, a 10 laudas.

• Resenhas devem ser breves, ter título próprio e diferente do da obra resenhada, sendo desnecessária a apresentação do resumo na primeira lauda. Sua extensão não deve ultrapassar 4 laudas e é obrigatória a inclusão da referência completa da obra objeto da resenha, como cabeçalho.

• Resumos devem ser iniciados com a referência completa da obra na estrutura de cabeçalho e ter, no máximo, 1 lauda de extensão.

Os artigos encomendados deverão, de acordo com sua tipologia, atender a uma das estruturas definidas anteriormente.

Nas citações diretas devem ser observados os seguintes critérios de estrutura:

• com até 3 linhas, devem estar incluídas no corpo do texto, respeitando o tamanho da fonte do texto e entre aspas;

• com mais de três linhas, devem vir em parágrafo isolado, recuado da margem esquerda em 2cm, fonte tamanho 9, sem aspas e com entrelinha espaço simples.

Na identificação da fonte da qual foram retiradas as citações diretas ou indiretas deve ser adotado o sistema de chamada autor-data (sobre-nome do autor, seguido do ano de publicação da obra e paginação, se for o caso), que poderá estar incluída no texto (ex.: Segundo Severino (2000, p. 23) ou no final da frase (SEVERINO, 2000, p. 23).

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As notas de rodapé ou notas no final do texto devem ser evitadas. Somen-te na primeira lauda recomenda-se o uso de nota de rodapé para indicar origem de apoio financeiro ou logístico e indicação de apresentação em eventos, quando necessários. Não é permitido o uso de notas de rodapé de referências.

As ilustrações devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos, na ordem de citação no texto e de acordo com sua tipologia (tabelas, gráficos, quadros, desenhos, etc.) e apresentar título conciso. Devem ser utilizadas somente quando indispensáveis à compreensão e clareza do texto e na sua legenda deve ser usada fonte Arial tamanho 9 e entrelinha simples.

A lista de referências deve ser estruturada atendendo às regras da NBR 6023:2002, sendo de inteira responsabilidade do autor sua exatidão e adequação, devendo constar da lista apenas as obras que foram citadas no corpo do texto.

Na indicação de autoria das obras citadas, o sobrenome dos autores deve ser em caixa-alta, com os nomes e prenomes apresentados de forma abreviada.

As referências poderão sofrer alterações de ordem normativa, com vistas a manter o padrão mínimo exigido pela NBR 6023:2002 e deverão estar à dis-posição da revista para caso de consulta pela equipe de normalização.

Exemplos de referências:

a) livros QUINET, A. um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de

Janeiro: J. Zahar, 2002.

b) capítulos de livro ou partes de coletânea CARVALHO, I. C. L. A tecnologia e sua expansão no espaço-tempo.

In: ____. A socialização do conhecimento no espaço das biblio-tecas universitárias. Niterói: Intertexto, 2004. p. 45-76.

WEFFORT, F. Nordestinos em São Paulo: notas para um estudo sobre cultura nacional e classes populares. In: VALLE, E.; QUEIROZ, J. J. (Org.). A cultura do povo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1984. p. 12-23.

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c) Artigos em periódicos CHAUÍ, M. Ética e universidade. universidade e Sociedade, São

Paulo, ano 5, n. 8, p. 82-87, fev. 1995.

d) Textos da Internet CHANDLER, D. An introduction to genre theory. Disponível

em:<http://www.aber.ac.uk/~dgc/intgenre.html>. Acesso em: 23 ago. 2000.

Para acessar o site da Biblioteca, digitar <http://www.uvv.br/biblioteca/>, e em seguida, clicar em: Normalização de Trabalhos Acadêmicos.

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AosEditores de Scientia: Revista do Centro Universitário Vila Velha

Encaminhamos, em anexo, o artigo intitulado (indicar o título do artigo), por nós produzido, ao mesmo tempo que declaramos nossa concordância com as condições e normas adotadas por essa revista, e indi-camos o(a) Sr(a). (nome do indicado) como responsável pelo contato com Scientia.

, de de .

Nome e assinatura do autor 1 Nome e assinatura do autor 2

Nome e assinatura do autor 3 Nome e assinatura do autor 4

Endereço do representante dos autores:

Rua/Av.

nº - complemento - Bairro

CEP: - - Município

Estado/País

Telefones: E-mail:

Anexo A – carta de Encaminhamento e declaração de concordância

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Título da contribuição:

Autores: (informar o nome de todos os autores)

Certificamos a participação na concepção do trabalho a ser publicado por Scientia para tornar pública nossa responsabilidade pelo seu conteúdo, pela não-omissão de quaisquer ligações ou acordos de financiamento entre os autores e empresas que possam ter interesse na publicação deste artigo.

Certificamos ainda que a contribuição é original e que seu conteúdo, em parte ou na íntegra, não foi enviado a outra publicação e não o será en-quanto estiver sendo avaliado por Scientia, quer no formato impresso quer no eletrônico.

, de de .

Assinatura(s):

Anexo b – declaração de Responsabilidade

Título da contribuição: Autores: (informar o nome de todos os autores)

Declaramos que caso o trabalho em anexo seja aceito para publicação, Scientia passa a ter os direitos autorais a ele referentes, tornando-se sua propriedade exclusiva.

Sua reprodução, total ou parcial, em qualquer outra fonte ou meio de divul-gação impressa ou eletrônica dependerá de prévia e necessária autorização por escrito dos editores de Scientia. Nesse caso, deverá ser consignada a fonte original, com identificação da edição, respectiva data de publicação e devidos agradecimentos.

, de de .

Assinatura(s):

Anexo c – Termo de Transferência de direitos Autorais

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Anexo d – Exemplo de um Resumo

Investiga se as bibliotecas universitárias têm contribuído para o pro-cesso de socialização do conhecimento. Alicerça sua metodologia no enfoque qualitativo e emprega o questionário como instrumento de coleta de dados. Resgata o caminho percorrido pela tecnologia, inclusive a ampliação de seu conceito e reflexos em nosso cotidia-no. Evidencia a biblioteca universitária como instituição partícipe do processo que concebe a escola e a universidade em uma postura crítico-reflexiva e focaliza o conhecimento e os espaços para sua socialização, destacando a biblioteca como fórum de interatuação e comunicação do saber e como espaço de múltipla comunicação com a missão de buscar alternativas para compartilhar informações e contribuir para que, nas comunidades de troca (salas de aula e laboratórios), haja realmente produção e socialização do conheci-mento. Numa perspectiva que procura evidenciar os campos de possibilidades sugeridos pela temática, toma como referencial teórico as concepções de Pierre Lévy, Michel Authier e Manuel Castells para articular discussões nas categorias socialização do conhecimento e tecnologias da informação; e de Gilles Deleuze e Félix Guattari para construir a imagem de rizoma como forma de organização mais apropriada às bibliotecas no enfrentamento das transformações que emergem e modelam a Sociedade da Informação. Sintetiza os re-sultados reconhecendo que as bibliotecas universitárias brasileiras devem se revestir como catalisadoras, como espaços de comunicação pedagógica para promover a cooperação entre pessoas e grupos, canalizando o potencial das tecnologias da informação e comunicação no sentido de acelerar a socialização do conhecimento estocado em seus ambientes, quer no tradicional, quer no virtual.

Palavras-chave: Socialização do conhecimento. Bibliotecas univer-sitárias – automação.

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