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Scientific American Brasil - 2013 - fisica.net · Não formam átomos e não t.êm relação ... O neutrino é a espécie mais estranha de partkula fun ... -a família estendida de

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Martin Hirsc:h é professor do Grupo de Asttopartlrulas e Ffsial de Altas Energias no I FI C. um centro conjunto pam

física de pan.icul.as da Uni~dade de Val@ncia e do Conselho Sup!ri<x" de Pesquisas Cief,uTlcas da Espanha.

Heinrich Plls é professor da UnM!rsidade Técnica de Dortmund, M Alemanha The

perlec;t wcM, seu livro sobre neullinos. está para sair pela HaJVard University Press.

Werner Porod é professor da Universidade de WGrzburg,

na Alemanha.

oucos FÍSIcos TIVERAM o PRIVILÉGIO DE TRAZER UMA NOVA PARTÍCULA ELEMEN­

tar ao mundo. Quando Wolfgang Pau li concebeu o neutrino em 1930, sentimentos de dúvida temperaram sua resposta. "Fiz algo terrível'', confessaria ele mais tarde a cole­gas, "postulei uma partícula que não pode ser detectada."

O neuttino é realmente elusivo - sua natureza f;mtasmagórica lhe pemlite transpor quase tDdas as barreiras físicas, incluindo o material que os físicos usam em seus detectores de prutfculas. Na verdade. a maioria dos neutrinos passa tranquilamente através da Tena sem nem mesmo resvalar em outra partícula. Mas os temores de Pauli foram tun pouoo exagerados: o neutrino pode ser detecta­do, embora isso requeira esforço e engenho experimentais.

Neutrinos são as pattículas fundamentais mais exóticas em outros aspectos também. Não formam átomos e não t.êm relação com a química. São as únicas partículas de matéria eletricamente neutras. Extremamente leves - menos de um milionésimo da massa da segunda mais leve prutfcuJaconstitutiva da matéria, o elé­tron. mais que as outras partículas, sofrem metamorfose; mutam entre tres variedades, ou "sabores':

Essas minúsculas partículas mantêm flSicos em espanto hã mais de 80 anos. Ainda hoje~ questões fundamentais sobre o neutJi­no pe1maneccm sem resposta: hâ apenas três sabores de ncutri nos, ou existem mais? Por que todos os neutrinos são tão leves? Neut:Ii­nos são suas p1'6prias contrapartes de anti matéria? Por que os ncu­trinos mudrun de personalidade com tanto entusiasmo?

No mundo todo- em aceleradores de pattículas, reatores nuclc­ru·es, e em minas abandonadas - novos e.xpe1imentos c..1.pazes de re­solver esses enigmas estão surgindo. As respostas devem fornecer pistas essenciais sobre o funcionamento int.Jínseco da Naturc71l..

Os exotismos do neut1ino fazem dele uma estrela-gt.tia para os físicos de partículas na viagem rumo a uma grande teoria unjfica­da que descreveria todas as partículas c forças, exceto gravidade, em uma estrutura matemática consistente. O Modelo Padnio da fisica de partículas, a melhor teoria de partículas e fot'Çc;'lS atê o momento, não pode acomodar todas as complexidades do ncutri­no. Ele deve ser decifrado.

PESO- PENA , PORÉM FORTE A maneira mais usual de construir o segmento dos ncutrinos no Modelo Padrão é com a introdução de novas entidades chrunadas neutrinos dext1'6giros ou "de mão direita:' (ou ainda destros). A late­ralidade é uma va1iantc da CéU'ga elétrica que dctcnnina se umn partícula sente a interação fraca, a força responsável pelo decai­mento radioativo; uma partfcula deve ser levógira ("de mão esquer­da" ou canhota) para sentir a força fraca. Essas hipotéticas partícu-

O neutrino é a espécie mais estranha de partkula fun­damental Nootrinos parecem desaf~ar todos os prece· dentes estabelecidos pelas variedades de partkulas mais bem compreendidas, como elétrons equarks. leves, mutáveiseextremanentedlía!is dedetettar,neu-

trinos têm iniado os ffsioos experimentais por décadas. Ainda hoje, as propriedades fundamentais dos neutri· nos permanecem em debate. Algumas das principais questões dizem respeito à origem das suas minúsculas massas, à natureza da antimatéria do neutrino e ao

número de espécies de neutrinos existentes, para nao mencionar sua propensao a mudar de identidade en· quanto voa. Descobrir a verdadeira natUreZa do neutrino pode pavi· mentAT o rnminho para uma teoria mais unificada da flsK:a.

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B ÁS I C O

Mudando de Identidade Durante o Voo Conforme os neutrinos se propagam. quase à velocidade da luz, através do espaço, da Terra ou do seu corpo, eles mudam de identidade frequentemente. oscilando entre os três tipos conhecidos. Seu comportamento é estranho, mas não totalmente aleatório- as propriedades dos neutrinos permitem que os ffsicos prevejam a probabilidade de sua oscilação em distâncias diferentes.

1•n ('t 11 dt :, m' .., Neutrinos vêm em pelo menos três sabores: o elétron, o múon e o tau. (Alguns frskns suspeitam da existência de um quarto neutrino também.) O gráfico iiiJStrcl a probabilidade de que tm neutrioodo móon, tendo atJõVeSSado determinada distância, alternará os sabores. Na prática, as distâncias de oscilaçao dependem da energia do neutrino.

Neutrino do múon

Neutrioo do elétron

Neutrino do tau

Quarto tipo de neutrino

'lm·fi um dú .... it·n

100% neutrlno do mtíon

50% neutrino de múon, 50% net.ttrino de outro tipo

100% neutrino de outro tipo

1 10 Distancia percorrida (quilômetros)

Experimentos de oscilaçao de neutrinos medem a d'ivergência de sabor entre as partículas emitidas por uma fonte de neutrino e aqueles capturados em um detector distante. A nustraçao mostra os padrões idealizados de oscilações fonte-ao-detector para experiências com aceleradores de pardcu1as e reatores nucleares.

FONTE TIPO DE NEUTRJNO DISTÃNOAPERCORRJDA---------------+

Acelerador de parti cu las

I

Neutrino de múon na fonte

Reator nuclear

I Antineutrino do elétron na fonte

250km

O,Skm

las de>..trógiras seriam ainda mais escorregadias que suas oonlra­pattidas lcvógiras, os ncutrinos cxpcrimcnt.ahnentc detectados do Modelo Padrão. Thdos os neut:linos são classificados como léptons - a família estendida de partículas que também inclui o elétron - . o que significa que eles não sentem a forc:.a forte que mantém prótons e nêut:l'Ons no núcleo atômico. Sem carga elétlica, os neutrinos também não sentem diretamente as forças eletromagnética.<>. lsso deixa apenas a força da gravidade e a interação fraca para os lrês sa­bores conhecidos de ncutrinos, mas um neut:lino dc.'\trógiro sétia insensível até mesmo à força fraca,

Quase totalmente tau I

500km 750km 1.000km

Maior parte elétrons, em porções iguais de múon e tau I

1,0 km 1,5km 2,0km

Se um ncutrino destro existir, esse fato dru·ia uma explicação ~ muito razoável para outro enigma dessa partícula.: a razão por que ~ as Lrês variedades canhotas - o neutlino do elétron, do m6on e do ~ tau - todas têm mass.c1S rt:duzidas.

der, ou LHC, no CERN. perto de Genebra, anunciaram que haviam identificado uma nova partícula ootTCSpondcntc à descrição do então muito procurado bóson de Higgs. Esse bóson é a prutícula correspondente ao campo de Higgs, assim como o fóton é a contra­partida do campo clctromagnétko.) No processo, o Higgs leV'a embora a versão da força fraca da cat~<telêtrica das partículas. Pelo fato de os neut1inos de>..trógiros não exibirem carga, a massa deles não depende do campo de Higgs. Em vez disso, ela pode emergir de um mecanismo completamente diferente nas energias extrema­mente elevadas da grande tmificação, o que tomru·ia o neutrino destro enormemente pesado.

Efeitos quânticos poderiam vincular neutrinos dextrógiros aos seus irmãos Jevógiros de uma fom1a que faria com que a enonne massa de um "contaminasse" o outro. O contágio seria muito fraco, entretanto - comparativamente, se o neutrino dextrógiro perecesse com pneumonia, um levógiJO pegruiaapenas wn resfriado -, o que significa que a massa do levógiro seria muito pequena. Essa relação

~

~ A maioria das prutículas elementares ganha massa interagindo ~ com o onípresente ~unpo de Higgs. (Higgs tomou-se nome muito ~ conhecido ano passado. quando os físicos no Lcuge Hadron Colli-

W\\1'\V.sciam.com.br 31

EVID~NCIA

O coração da antimatéria Uma série de experiências ao redor do mundo foi projetada para observar um fenômeno raro da física nuclear chamado decaimen­to beta duplo. Essas experiências têm por objetivo testar a hipóte·

se de que. dentro do domfnío dos neutrinos. matéria e anti matéria são uma e I'TleSma coisa. Se, de fato, os neutrinos são suas próprias antipartículas, eles poderiam alterar o equilíbrio de matéria e anti matéria, explicando potencialmente como a matéria passou a dominar o Universo.

• Bt•(·aimt•utu Ut•lêl lm ·u Núcleos radioativos podem assumir em configurações mais estáveis por meio do decaimento beta. Aqui, o trítio (um isótopo do hidrogênio) decai em Mlio 3 transmutando um ~utron em próton,liberando. no processo. um elétron e um antineutrino.

Trrtio Héfio3

k ·e~imc nlo Bd 1 Our.lu Isótopos nudearcs pode sofrer dois decaimentos beta de uma vez. tra~rmando dois nêutrons em prótons, com emissao de dois elétrons e dois antineutrinos.

Germ4nio76 Sel&io 76

)t••·a · a~wllld ~t't<t htplu l'itl' •u t'Íitu' Se os neutrinos saosuas próprias antipartlculas, a parte do neutrino nos decai· mentos poderia se anular- em um decaimento, um neutrino seria absorvido em vez de um antineutrino ser emitido. Um decaimento sem neutrinos como esse ainda nâo foi convincentemente observado.

Antineutrino muda para neutrino

Germ4nio76 Selênio76

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é conhecida como mecanismo de gangon-a, porque uma grande massa aumenta, ou eiCV'cl, uma massa menor.

Uma explicação altemativa para a massa dos neutrinoo surge da supersimetria, um dos principais candidatos prua a nova física além do Modelo Padrão. Na hipótese da supersim(.>tli<l, cada partí­cula do Modelo Padrão tem um parceiro ainda desconhecido. As chamadas paatfculas superparceir'cJS, que devem ser extremamente massivas para terem escapado da detecção até agora, dobrariam (pelo menos) o número de partículas elementares instantaneamen­te. Se as partículas supersimétJicas existirem, o LHC pode ser capaz de produzi-las e medir suas propriedades.

Uma das características mais atraentes da supersimctria é que uma superprutícula oonhecida oomo neutralino seria um bom candidato para a rnatélia escura- a massa nas galáxias e nos aglo­meradas de galáxias que exerce força gravitacional, mas não emite luz nem se revela por outras maneiras óbvias. O neutralino daria conta da matéria escura somente se fosse estável durante longos períodos de tempo, em v~ de decair rapidamente em alguma outra partícula.

Um neutralino (particula elementar hipotética predita pela su­persimetria] de vida curta, portanto, enviaria os pesquisadores da matéria escma de volta à prancheta, mas pode~ia ser wna bênção para os ftSicos envolvidos oom neuttinos. A estabilidade do neutra· li no depende de uma propriedade hipotética chamada p<u;dade R, que impede os superparceíros de decaírem em qualquer outra par· tícula oomum do Modelo Padrão. Se a paridade R não for válida, no entanto, o neutralino seria instável - e seu decaimento dependeria, em parte, da massa do neutlino.

Dois de nós (Hirsch e Porod). em colaboração com José Valle, da Universidade de Valência, na Espanha. e Jorge C. Rornão, da Universidade Tccnica de Lisboa, em Portugal, mostraram que a li­gação entre neutrino e neutralino poderia ser testável no LHC. Se a estabilidade do neutralino realmente depender dos neutrinos a duray;lo da vida do neutralino seria previsfvel a partir das pro­priedades conhecidas dos neuttinos. E apenas por sorte a super­partícula existitia por um tempo suficiente para os físicos acom­panharem seu tempo de vida - da produçào ao decaimento -dentro dos detectores do LHC.

O QUE~ A ANTIMAT~RIA? Thdas as explica.çôes plausíveis para as minúsculas massas do neu­tlino apontam para donúníos inexplorados da física No entanto, uma dessas explicações, o mecanismo de gangona,também pode tocai' no mistério de como a matéria dominou a antimatélia -triunfo que permitiu a form;1çâo da estrutura cósmica e, em última instância, o desenvolvimento da vida

Cada pattícu la no Modelo Padrão tem uma contraparte de an­timatêiia, wna espécie de versão BizmTo [personagem BiL'UTO. das histótias em quachinhos, uma versão esrx,>eular do Super-Homem, publicada primeiro em Super Boy, em 1958] do mundo com uma carga oposta à contrapartc de matéria O elétron, por exemplo, tem carga elétrica de ·1, e o antielétron, também chamado de pós i· tron, carga de +1. Quando um elétron e um pósitron colidem suas cc.u'gaS se anulam c as pa1tículas se aniquilam em uma e>:plosão de radiação. A completa falta de carga do neutrlno dextrógiro pode ter um::t importante consequência: poderia significar que, pam

~ i ! "'

neutJinos, matéria e anti matéria são uma e mesma coisa. Na ter- ~ minologia da física o elétron e o pósitron são conhecidos como ~ partículas de Dirac. Uma partícula que é o seu próprio homólogo ~

de anti matéria., por outro lado, é uma prutícula de M~orana [hí­b•·ido de partícula e antipartícula].

Se a temia da gangon"a refletir oom precisão o funcionamento do mundo das partículas, os neutrinos levógiros não est...'\o permea­dos pela massa, mas também pela "MC\ioranicc'' dos neutrinos dcx­trógiros. Em outras palavras, se alguns neutrinos são suas próptias anti partículas, então todos os neutrinos exibem essacamcterfstica

O fato de os ncutlinos e suas antipartfculas serem uma e a mesma coisa tetia várias implicações interessantes. Neuuinos po­deriam, por exemplo, desencadear tmnsições entre partículas e an­tiprutículas. Na mai01ia das reações entre partfculas o número lep­tônico, ou seja, o número de léptons menos o número de antilép­tons, é oonservado - não se altera. Neuninos, no entanto, podem violar essa regra, criando um desequilíb•io entre matéria e anti ma­téria. Para nós, humanos, o desequilíbrio é, digamos, conveniente, porque se matéria e anti matéria tivessem existido em igualdade no rescaldo do Big nang, teriam sido completamente aniquiladas uma pela outra e nada haveria parc1 construir galáxias, planetas e fom1as de vida. A ex-

experimentais devem reunir grandes quantidades de gcrmânio, ou oubus materiais aná1ogos, para ter uma esperança de documentar a variedade de decaimento sem neutlinos. Para piorar a situação, o fluxo constante de partículas subalômicas sobre a Tena, criado pelos rc1ios cósmicos, tende a confundir o sinal fraquíssimo do dc­ec"limento beta duplo. Desse modo, expe1imentalistas devem enter­rar os seus detectores a grandes profundidades, em antigas minas ou em outros laboratórios subterrâneos, onde a rocha sobrejaccnte filtra quase toda radiação cósmica.

Lamentavelmente, o único relato até hoje de um decaimento beta sem neutrinos, do Heidelberg·Moscou Double Beta. Decay E.x­pcriment, na Itália, tem sido vigorosamente contestado por outl'OS fisicos. A próxima geração de detectores, alguns apenas começando a tomar dados, ou que estão atualmente em construção, realizará. uma busca mais completa nessa área Urn experimento no Novo Mé:\1co, chrunado EX0-200, e outro no Japão, o KamLAND-Zen, re­centemente public.:u-an1 os primeiros dados de suas buscas pelo de-

caimento beta duplo sem ncutrinos, o que

plicação parao domínio da matéria sobre a antim~tia há muito tem escapado aos fisicos e cosmólogos.

AÇÃO QUE DESAPARECE

A próxima de de

neutrinos está sendo

causou fricçfio com a alei:,ração anterior, mas não a descattou de fotma inequívoca.

O experimento GERDA, na Itália. que entrou em operação em 20ll, utiliza o mesmo isótopo que a configuração Heidel­bcrg-Moscou, em um projeto melhorado, que visa confrontar diretamente o contl'O­verso achado de seu antecessor. Tanto o ex­perimento EXC>-200 oomo o KamLAND­Zcn continuam suas operações e um apa­relho conhecido como CUORE está progra· mado para começar a tomar dados na Itália em 2014. O número de experimentos avançados, agora a caminho, proporciona uma esperança muito •v.<»'tvcl de que o de­caimento beta duplo sem ncutrinos possa ser confirmado antes do final desta década

A conexão entre neutrinos e suas rulti­partículas não deve comprometer a ten­tadora, mas em última anâlise não esta­belecida, teoria esperada nessa área. Muitas experiências, no passado e agora, procuram responder, em defmitivo, se ncuttinos são, de fato, suas próprias anti­prutfculas ao procurar por um tipo de evento radioativo conhecido como decai­mento nuclear beta duplo.

em colisorcs de partírulasi nUcleares e em minas

Eles devem pistas

essenciais do.~. Neutrinos e antineutrinos foram pri­

meiro observados no decaimento nuclear beta, por meio do qual um átomo emite um elétron, jtmtamente com um anti-

interno da Natureza. INTERRUPTORES DE LUZ Enconb-ar tml neutrino ainda desconheci-

neut:Iino. Em vários isótopos nucleares dois dc.>Caimentos beta podem OCOITCr simultaneamente. Em cir­cunstâncias normais eles emitem dois elétrons e dois antineutri­nos. Mas se o neutrino for uma partícula Majorana, então o mesmo antineut1·ino emitido no primeiro decaimento pode ser absorvido no segundo. O resultado é um duplo decaimento beta que não libera nem neutrinos nem antineutrinos (r;er quadro na pág. ao {(.tdo). Em um instante, onde não havia anteriom1ente léptons, dois léptons (os elétrons) emergem sem seus habituais contrapesos de antiléptons (os antineutrinos). Em outras pala­vras, esse decaimento beta duplo sem neutrinos viola a conserv·a· y:l.o do número Jeptônico.

Atualmente, a busca. pelo de<:aimcnto beta duplo sem neutrinos é o mellior teste para comprovar a ideia de neutrinos Majorana. em particull:u·, c Pt·:ua a violaÇ<t.o do número lcptônico em geral. Em principio, uma experiência de decaimento beta duplo sem neutri­nos é simples: recolha um isótopo nuclear oomo o gennânio 76 em que decaimentos beta. simultâneos podem ooon·c.r, e aguarde o apa­recimento de dois elétrons desacompanhados de neutJinos. Na prâtica, as experiências são muito difíceis. Decaimento beta duplo de qualquer espécie é extremamente raro, de modo que os ffsicos

do ou provru· que os neutrinos e antineutti­nos são uma e mesma coisa acrescentaria uma camada inteiramen­te nova de intriga a essas partículas já exasperantes. Mas ainda que os físicos procw·en'l por novas facetas dessas partículas continua­mos a lutar com o mecanismo subjacente a um bem documentado, mas pouco compreendido, atributo dos ncutrinos - sua forte pro­pensão a se metamorfosear. Na literatura, dizemos que a quantida­de de violação do sabor leptônico, ou a mistura de neutrinos, é grande em comparação à mistur'a entre os sabores de quarks, as partículas elementares que compõem os prótons e nêutrons.

Muitos grupos de pesquisa em tcxlo o mundo estão investigan­do como simetrias recém-concebidas da Natureza - características comuns importantes entre forças e particulas aparentemente dis­tintas- poderiam explicar esse oomportament.o. Um exemplo disso seriam as simetrias inerentes aos caminhos pelos quais as partícu­las conhecidas se transformam umas nas outras. Gautam Bhatta.­charyya, do Instituto Saha de Física Nuclear, em Calcutá. Philipp Lescr, da Universidade 1t'Cnica de Dortmund, na Alemanha, e um de nós (Pãs) descobiiram recentemente que essas simetrias afetam visivelmente o campo de Higgs. A interação de troca de sabor de quarks e neuninos oom o crunpo de Higgs se manifestaria em pro-

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ME DI N D O A MA SS A

Os Segredos do Neutrino Gravados no Céu Por Sudeep Das e Tristan L. Smith

Medir a massa mint.'JSCUia dos neutrinos até agora se mostrou inviável, e não por falta de tentativas. Dezenas de experimentos de laboratório ao longo das últimas décadas cooseguiram apenas colocar limites vagos sobre as três massas de neutrinos.

Temos razões convincentes para esperar que a melhor maneira de medir a massa dessas partículas minúsculas é. surpreendentemente, procurar por sua influência nas maiores escalas do Uni'v9'SO. Embora os neutrinos sejam praticamente desprovidos de massa, e quase Invisíveis, seus números- algo em tomo de 10S9 no Universo- fazem deles jogadores influentes no Cosmos.

Nossa lógica é a seguinte: no início da história do Universo. quando wdo era muito quente e denso, as reações nudeares forja­ram hélio a partir de hidrogênio,libefando um grande número de neutrinos como subproduto. Conforme o Universo evoluía, se expan­dia e se esfriava, pequenas flutuações na densidade dessa sopa pri­mortlial de particulas foram am­plificadas; em regiões com densi­dade acima da média, a gravidade

Radiaçao cósmica de fundo em microondas

tentava atrair material. A matéria escura, essencial­

mente invisível que representa boa parte da massa do Universo, c.olap­sou em aglomerados primeiro porque eia só interage pela gravida­de. Esses agrupamentos iniciais de matéria escura formaram as semen­tes das galáxias e dos aglomerados galáctícos vistos ainda hoje. Neutri­nos. extremamente leves, começa­rama aglutinar-se um poooo mais tarde no desenvolvimento do Uni­verso. Na verdade. por se moverem

Matéria escura

A imagem observada é distoccida pela matéria escura

DEFOilltU. 0.1! a radiação cósmica de fundo em microondas coletada p<>r telescópios na Terra. e no espaço foi sutilmente distorcida. pela matéria escura. Ao traçar essas distorções os físicos podem mapear a eslrutw.t dtt. matéria. escura, moldada por neutrinos e, assim colocar Jimjles rigorosos sobre a .. massa dos neutrino.~.

Espaço nave doWMAP

1

dutos de decaimentos exóticos do bóson de Higgs, que devem ser observáveis no LHC. Esse sinal podcJia apontar para o m<.-canismo subjacente das transmutações hiperntivas dos neutrinos, o que cer­tamente seria uma das mrus espetaculares descobertas do LHC.

Enquanto isso uma famma diferente de experimentos pesquisa a frequência das trocas de identidades das partículas. &-perimen­tos como o T2K no Japão, o MINOS, em Minnesota, nos F.stados Unidos, e o OPERA, na Itália, detectam feixes de neutrinos que se originam em aceleradores de partículas hâ centenas de quilôme­tros de distância, para medir nmdanças de sabor conforme neuui-

34 Scientific American Brasil I ~!aio 201:1

J

tão livremente pelo Cosmos, os neutrinos realmente desaooleraram o acúmulo de matéria escura - efeito que deveria ser detectável hoje..

Quanto maior a massa dos neutrinos, maís eles terão impedido o acúmulo de matéria- em efeito, borrando as bordas na estrutura em grande escala do Universo. Medir como a matéria está distlibuída no Universo pode revelar quão massivos são os neutrinos.

Mapear a distribuição de matéria - a maior parte dela matéria escura -é algo extremamente complexo. De qualquer maneira, pes­quisadores perceberam que a radiação remanescente do Big Bang, conhecida corno radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na sigla em inglês), é levemente distorcida devido aos efeitos de deflexão da luz provocados pelos aglomerados de matéria escura que preenchem o espaço entre a CMB e nós. O exame dessa "lente" gravitacional da CMB é uma maneira promissora de medir a distribui­ção de matéria escura no Universo.

NC7\Ia5 medidas de precisão da CMB, ainda em curso, permitirão tnedir o efeito das distorções das lentes

oom precisão elevada, de forma a ma,pear a Invisível matéria escura. Se a distribui­ção de matéria escura estiver ronfinada a estruwras bem delimitadas separadas por vazios. poderemos inferir que a massa dos

• • neutnnos e pequena; mas se, em vez disso. as botUas forem borradas. sabere­mos que a massa dos neutrinos é maior. A nova geração de experimentos para a

CMB deverá permitir que fixemos as massas 1 ca 1 tbinadas dos três tipos de neutrinos dentro de 5

milionésimos da massa do elêtron A pclSSibilidade de medir a massa da mais leve e

elusiva das partículas subatômicas pela observação do Universo inteiro é apenas um exemplo de como o estudo da

física, em todas as escalas. continua a surpreender e inspirar astroftsicos a mergulhar cada vez mais profundamente na

investigaçao do mundo natural.

Sudeep Das é p6s-dourorando de David Schramm no A19onne National Laboratory.

Trlstan L Smlth é pós-doutorando no Center for Cosmological Physics da Univooiry oi Califomia em Berl<eley.

nos atravessam longas distâncias através da 1erra. As escalas dessas experiências são tão grandes que os neutrinos podem atra­vessar fronteiras estaduais ou mesmo internacionais em suas via­gens. (Em 2011, o OPERA foi notfcia quando os físicos da colabora­ção anunciaram que alguns neutrinos, em seu experimento, pare­ciam ter viajado do CERN para um laboratório .italiano subterrâ­neo com velocidade supeJior à da luz- medição que se mostrou falha) Em complemento a esses experimentos com neuttinos de longa distância o projeto Double Chooz, na França, o Daya Bay Re­actor Neutrino Experimenl, na Cllina, e o RENO. na Corei a do Sul,

t1 s I ~ & ~ ..,

todos medem a oscilação de curto alcance dos ncutrinos prove­nientes de reatores nucleares.

Só em 2012 esses experimentos, finalmente, determinaram o último e menor dos ângulos de mistura - os parâmetros que regem as transições entre os sabores de neuttínos. O ângulo de mistum fmal a ser fixado, conhecido como o ângulo do reator, descreve a probabilidade de conversão de um neutlino do elétron ou de um antincut1ino sobre um pequeno ponto de p(utida As medidas do ângulo do reator abriram a possibilidade de que expetimentos futu­ros de neutrinos possam ser capazes de comparar as prop1iedades de neutrinos e antineutrinos. Uma assimetlia entre partículas e os

milab, que começou a produzir rcsuttados científicos em 2007, também sugeriu conversões como essas. No entanto, as oscilações do LSND e do MinillooNE não se c.tiustaV'am perfeitamente na imagem padrão dos U'ês neutrinos.

A mecânica quãntica pcm1ite que ncutrinos oSCilem entre sabo­res apenas se tiverem massa - e só se cada sabor tiver uma massa diferente. As várias massas dos neutrinos poderiam desencadear conversão dos neutrinos parae>.rplicar as anomalias vistas no LSND e no MinillooNE, mas apenas se ouU"él diferença de massa existir em adição às já conhecidas - em outras palavras, apenas se existir um quarto tipo de neulrino alêm dos três conhecidos. Um acopla-

mento adicional do ncutrino com a força seus homólogos de anti matéria seria co­nhecida como violação CP e, juntamente com estudos sobre o decaimento beta duplo sem neutrinoo, poderia tocar no mistério de haver mais matétia que anti­matéria no Universo.

Qualquer assimetria fraca faria o bóson Z - portador da força fraca - decair muito rapidamente.. de modo que essa partícula não interagíria <:om a força fraca de modo algum. Daí a denomi­nação "estéril": esse ncutrino hipotético seria quase total mente desacoplado do res­tante do zoológico de partículas.

Das pesquisas em curso, provavel­mente o T2K tem a primeira chance de evidenciar indícios da violação CP. Mas a conida é entre a nova geração de expe­riências para responder a questões-{!have sobre os neutrinoo - e promete ser emo­cionante. O experimento de lon~t linha de base NOvA, agora em construção, nos Estados Unidos, também tem o potencial de revelar a violação CP em neutJinos. O NOvA irá disparar um feixe de neutrinos através da Thrrn a partir do Fermi Natio­nal Accelerator Laboratory, em Batavia, lllinois, atravessando todo o estado de Wlsconsin e o topo do lago Superim~ para tJm detector em Ash Rivcr, Minncsota, a

entre neutrinos e seus homólogos de antimatéria poderia ser responsável por Detectores de um tipo completamente

diferente, que captura neutrinos de reato­res nucleares próximos, também registra­ram resultados surpreendentes que pode­riam apontar para um ncuttinocstéril. Os dados de vários experimentos indicam um desaparecimento anômalo de anti­neulrinos do elélron em dist..lncias muito curtas, o que, se interpretado em termos de oscilações de neutrinos, implicruia a existência de neutrinos estéreis. A anoma­lia tem estado por aí há algum tempo, mas cálculos recentemente refeitos da safda de neutrinos de vários reatores re-

. , . um m1steno que aflige físicos e

cosmó~os: por que existe mais matéria que antimatéria no .............

Universo?

810 km de distância. Os neutrinos far-J.o a viagem em menos de 3 milésimos de segundo.

Entre seus objetivos de pesquisa, o NOvA também visa estabele­cer a hierarquia de massa do neullino - dctenninar qual entre eles é o mais leve e o mais pesado. Atualmente. os físicos sabem apenas que pelo menos duas espécies de neutlinos têm massas diferentes de zero, mas, como em tantos outros aspectos dessas prutícu las fan­tasmagólicas. os detalhes nos escapam.

MISTÉRIOS PERSISTENTES

Com tantos experimentos de ncutrinos em curso - com diferentes objetivoo, projetos e fontes de pa1tfculas - os va~iados dados emergentes em todo o mundo produzem, muitas vezes, interpre­tações conflitantes. Uma das mais tcntadorns e controversas pistas experimentais sugere a existência de wna nova partícula chamada neutrino estéril.

Ecoando os t.etnores de P.auli em 1930 o neutrino estéril seriade­tc<:távcl apenas indiretamente, da mesma maneira como o mais pesado neutrino dextrógiro do mec.:'lllismo da gangorl'a. (De um ponto de vista teórico, no entanto, as duas prutículas propostas são quase mutuamente exclusivas.) No entanto, duas cxpcliências podem ter sentido a presença do neuttino estéril O LSND, que de­correu no Los Alamos NationaJ Laboratory, na d('(;(Wa de 90, en­controu a primeira, mas controversa, evidência de um elusivo tipo de conversão de sabor de neuttinos - antineutrinos doo múons se transformando em anlineun·inos de elétrons. O Mi niBooNE do Fer-

forçaram o caso de uma nova parúcul~L A evidência para neutrinoo estéreis pennane<:e esboçada, in~

reta e conflituosa- tudo que é espemdo na busca por uma prutícula notoliamentc evasiva e, possivelmente, inexistente. No entanto, o MíniBooNE e um experimento companheiro chamado MicroBoo­NE, que agora está em constmção no Fernúlab, podem em breve ter algo mais consistente a diwr sobre o assunto. E uma nova safra de experimentos propostos, que estudatin a anomalia do reator, também está em discussão.

É not..1.vel que o poderoso LHC e os e>.1>erimentos de compa­rativamente baixa energia sobre o humilde neuttino forneçam rotas complementares paJ"él explorar o funcionamento interno da Natureza. Mais de 80 anos depois de Wolfgang Pauli conce­ber essa pé\ltícula '1que não pode ser detectada': ncutrinos con­tinuam a proteger seus segredos com determinação. Ainda assim, o g-anho potencial em desvendar esses segredos justifica o esforço de décadas para bisbill'lotar cada vez mais fundo a vida privada do neutrino. &I

PARA CONHECER MAIS

Heutrino masses and parti ele physics beyond the Standard Model. H. Plls em AnnaJen derPhysik. vol.11, nll 8, págs. 551 a sn,setembrode 2002. Testing neutrino mixing at future c:ollider experiments. W. Porod, M. Hirsch, J. Romao e J.W.F. Valle em PhysicaJ Revicw D, vol. 63. n1111, artigo oll115004, 30 de abril de 2001.

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