Se Nos Nunca Fomos Humanos o Que Fazer

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Donna Haraway

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  • Ponto Urbe6 (2010)Ponto Urbe 6

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    Nicholas Gane e Donna Haraway

    Se ns nunca fomos humanos, o quefazer?Gane & Haraway Interview with Donna Haraway157 Downloaded from http://tcs.sagepub.com by onAugust 29, 2009................................................................................................................................................................................................................................................................................................

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    Referncia eletrnicaNicholas Gane e Donna Haraway, Se ns nunca fomos humanos, o que fazer?, Ponto Urbe [Online], 6|2010,posto online no dia 31 Julho 2010, consultado o 08 Setembro 2015. URL: http://pontourbe.revues.org/1635; DOI:10.4000/pontourbe.1635

    Editor: Ncleo de Antropologia Urbanahttp://pontourbe.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em:http://pontourbe.revues.org/1635Documento gerado automaticamente no dia 08 Setembro 2015. NAU

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    Nicholas Gane e Donna Haraway

    Se ns nunca fomos humanos, o quefazer?Gane & Haraway Interview with Donna Haraway 157 Downloaded fromhttp://tcs.sagepub.com by on August 29, 2009

    Traduo de Ana Letcia de Fiori

    Entrevista com Donna HarawayNG: O Manifesto Ciborgue foi publicado originalmente na Socialist Review em 1985, h 25 anos.Quais eram seus objetivos e motivaes ao escrever esse ensaio?DH: Havia dois tipos de documentos de posio pblica que fui solicitada a produzir nocontexto do feminismo socialista e, de modo mais amplo, dos novos movimentos de esquerdanos Estados Unidos nos anos 1980. Do ponto de vista dos Estados Unidos, logo aps aeleio de Reagan, o coletivo da Socialist Review na costa oeste pediu a mim e a vriasoutras pessoas Barbara Ehrenreich e outras para escrever cinco pginas discutindo asposies feministas socialistas e questionando as mudanas polticas urgentes que deveramospromover. Questionamo-nos que futuro poderia haver para nossos movimentos no contexto naeleio de Reagan e, claro, o que aquela eleio representava em termos de questes culturaise polticas mais amplas, no apenas nos Estados Unidos, mas em escala mundial. Thatcher, naInglaterra, simbolizou isso um pouco, mas era algo maior do que qualquer formao nacional.Assim, fomos solicitadas a produzir cinco pginas enfrentando essas questes a partir de nossasheranas; e isso foi o estmulo imediato para o texto publicado na Socialist Review e quecirculou como um manifesto para ciborgues, ou, como eu realmente gostaria de intitul-lo,Manifesto Ciborgue, em uma relao de brincadeira com o Manifesto Comunista de Marx.Houve porm outro estmulo relacionado com a mesma rede de pessoas: uma confernciainternacional dos novos movimentos de esquerda em Cavtat, na antiga Iugoslvia (hojeCrocia), alguns anos antes do texto sair na Socialist Review. Pediram-me para representar ocoletivo da Socialist Review nessa conferncia, e isso me ajudou a pensar de um modo maistransnacional a respeito das informticas da dominao, a poltica ciborgue e a importnciaextraordinria dos mundos de tecnologia da informao (TI).O ensaio proveio tambm da minha prpria histria como biloga. Meu PhD em biologia.Amei a biologia e me engajei profunda e apaixonadamente em seus projetos de conhecimento:suas materialidades, organismos e mundos. Mas tambm sempre me apropriei da biologia apartir de uma formao acadmica igualmente poderosa em literatura e filosofia. Poltica ehistoricamente, jamais pude considerar o organismo como algo simplesmente dado. Estavaextremamente interessada nos meios pelos quais o organismo um objeto de conhecimento,como um sistema de produo e distribuio de energia, ou como um sistema de diviso detrabalho com funes executivas. Essa a histria do ecossistema como um objeto que s pdevir luz no contexto do manejo de recursos, o rastreamento de energias atravs dos nveistrficos, os aparatos de marcao viabilizados pelas instalaes nucleares de Savannah Rivers,e a emergncia das guerras inter-disciplinares em ciberntica, qumica nuclear e teorias desistemas.Para mim, nunca foi realmente possvel apropriar-me da biologia sem um tipo de conscinciaimpossvel da historicidade radical de tais objetos de conhecimento. Voc l pessoas comoFoucault e nunca mais a mesma. Mas nunca fui uma ps-modernista a partir de uma tradiofundamentalmente literria e arquitetnica. Para mim, a questo sempre girou em torno dasmaterialidades da instrumentao de organismos e de laboratrios, [fui] sempre interessadanos vrios no-humanos em cena. O Manifesto Ciborgue surgiu de tudo isso.

    NG: E, claro, o Manifesto um pronunciamento de teoria feminista.

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    DH: um documento terico feminista um posicionamento em relao ao mundo em quevivemos e questo que fazer? Manifestos provocam ao perguntar duas coisas: em que diabode mundo vivemos, e da? A pergunta que fazer? [est] no panfleto de Lnin, de 1902, mascom uma resposta bem diferente em seu apelo por um partido de revolucionrios dedicadose estritamente disciplinados.

    NG: Voc disse anteriormente que h leitores que levariam em conta o Manifesto Ciborguepela sua anlise tecnolgica, mas ao mesmo tempo estariam inclinados a ignorar ofeminismo(Haraway, 2004: 325). Talvez este seja um bom ponto de partida. Em qual sentido oManifesto Ciborgue um manifesto feminista? Voc tem falado sobre um feminismo que noabarca a Mulher, mas para mulheres(2004: 329). Em que se baseia exatamente tal feminismo?DH: Bom, isso um assunto complicado e apenas podemos seguir algumas discusses. Nostermos de bell hooks, feminismo diz respeito ao movimento de mulheres, como um verbo,e no a algum tipo de dogma particular. Eu estava entre as muitas que foram arrebatadaspelos movimentos de mulheres da minha gerao. Engajei-me na poltica do movimento delibertao de mulheres que surgiu no final dos anos 1960, e da proveio uma herana muitopessoal, que tem a ver com suas segmentaes de classe e de raa: minha compreenso dopoder e dos limites do meu prprio feminismo histrico, em meus pequenos mundos coletivos.Mas da veio tambm uma herana muito maior, que tentar lidar com a esperana impossvelde que a desordem estabelecida no necessria. Essa herana vem da teoria crtica e v ofeminismo como um ato de recusa ao sofrimento profundo e histrico nas vidas das mulheresem toda parte, ao mesmo tempo em que lida [com o fato de] que nem tudo sofrimento. Halgo na vida das mulheres que merece ser celebrado, nomeado e vivido, e h entre ns algumasnecessidades culturais e organizacionais urgentes quem quer que ns sejamos.O feminismo foi uma herana complicada, um lugar de polticas urgentes e um lugar deprazeres intensos por ser parte do movimento de mulheres. E aproximei-me de tudo aquilocomo cientista, no com qualquer velho modelo de cientista, mas como uma biloga; e comouma catlica que recusa a igreja, mas incapaz de se tornar uma humanista secular. A semiose de carne e sangue e sobrevive de algum tipo de incapacidade de se contentar com umasemitica que trate apenas do texto em alguma forma rarefeita. O texto sempre de carne ecostumeiramente no-humano, inacabado, no-homem. Isto era o feminismo, ento, e o quecontinua sendo para mim.

    NG: Alguns leitores do Manifesto observaram que voc insiste na feminilidade dociborgue(Haraway, 2004: 321). Isto est correto? Em uma passagem crucial voc diz que ociborgue uma criatura de um mundo ps-gnero1 (1991a.: 150 / 2009: 38); mas desde ento vocdeclara que nunca gostou do termo ps-gnero (Haraway, 2004: 328). Por que? Em um mundode transversais, em que as fronteiras entre natureza e cultura no esto mais claras, o conceitode ps-gnero pareceria ser til. Na concluso do Manifesto voc alude ao sonho utpicode um mundo monstruoso sem gnero(1991a: 181 / 2009: 98). A idia de superar o gnero seria,ento, nada mais (ou menos) que um sonho utpico?DH: No! Obviamente gnero est entre ns mais feroz do que nunca. H algumas dobras,mas gnero se refaz em uma variedade de formas. E h um mundo trans (trans-ing) emdesenvolvimento, que torna gnero o substantivo errado. Pessoas trans fazem um trabalhoterico realmente interessante, incluindo uma ex-aluna minha Eva Shawn Hayward quese recusa a faz-lo em relao s pessoas (2004). Muita coisa interessante est acontecendosob os prefixos ps- e trans-. No um sonho utpico, mas um projeto de trabalho concreto.Tenho problemas com o modo como as pessoas se referem a um mundo utpico ps-gnero Ah, quer dizer que no importa mais se voc um homem ou uma mulher. Isso no verdade. Mas em alguns lugares de fantasia e criao de mundos (worlding), isto de fatoverdade, por bons ou maus motivos.

    NG: Ento, como voc pensa gnero em um mundo cada vez mais transversal?DH: Da maneira que Susan Leigh Star e Geoff Bowker me ensinaram e pensar: como trabalhocategorial (veja Bowker e Star, 1999). No divinize a categoria. No elabore uma crtica eimagine que a categoria desapareceu apenas porque voc fez uma crtica. No basta vocou seu grupo descobrirem como a categoria funciona para faz-la sumir; e concluir que acategoria construda no significa que foi inventada do nada. Em alguns sentidos, estamos

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    em um mundo ps-gnero; em outros, estamos em um mundo feroz de gneros localizados.Mas talvez as tericas mulheres de cor tenham acertado ao afirmar que estamos em ummundo interseccional. Isto o que Leigh e Geoff queriam dizer quando elaboraram a categoriade toro. Vivemos em um mundo onde pessoas so criadas para viver simultaneamentevrias categorias no-isomrficas, que as torcem. Ento, em alguns sentidos, ps-gnero uma noo significativa. Porm fico muito nervosa com o modo como essa noo se tornaum projeto utpico.

    NG: Ento voc usou o termo ps-gnero para provocar, e as pessoas o conduziram a diferentesdirees?DH: Sim. Mas e se for um mundo sem gnero tal como o compreendemos? Algumas pessoasacharam que isso significaria um mundo sem desejo, sem sexo e sem inconsciente, e eu noquis dizer isso. Mas eu de fato quis dizer que a teoria freudiana de inconsciente apenas umaanlise da vizinhana, ainda que poderosa.

    NG: Uma coisa que acho fascinante no Manifesto sua complexa mistura de feminismo eciberntica. Afirma-se, por exemplo, que Seres humanos, da mesma forma que qualquer outrocomponente ou subsistema, devero ser situados em uma arquitetura de sistema cujos modosbsicos de operao sero probabilsticos (Haraway, 1991a: 212/ 2009: 62). Essa uma extensoradical da famosa Mathematical Theory of Communication (1949) de Claude Shannon e WarrenWeaver, na qual informao definida em termos estatsticos. Em uma entrevista concedida em1999 voc disse que conhecia o trabalho de Norbert Wiener ao escrever o Manifesto(Haraway,2004: 324), mas Shannon e Weaver tambm foram referncias importantes? E quanto cibernticade modo geral um campo que continua a influenciar seu trabalho?DH: Sim, Shannon e Weaver estavam l. Eu os li, e as conferncias de Macy tambmestavam l, de modo geral. Meu orientador de dissertao foi Evelyn Hutchinson (1903-91),um homem maravilhoso: um ecologista terico, matemtico, bilogo, historiador natural,estudioso de manuscritos da Itlia medieval um erudito de sua gerao, de origem inglesa(veja Hutchinson, 1979). Fugi da biologia do desenvolvimento e suas encarnaes molecularespara seu laboratrio porque todas as minhas clulas estavam morrendo no laboratrio em parte! Mas principalmente porque estava intelectualmente insatisfeita e tinha finalmenteassumido que a biologia, para mim, era uma prtica cultural-material. Precisava situar abiologia em sua interseco com muitas outras comunidades de prticas, feitas de humanosemaranhados com outros, viventes ou no. O laboratrio de Evelyn Hutchinson possibilitouisso. Em seu laboratrio ns lemos Simone Weil, Shannon e Weaver, Virginia Woolf esseseram os textos de biologiaque lamos como parte de seu grupo de laboratrio. No era umgrupo de laboratrio sobre biologia em sentido estrito. Era um grupo de laboratrio sobre oque interessante no mundo. E muitos que vieram do laboratrio de Evelyn como RobertMacArthur (1930-72) [eram] bilogos muito importantes. A parceria de MacArthur com E.O. Wilson em biogeografia insular (MacArthur e Wilson, 2001[1967]) muito importante.MacArthur era um grande terico ciberntico do comportamento animal e um ornitlogofabuloso.De qualquer modo, muitas pessoas saram do laboratrio de Evelyn profundamenteinteressadas por vrios aspectos de ciberntica, inclusive eu. Mas como no se interessarpor essas coisas naqueles anos? A citao que voc mencionou agora no tanto o que euquero que seja verdade, mas meu modo de contemplar o que me pareceu um imperativo,que os projetos de conhecimento desse tempo constituram seus objetos de ateno em umsentido foucaultiano como discursos constituem seus prprios objetos de ateno. Essano uma posio relativista. No se trata de coisas sendo meramente construdas em umsentido relativo. Trata-se desses objetos que, no por escolha, somos.ns Nossos sistemas soentidades de informao probabilstica. Isso no a nica coisa que ns somos ou que qualquerpessoa seja. No uma descrio exaustiva, mas uma constituio no-opcional de objetos, deconhecimento em operao. No questo de ter um implante, no questo de gostar disso.No uma espcie de jbilo tecnolgico deslumbrado com a informao. a afirmao deque melhor assumir isso esta uma operao de criao de mundos (worlding). No anica criao de mundo em curso, mas uma na qual melhor viver sendo algo mais do queuma vtima. melhor assumir que a dominao no a nica coisa que est acontecendo aqui.

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    melhor assumir que esta uma zona em que melhor ser os que se movem e se sacodem,ou seremos apenas vtimas.Apropriar-se do ciborgue: disso, ento que o Manifesto trata.. O ciborgue uma figurao,mas tambm uma criao de mundo (worlding) obrigatria que ao apropriar-se do ciborgueno se pode abarc-lo que um projeto militar, um projeto do capitalismo tardio emprofunda colaborao com novas formas de guerra imperialista o campo de batalha eletrnicode McNamara certamente um grande ancestral dos mundos ciborgues assim como acompanhia telefnica de Bell. E muito mais que isso ciborgues abrem possibilidades radicaisao mesmo tempo.Isto semelhante a Bruno Latour, mas eu dou muito mais espao para a crtica de baixo doque Bruno Latour. Tenho mais simpatia pela teoria crtica do que Latour muito mais. Eestou muito mais disposta a conviver com heranas polticas e intelectuais indigestas. Precisoapegar-me a heranas impossveis, muito mais do que suspeito que Bruno queira. Nossos tiposde criatividade tomam direes diferentes, mas so aliados.Ento, sim, Shannon e Weaver esto l no Manifesto. A ciberntica est l sob vrias formas.Gregory Bateson est l tambm, e atravs da linhagem de Bateson a segunda/terceira ordemde mundos cibernticos que Katherine Hayles analisa (ver Hayles, 1999). Tenho simpatiapor certos esforos cibernticos de pensar por meio de autopoiesis. Lynn Margulis tambmest l, com toda a hiptese de Gaia, incluindo suas coisas de simbiognese. No obstante,resisto profundamente a qualquer tipo de teoria de sistemas, incluindo a chamada cibernticade terceira-ordem, a autopoiesis e as abordagens de acoplamentos estruturais. No me contentocom nada disso, mas lembro que na ciberntica h muito mais do que Norbert Wiener.

    NG: Parece haver um ressurgimento geral do interesse pela ciberntica no momento em quedebates sobre o ps-humano vieram tona (por exemplo em Hayles, 1999). O subttulo doseu ensaio de 1992 Ecce Homo, no seria (no seriam) eu uma mulher, e outros imprprios/inapropriados O humano em uma paisagem ps-humana (em Haraway, 2004: 47-61). O quevoc quer dizer com ps-humano? um conceito que voc continua a achar til?

    DH: Parei de utiliz-lo. Eu o usei por um tempo, inclusive no Manifesto. Creio que s vezes meio impossvel no us-lo, mas estou tentando no us-lo. Kate Hayles escreveu esse livroesperto e maravilhoso How We Became Posthuman (Como nos tornamos ps-humanos). Aliela se situa na interface correta o lugar em que as pessoas encontram aparatos de TI, ondemundos so reconstrudos como informao. Sou uma forte aliada de sua insistncia, naquelelivro, de alcanar as materialidades da informao. No deixar ningum pensar nem por um minutosequer que se trata de imaterialidade, mas alcanar suas materialidades especficas. Estou comisso, com esse sentido de como nos tornamos ps-humanistas. Porm, a dicotomia humano/ps-humano muito mais facilmente apropriada por deslumbramentos do tipo vamos todosser ps-humanistas e encontrar nosso prximo estgio evolucionrio teleolgico em algumaforma de tecnomelhoramento trans-humanista. Para o meu gosto, o ps-humanismo muitofacilmente apropriado por projetos desse tipo, embora muitas pessoas que produzam reflexesps-humanistas no faam assim. A razo pela qual recorri idia de espcies companheirasfoi para me livrar do ps-humanismo.

    A idia de espcies companheiras o meu esforo para estar em aliana e tenso com osprojetos ps-humanistas, porque penso a noo de espcie que est em questo. Nessesentido, estou com Derrida mais do que com outros, e com a leitura de Derrida realizada porCary Wolfe (ver, por exemplo, Wolfe, 2003). Estou com as zoontologias, mais do que com o ps-humanismo, porque penso que a espcie est predominantemente em questo aqui; e espcie uma dessas palavras maravilhosas que internamente so oxmoros. Essa abordagem insisteem seus significados darwinistas, incluindo considerar pessoas como Homo sapiens. Pensarem espcies companheiras permite questionar os projetos que nos constroem como espcie,filosoficamente ou de outras maneiras. Espcie diz respeito a trabalho categorial. O termorefere-se simultaneamente a vrias linhas de significado categoria lgica, unidades taxonmicascaracterizadas pela biologia evolucionria e a inexorvel especificidade dos significados.

    Tambm no se pode pensar em espcies sem adentrar a fico cientfica. Algumas das coisasmais interessantes sobre espcies so feitas por projetos de fico cientfica literrios e no-literrios projetos de arte de vrios tipos. Ps-humano um conceito restritivo demais.Ento, optei por espcies companheiras, embora a expresso tenha sido sobrecodificada comosignificando ces e gatos. Eu me coloquei assim escrevendo primeiramente sobre ces. Mas pensoque o Manifesto Ciborguee no Manifesto das Espcies Companheiras (2003) so como apoiospara uma interrogao das relacionalidades nas quais as espcies so postas em questo e nasquais o noo de ps-humano um equvoco.

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    NG: O que tentei fazer em meu prprio trabalho foi usar idias de ps-humano para pr em questoo pressuposto do humano.DH: Certamente.

    NG: Vejo o mesmo tipo de questionamento em sua resposta ao ensaio de Jacques Derrida(ver Wolfe, 2003) sobre as trs feridas no narcisismo humano: a copernicana, a darwiniana e afreudiana. Voc adiciona uma quarta ferida, que estaria associada com as questes do digital, dosinttico (Haraway e Schneider, 2005: 139). O que exatamente essa quarta ferida, e como elase desenvolveu desde o tempo da escrita do Manifesto, especialmente tendo em vista as grandestransformaes nas tecnologias de comunicao digital desde 1985?DH: Essa quarta ferida nos fora a reconhecer que nossas mquinas tm vida prpria. Noapenas fomos deslocados cosmologicamente da fico de que o homem estava no centro,fomos tambm deslocados psicanalitica e zoologicamente. Fomos deslocados tambm domundo construdo como o lugar nico da autopoiesis. A razo pela qual hesito a respeitode autopoiesis foi-me ensinada por uma de minhas alunas de graduao, Astrid Schrader,cuja primeira formao foi em fsica. Ela se incomoda com a autopoiesis por causa deseus fechamentos porque nada se auto-organiza sempre por relacionalidade, e a auto-organizao repete o problema das teorias de sistemas, da ela recorre a Derrida de formas querealmente me ajudaram.Ns duas, juntamente com outra aluna de graduao, Mary Weaver, que escreve sobre trans-mundos, buscamos Isabelle Stengers em suas leituras do pensamento de Whitehead sobreabstraes como iscas (ver Schrader, 2006; Stengers 2002; Weaver, 2005). A tarefa inventar abstraes melhores, e a autopoiesis provavelmente no uma delas. Com Isabelle,ento, sinto-me fisgada por alguma forma de pensamento do tipo espcie em questo.A quarta ferida ao narcisismo primrio essa questo da nossa relacionalidade com o que no humano comea a atingir nossas relacionalidades constitutivas com o maqunico mas commais que o maqunico com o no-vivente e o no-humano. Bruno Latour est tentando fazerisso tambm. Creio que h muitos de ns tentando, porque a esto muitas questes urgentesno mundo.

    NG: No Manifesto voc declara que Nossas mquinas so perturbadoramente vvidas, e nsassustadoramente inertes (Haraway, 1991a: 152/2009: 42). uma afirmao jocosa destinada aprovocar pensadores que continuam a tratar a agncia humana como algo sagrado, anterior ouindependente das mquinas? ou uma declarao mais sria sobre a emergncia de tecnologiasinteligentes dotadas de agncias e poderes criativos que rivalizam com os chamados sereshumanos?DH: As duas coisas. tambm uma queixa sobre a passividade de meus prprios amigospolitizados, de mim mesma e de meus parceiros amigos intelectuais. uma queixa. semelhante queixa de Bruno Latour sobre a estupidez dos praticantes da teoria crtica queapenas repetem a crtica e ficam empacados onde Adorno e Horkheimer estavam muito maislegitimamente empacados. O que eles fizeram naquele momento precisava ser feito. Mas loucura permanecer empacado naquelas queixas inexorveis sobre tecnologia e tecnoculturae no assumir a extraordinria vivacidade de que isso tambm nos diz respeito. umaobservao muito rabugenta sobre o tipo de trabalho que precisa ser feito, e que muitas pessoasesto fazendo. Tudo o que se deve fazer procurar onde est sendo realizado concretamente ocriativo trabalho cultural e intelectual, dentro e fora de tecnologias de escrita de todos os tipos.Katie King, creio, a terica mais interessante de tecnologias de escrita atualmente (veja seuFlexible Knowledges e Networked Re-enactmens). Ela est na Universidade de Maryland; eua conheci como quando era estudante de graduao. H uma quantidade enorme de trabalhocultural interessante que os tericos crticos so incapazes de enfrentar. NG: Debates recentes sobre o humano/ps-humano tambm nos desafiam a repensar oconceito de social. Classicamente, o social tendeu a ser construdo sobre uma concepo deum sujeito humano delimitado, que ficou difcil de sustentar luz dos desafios recentes sobreo que conta como ser humano. Em Modest_Witness voc faz uma quantidade de afirmaesinteressantes sobre o social. Voc declara, por exemplo, que relaes sociais incluem no-humanos tanto como humanos como... parceiros socialmente ativos (1997: 8). Mais adiante,voc acrescenta que o social nunca algo ontologicamente real e separado em si mesmo

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    (1997: 68). Isto parece comparvel posio de Bruno Latour, que se recusa a ligar o sociala uma noo onipotente de sociedade ou a foras sociais que fundamentariam e explicariamtodos os outros fenmenos. Que papel o conceito de social tem em seu trabalho?

    DH: Tento desloc-lo de seu lugar exclusivo nos fazeres humanos, que o modo como no final dascontas a maior parte dos tericos sociais no sempre, e Latour um bom exemplo mas, enfim,ainda assim, no final das contas a maior parte dos tericos sociais realmente entende por relaessociais e histria; e esaa uma forma muito humana, que constitui a si mesma acima de e contra oque no humano. Acredito que Derrida nos fornece as ferramentas crticas mais poderosas paraentender como que isso continua a ser feito. Mas creio tambm que Derrida se detm antes denos mostrar como isto feito.

    Estou trabalhando em um pequeno ensaio chamado And Say the Philosopher Responded porqueDerrida fez este trabalho esperto And Say the Animal Responded (ver Wolfe, 2003) e outrotrabalho esperto The Animal That Therefore I Am (O animal que logo sou) (Derrida, 2002). Nessetrabalho ele se confronta com seu gato e de fato o seu gato! Para seu extraordinrio crdito eele est solitrio entre os filsofos um gato de verdade que chama sua ateno e o faz notar deque ele est nu embora eu creia que o gato provavelmente no se importava que ele estivesse nu.Mas o que ele prossegue fazendo, de seu jeito muito criativo, lidar com a vergonha da filosofiae a vergonha de se estar nu perante o mundo. A vergonha muito mais masculina que humana,um ponto que Derrida se esquece de mencionar, porque a sua nudez frontal total que motivao argumento todo. Sua curiosidade sobre o gato agora se revela aps essa primeira percepocrucial de que este animal no est reagindo mas respondendo.

    De forma estranha e trgica, Derrida se v duplamente aprisionado precisamente noexcepcionalismo masculino, chamado exepcionalismo humano, que ele est desconstruindo;primeiro, por sua viso parcial de apenas um nico rgo descoberto e, em segundo lugar, aofalhar em sua obrigao de manter curiosidade sobre qual seria a preocupao do gato naqueleolhar. Creio que essa curiosidade o comeo do cumprimento da obrigao de saber mais comouma consequncia de ser chamado a responder um eixo crtico de uma tica no enraizada noexcepcionalismo humano.

    Deleuze e Guatarri so muito, muito piores. Acho que seu captulo sobre o devir-animal (Deleuze eGuatarri, 1987:232-309) um insulto, porque eles no esto nem a para os animais as criaturasso uma desculpa para seu projeto anti-dipo. Observe como eles achincalham mulheres idosas eseus ces enquanto glorificam a alcatia em seu horizonte de devir e suas linhas de fuga. Deleuzee Guatarri me deixam furiosa com sua completa falta de curiosidade a respeito das relaes entreanimais e das relaes entre os animais e as pessoas; e tambm com o modo como eles desprezama figura do animal domstico em sua glorificao do selvagem em seu projeto monomanaco doanti-dipo. E as pessoas selecionam Deleuze e Guattari como se fossem teis para entender asocialidade alm do humano. Besteira! Apesar de seus lapsos de cclope, Derrida muito mais til.

    Mas estou falando srio a respeito das temporalidades, escalas, materialidades, relacionalidadesentre pessoas e nossos parceiros constitutivos, que sempre incluem outras pessoas e outrascriaturas, animais ou no, ao fazer mundos, ao criar mundos (worlding). Penso que o socialcomo substantivo , em cada pedacinho, to problemtico quanto o animal ou o humano;como verbo, porm, muito mais interessante. Temos de imaginar um jeito de no realiz-lo comosubstantivo, mas sem jogar fora o beb com a gua do banho. O que pode significar o social,ento? No se pode proceder por analogia, porque no se quer antropomorfizar os parceiros no-humanos como um jeito de ir ao seu encontro. Quem precisa disso?NG: Mas o que costuma acontecer.DH: Acontece sempre, porque no sabemos como faz-lo de outra maneira. Penso em todoo trabalho realmente importante entre todos os que trabalham pelos direitos dos animais,filsofos e outros que o fazem desse jeito. Mas no podemos fazer isso desse jeito no podemos antropomorfizar ou zoomorfizar. Precisamos de um novo trabalho categorial.Precisamos viver as consequncias da curiosidade incessante dentro da operao mortal,situada e inexoravelmente relacional de criao de mundos (worlding).

    NG: Talvez seja um momento oportuno para retornar s trs rupturas de fronteiras que enquadramsua definio de ciborgue no Manifesto. A primeira delas a fronteira entre humanos e animais.Essa fronteira tambm tematizada em detalhes em sua discusso sobre organismos transgnicosem Modest_Witness (1997: 55-69) e na discusso de parentesco em seu ensaio recente sobreespcies companheiras (2004: 295-320). Tendo em vista os avanos na gentica e nas cincias dainformao ao longo das ltimas duas dcadas, a linha divisria entre humanos e animais pareceestar mais frgil do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, sua idia de espcies companheiras parecereforar fronteiras entre espcies, assim como busca conexes e fatores comuns entre elas. Isso

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    est correto? E talvez voc possa explicar porque agora v ciborgues como irmos caulas emuma famlia queer, muito maior, de espcies companheiras (Haraway, 2004: 300)?DH: De fato no acho que [a idia de] espcies companheiras refora as fronteiras entreespcies, mas posso ver como me situei de modo a ser lida dessa maneira. H toda aquelaseo no Companion Species Manifesto (2003) que comea a desmantelar a palavra espcie,mas no o faz bem o suficiente. E, como ciborgue, viver como espcie no-opcional. Fomoscriados no mundo (worlded) como espcies em um certo sentido foucaultiano de discursosproduzindo seus objetos novamente. Duzentos anos de poderosos discursos biolgicos sobretransformao do mundo, nos produziram enquanto espcies, e outras criaturas tambm.Estamos vivendo um momento de reconfigurao radical de trabalho categorial na biologia,sob a forma de biocapital e biotecnologia, que, como Sarah Franklin teoriza particularmentebem, dizem respeito a esses tipos de trans-relacionamentos que refazem parentesco. Sarahe eu estamos nessa conversao densa sobre parentesco, acerca de quando a famlia no produzida genealogicamente quando famlia a palavra errada quando parente e tipo deparentela esto sendo refeitos por meios trans (trans-ing) de todos os tipos com certezatipos gentico-moleculares e quando os bancos de dados transnacionais de biodiversidadeso uma das maiores materialidades de seres transespcies, materiais-semiticos, dos dias dehoje.Ento, estou muito interessada em espcies, no como categorias taxonomicamente fechadase acabadas, mas como um contnuo trabalho de parentela que tem tipos de instrumentalizaomuito importantes nos dias de hoje profundamente entrelaadas com TI e o biocapital.O livro Companion Species um primeiro subterfgio meu, tentando repensar espciescom ciborgues, ces, oncomouses, crebro, banco de dados a famlia de parentes noModest_Witness estou falando srio sobre isso. Creio que outras pessoas esto fazendoum trabalho melhor do que eu a esse respeito, e um projeto coletivo. Penso que vivemosnesses mundos implodidos mundos onde viver e morrer esto em jogo de modo diferencial.A espcie um desses mundos que est sendo refeito.Irredutivelmente, amo as criaturas reais, como Cayenne [um dos ces de Donna]. Aquele livrocomea com um pequeno porn leve que surge de uma conversa proibida entre Cayenne eeu. Este comrcio oral talvez minha resposta nudez frontal de Derrida diante de seu gato. Acho que estou mais preocupada com o que a cadela acha que eu quero dizer, e com o queela quer dizer, e com o que queremos dizer juntas, do que com o que os filsofos, ou melhor,a mquina filosofia, tem se preocupado at agora.O livro tenta levar a srio o fato de todos os objetos de amor serem inapropriados. Se voc estde fato amando, voc sempre se descobre amando o tipo errado de objeto de amor mesmo sevoc est casada, mesmo se totalmente mantida pelo estado o amor a desfaz e refaz. Ento,como no Manifesto Ciborgue, tambm estou tentando lidar com o lugar onde ns mesmasnos encontramos. Essa criatura Cayenne e eu, Donna: onde ns nos encontramos? Quandominha cadela e eu nos tocamos, onde e quando estamos? Quais criaes de mundo (worldings)e que tipos de temporalidades e materialidades irrompem nesse toque, para que e para quemse requer uma resposta?Por exemplo, aterrisamos no rearranjo de bancos de dados da biodiversidade, dos projetosgenmicos e ps-genmicos de ces e humanos Aterrisamos na herana das consolidaes deterra na corrida ps-ouro no oeste dos Estados Unidos e suas prticas de minerao e pecuria,suas prticas alimentares. Aterrisamos onde ces so parte da fora de trabalho. Aterrisamosnos rodeios e seu legado sobre os direitos dos animais. Aterrisamos em muitas temporalidades.Aterrisamos naquilo que Harriet Ritvo (1987) escreveu to bem no Animal State, ou no queSarah Franklin chamou de riqueza da raa e nas prticas de reproduo contemporneas(veja seu Dolly Mixtures, no prelo).Levar a srio essa relao e desemaranhar quem somos aqui nos faz aterrisar em muitosmundos concatenados, em um devir muito situado. Ento a questo fundamentalmente ticae poltica : a que voc presta contas se tentar levar a srio aquilo que voc herdou? se levar oamor a srio, o que acontece? voc pode prestar contas a tudo, ento voc tenta imaginar comopensar a respeito do mundo por meio de conexes e encontros que te refazem, no por meio

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    de taxonomias. Ento, c estamos em nossa conversa criminosa, relao proibida, comrcioqueer; e eu creio que eu/ns terminamos prestando contas diferentemente e diferentementecuriosas ao rastrear essas ligaes do que eu/ns estvamos no comeo.

    NG: Quando conversei com Bruno Latour, ele disse que o grande desafio agora trabalhar aquesto de como colecionar e classificar coisas, se voc pensa o mundo por meio de conexes.DH: Exato, e a creio que Bruno e eu estamos em um alinhamento inexorvel, mesmo quandocausamos indigesto um ao outro, por conta do modo como cada um de ns trabalha. Creioque amamos o trabalho um do outro porque isso que importa.NG: A segunda ruptura de fronteiras no Manifesto entre humanos e mquinas, na qual jtocamos agora. Perto da concluso do Manifesto voc declara que:A mquina no uma coisa a ser animada, idolatrada e dominada. A mquina coincideconosco, com nossos processos; ela um aspecto de nossa corporificao. Podemos serresponsveis pelas mquinas; ela no nos dominam ou nos ameaam. Ns somos responsveispelas fronteiras; ns somos essas fronteiras. (1991a: 180 / 2009: 97)Isto implica que humanos sempre foram mquinas (ou sistemas autopoiticos, em um sentidociberntico), ou que no h mais obstculos que impeam fuses da conscincia humana oudo corpo humano com as tecnologias de informao? ou haver aqui barreiras potenciais?Katherine Hayles, por exemplo, argumentou que:Humanos podem entrar em relaes simbiticas com mquinas inteligentes... eles podem sersubstitudos por mquinas inteligentes... mas h um limite para o modo como humanos podemser articulados sem emendas com mquinas inteligentes, que permanecem distintamentediferentes de humanos em suas corporeidades (1999: 284)

    NG: Como voc se situa nessa questo?DH: A resposta curta que concordo em grande parte com Kate Hayles, mas colocaria emtermos um pouco diferentes que talvez tenham uma diferena significativa. claro que hbarreiras. No posso acreditar na idiotice tecnolgica deslumbrada das pessoas que falam embaixar a conscincia humana para um chip.

    NG: Voc se refere a Hans Moravec?DH: Sim, me refiro a esses caras que de fato falam nisso e so caras. um tipo detecno-masculinismo auto-caricatural. Eles deveriam se envergonhar de si mesmos! Sinto-meregularmente incapaz de acreditar que eles realmente queiram dizer isso. Como leio suascoisas, tenho que assumir que sim, eles querem dizer isso. estpido, bobo e indigno decomentrios, exceto pelo fato de que pessoas poderosas convertem isso em projetos, entovoc obrigada a comentar.Agora, dito isso, creio tambm que, por meio desse tipo de leitura, pode-se refazer a histriadessa coisa ciborgue por todo o tempo e em toda parte, mas no gosto de fazer isso nosou do tipo Lovelock. No gosto daquela metanarrativa de que as coisas sempre foramassim. Creio que a estria do ciborgue historicamente limitada, que no diz tudo sobreas junes humanos-mquinas. Estou interessada nas diferenas histricas tanto quanto nascontinuidades, e creio que o modo ciborgue de fazer quem somos tem uma histria muitorecente. Talvez se possa dat-la do final do sculo XIX, ou talvez seja melhor rastre-la at osanos 1930, ou at a Segunda Guerra Mundial, ou mesmo depois. Dependendo do que se quisertrazer ao primeiro plano, pode rastrear essa histria de diferentes modos, mas muito recente.Ciborgues tem a ver com essa criatura interessante chamada informao, e voc no podetrat-la a-historicamente como se informao se referisse a algo que existiu desde sempreem todos os lugares. Isso um erro porque voc no alcana a ferocidade e especificidadedo agora.Voc tambm no pode usar humano a-historicamente; ou como se humano fosseuma coisa apenas. Humano requer um amontoado extraordinrio de parceiros. Humanos,onde quer que voc os rastreie, so produtos de relacionalidades situadas com organismos,ferramentas e muito mais. Somos uma bela multido, em todas as nossas temporalidades ematerialidades (que no se apresentam umas s outras como containers, mas como verbos co-constitutivos), incluindo as que falam da histria da terra e da evoluo. Quantas espcies

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    esto no genus Homo agora? muitas. E h muitos genera para nossos ancestrais prximos,bem como para parentes paralelos.Se voc ainda est interessada em bioantropologia, antropologia fsica e primatologia, comoeu estou, h muita coisa acontecendo taxonomicamente que bem interessante. Todos esseshumanos esto engajados com ferramentas, de vrias maneiras; mas um monte de outrosanimais tambm, inclusive corvos. Pense em tudo o que est acontecendo agora no estudode cognio e comportamento de aves. Percebeu-se que as aves fazem ferramentas de umamaneira muito mais profunda, do que jamais havamos pensado. Isto grande para a histriada terra. Mas os ciborgues so recentes. Humanos como ciborgues so muito caulas e aindaso uma multido multiespcie espcie no sentido de muitos tipos de atores, orgnicos oude outros tipos, como falamos antes.

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    NG: Senti que havia uma implicao na sua afirmao de que voc sempre leu humanos como umaforma de mquina um tipo de leitura ciberntica.DH: No. Penso que os tipos lovelockianos nos levariam a ler humanos desse modo, mas euno leio. Creio que aquelas histrias so muito mal conduzidas. Estou falando srio cobre oclamor ontolgico de que isto o que fomos feitos para nos tornarmos. Realizamos a vidadessa maneira, como ciborgues mas essa no a nica maneira pela qual realizamos a vida.H muitos ns aqui, e ningum est em um nico ns, ento falo realmente srio queisto uma afirmao ontolgica sobre o mundo, e creio que sei algo a respeito de como nostornamos assim.Susan Leigh Star quem coloca isso de modo mais poderoso ela e Geoff Bowker, emseu livro Sorting Things Out (1999), no qual eles falam em toro, para entender como aspessoas tm de viver em relao a uma srie de sistemas de padronizao simultaneamenteobrigatrios, nos quais elas no conseguem se encaixar, mas com os quais precisam conviver.Esse o modo pelo qual me interesso. No como estrias pacficas sobre a histria domundo. Fao metanarrativas o tempo todo. Estou interessada em grandes histrias, mas nodeixo que sejam uma s. Seres humanos sempre viveram em parceria. Ser humano ser umamontoado de relacionalidades, mesmo se voc est falando sobre o Homo erectus. Ento sosempre relacionalidades, mas no so sempre sobre mquinas, muito menos tecnologias deinformao.

    NG: A terceira fronteira discutida no Manifesto possivelmente a mais elusiva aquela entreos reinos do fsico e no-fsico. Seu ensaio original no discute a linha divisria com muitosdetalhes, mas isto se tornou um ponto focal em debates recentes sobre mdia e estudos culturais. Estou pensando, por exemplo, acerca de mudanas recentes sobre as conexes entre o material eo virtual (Hayles) ou hardware e software (Kittler). Esta conexo entre o fsico e o no-fsico parececentral para sua leitura dos corpos como nodos materiais-semiticos (1991b: 208). Tambmparece central para a sua discusso posterior sobre propriedade intelectual no Modest_Witness(1997: 70-94). Como voc concebe esta linha divisria entre o fsico e o no-fsico hoje?DH: Reli aquela parte porque estou bem descontente com o que sucedeu ao Manifesto ali.Foi um tipo de traduo do dualismo mente-corpo e que se tornou material-semitico vocest correta e ainda um marco provisrio para o esforo de tentar nomear isso melhoranaliticamente. H um ponto simples aqui com o qual Kate Hayles, creio, est de acordo de que o virtual no imaterial. Quem pensa que , est maluco.Fronteiras separando fsico e no-fsico sempre dizem respeito a um modo especfico decriao de mundos (worlding); e o virtual talvez seja um dos aparatos nos quais se investemais pesadamente no planeta hoje seja investimento financeiro, minerao, manufaturas,processos de trabalho, e vastas migraes de trabalho e recursos externos, que provocamlongos debates polticos, vrios tipos de crises no estado-nao, reconsolidaes do podernacional de alguns modos e no de outros, prticas militares, subjetividades, prticas culturais,arte e museus. No importa qual seja o assunto, mas se voc pensa que virtualismo imaterial, no sei em que planeta voc vive!Mas a palavra a convida a ser pensada como imaterial, o que um movimento ideolgico. Sealguma vez precisamos de anlise ideolgica, para entender de que modo o virtual entendidocomo imaterial um desses erros que os tericos crticos nos ensinaram a perceber. Acreditar

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    que de alguma forma h este devir descosturado, livre de frices um erro ideolgico quedevamos ficar espantados de ainda cometer.Se queremos entender porque ainda o cometemos, precisamos de mecanismos psicanalticos.Precisamos compreender como funcionam nossos investimentos nessas fantasias. E nopodemos entend-los sem algum tipo de noo retrabalhada de inconsciente. Temos deentender o investimento psquico na fantasia se quisermos compreender como as pessoas leemo virtual como se fosse imaterial.

    NG: Uma corrente comum que permeia o Manifesto at o Modest_Witness a idia deque todas as formas de vida e cultura esto se tornando cada vez mais mercantilizadas. EmModest_Witness, por exemplo, voc descreve em detalhes a mercantilizao global dos recursosgenticos, e com isso a mercantilizao da prpria vida. Isto parece ir contra as recentes tentativasvitalistas de procurar processos criativos na vida. Ao invs disso, voc argumenta que as patentesreconfiguram organismos como invenes humanas (Haraway, 1997: 82) e, paralelamente, agentica se torna um meio para programar o futuro. Nessa leitura, a vida se torna um lugarde poder tanto quanto de criatividade. No Manifesto voc se refere noo de Foucault debiopoder(1991a: 150/ 2009: 37), e em Modest_Witness declara que o ciborgue habita um regimeespao-temporal modificado de tecnobiopoder(1997: 12). O que exatamente tecnobiopoder?e voc v alguma esperana na oposio vitalista mercantilizao ou ao registro comercial deformas de vida?DH: A h muitas questes. A formulao de Foucault de biopoder permanece necessria,mas precisa ser empreendida, por assim dizer. Foucault no estava fundamentalmente imersona re-criao de mundos (re-worlding) que a figura do ciborgue nos faz habitar. Seu sensode biopoltica de populaes no desapareceu, mas foi retrabalhado, modificado, trans-feito(trans-ed), tecnologizado e instrumentalizado de diferentes modos, de uma forma que me fezinventar uma nova palavra tecnobiopoder que nos faz prestar ateno ao tecnobiocapitale ao capital ciborgue. Isto inclui entender que o prefixo bio gerador e produtivo. Foucaultcompreendeu que a produtividade do bio- no apenas humana. Ele compreendeu que se tratade provocaes de produtividades e geratividades da prpria vida, e Marx compreendera issotambm. Mas temos que dar a isso uma nova intensidade, pois as fontes de mais valia, dizendocruamente, no podem mais ser teorizadas exclusivamente como poder de trabalho humano,ainda que isso permanea parte do que estamos tentando imaginar. No podemos perder devista o trabalho humano, mas o trabalho humano reconfigurado pelo capital biotcnico.O esforo de produzir outros termos tecnobiopoder e material-semitico outro modode entender essas parcerias mltiplas que so fonte de riqueza, e a fonte de transformaes eapropriaes de riqueza e da reconstituio do mundo em formas de mercadorias, em toda partee em todo tempo, e nem sempre por privatizaes (enclosures). A imagem que normalmenteusvamos para contar a estria da mercantilizao era a privatizao de coisas comunais, masno suficiente. Por exemplo, genomas no esto sendo privatizados (ou no esto apenassendo privatizados); mas emergem da ao de muitos atores, humanos ou no. Genomas estogerando novas formas de riqueza e, como notam Sarah Franklin e Margaret Lock (2003),tambm novas formas de viver e morrer. Privatizao uma metfora muito estreita. Vocno pode entender o tecnobiocapital por meio das mercantilizaes agrcolas do sculo XVIII.H muito mais acontecendo do que privatizaes.Precisamos de outras imagens para entender que tipo de coisas acontecem na mercantilizao,onde esto as rachaduras, onde est a vivacidade. Isto vitalismo? No sei. No oposiovitalista. Creio que precisamos abordar isso com um esprito mais foucaultiano do quepor oposio vitalista. Isto significa se apropriar das generatividades para compreender quenem tudo opresso, e refor-las, construir as alianas, fazer as redes de parentela. Faleisobre parentela como afinidade e escolha, e as pessoas corretamente apontaram que isso soademasiadamente como se todo mundo fizesse escolhas racionais o tempo todo, que no bomo bastante. H todo tipo de processos inconscientes e solidariedades em operao que no sopautados por escolhas. Apropriar-se do tecnobiopoder e apropriar-se da configurao material-semitica do mundo, na forma de espcies companheiras, onde o ciborgue uma das figuras,mas no a dominante o que estou tentando fazer.

    NG: Em uma passagem de Modest_Witness voc fala sobre a possibilidade de construir novosuniversais para alm de humanos e no-humanos. Embasando este projeto est a ideia de que

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    linhas divisrias e o rol de atores humanos e no-humanos permanecem definitivamentecontingentes, cheios de histria, abertos mudana(Haraway, 1997: 67-8). Paralelamente, noentanto, h no Manifesto a ideia de que a informao o novo universal, e o que torna possvela linha transversal atravs de animaishumanos-mquinas seria o compartilhar de protocolos ecdigos similares subjacentes. Talvez esse seja o problema, porque se tudo pode ser codificvele disposto em um campo de diferenas, ento toda forma de vida e de cultura compartilha umasimilaridade estrutural. Pensadores como Jean Baudrillard (1993) descreveram essa situao comoo Inferno do mesmo, no qual a alteridade desaparece. Para voc, isto uma preocupao?DH: Sim, com certeza. Creio que no Manifesto aquelas sees sobre um universal recm-produzido e no-opcional no tratavam de uma situao desejvel, mas sim de uma ameaa. Creio que muita gente leu aquelas sees como se expressassem algo que eu apoiaria dealgum jeito estranho. Nunca foi. Eu estava me apropriando descritivamente de um pesadelo,e no afirmando que essa seria a verdade inexorvel. Exigem-nos viver nesse pesadelo demaneira no-opcional. Esse pesadelo est se tornando real, mas no o que tem que existir,nem a nica coisa a acontecer. Apropriar-se do pesadelo, portanto, no ceder a ele como sefosse tudo o que existe, mas um jeito de tirar daquilo que aquilo no tem que existir. Mesmocompreendendo que o pesadelo deva ser desmantelado, no se trata meramente de um sonho.Prticas efetivas esto operando desse modo.Como abordar isso? Como deter isso? No adianta simplesmente reprimir tudo promovendomais e mais regulaes contrrias voc conhece o tipo de abordagem que a biotica tem, nolimite. Mas como abordar os aparatos de generatividade, inclusive compreender os prazerese possibilidades? Como abord-los com muitas recusas, mas no apenas com recusas? Achoque Baudrillard desiste de algum modo.

    NG: O modo como leio quase como se tudo se tornasse transversal porque partilha algo quepode ser intercambiado.DH: Sim, como se Baudrillard terminasse acreditando em seu pesadelo fantstico de trocaslivres.

    NG: Creio que o que ele faz, ento, procurar formas de singularidade que no possam sertrocadas.DH: Sim, mas ele cede demais, eu acho.

    NG: A propsito disso, gostaria de perguntar sobre sua concepo de informtica da dominao.Em uma das sees mais impactantes do Manifesto, voc lista um nmero de caractersticasassociadas com a mudana da velha dominao hierrquica no mundo industrial para as novasredes assustadoras da era da informao (1991a: 161 / 2009: 59). A mais importante parece sera meta-transio entre o patriarcado capitalista branco para uma informtica da dominao.O que exatamente a informtica da dominao, e de que modo voc v mudana nas formas depoder ligadas a raa, capitalismo e patriarcado?DH: Usei a expresso informticas de dominao porque me livrou de dizer patriarcadocapitalista imperialista branco em suas verses contemporneas recentes! Era tambm umaprovocao para repensar as categorias raa, sexo, classe, nao etc. As categorias nodesaparecem, elas so intensificadas e refeitas. Talvez devssemos parar de usar substantivos.Por outro lado, no se pode simplesmente parar, porque as racializaes se tornam cada vezmais ferozes. Formas novas de gnero tanto quanto as antigas esto entre ns. No sepode simplesmente descart-las. Por outro lado, a expresso informticas da dominaofaz dois tipos de trabalho para mim. Torna mais difcil fazer qualquer coisa parecidacom uma lista de adjetivos e substantivos. E nos fora a lembrar que estas formas deglobalizao, universalizao e quaisquer outras izaes que operem com informtica soreais e interseccionais.As redes no so onipotentes, so interrompidas de um milho de modos. Voc pode tersensaes instantneas: num minuto, parecem controlar todo o planeta; no minuto seguinteparecem um castelo de cartas. porque so ambas. E muito mais acontece, alm disso. Aquesto, ento, tentar viver nessa beirada no ceder aos pesadelos do apocalipse, manter-senas urgncias e perceber que a vida cotidiana sempre muito maior do que suas deformaes perceber que mesmo quando a experincia mercantilizada, volta-se contra ns e transforma-se em nosso inimigo, nunca se trata apenas disso. H muito mais acontecendo, coisas quenunca so nomeadas por nenhum sistema terico, incluindo as informticas de dominao.

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    NG: Isso est bem alinhado com sua posio no Manifesto, em que voc se recusa a vera tecnologia em termos exclusivamente positivos ou negativos. Por um lado, por exemplo,voc delineia os novos circuitos integrados de poder militar ou capitalista, juntamente comas prticas de trabalho hiper-exploradoras que caracterizam a nova era da mdia. Por outro,voc se coloca contra a idia de que a dominao o resultado necessrio do desenvolvimentotecnolgico (1991a: 154 / 2009: 45). Enquanto isso, no Modest_Witness, voc se posicionano fio da navalha entre a paranoia de que a conexo entre capital transnacional etecnocincia de fato define aquele mundo e a negao de que prticas grandes, distribudase articuladas esto de fato se esbaldando nessa conexo (1997: 7). Voc ainda se posicionadesse modo?

    DH: A resposta curta sim.. Como no ficarmos aterrorizados, em algum estado de paranoiacoletiva, quando no vemos nada alm das conexes este tipo de fantasia paranoica de sistemas?

    NG: Claramente este o pesadelo, uma configurao fantstica que, em si mesma, parte doproblema. Ao mesmo tempo, no se pode enfrentar isso com o deslumbramento tecno do tipovamos baixar a conscincia humana no chip mais recente. No d para se livrar da dor e dosofrimento desse modo. E tambm no d para se livrar disso com qualquer tipo de negao nemuma nova verso de humanisno, ou reformismo, nem achar que no h nada de errado. Algo estprofundamente errado; no entanto, isso no tudo o est acontecendo, Esse o nosso recursopara refazer conexes ns nunca comeamos do zero.NG: Pensando em termos de conexes, parece que o poder se torna crescentemente efetivo aoconcentrar-se em condies de fronteira e interface, em taxas de fluxos atravs de fronteiras,no na integridade de objetos naturais (Haraway, 1991b: 212). Isto significa, por sua vez, quea resistncia se podemos cham-la assim poderia se desenvolver por meio de um colapsona comunicao, ou pela formulao de cdigos que impeam a traduo fcil de todas asformas culturais-naturais. Em vista disso, o rudo termo chave em pensamento ciberntico ganha maior importncia poltica?DH: Sim, creio que sim. Alguns fenomenologistas no Chile, no perodo anterior a Pinochet,estavam interessados em colapsos. um lugar extraordinariamente interessante, em que hcoisas que no esto funcionando e a fantasia da comunicao perfeita no se sustenta. Talvezpor causa da minha herana catlica de fascnio pela figurao, interesso-me por tropos comolugares onde se tropea. Tropos so muito mais do que metforas, metonmias e toda a estreitalista ortodoxa. Rudo apenas uma figura, um tropo pelo qual me interesso. Tropos referem-se a gaguejos, tropeos. Referem-se a colapsos, por isso so criativos. por isso que vocchega em algum lugar que no esteve antes, porque algo no funcionou.

    NG: Paralelamente, em seu trabalho, voc atribui um papel proeminente ao sonhar (dreamwork)Voc afirma que no a forma de sonhar associada com o insconciente freudiano (2004: 323),mas antes uma tentativa de mapear como as coisas so e como poderiam ser de outra maneira (oque voc v como o projeto da teoria crtica). Esse encontro imaginrio com a alteridade parecerepousar no corao do que voc chama de crtica(2004: 326). Como a crtica, definida dessemodo, atua no Manifesto?DH: Suponho que um tipo de esperana fantstica permeia um manifesto. H uma insistncia,sem garantias, de que a fantasia de um outro mundo no escapismo mas uma ferramentapoderosa. Crtica no futurismo nem futurologia. sobre aqui e agora, se pudermos aprenderque somos mais poderosos do que pensamos e que a mquina de guerra no o que somos.No h nenhuma base firme para isso, uma espcie de ato de f. Mas tambm um atode compreenso do que a vida, no apenas sua prpria vida, mas um tipo de sensibilidadeetnogrfica tambm. Por onde quer que voc ande e observe profundamente, voc percebe queas pessoas, mesmo vivendo nas piores condies, no esto acabadas, no esto destrudas.Deve-se correr o risco de perceber como a vida das pessoas no est acabada, mesmo sob aspiores condies, pisoteadas e oprimidas.

    NG: Sua idia do sonhar como crtica tambm levanta questes interessantes sobre a conexoentre teoria e fico. Quando me deparei com o primeiro ensaio de Manfred Clynes e Nathan Klinesobre ciborgues e viagens ao espao achei que podia ser lido como fico cientfica, com suanfase em alterar as funes corporais do homem para fazer frente s condies dos ambientesextraterrestres (1995: 29). No princpio do Manifesto voc segue um caminho semelhante aodefinir o ciborgue como uma criatura de realidade social e tambm uma criatura de fico(1991a:

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    149 / 2009: 36). Posteriormente, no Modest_Witness, voc diz que organismos transgnicos soao mesmo tempo completamente ordinrios e coisas de fico cientfica(1997: 57). Isto implicaque no h uma linha divisria clara entre realidade social (seja ela qual for) e fico? E quanto teoria (social)? Seria apenas outra forma de fico, ou algo que deveria ser tratado diferentemente?DH: Bem, essa uma outra maneira com que tento atingir aquilo que experencio no mundo,que a imploso. As linhas divisrias tentam classificar coisas da melhor maneira possvel,s vezes por boas razes. s vezes h boas razes para demarcar a diferena entre realidadesocial e fico cientfica, mas no devemos acreditar que tais categorias sejam de fato coisasontologicamente diferentes e pr-estabelecidas.

    NG: Categorias e conceitos so fices, ento?DH: So sempre provisrias. Se por fico se quer dizer inveno, a resposta no. Porm,se por fico se quer dizer o que tentei descrever em Primate Visions (1990) formao ativa ento sim. Fato e fico tm uma interessante conexo etimolgica: fato particpio passado,feito, e fico ainda est no fazer-se. Se por fico se quer dizer isso, ento a resposta sim.A razo pela qual tenho problemas para responder essa questo porque ela assume querealidade social e fico cientfica, (ou fico de modo mais abrangente), so algo dado, queexiste uma linha divisria e que essa linha pode ser removida pela vontade.

    NG: No necessariamente, fico imaginando como voc imaginou isso.DH: Tenho problemas para responder a questo por causa de sua sintaxe. O trabalho semitico incluindo o sonhar faz parte do que torna o mundo real. Clynes e Kline so um bomexemplo. Eles esto envolvidos em projetos reais, em um ambiente institucional de projetosreais mltiplos. A realidade social estava sendo criada para acontecer l, e era um sonhofantstico.

    NG: No contexto do Manifesto, quando voc diz que o ciborgue uma criatura da realidade socialbem como uma criatura de fico, nunca se trata ento de isto-ou-aquilo, mas sempre ambos.DH: Sim, sempre ambos. Isto no significa que no se deva fazer um pequeno trabalho declassificao, mas deve-se lembrar que trabalho de classificao.

    NG: Apenas para continuar com a questo de mtodo. Em uma entrevista recente voc no falaem categorias ou conceitos estticos, mas em tecnologias de pensar dotadas de materialidadee efetividade (2004: 335). O que so tais tecnologias? E, talvez num tom diferente, voc tambmparece se colocar contra o que chama a tirania da clareza que continua a governar a pesquisaatualmente. Por que? Imagino que, em parte, porque voc est procurando conexes complexas,ontologias sujas...DH: E o inexorvel estado de alerta de que o mundo est para tropear, que a comunicaoest para tropear, que toda linguagem trpica, incluindo a linguagem matemtica.A quuantificao uma prtica extraordinria de empregar tropos, muito poderosa eextremamente interessante. Deve ser estimulada e sustentada. Os matemticos deveriamreceber muito mais dinheiro.. A tirania da clareza diz respeito crena de que toda prticasemitica imaterial. o mesmo erro de pensar que o virtual imaterial. o erro de pensar querelao sexual, comunicao, conversao, engajamento semitico estejam livres de tropos ousejam imateriais. De novo, trata-se de um compromisso ideolgico.

    NG: E as tecnologias de pensar? O que so e como voc as pe para funcionar?DH: Acho que todo tipo de coisas se encaixa nessa categoria que j estvamos discutindo.Mas vamos tentar nomear algumas com um pouco mais de trabalho de fronteiras, e desenharalgumas fronteiras mais teis entre elas. Creio que treinar com minha cadela uma tecnologiade pensar para ambas, porque provoca, por meio da prtica de aprendermos a nos focar umana outra, a fazer algo que nenhuma de ns poderia fazer sozinha; e a fazer de uma maneiraregrada, ao jogar um jogo especfico com regras arbitrrias que permitem jogar ou inventaralgo novo, algo alm da comunicao funcional, algo aberto. Na verdade, exatamente o quebrincar significa: um jogo que d um espao suficientemente seguro para se fazer algo queseria perigoso de outro modo. Ces sabem que, quando deitam, fazem seu parceiro fazeralgo que no conseguiriam se no tivessem deitado. Deram um sinal meta-comunicativoao seu parceiro de que no iro atac-lo. O sinal lido dessa forma, o que cria um espao

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    livre interessante, no qual os jogadores acabam fazendo coisas que os constituem como seresmateriais-semiticos diversos do que eram antes.Brincar realmente interessante; e ns, humanos, estamos longe de ser os nicos que brincam.Meus ces e eu temos esta prtica de treinar. uma tecnologia de pensar, em parte porque mefaz compreender de um modo diferente o que Clark Thompson (2005) chama de coreografiaontolgica, e me faz acessar a material-semiose diferentemente e pensar ligaes e invenes.Mas esse apenas um domnio pequenino das tecnologias de pensar. Tambm creio queas prticas etnogrficas so tecnologias de pensar. Creio que quase qualquer projeto deconhecimento srio uma tecnologia de pensar, na medida em que refaz seus participantes.Ela o alcana, e depois disso voc no o mesmo. Tecnologias rearranjam o mundo paradeterminados propsitos, mas tambm vo alm da funo e do propsito para algo aberto,algo que ainda no .

    NG: Talvez um dilogo possa ser visto nesse sentido como uma tecnologia de pensar. Penso, porexemplo, no simpsio de Plato, e no sentido de que voc nunca entra em um dilogo na mesmaposio em que o deixa, porque as coisas mudam no seu decorrer.DH: Exatamente. Trabalho dialgico exatamente isto. No se trata de sntese dialtica, a noser de forma parcial e provisria.

    NG: Um aspecto subsequente de sua metodologia o que voc chama de pragmtica, o queentendo se referir a uma tentativa de estabelecer conexes entre, por exemplo, objetos, espcies emquinas; e seguir essas conexes em detalhe para ver como funcionam. Voc d os exemplos dechip, gene, ciborgue, semente, feto, crebro, bomba, banco de dados, ecossistema e diz que sodensidades que podem ser suavizadas, que podem ser arrancadas, que podem ser explodidas, econduzem a mundos inteiros, a universos sem ponto final, sem fim (2004: 338). Nessa abordagem,a relao considerada a menor unidade de anlise possvel (2004: 315). Mas como vocsugeriria tais procedimentos de trabalho, tendo em vista que as relaes entre as entidades acimano so infinitas, mas esto em constante mudana? Que dificuldades voc v ao estudar asconexes entre entidades que esto evoluindo em um ritmo acelerado? No h o perigo de que talpesquisa esteja sempre em descompasso?DH: As coisas mudam rapidamente e acho que isto um fato. Mas acredito que h muitascontinuidades que esquecemos se incorporarmos esse tipo de euforia da velocidade em nossopensamento. H um aspecto da euforia da velocidade virilioesca2 na teoria cultural que nosconfunde. Sou to atingida pelas continuidades densas quanto pelas reformulaes profundase pelas mudanas rpidas que esto em curso. Creio que precisamos prestar ateno nascontinuidades densas como um meio de profilaxia contra a euforia da velocidade, comoesttica cultural ou como esttica cultural-terica. Isso uma coisa. A outra que ns noprecisamos tanto de mtodos quanto de prticas, e ns j estamos envolvidos nelas.Alm disso, acho que grande parte do que nos interessa, enquanto trabalhadores intelectuais,no fruto de nossa prpria escolha. Creio que lidamos com aquilo que somos chamados afazer. H certo senso tico, intelectual e fsico de vocao, de responder quilo que percebemosser, onde nos encontramos, e com quem estamos. Creio que um tipo de questo tica deresponsividade, mais do que escolha. No se trata muito de escolha. No acho que sentamose decidimos o que importante. Acho que lidamos de alguma maneira com o que estacontecendo, e o mtodo de trabalho inexoravelmente colaborativo.Ento, se voc sentar e olhar meu pequeno grupo de parentes chip, gene, ciborgue, semente,feto, crebro, bomba, ecossistema, espcie isso colaborativo. Devemos levar realmente asrio o fato de que ningum faz nada sozinho, e ns fazemos nossas prticas performativas e decitao dessa maneira. Concebemos como reconhecer e como construir ns como mtodo.Essa a prtica, incluindo manter nossas heranas no deixando as pessoas esquecerem deque ainda temos que ler Weber, por exemplo.

    NG: Sim, o que voc acaba de dizer me lembrou da vocao ou beruf de Weber.DH: Exatamente. Creio que ficamos impressionados demais com a euforia da mudana eprestamos pouca ateno ao que de fato nos pressiona e ao que devemos responder.

    NG: Finalmente, uma coisa sempre me intrigou: de que modo o Manifesto de fato ummanifesto? O texto sempre me pareceu muito aberto, fora das assertivas dogmticas ounormativas que normalmente esto no cerne dos manifestos. De fato, voc se descreve como uma

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    das leitoras do manifesto, no uma de suas escritoras (2004: 325). Vinte e cinco anos depois dapublicao do Manifesto como voc pensa que ele se mantm como um manifesto no sentidopoltico?DH: Um sentido direto a brincadeira sria de fazer parte de uma linhagem, de tentar lidarcom minha herana de ter lido Marx, ou o Manifesto Comunista mais estritamente. E tambmum pouco a tradio literal dos manifestos, que nos traz de volta questo de Lenin: o quefazer? Quem somos, quando somos, onde estamos e o que fazer? Nesse sentido o ManifestoCiborgue faz parte de uma tradio poltica, e eu tento l-lo dessa forma. um texto abertopor causa do que diz sobre o mundo, um mundo sem partidos de vanguarda. No maistrabalhadores do mundo, uni-vos- isso tambm, junto com a tarefa nada bvia de conceberquem so os trabalhadores do mundo. Essa a questo pujante pergunte a qualquer um queesteja tentando construir sindicatos trabalhistas efetivos hoje em dia. Para mim, porm, maisespcies companheiras do mundo, uni-vos. Suponho que no Manifesto Ciborgue eu teriadito ciborgues do mundo, uni-vos. Mas agora estou tentando usar este termo no-sofisticado espcies companheiras que, para muita gente, significa a velha senhora desprezada porDeleuze e seu pequeno co de estimao.Minhas amigas feministas e outras, nos anos 1980, acharam que o ciborgue era ruim. uma simplificao, mas era a atitude que prevalecia entre minhas companheiras em relao cincia e tecnologia. As posies eram muito polarizadas: de um lado, um ponto de vistainsustentavelmente realista, quase positivista, da cincia que acredita que se pode dizer defato o que se pensa no-tropicamente; de outro, um programa anticientfico de volta-para-a-natureza. O Manifesto Ciborgue era uma recusa a ambas as abordagens, mas sem umarecusa aliana. .O Manifesto argumentava que voc pode, e at mesmo deve apropriar-sedesse lugar desprezado. O lugar desprezado era ento o ciborgue, o que agora deixou de serverdadeiro. De certo modo, o lugar desprezado agora aquela velha senhora com seu co, nocaptulo de Deleuze e Guatarri sobre Devir-Animal.Recusei-me a ler Deleuze e Guatarri at o ano passado. sou uma leitora muito recente, e agora sei por que me recusava a l-los. Todo mundo diz que sou deleuziana, e eu continuo dizendode jeito nenhum. Essa uma maneira de fazer com que pensadoras mulheres paream serderivadas de pensadores homens, os quais so frequentemente seus contemporneos faz-lasparecer derivadas e idnticas, quando no somos nem uma coisa nem outra. Meu Deleuze ofeminismo transmutante de Rosi Braidotti, uma muvuca muito diferente (cf. Braidotti, 2006).

    NG: Percebi essa tendncia em Latour.

    Bibliografia

    DH: Ele j foi repreendido por causa disso muitas vezes. Mas ele tem jeito, ele chega l! Nas publicaes,ele agora cita Stengers, Charis Thompson, Shirley Strum e at mesmo eu (cf. Latour, 1999). As prticasde citao no so simtricas, mas a troca a real. Porm, muitos ainda imaginam que o pensamentofeminista vem do que eu chamaria de equivalentes deleuzeanos, que s vezes so nossos companheirosintelectuais, s vezes no, e s vezes simplesmente fazem outra coisa. Minha pequena rebelio foi, svezes, me recusar a l-los. Na vida cotidiana leio com muito mais cuidado aqueles que no possuem umnome pblico ainda. Em parte, isso a prtica de trabalho no-opcional de uma professora. As prticasde leitura e citao tm que ser sincronizadas de alguma forma. Ler Maria, Astrid, Gillian, Eva, Adam,Jake, Heather, Natasha e muitos mais isso traa minha linha de fuga melhor do que uma genealogia.So nomes de espcies companheiras, todas a perguntar: o que fazer?

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    Notas

    1 Todas as citaes do Manifesto Ciborgue foram extradas da verso em portugus. Haraway, D.Manifesto Ciborgue: Cincia, Tecnologia e feminismo-socialista no final do sculo XX. In Tadeu, T.(org). Antropologia do Ciborgue as vertigens do ps-humano. Belo Horizonte: Autntica, 2009. 2edio.2 Ver o filsofo e urbanista francs Paul Virilio. O termo refere-se a questo de uma velocidade querompe distncias e territorialidades em um tempo cada vez menor, por meio da informtica.

    Para citar este artigo

    Referncia eletrnica

    Nicholas Gane e Donna Haraway, Se ns nunca fomos humanos, o que fazer?, Ponto Urbe[Online], 6|2010, posto online no dia 31 Julho 2010, consultado o 08 Setembro 2015. URL: http://pontourbe.revues.org/1635; DOI: 10.4000/pontourbe.1635

    Autores

    Nicholas GaneNicholas Gane responsvel pelo curso de Sociologia na University of York, UK. Suas publicaesincluem Max Weber and Postmodern Theory (Palgrave, 2002) e The Future of Social Theory(Continuum, 2004).Donna HarawayDonna Haraway professora do Departamento de Histria da Conscincia na Universidade daCalifrnia em Santa Cruz, onde ela ensina teoria feminista, estudos de cincia e estudos de animais.Seu livro mais recente When Species Meet (University of Minnesota Press, 2007), que examinaaspectos filosficos, histricos, culturais, pessoais, tecnocientficos e biolgicos das aes inter e intraanimais e humanos.

    Direitos de autor

    NAU

    Notas da redaco

    Reviso: Ivo Cantor Magnani

    Agradecimentos ao Prof. Dr. Jlio Simes, do Departamento de Antropologia da USP e aRolinka Nuse, que contriburam para o processo de reviso.