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76 SEÇÃO ANÁTOMO-CLÍNICA CENTRO DE ESTUDOS "REYNALDO QUAGLIATO" SEPTICEMIA COM MÚLTIPLAS LESÕES ÓSSEAS SUPURATIVAS COMO COMPLICAÇÃO DO ERITEMA NODOSO HANSÊNICO (Instituto Lauro de Souza Lima Bauru, SP, Brasil) Patologista: Raul Negrão FLEURY* Clinico: Diltor V. Araújo OPROMOLLA** RESUMO - Um homem de 57 anos de idade, relata história de hanseníase.com 26 anos de duração e ainda em atividade. Desde a primeira consulta ao Hospital apresenta episódios de Eritema nodoso hansênico (ENH), frequentes, intensos, muitas vezes acompanhados por neurites, adenomegalia, icterícia e anemia. Desenvolveu lesões ulcerativas de extremidades inferiores e superiores que evoluiram para infecção secundária, necrose e exposição de planos músculo-tendinosos e ósseos. Na última internação apresentou ainda episódios de ENH, mas predominou quadro clínico caracterizado por abscessos de regiões glúteas; dores ósseas ao nível dos membros inferiores, crista ilíaca direita e tórax; dificuldade à micção com progressiva diminuição do volume urinário; picos febris eventuais; melena; distensão abdo- minal e nos últimos dias dificuldade respiratória. Os exames laboratoriais evidenciaram queda de hemoglobina (10,7-5,1 g%), queda dos leucócitos no sangue (9.900-3.700 mm 3 ); osteoporose vertebral com colapso parcial dos corpos vertebrais D4, D5, D11 e sinais de osteomielite em tíbia e perônio. Na autópsia observou-se um paciente virchoviano em estado regressivo adiantado, com pequena quantidade de bacilos granulosos em troncos nervosos e linfonodo axilar. Não se detectaram lesões ativas de ENH em pele, nervos e vísceras, havendo apenas um foco de necrose e supuração em organização em linfonodo axilar. O paciente faleceu em choque séptico decorrente de múltiplas lesões necrotizantes e supurativas em corpos vertebrais, arcos costais e clavículas. A rotura de um abscesso costal no hemitórax direito levou à pleurite sero-fibrino-purulento, intensa. Observou-se trombose de veia axilar direita, de veia cava inferior junto à desembocadura de suprahepática, e trombose do átrio direito; colite aguda úlcero-flegmonosa e necrotizante ao nível do ceco; nódulo de Criptococose em pulmão esquerdo, e hiperplasia nodular da próstata. Discute-se a relação entre ENH e instalação do quadro séptico, lembrando-se a possibilidade de infecção secundária nas lesões cutâneas de ENH, de exaustão da resistência imune frente a episódios sub-entrantes de ENH, e ação dos corticoesteróides na queda de resistência à microorganismos patógenos habituais ou oportunistas. Palavras-chave: Hanseníase virchoviana. Eritema nodoso hansênico. Septicemia. (*) Diretor do Serviço de Epidemiologia do Instituto Lauro de Souza Lima. Professor Assistente-Doutor do Departamento de Patologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, USP. (**) Diretor da Divisäo de Pesquisa e Ensino do Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP Endereço:- Instituto Lauro de Souza Lima - Rodovia Bauru/Jaú Km 115. Caixa Postal e2 - CEP 17.001-970 - Bauru, SP, Brasil. Hansen Int 15(1-2): 76 - 086 ,1990

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SEÇÃO ANÁTOMO-CLÍNICA

CENTRO DE ESTUDOS"REYNALDO QUAGLIATO"

SEPTICEMIA COM MÚLTIPLAS LESÕES ÓSSEAS SUPURATIVASCOMO COMPLICAÇÃO DO ERITEMA NODOSO HANSÊNICO

(Instituto Lauro de SouzaLima Bauru, SP, Brasil)

Patologista: Raul Negrão FLEURY*Clinico: Diltor V. Araújo OPROMOLLA**

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ESUMO - Um homem de 57 anos de idade, relata história de hanseníase.com 26 anos deuração e ainda em atividade. Desde a primeira consulta ao Hospital apresenta episódios deritema nodoso hansênico (ENH), frequentes, intensos, muitas vezes acompanhados poreurites, adenomegalia, icterícia e anemia. Desenvolveu lesões ulcerativas de extremidadesnferiores e superiores que evoluiram para infecção secundária, necrose e exposição delanos músculo-tendinosos e ósseos. Na última internação apresentou ainda episódios deNH, mas predominou quadro clínico caracterizado por abscessos de regiões glúteas; doressseas ao nível dos membros inferiores, crista ilíaca direita e tórax; dificuldade à micção comrogressiva diminuição do volume urinário; picos febris eventuais; melena; distensão abdo-inal e nos últimos dias dificuldade respiratória. Os exames laboratoriais evidenciaram

ueda de hemoglobina (10,7-5,1 g%), queda dos leucócitos no sangue (9.900-3.700 mm3);steoporose vertebral com colapso parcial dos corpos vertebrais D4, D5, D11 e sinais desteomielite em tíbia e perônio. Na autópsia observou-se um paciente virchoviano em estadoegressivo adiantado, com pequena quantidade de bacilos granulosos em troncoservosos e linfonodo axilar. Não se detectaram lesões ativas de ENH em pele, nervos eísceras, havendo apenas um foco de necrose e supuração em organização em linfonodoxilar. O paciente faleceu em choque séptico decorrente de múltiplas lesões necrotizantes eupurativas em corpos vertebrais, arcos costais e clavículas. A rotura de um abscessoostal no hemitórax direito levou à pleurite sero-fibrino-purulento, intensa. Observou-serombose de veia axilar direita, de veia cava inferior junto à desembocadura deuprahepática, e trombose do átrio direito; colite aguda úlcero-flegmonosa e necrotizante aoível do ceco; nódulo de Criptococose em pulmão esquerdo, e hiperplasia nodular daróstata. Discute-se a relação entre ENH e instalação do quadro séptico, lembrando-se aossibilidade de infecção secundária nas lesões cutâneas de ENH, de exaustão daesistência imune frente a episódios sub-entrantes de ENH, e ação dos corticoesteróides naueda de resistência à microorganismos patógenos habituais ou oportunistas.

alavras-chave: Hanseníase virchoviana. Eritema nodoso hansênico. Septicemia.

) Diretor do Serviço de Epidemiologia do Instituto Lauro de Souza Lima. Professor Assistente-Doutor do Departamento detologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, USP.*) Diretor da Divisäo de Pesquisa e Ensino do Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SPdereço:- Instituto Lauro de Souza Lima - Rodovia Bauru/Jaú Km 115. Caixa Postal e2 - CEP 17.001-970 - Bauru, SP, Brasil.

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FLEURY, R.N.- Septicema com múltiplas lesões ósseas supurativas como complicação do eritema nodoso hansênico 77

1. HISTÓRIA CLÍNICA

A.R., 57 anos, masculino, branco, lavrador,natural de Matão, SP, e procedente de Urupês,SP, foi internado pela primeira vez em 7 demarço de 1966. Contava que há 26 anosapareceu uma mácula hipocrômica, anestésica eanedótica na face posterior da coxa esquerda.Seis anos após iniciou o tratamento com sulfona.

Na épocadessa primeira internação apresentava madaroseparcial bilateral, discreto eritema na face, fronte,orelhas, discreta amiotrof ia dos interósseos dasmãos, cicatrizes nos joelhos e pernas. Abaciloscopia do muco nasal era (+) e da orelhaesquerda (+). Nos antecedentes pessoais referiatifo e pneumonia. Era tabagista e etilista social.Nos antecedentes familiares relatou que o pai "eirmão tinham hanseníase e a mãe hérnia hiatal.

Foi internado pela segunda vez em 16de novembro de 1978, devido a reação tipo "EN"e neurite dos cubitais, tendo recebido talidomida(Th), aspirina e corticóides. Referia ter tidomeningite há 4 meses. Apresentava 3.300.000hemácias/mm3, sendo a Hb=8,3% e Ht=28%,com anisocitose e macrocitose ++ e micro ehipocromia (+). Leucócitos=18.600/ mm3 (meta=0%, bast.= 10%, seg.= 70%, e os.= 2%, bas.=0%, linf.= 17%, mon.= 1% e plasm.= 0%);granulações tóxicas (+) e alteraçõesdegenerativas (++). A urina era de coravermelhada. Havia proteinúria++, hematúria(34.500/ml) e numerosas bactérias. Proteínastotais 4,62 g% e estrongiloidíase.

Cinco meses após foi reinternado comhistória de "caroços" avermelhados pelo corpo,com febre, adenopatia e anorexia há 10 dias.Apresentava também vômitos amareloesverdeados, dores abdominais em cólicas eobtipação há 5 dias. Ao exame apresentava PA =9,6; T = 36ºC e P = 80; mucosas decoradas, peleictérica, com erupção morbiliforme e petéquias notronco e membros. Lesões ulceradas no pé ecom infecção secundária , dor, edema eulceração na perna e pé D, cuja pele apresentavatom violáceo acentuado. Foi feito debridamentodo pé E e amputação do MID ao nível do terçosuperior da perna. O exame anatomopatologicoda perna D demonstra lesões úlcero-necrotizantes

e reação inflamatória ao nível dos planosmusculares, tromboses venosas recentes ehanseníase virchoviana nos troncos nervososperiféricos.

Evoluiu durante esta internação comsurtos de eritema nodoso sucessivos sendo osprimeiros de difícil controle. Foram utilizadoscorticóides e depois Th. Apresentava lagoftalmodiscreto bilateral e "pé caído" à E. Os examesrevelaram estrongiloidíase, VHS aumentado, e noexame de urina proteinúria ++, 18.000 leucócitos,raras bactérias com numerosas células. Nohemograma havia 3.800.000 hemácias/mm3, Hb =9,9 g% e Ht = 32%, com anisocitose, microcitose ehipocromia (+). Leucócitos 12.100 (meta = 0%,bast = 5% seg = 67%, eos = 0%, bas = 0%, linf =25%, mon = 3%, plasm = 0%). No exsudato do péE, presença de Staphllococcus albus e bacilosdifteróides.

Oito meses após (junho de 1980) foireinternado devido a úlcera maleolar E comabscesso e males perfurantes plantares (MPP).Os exames de rotina nada apresentaram digno denota, a não ser ainda a presença deestrongiloidíase que foi tratada. Evoluiu semcomplicações recebendo alta em novembro de1980. Em junho de 1982 foi internado novamenteapresentando calafrios e máculas eritematosas notronco e após uma semana, ulcerações no localdas lesões e edema de membros superiores.Havia também placas eritematosas no tronco emembros com certo grau de descamação e lesõesnodulares permeavam as placas. Lesõesulceradas e outras exulceradas no dorso da mãoD. Uma ulceração profunda expunha o tendão. In-tenso edema de membros superiores, respeitandoo terço proximal dos braços, e a prega antecubitalera mole, depressível, quente, eritematosa epouco dolorosa. Edema semelhante na perna e péE, onde haviam lesões ulceradas na base dohalux. Foi amputado o 3º dedo da mão E e Ddevido exposição óssea. A PA era 11x6, a T =36,6º e o pulso 88 bat/mm. Apresentava 2.700.000hemácias/ mm

3, Hb = 6,2 g% e Ht = 21%, com

hipocromia +++; micro e policromasia ++,macrocitose e poiquilocitose +, leucócitos: 6.500(meta = 0%, bast. = 3%, seg. = 76%, eos. = 2%,bas. = 0%, linf. = 18%, plasm. = 0%). Foi tratadocom sulfato ferroso, complexo B e vitamina

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78 FLEURY, R.N.- Septicema com múltiplas lesses ósseas supurativas como complicação do eritema nodoso hansênico

C, com normalização do hemograma. Comocontinuava com palidez de mucosas foi dosa-do o ferro sérico com valor de 55 mg/100m1e reticulócitos de 4,66%. 0 VHS continuavaaumentado e a urina apresentava numero-sas bactérias.

Continuou apresentando surtos deeritema nodoso e exibia máculas ferruginosasno abdomem, tronco e ombros, com baciloscopia++++, com predomínio de bacilos típicos. Foifeita uma biópsia que revelou hanseníasevirchoviana com ++++ de BAAR, com grandenúmero de típicos. Até então o paciente faziatratamento irregular com sulfona. Foi introduzidaRifampicina 1200 g mensais e Dapsone 100g/dia.

Dois anos após (13/4/1984) f o ireinternado, pela última vez, com máculas,pápulas e placas eritematosas nos membrose tronco e ulcerações no pé E. Apresentavamucosas descoradas. Foram biopsiadas le-sões no abdomem e dorso D, com diagnósti-co de MH/V e baciloscopia ++. O VHS era83mm. 0 hemograma apresentava 4.000.000/mm3 de hemácias, Hb = 10,7 g% e Ht = 35%com anisocitose, microcitose e hipocromia+.Leucócitos = 9.900/mm3 (meta = 0%, bast. =5,5%, seg. = 80% eos. = 0,5%, bas. = 0%,linf. = 12%, mon. = 2%, plasm. = 0%). Abaciloscopia cutânea dos cotovelos reveloubacilos +++, com 0% de bacilos típicos. Ummês e meio após a internação apresentouabcessos na região glútea, sendo a E maiseritematoso, quente e flutuante à palpação.Durante a drenagem o paciente queixava-sede dores em todo o tórax. Foi administradomonohidrato de cefalexina (Keflex). Três diasapós referiu dores na costas do lado E. semsinais inflamatórios.

Nos 15 dias que se seguiram, apre-sentou abcesso na região glútea D, sendodrenada secreção esverdeada. Continuou comdores na crista ilíaca D, sendo drenado novoabcesso após outros 10 dias na nádega D. Opaciente continuou apresentando surtos compresença de placas eritematosas, com au-mento de temperatura na região lateral dotronco, abdomem, onde foi biopsiada e diag-nosticado reação hansênicacom baciloscopia+ (granulosos).

Evoluiu com dores na perna E, sendoexaminado pelo ortopedista que receitou

anabolizante ("durabolim") e cálcio. Conti-nuou apresentando dores na região lombar Ee perna E, onde foi colocada tala gessada,sendo medicado com diclofenaco sódio(Voltaren). Um Rx revelou osteoporose datibia E e aspecto normal da articulação coxo-femural D. A baciloscopia era +++ nos joe-lhos e cotovelos, com bacilos granulosos.Começou a apresentar hematomas nos de-dos das mãos, de origem traumática, cominfecção secundária e exposição óssea e detendão. A palidez cutânea e mucosa se acen-tuaram; apresentava hematúria de 3.200/m110 dias após de 65.000/ml sem outrasalterações.

Começou apresentar dif iculdades paraurinar; a PA era 7/4 e foi feita hidrataçãoparenteral. Continuou com retenção urinária,quando foi sondado e iniciado sulfametoxazol+ trimetoprin(Bactrim).

Feito BCG. Após sondagem, oexame de urina revelou 72.000 hemácias/ml,27.000 leucócitos/mi e raras células, com1.500 cilindros hemáticos e 1.000granulosos. Também proteinúria de 0,09 eurobilinogênio de 1/4. Continuou apresentandoPA de 7/4, mucosas descoradas +++ e doreslombares e abdominal. Foi dissecada veiapara hidratação parenteral. O paciente nãoestava se alimentando. Avaliado pelourologista, a próstata era normal ao toque efoi-lhe administrado sangue, pois apresentava2.500.000 hemácias, com HB de 5,9% e Ht de19%. Leucócitos eram 4.600 mm3 (meta =0%, bast. =1 %, seg. = 91%, eos. = 0%, linf. =7,5%, mon. = 0,5%, plasm. = 0%). Um Rx deabdomem mostrou acúmulo gasoso intestinalsem dilatação de alças. Escoliose lombar deconvexidade E, com rotação das vértebras,osteoporose vertebral cervical e lombar. Emum Rx de tórax não havia evidências deprocesso parenquimatosoou pleural evolutivo."Reliquat" pleural na base E. Aumento da áreacardíacaectasia da aorta. Os reticulócitos eferro sérico eram normais. Começouapresentar melena e então fol retirado o AAS eo corticóide introduzido Cimetidina eantiácidos. O paciente começou a apresentaralterações esporádicas de consciência.Evolui com presença de sibilos esparsos eroncos nos pulmões.

Foi iniciado Sobrerol (Sobrepim), acetil-

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LEURY, R.N.- Septicema corn múltiplas lesões ósseas supurativas como complicação do entorna nodoso hansênico 79

cisterna (Flumacil), taponagem e mobilização.Também surgiram escaras na região sacral.Quatro dias após a suspensão o corticóidefoi novamente introduzido. Continuou evolu-indo com dores difusas, palidez ++++, PA de9/5, abdomen doloroso à palpação do epigástrioe hipogástrio D, ruídos hidroaéreos aumen-tados com caráter metálico. Foi retirada asonda vesical e iniciado gentamic ina(Garamicina), mas como continuava em anúria,foi sondado novamente e associado ácidonalidíxico (Wintomylon). Apresentou únicopico febril de 38°C. Apresentava um VHS de60 mm, tempo e atividade de protrombina de30 sag, sendo 21% da atividade; tempo decoagulação normal. Um Rx de coluna mos-t rava escol iose dorso- lombar-sacra deconvexidade E, osteoporose vertebral comcolapso parcial dos corpos vertebrais de D4,D5 e D11. Crânio normal. Osteomielite detibia e perôneo.

Apresentava um aumento de IgA (453mg%) e diminuição de C3 (50,6 mg%). Rea-ção de Coombs negativa. Plaquetas nor-mais. Proteína de Bence Jones na urina positiva.Proteínas totais de 4,20 g% (albumina 1,64%,alfa I globulina =0,23; alfa II globulina = 0,23;beta globulina = 0,35 e gama globulina =1,41). Urina com 98.000 leucócitos/ml emuitas bactérias e fungos com caracteres demonília (sondado). O mielograma revelou sérievermelha discretamente hipocelular commaturação normal, série branca discretamentehipercelular, com alterações de maturação anível de mielócitos. Série plasmocítica commuitos plasmócitos, aproximadamente 8% doselementos brancos e série megacariocíticanormal com vários megacariócitos, com boaatividade plaquetogênica. Apresentou uma relaçãoleuco-eritroblástica de 5:1 (n1= 3:1).

Durante a internação apresentou quedade Hb de 10,7 g% a 5,1 g%, apenas melhorandoapós transfusão sanguínea, e também queda dosleucócitos de 9.900 a 3.700 mm

3 .Um perfil

imunológico revelou os seguintes resultados:FAN - ;Látex - ; crioglobulina +. VDRL -; Wasserman - ; MG- ; Hbs - ; PCR - ; mucoproteinas 3,3 mg% eimunocomplexos +. No dia 22/4/85 apresentoudores no tórax e abdomen, com falta de

ar discreta. O exame físico apresentava ron-cos disseminados, estertores subcrepitantesno terço médio do pulmão D e sibilos discre-tos. No abdomen os RHA estavam diminuí-dos, apresentava-se distendido e doloroso,continuando com melena. Foi à óbito doisdias após.

2. DIAGNÓSTICOS ANATÓMICOS

I. Hanseníase virchoviana

A. H(biópB. I

1. Nhialin1 + G

supeclínic

reitodo 3

infer

direi(bióp

tação

2. Li

3. F

4. B

5. Tde túinter

prévi

Hansen Int 15(1-2): 76 - 086 ,1990

anseníase virchoviana ativa e em regressãosias prévias).nfi l trado virchoviano regressivo em:

ervos periféricos com intensa fibrosa eização ando, pari e epineural (baciloscopia).

a) úlceras tróficas em extremidadesriores com infecção secundária (dadosos).

a 1) amputação de 3º quirodáctilo di-e desarticulação metacarpofalangiana

9 quirodáctilo esquerdo.

b) Úlceras tróficas em extremidadesiores.

b 1) amputação do membro inferiorto ao nível do terço médio da pernasia prévia).

b 2) Úlcera crônica do coto de ampu-.

nfonodos axilares (baciloscopia ++ G)

ígado (baciloscopia negativa)

aço (baciloscopia negativa)

estículos com hialinização generalizadabulos seminíferos, fibrose e hialinização

sticial (baciloscopia negativa).

C. Entorna nodoso hansênico (biópsiasas).

1. lesões cutâneas cicatriciais, multiplese disseminadas.

A. Abcessos em fascículos de tronconervoso periférico (biópsia prévia) (Figura 1).

B. Necrose e abcedação emlinfonodo axilar com extensão ao tecidogorduroso adjacente.

II . Tiflite aguda úlcero-necrotizante eflegmonosa.

Ill. Úlceras infectadas da região glútea.

IV. Septicemia.

C.estadios varbras, arcos c

fistulizaçãoplos pericos

so inflamatóà direita coem organiza

D. C

zada.

centro-lobul

de polpa es

fibrinosa.

com esteato

V. Trombos

A. Trombose em organização em veiaaxilar direita.

B. Trombose em organização em veiacava inferior.

C. Trombose recente em átrio direito.

VI. Tromboembolias para pequenos vasospulmonares.

V I I . Criptococose pulmonar.

A. Nódulo fibro-caseoso no segmentoapical, do lobo inferior do pulmão esquerdo.

IX. Arteriosclerose generalizada.

X. Hiperplasia e dilatação de bexiga urinária.

X. Hidroperitôneo.

Baciloscopia em laringe, faringe e medulaóssea: negativas.

3. CORRELAÇAO ANATOMO-CLINICA

Na autopsia o quadro ativo dehanseníase era bastante restrito e só foram

Hansen Int 15(1-2)

80 FLEURY, R.N.- Septicema corn múltiplas lesões ósseas supurativas como complicação do entorna nodoso

Inflamação aguda purulenta emiados de organização em vérte-ostais e clavículas.

1. Rotura de cortical óssea come formação de abscessos múlti-tais e periclaviculares.

a) Propagação de proces-rio para pleura parietal e visceralm pleurite sero-fibrino-purulentação .

olapso tóxico infeccioso.

1. Congestão visceral generali-

2. Necroses focais, isquêmicas,ares, no fígado.

3. Necroses focais, isquêmicas,plênica.

a) Peri-esplenite aguda

4n

es

detectados escassos bacilos granulosos emnervos periféricos e linfonodos. Em outraslocalizações (fígado, baço, testículos) oinfiltrado especifico era presente, mas abaciloscopia foi negativa. A única evidênciade eritema nodoso hansênico (ENH)foi umalesão necrótico-exsudativa em um linfonodoaxilar (Figura 2). Estes achados sugerem que ahanseníase se apresentava em uma fasemuito próxima da inativação e que os episódiosde ENH já apresentavam intensidadedecrescente. Assim evoluem muitospacientes virchovianos quando a inativação éprecedida por surtos sub-entrantes de ENH. Afagocitose inespecífica dos bacilos granulosos,durante os episódios de ENH, talvezrepresente um mecanismo auxiliar nodesaparecimento dos bacilos das lesões

: 76

. Necroses focais de pâncreasecrose.

venosas.virchovianas.

A “causa mortis” deste paciente foirelacionada a processo infeccioso caracteri-

- 086 ,1990

FLEURY, R.N.- Septicema com múltiplas lesões ósseas supurativas como complicação do eritema nodoso hansênico 81

zado por múltiplos focos supurativos em vér-tebras, arcos costais e clavículas. Nas coste-las, à direita, observou-se rotura cortical eextensão do processo inflamatório para par-tes moles (Figura 3) e pleurite sero-fibrino-purulenta (Figura 4), encontrando-se cercade 2.500 cc de exsudato na cavidade pleuraldireita. Pesquisou-se o agente etiológiconestas lesões supurativas não sendoobservados fungos ou BAAR, detectando-secocos gram-negativos formando pequenoscachos. Como a autópsia foi realizadapoucas horas após o óbito, este achado foivalorizado, e colônias bacterianas idênticasforam observadas em meio ao trombo de veiaaxilar. O agente etiológico prevalente nasosteomielites é o Staphilococcusaureus

8,9,11e as colônias bacterianas referidas

mostram características tintoriais emorfológicas compatíveis com estemicrorganismo. Quanto ao foco inicial quedesencadeou a "sepsis" poderia estar nasúlceras tróficas das extremidades superioresou nos abcessos que se instalaram nasregiões glúteas. Não observamos outros focossépticos, mas sim várias lesões anatômicaspróprias do colapso tóxico infeccioso, ou sejacongestão generalizada e necroses isquêmicasde fígado, baço e pâncreas.

No ceco observamos área extensa denecrose (Figura 5) que nos cortes histológicos

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Centro de Estudos "REYNALDO QUALQUIATO"supurativas como complicação do eritema nodos

virchoviano endoneural. H.E. Aumento original: 10

Hansen Int 15(1-2): 76 - 086 ,1990

ostravam colite úlcero-necrotizante elegmonosa, sem sinais de organização, de-inindo, portanto, um processo bastante agudo

recente. Estas características não sugeremue esta localização orgânica seja o foco derigem da 'sepsis", visto que as lesões ósseas

á mostravam evidências de organização. Érovável que esta colite aguda seja umacorrência final, inclusive secundária alterações da flora intestinal devido ao uso dentibióticos.

Encontramos tromboses venosas emrganização em veia axilar direita, em veiaava inferior ao nível da desembocadura daeia suprahepática e trombose recente dotrio direito. Temos observado concomitânciae trombose venosa com episódios de ENH4de eritema necrosante (Fenômeno de Lúcio)

em que possamos estabelecer uma relaçãoe causa e efeito entre estes eventos. Noaso presente a trombose de veia axilar podestar relacionada às lesões tróficas infectadasue o paciente apresentava, enquanto a

rombose de veia cava inferior provavelmentee estendeu ao átrio direito, e se instalou aartir do envolvimento inflamatório da paredeenosa por contiguidade com o empiemaleural. Os achados de hepatomegaliaongestiva e hidroperitôneo podem serecundários à obstrução deste segmento da

eia cava inferior.

Septicemia com múltiplas lesões ósseaso hansênico

Figura 1 - Biopsia de nervo periférico em produto de amputaçào de membro inferior direito:

fascículos nervosos com nítido espessamento peri-neural e foco supurativo dentro de infiltrado

x.

82 FLEURY. R.N.- Sept icema com múlt ip las lesões Ósseas supurat ivas como compl icação do er itema nodoso hansênico

H

Figura 2 - Linfonodo axilar: necrose e supuração no interior de infiltrado virchoviano,

estendendo-se ao tecido adiposo adjacente. H.E. Aumento original: 16 x.

Figura 3 - Arco costal: reação inflamatória com formação de abscesso e destruição óssea. H.E.

Aumento original: 16 x.

ansen Int 15(1-2): 76 - 086 ,1990

F

FLEURY, R.N.- Septicema com múltiplas lesões ósseas supurativas como complicação do eritema nodoso hansênico 83

igura 4 - Pulmão direito: vista externa mostrando espessamento pleural e deposição de fibrina

Figura 5 - Ceco: lesão necrótica extensa

F

co

H

igura 6 - Pulmão esquerdo: corte ao nível de Toruloma mostrando necrose extensa eonglomerado focal de Criptoccocus neoformans envolvidos em material gelatinoso. H.E. Aumento

riginal: 40 x.

ansen. Int 15(1-2): 76 - 086 ,1990

8

(HcocodetesfunesligamDuapadiridictaltParescovigcupaqunívepumfregehaCrHe

esnegedeimdecaimssNo

H

4 FLEURY, R.N.- Septicema com múltiplas lesões ósseas supuralivas como complicação do erilema nodoso hansênico

Na era sulfônica a hanseníase virchovianaV) se apresenta como uma doença quempromete pouco o estado geral do paciente. Asmplicações neurológicas são tardias e do ponto

vista visceral, apenas o comprometimentoticular é constante e acarreta alteraçõescionais. As duas causas de agravamento do

tado geral dos pacientes portadores de HV, eadas diretamente à hanseníase, são ailoidose sistêmica secundária e o ENH

2.

rante os episódios de ENH os pacientes podemresentar, além das lesões cutâneas, neurites,enomegalias, artrites, orquiepididimites,ociclites, alterações da função hepática,

erícia, hematúria, albuminúria, todas estaserações acompanhadas de síndrome febril.ssado o episódio agudo, frequentementetam sequelas neurais e viscerais que pioram as

ndições do paciente3,7

. Acresça-se, que, naência dos episódios de ENH, quando as lesõestâneas são múltiplas, extensas e severas, ociente pode se comportar como um grandeeimado, sujeito a infecções secundárias aoel destas lesões. Os pacientes que apresentamisódios sub-entrantes de ENH parecem sofrera exaustão de suas defesas imunes, sendoquente a instalação de lesões localizadas ouneralizadas por microorganismos patógenosbituais ou oportunistas (Pseudomonas,iptococcus neoformans, Candida albicans,rpes simples, etc).

Esta queda de resistência parece nãotar relacionada com a HV pois tudo indica questa doença não há uma deficiêncianeralizada da imunidade celular, mas umaficiência específica ao M.leprae1. Asunodeficiências secundárias, por sua vez,correm de modo geral da perda proteica,tabolismo proteico acelerado, ação de drogasunossupressoras, infecções imuno-upressoras, deficiências do complemento etc.

10

s episódios do ENH não se configu-

ram as condições em que estas causas deimunodeficiências secundárias se desenvolvem.Uma hipótese atrativa seria a exaustão do sistemacomplemento decorrente desta condição “suigeneris” na patologia humana, onde há umasucessão de episódios reacionais decorrentes daformação de imunocomplexos em múltiplaslocalizações cutâneas, neurais e viscerais. Noentanto, não há relato de condições semelhantesna literatura levando à depleção do complemento,e a própria complicação infecciosa no presentecaso mostrou inflamação aguda supurativa quedificilmente se estabeleceria dentro de umadeficiência de complemento.

Um fator sempre importante para jus-tificar as infecções superajuntadas aos episódiosde ENH é a ação dos corticoesteróides. Omedicamento de escolha para tratamento do ENHé a Talidomida, porém em casos mais graves,principalmente quando são presentes neurites,empregam-se corticoesteróides, por vezes portempo pro- longado, quando podem agir comodroga imunodepressora.

Outro achado sugestivo deimunodepressão é a presença do Toruloma nosegmento apical do lobo inferior do pulmãoesquerdo. A este nível se observou um processoinflamatório bastante ativo com grande número deCriptococcus neoformans (Figura 6). A ativaçãode lesões quiescentes de Criptococose éfrequente em situações de imunodepressão, e jáobservamos esta ocorrência em alguns casosclínicos e em autópsias de pacientes virchovianosfalecidos durante episódios de ENH ou Fenômenode Lúcio

5,6. Neste caso a lesão permaneceu

restrita ao pulmão esquerdo, mas provavelmente,se a evolução do paciente fosse mais prolongada,teríamos a disseminação de lesões semelhantespara outros pontos do organismo.

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FLEURY, R.N.- Sapticema com multiplas lesões ósseas supurativas como complicação do eritema nodoso hansênico 85

ABSTRACT - Since the first admission to the hospital a 57-year-old male with Hnsen'sdisease for 26 years and still active, undergo several episodes of ENL some of then withneuritis, lymphadenitis, jaundice and anemia. He also developped ulcers in the upper andlower limbs with secondary infection and necrosis with exposition of muscles and bones. Inthe last admission with ENL the main features were abscesses in the buttocks, bone pain inthe lower limb, right iliac crest and chest, difficulty to void with progressive diminution of theurinary volume, febrile pickes, melena, abdominal distension and, more recently, respiratorydistress. The laboratory test revealed decrease of hemoglobin (10.7-5.1 g%) and leucocytes(9,9003,700 mm3); vertebral osteoporosis with partial collapse of the D4, D5 and D11vertebral bodies and slight signs of osteomyelitis in the tibia and fibula. The autopsy revealedthe patient as a regressive lepromatous case with a small number of granular bacilli in nervertrunks and axillary lymph nodes. No active lesions of ENL were detected in the skin, nervesor viscera, only a spot of necrosis and suppuration in organization was found in an axillarylymph node. The patient died of septic shock due to several necrotizing and suppurativelesions in the vertebral bodies, costal arches and clavicles. The rupture of an costal abscessinto the right hemithorax lead to severe serofibrinous purulent pleuritis. Thrombosis of theright axillary vein was observed as well as in the inferior cava close to the opening of thesuprahepatic veins and also thrombosis of the right atrium. Acute ulcerative necrotizing andphlegmonous colitis in the cecum, a nodule of cryptococcosis in the left lung and prostaticnodular hyperplasia were also observed in the autopsy. We discuss the relationship of ENLwith the set up of a septicemia and its possible connection with secondary infection in the skinlesions of ENL, the immune depressed status of the patient facing recurrent episodes of ENLand the role of corticoesteroid in the diminution of resistence to common and opportunisticpathogenic microorganisms.

Key words: Lepromatous leprosy. Erithema nodosum leprosum. Septicemia

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