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Curso de Produção de
Material Didáticopara a Diversidade FURG
SEaDSEaDSecretaria de Educação a Distância - FURG
N a p r e s e n t e o b r a ,
procuramos demonstrar
que o maior problema das
pesquisas atuais sobre o
papel dos livros didáticos
para o ensino de História é
vê-los enquanto produtos
distintos da historiografia
acadêmica, pois o manual
escolar nada mais é do que
u m a p r o d u ç ã o
historiográfica e, portanto,
d e ve s e r a n a l i s a d o e
estudado. Nessa direção,
podemos perceber que o
Guia do Livro Didático é
uma fonte fundamental
para a compreensão das
relações entre produção
historiográfica e ensino de
História e, mais do que
i s s o , t a m b é m é u m
documento fundamental
para a compreensão das
diretrizes políticas que vêm
dirigindo a avaliação, a
regulação e a distribuição
dos livros didáticos. As
p a r t e s d i s t i n t a s q u e
compõem os manuais
escolares de História não
são apenas o conteúdo e as
diretrizes das políticas
e d u c a c i o n a i s , m a s ,
principalmente, a relação
autor versus historiografia.
O livro didático é sempre
resultado de pesquisa
bibliográfica e, portanto,
uma seleção de saberes
h i s t o r i o g r a fi c a m e n t e
construídos dentro dos
muros da academia.
Dados da autora
Júlia Si lveira Matos é
f o r m a d a e m H i s t ó r i a
L i c e n c i a t u r a p e l a
Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (2002),
p o s s u i M e s t r a d o e m
História pela Pontifícia
Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (2005) e
Doutorado pelo Programa
de Pós-graduação em
História da Pontif íc ia
Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (2008).
Atualmente, é professora
d e H i s t ó r i a d a
Universidade Federal do
Rio Grande – F U R G e
c o o r d e n a d o r a d o
P r o g r a m a d e P ó s -
graduação em História -
Mestrado profissional.
Além disso, se dedica às
pesquisas na área de
Ensino de História, com
foco na participação dos
intelectuais nos anos de
1 9 3 0 n a s p o l í t i c a s
educacionais.
1
2
Reitora Cleuza Maria Sobral DiasVice-reitor Danilo GiroldoPró-Reitora de Extensão e Cultura Angélica da Conceição Dias MirandaPró-Reitor de Planejamento e Administração Mozart Tavares Martins PintoPró-Reitor de Infraestrutura MarcosAntônioSattedeAmarantePró-Reitora de Graduação Denise Maria Varella MartinezPró-Reitor de Assuntos Estudantis VilmarAlvesPereiraPró-Reitor de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas ClaudioPazdeLimaPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação EdneiGilbertoPrimel
EDITORA DA FURGCoordenador JoãoRaimundoBalansinDivisão de Editoração Luiz fernando C. da silva
Comissão editorial Adriana Kivanski de Senna (FURG) CarmemG.BurgertSchiavon(FURG) Francisco das Neves Alves (FURG) GianneZanellaAtalah(UFPEL) Júlia Silveira Matos (FURG) Laisa dos Santos Nogueira (IF-SUL) MariadeFátimaSantosdaSilva(FURG)
Parecerista Ad Hoc Fca. Carla dos Santos Ferrer (USP)
PromoçãoSECRETARIA DA DIVERSIDADE E INCLUSÃO – SECADIUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURGINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHIPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU – MESTRADO PROFISSIONAL EM HISTÓRIA - PPGHSECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – SEaD
3
4
@ Júlia Silveira Matos
COLEÇÃO ENSINO DE HISTÓRIA E DIVERSIDADEISBN:978-85-7566-276-2
NúcleodeDesigneDiagramação:Responsáveis:LidianeFonsecaDutraeZéliadeFátimaSeibtdoCoutoCapa:LidianeDutrasobreaimagemOperários,deTarsiladoAmaralProjetográfico:BrunaHellereLidianeDutraDiagramação:AlexCristianodeSenaGarciaeCarlosMossmann
NúcleodeRevisãoLinguística:Responsável:RitadeLimaNóbregaRevisores:ChristianeReginaLeivasFurtado,GleiceMeriCunhaCupertino,HenriqueMagalhãesMeneses,IngridCunhaFerreira,KellenEstima,MicaeliNunesSoares,RaquelLaurinoAlmeida,RitadeLimaNóbrega
M433e Matos, Júlia Silveira Ensinodehistória,diversidadeelivrosdidáticos:história,políticasemercadoeditorial/JúliaSilveiraMatos–RioGrande:Ed.daUniversidadeFederaldoRioGrande,2013.113p.–(ColeçãoDiversidadeeensinodehistória.v.1)
ISBN:978-85-7566-277-9
1.LivrosDidáticos2.Ensinodehistória3.Teoriadahistória.4.Políticaseducacionais5.MercadoeditorialI.TítuloII.Série
CDU:94:371.671CDU:94:371.671
Catalogação na Fonte: Bibliotecária Vanessa D. Santiago
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SUMÁRIO
Apresentação................................................................................................7Introdução.....................................................................................................81.Olivrodidáticodehistória:trajetórias...............................................132.Oslivrosdidáticoscomoprodutosparaoensinodehistória:umaanálisedoPlanoNacionaldoLivroDidático-PNLD..........................273.OensinodehistóriaeatrajetóriadaspolíticasqueregulamentamoslivrosdidáticosnoBrasil......................................................................413.1OensinodehistóriaeaComissãoNacionaldolivrodidático......453.2PlanoNacionaldoLivroDidático:(des)continuidades.................61Consideraçõesfinais...................................................................................77Referências...................................................................................................81
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7
APRESENTAÇÃO
Apresenteobra,decaráterparadidático,aoabordarotemaprepos-
to, traz à análise discussões relevantes sobre o processo ensino-aprendiza-
gem,noqualolivrodidáticoassumeumpapeldedestaquenocotidiano
escolar. Nesse sentido, o objetivo dessa coletânea é discutir o livro didático,
nãoapenascomoumprimordialrecursoparaasaladeaula,mascomoum
produtocomercial,inseridoempolíticasdeeducaçãonacional.Paradesen-
volveressaproblemáticaproposta,olivroapresentaumapertinentediscus-
sãohistóricaarespeitodatrajetóriadoslivrosdidáticos.Essareflexãoper-
passasobreassuntoscomoaproduçãoeafunçãodosmanuaisescolaresno
processoeducacional.Outropontofundamentaldateseapresentadanessa
obra é a apresentação e análise do Plano Nacional do Livro Didático (PNDL).
EstudaroPNLDéfundamentalparaacompreensãodoscritériosdeseleção
edistribuiçãodoslivrosdidáticosnoBrasil.Nessesentido,“Diversidade,
EnsinodeHistóriaeosLivrosDidáticos:história,políticasemercadoedito-
rial”buscaapresentareanalisarosprocedimentosdeproduçãodoslivros
didáticosquesãoutilizadosporprofessoresnassalasdeaula.Portanto,essa
obraproporcionaaosdocentesumacompreensãoereflexãocríticasobrea
utilizaçãodolivrodidáticodeHistórianoprocessoensino-aprendizagem.
Profa. Dra. Francisca Carla S. Ferrer
DoutoraemHistóriaSocial(USP)
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INTRODUÇÃO
Algo perceptível nos dias atuais é a interdependência entre as
disciplinas escolares, a prática do professor e os livros didáticos. Isso
porque,pormaisqueosdocentesinvistamemmateriaisdidáticosalter-
nativosparaconstruçãodaprópriapráticanasaladeaula,oslivrosdidá-
ticosaindasãoumguiaparaesta,assimcomoparaaseleçãodeconteú-
dos.Entretanto,conformediscorreuCirceBittencourt(2010),“existem
professoresqueabominamoslivrosescolares,culpando-ospeloestado
precáriodaeducaçãoescolar”(p.71).Dessaforma,aomesmotempoem
queoreferidomaterialassumeumpapelcentralnapráticadesalade
aula,emoutrosmomentos,vemosaçõesderepúdioàutilizaçãodeste.
No entanto, aqui, não nos é prioritário analisar o papel dos
livros didáticos na prática cotidiana do ensino deHistória,mas as
políticasdeseleçãoedistribuiçãodestesparaasescolas.Assim,po-
demos nos questionar: esses docentes que culpabilizam os livros
didáticos pelas deficiências do sistema educativo brasileiro rom-
pem com as sequências de conteúdos clássicas do ensino de His-
tória, canonizadas pelos livros didáticos, nos planejamentos ou
seguem reproduzindo a velha organização quadripartidária da
História nos planos de conteúdos das escolas? Essa problemática
se coloca comoeixodeanálisedo trabalhoqueaqui apresentamos.
A divisão quadriparti-dáriadaHistóriaéafor-macomoapresentamosos períodos históricos,divididos em Históriaantiga, medieval, mo-dernaecontemporânea.
9
Pararealizarmosapresenteanálise,partimosdoprincípiode
queoslivrosdidáticossão“[...]omaterialdisponível,edeusogene-
ralizadoemnossasescolas,muitasvezesatéporseroúnicomaterial
impressodequeoalunoeatémesmoaescolaeoprofessordispõem”
(PENTEADO,2010,p.234).Emconcordância,CirceBittencourt(2011)
afirmaqueos livrosdidáticossão“osmaisusados instrumentosde
trabalhointegrantesda‘tradiçãoescolar’deprofessoresealunos,fa-
zempartedocotidianoescolarhápelomenosdoisséculos”(p.299).
Essaposiçãode“principalrecurso”ouatémesmoúnico,adquiri-
dapelolivrodidático,conformeapresentadoporPenteadoeBittencourt,
alertaparaduasquestões:aprimeiraéadequeolivroéinegavelmente
umrecursofundamentalparadocentesdesprovidosdeoutrosmeios,
comointerneteatébibliotecasestruturadas,asegundasefundamenta
nofatodequeolivrodidáticopodeserumrecursolúdicomuitorico.
DeacordocomAnaMariaMonteiro(2009),oslivrosdidáticos
sãoutilizadospelosdocentes“[...]comofontedeorientaçãoparaex-
plicaçõesdesenvolvidasnasaulas,comoapoioaoplanejamentoesu-
gestõesparaavaliações, comomaterialde estudoe atualização” (p.
175).Conformediscorrido,o livrodidáticoéumrecursolúdico,em
funçãodasimagensqueapresenta,mastambéméfontedetextos,pois
apresentaosconteúdos.Entretanto,opapeldesteenquantorecurso
didáticonãoselimitaaestasduascaracterísticas,poiscadalivrodidá-
ticopossuiumaidentidadequeseconstituiatravésdasformascomo
osconteúdossãodistribuídosemseuinterioreabordagensdadase
esses.Alémdisso,olivrodidáticoéoprincipalrecursododocenteno
processodeplanejamentodesuaprática,pois,semoapoiodeoutros
materiais,osprofessoressefundamentamnadistribuiçãodosconte-
údos no livro didático para pensar seu plano de conteúdos na escola.
Quando nos referimosa outros materiais,pensamos em recur-sos como internet, li-vros que possibilitemo aprofundamento dosconhecimentos sobreos conteúdos escola-res, vídeos e outros.
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Sendoassim,emconcordânciacomCirceBittencourt(2010),o
livrodidático“[...]continuasendoomaterialdidáticoreferencialde
professores,paisealunosque,[...],consideram-noreferencialbásico
paraoestudo[...]”(p.71).Conformeaautora,oreferidomaterialnão
évistoapenaspelosprofessorescomobase,mastambémpelasocieda-
de,ouseja,pelospaisepelosprópriosestudantes.Dessaforma,olivro
adquiriu,comopassardostempos,umstatus,dentrodaescolaedosis-
temaeducacional,queocolocaemdestaquenapráticadosprofessores.
Asegundaquestãosecentranapercepçãodeque,quandoolivro
didático se torna o único ou o principal recurso, seja didático, ou de apoio
pedagógicodoprofessor,aestruturaideológicadestesetornahegemô-
nicadentrodasaladeaulanaqualéutilizado.Issoporquetalmaterial,
comoprodutocultural,transmiteosposicionamentosdeseusautores.
ParaCirceBittencourt(2011),oslivrosdidáticossãoprodutos
dedifícildefinição,“[...]porserobrabastantecomplexa,quesecarac-
terizapelainterferênciadeváriossujeitosemsuaprodução,circulação
econsumo”(p.301).Aimbricaçãodediversossujeitosnoprocessode
produção,comoapontouBittencourt,demonstraoquantosãomate-
riaisimersosemumafaceideológicaquetranscendeavisãodoautor,
masadentraosmeandrosdasexpectativasdemercado.Sobreaface
ideológica do livro didático, discorreuAnaMariaMonteiro (2009):
[...]osautoresdelivros,aoproduziremsuasobras,expressamlei-turas, posicionamentos políticos, ideológicos, pedagógicos, ‘se-lecionam e produzem saberes, habilidades, valores, visões demundo, símbolos, significados, portanto culturas, de forma aorganizá-los e torna-los possíveis de serem ensinados’ (p. 176).
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Talanálisealertaparaofatodequeolivrodidático,enquantopro-
dutodeumasociedadedoconsumo,deveserestudadoenquantomeio
deveiculaçãoideológica,sejaelaoficialoupedagógica.Apartirdessa
percepção,compreendemosquesefaznecessárioaprofundarnossas
reflexõessobreoslivrosdidáticos,enquantoprodutosdasociedadede
consumo,especificamenteosdeHistória,focodenossoconsumoenão
comoum“inocente”recursodidáticosimplesmente.Afinaltodoequal-
quersuportedeescritacarregaemsiaidealizaçãodeseuprodutore,ao
mesmotempo,deseuconsumidor.SegundoMicheldeCerteau(2000),
[...]aindaqueissosejaumaredundânciaénecessáriolembrarqueuma leituradopassado,pormaiscontroladaquesejapelaanálisedos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente.Comefeito,tantoumaquantoaoutraseorganizaramemfunçãodeproblemáticasimpostasporumasituação(p.34).
Os livros didáticos de História, como qualquer supor-
te de escrita da História, configuram-se como leituras do passa-
do, as quais, conformediscorreuCerteau, são sempredirigidas em
função de problemas impostos pelo presente do autor e de seus
futuros leitores. Essa afirmação nos leva a perceber que o com-
promisso do livro didático de História com os conteúdos histó-
ricos está muito mais atrelado aos interesses e interlocutores do
presente do que propriamente com o conhecimento do passado.
Segundo Selva Guimarães Fonseca (2003), “O livro didático é,
de fato, o principal veiculador de conhecimentos sistematiza-
dos, o produto cultural de maior divulgação entre os brasilei-
ros que têm acesso à educação escolar” (p. 49). Como veiculador
dos conhecimentos históricos, o livro didático de História é res-
ponsável, nas palavras de Marc Ferro (1983), pela “[...] imagem
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que faze[r]mos de outros povos, e de nós mesmos [...]” (p. 11).
Essas imagensaquese refereoautorsãoos fundamentosdacons-
trução das identidades coletivas e, ao mesmo tempo, das alte-
ridades e até de possíveis preconceitos e xenofobismos entre as
sociedades. Sendo assim, antes de ser um fundamental recurso di-
dático, o referido material é um produto comercial, inserido em
políticas públicas de educação nacional. Por isso, precisa ser es-
tudado como tal, o quenospropomos a realizarnopresente texto.
13
TRAJETÓRIASO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
Na dinâmica brasileira trienal de escolha dos livros didáti-
cos pelos professores da educação básica, é estabelecida uma for-
te relação entre os professores (enquanto o público que seleciona
o que chega às salas de aula), os editores (que encomendam, pro-
duzem e lançam os livros didáticos no mercado editorial) e o go-
verno (queos incluina listade livros a seremescolhidospelosdo-
centes dentro do Plano Nacional do Livro Didático – PNLD).
Essarelaçãosobreaqualnosreferimosseestruturacomofun-
damentoautoral,poisaproduçãodolivrodidáticoserealizaapartir
deumaengrenagemdaqualfazemparteprofessores,autores,editores
egoverno.Oslivrosdidáticosnãosãoproduzidossimplesmentepor
seusautores,masapartirdasexpectativasdopúblicoconsumidor,os
professores;dasdiretrizesdogoverno,queavaliaráapartirdoPNLD
oslivrosqueserãoadquiridosparadistribuiçãogratuitaentreasesco-
lasbrasileiras;doautor,quepossuiumavisãodeHistóriaedaeditora,
queinvestenolivroenquantoprodutodeconsumo.Todasasexpec-
tativasdessesagentessãopartefundantedaformaedoconteúdodos
livros didáticos. Por isso a autoria dos livros didáticos se apresenta
demodo singular em relaçãoàsdemaisproduçõeshistoriográficas.
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Dentrodesuatrajetória,devidoàdistribuiçãogratuitaàsesco-
laspúblicaspelogovernobrasileiro,oslivrosdidáticospaulatinamen-
teocuparamumlugardedestaquenomercadoeditorial.Entretanto,
essa posição não foi garantida desde as primeiras aparições destes
– na verdade, tal espaço foi adquirido histórica e vagarosamente.
Aprópriafunçãodolivrodidáticonoprocessoeducacionalse
constituiuapartirdecondiçõeshistórico-culturaiseatrajetóriades-
teenquantoprodutoseentrelaçacomaHistóriado“nascimento”do
livro impresso. Não vamos realizar grandes digressões temporais,
porém uma breve análise do surgimento dosmanuais escolares se
faz necessária para compreendermos como estes adquirem, dentro
doprocessodeensino-aprendizagem,umstatusdeprodutocentral.
DeacordocomJustinoMagalhães(2011),aHistóriadolivrodi-
dáticopodeserdivididaemtrêsperspectivas.Aprimeiraserefereao
papel do livro didático na estrutura da escola, a segunda se volta para
asinfluênciaseconômicas,ouseja,oatributodeprodutocomercial,no
processodecomposiçãodosmanuaisdidáticose,porfim,aterceirase
refereàrelaçãodialéticacomocamposocial,pois,deacordocomoautor,
Omanualescolartemumamaterialidade.Espécimeeprodutoau-toral,editorial,mercantil,omanualescolarémercadoriaeprodutoindustrializadoecomercializado,comcaracterísticasprópriasequecumpreobjectivosespecíficosnosplanoscientífico,socialecultural(MAGALHÃES,2011,p.4).
Ainda podemos acrescentar à análise de Magalhães um
quarto aspecto dos estudos sobre os livros didáticos: o político.
Isso porque estes são produto e, ao mesmo tempo, instrumentos
depolíticas educacionais.No campodos estudospolíticos, noqual
nos centramosnopresente trabalho, épreciso analisar os livrosdi-
15
dáticos enquanto documentos históricos marcados por ideologias
próprias de cada tempo e tendências de governo, o que será dis-
cutido em outro momento deste estudo. Sendo assim, notemos
que, conforme discorreu Magalhães (2011), o livro didático é o
Principalmeiodeinformação,conhecimentoelegitimaçãodacultu-raescritaedaacçãoescolar,omanual,nãoobstanteasuafunçãodi-dáctico-pedagógica,apresentaumaevoluçãoemboaparteanálogaàhistóriageraldolivro,noqueserefereàordenaçãoeaosignifica-docomoveículodosaberedoconhecimento,masajusta-seaoscir-cunstancialismoseàsprerrogativasdaspolíticasdaeducação(p.05).
O desenvolvimento da trajetória dos manuais didáticos ca-
minha por estradas diferentes das dos livros em geral. Essa di-
ferença se dá, como bem enfatizou o autor, devido ao papel cen-
tral daqueles enquanto produto e veículo de saber dentro das
políticas educacionais. Isso porque, aomesmo tempo em que é re-
curso didático, também é instrumento de normatização e controle.
Apesardesecentrarnoaspectoculturaldosmanuaisdidáticos,
Magalhães(2011)aindaapresentaumaafirmaçãoquevaiaoencon-
trodoqueabordaremosnessetrabalho:oslivrosdidáticospossuem
umpapelpolítico.Segundooautor,“Omanualescolar,maisqueum
meiodeaculturaçãoedealteridadecultural,éfactordeafirmaçãoe
dedominaçãocultural”(MAGALHÃES,2011,p.11).Exatamentepor
essaúltimacaracterística,oslivrosdidáticosou,comoalgunsteóricos
denominammanuaisescolares,desdeasprimeirasapariçõesnaIda-
deModerna,estiveraminseridosemprojetospolíticoseducacionais.
DuranteoRenascimento,olivrodidático,produzidodentrodos
monastériosouporreformadores,eraumfundamental instrumento
educacionalnasdisputasentrealutapelamanutençãoideológicada
16
IgrejaCatólicaeaformaçãodeumaculturaementalidadesprotestan-
tes.Entreosmanuaisdaépoca,podemoscitar,conformereferidopor
CatianeColaçodeBairro(2011):omanual“OABCdeHus”,escritopelo
reformadorJohnHuss,posteriormentecondenadoàfogueiracomohe-
rege;acartilha“Bokeschenvorlevenondkind”,publicadaem1525na
cidadedeWittenberg;aobra“Omundosensívelemgravuras”,deCo-
menius,escritasobinfluênciadopensamentohussitaepublicadaem
1658.Nafiguraabaixo,podemosverduaspáginasdaobradeComenius:
Figura1:Disponívelem:<http://unidadescurriculares.wordpresscom/comunicacao-educacional/>.Acessoem:09abr.2012.
17
AobradeComenius,porutilizarimagenscomorecursodidáti-
co,contribuiuparaacompreensãodasrelaçõesentreasimagenseos
processosdeensino-aprendizagemnaalfabetização.Porisso,aindaé
estudadanocampodalinguísticaedaeducação.Outraobraquepode-
moscitaré“Condutasdasescolascristãs”,publicadaem1702porJoão
BatistadeLaSalles.Entretanto,esselivroeosdemaiscitadostinhamem
comumoobjetivodeumaeducaçãocristã,enquantoque,apósaRevo-
luçãoFrancesa,apublicaçãodomanual“EnsinoMútuo”,deautoriade
JoséHamel,voltadoparaaveiculaçãodeummétododealfabetização,
demonstraamudançanatrajetóriaefunçãodolivrodidático,quepas-
soudeummeroacessórionoprocessodeensino-aprendizagempara
uminstrumentoindispensávelnesseprocesso.Ométodoveiculadopor
esseúltimomanualchegouaserutilizadonoBrasilduranteoImpério.
NoséculoXVIII,aIgrejaCatólicaaindapossuíagrandeinflu-
êncianaproduçãodosmanuaisdidáticos.SegundoMagalhães(2011)
[...] em Portugal, as Cartilhas, como os Manuais e Compên-dios Escolares (estes últimos já no decurso do século XVIII), fo-ram produzidos no interior de corporações ou de estruturasnotáveis, como a Corte, a Universidade de Coimbra, as Dioce-ses, as Ordens Religiosas e Monacais, os Mestres Régios (p. 11).
As ordens religiosas tiveram um papel central na produ-
ção demanuais didáticos voltados para o ensino cristão. Tanto em
PortugalquantonaFrança,os livrosdidáticos se tornarampoucoa
pouco fundamentais no espaço escolar enquanto recursos no pro-
cesso de ensino-aprendizagem. De acordo com Magalhães (2011),
Nesteprocesso,omanualescolartornou-seomeiopedagógicocen-tral.NafasefinaldoAntigoRegime,soboprimadodas luzes,es-colaemanualescolarsobrepõem-se,umasituaçãoquesealterano
18
decursodoséculoXIX,àmedidaqueosistemaescolarseestruturaequeafunçãodaleituraseautonomizaereforçafaceaosmétodoscatequísticos tradicionais.Porumvastoperíodo,omanualescolarcumpriuumafunçãoenciclopédica,contendotodasasmatériasquenãoapenasconstituemaeducaçãobásica,mascujautilidadeepreg-nânciaseprolongampelavida,podendoserconsultadoacadamo-mento(p.17).
Portanto, aos poucos, o livro didático se tornou independente da
funçãoevangelísticaedecatequeseeapresentavaumaestruturaenci-
clopédica,poiscontinhatodasasmatériasescolares.Dessaforma,osli-
vroseramutilizadosapenasparaconsulta,enquantosuporteparaoen-
sino,enãocomoprincipalrecursodidático,comosãousadosemmuitas
escolasnosdiasdehoje.Nessadireção,segundoAlainChoppin(2004),
Anaturezadaliteraturaescolarécomplexaporqueelasesituanocruzamentodetrêsgênerosqueparticipam,cadaumemseuprópriomeio,doprocessoeducativo:deinício,aliteraturareligiosadeondese origina a literatura escolar, da qual são exemplos, noOcidentecristão,oslivrosescolareslaicos“porperguntaeresposta”,quereto-mamométodoeaestruturafamiliaraoscatecismos;emseguida,ali-teraturadidática,técnicaouprofissionalqueseapossouprogressiva-mentedainstituiçãoescolar,emépocasvariadas–entreosanos1760e1830,naEuropa–,deacordocomolugareotipodeensino;enfim,aliteratura“delazer”,tantoadecarátermoralquantoaderecreaçãooudevulgarização,queinicialmentesemanteveseparadadouniver-soescolar,masàqualoslivrosdidáticosmaisrecenteseemváriospa-ísesincorporaramseudinamismoecaracterísticasessenciais(p.04).
Sendoassim,aprimeirafasedaproduçãodoslivrosdidáticos
esteveatreladaà literatura religiosa, seguidaporumanova fasede
vocaçãodidática, atémeadosdo séculoXIX, emmeioà industriali-
zação, comuma tendênciaprofissionalizante.Porfim,o livrodidá-
ticoassumiuumcaráterdevulgarizaçãodoconhecimento.Essaúl-
tima característicamantevepor algum tempoosmanuaisdidáticos
19
ainda separados do ambiente escolar. No entanto, paulatinamen-
te, esses adentraram as estruturas escolares de forma essencial.
No Brasil, as trajetórias dos livros didáticos foram marca-
das por caminhos e direções assumidos pela historiografia, como
categorizou Maria Inês Sucupira Stamatto (2008). A autora divi-
diu a produção dos manuais escolares no Brasil em quatro fases
e, para tanto, seguiu a análise de Francisco Iglêsias sobre a his-
toriografia nacional e as tendências desta. A primeira fase relati-
vamente longa se estenderia entre 1500 e 1838 e teria sido mar-
cada pelo ensino de História realizado juntamente com o ensino
de clássicos das humanidades, como Ovídio, Cícero e Virgílio.
De acordo com Stamatto (2008), “para a educação instala-
da em terras brasileiras, quasemonopóliodos jesuítas, a literatura
corrente aponta-nos que se contava compoucos e caros livros im-
portadosdePortugal” (p. 138).O fatodeos livros serem importa-
dosencareciamuito seuvalor, oque contribuiuparaqueo ensino
deHistóriaficassereservadoaoensinosuperiorapenaseelitizoua
educação no Brasil. Enquanto isso, a educação básica ficava a car-
godosjesuítas,queensinavamatravésdocatecismo,demodo“[...]
queo livro compunha-sedeum texto seguidopor exames –ques-
tões cujas respostas encontravam-se literalmenteno textoanterior”
(STAMATTO, 2008, p. 138). Esse sistema de elaboração e método
dos manuais escolares influenciou por muito a produção destes.
Ainda de acordo com a autora supracitada, a segun-
da fase do ensino de História e, portanto, dos livros didáti-
cos no Brasil iniciou com a criação do Instituto Histórico e Geo-
gráfico Brasileiro (IHGB), em 1838, e se estendeu até o início do
governo de Getúlio Vargas, em 1931. Nessa fase, sem a presença
dos jesuítas, tal ensino foi marcado pela historiografia Metódica,
20
[...]comadivisãoperiódicaapartirdaHistóriaeuropeia,emumacronologia linear, apresentando conhecimentos definitivos, ver-dades inquestionáveis comprovadas por documentação oficial epretendendo-se objetiva. Por outro lado, encontramos tambéma História narrativa, com exaltação da Pátria, dos vultos históri-cos brasileiros e, por vezes, anedótica (STAMATTO, 2008, p. 139).
Duranteessafase,oensinodeHistóriafoiumfundamentalins-
trumento pedagógico para a constituição da identidade nacional. Isto
explica o contundente ensinamento das biografias dos heróis da pá-
tria. Também na mesma época, eram comuns as reclamações de do-
centespelafaltademateriaisdidáticos,vistoqueosmanuaisescolares,
chamados de compêndios, eram impressos na Europa atémeados de
1860.Nesse sentido, os principais livros didáticos utilizados nas esco-
las eram traduções francesas e, apenas em1839, João JulioGodofredo
Luís Frank publicou o livro “Resumo da História Universal”, o qual
foi consideradooprimeiro livrodidáticodeHistória escritonoBrasil.
Nasequência,outrosautorespublicaramobrasdidáticas,comoo
CônegoFernandesPinheiro,autordolivro“Episódiosdahistóriadapátria
contadosàinfância”,oqualfoipublicadoem1860,anoseguinteàpublica-
çãodolivrointitulado“HistóriaAntigaeIdadeMédia”,deJustinoJoséda
Rochaede“LiçõesdehistóriadoBrasil”,escritoporJoaquimManoeldeMa-
cedo.Nosanosqueseseguiram,aindaforampublicados,em1865,o“Com-
pêndiodeHistóriaAntiga”,deautoriadeMoreiraAzevedo,e,em1906,o
manualescolarintitulado“PequenaHistóriadoBrasilporperguntaseres-
postas”,escritoporJoaquimMariadeLacerda(STAMATTO,2008,p.140).
Continuamenteaessasobras,duastendênciasdeescritasefirma-
ram:uma,chamadaderuralista,exaltavaavidanocampoemcontra-
posiçãoàvidanacidade;asegunda,denominadaufanista,exemplifica-
dapelasobras“AtravésdoBrasil”,deOlavoBilac,publicadaem1910,
21
e “Porqueme ufano demeu país”, escrita por CondeAffonso Celso,
publicadaem1900,alémde“NossaPátria”,deRochaPombo,em1917.
Dentre os últimos livros citados, o compêndio “Porque me
ufano de meu país” pode ser considerado de grande expressão, não
apenas pelas ideias que veiculava, mas, principalmente, devido ao
númerodeediçõespublicadas.AobradeAffonsoCelsotinhaseucon-
teúdo voltado para o trabalho de construção da identidade brasileira.
Dessa forma, tal produção procurou aguçar e despertar o sentimen-
to nacionalista, pois descreveu apátria elogiandoopovo, exaltando a
natureza,bemcomoalgumasfiguras:deD.PedroIIeprincesaIsabel.
Olivro“Porquemeufanodemeupaís”foiindicadoeutilizado
comoleituraobrigatórianosanosiniciasdoEnsinoFundamental,apartir
daquartasérieprimária,comointuitodeformaraidentidadenacionaldes-
deainfância,atravésdoorgulhopelapátriaBrasil.DanteMoreiraLeitecri-
ticouessaobraporconsiderarseuconteúdodeexaltaçãodanacionalidade
brasileiracontrárioàrealidadedoperíodo,marcadapelafasemilitarizada
daRepúblicabrasileira.Alémdisso,acusouAffonsoCelsodeenaltecer
exacerbadamenteasriquezasnacionais.Entretanto,precisamosperceber
queopontodecríticadeLeiteeraexatamenteacaracterísticaquetornou
aobraexpressivamentepartedoprojetonacionalistadoEstadobrasileiro.
A publicação de “Porqueme Ufano demeu país” se deu por
ocasiãodo IV centenáriodoDescobrimentodoBrasil.A referida obra
teve incrível sucesso, tendo, em 1944, sua 12ª edição publicada. Em
1997, João de Scatimburgo, que ocupava a cadeira de Affonso Cel-
so na Academia Brasileira de Letras, solicitou sua reimpressão, vis-
toque lastimavaporestaobratercaídonoesquecimento,aqual,para
ele, era de muita utilidade para as novas gerações como um “bre-
viário de patriotismo”. Cabe ressaltar ainda que essa obra foi
22
produzida emumperíodode intensa criseda sociedadebrasileira:
[...] quandoescrevePorquemeufanodemeupaís,AffonsoCelsotemdiantedesiacrisedospilaresemqueseassentavaaestruturada sociedade brasileira, isto é, a grande propriedade territorial e a es-cravatura,crisequeabalouamonarquiaeconduziuarepública,es-timulouoiníciodaurbanizaçãoeaimigração(CHAUÍ,2000,p.48).
Nestemomento de crise, na formação da República, o governo in-
vestiuna formaçãoda imagemnacional atravésdaHistória.O Ins-
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) tinha sua tradição
historiográfica influenciadapela escola alemã.O trabalhodo IHGB
através da produção historiográfica foi em torno da formação do
“espírito do povo”, ou seja, de uma nacionalidade brasileira, de-
terminada pela raça e pela língua e definida pelo território e pela
demografia, com uma visão determinista (CHAUÍ, 2000, p. 50).
Sendo assim, o Instituto tinha a tarefa de construir a ima-
gembrasileira e oferecerumpassadoglorioso comum futuropro-
missor, legitimando o poder do Estado, através de uma produção
historiográfica. Como Instituto geográfico, tal órgão tinha o dever
de reconhecer a geografia do país e engrandecer a natureza brasi-
leira, definindo suas fronteiras, além de ter a responsabilidade de
imortalizar os grandes homens e seus feitosmemoráveis.AHistó-
ria produzida no Instituto era tradicionalmente aceita pelo Estado,
oquenão impediaquefossemdescritasoutrasversõesdaHistória.
O determinismo his-tórico era uma visãodarwinista da Histó-ria que influencioudiversos trabalhos decunho sociológico, osquais viam o Brasilcomo uma nação infe-rior às europeias de-vido ao clima quentee à mistura das raças.
É apartirdesse conjuntode referênciasqueAfonsoCelso escrevePorquemeufanodemeupaís.Tidacomoingênuapormuitos,vitu-peradanacríticadosmodernistasao“porqueufanismo”,olivrodeviscondeOuroPretoéopressupostotácitodetudoquantosefezem
23
matériadecivismonestepaís,particularmentenasobrasescolaresdeumBilacoudeumCoelhoNetto,ounahistóriadoBrasilparacriançasdeumViriatoCorreia(CHAUÍ,2000,p.51,grifodoautor).
AffonsoCelsoiniciouareferidaobradeclarandoqueseuprin-
cipalensinamentoseriaopatriotismoequeapresentariaváriosmoti-
vos para a superioridade brasileira, divididos entre natureza, povo e
História.Oautordiscutiutalsuperioridade,desdeovastoterritório
brasileiro,asriquezasminerais,belezasnaturais,atéopovo,umamis-
turadetrêsraçasque,unidas,formaramumanovanação.Oescritor
falatambémdoclima,dafaunaedaorganizaçãosocialdotrabalho.
ParaAfonsoCelso,oBrasilpreenchiaosrequisitospositivistasdana-
cionalidade,aqualseconcretizavacomonaçãodedireitoedefato.
Emresumo,obrasileiropodeconfiarnaNatureza,poiselanãootrai,nãosurpreendenemoamedronta,nãoomaltratanemoaflige.“Dá--lhe tudoquantopodedar,mostrando-se-lhe sempremagnânima,meiga,amiga,maternal”(CHAUÍ,2000,p.52,grifodoautor).
Sendoassim,nossopaíserasuperioremtudo,omitodafusão
dastrêsraçasfoicriadopararesponderaumaexigênciapositivistade
queumanaçãotinhaqueserformadaporumaglomeradohumano
comunidaderacial.AfonsoCelsosustentousuatesedesuperioridade,
alegandoqueoBrasilnãotinhadoqueseenvergonhar,nuncasofreu
derrotas embatalhas e guerras, não teve fatos extraordinários,mas
tambémnãotevevergonhosos.Nessaobra,nãomencionounemuma
vezasituaçãodaescravidãonoBrasileaGuerradeCanudos(LEI-
TE,1983).Porém,celebroufeitosdosportugueses, jesuítaseoutros.
24
Todavia,aindaqueAfonsoCelsoseinspirenosmodelosantigos,oufanismodespertadopelasmissões jesuítas,pelasEntradaseBan-deirasepelosmilitaresnãoseexplicasimplesmentecomoumrecur-soliterário.Elecorrespondeàexigênciado‘princípiodanacionali-dade’,quedefineanaçãonãosomenteporseuterritóriopresente,masporsuacapacidadedeexpansão,conquistaeunificaçãodeter-ritóriosnovos.Maisumavez,portanto,olivroasseguraqueoBrasiléumanação(CHAUÍ,2000,p.54)[grifodoautor].
Comovemos,oufanismoapresentadonaobrafoirespostaàs
necessidadespolíticasdoperíodoeamensagemsobreasriquezasna-
cionaisveiculadanaobradeAfonsoCelsonuncadeixoudeserutili-
zadanodiscursodeintelectuaisepolíticos,aqual,durantedécadas,
ficoupresentenoensinodeHistória.DeacordocomOliveira(1998):
OufanismorepresentadoporAfonsoCelso–juntandoàsqualidadesdaterraosvaloresdastrêsraçasoriginárias–operavaassimapazdosespíritosprometendodiasmelhoresnofuturo,jáqueanaturezadavafundamentoataisesperanças.Oufanismoemsuasformasdever e interpretar a nação deitou raízes na cultura brasileira e se fez presenteeminúmerasconstruçõessimbólicasquepretenderammar-caraidentidadenacional(p.187-188).
O patriotismo veiculado no manual escolar deAffonso Cel-so contribuiu para construções simbólicas que propunham de-linear a formação da identidade nacional. Tal análise nos auxi-lia a percebermos como os livros didáticos podem ser, além derecursos didáticos e fontes de estudos, instrumentos de mani-pulação ideológica, veiculadores de visões de mundo. Estas se-riam, conforme conceito apresentado por Michael Löwi (1995):
[...]todosaquelesconjuntosestruturadosdevalores,representações,ideiaseorientaçõescognitivas.Conjuntosessesunificadosporumaperspectivadeterminada,porumpontodevista social,de classessociaisdeterminadas(p.13-14).
25
ApartirdapropostaconceitualdeLöwi,poderíamosperceber,
noslivrosdidáticos,visõessociaisdemundo,asquaissedividiriamem:
visõesideológicas(quandoservissemparalegitimar,defenderouman-
teraordemsocialdomundo);evisõessociaisutópicas(quandotives-
semumafunçãocrítica,subversivaeapontassemparaumarealidade
queaindanãoexiste).Aterceirafasedetendênciadoslivrosdidáticos
noBrasil,segundoStamatto,surgiuemdecorrênciadacriaçãodoscur-
sosdeHistóriasuperioresetambémdapropostaescolanovista,pois,
[...]naeducação,asreformasdeFranciscoCampos(1931),comoasposteriores, de Gustavo Capanema (1942-1946), trariammodifica-çõesconsideráveisparaoensinodeHistória.Comaprimeiradelas,cursosdeHistória,noensinosuperior,eadisciplinaHistóriadaCi-vilização,noEnsinoMédio,tornaram-seobrigatórios,reorganizan-doesteníveldeensinoemduaspartes:1ª–fundamental–5anos;2ª–complementar–2anos.OsprogramascurricularespassaramaserdeatribuiçãodoMinistériodaEducaçãoeSaúdePública,que,paraaescolaelementar,introduziamuitoselementosdaEscolaNova.Em1939,adisciplinaHistóriadoBrasiltornava-seautônoma(separada)daHistóriadaCivilização(STAMATTO,2008,p.142).
Asmodificaçõespropostaspelasreformasdentrodogoverno
VargascontribuíramparaainstitucionalizaçãodoensinodeHistóriana
educaçãobásicaetambémparasuaregulaçãoecontrole.Oúltimope-
ríodohistóricodolivrodidáticodeHistórianoBrasilfoimarcadopela
criaçãodoProgramaNacionaldoLivroDidáticoque,em1996,instituiu
a distribuição gratuita dessas obras para escolas públicas brasileiras.
Apartirdaanálisedasquatrofasesdescritas,podemosperceber
queestaspodemserresumidasemdoisgrandesmomentos:aaparição
dosprimeirosmanuaisescolaresdeHistóriaaindacomercializadose
aimplementaçãodeumapolíticadeEstadoqueinvestiunaveicula-
çãogratuitadoslivrosdidáticosparatodasasescolaspúblicas,aqual
26
persisteatéhoje.Assim,podemosconsiderarqueoprimeiromomento
dessatrajetóriafoimarcadoporusosecaminhosindependentes.Nesse
sentido,taislivrosdidáticoseramutilizadosdeacordocomospreços,
asescolhasdosprofessoresoureutilizadosporestaremnasbibliotecas
familiares.SomentenoséculoXX,comasegundafasedaprodução
dosmanuaisescolares,oEstadobrasileiropassouainvestirempolíti-
cas educacionais de regulação e distribuição dos livros didáticos para
as escolaspúblicas, conformepassaremos a analisar neste trabalho.
27
Naperspectivadenossaanálise,podemosperceberqueo li-
vro adquire uma face de produto, mercadoria, dentro de um jogo
editorial de consumo. Por um lado, os autores com suas próprias
direções teórico-pedagógicas, por outro, as editoras que buscam
autores capazes de suprir as expectativas dos professores dentro
das tendências pedagógicas em voga, ainda o governo que alme-
ja selecionarumnúmero expressivode livrosquenãofiramaspo-
líticas educacionais e, por fim, os próprios professores que pos-
suem ideias construídas sobreoqueesperamdeum livrodidático.
Aoencontrodoquediscorremos,AnaMariaMonteiro(2009)
afirmou: “[...] os autores, ao produzir livros didáticos, interpretam
as orientações oficiais, ou seja, as reelaboram segundo suas ideias
pedagógicas e, aomesmo tempo, incorporamexpectativasdospro-
fessores, buscando atraí-los para o seu consumo” (p. 176). O livro
enquanto produto acaba como resultado de pesquisas demercado
como qualquer outro item de consumo diário, inserido nas “leis”
do marketing, sua feitura obedece às indicações e orientações das
políticas educacionais e das discussões pedagógicas do momento.
De acordo com Bittencourt (2010), “[...] em todo o início do
UMA ANÁLISE DO PLANO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO - PNLD
OS LIVROS DIDÁTICOS COMO PRODUTOS PARA O ENSINO
DE HISTÓRIA
28
anoletivoaseditorascontinuamcolocandonomercadoumainfini-
dadedeobras,diferenciadasemtamanhoequalidade”(p.71).Com
a ampliação das políticas de Estado voltadas à distribuição gratui-
tadoslivrosdidáticosparaasescolas,comodemonstraaautora,as
editoras acabaram por criar ummercado editorial próprio para os
livros didáticos, que, anualmente, apresenta novos produtos com
formasequalidadesdiferenciadas,tudoparaatrairseupúblicocon-
sumidor, que, nesse caso, são os professores da Educação Básica.
Nessa direção, ainda conforme afirmou Bittencourt (2010),
“o livrodidáticoé,antesde tudo,umamercadoria,umprodutodo
mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabrica-
ção e comercialização” (p. 71). Quanto melhores as técnicas edito-
riais, como relata a autora, os livros ganhammais cores e recursos
editoriais, com vistas a um aumento na qualidade de sua apresen-
tação. Em outro texto, Bittencourt (2011) afirma que o livro didáti-
co “como produto cultural fabricado por técnicos que determinam
seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa di-
mensãomaterial, por ser umamercadoria ligada aomundo edito-
rialeà lógicada industrial culturaldosistemacapitalista” (p.301).
Na relação entre professores (público consumidor), edito-
ras (produto) e governo (financiador), vemos que o livro se consti-
tuimuitomaisenquantoumamercadoriaquetomaráasformasque
omercadoprecisa e espera, comoafirmouBittencourt,doquepro-
priamenteumaproduçãocentradanoconhecimentopuroesimples.
Portanto, o livro/produto se configura como um bem simbó-
lico que adquire valor no mercado. Esse processo, de acor-
do com John Thompson (2007), pode ser explicado porque
[...]aoproduzirumbemsimbólicocomoumlivro,umaeditoraestá
29
transformandoumaformasimbólicaemmercadoriaeoferecendo-aparatrocanomercado.Dependendodasvendasantecipadasdolivro,oeditor,geralmente,atribuiumcertovaloreconômicoàformasimbó-lica,umaatribuiçãoquepode,efrequentementeassimacontece,dife-rirdaatribuiçãodeoutros,taiscomoosautoreseosagentes(p.205).
A atribuição de valores aos livros didáticos se dá, con-
forme discorreu Thompson, no pacto de mercado entre edi-
tor e sua clientela. Em nosso caso, que estamos examinando es-
pecificamente os critérios de seleção dos livros didáticos de
História, distribuídos dentro do Plano Nacional do Livro Didá-
tico – PNLD,podemos afirmar que sedá entre editores e governo.
Tal fato ocorre porque os livros são apresentados às escolas
comopartedeumalistapreparadapeloMinistériodaEducaçãoea
SecretariadeEducaçãoBásica,naqualoslivrossãocategorizadose,
dessaforma,mesmosemumvalormonetárioconferidoaeles,osmes-
mossãovaloradosemsuasdescrições.OslivrosdidáticosnoPNLD
sãoapresentadosemformaderesenha,comodestacadonaintrodu-
çãodoGuiadeLivrosDidáticosPNLD2012,paraoEnsinoMédio:
OGuiadeLivrosDidáticosPNLD2012–HistóriafoielaboradocomoobjetivodeoauxiliarnaescolhadacoleçãoqueseráutilizadanasaulasdeHistórianospróximostrêsanos.Vocêencontraráresenhasdas obras didáticas aprovadas no processo de avaliação realizado combasenoscritériosestabelecidosno“EditaldeConvocaçãoparainscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas para oProgramaNacionaldoLivroDidáticoPNLD2012–EnsinoMédio”(BRASIL,2012,p.07).
DeacordocomorelatodoGuia,oslivrosaseremescolhidospassa-
ramporumapréviaavaliaçãoparacomporalistagemdelivrosofertadosno
Guia,ouseja,aprópriaaprovaçãodolivronoeditaljáovaloraperanteos
30
demaisquenãoareceberam.Essesistemaaomesmotempoemquepro-
põeauxiliaroprofessornoprocessodeescolhadoslivrosdidáticos,con-
siderandooenormemercadoeditorialdaárea,tambémserveparacon-
trolarosistemadecirculaçãodeconteúdosnassalasdeaulabrasileiras.
Além disso, dentro de um sistema de controle, podería-
mos ver nos livros didáticos, segundo Bittencourt (2011), “[...] seu
papel de instrumento de controle do ensino por parte dos diver-
sos agentes do poder” (p. 298). Isso porque, a partir do controle
dos livros a serem distribuídos, as instituições de poder podem li-
mitar, pelo menos em parte, as informações e conteúdos, em nos-
so caso, históricos, que chegam até os professores e salas de aula.
Assim,emtalsistema,CirceBittencourt(2010)chamouaaten-
çãoparaofatodequeo“[...]livrodidáticonavidaescolarpodeserode
instrumentodereproduçãodeideologiasedosaberoficialimpostopor
determinadossetoresdopoderepeloEstado”(p.73).Exatamentepor
análisescomoessa,podemosconcordarcomofatodequeoprocesso
deescolhadoslivrosdidáticosnãoéalgorotineiro,mas,umaquestão
política,aqual,comoaprópriaautoradiscorreu,é“[...]umpontoestra-
tégicoqueenvolveocomprometimentodoprofessoredacomunidade
escolarperanteaformaçãodoaluno”(BITTENCOURT,2011,p.298).
Portanto,aocompreendermosqueoslivrosdidáticossãoprodu-
tosdeumaculturadoconsumo,aomesmotempoemqueestãoinseri-
dosempolíticaseducacionaisdeEstado,percebemosque,comoalertou
aautora,oprocessodeseleçãodosmesmosdeveocorrerapartirdeum
engajamentodetodaacomunidadeescolarcomaqualidadedeensino.
NamesmadireçãodeBittencourt,afirmouTaniaReginadeLuca(2009),
[...]pode-seperguntar seaproduçãodidática tambémnãoconhe-ceuumprocessodeformaçãoquesupõeaarticulaçãodotripéau-tor-obra-público.Desaída,éprecisoreconhecerqueosespaçosde
31
circulaçãodos livrosdidáticossão,pelomenosemtese,bemmaisespecíficosqueosliterários,equenelesoEstadodesempenhapapelessencial,poisédasuacompetênciadefiniroscontornosdoaparatoescolar,sobreoqualtemopoderdelegislar,formularpropostaspe-dagógicas,imporconteúdos,programascurricularesenormasparaosprofissionaisqueneleatuam.Eéjustamenteaexistênciadeumapolíticaeducacionalquecriaumpúblicocativo(osalunos),quede-mandalivrosespecíficos(escolares),quedevemserescritos(autores)eproduzidos(editores)deacordocomprogramaseobjetivospres-critosereconhecidoscomorelevantes(Estado)pelomenosporpartedasociedade(p.153).
AinfluênciadoEstadonaprópriaseleçãodoslivrosquecom-
põeoGuia,naperspectivadeLuca,demonstracomooslivrosdidáti-
cosestãocomprometidoscomumconjuntodedemandasabertaspor
programasoficiaise,dessaforma,longedeseremmerosinstrumen-
tosourecursospuramentedidáticos,massim,documentosrepletos
deideologias,sejamelasoficiaisounão.AindasegundoLuca(2009),
[...]caberia,portanto,perguntarsenãoseriapossíveldivisarafor-maçãodeuma sistemanoqualobrasquepassama serdefinidas,apreendidas e lidas como didáticas assumem uma função sociale, a exemploda literatura, tecemosfiosdeuma certa tradição.Adiferença,queestálongedeserpequena,ficariaporcontadaexis-tência de um novo elemento, o Estado, ator que concebe, regula-menta, controla emesmo institui o sistema educacionalmoderno,desde o início criado com a aspiração universalizante de abarcaro conjuntodapopulação.E semdiminuir a relevânciadessa açãonormatizadora e de seus efeitos, sempre tão destacados, trata--se de tentar dirigir o foco para o papel igualmente central que,no Brasil, o Executivo tem desempenhado ao se imiscuir de for-ma decisiva na realização do negócio venda, compra e distribui-ção de livros didáticos, aspecto nem sempre ressaltado (p. 154).
O Estado ao misturar-se no processo de comercialização
dos livros didáticos, como evidenciado por Luca, demonstenfáti-
32
ca diferença entre a produção literária e a voltada para o merca-
do educacional. Essa diferença está pautada no conjunto de inte-
resses que envolvem a produção dos livros didáticos, os quais são
provenientes de aspirações sistematizadoras do próprio gover-
no, de mercado das editoras e educacionais dos autores. Portan-
to, segundo Bittencourt (2010) o livro didático como mercadoria
[...] sofre interferências variadas em seu processo de fa-bricação e comercialização. Em sua construção interfe-rem vários personagens, iniciando pela figura do edi-tor, passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processosgráficos,comoprogramadoresvisuaiseilustradores(p.71).
As interferências no processo de construção do livro di-
dático são resultado de aspectos que envolvem o próprio contex-
to no qual foi produzido, como as políticas educacionais oficiais,
as diretrizes educacionais, as leis editoriais, os preços e orienta-
ções mercadológicas e por que não acrescentar ainda os anseios
dos professores? Nessa direção, de acordo com Thompson (2007),
os indivíduos envolvidos na produção e recepção de for-mas simbólicas estão, geralmente, conscientes do fato deque elas podem ser submetidas a processos de valorização,e eles podem empregar estratégias voltadas para o aumen-to ou a diminuição do valor simbólico ou do econômico (p. 206).
O processo de valorização empregado no Guia do Li-
vro Didático, na perspectiva apontada por Thompson,
usa como estratégia as resenhas das coleções, como relata:
OresultadodessetrabalhoestáconfiguradonoconjuntodedezenoveresenhasquecompõemesteGuia,elaboradasparaexporaanálisede
33
cadaumadasobras aprovadas e apontar suas características, seusaspectospositivoselimitações,afimdeoferecerelementosparaquevocêpossaverificaraadequação,ounão,dapropostadidático-peda-gógicaparaasuarealidadeescolar(BRASIL,2012,p.07).
As dezenove obras selecionadas para compor o Guia têm
seus pontos “positivos e limitações” indicados em suas resenhas,
ou seja, não são os docentes no processo de escolha que observam
tais características, mas o próprio Guia que as apresenta. De acor-
do com oGuia, as resenhas dos livros didáticos foramproduzidas
a partir de umdeterminado conjunto de critérios, como apresenta:
Asresenhasestãoestruturadasnosseguintesitens:Identificaçãodacoleção – nome da obra; código no PNLD 2012; autoria, editora ecapa;VisãoGeral–expõeaorganizaçãocurriculareascaracterísti-casqueidentificamesingularizamaobra;Descrição–forneceumadescriçãodaorganizaçãodosLivrosdoAluno,apontaonúmerodepáginasedescreveosconteúdosdisponíveisemcadavolume;Análi-se – apresenta a avaliação da obra segundo os critérios relacionados aoManualdoProfessor,MetodologiadaHistória,Metodologiadoensino-aprendizagem, Cidadania; História da África, dos afrodes-cendentesedosindígenas;ProjetoGráfico;Emsaladeaula–destacaaspossibilidadesecuidadosnousodacoleçãonasaulasdeHistória(BRASIL,2012,p.07).
Como podemos ver, no processo de seleção dos li-
vros didáticos aprovados para compor o Guia, os crité-
rios são bem definidos, pois somente os livros que apresenta-
rem as características citadas acima serão incluídos no manual.
[...]parasubsidiaraleituradasresenhas,foielaboradoumtextosobreaavaliaçãodoslivrosdidáticosdeHistória,emquesedestacamoscritériosdeavaliaçãoeasetapasquepautaramotrabalho;delineia-se
34
umpanoramadascoleçõesaprovadase,nointuitodecontribuirparaa identificaçãododesempenhodascoleçõesemrelaçãoaosprinci-paiscritériosespecificadosnoEdital,apresenta-seumquadrosíntesedoconjuntodascoleções.AofinaldoGuiaencontra-seanexaaFichadeAvaliaçãodoPNLD2012-ÁreadeHistória,quepoderáseradap-tada para o uso do coletivo de professores da sua escola, caso deci-damrealizarumaanáliseprópriadascoleções(BRASIL,2012,p.08).
NoGuiaaindaestáescrito,Todasasespecificaçõessãoenten-
didascomoválidasparaauxiliaroprofessornoprocessodeescolha
doslivrosdidáticosqueserãoutilizadosemsuaescola.Dessaforma,
vemos, queo livrodidático,mesmo semumvalormonetário apre-
sentado aos professores, pois quem o custeia é o próprio governo,
possui umvalor simbólico apresentadonas resenhasdescritivasdo
Guia, expresso pelos pontos positivos e/ou limitações, os quais po-
deminfluirdiretamentenaescolhaaserrealizadapelosprofessores
noprocessodeseleçãodoslivrosdidáticos.Novamente,olivrocomo
produto/mercadoriaadquirevalordeacordocomonúmerodepontos
positivosdestacadosnoGuia.Sendoassim,podemosconcordarcom
AnaMariaMonteiro(2009),quandoafirmaquenoslivrosdidáticosos
[...]discursosoficiaisenãooficiaissãohibridizados,entreeles:orien-taçõesdediretrizescurricularesoficiais,outraspresentesnosexamesvestibulares e tradições sedimentadas sobre conteúdos indispensá-veis,bemcomoformasdeorganizaçãocurricular,muitasvezesre-produzidasdemodonaturalizadopelosprofessoresnocotidianodesuasaulas(p.176).
Ohibridismo,característicodaproduçãodoslivrosdidáticos,
comodemonstradoporMonteiro,apontaparaofatodequeestesnão
podemsersomentecompreendidoscomomerosprodutoscomerciais,
poisessaéapenasumadassuasfaces,mastambémcomoprodutosquede
35
formadialéticaimbricamnecessidades,interessesevisãopedagógica.
Nessaperspectiva, o livrodidático, seja eledeHistória, foco
denossoestudo,ounão,apresenta trêsesferas:aprimeiraédetra-
dutor dos conhecimentos acadêmicos para uma linguagem pró-
priadosaberescolar,ouseja, eledetéme sistematizaos conteúdos
a seremensinadosna saladeaula; a segundaesfera reflete seupa-
pelpedagógico,pois apresentauma sériede técnicas emétodosde
ensino-aprendizagemcomo sugestãode aplicaçãoparaoprofessor,
apresentando formaspossíveisde comooconteúdoqueeleoferece
deveria ser ensinado e, por fim, segundo afirmouCirceBittencourt
(2010), “[...] o livro didático é um importante veículo portador de
um sistemade valores, de uma ideologia, de uma cultura” (p. 72).
A ideologia, assim comoo sistemade valoresdedetermina-
da cultura, enfatizados por Bittencourt, não são apenas pensados
porgrupossociaisespecíficos,maspormatrizesdepensamentopró-
priasdecada tempoesociedade.ComoafirmouMarcFerro (1983),
“[...]emcadapaíspermaneceumamatrizdaHistória,eessamatriz
dominantemarca a consciência coletivade cada sociedade” (p. 13).
Essa matriz da História, própria de cada sociedade, des-
tacada pelo autor, é o que contribui para a seleção de conteú-
dos considerados indispensáveis no ensino de História em detri-
mento de outros. Isso porque os sujeitos, tanto autores, quanto
professores estão inseridos dentro de uma conjuntura de tradi-
ções de pensamento que transcendem o momento vivido e re-
mentem a cultura e a consciência coletiva de cada sociedade.Ain-
da segundo Ferro (1983), são essas tradições de pensamento que
[...]emlugardaseras,manipulaosseusrespectivosmodosdepro-dução,vergandoahistóriainteiraaosabordeperiodizaçõestãofir-
36
mementeestabelecidasquantoasestatísticasdosregimesqueascon-trolam(p.290).
Adialéticaqueseestabeleceentreoqueéaceitávelnoensino
deHistória,deacordocomacultura,eoquedeveserensinado,de-
monstraafaltadecontroleabsolutodequaisquerunsdosenvolvidos
noprocessodeproduçãodoslivrosdidáticos,oquenãoinvalidaofato
quetantoautores,quantoeditores,públicoconsumidoregovernosão
partícipesnessaprodução.Afinal,comobemargumentouBittencourt
(2010),“éimportantedestacarqueolivrodidáticocomoobjetodaindús-
triaculturalimpõeumaformadeleituraorganizadaporprofissionais
enãoexatamentepeloautor”(p.71).Aomesmotempoemqueorga-
nizaaleitura,tambéméorganizadopeloqueentendemoscomoacei-
tável,ouseja,peloqueéverossimilhanteemcadatempoesociedade.
Entretanto,éinteressantepercebermoscomooGuiadelegaao
livrodidáticoa responsabilidadeporumensinodeHistóriaparaa
cidadaniaeparaaconstruçãodeumsujeitocríticoreflexivoeexclui
o papel central do professor nesse processo. Ao docente é apenas de-
legadaa funçãode escolhado livrodidático epara issooGuia foi
construído,paraqueessaseleçãosejabemsucedida.Écomosefosse
possívelselecionarumlivrocapazderesolverosproblemasedefici-
ênciasdasestruturasdeensino,comoafirmouBittencourt(2011),“[...]
umlivrodidáticoideal,umaobracapazdesolucionartodosospro-
blemasdoensino,umsubstitutodotrabalhodoprofessor”(p.300).
Nessa dialética estabelecida entre a qualidade de ensino e
dos recursos didáticos utilizados pelos docentes, devemos anali-
sar que o livro didático possui seus próprios limites pedagógicos,
pois como já discorremos é um produto imerso em contextos de
elaboração de difícil definição e complexo. De acordo com o Guia
37
[...] os dezoito critérios específicos que devem ser observados nasobrasdeHistóriarelacionam-secomessespressupostoseobjetivos:asobrasdidáticasdevemcontribuirnãosóparaaapropriaçãodoco-nhecimentohistórico,abordadocomoumaconstruçãosocialehisto-ricamenteproduzida,mastambémparaacompreensãodosproces-sosdeescritadaHistória,afimdepossibilitarqueosjovensatribuamsentidosaoestudodaHistória,relacionadostantocomaanálisedediferentessociedadesaolongodotempoquantocomapercepçãodahistoricidadedesuaspráticassociaisecomareflexãocríticasobreasociedadecontemporânea(BRASIL,2012,p.10).
Dentro dos dezoito critérios apontados no Guia, o papel de con-
tribuiçãoparaaapropriaçãodeumconhecimentohistóricoengajado
comareflexãosocial,assimcomocomodesenvolvimentodashabili-
dadesecompetênciasdeanálisedosprocessoshistóricosereflexãocrí-
ticadopresentesãoapresentadoscomotarefadolivrodidático,como
seomesmofossecapazsozinhodepossibilitarumensinodeHistória
diferenciado.Como formadedemonstraçãovisual dodesempenho
dos livros didáticos dentro da análise a partir dos critérios estabele-
cidospeloPNLD,oGuiaapresentaumquadrosíntese,comosegue:
38
Figura2:BRASIL.MinistériodaEducação.Guiadelivrosdidáticos:PNLD2012:História,2012,p.23.
39
Conforme apresentado no quadro síntese do desempe-
nho dos livros didáticos dentro do sistema de análise empre-
gado pelo PNLD, alguns livros apresentam qualidades aci-
ma das mínimas exigidas, o que poderia, ao nosso entender,
influenciar no processo de escolha do qual o professor é o agente.
Entre2010e2012,vivemosacampanhadoPNLD,EnsinoFunda-
mentaleMédio,ouseja,períodoemqueosprofessoresdetodooBrasil
entramnaplataformadoMECparaescolherostítulosdoslivrosdidá-
ticosqueserãorecebidosporsuaescolae,porconsequência,utilizados
nassalasdeaula.Aoanalisarmosoprincipaldocumentoquedelineiao
processodeescolhadoslivrosdidáticosporpartedosprofessores,ob-
servamoscertodirecionamentoparaalgunstítulosmelhorqualificados
dentrodasanálisesapresentadaspeloGuia.Dessaforma,oGuiaseria
uminstrumentonãoapenasdeauxílioparaosdocentesdaEducação
Básica,mastambémdeinfluênciadiretaemseuscritériosdeescolha.
Nesseínterim,percebemosqueoprofessordeHistóriaemmeio
aoexpostoécolocadoemumaposiçãomarginaleo livroassumeo
centrodadiscussão.Noentanto,sefaznecessárioquenosmomentos
finaisdessetexto,destaquemosquenoprocessodeensino-aprendiza-
gemolivrodidáticopodeseruminstrumentocontributivo,desdeque
oeducadoropercebacomoumprodutodasociedadedeconsumoe,
dessamaneira,outilizedentrodeseuslimitesapenascomoumrecur-
soenãocomoummeiopeloqualoensino-aprendizagemserealiza.
40
41
AHistóriadolivrodidáticoseinscrevedentrodeoutratrajetó-
riamaisampla,queéaprópriaHistóriadolivro,marcadapelaaçãode
Güttembergesuaprensa,poisestepermitiuumaproduçãodelivros
emmaiorescalaemenorcusto.Olivro,nesseprocesso,deixoudeser
umapropriedadedevalorpararepresentarumstatussociale,paula-
tinamente,adquirirumpapelcentralnosprocessosdeensino/apren-
dizagemnalógicadeumaeducaçãohumanistae,depois,iluminista.
Em meio a essa transformação do papel do livro, surgiu o que
hoje chamamos de livro didático ou manual escolar, o qual, na
escola, tornou-se não apenas o recurso didático central do pro-
fessor, mas também apoio para construção do planejamen-
to e do currículo escolar. De acordo com Alain Choppin (2004),
O ENSINO DE HISTÓRIA E A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS
QUE REGULAMENTAM OS LIVROS DIDÁTICOS
Quando nos referimosa outros materiais,pensamos em recur-sos como internet, li-vros que possibilitemo aprofundamento dosconhecimentos sobreos conteúdos escola-res, vídeos e outros.
aconcepçãodeumlivrodidáticoinscreve-seemumambientepeda-gógicoespecíficoeemumcontextoreguladorque,juntamentecomodesenvolvimentodossistemasnacionaisouregionais,é,namaioriadasvezescaracterísticodasproduçõesescolares[...](p.554).
As fronteiras entre as práticas pedagógicas e os contex-
tos regulares poderiam estar distantes, entretanto, conforme
analisou o autor, quando se trata de livros didáticos, não exis-
42
te tal fronteira. Isso porque as práticas pedagógicas são regu-
ladas por contextos específicos e, nesse caso, os livros didáti-
cos são um fundamental instrumento das políticas educacionais,
especialmente no Brasil, como analisaremos no presente texto.
Ao olharmos para aHistória do livro didático no Brasil, ve-
remos que a ampladistribuiçãodestes, tanto no ensino fundamen-
talquantonomédio,égarantidaporumapolíticagovernamentalde
educação,aqualatualmenteseefetivanoBrasilpeloProgramaNa-
cional do LivroDidático.A trajetória das políticas voltadas para a
avaliação, regulaçãoedistribuiçãodos livrosdidáticosnoBrasil foi
marcadapor trêsmomentosespecíficosdaHistórianacional.Opri-
meiro, aindano séculoXIX,ocorreucoma criaçãodaComissãode
Instrução Pública, responsável por elaborar projetos de lei que, de
acordo comSouza (2000), visassem“amelhororganizaçãopedagó-
gicaparaaescolaprimária”(p.10).AComissãoapesardocurtotem-
podeexistência,cercadeseismeses,propunha-seaserinstrumento
de promoção dos fundamentos da nacionalidade brasileira através
da educação. Um segundo momento, no século XX, foi marcado
pelacriaçãodetrêscomissões,comoapontouTâniaReginadeLuca:
aComissãoNacionaldoLivro Infantil (1936), aComissãoNacional
doEnsinoPrimário(1938)eaComissãoNacionaldoLivroDidático
(1938).EstasforamcriadasnagestãodoMinistroGustavoCapanema
emmeioaimplantaçãodoEstadoNovonoBrasil.Porfim,otercei-
romomentoaconteceucomacriação,em1985,nofinaldoGoverno
Militar,doProgramaNacionaldoLivroDidático,ochamadoPNLD.
Dentre os trêsmomentos apontados, o que nos interessa em
nossa análise é o processo de transição das políticas de avaliação, re-
gulaçãoedistribuiçãodoslivrosdidáticosentreaComissãoNacional
43
doLivroDidáticoeoPNLD.Issoporqueambososórgãosatuarame
atuampormeiodoestabelecimentodediretrizesparaaprópriaelabo-
raçãodoslivrosdidáticos.Alémdisso,poisinfluírameaindainfluem,
nocasodoPNLD,nasformascomooconhecimentodasdisciplinas
escolareséapresentado.Ademais,e,sobretudo,porquetantoaComis-
sãoNacionalquantooPNLD,atravésdafunçãoavaliativaeregulado-
ra,determinaramedeterminamquaismanuaisescolarespoderãoser
distribuídose,assim,utilizadospelasinstituiçõesdeensinopúblicas.
Nessas duas situações vemos a presença do governo e de
suas políticas não apenas nas diretrizes educacionais, mas tam-
bém no próprio processo de ensino-aprendizagem exercido den-
trodas salasdeaula.Aindaque, comodiscorreuKazumiMunaka-
ta (2009), os professores ainda sejam capazes de ministrar ótimas
aulasapartirdepéssimoslivros,olivrodidáticoéseuprincipalre-
cursoemsalae,portanto,muitasvezesumlimitadordesuasações
educativas e reflexivas. Nesse sentido, afirmou Munakata (2009);
OpróprioPNLDlamentaqueosprofessoresadotamsistematicamen-teoslivrosmalavaliados[…]simplesmenteignoramoGuiadeLi-vrosDidáticos,nãoporacharemdifíceisasresenhas–comoavaliouumdocumentodoPNLD,esimporquepreferemfazersuasescolhas‘comolivronamão’(p.144).
Uma possível questão que se abre a partir da afirmação de
que seria “lamentável” professores escolherem para utilização em
suas salasde aula livros “mal” avaliados é: Para quemesses livros
forammal avaliados? Por mais que saibamos que o PNLD possui
uma comissão de especialistas nas áreas de ensino os quais atuam
diretamente na avaliação dos manuais escolares inscritos no edi-
tal em vigor, também é necessário considerarmos que os docentes
44
no Brasil possuem realidades diferentes em suas salas de aula. Es-
tas realidades dizem respeito, por exemplo, a especificidades re-
gionais, adificuldades locaisde estrutura e recursospúblicos espe-
cíficos e outras tantas diversidades, as quais os avaliadoresmuitas
vezes desconhecem e não preveem em suas tabelas avaliativas.
Sendo assim, a “má” avaliação de alguns manuais não sig-
nifica diretamente que estes não apresentam possibilidades de
“boa” utilização em diferentes realidades. Além desse ponto, ain-
da podemos considerar que, mesmo dentro de um espaço reflexi-
vo de liberdade intelectual dos professores que optam por igno-
rar as indicaçõesdoGuia, comoapontoua autora, aindaassim,no
universo editorial dos livros didáticos, as diretrizes instituídas pelo
PNLD influem na elaboração desses livros, sejam eles os melho-
res avaliados ou não. Dessa forma, no presente texto analisaremos
o papel histórico desses dois órgãos no processo de seleção e dis-
tribuição dos livros didáticos para as escolas públicas no Brasil.
45
O ensino de História e a Comissão Nacional do Livro
Didático
Dentro do processo de criação de um órgão responsável
pela regulação, avaliação e circulação de livros didáticos, pode-
mos inferir que o ensino deHistória fora um alvo para ser censu-
rado, pois é nele que encontramos um espaço relativamente am-
plo de possibilidades de crítica social e política. Além disso, mais
do que simplesmente o ensino de História, os livros didáticos fo-
ram, desde os anos de 1930, produtos centrais dentro das políti-
cas educacionais. Conforme discorreu Ana Maria Monteiro (2009),
Considerando o caso brasileiro, verifica-se que o entendimento daimportânciaestratégicado livrodidáticonaspolíticaseducacionaisremontaàdécadade1930,duranteoEstadoNovo,quandofoiinsti-tuída,peloDecreto-Lein1.006,de30dedezembrode1938,aComis-sãoNacional doLivroDidático (CNLD), estabelecendo a primeirapolítica de legislação e controle de produção e circulação do livro di-dáticonopaís(p.180).
MonteirodestacounessacitaçãoqueforaapartirdoDecreto-Lei
n1.006dedezembrode1938,oqualdeterminouacriaçãodaComissão
NacionaldoLivroDidático(CNLD),queoslivrosdidáticossetornaram
noBrasilprodutosderegulaçãoecontroledoEstado,ouseja,essafoia
primeirapolíticavoltadaparaocontroledaproduçãodosmanuaises-
colares. Essa característica deu a CNLD o papel de criadora ou consti-
tuidoradeumanovaculturaeditorialnoBrasil,reguladapordiretrizes
46
propostaspeloEstado.Aindadeacordocomaautora,aCNLDfoifruto
dapreocupaçãodoMinistériodaEducaçãoeSaúdecomaformaçãoda
nacionalidadebrasileiraeparaisso“[...]buscavacontrolaromaterial
aserutilizadopelosalunosnasescolas”(MONTEIRO,2009,p.180).
Dessaforma,quandoanalisamosopapeldacriaçãodaComissão
NacionaldoLivroDidáticoem1938,buscamosperceberdequemodo
essa instituição atuou como limitadora e reguladorados conteúdos
veiculadosnoslivrosdidáticos,especificamenteosdeHistória.Des-
saforma,procuramosentenderdequemaneiracontribuiuparauma
profundamudançanomercadoeditorialbrasileirodelivrosdidáticos.
De acordo com Tânia Regina de Luca (2009), cabia a essa
Comissão o papel de executar “[...] à análise dos materiais didá-
ticos submetidos pelos autores e editores, elaborar uma relação
oficial para servir de orientação à escolha dos professores de es-
colas públicas ou privadas, além de estimular e orientar a produ-
ção de livros didáticos [...]” (p. 167). Entre as funções da CNLD
não consta a produçãodosmanuais escolares,mas, comodemons-
trou a autora, seu papel era centrado na regulação e autorização
dos livrosquepoderiamounãoserutilizadosnasescolaspúblicas.
Assim,apesardenãoinstituirummanualúnicoparatodasas
escolas,aComissãoacabouconstituindoumconjuntodediretrizesque
orientavamaproduçãodoslivrosdidáticos.Issoporque,seumautore
editoraqueriamterseuprodutoautorizado,precisavamseguirasorien-
taçõesediretrizespropostaspelaComissão.Afinal,segundoLuca(2009),
esta“[...]limitavaouniversodeopções,namedidaemqueaseleção
deveriaserfeitaapartirdalistaoficial,sobaresponsabilidadedeespe-
cialistasnomeadospelaatarefapelopresidentedaRepública”(p.167).
Essalistaoficialcontinhaasindicaçõesdoslivrosaprovadosparauti-
47
lizaçãonas escolas públicas e, consequentemente, os quenão apre-
sentassemqualquer crítica ao regime político vigente no país.Ain-
dadeacordocomaautora,aComissãoNacionaldoLivroDidático
tinha a preocupação de “[...] centralizar as decisões, conduzir uma
políticaunificadaparatodoopaíseintervirnaprodução,comade-
limitação de diretrizes gerais que puniam qualquer crítica ao regi-
mepolíticoemvigoreaochefedanação[...]”(LUCA,2009,p.167).
Esse último caráter da Comissão revela a face da censu-
ra exercida pela Comissão aos conteúdos apresentados nos manu-
aisescolaresavaliados.Entretanto,nãodemonstraapenas isso,mas
também os instrumentos utilizados ainda no governo Vargas, os
quais paulatinamente serviram para uniformizar a produção dos
livros didáticos e, aindamais, ofertaram as diretrizes a fimde ela-
borar um padrão para a apresentação dosmanuais escolares. Esse
padrão constituído dentro de um processo histórico relativamen-
telongosematerializounaprópriadivisãodosconteúdosdeHistó-
ria,focodopresenteestudo,deformaquadripartite,aqualnãotem
sido discutida no âmbito da produção dos livros didáticos nos de-
batesdoensinodeHistóriadeformaenfáticaouproblematizadora.
Nessaperspectiva,acriaçãodessaComissãofoiacompanhada
dereformasdeensino,comoasimplementadasporFranciscoCampos
eGustavoCapanemaentreosanosde1931e1942.Nessas,vemoso
modeloquadripartitedoensinodeHistória“francês”reafirmadono
Brasil.ComodiscorreuSelvaGuimarãesFonseca(2010),aHistóriaera
divididaentreconhecimentosdeHistóriaUniversaledoBrasil“[...]di-
vididaemduasséries,oprimeiroconjuntocompreendendoaHistória
doBrasilatéaIndependênciaeosegundocompreendendoaHistória
doBrasildo1ºReinadoatéaquelemomento,oEstadoNovo”(p.49).
48
AadoçãodessemodelodeensinodeHistóriapelapolíticaedu-
cacional,defendidadentrodosministériosdeCamposeCapanema,
demonstraaintençãoderegulaçãodosconteúdosensinadosnases-
colasnacionais,nãoapenasparaorganização,mascomumafunção
política definida. Segundo Jean Chesneaux (1976), a organização e
divisãodos conteúdosdeHistória,naperspectivaquadripartite,no
final do século XIX e primeirametade do XX, apresenta uma fun-
çãopolítico-ideológicabemfundamentada.Emdireçãoaoafirmado
peloautor,Fonseca (2010)explicouque,nosconteúdosdeHistória:
Em uma perspectiva europeia, ainda centrada na ideolo-
NocasodaIdadeAntiga,destaca-seaantiguidadegreco-romanaeseusvaloresculturaiscomobasedaculturaburguesaeuropeia.Noperíodomedieval,salienta-seaIdadeMédiacristã,exaltandoosva-loresdacivilizaçãocristã.Operíodomoderno,[...],representaapre-tensãodaburguesiadecompletarahistória,controlando,emnomedamodernidade,ofuturodahumanidade.AIdadeContemporâneaapresentaodomíniodoOcidentesobreomundo,atravésdaelabo-raçãodeumquadrocoerenteeglobaldomundo.NosséculosXIXeXX,ospaíses industrializados,“civilizados”, tornam-seos“guiasnaturaisdahistóriaafricana,asiáticaouamericana”(p.50).
gia civilizatória defendida no processo de neocolonialismo do sé-
culo XIX, o ensino deHistória colocava os colonizadores europeus
emumpapeldedestaquenoprocessodedesenvolvimentodoBra-
sil enquanto parte do continente americano e, principalmente, em
industrialização nas primeiras décadas do século XX. Em um con-
textopósPrimeiraGuerraMundial,esse tipodeensinodeHistória
justificava e legitimava o papel dos países vencedores enquanto ci-
vilizadores. Esse modelo de ensino da História influenciou toda a
produção,nãoapenasnassalasdeaula,mastambémnaspesquisas.
DeacordocomFonseca,apartirdoanode1939,astesesdefen-
49
didasnaUniversidadedeSãoPauloapresentaramumacentralidade
naspesquisasvoltadasparaquestõeseestruturasdaHistóriaquadri-
partite. Issocontribuiuparaqueessadivisãodosconteúdoshistóri-
cosseenraizassedetalformanoensinodeHistóriaque,atéhoje,é
consideradamodelobásicodoensinofundamental,médioesuperior.
Portanto,vemosqueaaspolíticaseducacionais,oslivrosdidáticose
asperspectivasdoensinodeHistóriaestãointimamenteligadoseque,
paracompreenderasnossasatuaisformasdeensinodosconhecimen-
toshistóricos,precisamosantesanalisarcomoseestruturaramessas
diretrizes reguladoras da produção e distribuição dos livros didáticos.
Nessa perspectiva, dentre os 40 artigos que compunham
o Decreto-lei 1.006, vemos a seguinte indicação: “[...]a partir de 1
de janeiro de 1940, livros sem autorização do ministério não po-
deriam ser utilizados nas escolas pré-primárias, primárias, nor-
mais, profissionais e secundárias de toda a República” (LUCA,
2009, p. 167). Essa determinação do decreto deu início a um pro-
cesso de normatização da produção dos livros didáticos no Brasil.
Para a composição da Comissão Nacional do Livro Didáti-
co, foram escolhidos intelectuais, professores, padres e militares,
conforme afirmou Ferreira, “A CNLD foi composta por um gru-
po de intelectuais, escolhidos por Gustavo Capanema, não de for-
ma aleatória, mas organizada de acordo com as possibilidades do
Ministério” (FERREIRA,2008,p. 16).Essaescolhacontoucomuma
diretriz veiculada no Decreto-lei 1.006/38, no qual constava que
Apesar do decreto não permitir qualquer ligação entre seus
A Comissão deveria ser integrada por sete membros, designa-dos pelo Presidente da República, escolhidos dentre ‘pessoasde notório preparo pedagógico e reconhecimento moral’ (De-creto-Lei n° 1.006/38), divididos em especializações: duas es-
50
pecializadas em metodologia das línguas, três em metodologiadas ciências e duas em metodologia das técnicas. Os membrosda comissão não poderiam ter nenhuma ligação de caráter co-mercial com qualquer casa editorial (FILGUEIRAS, 2008, p. 02).
membros e a publicação de obras, havia certo relaxamento da lei,
pois, emalgumas situações ,os livrosde autoria total ouparcialde
algumcomponentedaComissãopoderiamsersubmetidosaominis-
tro e ao Presidente da República e, se autorizados, posteriormente
apresentados à Comissão.Aqui podemos considerar que os nomes
escolhidosparacomporogrupodeavaliadoresdeveriamapresentar
alinhamentocomogovernoeaspolíticaseducacionaisdeste.Sendo
assim, estabelecia-seumaaproximação e, aomesmo tempoumafi-
namento, entre avaliadores, editores e autores de livros didáticos.
Tânia Regina de Luca (2009) afirma que “as relações com o
Catete eramcuidadosamentenutridas, como ilustra ohábitode re-
meter livros para Getúlio Vargas e sua filha, Alzira, devidamente
acompanhadosde‘bilhetesgentis’”(p.170).Essehábito,instituídoa
partirdaimplementaçãodosprocessosdeavaliaçãoeregulaçãodos
manuais escolares através da CNLD, demonstra como se estabele-
ceuum sistemadialético entre as diretrizesdo governo e a produ-
çãodenovoslivrosdidáticos.Afinal,aoinstituirumalistadelivros
autorizados e ainda divulgar osmotivos das reprovações dos títu-
losnãoautorizados,aCNLD“[...]detalhavaoprocessodeautoriza-
çãoeosmotivosquejustificavamoseuveto”(LUCA,2009,p.167)e
fornecia as basesnormatizadorasdaproduçãodosmanuais escola-
res.Essamedidaaproximouoseditoreseautoresdaspolíticasedu-
cacionaisdogovernoecerceou,de formadireta,aproduçãoecria-
51
ção dos livros didáticos. Isso porque, de acordo com Luca (2009),
[...]acriaçãodacomissãonãofoiumatoisolado,antessearticulavaaumconjuntodemudançasnocampoeducacional,iniciadasjáem1931comachamadaReformaFranciscoCampos,queestabeleceunovasba-sesparaosistemadeensinodopaíscomoumtodo,equetevecontinui-dadecomaLeiOrgânicadoEnsinoSecundário,de1942(p.167-168).
Comoapontouaautora,asnormasinstituídaspelaComissão
NacionaldoLivroDidáticoestavamarticuladasdiretamenteàvisão
políticadoEstadoNovoparaaeducaçãoe,portanto,vincularam-seàs
diretrizesimplementadasnasequência.NaLeiOrgânicadoEnsinoSe-
cundário4.244de1942,citadaacima,encontramos,nosincisosdoartigo
24,asdiretrizesparaoensinodeHistóriaeGeografiaeadeterminação
dequenestassejamensinadosconteúdosprópriosdemoralecívica:
§1ºParaa formaçãodaconsciênciapatriótica, serãocomfre-qüênciautilizadososestudoshistóricosegeográficos,devendo,noensinodehistóriageraledegeografiageral,serpostasemevidênciaascorrelaçõesdeumaeoutra,respectivamente,comahistóriadoBrasileageografiadoBrasil.§ 2º Incluir-se-ánosprogramasdehistóriadoBrasil edege-ografiadoBrasildos cursos clássico e científicoo estudodosproblemasvitaisdopaís.§3ºFormar-se-áaconsciênciapatrióticademodoespecialpelafielexecuçãodoserviçocívicoprópriodoJuventudeBrasileira,naconformidadedesuasprescrições.§4ºApráticadocantoorfeônicodasentidopatrióticoéobriga-tórianosestabelecimentosdeensinosecundárioparatodososalunosdeprimeiroedesegundociclo(LeiOrgânicadoEnsinoSecundário4.244de1942).
NoensinodeHistóriaeGeografia,seriamtrabalhadososconte-
údosdeformaapropor:odesenvolvimentodeuma“consciênciapa-
52
triótica”,apercepçãodosproblemasbrasileirose,comoregistradono
inciso3º,aformaçãodajuventudeparaoserviçocívico.Essetipode
ensinodestasdisciplinasapresentavaumforteviésideológico,dirigi-
doporumapropagandavoltadaparaoapoioealegitimaçãodoEstado
Novo.Comovemosnacitação,ofocodeensinoserianodesenvolvi-
mentodeumaeducaçãopatriótica,ouseja,osmanuaisquenãoseguis-
semessaorientaçãoseriamdescartadosouvetadosdalistagemoficial
delivrosautorizadosparautilizaçãonoensinopúblico.Nessamesma
direção,afirmouBomeny(1999)queoobjetivodasreformaseduca-
cionais implementadaspeloMinistériodaEducaçãoeSaúdedentro
doEstadoNovoerainstituirumapolíticaparaaeducaçãocapazde:
Formarum“homemnovo”paraumEstadoNovo,conformarmenta-lidadesecriarosentimentodebrasilidade,fortaleceraidentidadedotrabalhador,ouporoutraforjarumaidentidadepositivanotrabalha-dorbrasileiro,tudoissofaziapartedeumgrandeempreendimentoculturalepolíticoparaosucessodoqualcontava-seestrategicamen-tecomaeducaçãoporsuacapacidadeuniversalmentereconhecidadesocializarosindivíduosnosvaloresqueassociedades,atravésdeseussegmentosorganizados,queremverinternalizados(p.139).
Na perspectiva apresentada pela autora, a política educacional
instituídapeloEstadoNovoeachamadaReformaCapanematinham
porfocolegitimaravisãodoEstadoatravésdeumensinoquefossecapaz
deforjarumanovaidentidadenacional,centradanaimagemdotraba-
lhadorpatriótico.Dessaforma,pormeiodaeducação,osideaisdonovo
regimeseriampropagados,comoafirmouRitadeCássiaFerreira(2008).
A política cultural elaborada pelo Estado Novo e coordenada, princi-palmente,peloMinistériodeEducaçãoeSaúde,obteve,sobadireçãodeGustavoCapanema(1934-1945),umamploespaçoparapropa-
53
Assim, o objetivo da política cultural doMinistério da Edu-
cação e Saúde era forjar as bases ideológicas para a construção de
uma nova nação. Para tanto, era preciso fomentar uma política ca-
pazde,segundoFerreira,uniformizar,dentrodos limitespossíveis,
o ensino brasileiro. Esta teria o objetivo de padronizar comporta-
mentos, atividades e interesses da juventude brasileira. O conheci-
mentodo idioma,noçõesbásicasdeGeografiaeHistóriadaPátria,
arte popular e folclore, formação cívica, moral e a consciência do
bem coletivo sobreposto ao individual seriam a base da formação
docidadãopolítico. (FERREIRA,2008,p.22)Entretanto,apadroni-
zaçãodecomportamentosdos jovensatravésdoensinoexigiamais
doqueumapropostadepolíticacultural,demandavaumanovaes-
trutura administrativa do próprioMinistério de Educação e Saúde.
Este foi estruturado de forma a centralizar os processos de avalia-
çãoecontroledoslivrosdidáticos,deacordocomográficoaseguir:
gaçãodosideaisdoregime,tendonaeducaçãoumadasprincipaisestratégiasdeviabilizaçãodaconstruçãodoEstadoNacional(p.22).
54
Figura3:FERREIRA,RitadeCássiaCunha.AComissãoNacionaldoLivro Didático durante o
EstadoNovo(1937-1945).Assis:UNESP,2008,pg.34.
55
Comovemosnográfico,aComissãodoLivroDidáticoestava
dentrodasComissõesNacionais,aoladodadoEnsinoPrimário,en-
quantodepartamentoemseparadonoMinistério.Estaestruturarevela
que,mesmoconsiderandooquantoerampoucoágeisasanáliseseinter-
vençõesdaComissãoNacionaldoLivroDidático,comoapontouTânia
Regina de Luca, a avaliação e regulação da utilização dos livros didáticos
nasescolaseraumassuntodefundamentalpreocupaçãodoMinistério.
A partir da Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942,
queficou emvigência até a instituiçãodaLDB - LeisdeDiretrizes
eBases em1961, edaprópriaComissãoNacionaldoLivroDidáti-
co, o governo conseguiu interferir diretamente na educação e nas
formas de ensino, principalmente no ensino de História. Essa in-
terferência se dava diretamente, não na produção, mas por meio
da censura, das diretrizes indicadas para a produção dos livros di-
dáticos e ainda mais, a partir da orientação para reformulação
dos manuais avaliados, pois segundo Juliana Miranda Filgueiras,
Deacordocomodecreto-lein°1.006/38,aCNLDpoderiaindicarmo-dificaçõesaseremfeitasnostextosdoslivrosexaminados,paraquefossepossívelsuaautorização.AobradepoisdemodificadadeveriasernovamentesubmetidaaexamedaCNLD,paradecisãofinal.Oslivrosdidáticosautorizadosreceberiamumnúmeroderegistro,quedeveriaaparecernacapa,juntamentecomafrase:“livrodeusoauto-rizado pelo Ministério da Educação”. A reedição de livros didáticos autorizados,quenãopossuíssemgrandesalterações,nãoprecisavapassarpornovaavaliação,masareediçãodeveriasercomunicadaàCNLD.EmjaneirodecadaanooMinistériodaEducaçãodivulgarianodiáriooficialarelaçãodosmanuaisdeusoautorizado(FILGUEI-RAS,2008,p.02).
56
AComissãotinhaopoderdeapontaralteraçõesdosconteúdos
dos livros avaliados e indicar sua liberação para publicação e veiculação
condicionadaànovaapresentaçãoaosavaliadores.Somentelivrosque
tivessempoucasalteraçõessugeridaspoderiamreceberonúmerodere-
gistroeafrase“LivrodeusoautorizadopeloMinistériodaEducação”
sempassarpornovaavaliaçãodaComissão.Asdiretrizesutilizadaspela
Comissãoparaavaliaçãodosmanuaissubmetidosparaanálise,con-
formeFilgueiras,eramdivididosemduaspartes.Naprimeira,vemos:
Art.20.Nãopoderáserautorizadoousodolivrodidático:a)queatente,dequalquerforma,contraaunidade,aindepen-dênciaouahonranacional;b)quecontenha,demodoexplícito,ouimplícito,pregaçãoide-ológicaouindicaçãodaviolênciacontraoregimepolíticoado-tado pela Nação;c)queenvolvaqualquerofensaaoChefedaNação,ouàsauto-ridadesconstituídas,aoExército,àMarinha,ouàsdemaisinsti-tuições nacionais;d) que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tentedeslustrarasfigurasdosquesebateramousesacrificarampelapátria;e)queencerrequalquerafirmaçãoou sugestão,que induzaopessimismoquantoaopodereaodestinodaraçabrasileira;f)queinspireosentimentodasuperioridadeouinferioridadedohomemdeumaregiãodopaís,comrelaçãoaodasdemaisregiões;g)queinciteódiocontraasraçaseasnaçõesestrangeiras;h)quedesperteoualimenteaoposiçãoealutaentreasclassessociais;i)queprocurenegaroudestruirosentimentoreligioso,ouenvolvecombateaqualquerconfissãoreligiosa;j)queatentecontraafamília,oupregueouinsinuecontraaindisso-lubilidade dos vínculos conjugais;k)queinspireodesamoràvirtude,induzaosentimentodainutilida-deoudesnecessidadedoesforçoindividual,oucombataaslegítimasprerrogativasapersonalidadehumana(Decreto-Lein°1.006/38,p.4).
57
Nessa primeira parte, mais centrada nas questões de conte-
údo, percebemos claramente a preocupação comumensino focado
na educação cívica, para a formação de umamentalidade patrióti-
ca. Encontramos também, no item “c”, o cerceamento de qualquer
tipo de crítica ao regime instituído, pois, como registrado, seria
vetado o livro que ofendesse o “Chefe”, nesse caso Getúlio Var-
gas, ou mesmo as instituições nacionais. Toda e qualquer análi-
se do governo vigente ficava assim vetada.Na segunda parte, por
sua vez, centrada na apresentação e metodologia do livro, vemos:
Art.21.Seraindanegadaautorizaçãodeusoaolivrodidático:a)queestejaescritoemlinguagemdefeituosa,querpelaincorreçãogramatical,querpeloinconvenienteouabusivoempregodetermosouexpressõesregionaisoudagíria,querpelaobscuridadedoestilo;b)queapresenteoassuntocomerrosdanaturezacientíficaoutécni-ca;c)queestejaredigidodemaneirainadequada,pelaviolaçãodospre-ceitosfundamentaisdapedagogiaoupelainobservânciadasnormasdidáticasoficialmenteadotadas,ouqueestejaimpressoemdesacor-docomospreceitosessenciaisdahigienedavisão;d)quenãotragaporextensoonomedoautorouautores;e)quenãocontenhaadeclaraçãodopreçodevenda,oqualnãopo-deráserexcessivoemfacedoseucusto.Art.22.Nãoseconcederáautorização,parausonoensinoprimário,delivrosdidáticosquenãoestejamescritosnalínguanacional.Art.23.Nãoseráautorizadousodolivrodidáticoque,escritoemlín-guanacional,nãoadoteaortografiaestabelecidapelalei(Decreto-Lein°1.006/38,pp.4-5).
ConformeapresentadonoDecreto-Lei1.006/38,diversoselemen-
toseramreguladospelaComissão,desdeaformadeapresentaçãodos
livrosdidáticos,aortografia,alíngua,atéaproibiçãodetermosregio-
nais.Portanto,qualquereditoraouautoresquefossemsubmeterseus
58
livrosparaavaliaçãoteriamqueseguirasindicaçõesdodecreto.Talaná-
lisecorroboracomosapontamentosdeLuca(2009),quandoafirmaque:
oregimenãoapenasinterferiudeformaincisivanocampoeducacio-nal,maslevouacabo,desdeasubidadeVargasaopoder,umproces-sodecentralizaçãoeexpansãodamáquinaburocráticaque,aliadoaumambiciosoprojetonoâmbitodacultura,alterouasrelaçõesentreintelectualidadeeEstado(p.168).
Nessacitação,aautoranospropõerefletirsobreaaproxima-
çãogradualquefoiestabelecidaentreosautores,editoreseoEstado.
Alémdisso,possibilita-nosperceberqueaavaliaçãoeregulaçãodos
livrosdidáticosduranteoEstadoNovoforamfundamentais instru-
mentosdelegitimaçãodosistemapolíticoinstituídopelonovoregime.
EssaaproximaçãofoiestimuladapeloMinistériodaEducaçãoe
Saúdeatravésdeaçõescomoempréstimosbancáriosàseditoras,além
dofornecimentodepapelouatémesmoainclusãodeseustítulosnas
listasrecomendadaspelaComissãoNacionaldoLivroDidático.Nesse
contexto,oDepartamentodeImprensaePropaganda(DIP)teveafun-
çãodepromulgar“[...]atividadeseditoriaisquepretendiamdifundiro
projetoculturaleasrealizaçõesdoregimeedochefedoEstado”(LUCA,
2009,p.169),alémdecensurarosmanuaisqueapresentassemideias
contraditóriasàsdiretrizesdaComissãoNacionaldoLivroDidático.
Não podemos desconsiderar que as políticas educacio-
nais implementadas pelo governo Vargas, sob os Ministérios
de Francisco Campos e Gustavo Capanema, estimularam a am-
pliação da produção de livros didáticos. Isso ocorreu não ape-
nas pela impossibilidade de importação, devido ao contexto
conturbado do entre guerras,mas tambémpelasmudanças instau-
radasnaestruturadoensinobrasileiro.DeacordocomLuca(2009),
59
[...]houvenesseperíodoumavigorosaexpansãodomercadoedito-rial,favorecidatantopeloaumentodoletramento,porreformasnoensinosecundárioepelaampliaçãodosegmentosuperior,alémdaprópriaconjunturaeconômicainternaeexterna,poucopropíciaàim-portaçãodelivros.Esseconjuntocompletodefatoresalterouascon-diçõesdeexercíciodaatividadeintelectualechegoumesmoapermi-tiraexistênciado‘romancistaemtempointegral’(p.168).
Oslivrosdidáticosdeixarampaulatinamentedeseremprodu-
çõessecundáriasouhobbysdeseusautores,paraseremopróprioobjeto
deinvestimento,comoafirmouaautora.Entretanto,essaprofissionali-
zaçãodaproduçãodosmanuaisescolaresosempurravacadavezmais
aoseulugardeprodutocomerciale,portanto,subjugadoàsregrasde
mercado.AindadeacordocomLuca(2009),atémesmograndesedito-
res,comoJoséOlympio,quenãotinhamentresuaspublicaçõesoslivros
didáticos enquanto produtos centrais investiram em alguns títulos,
Em exemplos como esse, vemos a orientação seguida pe-
las editoras que se propunham a publicarmanuais escolares. Des-
sa forma, apartirda criaçãodaComissãoNacionaldoLivroDidá-
tico, institui-se no Brasil uma nova cultura editorial que investiu
emmanuais escolares a partir de orientações dos governos, visan-
do à aprovação destes ou, como ocorre nos dias atuais, a aquisi-
ção dos livros/produtos pelo próprio Estado. Essa última obser-
vação será foco da análise que nos propomos a realizar a seguir.
[...]comoatestaaediçãodovolumeHistóriadoBrasil(1944),deOtá-vioTarquíniodeSouzaeSérgioBuarquedeHolanda,destinadoà3ªsériedocursosecundárioeque,segundoinformanacapa,estava,‘deacordocomoprogramaoficial’(p.169).
60
61
O ensino de História e a Comissão Nacional do Livro
Didático
Ao discorrermos sobre a Comissão Nacional do Li-
vro Didático existente durante o Estado Novo, percebemos o
quanto esta, apesar de falha em muitos aspectos, correspon-
deu aos objetivos da política educacional daquele governo en-
quanto instrumento de construção de uma nova nacionalidade.
Notamos também que, a partir da atuação dessa Comissão,
surgiuumanovarelaçãoentreoEstado,aseditoraseosautoresde
livrosdidáticose,comisso,iniciou-seanormatizaçãodosmanuaises-
colares,osquaispassaramaseradequadosàsdiretrizesdeavaliação
doMinistériodeEducaçãoeSaúde.Taisnormasestiveramemvigor
até1961,comodemonstramos,depoisoutraspolíticasassubstituíram
até chegarmos a criação do ProgramaNacional do Livro Didático.
EntreofimdaCNLDeaimplementaçãodoPNLD,tivemosum
períododemarcadopelasPolíticasEducacionaisdoGovernoMilitarque,
porseremtambémdelineadasporperspectivasideológicasautoritárias,
jáforamfocodemuitosestudos.DeacordocomMirandaeLuca(2004):
Neste contexto particular, destaca-se o peso da interferência depressões e interesses econômicos sobre a história ensinada, namedida em que os governos militares estimularam, por meiode incentivos fiscais, investimentos no setor editorial e no par-que gráfico nacional que exerceram papel importante no pro-cesso de massificação do uso do livro didático no Brasil (p.125).
Conformeafirmaramasautoras,aimplementaçãodepolíticas
62
de regulação dos livros didáticos durante o Governo Militar contribuiu
paramanteraculturadevinculaçãoentreaproduçãoeditorialdosma-
nuaisescolareseasdiretrizesgovernamentaisparaesses.Apesardes-
saspolíticasnãoseremnossofocodeanálise,nãopodemosdeixarde
mencioná-las,poisforam,dealgumaforma,oelocondutorentreavisão
daCNLDeacriaçãodoPNLD.DeacordocomMirandaeLuca(2004),
soboperíodomilitar,aquestãodacompraedistribuiçãodelivrosdi-dáticosrecebeutratamentoespecíficodopoderpúblicoemcontextosdiferenciados—1966,1971e1976—,todosmarcados,porém,pelacensuraeausênciadeliberdadesdemocráticas.Deoutraparte,essemomentofoimarcadopelaprogressivaampliaçãodapopulaçãoes-colar,emummovimentodemassificaçãodoensinocujasconsequên-cias,sobopontodevistadaqualidade,acabariampordeixarmarcasindeléveisnosistemapúblicodeensinoequepersistemcomooseumaiordesafio(p.125).
Osmanuaisescolares,nesseperíodo,tinhamafunçãodelevar
asescolasaideologiadoGovernoMilitar,oquenãofoidiferentedo
estabelecidonoperíododoEstadoNovo.DeacordocomMonteiro,
as políticas educacionais centradas na regulação dos livros didáti-
cos,duranteoperíodomilitar foramcaracterizadasporesforçosno
[...]sentidodeexercermaiorcontroleecensura,aomesmotempoqueincentivosfiscais e investimentosnoparquegráficonacional indu-ziamoprocessodemassificaçãodousodolivrodidáticonoBrasil,afimdeatenderademandadapopulaçãoescolar,queaumentousigni-ficativamentenesseperíodo(MONTEIRO,2009,p.180-181).
OGovernoMilitarcompreocupaçõesrelativasaocontroleide-
ológiconãoapenascensuravaaspublicaçõesdoslivrosdidáticos,de
formasemelhanteaoefetivadoduranteoEstadoNovo,comotambém
63
investiafinanceiramentenoparqueindustrialbrasileirocomvistasa
aproximarasrelaçõesentreeditoreseEstado.Essaaproximaçãocria-
vaumarelaçãodedependênciaquelevavadeformasilenciosaàau-
tocensuradasproduçõesepublicaçõesdoslivrosdidáticosnoBrasil.
Namesmadireçãodeanálise,podemosobservarquenãoapenas
asproduçõesdoslivrosdidáticoseramalvodossistemasdecontroledo
governomilitar,bemcomo,ejámencionado,oensinodeHistóriadentro
desuaspotencialidadescríticastambémsofreurestrições,assimcomo
aproduçãodelivrosdidáticosnaárea.DeacordocomMonteiro(2009),
dopontodevistadapromoçãodevaloresedocontroledaproduçãoeditorial,oensinodehistóriaegeografia,porexemplo,sofrefortespressões político-ideológicas. A substituição dessas disciplinas nocurrículodoentão1graupeladisciplinaescolar“estudossociais”,eainclusãodasdisciplinas“educaçãomoralecívica”e“organizaçãopolíticaesocialdoBrasil”(OSPB),acabouporrepresentarnãosósuaeliminaçãodocurrículo,mastambémumatentativadeeliminaradi-mensãocríticadoensino(p.181).
A substituição das disciplinas de História e geografia por
outras, como as citadas pela autora, estimularam as mudanças
na produção dos livros didáticos, tanto de História, como de ge-
ografia, pois esses agora deveriam atender as novas demandas.
Entretanto, o que queremos discutir aqui se centra no ques-
tionamento: apesar dos contextos diferentes, quais as aproxima-
ções e os distanciamentos entre a atuação da Comissão Nacional
doLivroDidáticoeoProgramaNacionaldoLivroDidático?Facil-
mente,podemosresponderqueoprimeiro forauminstrumentode
veiculação ideológica do Estado Novo, enquanto o segundo é um
instrumento de avaliação voltado a garantir a qualidade do ensino
64
nos governos pós-ditaduramilitar, ou seja, democráticos no Brasil.
Essa diferença contextual apresentada pode enganar o olhar
do analista que considerar o objetivo da criação emanutenção dos
dois órgãos, no entanto, nossa análise se centra no papel desen-
volvido por eles. Apesar de objetivos diferentes, é preciso perce-
bermos que, ao ditarem diretrizes de avaliação, tanto do CNLD,
quanto do PNLD contribuíram e contribuem para a uniformiza-
çãodas formasdeapresentaçãodosconteúdosnos livrosdidáticos.
O ProgramaNacional do Livro Didático foi criado, como já
referido, em 1985, entretanto, somente adquiriu a função de aqui-
sição e distribuição ampla dos livros didáticos para as escolas pú-
blicas a partir de 1995. Sua criação se insere dentro das discussões
iniciadas a partir da abertura política no final do governo militar:
Apartirdadécadade1980,naconjunturadareconstruçãodemocrá-tica,algumastímidasaçõesnoâmbitodaFundaçãodeAssistênciaaoEstudantetangenciaramadiscussãoacercadosproblemaspresentesnos livros didáticos distribuídos no território nacional. Essemovi-mentocoincidiucomimportantesdebatesarespeitodosprogramasoficiaisdeHistória,levadosaefeito,sobretudo—masnãoexclusiva-mente—nosestadosdeMinasGeraiseSãoPaulo.Marconapolíticaemrelaçãoaosmateriaisdidáticosfoiacriação,em1985,doProgramaNacionaldoLivroDidático—PNLD(MIRANDA;LUCA,2004,p.125).
Apreocupaçãodoseducadoresnessemomentoerapossibilitar
novas produções de livros didáticos livres da ideologia autoritária do
governomilitar.Comoanalisouaautora,taisdebates,nadécadade1980,
contribuíramparaareformulaçãodoensinodeHistória.Essesinteres-
sesdoseducadoresemmodificaraspublicações,naáreadeHistória,
iamaoencontrodasdiretrizestraçadaspelojáinfluenteBancoMundial.
SegundoMonteiro,este,desdeadécadade1990,desaconselhava
65
oBrasilarealizarprofundasalteraçõesnocurrículoescolarparamelho-
raroensinonopaís,aoinvésdisso,indicavaanecessidadedeaumen-
taraqualidadedoslivrosdidáticos,poisconsideravaque“[...]nelesé
quesecondensamosconteúdoseseorientamasatividadesqueguiam
tanto os alunos quanto os professores” (MONTEIRO, 2009, p.179).
Essaperspectiva,queentendiaolivrodidáticocomoorespon-
sávelpelasmelhoriasoufracassosdoensino,influiudiretamentenas
propostas educacionais posteriores, assim como na criação do Pro-
gramaNacionaldoLivroDidático–PNLD. Olivrodidático,como
analisadonoprimeirocapítulodestetrabalho,deixoudeserentendi-
doenquantorecursodidáticoe,conformeanalisouMonteiro(2009):
Deinstrumentosauxiliaresdoprocessodeensino/aprendizagem,oslivrosdidáticospassarama ser cadavezmais reconhecidos e indi-cados,naspolíticaseducacionais,comodocumentosdeimportânciaestratégicaparaviabilizarasmudançasemelhoriasquesefazemne-cessáriasnaeducaçãobásicadospaísesemdesenvolvimento,inclusi-vedemonstrandomaiorefetividadedoqueaproduçãodepropostascurricularesinovadoras(p.179).
O livro, nessa visão, seria o responsável por guiar o professor para
arealizaçãodeboasformasdeensino.Assim,aindadeacordocomaautora,
nessaperspectiva,umbomlivrodidáticonasmãosdosprofessores,alémdeevitarerrosnoensino,possibilitariaaintroduçãodemetodo-logiasinovadoras,aatualizaçãodeconteúdoseaimplementaçãodeprofessosdeensino/aprendizagemcriativoseafinadoscomoquehádemaisnovoemtermosdepesquisaeducacional(MONTEIRO,2009,p.179).
O ensino seria estritamente dependente da qualidade
dos livros didáticos, e não especificamente sua qualidade esta-
66
ria atrelada à qualidade da formação dos professores ou mesmo
da estrutura e recursos ofertados pelas escolas ao provimento das
ferramentas didáticas. O educador, nessa afirmativa, seria apenas
uma peça menor no processo de ensino/aprendizagem e não su-
jeito integrante do processo, o qual, sem um bom livro nas mãos,
seria totalmente incapaz de realizar um ensino de qualidade.
Tal perspectiva, apesar de ser a grande influência das polí-
ticas educacionais desde a criação da CNLD, é totalmente equivo-
cadae,como jádiscutimos,o livropodeserumrecursovaliosonas
mãosdosprofessores,masnãoessencialoufundamental.Nessesen-
tido, semesse recurso, o ensino/aprendizagemocorre,pois se reali-
za na esfera de relação entre docentes e discentes. Nesse contexto,
em 1985, foi criado o PNLD. Segundo Vitória Regina Silva (2011):
Desdeasuainstituição,em1995,eampliação,em1997,oProgramaNa-cionaldoLivroDidático(PNLD),vemseconstituindoemumadasmaisimportantespolíticaspúblicaseducacionaisdoBrasil.Inicialmentevol-tadoapenasparaatendimentodosalunosdoentão1ºgrau(posterior-mentechamadodeEnsinoFundamental),foiampliadoem2002,pas-sandoaatendertambémosalunosdoEnsinoMédio.Aaprovaçãoemnovembrode2009daResoluçãono.60fezcomqueoprogramapassasseaserpolíticadeEstado,institucionalizando-sedefinitivamente(p.01).
A importância do Programa, apontada pela autora, é pau-
tada pela amplitude de atuação do mesmo. Este, desde sua cria-
ção, está emampliação, a pontode se tornarumapolíticadeEsta-
do e atender todo o processo formativo dos alunos brasileiros,
desde as séries iniciais até o Ensino Médio, através da avaliação e
distribuiçãodos livrosdidáticosquesãoutilizadosnessesníveisde
ensino. Somente a partir de 1996, em outro contexto, nãomais de-
67
marcado pelo Estado autoritário, o PNLD iniciou de fato a avalia-
ção dos manuais escolares, como analisou Miranda e Luca (2004):
Desdeentão,estipulou-sequeaaquisiçãodeobrasdidáticascomver-baspúblicasparadistribuiçãoemterritórionacionalestariasujeitaàinscrição e avaliaçãoprévias, segundo regras estipuladas emeditalpróprio.DeumPNLDaoutro,osreferidoscritériosforamaprimora-dosporintermédiodaincorporaçãosistemáticademúltiplosolhares,leiturasecríticasinterpostasaoprogramaeaosparâmetrosdeavalia-ção(p.127).
OaprimoramentodoscritériosdoProgramasedeunãoapenas
pelapercepçãodesuasfalhas,mastambémpelarenovaçãodaspolíticas
educacionaisque,desdearedemocratizaçãobrasileira,vêmmudando
deacordocomoMinistérioevisãodegoverno.Nãosomenteoscrité-
riosdeavaliaçãosealteraram,comotambémosdeinscriçãodasobras.
Em1999, por exemplo, oPNLDaceitou a inscriçãode obras
isoladas por editora e não apenas coleções, como anteriormen-
te. Contudo, a partir de 2002, como analisaram Miranda e Luca,
foi incorporado na área de História análises estatísticas para ava-
liarodesempenhodecadacoleçãoemrelaçãoaosquesitosdaficha
de avaliação dos avaliadores, a qual é divulgada no Guia do Pro-
grama, conforme podemos visualizar através do gráfico a seguir:
68
Figura4:,SoniaRegina;LUCA,TâniaRegina.Olivrodidáticodehistóriahoje:umpanoramaapartirdoPNLD.In:RevistaBrasileiradeHistória.SãoPaulo,v.24,nº48,2004,p.127.Disponívelem:<http://www.scielo.com.br/
pdf/rbh/v24n48/a06v24n48.pdf>.Acessoem:15abr.2012.
No gráfico, vemos que, entre os anos de 1999 e 2005, a por-
centagem, na área de História, de coleções aprovadas em relação
às inscrições foi gradativamente aumentando. Podemos inferir, a
partir desses dados, que, aos poucos, os editores e escritores fo-
ram se adaptando aos critérios do Programa até chegar à maior
aprovação dos livros inscritos. Essa inferência corrobora com nos-
sa tese nesse trabalho, a qual viemos discutindo, de que as políti-
cas de avaliação dos livros didáticos contribuíram para a unifor-
mização das produções e, portanto, o cerceamento e delimitação
69
da apresentação dos conteúdos dispostos nos manuais escolares.
Nesse ínterim, devemos considerar que o processo de avalia-
ção dos manuais escolares realizado pelo PNLD se efetiva atra-
vés de editais lançados trienalmente. De acordo Silva (2011):
Oseditaissãosempreidentificadosporumano:PNLD2011ouPNLD2012,porexemplo.Oanoaoqualoeditalsereferenãoéodasuapu-blicação,masaqueleemqueoslivrosserãousadospelaprimeiravez,sendonosdoisanosseguintesadquiridosacervoscomplementares,dereposição(excetonocasodoslivrosconsumíveis,quesãorepostosintegralmentetodososanos)(p.02).
Os editais do PNLD possuem duas fases principais: a pri-
meira émarcada pela candidatura dos livros para avaliação e pos-
terior liberação da listagem dos indicados, a segunda é a fase na
qual os professores, a partir dessa listagem, escolhem quais livros
utilizarão em suas salas de aula.A estrutura do Programa é com-
plexa e, portanto, pouco ágil, entretanto, tem se mostrado efi-
caz. Conforme discorreu Silva, todo o processo entre a aquisição
dos livros e sua chegada às escolas leva, ao todo, cerca de 20me-
ses,por issooseditais,apesardeapresentaremadatadeutilização
dos livros, são abertos muito antes. Como demonstrou a autora,
[...]os livrosquecomeçaramaserusadosno iníciodoanode2011tiveramoseueditalpublicadonofinalde2008.Oslivrosforaminscri-tosnoiníciode2009,oresultadodaavaliaçãopublicadoemmeadosde2010,quandoentãoforamescolhidospelosprofessores.Duranteosegundosemestredaqueleanoforamfeitasasnegociaçãoparaven-da,aimpressãoeadistribuiçãodascoleções.Seconsiderarmos,ain-da,queaproduçãoeditorialdeumacoleçãonãolevamenosdoquedois anos, os livros inscritos em2009 começarama serproduzidosem2007,deondeseconcluiqueentreaescritadosoriginaiseouso
70
dolivronasaladeaulahápelosmenosumperíododequatroanos.Trata-se,portanto,deumaempreitadade longoprazo,envolvendoinvestimentoselevadoseumgrandenúmerodeagentes,entreauto-res,equipeseditoriais,funcionáriosdoMECedoFNDE5,comissãodeavaliadores(comissõestécnicasedoIPT6),alémdetodaalogísticaparafazercomqueoslivroscheguemaosmaisdistantespontosdopaís(SILVA,2011,p.02).
Todooprocesso,comovemos,édemorado,oqueleva,emal-
gumasdisciplinas, àdefasagemdos conteúdos, quandoosmesmos
chegam às salas de aula. Entretanto, esse não chega a ser um dos
maioresproblemasdosistema,oquepercebemosaquiéomovimen-
toqueseestabeleceentreasproduções,ouseja,aescritados livros
didáticos,oseditoresqueosinscrevemeasdiretrizesdoPNLD.Afi-
nal,dentrodeumsistemalongo,podemosinferirqueosmanuaissão
produzidos cuidadosamente para serem aprovados pelo Programa,
casocontrário,investimentosfinanceirosgrandesseriamdesperdiça-
dosdeambosos lados, tantodaseditorasquantodogoverno.Esse
caráter do processo de avaliação dosmanuais didáticos demonstra
comooPNLDinfluide formaprofundaediretanomercadoedito-
rialdelivrosdidáticosnoBrasil,pois,conformeafirmouSilva(2011):
AinstitucionalizaçãodoPNLDeaampliaçãodasuacoberturaacar-retaramumaprofundamudançanomercadoeditorialbrasileiro.Ain-daquecomprasgovernamentaisdelivrosdidáticostenhamocorridoemoutrostempos,apartirde1995elaspassaramaterumaregulari-dadeeumacoberturainédita.Paraaseditoras,aentradadogover-nocomograndecompradorde livrosrepresentouumasignificativamudançaemseunegócio,poisavendaparaasescolaspormeiodelivrariasdeixoudeseraprincipal fontede faturamento.Aindaquea rentabilidade das vendas governamentais seja muito menor doqueadavendaaochamadomercadoprivado (oqueeventualmen-
71
te também inclui livros para alunos de escolas públicas), a quanti-dade de exemplares vendidos é incomparavelmente maior, repre-sentandoparcelaexpressivadogirodecapitaldasempresas (p.03).
O mercado editorial de livros didáticos em outros momen-
tos da História brasileira, como no período da CNLD, era volta-
do não apenas para atender as diretrizes do governo, mas tam-
bémaopúblico consumidor. Istoporqueos livros eramadquiridos
pelos próprios alunos e suas famílias. Atualmente, esse cenário
é fundamentalmente diferente, porque o governo é o consumi-
dordos livros que chegarão às salas de aulas das escolas públicas.
Dessaforma,comobemdiscorreuaautora,apesardolucroso-
breoslivros,deformaindividual,sermenornavendaparaoEstadodo
queparalivrarias,aaquisiçãodosmesmospeloEstadotornou-seregu-
lareissorepresentaumarendaestávelparaaseditoras.Essecontexto
levouaseditorasainvestiremnaproduçãoregulardelivrosdidáticos
paraatenderaessemercado,queseabriacomaaquisiçãoestatalde
manuaisescolares.OutraquestãocentrallevantadaporSilva(2011)é
queaaprovaçãooureprovaçãodeumacoleçãonoPNLDtrazconse-quênciasparaodesempenhodamesmanochamadomercadoparti-cular.Muitasescolassubstituemoslivrosqueadotaseelesnãocons-tamdalistadeobrasaprovadaspeloMEC(p.03).
A avaliação do PNLD se tornou importante para o merca-
do de livros didáticos, seja no processo de aquisição do Estado,
como também, enquanto uma espécie de capital simbólico, como
chamaria Bourdie (2004). Nesse sentido, os livros bem avaliados
acabam apresentando um bom desempenho nas vendas domerca-
72
do particular. Portanto, ainda para Silva (2011), “é inquestionável
o impacto das compras governamentais na indústria do livro di-
dático desde 1995, com uma evidente subordinação da produção
das coleções aos critérios fixados pelos editais” (p.03). Novamen-
te, vemos comooPNLD,namesmadireçãodoCNLD, tem contri-
buído para a uniformização das produções dos livros didáticos.
No entanto, quais são os critérios estabelecidos pelo
PNLD?OeditaldoPNLD2012,destinadoà comprade livrospara
o Ensino Médio, apresenta os seguintes critérios de avaliação:
Os critérios eliminatórios comuns a serem observados nas obrasinscritas no PNLD 2012, submetidas à avaliação, são os seguintes:(1) respeito à legislação, às diretrizes e às nor-mas oficiais relativas ao ensino médio;(2) observância de princípios éticos necessários à cons-trução da cidadania e ao convívio social republicano; (3) coerência e adequação da abordagem teórico-metodo-lógica assumida pela obra, no que diz respeito à propos-ta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados;(4)correçãoeatualizaçãodeconceitos,informaçõeseprocedimentos;(5)observânciadascaracterísticasefinalidadesespecíficasdomanualdoprofessoreadequaçãodaobraàlinhapedagógicanelaapresentada;(6) adequação da estrutura editorial e do proje-to gráfico aos objetivos didático-pedagógicos da obra.A não observância de qualquer um desses critérios, deta-lhados a seguir, resultará em proposta incompatível comos objetivos estabelecidos para o ensino médio, o que jus-tificará, ipso facto, sua exclusão do PNLD 2012.15 (p.22).
Dentreoscritérioseliminatórioscomunsatodasasáreasava-
liadas,vemos,noprimeiroesegundonúmeros,doispontoscomuns
ao exigido pela antigaCNLD, o respeito à legislação e “às normas
oficiais”.Claroquenãopodemosconsiderá-losdeigualforma,pois
contextoseobjetivosdiferentes jáforamdiscutidos.Entretanto,essa
73
regulaçãocontribuiparaauniformizaçãodosmanuaisqueserãopro-
duzidosdentrodavisãopedagógicaestabelecidapelosórgãosoficiais
e não dentro da visão do autor ou de novas discussões sobre educação.
Tambémpodemosanalisarquenosegundopontoaconstrução
dacidadaniaéumdosfundamentosqueoslivrosdevemobservar.Nos
seiscritériosvemosinstrumentosreguladorese,aomesmotempo,nor-
matizadoresecerceadoresdaproduçãodoslivros.Oeditalaindasegue:
Considerando-sea legislação, asdiretrizes e asnormasoficiaisqueregulamentamoensinomédio,serãoexcluídasasobrasdidáticasquenãoobedeceremaosseguintesestatutos:(1)ConstituiçãodaRepúblicaFederativadoBrasil.(2)LeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional,comasrespectivasalterações introduzidaspelasLeisnº 10.639/2003,nº 11.274/2006,nº11.525/2007enº11.645/2008.(3) Estatuto da Criança e do Adolescente. (4) Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. (5)Resoluções e Pareceres doConselhoNacional de Educação, emespecial,oParecerCEBnº15,de04/07/2000,oParecerCNE/CPnº003,de10/03/2004eaResoluçãoCNE/CPnº01de17/06/2004.2.1.2.Observânciadeprincípioséticosedemocráticosnecessáriosàconstrução da cidadania e ao convívio social. SerãoexcluídasdoPNLD2012,asobrasdidáticasque:(1)veicularemestereótiposepreconceitosdecondiçãosocial,regio-nal,étnico-racial,degênero,deorientaçãosexual,deidadeoudelin-guagem,assimcomoqualqueroutra formadediscriminaçãooudeviolação de direitos; (2)fizeremdoutrinaçãoreligiosae/oupolítica,desrespeitandoocará-terlaicoeautônomodoensinopúblico;(3)utilizaremomaterialescolarcomoveículodepublicidadeoudedifusãodemarcas,produtosouserviçoscomerciais.2.1.3.Coerênciaeadequaçãodaabordagemteórico-metodológicaas-sumidapelaobra,noquedizrespeitoàpropostadidático-pedagógicaexplicitadaeaosobjetivosvisados.Pormaisdiversificadasquesejamasconcepçõeseaspráticasdeen-sinoenvolvidasnaeducaçãoescolar,propiciaraoalunoumaefetivaapropriação do conhecimento implica: a) escolher uma abordagem
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metodológica capaz de contribuir para a consecução dos objetivoseducacionaisemjogo;b)sercoerentecomessaescolha,dopontodevistadosobjetosere-cursos propostos. Emconsequência,serãoexcluídasasobrasdidáticasquenãoatende-remaosseguintesrequisitos:(1)explicitar,nomanualdoprofessor,ospressupostosteórico-meto-dológicosquefundamentamsuapropostadidático-pedagógica;(2) apresentar coerência entre essa fundamentação e o conjunto detextos,atividades,exercícios,etc.queconfiguramolivrodoaluno;nocasoderecorreramaisdeummodeloteórico-metodológicodeensi-no,deveráindicarclaramenteaarticulaçãoentreeles;(3)organizar-se–tantodopontodevistadosvolumesquecompõemacoleção,quantodasunidadesestruturadorasdecadaumdessesvo-lumesoudovolumeúnico–deformaagarantiraprogressãodopro-cessodeensino-aprendizagem;(4) favorecer o desenvolvimento de capacidades básicas do pensa-mentoautônomoecrítico,noquedizrespeitoaosobjetosdeensino--aprendizagempropostos;(5)contribuirparaaapreensãodasrelaçõesqueseestabelecementreosobjetosdeensinoaprendizagempropostosesuasfunçõessociocul-turais. (...)2.1.5.Observânciadascaracterísticasefinalidadesespecíficasdoma-nualdoprofessorOmanualdoprofessordevevisar,antesdemaisnada,aorientarosdocentesparaumusoadequadodaobradidática,constituindo-se,ainda,numinstrumentodecomplementaçãodidáti-co-pedagógicaeatualizaçãoparaodocente.Nessesentido,omanualdeveorganizar-sedemodoapropiciaraodocenteumaefetivarefle-xãosobresuaprática.Deve,ainda,colaborarparaqueoprocessodeensino-aprendizagemacompanheavançosrecentes,tantonocampode conhecimentodo componente curricular da obra, quanto nodapedagogiaedadidáticaemgeral.Considerando-seessesprincípios,serãoexcluídasasobrascujosma-nuaisnãosecaracterizarempor:(1)explicitarosobjetivosdapropostadidático-pedagógicaefetivadapelaobraeospressupostosteórico-metodológicosporelaassumidos;(2)descreveraorganizaçãogeraldaobra,tantonoconjuntodosvolu-mesquantonaestruturaçãointernadecadaumdeles;(3)apresentarousoadequadodoslivros,inclusivenoqueserefereàsestratégiaseaosrecursosdeensinoaseremempregados;
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(4)indicaraspossibilidadesdetrabalhointerdisciplinarnaescola,apartirdocomponentecurricularabordadonolivro;(5)discutirdiferentesformas,possibilidades,recursoseinstrumentosdeavaliaçãoqueoprofessorpoderáutilizaraolongodoprocessodeensino-aprendizagem;(6)propiciarareflexãosobreapráticadocente,favorecendosuaanáli-seporpartedoprofessoresuainteraçãocomosdemaisprofissionaisda escola; (7) apresentar textosdeaprofundamentoepropostasdeatividadescomplementaresàsdolivrodoaluno.(...)(EDITALPNLD,2012,p.20-22).
Apartirdoscritériosapresentados,comojáafirmamos,asformas
deapresentaçãodosconteúdos,assimcomoosprópriosconteúdossão
delineadosdentrodeumgrupodediretrizesestabelecidascomomeio
deregulação,quedialeticamente,cerceiamouniversodediscussões
pedagógicaspossíveisnoprocessodeproduçãodosmanuaisdidáticos.
Como jáanalisamos,mesmosemproduzirdiretamenteos li-
vrosdidáticos,atravésdoPNLD,ogovernoparticipaativamentede
todo o processo de elaboração e publicaçãodosmanuais escolares.
Essaatuaçãodogovernonaprópriacomposiçãodoslivrosnoscha-
maatençãonãoapenasporseucarátercerceadordouniversoedito-
rialdosmanuais, especificamenteosdeHistória,mas tambémpor-
queprecisamos levaremcontaque“...aeducaçãoconstituiu-seem
veículoprivilegiadoparaintroduçãodenovosvaloresemodelagem
decondutas [...]” (MIRANDA;LUCA,2004,p.125).Tal fatoocorreu
durante o regime militar, como evidenciado na continuidade des-
sa citação, e em todooprocessode interferênciadoEstado sobrea
disposição, apresentação e uniformização dos conteúdos escolares.
Dessa forma, podemos perceber que apesar de uma políti-
caquevisaasseguraraqualidadedoensinonasescolaspúblicas,o
PNLDacabouporcontribuirparaumprocessodeacomodação.Nes-
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te,o livrodeixoudeserapenasumrecursodidático,parasetornar
o recursodidático, ou seja, excetuandooEnsinode Jovens eAdul-
tos,empraticamentetodososníveisdeensino,nãosecogitamaisa
menorpossibilidadedaexclusãodolivrodidáticodassalasdeaula.
Não estamos aqui dizendo que isso é ruim ou bom, mas
que é uma realidade que deve ser analisada, pois os docentes pre-
cisam ter consciência dos processos de produção dos manu-
ais que utilizam como suportes didáticos em suas aulas. Pen-
sar o livro didático e sua produção é ampliar as margens de
reflexãosobremétodoseformas,nasquaisoensino,emnossocaso
de História, vem sendo efetivado no Brasil e, assim, quem sabe,
construirespaçoparaumensino independente, conscienteecrítico.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conformeprocuramosdemonstrarnapresenteobra,omaior
problemadaspesquisasatuaissobreopapeldoslivrosdidáticospara
oensinodeHistóriaévê-losenquantoprodutosdistintosdahistorio-
grafiaacadêmica,poisomanualescolarnadamaisédoqueumapro-
duçãohistoriográficae,portanto,deveseranalisadoeestudado.Nessa
direção,podemosperceberqueoGuiadoLivroDidáticoéumafonte
fundamentalparaacompreensãodasrelaçõesentreproduçãohisto-
riográficaeensinodeHistóriae,maisdoqueisso,tambéméumdo-
cumentofundamentalparaacompreensãodasdiretrizespolíticasque
vêmdirigindoaavaliação,regulaçãoedistribuiçãodoslivrosdidáticos.
AspartesdistintasquecompõemolivrodidáticodeHistóriasão
nãoapenasseuconteúdoediretrizesdaspolíticaseducacionais,mas
principalmente,arelaçãoautorversushistoriografia.Olivrodidáticoé
sempreresultadodepesquisabibliográficae,portanto,umaseleçãode
sabereshistoriograficamenteconstruídosdentrodosmurosdaacademia.
Arelaçãoapontadanoscapítulosquecompõemessaobracomo
umareflexãocontemporâneadahistoriografiaéexatamenteoquenos
reportaàscategorizaçõesrealizadasnoiníciodessetrabalho,poiscada
autoremseuconjuntodeleiturasacabaporreceberdiversasinfluências
historiográficasque,pormaiscontemporâneasquesejam,carregam
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emsiherançasdastradiçõesdepensamento.Entretanto,nãoapenasas
influênciashistoriográficasconservadoraseinterpretativasdaHistó-
riadoBrasilaindasefazempresentesnoslivrosdidáticosdeHistória,
comotambémpodemosnotarque,segundooGuia,ametodologiaea
teoriaquedirecionamaapresentaçãoeencadeamentodosfatoshistóri-
cosnanarrativadoslivrosdidáticossãoumfocopensadoeobservado.
Pormais que o professor recorra a resenhas como sugere o
Guia,aindaassim,oconjuntodeescolhasdasvertenteshistoriográ-
ficas,marcos teóricosemetodológicosaindaserãocontundentes in-
fluenciadoresnosresultadosfinaisdeapresentaçãodosconteúdos.De
acordocomoGuia(2012),
todosnós sabemosqueaeficáciadeum livrodidático–aindaquesustentadanaquiloquepossaexistirdeefetivamenteinovadoroudis-tintivoemumacoleção–reside,sobretudo,nosusos,apropriações,invençõesereinvençõesfeitaspeloprofessor,cotidianamente,noin-teriordasaladeaula(p.14).
Nesse sentido,que inovaçãoéessa?Comoum livrodidático
podeserinovadorseaindaapresentaremsuaconstituiçãoinfluências
devertenteshistoriográficasconservadorascomoasaquiapresentadas,
deformabreveedireta.PormaisqueopróprioGuiareconheçaque
nãoexisteumlivrodidáticototalmentebomoutotalmenteruim,poiso
livronãoésujeitodoensinoeaprendizagem,massimosprópriosdo-
centesediscentes.Mesmoassimdevemos,nósprofessores,repensar
nossaspráticasdeescolhadoslivrosdidáticosparanossassalasdeaula.
ConformeoGuia,asobrasseriamapresentadasemresenhas,
deformaadarumacertaliberdadeaodocentesdeescolhadosma-
teriais que irão utilizar em sala de aula.No entanto, buscamosde-
monstrar aqui que é preciso levar em conta a relação estabelecida
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entreautores,editorasepolíticaseducacionaise,portanto,queessa
liberdadedeescolhadoslivrosdidáticoséilusória,poisodocenteestá
àmargemdoprocessodeconstituiçãodaobraproduzida,desuases-
colhas historiográficas, teóricas emetodológicas, alheio aos inúme-
ros interdiscursospresentes na obra. Essa e outras questõesdevem
serfocodereflexãodosdocentesnãoapenasnomomentodeescolha
dos livrosdidáticos,masprincipalmentedurante suautilização en-
quantorecursoematerialdeapoioemsuapráticaemsaladeaula.
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