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Curso de Produção de Material Didático para a Diversidade FURG SEaD Secretaria de Educação a Distância - FURG Na presente obra, procuramos demonstrar que o maior problema das pesquisas atuais sobre o papel dos livros didáticos para o ensino de História é vê-los enquanto produtos distintos da historiografia acadêmica, pois o manual escolar nada mais é do que uma produção historiográfica e, portanto, deve ser analisado e estudado. Nessa direção, podemos perceber que o Guia do Livro Didático é uma fonte fundamental para a compreensão das relações entre produção historiográfica e ensino de História e, mais do que isso, também é um documento fundamental para a compreensão das diretrizes políticas que vêm dirigindo a avaliação, a regulação e a distribuição dos livros didáticos. As partes distintas que compõem os manuais escolares de História não são apenas o conteúdo e as diretrizes das políticas educacionais, mas, principalmente, a relação autor versus historiografia. O livro didático é sempre resultado de pesquisa bibliográfica e, portanto, uma seleção de saberes historiograficamente construídos dentro dos muros da academia. Dados da autora Júlia Silveira Matos é formada em História Licenciatura pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2002), possui Mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005) e Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008). Atualmente, é professora de História da Universidade Federal do Rio Grande – FURG e coordenadora do Programa de Pós- graduação em História - Mestrado profissional. Além disso, se dedica às pesquisas na área de Ensino de História, com foco na participação dos intelectuais nos anos de 1930 nas políticas educacionais.

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Curso de Produção de

Material Didáticopara a Diversidade FURG

SEaDSEaDSecretaria de Educação a Distância - FURG

N a p r e s e n t e o b r a ,

procuramos demonstrar

que o maior problema das

pesquisas atuais sobre o

papel dos livros didáticos

para o ensino de História é

vê-los enquanto produtos

distintos da historiografia

acadêmica, pois o manual

escolar nada mais é do que

u m a p r o d u ç ã o

historiográfica e, portanto,

d e ve s e r a n a l i s a d o e

estudado. Nessa direção,

podemos perceber que o

Guia do Livro Didático é

uma fonte fundamental

para a compreensão das

relações entre produção

historiográfica e ensino de

História e, mais do que

i s s o , t a m b é m é u m

documento fundamental

para a compreensão das

diretrizes políticas que vêm

dirigindo a avaliação, a

regulação e a distribuição

dos livros didáticos. As

p a r t e s d i s t i n t a s q u e

compõem os manuais

escolares de História não

são apenas o conteúdo e as

diretrizes das políticas

e d u c a c i o n a i s , m a s ,

principalmente, a relação

autor versus historiografia.

O livro didático é sempre

resultado de pesquisa

bibliográfica e, portanto,

uma seleção de saberes

h i s t o r i o g r a fi c a m e n t e

construídos dentro dos

muros da academia.

Dados da autora

Júlia Si lveira Matos é

f o r m a d a e m H i s t ó r i a

L i c e n c i a t u r a p e l a

Universidade Estadual do

Oeste do Paraná (2002),

p o s s u i M e s t r a d o e m

História pela Pontifícia

Universidade Católica do

Rio Grande do Sul (2005) e

Doutorado pelo Programa

de Pós-graduação em

História da Pontif íc ia

Universidade Católica do

Rio Grande do Sul (2008).

Atualmente, é professora

d e H i s t ó r i a d a

Universidade Federal do

Rio Grande – F U R G e

c o o r d e n a d o r a d o

P r o g r a m a d e P ó s -

graduação em História -

Mestrado profissional.

Além disso, se dedica às

pesquisas na área de

Ensino de História, com

foco na participação dos

intelectuais nos anos de

1 9 3 0 n a s p o l í t i c a s

educacionais.

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Reitora Cleuza Maria Sobral DiasVice-reitor Danilo GiroldoPró-Reitora de Extensão e Cultura Angélica da Conceição Dias MirandaPró-Reitor de Planejamento e Administração Mozart Tavares Martins PintoPró-Reitor de Infraestrutura MarcosAntônioSattedeAmarantePró-Reitora de Graduação Denise Maria Varella MartinezPró-Reitor de Assuntos Estudantis VilmarAlvesPereiraPró-Reitor de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas ClaudioPazdeLimaPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação EdneiGilbertoPrimel

EDITORA DA FURGCoordenador JoãoRaimundoBalansinDivisão de Editoração Luiz fernando C. da silva

Comissão editorial Adriana Kivanski de Senna (FURG) CarmemG.BurgertSchiavon(FURG) Francisco das Neves Alves (FURG) GianneZanellaAtalah(UFPEL) Júlia Silveira Matos (FURG) Laisa dos Santos Nogueira (IF-SUL) MariadeFátimaSantosdaSilva(FURG)

Parecerista Ad Hoc Fca. Carla dos Santos Ferrer (USP)

PromoçãoSECRETARIA DA DIVERSIDADE E INCLUSÃO – SECADIUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURGINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA INFORMAÇÃO – ICHIPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU – MESTRADO PROFISSIONAL EM HISTÓRIA - PPGHSECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – SEaD

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@ Júlia Silveira Matos

COLEÇÃO ENSINO DE HISTÓRIA E DIVERSIDADEISBN:978-85-7566-276-2

NúcleodeDesigneDiagramação:Responsáveis:LidianeFonsecaDutraeZéliadeFátimaSeibtdoCoutoCapa:LidianeDutrasobreaimagemOperários,deTarsiladoAmaralProjetográfico:BrunaHellereLidianeDutraDiagramação:AlexCristianodeSenaGarciaeCarlosMossmann

NúcleodeRevisãoLinguística:Responsável:RitadeLimaNóbregaRevisores:ChristianeReginaLeivasFurtado,GleiceMeriCunhaCupertino,HenriqueMagalhãesMeneses,IngridCunhaFerreira,KellenEstima,MicaeliNunesSoares,RaquelLaurinoAlmeida,RitadeLimaNóbrega

M433e Matos, Júlia Silveira Ensinodehistória,diversidadeelivrosdidáticos:história,políticasemercadoeditorial/JúliaSilveiraMatos–RioGrande:Ed.daUniversidadeFederaldoRioGrande,2013.113p.–(ColeçãoDiversidadeeensinodehistória.v.1)

ISBN:978-85-7566-277-9

1.LivrosDidáticos2.Ensinodehistória3.Teoriadahistória.4.Políticaseducacionais5.MercadoeditorialI.TítuloII.Série

CDU:94:371.671CDU:94:371.671

Catalogação na Fonte: Bibliotecária Vanessa D. Santiago

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SUMÁRIO

Apresentação................................................................................................7Introdução.....................................................................................................81.Olivrodidáticodehistória:trajetórias...............................................132.Oslivrosdidáticoscomoprodutosparaoensinodehistória:umaanálisedoPlanoNacionaldoLivroDidático-PNLD..........................273.OensinodehistóriaeatrajetóriadaspolíticasqueregulamentamoslivrosdidáticosnoBrasil......................................................................413.1OensinodehistóriaeaComissãoNacionaldolivrodidático......453.2PlanoNacionaldoLivroDidático:(des)continuidades.................61Consideraçõesfinais...................................................................................77Referências...................................................................................................81

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APRESENTAÇÃO

Apresenteobra,decaráterparadidático,aoabordarotemaprepos-

to, traz à análise discussões relevantes sobre o processo ensino-aprendiza-

gem,noqualolivrodidáticoassumeumpapeldedestaquenocotidiano

escolar. Nesse sentido, o objetivo dessa coletânea é discutir o livro didático,

nãoapenascomoumprimordialrecursoparaasaladeaula,mascomoum

produtocomercial,inseridoempolíticasdeeducaçãonacional.Paradesen-

volveressaproblemáticaproposta,olivroapresentaumapertinentediscus-

sãohistóricaarespeitodatrajetóriadoslivrosdidáticos.Essareflexãoper-

passasobreassuntoscomoaproduçãoeafunçãodosmanuaisescolaresno

processoeducacional.Outropontofundamentaldateseapresentadanessa

obra é a apresentação e análise do Plano Nacional do Livro Didático (PNDL).

EstudaroPNLDéfundamentalparaacompreensãodoscritériosdeseleção

edistribuiçãodoslivrosdidáticosnoBrasil.Nessesentido,“Diversidade,

EnsinodeHistóriaeosLivrosDidáticos:história,políticasemercadoedito-

rial”buscaapresentareanalisarosprocedimentosdeproduçãodoslivros

didáticosquesãoutilizadosporprofessoresnassalasdeaula.Portanto,essa

obraproporcionaaosdocentesumacompreensãoereflexãocríticasobrea

utilizaçãodolivrodidáticodeHistórianoprocessoensino-aprendizagem.

Profa. Dra. Francisca Carla S. Ferrer

DoutoraemHistóriaSocial(USP)

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INTRODUÇÃO

Algo perceptível nos dias atuais é a interdependência entre as

disciplinas escolares, a prática do professor e os livros didáticos. Isso

porque,pormaisqueosdocentesinvistamemmateriaisdidáticosalter-

nativosparaconstruçãodaprópriapráticanasaladeaula,oslivrosdidá-

ticosaindasãoumguiaparaesta,assimcomoparaaseleçãodeconteú-

dos.Entretanto,conformediscorreuCirceBittencourt(2010),“existem

professoresqueabominamoslivrosescolares,culpando-ospeloestado

precáriodaeducaçãoescolar”(p.71).Dessaforma,aomesmotempoem

queoreferidomaterialassumeumpapelcentralnapráticadesalade

aula,emoutrosmomentos,vemosaçõesderepúdioàutilizaçãodeste.

No entanto, aqui, não nos é prioritário analisar o papel dos

livros didáticos na prática cotidiana do ensino deHistória,mas as

políticasdeseleçãoedistribuiçãodestesparaasescolas.Assim,po-

demos nos questionar: esses docentes que culpabilizam os livros

didáticos pelas deficiências do sistema educativo brasileiro rom-

pem com as sequências de conteúdos clássicas do ensino de His-

tória, canonizadas pelos livros didáticos, nos planejamentos ou

seguem reproduzindo a velha organização quadripartidária da

História nos planos de conteúdos das escolas? Essa problemática

se coloca comoeixodeanálisedo trabalhoqueaqui apresentamos.

A divisão quadriparti-dáriadaHistóriaéafor-macomoapresentamosos períodos históricos,divididos em Históriaantiga, medieval, mo-dernaecontemporânea.

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Pararealizarmosapresenteanálise,partimosdoprincípiode

queoslivrosdidáticossão“[...]omaterialdisponível,edeusogene-

ralizadoemnossasescolas,muitasvezesatéporseroúnicomaterial

impressodequeoalunoeatémesmoaescolaeoprofessordispõem”

(PENTEADO,2010,p.234).Emconcordância,CirceBittencourt(2011)

afirmaqueos livrosdidáticossão“osmaisusados instrumentosde

trabalhointegrantesda‘tradiçãoescolar’deprofessoresealunos,fa-

zempartedocotidianoescolarhápelomenosdoisséculos”(p.299).

Essaposiçãode“principalrecurso”ouatémesmoúnico,adquiri-

dapelolivrodidático,conformeapresentadoporPenteadoeBittencourt,

alertaparaduasquestões:aprimeiraéadequeolivroéinegavelmente

umrecursofundamentalparadocentesdesprovidosdeoutrosmeios,

comointerneteatébibliotecasestruturadas,asegundasefundamenta

nofatodequeolivrodidáticopodeserumrecursolúdicomuitorico.

DeacordocomAnaMariaMonteiro(2009),oslivrosdidáticos

sãoutilizadospelosdocentes“[...]comofontedeorientaçãoparaex-

plicaçõesdesenvolvidasnasaulas,comoapoioaoplanejamentoesu-

gestõesparaavaliações, comomaterialde estudoe atualização” (p.

175).Conformediscorrido,o livrodidáticoéumrecursolúdico,em

funçãodasimagensqueapresenta,mastambéméfontedetextos,pois

apresentaosconteúdos.Entretanto,opapeldesteenquantorecurso

didáticonãoselimitaaestasduascaracterísticas,poiscadalivrodidá-

ticopossuiumaidentidadequeseconstituiatravésdasformascomo

osconteúdossãodistribuídosemseuinterioreabordagensdadase

esses.Alémdisso,olivrodidáticoéoprincipalrecursododocenteno

processodeplanejamentodesuaprática,pois,semoapoiodeoutros

materiais,osprofessoressefundamentamnadistribuiçãodosconte-

údos no livro didático para pensar seu plano de conteúdos na escola.

Quando nos referimosa outros materiais,pensamos em recur-sos como internet, li-vros que possibilitemo aprofundamento dosconhecimentos sobreos conteúdos escola-res, vídeos e outros.

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Sendoassim,emconcordânciacomCirceBittencourt(2010),o

livrodidático“[...]continuasendoomaterialdidáticoreferencialde

professores,paisealunosque,[...],consideram-noreferencialbásico

paraoestudo[...]”(p.71).Conformeaautora,oreferidomaterialnão

évistoapenaspelosprofessorescomobase,mastambémpelasocieda-

de,ouseja,pelospaisepelosprópriosestudantes.Dessaforma,olivro

adquiriu,comopassardostempos,umstatus,dentrodaescolaedosis-

temaeducacional,queocolocaemdestaquenapráticadosprofessores.

Asegundaquestãosecentranapercepçãodeque,quandoolivro

didático se torna o único ou o principal recurso, seja didático, ou de apoio

pedagógicodoprofessor,aestruturaideológicadestesetornahegemô-

nicadentrodasaladeaulanaqualéutilizado.Issoporquetalmaterial,

comoprodutocultural,transmiteosposicionamentosdeseusautores.

ParaCirceBittencourt(2011),oslivrosdidáticossãoprodutos

dedifícildefinição,“[...]porserobrabastantecomplexa,quesecarac-

terizapelainterferênciadeváriossujeitosemsuaprodução,circulação

econsumo”(p.301).Aimbricaçãodediversossujeitosnoprocessode

produção,comoapontouBittencourt,demonstraoquantosãomate-

riaisimersosemumafaceideológicaquetranscendeavisãodoautor,

masadentraosmeandrosdasexpectativasdemercado.Sobreaface

ideológica do livro didático, discorreuAnaMariaMonteiro (2009):

[...]osautoresdelivros,aoproduziremsuasobras,expressamlei-turas, posicionamentos políticos, ideológicos, pedagógicos, ‘se-lecionam e produzem saberes, habilidades, valores, visões demundo, símbolos, significados, portanto culturas, de forma aorganizá-los e torna-los possíveis de serem ensinados’ (p. 176).

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Talanálisealertaparaofatodequeolivrodidático,enquantopro-

dutodeumasociedadedoconsumo,deveserestudadoenquantomeio

deveiculaçãoideológica,sejaelaoficialoupedagógica.Apartirdessa

percepção,compreendemosquesefaznecessárioaprofundarnossas

reflexõessobreoslivrosdidáticos,enquantoprodutosdasociedadede

consumo,especificamenteosdeHistória,focodenossoconsumoenão

comoum“inocente”recursodidáticosimplesmente.Afinaltodoequal-

quersuportedeescritacarregaemsiaidealizaçãodeseuprodutore,ao

mesmotempo,deseuconsumidor.SegundoMicheldeCerteau(2000),

[...]aindaqueissosejaumaredundânciaénecessáriolembrarqueuma leituradopassado,pormaiscontroladaquesejapelaanálisedos documentos, é sempre dirigida por uma leitura do presente.Comefeito,tantoumaquantoaoutraseorganizaramemfunçãodeproblemáticasimpostasporumasituação(p.34).

Os livros didáticos de História, como qualquer supor-

te de escrita da História, configuram-se como leituras do passa-

do, as quais, conformediscorreuCerteau, são sempredirigidas em

função de problemas impostos pelo presente do autor e de seus

futuros leitores. Essa afirmação nos leva a perceber que o com-

promisso do livro didático de História com os conteúdos histó-

ricos está muito mais atrelado aos interesses e interlocutores do

presente do que propriamente com o conhecimento do passado.

Segundo Selva Guimarães Fonseca (2003), “O livro didático é,

de fato, o principal veiculador de conhecimentos sistematiza-

dos, o produto cultural de maior divulgação entre os brasilei-

ros que têm acesso à educação escolar” (p. 49). Como veiculador

dos conhecimentos históricos, o livro didático de História é res-

ponsável, nas palavras de Marc Ferro (1983), pela “[...] imagem

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que faze[r]mos de outros povos, e de nós mesmos [...]” (p. 11).

Essas imagensaquese refereoautorsãoos fundamentosdacons-

trução das identidades coletivas e, ao mesmo tempo, das alte-

ridades e até de possíveis preconceitos e xenofobismos entre as

sociedades. Sendo assim, antes de ser um fundamental recurso di-

dático, o referido material é um produto comercial, inserido em

políticas públicas de educação nacional. Por isso, precisa ser es-

tudado como tal, o quenospropomos a realizarnopresente texto.

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TRAJETÓRIASO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA

Na dinâmica brasileira trienal de escolha dos livros didáti-

cos pelos professores da educação básica, é estabelecida uma for-

te relação entre os professores (enquanto o público que seleciona

o que chega às salas de aula), os editores (que encomendam, pro-

duzem e lançam os livros didáticos no mercado editorial) e o go-

verno (queos incluina listade livros a seremescolhidospelosdo-

centes dentro do Plano Nacional do Livro Didático – PNLD).

Essarelaçãosobreaqualnosreferimosseestruturacomofun-

damentoautoral,poisaproduçãodolivrodidáticoserealizaapartir

deumaengrenagemdaqualfazemparteprofessores,autores,editores

egoverno.Oslivrosdidáticosnãosãoproduzidossimplesmentepor

seusautores,masapartirdasexpectativasdopúblicoconsumidor,os

professores;dasdiretrizesdogoverno,queavaliaráapartirdoPNLD

oslivrosqueserãoadquiridosparadistribuiçãogratuitaentreasesco-

lasbrasileiras;doautor,quepossuiumavisãodeHistóriaedaeditora,

queinvestenolivroenquantoprodutodeconsumo.Todasasexpec-

tativasdessesagentessãopartefundantedaformaedoconteúdodos

livros didáticos. Por isso a autoria dos livros didáticos se apresenta

demodo singular em relaçãoàsdemaisproduçõeshistoriográficas.

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Dentrodesuatrajetória,devidoàdistribuiçãogratuitaàsesco-

laspúblicaspelogovernobrasileiro,oslivrosdidáticospaulatinamen-

teocuparamumlugardedestaquenomercadoeditorial.Entretanto,

essa posição não foi garantida desde as primeiras aparições destes

– na verdade, tal espaço foi adquirido histórica e vagarosamente.

Aprópriafunçãodolivrodidáticonoprocessoeducacionalse

constituiuapartirdecondiçõeshistórico-culturaiseatrajetóriades-

teenquantoprodutoseentrelaçacomaHistóriado“nascimento”do

livro impresso. Não vamos realizar grandes digressões temporais,

porém uma breve análise do surgimento dosmanuais escolares se

faz necessária para compreendermos como estes adquirem, dentro

doprocessodeensino-aprendizagem,umstatusdeprodutocentral.

DeacordocomJustinoMagalhães(2011),aHistóriadolivrodi-

dáticopodeserdivididaemtrêsperspectivas.Aprimeiraserefereao

papel do livro didático na estrutura da escola, a segunda se volta para

asinfluênciaseconômicas,ouseja,oatributodeprodutocomercial,no

processodecomposiçãodosmanuaisdidáticose,porfim,aterceirase

refereàrelaçãodialéticacomocamposocial,pois,deacordocomoautor,

Omanualescolartemumamaterialidade.Espécimeeprodutoau-toral,editorial,mercantil,omanualescolarémercadoriaeprodutoindustrializadoecomercializado,comcaracterísticasprópriasequecumpreobjectivosespecíficosnosplanoscientífico,socialecultural(MAGALHÃES,2011,p.4).

Ainda podemos acrescentar à análise de Magalhães um

quarto aspecto dos estudos sobre os livros didáticos: o político.

Isso porque estes são produto e, ao mesmo tempo, instrumentos

depolíticas educacionais.No campodos estudospolíticos, noqual

nos centramosnopresente trabalho, épreciso analisar os livrosdi-

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dáticos enquanto documentos históricos marcados por ideologias

próprias de cada tempo e tendências de governo, o que será dis-

cutido em outro momento deste estudo. Sendo assim, notemos

que, conforme discorreu Magalhães (2011), o livro didático é o

Principalmeiodeinformação,conhecimentoelegitimaçãodacultu-raescritaedaacçãoescolar,omanual,nãoobstanteasuafunçãodi-dáctico-pedagógica,apresentaumaevoluçãoemboaparteanálogaàhistóriageraldolivro,noqueserefereàordenaçãoeaosignifica-docomoveículodosaberedoconhecimento,masajusta-seaoscir-cunstancialismoseàsprerrogativasdaspolíticasdaeducação(p.05).

O desenvolvimento da trajetória dos manuais didáticos ca-

minha por estradas diferentes das dos livros em geral. Essa di-

ferença se dá, como bem enfatizou o autor, devido ao papel cen-

tral daqueles enquanto produto e veículo de saber dentro das

políticas educacionais. Isso porque, aomesmo tempo em que é re-

curso didático, também é instrumento de normatização e controle.

Apesardesecentrarnoaspectoculturaldosmanuaisdidáticos,

Magalhães(2011)aindaapresentaumaafirmaçãoquevaiaoencon-

trodoqueabordaremosnessetrabalho:oslivrosdidáticospossuem

umpapelpolítico.Segundooautor,“Omanualescolar,maisqueum

meiodeaculturaçãoedealteridadecultural,éfactordeafirmaçãoe

dedominaçãocultural”(MAGALHÃES,2011,p.11).Exatamentepor

essaúltimacaracterística,oslivrosdidáticosou,comoalgunsteóricos

denominammanuaisescolares,desdeasprimeirasapariçõesnaIda-

deModerna,estiveraminseridosemprojetospolíticoseducacionais.

DuranteoRenascimento,olivrodidático,produzidodentrodos

monastériosouporreformadores,eraumfundamental instrumento

educacionalnasdisputasentrealutapelamanutençãoideológicada

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IgrejaCatólicaeaformaçãodeumaculturaementalidadesprotestan-

tes.Entreosmanuaisdaépoca,podemoscitar,conformereferidopor

CatianeColaçodeBairro(2011):omanual“OABCdeHus”,escritopelo

reformadorJohnHuss,posteriormentecondenadoàfogueiracomohe-

rege;acartilha“Bokeschenvorlevenondkind”,publicadaem1525na

cidadedeWittenberg;aobra“Omundosensívelemgravuras”,deCo-

menius,escritasobinfluênciadopensamentohussitaepublicadaem

1658.Nafiguraabaixo,podemosverduaspáginasdaobradeComenius:

Figura1:Disponívelem:<http://unidadescurriculares.wordpresscom/comunicacao-educacional/>.Acessoem:09abr.2012.

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AobradeComenius,porutilizarimagenscomorecursodidáti-

co,contribuiuparaacompreensãodasrelaçõesentreasimagenseos

processosdeensino-aprendizagemnaalfabetização.Porisso,aindaé

estudadanocampodalinguísticaedaeducação.Outraobraquepode-

moscitaré“Condutasdasescolascristãs”,publicadaem1702porJoão

BatistadeLaSalles.Entretanto,esselivroeosdemaiscitadostinhamem

comumoobjetivodeumaeducaçãocristã,enquantoque,apósaRevo-

luçãoFrancesa,apublicaçãodomanual“EnsinoMútuo”,deautoriade

JoséHamel,voltadoparaaveiculaçãodeummétododealfabetização,

demonstraamudançanatrajetóriaefunçãodolivrodidático,quepas-

soudeummeroacessórionoprocessodeensino-aprendizagempara

uminstrumentoindispensávelnesseprocesso.Ométodoveiculadopor

esseúltimomanualchegouaserutilizadonoBrasilduranteoImpério.

NoséculoXVIII,aIgrejaCatólicaaindapossuíagrandeinflu-

êncianaproduçãodosmanuaisdidáticos.SegundoMagalhães(2011)

[...] em Portugal, as Cartilhas, como os Manuais e Compên-dios Escolares (estes últimos já no decurso do século XVIII), fo-ram produzidos no interior de corporações ou de estruturasnotáveis, como a Corte, a Universidade de Coimbra, as Dioce-ses, as Ordens Religiosas e Monacais, os Mestres Régios (p. 11).

As ordens religiosas tiveram um papel central na produ-

ção demanuais didáticos voltados para o ensino cristão. Tanto em

PortugalquantonaFrança,os livrosdidáticos se tornarampoucoa

pouco fundamentais no espaço escolar enquanto recursos no pro-

cesso de ensino-aprendizagem. De acordo com Magalhães (2011),

Nesteprocesso,omanualescolartornou-seomeiopedagógicocen-tral.NafasefinaldoAntigoRegime,soboprimadodas luzes,es-colaemanualescolarsobrepõem-se,umasituaçãoquesealterano

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decursodoséculoXIX,àmedidaqueosistemaescolarseestruturaequeafunçãodaleituraseautonomizaereforçafaceaosmétodoscatequísticos tradicionais.Porumvastoperíodo,omanualescolarcumpriuumafunçãoenciclopédica,contendotodasasmatériasquenãoapenasconstituemaeducaçãobásica,mascujautilidadeepreg-nânciaseprolongampelavida,podendoserconsultadoacadamo-mento(p.17).

Portanto, aos poucos, o livro didático se tornou independente da

funçãoevangelísticaedecatequeseeapresentavaumaestruturaenci-

clopédica,poiscontinhatodasasmatériasescolares.Dessaforma,osli-

vroseramutilizadosapenasparaconsulta,enquantosuporteparaoen-

sino,enãocomoprincipalrecursodidático,comosãousadosemmuitas

escolasnosdiasdehoje.Nessadireção,segundoAlainChoppin(2004),

Anaturezadaliteraturaescolarécomplexaporqueelasesituanocruzamentodetrêsgênerosqueparticipam,cadaumemseuprópriomeio,doprocessoeducativo:deinício,aliteraturareligiosadeondese origina a literatura escolar, da qual são exemplos, noOcidentecristão,oslivrosescolareslaicos“porperguntaeresposta”,quereto-mamométodoeaestruturafamiliaraoscatecismos;emseguida,ali-teraturadidática,técnicaouprofissionalqueseapossouprogressiva-mentedainstituiçãoescolar,emépocasvariadas–entreosanos1760e1830,naEuropa–,deacordocomolugareotipodeensino;enfim,aliteratura“delazer”,tantoadecarátermoralquantoaderecreaçãooudevulgarização,queinicialmentesemanteveseparadadouniver-soescolar,masàqualoslivrosdidáticosmaisrecenteseemváriospa-ísesincorporaramseudinamismoecaracterísticasessenciais(p.04).

Sendoassim,aprimeirafasedaproduçãodoslivrosdidáticos

esteveatreladaà literatura religiosa, seguidaporumanova fasede

vocaçãodidática, atémeadosdo séculoXIX, emmeioà industriali-

zação, comuma tendênciaprofissionalizante.Porfim,o livrodidá-

ticoassumiuumcaráterdevulgarizaçãodoconhecimento.Essaúl-

tima característicamantevepor algum tempoosmanuaisdidáticos

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ainda separados do ambiente escolar. No entanto, paulatinamen-

te, esses adentraram as estruturas escolares de forma essencial.

No Brasil, as trajetórias dos livros didáticos foram marca-

das por caminhos e direções assumidos pela historiografia, como

categorizou Maria Inês Sucupira Stamatto (2008). A autora divi-

diu a produção dos manuais escolares no Brasil em quatro fases

e, para tanto, seguiu a análise de Francisco Iglêsias sobre a his-

toriografia nacional e as tendências desta. A primeira fase relati-

vamente longa se estenderia entre 1500 e 1838 e teria sido mar-

cada pelo ensino de História realizado juntamente com o ensino

de clássicos das humanidades, como Ovídio, Cícero e Virgílio.

De acordo com Stamatto (2008), “para a educação instala-

da em terras brasileiras, quasemonopóliodos jesuítas, a literatura

corrente aponta-nos que se contava compoucos e caros livros im-

portadosdePortugal” (p. 138).O fatodeos livros serem importa-

dosencareciamuito seuvalor, oque contribuiuparaqueo ensino

deHistóriaficassereservadoaoensinosuperiorapenaseelitizoua

educação no Brasil. Enquanto isso, a educação básica ficava a car-

godosjesuítas,queensinavamatravésdocatecismo,demodo“[...]

queo livro compunha-sedeum texto seguidopor exames –ques-

tões cujas respostas encontravam-se literalmenteno textoanterior”

(STAMATTO, 2008, p. 138). Esse sistema de elaboração e método

dos manuais escolares influenciou por muito a produção destes.

Ainda de acordo com a autora supracitada, a segun-

da fase do ensino de História e, portanto, dos livros didáti-

cos no Brasil iniciou com a criação do Instituto Histórico e Geo-

gráfico Brasileiro (IHGB), em 1838, e se estendeu até o início do

governo de Getúlio Vargas, em 1931. Nessa fase, sem a presença

dos jesuítas, tal ensino foi marcado pela historiografia Metódica,

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[...]comadivisãoperiódicaapartirdaHistóriaeuropeia,emumacronologia linear, apresentando conhecimentos definitivos, ver-dades inquestionáveis comprovadas por documentação oficial epretendendo-se objetiva. Por outro lado, encontramos tambéma História narrativa, com exaltação da Pátria, dos vultos históri-cos brasileiros e, por vezes, anedótica (STAMATTO, 2008, p. 139).

Duranteessafase,oensinodeHistóriafoiumfundamentalins-

trumento pedagógico para a constituição da identidade nacional. Isto

explica o contundente ensinamento das biografias dos heróis da pá-

tria. Também na mesma época, eram comuns as reclamações de do-

centespelafaltademateriaisdidáticos,vistoqueosmanuaisescolares,

chamados de compêndios, eram impressos na Europa atémeados de

1860.Nesse sentido, os principais livros didáticos utilizados nas esco-

las eram traduções francesas e, apenas em1839, João JulioGodofredo

Luís Frank publicou o livro “Resumo da História Universal”, o qual

foi consideradooprimeiro livrodidáticodeHistória escritonoBrasil.

Nasequência,outrosautorespublicaramobrasdidáticas,comoo

CônegoFernandesPinheiro,autordolivro“Episódiosdahistóriadapátria

contadosàinfância”,oqualfoipublicadoem1860,anoseguinteàpublica-

çãodolivrointitulado“HistóriaAntigaeIdadeMédia”,deJustinoJoséda

Rochaede“LiçõesdehistóriadoBrasil”,escritoporJoaquimManoeldeMa-

cedo.Nosanosqueseseguiram,aindaforampublicados,em1865,o“Com-

pêndiodeHistóriaAntiga”,deautoriadeMoreiraAzevedo,e,em1906,o

manualescolarintitulado“PequenaHistóriadoBrasilporperguntaseres-

postas”,escritoporJoaquimMariadeLacerda(STAMATTO,2008,p.140).

Continuamenteaessasobras,duastendênciasdeescritasefirma-

ram:uma,chamadaderuralista,exaltavaavidanocampoemcontra-

posiçãoàvidanacidade;asegunda,denominadaufanista,exemplifica-

dapelasobras“AtravésdoBrasil”,deOlavoBilac,publicadaem1910,

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e “Porqueme ufano demeu país”, escrita por CondeAffonso Celso,

publicadaem1900,alémde“NossaPátria”,deRochaPombo,em1917.

Dentre os últimos livros citados, o compêndio “Porque me

ufano de meu país” pode ser considerado de grande expressão, não

apenas pelas ideias que veiculava, mas, principalmente, devido ao

númerodeediçõespublicadas.AobradeAffonsoCelsotinhaseucon-

teúdo voltado para o trabalho de construção da identidade brasileira.

Dessa forma, tal produção procurou aguçar e despertar o sentimen-

to nacionalista, pois descreveu apátria elogiandoopovo, exaltando a

natureza,bemcomoalgumasfiguras:deD.PedroIIeprincesaIsabel.

Olivro“Porquemeufanodemeupaís”foiindicadoeutilizado

comoleituraobrigatórianosanosiniciasdoEnsinoFundamental,apartir

daquartasérieprimária,comointuitodeformaraidentidadenacionaldes-

deainfância,atravésdoorgulhopelapátriaBrasil.DanteMoreiraLeitecri-

ticouessaobraporconsiderarseuconteúdodeexaltaçãodanacionalidade

brasileiracontrárioàrealidadedoperíodo,marcadapelafasemilitarizada

daRepúblicabrasileira.Alémdisso,acusouAffonsoCelsodeenaltecer

exacerbadamenteasriquezasnacionais.Entretanto,precisamosperceber

queopontodecríticadeLeiteeraexatamenteacaracterísticaquetornou

aobraexpressivamentepartedoprojetonacionalistadoEstadobrasileiro.

A publicação de “Porqueme Ufano demeu país” se deu por

ocasiãodo IV centenáriodoDescobrimentodoBrasil.A referida obra

teve incrível sucesso, tendo, em 1944, sua 12ª edição publicada. Em

1997, João de Scatimburgo, que ocupava a cadeira de Affonso Cel-

so na Academia Brasileira de Letras, solicitou sua reimpressão, vis-

toque lastimavaporestaobratercaídonoesquecimento,aqual,para

ele, era de muita utilidade para as novas gerações como um “bre-

viário de patriotismo”. Cabe ressaltar ainda que essa obra foi

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produzida emumperíodode intensa criseda sociedadebrasileira:

[...] quandoescrevePorquemeufanodemeupaís,AffonsoCelsotemdiantedesiacrisedospilaresemqueseassentavaaestruturada sociedade brasileira, isto é, a grande propriedade territorial e a es-cravatura,crisequeabalouamonarquiaeconduziuarepública,es-timulouoiníciodaurbanizaçãoeaimigração(CHAUÍ,2000,p.48).

Nestemomento de crise, na formação da República, o governo in-

vestiuna formaçãoda imagemnacional atravésdaHistória.O Ins-

tituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) tinha sua tradição

historiográfica influenciadapela escola alemã.O trabalhodo IHGB

através da produção historiográfica foi em torno da formação do

“espírito do povo”, ou seja, de uma nacionalidade brasileira, de-

terminada pela raça e pela língua e definida pelo território e pela

demografia, com uma visão determinista (CHAUÍ, 2000, p. 50).

Sendo assim, o Instituto tinha a tarefa de construir a ima-

gembrasileira e oferecerumpassadoglorioso comum futuropro-

missor, legitimando o poder do Estado, através de uma produção

historiográfica. Como Instituto geográfico, tal órgão tinha o dever

de reconhecer a geografia do país e engrandecer a natureza brasi-

leira, definindo suas fronteiras, além de ter a responsabilidade de

imortalizar os grandes homens e seus feitosmemoráveis.AHistó-

ria produzida no Instituto era tradicionalmente aceita pelo Estado,

oquenão impediaquefossemdescritasoutrasversõesdaHistória.

O determinismo his-tórico era uma visãodarwinista da Histó-ria que influencioudiversos trabalhos decunho sociológico, osquais viam o Brasilcomo uma nação infe-rior às europeias de-vido ao clima quentee à mistura das raças.

É apartirdesse conjuntode referênciasqueAfonsoCelso escrevePorquemeufanodemeupaís.Tidacomoingênuapormuitos,vitu-peradanacríticadosmodernistasao“porqueufanismo”,olivrodeviscondeOuroPretoéopressupostotácitodetudoquantosefezem

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matériadecivismonestepaís,particularmentenasobrasescolaresdeumBilacoudeumCoelhoNetto,ounahistóriadoBrasilparacriançasdeumViriatoCorreia(CHAUÍ,2000,p.51,grifodoautor).

AffonsoCelsoiniciouareferidaobradeclarandoqueseuprin-

cipalensinamentoseriaopatriotismoequeapresentariaváriosmoti-

vos para a superioridade brasileira, divididos entre natureza, povo e

História.Oautordiscutiutalsuperioridade,desdeovastoterritório

brasileiro,asriquezasminerais,belezasnaturais,atéopovo,umamis-

turadetrêsraçasque,unidas,formaramumanovanação.Oescritor

falatambémdoclima,dafaunaedaorganizaçãosocialdotrabalho.

ParaAfonsoCelso,oBrasilpreenchiaosrequisitospositivistasdana-

cionalidade,aqualseconcretizavacomonaçãodedireitoedefato.

Emresumo,obrasileiropodeconfiarnaNatureza,poiselanãootrai,nãosurpreendenemoamedronta,nãoomaltratanemoaflige.“Dá--lhe tudoquantopodedar,mostrando-se-lhe sempremagnânima,meiga,amiga,maternal”(CHAUÍ,2000,p.52,grifodoautor).

Sendoassim,nossopaíserasuperioremtudo,omitodafusão

dastrêsraçasfoicriadopararesponderaumaexigênciapositivistade

queumanaçãotinhaqueserformadaporumaglomeradohumano

comunidaderacial.AfonsoCelsosustentousuatesedesuperioridade,

alegandoqueoBrasilnãotinhadoqueseenvergonhar,nuncasofreu

derrotas embatalhas e guerras, não teve fatos extraordinários,mas

tambémnãotevevergonhosos.Nessaobra,nãomencionounemuma

vezasituaçãodaescravidãonoBrasileaGuerradeCanudos(LEI-

TE,1983).Porém,celebroufeitosdosportugueses, jesuítaseoutros.

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Todavia,aindaqueAfonsoCelsoseinspirenosmodelosantigos,oufanismodespertadopelasmissões jesuítas,pelasEntradaseBan-deirasepelosmilitaresnãoseexplicasimplesmentecomoumrecur-soliterário.Elecorrespondeàexigênciado‘princípiodanacionali-dade’,quedefineanaçãonãosomenteporseuterritóriopresente,masporsuacapacidadedeexpansão,conquistaeunificaçãodeter-ritóriosnovos.Maisumavez,portanto,olivroasseguraqueoBrasiléumanação(CHAUÍ,2000,p.54)[grifodoautor].

Comovemos,oufanismoapresentadonaobrafoirespostaàs

necessidadespolíticasdoperíodoeamensagemsobreasriquezasna-

cionaisveiculadanaobradeAfonsoCelsonuncadeixoudeserutili-

zadanodiscursodeintelectuaisepolíticos,aqual,durantedécadas,

ficoupresentenoensinodeHistória.DeacordocomOliveira(1998):

OufanismorepresentadoporAfonsoCelso–juntandoàsqualidadesdaterraosvaloresdastrêsraçasoriginárias–operavaassimapazdosespíritosprometendodiasmelhoresnofuturo,jáqueanaturezadavafundamentoataisesperanças.Oufanismoemsuasformasdever e interpretar a nação deitou raízes na cultura brasileira e se fez presenteeminúmerasconstruçõessimbólicasquepretenderammar-caraidentidadenacional(p.187-188).

O patriotismo veiculado no manual escolar deAffonso Cel-so contribuiu para construções simbólicas que propunham de-linear a formação da identidade nacional. Tal análise nos auxi-lia a percebermos como os livros didáticos podem ser, além derecursos didáticos e fontes de estudos, instrumentos de mani-pulação ideológica, veiculadores de visões de mundo. Estas se-riam, conforme conceito apresentado por Michael Löwi (1995):

[...]todosaquelesconjuntosestruturadosdevalores,representações,ideiaseorientaçõescognitivas.Conjuntosessesunificadosporumaperspectivadeterminada,porumpontodevista social,de classessociaisdeterminadas(p.13-14).

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ApartirdapropostaconceitualdeLöwi,poderíamosperceber,

noslivrosdidáticos,visõessociaisdemundo,asquaissedividiriamem:

visõesideológicas(quandoservissemparalegitimar,defenderouman-

teraordemsocialdomundo);evisõessociaisutópicas(quandotives-

semumafunçãocrítica,subversivaeapontassemparaumarealidade

queaindanãoexiste).Aterceirafasedetendênciadoslivrosdidáticos

noBrasil,segundoStamatto,surgiuemdecorrênciadacriaçãodoscur-

sosdeHistóriasuperioresetambémdapropostaescolanovista,pois,

[...]naeducação,asreformasdeFranciscoCampos(1931),comoasposteriores, de Gustavo Capanema (1942-1946), trariammodifica-çõesconsideráveisparaoensinodeHistória.Comaprimeiradelas,cursosdeHistória,noensinosuperior,eadisciplinaHistóriadaCi-vilização,noEnsinoMédio,tornaram-seobrigatórios,reorganizan-doesteníveldeensinoemduaspartes:1ª–fundamental–5anos;2ª–complementar–2anos.OsprogramascurricularespassaramaserdeatribuiçãodoMinistériodaEducaçãoeSaúdePública,que,paraaescolaelementar,introduziamuitoselementosdaEscolaNova.Em1939,adisciplinaHistóriadoBrasiltornava-seautônoma(separada)daHistóriadaCivilização(STAMATTO,2008,p.142).

Asmodificaçõespropostaspelasreformasdentrodogoverno

VargascontribuíramparaainstitucionalizaçãodoensinodeHistóriana

educaçãobásicaetambémparasuaregulaçãoecontrole.Oúltimope-

ríodohistóricodolivrodidáticodeHistórianoBrasilfoimarcadopela

criaçãodoProgramaNacionaldoLivroDidáticoque,em1996,instituiu

a distribuição gratuita dessas obras para escolas públicas brasileiras.

Apartirdaanálisedasquatrofasesdescritas,podemosperceber

queestaspodemserresumidasemdoisgrandesmomentos:aaparição

dosprimeirosmanuaisescolaresdeHistóriaaindacomercializadose

aimplementaçãodeumapolíticadeEstadoqueinvestiunaveicula-

çãogratuitadoslivrosdidáticosparatodasasescolaspúblicas,aqual

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persisteatéhoje.Assim,podemosconsiderarqueoprimeiromomento

dessatrajetóriafoimarcadoporusosecaminhosindependentes.Nesse

sentido,taislivrosdidáticoseramutilizadosdeacordocomospreços,

asescolhasdosprofessoresoureutilizadosporestaremnasbibliotecas

familiares.SomentenoséculoXX,comasegundafasedaprodução

dosmanuaisescolares,oEstadobrasileiropassouainvestirempolíti-

cas educacionais de regulação e distribuição dos livros didáticos para

as escolaspúblicas, conformepassaremos a analisar neste trabalho.

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Naperspectivadenossaanálise,podemosperceberqueo li-

vro adquire uma face de produto, mercadoria, dentro de um jogo

editorial de consumo. Por um lado, os autores com suas próprias

direções teórico-pedagógicas, por outro, as editoras que buscam

autores capazes de suprir as expectativas dos professores dentro

das tendências pedagógicas em voga, ainda o governo que alme-

ja selecionarumnúmero expressivode livrosquenãofiramaspo-

líticas educacionais e, por fim, os próprios professores que pos-

suem ideias construídas sobreoqueesperamdeum livrodidático.

Aoencontrodoquediscorremos,AnaMariaMonteiro(2009)

afirmou: “[...] os autores, ao produzir livros didáticos, interpretam

as orientações oficiais, ou seja, as reelaboram segundo suas ideias

pedagógicas e, aomesmo tempo, incorporamexpectativasdospro-

fessores, buscando atraí-los para o seu consumo” (p. 176). O livro

enquanto produto acaba como resultado de pesquisas demercado

como qualquer outro item de consumo diário, inserido nas “leis”

do marketing, sua feitura obedece às indicações e orientações das

políticas educacionais e das discussões pedagógicas do momento.

De acordo com Bittencourt (2010), “[...] em todo o início do

UMA ANÁLISE DO PLANO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO - PNLD

OS LIVROS DIDÁTICOS COMO PRODUTOS PARA O ENSINO

DE HISTÓRIA

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anoletivoaseditorascontinuamcolocandonomercadoumainfini-

dadedeobras,diferenciadasemtamanhoequalidade”(p.71).Com

a ampliação das políticas de Estado voltadas à distribuição gratui-

tadoslivrosdidáticosparaasescolas,comodemonstraaautora,as

editoras acabaram por criar ummercado editorial próprio para os

livros didáticos, que, anualmente, apresenta novos produtos com

formasequalidadesdiferenciadas,tudoparaatrairseupúblicocon-

sumidor, que, nesse caso, são os professores da Educação Básica.

Nessa direção, ainda conforme afirmou Bittencourt (2010),

“o livrodidáticoé,antesde tudo,umamercadoria,umprodutodo

mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabrica-

ção e comercialização” (p. 71). Quanto melhores as técnicas edito-

riais, como relata a autora, os livros ganhammais cores e recursos

editoriais, com vistas a um aumento na qualidade de sua apresen-

tação. Em outro texto, Bittencourt (2011) afirma que o livro didáti-

co “como produto cultural fabricado por técnicos que determinam

seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa di-

mensãomaterial, por ser umamercadoria ligada aomundo edito-

rialeà lógicada industrial culturaldosistemacapitalista” (p.301).

Na relação entre professores (público consumidor), edito-

ras (produto) e governo (financiador), vemos que o livro se consti-

tuimuitomaisenquantoumamercadoriaquetomaráasformasque

omercadoprecisa e espera, comoafirmouBittencourt,doquepro-

priamenteumaproduçãocentradanoconhecimentopuroesimples.

Portanto, o livro/produto se configura como um bem simbó-

lico que adquire valor no mercado. Esse processo, de acor-

do com John Thompson (2007), pode ser explicado porque

[...]aoproduzirumbemsimbólicocomoumlivro,umaeditoraestá

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transformandoumaformasimbólicaemmercadoriaeoferecendo-aparatrocanomercado.Dependendodasvendasantecipadasdolivro,oeditor,geralmente,atribuiumcertovaloreconômicoàformasimbó-lica,umaatribuiçãoquepode,efrequentementeassimacontece,dife-rirdaatribuiçãodeoutros,taiscomoosautoreseosagentes(p.205).

A atribuição de valores aos livros didáticos se dá, con-

forme discorreu Thompson, no pacto de mercado entre edi-

tor e sua clientela. Em nosso caso, que estamos examinando es-

pecificamente os critérios de seleção dos livros didáticos de

História, distribuídos dentro do Plano Nacional do Livro Didá-

tico – PNLD,podemos afirmar que sedá entre editores e governo.

Tal fato ocorre porque os livros são apresentados às escolas

comopartedeumalistapreparadapeloMinistériodaEducaçãoea

SecretariadeEducaçãoBásica,naqualoslivrossãocategorizadose,

dessaforma,mesmosemumvalormonetárioconferidoaeles,osmes-

mossãovaloradosemsuasdescrições.OslivrosdidáticosnoPNLD

sãoapresentadosemformaderesenha,comodestacadonaintrodu-

çãodoGuiadeLivrosDidáticosPNLD2012,paraoEnsinoMédio:

OGuiadeLivrosDidáticosPNLD2012–HistóriafoielaboradocomoobjetivodeoauxiliarnaescolhadacoleçãoqueseráutilizadanasaulasdeHistórianospróximostrêsanos.Vocêencontraráresenhasdas obras didáticas aprovadas no processo de avaliação realizado combasenoscritériosestabelecidosno“EditaldeConvocaçãoparainscrição no processo de avaliação e seleção de obras didáticas para oProgramaNacionaldoLivroDidáticoPNLD2012–EnsinoMédio”(BRASIL,2012,p.07).

DeacordocomorelatodoGuia,oslivrosaseremescolhidospassa-

ramporumapréviaavaliaçãoparacomporalistagemdelivrosofertadosno

Guia,ouseja,aprópriaaprovaçãodolivronoeditaljáovaloraperanteos

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demaisquenãoareceberam.Essesistemaaomesmotempoemquepro-

põeauxiliaroprofessornoprocessodeescolhadoslivrosdidáticos,con-

siderandooenormemercadoeditorialdaárea,tambémserveparacon-

trolarosistemadecirculaçãodeconteúdosnassalasdeaulabrasileiras.

Além disso, dentro de um sistema de controle, podería-

mos ver nos livros didáticos, segundo Bittencourt (2011), “[...] seu

papel de instrumento de controle do ensino por parte dos diver-

sos agentes do poder” (p. 298). Isso porque, a partir do controle

dos livros a serem distribuídos, as instituições de poder podem li-

mitar, pelo menos em parte, as informações e conteúdos, em nos-

so caso, históricos, que chegam até os professores e salas de aula.

Assim,emtalsistema,CirceBittencourt(2010)chamouaaten-

çãoparaofatodequeo“[...]livrodidáticonavidaescolarpodeserode

instrumentodereproduçãodeideologiasedosaberoficialimpostopor

determinadossetoresdopoderepeloEstado”(p.73).Exatamentepor

análisescomoessa,podemosconcordarcomofatodequeoprocesso

deescolhadoslivrosdidáticosnãoéalgorotineiro,mas,umaquestão

política,aqual,comoaprópriaautoradiscorreu,é“[...]umpontoestra-

tégicoqueenvolveocomprometimentodoprofessoredacomunidade

escolarperanteaformaçãodoaluno”(BITTENCOURT,2011,p.298).

Portanto,aocompreendermosqueoslivrosdidáticossãoprodu-

tosdeumaculturadoconsumo,aomesmotempoemqueestãoinseri-

dosempolíticaseducacionaisdeEstado,percebemosque,comoalertou

aautora,oprocessodeseleçãodosmesmosdeveocorrerapartirdeum

engajamentodetodaacomunidadeescolarcomaqualidadedeensino.

NamesmadireçãodeBittencourt,afirmouTaniaReginadeLuca(2009),

[...]pode-seperguntar seaproduçãodidática tambémnãoconhe-ceuumprocessodeformaçãoquesupõeaarticulaçãodotripéau-tor-obra-público.Desaída,éprecisoreconhecerqueosespaçosde

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circulaçãodos livrosdidáticossão,pelomenosemtese,bemmaisespecíficosqueosliterários,equenelesoEstadodesempenhapapelessencial,poisédasuacompetênciadefiniroscontornosdoaparatoescolar,sobreoqualtemopoderdelegislar,formularpropostaspe-dagógicas,imporconteúdos,programascurricularesenormasparaosprofissionaisqueneleatuam.Eéjustamenteaexistênciadeumapolíticaeducacionalquecriaumpúblicocativo(osalunos),quede-mandalivrosespecíficos(escolares),quedevemserescritos(autores)eproduzidos(editores)deacordocomprogramaseobjetivospres-critosereconhecidoscomorelevantes(Estado)pelomenosporpartedasociedade(p.153).

AinfluênciadoEstadonaprópriaseleçãodoslivrosquecom-

põeoGuia,naperspectivadeLuca,demonstracomooslivrosdidáti-

cosestãocomprometidoscomumconjuntodedemandasabertaspor

programasoficiaise,dessaforma,longedeseremmerosinstrumen-

tosourecursospuramentedidáticos,massim,documentosrepletos

deideologias,sejamelasoficiaisounão.AindasegundoLuca(2009),

[...]caberia,portanto,perguntarsenãoseriapossíveldivisarafor-maçãodeuma sistemanoqualobrasquepassama serdefinidas,apreendidas e lidas como didáticas assumem uma função sociale, a exemploda literatura, tecemosfiosdeuma certa tradição.Adiferença,queestálongedeserpequena,ficariaporcontadaexis-tência de um novo elemento, o Estado, ator que concebe, regula-menta, controla emesmo institui o sistema educacionalmoderno,desde o início criado com a aspiração universalizante de abarcaro conjuntodapopulação.E semdiminuir a relevânciadessa açãonormatizadora e de seus efeitos, sempre tão destacados, trata--se de tentar dirigir o foco para o papel igualmente central que,no Brasil, o Executivo tem desempenhado ao se imiscuir de for-ma decisiva na realização do negócio venda, compra e distribui-ção de livros didáticos, aspecto nem sempre ressaltado (p. 154).

O Estado ao misturar-se no processo de comercialização

dos livros didáticos, como evidenciado por Luca, demonstenfáti-

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ca diferença entre a produção literária e a voltada para o merca-

do educacional. Essa diferença está pautada no conjunto de inte-

resses que envolvem a produção dos livros didáticos, os quais são

provenientes de aspirações sistematizadoras do próprio gover-

no, de mercado das editoras e educacionais dos autores. Portan-

to, segundo Bittencourt (2010) o livro didático como mercadoria

[...] sofre interferências variadas em seu processo de fa-bricação e comercialização. Em sua construção interfe-rem vários personagens, iniciando pela figura do edi-tor, passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processosgráficos,comoprogramadoresvisuaiseilustradores(p.71).

As interferências no processo de construção do livro di-

dático são resultado de aspectos que envolvem o próprio contex-

to no qual foi produzido, como as políticas educacionais oficiais,

as diretrizes educacionais, as leis editoriais, os preços e orienta-

ções mercadológicas e por que não acrescentar ainda os anseios

dos professores? Nessa direção, de acordo com Thompson (2007),

os indivíduos envolvidos na produção e recepção de for-mas simbólicas estão, geralmente, conscientes do fato deque elas podem ser submetidas a processos de valorização,e eles podem empregar estratégias voltadas para o aumen-to ou a diminuição do valor simbólico ou do econômico (p. 206).

O processo de valorização empregado no Guia do Li-

vro Didático, na perspectiva apontada por Thompson,

usa como estratégia as resenhas das coleções, como relata:

OresultadodessetrabalhoestáconfiguradonoconjuntodedezenoveresenhasquecompõemesteGuia,elaboradasparaexporaanálisede

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cadaumadasobras aprovadas e apontar suas características, seusaspectospositivoselimitações,afimdeoferecerelementosparaquevocêpossaverificaraadequação,ounão,dapropostadidático-peda-gógicaparaasuarealidadeescolar(BRASIL,2012,p.07).

As dezenove obras selecionadas para compor o Guia têm

seus pontos “positivos e limitações” indicados em suas resenhas,

ou seja, não são os docentes no processo de escolha que observam

tais características, mas o próprio Guia que as apresenta. De acor-

do com oGuia, as resenhas dos livros didáticos foramproduzidas

a partir de umdeterminado conjunto de critérios, como apresenta:

Asresenhasestãoestruturadasnosseguintesitens:Identificaçãodacoleção – nome da obra; código no PNLD 2012; autoria, editora ecapa;VisãoGeral–expõeaorganizaçãocurriculareascaracterísti-casqueidentificamesingularizamaobra;Descrição–forneceumadescriçãodaorganizaçãodosLivrosdoAluno,apontaonúmerodepáginasedescreveosconteúdosdisponíveisemcadavolume;Análi-se – apresenta a avaliação da obra segundo os critérios relacionados aoManualdoProfessor,MetodologiadaHistória,Metodologiadoensino-aprendizagem, Cidadania; História da África, dos afrodes-cendentesedosindígenas;ProjetoGráfico;Emsaladeaula–destacaaspossibilidadesecuidadosnousodacoleçãonasaulasdeHistória(BRASIL,2012,p.07).

Como podemos ver, no processo de seleção dos li-

vros didáticos aprovados para compor o Guia, os crité-

rios são bem definidos, pois somente os livros que apresenta-

rem as características citadas acima serão incluídos no manual.

[...]parasubsidiaraleituradasresenhas,foielaboradoumtextosobreaavaliaçãodoslivrosdidáticosdeHistória,emquesedestacamoscritériosdeavaliaçãoeasetapasquepautaramotrabalho;delineia-se

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umpanoramadascoleçõesaprovadase,nointuitodecontribuirparaa identificaçãododesempenhodascoleçõesemrelaçãoaosprinci-paiscritériosespecificadosnoEdital,apresenta-seumquadrosíntesedoconjuntodascoleções.AofinaldoGuiaencontra-seanexaaFichadeAvaliaçãodoPNLD2012-ÁreadeHistória,quepoderáseradap-tada para o uso do coletivo de professores da sua escola, caso deci-damrealizarumaanáliseprópriadascoleções(BRASIL,2012,p.08).

NoGuiaaindaestáescrito,Todasasespecificaçõessãoenten-

didascomoválidasparaauxiliaroprofessornoprocessodeescolha

doslivrosdidáticosqueserãoutilizadosemsuaescola.Dessaforma,

vemos, queo livrodidático,mesmo semumvalormonetário apre-

sentado aos professores, pois quem o custeia é o próprio governo,

possui umvalor simbólico apresentadonas resenhasdescritivasdo

Guia, expresso pelos pontos positivos e/ou limitações, os quais po-

deminfluirdiretamentenaescolhaaserrealizadapelosprofessores

noprocessodeseleçãodoslivrosdidáticos.Novamente,olivrocomo

produto/mercadoriaadquirevalordeacordocomonúmerodepontos

positivosdestacadosnoGuia.Sendoassim,podemosconcordarcom

AnaMariaMonteiro(2009),quandoafirmaquenoslivrosdidáticosos

[...]discursosoficiaisenãooficiaissãohibridizados,entreeles:orien-taçõesdediretrizescurricularesoficiais,outraspresentesnosexamesvestibulares e tradições sedimentadas sobre conteúdos indispensá-veis,bemcomoformasdeorganizaçãocurricular,muitasvezesre-produzidasdemodonaturalizadopelosprofessoresnocotidianodesuasaulas(p.176).

Ohibridismo,característicodaproduçãodoslivrosdidáticos,

comodemonstradoporMonteiro,apontaparaofatodequeestesnão

podemsersomentecompreendidoscomomerosprodutoscomerciais,

poisessaéapenasumadassuasfaces,mastambémcomoprodutosquede

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formadialéticaimbricamnecessidades,interessesevisãopedagógica.

Nessaperspectiva, o livrodidático, seja eledeHistória, foco

denossoestudo,ounão,apresenta trêsesferas:aprimeiraédetra-

dutor dos conhecimentos acadêmicos para uma linguagem pró-

priadosaberescolar,ouseja, eledetéme sistematizaos conteúdos

a seremensinadosna saladeaula; a segundaesfera reflete seupa-

pelpedagógico,pois apresentauma sériede técnicas emétodosde

ensino-aprendizagemcomo sugestãode aplicaçãoparaoprofessor,

apresentando formaspossíveisde comooconteúdoqueeleoferece

deveria ser ensinado e, por fim, segundo afirmouCirceBittencourt

(2010), “[...] o livro didático é um importante veículo portador de

um sistemade valores, de uma ideologia, de uma cultura” (p. 72).

A ideologia, assim comoo sistemade valoresdedetermina-

da cultura, enfatizados por Bittencourt, não são apenas pensados

porgrupossociaisespecíficos,maspormatrizesdepensamentopró-

priasdecada tempoesociedade.ComoafirmouMarcFerro (1983),

“[...]emcadapaíspermaneceumamatrizdaHistória,eessamatriz

dominantemarca a consciência coletivade cada sociedade” (p. 13).

Essa matriz da História, própria de cada sociedade, des-

tacada pelo autor, é o que contribui para a seleção de conteú-

dos considerados indispensáveis no ensino de História em detri-

mento de outros. Isso porque os sujeitos, tanto autores, quanto

professores estão inseridos dentro de uma conjuntura de tradi-

ções de pensamento que transcendem o momento vivido e re-

mentem a cultura e a consciência coletiva de cada sociedade.Ain-

da segundo Ferro (1983), são essas tradições de pensamento que

[...]emlugardaseras,manipulaosseusrespectivosmodosdepro-dução,vergandoahistóriainteiraaosabordeperiodizaçõestãofir-

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mementeestabelecidasquantoasestatísticasdosregimesqueascon-trolam(p.290).

Adialéticaqueseestabeleceentreoqueéaceitávelnoensino

deHistória,deacordocomacultura,eoquedeveserensinado,de-

monstraafaltadecontroleabsolutodequaisquerunsdosenvolvidos

noprocessodeproduçãodoslivrosdidáticos,oquenãoinvalidaofato

quetantoautores,quantoeditores,públicoconsumidoregovernosão

partícipesnessaprodução.Afinal,comobemargumentouBittencourt

(2010),“éimportantedestacarqueolivrodidáticocomoobjetodaindús-

triaculturalimpõeumaformadeleituraorganizadaporprofissionais

enãoexatamentepeloautor”(p.71).Aomesmotempoemqueorga-

nizaaleitura,tambéméorganizadopeloqueentendemoscomoacei-

tável,ouseja,peloqueéverossimilhanteemcadatempoesociedade.

Entretanto,éinteressantepercebermoscomooGuiadelegaao

livrodidáticoa responsabilidadeporumensinodeHistóriaparaa

cidadaniaeparaaconstruçãodeumsujeitocríticoreflexivoeexclui

o papel central do professor nesse processo. Ao docente é apenas de-

legadaa funçãode escolhado livrodidático epara issooGuia foi

construído,paraqueessaseleçãosejabemsucedida.Écomosefosse

possívelselecionarumlivrocapazderesolverosproblemasedefici-

ênciasdasestruturasdeensino,comoafirmouBittencourt(2011),“[...]

umlivrodidáticoideal,umaobracapazdesolucionartodosospro-

blemasdoensino,umsubstitutodotrabalhodoprofessor”(p.300).

Nessa dialética estabelecida entre a qualidade de ensino e

dos recursos didáticos utilizados pelos docentes, devemos anali-

sar que o livro didático possui seus próprios limites pedagógicos,

pois como já discorremos é um produto imerso em contextos de

elaboração de difícil definição e complexo. De acordo com o Guia

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[...] os dezoito critérios específicos que devem ser observados nasobrasdeHistóriarelacionam-secomessespressupostoseobjetivos:asobrasdidáticasdevemcontribuirnãosóparaaapropriaçãodoco-nhecimentohistórico,abordadocomoumaconstruçãosocialehisto-ricamenteproduzida,mastambémparaacompreensãodosproces-sosdeescritadaHistória,afimdepossibilitarqueosjovensatribuamsentidosaoestudodaHistória,relacionadostantocomaanálisedediferentessociedadesaolongodotempoquantocomapercepçãodahistoricidadedesuaspráticassociaisecomareflexãocríticasobreasociedadecontemporânea(BRASIL,2012,p.10).

Dentro dos dezoito critérios apontados no Guia, o papel de con-

tribuiçãoparaaapropriaçãodeumconhecimentohistóricoengajado

comareflexãosocial,assimcomocomodesenvolvimentodashabili-

dadesecompetênciasdeanálisedosprocessoshistóricosereflexãocrí-

ticadopresentesãoapresentadoscomotarefadolivrodidático,como

seomesmofossecapazsozinhodepossibilitarumensinodeHistória

diferenciado.Como formadedemonstraçãovisual dodesempenho

dos livros didáticos dentro da análise a partir dos critérios estabele-

cidospeloPNLD,oGuiaapresentaumquadrosíntese,comosegue:

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Figura2:BRASIL.MinistériodaEducação.Guiadelivrosdidáticos:PNLD2012:História,2012,p.23.

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Conforme apresentado no quadro síntese do desempe-

nho dos livros didáticos dentro do sistema de análise empre-

gado pelo PNLD, alguns livros apresentam qualidades aci-

ma das mínimas exigidas, o que poderia, ao nosso entender,

influenciar no processo de escolha do qual o professor é o agente.

Entre2010e2012,vivemosacampanhadoPNLD,EnsinoFunda-

mentaleMédio,ouseja,períodoemqueosprofessoresdetodooBrasil

entramnaplataformadoMECparaescolherostítulosdoslivrosdidá-

ticosqueserãorecebidosporsuaescolae,porconsequência,utilizados

nassalasdeaula.Aoanalisarmosoprincipaldocumentoquedelineiao

processodeescolhadoslivrosdidáticosporpartedosprofessores,ob-

servamoscertodirecionamentoparaalgunstítulosmelhorqualificados

dentrodasanálisesapresentadaspeloGuia.Dessaforma,oGuiaseria

uminstrumentonãoapenasdeauxílioparaosdocentesdaEducação

Básica,mastambémdeinfluênciadiretaemseuscritériosdeescolha.

Nesseínterim,percebemosqueoprofessordeHistóriaemmeio

aoexpostoécolocadoemumaposiçãomarginaleo livroassumeo

centrodadiscussão.Noentanto,sefaznecessárioquenosmomentos

finaisdessetexto,destaquemosquenoprocessodeensino-aprendiza-

gemolivrodidáticopodeseruminstrumentocontributivo,desdeque

oeducadoropercebacomoumprodutodasociedadedeconsumoe,

dessamaneira,outilizedentrodeseuslimitesapenascomoumrecur-

soenãocomoummeiopeloqualoensino-aprendizagemserealiza.

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AHistóriadolivrodidáticoseinscrevedentrodeoutratrajetó-

riamaisampla,queéaprópriaHistóriadolivro,marcadapelaaçãode

Güttembergesuaprensa,poisestepermitiuumaproduçãodelivros

emmaiorescalaemenorcusto.Olivro,nesseprocesso,deixoudeser

umapropriedadedevalorpararepresentarumstatussociale,paula-

tinamente,adquirirumpapelcentralnosprocessosdeensino/apren-

dizagemnalógicadeumaeducaçãohumanistae,depois,iluminista.

Em meio a essa transformação do papel do livro, surgiu o que

hoje chamamos de livro didático ou manual escolar, o qual, na

escola, tornou-se não apenas o recurso didático central do pro-

fessor, mas também apoio para construção do planejamen-

to e do currículo escolar. De acordo com Alain Choppin (2004),

O ENSINO DE HISTÓRIA E A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS

QUE REGULAMENTAM OS LIVROS DIDÁTICOS

Quando nos referimosa outros materiais,pensamos em recur-sos como internet, li-vros que possibilitemo aprofundamento dosconhecimentos sobreos conteúdos escola-res, vídeos e outros.

aconcepçãodeumlivrodidáticoinscreve-seemumambientepeda-gógicoespecíficoeemumcontextoreguladorque,juntamentecomodesenvolvimentodossistemasnacionaisouregionais,é,namaioriadasvezescaracterísticodasproduçõesescolares[...](p.554).

As fronteiras entre as práticas pedagógicas e os contex-

tos regulares poderiam estar distantes, entretanto, conforme

analisou o autor, quando se trata de livros didáticos, não exis-

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te tal fronteira. Isso porque as práticas pedagógicas são regu-

ladas por contextos específicos e, nesse caso, os livros didáti-

cos são um fundamental instrumento das políticas educacionais,

especialmente no Brasil, como analisaremos no presente texto.

Ao olharmos para aHistória do livro didático no Brasil, ve-

remos que a ampladistribuiçãodestes, tanto no ensino fundamen-

talquantonomédio,égarantidaporumapolíticagovernamentalde

educação,aqualatualmenteseefetivanoBrasilpeloProgramaNa-

cional do LivroDidático.A trajetória das políticas voltadas para a

avaliação, regulaçãoedistribuiçãodos livrosdidáticosnoBrasil foi

marcadapor trêsmomentosespecíficosdaHistórianacional.Opri-

meiro, aindano séculoXIX,ocorreucoma criaçãodaComissãode

Instrução Pública, responsável por elaborar projetos de lei que, de

acordo comSouza (2000), visassem“amelhororganizaçãopedagó-

gicaparaaescolaprimária”(p.10).AComissãoapesardocurtotem-

podeexistência,cercadeseismeses,propunha-seaserinstrumento

de promoção dos fundamentos da nacionalidade brasileira através

da educação. Um segundo momento, no século XX, foi marcado

pelacriaçãodetrêscomissões,comoapontouTâniaReginadeLuca:

aComissãoNacionaldoLivro Infantil (1936), aComissãoNacional

doEnsinoPrimário(1938)eaComissãoNacionaldoLivroDidático

(1938).EstasforamcriadasnagestãodoMinistroGustavoCapanema

emmeioaimplantaçãodoEstadoNovonoBrasil.Porfim,otercei-

romomentoaconteceucomacriação,em1985,nofinaldoGoverno

Militar,doProgramaNacionaldoLivroDidático,ochamadoPNLD.

Dentre os trêsmomentos apontados, o que nos interessa em

nossa análise é o processo de transição das políticas de avaliação, re-

gulaçãoedistribuiçãodoslivrosdidáticosentreaComissãoNacional

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doLivroDidáticoeoPNLD.Issoporqueambososórgãosatuarame

atuampormeiodoestabelecimentodediretrizesparaaprópriaelabo-

raçãodoslivrosdidáticos.Alémdisso,poisinfluírameaindainfluem,

nocasodoPNLD,nasformascomooconhecimentodasdisciplinas

escolareséapresentado.Ademais,e,sobretudo,porquetantoaComis-

sãoNacionalquantooPNLD,atravésdafunçãoavaliativaeregulado-

ra,determinaramedeterminamquaismanuaisescolarespoderãoser

distribuídose,assim,utilizadospelasinstituiçõesdeensinopúblicas.

Nessas duas situações vemos a presença do governo e de

suas políticas não apenas nas diretrizes educacionais, mas tam-

bém no próprio processo de ensino-aprendizagem exercido den-

trodas salasdeaula.Aindaque, comodiscorreuKazumiMunaka-

ta (2009), os professores ainda sejam capazes de ministrar ótimas

aulasapartirdepéssimoslivros,olivrodidáticoéseuprincipalre-

cursoemsalae,portanto,muitasvezesumlimitadordesuasações

educativas e reflexivas. Nesse sentido, afirmou Munakata (2009);

OpróprioPNLDlamentaqueosprofessoresadotamsistematicamen-teoslivrosmalavaliados[…]simplesmenteignoramoGuiadeLi-vrosDidáticos,nãoporacharemdifíceisasresenhas–comoavaliouumdocumentodoPNLD,esimporquepreferemfazersuasescolhas‘comolivronamão’(p.144).

Uma possível questão que se abre a partir da afirmação de

que seria “lamentável” professores escolherem para utilização em

suas salasde aula livros “mal” avaliados é: Para quemesses livros

forammal avaliados? Por mais que saibamos que o PNLD possui

uma comissão de especialistas nas áreas de ensino os quais atuam

diretamente na avaliação dos manuais escolares inscritos no edi-

tal em vigor, também é necessário considerarmos que os docentes

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no Brasil possuem realidades diferentes em suas salas de aula. Es-

tas realidades dizem respeito, por exemplo, a especificidades re-

gionais, adificuldades locaisde estrutura e recursospúblicos espe-

cíficos e outras tantas diversidades, as quais os avaliadoresmuitas

vezes desconhecem e não preveem em suas tabelas avaliativas.

Sendo assim, a “má” avaliação de alguns manuais não sig-

nifica diretamente que estes não apresentam possibilidades de

“boa” utilização em diferentes realidades. Além desse ponto, ain-

da podemos considerar que, mesmo dentro de um espaço reflexi-

vo de liberdade intelectual dos professores que optam por igno-

rar as indicaçõesdoGuia, comoapontoua autora, aindaassim,no

universo editorial dos livros didáticos, as diretrizes instituídas pelo

PNLD influem na elaboração desses livros, sejam eles os melho-

res avaliados ou não. Dessa forma, no presente texto analisaremos

o papel histórico desses dois órgãos no processo de seleção e dis-

tribuição dos livros didáticos para as escolas públicas no Brasil.

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O ensino de História e a Comissão Nacional do Livro

Didático

Dentro do processo de criação de um órgão responsável

pela regulação, avaliação e circulação de livros didáticos, pode-

mos inferir que o ensino deHistória fora um alvo para ser censu-

rado, pois é nele que encontramos um espaço relativamente am-

plo de possibilidades de crítica social e política. Além disso, mais

do que simplesmente o ensino de História, os livros didáticos fo-

ram, desde os anos de 1930, produtos centrais dentro das políti-

cas educacionais. Conforme discorreu Ana Maria Monteiro (2009),

Considerando o caso brasileiro, verifica-se que o entendimento daimportânciaestratégicado livrodidáticonaspolíticaseducacionaisremontaàdécadade1930,duranteoEstadoNovo,quandofoiinsti-tuída,peloDecreto-Lein1.006,de30dedezembrode1938,aComis-sãoNacional doLivroDidático (CNLD), estabelecendo a primeirapolítica de legislação e controle de produção e circulação do livro di-dáticonopaís(p.180).

MonteirodestacounessacitaçãoqueforaapartirdoDecreto-Lei

n1.006dedezembrode1938,oqualdeterminouacriaçãodaComissão

NacionaldoLivroDidático(CNLD),queoslivrosdidáticossetornaram

noBrasilprodutosderegulaçãoecontroledoEstado,ouseja,essafoia

primeirapolíticavoltadaparaocontroledaproduçãodosmanuaises-

colares. Essa característica deu a CNLD o papel de criadora ou consti-

tuidoradeumanovaculturaeditorialnoBrasil,reguladapordiretrizes

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propostaspeloEstado.Aindadeacordocomaautora,aCNLDfoifruto

dapreocupaçãodoMinistériodaEducaçãoeSaúdecomaformaçãoda

nacionalidadebrasileiraeparaisso“[...]buscavacontrolaromaterial

aserutilizadopelosalunosnasescolas”(MONTEIRO,2009,p.180).

Dessaforma,quandoanalisamosopapeldacriaçãodaComissão

NacionaldoLivroDidáticoem1938,buscamosperceberdequemodo

essa instituição atuou como limitadora e reguladorados conteúdos

veiculadosnoslivrosdidáticos,especificamenteosdeHistória.Des-

saforma,procuramosentenderdequemaneiracontribuiuparauma

profundamudançanomercadoeditorialbrasileirodelivrosdidáticos.

De acordo com Tânia Regina de Luca (2009), cabia a essa

Comissão o papel de executar “[...] à análise dos materiais didá-

ticos submetidos pelos autores e editores, elaborar uma relação

oficial para servir de orientação à escolha dos professores de es-

colas públicas ou privadas, além de estimular e orientar a produ-

ção de livros didáticos [...]” (p. 167). Entre as funções da CNLD

não consta a produçãodosmanuais escolares,mas, comodemons-

trou a autora, seu papel era centrado na regulação e autorização

dos livrosquepoderiamounãoserutilizadosnasescolaspúblicas.

Assim,apesardenãoinstituirummanualúnicoparatodasas

escolas,aComissãoacabouconstituindoumconjuntodediretrizesque

orientavamaproduçãodoslivrosdidáticos.Issoporque,seumautore

editoraqueriamterseuprodutoautorizado,precisavamseguirasorien-

taçõesediretrizespropostaspelaComissão.Afinal,segundoLuca(2009),

esta“[...]limitavaouniversodeopções,namedidaemqueaseleção

deveriaserfeitaapartirdalistaoficial,sobaresponsabilidadedeespe-

cialistasnomeadospelaatarefapelopresidentedaRepública”(p.167).

Essalistaoficialcontinhaasindicaçõesdoslivrosaprovadosparauti-

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lizaçãonas escolas públicas e, consequentemente, os quenão apre-

sentassemqualquer crítica ao regime político vigente no país.Ain-

dadeacordocomaautora,aComissãoNacionaldoLivroDidático

tinha a preocupação de “[...] centralizar as decisões, conduzir uma

políticaunificadaparatodoopaíseintervirnaprodução,comade-

limitação de diretrizes gerais que puniam qualquer crítica ao regi-

mepolíticoemvigoreaochefedanação[...]”(LUCA,2009,p.167).

Esse último caráter da Comissão revela a face da censu-

ra exercida pela Comissão aos conteúdos apresentados nos manu-

aisescolaresavaliados.Entretanto,nãodemonstraapenas isso,mas

também os instrumentos utilizados ainda no governo Vargas, os

quais paulatinamente serviram para uniformizar a produção dos

livros didáticos e, aindamais, ofertaram as diretrizes a fimde ela-

borar um padrão para a apresentação dosmanuais escolares. Esse

padrão constituído dentro de um processo histórico relativamen-

telongosematerializounaprópriadivisãodosconteúdosdeHistó-

ria,focodopresenteestudo,deformaquadripartite,aqualnãotem

sido discutida no âmbito da produção dos livros didáticos nos de-

batesdoensinodeHistóriadeformaenfáticaouproblematizadora.

Nessaperspectiva,acriaçãodessaComissãofoiacompanhada

dereformasdeensino,comoasimplementadasporFranciscoCampos

eGustavoCapanemaentreosanosde1931e1942.Nessas,vemoso

modeloquadripartitedoensinodeHistória“francês”reafirmadono

Brasil.ComodiscorreuSelvaGuimarãesFonseca(2010),aHistóriaera

divididaentreconhecimentosdeHistóriaUniversaledoBrasil“[...]di-

vididaemduasséries,oprimeiroconjuntocompreendendoaHistória

doBrasilatéaIndependênciaeosegundocompreendendoaHistória

doBrasildo1ºReinadoatéaquelemomento,oEstadoNovo”(p.49).

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AadoçãodessemodelodeensinodeHistóriapelapolíticaedu-

cacional,defendidadentrodosministériosdeCamposeCapanema,

demonstraaintençãoderegulaçãodosconteúdosensinadosnases-

colasnacionais,nãoapenasparaorganização,mascomumafunção

política definida. Segundo Jean Chesneaux (1976), a organização e

divisãodos conteúdosdeHistória,naperspectivaquadripartite,no

final do século XIX e primeirametade do XX, apresenta uma fun-

çãopolítico-ideológicabemfundamentada.Emdireçãoaoafirmado

peloautor,Fonseca (2010)explicouque,nosconteúdosdeHistória:

Em uma perspectiva europeia, ainda centrada na ideolo-

NocasodaIdadeAntiga,destaca-seaantiguidadegreco-romanaeseusvaloresculturaiscomobasedaculturaburguesaeuropeia.Noperíodomedieval,salienta-seaIdadeMédiacristã,exaltandoosva-loresdacivilizaçãocristã.Operíodomoderno,[...],representaapre-tensãodaburguesiadecompletarahistória,controlando,emnomedamodernidade,ofuturodahumanidade.AIdadeContemporâneaapresentaodomíniodoOcidentesobreomundo,atravésdaelabo-raçãodeumquadrocoerenteeglobaldomundo.NosséculosXIXeXX,ospaíses industrializados,“civilizados”, tornam-seos“guiasnaturaisdahistóriaafricana,asiáticaouamericana”(p.50).

gia civilizatória defendida no processo de neocolonialismo do sé-

culo XIX, o ensino deHistória colocava os colonizadores europeus

emumpapeldedestaquenoprocessodedesenvolvimentodoBra-

sil enquanto parte do continente americano e, principalmente, em

industrialização nas primeiras décadas do século XX. Em um con-

textopósPrimeiraGuerraMundial,esse tipodeensinodeHistória

justificava e legitimava o papel dos países vencedores enquanto ci-

vilizadores. Esse modelo de ensino da História influenciou toda a

produção,nãoapenasnassalasdeaula,mastambémnaspesquisas.

DeacordocomFonseca,apartirdoanode1939,astesesdefen-

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didasnaUniversidadedeSãoPauloapresentaramumacentralidade

naspesquisasvoltadasparaquestõeseestruturasdaHistóriaquadri-

partite. Issocontribuiuparaqueessadivisãodosconteúdoshistóri-

cosseenraizassedetalformanoensinodeHistóriaque,atéhoje,é

consideradamodelobásicodoensinofundamental,médioesuperior.

Portanto,vemosqueaaspolíticaseducacionais,oslivrosdidáticose

asperspectivasdoensinodeHistóriaestãointimamenteligadoseque,

paracompreenderasnossasatuaisformasdeensinodosconhecimen-

toshistóricos,precisamosantesanalisarcomoseestruturaramessas

diretrizes reguladoras da produção e distribuição dos livros didáticos.

Nessa perspectiva, dentre os 40 artigos que compunham

o Decreto-lei 1.006, vemos a seguinte indicação: “[...]a partir de 1

de janeiro de 1940, livros sem autorização do ministério não po-

deriam ser utilizados nas escolas pré-primárias, primárias, nor-

mais, profissionais e secundárias de toda a República” (LUCA,

2009, p. 167). Essa determinação do decreto deu início a um pro-

cesso de normatização da produção dos livros didáticos no Brasil.

Para a composição da Comissão Nacional do Livro Didáti-

co, foram escolhidos intelectuais, professores, padres e militares,

conforme afirmou Ferreira, “A CNLD foi composta por um gru-

po de intelectuais, escolhidos por Gustavo Capanema, não de for-

ma aleatória, mas organizada de acordo com as possibilidades do

Ministério” (FERREIRA,2008,p. 16).Essaescolhacontoucomuma

diretriz veiculada no Decreto-lei 1.006/38, no qual constava que

Apesar do decreto não permitir qualquer ligação entre seus

A Comissão deveria ser integrada por sete membros, designa-dos pelo Presidente da República, escolhidos dentre ‘pessoasde notório preparo pedagógico e reconhecimento moral’ (De-creto-Lei n° 1.006/38), divididos em especializações: duas es-

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pecializadas em metodologia das línguas, três em metodologiadas ciências e duas em metodologia das técnicas. Os membrosda comissão não poderiam ter nenhuma ligação de caráter co-mercial com qualquer casa editorial (FILGUEIRAS, 2008, p. 02).

membros e a publicação de obras, havia certo relaxamento da lei,

pois, emalgumas situações ,os livrosde autoria total ouparcialde

algumcomponentedaComissãopoderiamsersubmetidosaominis-

tro e ao Presidente da República e, se autorizados, posteriormente

apresentados à Comissão.Aqui podemos considerar que os nomes

escolhidosparacomporogrupodeavaliadoresdeveriamapresentar

alinhamentocomogovernoeaspolíticaseducacionaisdeste.Sendo

assim, estabelecia-seumaaproximação e, aomesmo tempoumafi-

namento, entre avaliadores, editores e autores de livros didáticos.

Tânia Regina de Luca (2009) afirma que “as relações com o

Catete eramcuidadosamentenutridas, como ilustra ohábitode re-

meter livros para Getúlio Vargas e sua filha, Alzira, devidamente

acompanhadosde‘bilhetesgentis’”(p.170).Essehábito,instituídoa

partirdaimplementaçãodosprocessosdeavaliaçãoeregulaçãodos

manuais escolares através da CNLD, demonstra como se estabele-

ceuum sistemadialético entre as diretrizesdo governo e a produ-

çãodenovoslivrosdidáticos.Afinal,aoinstituirumalistadelivros

autorizados e ainda divulgar osmotivos das reprovações dos títu-

losnãoautorizados,aCNLD“[...]detalhavaoprocessodeautoriza-

çãoeosmotivosquejustificavamoseuveto”(LUCA,2009,p.167)e

fornecia as basesnormatizadorasdaproduçãodosmanuais escola-

res.Essamedidaaproximouoseditoreseautoresdaspolíticasedu-

cacionaisdogovernoecerceou,de formadireta,aproduçãoecria-

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ção dos livros didáticos. Isso porque, de acordo com Luca (2009),

[...]acriaçãodacomissãonãofoiumatoisolado,antessearticulavaaumconjuntodemudançasnocampoeducacional,iniciadasjáem1931comachamadaReformaFranciscoCampos,queestabeleceunovasba-sesparaosistemadeensinodopaíscomoumtodo,equetevecontinui-dadecomaLeiOrgânicadoEnsinoSecundário,de1942(p.167-168).

Comoapontouaautora,asnormasinstituídaspelaComissão

NacionaldoLivroDidáticoestavamarticuladasdiretamenteàvisão

políticadoEstadoNovoparaaeducaçãoe,portanto,vincularam-seàs

diretrizesimplementadasnasequência.NaLeiOrgânicadoEnsinoSe-

cundário4.244de1942,citadaacima,encontramos,nosincisosdoartigo

24,asdiretrizesparaoensinodeHistóriaeGeografiaeadeterminação

dequenestassejamensinadosconteúdosprópriosdemoralecívica:

§1ºParaa formaçãodaconsciênciapatriótica, serãocomfre-qüênciautilizadososestudoshistóricosegeográficos,devendo,noensinodehistóriageraledegeografiageral,serpostasemevidênciaascorrelaçõesdeumaeoutra,respectivamente,comahistóriadoBrasileageografiadoBrasil.§ 2º Incluir-se-ánosprogramasdehistóriadoBrasil edege-ografiadoBrasildos cursos clássico e científicoo estudodosproblemasvitaisdopaís.§3ºFormar-se-áaconsciênciapatrióticademodoespecialpelafielexecuçãodoserviçocívicoprópriodoJuventudeBrasileira,naconformidadedesuasprescrições.§4ºApráticadocantoorfeônicodasentidopatrióticoéobriga-tórianosestabelecimentosdeensinosecundárioparatodososalunosdeprimeiroedesegundociclo(LeiOrgânicadoEnsinoSecundário4.244de1942).

NoensinodeHistóriaeGeografia,seriamtrabalhadososconte-

údosdeformaapropor:odesenvolvimentodeuma“consciênciapa-

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triótica”,apercepçãodosproblemasbrasileirose,comoregistradono

inciso3º,aformaçãodajuventudeparaoserviçocívico.Essetipode

ensinodestasdisciplinasapresentavaumforteviésideológico,dirigi-

doporumapropagandavoltadaparaoapoioealegitimaçãodoEstado

Novo.Comovemosnacitação,ofocodeensinoserianodesenvolvi-

mentodeumaeducaçãopatriótica,ouseja,osmanuaisquenãoseguis-

semessaorientaçãoseriamdescartadosouvetadosdalistagemoficial

delivrosautorizadosparautilizaçãonoensinopúblico.Nessamesma

direção,afirmouBomeny(1999)queoobjetivodasreformaseduca-

cionais implementadaspeloMinistériodaEducaçãoeSaúdedentro

doEstadoNovoerainstituirumapolíticaparaaeducaçãocapazde:

Formarum“homemnovo”paraumEstadoNovo,conformarmenta-lidadesecriarosentimentodebrasilidade,fortaleceraidentidadedotrabalhador,ouporoutraforjarumaidentidadepositivanotrabalha-dorbrasileiro,tudoissofaziapartedeumgrandeempreendimentoculturalepolíticoparaosucessodoqualcontava-seestrategicamen-tecomaeducaçãoporsuacapacidadeuniversalmentereconhecidadesocializarosindivíduosnosvaloresqueassociedades,atravésdeseussegmentosorganizados,queremverinternalizados(p.139).

Na perspectiva apresentada pela autora, a política educacional

instituídapeloEstadoNovoeachamadaReformaCapanematinham

porfocolegitimaravisãodoEstadoatravésdeumensinoquefossecapaz

deforjarumanovaidentidadenacional,centradanaimagemdotraba-

lhadorpatriótico.Dessaforma,pormeiodaeducação,osideaisdonovo

regimeseriampropagados,comoafirmouRitadeCássiaFerreira(2008).

A política cultural elaborada pelo Estado Novo e coordenada, princi-palmente,peloMinistériodeEducaçãoeSaúde,obteve,sobadireçãodeGustavoCapanema(1934-1945),umamploespaçoparapropa-

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Assim, o objetivo da política cultural doMinistério da Edu-

cação e Saúde era forjar as bases ideológicas para a construção de

uma nova nação. Para tanto, era preciso fomentar uma política ca-

pazde,segundoFerreira,uniformizar,dentrodos limitespossíveis,

o ensino brasileiro. Esta teria o objetivo de padronizar comporta-

mentos, atividades e interesses da juventude brasileira. O conheci-

mentodo idioma,noçõesbásicasdeGeografiaeHistóriadaPátria,

arte popular e folclore, formação cívica, moral e a consciência do

bem coletivo sobreposto ao individual seriam a base da formação

docidadãopolítico. (FERREIRA,2008,p.22)Entretanto,apadroni-

zaçãodecomportamentosdos jovensatravésdoensinoexigiamais

doqueumapropostadepolíticacultural,demandavaumanovaes-

trutura administrativa do próprioMinistério de Educação e Saúde.

Este foi estruturado de forma a centralizar os processos de avalia-

çãoecontroledoslivrosdidáticos,deacordocomográficoaseguir:

gaçãodosideaisdoregime,tendonaeducaçãoumadasprincipaisestratégiasdeviabilizaçãodaconstruçãodoEstadoNacional(p.22).

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Figura3:FERREIRA,RitadeCássiaCunha.AComissãoNacionaldoLivro Didático durante o

EstadoNovo(1937-1945).Assis:UNESP,2008,pg.34.

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Comovemosnográfico,aComissãodoLivroDidáticoestava

dentrodasComissõesNacionais,aoladodadoEnsinoPrimário,en-

quantodepartamentoemseparadonoMinistério.Estaestruturarevela

que,mesmoconsiderandooquantoerampoucoágeisasanáliseseinter-

vençõesdaComissãoNacionaldoLivroDidático,comoapontouTânia

Regina de Luca, a avaliação e regulação da utilização dos livros didáticos

nasescolaseraumassuntodefundamentalpreocupaçãodoMinistério.

A partir da Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942,

queficou emvigência até a instituiçãodaLDB - LeisdeDiretrizes

eBases em1961, edaprópriaComissãoNacionaldoLivroDidáti-

co, o governo conseguiu interferir diretamente na educação e nas

formas de ensino, principalmente no ensino de História. Essa in-

terferência se dava diretamente, não na produção, mas por meio

da censura, das diretrizes indicadas para a produção dos livros di-

dáticos e ainda mais, a partir da orientação para reformulação

dos manuais avaliados, pois segundo Juliana Miranda Filgueiras,

Deacordocomodecreto-lein°1.006/38,aCNLDpoderiaindicarmo-dificaçõesaseremfeitasnostextosdoslivrosexaminados,paraquefossepossívelsuaautorização.AobradepoisdemodificadadeveriasernovamentesubmetidaaexamedaCNLD,paradecisãofinal.Oslivrosdidáticosautorizadosreceberiamumnúmeroderegistro,quedeveriaaparecernacapa,juntamentecomafrase:“livrodeusoauto-rizado pelo Ministério da Educação”. A reedição de livros didáticos autorizados,quenãopossuíssemgrandesalterações,nãoprecisavapassarpornovaavaliação,masareediçãodeveriasercomunicadaàCNLD.EmjaneirodecadaanooMinistériodaEducaçãodivulgarianodiáriooficialarelaçãodosmanuaisdeusoautorizado(FILGUEI-RAS,2008,p.02).

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AComissãotinhaopoderdeapontaralteraçõesdosconteúdos

dos livros avaliados e indicar sua liberação para publicação e veiculação

condicionadaànovaapresentaçãoaosavaliadores.Somentelivrosque

tivessempoucasalteraçõessugeridaspoderiamreceberonúmerodere-

gistroeafrase“LivrodeusoautorizadopeloMinistériodaEducação”

sempassarpornovaavaliaçãodaComissão.Asdiretrizesutilizadaspela

Comissãoparaavaliaçãodosmanuaissubmetidosparaanálise,con-

formeFilgueiras,eramdivididosemduaspartes.Naprimeira,vemos:

Art.20.Nãopoderáserautorizadoousodolivrodidático:a)queatente,dequalquerforma,contraaunidade,aindepen-dênciaouahonranacional;b)quecontenha,demodoexplícito,ouimplícito,pregaçãoide-ológicaouindicaçãodaviolênciacontraoregimepolíticoado-tado pela Nação;c)queenvolvaqualquerofensaaoChefedaNação,ouàsauto-ridadesconstituídas,aoExército,àMarinha,ouàsdemaisinsti-tuições nacionais;d) que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tentedeslustrarasfigurasdosquesebateramousesacrificarampelapátria;e)queencerrequalquerafirmaçãoou sugestão,que induzaopessimismoquantoaopodereaodestinodaraçabrasileira;f)queinspireosentimentodasuperioridadeouinferioridadedohomemdeumaregiãodopaís,comrelaçãoaodasdemaisregiões;g)queinciteódiocontraasraçaseasnaçõesestrangeiras;h)quedesperteoualimenteaoposiçãoealutaentreasclassessociais;i)queprocurenegaroudestruirosentimentoreligioso,ouenvolvecombateaqualquerconfissãoreligiosa;j)queatentecontraafamília,oupregueouinsinuecontraaindisso-lubilidade dos vínculos conjugais;k)queinspireodesamoràvirtude,induzaosentimentodainutilida-deoudesnecessidadedoesforçoindividual,oucombataaslegítimasprerrogativasapersonalidadehumana(Decreto-Lein°1.006/38,p.4).

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Nessa primeira parte, mais centrada nas questões de conte-

údo, percebemos claramente a preocupação comumensino focado

na educação cívica, para a formação de umamentalidade patrióti-

ca. Encontramos também, no item “c”, o cerceamento de qualquer

tipo de crítica ao regime instituído, pois, como registrado, seria

vetado o livro que ofendesse o “Chefe”, nesse caso Getúlio Var-

gas, ou mesmo as instituições nacionais. Toda e qualquer análi-

se do governo vigente ficava assim vetada.Na segunda parte, por

sua vez, centrada na apresentação e metodologia do livro, vemos:

Art.21.Seraindanegadaautorizaçãodeusoaolivrodidático:a)queestejaescritoemlinguagemdefeituosa,querpelaincorreçãogramatical,querpeloinconvenienteouabusivoempregodetermosouexpressõesregionaisoudagíria,querpelaobscuridadedoestilo;b)queapresenteoassuntocomerrosdanaturezacientíficaoutécni-ca;c)queestejaredigidodemaneirainadequada,pelaviolaçãodospre-ceitosfundamentaisdapedagogiaoupelainobservânciadasnormasdidáticasoficialmenteadotadas,ouqueestejaimpressoemdesacor-docomospreceitosessenciaisdahigienedavisão;d)quenãotragaporextensoonomedoautorouautores;e)quenãocontenhaadeclaraçãodopreçodevenda,oqualnãopo-deráserexcessivoemfacedoseucusto.Art.22.Nãoseconcederáautorização,parausonoensinoprimário,delivrosdidáticosquenãoestejamescritosnalínguanacional.Art.23.Nãoseráautorizadousodolivrodidáticoque,escritoemlín-guanacional,nãoadoteaortografiaestabelecidapelalei(Decreto-Lein°1.006/38,pp.4-5).

ConformeapresentadonoDecreto-Lei1.006/38,diversoselemen-

toseramreguladospelaComissão,desdeaformadeapresentaçãodos

livrosdidáticos,aortografia,alíngua,atéaproibiçãodetermosregio-

nais.Portanto,qualquereditoraouautoresquefossemsubmeterseus

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livrosparaavaliaçãoteriamqueseguirasindicaçõesdodecreto.Talaná-

lisecorroboracomosapontamentosdeLuca(2009),quandoafirmaque:

oregimenãoapenasinterferiudeformaincisivanocampoeducacio-nal,maslevouacabo,desdeasubidadeVargasaopoder,umproces-sodecentralizaçãoeexpansãodamáquinaburocráticaque,aliadoaumambiciosoprojetonoâmbitodacultura,alterouasrelaçõesentreintelectualidadeeEstado(p.168).

Nessacitação,aautoranospropõerefletirsobreaaproxima-

çãogradualquefoiestabelecidaentreosautores,editoreseoEstado.

Alémdisso,possibilita-nosperceberqueaavaliaçãoeregulaçãodos

livrosdidáticosduranteoEstadoNovoforamfundamentais instru-

mentosdelegitimaçãodosistemapolíticoinstituídopelonovoregime.

EssaaproximaçãofoiestimuladapeloMinistériodaEducaçãoe

Saúdeatravésdeaçõescomoempréstimosbancáriosàseditoras,além

dofornecimentodepapelouatémesmoainclusãodeseustítulosnas

listasrecomendadaspelaComissãoNacionaldoLivroDidático.Nesse

contexto,oDepartamentodeImprensaePropaganda(DIP)teveafun-

çãodepromulgar“[...]atividadeseditoriaisquepretendiamdifundiro

projetoculturaleasrealizaçõesdoregimeedochefedoEstado”(LUCA,

2009,p.169),alémdecensurarosmanuaisqueapresentassemideias

contraditóriasàsdiretrizesdaComissãoNacionaldoLivroDidático.

Não podemos desconsiderar que as políticas educacio-

nais implementadas pelo governo Vargas, sob os Ministérios

de Francisco Campos e Gustavo Capanema, estimularam a am-

pliação da produção de livros didáticos. Isso ocorreu não ape-

nas pela impossibilidade de importação, devido ao contexto

conturbado do entre guerras,mas tambémpelasmudanças instau-

radasnaestruturadoensinobrasileiro.DeacordocomLuca(2009),

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[...]houvenesseperíodoumavigorosaexpansãodomercadoedito-rial,favorecidatantopeloaumentodoletramento,porreformasnoensinosecundárioepelaampliaçãodosegmentosuperior,alémdaprópriaconjunturaeconômicainternaeexterna,poucopropíciaàim-portaçãodelivros.Esseconjuntocompletodefatoresalterouascon-diçõesdeexercíciodaatividadeintelectualechegoumesmoapermi-tiraexistênciado‘romancistaemtempointegral’(p.168).

Oslivrosdidáticosdeixarampaulatinamentedeseremprodu-

çõessecundáriasouhobbysdeseusautores,paraseremopróprioobjeto

deinvestimento,comoafirmouaautora.Entretanto,essaprofissionali-

zaçãodaproduçãodosmanuaisescolaresosempurravacadavezmais

aoseulugardeprodutocomerciale,portanto,subjugadoàsregrasde

mercado.AindadeacordocomLuca(2009),atémesmograndesedito-

res,comoJoséOlympio,quenãotinhamentresuaspublicaçõesoslivros

didáticos enquanto produtos centrais investiram em alguns títulos,

Em exemplos como esse, vemos a orientação seguida pe-

las editoras que se propunham a publicarmanuais escolares. Des-

sa forma, apartirda criaçãodaComissãoNacionaldoLivroDidá-

tico, institui-se no Brasil uma nova cultura editorial que investiu

emmanuais escolares a partir de orientações dos governos, visan-

do à aprovação destes ou, como ocorre nos dias atuais, a aquisi-

ção dos livros/produtos pelo próprio Estado. Essa última obser-

vação será foco da análise que nos propomos a realizar a seguir.

[...]comoatestaaediçãodovolumeHistóriadoBrasil(1944),deOtá-vioTarquíniodeSouzaeSérgioBuarquedeHolanda,destinadoà3ªsériedocursosecundárioeque,segundoinformanacapa,estava,‘deacordocomoprogramaoficial’(p.169).

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O ensino de História e a Comissão Nacional do Livro

Didático

Ao discorrermos sobre a Comissão Nacional do Li-

vro Didático existente durante o Estado Novo, percebemos o

quanto esta, apesar de falha em muitos aspectos, correspon-

deu aos objetivos da política educacional daquele governo en-

quanto instrumento de construção de uma nova nacionalidade.

Notamos também que, a partir da atuação dessa Comissão,

surgiuumanovarelaçãoentreoEstado,aseditoraseosautoresde

livrosdidáticose,comisso,iniciou-seanormatizaçãodosmanuaises-

colares,osquaispassaramaseradequadosàsdiretrizesdeavaliação

doMinistériodeEducaçãoeSaúde.Taisnormasestiveramemvigor

até1961,comodemonstramos,depoisoutraspolíticasassubstituíram

até chegarmos a criação do ProgramaNacional do Livro Didático.

EntreofimdaCNLDeaimplementaçãodoPNLD,tivemosum

períododemarcadopelasPolíticasEducacionaisdoGovernoMilitarque,

porseremtambémdelineadasporperspectivasideológicasautoritárias,

jáforamfocodemuitosestudos.DeacordocomMirandaeLuca(2004):

Neste contexto particular, destaca-se o peso da interferência depressões e interesses econômicos sobre a história ensinada, namedida em que os governos militares estimularam, por meiode incentivos fiscais, investimentos no setor editorial e no par-que gráfico nacional que exerceram papel importante no pro-cesso de massificação do uso do livro didático no Brasil (p.125).

Conformeafirmaramasautoras,aimplementaçãodepolíticas

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de regulação dos livros didáticos durante o Governo Militar contribuiu

paramanteraculturadevinculaçãoentreaproduçãoeditorialdosma-

nuaisescolareseasdiretrizesgovernamentaisparaesses.Apesardes-

saspolíticasnãoseremnossofocodeanálise,nãopodemosdeixarde

mencioná-las,poisforam,dealgumaforma,oelocondutorentreavisão

daCNLDeacriaçãodoPNLD.DeacordocomMirandaeLuca(2004),

soboperíodomilitar,aquestãodacompraedistribuiçãodelivrosdi-dáticosrecebeutratamentoespecíficodopoderpúblicoemcontextosdiferenciados—1966,1971e1976—,todosmarcados,porém,pelacensuraeausênciadeliberdadesdemocráticas.Deoutraparte,essemomentofoimarcadopelaprogressivaampliaçãodapopulaçãoes-colar,emummovimentodemassificaçãodoensinocujasconsequên-cias,sobopontodevistadaqualidade,acabariampordeixarmarcasindeléveisnosistemapúblicodeensinoequepersistemcomooseumaiordesafio(p.125).

Osmanuaisescolares,nesseperíodo,tinhamafunçãodelevar

asescolasaideologiadoGovernoMilitar,oquenãofoidiferentedo

estabelecidonoperíododoEstadoNovo.DeacordocomMonteiro,

as políticas educacionais centradas na regulação dos livros didáti-

cos,duranteoperíodomilitar foramcaracterizadasporesforçosno

[...]sentidodeexercermaiorcontroleecensura,aomesmotempoqueincentivosfiscais e investimentosnoparquegráficonacional indu-ziamoprocessodemassificaçãodousodolivrodidáticonoBrasil,afimdeatenderademandadapopulaçãoescolar,queaumentousigni-ficativamentenesseperíodo(MONTEIRO,2009,p.180-181).

OGovernoMilitarcompreocupaçõesrelativasaocontroleide-

ológiconãoapenascensuravaaspublicaçõesdoslivrosdidáticos,de

formasemelhanteaoefetivadoduranteoEstadoNovo,comotambém

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investiafinanceiramentenoparqueindustrialbrasileirocomvistasa

aproximarasrelaçõesentreeditoreseEstado.Essaaproximaçãocria-

vaumarelaçãodedependênciaquelevavadeformasilenciosaàau-

tocensuradasproduçõesepublicaçõesdoslivrosdidáticosnoBrasil.

Namesmadireçãodeanálise,podemosobservarquenãoapenas

asproduçõesdoslivrosdidáticoseramalvodossistemasdecontroledo

governomilitar,bemcomo,ejámencionado,oensinodeHistóriadentro

desuaspotencialidadescríticastambémsofreurestrições,assimcomo

aproduçãodelivrosdidáticosnaárea.DeacordocomMonteiro(2009),

dopontodevistadapromoçãodevaloresedocontroledaproduçãoeditorial,oensinodehistóriaegeografia,porexemplo,sofrefortespressões político-ideológicas. A substituição dessas disciplinas nocurrículodoentão1graupeladisciplinaescolar“estudossociais”,eainclusãodasdisciplinas“educaçãomoralecívica”e“organizaçãopolíticaesocialdoBrasil”(OSPB),acabouporrepresentarnãosósuaeliminaçãodocurrículo,mastambémumatentativadeeliminaradi-mensãocríticadoensino(p.181).

A substituição das disciplinas de História e geografia por

outras, como as citadas pela autora, estimularam as mudanças

na produção dos livros didáticos, tanto de História, como de ge-

ografia, pois esses agora deveriam atender as novas demandas.

Entretanto, o que queremos discutir aqui se centra no ques-

tionamento: apesar dos contextos diferentes, quais as aproxima-

ções e os distanciamentos entre a atuação da Comissão Nacional

doLivroDidáticoeoProgramaNacionaldoLivroDidático?Facil-

mente,podemosresponderqueoprimeiro forauminstrumentode

veiculação ideológica do Estado Novo, enquanto o segundo é um

instrumento de avaliação voltado a garantir a qualidade do ensino

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nos governos pós-ditaduramilitar, ou seja, democráticos no Brasil.

Essa diferença contextual apresentada pode enganar o olhar

do analista que considerar o objetivo da criação emanutenção dos

dois órgãos, no entanto, nossa análise se centra no papel desen-

volvido por eles. Apesar de objetivos diferentes, é preciso perce-

bermos que, ao ditarem diretrizes de avaliação, tanto do CNLD,

quanto do PNLD contribuíram e contribuem para a uniformiza-

çãodas formasdeapresentaçãodosconteúdosnos livrosdidáticos.

O ProgramaNacional do Livro Didático foi criado, como já

referido, em 1985, entretanto, somente adquiriu a função de aqui-

sição e distribuição ampla dos livros didáticos para as escolas pú-

blicas a partir de 1995. Sua criação se insere dentro das discussões

iniciadas a partir da abertura política no final do governo militar:

Apartirdadécadade1980,naconjunturadareconstruçãodemocrá-tica,algumastímidasaçõesnoâmbitodaFundaçãodeAssistênciaaoEstudantetangenciaramadiscussãoacercadosproblemaspresentesnos livros didáticos distribuídos no território nacional. Essemovi-mentocoincidiucomimportantesdebatesarespeitodosprogramasoficiaisdeHistória,levadosaefeito,sobretudo—masnãoexclusiva-mente—nosestadosdeMinasGeraiseSãoPaulo.Marconapolíticaemrelaçãoaosmateriaisdidáticosfoiacriação,em1985,doProgramaNacionaldoLivroDidático—PNLD(MIRANDA;LUCA,2004,p.125).

Apreocupaçãodoseducadoresnessemomentoerapossibilitar

novas produções de livros didáticos livres da ideologia autoritária do

governomilitar.Comoanalisouaautora,taisdebates,nadécadade1980,

contribuíramparaareformulaçãodoensinodeHistória.Essesinteres-

sesdoseducadoresemmodificaraspublicações,naáreadeHistória,

iamaoencontrodasdiretrizestraçadaspelojáinfluenteBancoMundial.

SegundoMonteiro,este,desdeadécadade1990,desaconselhava

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oBrasilarealizarprofundasalteraçõesnocurrículoescolarparamelho-

raroensinonopaís,aoinvésdisso,indicavaanecessidadedeaumen-

taraqualidadedoslivrosdidáticos,poisconsideravaque“[...]nelesé

quesecondensamosconteúdoseseorientamasatividadesqueguiam

tanto os alunos quanto os professores” (MONTEIRO, 2009, p.179).

Essaperspectiva,queentendiaolivrodidáticocomoorespon-

sávelpelasmelhoriasoufracassosdoensino,influiudiretamentenas

propostas educacionais posteriores, assim como na criação do Pro-

gramaNacionaldoLivroDidático–PNLD. Olivrodidático,como

analisadonoprimeirocapítulodestetrabalho,deixoudeserentendi-

doenquantorecursodidáticoe,conformeanalisouMonteiro(2009):

Deinstrumentosauxiliaresdoprocessodeensino/aprendizagem,oslivrosdidáticospassarama ser cadavezmais reconhecidos e indi-cados,naspolíticaseducacionais,comodocumentosdeimportânciaestratégicaparaviabilizarasmudançasemelhoriasquesefazemne-cessáriasnaeducaçãobásicadospaísesemdesenvolvimento,inclusi-vedemonstrandomaiorefetividadedoqueaproduçãodepropostascurricularesinovadoras(p.179).

O livro, nessa visão, seria o responsável por guiar o professor para

arealizaçãodeboasformasdeensino.Assim,aindadeacordocomaautora,

nessaperspectiva,umbomlivrodidáticonasmãosdosprofessores,alémdeevitarerrosnoensino,possibilitariaaintroduçãodemetodo-logiasinovadoras,aatualizaçãodeconteúdoseaimplementaçãodeprofessosdeensino/aprendizagemcriativoseafinadoscomoquehádemaisnovoemtermosdepesquisaeducacional(MONTEIRO,2009,p.179).

O ensino seria estritamente dependente da qualidade

dos livros didáticos, e não especificamente sua qualidade esta-

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ria atrelada à qualidade da formação dos professores ou mesmo

da estrutura e recursos ofertados pelas escolas ao provimento das

ferramentas didáticas. O educador, nessa afirmativa, seria apenas

uma peça menor no processo de ensino/aprendizagem e não su-

jeito integrante do processo, o qual, sem um bom livro nas mãos,

seria totalmente incapaz de realizar um ensino de qualidade.

Tal perspectiva, apesar de ser a grande influência das polí-

ticas educacionais desde a criação da CNLD, é totalmente equivo-

cadae,como jádiscutimos,o livropodeserumrecursovaliosonas

mãosdosprofessores,masnãoessencialoufundamental.Nessesen-

tido, semesse recurso, o ensino/aprendizagemocorre,pois se reali-

za na esfera de relação entre docentes e discentes. Nesse contexto,

em 1985, foi criado o PNLD. Segundo Vitória Regina Silva (2011):

Desdeasuainstituição,em1995,eampliação,em1997,oProgramaNa-cionaldoLivroDidático(PNLD),vemseconstituindoemumadasmaisimportantespolíticaspúblicaseducacionaisdoBrasil.Inicialmentevol-tadoapenasparaatendimentodosalunosdoentão1ºgrau(posterior-mentechamadodeEnsinoFundamental),foiampliadoem2002,pas-sandoaatendertambémosalunosdoEnsinoMédio.Aaprovaçãoemnovembrode2009daResoluçãono.60fezcomqueoprogramapassasseaserpolíticadeEstado,institucionalizando-sedefinitivamente(p.01).

A importância do Programa, apontada pela autora, é pau-

tada pela amplitude de atuação do mesmo. Este, desde sua cria-

ção, está emampliação, a pontode se tornarumapolíticadeEsta-

do e atender todo o processo formativo dos alunos brasileiros,

desde as séries iniciais até o Ensino Médio, através da avaliação e

distribuiçãodos livrosdidáticosquesãoutilizadosnessesníveisde

ensino. Somente a partir de 1996, em outro contexto, nãomais de-

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marcado pelo Estado autoritário, o PNLD iniciou de fato a avalia-

ção dos manuais escolares, como analisou Miranda e Luca (2004):

Desdeentão,estipulou-sequeaaquisiçãodeobrasdidáticascomver-baspúblicasparadistribuiçãoemterritórionacionalestariasujeitaàinscrição e avaliaçãoprévias, segundo regras estipuladas emeditalpróprio.DeumPNLDaoutro,osreferidoscritériosforamaprimora-dosporintermédiodaincorporaçãosistemáticademúltiplosolhares,leiturasecríticasinterpostasaoprogramaeaosparâmetrosdeavalia-ção(p.127).

OaprimoramentodoscritériosdoProgramasedeunãoapenas

pelapercepçãodesuasfalhas,mastambémpelarenovaçãodaspolíticas

educacionaisque,desdearedemocratizaçãobrasileira,vêmmudando

deacordocomoMinistérioevisãodegoverno.Nãosomenteoscrité-

riosdeavaliaçãosealteraram,comotambémosdeinscriçãodasobras.

Em1999, por exemplo, oPNLDaceitou a inscriçãode obras

isoladas por editora e não apenas coleções, como anteriormen-

te. Contudo, a partir de 2002, como analisaram Miranda e Luca,

foi incorporado na área de História análises estatísticas para ava-

liarodesempenhodecadacoleçãoemrelaçãoaosquesitosdaficha

de avaliação dos avaliadores, a qual é divulgada no Guia do Pro-

grama, conforme podemos visualizar através do gráfico a seguir:

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Figura4:,SoniaRegina;LUCA,TâniaRegina.Olivrodidáticodehistóriahoje:umpanoramaapartirdoPNLD.In:RevistaBrasileiradeHistória.SãoPaulo,v.24,nº48,2004,p.127.Disponívelem:<http://www.scielo.com.br/

pdf/rbh/v24n48/a06v24n48.pdf>.Acessoem:15abr.2012.

No gráfico, vemos que, entre os anos de 1999 e 2005, a por-

centagem, na área de História, de coleções aprovadas em relação

às inscrições foi gradativamente aumentando. Podemos inferir, a

partir desses dados, que, aos poucos, os editores e escritores fo-

ram se adaptando aos critérios do Programa até chegar à maior

aprovação dos livros inscritos. Essa inferência corrobora com nos-

sa tese nesse trabalho, a qual viemos discutindo, de que as políti-

cas de avaliação dos livros didáticos contribuíram para a unifor-

mização das produções e, portanto, o cerceamento e delimitação

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da apresentação dos conteúdos dispostos nos manuais escolares.

Nesse ínterim, devemos considerar que o processo de avalia-

ção dos manuais escolares realizado pelo PNLD se efetiva atra-

vés de editais lançados trienalmente. De acordo Silva (2011):

Oseditaissãosempreidentificadosporumano:PNLD2011ouPNLD2012,porexemplo.Oanoaoqualoeditalsereferenãoéodasuapu-blicação,masaqueleemqueoslivrosserãousadospelaprimeiravez,sendonosdoisanosseguintesadquiridosacervoscomplementares,dereposição(excetonocasodoslivrosconsumíveis,quesãorepostosintegralmentetodososanos)(p.02).

Os editais do PNLD possuem duas fases principais: a pri-

meira émarcada pela candidatura dos livros para avaliação e pos-

terior liberação da listagem dos indicados, a segunda é a fase na

qual os professores, a partir dessa listagem, escolhem quais livros

utilizarão em suas salas de aula.A estrutura do Programa é com-

plexa e, portanto, pouco ágil, entretanto, tem se mostrado efi-

caz. Conforme discorreu Silva, todo o processo entre a aquisição

dos livros e sua chegada às escolas leva, ao todo, cerca de 20me-

ses,por issooseditais,apesardeapresentaremadatadeutilização

dos livros, são abertos muito antes. Como demonstrou a autora,

[...]os livrosquecomeçaramaserusadosno iníciodoanode2011tiveramoseueditalpublicadonofinalde2008.Oslivrosforaminscri-tosnoiníciode2009,oresultadodaavaliaçãopublicadoemmeadosde2010,quandoentãoforamescolhidospelosprofessores.Duranteosegundosemestredaqueleanoforamfeitasasnegociaçãoparaven-da,aimpressãoeadistribuiçãodascoleções.Seconsiderarmos,ain-da,queaproduçãoeditorialdeumacoleçãonãolevamenosdoquedois anos, os livros inscritos em2009 começarama serproduzidosem2007,deondeseconcluiqueentreaescritadosoriginaiseouso

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dolivronasaladeaulahápelosmenosumperíododequatroanos.Trata-se,portanto,deumaempreitadade longoprazo,envolvendoinvestimentoselevadoseumgrandenúmerodeagentes,entreauto-res,equipeseditoriais,funcionáriosdoMECedoFNDE5,comissãodeavaliadores(comissõestécnicasedoIPT6),alémdetodaalogísticaparafazercomqueoslivroscheguemaosmaisdistantespontosdopaís(SILVA,2011,p.02).

Todooprocesso,comovemos,édemorado,oqueleva,emal-

gumasdisciplinas, àdefasagemdos conteúdos, quandoosmesmos

chegam às salas de aula. Entretanto, esse não chega a ser um dos

maioresproblemasdosistema,oquepercebemosaquiéomovimen-

toqueseestabeleceentreasproduções,ouseja,aescritados livros

didáticos,oseditoresqueosinscrevemeasdiretrizesdoPNLD.Afi-

nal,dentrodeumsistemalongo,podemosinferirqueosmanuaissão

produzidos cuidadosamente para serem aprovados pelo Programa,

casocontrário,investimentosfinanceirosgrandesseriamdesperdiça-

dosdeambosos lados, tantodaseditorasquantodogoverno.Esse

caráter do processo de avaliação dosmanuais didáticos demonstra

comooPNLDinfluide formaprofundaediretanomercadoedito-

rialdelivrosdidáticosnoBrasil,pois,conformeafirmouSilva(2011):

AinstitucionalizaçãodoPNLDeaampliaçãodasuacoberturaacar-retaramumaprofundamudançanomercadoeditorialbrasileiro.Ain-daquecomprasgovernamentaisdelivrosdidáticostenhamocorridoemoutrostempos,apartirde1995elaspassaramaterumaregulari-dadeeumacoberturainédita.Paraaseditoras,aentradadogover-nocomograndecompradorde livrosrepresentouumasignificativamudançaemseunegócio,poisavendaparaasescolaspormeiodelivrariasdeixoudeseraprincipal fontede faturamento.Aindaquea rentabilidade das vendas governamentais seja muito menor doqueadavendaaochamadomercadoprivado (oqueeventualmen-

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te também inclui livros para alunos de escolas públicas), a quanti-dade de exemplares vendidos é incomparavelmente maior, repre-sentandoparcelaexpressivadogirodecapitaldasempresas (p.03).

O mercado editorial de livros didáticos em outros momen-

tos da História brasileira, como no período da CNLD, era volta-

do não apenas para atender as diretrizes do governo, mas tam-

bémaopúblico consumidor. Istoporqueos livros eramadquiridos

pelos próprios alunos e suas famílias. Atualmente, esse cenário

é fundamentalmente diferente, porque o governo é o consumi-

dordos livros que chegarão às salas de aulas das escolas públicas.

Dessaforma,comobemdiscorreuaautora,apesardolucroso-

breoslivros,deformaindividual,sermenornavendaparaoEstadodo

queparalivrarias,aaquisiçãodosmesmospeloEstadotornou-seregu-

lareissorepresentaumarendaestávelparaaseditoras.Essecontexto

levouaseditorasainvestiremnaproduçãoregulardelivrosdidáticos

paraatenderaessemercado,queseabriacomaaquisiçãoestatalde

manuaisescolares.OutraquestãocentrallevantadaporSilva(2011)é

queaaprovaçãooureprovaçãodeumacoleçãonoPNLDtrazconse-quênciasparaodesempenhodamesmanochamadomercadoparti-cular.Muitasescolassubstituemoslivrosqueadotaseelesnãocons-tamdalistadeobrasaprovadaspeloMEC(p.03).

A avaliação do PNLD se tornou importante para o merca-

do de livros didáticos, seja no processo de aquisição do Estado,

como também, enquanto uma espécie de capital simbólico, como

chamaria Bourdie (2004). Nesse sentido, os livros bem avaliados

acabam apresentando um bom desempenho nas vendas domerca-

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do particular. Portanto, ainda para Silva (2011), “é inquestionável

o impacto das compras governamentais na indústria do livro di-

dático desde 1995, com uma evidente subordinação da produção

das coleções aos critérios fixados pelos editais” (p.03). Novamen-

te, vemos comooPNLD,namesmadireçãodoCNLD, tem contri-

buído para a uniformização das produções dos livros didáticos.

No entanto, quais são os critérios estabelecidos pelo

PNLD?OeditaldoPNLD2012,destinadoà comprade livrospara

o Ensino Médio, apresenta os seguintes critérios de avaliação:

Os critérios eliminatórios comuns a serem observados nas obrasinscritas no PNLD 2012, submetidas à avaliação, são os seguintes:(1) respeito à legislação, às diretrizes e às nor-mas oficiais relativas ao ensino médio;(2) observância de princípios éticos necessários à cons-trução da cidadania e ao convívio social republicano; (3) coerência e adequação da abordagem teórico-metodo-lógica assumida pela obra, no que diz respeito à propos-ta didático-pedagógica explicitada e aos objetivos visados;(4)correçãoeatualizaçãodeconceitos,informaçõeseprocedimentos;(5)observânciadascaracterísticasefinalidadesespecíficasdomanualdoprofessoreadequaçãodaobraàlinhapedagógicanelaapresentada;(6) adequação da estrutura editorial e do proje-to gráfico aos objetivos didático-pedagógicos da obra.A não observância de qualquer um desses critérios, deta-lhados a seguir, resultará em proposta incompatível comos objetivos estabelecidos para o ensino médio, o que jus-tificará, ipso facto, sua exclusão do PNLD 2012.15 (p.22).

Dentreoscritérioseliminatórioscomunsatodasasáreasava-

liadas,vemos,noprimeiroesegundonúmeros,doispontoscomuns

ao exigido pela antigaCNLD, o respeito à legislação e “às normas

oficiais”.Claroquenãopodemosconsiderá-losdeigualforma,pois

contextoseobjetivosdiferentes jáforamdiscutidos.Entretanto,essa

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regulaçãocontribuiparaauniformizaçãodosmanuaisqueserãopro-

duzidosdentrodavisãopedagógicaestabelecidapelosórgãosoficiais

e não dentro da visão do autor ou de novas discussões sobre educação.

Tambémpodemosanalisarquenosegundopontoaconstrução

dacidadaniaéumdosfundamentosqueoslivrosdevemobservar.Nos

seiscritériosvemosinstrumentosreguladorese,aomesmotempo,nor-

matizadoresecerceadoresdaproduçãodoslivros.Oeditalaindasegue:

Considerando-sea legislação, asdiretrizes e asnormasoficiaisqueregulamentamoensinomédio,serãoexcluídasasobrasdidáticasquenãoobedeceremaosseguintesestatutos:(1)ConstituiçãodaRepúblicaFederativadoBrasil.(2)LeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional,comasrespectivasalterações introduzidaspelasLeisnº 10.639/2003,nº 11.274/2006,nº11.525/2007enº11.645/2008.(3) Estatuto da Criança e do Adolescente. (4) Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. (5)Resoluções e Pareceres doConselhoNacional de Educação, emespecial,oParecerCEBnº15,de04/07/2000,oParecerCNE/CPnº003,de10/03/2004eaResoluçãoCNE/CPnº01de17/06/2004.2.1.2.Observânciadeprincípioséticosedemocráticosnecessáriosàconstrução da cidadania e ao convívio social. SerãoexcluídasdoPNLD2012,asobrasdidáticasque:(1)veicularemestereótiposepreconceitosdecondiçãosocial,regio-nal,étnico-racial,degênero,deorientaçãosexual,deidadeoudelin-guagem,assimcomoqualqueroutra formadediscriminaçãooudeviolação de direitos; (2)fizeremdoutrinaçãoreligiosae/oupolítica,desrespeitandoocará-terlaicoeautônomodoensinopúblico;(3)utilizaremomaterialescolarcomoveículodepublicidadeoudedifusãodemarcas,produtosouserviçoscomerciais.2.1.3.Coerênciaeadequaçãodaabordagemteórico-metodológicaas-sumidapelaobra,noquedizrespeitoàpropostadidático-pedagógicaexplicitadaeaosobjetivosvisados.Pormaisdiversificadasquesejamasconcepçõeseaspráticasdeen-sinoenvolvidasnaeducaçãoescolar,propiciaraoalunoumaefetivaapropriação do conhecimento implica: a) escolher uma abordagem

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metodológica capaz de contribuir para a consecução dos objetivoseducacionaisemjogo;b)sercoerentecomessaescolha,dopontodevistadosobjetosere-cursos propostos. Emconsequência,serãoexcluídasasobrasdidáticasquenãoatende-remaosseguintesrequisitos:(1)explicitar,nomanualdoprofessor,ospressupostosteórico-meto-dológicosquefundamentamsuapropostadidático-pedagógica;(2) apresentar coerência entre essa fundamentação e o conjunto detextos,atividades,exercícios,etc.queconfiguramolivrodoaluno;nocasoderecorreramaisdeummodeloteórico-metodológicodeensi-no,deveráindicarclaramenteaarticulaçãoentreeles;(3)organizar-se–tantodopontodevistadosvolumesquecompõemacoleção,quantodasunidadesestruturadorasdecadaumdessesvo-lumesoudovolumeúnico–deformaagarantiraprogressãodopro-cessodeensino-aprendizagem;(4) favorecer o desenvolvimento de capacidades básicas do pensa-mentoautônomoecrítico,noquedizrespeitoaosobjetosdeensino--aprendizagempropostos;(5)contribuirparaaapreensãodasrelaçõesqueseestabelecementreosobjetosdeensinoaprendizagempropostosesuasfunçõessociocul-turais. (...)2.1.5.Observânciadascaracterísticasefinalidadesespecíficasdoma-nualdoprofessorOmanualdoprofessordevevisar,antesdemaisnada,aorientarosdocentesparaumusoadequadodaobradidática,constituindo-se,ainda,numinstrumentodecomplementaçãodidáti-co-pedagógicaeatualizaçãoparaodocente.Nessesentido,omanualdeveorganizar-sedemodoapropiciaraodocenteumaefetivarefle-xãosobresuaprática.Deve,ainda,colaborarparaqueoprocessodeensino-aprendizagemacompanheavançosrecentes,tantonocampode conhecimentodo componente curricular da obra, quanto nodapedagogiaedadidáticaemgeral.Considerando-seessesprincípios,serãoexcluídasasobrascujosma-nuaisnãosecaracterizarempor:(1)explicitarosobjetivosdapropostadidático-pedagógicaefetivadapelaobraeospressupostosteórico-metodológicosporelaassumidos;(2)descreveraorganizaçãogeraldaobra,tantonoconjuntodosvolu-mesquantonaestruturaçãointernadecadaumdeles;(3)apresentarousoadequadodoslivros,inclusivenoqueserefereàsestratégiaseaosrecursosdeensinoaseremempregados;

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(4)indicaraspossibilidadesdetrabalhointerdisciplinarnaescola,apartirdocomponentecurricularabordadonolivro;(5)discutirdiferentesformas,possibilidades,recursoseinstrumentosdeavaliaçãoqueoprofessorpoderáutilizaraolongodoprocessodeensino-aprendizagem;(6)propiciarareflexãosobreapráticadocente,favorecendosuaanáli-seporpartedoprofessoresuainteraçãocomosdemaisprofissionaisda escola; (7) apresentar textosdeaprofundamentoepropostasdeatividadescomplementaresàsdolivrodoaluno.(...)(EDITALPNLD,2012,p.20-22).

Apartirdoscritériosapresentados,comojáafirmamos,asformas

deapresentaçãodosconteúdos,assimcomoosprópriosconteúdossão

delineadosdentrodeumgrupodediretrizesestabelecidascomomeio

deregulação,quedialeticamente,cerceiamouniversodediscussões

pedagógicaspossíveisnoprocessodeproduçãodosmanuaisdidáticos.

Como jáanalisamos,mesmosemproduzirdiretamenteos li-

vrosdidáticos,atravésdoPNLD,ogovernoparticipaativamentede

todo o processo de elaboração e publicaçãodosmanuais escolares.

Essaatuaçãodogovernonaprópriacomposiçãodoslivrosnoscha-

maatençãonãoapenasporseucarátercerceadordouniversoedito-

rialdosmanuais, especificamenteosdeHistória,mas tambémpor-

queprecisamos levaremcontaque“...aeducaçãoconstituiu-seem

veículoprivilegiadoparaintroduçãodenovosvaloresemodelagem

decondutas [...]” (MIRANDA;LUCA,2004,p.125).Tal fatoocorreu

durante o regime militar, como evidenciado na continuidade des-

sa citação, e em todooprocessode interferênciadoEstado sobrea

disposição, apresentação e uniformização dos conteúdos escolares.

Dessa forma, podemos perceber que apesar de uma políti-

caquevisaasseguraraqualidadedoensinonasescolaspúblicas,o

PNLDacabouporcontribuirparaumprocessodeacomodação.Nes-

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te,o livrodeixoudeserapenasumrecursodidático,parasetornar

o recursodidático, ou seja, excetuandooEnsinode Jovens eAdul-

tos,empraticamentetodososníveisdeensino,nãosecogitamaisa

menorpossibilidadedaexclusãodolivrodidáticodassalasdeaula.

Não estamos aqui dizendo que isso é ruim ou bom, mas

que é uma realidade que deve ser analisada, pois os docentes pre-

cisam ter consciência dos processos de produção dos manu-

ais que utilizam como suportes didáticos em suas aulas. Pen-

sar o livro didático e sua produção é ampliar as margens de

reflexãosobremétodoseformas,nasquaisoensino,emnossocaso

de História, vem sendo efetivado no Brasil e, assim, quem sabe,

construirespaçoparaumensino independente, conscienteecrítico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conformeprocuramosdemonstrarnapresenteobra,omaior

problemadaspesquisasatuaissobreopapeldoslivrosdidáticospara

oensinodeHistóriaévê-losenquantoprodutosdistintosdahistorio-

grafiaacadêmica,poisomanualescolarnadamaisédoqueumapro-

duçãohistoriográficae,portanto,deveseranalisadoeestudado.Nessa

direção,podemosperceberqueoGuiadoLivroDidáticoéumafonte

fundamentalparaacompreensãodasrelaçõesentreproduçãohisto-

riográficaeensinodeHistóriae,maisdoqueisso,tambéméumdo-

cumentofundamentalparaacompreensãodasdiretrizespolíticasque

vêmdirigindoaavaliação,regulaçãoedistribuiçãodoslivrosdidáticos.

AspartesdistintasquecompõemolivrodidáticodeHistóriasão

nãoapenasseuconteúdoediretrizesdaspolíticaseducacionais,mas

principalmente,arelaçãoautorversushistoriografia.Olivrodidáticoé

sempreresultadodepesquisabibliográficae,portanto,umaseleçãode

sabereshistoriograficamenteconstruídosdentrodosmurosdaacademia.

Arelaçãoapontadanoscapítulosquecompõemessaobracomo

umareflexãocontemporâneadahistoriografiaéexatamenteoquenos

reportaàscategorizaçõesrealizadasnoiníciodessetrabalho,poiscada

autoremseuconjuntodeleiturasacabaporreceberdiversasinfluências

historiográficasque,pormaiscontemporâneasquesejam,carregam

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emsiherançasdastradiçõesdepensamento.Entretanto,nãoapenasas

influênciashistoriográficasconservadoraseinterpretativasdaHistó-

riadoBrasilaindasefazempresentesnoslivrosdidáticosdeHistória,

comotambémpodemosnotarque,segundooGuia,ametodologiaea

teoriaquedirecionamaapresentaçãoeencadeamentodosfatoshistóri-

cosnanarrativadoslivrosdidáticossãoumfocopensadoeobservado.

Pormais que o professor recorra a resenhas como sugere o

Guia,aindaassim,oconjuntodeescolhasdasvertenteshistoriográ-

ficas,marcos teóricosemetodológicosaindaserãocontundentes in-

fluenciadoresnosresultadosfinaisdeapresentaçãodosconteúdos.De

acordocomoGuia(2012),

todosnós sabemosqueaeficáciadeum livrodidático–aindaquesustentadanaquiloquepossaexistirdeefetivamenteinovadoroudis-tintivoemumacoleção–reside,sobretudo,nosusos,apropriações,invençõesereinvençõesfeitaspeloprofessor,cotidianamente,noin-teriordasaladeaula(p.14).

Nesse sentido,que inovaçãoéessa?Comoum livrodidático

podeserinovadorseaindaapresentaremsuaconstituiçãoinfluências

devertenteshistoriográficasconservadorascomoasaquiapresentadas,

deformabreveedireta.PormaisqueopróprioGuiareconheçaque

nãoexisteumlivrodidáticototalmentebomoutotalmenteruim,poiso

livronãoésujeitodoensinoeaprendizagem,massimosprópriosdo-

centesediscentes.Mesmoassimdevemos,nósprofessores,repensar

nossaspráticasdeescolhadoslivrosdidáticosparanossassalasdeaula.

ConformeoGuia,asobrasseriamapresentadasemresenhas,

deformaadarumacertaliberdadeaodocentesdeescolhadosma-

teriais que irão utilizar em sala de aula.No entanto, buscamosde-

monstrar aqui que é preciso levar em conta a relação estabelecida

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entreautores,editorasepolíticaseducacionaise,portanto,queessa

liberdadedeescolhadoslivrosdidáticoséilusória,poisodocenteestá

àmargemdoprocessodeconstituiçãodaobraproduzida,desuases-

colhas historiográficas, teóricas emetodológicas, alheio aos inúme-

ros interdiscursospresentes na obra. Essa e outras questõesdevem

serfocodereflexãodosdocentesnãoapenasnomomentodeescolha

dos livrosdidáticos,masprincipalmentedurante suautilização en-

quantorecursoematerialdeapoioemsuapráticaemsaladeaula.

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