35
1 SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCACÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA PROCESSO DE PRODUÇÃO DO OAC IDENTIFICAÇÃO Autor: Célia Regina Tokarski Estabelecimento: Escola Estadual Guaraituba Ensino: Fundamental Disciplina: História Conteúdo Estruturante: Dimensão cultural Conteúdo Específico: Abolicionismo 1. Problematização do Conteúdo. Título: O Abolicionismo e a intensificação do racismo no século XIX Pensar o processo abolicionista buscando novas possibilidades de análise é a intenção do presente trabalho, levando em consideração que a escravidão foi estruturada em bases legais, socialmente aceita e, portanto, naturalizada no interior da sociedade brasileira. A condição de cativo imposta ao negro foi influenciada pelo racismo dominante no período escravista e era visto como um processo natural decorrente da suposta inferioridade deste, aceita pela população sem questionamentos mais aprofundados. Partindo desta premissa não podemos pensar o processo abolicionista simplesmente como um despertar coletivo para a conscientização da humanidade do negro. Ao tentar entender esse processo iniciado na segunda metade do século XIX e que culminou com a abolição legal do regime escravista em 1888 devemos pensar nas mudanças ocorridas nas estruturas

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ

SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCACÃO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA

PROCESSO DE PRODUÇÃO DO OAC

IDENTIFICAÇÃO

Autor: Célia Regina Tokarski

Estabelecimento: Escola Estadual Guaraituba

Ensino: Fundamental

Disciplina: História

Conteúdo Estruturante: Dimensão cultural

Conteúdo Específico: Abolicionismo

1. Problematização do Conteúdo.

Título: O Abolicionismo e a intensificação do racismo no século XIX

Pensar o processo abolicionista buscando novas possibilidades de

análise é a intenção do presente trabalho, levando em consideração que a

escravidão foi estruturada em bases legais, socialmente aceita e, portanto,

naturalizada no interior da sociedade brasileira. A condição de cativo imposta

ao negro foi influenciada pelo racismo dominante no período escravista e era

visto como um processo natural decorrente da suposta inferioridade deste,

aceita pela população sem questionamentos mais aprofundados.

Partindo desta premissa não podemos pensar o processo abolicionista

simplesmente como um despertar coletivo para a conscientização da

humanidade do negro. Ao tentar entender esse processo iniciado na segunda

metade do século XIX e que culminou com a abolição legal do regime

escravista em 1888 devemos pensar nas mudanças ocorridas nas estruturas

Page 2: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

econômicas, sociais, tecnológicas e políticas que ocorreram ao longo deste

período e também nas ações perpetradas pelos escravizados como fugas,

revoltas e negociações que culminaram no desenrolar do processo

abolicionista.

Mesmo que tenha sido dado ao escravizado a condição de cidadão, foi-

lhe negado o pleno direito à cidadania. A exclusão social, espacial e o racismo

foram os legados impostos aos ex-escravizados e a seus descendentes.

O professor de História tem a importante tarefa de demonstrar aos seus

educandos que a história de um país não é resultado de figuras de destaque,

dos grandes heróis, mas se faz pela “construção consciente/inconsciente,

paulatina e imperceptível de todos os agentes sociais, individuais ou coletivos”

(BEZERRA, in: KARNAL, 2005, p.45). E é este o nosso papel, de sujeitos

históricos, capazes de mudar e transformar o que foi culturalmente construído.

Entendendo, portanto que

as relações humanas determinam os limites e as possibilidades das ações dos sujeitos de modo a demarcar como estes podem transformar constantemente as estruturas sócio-históricas. Mesmo condicionadas, as ações dos sujeitos permitem espaços para escolhas e projetos de futuro (DCEs, 2007, p. 12).

Nesse sentido, não podemos continuar aceitando a imagem de

passividade dada ao escravizado e que contribuiu para a idéia de que a

abolição só ocorreu por obra e graça da elite dominante tomada de um

repentino entendimento da necessidade de liberdade do cativo. Mudar esta

visão contribui para o direcionamento dado com a Lei 10.639/03 que

estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e

africana nas escolas brasileiras. Pensar esta trajetória da história brasileira,

dando voz e o devido lugar ao negro no processo histórico de nosso país,

dando visibilidade àqueles que tanto contribuíram para a construção desta

nação é uma das premissas deste trabalho.

Pretendemos assim analisar pontos importantes que, via de regra, não

são contemplados quando discutimos o processo abolicionista, ou seja, pensar

este momento da história do Brasil com questionamentos como a naturalização

da escravidão influenciada pelo racismo predominante no período; o processo

abolicionista a partir de fatores de ordem econômica, social e política; o

Page 3: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

incentivo à imigração como resultado da política de branqueamento da

sociedade brasileira1; a necessidade de reordenamento da importância do

trabalho na ordem capitalista e a atuação do negro no processo abolicionista,

aniquilando assim a visão de passividade que foi atribuída ao mesmo.

Referências:

BENTO, Maria Aparecida da Silva. Cidadania em preto e branco: discutindo

as relações raciais.São Paulo, Ática, 2005.

BEZERRA, Holien Gonçalves. Ensino de História: Conteúdos e Conceitos

Básicos. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos,

práticas e propostas. 4. ed. – São Paulo> Contexto, 2005:17 a 36.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-

Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Brasília: 2004.

MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no

Parlamento e na Justiça. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001

SEED/PR. DIRETRIZES CURRICULARES DA REDE PÚBLICA DE

EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DO PARANÁ. Curitiba: 2006.

SISTEMA ESTADUAL DE ENSINO DO PARANÁ. Deliberação 04/06.

Processo nº 880/2006. Curitiba: 2006

2. Investigação Disciplinar.

Título: Abolição: dádiva ou conquista?

Há trezentos anos que o africano tem sido o principal instrumento da ocupação e da manutenção do nosso território pelo europeu. (...) Onde ele não chegou ainda, o país apresenta o aspecto com que surpreendeu aos seus primeiros descobridores. Tudo o que significa luta do homem com a natureza, conquista do solo para a habitação e cultura (...) tudo foi produzido pelos escravos negros (NABUCO, 1999, p.24).

1 No século XIX, intelectuais, médicos, advogados e políticos brasileiros se

entusiasmaram com a idéia de que a raça branca era superior. Mas o Brasil, segundo o censo de 1872 demonstrava, era constituído de 55% de negros. Os deputados de então apresentaram um projeto de imigração, ou seja, trazer os brancos europeus para, aos poucos, tornar a população brasileira branca, aos moldes europeus. Dizia-se que em 100 anos o Brasil teria eliminado a população negra através da miscigenação. (BENTO, 2005, p.29)

Page 4: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

4

Iniciar esta reflexão com a citação de Nabuco tem a intenção de levantar

questionamentos acerca da idéia de que a escravização contribuiu para o

atraso econômico do Brasil e o incentivo para a imigração européia estava

intimamente ligado à necessidade de tecnologias que o africano e seus

descendentes não possuíam. Durante quase 400 anos o Brasil foi construído

com a tecnologia trazida pelos africanos escravizados e assim mesmo os

manuais didáticos indicam como uma das premissas que influenciaram o

processo abolicionista a estagnação econômica em que se encontrava o Brasil

em conseqüência do atraso tecnológico dos escravizados. Não podemos deixar

de esclarecer aos nossos educandos todas as contribuições que o trabalho

africano trouxe à construção e manutenção econômica de nosso país. A

riqueza do branco europeu só foi possível através da tecnologia e do trabalho

do africano seqüestrado em seu território e transportado para terras brasileiras

onde dominou as técnicas agrícolas, de mineração, de engenharia e de

marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a

partir do trabalho africano.

Na segunda metade do século XIX, embora o Brasil ainda apresentasse

uma economia predominantemente agrária, iniciava um processo de

industrialização, pequeno ainda, mas que já trazia nuances da necessidade de

alteração da forma de trabalho norteadora da economia do país.

Nesse sentido faz-se importante entender o processo de branqueamento

da população brasileira como um dos fatores importantes nesse momento

histórico e não a necessidade de acabar com o atraso tecnológico. Nas últimas

décadas do século XIX, o Brasil presenciou um acirrado debate sobre as

diferenças raciais e suas conseqüências para o desenvolvimento da nação.

Nação esta que segundo Schwarcz (1993) era apontada como um caso único,

onde ocorria uma grande miscigenação racial. O conde Arthur de Gobineau

deixou sua impressão da população brasileira como sendo totalmente mulata e

desprovida de beleza2. Além disso, a mestiçagem era retratada como a causa

do atraso econômico do país.

2 Arthur de Gobineau, desenvolveu a teoria das raças e de suas desigualdades, denunciou a miscigenação como um mal que trazia em si a infalível decadência dessas particularidades. (FERREIRA, EDGARD NETO, História e Etnia, p. 319, in: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. DOMÍNIOS DA HISTÓRIA, São Paulo, Ed. Campus, s/d., 508 p.)

Page 5: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

5

Mas de onde vinha esta teoria? Foi desenvolvida na Europa e EUA no

século XVIIII, mas é no século XIX que ganha força no Brasil com a entrada

das idéias evolucionistas e positivistas. Os jornais que divulgavam o

escravizado enquanto mercadoria passaram a retratar o negro como um

perigoso marginal. É interessante perceber que:

Se na época próxima à Abolição poucos intelectuais buscaram defender a imagem do negro como bom e útil e condenar o racismo, já que não existia o cidadão brasileiro de sangue branco puro, esse quadro se modifica após a emancipação como se, vencido o perigo da revolta, coubesse colocar o negro no seu devido lugar. As teorias racistas ganham novo vulto (SANTOS, 2005, p.129).

Assim a elite cultural brasileira, influenciada pelo pensamento dominante

da superioridade do branco europeu sobre as demais nações, passou a negar

tudo e a todos que fossem diferentes, cultuando a idéia de miscigenação e

assimilação cultural como um meio de se aproximar do ideal de população de

um país que almejava alcançar o mundo do progresso e da ordem, inspirado

nos ideais de sociedade criada pelos europeus.

Além da divulgação da imagem estereotipada do negro, buscou-se o

embranquecimento da população através do incentivo da imigração européia e

possível aumento da miscigenação que em algumas décadas possibilitaria o

desaparecimento dos traços negróides na população brasileira. Podemos

observar na afirmação abaixo, essa idéia em relação ao negro:

A preocupação com o futuro do país, com um progresso que seria bem vindo, colocava em destaque as teses racistas de então, que, com todo vigor, tomavam as falas dos parlamentares e intelectuais brasileiros. Eles passavam a encarar o negro como signo de atraso do país e a considerar a imigração como única saída honrosa (SANTOS, 2005, p.83).

Outra questão primordial que deve ser analisada ao procurarmos

entender o processo abolicionista é a naturalização da escravidão e

conseqüente inferioridade do negro. Nesse sentido, os filósofos iluministas

contribuíram em muito para essa concepção. Como afirma Marinho (2004), os

filósofos iluministas receberam influência da literatura de viajantes, que desde o

período das grandes navegações, descobriram povos que não estavam

previstos pela teologia tradicional cristã. E estes povos não foram vistos como

semelhantes aos europeus. É a partir do seu olhar que os europeus

classificarão o “outro” numa divisão claramente preconceituosa.

Page 6: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

6

Se os filósofos iluministas receberam influência das descrições destes

viajantes, conseguiram aprimorar estes conceitos. Embora o século das Luzes

tenha sido o momento em que se declarou o direito universal dos homens:

igualdade, fraternidade, liberdade, esses direitos não eram iguais para todos,

assim como se definiu o ser universal, portador de direitos políticos iguais,

“despido de qualquer substância individual” (MARINHO, 2004, p.122) que fazia

com que se parecesse com qualquer pessoa de qualquer local do globo, se

examinado mais de perto, revelava uma especificidade: era branco, macho e

europeu. Ou seja, os filósofos iluministas pensaram um modelo de cidadão

baseado em si, os direitos eram iguais para todos desde que estes fossem

europeus.

Segundo SANTOS (2005), o negro foi constantemente comparado aos

animais, sendo relegado a um patamar inferior, quando muito tomado como

representante de outra espécie humana, enquanto que os indígenas eram

tratados com certa condolência sendo retratados como iguais aos europeus,

porém num estágio menos avançado. É a teoria do bom selvagem de

Rousseau, importante filósofo iluminista. Para Marinho (2004), os iluministas se

referiam ao indígena com certa benevolência, tratando o fruto dos contatos

sexuais entre estes e os brancos europeus apenas como mestiços, enquanto

que o filho de branco com negro recebeu a alcunha pejorativa de mulato, que

seria um ser híbrido resultante do cruzamento do burro com o cavalo.

Ainda para a mesma autora, o racismo contra os negros passou a existir

a partir do momento em que os filósofos iluministas voltaram seu olhar para a

escravidão e procuraram legitimá-la. A saída para sua legitimação estava na

diferença entre as raças, ou melhor, na aceitação da teoria das raças humanas

e de que existia uma hierarquia entre elas. O branco estava no topo da mesma

e o negro na camada inferior, por isso se justificava sua escravização, uma vez

que o branco o retiraria do seu estado de selvageria, dando-lhe a oportunidade

de apreender os princípios de civilidade com o trabalho forçado e a religião,

cristã é claro, imposta aos africanos.

Trabalho e racismo.

Outra problematização interessante, professor, é a oposição trabalho

livre versus trabalho escravizado. Os trabalhadores livres, os libertos e/ou os

Page 7: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

7

chamados negros forros se negavam de toda forma a executar os trabalhos

mais pesados ou mesmos os trabalhos manuais exercidos pelos escravizados.

Podemos verificar esta recusa na citação a seguir:

Numa sociedade em que o trabalho era servil, mal pago e identificado com a escravidão, o paria brasileiro preferia, em muitos casos, sua precária existência rural ao emprego regular nas fazendas (CONRAD, 1972, p. 53).

Essa atitude, aliada ao racismo existente, fez com que surgisse um

preconceito que os qualificava como indolentes, preguiçosos, pouco afeitos ao

trabalho. Mas pensemos na razão dessa recusa naquele momento histórico! O

trabalho forçado e toda violência que o cercava, fez com que aqueles que

conseguiam liberdade tivessem ojeriza a tudo que lembrasse o cativeiro,

inclusive ao trabalho realizado em tais condições, portanto nada mais natural

esta recusa, e ela nada tinha de preguiça ou de inaptidão à vida em liberdade

como se propagava àquela época.

Podemos perceber esta idéia errônea também na alegação dada pelos

conservadores quando se opunham à abolição, para eles, a mesma deveria ser

paulatina, e os escravizados obrigados a prestar serviços para os antigos

proprietários, pois segundo os mesmos, estes os conduziriam a uma vida em

liberdade direcionada para o trabalho. Mesmos alguns abolicionistas defendiam

essa “necessidade” de proteção para os escravizados uma vez libertos. É o

caso de Rui Barbosa que observava que:

em presença da liberdade que instantaneamente se lhe franqueia com a imensidão do nosso território ante os olhos, o liberto, nos primeiros anos de sua aclimatação na terra prometida de suas esperanças, carece de mão amparadora, que o guie, e precate contra as atrações do desconhecido, o gosto da indolência e o instinto desconhecido de aventuras (MENDONÇA, 2001, p. 31-32).

Verificava-se também o pouco interesse dos grandes fazendeiros em

utilizar essa mão-de–obra livre e ociosa que sobrevivia à margem da

sociedade. Ao contrário, quando da abolição os investimentos foram realizados

para a vinda de imigrantes europeus, cerca de um milhão de imigrantes, que

assim, além de ocuparem-se do trabalho que antes era exercido pelos

escravizados contribuiriam para a política de embranquecimento da população

brasileira e exclusão do negro do meio urbano, como atesta SODRÉ:

Trata-se de uma decisão político-cultural, com uma lógica orientada pelo esforço das aparências brancas da população urbana. As alegadas “vantagens técnicas” dos imigrantes europeus eram um

Page 8: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

8

argumento que mal escondia o desejo manifesto de se promover a “regeneração racial” dom país (SODRÈ, 2002, p.45).

Porém não podemos esquecer que a abolição trazia em seu bojo a

necessidade de reformulação do conceito de trabalho que, como vimos

anteriormente, no Brasil estava associado ao trabalho cativo. A total integração

do país ao sistema produtivo capitalista necessitava da valorização do trabalho

e para isso tornou-se necessária a extinção do trabalho escravo. Somente com

a abolição esse intento seria atingido e com a dignidade do labor restaurada, o

trabalho livre e assalariado permitiria a composição de uma sociedade de

consumo, necessária para a vigência do sistema capitalista e para a

modernização da sociedade que se pretendia igualar aos moldes europeus.

Segundo Santos (2005) a modernização da sociedade brasileira

inspirada nos princípios do liberalismo econômico exigia a adoção de um

Estado constituído de cidadãos com plenos direitos e deveres e o escravizado,

destituído da condição de cidadão era um empecilho aos interesses da elite

brasileira.

Participação do negro no processo abolicionista.

Hoje a regência pratica às escâncaras, em solenidades públicas, o acoitamento de escravos (...). Mas isso depois que dos serros de Cubatão se despenhava para a liberdade a avalanche negra, e o não quero do escravo impôs aos fazendeiros a abolição (Rui Barbosa, in: SILVA, 2003, p. 30

A passividade do negro no processo abolicionista e a amenidade com

que transcorreu esse processo dentro da sociedade brasileira é senso comum

nos materiais didáticos Mas engana-se quem acredita que este momento

transcorreu com a anuência de todos. Pelo contrário, opunham-se os

interesses de escravocratas e escravizados e estes por sua vez continuavam

se valendo de brechas da lei e de todas as oportunidades que se

apresentavam para tornar realidade o seu direito de liberdade.

Direito este que era contestado pelos proprietários escravocratas e seus

representantes no Senado que se utilizavam da premissa de que se a lei

atribuía o direito à propriedade privada, a abolição sem a devida indenização

seria uma contravenção, uma vez que feria a constituição brasileira vigente à

época. Assim os embates foram acirrados, pois de um lado encontravam-se os

Page 9: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

9

abolicionistas que pregavam a extinção da escravidão imediatamente e de

outro, os defensores da escravidão pautados na legalidade desta. E estes

últimos até aceitavam a hipótese da libertação dos escravizados, desde que

fosse lenta e gradual para que, segundo eles, não prejudicasse os proprietários

e também garantisse a segurança da população livre, uma vez que no seu

entender:

(...) um dos sérios problemas dos libertos, do qual decorria o “perigo social, era o baixo nível de “necessidades” que não os compeliria ao trabalho.(...)Para que o trabalho dos libertos se tornasse efetivo seria preciso que eles tivessem um “nível de necessidades” que os impelisse, os estimulasse ou mesmo os forçasse a realizar tais trabalhos . E esse “nível de necessidades” os libertos não teriam porque a escravidão os privara disso (MENDONÇA, 2001, p.33).

Mas os embates não se davam somente no Senado. Os jornais e

revistas da época também traçavam suas opiniões acerca da abolição. Muitos

dos jornais combatiam as idéias abolicionistas, chegando mesmo a por em

dúvida os ideais de alguns abolicionistas, como é o caso de Joaquim Nabuco,

que após ser derrotado nas eleições de 1882, viaja para a Europa, onde

escreve sua obra O Abolicionismo. Assim, diferente do que pretendia Nabuco

que julgava que a abolição deveria correr por vias legais através do Senado,

evitando assim a perturbação da ordem, o movimento abolicionista ganha as

ruas, tendo a participação dos mais variados setores da sociedade.

Principalmente a partir da abolição do açoite, em outubro de 1886, que

os movimentos pró-abolição se intensificaram. Vamos citar apenas alguns para

demonstrar o entendimento da importância desta lei. Os fazendeiros entraram

em pânico, prevendo o fim da escravidão, pois sabiam que eram os castigos

físicos que impediam as fugas dos escravizados. E foi o que sucedeu, pois o

conflito, em algumas províncias radicalizou-se. Os abolicionistas incitavam os

cativos a fugirem das fazendas e o movimento dos caifazes3 foi bastante eficaz

nesta ação.

O historiador Robert Conrad narra episódios que se sucederam no Porto

de Santos, que graças à ação dos abolicionistas iniciaram um movimento na

cidade que teve o apoio integral da população e em menos de cinco dias todos

3 Caifazes: movimento organizado no final do século XIX por Antonio Bento de Souza. Os membros deste movimento organizavam fugas dos escravos para envia-los para o quilombo do Jabaquara, em Santos e depois para a província do ceará, onde a escravidão já fora abolida.

Page 10: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

os escravos da mesma foram libertados e, além disso, a cidade tornou-se um

refúgio declarado para escravos que fugiam dos proprietários escravocratas.

A atuação dos caifazes, em São Paulo, liderados por Antônio Bento foi

decisiva para acelerar a abolição na província. Os seguidores de Antônio Bento

também provinham dos vários segmentos da população: fazendeiros,

profissionais liberais, ex-escravos, membros negros da Confraria de Nossa

Senhora dos Remédios, comerciantes, padres e estudantes. Realizando as

mais variadas tarefas os chamados caifazes infiltravam-se nas fazendas para

ajudar os cativos na fuga, protegiam e davam guarida a escravos fugitivos.

Incitando os escravizadores a abolir os cativos.

Os escravizados também atuavam nesta luta de forma decisiva fugindo

das fazendas, dizendo o “não quero” aos escravocratas, utilizando-se de toda

forma de luta, fundando os quilombos, centros de resistência, que nestes anos

finais da escravidão foram chamados de quilombos abolicionistas. Diferentes

dos primeiros que eram criados longe das cidades, em locais de difícil acesso,

agora foram instalados ao redor dos centros urbanos, onde podiam atuar a

favor de sua causa. Esse é o caso do quilombo do Jabaquara, próximo à

cidade de Santos, que recebeu centenas de escravos que fugiam das fazendas

de todas as partes da província. Ali encontravam abrigo e trabalho nas docas

do porto.

Outro quilombo abolicionista famoso foi o do Leblon, que atuava bem no

coração do Império, inclusive as camélias produzidas pelo quilombo enfeitavam

as casas da cidade e o palácio da princesa Isabel e segundo o historiador

Eduardo Silva, teve grande influência nas decisões referentes aos últimos

momentos da campanha abolicionista, através da figura do seu fundador, o

comerciante português José de Seixas Magalhães.

Estes quilombos tiveram sua importância pelo fato de que além de

abrigarem os escravos que fugiam do cativeiro, lutaram próximo aos centros

urbanos combatendo a instituição escravista e seus defensores. Estiveram bem

mais expostos aos ataques da polícia a serviço dos escravocratas e sua

resistência foi fundamental para o desfecho que ocorreu em 1888.

A abolição aconteceu, portanto após longos embates no Senado,

principiados em 1850, através da atuação de abolicionistas dos mais diferentes

segmentos e influenciados pelos mais diversos interesses, mas, sobretudo

Page 11: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

através da ação de negros libertos, dos quilombos abolicionistas e de

escravizados que lutaram contra todas as formas de opressão que lhes foram

impostas, acelerando o desmantelamento de um sistema que estava em vias

de desintegração.

Como exemplificou CONRAD a respeito da abolição na província de São

Paulo:

(...) foi a fuga dos escravos, mais do que a chegada dos italianos que convenceu, finalmente, os senhores de São Paulo de que o momento da libertação já chegara.(...) Só quando compreenderam – e chega- ram a esta conclusão muito relutantemente – que nada, a não ser a libertação total, solucionaria seu problema que se converteram ao

abolicionismo (CONRAD, 1972, p.313).

Conclusão

Assim, buscamos trabalhar o movimento abolicionista como parte de um

processo que transformou o escravizado em negro ou mulato, construção esta

permeada pela intensificação do racismo que imperou na segunda metade do

século XIX e que contribuiu para o preconceito de cor no imaginário social

brasileiro4, presente ainda no senso comum. Na sociedade brasileira dos

últimos anos do Império e início da República não havia lugar para o negro. Era

uma sociedade pensada para o branco, com ideais de civilidade européia e

todos os que não se enquadravam a este modelo eram excluídos através da

legislação ou do impedimento de acesso a trabalhos mais qualificados e de

moradia nos locais de difícil acesso.

Espera-se assim que essas reflexões possam contribuir para o

entendimento de que a imagem estereotipada do negro ainda permanece no

imaginário social refletido no senso comum das pessoas sem que estas

percebam que estão sendo preconceituosas ao utilizar certas expressões do

nosso vocabulário ou mesmo nas brincadeiras ou piadas. É esta permanência

no imaginário social que devemos combater, procurando entender como as

4 Segundo José D’Assunção Barros, p. 91, imaginário são imagens visuais, verbais e mentais produzidas por uma sociedade.

Page 12: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

teorias iluministas e positivistas exerceram influência nessa construção do

imaginário5 levando a uma desnaturalização do indivíduo negro, atribuindo-lhe

uma essência maléfica ou então invisibilizando-o no cenário nacional. Será que

as permanências deste imaginário no senso comum (modo de pensar da

maioria das pessoas) trazem implicações para a vivência dos atores do espaço

escolar? Em que medida o mesmo está presente no discurso de docentes e

discentes e quais implicações para o ensino de História do Brasil e em que

proporção impede que o professor trabalhe realmente de forma positiva a

presença negra na história do nosso país e suas contribuições no plano

cultural, econômico e social do Brasil.

Referências:

CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro,

Editora Civilização Brasileira, 1975.

MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no

Parlamento e na Justiça. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001.

NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.

PENA, Eduardo Spiller. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores

e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999, 362p.

PINSKY, Jaime e Carla Bassanezi Pinsky. Por uma História Prazerosa e

Conseqüente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula:

conceitos, práticas e propostas. 4. ed. – São Paulo> Contexto, 2005,p.17 a 36.

ROCHA, Lauro Cornélio da. A exclusão do negro – 1850 – 1888: uma

interpretação histórica das leis abolicionistas. São Paulo, USP, dissertação

de Mestrado.

SODRÉ, Muniz. O terreiro e a Cidade: a forma social negro-brasileira. Rio de

Janeiro, Imago Ed.; Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002

SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma

investigação de história cultural. São Paulo, Editora Scharcz, 2003.

5 Segundo José D’Assunção Barros, p. 91, imaginário são imagens visuais, verbais e mentais produzidas por uma sociedade.

Page 13: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

3. Perspectiva Interdisciplinar

Título: Literatura abolicionista

O professor de História tem um papel fundamental ao tratar desta temática,

buscando demonstrar aos educandos como o racismo foi sendo historicamente

construído por uma elite influenciada pelas idéias iluministas e liberais num

determinado momento da história brasileira onde o ideal de civilidade, de

cultura e de progresso era europeu e a população do Brasil não atendia a estes

ideais. Nessa busca por um ideal de civilização o país iniciou toda uma política

de branqueamento negando tudo que representasse a influência negra da sua

cultura investindo na imigração européia e na construção de uma ideologia da

branquitude. E neste processo, a Literatura da época foi pródiga em

personagens que contribuíram para a cristalização deste estereótipo criado em

relação ao negro.

Dessa forma a Literatura pode contribuir para que possamos compreender

melhor este período da nossa história. Ela pode nos levar a mergulhar no

pensamento popular, a perceber os estereótipos socialmente criados com a

intenção de inferiorizar as pessoas negras e isentar os escravizadores de culpa

pela prática da escravidão criminosa. Pois como bem especificou Faoro “A

literatura se relaciona intimamente com a vida social, constituindo-se como

uma espécie de espelho no qual se reflete uma época histórica” (FAORO, 1974

in: Revista Entre Livros: textos fundamentais para ler e guardar, Duetto,

set/2007, p.63).

Sugerimos aqui a análise da obra “As vítimas algozes” de Joaquim Manuel

de Macedo. Nesta obra existem 3 contos que o professor pode adequar para

análise com os seus alunos. Ela foi escrita em pleno processo abolicionista e

talvez até para convencer os proprietários de escravos da importância da

abolição. Ao retratar o negro escravizado como “(...) o homem que nasceu

homem, e que a escravidão tornou peste ou fera” (MACEDO, in:

BROOKSHAW, 1983, p.33), percebe-se seu intento em demonstrar que a

escravidão era responsável pelos males que atingiam a sociedade, então nada

mais natural e urgente que a mesma se livrasse deste mal.

Mesmo que sua intenção tenha sido a de contribuir para a percepção da

necessidade da abolição, o preconceito do autor para com a cultura africana e

para com o negro é latente em várias passagens. Seus personagens negros

Page 14: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

são destituídos de beleza, de integridade e da moral que somente os

personagens brancos podem possuir. Portanto, vemos que o autor estava

totalmente imbuído dos preconceitos reinantes à época.

Para melhor compreensão destacamos um pequeno trecho “[...] criolo

escravo e estimado de seu senhor torna-se em breve tempo ingrato e muitas

vezes leva a ingratidão a perversidade, porque é escravo” (MACEDO, s/d, p.

6).

Para o autor, mesmo que seja bem tratado, o escravizado jamais será grato

ao escravizador pelo simples fato de que a condição de escravo lhe tira os

sentimentos inerentes ao ser humano, em outras palavras, o autor aproxima o

escravizado às feras, que de um momento para outro podem atacar a mão que

“bondosamente” as alimenta.

Outra passagem interessante para ser tratada com os alunos a respeito

do preconceito do autor em relação ao negro pode ser observada no trecho em

que ele se refere às conseqüências que a sociedade tem de arcar por ter

instituído o sistema escravista. Macedo (1937, p.2) exemplifica sua opinião

quando cita que “não é possível que haja escravos sem todas as

conseqüências escandalosas da escravidão, querer a úlcera sem o pus, o

cancro sem a podridão é loucura ou capricho infantil.

É muito clara a visão do autor de que a escravidão corrompe o

escravizado, que por sua condição fica destituído de qualquer sentimento mais

nobre e, além disso, afeito à vadiagem e ao vício e mesmo que seja liberto um

dia, não terá as mesmas atitudes de um homem livre. Portanto para Macedo é

necessário livrar-se da escravidão para evitar que a sociedade continue sendo

corrompida e livrar-se da escravidão é livrar-se do escravizado.

Em outro conto que compõe a obra já citada, Macedo quando faz alusão

aos problemas inerentes à escravidão tenta demonstrar aos donos de escravos

os perigos que sua família sofre por manter-se próxima dos escravizados:

E ainda mais afirmamos com a segurança que resulta do estudo e da observação. Enquanto no Brasil houverem escravos, estarão nossas famílias facilmente expostas a envenenamentos por eles propinados. E, o que mais é, em dez casos desses crimes ou de tentativas desses crimes dois será contra o senhor, oito contra a senhora (MACEDO, 1937 p.68).

Percebe-se claramente a posição do autor, a de acabar com a

Page 15: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

escravidão o mais rápido possível, mas não por sentimento de piedade para

com os escravizados, antes como uma forma de evitar que a população branca

continue tendo contatos com os negros. Se realmente esta foi uma obra

encomendada pelo Imperador para convencer os fazendeiros da necessidade

da abolição, é uma incógnita, mas o autor esmerou-se em demonstrar por que

acreditava que a abolição era necessária. E essa não é uma característica

somente desta obra, as demais, escritas no período abolicionista são também

impregnadas do preconceito em relação ao negro que imperava no período.

Referências:

BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Porto Alegre,

Mercado Aberto, 1983, 266p.

MACEDO, Joaquim Manuel, As vítimas Algozes, disponível no endereço

eletrônico: http://www.dominiopublico.gov.br

Acessado em: outubro/2007.

4. Contextualização

Título: A invenção das raças e o processo de exclusão do negro

No século XIX, as teorias racialistas pensavam a existência de raças

como grupos de indivíduos com características próprias, portanto divididos em

culturas diferentes que são transmitidas para todos dentro do grupo.

Acreditavam também que o comportamento do indivíduo está atrelado ao do

grupo étnico ao qual pertence e de que existe um parâmetro único para avaliar

essas culturas.

Essas teorias racialistas unem-se ao racismo que prega a submissão

das raças inferiores por aquelas consideradas superiores. Encontra-se assim,

nas teorias racialistas a resposta para a prática de uma política racista.

Ora, os povos asiáticos, africanos e indígenas, estavam sendo

subordinados, naquele momento, e as teorias racialistas produziam discursos

com a finalidade de legitimar aquele processo de dominação e exploração de

pessoas.: “(...) a necessidade de teorizar as “raças”, como elas são, ou seja,

construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica

errônea, mas socialmente eficaz para construir, manter e reproduzir diferenças

Page 16: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

e privilégios” (GUIMARÃES, 1999, p. 64).

Estas teorias são ressuscitadas no Brasil num momento específico,

onde a partir de 1871 encaminhava-se para o desmantelamento da escravidão

e acenava para o fim do regime monárquico. As idéias racistas européias

chegam ao país e aqui são reproduzidas de modo singular, sem nenhuma

crítica mais apurada. Absorver estas teorias que condenavam a miscigenação

e ao mesmo tempo adapta-las a um país que se caracterizava pela mistura das

raças foi um desafio para a elite cultural brasileira. Citando Schwarcz:

Paradoxo interessante, liberalismo e racismo corporificaram, nesse momento, dois grandes modelos teóricos explicativos de sucesso local, equivalente e, no entanto contraditório: o primeiro fundava-se no indivíduo e em sua responsabilidade pessoal; o segundo retirava a atenção colocada no sujeito para centrá-la na atuação do grupo entendido enquanto resultado de uma estrutura biológica singular (1993, p. 14).

Os intelectuais brasileiros, segundo a mesma autora, utilizaram dois

modelos teóricos completamente diferentes e até contraditórios. Do darwinismo

social utilizaram a idéia da diferença entre as raças e sua hierarquização

(poligenismo) sem, no entanto discutir as implicações negativas da

miscigenação propagada por esta teoria. Do evolucionismo social utilizaram a

noção de que as diferentes raças passariam por uma evolução até chegar à

mais perfeita, demonstrando o esforço em adaptar à realidade brasileira as

teorias estrangeiras. Aqueles que se enquadravam no modelo menos evoluído

tornaram-se objeto de estudos: negros, pobres e escravizados passaram a ser

encarados como perigosos, um dificultador para o progresso da nação.

As antigas noções iluministas de perfectibilidade, do determinismo

geográfico e da poligenia (origens separadas das diferentes raças) somam-se

às teorias elaboradas a partir das ciências biológicas. Surge o darwinismo

social6 que pressupõe a existência de espécies humanas separadas por

estágios de evolução e, portanto em diferentes estágios culturais e de

conhecimento. Passou-se a destinar um lugar no mundo a cada povo de

acordo com sua classificação evolucionista, assim acreditavam que nada mais

6 O darwinismo social, teoria criada por Herber Spencer, foi influenciada pela teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Para os darwinistas sociais as características inatas ou herdadas têm uma influência muito maior do que a educação recebida pelo indivíduo. Os mais fortes e aptos estariam também mais desenvolvidos economicamente, justificando as desigualdades sociais existentes nas sociedades. Influenciou a eugenia e o nazismo.

Page 17: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

natural que o branco, por estar no topo da evolução, subjugasse os demais,

isentados de culpa pelas teorias racialistas, pois estas argumentavam que tais

grupos eram menos evoluídos do que os brancos europeus. Os escritos sobre

as diferenças entre os vários povos impunham certa hierarquia que através de

uma explicação anatômica vinha tentar explicar as mesmas. Dessa forma

surgem as ciências da época como a frenologia, a antropometria7 e a eugenia8,

todas muito difundidas no Brasil de fins do século XIX e início do XX. Assim o

darwinismo social - com seu ideal de evolução das espécies, que preconiza a

existência de uma raça pura, mais evoluída e por isso vitoriosa, - “vem coroar

de êxito a teoria das raças que vinha se desenvolvendo por mais de um século”

(SANTOS, 2005, p. 52).

Corroborando estas teorias, a ascensão da sociedade industrial com seu

elogio ao trabalho e ao sucesso pessoal através do desempenho do mesmo,

fez com que os povos que não estavam neste “estágio de desenvolvimento”,

como os africanos e indígenas brasileiros, fossem considerados inferiores,

incapazes de se afeiçoar ao trabalho, de chegar a uma moral evoluída.

Naturalizava-se a concepção de inferioridade, de incapacidade mental, da falta

de beleza e de senso moral destes povos. Apenas o branco poderia chegar ao

mais pleno desenvolvimento, tanto material quanto moral e estético. Os

teóricos brasileiros tentaram explicar as diferenças e hierarquias sociais de

modo bem particular. Enquanto as teorias racistas eram contrárias à

miscigenação por acreditar na degeneração das espécies, no Brasil a elite

cultural se atrevia a certos “rearranjos teóricos, pensando na viabilidade de

uma nação mestiça” (SCHWARCZ, 1993, p. 65).

Esses teóricos inventam o “ser negro brasileiro” a partir da influência

destas teorias racistas e do liberalismo. Assim passam a condenar o negro, a

sua religião, a sua inteligência e capacidade para trabalhar e para constituir

família. Mesmo para alguns abolicionistas era contundente a inferioridade do

negro. Os estereótipos afirmavam a incapacidade intelectual do negro, o que

levavam muitos deles a negarem sua identidade negra. Foi o caso de André 7 Segundo SCHARCZ, p. 48, frenologia e antropometria são teorias que procuravam interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e a proporção do cérebro dos povos. 8 Para SANTOS, p. 51, é a crença difundida no século XIX, de que existiria uma raça pura, mais forte e sábia que eliminaria as raças mais fracas, desenvolvendo o extermínio das mesmas.

Page 18: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

Rebouças, por exemplo, que sendo mestiço de negro e branco, conseguindo

circular nos meios brancos procurou negar de toda forma sua ascendência

africana. Somente mais tarde é que se engaja na campanha abolicionista.

Outro abolicionista, José Bonifácio, acreditava que o africano possuía pouca

capacidade mental, porém como afirma SANTOS (2005,p.105) “não se negava

a utilizá-lo como mão-de-obra livre para a efetiva ocupação do território e

progresso nacional”, já outro defensor da emancipação do negro escravizado,

Cezar Burlamarque, ex- chefe da Província do Paraná, alegava a necessidade

de devolver a todos para o solo africano, garantindo-se a paz e a segurança

para a população branca.

Joaquim Nabuco, importante abolicionista escreveu a obra “O

abolicionismo” em 1883 e teve grande influência sobre os militantes de então.

Sua obra defendia a necessidade de que o processo emancipatório corresse

por vias legais, através da Câmara e do Senado, jamais pelas mãos dos

escravizados, ou seja, “tomar o movimento das mãos deles e institucionalizá-lo

como se fosse um presente, um brinde aos cidadãos brasileiros” (SANTOS,

2005, p.122). Dessa forma pretendia-se dar a impressão de que os negros

foram passivos neste processo, necessitando da bondade dos brancos para

libertá-los do jugo da escravidão.

No mesmo contexto veremos que com o fim da escravidão, agora com

os negros libertos, era necessário pensar um ideal de sociedade onde todos

tivessem seu lugar definido. Às elites brasileiras não interessava pensar a

igualdade que as conquistas políticas trouxeram para toda a população numa

forma geral. Ciosa de seus privilégios passou a ressaltar as idéias racistas para

colocar brancos e negros em condições desiguais.

Finda a escravidão e instaurada a democracia por meio da República, toma força um discurso racial, tardio se comparado ao modelo liberal presente desde 1822. Ante a liberdade prometida pela abolição e a igualdade oferecida pela nova Constituição – que transformava todos em cidadãos-, parecia imperativo repensar a organização desse país (...) Transformada em utopia pelos cientistas nacionais, a igualdade conseguida mediante as conquistas políticas era negada em nome da natureza (SCHWARCZ, 1993,241).

E hoje, como nós podemos analisar com nossos educandos a situação

do negro após 119 anos da abolição da escravidão? Será que podemos, com

toda franqueza, dizer-lhes que o racismo não existe no Brasil? Você pode dizer

Page 19: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

1

que sim, afinal vivemos o mito da democracia racial. Tem razão, é um mito não

uma realidade. Basta estarmos atentos para os indicadores sociais e veremos

que grande parcela da população vive em condições de extrema pobreza. E,

segundo dados do Atlas Racial Brasileiro, entre os mais pobres, os que estão

em situação mais precária, são negros. Que tal analisar com seus educandos

os índices do Atlas Racial Brasileiro e constatar as disparidades sociais

encontradas no Brasil analisando o porquê dessas diferenças? Por que ainda

encontramos grande parte da população negra em desvantagem sócio-

econômica? Será que estas permanências da história não podem ser

alteradas? Conhecendo a história, juntos podemos reescrever os rumos da

mesma, construindo enfim para uma sociedade justa e igualitária, que respeita

a diversidade.

Referências

AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Anti-racismo e seus paradoxos: reflexões sobre cota racial, raça e racismo. São Paulo, ANNABLUMME: 2004 BORGES, Edson. MEDEIROS, Carlos Alberto. D’ADESKI, Jacques. Racismo,

preconceito e intolerância. São Paulo, Atual: 2002.

PENA, Spiller Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores

e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999, 362 p.

SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do “ser negro”: um percurso

das idéias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo,

EDUC/FAPESP; Rio de Janeiro, PALLAS: 2005.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e

questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras: 1993

5. RECURSOS DIDÁTICOS

Sítios

a) Título do sítio: http://www.casadasafricas

Acessado em: novembro/2007

Comentário: neste sítio você encontrará textos, livros, imagens e outras

informações sobre a África e a presença dos africanos e seus descendentes

no Brasil.

Page 20: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

b) Título do sítio: http://www.acordacultura

Acessado em: outubro/2007

Comentário: Neste sítio podemos encontrar textos relacionados à presença

da cultura africana do Brasil, como religiosidade, personalidades negras que

se destacaram na história do país e na arte, além de entrevistas entre

outros.

c) Título do sítio: http://www.historianet

Acessado em: novembro/2007

Comentários: Encontramos textos referentes à história do negro no Brasil.

d) Título do sítio: http:// www.mec.gov.br/secad/diversidade/ci

Acessado em: novembro/2007

Comentários: Neste sítio o professor pode acessar livros que foram

editados pelo MEC/SECAD,em formato pdf, relacionados à discussão do

racismo na escola, sugestão de conteúdos e atividades para as diferentes

disciplinas e séries do ensino básico.

Sons e Vídeos

VÍDEOS

Sugestão de vídeo

Título: A negação do Brasil

Direção: Joel Zito

Produtora;Casa de Criação Cinema e Vídeo, Joel Zito Araújo, Juca Cardoso,

Luis Antonio Pillar, Vandy Almeida.

Duração (hh:mm); 90 minutos

Local da Publicação; São Paulo, Brasil

Ano:2000

Disponível em: Vídeo Locadora

Comentário:

“Documentário sobre tabus, preconceitos e estereótipos raciais. Uma historia

das lutas dos atores negros pelo reconhecimento de sua importância na

historia da telenovela, o produto de maior audiência no horário nobre da TV

brasileira. O diretor, baseado em suas memórias, e em fortes evidencias

fornecidas por pesquisas, analisa a influencia das telenovelas nos processos

de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação

Page 21: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

positiva do negro nas imagens televisivas do país.”

Comentário extraído do sitio: htpp: //www.historianet.com/br

Sugestão de vídeo

Título: AMISTAD

Direção: Steven Spielberg

Duração: 162 min.

Local da Publicação: EUA

Ano: 1997

Disponível em: Vídeo Locadora

Comentário:

“Em 1839 dezenas de africanos a bordo do navio negreiro espanhol La Amistad

matam a maior parte da tripulação e obrigam os sobreviventes a leva-los de

volta à África. Enganados, desembarcam na costa leste dos Estados Unidos,

onde, acusados de assassínios, são presos, iniciando um longo e polêmico

processo, num período onde as divergências internas do país entre o norte

abolicionista e o sul escravista, caracterizavam o prenúncio da Guerra de

Secessão”.

Comentário retirado do sítio: http://www.historianet.com/br/conteudo/default

Sugestão de vídeo

Título: Quanto vale ou é por quilo

Direção: Sérgio Bianchi

Duração: 01h48min

Local da Publicação: São Paulo

Ano: 2005

Comentário:

“Desenha um painel de duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo,

semelhantes na manutenção de uma perversa dinâmica sócio-econômica,

embalada pela corrupção impune, pela violência e pelas enormes diferenças

sociais. No século XVIII, época da escravidão explícita, os capitães do mato

caçavam negros para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo:

o lucro. Nos dias atuais, o chamado Terceiro Setor explora a miséria,

preenchendo a ausência do Estado em atividades assistenciais, que na

Page 22: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

verdade também são fontes de muito lucro. Mostra que o tempo passa e nada

muda. O Brasil é um país em permanente crise de valores.”

Comentário extraído do próprio vídeo (contra-capa).

Sugestão de vídeo

Título: Atlântico Negro – Na Rota dos Orixás

Direção: Renato Barbieri

Duração: 54 min.

Local da Publicação: Brasília - DF

Ano: 1998

Disponível em: Vídeo Locadora

Comentário:

“Viagem no espaço e no tempo em busca das origens africanas da cultura

brasileira. Historiadores, antropólogos e sacerdotes africanos e brasileiros

relatam fatos históricos e dados surpreendentes sobre as inúmeras afinidades

culturais que unem os dois lados do Atlântico. Visão atual do Benin, berço da

cultura Ioruba. Filmado no Benin, no Maranhão e na Bahia.”

Comentário retirado do sitio: http://historianet.com.br/conteudo/default

Sugestão de vídeo

Título: Quilombo

Direção: Carlos Diegues

Duração (hh:mm): 119 min.

Local da Publicação: São Paulo

Ano: 1984

Disponível em: Vídeo Locadora

Comentário:

“Em meados do século XVII, escravos fugidos das plantações

canavieiras do Nordeste, organizam uma república livre, o Quilombo dos

Palmares. O quilombo sobreviveu por mais de 70 anos, até a destruição final.”.

Comentário retirado do sítio: http://www.historianet.com/br/conteudo/default

Page 23: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

Áudio - CD/MP3

Título da Música: A mão da Limpeza

Executor/Intérprete: Gilberto Gil

Título do CD: Raça Humana

Nome da Gravadora;

Ano; 1984

Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/cpaste.php?udig

Gilberto Gil – A Mão Da Limpeza Gilberto Gil

O branco inventou que o negro Quando não suja na entrada Vai sujar na saída, ê Imagina só Vai sujar na saída, ê Imagina só Que mentira danada, ê Na verdade a mão escrava Passava a vida limpando O que o branco sujava, ê Imagina só O que o branco sujava, ê Imagina só O que o negro penava, ê Mesmo depois de abolida a escravidão Negra é a mão De quem faz a limpeza Lavando a roupa encardida, esfregando o chão Negra é a mão É a mão da pureza Você pode encontrar a letra da música na íntegra no endereço

http://vagalume.uol.com.br/cpaste.php?udig

Comentário: A letra desta música de Gilberto Gil faz uma relação com o racismo

presente na história da nossa nação, que sempre viu o negro através de um

estereótipo que infelizmente permanece arraigado no senso comum. Oportuniza a

reflexão e conscientização de nossa posição em relação ao combate ao racismo

no nosso país.

Page 24: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

6. Proposta de Atividades

Atividade 1

Professor, no texto abaixo Clóvis Moura aborda o racismo brasileiro em relação

ao negro e os empecilhos para atingirmos a tão falada democracia racial. Com

base no texto e em dados da realidade brasileira que podem ser observados no

Atlas Racial Brasileiro, encontrado no sítio: http://www.atlas racialbrasileiro. Com

base nos dados encontrados faça uma reflexão com seus alunos sobre a

situação do negro no Brasil hoje, analisando as permanências e rupturas da

realidade que se apresenta na atualidade e aquela do período escravista. Após

o debate, sugerimos a elaboração e apresentação de textos, paródias ou de

charges que denunciem o racismo na nossa sociedade.

Título: Particularidades do racismo brasileiro. In: MOURA, CLÓVIS.

Dialética radical do negro brasileiro. São Paulo, Editora Anita, 1994. pág.

159-160

Particularidades do racismo brasileiroParticularidades do racismo brasileiroTexto: (...) “Em primeiro lugar o negro é considerado cidadão com os mesmos direitos e deveres dos demais. No entanto, o que aconteceu historicamente desmente este mito. Trazido como escravo, tiraram-lhe de forma definitiva a territorialidade, frustraram completamente a sua personalidade, fizeram-nos falar outra língua, esquecer as suas linhagens, sua família foi fragmentada e/ou dissolvida, os seus rituais religiosos iniciáticostribais se desarticularam, o seu sistema de parentesco completamente impedido de ser exercido e, com isto, fizeram-no perder, total ou parcialmente, mas de qualquer forma significativamente, a sua ancestralidade.

Além do mais, após o 13 de Maio e o sistema de marginalização social que se seguiu, colocaram-no como igual perante a lei, como se no seu cotidiano da sociedade competitiva(capitalismo dependente) que se criou esse princípio ou norma não passasse de um mito protetor para esconder desigualdades sociais, econômicas e étnicas. O Negro foi obrigado a disputar sua sobrevivência social, cultural e mesmo biológica em uma sociedade secularmente racista, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural, política e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradas e subalternizadas. Podemos dizer que os problemas de raça e classe se imbricam nesse processo de competição do Negro pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os salários dos trabalhadores no seu conjunto.

Page 25: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

O racismo brasileiro, como vemos, na sua estratégia e nas suas táticas age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso mas altamente eficiente nos seus objetivos.E por que isso acontece? Porque não podemos ter uma E por que isso acontece? Porque não podemos ter uma democracia racial em um pademocracia racial em um paíís onde não se tem plena e s onde não se tem plena e completa democracia social, polcompleta democracia social, políítica, econômica, social e tica, econômica, social e cultural. Um pacultural. Um paíís que tem na sua estrutura social vests que tem na sua estrutura social vestíígios gios do sistema escravista, com uma concentrado sistema escravista, com uma concentraçção fundião fundiáária e ria e de rendas das maiores do mundo; governado por de rendas das maiores do mundo; governado por oligarquias regionais retroligarquias regionais retróógradas e broncas; um pagradas e broncas; um paíís no s no qual a concentraqual a concentraçção de rendas exclui total ou parcialmente ão de rendas exclui total ou parcialmente 80% da sua popula80% da sua populaçção da possibilidade de usufruir um ão da possibilidade de usufruir um padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores abandonados, carentes ou abandonados, carentes ou criminalizadoscriminalizados não pode ser uma não pode ser uma democracia racialdemocracia racial””..

Atividade 2

Professor, uma importante fonte de análise para entendermos o racismo

no Brasil é veiculada de forma sutil ou escancarada nos meios de

comunicação. Sugerimos que assista, com seus alunos, ao filme “A negação

do Brasil” e após reflexão da luta dos artistas negros para conseguir um espaço

nas telenovelas brasileiras, pesquise com os mesmos, a imagem do negro

veiculada nos meios de comunicação, finalizando com um debate que pode ser

socializado com toda a escola, sob a forma de cartazes ou de uma palestra.

Atividade 3

A literatura é uma grande fonte para entendermos uma época.

Sugerimos que seus alunos façam a leitura de uma obra escrita no período

abolicionista e interpretem a imagem do negro neste período, analisando os

estereótipos criados em relação ao negro, ao trabalho e da cultura africana.

Sugerimos a leitura das seguintes obras, todas disponíveis na internet:

Page 26: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

Obras literObras literááriasrias

1. As v1. As víítimas Algozes timas Algozes

�� Autor: Joaquim Manoel de MacedoAutor: Joaquim Manoel de Macedo

�� DisponDisponíível em vel em http://www.domhttp://www.domííniopublico.gov.brniopublico.gov.br

�� Acessado em: 20/10/2007Acessado em: 20/10/2007

2. O demônio familiar2. O demônio familiar

�� Autor:JosAutor:Joséé de Alencarde Alencar

�� DisponDisponíível em vel em http://www.domhttp://www.domííniopublico.gov.brniopublico.gov.br

�� Acessado em: 20/10/2007Acessado em: 20/10/2007

3. Louren3. Lourenççoo

�� Autor: Franklin TAutor: Franklin Táávoravora

�� DisponDisponíível em vel em http://www.domhttp://www.domííniopubliconiopublico.gov..gov.brbr

�� Acessado em 20/10/2007Acessado em 20/10/2007

Após a leitura realizar um debate, apontando de que modo a literatura

reforça o racismo que havia no século XIX.

Atividade 4.

Após a discussão do texto realizada junto aos alunos, estimule os alunos

nas seguintes questões:

a) Como você analisa a seguinte afirmação: A abolição só ocorreu no

momento em que interessava ao regime político, ao exército, aos

industriais, aos fazendeiros e à elite letrada que detinha o poder político

e econômico e por isso ditava as normas sociais.

b) Que relação pode ser feita entre as idéias propagadas pelos filósofos

iluministas e a intensificação do racismo no século XIX?

c) E hoje, os estereótipos continuam presentes em nossa sociedade?

Justifique sua resposta.

Page 27: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

Referências

a. Imagens

Criadas no período escravista, as comunidades quilombolas continuam a ser sinônimo de resistência da população negra. (Imagem disponível no endereço eletrônico http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br)

Hoje, apesar do preconceito ainda estar presente na nossa sociedade, a população negra vem ocupando os mais variados espaços no mercado de trabalho. (Imagem disponível no endereço eletrônico http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br)

7. RECURSO DE INFORMAÇÃO

7.1 Sugestão de Leitura

Título do Livro: Cenas da Abolição: escravos e senhores no Parlamento e na

Justiça

Referência: MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e

senhores no parlamento e na Justiça. São Paulo, Perseu Abramo, 2001.

Comentários: A autora aborda o processo abolicionista a partir dos debates

parlamentares e das ações judiciais movidas pelos escravos. Procura

demonstrar como as brechas da lei permitiram aos escravizados lutar pela

liberdade que lhes era negada.

Título do Livro: As Camélias do Leblon e A Abolição da Escravatura

Referência: SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e A Abolição da

Escravatura: uma investigação de história cultural. São Paulo, Companhia das

Letras, 2003.

Page 28: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

Comentários: O historiador Eduardo Silva perfaz o trajeto do mais famoso

quilombo urbano, o quilombo do Leblon e de muitos personagens conhecidos

da história brasileira que lutaram pelo fim da abolição, influenciando inclusive a

princesa Isabel. Através da leitura desta obra podemos conhecer como alguns

abolicionistas atuaram na defesa dos direitos dos escravizados e pela garantia

de sua cidadania que até então fora negada.

Título do Livro: A invenção do ser negro brasileiro: um percurso das idéias

que naturalizaram as inferioridades dos negros.

Referência: SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do ser negro: um

percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo,

Educ/Fapesp; Rio de Janeiro, Pallas, 2005

Comentários: Nesta obra a autora refaz o percurso histórico do racismo e da

negação dos direitos do negro brasileiro a partir das idéias difundidas pelos

iluministas e que tanto influenciaram a elite intelectual e econômica brasileira e

como essa naturalização do racismo à brasileira aconteceu no imaginário

popular.

Título do Livro: As metamorfoses do escravo: Apogeu e crise da escravatura

no Brasil Meridional

Referência: IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo: Apogeu e crise da

escravatura no Brasil Meridional.São Paulo, Difusão européia do Livro, 1962.

Comentários: Este livro estuda a escravidão no Paraná, desde seu apogeu até

a abolição e transformação do escravo em negro e mulato, demonstrando

como o racismo foi sendo construído, ao mesmo tempo em que a abolição

pretendia, ao menos no papel, direitos civis iguais a todos os cidadãos

brasileiros, o preconceito impedia a concretização dos mesmos.

Título do Livro: Ser escravo no Brasil

Referência: MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo,

Brasiliense, 1988, 2ª edição.

Comentários: A autora aborda a escravidão desde a estrutura do tráfico até os

significados que o escravismo criminoso teve para os africanos e para os

escravizadores.As fugas, revoltas, a alforria e suas diversas formas, além das

relações sociais entre escravizados e homens livres.

Page 29: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

2

Título do Livro: Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista.

Referência: REIS, João José. SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a

resistência negra no Brasil escravista. São Paulo, Cia. das Letras, 1989.

Comentários: Os autores abordam as formas de resistência negra contra a

escravidão, enfocando vários episódios da história do Brasil, retirando do

escravizado a visão de objeto, tratando-o como sujeito ativo de uma história

que lhe foi imposta por circunstâncias alheias, mas que a todo momento tentou

mudar o seu destino, com revoltas, greves, fugas e negociações.

Título do Livro: A astúcia escrava frente aos senhores

Referência: PENA, Spiler Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente

aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999,

362 p.

Comentários: O autor aborda de maneira bastante clara e interessante como

escravizados e libertos utilizavam-se de todos os meios disponíveis para burlar

a situação imposta de escravizado, inclusive utilizando as brechas da lei para

conseguir seu intento. O autor consegue dar vida aos personagens,

desvendando a história de Curitiba desconhecida nos manuais didáticos.

7.2. Notícias

Jornal

Título da Notícia: “O PROJECTO DE ABOLIÇÃO”

Referência: O Dezenove de Dezembro, 11 de abril de 1888, pág. 2)

Texto:

“Lê-se, sob esta epígraphe, na “Gazeta de Notícias” de 4 do corrente:

“Um telegrama do nosso correspondente de S. Paulo deu há poucos dias a

noticia de o Sr. conselheiro Antonio Prado estava elaborando o projecto de

abolição do elemento servil. (...)

O art. 1º da nova lei consagrara o principio da libertação immediata e total.

Os libertos (pois em virtude desta disposição não haverá mais escravos), como

dissemos, ficarão sujeitos à prestação de serviços por mais trez meses, aos ex-

senhores, vencendo salários estipulados na lei. Fora deste prazo, o liberto

contratará com quem lhe convier o seu serviço, cujo salário terá um único

regulador, a lei econômica da offerta e da procura.

Durante dois annos o liberto será obrigatoriamente localisado no município de

Page 30: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

sua residência e será também obrigado a mostrar que tem occupação certa.

Esta parte da lei providenciará sobre a regulamentação simultânea da

vadiagem e vagabundagem, já de algum modo prevista nas leis anteriores. É

assim que a infracção destes preceitos da nova lei, referentes ao trabalho, será

punida com 8 dias de prisão e 30 nas reincidências com trabalho nas obras

públicas.(...)

Em todo caso, a idéia da libertação immediata e total, já aceita pela grande

maioria nacional, está adoptada pelo ministério que fará questão de gabinete,

se preciso for, para lhe dar victória.” (O Dezenove de Dezembro, 11 de abril de

1888, pág. 2)

Comentários: Interessante mostrar aos educandos como era pensada e

veiculada, à época, o projeto de abolição do cativeiro no Brasil, mostrando as

imposições pretendidas aos escravizados no momento da abolição. Além

disso, trabalhar jornais e outros documentos da época favorecem a melhor

compreensão de nossos alunos em relação ao tema abordado.

Revista de circulação

Título da Notícia: O lobby dos senhores de engenho

Fonte: Carta Capital

Referência: Carta Capital, Ano XIII, nº 464, 03 de outubro de 2007, p.18.

Texto:

Os donos da Pagrisa, maior produtora de álcool do Pará, serão

processados por manter funcionários em condições análogas à escravidão. Na

segunda-feira 24, a Justiça aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público

Federal, com base nos relatórios do grupo Móvel de Fiscalização do Ministério

do Trabalho. Os fiscais libertaram 1.064 empregados, de uma fazenda da

empresa em Uianópolis, a 417 quilômetros de Belém.

Essa foi a maior libertação desde 1995, quando o governo montou uma

equipe para combater o trabalho escravo. Só que um grupo de senadores,

liderados por Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Kátia Abreu (DEM-TO), passaram a

atacar a atuação dos fiscais na Pagrisa, acusando-os de “abuso de poder”.

Diante das pressões, a secretária de Inspeção do trabalho, Ruth Vilela,

Page 31: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

suspendeu as fiscalizações no País, em 20 de setembro. O ministro do

Trabalho, Carlos Lupi, diz que a medida visa proteger a integridade dos

servidores, que devem atuar “livres de pressões e interferências indevidas”.

O promotor Erlan Peixoto do Prado, do Ministério Público do Trabalho,

demonstrou preocupação com o fim das fiscalizações. “Centenas de

trabalhadores ficam vulneráveis quando o Estado não exerce o papel de vigiar

e punir os infratores”.

Comentários: (limite máximo: 250 caracteres):

O artigo faz referência à denúncia feita pelo Ministério Público à maior

produtora de álcool do Pará, a Pagrisa, que mantinha 1.064 trabalhadores

escravizados. Notamos hoje, as permanências do período abolicionista em que

parlamentares ligados aos grandes proprietários de terras, cuidavam dos

interesses dos mesmos, sem se preocupar com os interesses da população do

país, que infelizmente, os colocou no poder através do voto.

7.3. Destaques

Selvagens, Exóticos, Demoníacos. Idéias e Imagens sobre uma Gente de Cor Preta Gislene Aparecida dos Santos

Uma Cor Assustadora

O imaginário europeu durante toda a Idade Média até os séculos das Luzes, foi constituído pela existência de seres fantásticos que lhes geravam simultaneamente medo e fascínio. Raças monstruosas, homens com um pé só ou com orelhas enormes, gigantes, seres com o rosto no meio do peito, ocupavam lugar nas descrições da África e Ásia desde a Antiguidade, e figuravam na cosmografia renascentista. Ainda em 1660, em uma gravura de Mazot, representando a África (F. Mazot, As Quatro Partes do Mundo: a África. Paris, Biblioteca Nacional) se podia ver a imagem de um dragão, sobrevoando os céus.

Laura de Mello e Souza (1989:50) considera que “os habitantes das terras longínquas, que os europeus acreditavam serem fantásticas, constituíam uma outra humanidade, fantástica também, e monstruosa”. Conforme ocorreram as grandes descobertas, foram elas migrando da Índia à Etiópia, à Escandinávia e finalmente à América.

Esse mundo maravilhoso também era um mundo demoníaco com um diabo quase sempre pintado de preto já que, entre os medievais, Satã é

Page 32: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

chamado de Cavaleiro Negro e de Grande Negro.

Ainda segundo Cohen (1980), os europeus enxergavam o preto como marca do mal e da depravação humana e não podiam entender que houvesse povos portadores de uma cor que era motivo de grande inquietação.(...)

Terrorífico, o que mais assusta aos seres humanos é o pânico de perder o simbólico, de não conseguir representar aquilo que é vivido. Esse é o campo da estranheza (...). O negro, dessa forma, pode ser visto como o outro do branco, um duplo, como aquele que, ao surgir diante do branco, lhe remete a sensação de estranhamento, de terror, de algo que solicita, de alguma forma, uma simbolização. Essa simbolização ocorre através da construção, em primeiro lugar, do exotismo.

Obs.: Professor, você pode encontrar este texto na íntegra, no endereço eletrônico: http://www.scielo.br?scielo.php?Ing=pt

Este texto traz subsídios para a discussão do racismo, auxiliando-o a aprofundar esta problemática.

8. Paraná.

Título: Astúcia escrava

Referências: PENA, Spiler Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente

aos senhores e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999,

362 p.

Para trabalhar a escravidão no Paraná e a luta do escravizado para a

obtenção de sua liberdade utilizamos dois casos abordados pelo historiador

Eduardo Spiler Pena, na sua obra já citada. Ao utilizar estes dois casos, tentou-

se desmistificar a idéia de passividade e mesmo conformismo dado ao

escravizado.

Ao analisar a história de Barnabé e de Eleuthério podemos perceber que

o escravizado soube aproveitar-se de momentos propícios para a negociação,

como aponta REIS( 1989) ao destacar que os escravizados agiam de acordo

com a oportunidade que se apresentava, gerando a negociação para a

obtenção ou manutenção de certos privilégios ou o conflito direto que gerava a

fuga para a liberdade.

A primeira história abordada por PENA e que passamos a analisar é a

de Barnabé Ferreira Bello, 33 anos, escravizado, nascido em São José dos

Pinhais, de pele negra, e que trabalhava como escravo de ganho como oficial

de sapateiro em Curitiba. Em 1880, juntamente com seu curador apresentou a

seguinte petição ao Juiz municipal de Curitiba:

Page 33: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

(...) que estando há muitos anos no pleníssimo gozo de sua liberdade, e na gerência dos poucos bens obtidos pelo seu trabalho, nesta Capital, em virtude do abandono em que deixou o seu ex-senhor, Reverendo João Baptista Ferreira Bello, residente na vila de São José dos Pinhais (...) precisa o suplicante que Vossa Senhoria o mande manumitir na posse do direito adquirido em face da suposição do parágrafo quarto do artigo sexto(PENA, 1999:p 245).

Interessante a história deste escravizado, que se apresentava a todos

como liberto, inclusive o fato de residir sozinho, pagando aluguel por conta

própria, facilitava que fosse tido como pessoa livre. Porém, no momento de

solicitar sua compra de alforria apresentou-se à justiça como escravo

abandonado pelo seu senhor, o que viabilizaria seu caminho para a liberdade.

Seu intento, ao final não foi alcançado, porém com sua astúcia e

decorrente da ação que moveu, permaneceu escravizado, porém seu

proprietário foi impedido de vendê-lo para outra província como era seu intento.

Pelo que apuramos na obra citada, Barnabé continuou a exercer sua profissão

de sapateiro, vivendo livre de certa forma, longe do olhar vigilante de seu

escravizador. O autor relata que em 1882, dois anos após a contenda que

tratamos acima, Barnabé é citado num relatório sobre o quadro dos alunos que

freqüentavam a escola noturna, enviado à presidência da província. Nesse

relatório aparece novamente o nosso astuto Barnabé como o único escravo a

freqüentar a escola noturna e também como o aluno mais faltoso, deixando

entrever que o mesmo continuava a interagir na sociedade escravocrata como

se liberto fosse.

Pena nos mostra que não podemos continuar a ver os escravizados

como pessoas passivas, destituídas de inteligência que aceitaram

passivamente a história que lhes foi imposta. Através da história de Barnabé,

podemos desmascarar dois mitos acerca da escravidão: uma de que no

Paraná não houve escravidão, mito que foi difundido por muitos historiadores e

também desmistificar a idéia da passividade do negro. Basta atentar para uma

das façanhas de Barnabé, que através de sua inteligência conseguiu se

matricular num curso noturno, num período da história brasileira em que a

educação e qualquer forma de instrução era vedada aos escravizados.

Outro momento importante analisado pelo autor refere-se à Lei nº 2040

Page 34: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

de 28 de setembro de 1871 ou Lei do Ventre Livre, importante destaque ao

abordarmos o processo emancipacionista, pois seguindo a idéia dos

parlamentares ela “estancaria, pois, a escravidão pela raiz e aproximaria o dia

da abolição total” (ROCHA, 1999, 75). A lei declarava que os filhos nascidos

de mulher escrava a partir daquela data, seriam livres, porém trazia ressalvas

quanto à liberdade uma vez que até os sete anos a criança estaria em poder do

senhor de sua mãe e até atingir a maioridade para pagar o que foi gasto com o

seu sustento era obrigado a prestar trabalhos ao mesmo. O proprietário de sua

mãe podia também entregá-lo aos cuidados do Estado se assim desejasse.

Qual a abrangência desta lei? Será que os escravizadores não buscaram

formas de burlar a legislação e continuar escravizando os que nasceram a

partir de 1871?

PENA nos mostra que também em Curitiba esta foi uma prática

constante, como podemos verificar na citação abaixo:

Eleuthério, ingênuo, nascido após a lei do ventre livre, foi matriculado ilegalmente como escravo, em 1887, por José Teixeira de Faria.(...) Nascido em 1874 e com apenas 13 para 14 anos no momento em que foi escravizado, Eleuthério recebeu o imediato apoio de parentes e conhecidos seus para dar entrada a uma ação sumária de liberdade no juízo municipal de Curitiba (PENA, 1999, 230).

A história de Eleuthério teve um desfecho feliz porque ele estava

protegido por um grupo de parentes, inclusive sua mãe, que viviam como

lavradores e constituíam uma pequena comunidade de libertos e que desta

forma conseguiram proteger-se dos interesses dos escravizadores. Assim

como o caso do pequeno Eleuthério quantos não existiram em nosso país? Os

proprietários de escravos utilizaram toda sorte de subterfúgios para burlar a lei

assim como também os escravizados se valeram das brechas da lei para

conseguirem sua emancipação.

Outra brecha trazida com a lei de 1871 foi a possibilidade de o escravo

formar “pecúlio” para comprar sua liberdade. É claro que esta não era uma

pratica da qual todos os escravizados pudessem se utilizar, uma vez que para

conseguir arrecadar dinheiro para comprar sua liberdade dependia também do

tipo de trabalho a que estava submetido, como os escravos de ganho, por

exemplo, para desta forma burlar a vigilância do seu proprietário e formar um

Page 35: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ ... · marcenaria entre outras. Enfim, cidades, vilas e fortunas foram construídas a partir do trabalho africano. Na segunda metade

3

pecúlio suficiente para requerer sua alforria. O escravo que conseguisse

poupar o suficiente tinha a proteção da lei, pois esta obrigava o proprietário a

conceder a alforria, como observa MENDONÇA ao abordar a lei de 1871, no

artigo 2º do parágrafo 4º em que estipulava o direito do escravo conseguir sua

alforria através de indenização oferecida ao seu proprietário.

Bibliografia

MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no

Parlamento e na Justiça. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001

PENA, Spiller Eduardo. O jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores

e à lei na Curitiba provincial. Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999, 362 p.

ROCHA, Lauro Cornélio da. A exclusão do negro – 1850 – 1888: uma

interpretação histórica das leis abolicionistas. São Paulo, USP, dissertação de

Mestrado