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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO Superintendência … · 1Professora PDE, da rede pública de ensino, do Estado do Paraná, lotada no município de Quinta do Sol – PR. 2 Professor

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

Superintendência da Educação

Diretoria de Políticas e Programas Educacionais

Programa de Desenvolvimento Educacional

Av. Água Verde 2140, CEP 80240 – 900/ Curitiba-Pr.

POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE O JOGO E A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

CONTRA-HEGEMÔNICA

Autor: Roseli Ferreira Aldivino-1

Orientador: Ms. Rogerio Massarotto de Oliveira2

Resumo

Este trabalho, desdobrado do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná, teve como objetivo principal analisar o conteúdo Jogo enquanto uma práxis pedagógica contra hegemônica na Educação Física Escolar. Para isso, se fez necessário, inicialmente, compreender a organização societal capitalista e como esse conteúdo da Educação Física possibilitaria meios para a transformação social por meio de uma pedagogia crítica. Assim, foram utilizados jogos considerados contra hegemônicos, produzidos, especificamente, para esse estudo e aplicado para a 5ª série do ensino fundamental. O método, inicialmente, foi elaborado pela leitura do tema em livros, sites e cursos realizados no PDE com base no materialismo histórico e dialético. Juntamente com o processo de pesquisa dos jogos e discussão sobre as possibilidades de alteração das regras, foi elaborado um caderno didático com alguns jogos para aplicação junto aos alunos da 5ª série, divulgado junto aos professores participantes do grupo – GTR – Grupo de Trabalho em Rede. Em seguida, analisou-se a compreensão dos estudantes da 5ª série, em relação ao conteúdo Jogos por meio da observação participante. Finalmente, por meio das análises realizadas pode-se concluir que essa pesquisa oportunizou novos conhecimentos, pela elaboração de estratégias, que repensaram a práxis pedagógica na educação física escolar, além da multiplicação de ações com outros professores e alunos apontando a efetiva possibilidade do jogo como uma forma de mediação contra hegemônica na área. Palavras-chave: Jogo; Contra hegemonia; Educação física; Escola.

1Professora PDE, da rede pública de ensino, do Estado do Paraná, lotada no município de Quinta do Sol – PR.

2 Professor Orientador, Mestre em Ed. Física, docente da Instituição de Ensino Superior – UEM – Universidade

Estadual de Maringá.

INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste trabalho foi analisar o conteúdo Jogo enquanto

práxis pedagógica contra hegemônica na Educação Física Escolar. Para isso, se fez

necessário compreender como o conteúdo Jogo (pedagogizado), poderia desvelar a

organicidade da sociedade capitalista, além de constatar suas possibilidades

pedagógicas críticas para a transformação do modo de produção humana atual.

Esse tema surgiu, inicialmente, pelas experiências obtidas durante o

magistério na área da educação física e, também, pela facilidade com que consigo

pedagogizar e didatizar o conteúdo jogos junto aos estudantes que se encontram em

processo de formação. Penso ser fundamental ao seu progresso e desenvolvimento,

haver um compromisso do educador no sentido de transformá-los num sujeito

participativo e crítico e, portanto, se faz necessário a análise constante da práxis

pedagógica.

O cotidiano escolar, formado pela relação professor-aluno e conhecimento

deve ser compreendido por meio de uma intenção pedagógica crítica clara, levando

o aluno a compreender a realidade social para modificá-la incessantemente. Para

tanto, cabe aos educadores, desempenhar mediações consistentes com a classe

social à qual pertence, que é a classe trabalhadora, emergida a partir da revolução

burguesa ocorrida a partir da crise e declínio do feudalismo, mais exatamente entre

o século XVIII e XIX.

Desde a pré-história, para a humanidade, era importante ser forte

fisicamente e não havia a preocupação com a formação crítica do indivíduo, porém,

mesmo hoje em dia, a busca pela criticidade nas entidades educacionais formais

são assumidas pelas pedagogias não críticas (SAVIANI, 2004) no âmbito prático e,

ainda, no âmbito teórico, pelas pedagogias críticas reprodutivistas (Projeto Político

Pedagógico da escola).

Diante dessas contradições, a Educação Física não se alija do projeto de

conformação da classe trabalhadora, porém, apresenta um conteúdo que julgo

imprescindível para poder tratar questões sociais, políticas e históricas, pois nele, há

a expressão de todas as condições materiais de vida dos sujeitos sociais assumindo

relativo significado como recurso pedagógico para a formação humana, que é o

Jogo, o brinquedo e a brincadeira (conteúdo estruturante da disciplina de Educação

Física e que faz parte da cultura corporal da humanidade).

O jogo incentiva o estudante a satisfazer a sua necessidade de ação; o

motiva a iniciativas próprias, que é fator essencial para o seu desenvolvimento como

indivíduo. O ato de jogar e brincar torna-se uma necessidade vital para o

desenvolvimento social, possibilitando a ampliação da percepção do real e de uma

possível análise de sua condição, dependendo, obviamente, da teoria pedagógica

utilizada na educação formal.

Para utilizar o Jogo, portanto, para os fins dessa pesquisa, propus a

aplicação de jogos disponibilizados pelo Grupo Marxlutte da UEM3, que tratam de

questões contra hegemônicas (que serão esclarecidas adiante) junto aos alunos do

5ª ano. Sabe-se que os jogos existem desde a pré-história e seus registros indicam

as mais variadas formas de jogar em diversos locais do mundo. Desde o surgimento

do homem, há registros de jogos encontrados nas paredes de cavernas e isto retrata

a necessidade que se apresentava às atividades de sobrevivência como a pesca e a

caça, então esse mesmo jogo deverá ser analisado a partir da cultura corporal,

caracterizando-se pela espontaneidade, flexibilidade e criatividade.

Autores como Huizinga (1999) e Caillois (2004), afirmam ser o jogo uma

atividade de ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites e

tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente

obrigatórias, comportam regras, mas deixam um espaço de autonomia para que

sejam readaptadas, conforme os interesses dos participantes de forma a ampliar as

possibilidades das ações humanas.

Contracenando com a utilização desse conteúdo nas aulas, há, na maioria

dos casos, a centralidade das aulas de educação física baseada nos esportes

coletivos (conteúdo Esporte), uma vez que faz parte da cultura hegemônica da

sociedade burguesa numa apropriação do mesmo para avançar seus propósitos de

hegemonização e de disseminação de sua ideologia.

Sem a clareza desses princípios dominantes, presentes nos conteúdos da

Educação física escolar, o professor, por sua vez, deixa de produzir mediações

críticas aos educandos sobre o meio social ao qual está inserido e que, para Cunha

(1989), é reflexo de um conhecimento que nem mesmo os educadores possuem.

3 MARXLUTTE, grupo de estudos e pesquisas marxistas sobre Lúdico, Trabalho, Tempo livre e

Educação, do Departamento de Educação Física da UEM. Disponível em www.marxlutte.webs.com

Porém, o mesmo acontece com o jogo, o qual é trabalhado, muitas vezes, nas aulas

de Educação Física, como uma atividade descontextualizada, sem um objetivo claro

e real aparecendo como elemento de aquecimento/inicialização das aulas e como

um meio para aplicação dos outros conteúdos estruturantes da educação física.

Diante dessas provocações, surge a necessidade de formular uma pergunta

de partida como o fio condutor desse estudo que foi: Quais as relações entre o

conteúdo Jogo e as possibilidades pedagógicas críticas e contra hegemônicas na

Educação Física escolar?

Para analisar essa inquietação central, outras se desdobraram durante o

processo, tais como: Como os estudantes da 5ª série compreendem o conteúdo

Jogo? Qual a significância do jogo no processo de formação da autonomia e

criticidade do estudante na Educação Física escolar?

Desta forma, na busca da análise dessas questões, foram formuladas

intervenções na escola junto aos alunos da 5ª série por compreender que nessa fase

escolar, o interesse por jogos é maior do que nas demais séries, baseado nas

minhas experiências na escola. Assim, busquei me aproximar do método

materialismo histórico e dialético, mas por questões de limitação de compreensão e

de tempo disponível para maturação do conhecimento ao qual tive contato, o estudo

pode ter apresentado algumas incoerências que, a meu ver, não comprometeram os

resultados e analises, mas incorreu em apontar a necessidade de aprofundar o

método e a articulação com a teoria utilizada.

Portanto, metodologicamente, a pesquisa consistiu em várias leituras,

estudos e discussões visando maior aprofundamento sobre o assunto, utilizando-se

de livros, cursos e sites recomendados, bem como de um trabalho de observação

junto aos estudantes do 5ª ano, a fim de analisar o grau de conhecimento dos

mesmos em relação às questões que os jogos apontavam. Também, foram

realizadas atividades de pesquisa sobre os jogos, conceituando-os e buscando a

história dos mesmos, discussão junto aos estudantes sobre as possibilidades de

mudanças de regras de jogos, trazendo-os o mais próximo possível ao seu

cotidiano. De forma paralela, foi elaborado um caderno didático, com vários jogos

para aplicação junto aos estudantes mencionados e que foi divulgado junto aos

professores participantes do grupo – GTR – Grupo de Trabalho em Rede.

Para o aprofundamento e análise das questões produzidas foram planejadas

32 horas/aulas, no período de setembro a novembro de 2011, junto aos estudantes

do 5º. ano de uma escola pública, localizada no município de Quinta do Sol – PR em

momentos que serão detalhados adiante, juntamente com as possíveis análises

produzidas.

2. POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FÍSICA E A HEGEMONIA

A Educação Física escolar no Brasil teve início no final do século XIX, sendo

que nessa época, o país iniciava sua transição da sociedade escravista para a

formação sócio-capitalista. As tendências que predominavam na Europa foram

acompanhadas pelo Brasil, tendo a Educação Física a preocupação de construir um

homem novo, que pudesse dar suporte à nova ordem política, econômica e social

emergente. O objetivo, segundo Gallardo (1998), era formar um indivíduo forte,

saudável, indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do país.

A classe média brasileira, seguindo o exemplo dos acontecimentos

europeus, assumiu a tarefa de reformular os hábitos higiênicos da família,

libertando-a dos vícios do período colonial. As aulas começaram a ser preparadas

com a separação por sexo, pois para cada um havia objetivos diferentes: para os

homens era de formar seres produtivos, fortes e talvez chegarem a ser até militares;

já para as mulheres era de formá-las mais femininas, boas reprodutoras e futuras

donas de casa.

Após a Primeira Guerra Mundial a Educação Física escolar ganhou uma

nova influência, a dos militares.

O governo militar investiu nessa disciplina em função de diretrizes pautadas no nacionalismo, na integração e na segurança nacional, objetivando tanto a formação de um exercito composto por uma juventude forte e saudável como a desmobilização das forcas políticas opcionais (PCNs, 1998a, p. 21).

A Educação Física, passa assim, a ser considerada importante na melhoria

da força de trabalho para o “milagre econômico brasileiro” (PCNs, 1998a, p. 21).

Nesse período estreitaram-se os vínculos entre esporte e nacionalismo. Ao término

da Segunda Guerra Mundial, a Educação Física brasileira passa a incluir as

atividades esportivas no seu currículo sob forte influência norte-americana.

O caráter utilitário e tecnicista da Educação Física acentua-se durante os

governos militares implantados a partir do golpe de 1964, na qual “[...] a fase pós-

guerra foi propícia para o esporte, pois estavam em desenvolvimento as indústrias

com a conseqüente urbanização da população e dos meios de comunicação em

massa” (GALLARDO, 2000, p. 19).

As ideias liberais e estruturadas funcionalistas da sociedade sustentam que

o esporte, nos currículos escolares, levará a criança a aprender que entre ela e os

outros, e para a convivência social, a obediência a certas regras incontentáveis e

imutáveis é necessária. “Na práxis esportiva aprendem a vencer através do esforço

pessoal e a conviver com vitórias e derrotas, como melhores e piores, vencedores e

derrotados, possuidores de aptidão ou inaptos” (IDEM).

Na fase competitivista, a partir de 1964, de caráter bastante tecnicista, a

Educação Física era vista como desporto de alto nível, com a finalidade de formar

atleta herói. Teve início com a revolução e existia censura à imprensa e as artes que

contradiziam os interesses militares. Expoentes da política, literatura, artes, música e

intelectuais das mais diversas áreas eram vigiados e perseguidos, sendo muitos

deles obrigados a se exilarem (CASTELLANI FILHO, 1994). O sucesso da Seleção

Brasileira de Futebol em duas Copas do Mundo (1958 e 1962) levou à associação

da Educação Física escolar com o esporte, especialmente o futebol. O terceiro título

na Copa de 1970 foi o auge da política de “pão e circo”, contribuindo para manter o

predomínio dos conteúdos esportivos nas aulas de Educação Física. O espírito

ufanista brasileiro estava elevado e a propaganda mostra a força do povo brasileiro

e a necessidade de se acreditar no país (CASTELLANI FILHO, 1994).

O modelo esportivista também chamado de mecanicista, tradicional e tecnicista, é muito criticado pelos acadêmicos a partir da década de 80, mas essa concepção está presente até hoje na sociedade e na escola. Novas tendências começam a surgir na Educação Física: “Como o Brasil não se tornou uma nação olímpica e a competição esportiva da elite não aumentou o número de praticantes de atividades físicas, iniciou-se então uma profunda crise de identidade nos pressupostos e no próprio discurso da Educação Física, que originou uma mudança significativa nas políticas educacionais (BRASIL, 2000, p. 23).

Com a abertura democrática, vem a fase popular da Educação física, onde

não se tem uma linha teórica definida, ficando bastante ligada a modismos como

academias, testes físicos, surgem novas modalidades desportivas, acentua-se a

ludicidade, com uma filosofia que visava à organização e mobilização dos

trabalhadores. Ocorre uma crise de identidade da Educação Física: crítica excessiva

ao esporte de rendimento dá lugar ao desenvolvimento de um modelo no qual os

alunos é que decidem o que vão fazer na aula, escolhendo o jogo ou a forma como

querem praticá-lo, sem muita intervenção do professor (CASTELLANI FILHO, 1994).

Na tendência social, busca-se uma socialização da Educação Física, com

grande preocupação com deficientes físicos, terceira idade, meninos de rua. Há

estudo de várias teorias e dentro das Pedagogias Progressistas, a Educação Física

perde sua ênfase no caráter meramente esportivo e começa a ganhar características

de nível histórico, crítico e social, com a introdução de elementos como aulas

teóricas sobre os conteúdos, aulas de história e filosofia da Educação Física, além

de contextualizações, discussões e análise de textos sobre os conteúdos

programados.

Os conteúdos são integrados, os domínios psicomotor, cognitivo e afetivo são vistos de uma forma globalizada, visando à expressividade corporal do aluno, dentro de uma formação crítica. Considera-se na avaliação que o patrimônio cultural que se expressa nas possibilidades corporais, no acervo de conhecimentos sobre a cultura corporal, se diferencia de acordo com a condição de classe dos alunos (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 105).

Dentro desses conteúdos, pode haver uma integração entre a Educação

Física e a Pedagogia no sentido de que a finalidade principal das duas áreas, como

já foi dito anteriormente, é a formação global do indivíduo em todos seus aspectos.

Conteúdos como a recreação, os jogos, as brincadeiras, as danças, o

folclore e atividades complementares como acantonamento, passeios, entre outros,

além da própria psicomotricidade, podem ser trabalhados em conjunto por

pedagogos e profissionais de Educação Física, numa troca de conhecimentos

específicos de cada área, numa integração que só vem a trazer benefícios para

ambos os lados, para a Educação e, principalmente, para o aluno.

Atualmente, a Educação Física é a área do conhecimento que introduz e

integra os alunos na cultura corporal do movimento com finalidade de lazer, de

expressão de sentimentos, afetos e emoções, de manutenção e melhoria de saúde.

Segundo os PCNs (1998 b), a Educação Física rompe o tratamento tradicional que

favorece os alunos que já tenham aptidões, adotando como eixo estrutural da ação

pedagógica o princípio da inclusão, apontando para perspectiva metodológica de

ensino-aprendizagem que busca o desenvolvimento da autonomia, da cooperação,

da participação social e da afirmação de valores e princípios democráticos.

Fonseca (1999), cita que o desenvolvimento é um processo essencial para

que a aprendizagem se realize, precisa ser entendido como a construção de

estruturas de pensamento que constituem a base do conhecimento.

Nesse sentido, sempre houve a tentativa de integrar a Educação Física com

as tendências pedagógicas no Brasil, no sentido de formar valores conforme a

hegemonia necessitava. Conteúdos como a recreação, os jogos, as brincadeiras, as

danças, o folclore e atividades complementares como acantonamento, passeios,

entre outros, além da própria psicomotricidade, foram oferecidos, primeiramente,

pelo jurista Arnaldo Sussekind, entre 1920 e 1940, que visava um tempo livre para o

trabalhador (PEIXOTO, 2008, p. 117), cita que a obra desse advogado, que aborda

a experiência do Serviço de Recreação Operária (SRD) implementada no DF na

década de 1940, “[...] expressa as características da preocupação burguesa com a

ocupação do tempo livre do trabalhador no Brasil com vistas à conformação da

classe trabalhadora aos interesses da burguesia” (IDEM).

Evidencia-se, portanto, a relação direta da Educação Física escolar, com as

regras hegemônicas apontadas pela classe dominante (burguesa) num dos

principais Aparelhos Ideológicos do Estado: a Escola. É nesse ambiente que a

Educação Física, como uma das áreas do conhecimento, busca apontar os

elementos da cultura corporal do movimento com finalidade de lazer, de expressão

de sentimentos, afetos e emoções, de manutenção e melhoria de saúde. Ao mesmo

tempo, tenho me deparado, com a negação das outras áreas em reconhecer a

Educação Física como um campo que gere conhecimento científico para os alunos,

pois tem sido entendida como aula para relaxamento, descanso e distração dos

alunos e que, quando não há aulas de Educação Física na quadra poliesportiva

(esporte, por exemplo), ficam mais indisciplinados, irritados e ansiosos nas outras

disciplinas, evidenciando a função utilitarista para a escola como um todo,

distanciando-se, portanto, do caráter de gerar conhecimento.

Ao buscar a relação da Teoria Política com essa discussão (educação,

educação física e hegemonia) Coutinho (2008), citado por Paes Neto (2011, p. 5),

afirma que o neoliberalismo, na atualidade, constitui-se “a face das conseqüências

mais desastrosas do capitalismo”, pois as políticas neoliberais vêm “desapropriando

e desregulamentando direitos, referentes às necessidades humanas mais básicas

(alimentação, moradia, educação, lazer, etc.), porém, os neoliberais afirmam que

esta situação será superada e que poderiam devolver a população empobrecida e a

sua cidadania”. De acordo com os fatos da história do cotidiano, sabe-se que a

realidade não é bem assim e os mecanismos criados e os discursos contribuem para

manter as desigualdades e a sociedade dividida em classes. O esporte, neste

sentido, também passa a ter caráter político, especialmente pela implantação de

programas de esportes na escola. O mesmo autor (p. 6) reafirma que:

Neste contexto neoliberal e de luta pela hegemonia, as leis elaboradas no Brasil descrevem o Esporte como uma Política Pública prioritária do Estado, pois essa prioridade asseguraria o direito à práxis esportiva. Tais políticas estão voltadas ao “assistencialismo”, sendo assim, estão a serviço do sistema neoliberal, no qual a educação, o esporte e a escola estão entre os mecanismos e discursos para manter a ordem e as desigualdades.

Desta forma, a cidadania tão sonhada, onde todos têm direito, fica longe de

ser alcançada numa sociedade de classes. Isto também é percebido por Cunha

(2006), ao citar Faria Junior (1997), que “em relação ao processo de construção

hegemônica do neoliberalismo (...) este se insere por meio de reformas na

economia, na política, no jurídico, no campo educacional entre outros, usando

estratégias que buscam mascarar a realidade, no intuito de legitimar soluções únicas

para a resolução dos problemas socioeconômicos da população” (p. 12).

Portanto, a divisão entre classes surgiu a partir das mudanças nas forças de

produção e nos conflitos entre os homens, já que nas sociedades primitivas não

havia essa divisão, onde o poder aparece entre os homens. Um grupo social

possuía o excedente produzido, explorando outra classe social que não tinha os

mesmos meios de produção ou a terra (Marx). Para Dias, (2011, p. 01) “a relação

entre educação, luta de classes e revolução é questão do como se dá a construção

de sociabilidades e, portanto, como se configura a hegemonia”.

No mundo globalizado em que se vive, a separação das classes sociais está

mais acentuada e mais desumana – portanto, é pela educação, pela escola

transformadora, onde a ideologia seja buscada pelos alunos, professores e demais

atores que a compõe e não pelo domínio do Estado, que se muda a ordem social

vigente.

Para compreender a Educação Física, e os jogos mais especificamente, neste

contexto, é preciso buscar o conceito de hegemonia, que, segundo Chauí (1986),

citada por Cunha (2006, p. 14),

[...] ultrapassa o conceito de cultura por que indaga sobre as relações de poder e alcança a origem do fenômeno da obediência e da subordinação; ultrapassa o conceito de ideologia porque envolve todo o processo social vivo percebendo-o como práxis, isto é, as representações, as normas e os valores são práticas sociais e se organizam como e através de práticas sociais dominantes e determinadas.

Os jogos e de maneira geral, as aulas de Educação Física são, ainda,

entendidas como uma forma de exploração, ao querer integrar alunos ou apenas

aliená-los. O mundo do trabalho, integrado ao capitalismo, influencia muitos setores

da sociedade, às vezes de forma rude, colaborando para a perpetuação das

desigualdades e de injustiças sociais.

Para Cunha (2006, p. 69), a Educação, assim como a Educação Física

sofreram alterações enquanto função social, que, segundo ele, é reflexo da

modificação da forma de produção humana, que, ao primar pela ordem social,

implica no “manter as estruturas assentadas sob a égide da classe dominante, e por

isso, hegemônica, em detrimento da classe historicamente explorada”.

Nunes (2001), afirma que a Educação Física Escolar deve ser compreendida

como componente curricular que possui saberes e conhecimentos, e como práxis

pedagógica busca refletir sobre a cultura corporal que são os jogos, os esportes, a

ginástica, a dança, entre outros, buscando contribuir para a autonomia e a criticidade

dos educandos. Para o autor, ao se fazer esse tipo de reflexão, a “cultura corporal

contribui para que o aluno possua a noção de identidade de classe, pois apresenta

valores contrários aos do sistema capitalista, valores como: individualismo,

competitivismo” (p. 14), podendo, desta forma, mudar a sua realidade de vida.

Sendo assim, o professor precisa ver o aluno com alguém que brinca, dança,

pula, corre e que, portanto, é um ser em evolução, que tem conhecimentos, é um ser

socialmente construído, por isso, a escola, como o lugar privilegiado para o

conhecimento científico, o saber elaborado, precisa ter na disciplina de Educação

Física e seus conteúdos, esse caráter crítico.

Desta forma, a pesquisa buscou novas análises sobre os jogos nas aulas de

Educação Física que, muitas vezes, são entendidos e manifestados de forma

reacionária e hegemônica, presenciados pela minha experiência profissional.

Também se verifica que o consumismo e a luta de classes do mundo moderno

manifestam-se no sistema capitalista em que vivemos e interferem nas relações

entre os sujeitos (alunos), mesmo em uma quadra de esportes.

2.1 A Educação Física e as DCEs – Diretrizes Curriculares da Educação Física no

âmbito da hegemonia e contra hegemonia

A partir do momento em que a disciplina, no âmbito escolar, deixa de ser

intitulada como atividade e passa a ser considerada componente curricular pela Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº. 9394/96 começa a

desempenhar papel pedagógico formativo, que engloba o desenvolvimento dos

aspectos bio-psico-social e informativo, que contribui com os aspectos relacionados

à transmissão e produção de conhecimento envolvendo a motricidade humana

(OLIVEIRA, 2004).

Como a Educação Física é uma das disciplinas que fazem parte do currículo

escolar, as Diretrizes Curriculares contemplam como conteúdos estruturantes desta

disciplina: o esporte, a ginástica, os jogos e brincadeiras, a dança e as lutas (DCEs,

2008, p. 90). O seu objeto de estudo é a cultura corporal, sendo também o seu

objeto de conhecimento. Os aspectos dessa cultura corporal devem ser

selecionados, organizados e sistematizados no currículo escolar, permitindo o

acesso ao conhecimento acumulado historicamente acerca do movimento humano,

sendo que, neste trabalho, são os jogos.

Nas Diretrizes Curriculares, o jogo e as brincadeiras “são pensados de

maneira complementar, mesmo cada um apresentando as suas especificidades”

(PARANÁ, 2008, p. 65). E ainda:

No caso do jogo, ao respeitarem seus combinados, os alunos aprendem a se mover entre a liberdade e os limites, os próprios e os estabelecidos pelo grupo. Além do seu aspecto lúdico, o jogo pode servir de conteúdo para que o professor discuta as possibilidades de flexibilização das regras e da organização coletiva. As aulas de Educação Física podem contemplar variadas estratégias de jogo, sem a subordinação de um sujeito a outros. É interessante reconhecer as formas particulares que os jogos e as brincadeiras tomam em distintos contextos históricos, de modo que cabe à escola valorizar pedagogicamente as culturas locais e regionais que identificam determinada sociedade (IDEM).

Os jogos e as brincadeiras deverão apresentar possibilidades que ampliem a

percepção e interpretação da realidade. Eles atuam como maneiras de

representação do real através de situações imaginárias. O Jogo deverá atuar no

processo de escolarização, com a finalidade de intervir na reflexão do aluno,

realizando uma crítica aos modelos dominantes, exigindo do professor uma postura

crítica diante desses modelos e que busquem alternativas para que todos os alunos

participem das aulas de Educação Física.

Desta forma, a educação ou a atividade física não pode ser vista apenas

como uma forma de evidenciar ou melhorar o corpo ou a aparência, como se

observa na sociedade atual de consumo. O consumismo é um vício típico das

sociedades capitalistas, na maioria das vezes, estimulado por campanhas exibidas

nos meios de comunicação, desejo este, que, de certa forma, reproduz-se segundo

a estruturação social. Para Lyra (2001), o consumismo está sempre em

movimentação e interage com as construções da natureza ideológica e com suas

relações da materialidade social.

Sendo uma ideologia presente em muitos países, o consumismo leva à

criação de mercados e públicos consumidores através do incentivo publicitário e que

se relaciona com práticas e apropriações culturais dos diversos sujeitos envolvidos

no sistema (LYRA, 2001). Já para Nascimento (2010), o consumismo é identificado

“como uma forma de sustentação da hegemonia global do capital”. Para o autor:

Consumo – sim: é o terreno da presa ideológica em um domínio da vida cotidiana. Mas o capitalismo, não devemos nunca esquecer, mantém em sua base um sistema de produção, e é no trabalho assim como no lazer que a hegemonia se reproduz cotidianamente. O que Marx denomina de “compulsão ao trabalho alienado” progressivamente adapta pessoas a relações sociais existentes, matando suas energias e a capacidade de imaginar qualquer outra e melhor ordem do mundo.

Oliveira (2010, p. 28), também concorda que o trabalho alienado acaba

moldando o mundo infantil e tornando a infância rápida e eficiente no

aproveitamento de seu tempo. Para o autor,

As brincadeiras são moldadas pelo mundo adulto: a pipa que já é comprada, o esconde-esconde é eletrônico (play stations), as brincadeiras cantadas são as da Xuxa e Cia. e o revólver já é “quase” de verdade. A dimensão lúdica, então, influenciada pela jornada de trabalho da família, passa a ser encaixada no pouco tempo livre que as crianças têm e, ainda, na sua forma mercadorizada (p. 29).

O mesmo autor afirma ainda que a geração da infância se torna um alvo

muito fácil para se incorporar desejos e “[...] necessidades consumistas, amplia a

produtividade e o consumo das mercadorias infantis (brinquedos, roupas e tênis,

fastfoods, canções, recreação infantil etc.), que também servem para suprir a falta

de tempo desfrutado com os filhos, pelos pais” (IDEM).

Nesse sentido, a atividade lúdica fica, muitas vezes, submetida ao mundo do

adulto e “oferece tudo aquilo que o mundo sério e produtivo adulto não oferece e,

assim, ocupa a mesma função do lazer em relação ao trabalho, no qual o primeiro

serve para alcançar uma (falsa) felicidade que o segundo jamais oferece” (IBIDEM).

Percebe-se que a atividade física na escola tem resquícios de valores da

classe que mantém a hegemonia, ao reforçar a competividade, o consumismo, a

seleção. Por isso, a educação física escolar que se quer deve ir além dessa

hegemonia, levando os alunos a pensar, refletir sobre o mundo à sua volta. Para se

pensar a hegemonia no esporte, é preciso lembrar do conceito de Gramsci (1991),

que coloca que a hegemonia é a supremacia de um grupo sobre o outro, que se

apresenta como domínio e como direção intelectual e moral. Esta segunda forma se

dá através das instituições que divulgam a ideologia dominante. O esporte na escola

apresenta-se como uma práxis hegemônica a partir da ditadura militar no Brasil,

recebendo grandes críticas até hoje.

Reis et al. (2009, p. 6), ao citar Kunz (2006), afirmam que a Educação Física

na Educação Básica deve

[...] contemplar um esporte que transcenda as questões hegemônicas, isto é, superando a idéia de esporte-espetáculo acelerado pelos meios de comunicação que o coloca no centro de suas programações, transformando o mesmo em mercadoria, isto é, o esporte conhecido na sua práxis hegemônica pela mídia nas competições esportivas, não constitui uma realidade educacional, pois não apresenta subsídios de formação geral.

Os autores afirmam ainda que o esporte espetáculo e hegemônico seja

superado nas aulas de Educação Física, entende-se que os “alunos podem

conhecer, refletir e compreender, tal fenômeno, isto é, sendo possibilitado pelos

professores a fazerem relações com seu mundo social, político, econômico e

cultural” (p. 07). Desta forma, pode-se ter esporte na escola, independente dos

recursos disponíveis, vários tipos de esportes, que inclua todos os alunos.

Ao buscar a compreensão de jogo, conforme Huizinga (1999) é uma

atividade de ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites e

tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente

obrigatórias, comportam regras, mas deixam um espaço de autonomia para que

sejam readaptadas, conforme os interesses dos participantes de forma a ampliar as

possibilidades das ações humanas.

Nesse sentido, cabe ressaltar que o jogo, além de ser aplicado e vivenciado

em diversos ambientes, apresenta-se na escola como um dos conteúdos da área de

Educação Física e que, pode, também, contribuir com a compreensão, participação

e transformação da realidade que o cerca. Porém, na maioria dos casos, a base é o

esporte coletivo. Isso porque esse conteúdo faz parte da cultura do aluno. O

professor, por sua vez, envolvido com a práxis pedagógica hegemônica, deixa de

fornecer uma compreensão crítica aos alunos sobre os conteúdos e até mesmo

sobre o meio social ao qual está inserido e que, para Cunha (2006), é reflexo de um

conhecimento que nem mesmo os educadores possuem.

Desta forma, trabalhar os jogos nas aulas de Educação Física, não apenas

como uma forma de conhecimento educativo, mas como forma de construir cidadãos

melhores, é um desafio que deve perseguido pelos professores. As regras podem

ser flexibilizadas, oportunizando o aluno a criar, evitando a agressividade e o

confronto individual ou coletivo. O mais importante nas atividades é a participação

dos alunos, integrando e incluindo-os, exigindo a colaboração de todos,

independente da habilidade de cada um.

Assim, nas atividades desenvolvidas, que enfocaremos a seguir, houve a

preocupação de não valorizar o “ganhar” ou o “perder”, como também se evitou

eliminar participantes, incluindo-os até o final das atividades, de forma que o aluno

se sinta participante da atividade física, compreendendo e incorporando atitudes e

habilidades.

3. AS MEDIAÇÕES NA ESCOLA: JOGANDO O JOGO DA LUTA DE CLASSES

O conteúdo Jogo trabalhado com os alunos possibilitou o conhecimento da

práxis pedagógica contra hegemônica, através da elaboração de estratégias e novos

conhecimentos por parte deles. A Educação Física desenvolveu-se por meio de

atividades que levaram os alunos ao reconhecimento dos temas e assuntos

abordados e à compreensão desta práxis.

No primeiro encontro, apresentei o projeto aos estudantes para conhecerem

os objetivos do mesmo. Apliquei, também, entrevistas exploratórias para me

aproximar da compreensão dos estudantes sobre temas adjacentes, como trabalho,

brincadeiras e consumismo. Na mesma oportunidade foi exibido um vídeo

denominado Consumismo e Felicidade, disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=AGY6AMLw0tA&feature=related, o qual mostra a

relação do ter e do ser, da necessidade ou não do consumo.

Neste encontro, após a conversa inicial e da exibição do vídeo, observei que

muitos alunos se interessaram pelo projeto, pelo novo modelo da aula, porém, vários

alunos se mostraram decepcionados, porque não haveria a “bola”. Conversamos

muito sobre o consumismo, sobre as marcas que aparecem no vídeo, procurando

trazer para o cotidiano dos alunos. Dentre outras questões, foi perguntado aos

alunos: Por que as brincadeiras de hoje são diferentes daquelas do tempo dos

nossos pais? Por que a pessoa é mais importante pelo que tem e não pelo que ela

é? Um dos estudantes citou alguns nomes dizendo que esses são “ricos”. Perguntei

por que ele achava isso e disse que é porque eles têm casa boa, carro, vídeo game,

usam tênis bons, embora ele estivesse com o celular na mão e, também, possua

vídeo game.

No segundo encontro apliquei o primeiro jogo, Sempre entrando pelo ralo4,

cujo tema é Capital e Trabalho, o qual faz uma analogia com o mercado de trabalho,

ou seja, expressa a dificuldade que os seres humanos enfrentam para entrar no

mercado (necessidade imposta pela sociedade) e uma vez que se veem inseridos,

não conseguem escapar do sistema, sendo aprisionados e se deparam com o

processo de alienação humana pelo trabalho alienado/assalariado (LESSA, 2007).

Após a execução do jogo, preparei um momento para as discussões visando

comparar a brincadeira com o trabalho de seus pais. Nesse momento elaborei

algumas questões, tais como: Qual a necessidade dos seus pais trabalharem? São

explorados no seu trabalho? A intensidade de trabalho é muito grande? Quantas

horas trabalham? Concomitantemente, o jogo teve o objetivo de demonstrar para os

estudantes, de forma simplificada, prazerosa, porém, objetiva, parte da lógica do

4Disponível em www.marxlutte.webs.com

capitalismo e como se oriunda o mercado de trabalho sendo totalmente dependente

do sistema se subordinando às suas regras como falta de opção. Para a aplicação

do jogo, alguns estudantes ficaram no interior do círculo e outros fora dele,

representando assim, o mercado de trabalho, onde uns poucos pertencem a esse

universo, e outros, embora não pertencentes, buscam fazer parte dele, mesmo

sabendo de suas limitações.

As crianças posicionadas no círculo, representando o capitalismo, se

organizaram para formar uma barreira, pés e braços bem juntos, para que os que

estavam dentro do círculo não saíssem, representando o trabalho assalariado ou o

próprio trabalhador. Essa condição evidenciou que os trabalhadores ainda não têm

forças suficientes para acabar com o capitalismo, demonstra que a produção de

capital só se mantém e cresce amparado na sua estrutura de dominação da força de

trabalho na obtenção do lucro e consequente acumulação. Para melhor caracterizar

esse tema, foi representado pelas crianças que ficavam localizados no centro do

círculo, no caso os trabalhadores e, diante disso as crianças se esforçavam para

sair, mas tiveram alguma dificuldade, tal como ocorre no mercado de trabalho. As

crianças que estavam foram do círculo representaram os trabalhadores que buscam

a sua inserção no mercado de trabalho, já que estes alunos precisaram quebrar a

barreira formada pelos demais alunos para irem ao centro do círculo. Os alunos, em

número de 22, tiveram reações e participações diferentes: os mais tímidos ou menos

ousadas não gostaram muito, já os mais fortes, especialmente os meninos,

gostaram mais, pois podiam exibir e materializar a sua “força”.

Na primeira tentativa de entrar no círculo, somente os mais destemidos

conseguiram, porém na segunda tentativa, a maioria já buscou formas para

conseguir o intento, combinando estratégias ou locais por onde deveriam tentar e

diziam: “vamos nas meninas que são mais fracas” ou “vamos em Fulano, que está

com os braços mais soltos ou bem unidos”. Todos os grupos passaram por todas as

posições, o que contribuiu para que realizassem a tarefa melhor ou combinavam

outras estratégias para atingir o objetivo. Esta atividade foi bastante interessante,

pois retratou a realidade da sociedade. Nas discussões que se sucederam sobre as

ações dos alunos, foi possível comparar a brincadeira com o trabalho de seus pais,

sobre as razões pelas quais trabalham, de onde se originam essas necessidades, se

os pais são explorados em seus trabalhos e como acham que isso ocorre.

Questionei, também, se o trabalho exige muito dos pais e quantas horas trabalham

por dia e por semana, concluindo no questionamento da condição fisiológica e

psicológica que os pais se apresentam ao chegar o final de semana.

Com essas indagações, os estudantes analisaram que, se não houver união,

força e diálogo não irão conseguir escolher ou alcançar objetivos, mas que não

souberam, exatamente, dizer quais são, pois a formação de uma consciência de

classe se faz ausente no processo de educação formal. Junto às análises, pode-se

realmente comparar as estratégias no jogo, com o trabalho, que é cansativo, que

geralmente chegam cansados e querem mais é assistir TV, além de trabalharem de

forma intensa e durante muitas horas por dia. Ali, havia muitos que trabalhavam

numa usina e que saíam de madrugada de casa e só voltavam a noite, como os

trabalhadores do século XVIII, conforme cita Vega (1980).

Após a discussão, que durou aproximadamente, 30 minutos, o jogo foi

reaplicado para que pudessem elaborar outras estratégias e, assim, ampliar a

compreensão do tema. Agora, todos os alunos ao realizarem o círculo, o faziam

prestando mais atenção, segurando bem firme, dificultando a entrada daqueles que

estavam fora e a saída daqueles que estavam dentro.

No encontro seguinte, após as modificações das regras feitas pelos alunos,

o jogo foi reaplicado e, mais uma vez, com boa participação dos alunos, que

entenderam os conceitos discutidos anteriormente. A turma foi dividida em três

grupos, a do círculo, os que ficavam fora do círculo e os que ficavam dentro do

mesmo. Após o sinal, ao invés de simplesmente tentar entrar e sair, agora os alunos

combinaram que, primeiramente, o grupo de fora ajudaria o grupo de dentro a sair e

depois, o grupo de fora ajudaria aqueles que estavam no primeiro grupo a entrar no

círculo, pois assim, ficaria mais fácil atingir o objetivo, pois o grupo ficou maior e

mais unido, ajudando-se mutuamente.

O quarto encontro iniciou-se com a exibição do vídeo O que são classes

sociais – As classes no capitalismo5, com o objetivo de reforçar a compreensão do

conteúdo já apresentado, no qual se pôde discutir com os alunos a divisão de

classes ou o que significa pertencer a uma ou outra classe e, ainda, como são as

relações entre elas. A discussão foi proveitosa, pois os alunos já estavam estudando

5 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=xQm-8QEi6Go.

temas relacionados na disciplina de Geografia, o que contribuiu para que

percebessem a desigualdade entre as classes sociais.

Em seguida, apliquei o jogo Acerte o Alvo6, cujo tema trata do consumismo e

das classes sociais. Esta atividade trouxe a relação dos brinquedos relacionados ao

capitalismo e os brinquedos nos quais a classe trabalhadora tem maior acesso.

Como exemplo, pode-se citar o Playstation III e o pião, contraditoriamente. Ao final

da atividade, apresentei algumas questões: Todos têm as mesmas oportunidades?

Por que se escolhe um ou outro brinquedo? Quais brinquedos gostariam de ter?

Qual é mais fácil adquirir? Que tipo de criança brinca com determinados

brinquedos? E outras questões que foram formuladas com base nas respostas e

discussões. Esse jogo possibilitou um debate sobre a desigualdade entre as classes,

mostrando que nem todos têm condições de ter alguns brinquedos e oportunidades,

além de refletir sobre a sociedade, ou seja, as condições materiais que possuem.

Também foi possível mostrar que as figuras relacionadas ao capitalismo eram mais

pesadas, por isso os alunos tinham dificuldade maior em derrubá-las, em

compensação os brinquedos lúdicos eram leves, facilitando a queda dos mesmos.

Na reaplicação do jogo, após a alteração das regras pelos alunos, estes

tentavam derrubar acertar as latas que continham os nomes dos brinquedos mais

simples, mesmo desejando acertar os outros. Após as alterações o jogo ficou como

um boliche, onde os alunos deveriam derrubar os pinos a certa distância, sendo que

me cada pino havia uma identificação/imagem de um determinado assunto, imagens

de brinquedos, e até mesmo produtos de consumo, ou propagandas vinculadas na

mídia. Após o grupo derrubar os pinos, o professor mostrava as imagens, fazendo

com que os alunos as identificassem e tecessem argumentos sobre as mesmas. Isto

foi feito por meio de questionamentos que fizeram com que os alunos comentassem,

por exemplo: se eles conheciam o produto, se o compraria, se já o possuía, o que

achava do produto, qual seria a finalidade deste produto, dentre outros. O resultado

foi bastante positivo, levando os alunos a refletirem sobre o consumo e sobre a

divisão de classes.

No encontro seguinte foi trabalhado um vídeo sobre alienação, denominado

Tempos Modernos7, antes do início do jogo Coletividade em ação8, cujo tema é a

6 Disponível em www.marxlutte.webs.com

7 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=lxd6VVzMcOk&feature=related

8 Disponível em www.marxlutte.webs.com

luta de classes. Esta discussão possibilitou defrontar os estudantes com a realidade

social produzida pelo capital e também foi possível analisar as estratégias dos

jogadores, fazendo-os elaborar melhor seu modo de se organizar, questionando por

que os trabalhadores em maior número, não conseguem alcançar os objetivos? O

que deveriam fazer para que isso ocorra? O que fez que alcançasse (ou não

alcançasse) a meta? O que são os meios de produção? Quem tem posse deles e

por quê? O que é a propriedade privada e a quem serve? O que a existência da

propriedade privada causa na humanidade? Todo mundo tem onde morar, o que

comer e vestir? Desta forma, puderam-se apontar algumas características da

sociedade na qual vivemos (a capitalista) e explicar, um pouco, como seria uma

sociedade que valoriza o homem, que dá valor a sua essência, esta que possibilitará

condições dignas e também de igualdade entre todos, sem competição e egoísmos

como acontece na sociedade capitalista (MESZÁROS, 2004). Foi possível, assim,

trabalhar o tema com explicações e exemplos que colocaram o aluno frente a frente

com a realidade que vivem, assim como os lugares que vão e do que se alimentam.

A discussão foi interessante, pois os estudantes já apresentavam maior

conhecimento dos temas, desenvolvendo melhor a criticidade, questionando e

analisando a situação.

Nos encontros seguintes foram reaplicados os jogos com as novas regras e

mais uma vez a retomada dos temas tratados durante as “brincadeiras”, serviu como

reforço às questões produzidas neste estudo.

De fato, pude comprovar que, embora a criança faça apenas o que mais

gosta, quando brinca aprende a se subordinar às regras das situações que

reconstrói. Essa capacidade de sujeição às regras, imposta pela situação imaginada

é uma das fontes de prazer no jogo e no brinquedo ou como afirma Marcellino

(1990), citado por Mello (2003, p. 29), “a criança, enquanto produtora de cultura,

necessita de espaço para esta criação. Impossibilitada, torna-se consumidora

passiva”. Dessa forma, com o desenvolvimento do trabalho observei que os alunos

se inseriram nas atividades, principalmente quando reorganizaram as regras e que

isso propiciou relativa ampliação de sua autoestima, motivando-os a participar

dessas estratégias pedagógicas por meio dos jogos apresentados.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dessas provocações, surge a necessidade de resgatar a pergunta de

partida como fio condutor desse estudo que foi: Quais as relações entre o conteúdo

Jogo e as possibilidades pedagógicas críticas e contra hegemônicas na Educação

Física escolar? A disciplina de Educação Física sempre esteve presente na história

da educação brasileira, acompanhando as mudanças da sociedade, bem como as

novas tendências e programas educacionais, porém, na maioria das vezes, tratada

apenas como esporte ou conteúdos que priorizem o cognitivo, a aprendizagem

motora, ou ainda, para cuidar do corpo e da mente, esquecendo-se da utilização do

jogo como uma possibilidade contra - hegemônica.

Também é importante compreender como os estudantes da 5ª série

compreendem o conteúdo Jogo e qual a significância do jogo no processo de

formação da autonomia e criticidade do estudante na Educação Física escolar?

Perguntas que foram feitas no início desse estudo, onde os resultados alcançados

nos permitem afirmar que é possível transformar a atividade física, especialmente os

jogos aplicados na escola, em uma atividade com características contra

hegemônicas, onde as aulas de educação física são transformadas num trabalho de

reflexão, em que os alunos experimentando e vivenciando as atividades, constroem

valores para a vida, resgatando a práxis social, desenvolvendo-os e tornando-os

adultos emancipados.

O profissional da Educação Física também precisa estar preparado para

levar o aluno a repensar o caráter alienante das atividades físicas, superando-o,

para que desta forma, ao refletirem sobre isso, tragam para si próprios valores e

princípios que os tornarão cidadãos críticos e mais conscientes de seu papel.

Foi importante explorar as relações dos jogos e compreender as regras,

problematizando o jogo hegemônico em nossas aulas, criando alternativas e outras

formas de execução, onde, em alguns momentos, foi claro a constatação de que os

alunos tiveram dificuldades ou apresentaram alguma resistência em participar das

atividades, quando estas eram adaptadas ou transformadas das regras originais.

Porém, grande parte solicitava que o jogo se repetisse após as modificações e, ao

vivenciarem e experimentarem as atividades contra hegemônicas, novas

compreensões foram incorporados pelos alunos como coletividade, cooperação,

autonomia e, também, compreensão, ainda relativa, das contradições do sistema

capitalista, posicionando-se mais criticamente que antes das aplicações.

É possível afirmar que o indivíduo moderno vive sob uma opressão

ocasionada pela ideologia conforme cita Mèszáros (1999), seja porque não tem

emprego ou pela necessidade de submeterem-se as condições do trabalho precário

(levantar muito cedo, enfrentar conduções, pouco tempo para o lazer e como

consequência, vida sob o estresse) o que, sem dúvida, acaba refletindo nos filhos e

no seu desenvolvimento escolar.

Dessa forma, a práxis de atividades na perspectiva contra hegemônica,

favorece o pensamento crítico, já que o aluno precisa elaborar regras e refletir sobre

elas. Sobre isso, Neves et.al. (2008, p. 29) afirmam que “a escola pode ser útil à

classe trabalhadora como instrumento de barganha por melhores condições de

trabalho, como instrumento de alargamento do grau de conscientização política e

como instrumento da formulação de uma concepção de mundo emancipatória das

relações sociais vigentes”.

A educação escolar orientada por uma concepção de mundo reduzida às

ações de produção e de consumo corresponde a uma formação alienadora, onde as

classes mais pobres não têm um tratamento digno – e é na escola que se propõe

uma percepção crítica de si mesmos e de classe com um pensamento dialético.

Nesta perspectiva, o sujeito não se mantém passivo diante de sua formação e do

mundo, superando-se.

É evidente a importância de brinquedos e brincadeiras para os alunos,

recuperando inclusive aquelas tradicionais; o jogo é uma atividade dinâmica capaz

de satisfazer a necessidade das crianças inseridas nessa série escolar. Além disso,

propicia um ambiente favorável ao interesse da criança pelo desafio das regras

impostas por uma situação imaginária que pode ser considerada como um meio

para o desenvolvimento do pensamento abstrato, porém, a mediação é o aspecto

fundamental para o jogo ser crítico ou não. Se o educador não tiver condições para

analisar a realidade posta, o jogo se apresenta como um elemento a mais a ampliar

o processo de hegemonização e dominação da classe burguesa.

Penso ser muito significativo inserir os alunos em atividades que permitam

um caminho que vai da imaginação à abstração de estratégias diversificadas de

resolução dos problemas em jogo, mas não de qualquer jogo, nem sob qualquer

teoria pedagógica. O processo de criação está diretamente relacionado à

imaginação, mas o processo de compreensão da realidade por meio de um jogo

está relacionado com o grau de resistência sobre as mazelas sociais produzidas

incessantemente nos sujeitos.

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