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O Gancho Jornal labortatório dos estudantes do curso de Jornalismo da UEL Edição 2 | 2014 A partir de um autorretrato, surge o projeto. A artista deixa de ser a fotógrafa e passa a ser o corpo que performa Mudanças no corpo e na vida 10 anos de cotas, 10 anos de luta Corpo Agrotóxicos: até quando vamos engolir isso? Ideia Luta Terra A nudez de Fernanda

Segunda edição de O Gancho

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Jornal Laboratório desenvolvido pelos alunos do quarto ano do Curso de Jornalismo da UEL durante o primeiro semestre de 2014

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A partir de um autorretrato, surge o projeto. A artista deixa de ser a fotógrafa e passa a ser

o corpo que performa

Mudanças no corpo e na vida

10 anos de cotas, 10 anos de lutaCorpo Agrotóxicos: até quando

vamos engolir isso?

Ideia

Luta Terra

A nudez deFernanda

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EditorialExpediente

Ana Carolina LuzAngélica Miquelin

Bruna FerrariFabrício Evaristo

Fiama Heloísa SantosLucas PeresinMarcos Gica

Mariana PaschoalMateus DinaliNabila Haddad

Maurício PanizaWellington Victor

Yvi Leise

Jornal laboratório produzido pelo 4º ano noturno do curso de Comunicação Social

com habilitação em Jornalismo da

Universidade Estadual de Londrina, para

disciplina de Edição de Jornal Laboratório,

sob orientação do Profº Sílvio Demétrio.

Edição 2 | Maio de 2014

O Gancho

Unidos por uma causaPara quem ainda não sabe, o “gancho” (além de ser um grande

jornalista, professor e mestre, conforme explicado na edição anterior), é um recurso do jornalismo que busca unir a reportagem com outro fato justificável, podendo ser social, histórico ou com outra informação da matéria. O jornalista Newton Hernandes, em sua tese sobre a semiótica dos jornais, explica que “os ganchos jornalísticos constroem uma ponte com o cotidiano, com algo que o leitor sinta que está acontecendo, que é atual”. As reportagens do “O Gancho” estão todas unidas por uma causa: a social. A principal ideia é a de retratar as dificuldades e realizações das pessoas e grupos que muitas vezes sofrem preconceito e discriminação.

Nesta edição você poderá conhecer mais sobre o trabalho e ideias da artista plástica Fernanda Magalhães. A artista rebate o estereótipo do corpo bonito sendo apenas o corpo magro e faz isso com fotografias de seu corpo nu e cheio de curvas. Para ela, “deixar o corpo obeso à mostra foi um embate, mas também uma libertação”. Além da história de Magalhães, o jornal irá explicar mais sobre como funciona a questão de cotas na Universidade Estadual de Londrina. O sistema está em vigência na UEL há 10 anos, mas o número de negros e indígenas na Universidade ainda é considerado pequeno.

E já que estamos falando de minorias, na editoria “Terra” você encontrará uma reportagem sobre o trabalho dos pequenos produtores da agricultura familiar. Nesse universo do capitalismo, ainda é muito pequena a valorização da alimentação sem agrotóxicos e com preservação do meio ambiente. Para fechar as nossas causas, uma reportagem sobre doação de sangue e órgãos. O tabu e medo ainda é grande, mas as pessoas precisam saber quantas pessoas são beneficiadas com uma doação de sangue. E de órgãos ainda mais. Deu para entender um pouco mais sobre “o gancho”? As causas sociais são o que identifica este jornal, e esperamos que você também se identifique com ele.

Foto: Luciano Pascoal

Boa leitura!

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Preparação para futuras mamãesCorpo

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Mudanças no corpo e na vida

Curso oferecido pelo Hospital Universitário (HU) prepara mulheres para os desafios fisiológicos da gestação

Texto e fotos:MAURICIO PANIZA

Quando uma mulher descobre que vai ser mãe, mudanças acontecem em todos os campos de sua vida. Do físico ao emocional, a maternidade é um desafio. Muitas vezes, especialmente as mamães de primeira viagem, não sabem como lidar com a situação. São muitas as transformações pelas quais o corpo passa durante a gestação. Com esse escopo, o Hospital Universitário de Londrina (HU) oferece gratuitamente às gestantes da comunidade local uma espécie de “curso preparatório”, em que elas recebem atendimento fisioterapêutico, e orientações relativas ao corpo e ao processo de chegada do bebê.

Popularmente conhecido como “grupo de gestantes do HU”, o trabalho é coordenado pela fisioterapeuta e professora do Departamento de Fisioterapia da UEL Roberta Romaniolo de Mattos. Ela explica que o grupo surgiu há cerca de 25 anos como projeto de extensão, pelas mãos da professora aposentada Maria Aparecida do Carmo Assad. Inicialmente, o trabalho compreendia uma equipe multidisciplinar composta por profissionais de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia. No entanto, nos últimos anos, os atendimentos passaram a ser realizados apenas pelo Departamento de Fisioterapia, e integram o estágio curricular obrigatório dos estudantes de Fisioterapia da UEL.

São atendidos

anualmente quatro grupos de gestantes, e cada grupo pode contar com no máximo 12 gestantes, por causa da limitação de estrutura física do HU. Os atendimentos são

realizados semanalmente e cada grupo participa de aproximadamente dez encontros. Segundo Roberta, o curso trabalha com exercícios de fortalecimento

e alongamento de braços, pernas, abdômen, assoalho pélvico, e exercícios posturais. A professora destaca que muitas gestantes que procuram atendimento são

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho maio de 2014

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sedentárias, e a gestação implica em uma mudança muito grande do corpo da mulher, e que pode vir acompanhada de dores.

Outra questão abordada

pelo curso é a preparação da gestante para o parto hospitalar. No caso da gestante optar pelo parto normal, por exemplo, são ensinadas técnicas

de respiração para que ela possa direcionar mais oxigênio ao seu corpo e ao feto. Também são ensinados os procedimentos que a gestante deve tomar durante

o processo do parto, e como estará posicionada a equipe de médicos que participa do processo.Perfil das gestantes

A fisioterapeuta e coordenadora do grupo de gestantes Roberta Romaniolo de Mattos explica que há alguns anos a procura pelo curso era maior por mulheres de origem mais humilde. Atualmente são atendidas de professoras universitárias à donas de casa.

Mas mesmo entre as mulheres de origem mais humilde, Roberta percebeu que nos últimos anos as gestantes estão chegando ao grupo mais informadas e esclarecidas em relação à gravidez. “Acho que por causa da internet e do acesso fácil à informação”, justifica.Preparação para o parto

A engenheira eletricista Lilian Figueiró, 24 semanas de gestação, procurou o grupo para fortalecer os músculos, pois deseja ter seu filho por parto normal. A futura mamãe também enxergou no curso a possibilidade de se preparar para as mudanças do próprio corpo. Lilian é praticante de natação, e está aproveitando a oportunidade oferecida pelo curso para fortalecer ainda mais sua musculatura. “É gostoso estar em grupo e receber essa orientação”, afirma.

Bruna Martins Vieira, 20 semanas de gestação, trabalha em um petshop e soube do curso em uma reportagem televisiva. Ela se interessou em participar dos encontros por ser mãe de primeira viagem. Ela ressalta o bom atendimento

que tem recebido no grupo, e com os atendimentos, busca fortalecer o corpo para o parto e o pós parto.Por que parto normal?

Uma das bandeiras levantadas pelo grupo de gestantes do HU é a realização do parto normal. A fisioterapeuta e coordenadora do grupo de gestantes Roberta Romaniolo de Mattos explica que quando bem conduzido, é a melhor opção para a mulher e para o bebê. “A recuperação da mulher é mais rápida, a descida do leite é praticamente imediata. O bebe participa do nascimento. A cesareana é uma cirurgia como qualquer outra”.

Apesar da defesa do parto normal, os atendimentos não excluem as futuras mamães que optam por realizar a cesareana. No entanto, a fisioterapeuta defende que é preciso combater a conveniência médica, ou seja, quando o profissional acha melhor agendar uma cesareana para não afetar seus compromissos particulares, por exemplo. Mesmo com a opção de algumas mulheres pela cesareana, Roberta garante que muitas mulheres acabam optando pelo parto normal no decorrer dos encontros do grupo de gestantes.

ServiçoPodem participar do

grupo de gestantes do HU, mulheres saudáveis entre o 4º e o 7º mês de gestação. As inscrições são feitas pelo telefone 3371-2388.

Os atendimentos no grupo de gestantes do HU são gratuitos. Projeto existe há 25 anos

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014maio de 2014 O Gancho

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YVI LEÍSE

A maioria das pessoas já passou pela situação de doar sangue para ajudar no tratamento de um conhecido. Também, várias pessoas optam por realizar doações voluntárias, ocasião em que o sangue não é destinado a um paciente indicado previamente. Uma situação que não é tão recorrente no nosso cotidiano é ter de fazer a escolha de doar os órgãos de um ente querido depois de seu falecimento. Ambos os casos ainda passam por embates na nossa sociedade, mas não deveria ser assim.

Vários são os direitos do doador de sangue. No Brasil, o funcionário pode se ausentar do trabalho uma vez ao ano, sem prejuízo do salário, para realizar a doação. No Paraná e no Espírito Santo, doadores com a carteirinha em dia recebem o benefício de pagar meia entrada em eventos culturais. Mas a prática da doação não envolve apenas benefícios materiais; a satisfação torna-se pessoal.

A assistente social do Hospital Universitário (HU), Eliana Palu Rodrigues, explica que no Hemocentro do Hospital Universitário de Londrina 1285 pessoas compareceram para doar mensalmente e tiveram outras 988 doações efetivas.

“A tipagem sanguínea mais utilizada é do tipo O+, pois é a que mais prevalece na população, e a que temos maior dificuldade de manter estoques é o O- por ser o único utilizado em emergências e quem é dessa tipagem não pode receber

Que tal ajudar a salvar uma vida?

Doações de sangue e órgãos podem beneficiar até sete pacientes

outro tipo sanguíneo”, explica a assistente.

Uma doação de sangue pode beneficiar de três a quatro pessoas, e de órgãos, até sete. Os requisitos para a doação são básicos: ter mais de 18 anos, possuir mais de 50kg, estar em boas

condições de saúde e estar alimentado.

Mesmo apresentando esses requisitos, a portaria 1353 do Ministério da Saúde diz que “deve ser considerada inapta para doação por 12 meses a pessoa que tenha tido relação sexual com um ou

mais parceiros ocasionais ou desconhecidos”. Resumindo, solteiros que tiveram mais de duas relações sexuais no ano ficam proibidos (pelo período de um ano) de realizar a doação, assim como casais homossexuais do sexo masculino (mesmo que estejam em um relacionamento estável). Rodrigues justifica que essas pessoas têm mais chances de contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), deixando o sangue impossibilitado de ser doado. Durante a triagem a pessoa saberá se é apta ou não para realizar a doação.

Outro caso que não é abordado com muita frequência diz respeito à doação de órgãos. Geralmente quando um paciente tem morte cerebral, o hospital comunica a central de órgãos que há um potencial doador e a central entra em contato com a família. Não foi assim que ocorreu com a bibliotecária Maria Luiza Perez, de 54 anos. Após perder a filha de 14 anos, Luiza entrou em contato com a central de órgãos, pois sua filha sempre havia deixado claro que era doadora de órgãos. “Eu sou mãe da Mariana. E a Mariana desde os cinco anos já se dizia doadora de órgãos. Quando ela foi fazer a carteira de identidade queria

Hemocentro HU

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que colocassem no RG que ela era doadora”, conta Luiza.

Mariana era bailarina clássica, e quando ela estava com quase 15 anos sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) durante o ensaio da apresentação de balé que faria na mesma semana. A bibliotecária explica que sua filha permaneceu viva por 36h devido ao socorro que recebeu na mesma hora do acidente. Dos órgãos, foi possível realizar a doação das válvulas, córneas, rins e fígado.

“Às vezes as pessoas falam assim: como você se portou em doar os órgãos da sua filha? Mesmo ela tendo expressado toda a vontade, você ainda vai ter a dúvida. Mas os médicos te dão uma segurança tão grande, que

você tem certeza que é aquilo mesmo. Você faz algo muito consciente, e é tudo documentado”, garante Maria Luiza.

Para a mãe de Mariana, a doação ainda pode ser considerada um tabu pela religião e por falta de informação. “Eu acho que doar um órgão é o maior ato de caridade que você pode fazer por um outro irmão. Tudo que você podia ter daquela pessoa você teve enquanto viva, e a partir daquele momento, por mais que a medicina seja incrível, ela nunca vai voltar a ter vida.

Maria Luiza conta que escolheu conhecer a receptora dos órgãos da sua filha e que a experiência não foi boa. “Eu estou dando para você a coisa mais preciosa

Bibliotecária Maria Luiza Perez participa de campanhas de doações de órgãos desde 2001

que eu possuo, e tem gente que não entende isso. Pensa que tem que ter um vínculo familiar e financeiro. Tem gente que confunde bondade com outras coisas”. Ela realizou um relato à central de órgãos e desde então não

há mais a possibilidade de conhecer o receptor.

Luiza e Mariana são espíritas e se comunicaram em várias ocasiões desde a morte da bailarina, ocorrida em 2001. Em uma das mensagens, psicografada

em um Centro Espírita de Londrina, Mariana agradece aos pais ao dizer que com eles conseguiu crescer na Fé de Cristo. As mensagens podem ser conferidas no site www.oconsolador.com.br - edição 83.

Bailarina Mariana

desde cedo disse à sua família que

era doadora de órgãos

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10 anos de cotas, 10 anos de luta

Em 23 de julho de 2014 a Universidade Estadual de Londrina completa 10 anos de implantação das Ações Afirmativas para Política Pública de cotas sociais e raciais. Com a instauração da Resolução 78/2004 aprovada pelo Conselho Universitário (CU) a UEL realizou seu primeiro vestibular com o sistema de cotas em 2005.

A diretora do Núcleo de Estudos Afro Asiáticos (NEAA), Professora Maria Nilza da Silva, conta que desde o início dos debates para implantação de cotas na UEL já havia uma demanda que ansiava por um sistema que inserisse o povo negro na universidade. Segundo ela, o Movimento Negro em Londrina foi muito ativo e proporcionou inúmeros debates em torno desta questão. “Eles

negros oriundos de escolas públicas. “Para efeito de cômputo das vagas estes percentuais seriam proporcionais ao número de inscritos por curso no concurso vestibular, isto indicaria que quanto menor número de inscritos, menor o número de vagas para cada sistema de cotas”, explica a diretora de Assuntos Acadêmicos da UEL, Josefa Juvina Silva Galdo.

Para Silva, esse critério que atrelou o número de vagas à proporção de inscritos no sistema de cotas foi uma surpresa, e segundo ela o CU não aprovaria as cotas se não fosse por esse critério. A professora conta que houve muitas discussões para reverter a situação. “Durante os sete anos que estava previsto para acontecer

se reuniam na casa da Dona Vilma, Yá Mukumby, e pensaram em fazer uma demanda aqui para a universidade de Londrina”, conta a professora. Ya Mukumby foi uma personagem muito importante para o povo e a cultura negra em Londrina, também uma entusiasta pela implantação das cotas.

Após muitas discussões e reivindicações, o C.U. da UEL aprovou a implantação de Ações Afirmativas para Política Pública de Cotas Sociais e Raciais. Inicialmente ficou estabelecido que até 40% das vagas ofertadas para cada curso de graduação na UEL seriam destinadas a estudantes de escolas públicas, sendo que até metade das vagas, ou seja, 20% para aqueles que se autodeclarassem

Na UEL, ingressam cerca de 3.500 estudantes por ano. Em 2013, dos 790 candidatos inscritos pelo sistema de cotas para negros, 123 ingressaram na universidade. Porém, a política de

cotas nas universidades públicas ainda é encarada com muito preconceito sociedade a fora.

direito.folha.uol.com.br

Luta

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FABRÍCIO EVARISTOWELLINGTON VICTORFotos: Wellington Victor

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10 anos de cotas, 10 anos de luta

outra avaliação, debatemos com a comunidade universitária a necessidade de ser revista esta questão da proporcionalidade das vagas. Nós queríamos efetivamente 40% das vagas para as escolas públicas e metade dessas vagas para negros”, lembra ela.

A primeira Resolução previa que ao término de sete anos seria necessária uma nova avaliação para rever a situação das cotas na UEL. Durante o ano de 2011, diversos colegiados, departamentos e centros de estudos se reuniram para discutir a política de cotas. Com a Resolução CU nº 15/2012 foi aprovada a continuidade das cotas na UEL e o fim da proporcionalidade.

Segundo Galdo, o percentual continua os mesmos 40% dividido entre cotas de escola pública e cotas para negros. Como por exemplo, um curso de 80 vagas, aplicando o percentual de 40% seriam 32 vagas, sendo 16 reservadas para estudantes de escolas públicas e 16 para estudante que se autodeclaram negros.

Silva informou que com a nova resolução existe a possibilidade de migrar do sistema de cotas para o sistema universal, por meio da nota obtida no vestibular. “O candidato que optou pelas cotas, mas atingiu nota igual ou maior aos que optaram

pelo sistema universal, vai ingressar por este sistema. O mesmo acontece no caso de cotistas negros em relação às vagas de escola pública”, explicou a diretora do NEAA. Com essa migração, a vaga que o cotista optou não será ocupada por ele, mas por quem realmente precisou.

Ela aponta que, só no vestibular de 2013, 90 candidatos que se inscreveram por cotas migraram, de cotas para negros para cotas de escola pública, ou de cotas de escola pública para o sistema universal. Apesar de esses resultados serem considerados positivos pela diretora, as Ações Afirmativas para cotas tem prazo de validade na UEL. A partir da Resolução 15/2012, estabeleceu-se o percentual de vagas destinadas às cotas vai vigorar por mais cinco anos letivos. Para se tornarem válidas em 2017, o Conselho Universitário fará outra revisão de cotas, em 2016.

O porquê das cotasAs cotas na universidade não são políticas de

orgulho. E o seu décimo ano em vigor também não é motivo de comemorações, é só mais uma forma de tapar o sol com a peneira na estrutura educacional do Brasil. O sistema de cotas, porém, é necessário para garantir o mínimo de acesso ao ensino de nível superior às dimensões esquecidas

“Ya Mukumby foi uma personagem muito importante para o povo e a cultura negra em Londrina, também uma entusiasta pela implantação das cotas”, lembra Maria Nilza

da sociedade atual, que sobrevive em potencial desigualdade. Para tal situação, é mais que uma conquista. Além de ser resultado de muitas lutas travadas dentro e fora do ambiente acadêmico é um momento de reflexão, para perceber que a luta ainda não acabou.

Para o aluno de Ciências Sociais da UEL, Juarez Barbosa, cotista negro, existe uma desigualdade racial no ambiente das universidades. “A comunidade discente que temos nas universidades é de um público elitizado, não são pessoas de escolas públicas. A partir do meu primeiro ano eu não via muitas pessoas negras pelo RU, nas bibliotecas, ou nos centros por onde eu andava”, comenta Barboza.

A estudante do 2º ano de direito da UEL, Pamela Vieira Silva, cotista de escola pública, acredita que o sistema de cotas “deve se ater à paliatividade, pois, do contrário só arranjaríamos solução para uma

das externalizações do problema e deixaríamos de lado sua fonte”.

Do acesso à permanênciaJuntamente com a demanda das cotas,

está atrelada a permanência estudantil, outra necessidade que surge para tentar garantir pleno acesso à universidade. Barbosa classifica a permanência como o maior problema a ser enfrentado pelos alunos cotistas.

A diretora de assuntos acadêmicos da UEL conta que desde o fim de 2013 a universidade se compromete em regulamentar as atividades de acesso e permanência na UEL, a partir do Programa de Permanência Estudantil (PROPE). Galdo explica que o PROPE vai trabalhar o Acesso à Universidade com a divulgação das possibilidades de acesso à UEL, como a Ação Pedagógica, que tem o objetivo de oferecer apoio pedagógico aos estudantes de graduação e o Apoio à Permanência, que pretende apoiar ações que visam superar a vulnerabilidade dos estudantes, de modo a garantir a permanência no curso.

A diretora também aponta que algumas ações

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Quando o assunto era vestibular, eu não pensava em outra possibilidade que não fosse entrar pelas cotas raciais. A certeza era única: se eu não ingressasse na universidade por esse sistema certamente não faria parte do seu banco de alunos. Sim, eu era aluno de escola pública. Tinha em mente que a minha bagagem era insipiente e que eu estava muito aquém dos meus candidatos. Contava sempre com o apoio dos docentes e com a sorte.

E ela [a sorte] esteve comigo! Ela e as cotas, claro. Havia conquistado uma vaga no curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina. Agradeci a Deus e, claro, às cotas. Não me cansava de a ela agradecer essa oportunidade.

Grande parte da comunidade universitária conhece os debates realizados na universidade sobre a importância das cotas. Com o tempo, entendi que o sistema de cotas não fazia alusão ao candidato (ou a um conjunto de candidatos) com capacidade cognitiva inferior aos candidatos inscritos no sistema universal.

O sistema de cotas existe para que todos possam ter acesso à universidade, e se diminua a desigualdade social. Considerando a realidade em que vivemos, um percentual insignificante de investimento

Ruim com cotas? Pior sem elas

na educação, é uma conquista a ser comemorada por todos os que dele necessitam e lutaram para que esse sistema fosse implantado. Sobretudo os negros, que muito contribuíram para o crescimento do país e são quase nada reconhecidos por isso. Mas defendo que é neceesário haver maiores investimentos do governo na educação, sobretudo

para os estudantes de escolas públicas, para que não seja preciso hierarquizar o ingresso à universidade, atribuindo o mesmo peso para brancos, negros, índios, entre outras diversas classes sociais.

Logo, por que resistir a isso ao invés de lutar pela educação e abolir o sistema de cotas? (F.E.)

correionagô.ning.com

“A comunidade discente que temos nas universidades é de um público elitizado, não são pessoas de escolas públicas”, afirma Juarez

já estão em prática. Para fomentar o acesso, está sendo feita uma divulgação do vestibular da UEL, com isenção da taxa de inscrição, e do Cursinho Pré-Vestibular gratuito. Também estão sendo oferecidos cursos pelo Laboratório de Tecnologia Educacional (LABTED) da UEL, para fornecer apoio pedagógico aos estudantes. Contudo, um dos principais problemas ainda persiste e está relacionado ao apoio financeiro e moradia. A UEL tem número limitado de bolsas de inclusão que não atende a todos que precisam, além da Moradia Estudantil, que oferece apenas 82 vagas, quando a realidade é mais de 18 mil estudantes.

O estudante de Ciências Sociais faz um alerta sobre o que essas deficiências do programa de permanência podem causar na universidade. “É um desafio que a gente tem. Como pensar uma não evasão dos alunos cotistas por causa da permanência?”.

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho maio de 2014

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Os incômodos Homens de Preto“Vândalos”, “baderneiros”, “pichadores”. Os mascarados que marcam presença

em diversas manifestações no Brasil e no mundo ainda não conseguiram o apoio da população, que desconhece o real propósito da “quebradeira”

ANGÉLICA MIQUELINFIAMA HELOISA SANTOS

As manifestações de Junho do ano passado reuniram milhares de pessoas, em diversas cidades do país, pedindo mais decência na política brasileira e melhores condições de vida para a população.

Protagonizadas, inicialmente, por jovens da classe média, com o passar do tempo as manifestações fizeram surgir novos e polêmicos personagens: os Black Blocs. Homens e mulheres mascarados, vestidos de preto que faziam o enfretamento direto com a polícia e praticavam a “destruição de bens materiais”.

Todos ficaram surpresos. Ninguém sabia como agir, nem a mídia, nem a polícia muito menos a

sociedade. Então vieram os rótulos: “bando de baderneiros”, “vândalos”, a “parte agressiva” dos manifestantes. Diante da quebradeira, os “pacíficos” ergueram a bandeira do “Sem violência”.

Separando os bons dos maus, as coberturas jornalísticas da grande mídia passaram a ser as mesmas (não que se diferenciassem muito antes): “A manifestação começou pacífica, reunindo tantos manifestantes. Mas no meio da caminhada, um grupo de vândalos acabou ateando fogo à pneus, quebrando vitrines e agências bancárias”. Mas tudo isso por quê, para quê? Pelo simples fato de tumultuar e conseguir atenção? A história dos homens de preto é bem mais antiga e complexa.

O início da tática Black BlocComo o professor Bianco Zalmoro Garcia, do

departamento de Filosofia da UEL, faz questão de

ressaltar, primeiro é preciso esclarecer que o Black Bloc não é um movimento, e sim uma estratégia de ação, de resistência popular, uma estratégia defensiva contra a violência estatal empreendida nos protestos.

Poucos sabem que a tática deu seus primeiros passos no movimento de Autonomia Italiana no fim da década de 1970, mas difundiu-se na Europa no final da década de 80 com o enfrentamento dos jovens alemães que ficaram de fora da política antirrecessão e ocuparam prédios abandonados, os militantes empregaram a tática para se defenderem da polícia e de ataques de grupos nazifascitas. Desde então, os mascarados são figuras ativas nas diversas manifestações mundo afora.

A tática ganhou expressividade em Seattle no

Foto: conexãojornalismo.com

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014maio de 2014 O Gancho

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Manifestantes protestaram no Terminal Central de Londrina em junho de 2013

ano de 1999 quando milhares de pessoas foram às ruas protestar contra a conferência da Organização Mundial do Comércio. Outro episódio que marca a história dos homens de preto são as manifestações em Gênova na cúpula do G8 em 2001. Nesta atuação, os Black Blocs foram muito criticados por incitarem a violência policial que resultou na morte do jovem italiano Carlo Giuliani.

Como explica o professor, “a estratégia Black Bloc pode envolver um ato meio agressivo, mas sempre contra o bem público” e contra o capitalismo. A atitude de destruição é direcionada aos símbolos das grandes corporações, em contestação a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa. Tal ideia leva em conta o conceito apresentado no livro “Urgência das Ruas”, que faz a diferenciação entre a propriedade privada e a propriedade pessoal - o primeiro destinado ao lucro, enquanto o segundo é destinado ao uso. Desta forma, os ataques são uma maneira de contestar a estrutura econômica vigente.

Apesar de todo esse direcionamento do movimento original, Garcia considera que no Brasil os Black Blocs se organizaram de maneira confusa. Foram aglutinados os mais diversos movimentos e o uso de símbolos, como a máscara, transmite um ideário anarquista, que não se sustenta no

discurso. Outra característica como a falta de hierarquia, acaba proporcionando a presença de grupos oportunistas.

Os Black Blocs em LondrinaEm Londrina, a presença dos mascarados foi

registrada nas manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus realizadas no começo deste ano. Para Garcia, “Londrina é um reflexo do que acontece no Brasil” com relação ao ecletismo e a falta de clareza ideológica. Uma particularidade local é a ligação com movimentos estudantis que perderam força política, o que não deixou que as práticas fossem muito violentas.

Para finalizar, o professor acredita ser legítima e importante a forma de ação dos Black Blocs, mas, para que eles tenham adesão e possam ser compreendidos, é preciso ter clareza ideológica seguida de ações coerentes. Além do mais, é necessário atingir a opinião pública, porém segundo ele “essa voz não ecoa (...) uma estratégia tem que fazer ecoar sua voz”.

*Informações com base no artigo “A origem dos homens de preto”. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed758_a_origem_dos_homens_de_preto; e no livro A urgência das ruas – Coletivo da Baderna, 2002.

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Buscando entender um pouco mais sobre as ideias e as ações dos Black Blocs, a reportagem conversou com um adepto dessa tática. Por segurança, o entrevistado não será identificado. Confira:

Como você conheceu a tática Black Bloc?Antes de morar aqui em Londrina, eu morava em São Paulo. Lá eu já fui preso uma vez empregando essa tática, em 2009, numa manifestação contra o serviço militar obrigatório. A gente usou a tática Black Bloc contra a repressão policial e, em resposta, um policial colocou a pistola na cabeça de um menor de idade. Aí a gente agiu! Fizemos um cerco e mesmo assim não deu, por que a repressão foi muito maior. Essa foi a primeira vez que eu empreguei essa tática em uma manifestação.

Como você aprendeu esse tipo de tática? Houve um treinamento?Eu via muitos vídeos na internet, de pessoas de outros lugares utilizando essa técnica para uma autodefesa. E observando isso, a gente vê como eles agem, como isso funciona. Esses dias eu achei um material na internet, um manual sobre como prosseguir em uma manifestação que fala sobre a tática Black Bloc. Mas eu acho que é uma coisa meio instintiva. As pessoas se comunicam ali na hora, pensam o que cada um vai fazer, ou, às vezes, já estão preparados, se acontecer alguma coisa.

Qual é a ideologia que rege essas ações?A tática Black Bloc surgiu com as organizações anarquistas. A ideia era estabelecer uma resistência, um contra-ataque mais direto. Mas aí que “tá”! Nestas manifestações, as pessoas, dificilmente, mantêm um posicionamento direto, combativo. E querer fazer uma manifestação pacífica, para mim não resulta em nada. Você vai lá e deixa parado o trânsito por um tempinho e acabou. Eu acho que tem que incomodar sim, pois as coisas não mudam quando não se incomoda.

E como fica a questão da comunicação? Em uma manifestação, como vocês identificam as pessoas que são adeptas a essa tática?Há um preparo das pessoas, um diálogo normalmente evitando o facebook, presando mais por reuniões onde as pessoas estejam seguras para debater aquilo, porque a gente sabe que a repressão é muito grande. A gente não faz uma organização justamente pra quebrar essa questão da repressão, porque pode ser que tenha um P2 ali [policial infiltrado].

E tem muitas pessoas infiltradas?Tem bastante. Pra se ter uma ideia nas últimas manifestações que tiveram [em Londrina] a respeito do passe livre, que são manifestações de certa forma pequenas, nós já observamos pessoas infiltradas. São policiais que vão lá à paisana, com câmera pra fotografar e marcar algumas pessoas. Acho que

nós vimos no mínimo uns dez P2 infiltrados. E se nessas manifestações menores já ocorre muito isso, imagina nas cidades maiores.

E como agem esses policiais à paisana?Tem alguns que vão pra não fazer nada, só tiraram fotos pra marcar as pessoas. Outro tipo de ação é quando eles incitam uma violência pra ver o que acontece no calor do momento e tem aquele que fica só observando e tirando fotos. E quando a manifestação acaba ele vai atrás de algumas pessoas.

E como foi atuação Black Bloc nessas manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre de Londrina?Nós participamos das reuniões, mas na reunião nós discutíamos algumas coisas focando na segurança do grupo, criando algumas comissões de segurança que não necessariamente eram Black Blocs. Mas na manifestação as pessoas que estavam na segurança acabavam adotando essa tática para não ficarem tão expostas.

Qual a relação do Black Bloc com o Movimento Passe Livre?A gente fez essa diferenciação porque algumas pessoas não participavam das reuniões e se auto intitulavam Black Blocs, mas elas não tinham o mesmo preparo que nós, não tinham a mesma preocupação e não tinham o mesmo objetivo. Normalmente, eram pessoas mais novas que estavam com bastante vontade de fazer alguma coisa, mas não se juntavam no sentido de aparecer nas reuniões [do passe livre], de querer saber o que estava acontecendo.

O que você pensa sobre as pessoas que usam a tática Black Bloc sem uma formação política, sem saber direito o que estão fazendo?Esse ódio contra o Estado, esse ódio contra todas essas coisas que essas pessoas passam no seu dia-a-dia, eu acho totalmente legítimo. Talvez esse ódio pudesse ser um melhor direcionado se eles tomassem mais profundidade no assunto, para entender realmente o que está acontecendo.

E você acha que a tática Black Bloc tem vários adeptos no Brasil ou são indivíduos isolados?Eu acho que tem, com certeza. As pessoas podem até não se identificar enquanto Black Bloc, mas a gente vê em vários lugares pessoas partindo para uma ação mais direta, mais combativa. Isso pra mim é também essa ação, pessoas que talvez não conhecem essa tática, mas que estão em uma situação em que elas vão ter que fazer aquilo para resistir a uma repressão. Aqui no Brasil tem bastante, mas acho que fora as pessoas persistem um pouco mais nessas coisas.

Um olhar de dentroFotos: Wellington Victor

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014maio de 2014 O Gancho

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Page 14: Segunda edição de O Gancho

Até quando vamos engolir isso?Agronegócio, agroecologia, agricultura familiar, transgênico e orgânico: entenda a

relação entre estes conceitos no país que mais consome agrotóxicos no mundo

Nas lojas especializadas em produtos orgânicos, a oferta de produtos condiz perfeitamente com uma alimentação adequada; porém, o público é reduzido a

pessoas com maior poder aquisitivo

Texto e fotos:ANA CAROLINA LUZ

Que comer frutas e verduras é imprescindível para uma boa nutrição, todo mundo sabe. Este hábito aparentemente saudável, porém, pode representar algo negativo para a saúde, já que a quantidade de aditivos químicos aplicados nos alimentos é extremamente alta no Brasil: estima-se que cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxico por ano. Fugir da salada não é a solução, já que esta possui nutrientes essenciais. Além disso, não somente os alimentos consumidos in natura são contaminados: se o trigo contém agrotóxico, o pão, a pizza e o macarrão também terão.

É impossível para o consumidor identificar o excesso de substâncias químicas nos alimentos. A única garantia de que o produto está isento destas substâncias é o selo que o identifica como orgânico. Segundo a Lei nº 10831, de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, o produto orgânico é aquele produzido sem a utilização de sementes transgênicas e agrotóxicos, mediante técnicas sustentáveis e garantindo recursos socioeconômicos ao produtor rural. O grande problema dos produtos orgânicos é o preço elevado. E se o consumidor não pagar esse preço, nada garante que o alimento consumido está livre de aditivos. A empresária Maíra Eiras, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em Londrina, diz que a procura por este tipo de alimento tem aumentado, mas que trata-se de um público cativo. Consumidores desinformados em relação ao sistema de produção dos orgânicos podem não gostar da aparência do produto. “O alimento orgânico não é mais feio que o normal, ele é natural. Os demais produtos são alterados geneticamente e recebem agrotóxico para manter um padrão. Por isso, quem compra orgânico, sabe o que está comprando. É quem busca informação e busca conhecer o

vão de encontro com a proposta da agroecologia: “agricultura familiar socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável”. O título desta reportagem é também um dos questionamentos da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, construída pela Articulação Nacional de Agroecologia em conjunto com movimentos sociais, sindicatos, executivas de estudantes e outras organizações. Para a engenheira agrônoma Claudine Dinali, a agroecologia “é uma ciência cuja proposta vem de encontro aos anseios daqueles que querem que a agricultura seja praticada com o menor impacto ambiental possível, preservando a saúde do agricultor, de sua família e de todos os consumidores”. Tratam-se de propostas e reivindicações coerentes e maduras de um sistema ideal, que favorece produtor, consumidor e meio ambiente. Mas, para que esse sistema ideal funcione e seja economicamente acessível à população, é necessário, novamente, romper com as barreiras impostas pela política agrícola brasileira e o monopólio das indústrias do agronegócio.

O problema, na verdade, é muito mais político do que prático. A utilização de agrotóxicos parece estar fora de controle, e acaba sendo aceita como uma política inevitável, como a única forma de atender à demanda de consumo de alimentos. Enquanto isso, os agricultores e pequenos produtores rurais são obrigados a trabalhar com estes produtos para conseguir crédito, para não ter prejuízo, para ter uma renda mínima. Ações como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida são, portanto, essenciais para promover a informação da população sobre o problema, para que sejam encontrados caminhos para a articulação e a mobilização dos que não se conformam em aceitar passivamente o envenenamento da natureza e do próprio corpo.

que está consumindo”, explica Maíra.Nas feiras livres, praticamente não

há comercialização de orgânicos. “Pra produzir orgânico tem que ter uma estrutura muito grande, aí o produto fica caro e o cliente não gosta”, diz Adilson Santana, feirante em Londrina. Dilsinho da Feira, como é conhecido, e a maioria dos demais feirantes da cidade, revendem alimentos adquiridos na CEASA, a Central de Abastecimento do Paraná, onde a oferta de produtos orgânicos é bem pequena.

O alimento orgânico, livre de substâncias químicas, é a melhor opção para a saúde da população, e é obrigação do estado garantir o acesso a estes. Não é o que acontece, já que é necessário romper barreiras impostas por quem mais se beneficia do sistema atual: o agronegócio. A produção e a utilização de agrotóxicos são estimuladas através de políticas econômicas e de benefícios concedidos às indústrias de agrotóxicos. No documentário “O veneno está na mesa” produzido por Sílvio Tendler (disponível na íntegra no YouTube), a professora do Departamento de Saúde Comunitária da faculdade de medicina da Universidade

Federal do Ceará, Raquel Rigotto, explica que as indústrias de aditivos químicos tem estímulo fiscal para serem utilizados no Brasil: há um convênio de 1997 que oferece isenção fiscal de 60% do ICMS, do Cofins, do IPI e do PIS/PASEP para estas indústrias. Em alguns estados, os governos estenderam essa isenção a 100%.

Segundo a engenheira agrônoma Claudine Dinali existem leis que regulamentam a utilização de agrotóxicos, mas elas se referem somente a questões de registros e autorização para utilização. Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) fiscalizar e identificar excessos na utilização destes. Evitar estes excessos, porém, é algo extremamente difícil, já que significa lutar contra a hegemonia do agronegócio. Outro problema é a pressão que sofrem os produtores rurais: para fornecer o produto em determinado prazo, muitas vezes este deve ser colhido com urgência, e o período de segurança entre a aplicação do agrotóxico e a colheita do produto acaba não sendo respeitado.

As diretrizes de produção de orgânicos

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Terra

Os transgênicos representam uma polêmica no meio científico. Há pesquisadores que defendem e há os que condenam. A engenheira agrônoma Claudine Dinali explica que é transgênico “um produto (ser vivo) no qual se introduziu material genético de outra espécie para atribuir-lhe uma característica nova”. Por que se realiza a transgenia de alguns alimentos? “Para agregar alguma característica considerada interessante naquele produto. Há o tomate que resiste mais tempo na prateleira. Tem o arroz dourado (esse não é plantado no Brasil) que tem betacaroteno que será convertido em vitamina A no organismo de quem se alimenta dele. Tem o feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, doença que não tem outra forma de controle. Tem o milho e a soja que resistem ao ataque de algumas lagartas. Fora do campo da agricultura, recentemente foi aprovada a liberação do mosquito da dengue transgênico que ao cruzar com o mosquito não transgênico produz descendentes que morrem antes da fase adulta. Assim a população deve se reduzir ao longo do tempo”.

O grande problema da transgenia é quando esta é associada à utilização de agrotóxicos. Em entrevista à Caros Amigos, a pesquisadora Raquel Rigotto diz que, no lançamento dos transgênicos, eles foram apresentados como uma solução para reduzir a utilização de aditivos químicos. Porém, “o consumo de agrotóxicos no Brasil cresce proporcionalmente à introdução dos cultivos transgênicos”, já que muitos alimentos sofrem transgenia justamente para resistir aos herbicidas.

Mesmo desvinculado à utilização de agrotóxicos, há pesquisadores e movimentos contrários à sua produção. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, por exemplo, é totalmente contrário à produção de transgênicos: sua principal bandeira é a proposta da Agroecologia.

O feirante Dilsinho da Feira, como é conhecido, diz que não busca comercializar alimentos orgânicos,já que o preço alto desses produtos não agradam o consumidor

Entenda os produtos transgênicos

ColunaColunaColunaColuna

Segurança alimentar na produção de alimentos é a proposta da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. O debate pretende ajudar a identificar maneiras eficientes de apoiar a agricultura familiar e aumentar a conscientização e entendimento dos desafios que os pequenos agricultores enfrentam. O objetivo é elaborar políticas específicas destinadas a promover a proteção social e o bem-estar das comunidades, e representa uma oportunidade para impulsionar as economias locais.

Em 17 de abril de 1996, dezenove integrantes do Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra - MST foram assassinatos durante uma ação da polícia no sul do estado do Pará.

Inconformados com a demora da liberação de terras, 1.500 integrantes do MST acampados na região marcharam em protesto. O confronto ocorreu quando a polícia recebeu ordem para conter a manifestação, que obstruía a BR 155.

Desde o massacre, o mês de abril é tido entre os movimentos sociais como Abril Vermelho, período em que são realizadas intensas mobilizações que exigem o fim da impunidade pelos crimes do latifúndio e o avanço da Reforma Agrária.

Como parte das atividades do Abril Vermelho, foi realizada na UEL no dia 23 de abril a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária. Foram realizadas mesas de debate sobre a educação no campo e os desafios da reforma agrária, além de apresentações culturais e feira com produtos da reforma agrária e livros da editora Expressão popular.

2014 é o Ano Internacional da Agricultura Familiar

18 anos do massacre deEldorado dos Carajás

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Texto e fotos:MARIANA PASCHOALDe acordo com estudo divulgado pela Companhia de

Habitação de Londrina (Cohab) em 2013, 4106 famílias vivem em ocupações irregulares em Londrina. A Companhia caracteriza estas ocupações como “produto de invasão de áreas impedidas por lei de serem regularizadas”. Podem ser áreas insalubres, de risco, de preservação permanente, fundos de vale e terrenos públicos ou particulares.

Silvana Aparecida Calixto é ocupante de um terreno da Cohab no Conjunto Semiramis – zona norte – há quatro meses. Silvana critica que a Companhia tem terrenos vazios – como este – e não investe mais em moradias para quem precisa.

“Com o tanto de gente que está na fila de espera da Cohab, é preciso ficar aqui para fazer pressão. Não consigo pagar aluguel e tenho direito a casa própria”, explica o motivo de estar em uma ocupação irregular.

No começo deste ano, a Companhia conseguiu, judicialmente, um interdito probitório – decisão que determina multa de R$ 1 mil por dia para cada ocupante do terreno. Ainda em fevereiro, um oficial de justiça e integrantes da Polícia Militar e da Guarda Municipal estiveram no local para negociar a retirada dos moradores, porém, centenas de pessoas continuam no espaço até hoje.

A situação de Adilson de Freitas é similar à de Silvana. Ele é um dos ocupantes do fundo de vale no bairro Maria Cecília, também na zona norte de Londrina. Os fundos de vale não podem ser ocupados, pois são áreas de risco (principalmente por inundação) e por serem áreas de preservação.

Freitas montou a casa improvisada há cerca de sete meses. Ele era um dos poucos presentes no local, já que a reportagem esteve lá no feriado de 1º de maio. Isso acontece porque a maioria dos moradores desta ocupação paga aluguel e volta para as casas onde vive, mas usa o terreno como forma de protesto e para não perder o lugar, de acordo com o ocupante.

Os ocupantes firmaram residência em território proibido para alertar a Prefeitura sobre ter gente precisando e esperando sair do aluguel. “Eu e minha família não temos condição de continuar pagando o aluguel da nossa casa, que chega a R$ 450. Fico aqui porque quero casa própria. Tem gente aqui que está na fila da Cohab há mais de 15 anos”. Ocupação irregular no fundo de vale no bairro Maria Cecília, zona norte de Londrina

Ocupantes de terrenos irregulares travam batalha contra municípioMais de 4 mil famílias vivem em casas improvisadas construídas em terrenos irregulares. Tentativas de reintegração de posse vêm sido feitas pela prefeitura, mas ocupantes continuam protesto por casa própria.

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho maio de 2014

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Ocupação irregular no fundo de vale no bairro Maria Cecília, zona norte de Londrina

Ocupantes de terrenos irregulares travam batalha contra municípioMais de 4 mil famílias vivem em casas improvisadas construídas em terrenos irregulares. Tentativas de reintegração de posse vêm sido feitas pela prefeitura, mas ocupantes continuam protesto por casa própria.

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014maio de 2014 O Gancho

Bruna Ferrari

O Plano Municipal de Habitação de Londrina pretende construir 7,5 mil moradias até 2016. Segundo os números divulgados pela Companhia Municipal de Habitação (Cohab), 15,5 mil famílias estão na espera .

A Cohab trabalha com famílias com salário mínimo de até R$1,5 mil por mês, dando prioridade para as que vivem em assentamentos precários, casa cedidas, conviventes ou outras.

Os critérios nacionais de seleção das famílias nos programas habitacionais dão prioridade para: famílias residentes de áreas de risco ou que tenham sido desabrigadas desses espaços; famílias com mulheres responsáveis pela unidade; famílias que possuem pessoas com deficiência; famílias com idosos. Já os critérios locais são: famílias que residem próximas ao empreendimento e famílias que tenham residência fixa em Londrina pelos últimos cinco anos.

O plano Municipal de Habitação está disponível em http://www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stor ies/Storage/cohab/r e g u l a r i z a c a o _ f u n d / P L A N O -MUNICIPAL-DE-HABITACAO-2013-2016-Cohab-LD-Apresentacao-Junho-2013.pdf

47 mil pessoas estão na fila de espera da

Cohab

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O Gancho maio de 2014

Ocupação irregular no terreno da Companhia de Habitação (Cohab), conjunto Semiramis, zona norte de Londrina

Um morador do Maria Cecília, que não quis se identificar, relatou à reportagem que o problema da ocupação se estende há mais de 20 anos. De acordo com ele, nos anos 90, o mesmo fundo de vale foi desapropriado. “A Prefeitura tirou todo mundo e fez um jardim, mas deixou ocupar de novo. Isso é gasto de dinheiro público”.

Ocupar um fundo de vale é crime ambiental, de acordo com o procurador geral do município, Paulo Cesar Gonçalves Valle. A responsabilidade desta área é da Prefeitura e se o município não tomar providência, de acordo com Valle, também pode ser punido. “Se o poder público fica sabendo de um crime ambiental e não tomar nenhuma atitude, ele pode ser corresponsabilizado”.

O plano de habitação da Cohab 2013-2016 prevê 7,5 mil unidades habitacionais para famílias residentes em áreas insalubres, que moram próximas ao empreendimento e que tenham residência fixa em Londrina pelos últimos cinco anos.

Em janeiro, quando a Prefeitura começou a tomar providência e preparou reintegração de posse no fundo de vale, foram computados 122 barracos nesta área do Maria Cecília. Quatro meses depois, o número de famílias só aumenta neste local que fica a cerca de um quilômetro do residencial da Gleba Jacutinga, empreendimento, com 561 casas, que estava previsto no plano de habitação para o primeiro trimestre deste ano.

A reportagem entrou em contato com a Cohab para saber a situação da lista de espera, mas não conseguiu contato com o presidente da companhia em tempo hábil.

Famílias em Ocupações Irregulares

Região Regularização do Loteamento Escritura

Déficit Habitacional

NORTE 349 657

LESTE 351 649

SUL 166

OESTE 197 333

CENTRAL 66 80

DISTRITOS 50 50

TOTAL 1.201

1.136

2.905Fonte: PLHIS/2010

Atualização: COHAB/2013

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Formada em artes visuais pela UEL em 1984, Fernanda Magalhães tratou logo de trilhar os caminhos que lhe foram propostos. Entre oportunidades na própria universidade, no Museu Histórico de Londrina e na UNOPAR, a artista trabalhou como fotógrafa por 11 anos e não deixou de ser professora, trabalhando também com outras linguagens como o desenho, o vídeo e a performance.

Em 93, Fernanda resolveu respirar novos ares e transformou o Rio de Janeiro em seu novo lar, onde, durante um ano, participou de um projeto com o grande fotógrafo brasileiro Pedro Vasquez, que também é poeta, crítico e historiador de fotografia, curador, jornalista e professor. Em seu projeto, Vasquez orientava 20 fotógrafos a desenvolverem projetos autorais e Fernanda, que sempre se interessou pelas questões do corpo, como as deformações e as distorções, estabeleceu aí o foco de seu trabalho, que tomaria maiores proporções dali pra frente.

Um dia, Fernanda estava em seu apartamento, foi ao seu quarto e fez um autorretrato. Neste momento, ela passa a performar. Motivada com o projeto que tomava forma, resolveu fazer o segundo autorretrato, nua. Muitas questões então foram abertas ali, como o incômodo com aquelas primeiras imagens, “sempre fui uma mulher redondinha, gorda, já tinha essa questão. Já pensava na coisa do corpo gordo e em abordar as

mulheres gordas”.Fernanda saía de seu

apartamento carioca e se via em meio à sociedade do culto ao corpo malhado, sarado, bonito. Um Rio de Janeiro de 1993 onde as pessoas já tinham o costume de andar de sunga e biquíni, expondo seus corpos trabalhados pela musculação pelas ruas, sem se importar em serem vistos. “Essa contradição me provocou a fazer esse trabalho. Ali se deu o trabalho do corpo performático”. Fernanda começou a perceber a performance na cena que, não era simplesmente fazer uma foto, mas ter um momento em que o artista para, conversa com o ambiente, convida outras pessoas a participarem do momento e a serem transformadas. Assim, a artista assumiu a ação performática, deixando de ser a fotógrafa e passando a ser o corpo que performava.

Em 2003, tendo enfrentado um mestrado e um câncer, Fernanda deu prosseguimento à sua pesquisa com o corpo com o projeto “Corpo Re-construção: Ação Ritual Performance, no qual convidava grupos de pessoas a participarem da ação. Cada pessoa emprestava diferentes fragmentos de seus corpos que eram impressos em lençóis, com tinta. Esses corpos tinham movimento, relacionavam-se uns com os outros. A batalha contra o câncer trouxe ao projeto a ideia de que um precisa do outro para se reconstruir.

A nudez de Fernanda“Oi, eu sou assim e eu tiro a roupa. Por que não?”

Reportagem: Mateus DinaliFotos: Luciano Pascoal

Ideia

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“Muita gente fala, ‘ai, me arrependi de não ter tirado a roupa’, mas não importa,o que importa é que a pessoa percebeu que esse corpo pode, que aquilo é possível”.

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Já na “Natureza da vida”, Fernanda partiu para as ruas, lugares públicos como o bosque de Londrina, onde tirou a roupa e posou para fotografias e vídeos. Nessa ação, o corpo nu é um corpo que se posiciona como ele é. Sendo um corpo gordo, que não é aceito, além do posicionamento político, existe a provocação aos padrões de beleza atuais, ao corpo idealizado, “meu corpo é desencaixado, fora do padrão, transgride o padrão. Ter um corpo malhado, saudável, é quase uma obrigação. É como se eu dissesse assim, ‘oi, eu sou assim e eu tiro a roupa, por que não? Eu estou expondo isso ao mundo’. O espanto é com o corpo fora do padrão, não só pela nudez. Se fosse uma mulata bonita ou uma loira gostosa, diriam – Ah, deve estar fazendo propaganda para alguma revista”.

A nudez de Fernanda é um convite à busca de quem nós somos na essência, sem precisar ser vários de nós

“Muita gente fala, ‘ai, me arrependi de não ter tirado a roupa’, mas não importa,o que importa é que a pessoa percebeu que esse corpo pode, que aquilo é possível”.

mesmos para sermos alguém. É um corpo que transgride relações rígidas da sociedade, que não aceita o corpo gordo e nu num local público, “eu tenho esses nós, eles passam pela minha cabeça, mas na hora eu respiro fundo, relaxo e depois de tirar a roupa, vejo que a minha relação com as os meus alunos e com as outras pessoas é outra, é muito mais livre, eu estou propondo a liberdade de ser”.

A vontade ou o medo de ficar nu em locais públicos, exposto a quem quiser olhar, é inerente a sociedade. Alguns têm vontade, mas no fundo tem medo. Outros têm medo, mas no fundo tem muita vontade. Para Fernanda, isso não importa, “muita gente fala, ‘ai, me arrependi de não ter tirado a roupa’, mas não importa, o que importa é que a pessoa percebeu que esse corpo pode, que aquilo é possível”.

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Jogo, dança, luta, mandinga. A capoeira é uma tradição africana que significa tudo isso e um pouco mais. Sabe-se que ela foi desenvolvida no país pelos negros escravizados, que expressavam através de leves movimentos libertários a luta contra o regime de escravidão aqui vivido.

Com o passar do tempo, diferentes estilos foram surgindo na capoeira até chegar nas duas principais vertentes atuais: a capoeira de Angola (ou somente capoeira angola) e a capoeira regional. E é sobre essa primeira vertente, menos conhecida, que esta matéria vai tratar.

A capoeira angola é considerada a “capoeira mãe”, pois sua ginga representaria a forma mais semelhante daquilo que era praticado pelos escravos antigamente. Sua principal diferença, em comparação com a capoeira regional, é o ritmo lento dos passos que marcam a forte ginga do jogo. Para alguns praticantes, essa é a característica que os fizeram escolhê-la: “ela não é tão explosiva, mas também tem sua rapidez, sua explosão”, comenta Danilo Lagoeiro, praticante de capoeira angola há quatro anos.

Como explica o professor de capoeira angola, Marcelo Ricieri Pinhatari, a “capoeira mãe” surgiu para fazer um resgate da capoeira criada pelo povo africano. Insatisfeito com as mudanças ocorridas pelo tempo, mestre Bimba (capoeirista negro, influenciado por outras culturas, que gostava do confronto) resolveu aplicar as técnicas de outras artes, visando o resultado, e assim surgiu a capoeira regional. Em contraste, os capoeiristas que não praticavam a capoeira regional, diziam que a capoeira deles tinha vindo de Angola, por isso ficou conhecida como “capoeira angola”. Esta busca preservar a ancestralidade, enquanto a outra surge quase como um esporte.

Em Londrina, Marcelo Pinhatari é o professor responsável pela Academia de João Pequeno de Pastinha, vinculada diretamente ao Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA) de Salvador, localizada na Vila Brasil. O espaço foi a primeira academia de capoeira angola da cidade. Surgiu a partir de uma oficina realizada no Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UEL, com alunos da universidade, em 2000. Desde 2006, passaram a ocupar outro espaço (uma casa na Vila Brasil)

A capoeira é uma herança cultural

muito forte e acredita-se que sua origem vem de Angola. Nesta matéria, optamos

por trazer um pouco mais sobre a capoeira angola,

considerada a primeira, a

capoeira mãe.

A mãe das

gingas é de

Angola

e oferecer a atividade para toda a comunidade. Segundo Pinhatari, aproximadamente 15 pessoas treinam atualmente.

Uma das alunas que faz parte do grupo é a cozinheira Sirlene Matias. Praticante de capoeira angola há cinco anos, ela conta que seu primeiro contato com a luta foi quando ainda era solteira (na época, ela praticou capoeira regional por seis meses). Depois de casada, a cozinheira abandonou o esporte e só retomou o contato depois que os filhos já estavam grandes. Ela os acompanhava nas aulas de capoeira e acabou voltando a praticar. Os filhos já não frequentam mais, mas ela não abandonou a roda: “É muita disposição, muita força de vontade. Porque se você não tiver

força de vontade você não vai fazer, você não vai praticar”, confessa.

Quando questionada sobre qual é a motivação para comparecer a um treino, mesmo depois de um dia intenso de trabalho, Sirlene responde que é

O diferencial da capoeira angola é o seu estilo de ginga calma e rasteira, mas pode ter seus momentos explosivos

Marcelo Pinhatari,professor de capoeira angola

O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho Londrina | Abril de 2014O Gancho maio de 2014

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FIAMA HELOISA SANTOSWELLINGTON VICTORFotos: Wellington Victor

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O diferencial da capoeira angola é o seu estilo de ginga calma e rasteira, mas pode ter seus momentos explosivos

pelo bem-estar que ela sente. Apesar de cansativo, o treino melhora a disposição e proporciona relaxamento. Para o professor Pinhatari, a capoeira representa “quase tudo”. Através dela ele considera ter adquirido uma identidade, pois “na capoeira, você aprende a ser no mundo de uma forma mais completa. Porque os movimentos da capoeira são movimentos libertários. Fora a movimentação, ela compreende certa complexidade porque vem de uma cultura muito antiga. A forma como ela se coloca para o mundo. Ela surge como um instrumento de libertação do escravo”.

Expressão afroCapoeira angola é um jogo de chão. Uma roda de

jogadores, com dois ao centro trocando movimentos que simulam, atacam, disfarçam, golpeiam e ganham o oponente. Jogo de malícia, não de maliciosos. Uma capoeira bem jogada, rica de estratégias, beleza e história. A herança de uma luta, de um povo, de uma raça, que não tem dono, não tem cor, nem terra. Neste jogo, o golpe mais forte vem do aperto de mão e abraço, não existe perdedor nem campeão.

É um jogo ritmado, sim, tem ritmo. Capoeira Angola é uma dança cheia de ginga. O compasso é ditado pela roda, instrumentada com o timbre do berimbau, a marcação do atabaque e a agitação do

Danilo Lagoeiro, iniciante a professor

ganzá ritmado pelo pandeiro e o som das palmas. Toda essa orquestra dirige como a roda vai se portar. Geralmente, ela começa lenta, uma dança sincronizada, expressiva, com movimentos suaves e confiantes, até evoluir para uma capoeira mais agitada, rápida, com acrobacias ousadas. A mais pura manifestação da liberdade.

A capoeira angola é luta rasteira, uma arte poderosa. É uma extensão do corpo e o transforma em uma arma astuta, precisa e pode ser fatal. Mas é praticada para firmar sua cultura, sua raiz e suas ancestralidades. Sobretudo, a capoeira angola é a primeira e original, é a capoeira mãe.

“Capoeira é ânsia de liberdade”, diz o relações públicas, Danilo Lagoeiro, que ginga, canta e joga o estilo angola há quatro anos. Ele considera a capoeira uma mistura de tudo isso, musicalidade, luta, dança. “É uma filosofia. A capoeira atravessa tudo”, explica.

Mesmo tendo um ritmo mais lento, o estilo angola tem sua rapidez, sua explosão, características que atraiu Lagoeiro como praticante, mas “acima de tudo, foi intuitivo, foi um chamado da capoeira, do som do berimbau”.

O RP se arrisca como professor dessa arte e resume que os aprendizados da capoeira acabam guiando o dia a dia, ajuda a não ficar tão nervoso com os problemas, que é “a ginga da vida mesmo, levar um tombo e saber levantar”.

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