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Segunda Seção - ww2.stj.jus.br · EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 105.345-DF

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Segunda Seção

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 105.345-DF (2009/0099044-9)

Relator: Ministro Raul Araújo

Embargante: Agropecuaria Vale do Araguaia Ltda

Embargado: Viação Aérea São Paulo S/A - Vasp e outros

Autor: Ministério Público do Trabalho e outros

Terc Inter: Sindicato Nacional dos Aeronautas

Advogado: Rita de Cássia Barbosa Lopes e outro(s)

Suscitante: Agropecuaria Vale do Araguaia Ltda

Advogado: Cláudio Alberto Feitosa Penna Fernandez e outro(s)

Suscitado: Juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal - DF

Suscitado: Juízo da 14ª Vara do Trabalho de São Paulo - SP

EMENTA

Embargos de declaração nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no conflito de competência. Obscuridade. Inteligência do art. 49 da LFR (Lei n. 11.101/2005). Suspensão das ações e execuções contra o devedor. Termo inicial. Deferimento do processamento da recuperação judicial. Decisão com efeitos ex nunc. Embargos de declaração acolhidos.

1. A regra do art. 49 da Lei n. 11.101/2005 merece interpretação sistemática. Nos termos do art. 6º, caput, da Lei de Falências e Recuperações Judiciais, é a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial que todas as ações e execuções em curso contra o devedor se suspendem. Na mesma esteira, diz o art. 52, III, do referido diploma legal que, estando a documentação em termos, o Juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor. Assim, os atos praticados nas execuções em trâmite contra o devedor entre a data de protocolização do pedido de recuperação e o deferimento de seu processamento são, em princípio, válidos e efi cazes, pois os

processos estão em seu trâmite regular.

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2. A decisão que defere o processamento da recuperação judicial

possui efeitos “ex nunc”, não retroagindo para atingir os atos que a

antecederam.

3. O art. 49 da Lei n. 11.101/2005 delimita o universo de credores

atingidos pela recuperação judicial, instituto que possui abrangência

bem maior que a antiga concordata, a qual obrigava somente os

credores quirografários (DL n. 7.661/1945, art. 147). A recuperação

judicial atinge “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda

que não vencidos”, ou seja, grosso modo, além dos quirografários, os

credores trabalhistas, acidentários, com direitos reais de garantia, com

privilégio especial, com privilégio geral, por multas contratuais e os

dos sócios ou acionistas.

4. O artigo 49 da LFR tem como objetivo, também, especifi car

quais os créditos, desde que não pagos e não inseridos nas exceções

apontadas pela própria lei, que se submeterão ao regime da recuperação

judicial e aqueles que estarão fora dele. Isso, porque, como se sabe, na

recuperação judicial, a sociedade empresária continua funcionando

normalmente e, portanto, negociando com bancos, fornecedores e

clientes. Nesse contexto, se, após o pedido de recuperação judicial, os

débitos contraídos pela sociedade empresária se submetessem a seu

regime, não haveria quem com ela quisesse negociar.

5. Na hipótese, o aresto embargado deu ao dispositivo

infraconstitucional a interpretação que entendeu pertinente, dentro

do papel reservado ao STJ pela Carta Magna (art. 105), concluindo

que o crédito fora validamente adimplido antes do deferimento do

processamento da recuperação judicial, momento em que a execução

não estava suspensa e eram válidos e efi cazes os atos nela praticados,

razão pela qual o Juízo do Trabalho é o competente para ultimar os

atos referentes à adjudicação do bem imóvel.

6. Embargos de declaração acolhidos, para sanar obscuridade,

sem efeitos infringentes.

ACÓRDÃO

Em Questão de Ordem, a Segunda Seção, por unanimidade, decide que os

confl itos de competência distribuídos até hoje fi cam com quem os receber por

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 359

distribuição e tenha proferido alguma decisão. A partir de hoje, a distribuição

e os Srs. Ministros que não proferiram nenhuma decisão nos confl itos de

competência distribuídos até 9 de novembro de 2011 deverão encaminhar

os autos à Sra. Ministra Nancy Andrighi. No mérito, a Segunda Seção, por

unanimidade, acolhe os embargos de declaração, para sanar obscuridade, sem

efeitos infringentes, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, consignada

a questão de ordem. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria

Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy

Andrighi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes,

justifi cadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda e Marco Buzzi.

Brasília (DF), 9 de novembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 25.11.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de embargos de declaração nos

embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no

confl ito de competência opostos por Agropecuária Vale do Araguaia Ltda contra

acórdão que guarda a seguinte ementa:

Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no conflito de competência. Bens adjudicados antes do processamento da recuperação judicial. Juízo trabalhista competente para ultimar os atos expropriatórios. Limites de cognição do conflito de competência. Embargos parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.

1. Se a adjudicação é pretendida antes do deferimento da recuperação judicial, não há mais falar em crédito trabalhista líquido a ser habilitado na recuperação, e sim em crédito, total ou parcialmente, adimplido pelo devedor antes da instauração do procedimento de soerguimento da empresa.

2. No caso dos autos, a adjudicação do bem imóvel objeto da lide não só foi requerida como também deferida antes de concedido o pedido de recuperação, cujo processamento somente foi determinado posteriormente. Assim, na esteira dos precedentes desta egrégia Corte, o Juízo trabalhista é o competente para ultimar os atos relativos à adjudicação.

3. Em sede de confl ito de competência, no qual a única pretensão possível é a defi nição do juízo competente para processar e julgar determinada lide, não é pertinente deliberar-se sobre matérias transbordantes desse tema.

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4. É de ser mantido o entendimento de que inexiste confl ito de competência na espécie, na medida em que não há dois juízos diferentes decidindo acerca do destino do mesmo bem, já que apenas a Justiça Obreira acerca disso deliberou.

5. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes. (fl s. 1.396-1.397).

Diz a embargante que padece o acórdão de obscuridade, porquanto

teria eleito como marco defi nidor da competência a data em que deferida a

recuperação judicial quando a Lei n. 11.101/2005 estabelece expressamente

em seu art. 49 que todos os créditos existentes na data do pedido, e não do

deferimento da recuperação, estão sujeitos à recuperação judicial.

Acrescenta que o pedido de recuperação judicial foi formulado em 13 de

agosto de 2008, quatorze dias antes da decisão proferida pelo Juízo trabalhista

acerca da adjudicação do imóvel objeto do dissenso. Entende, nesse sentido, que

a situação revela sobreposição de competências.

Pretende seja esclarecida se a hipótese é de “mero lapsus calami; ou se

realmente, a Corte estaria a desconsiderar a vigência do artigo 49 da Lei

n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, ao arrepio do estatuído pela Súmula

Vinculante n. 10 (cláusula de reserva de plenário)” (fl . 1.405).

Ressalta que os presentes embargos têm manifesta intenção de

prequestionar a declaração implícita de inconstitucionalidade do artigo 49 da

Lei n. 11.101/2005, em vista da negativa de sua aplicação ao caso sub judice, e

sem se atentar para o quorum qualifi cado a que alude o artigo 97 da Constituição

Federal.

O Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo apresenta impugnação

dos embargos trazidos pela Agropecuária Vale do Araguaia Ltda (fl s. 1.411-

1.515), apontando, de início, a resistência injustificada da embargante em

obedecer aos comandos legais. Ressalta que os arts. 6º e 52, III, da Lei n.

11.101/2005 dispõem que somente com deferimento da recuperação judicial é

que o curso da prescrição e das ações e execuções ajuizadas contra o devedor é

suspenso. Assim, até esse momento, os atos praticados nas execuções são válidos

e efi cazes.

Assevera que a lei deve ser interpretada em sua completude, bem por isso

não é possível pinçar um único artigo como capaz de solucionar questão que

demanda uma apreciação generalizada dos comandos legais.

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 361

Diz, ainda, que, a prevalecer o entendimento manifestado pela embargante,

“estar-se-ia diante de uma verdadeira aberração jurídica, já que os credores,

apenas com o protocolo da petição inicial da recuperação judicial, desde logo

ficariam impedidos de impulsionar suas execuções em juízos distintos do

universal, a despeito de inexistir, até então, lei e determinação judicial vedando

tal prosseguimento” (fl . 1.418).

Assinala que a Constituição Federal protege o ato jurídico perfeito e

acabado (CF, art. 5º, XXXVI) e o que pretende a embargante é desfazer a

adjudicação, ato jurídico, perfeito e acabado, sem que houvesse à época de sua

ocorrência decisão judicial autorizando o processamento de sua recuperação

judicial, ou determinando a suspensão das execuções.

Lembra que, tanto sob a égide do diploma anterior (DL n. 7.661/1945)

quanto na vigência da Lei n. 11.101/2005, a jurisprudência se fi rmou no sentido

de não permitir efeitos ex tunc à decisão que decreta a quebra ou defere o

processamento da recuperação judicial. Cita jurisprudência desta egrégia Corte

e do Supremo Tribunal Federal em abono a sua tese.

Nesse passo, afirma que, se nos termos do art. 685-B do Código de

Processo Civil a adjudicação se perfectibiliza com a lavratura e assinatura do

auto, e essa ocorreu antes do deferimento do processamento da recuperação

judicial, como reiteradamente reconhecido nos presentes autos pelos diversos

Ministros que compõem a Segunda Seção, não é possível seu desfazimento à

míngua de lei ou ato judicial que o determine.

Esclarece que o art. 49 da Lei n. 11.101/2005 somente estabelece quais

credores que, a partir do processamento da recuperação judicial, a ela se sujeitam,

como o fazia a concordata em relação aos credores quirografários.

Ressalta, ainda, que a matéria em questão não dá azo à reserva de plenário,

seja porque baseada na jurisprudência do STJ e do STF, seja porque preclusa,

já que trazida somente nos terceiros embargos de declaração aviados pela

suscitante.

Aponta, de outra parte, que nos termos do art. 54 da Lei n. 11.101/2005,

o plano de recuperação judicial não pode prever prazo superior a um ano para

pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho. Afi rma, nesse

contexto, que o plano de recuperação da suscitante foi homologado em 4.2.2010

e que, se fosse séria a intenção de pagamento dos credores obreiros, esse já teria

ocorrido. Porém, assevera que até hoje não foi pago um centavo sequer da dívida

que ultrapassa um bilhão de reais.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

362

Diz, ainda, que o rol de credores não integra os autos do presente confl ito,

o que confi rma a necessidade de que não seja conhecido.

Requer, por fi m, a condenação da embargante às penas da litigância de má-

fé, sugerindo que se tome por base para a estipulação da multa o valor do bem

adjudicado - R$ 421.012.500,00 (quatrocentos e vinte e um milhões, doze mil

e quinhentos reais), condicionando a interposição de qualquer outro recurso ao

recolhimento do valor fi xado.

O Sindicato Nacional dos Aeronautas apresenta a impugnação de fl s. 1.519-

1.531. Aduz, inicialmente, que em sede de embargos de declaração não é

possível inovar a lide, como pretende a suscitante nos presentes declaratórios,

trazendo questão que não foi apresentada anteriormente. Ressalta, nesse ponto,

que os segundos embargos de declaração somente podem versar sobre questão

surgida no julgamento antecedente.

Afirma que a irretroatividade das decisões proferidas pelo Juízo da

Recuperação é indispensável, de modo a preservar a segurança jurídica e o

devido processo legal, mormente se tratando de atos jurídicos perfeitos, como é

o caso da adjudicação da Fazenda Piratininga.

Alerta, ademais, que nem sequer havia um plano de recuperação judicial

aprovado quando fi xada a competência da Justiça do Trabalho.

MCLG Administração e Participações Ltda e Marcelo Henrique Limírio

Gonçalves, na qualidade de adquirentes da Fazenda Piratininga, apresentaram a

impugnação de fl s. 1.533-1.552, ressaltando sua inquestionável legitimidade e

interesse para a apresentação desta. Dizem, em apertada síntese, que a questão

ora trazida pela embargante já foi analisada e superada pelas diversas decisões

existentes no presente confl ito, bem como pelas proferidas na MC n. 17.488-

DF e na MC n. 17.645-DF, não havendo que se cogitar da existência de

obscuridade. Requer seja aplicada à embargante multa por litigância de má-

fé, no patamar de 5% sobre o valor corrigido da venda judicial da Fazenda

Piratininga.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Apesar de se tratar dos terceiros

embargos de declaração opostos pela Agropecuária Vale do Araguaia, entende-

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 363

se ser descabida a aplicação da multa por litigância de má-fé requerida nas

várias impugnações ao presente recurso, porque o questionamento apresentado

pela embargante se mostra pertinente e não foi anteriormente enfrentado de

forma mais explícita nos acórdãos anteriores, apesar de precedidos de vários

pedidos de vista.

De fato, a maior parte dos precedentes invocados para amparar os

arestos embargados foram proferidos na vigência da legislação anterior (DL n.

7.661/1945), tomando por parâmetro a decretação de falência, sem se cogitar de

processamento de recuperação judicial.

Daí, reconhecendo a relevância da questão trazida a debate, na parte que

invoca a aplicação da norma do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, passo ao seu

exame nos presentes embargos de declaração.

O art. 49 da Lei n. 11.101/2005 tem a seguinte redação:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fi adores e obrigados de regresso.

§ 2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso fi car estabelecido no plano de recuperação judicial.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fi duciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.

§ 5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4º do art. 6º desta Lei.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

364

Com base no que dispõe o caput do dispositivo acima transcrito, entende a

suscitante que, desde a data em que protocolizado o mero pedido de recuperação

judicial a competência para decidir acerca da forma de pagamento dos débitos

da sociedade empresária, constituídos até aquele momento, já seria do Juízo da

recuperação.

Assim, entende a embargante que, no caso dos autos, não seria válido o

pagamento dos créditos trabalhistas com a adjudicação de imóvel da sociedade

empresária, pois, poucos dias antes, por essa havia sido protocolizado seu pedido

de recuperação judicial (13.8.2008).

Sucede que, ao se tomar como correto esse entendimento, chegar-se-ia à

conclusão de que todos os atos praticados nas execuções em trâmite contra o

devedor a partir do protocolo do pedido de recuperação judicial seriam nulos,

já que praticados por juiz absolutamente incompetente. Careceriam de efi cácia,

também, os atos praticados pelo próprio devedor, como o adimplemento

voluntário de um título que vencesse um dia após referida data, já que deveria

ser pago de acordo com o futuro plano de reorganização.

Não parece ser essa, assim, a correta exegese do art. 49 da Lei n.

11.101/2005, o qual merece interpretação sistemática, como alerta Mário

Sérgio Milani, verbis:

Numa leitura isolada e assistemática da atual lei, poder-se ia afirmar, peremptoriamente, com estribo no art. 49, que todos os créditos e, por conseguinte todos os credores existentes na data do pedido de recuperação judicial a ela estão sujeitos.

Todavia, à luz de uma interpretação sistemática, constata-se que tal assertiva não é verdadeira (...)

Por conseguinte, fi ca afastada, in totum, a interpretação literal do comando veiculado no caput do art. 49: “Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, (...)” (grifamos).

Em outras palavras, pode-se afirmar, categoricamente, que nem todos os credores estão sujeitos à recuperação judicial. (in Lei de Recuperação Judicial, Recuperação Extrajudicial e Falência Comentada. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 211-212)

Com efeito, nos termos do art. 6º, caput, da Lei de Falências e Recuperações

Judiciais, é a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial que

todas as ações e execuções em curso contra o devedor se suspendem. Para

melhor compreensão, transcreve-se o dispositivo:

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 365

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.

§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modifi cação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

§ 5º Aplica-se o disposto no § 2º deste artigo à recuperação judicial durante o período de suspensão de que trata o § 4º deste artigo, mas, após o fi m da suspensão, as execuções trabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda que o crédito já esteja inscrito no quadro-geral de credores.

§ 6º Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:

I - pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;

II - pelo devedor, imediatamente após a citação.

§ 7º As execuções de natureza fi scal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específi ca.

§ 8º A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.

No mesmo sentido, diz o art. 52, III, do mesmo diploma legal que, estando

a documentação em termos, o Juiz deferirá o processamento da recuperação judicial

e, no mesmo ato, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

366

Ora, se as execuções somente se suspendem a partir do deferimento do

processamento da recuperação judicial, falta coerência à conclusão de que todos

os atos praticados no intervalo entre a protocolização do pedido de recuperação

e o deferimento de seu processamento são nulos. Fosse assim, a lei determinaria

a suspensão das ações e execuções desde a protocolização do pedido, e não a

partir do deferimento de seu processamento.

Cumpre assinalar, além disso, que nesse período são praticados diversos atos

processuais nas execuções e, até mesmo, vários atos pelo próprio devedor, que

continua na gerência de seus negócios, inclusive o pagamento de fornecedores e

vários outros. Todos esses, em princípio, são atos jurídicos válidos, que não são

atingidos pelo simples protocolo de pedido de recuperação judicial.

Atento para o aspecto em discussão, Júlio Kahan Mandel critica essa

opção do legislador de somente suspender as execuções com o deferimento do

processamento da recuperação judicial, in verbis:

Note que a suspensão começa a ser contada do dia do despacho que manda processar a recuperação, e não do dia da impetração do benefício. Ou seja, há um interregno de tempo durante o qual o devedor não fi ca, em tese, protegido contra as execuções.

(in Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coord. Luiz Fernando Valente de Paiva. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 131)

Portanto, a decisão que defere o processamento da recuperação judicial

possui efeitos “ex nunc”, não retroagindo para atingir os atos que a antecederam,

a partir do pedido de recuperação.

Seria de se questionar, então, qual a fi nalidade do disposto no art. 49 da Lei

n. 11.101/2005, já que a lei não tem palavras inúteis.

Em primeiro lugar, o mencionado art. 49 delimita o universo de credores

atingidos pela recuperação judicial, instituto que possui abrangência bem maior

que a antiga concordata, a qual obrigava somente os credores quirografários (v.

Decreto-Lei n. 7.661/1945, art. 147). A recuperação judicial atinge “todos os

créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, ou seja, grosso modo,

além dos quirografários, os credores trabalhistas, acidentários, com direitos reais

de garantia, com privilégio especial, com privilégio geral, por multas contratuais

e os dos sócios ou acionistas.

Além disso, o artigo 49 da LFR tem como objetivo especifi car quais os

créditos, desde que não pagos e não inseridos nas exceções apontadas pela

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 367

própria lei (§ 3º do art. 49), que se submeterão ao regime da recuperação judicial

e aqueles que estarão fora dele. Isso, porque, como se sabe, na recuperação

judicial, a sociedade empresária continua funcionando normalmente e, portanto,

com empregados e negociando com bancos, fornecedores e clientes. Nesse

contexto, se, após o pedido de recuperação judicial, os débitos contraídos pelo

devedor se submetessem a seu regime, não haveria quem com ele quisesse

negociar.

Assim, para possibilitar a continuidade dos negócios, fi nalidade última da

recuperação judicial, o legislador não somente excluiu os créditos constituídos

após o protocolo do pedido de recuperação, como, na verdade, os cercou de

privilégios, como, por exemplo, serem classifi cados como extraconcursais, no

caso de ser decretada a falência da sociedade empresária (art. 67 da Lei n.

11.101/2005). Daí a importância do art. 49 da LFR, que determina quais

créditos se submetem ao regime da recuperação e quais dela estão excluídos.

Sobre o tema, esclarece Fábio Ulhoa Coelho, verbis:

Os credores posteriores à distribuição do pedido estão excluídos porque, se assim não fosse, o devedor não conseguiria mais acesso nenhum a crédito comercial ou bancário, inviabilizando-se o objetivo da recuperação.

(in Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 131.)

Também sobre a questão se debruça Marcos Andrey de Sousa, in verbis:

O primeiro aspecto a observar é o marco temporal, qual seja, a data do pedido. Os credores posteriores ao pedido não podem ser incluídos no plano de recuperação, mesmo que este seja elaborado e apresentado posteriormente. Aliás, a lei atribui efeitos diametralmente opostos aos credores posteriores, considerando-os inclusive extraconcursais na hipótese de falência do devedor, segundo o artigo 67 da nova lei.

É visível, neste ponto, o interesse do legislador em estimular os fornecedores, de produtos ou dinheiro, a manter fornecimentos com concessão de crédito ao empresário que postulou sua recuperação, eis que a manutenção sadia da atividade não só é o objetivo da lei, como é primordial para o mister da recuperação. Assim sendo, sujeitar os fornecedores posteriores seria um desestímulo à continuidade de parcerias e futuros negócios.

(in Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. Coord. Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 228-229)

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Feitos esses esclarecimentos, de modo a afastar a eventual obscuridade

apontada pela embargante, deixo consignado, ainda, que o aresto embargado em

nenhum momento declarou implicitamente a inconstitucionalidade do art. 49

da Lei n. 11.101/2005, mas apenas deu a interpretação que entendeu pertinente

ao referido dispositivo infraconstitucional, dentro do papel reservado ao STJ

pela Carta Magna (art. 105).

Na hipótese, como afirmado no acórdão embargado, o crédito foi

validamente adimplido antes do deferimento do processamento da recuperação

judicial, momento em que a execução não estava suspensa e eram válidos

e efi cazes os atos nela praticados, razão pela qual o Juízo do Trabalho é o

competente para ultimar os atos referentes à adjudicação do bem imóvel.

Transcrevo, a propósito, trecho do voto proferido anteriormente, verbis:

Esse entendimento permanece válido sob a égide da Lei n. 11.101/2005, porquanto, se a adjudicação foi pretendida antes do deferimento da recuperação judicial, não há mais falar em crédito trabalhista líquido a ser habilitado na recuperação, e sim em crédito, total ou parcialmente, adimplido pelo devedor antes da instauração do procedimento de soerguimento da empresa.

No caso dos autos, a adjudicação do bem imóvel objeto da lide não só foi requerida como também deferida (em 27 de agosto de 2008) antes de concedido o pedido de recuperação, cujo processamento somente foi determinado em 13 de novembro de 2008 (fl s. 34-37). Assim, na esteira dos precedentes acima listados, o Juízo trabalhista é o competente para ultimar os atos relativos à adjudicação.

Ante o exposto, conheço e acolho os embargos de declaração para sanar

a obscuridade apontada, com os esclarecimentos devidos, sem alteração no

resultado do julgado.

É como voto.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 595.742-SC (2004/0120504-3)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Relatora para o acórdão: Ministra Maria Isabel Gallotti

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 369

Embargante: Tânia Conrad Fritzsche

Advogado: Rafael de Assis Horn e outro(s)

Embargado: Cornélia Conrad Lowndes

Advogados: Paulo Laitano Távora

Antonio Carlos Dantas Ribeiro e outro(s)

Norberto Ungaretti e outro(s)

Mário Roberto Carvalho de Faria e outro

EMENTA

Embargos de divergência. Inventário. Preclusão. Matéria suscitada em contrarrazões. Prequestionamento a cargo do recorrido. Recurso especial conhecido. Aplicação do direito à espécie. Divergência confi gurada.

1. O cabimento dos embargos de divergência pressupõe a existência de divergência de entendimentos entre Turmas do STJ a respeito da mesma questão de direito federal. Tratando-se de divergência a propósito de regra de direito processual não se exige que os fatos em causa nos acórdãos recorrido e paradigma sejam semelhantes, mas apenas que divirjam as Turmas a propósito da solução da questão de direito processual controvertida.

2. Segundo pacífi ca jurisprudência do STJ, não são cabíveis embargos de divergência para discussão de regra técnica de admissibilidade de recurso especial. A razão de ser desta uníssona jurisprudência é intuitiva e óbvia: as chamadas “regras técnicas de admissibilidade” devem ser apreciadas e ponderadas na análise de cada caso concreto, à vista dos fundamentos do acórdão recorrido e das razões das partes, bem ou mal conduzidas, vicissitudes que descaracterizam a possibilidade de reconhecimento da divergência.

3. Hipótese em que não se cuida de regra técnica de admissibilidade de recurso especial, mas de divergência acerca de questão de direito processual civil relativa aos limites da devolutividade do recurso especial após o seu conhecimento, quando o STJ passa a julgar o mérito da causa.

4. Alegados pela parte recorrida, perante a instância ordinária,

dois fundamentos autônomos e sufi cientes para embasar sua pretensão,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

370

e tendo-lhe sido o acórdão recorrido integralmente favorável

mediante a análise de apenas um dele, não se há de cogitar da

oposição de embargos de declaração pelo vitorioso apenas para

prequestionar o fundamento não examinado, a fi m de preparar

recurso especial do qual não necessita (falta de interesse de recorrer)

ou como medida preventiva em face de eventual recurso especial da

parte adversária.

5. Reagitado o fundamento nas contrarrazões ao recurso especial

do vencido, caso seja este conhecido e afastado o fundamento ao qual

se apegara o tribunal de origem, cabe ao STJ, no julgamento do causa

(Regimento Interno, art. 257), enfrentar as demais teses de defesa

suscitadas na origem.

6. Embargos de divergência providos.

ACÓRDÃO

Prosseguindo o julgamento, após o voto da Sra. Ministra Maria Isabel

Gallotti conhecendo dos embargos e lhes dando provimento, a Seção, por

maioria, conheceu dos embargos de divergência e lhes deu provimento, vencidos

os Srs. Ministros Relator, Nancy Andrighi e Luis Felipe Salomão, que não

conheciam dos embargos de divergência.

Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. Votaram com

a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo

de Tarso Sanseverino, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e

Marco Buzzi.

Vencidos os Srs. Ministros Relator, Nancy Andrighi e Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 14 de dezembro de 2011 (data do julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora p/ acórdão

DJe 13.4.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de embargos de divergência

opostos por Tânia Conrad Fritzsche em face de acórdão proferido pela egrégia

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 371

Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EDcl no REsp n.

595.742-SC (fl s. 622-629), relatora Ministra Nancy Andrighi, p. em 28.6.2004,

assim ementado:

Processual Civil. Embargos de declaração. Omissão. Ausência. Prequestionamento. Contra-razões. Matéria de ordem pública. Questões constitucionais. - Não há de se falar em omissão da decisão embargada com relação a questões que, não obstante suscitadas nas contra-razões do recurso especial, não foram apreciadas pelo Tribunal de origem, ressentindo-se, assim, do prequestionamento viabilizador da via especial. - O recurso especial deve preencher o pressuposto específi co do prequestionamento, ainda que a questão federal suscitada seja matéria de ordem pública. - Ao julgador do STJ não é dado imiscuir-se na competência do STF, sequer para prequestionar questão constitucional suscitada em sede de embargos de declaração, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Constituição Federal. Embargos de declaração rejeitados.

Assinalou a embargante divergência jurisprudencial com os seguintes

acórdãos da Terceira Turma e da Segunda Seção deste Sodalício, assim

ementados, respectivamente:

Recurso especial. Julgamento da causa. Conhecido o recurso, o tribunal procedera ao julgamento da causa, posto que não se trata de corte de cassação. Para faze-lo, poderá ser necessário o exame, em favor do recorrido, de temas não versados no acórdão. Assim é que, tendo a defesa dois fundamentos, capazes, por si, de assegurar a vitoria a quem os deduziu, sendo acolhido um, não poderá o vencedor recorrer, por falta de interesse. Considerado este insubsistente, no julgamento do recurso, o outro haverá de ser objeto de exame, ainda que não o tenha sido na decisão recorrida. Diversa a posição do vencido. A ele interessa recorrer. Haverá de provocar o pronunciamento do tribunal, pela via dos declaratórios, se o caso, sobre os temas que lhe interessem, e demonstrar o cabimento do especial quanto a todos eles. (ut EDcl no REsp n. 28.325-SP, 3ª Turma, relator Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 3.5.1993).

Recurso especial. Conhecimento. Julgamento da causa. Conhecido o recurso especial, a ele pode-se negar provimento com base em fundamento, exposto na causa, mas não considerado no acórdão recorrido, que teve outro como bastante. Ao litigante que obteve tudo que poderia obter não sera dado recorrer, por falta de interesse. Entretanto, não se reformara decisão, cuja conclusão e correta, apenas porque acolhido fundamento errado. (ut EDcl no REsp n. 17.646-RJ, 3ª Turma, relator Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 29.6.1992).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

372

Recurso especial. Conhecimento. Julgamento da causa. Limites. Sumulas n. 456 do Supremo Tribunal Federal e art. 257, parte fi nal, do RISTJ. Conhecendo do recurso especial, o superior tribunal de justiça julgara a causa. Para isso pode ser necessário examinar questões não versadas pelo acórdão. Se, para decidi-las, entretanto, for indispensável acertar os fatos, mediante exame de provas, devem os autos tornar ao tribunal de origem para que delibere sobre os temas de que não cogitou ao apreciar a apelação. Renuncia de direitos por quem não era seu titular - não estando a isso autorizado, responde pelos prejuízos. (ut REsp n. 5.178-SP, 3ª Turma, relator Ministro Nilson Naves, DJ de 25.11.1991)

Processo Civil. Recurso especial. Técnica de julgamento. Conhecido o recurso especial, o Tribunal deve aplicar o direito à espécie (RISTJ, art. 257), tenham ou não as respectivas contra-razões se reportado à questão infl uente no desate da lide, oportunamente ativada nas instâncias ordinárias. Embargos de divergência acolhidos. (ut EREsp n. 20.645-SC, 2ª Seção, relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 1º.8.2000).

Alega a recorrente que a divergência consiste no fato de que os vv. acórdãos

paradigmas da 3ª Turma e da 2ª Seção deixam assente que o prequestionamento

é obrigação apenas de quem recorre, de modo que é possível o exame no recurso

especial de questões abordadas pela recorrida em contra-razões, mesmo que

não debatidas pelo Tribunal a quo. Já o acórdão embargado manifesta-se no

sentido da impossibilidade de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça de

matéria ventilada em contra-razões pelo recorrido, mas não debatida no acórdão

proferido pelo Tribunal a quo (fl s. 745-761).

Por decisão monocrática, da lavra desta Relatoria, os embargos de

divergência, inicialmente, foram indeferidos liminarmente (fl s. 1.023-1.025).

Interposto o recurso de agravo regimental, a Segunda Seção do Superior

Tribunal de Justiça, por maioria, conferiu provimento ao recurso, para conhecer

dos embargos de divergência (fl s. 1.066-1.077).

Opostos embargos de declaração, foram eles acolhidos, por maioria, com

efeitos infringentes, para o fi m de limitar a divergência ao acórdão proferido

pela Segunda Seção (fl s. 1.131-1.136).

Intimada, a embargada Cornélia peticionou nos autos (fl s. 1.098), reiterando

as contra-razões anteriormente apresentadas às fl s. 891-910, requerendo o não-

conhecimento ou a rejeição dos embargos.

É o relatório.

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 373

VOTO VENCIDO

Ementa: Embargos de divergência no recurso especial. Prévia

admissão da controvérsia mediante juízo perfunctório. Não-

vinculação em relação ao julgamento dos embargos. Exame de

questões suscitadas em contra-razões e não enfrentadas pelo acórdão

recorrido. Inexistência de similitude fática entre os julgados tidos

por divergentes. Rediscussão de regra técnica de admissibilidade de

recurso especial. Inviabilidade em sede de embargos de divergência.

Embargos não conhecidos.

I - É admissível que, embora inicialmente admitidos os

embargos de divergência mediante análise superfi cial, após o parecer

do Ministério Público e impugnação da parte embargada, não seja

o recurso conhecido, em razão da ausência de preenchimento de

requisito de admissibilidade, tendo em vista a não-vinculação do juízo

prévio de admissibilidade para fi ns de julgamento do recurso;

II - Em sede de embargos de divergência, deve ser demonstrada

a similitude fática entre o acórdão impugnado e o paradigma

colacionado, o que não ocorreu, in casu;

III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não

admite, em embargos de divergência, a rediscussão de regra técnica

relativa a admissibilidade de recurso especial, sendo esse o caso dos

autos;

III - Embargos de divergência não conhecidos.

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Os embargos não merecem ser

conhecidos.

Com efeito.

Inicialmente, é importante consignar ser possível que, embora

admitidos os embargos de divergência mediante análise superfi cial, após o

parecer do Ministério Público e impugnação da parte embargada, não seja

o recurso conhecido em razão da ausência de preenchimento de requisito

de admissibilidade, tendo em vista a não-vinculação do juízo prévio de

admissibilidade para fi ns de julgamento do recurso. Nesse sentido: AgRg nos

EREsp n. 347.552-SP, 3ª Seção, relator Ministro Paulo Galotti, j. em 27.8.2003;

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

374

e AgRg nos EREsp n. 324.565-SP, Primeira Seção, relatora Ministra Denise

Arruda, j. em 9.6.2004.

Prestado o esclarecimento supra, é certo que a jurisprudência pacífi ca deste

egrégio Sodalício manifesta-se no sentido de que, em sede de embargos de

divergência, deve ser demonstrada a similitude fática entre o acórdão impugnado

e o paradigma colacionado.

Quanto à divergência apontada, não existe a mencionada similitude fática

entre o acórdão embargado e o acórdão tido como paradigma.

De fato, o acórdão embargado (EDcl no REsp n. 595.742-SC), ao cuidar

de direito sucessório, refere-se à necessidade de prequestionamento de matéria

de ordem pública (preclusão acerca do valor dos bens colacionados, que seria

o da época da abertura da sucessão, e não do momento em que foram feitas as

doações), com ofensa do art. 473 do Código de Processo Civil.

O referido acórdão deixa assente que o prequestionamento é indispensável

à análise de eventual violação a dispositivo de lei federal pelo Superior Tribunal

de Justiça. Assevera, ainda, que não basta que a questão seja suscitada em

contra-razões de recurso especial, mas, ao revés, é imprescindível que ela tenha

sido objeto de discussão pelo Tribunal de origem para que seja apreciada pelo

Superior Tribunal de Justiça.

Já o acórdão paradigma, da lavra da Segunda Seção (EREsp n. 20.645-

SC), cuida de ação cominatória cumulada com pedido de indenização, onde

se discute se os eventuais danos ocorridos na propriedade dos recorrentes são

derivados de ação instantânea ou continuada no tempo.

Afi rma o mencionado julgado que, conhecido o recurso especial, deve o

Tribunal aplicar o direito à espécie (Regimento Interno do Superior Tribunal

de Justiça, art. 257) tenham ou não as respectivas contra-razões se reportado

à questão infl uente no desate da lide, oportunamente ativada nas instâncias

ordinárias (fl . 713), não tratando de questão de ordem pública, ao contrário do

acórdão embargado.

Ademais, além da ausência de similitude fática necessária a ensejar a

oposição dos embargos de divergência, a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça não admite, em embargos de divergência, a rediscussão de regra técnica

relativa a admissibilidade de recurso especial, o que também se dá na hipótese

de prequestionamento, sendo esse o caso dos autos.

A propósito, confi ram-se os seguintes precedentes:

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 375

Agravo regimental. Embargos de divergência. Enunciado Sumular n. 115-STJ. Aplicabilidade de regra técnica relativa a admissibilidade de recurso especial. Descabimento dos embargos.

1. Embargos de divergência opostos contra acórdão que não conheceu do recurso especial por aplicação da Súmula n. 115-STJ.

2. Não se admite, em embargos de divergência, a rediscussão de regra técnica relativa a admissibilidade de recurso especial, como a contida na súmula referida. Precedente.

3. Agravo regimental a que se nega provimento (ut AgRg nos EREsp n. 1.196.970-AM, 2ª Seção, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 20.5.2011).

Processual Civil. Recurso especial. Embargos de divergência. Agravo regimental. Discussão acerca da aplicação de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso especial. Impossibilidade.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, é fi rme quanto à impropriedade de debate, em embargos de divergência, sobre a aplicação de regra técnica relativa ao conhecimento do recurso especial, o que se dá nas hipóteses de prequestionamento e incidência da Súmula n. 7 do STJ, entre outras.

2. Agravo regimental desprovido. (ut AgRg nos EREsp n. 1.168.109-SC, 2ª Seção, relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 13.5.2011).

Assim sendo, não se conhece dos embargos.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: Sr. Presidente, como eu já havia

votado no agravo regimental nesse mesmo sentido, peço vênia à Sra. Ministra

Maria Isabel Gallotti, porque, efetivamente, não vou mudar.

Cumprimento o Advogado pelo brilho da sustentação oral, mas penso que

a regra técnica de admissibilidade do recurso é, para mim, o fator fundamental,

ao lado da ausência de similitude.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Trata-se de embargos de divergência

opostos por Tânia Conrad Fritzsche contra acórdão da 3ª Turma deste Tribunal

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

376

(fls. 584-596), integrado em embargos de declaração (fls. 622-629), que

considerou não ser possível o exame de matéria suscitada nas contrarrazões

ao recurso especial por ausência do requisito do prequestionamento do tema

relativo à preclusão acerca da defi nição dos valores de bens trazidos à colação em

processo de inventário.

Afirma a embargante que o acórdão embargado encontra-se em

divergência com o entendimento da 2ª Seção, que, no julgamento dos Embargos

de Divergência em REsp n. 20.645-SC, concluiu que, conhecido o recurso

especial, deve o Tribunal aplicar o direito à espécie, mediante o exame das

questões relevantes para a solução da controvérsia e suscitadas nas instâncias

ordinárias.

O relator, Ministro Massami Uyeda, não conheceu dos embargos por

entender não demonstrada a similitude fática entre os acórdãos embargado e

paradigma, bem assim diante da jurisprudência deste Tribunal que não admite

embargos de divergência para discussão de critérios técnicos de admissibilidade

de recurso especial, sendo acompanhado pelos Ministros Luís Felipe Salomão e

Nancy Andrighi.

Pedi vista.

Anoto, inicialmente, que, a despeito de as ações em que proferidos os

acórdãos embargado e paradigma terem por objeto, respectivamente, o critério

para a defi nição dos valores de bens trazidos à colação em processo de inventário

e indenização decorrente de danos em imóvel rural, a divergência a propósito de

relevante questão de direito processual (extensão do efeito devolutivo de recurso

especial conhecido, quanto às questões suscitadas na origem, mas não decididas no

acórdão recorrido) é manifesta.

Com efeito, ao examinar a possibilidade de um fundamento invocado

pela parte vencedora na instância de origem, mas não examinado no acórdão

recorrido (que deferiu o pedido por outro fundamento), ser apreciado pelo STJ

após o conhecimento do recurso especial, na fase de exame do mérito do recurso

(Regimento Interno, art. 257), o acórdão embargado e o acórdão paradigma

chegaram a conclusões diametralmente opostas.

Não se discute que a Corte Especial e as Seções deste Tribunal

consolidaram o entendimento, em reiterados julgados, de que não são cabíveis

embargos de divergência para discussão de regra técnica de admissibilidade de

recurso especial. Nesse sentido, entre muitos outros, confi ram-se: AgRg na Pet

n. 5.897-RJ, Corte Especial, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 21.8.2008; AgRg nos

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 377

EREsp n. 917.575-SC, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell, DJ 10.3.2010;

EDcl nos EREsp n. 1.067.738-GO, 2ª Seção, Rel. Min. Fernando Gonçalves,

DJ 19.3.2010; AgRg nos EREsp n. 866.309-RS, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita

Vaz, DJ 26.8.2009).

A razão de ser desta uníssona jurisprudência é intuitiva e óbvia: as chamadas

“regras técnicas de admissibilidade” devem ser apreciadas e ponderadas na

análise de cada caso concreto, à vista dos fundamentos do acórdão recorrido

e das razões das partes, o que descaracteriza a divergência. Por exemplo, a

verifi cação da pretensão de reexame de prova, interditada no âmbito do recurso

especial (Súmula n. 7), ou, ao contrário, de critério jurídico de valoração

da prova, admitida nesta via; a análise do requisito do prequestionamento,

explícito ou implícito (Súmulas n. 356 e 282 do STF e 211 do STJ); a correta

demonstração analítica da divergência nas razões do especial; a pretensão de

reinterpretação de cláusula contratual (óbice da Súmula n. 5) ou, ao contrário,

de reconhecimento de ilegalidade a propósito da exegese da mesma cláusula,

possível na via especial, são, entre outras, análises restritas às características de

cada processo, dependentes não da interpretação de regras de direito processual

ou de direito material, mas da forma como a causa foi conduzida, bem ou mal,

desde a origem pelos sujeitos daquela específi ca relação processual.

No caso em exame, todavia, não se trata de regra técnica de admissibilidade

de recurso especial.

Destaco que o recurso especial não foi interposto pela ora embargante, que,

vencedora nas instâncias de origem, não teria interesse para recorrer, restando-

lhe, em atenção ao princípio da eventualidade, suscitar a questão da preclusão

nas contrarrazões ao recurso apresentado pela parte contrária, como o fez (fl s.

371-372), matéria que, ressalto, foi mencionada pela ora embargante, desde a

contraminuta ao agravo de instrumento no qual proferido o acórdão impugnado

no recurso especial (fl s. 213-214).

Observo, a propósito, que a embargada tenta descaracterizar a divergência

com o acórdão no EREsp n. 20.645-SC afi rmando, insistentemente, que a

embargante não teria suscitado a matéria (preclusão acerca da defi nição dos

valores de bens trazidos à colação em processo de inventário) “em nenhum

momento perante as instâncias ordinárias, tendo sido invocada tão somente em

contrarrazões de especial” (extraído de memorial oferecido pela embargante,

argumento reiterado na sustentação oral e já afi rmado à fl . 614 em resposta

aos embargos de declaração e à fl s. 898-899). Donde, sustenta a embargada a

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

378

inexistência de divergência, pois no acórdão paradigma “o tema cuja análise se

pretendia em sede de recurso especial havia sido devidamente suscitado nas

instâncias ordinárias, sem que, contudo, tivesse sido novamente ventilado em

contrarrazões de especial.” (texto extraído do mesmo memorial). E conclui,

citando passagem do voto do saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes

Direito:

Pelo sistema brasileiro, o recurso especial, quando conhecido, devolve ao Tribunal a competência para julgar a causa, aplicando o direito à espécie. A vedação existiria se, efetivamente, a parte tivesse trazido a questão apenas no especial, não tendo sido a mesma ventilada em nenhuma oportunidade nas instâncias ordinárias.

Com efeito, se fosse certa a premissa afirmada reiteradamente pela

embargada, se a alegação de preclusão não tivesse sido feita pela embargante

em “nenhuma oportunidade nas instâncias ordinárias”, se, de fato, se tratasse

de inovação de defesa que, embora pudesse ter sido trazida oportunamente,

houvesse sido adotada apenas nas contrarrazões de recurso especial, não

haveria divergência apta a ensejar o conhecimento dos presentes embargos de

divergência.

Dada a insistência da afirmação da embargada de que a questão da

preclusão não foi alegada em momento algum na instância ordinária, transcrevo

parte substancial da contraminuta apresentada na origem:

Preliminarmente

Cumpre salientar, “ab initio”, que relativamente à época que deve ser considerada (momento da liberdade ou abertura da sucessão), para fi ns de determinar o valor a ser atribuído na colação dos bens doados em vida pelos de “cujus”, na modalidade de adiantamento de legítima, para as suas herdeiras, já houve pronunciamento definitivo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina ao julgar os Embargos de Declaração opostos pela ora agravante, Cornélia Conrad Laowndes, ao acórdão proferido pela Colenda Quarta Câmara nos Agravos de Instrumentos n. 2000.020044-7, 2000.020962-3 e 2000.021043-9, cuja relatoria foi do ilustre Des. Pedro Manoel Abreu.

Com efeito, a questão restou definitivamente dirimida pelo acórdão proferido nos Embargos de Declaração acima noticiado, cujo excerto pedimos vênia para transcrever (grifei):

Não prospera também o peito no que diz respeito ao equívoco da palavra “liberdade” na ementa do decisium. Com efeito, a simples leitura do acórdão

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 379

denota que, a partir do entendimento de Silvio Rodrigues, a Câmara decidiu que a colação deve ser feita pelo valor do bens à época da liberdade. E, de fato, assim constou na ementa. Não há, portanto, qualquer erronia a ser corrigida - grifamos

Destarte, a questão suscitada pela agravante no presente recurso, consoante supra evidenciado, já restou decidida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, demonstrando inequivocamente o entendimento desta egrégia corte acerca da matéria, sendo de cunho manifestamente protelatório a atitude da agravante ao interpor o presente recurso.

(...)

A esta conclusão, chegou o ilustre magistrado a quo não só tendo em vista todas as circunstâncias que envolve os inventários em tela, mas também por comungar do entendimento esposado pela Colenda Quarta Câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no julgamento dos Agravos de Instrumentos n. 2000.020044-7, 2000.020962-3 e 2000.021043-9, cujo acórdão teve como relator o eminente Des. Pedro Manoel Abreu.

Com efeito, da ementa do supracitado acórdão podemos extrair os seguintes excertos:

(...) Exigência de colação em substância das aludidas cotas. Possibilidade colação pelo valor à época da liberalidade. Garantia de efetiva igualdade patrimonial entre os herdeiros.

(...) Com os fenômenos da infl ação e da massifi cação das relações sociais, somados à velocidade das transações negociais do mundo contemporâneo, as colações tendem a dar-se pelo valor do bem ao tempo da liberalidade

(...)

Por derradeiro, ressaltando-se a pertinência e a íntima ligação entre a quaestio aqui versada e a matéria apreciada nos Agravos de Instrumento n. 2000.020044-7, 2000.020962-3 e 2000.021043-9, alhures referidos, requer a agravada seja o presente recurso redistribuído para a Colenda Quarta Câmara Civil deste Egrégio Tribunal de Justiça.

A embargante foi vitoriosa na decisão interlocutória de primeiro grau.

Diante do agravo de instrumento interposto pela parte adversária, ofereceu

contraminuta na qual sustentou, com veemência, que a questão já havia sido

decidida em três agravos de instrumento anteriores, por outra Câmara do

Tribunal de Justiça. Alegou a preclusão e pediu a redistribuição do novo agravo

para a Câmara que julgara os recursos anteriores. Além de sustentar que já

tinha havido “julgamento defi nitivo do Tribunal de Justiça” sobre a questão em

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

380

agravos anteriores (preclusão), a contraminuta enfrentou o mérito, justifi cando o

acerto do critério adotado pelo juízo de primeiro grau.

O acórdão recorrido não se manifestou sobre a alegação de preclusão e nem

sobre o pedido de redistribuição do processo. Apreciou o mérito e confi rmou a

decisão de primeiro grau, decidindo, portanto, favoravelmente à agravada, ora

recorrida. Esta, portanto, não tinha interesse em interpor recurso especial.

Sequer se alegue que deveria ter oposto embargos de declaração ao acórdão

recorrido, o qual lhe tinha sido completamente favorável, apenas para que se

manifestasse sobre o outro fundamento autônomo deduzido na contraminuta

(a preclusão). Exige-se do recorrente que obtenha, do Tribunal de origem, a

apreciação da questão de direito que deseja suscitar em recurso especial, pois, do

contrário, não poderá alegar que o acórdão violou dispositivo legal por ele não

examinado. A parte vencedora não tem interesse para recorrer e, desta forma,

não lhe cabe opor embargos de declaração para preparar o caminho para o

recurso do qual não necessita.

Interposto recurso especial, as contrarrazões foram inauguradas (fl s. 369-

372) com o sumário das circunstâncias da causa e a reiteração do argumento

de que a questão do critério da avaliação dos bens doados em antecipação de

legítima, segundo a data da liberalidade, já havia sido decidida de forma preclusa,

sem recurso pela recorrente Cornélia (ora embargada). Seguiu-se minuciosa

defesa do critério de mérito adotado por ambas as instâncias de origem, dadas

as peculiaridades da causa, notadamente a alegada impossibilidade, por ato da

embargada Cornélia, de trazer à colação o bem doado em sua substância.

O acórdão embargado deixou de apreciar a alegação de preclusão constante

das contrarrazões com as seguintes considerações:

(...) cumpre ressaltar que a questão da preclusão da matéria para a recorrente, alegada pela recorrida em contra-razões e repisada em memoriais, não foi objeto do recurso especial e sequer foi tratada no acórdão recorrido. Portanto, ante a falta de prequestionamento dessa matéria, deixo de analisá-la.

Em seguida, o acórdão embargado conheceu parcialmente do recurso

especial, por ofensa ao art. 1.014, parágrafo único, do CPC, e deu-lhe provimento

para determinar que os bens colacionados sejam avaliados conforme o valor que

possuíam à época da abertura do inventário. (fl . 591).

Foram opostos embargos de declaração, no qual alegou a ora embargante

que, por ter sido vencedora nas instâncias ordinárias, não tinha interesse

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 381

em recorrer e, portanto, não lhe poderia ter sido exigido o incabível, ou seja,

interpor recurso especial para prequestionar a questão versada na contraminuta,

restando-lhe reiterar a matéria, como o fez, nas contrarrazões ao especial da

parte adversária.

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 622-29), reiterando

a 3ª Turma a tese de direito processual civil no sentido de que não pode ser

examinada pelo STJ, quando julgar o mérito da causa, após o conhecimento

do recurso especial, tese de defesa da recorrida não apreciada pelo Tribunal de

origem.

Manifesta, portanto, a divergência a propósito de relevantíssima questão

de direito processual civil acerca da devolutividade do recurso especial, quando

o recurso especial é conhecido e o STJ passa ao julgamento do mérito. Do que

se depreende do acórdão embargado, entende a 3ª Turma que, havendo dois

fundamentos autônomos de defesa, e tendo o acórdão recorrido dado ganho

de causa ao recorrido analisando apenas um destes fundamentos (omitindo-

se quanto ao exame do outro), no caso de o STJ não concordar com este

fundamento esposado na origem, não lhe caberá, após ultrapassada a fase de

conhecimento, apreciar o segundo fundamento da defesa, mesmo que reiterado

nas contrarrazões do recurso especial. Isso por falta de prequestionamento.

No acórdão paradigma (EREsp n. 20.645-SC), ao contrário, tomado

do julgamento de embargos de divergência, julgou a 2ª Seção que, tendo o

fundamento de defesa sido alegado na instância ordinária, mesmo que não

abordado pelo Tribunal de origem, caberia seu exame pelo STJ, se ultrapassada

a barreira do conhecimento do recurso especial. No paradigma sequer foi

considerado necessário o questionamento da matéria nas contrarrazões ao

recurso especial. Bastou à Seção houvesse sido suscitada a questão em alguma

oportunidade nas instâncias ordinárias.

No caso, impossível maior zelo na defesa da embargante. A questão

da preclusão foi minuciosamente alegada em contraminuta ao agravo de

instrumento na origem; em contrarrazões ao recurso especial e em embargos

de declaração ao acórdão embargado. Mais não se lhe poderia ser exigido, data

máxima vênia, senão mediante o atropelo do princípio processual segundo o

qual não tem interesse em recorrer a parte plenamente vitoriosa.

Repito: a questão versada nos presentes embargos de divergência é

relevantíssima. A prevalecer a tese adotada pela 3ª Turma, manifestamente

divergente do acórdão paradigma, passa a ser grande o risco da parte vencedora

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

382

nas instâncias ordinárias, quando embasado seu direito em vários fundamentos autônomos, vier a ser vencedora por fundamento posteriormente reformado pelo STJ. Nenhum ato de diligência de seus patronos poderá assegurar seus direitos, salvo talvez a via ainda mais estreita da ação rescisória.

Lembro, a propósito, antigo precedente da 3ª Turma no qual se registrou que a ausência de interesse em recorrer da parte que obteve êxito integral na causa não impede seja conhecido o recurso especial e a ele negado provimento “com base em fundamento exposto na causa, mas não considerado no acórdão recorrido, que teve outro como bastante” (REsp n. 17.464-RJ, DJ. 29.6.1992).

Do voto condutor do acórdão, proferido pelo Min. Eduardo Ribeiro, considero pertinente destacar a seguinte passagem:

À parte que teve sua pretensão inteiramente atendida, não é dado recorrer, por faltar-lhe interesse. O processo não visa à discussão de teses acadêmicas, mas ao fi m pragmático de assegurar a um dos litisconsortes determinado bem da vida. Desse modo, a quem já obteve tudo o que poderia obter, não será lícito pretender outro pronunciamento judicial, apenas porque não considerado determinado fundamento, sem que daí adviesse qualquer consequência prática. No caso em exame, o autor fora vencedor, garantindo-se-lhe a renovação compulsória do contrato. Não lhe era possível recorrer. O fundamento desconsiderado no julgamento, mas debatido no processo, não deixaria, entretanto, de existir. Inadmissível fosse agora negada a renovação, embora a ela tivesse o autor direito, por desconhecer razão de que as instâncias ordinárias não cuidaram, já que entendiam haver outro motivo, bastante para conduzir ao mesmo resultado.

Diversa, obviamente, a posição do recorrente. Sendo vencido, a ele interessa recorrer. Ao trazê-lo, deverá deduzir toda a matéria que lhe aproveite. Disso se abstendo, não se cogitará do que omitiu.

De outra parte, para que se vislumbre o especial, necessário o prequestionamento, pela evidente razão de que não poderá o Tribunal a quo ter contrariado a lei quanto a matéria de que não tratou. Menos ainda dissentir de outro julgado. Entretanto, não se exigirá prequestionamento quanto a temas capazes de levar a que se negue provimento ao recurso. Não se reformará decisão juridicamente correta, quanto à conclusão, apenas porque acolhido o fundamento errado, dos vários debatidos na causa.

Ressalto que a 2ª Seção, ao apreciar o EREsp n. 41.614-SP, em julgamento ocorrido em 28.10.2009, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, assim como no acórdão embargado, reafirmou a orientação de que, conhecido o recurso especial, deve o STJ aplicar o direito à espécie, podendo “mitigar o requisito do prequestionamento”, encontrando a ementa do referido acórdão

assim redigida:

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

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Direito Processual Civil. Aplicação do direito à espécie. Art. 257 do RISTJ. Celeridade da prestação jurisdicional. Inexistência de supressão de instância. Prequestionamento. Mitigação. Embargos de divergência no recurso especial. Harmonia entre decisão embargada e acórdãos paradigmas. Não conhecimento.

- Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, que procura dar efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atender para o devido processo legal.

- Na aplicação do direito à espécie o STJ poderá mitigar o requisito do prequestionamento, valendo-se de questões não apreciadas diretamente pelo 1º e 2º graus de jurisdição, tampouco ventiladas no recurso especial. Não há como limitar as funções deste Tribunal aos termos de um modelo restritivo de prestação jurisdicional, compatível apenas com uma eventual Corte de Cassação.

- A aplicação do direito à espécie também atende os ditames do art. 5º, LXXVIII, da CF, acelerando a outorga da tutela jurisdicional.

- Não há como conhecer dos embargos de divergência quando a decisão embargada encontra-se em harmonia com o entendimento contido nos acórdão alçados a paradigma.

(EREsp n. 41.614-SP, rel Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJ 30.11.2009)

Reitero que o recurso especial interposto pela ora embargada foi admitido,

hipótese em que deve o Tribunal aplicar o direito à espécie, com a apreciação de

todas as questões discutidas nos autos, ainda que não examinadas pelo Tribunal

de origem, conforme entendimento da Corte Especial, confi ra-se:

Embargos de divergência. Recurso especial. Técnica de julgamento.

1. Se o Tribunal local acolheu apenas uma das causas de pedir declinadas na inicial, declarando procedente o pedido formulado pelo autor, não é lícito ao Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial do réu, simplesmente declarar ofensa à Lei e afastar o fundamento em que se baseou o acórdão recorrido para julgar improcedente o pedido.

2. Nessa situação, deve o Superior Tribunal de Justiça aplicar o direito à espécie, apreciando as outras causas de pedir lançadas na inicial, ainda que sobre elas não tenha se manifestado a instância precedente, podendo negar provimento ao recurso especial e manter a procedência do pedido inicial.

(EREsp n. 58.265-SP, Rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros).

Esse posicionamento, recentemente, foi ratifi cado pela Corte Especial no

julgamento do EREsp n. 1.088.405-RS, cuja ementa tem o seguinte teor:

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

384

Agravo regimental nos embargos de divergência em recurso especial. Teses suscitadas na instância de origem. Acolhimento de parte dos fundamentos. Necessidade de análise dos demais. Aplicação do direito à espécie.

I - Caso o e. Tribunal a quo julgue procedente o pedido acolhendo uma das causas de pedir elencadas na inicial, o e. Superior Tribunal de Justiça deve, antes de prover o recurso especial da parte contrária, enfrentar as demais teses suscitadas nas contrarrazões recursais, aplicando o direito à espécie. Precedentes. (Art. 257 do RISTJ e Súmula n. 456 do Pretório Excelso).

II - In casu, o autor apresentou perante o e. Tribunal a quo, além da prejudicial de prescrição, outros fundamentos para ver reconhecida a procedência do seu pedido, sendo acolhidas a ausência de amparo normativo e a inobservância dos princípios da legalidade, da tipicidade e da anterioridade para dar provimento ao recurso.

III - Interposto recurso especial pelo agravante, e tendo o agravado reproduzido em suas contrarrazões as alegações trazidas em sede de apelação, deve a c. Primeira Turma, no julgamento do recurso especial, prosseguir no exame dos demais fundamentos suscitados, aplicando o direito à espécie.

Agravo regimental desprovido.

(EREsp n. 1.088.405-RS, Relator o Ministro Felix Fischer, DJ 17.12.2010)

Em face do exposto, com a devida vênia, divirjo do voto relator, conheço e

dou provimento aos embargos de divergência para determinar que a 3ª Turma

examine como entender de direito a questão relativa à preclusão da defi nição

dos valores de bens trazidos à colação em processo de inventário, suscitada pela

ora embargante na contraminuta e nas contrarrazões ao recurso especial.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, com a devida vênia, também

não vejo como aplicar ou dizer que estamos aplicando regra de admissibilidade

de recurso em relação à parte que, na verdade, foi recorrida no recurso especial.

Não há como, a não ser que estivéssemos tratando de admissibilidade de

contrarrazões; e não é isso.

Temos aqui uma demonstração patente da existência de divergência entre

os julgados em que não se pode exigir prequestionamento em prejuízo da parte

que chegou vencedora das instâncias ordinárias e tem a sua situação revertida

nesta Corte. Do contrário, fi caria a embargante totalmente prejudicada, sem ter

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 385

mais como ver analisadas outras questões que, de per si, seriam sufi cientes para

que também lograsse êxito na causa.

Entendo absolutamente incensurável, correto, o voto da eminente Ministra

Isabel Gallotti, que examinou com muito esmero, com muito cuidado esse caso,

que está a merecer a solução que Sua Excelência aponta.

Com a devida vênia, conheço dos embargos de divergência e dou-lhes

provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Sr. Presidente, com a devida

vênia do eminente Ministro Relator, tenho que não é a regra técnica de

conhecimento; foi matéria que foi ventilada em vários momentos.

Até para evitar a eventual alegação posterior de violação do art. 257, do

nosso Regimento Interno, com a vênia do Sr. Ministro Relator, acompanho a

divergência, conhecendo dos embargos de divergência e dando-lhes provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Sr. Presidente, com a devida vênia

do Sr. Ministro Relator, acompanho a divergência, conhecendo dos embargos de

divergência e dando-lhes provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Buzzi: Sr. Presidente, eminentes Pares, a menos que,

como na lauda 5 de 10 folhas, no 3º parágrafo, foi dito pela eminente Ministra

Isabel Gallotti, que deveria ter a parte oposto embargos de declaração ao

acórdão recorrido, o qual tinha sido completamente favorável, que é uma coisa

absolutamente ilógica.

Peço vênia ao eminente Ministro Relator para acompanhar a dissidência,

conhecendo dos embargos de divergência e dando-lhes provimento.

Presidente o Sr. Ministro Sidnei Beneti

Relator o Sr. Ministro Massami Uyeda

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

386

2ª Seção - Sessão 14.12.2011

Nota Taquigráfi ca

RECLAMAÇÃO N. 5.684-SP (2011/0074829-6)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Reclamante: TV Ômega Ltda

Advogado: Fabiane Franco Lacerda e outro(s)

Reclamado: Juiz da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo - SP

Interessado: José Vidal Pola Galé

Advogado: Henrique D’aragona Buzzoni

EMENTA

Processual Civil. Reclamação. Garantia da competência e

autoridade das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Acórdão proferido no Confl ito de Competência n. 91.276-RJ. Decisão

de juízo trabalhista determinando o prosseguimento da execução.

Descumprimento da determinação contida no acórdão prolatado

por esta Corte Superior. Ocorrência, na espécie. Reclamação julgada

procedente.

I - A reclamação tem por fi nalidade preservar a competência do

Superior Tribunal de Justiça ou garantir a autoridade de suas decisões,

sempre que haja indevida usurpação por parte de outros órgãos de sua

competência constitucional, nos termos do art. 105, inciso I, alínea f,

da Constituição Federal.

II - No caso dos autos, a reclamante comprovou que a reclamação

trabalhista, transitada em julgado após a suscitação do Confl ito de

Competência n. 91.279-RJ, foi abrangida pela decisão proferida nesse

processo;

III - Desse modo, a decisão do r. Juízo trabalhista que determinou

o prosseguimento da execução naquele Juízo descumpriu o comando

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 387

do acórdão proferido pela Segunda Seção do STJ de remessa dos

autos à Justiça comum;

IV - Reclamação julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça,

na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, a Seção, por

unanimidade, julgar procedente a presente Reclamação, para cassar a decisão

reclamada de fl . 113, proveniente do Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-

SP, proferida nos autos da Reclamação Trabalhista n. 01205.2001.054.02.00-2,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Luis Felipe

Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti,

Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Nancy

Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 29 de fevereiro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Massami Uyeda, Relator

DJe 9.3.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de reclamação ajuizada pela

TV Ômega Ltda objetivando a garantia da autoridade do acórdão proferido

pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Confl ito de

Competência n. 91.276-RJ, ainda não transitado em julgado, assim ementado:

Confl ito de competência. Justiças Comum e Trabalhista. Ações de obrigação de fazer e declaratória de inexistência de sucessão de obrigações. Decisão da justiça comum reconhecendo a não-ocorrência de sucessão empresarial e a ausência de responsabilidade da TV Ômega pelos créditos trabalhistas e tributários da Bloch Editores e da extinta TV Manchete. Decisões proferidas por juízos trabalhistas, reconhecendo a sucessão empresarial em sede de execução de reclamações trabalhistas ali ajuizadas, com determinação de penhora de numerário e de contas bancárias da TV Ômega. Interpretação do alcance e dos efeitos do mesmo contrato pelos juízos comum e trabalhista. Confl ito de competência. Ocorrência, na espécie. Competência do juízo comum para a análise das constrições patrimoniais

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

388

determinadas pela Justiça do Trabalho, sendo inválidas as anteriormente deferidas. I - Nos termos do art. 115, I, do Código de Processo Civil, à confi guração de confl ito positivo de competência, é necessário que duas ou mais autoridades judiciárias, de esferas diversas, declarem-se competentes para apreciar e julgar o mesmo feito, ou que incida a prática de atos processuais na mesma causa, por mais de um juiz; II - Compete à Justiça comum decidir a respeito do contrato fi rmado entre a Suscitante TV Ômega e as empresas TV Manchete e Bloch Editores S.A., bem como o alcance e efeitos do referido contrato; III - A existência de decisão da Justiça Comum, no sentido de que não há sucessão empresarial, englobando responsabilidade tributária e trabalhista da TV Ômega, concomitante à existência de decisões proferidas pelos Juízos trabalhistas, no sentido da existência da sucessão empresarial, inclusive com determinação de constrição patrimonial da TV Ômega, caracteriza confl ito positivo de competência, a ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça; IV - Confl ito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Comum para analisar e julgar as questões decorrentes das condenações impostas à TV Manchete, tornando-se inválidas as constrições patrimoniais determinadas pela Justiça do Trabalho.

Referido acórdão foi complementado no julgamento dos embargos de

declaração, que receberam a seguinte ementa:

Embargos de declaração. Conflito de competência. Justiças Comum e Trabalhista. Efeitos modifi cativos. Excepcionalidade. Possibilidade, na espécie. Esclarecimentos acerca de situações específi cas não tratadas no julgamento do confl ito de competência. Necessidade. Embargos declaratórios acolhidos.

Alega a reclamante, em síntese, que, embora o julgamento do Confl ito

de Competência n. 91.276-RJ tenha abrangido expressamente a Reclamação

Trabalhista de n. 01205.2001.054.02.00-2 (reclamante José Vidal Pola Galé),

em trâmite perante o r. Juízo de Direito da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo,

referido Juízo trabalhista, devidamente informado nos autos de reclamação

da decisão proferida pelo STJ, teria se recusado a cumprir a determinação

de remessa dos autos à Justiça comum, determinando o prosseguimento da

execução trabalhista em face da TV Ômega.

Aduz, outrossim, que a reclamação trabalhista acima elencada foi proposta

diretamente em face da TV Ômega, tendo o trânsito em julgado da fase de

conhecimento ocorrido em 27.10.2009, ou seja, após a suscitação do Confl ito de

Competência.

Requer, assim, a concessão da liminar, para que fossem obstados os

atos executórios praticados na referida reclamação trabalhista, e, ao fi nal, o

Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 24, (226): 355-390, abril/junho 2012 389

provimento da presente reclamação, para o fi m de preservar a competência deste

Tribunal Superior.

Por decisão desta Relatoria, foi deferida a liminar, para o fi m de suspender

o curso da execução trabalhista até o julgamento fi nal da presente reclamação

(fl s. 98-101).

O r. Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo prestou informações à fl .

112-113.

A ilustre Procuradoria-Geral da República apresentou parecer, no sentido

da procedência da reclamação (fl s. 115-119).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): A reclamação merece prosperar.

Com efeito.

É cediço que o instrumento da reclamação tem, em sua essência, a função de

fazer prevalecer, na hierarquia judiciária, o efetivo respeito aos pronunciamentos

jurisdicionais, emanados de Tribunais Superiores (art. 102, inciso I, alínea l,

combinado com o artigo 105, inciso I, alínea f, da Constituição Federal), para

o fi m de resguardar a integralidade e a efi cácia subordinante dos comandos que

deles emergem, bem como sua competência.

Seu objeto, portanto, encontra-se na ofensa a alguma decisão ou usurpação

infringente da competência do Superior Tribunal, vale dizer, a preservação da

competência do Tribunal e a garantia da autoridade de suas decisões.

Na realidade, veja-se que a reclamante TV Ômega Ltda comprovou que

o Processo de n. 01205.2001.054.02.00-2 (reclamante José Vidal Pola Galé),

em trâmite na 54ª Vara do Trabalho de São Paulo, foi abrangido pela decisão

proferida no Confl ito de Competência n. 91.279-RJ, que assim dispôs, no que

interessa, in verbis:

(...) c) Reclamatórias trabalhistas de empregados da TV Manchete ou da Editora Bloch que moveram ação diretamente contra a TV Ômega: Estão abrangidos pela decisão do STJ todos os casos de ações trabalhistas de empregados da TV Manchete ou da Editora Bloch que moveram a ação diretamente contra a TV Ômega e que não transitaram em julgado antes da suscitação do Confl ito de Competência e não foram objeto de julgamento pelo e. TST.

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390

Ademais, restou comprovado nos autos, inclusive por meio das informações

prestadas (fl s. 112-113), que o r. Juízo de Direito da 54ª Vara de São Paulo, a

despeito de ter sido informado acerca do decidido no Confl ito de Competência

n. 91.279-RJ, determinou o prosseguimento da execução trabalhista, bem como

a liberação dos depósitos recursais efetuados pela TV Ômega em favor de José

Vidal Pola Galé, o bloqueio das contas correntes da TV Ômega e de seus sócios

pelo sistema Bacen-Jud 2.0, e pesquisa de bens junto ao Detran e a ARISP (fl .

48 e 64), tendo havido inclusive o bloqueio dos valores (fl s. 65-78).

Desse modo, tendo havido o trânsito em julgado da reclamação trabalhista

em 27.10.2009 (fl. 60), ou seja, após a suscitação do referido Conflito de

Competência, a decisão que determinou o prosseguimento da execução naquele

juízo trabalhista, efetivamente, descumpre a determinação do acórdão proferido

pela Segunda Seção do STJ.

Assim sendo, julga-se procedente a presente reclamação, para cassar a

decisão reclamada de fl . 113.

É o voto.