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ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 1. ENTRANDO NO BOSQUE Numa história sempre há um leitor, e esse leitor é ingrediente fundamental não só do processo de contar uma história, como também da própria história; Qualquer narrativa de ficção é necessária e fatalmente rápida porque, ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, não se pode dizer tudo sobre esse mundo, pede ao leitor que preencha uma série de lacunas; Uma história pode ser mais ou menos rápida – quer dizer, mais ou menos elíptica – porém o que determina até que ponto ela pode ser elíptica é o tipo de leitor a que se destina; Bosque = texto narrativo. Num bosque há caminhos que se bifurcam e cada um que trilha os caminhos podem escolher rotas diferentes. Num texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo (fazer escolhas razoáveis); Leitor modelo: não é o leitor empírico (real) – uma espécie de tipo ideal que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar. O leitor modelo está ansioso para jogar (e não coloca suas experiências e expectativas pessoas a serviço da narrativa); O autor dispõe de sinais de gênero específicos que pode usar a fim de orientar seu leitor modelo (mas os sinais também podem ser ambíguos); Autor modelo – também pode ser reconhecido como um estilo. É a voz que nos fala afetuosamente (ou imperiosamente, ou dissimuladamente), que nos quer ao seu lado. Essa voz se manifesta como uma estratégia narrativa, um conjunto de

Seis Passeiospelo Bosque

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Resumo do texto de Umberto Eco "Seis passeios pelo bosque da ficção".

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Page 1: Seis Passeiospelo Bosque

ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

1. ENTRANDO NO BOSQUE

Numa história sempre há um leitor, e esse leitor é ingrediente fundamental não só do processo de contar uma história, como também da própria história;

Qualquer narrativa de ficção é necessária e fatalmente rápida porque, ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, não se pode dizer tudo sobre esse mundo, pede ao leitor que preencha uma série de lacunas;

Uma história pode ser mais ou menos rápida – quer dizer, mais ou menos elíptica – porém o que determina até que ponto ela pode ser elíptica é o tipo de leitor a que se destina;

Bosque = texto narrativo. Num bosque há caminhos que se bifurcam e cada um que trilha os caminhos podem escolher rotas diferentes. Num texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo (fazer escolhas razoáveis);

Leitor modelo: não é o leitor empírico (real) – uma espécie de tipo ideal que o texto não só prevê como colaborador, mas ainda procura criar. O leitor modelo está ansioso para jogar (e não coloca suas experiências e expectativas pessoas a serviço da narrativa);

O autor dispõe de sinais de gênero específicos que pode usar a fim de orientar seu leitor modelo (mas os sinais também podem ser ambíguos);

Autor modelo – também pode ser reconhecido como um estilo. É a voz que nos fala afetuosamente (ou imperiosamente, ou dissimuladamente), que nos quer ao seu lado. Essa voz se manifesta como uma estratégia narrativa, um conjunto de instruções que nos são dadas passo a passo e que devemos seguir quando decidimos agir como o leitor modelo;

Leitor modelo se parece com o leitor implícito de Wolfgang Iser. Para Iser “o leitor efetivamente faz o texto revelar sua multiplicidade potencial de associações. Tais associações são produto do trabalho da mente do leitor sobre o material bruto do texto, embora não sejam o texto em si – pois este consiste justamente em frases, afirmações, informações etc... Essa interação obviamente não ocorre no texto em si, mas só pode existir através do processo de leitura.... Esse processo formula algo que não está formulado no texto e contudo representa uma ‘intenção’”. (Iser atribui ao leitor o privilégio de estabelecer um ‘ponto de vista’ determinando o significado do texto);

O leitor modelo (na proposição de Eco) é um conjunto de instruções textuais, apresentadas pela manifestação linear do texto precisamente como um

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conjunto de frases e outros sinais (é integrante e colaborador do texto e nasce com o texto, sendo o sustentáculo de sua estratégia de interpretação);

Existência de leitores modelos para textos com múltiplas interpretações e para aqueles que prevêem um leitor muito obediente (como a agenda dos horários de trens);

Autor modelo: presente em toda obra literária – é a voz ou a ESTRATÉGIA que confunde os vários autores empíricos, de maneira que o leitor modelo não pode deixar de cair em seu truque;

Autor modelo e leitor modelo são entidades que se tornam claras uma para a outra somente no processo da leitura, de modo que uma cria a outra;

2. OS BOSQUES DE LOISY

Todo texto narrativo se dirige a um leitor modelo do primeiro nível, que quer saber muito bem como a história termina. Mas também há um leitor modelo de segundo nível que se pergunta que tipo de leitor a história deseja que ele se torne e quer descobrir como o autor modelo faz para guiar o leitor;

Só depois de muitas leituras é possível descobrir o autor modelo e o que ele espera do leitor é possível se tornar um leitor modelo maduro;

“Como diz Gerard Genette, um flashback parece reparar um esquecimento do autor, ao passo que um flashforward (futuro inserido na estrutura cronológica de uma obra literária ou cinematográfica) constitui uma manifestação de impaciência da narrativa” (p.36);

Como se tornar um leitor modelo de segundo nível? Primeiro passo, distinção entre história e enredo:Fábula (história): esquema fundamental da narração, a lógica das ações e a sintaxe das personagens, o curso de eventos ordenado temporalmente;Enredo: é a história como de fato é contada, conforme aparece na superfície, com as suas deslocações temporais, saltos para frente e para trás, descrições, digressões, etc.;

História e enredo não são funções da linguagem, mas estruturas quase sempre passíveis de tradução para outro sistema semiótico (uma narrativa literária transformada em notícia de jornal, história em quadrinhos, peça teatral, etc.);

Um texto narrativo pode não ter enredo, mas é impossível que não tenha história ou discurso. O discurso também faz parte da estratégia do autor modelo. É o discurso, e não a história, que permite ao leitor modelo saber se deve se solidarizar com o destino das personagens. A forma escolhida pelo autor também faz parte do discurso;

“Para T. S. Eliot, a única maneira de expressar emoção na forma de arte consiste em encontrar um ‘correlativo objetivo’; em outras palavras, um

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conjunto de objetos, uma situação, uma sequência de eventos que será a fórmula daquela emoção particular” (p.42).

3. DIVAGANDO PELO BOSQUE

6. PROTOCOLOS FICCIONAIS

Obras abertas: obras de literatura que se esforçam em ser tão ambíguas quanto à vida;

Citando Andrea Bonomi: “para entender o conteúdo de um texto que descreve determinada situação não precisamos aplicar a esse conteúdo as categorias de verdadeiro ou falso” (p.125);

Distinção entre narrativa natural e artificial: Natural: descreve fatos que ocorreram na realidade. Exemplos de

narrativa natural – meu relato do que aconteceu comigo ontem, uma notícia de jornal ou ‘Declínio e queda do Império Romano’;

Artificial: supostamente representada pela ficção que apenas finge dizer a verdade sobre o universo real.

Reconhecemos a narrativa artificial graças ao ‘paratexto’ – mensagens externas que rodeiam um texto: palavra ‘romance’ na capa do livro, nome do autor, e o sinal textual mais evidente é a fórmula introdutória ‘era uma vez’;

Jornal – estrutura textual onde, POR DEFINIÇÃO, são relatados os fatos verdadeiros;

A ficcionalidade se revela por meio da insistência em detalhes inverificáveis e intrusões introspectivas; sinais ficcionais introdutórios (das narrativas);Falsa afirmação de veracidade no começo de uma história;

“Na ficção, as referências precisas ao mundo real são tão intimamente ligadas que, depois de passar algum tempo no mundo do romance e de misturar elementos ficcionais com referências à realidade, como se deve, o leitor já não sabe muito bem onde está. Tal situação dá origem a alguns fenômenos bastante conhecidos. O mais comum é o leitor projetar o modelo ficcional na realidade – em outras palavras, o leitor passa a acreditar na existência real de personagens e acontecimentos ficcionais” (p.131);

Uma determinada personagem pode aparecer em outra obra ficcional a qual originalmente não pertencia. Quando isso acontece, as personagens ficcionais já adquiriram cidadania no mundo real e se libertaram da história que as criou;(exemplo: presença de Raimundo na cidade de São Luis anunciada no jornal – lugar, por definição, dos relatos verdadeiros);

Tendência de construir a vida como um romance. Psicólogos como Jerome Bruner afirmam que nossa maneira normal de explicar experiências do

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cotidiano assume igualmente a forma de histórias, e a mesma coisa ocorre com a História vista como narração de eventos passados. Greimas: teoria semiótica baseada num ‘modelo actante’, uma espécie de esqueleto que representa a estrutura mais profunda de qualquer processo semiológico, de modo que a “narratividade é o princípio organizador de todo discurso” (p.136);

“Ninguém vive no presente imediato; ligamos coisas e fatos graças à função adesiva da memória pessoal e coletiva (história e mito). Vivendo com duas memórias (individual, que nos habilita a relatar o que fizemos ontem, e a memória coletiva, que nos diz quando e onde nossa mãe nasceu), muitas vezes tendemos a confundi-las, como se tivéssemos testemunhado o nascimento de nossa mãe da mesma forma como ‘testemunhamos’ as cenas de nossas experiências passadas” (p.136-7);

É por meio da ficção que o leitor tem a oportunidade de exercitar a capacidade de estruturar a experiência passada e presente;

A ficção é capaz de moldar a vida.