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CHIMAMANDA NGOZIADICHIE

Sejamos todosfeministas

Tradução

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Christina Baum

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Introdução

Esta é uma versão modificada de

uma palestra que dei em dezembro de2012 no TEDxEuston, conferênciaanual com foco na África. Palestrantesde diversas áreas dão palestras concisasque visam desafiar e inspirar africanose amigos da África. Eu já tinhaparticipado de uma conferência TEDdiferente alguns anos antes, com umapalestra chamada “The danger of thesingle story” [O perigo de uma históriasó], sobre como estereótipos limitam e

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formatam nosso pensamento,especialmente quando se trata daÁfrica. Tenho a impressão de que apalavra “feminista”, como a própriaideia de feminismo, também élimitada por estereótipos. Quando meuirmão Chuks e meu melhor amigo Ike,os dois coorganizadores da conferênciaTEDxEuston, me convidaram aparticipar, não consegui negar. Decidifalar sobre feminismo porque é umaquestão que me toca especialmente.Suspeitei que não seria um assuntomuito popular, mas pensei que poderiacomeçar um diálogo necessário. Então,naquela noite em que subi no palco,senti como se estivesse na presença da

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minha família — uma audiência gentile atenciosa, mas que poderia serresistente ao assunto da minha palestra.No fim, a aclamação da plateia, comtodos de pé, me deu esperanças.

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Okoloma era um dos meus melhores

amigos de infância. Morávamos namesma rua e ele cuidava de mim comoum irmão mais velho: quando eugostava de um garoto, pedia a opiniãodele. Engraçado e inteligente, usavauma bota de caubói de bico pontudo.Em dezembro de 2005, ele morreunum acidente de avião, no sudoeste daNigéria. Até hoje não sei expressar oque senti. Era uma pessoa com quemeu podia discutir, rir e ter conversassinceras. E também foi o primeiro ame chamar de feminista.

Eu tinha catorze anos. Um dia, nacasa dele, discutíamos —

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metralhávamos opiniões imaturassobre livros que havíamos lido. Nãolembro exatamente o teor da conversa.Mas eu estava no meio de umaargumentação quando Okolomo olhoupara mim e disse: “Sabe de uma coisa?Você é feminista!” Não era umelogio. Percebi pelo tom da voz dele —era como se dissesse: “Você apoia oterrorismo!”.

Não sabia o que a palavra“feminista” significava. E não queriaque Okoloma soubesse que eu nãosabia. Então disfarcei e continueiargumentando. A primeira coisa quefaria ao chegar em casa seria procurar apalavra no dicionário.

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Em 2003, escrevi um romance

chamado Hibisco roxo, sobre umhomem que, entre outras coisas, batiana mulher, e sua história não acaba lámuito bem. Enquanto eu divulgava olivro na Nigéria, um jornalista, umhomem bem-intencionado, veio medar um conselho (talvez vocês saibamque nigerianos estão sempre prontos adar conselhos que ninguém pediu).

Ele comentou que as pessoasestavam dizendo que meu livro erafeminista. Seu conselho — disse,balançando a cabeça com um arconsternado — era que eu nunca,

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nunca me intitulasse feminista, já queas feministas são mulheres infelizesque não conseguem arranjarmarido. Então decidi me definir como“feminista feliz”.

Mais tarde, uma professorauniversitária nigeriana veio me dizerque o feminismo não fazia parte danossa cultura, que era antiafricano, eque, se eu me considerava feminista,era porque havia sido corrompida peloslivros ocidentais (o que acheiengraçado, porque passei boa parte dajuventude devorando romances quenão eram nada feministas: devo ter lidotoda a coleção água-com-açúcarpublicada pela Mils and Boon antes

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dos dezesseis anos. E toda vez quetentava ler os tais livros clássicos sobrefeminismo, ficava entediada e malconseguia terminar). De qualquerforma, já que o feminismo eraantiafricano, resolvi me considerar“feminista feliz e africana”. Depois,uma grande amiga me disse que, se euera feminista, então devia odiar oshomens. Decidi me tornar uma“feminista feliz e africana que nãoodeia homens, e que gosta de usarbatom e salto alto para si mesma, e nãopara os homens”.

É claro que não estou falando sério,só queria ilustrar como a palavra“feminista” tem um peso negativo: a

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feminista odeia os homens, odeia sutiã,odeia a cultura africana, acha que asmulheres devem mandar nos homens;ela não se pinta, não se depila, estásempre zangada, não tem senso dehumor, não usa desodorante.

Quando eu estava no primário, emNsukka, uma cidade universitária nosudeste da Nigéria, no começo do anoletivo a professora anunciou que iriadar uma prova e quem tirasse a notamais alta seria o monitor da classe. Sermonitor era muito importante. Elepodia anotar, diariamente, o nome doscolegas baderneiros, o que por si só jáera ter um poder enorme; além disso,ele podia circular pela sala

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empunhando uma vara, patrulhando aturma do fundão. É claro que omonitor não podia usar a vara. Mas erauma ideia empolgante para umacriança de nove anos, como eu. Euqueria muito ser a monitora da minhaclasse. E tirei a nota mais alta.

Mas, para minha surpresa, aprofessora disse que o monitor seriaum menino. Ela havia se esquecido deesclarecer esse ponto, achou que fosseóbvio. Um garoto tirou a segunda notamais alta. Ele seria o monitor. O maisinteressante é que o menino era umaalma bondosa e doce, que não tinha omenor interesse em vigiar a classe comuma vara. Que era exatamente o que

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eu almejava. Mas eu era menina e ele,menino, e ele foi escolhido. Nunca meesqueci desse episódio.

Se repetimos uma coisa várias vezes,ela se torna normal. Se vemos umacoisa com frequência, ela se tornanormal. Se só os meninos sãoescolhidos como monitores da classe,então em algum momento nós todosvamos achar, mesmo queinconscientemente, que só um meninopode ser o monitor da classe. Se só oshomens ocupam cargos de chefia nasempresas, começamos a achar“normal” que esses cargos de chefia sósejam ocupados por homens.

Eu tendo a cometer o erro de achar

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que uma coisa óbvia para mimtambém é óbvia para todo mundo. Umdia estava conversando com meuquerido amigo Louis, que é umhomem brilhante e progressista, e eleme disse: “Não entendo quando vocêdiz que as coisas são diferentes e maisdifíceis para as mulheres. Talvez fosseverdade no passado, mas não é mais.Hoje as mulheres têm tudo o quequerem.” Oi? Como o Louis nãoenxergava o que para mim era tãoóbvio?

Adoro voltar para a minha casa naNigéria, e passo a maior parte dotempo em Lagos, uma das maiorescidades e o grande centro comercial do

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país. Às vezes, à noite, quando não estátão quente e o ritmo da cidadedesacelera, saio com amigos ou afamília e vamos a restaurantes e cafés.Numa dessas ocasiões, Louis e eusaímos com uns amigos.

Em Lagos, há um ritual maravilhoso:alguns jovens costumam ficar na portados estabelecimentos e “ajudar” aspessoas a estacionar o carro. Lagos éuma metrópole com quase vintemilhões de habitantes, com maisenergia do que Londres, com umespírito mais empreendedor do queNova York, e, portanto, as pessoas estãosempre inventando maneiras de ganhara vida. Como na maioria das grandes

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cidades, é difícil encontrar uma vagapara estacionar à noite, então essescaras se viram como podem. Mesmoquando não há nenhuma vagadisponível, eles manobram o carro e,com gestos largos e teatrais, prometemtomar conta do veículo até você voltar.Impressionada com o empenho dosujeito que descolou uma vaga para nósnaquela noite, decidi lhe dar umagorjeta. Abri a bolsa, peguei o dinheiroe lhe dei. E ele, feliz e grato, pegou omeu dinheiro, olhou para o meu amigoe disse: “Muito obrigado, senhor!”.Surpreso, Louis me perguntou: “Porque ele está me agradecendo? Não fuieu quem deu o dinheiro”. Percebi

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então, pela expressão de meu amigo,que a ficha tinha caído. Para oflanelinha, qualquer dinheiro que eupudesse ter certamente provinha deLouis. Porque Louis é homem.

Homens e mulheres são diferentes.

Temos hormônios em quantidadesdiferentes, órgãos sexuais diferentes eatributos biológicos diferentes — asmulheres podem ter filhos, os homensnão. Os homens têm mais testosteronae em geral são fisicamente mais fortesdo que as mulheres. Existem maismulheres do que homens no mundo —52% da população mundial é feminina,

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mas os cargos de poder e prestígio sãoocupados pelos homens. A já falecidanigeriana Wangari Maathai, ganhadorado prêmio Nobel da paz, se expressoumuito bem e em poucas palavras,quando disse que quanto mais perto dotopo chegamos, menos mulheresencontramos.

Na última eleição dos EstadosUnidos, ouvimos, com frequência,falar da lei Lilly Ledbetter, que visa àequiparação salarial das mulheres. Seformos além do nome bonito ealiterativo, o significado é o seguinte:nos EUA, quando um homem e umamulher têm o mesmo emprego, com asmesmas qualificações, se o homem

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ganha mais é porque ele é homem.Então, de uma forma literal, os

homens governam o mundo. Isso faziasentido há mil anos. Os seres humanosviviam num mundo onde a força físicaera o atributo mais importante para asobrevivência; quanto mais forte apessoa, mais chances ela tinha deliderar. E os homens, de uma maneirageral, são fisicamente mais fortes.Hoje, vivemos num mundocompletamente diferente. A pessoamais qualificada para liderar não é apessoa fisicamente mais forte. É a maisinteligente, a mais culta, a maiscriativa, a mais inovadora. E nãoexistem hormônios para esses atributos.

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Tanto um homem como uma mulherpodem ser inteligentes, inovadores,criativos. Nós evoluímos. Mas nossasideias de gênero ainda deixam adesejar.

Não faz muito tempo, ao entrar numdos melhores hotéis na Nigéria, umsegurança na porta me parou e fezumas perguntas irritantes: Nome?Número do quarto da pessoa que euvisitava? Eu conhecia essa pessoa?Poderia provar que era hóspede dohotel e mostrar a minha chave? Eleautomaticamente supôs que umamulher nigeriana e desacompanhadasó podia ser prostituta. Uma nigerianadesacompanhada não pode ser hóspede

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e pagar por seu quarto. Um homempode entrar no mesmo hotel sem serperturbado. Parte-se da premissa de queele está lá por uma razão legítima —aliás, por que esses hotéis não sepreocupam mais com a procura porprostitutas do que com a ofertaaparente?

Em Lagos, não posso ir sozinha amuitos bares e casas respeitáveis.Mulher desacompanhada não entra. Épreciso estar com um homem. Amigosmeus, homens, costumam ir a baladase acabam entrando de braço dado commulheres desconhecidas — a umamulher desacompanhada só resta pedir“ajuda” para entrar no recinto.

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Sempre que vou acompanhada a umrestaurante nigeriano, o garçomcumprimenta o homem e me ignora.Os garçons são produto de umasociedade onde se aprende que oshomens são mais importantes do queas mulheres, e sei que eles não fazempor mal — mas há um abismo entreentender uma coisa racionalmente eentender a mesma coisaemocionalmente. Toda vez que elesme ignoram, eu me sinto invisível.Fico chateada. Quero dizer a eles quesou tão humana quanto um homem, edigna de ser cumprimentada. Sei quesão detalhes, mas às vezes são osdetalhes que mais incomodam.

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Não faz muito tempo, escrevi umartigo sobre o que significa ser umajovem mulher em Lagos. Umconhecido disse que havia muita raivano texto, que eu não deveria ter meexpressado com tanta raiva. Mas eunão via razão para me desculpar. Éclaro que eu estava com raiva. Aquestão de gênero, como estáestabelecida hoje em dia, é uma grandeinjustiça. Estou com raiva. Devemoster raiva. Ao longo da história, muitasmudanças positivas só aconteceram porcausa da raiva. Além da raiva, tambémtenho esperança, porque acreditoprofundamente na capacidade de osseres humanos evoluírem.

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Percebi cautela no tom do sujeito, esabia que seu comentário sobre aminha raiva tinha a ver não só com oartigo, mas também com minhapersonalidade. A raiva, o tom deledizia, não cai bem em mulheres. Umamulher não deve expressar raiva,porque a raiva ameaça. Tenho umaamiga americana que substituiu umhomem num cargo de gerência. Seupredecessor era considerado um “caradurão”, que conseguia tudo; eragrosseiro, agressivo e rigoroso quanto àfolha de ponto. Ela assumiu o cargo, ese imaginava tão dura quanto o chefeanterior, mas talvez um pouco maisgenerosa — ao contrário dela, ele nem

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sempre lembrava que as pessoastinham família. Em poucas semanasno emprego, ela puniu um empregadopor ter falsificado a folha de ponto —exatamente como seu predecessor teriafeito. O empregado reclamou com ogerente sênior, dizendo que ela eraagressiva e difícil. Os outrosfuncionários concordaram. Um deles,inclusive, disse que tinha achado queela traria um “toque feminino” aoambiente de trabalho, mas que isso nãoacontecera. Não ocorreu a ninguémque ela estava fazendo a mesma coisapela qual um homem teria recebidoelogios.

Outra amiga minha, também

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americana, trabalha com publicidade etem um belo salário. Só há duasmulheres em sua equipe: ela e umaoutra. Certa vez, numa reunião, eladisse que se sentira menosprezada porsua chefe, que havia ignorado seuscomentários e elogiara um dos homensque havia emitido uma opiniãoparecida com a dela. Ela queria seposicionar e enfrentar a chefe, masficou quieta. Depois da reunião, foichorar no banheiro e me ligou paradesabafar. Ela não disse o que pensavapara não parecer agressiva. Deixou oressentimento ferver em banho-maria.

O que me impressiona — em relaçãoa ela e a várias outras amigas

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americanas — é o quanto essasmulheres investem em ser “queridas”,como foram criadas para acreditar queser benquista é muito importante. Eisso não inclui demostrar raiva ou seragressiva, tampouco discordar.

Perdemos muito tempo ensinando asmeninas a se preocupar com o que osmeninos pensam delas. Mas o opostonão acontece. Não ensinamos osmeninos a se preocupar em ser“benquistos”. Se, por um lado,perdemos muito tempo dizendo àsmeninas que elas não podem sentirraiva ou ser agressivas ou duras, poroutro, elogiamos ou perdoamos osmeninos pelas mesmas razões. Em

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todos os lugares do mundo, existemmilhares de artigos e livros ensinando oque as mulheres devem fazer, comodevem ou não devem ser para atrair eagradar os homens. Livros sobre comoos homens devem agradar as mulheressão poucos.

Dou uma oficina de escrita em Lagose uma das jovens que participa dogrupo me disse que um amigo lhehavia prevenido de não prestar atençãono meu “discurso feminista” — sobpena de absorver ideias que destruiriamseu casamento. Essa é uma ameaça —a destruição de um casamento, apossibilidade de acabar não se casando— levantada contra as mulheres na

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nossa sociedade com uma frequênciamuito maior do que contra os homens.

A questão de gênero é importante emqualquer canto do mundo. Éimportante que comecemos a planejare sonhar um mundo diferente. Ummundo mais justo. Um mundo dehomens mais felizes e mulheres maisfelizes, mais autênticos consigomesmos. E é assim que devemoscomeçar: precisamos criar nossas filhasde uma maneira diferente. Tambémprecisamos criar nossos filhos de umamaneira diferente.

O modo como criamos nossos filhos

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homens é nocivo: nossa definição demasculinidade é muito estreita.Abafamos a humanidade que existe nosmeninos, enclausurando-os numa jaulapequena e resistente. Ensinamos queeles não podem ter medo, não podemser fracos ou se mostrar vulneráveis,precisam esconder quem realmente são— porque eles têm que ser, como sediz na Nigéria, homens duros.

No ensino médio, quando um garotoe uma garota saem juntos, o únicodinheiro de que dispõem é umapequena mesada. Mesmo assim,espera-se que ele pague a conta,sempre, para provar sua masculinidade.(E depois nos perguntamos por que

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alguns roubam dinheiro dos pais...) Ese tanto os meninos quanto as meninasfossem criados de modo a não maisvincular a masculinidade ao dinheiro?E se, em vez de “o menino tem quepagar,” a postura fosse “quem tem maispaga”? É claro que, por uma questãohistórica, em geral é o homem quemtem mais dinheiro. No entanto, secomeçarmos a criar nossos filhos deoutra maneira, daqui a cinquenta, cemanos eles não serão pressionados aprovar sua masculinidade por meio debens materiais.

Mas o pior é que, quando ospressionamos a agir como durões, nósos deixamos com o ego muito frágil.

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Quanto mais duro um homem achaque deve ser, mais fraco será seu ego. Ecriamos as meninas de uma maneirabastante perniciosa, porque asensinamos a cuidar do ego frágil dosexo masculino. Ensinamos as meninasa se encolher, a se diminuir, dizendo-lhes: “Você pode ter ambição, mas nãomuita. Deve almejar o sucesso, masnão muito. Senão você ameaça ohomem. Se você é a provedora dafamília, finja que não é, sobretudo empúblico. Senão você estaráemasculando o homem.” Por que,então, não questionar essa premissa?Por que o sucesso da mulher ameaça ohomem? Bastaria descartar a palavra

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— e não sei se existe outra palavra eminglês de que eu desgoste tanto —“emasculação”.

Uma vez, um nigeriano conhecidomeu me perguntou se não meincomodava o fato de os homens sesentirem intimidados comigo. Eu nãome preocupo nem um pouco — nuncahavia me passado pela cabeça que issofosse um problema, porque o homemque se sente intimidado por mim éexatamente o tipo de homem por quemnão me interesso. Mesmo assim, fiqueisurpresa. Já que pertenço ao sexofeminino, espera-se que almeje mecasar. Espera-se que faça minhasescolhas levando em conta que o

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casamento é a coisa mais importantedo mundo. O casamento pode ser bom,uma fonte de felicidade, amor e apoiomútuo. Mas por que ensinamos asmeninas a aspirar ao casamento, masnão fazemos o mesmo com osmeninos?

Uma nigeriana conhecida minhadecidiu vender sua casa para nãointimidar o homem queeventualmente quisesse se casar comela. Conheço uma outra, tambémsolteira, que em congressos usa umaaliança de casamento porque quer “serrespeitada” pelos colegas — segundoela, a ausência do anel a tornadesprezível. E isso num ambiente

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moderno de trabalho. Há moças que,de tão pressionadas pela família, pelosamigos, e até mesmo pelo trabalho,acabam fazendo péssimas escolhas. Emnossa sociedade, a mulher de certaidade que ainda não se casou seenxerga como uma fracassada. Já ohomem, se permanece solteiro, éporque não teve tempo de fazer suaescolha.

Falar é fácil, eu sei, mas as mulheressó precisam aprender a dizer NÃO atudo isso. A realidade, porém, é maisdifícil, mais complexa. Somos seressociais, afinal de contas, einternalizamos as ideias através dasocialização. Até mesmo a linguagem

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que empregamos dentro do casamentoé reveladora: frequentemente é umalinguagem de posse, não de parceria.Pensamos na palavra “respeito” comoum sentimento que a mulher deve aohomem, mas raramente o inverso.Tanto o homem quanto a mulherdizem: “Eu fiz isso porque queria pazno meu casamento”. Mas quando oshomens dizem isso, em geral sereferem a algo que eles não deveriammesmo fazer. É como eles sejustificam para os amigos, e no fim dascontas isso serve para comprovar a suamasculinidade — “Minha mulherdisse que não posso sair todas as noites,então daqui pra frente, pra ter paz no

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meu casamento, só vou sair nos fins desemana”. Quando as mulheres dizemque tomaram determinada atitude para“ter paz no casamento”, é porque emgeral desistiram de um emprego, deum passo na carreira, de um sonho.

Ensinamos que, nosrelacionamentos, é a mulher quemdeve abrir mão das coisas. Criamosnossas filhas para enxergar as outrasmulheres como rivais — não emquestões de emprego ou realizações, oque, na minha opinião, poderia até serbom — mas como rivais da atençãomasculina. Ensinamos as meninas queelas não podem agir como seressexuais, do modo como agem os

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meninos. Se temos filhos homens, nãonos importamos em saber sobre suasnamoradas. Mas e os namorados dasnossas filhas? Deus me livre! (Masobviamente esperamos que elas tragampra casa o homem perfeito para casar,na hora certa) Nós policiamos nossasmeninas. Elogiamos a virgindade delas,mas não a dos meninos (e me perguntocomo isso pode funcionar, já que aperda da virgindade é um processo quenormalmente envolve duas pessoas).

Recentemente, uma moça foiestuprada por um grupo de homens, naNigéria, e a reação de vários jovens, deambos os sexos, foi algo do gênero:“Sim, estuprar é errado, mas o que ela

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estava fazendo no quarto com quatrohomens?” Bem, se possível, tentemosesquecer a crueldade desse raciocínio.Os nigerianos foram criados para acharque as mulheres são inerentementeculpadas. E elas cresceram esperandotão pouco dos homens que a ideia devê-los como criaturas selvagens, semautocontrole, é de certa formaaceitável.

Ensinamos as meninas a sentirvergonha. “Fecha as pernas, olha odecote.” Nós as fazemos sentirvergonha da condição feminina, elas jánascem culpadas. Elas crescem e setransformam em mulheres que nãopodem externar seus desejos. Elas se

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calam, não podem dizer o querealmente pensam, fazem dofingimento uma arte. Conheço umamulher que odiava tarefas domésticas,mas fingia que não, já que foraensinada a ser “caseira”, como “umaboa esposa” tem de ser. Finalmente elase casou. E a família do maridocomeçou a reclamar quando seucomportamento mudou. Ora, naverdade ela não mudou. Ela apenas secansou de fingir ser o que não era.

O problema da questão de gênero éque ela prescreve como devemos ser emvez de reconhecer como somos.Seríamos bem mais felizes, mais livrespara sermos quem realmente somos, se

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não tivéssemos o peso das expectativasdo gênero.

Meninos e meninas são

inegavelmente diferentes em termosbiológicos, mas a socialização exageraessas diferenças. E isso implica naautorrealização de cada um. O ato decozinhar, por exemplo. Ainda hoje, asmulheres tendem a fazer mais tarefasde casa do que os homens — elascozinham e limpam a casa. Mas porque é assim? Será que elas nascem comum gene a mais para cozinhar ou seráque, ao longo do tempo, elas foramcondicionadas a entender que seu

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papel é cozinhar? Cheguei a pensarque talvez as mulheres de fatohouvessem nascido com o tal gene,mas aí lembrei que os cozinheiros maisfamosos do mundo — que recebem otítulo pomposo de “chef” — são, emsua maioria, homens.

Costumava observar minha avó, umamulher brilhante, e ficava imaginandoo que ela poderia ter sido se durante ajuventude tivesse tido as mesmasoportunidades que os homens. Hoje,diferente do que acontecia na suaépoca, há mais oportunidades para asmulheres — houve mudanças naspolíticas e na lei, que foram muitoimportantes.

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Mas o que realmente conta é a nossapostura, a nossa mentalidade. E secriássemos nossas crianças ressaltandoseus talentos, e não seu gênero? E sefocássemos em seus interesses, semconsiderar gênero?

Conheço uma família que tem umfilho e uma filha, com um ano dediferença, ambos alunos brilhantes.Quando o menino está com fome, ospais mandam a garota preparar ummacarrão instantâneo para o irmão.Ela não gosta de cozinhar macarrãoinstantâneo, mas como é menina, temque obedecer. E se os pais, desde oinício, tivessem ensinado ambos osfilhos a cozinhar macarrão

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instantâneo? Aliás, aprender a cozinharé bom para a vida prática e útil de ummenino — nunca vi sentido em deixarnas mãos de terceiros uma coisa tãocrucial como a capacidade de se nutrir.

Conheço uma mulher que tem omesmo diploma e o mesmo empregoque o marido. Quando eles chegam emcasa do trabalho, a ela cabe a maiorparte das tarefas domésticas, comoocorre em muitos casamentos. Mas oque me surpreende é que sempre queele troca a fralda do bebê ela ficaagradecida. Por que ela não se dá contade que é normal e natural que eleajude a cuidar do filho?

Estou tentando desaprender várias

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lições que internalizei durante a minhaformação, mas às vezes ainda me sintovulnerável quando me deparo comexpectativas de gênero. Na primeiraaula de escrita para uma turma de pós-graduação, fiquei apreensiva. Não como conteúdo do curso, já que estava bempreparada e gosto da matéria. Estavapreocupada com o quê vestir. Euqueria ser levada a sério. Sabia que, porser mulher, eu automaticamente teriaque demonstrar minha capacidade. Eestava com medo de parecer femininademais, e não ser levada a sério. Queriapassar batom e usar uma saia bemfeminina, mas desisti da ideia. Escolhium terninho careta, bem masculino, e

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feio.A verdade é que, quando se trata de

aparência, nosso paradigma émasculino. Muitos acreditam quequanto menos feminina for a aparênciade uma mulher, mais chances ela teráde ser ouvida. Quando um homem vaia uma reunião de negócios, não lhepassa pela cabeça se será levado a sérioou não dependendo da roupa que vestir— mas a mulher pondera. Eu nãoqueria ter usado aquele conjuntofeioso. Se tivesse a autoconfiança quetenho hoje, meus alunos teriamaproveitado ainda mais minhas aulas.Porque eu estaria mais confortável naminha própria pele e seria mais

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verdadeira comigo mesma.Decidi parar de me desculpar por ser

feminina. E quero ser respeitada porminha feminilidade. Porque eumereço. Gosto de política e história, eadoro uma conversa boa, produtiva.Sou feminina. Sou feliz por serfeminina. Gosto de salto alto e devariar os batons. É bom receberelogios, seja de homens, seja demulheres (cá entre nós, prefiro serelogiada por mulheres elegantes). Mascom frequência uso roupas que oshomens não gostam ou não“entendem”. Uso essas roupas porqueme sinto bem nelas. O “olharmasculino”, como determinante das

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escolhas da minha vida, não meinteressa.

Não é fácil conversar sobre a questão

de gênero. As pessoas se sentemdesconfortáveis, às vezes até irritadas.Tanto os homens como as mulheresnão gostam de falar sobre o assunto,contornam rapidamente o problema.Porque a ideia de mudar o status quo ésempre penosa.

Algumas pessoas me perguntam: “Porque usar a palavra ‘feminista’? Por quenão dizer que você acredita nos direitoshumanos, ou algo parecido?” Porqueseria desonesto. O feminismo faz,

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obviamente, parte dos direitoshumanos de uma forma geral — masescolher uma expressão vaga como“direitos humanos” é negar aespecificidade e particularidade doproblema de gênero. Seria umamaneira de fingir que as mulheres nãoforam excluídas ao longo dos séculos.Seria negar que a questão de gênerotem como alvo as mulheres. Que oproblema não é ser humano, masespecificamente um ser humano dosexo feminino. Por séculos, os sereshumanos eram divididos em doisgrupos, um dos quais excluía e oprimiao outro. É no mínimo justo que asolução para esse problema esteja no

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reconhecimento desse fato.Alguns homens se sentem ameaçados

pela ideia de feminismo. Acredito queessa ameaça tenha origem nainsegurança que eles sentem. Comoforam criados de um determinadomodo, quando não estiverem“naturalmente” dominando, comohomens, a situação, sentirão aautoestima diminuída. Outros talvezenfrentem a palavra “feminismo” daseguinte maneira: “Tudo bem, isso éinteressante, mas não é meu modo depensar. Aliás, eu nem sequer penso naquestão de gênero”.

Talvez não pensem mesmo. E isso éparte do problema: os homens não

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pensam na questão do gênero, nemnotam que ela existe. Muitos homens,como meu amigo Louis, dizem que ascoisas eram ruins no passado, mas queagora está tudo bem. Muitos não fazemnada para mudar a situação das coisas.Quando um sujeito entra numrestaurante e o garçom o cumprimenta,será que não passa pela cabeça deleperguntar por que o garçom nãocumprimentou sua acompanhante? Oshomens precisam se manifestar emtodas essas pequenas situações.

Como a questão de gêneroincomoda, as pessoas recorrem a váriosargumentos para cortar a conversa.Algumas lançam mão da biologia

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evolutiva dos macacos, lembrandocomo as fêmeas, por exemplo, securvam perante os machos. Mas aquestão é a seguinte: nós não somosmacacos. Macacos vivem em árvores ecomem minhocas. Nós, não.

Algumas pessoas dirão: “Bem, oshomens, coitados, também sofreram”.E sofrem até hoje. Mas não é disso queestamos falando. Gênero e classe sãocoisas distintas. Um homem pobreainda tem os privilégios de ser homem,mesmo que não tenha o privilégio dariqueza. Conversando com homensnegros, aprendi muito sobre os váriossistemas de opressão e sobre como elespodem não reconhecer uns aos outros.

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Uma vez eu estava falando sobre aquestão de gênero e um homem meperguntou por que eu me via comouma mulher e não como um serhumano. É o tipo de pergunta quefunciona para silenciar a experiênciaespecífica de uma pessoa. Lógico quesou um ser humano, mas há questõesparticulares que acontecem comigo nomundo porque sou mulher. Essemesmo homem, a propósito, comfrequência falava da sua experiênciacomo homem negro. (E eu deveria terrespondido: “Por que você não fala dassuas experiências como um homem ouum ser humano? Por que tem que sercomo um homem negro?”).

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Então sinto muito, essa conversa ésobre gênero. Alguns dirão: “Ora, asmulheres é que têm o verdadeiropoder, o poder da cintura para baixo”— na Nigéria, é assim que nosexpressamos para dizer que a mulherusa a sexualidade para conseguir o quequer do homem. Mas o poder dacintura para baixo não é podernenhum, porque a mulher que tem talpoder, na verdade, não é poderosa. Elasó tem uma boa ferramenta paraexplorar o poder de outra pessoa. Mas oque acontece se um homem está mal-humorado ou doente outemporariamente impotente?

Tem gente que diz que a mulher é

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subordinada ao homem porque isso fazparte da nossa cultura. Mas a culturaestá sempre em transformação. Tenhoduas sobrinhas gêmeas e lindas dequinze anos. Se tivessem nascido hácem anos, teriam sido assassinadas: hácem anos, a cultura Igbo considerava onascimento de gêmeos como um maupresságio. Hoje essa prática éimpensável para nós.

Para quê serve a cultura? A culturafunciona, afinal de contas, parapreservar e dar continuidade a umpovo. Na minha família, eu sou a filhaque mais se interessa pela história dequem somos, nossas terras ancestrais,nossas tradições. Meus irmãos não têm

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tanto interesse nisso. Mas não posso tervoz ativa, porque a cultura Igbofavorece os homens e só eles podemparticipar das reuniões em que asdecisões familiares mais importantessão tomadas. Então, apesar de ser apessoa mais ligada a esses assuntos, nãoposso frequentar as reuniões. Nãotenho direito a voz. Porque soumulher.

A cultura não faz as pessoas. Aspessoas fazem a cultura. Se umahumanidade inteira de mulheres nãofaz parte da nossa cultura, então temosque mudar nossa cultura.

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Penso com frequência no meuamigo Okoloma. Espero que ele e osoutros que morreram na queda doavião descansem em paz. Ele sempreserá lembrado por aqueles que oamavam. Ele tinha razão, anos atrás,ao me chamar de feminista. Eu soufeminista. Naquele dia, quandocheguei em casa e procurei a palavrano dicionário, foi este o significado queencontrei: “Feminista: uma pessoa queacredita na igualdade social, política eeconômica entre os sexos”.

Minha bisavó, pelas histórias queouvi, era feminista. Ela fugiu da casado sujeito com quem não queria secasar e se casou com o homem que

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escolheu. Ela resistiu, protestou, faloualto quando se viu privada de espaço eacesso por ser do sexo feminino. Elanão conhecia a palavra “feminista”.Mas nem por isso ela não era uma.Mais mulheres deveriam reivindicaressa palavra. O melhor exemplo defeminista que conheço é o meu irmãoKene, que também é um jovem legal,bonito e muito másculo. A meu ver,feminista é o homem ou a mulher quediz: “Sim, existe um problema degênero ainda hoje e temos que resolvê-lo, temos que melhorar”. Todos nós,mulheres e homens, temos quemelhorar.

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Sobre a autora

CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE nasceu

em Enugu, na Nigéria, em 1977. Éautora dos romances Meio sol amarelo(2008) — vencedor do Orange Prize,adaptado ao cinema em 2013 —,Hibisco roxo (2011) e Americanah(2014), publicados no Brasil pelaCompanhia das Letras. Assina aindauma coleção de contos, The Thingaround Your Neck (2009). Sua obra foitraduzida para mais de trinta línguas eapareceu em inúmeros periódicos,

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como as revistas New Yorker e Granta.Depois de ter recebido uma bolsa daMacArthur Foundation, Chimamandavive entre a Nigéria e os EstadosUnidos. Sua célebre conferência noTED já teve mais de 1 milhão devisualizações. Eleito um dos dezmelhores livros do ano pela New YorkTimes Book Review e vencedor doNational Book Critics Circle Award,Americanah teve os direitos paracinema comprados por LupitaNyong’o, vencedora do Oscar demelhor atriz por Doze anos deescravidão.

www.facebook.com/chimamandaadichie

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www.chimamanda.com

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OBRAS DA AUTORAPUBLICADAS PELA COMPANHIADAS LETRAS

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Americanah

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Lagos, anos 1990. Enquanto Ifemelu

e Obinze vivem o idílio do primeiroamor, a Nigéria enfrenta tempossombrios sob um regime militar. Embusca de alternativas às universidadesnacionais, paralisadas por sucessivasgreves, a jovem Ifemelu muda-se paraos Estados Unidos. Ao mesmo tempoem que se destaca no meio acadêmico,ela se depara pela primeira vez com aquestão racial e tem de enfrentar asagruras da vida de imigrante, mulher e,sobretudo, negra. Se Obinze planejaencontrá-la, seus planos tornam-semenos promissores depois do Onze deSetembro, quando as portas americanas

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se fecham para os estrangeiros.Quinze anos mais tarde, Ifemelu é

uma aclamada blogueira que refletesobre o dia a dia dos africanos naAmérica, mas o tempo e o sucesso nãoatenuaram o apego à terra natal,tampouco afrouxaram a ligação comObinze. Ao voltar para a Nigéria, elaterá de encontrar um lugar na vida deseu companheiro de adolescência enum país muito diferente do quedeixou.

Principal autora nigeriana de suageração e uma das mais destacadas dacena literária internacional,Chimamanda Ngozi Adichie parte deuma história de amor arrebatadora para

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debater questões prementes euniversais como imigração,preconceito racial e desigualdade degênero. Bem-humorado, sagaz eimplacável, conjugando o melhor dosgrandes romances e da crítica social,Americanah é um épico dacontemporaneidade.

“Em parte história de amor, emparte crítica social, um dosmelhores romances que você leráno ano.” — Los Angeles Times “Magistral… Uma história deamor épica…” — O, The OprahMagazine

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Hibisco roxo

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Protagonista e narradora de Hibisco

roxo, a adolescente Kambili mostracomo a religiosidade extremamente“branca” e católica de seu pai, Eugene,famoso industrial nigeriano, infernizae destrói lentamente a vida de toda afamília. O pavor de Eugene àstradições primitivas do povo nigerianoé tamanho que ele chega a rejeitar opai, contador de histórias encantador, ea irmã, professora universitáriaesclarecida, temendo o inferno. Mas,apesar de sua clara violência eopressão, Eugene é benfeitor dospobres e, estranhamente, apoia o jornalmais progressista do país.

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Durante uma temporada na casa desua tia, Kambili acaba se apaixonandopor um padre que é obrigado a deixar aNigéria, por falta de segurança e deperspectiva de futuro. Enquanto narraas aventuras e desventuras de Kambili ede sua família, o romance tambémapresenta um retrato contundente eoriginal da Nigéria atual, mostrando osremanescentes invasivos dacolonização tanto no próprio país,como, certamente, também no resto docontinente.

“Uma história sensível e delicadasobre uma jovem exposta àintolerância religiosa e ao lado

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obscuro da sociedade nigeriana.”— J.M. Coetzee

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Meio sol amarelo

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Filha de uma família rica e

importante da Nigéria, Olanna rejeitaparticipar do jogo do poder que seu pailhe reservara em Lagos. Parte, então,para Nsukka, a fim de lecionar nauniversidade local e viver perto doamante, o revolucionário nacionalistaOdenigbo. Sua irmã Kainene de certomodo encampa seu destino. Com seujeito altivo e pragmático, ela circulapela alta roda flertando com militares efechando contratos milionários.Gêmeas não idênticas, elasrepresentam os dois lados de umanação dividida, mas presa aindissolúveis laços germanos —

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condição que explode na sangrentaguerra que se segue à tentativa desecessão e criação do Estadoindependente de Biafra.

Contado por meio de três pontos devista — além do de Olanna, a narrativaconcentra-se nas perspectivas donamorado de Kainene, o jornalistabritânico Richard Churchill, e deUgwu, um garoto que trabalha comocriado de Odenigbo —, Meio solamarelo enfeixa várias pontas doconflito que matou milhares depessoas, em virtude da guerra, da fomee da doença. O romance é mais do queum relato de fatos impressionantes: é oretrato vivo do caos vislumbrado

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através do drama de pessoas forçadas atomar decisões definitivas sobre amor eresponsabilidade, passado e presente,nação e família, lealdade e traição.

“Um marco na ficção, no qual aprosa clara e despretensiosadelineia nuances de modoabsolutamente preciso.” — TheGuardian

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Copyright © 2012, 2014 by Chimamanda NgoziAdichieTodos os direitos reservados Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico daLíngua Portuguesade 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. TRADUÇÃO Christina Baum CAPA Alceu Chiesorin Nunes REVISÃO Mariana Cruz e Larissa Lino Barbosa DIAGRAMAÇÃO Verba Editorial PROJETO GRÁFICO Joelmir Gonçalves ISBN 978-85-438-0172-8 TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO RESERVADOS ÀEDITORA SCHWARCZ S.A.

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