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Semantica e Aprendizagem

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Azevedo, Luciano Taveira de

Letras: Semântica e Pragmática/ Luciano Taveira de Azevedo. - Recife: UPE/NEAD, 2011.

60 p. il.

ISBN

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX. Universidade de Pernambuco - UPE. II. Título.

XXXXX

CDU XXXX

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Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Prof. José Thomaz Medeiros Correia

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Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

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Coordenação Pedagógica

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EDIÇÃo 2011

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Profa. Silvania Núbia Chagas

Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

Profa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva.

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Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Semântica e Pragmática

Prof. Luciano Taveira de AzevedoCarga Horária | 60 horas

ementa

Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia, antonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. As semânti-cas estrutural e cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Semân-tica e pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do en-sino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

ObjetivO geral

Contribuir com a formação do aluno de Letras no que diz respeito à reflexão acer-ca dos processos semânticos e pragmáticos envolvidos na construção do sentido.

aPreSentaçãO da diSciPlina

Estimado(a) estudante,

Neste livro, apresentamos a você as definições, os conceitos centrais e um conjun-to de fatos a que as disciplinas Semântica e Pragmática se aplicam. Não obstante a pluralidade de definições a que a Semântica se presta, podemos defini-la, gene-ricamente, como a ciência que estuda a significação. Sabemos que essa definição é controversa e não dá conta dos fatos relativos ao sentido estudados dentro do campo da Semântica. Como o objetivo do livro não é resolver as divergências e controvérsias existentes no campo, mas dar uma noção geral dos conceitos basila-res que orientam os estudos sobre o significado, preferimos abandonar essa ques-tão e lançar mão da definição mais genérica. No que diz respeito à Pragmática não é diferente, e poderíamos nos antecipar dizendo que a Pragmática é o estudo da língua relativa aos usuários, ou seja, os falantes que se engajam em eventos comunicativos concretos e colocam a língua em funcionamento. Trocando em miúdos, podemos concluir dizendo que tanto a Semântica quanto a Pragmática estão interessadas nos processos de significação, mas os investigam mobilizando diferentes perspectivas teóricas.

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7Capítulo 1 77Capítulo 1

ObjetivOS eSPecíficOS

• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmáticalinguística;

• Refletiracercadosprocessosdeconstruçãodosentidoapartirdasperspecti-vas teóricas concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática;

• Possibilitaroconhecimentodosdiversosrecursoslinguísticosagenciadosnaprodução de sentido.

intrOduçãO

Caríssimo(a) estudante,

Duranteestecapítulo,apresentaremososdesenvolvimentoshistóricoseprinci-pais correntes teóricas da Semântica, campo da Ciência Linguística relacionado ao estudo do significado. De início, faremos uma breve reflexão acerca da impor-tânciadoestudodaSemântica,umavezqueaquestãodosentidotemganhadocentralidade em diferentes campos do saber, como a Psicologia, Psicanálise, So-ciologia, Filosofia, entre outros. Em seguida, apresentaremos um pequeno excur-sohistóricodadisciplinaSemântica,afimdedarmosumpanoramadocaminhopercorridopeladisciplinaatéatingiroestatutodeciência.Porfim,destrinchare-mosastrêslinhasteóricasquesedestacamnessecampodosestudossobreosig-nificado que são: a Semântica Formal, a Semântica Argumentativa e a Semântica Cognitiva. Assim, esperamos possibilitar a você, estimado(a) estudante do Curso de Letras, a compreensão do objeto da Semântica a partir da vertente teórica em que está inserido. Bom estudo,

Profº Luciano Azevedo

Semântica: PerSPectivaS teóricaS

Prof. Luciano Taveira de AzevedoCarga Horária | 15 horas

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8 Capítulo 1

1. POr Que eStudar Semântica?

Começamos com essa pergunta porque a questão do sentido é tão evidente para os usuários da lín-gua portuguesa que o fato de transformá-lo em objeto de estudo parece não se justificar. Desse modo, decidimos iniciar nossa conversa sobre a Semântica apresentando algumas motivações para seu estudo. Fazendo isso, não temos a pre-tensão de convencê-los acerca da importância do ensino-aprendizagem de uma disciplina cujo ob-jeto de estudo é o sentido: objeto evidente nas trocas mais cotidianas da produção de linguagem. Antesdisso,nossapretensãocaminhanadireçãode motivá-los a partir do objetivo que lastreia a própriaSemânticaeécompartilhadoentreosse-manticistas. Esse objetivo não é outro senão ex-plicitar os mecanismos envolvidos no processo de produção do sentido.

Ilari e Geraldi (1990) afirmam que a semântica constitui um domínio de investigação de limites movediços, de modo que a abordagem do sentido é determinada pelo lugar teórico-metodológico no qual o estudioso pisa. Assim sendo, o processo de produção de sentido receberá explicações diferen-tes porque diversos são os lugares de onde parte o olhardopesquisador.Nessadireção,

as posições sobre o que é significado são inúmeras e ex-tremamente matizadas e vão desde o realismo dos que acreditam que a língua se superpõe como uma nomencla-tura a um mundo em que as coisas existem objetivamente, até formas de relativismo extremado, segundo as quais é a estrutura da língua que determina nossa capacidade de perceber o mundo; desde a crença de que a significação de uma expressão fica cabalmente caracterizada pela tradução em outra expressão, até a crença de que qualquer tradução é impossível e para compreender a significação de uma pa-lavra ou frase se exige a participação direta em atividades de um determinado tipo (Ilari;Geraldi, 1990:6).

Essa fala dos autores nos dá uma noção da di-versidade de definições que são atribuídas ao significado e de como essas definições pendu-lam entre uma visão que afirma que a língua é uma etiqueta posta sobre as coisas do mun-do a outra que vê o significado como resul-tante de um processo que implica o engaja-mento do falante em atividades específicas.

Issonosfazconcluirqueéapartirdaescolhate-órica feita pelo semanticista que determinados as-pectos dos processos de significação, e não outros, serão explicitados. Nós veremos como isso aconte-ce nos tópicos subsequentes.

Partindo do que foi desenvolvido até aqui, pode-mosrefletirmelhoracercadaimportânciadoses-tudos semânticos para a interpretação das diversas linguagens. Um dos aspectos que prevalece acerca da importância dos estudos semânticos é oferecer ao falante ferramentas que possibilitem uma leitu-ra mais acurada dos textos com os quais se depara. Umavezqueossentidosnãoestãodadosnemháuma relação direta entre língua e mundo, a se-mântica nos auxilia na compreensão dos processos envolvidos na construção dos sentidos produzidos nas diversas práticas de interação verbal. Oliveira (2001:11) justifica a relevância dos estudos em se-mântica formal dizendo que

“a reflexão formal sobre o significado tem importância por-que auxilia a formação do cidadão, independentemente de ele estar diretamente interessado na descrição de línguas

naturais.”

Essa formação do cidadão a qual a autora se re-fere encontra-se estreitamente ligada à interpreta-ção dos textos, sejam eles verbais ou não-verbais, enquanto artefatos simbólicos que circulam social-mente. Oferecendo um amplo repertório teórico ao estudo do sentido, a semântica contribui efeti-vamente para a construção de um cidadão crítico e engajado no processo de construção social.

VOCÊ SABIA?

O interesse pelo significado remonta à

épocas muito antigas e já podemos en-

contrar no século I a.C., entre os estói-

cos, reflexões acerca da relação entre

signo, significado e coisa. Embora essa

relação já tivesse feito parte das preo-

cupações filosóficas de Platão e Aris-

tóteles, foram os estóicos que deram

uma configuração mais sistemática ao

problema da língua e sua relação com

o mundo. A questão do significado

também ocupará as reflexões de Santo

Agostinho (354-430) que desenvolve-

rá um pensamento bastante acurado

acerca da relação entre sinal-significa-

do-referente.

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9Capítulo 1

SAIBA MAIS!

“Vejamos um exemplo de como esse traba-

lho de explicitar o que já sabemos intuiti-

vamente pode ser aplicado em nosso coti-

diano:

(1) Aposentadoria: 65 anos e 30 anos de

serviço.

Imagine que a lei aprovada no congres-

so seja a descrita em (1). Nessa situação:

quem é que vai se aposentar? Se você tem

60 anos de idade e 40 de serviço, vai ter que

trabalhar mais cinco anos para se aposen-

tar. Logo, para o seu caso, a sentença em (1)

é falsa. (...)Se você tem 75 anos de idade e 5

de serviço (registrado, digamos, para tornar

mais plausível a situação), então vai ter que

esperar o seu centenário para se aposentar.

Com menos de 65 anos de idade e de 30

de trabalho, você também não se aposenta.

Logo, sua única possibilidade de aposenta-

doria é ter, no mínimo, 65 anos de idade e

também um mínimo de 30 anos de serviço.”

Oliveira (2001:13-14)

2. caminhOS da Semântica

Entender os desdobramentos históricos de umadisciplina – neste caso, a semântica – possibilita situar os interesses dessa disciplina em relação ao passado, a fim de entendermos o seu estatuto atu-al e as perspectivas que abre para o futuro. Nesse sentido, podemos circunscrever para a semântica três correntes teóricas que nos dão um panorama bastante amplo dos objetos construídos dentro dos campos que se desenvolveram em torno da questão do significado. São elas:

1. acorrentedalingüísticacomparadadecunhohistoricizanteeevolucionista;

2. a corrente da linguística estrutural; 3. a corrente da modelização das línguas.

Conhecer esses movimentos e seus respectivosquadros teóricos é compreender como a questão do significado foi tratado em determinada época e porcorrentesespecíficas;pensandoessecaminhoem seus momentos de confluência e ruptura em relação às definições de significado e às formas de descrevê-lo.

2.1. a PerSPectiva evOluciOniSta

As publicações fundadoras que lançam as bases desse período incipiente da semântica são: As leis intelectuais da linguagem, escrito por M. Bréal em 1883. Essa publicação é considerada a “pedra fun-damental” da disciplina semântica, uma vez que foi M. Bréal a usar pela primeira vez o termo semântica como ciência do significado. A segunda publicação também lança os alicerces para o desenvolvimento de um campo científico que tem como objeto o sig-nificado:DerDeutscheWortschatzimSinnberzirkderVerstandes.DieGeschichteeinessprachlichenFeldes (O vocabulário alemão no campo semân-tico do entendimento. A história de um campolinguístico). Escrito por J. Trier em 1931, a citada publicação trata dos campos semânticos.

A perspectiva evolucionista nasce da ruptura que M. Bréal opera entre “a noção retórico-lógica de mudança de sentido ao novo conceito de evolução – elaborado por H. Spencer e C. Darwin por volta dos anos 1857-1859” (Tamba-Mecz, 2006:17). Ba-seado nos pressupostos teórico-metodológicos das ciências-pilotodaépoca,adoutrinacompartilhadaentre os semanticistas dessa época assentar-se-á so-bre três pontos: i) A semântica tem por objeto o estudo da “evolução” das significações nas línguas; ii) essa evolução é comandada por “leis” gerais; iii) essas leis, próprias dos “fenômenos” semânticos, devem ser extraídas da “observação” dos “fatos” de sentido (TAMBA-MECZ, 2006).

Assim, interessa aos semanticistas ligados a essa corrente as leis intelectuais gerais que presidem as significações.

2.2. a PerSPectiva eStrutural

Ainda conservando aspectos do período anterior, mas agora sob a influência da onda estruturalista que se iniciou com a publicação do Curso de Lin-guística Geral de Ferdinand de Saussure em 1916, a semântica tem seus princípios revistos e coloca-dos sob um outro ponto de vista que é o da língua comosistemaquesóconhecesuaordemprópria(CLG, 2004). Esse deslocamento promove uma vi-rada na concepção de significado, pois

em vez de considerar que a significação é uma propriedade inerente às palavras e a seus ajuntamentos, mas cuja origem efinalidadeseencontramnaatividadeintelectualdosho-

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10 Capítulo 1

mens, identificou-se o sentido das relações internas a um siste-ma que liga os diferentes elementos (Tamba-Mecz, 2006:27) (Grifos da autora).

Nessa abordagem, o sentido resulta das relações es-tabelecidas entre os signos no sistema da língua em seu estado sincrônico. Segundo Araújo (2004:35):

“os signos designam, isto é, querem dizer algo, significam,

porém não referem” (Grifo da autora).

Ou seja, nessa perspectiva, a significação não pro-vém de uma relação direta entre a palavra e a “coi-sa” no mundo, mas decorre das relações opositivas estabelecidas entre os signos linguísticos no inte-rior do sistema.

2.3. O PeríOdO daS teOriaS linguíSticaS

Ostrêscamposdetrabalhoqueseencontramnes-seperíododahistóriadosestudossemânticosse-rão desenvolvidos mais detidamente nos próximos sub-títulos e, por isso, optamos por uma apresenta-ção breve desse período.

O primeiro deles é denominado Semântica Formal e seus princípios teórico-metodológicos estruturam--se entre 1963 e 1982 sob a influência da gramá-tica gerativa desenvolvida pelo linguista america-noNoamChomsky.OsegundocamporeúneostrabalhosdolinguistafrancêsOswaldDucroteédenominado Semântica Argumentativa. A terceira orientação de estudos faz parte desse período e, denominada de Semântica da Cognição, procura ex-plicar a questão do sentido por meio de processos cognitivos. Esse segmento teve seu marco inaugu-ral com a publicação, em 1980, de Methaphors we live bydeGeorgeLakoffeMarkJohnson.

atividade |Leia o capítulo 2 (A significação linguística: lugar e características dos sentidos na língua) do livro A semântica de Irène Tamba-Mecz (ver referência bibliográfica). Após a leitura atenta, faça um breve resumo dos sub-títulos procu-rando ater-se aos conceitos e ideias centrais.

2.3.1. A SemânticA FormAl

Como já dissemos em outro lugar, questões rela-cionadas ao significado foram tratadas pelos filóso-fos gregos do tempo de Sócrates e, posteriormente, Platão, entre outros. Para esses filósofos, “a relação

semântica que liga as palavras às coisas é a de ‘de-nominar’”(Lyons,1979:429).Daísurgeaseguintequestão:

a relação entre “palavra” e “coisa” denominada, ou melhor, entre “nomes”

e “coisas” é de origem natural ou convencional?

AindasegundoLyons(1979),nodesenvolvimentoda gramática tradicional tornou-se hábito distin-guir entre o significado da palavra e a “coisa” ou “as coisas” por ela “denominadas.” Nesse sentido, os estudos semânticos desenvolvidos pelos filóso-fos gregos e que se encontram na base da gramá-tica tradicional referem-se à relação entre “nome” ou “palavra” e “coisa” denominada. De acordo com essa perspectiva de estudos semânticos, a pa-lavra não refere, apenas nomeia, denomina. Há uma relação direta, ou seja, termo a termo entre “palavra” e “coisa.”

Se dermos um salto histórico e também episte-mológico, veremos que os formalistas Saussure e Chomskypassamaquestãosignificado/realidadepara os filósofos e afirmam que cabe à filosofia resolver as questões que envolvem a relação entre língua e mundo, “uma vez que a linguística de veio estruturalista ocupa-se com a designação (...) e não com denotação” (Araújo, 2004, 57).

Assentada na lógica aristotélica, ou seja, aquela de-senvolvida pelo filósofo grego Aristóteles, a Semân-tica Formal “descreve o problema do significado a partir do postulado de que as sentenças se estrutu-ram logicamente” (Oliveira, 2006:19). De acordo com esse postulado de base aristotélica, algumas relações de significado entre sentenças são autôno-mas e se dão independentemente dos conteúdos das sentenças. Veja o exemplo:

Relação entre as proposições

Premissa maior

Todo homem é mortal.

Todo o A é B

Premissa menor

Sócrates é homem. Todo o C é A

Conclusão Logo, Sócrates é mortal.

Todo o C é B

Se considerarmos apenas as relações lógicas exis-tentesentreaspremissas,chegaremosàconclusãoindependente do significado de homem ou mortal e é por isso que essas relações são lógicas “ou for-

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11Capítulo 1

mais, porque podemos representá-las por letras va-zias de conteúdo, mas que descrevem as relações de sentido” (Oliveira, 2006:20).

Tomando como escopo as relações lógicas estabe-lecidas entre as sentenças, o lógico alemão Gottlob Frege(1848-1925)abrecaminhodentrodocampoda semântica para a reflexão sobre a distinção en-tresentidoereferência(OLIVEIRA,2001).

Essa distinção entre as noções de sentido e referên-cia será indispensável para dar conta do problema seguinte:

A. A estrela da manhã é a estrela da manhã.B. A estrela da manhã é a estrela da tarde.

De saída, queremos esclarecer que a referência de uma sentença tem a ver com seu valor de verdade, ou seja, o verdadeiro ou o falso. Assim, acerca da referência de uma sentença, Oliveira (2001:92) sa-lienta que

“dar significado a uma sentença é estipular em que condi-

ções ela é verdadeira.”

Voltemos ao problema colocado acima. Vamos pensar o seguinte: se o conceito de significado tem a ver com o de referência, então as sentenças (A) e (B) são idênticas, pois se referem a um valor de verdade. Em (A), temos uma verdade óbvia, uma vez que o verbo ser estabelece que um objeto é idêntico a si mesmo. Isso será sempre verdadeiro. Nocasode(A),nãohánecessidadedeverificarsuaveracidade em relação ao mundo, pois aquilo que afirma independe dos fatos do mundo (Oliveira, 2006:21). No entanto, em (B) temos uma senten-ça em que o verbo ser estabelece uma relação de igualdade, de modo que a veracidade daquilo que afirma deve ser verificada no mundo. Para Oliveira (2001:94),

“essa sentença pode ou não ser verdadeira porque seu valor de verdade (...) depende das circunstâncias e do mundo em

que é proferida.”

Se, após verificarmos, concluímos que a estrela da manhãdenominaomesmoobjetoquedenomina-mos estrela da tarde, então aprendemos que a estrela da manhã é a estrela da tardee,assim,nossoconhe-cimento sobre o mundo aumentou, pois agora po-demos nos referir ao mesmo objeto – nesse caso, o planeta Vênus - de duas maneiras diferentes.

A diferença entre as sentenças (A) e (B) só pode ser explicada se distinguimos sentido de referência, pois, se por um lado, essas sentenças se referem ao mesmo objeto, por outro lado, veiculam sentidos diferentes. Desse modo,

seosentidoéocaminhoquenospermitealcançarare-ferência, quando descobrimos que dois caminhos levamà mesma referência, aprendemos algo sobre esse objeto,

sobre o mundo (Oliveira, 2006:21).

Nessa direção, dizer sentido é dizer referência, pois aquelesónospermiteconheceralgosecorrespon-de a uma referência, ou seja, o sentido possibilita alcançarmos um objeto no mundo, mas é só a par-tir da verificação das condições em que uma sen-tença pode ser verdadeira que podemos avaliar se essa sentença é verdadeira ou falsa.

SAIBA MAIS!

Para entender melhor a questão sentido/

referência no quadro teórico fregeano, re-

comendamos a leitura dos seguintes textos:

OLIVEIRA, R. P. Semântica. In: MUSSALIN, F.;

BENTES. Introdução à Lingüística: domínios

e fronteiras. vol. 2. 5. ed. São Paulo: Cortez,

2006.

OLIVEIRA, R. B. Semântica Formal: uma bre-

ve introdução. Campinas: SP: Mercado de

Letras, 2001.

MOURA, H. M. M. Significação e contexto:

uma introdução a questões de semântica e

pragmática. Florianópolis: Insular, 2006.

FREGE, G. Sobre o sentido e a referência.

Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo:

Cultrix, 1978.

atividade |Para exercitar os conceitos de sentido e referên-cia,proponhoquedigaqualareferênciade: a capital da Inglaterra, Londres, Londres é a capital da Inglaterra. Em seguida, descreva a cidade de Recifepormeiodediferentessentidos.

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12 Capítulo 1

2.3.2. A SemânticA ArgumentAtivA

O lingüista francês Oswald Ducrot, influenciado pelos estudos de Émile Benveniste1 no que diz res-peito à filosofia analítica e à vinculação do estudo da linguagem ao quadro saussuriano e à enuncia-ção, desenvolve uma reflexão sobre língua, enun-ciação e os processos semânticos envolvidos nos processos enunciativos. Assim, o linguista francês afasta-se da abordagem dada pela Semântica For-mal à questão do sentido, pois acredita que “usa-mos a linguagem não para falar algo sobre o mun-do, mas para convencermos nosso interlocutor a entrar no nosso jogo argumentativo” (Oliveira, 2001:26). Embora Ducrot volte-se para os fenôme-nos relacionados à enunciação, sua abordagem é “fundamentalmente estrutural à medida que con-sidera que a língua é passível de uma análise lógica diferente daquela que a reduz a operações de verda-de e falsidade” (Flores, 2008:63).

no mundo, a Semântica Argumentativa entenderá que sentido e referência são construídos no pró-prio funcionamento da linguagem, de modo que não são objetos que se encontram fora dela, mas ilusões criadas pelo próprio jogo da linguagem.

A partir dessa ruptura com o quadro teórico da Semântica Formal, Ducrot assume outro ponto de vista acerca do fenômeno da significação. Para ele, a linguagem é um jogo de argumentação emara-nhado em simesmo, demodo que não falamossobre o mundo, conforme os princípios da Semân-tica Formal, mas para construir um mundo e, a partir dele, tentar convencer nosso interlocutor da nossaverdade(OLIVEIRA,2006).Essaverdadeéconstruída e legitimada pela própria cena produzi-dapor/emnossasinterlocuções.

Em O dizer e o dito (1987), Ducrot apresenta vários conceitos cujo objetivo é fundamentar a ideia de que é possível identificar diferentes representações doenunciadornosentidodoenunciado.Parache-gar a essa ideia, ele começa diferenciando frase de enunciado. A frase seria do nível gramatical e de domínio do gramático, enquanto que o enuncia-doseriaarealizaçãohistóricadafrase.Acadaumcorresponderia um valor semântico determinado. Assim, o primeiro, denominado significação é atri-buído à frase;osegundo,chamadodesentido é atri-buído ao enunciado e pertencente ao domínio dos acontecimentos(FLORES,2008).

Nesse sentido, as representações dos enunciado-resaparecemnosenunciadosquesãohistóricoseefetivamente realizados nas trocas comunicativas. Esse aspecto da enunciação leva Ducrot a lançar mão do conceito de polifonia, pois, de acordo com o autor, um enunciado pode encerrar várias vozes. O conceito de polifonia levará a outro, também basilar na Semântica Argumentativa, que é o da pressuposição. Sobre esse aspecto do sentido de um enunciado, Ducrot argumenta que se a referência é uma construção interna à linguagem, então a pres-suposição não remete a algo externo à linguagem, mas é também construída no próprio jogo discur-sivo relativo à encenação que a linguagem constrói.

SAIBA MAIS!

Para entender o conceito de enunciado

e enunciação em Ducrot, recomendo as

leituras:

DUCROT, O. O dizer e o dito. Campinas:

Pontes, 1987.

FLORES, V. N; TEIXEIRA, M. Introdução

à Linguística da Enunciação. São Paulo:

Contexto, 2008, p. 63-71.

Para Ducrot, a abordagem dada pela Semântica Formal ao estudo do significado é inadequada por-que situa a referência, ou seja, o conceito de verda-de, fora da linguagem, pois

na Semântica Formal, a linguagem é um meio para alcan-çarmos uma verdade que está fora da linguagem, o que nos permite falar objetivamente sobre o mundo e, consequen-temente, adquirir um conceito seguro sobre ele (Oliveira,

2006:27).

Afastando-se dessa perspectiva teórica que vê o sen-tidocomocaminhoparaalcançarmosumaverdade

1 Lingüista e gramático, Émile Benveniste (1902-1976) desenvolveu, dentro da corrente estruturalista, a noção de enunciação e a definiu como a apropriação da língua pelo locutor que a coloca em funcionamento. Pensando esse processo enquanto um aparelho formal de enunciação, reflete sobre a função dos dêiticos pessoais (eu-tu) e dêiticos espaço-temporais (esse, este, aqui, amanhã etc) enquanto conjunto de marcas que envolvem uma situação de enunciação. Segundo ele, esses parâmetros que estão implicados no processo enunciativo e que são descritos como o locutor, o interlocutor, o lugar e o momento são construídos no interior da frase e sua natureza é estritamente lingüística.

Page 13: Semantica e Aprendizagem

13Capítulo 1

“É porque falamos de algo que esse algo passa a ter sua existência no quadro criado pelo próprio discurso”, diz

Oliveira (2006:28).

2.3.3. SemânticA cognitivA

GeorgeLakoffeMarkJohnsonsãoosteóricosquelançaram, em 1980, os alicerces conceituais da Se-mântica Cognitiva a partir da publicação de Meta-phors we live by. Esse campo dos estudos semânticos postula que o significado é que é central nos tra-balhos sobre a linguagem. Essa afirmação vai deencontro à abordagem gerativa que elege a sintaxe como central nos estudos linguísticos. Embora re-cente,aSemânticaCognitivacontahojecomvá-rios pesquisadores que investigam vários níveis de análise da linguagem. Além da centralidade dada ao estudo do significado, os pesquisadores desse campo asseveram que a forma é proveniente do significado e não o contrário, como pensam os for-malistas. Essa mudança estabelecida pelos seman-ticistas cognitivos inscreve a Semântica Cognitiva na perspectiva de estudos linguísticos denominada funcionalismo.

Se, para a Semântica Cognitiva, os significados emergem da nossa relação sensório-corpórea com o mundo, então pensar, dentro desse quadro te-órico, em uma relação de correspondência direta entre linguagem e mundo torna-se inviável. Desse modo, a Semântica Cognitiva afasta-se de uma vi-são de significado que se baseia na referência e na verdade. Nessa perspectiva, “a significação lingüís-tica emerge de nossas significações corpóreas, do movimento dos nossos corpos em interação com o meio que nos circunda” (Oliveira, 2006:34).

Antes de finalizar este tópico, reiteramos o fato de que um enunciado se constitui de vários enuncia-dores que, por sua vez, constroem o quadro que institui o espaço discursivo onde o(s) sentido(s) se constitui(em). Assim, ao enunciarmos, colocamos em cena vários enunciadores, cujas vozes dialogam no sentido de levar o ouvinte a aceitar essas vozes que se encontram pressupostas no enunciado, de modo que possamos convencê-lo da nossa verdade. Vejamos como isso acontece:

Maria parou de fumar.E¹: Maria fumava.E²: Maria não fuma mais2.

Essa enunciação põe em jogo dois enunciadores: um que diz que Maria fumava e refere-se àquilo que se encontra pressuposto no enunciado e outro que diz que Maria não fuma mais e tem a ver com o pos-to. Desse jogo discursivo, estabelece-se o quadro enunciativo que sustenta o(s) sentido(s) possível(is) para um enunciado.

atividade |Pesquise e elabore um quadro com os concei-tos centrais da teoria da Semântica da Argu-mentação: Locutor, Enunciado, Enunciador, Polifonia, Pressuposição e Argumentação.

VOCÊ SABIA?

Em 1969, Ducrot apresenta as primeiras re-

flexões acerca do conceito de pressuposição.

De acordo com ele, o enunciado produzido

por um locutor pode ser desdobrado em dois

atos ilocutórios: ato de asserção (posto) e ato

de pressuposição (pressuposto). O posto cor-

responde ao que está dito no enunciado, de

exclusiva competência do locutor que, atra-

vés dele, garante a realização do discurso:

as novas informações se encadeiam e o faz

progredir. Já o pressuposto possibilita ao lo-

cutor dizer implicitamente algo, recorrendo

ao interlocutor para, juntos, interpretarem o

que foi dito (GUERRA, 1999).

2 Exemplo extraído do livro Introdução à lingüística: domínios e fronteiras organizado pelas professoras Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes.

VOCÊ SABIA?

Formalismo: as teorias ditas formalistas vão

eleger a forma linguística como objeto de in-

vestigação em detrimento da função. Nessa

vertente teórica, encontram-se os trabalhos

de Ferdinand de Saussure e Noam Chomsky.

Funcionalismo: vertente teórica que com-

preende os trabalhos de linguistas que, sem

deixar de considerar a forma em suas in-

vestigações, deram prioridade à função da

língua em situações concretas de uso. Ins-

crevem-se nessa perspectiva, teóricos como

Michael Halliday e Roman Jakobson.

Page 14: Semantica e Aprendizagem

14 Capítulo 1

Agora vamos entender melhor como trabalha aSemântica Cognitiva. Segundo essa vertente dos estudos semânticos, os significados estão ancora-dos nas experiências sensório-motoras que fazemos do mundo. Por exemplo, a criança, no período de aquisição, assimila esquemas relacionados à noção de espaço ao se movimentar em direção a determi-nados alvos. Esse esquema,

que surge diretamente de nossa experiência corpórea com o mundo, ancora o significado de nossas expressões lin-guísticas sobre o espaço. Assim sendo, o significado linguís-tico não é arbitrário, porque deriva de esquemas sensório--motores. São, portanto, as nossas ações no mundo que nos permitem apreender diretamente esquemas imagéticos espaciais e são esses esquemas que dão significado às nos-

sas expressões linguísticas (Oliveira, 2006:34).

A esse esquema relacionado a deslocamentos espa-ciais, os semanticistas cognitivos nomearão CAMI-NHO. Daí a produção de sentidos em sentenças como:

referÊnciaS

ARAÚJO, I. L. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

FLORES, V. N; TEIXEIRA, M. Introdução à Lin-guística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

reSumO

Nesse primeiro capítulo, nossa intenção foi apresentar a você, querido estudante, os percur-sos históricos envolvidos na construção de um objeto de estudos: o significado. Com essa finalidade em mente, desenvolvemos um roteiro de estudo que permitisse, dentro do espaço reservado a este capítulo, a apropriação das bases históricas que precederam o desenvol-vimento dos estudos sobre o significado numa perspectiva das teorias linguísticas que se destacam no cenário dos estudos sobre a língua(gem). Assim, passamos do conhecimento histórico da disciplina Semântica aos campos epistemológicos que definiram diferentes pon-tos de vista para dar conta do fenômeno da significação e daí podemos apresentar as três abordagens teóricas (Semântica Formal, Semântica Argumentativa e Semântica Cognitiva) que se destacam no campo dos estudos do significado. No próximo capítulo, analisaremos diferentes fenômenos relacionados ao sentido das sentenças, de modo que passaremos de um conhecimento teórico à aplicabilidade desse conhecimento em análises de sentenças variadas. Assim procedendo, acreditamos estar em consonância com aquilo que o curso propõe: criar situações de aprendizagem das noções gerais relativas à Semântica.

Viajei de Recife a Surubim.

De acordo com a proposta teórica de Lakoff, oque dá sentido a essa sentença não é sua relação direta com o mundo, mas o esquema imagético CAMINHO. É essa memória - que tem a ver com o movimento - que sustenta o sentido da referida sentença. O significado nem é uma questão da re-lação da língua com o mundo nem dos enuncia-dos entre si, mas de cognição. Logo, o que dá sen-tido às nossas palavras são os esquemas cognitivos que se estruturam na relação que estabelecemos com o mundo.

atividade |Pesquise sobre os esquemas RECIPIENTEe BALANÇO dentro do quadro teórico de Lakoffeentendamelhorsuapropostateóricaacerca do sentido.

GUERRA, V. M. L. A pressuposição no jogo po-lifônico e argumentativo do discurso político. Disponível em: http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v2n2/C_guerra.pdf

ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 1990.

LYONS, J. Introdução à linguística teórica. São

Page 15: Semantica e Aprendizagem

15Capítulo 1

Paulo: Ed. Nacional: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.

OLIVEIRA, R. P. Semântica. In: MUSSALIN, F.; BENTES. Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. vol. 2. 5. ed.São Paulo: Cortez, 2006.

OLIVEIRA, R. B. Semântica Formal: uma breve introdução. Campinas: SP: Mercado de Letras, 2001.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 26. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

TAMBA-MECZ, I. Semântica. São Paulo: Pará-bola Editorial, 2006.

Page 16: Semantica e Aprendizagem
Page 17: Semantica e Aprendizagem

17Capítulo 2Capítulo 2

ementa

Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia, antonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. As semânti-cas estrutural e cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Semân-tica e Pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do en-sino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

ObjetivOS eSPecíficOS

• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmáticalinguística;

• Refletiracercadosprocessosdeconstruçãodosentidoacombasenasperspec-tivas teóricas, concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática;

• Possibilitaroconhecimentodosdiversosrecursoslinguísticosagenciadosnaprodução de sentido.

intrOduçãO

Caro(a) estudante,

Num primeiro momento dos nossos estudos de Semântica, privilegiamos o co-nhecimentoacercadopercursohistóricoquedefiniuumobjetodeinvestigaçãopara a Semântica e os desdobramentos teóricos que a disciplina sofreu após a delimitação do seu objeto: a significação. Neste segundo capítulo, procuraremos abordar alguns fatos que envolvem reflexões e problemáticas acerca da significa-ção. Desse modo, não nos preocuparemos em eleger uma teoria, entre outras, para tratar esses fatos, mas traremos contribuições de diferentes teorias que não serãoespecificadasaolongodotrabalho,demodoqueotratamentodasquestõesque envolvem o sentido receberá contribuições de teorias que se encontrarão di-luídas na abordagem dessas questões. Além disso, este capítulo tem a pretensão de trazer reflexões que ajudem na construção de um estudante capaz de repensar os modelos semânticos estabelecidos pela Gramática Normativa, a fim de proble-

Semântica: cOnceitOS fundamentaiS

Prof. Luciano Taveira de AzevedoCarga Horária | 15 horas

Page 18: Semantica e Aprendizagem

18 Capítulo 2

matizar modelos de apresentação dos fatos semân-ticos. Desse modo, esse estudo passa pela forma linguística e usos dessas formas em contextos es-pecíficos que determinam os processos comunica-tivos e seus respectivos efeitos de sentido. Assim procedendo, o estudante interessado nos processos designificaçãoabrirácaminhosquenãoseaterãoapenas à forma linguística descontextualizada e sem vínculo com a situação concreta de uso da lín-gua,maspercorreráaquelescaminhosquetomama língua em seus aspectos formais e enunciativos. É com esse propósito que abrimos o segundo ca-pítulo deste livro, de modo que convidamos você, caroestudante,acaminharconosco, imbuídodeum espírito reflexivo e disposto a debruçar-se sobre as questões que envolvem a produção de sentidos.

Prof.º Luciano Azevedo

1. SinOnímia e ParáfraSe

O repertório lexical que determinadas línguas natu-rais dispõem permite que o falante utilize palavras ou expressões no lugar de outras sem que o sentido sofraalterações.Entretanto,nenhumalínguautili-za duas palavras ou expressões para dizer a mesmís-sima coisa. Isso representaria um desperdício, uma vez que teríamos à disposição palavras e expressões que teriam sempre o mesmo sentido em qual-quercontextoderealização(FERRAREZI,2008).

Desse modo, palavras sinônimas são aquelas que podem ser substituídas por outras, de maneira que o sentido permaneça basicamente o mesmo, ou seja,palavrasquemantêmsemelhançadesentido.Isso não significa dizer que as palavras sinônimas têm o mesmo sentido em todo e qualquer contex-to comunicativo, mas que mantêm entre si uma relação de sentido que não é determinada apenas pela forma linguística, uma vez que o contexto é imprescindível quando consideramos processos de significação. Assim, a relação de sentido não deve ser referida apenas à forma linguística estruturada em frases ou orações, mas ao contexto comunicati-vo que determina os sentidos possíveis de uma pa-lavra em processos enunciativos concretos. O pen-sadorrussoMikhailBakhtin(2006:271)declara:

Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas neces-sidades enunciativas concretas (para o locutor, a constru-ção da língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas

(admitamos, por enquanto, a legitimidade destas) num dado contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto.

Areflexãobakhtinianasobrealinguagemeareali-zação dela partem desse lugar que traz na esteira da sua formulação o contexto e os sujeitos envolvidos na situação enunciativa. É no fluxo da comunica-ção discursiva que a língua se realiza sob a forma de enunciados concretos e os sentidos se atualizam.

Embora a Semântica se ocupe da análise linguísti-ca, referida aos processos de produção de sentidos, procuramos antecipar reflexões que incluam a si-tuação de comunicação que envolve e determina esses processos.

SAIBA MAIS!

Para conhecer o pensamento do filósofo

Mikhail Bakhtin (1895-1975), indico a lei-

tura dos livros:

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação ver-

bal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BAKHTIN, M. M.; VOLOSHINOV, V. Marxis-

mo e filosofia da linguagem: problemas

fundamentais do método sociológico na

ciência da linguagem. 10. ed. São Paulo:

Hucitec, 2002.

FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as

ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin.

São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

BETH, Brait. Bakhtin e o Círculo. São Paulo:

Contexto, 2009.

A descrição das relações de sentido estabelecidas pela substituição de uma palavra por outra deve considerar as relações que se estabelecem no ní-vel da forma/estrutura e da função/enunciaçãode uma língua dada. Com base nisso, podemos reconhecer relaçõesde sentidoentre construçõesgramaticais e efeitos de sentido originados em con-textosenunciativos(ILARI;GERALDI,1990).

Page 19: Semantica e Aprendizagem

19Capítulo 2

Paraentendermelhorasinonímia,vejamosumexemplo:Leia o e-mail abaixo:

VOCÊ SABIA?

“sinonímia

A sinonímia pode ter duas acepções diferentes: ou dois termos são ditos sinônimos quando

têm a possibilidade de se substituírem um ao outro num único enunciado isolado (para uma

palavra dada, a lista de sinônimos é então importante), ou os dois termos são ditos sinônimos

(sinonímia absoluta) quando são intercambiáveis em todos os contextos. Então, não existem

verdadeiros sinônimos senão entre duas línguas funcionais (por exemplo, em português, em

zoologia, a nomenclatura científica e a nomenclatura popular oferecem numerosos exemplos

de sinonímia absoluta). Além disso, duas unidades podem ter o mesmo referido e só se em-

pregar em contextos diferentes: o copo de pinga é, sem dúvida, um copo de aguardente, mas

o aparecimento de um ou de outro depende de tais restrições que há poucas oportunidades

de eles serem facilmente intercambiáveis se tivermos em conta o contexto sociocultural. É mais

em termos de graus que se pode falar de sinonímia; ela tornar-se-á, assim, simplesmente a

tendência das unidades do léxico de terem o mesmo significado e de serem substituíveis umas

pelas outras. A sinonímia pode, então, ser completa ou não, total ou não. [...]

A sinonímia depende do contexto, muito mais que as outras relações de sentido (hiponímia,

antonímia). Ela não é, contudo, indispensável à língua. Poder-se-ia muito bem exprimir tudo o

que se tem que dizer sem sinônimos. [...]” (Dubois et alii, 2006:555-556)

Font

e: C

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004

Page 20: Semantica e Aprendizagem

20 Capítulo 2

Esse e-mail apresenta palavras ao longo do texto que substituem Mirella, destinatária da mensagem. São elas: menina, garota, criança, jovem e mulher. Em-bora algumas palavras denotem aspectos distintos do referente (p. ex., jovem e mulher aproximam-se mais da figura adulta, enquanto menina, garota e criança da figura infantil), essas palavras têm o mesmo referente, ou seja, Mirella. Podemos, então, concluir que essas palavras (menina, garota, criança, jovem e mulher) são sinônimas, uma vez que substi-tuem Mirella sem prejuízo de sentido. Esse é um caso típico de sinonímia lexical. Esse tipo de sinoní-mia ocorre no nível do léxico e pode ser verificada entre pares de palavras cujos significados são seme-lhantes.Éoqueaconteceentreaspalavrassecareenxugar, por exemplo. Vamos analisar outro texto.

identidAde

Às vezes nem eu mesmoSei quem sou.Às vezes sou“o meu queridinho”,Às vezes sou “moleque malcriado”.Para mimTem vezes que eu sou rei,Herói voador,Caubói lutador,Jogador campeão.Às vezes sou pulga, Sou mosca também,Que voa e se escondeDe medo e vergonha.Às vezes eu sou Hércules,Sansão vencedor,Peito de aço,Goleador!Mas o que importaO que pensam de mim?Eu sou quem sou,Eu sou eu,Sou assim, Sou menino.(Pedro Bandeira. Cavalgando o arco-íris. São Paulo. São Paulo: Moderna, 1993.)

O eu-lírico do poema de Pedro Bandeira pode ser identificado como uma criança, um menino. Esse eu-lírico, ao longo do poema, descreve as ma-neiras como é visto pelos outros de acordo com o comportamento que apresenta. Desse modo, “o meu queridinho”, “moleque malcriado”, heroi voador, cauboi lutador, jogador campeão, entre outras quali-ficações, possuem o mesmo referente: o menino.

Arelaçãodesemelhançaentreossentidosdessaspalavras é clara, mas isso só é possível dentro do contexto específico do poema. Certamente em outro contexto comunicativo, não seria possível fazer a substituição da palavra menino por pulga, Hércules, Sansão vencedor e peito de aço, de maneira que a substituição de menino por todas essas pala-vraseexpressõessemquehajaprejuízodesentidosó é possível considerando o contexto construído pelo próprio poema. Apenas fazendo referência emobilizandoos conhecimentos relacionados àssituações e comportamentos vivenciados por uma criança é possível aproximar sentidos como os de menino e mosca. A sinonímia, nesse poema de Pe-dro Bandeira, também se dá no nível do léxico, mas, para estabelecermos as relações de sentido entre as palavras sinônimas, é imprescindível mo-bilizarmos uma série de elementos contextuais que tornam possíveis essas relações.

Aparáfraseéumarelaçãodesemelhançadesen-tido entre frases, de modo que “certas expressões possam ser substituídas por outras, comprometen-do um pouco mais o sentido geral do texto, mas sem alterar a coisa representada (...), ou seja, o refe-rente” (Ferrarezi, 2008:157).

Palavras sinônimas podem servir de base para o estabelecimento das relações parafrásticas. Essas relações, como a sinonímia, devem ser analisadas levando em consideração a forma da expressão e o contexto de uso em que são realizadas. Ainda segundo Ferrarezi (2008:160),

embora,quandousamosparáfrases,semantenhaomesmoreferente representado, uma das peculiaridades desse tipo de substituição é a de que novos aspectos desse referente passam a ser enfocados e isso pode alterar bastante o sen-tido geral do texto. Inclusive, algumas vezes, pode-se usar desse expediente, de propósito, para ressaltar característi-cas positivas ou negativas de algo ou alguém que está sendo

representado.

As relações de paráfrase vão bem além do exemplo apresentado abaixo, uma vez que dizemos e produ-zimos sentidos valendo-se de dizeres anteriormente produzidos, ou seja, com base no já-dito. Assim sen-do, não podemos falar em textos e em sentidos des-providos de relação com outros textos e sentidos historicamenteproduzidos.Arelaçãoparafrásticaé constitutiva da linguagem e os textos que produ-zimos sempre encontram outros textos nos quais se assentam. Vamos ao exemplo.

Page 21: Semantica e Aprendizagem

21Capítulo 2

A cidAde de gArAnhunS

A Suíça pernambucana.A cidade cercada por sete colinas.A terra de Simôa Gomes.A cidade onde o Nordeste garoa.

Nesse exemplo, em todas as sentenças, estamos falando do mesmo referente: a cidade de Gara-nhuns. Isso estabelece entre essas sentençasumarelação de paráfrase, uma vez que o referente per-manece o mesmo em todas elas. Nessas sentenças, foram ressaltados aspectos positivos dessa cidade e apresentadas novas informações acerca do referen-te. Embora o referente seja o mesmo em todas as sentenças, as novas informações alteram o sentido das frases, mas não o referente. É isso que, a prin-cípio, determina uma relação parafrástica.

atividade |Atente para o par secar/enxugar. Esse par énormalmente usado como sinônimo, de modo que nas frases “Eu sequei a louça.” e “Eu en-xugueialouça.”nãohádúvidaquantoàseme-lhançadesignificadoexistenteentreessepar,de modo que uma pode ser usada pela outra sem prejuízo de sentido. Agora vejamos o se-guinte: na frase “Após revisão, enxuguei o tex-to.” a palavra enxugar deixa de estabelecer uma relação de sinonímia com a palavra secar, de maneira que você não poderia dizer “Eu sequei o texto.” e esperar que o ouvinte atribua o mes-mo sentido a essas palavras.

Disso, podemos concluir que a sinonímia é um fenômeno que não deve ser analisado levando em consideração apenas a forma das palavras. É imprescindível relacionar a forma linguística ao contexto de uso, a fim de decidirmos pela semelhançaounãodesentidosexistentesen-tre as palavras.

Pensando nisso, formule frases (com base na lista abaixo) em que essas palavras funcionem como sinônimas e frases em que elas não fun-cionem como sinônimas.

a.firme/sólidob.dar/oferecerc.cão/cachorrod.feliz/contentee.difícil/complicadof.belo/bonito

2. hiPônimO e acarretamentO

Observe este conjunto de sentenças:

a. Colhifloresaolongodocaminho.b. Colhiorquídeasaolongodocaminho.

A relação de sentido entre as sentenças é resultado da relação de acarretamento ou consequência que se estabelece por meio das palavras flores e orquí-deas. Assim, o falante que afirma a não terá pro-blemas em aceitar a verdade apresentada em b. Ele a aceita necessariamente. Em Moura (2006:15), lemos:

“a definição de acarretamento é a seguinte: se uma propo-sição a implica uma proposição b, isso significa que se a é

verdadeira, então b é necessariamente verdadeira.”

No exemplo acima, essa relação é possível porque flores e orquídeas encontram-se inseridas num mesmo campo de significados.

Essa relação de sentido entre as palavras flores e or-quídeasédenominadodehiponímia.ASemânticaentendeporpalavrashipônimasaquelasqueper-tencem ao mesmo campo semântico, por exemplo:

A FloriStA

Na loja de floresorquídeas, margaridas,cravos, rosas e camélias.Azuis, vermelhas e amarelas,varrem para longe o tédio da tarde.

É o campo que invade esse pequeno espaçocom suas aquarelas.

Para a floristaas flores são como beijossão como filhas,são como fadas disfarçadas.(Roseana Murray, 1990:38)

O eu-lírico, nesse poema, expressa a alegria trazi-dapelasfloresquerepresentamumpedacinhodocampo a expulsar o tédio característico do espaço urbano. Na primeira estrofe do poema, o eu-lírico utiliza-se de uma forma mais geral, flores e, em se-guida, emprega formas específicas, como orquídeas, margaridas, cravos, rosas e camélias. As relações de

Page 22: Semantica e Aprendizagem

22 Capítulo 2

Otextojornalísticoabaixoexemplificaousodehi-pônimosehiperônimosnaconstruçãodotextoesuas implicações para o processo de compreensão. O jogo que o autor realiza ao usar palavras per-tencentes ao mesmo campo de sentido permite a retomada de referentes, de modo a evitar repetição de palavras e garantir a coesão textual. Além disso, o autor especifica a variedade de plantas (caxeta, guapuruvu, palmito juçara) e animais (papagaio-de--cara-roxa, guará, macacos burgio e mono-carvoei-ro, onça-pintada, mero, tartaruga-marinha-verde)presente na região do Lagamar e torna o texto mais interessante, dinâmico e digno da credibilidade do leitor. Essas retomadas ao longo do texto permitem acessar o mesmo referente por meio de diferentes sentidos. O uso adequado desse mecanismo é fun-damental para a construção da progressão textual.

Lagamar tem espécies raras e ameaçadas

Graças à variedade de plantas já registradas na re-gião (cerca de 1.200, incluindo espécies caracterís-ticas como a caxeta, o guapuvuru e o palmito juçara), o Lagamar é uma das regiões de maior diversidade de aves do planeta. Abriga também animais raros e ameaçados como papagaio-de-cara-roxa, guará, maca-cos burgio e mono-carvoeiro (maior primata das Amé-ricas), onça-pintada, mero, tartaruga-marinha-verde, entre outras.[...]

sentido entre as formas específicas e a forma geral são dadas pela pertença dessas palavras ao mesmo campo semântico, qual seja, o das flores. Isso faz das orquídeas, margaridas, cravos, rosas e camélias hi-pônimas de flores. Estabelecer essas relações de sen-tido quando processamos a leitura de um texto é fundamental para sua compreensão, uma vez que formashiperônimas(flores)podemserretomadasaolongodotextoporformashipônimas(orquíde-as, margaridas, cravos, rosas, camélias), de modo a conferir coesão e coerência ao texto.

atividade |Levando em consideração o que foi exposto acerca de palavras hipônimas e hiperônimas,construa pequenos textos com bases nas pala-vrashiperônimaselencadasnarelaçãoabaixo.Lembre-sedequeoshipônimoscumpremumpapel importante na construção dos textos, pois conferem coesão a eles, garantindo seu encadeamento lógico e evitando repetições.

a. festab.dinheiroc.faltadedinheiro

3. SentidOS imPlícitOS: PreSSuPOStO e imPlicatura

Os sentidos produzidos em situações de comunica-ção verbal pelos falantes de uma língua dada não se esgotam na organização estrutural dessa língua, ou seja, nem tudo que dizemos encontra-se explíci-to nas palavras da língua. Se assim fosse, se a cada interação verbal tivéssemos que explicitar para nos-so interlocutor tudo o que não está dito em nossas palavras, o investimento linguístico num processo de comunicação verbal seria desgastante, prolixo e, talvez, impossível. Dito isso, podemos afirmar que nem tudo está dito nas sequências verbais que produzimos em nossas interações, de modo que o sentido dos textos que produzimos em toda e qual-quer situação de comunicação dependem daquilo que está implícito em nossas palavras e que podem

SAIBA MAIS!

Os termos coesão, coerência, referenciação

e progressão textual são empregados numa

disciplina voltada para o estudo do texto e

que constitui uma subárea da Línguística: a

Linguística Textual. Aprofunde esses termos,

bem como outros importantes para o enten-

dimento dos processos que envolvem a pro-

dução textual, lendo os seguintes capítulos:

KOCH, I. V. Desvendando os segredos do

texto. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2006, p. 121-

132.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise

de gêneros e compreensão. São Paulo: Pará-

bola Editorial, 2008, p. 93-139.

VOCÊ SABIA?

“Hiperônimo é o termo cuja significação

inclui o sentido (ou os sentidos) de um ou

de diversos outros termos chamados hi-

pônimos. O sentido do nome da parte de

um todo é hipônimo do sentido do todo

que é o seu hiperônimo. Assim, animal

é o hiperônimo de cão, gato, burro etc.”

(Dubois et alii, 2006:323).

Page 23: Semantica e Aprendizagem

23Capítulo 2

seracessadospormeiodoconhecimentodemun-do, do contexto, da situação de comunicação etc. Ferrarezi (2008:174) diz que

compreender integralmente os sentidos possíveis em uma língua engloba, também, ser capaz de compreender o sen-tidos implícitos, aqueles que vão além do que foi aberta-mente dito e também como somos capazes de suscitar esses

implícitos usando uma língua natural.

Atualmente esse princípio da implicitude que de-termina os sentidos representa um consenso entre osestudiososdalinguagemeparecenãohaverdis-cordâncias em relação a esse aspecto constitutivo dos processos de significação. É comum encontrar-mos nos manuais de linguística que tratam do as-sunto: nem tudo está dito no dito. O que, à primeira vista, parece uma tautologia representa uma ideia compartilhadaeconsensualentreosestudiososdalinguagem. Assim, algumas informações podem ser inferidas valendo-se da sentença por meio de um raciocínio baseado na própria sentença ou por meiodeumtrabalhoorientadopela situaçãoco-municativa. Só para ilustrar, imaginemos a seguin-te situação:

Um casal de namorados encontra-se num restaurante para comemorar o noivado. Enquanto o garçom serve a mesa, a moça o chama e diz:- Tem uma mosca no meu prato.O garçom retira o prato e leva para a gerência avaliar a situação.

Atente para o fato de que a moça não precisou dizer tudo ao garçom, pois o contexto permitiu que ele fizesse uma “leitura” daquilo que não es-tava dito no enunciado da moça. De acordo com oconhecimentoquetemosdessetipodesituação,sabemosque,quandochamamosaatençãodogar-çom de um restaurante para uma mosca caída no prato, na verdade, não queremos apenas mostrar queháumamoscaemnossoprato,maspedirpro-vidências. É a situação que permite esses outros sentidos serem “ouvidos” pelos interlocutores in-seridos num processo comunicativo.

Na esteira dos fenômenos ligados aos implícitos, encontramos o pressuposto e a implicatura. Vamos começar refletindo acerca do pressuposto toman-do-se por base as sentenças abaixo:

a. João parou de fumar. b. Maria quebrou o vaso.

Nessas duas sentenças, a análise passa por dois níveis: o primeiro diz respeito ao posto, ou seja, àquilo que está explícito no enunciado e aponta para o sentido literal das palavras que o compõem. Desse modo, em a somos informados de que João parou de fumar e em b de que Maria quebrou o vaso. Num segundo nível, a enunciação de a e b im-plicam a consideração de outras informações que não estão ditas literalmente nos enunciados, mas podem ser inferidas valendo-se dessas sentenças. Nesse sentido, inferimos de a que Pedro fumava antes e de b que o vaso está quebrado.

Assim, denominamos, de acordo com Ducrot (1987), de conteúdo posto a informação literal das pa-lavras de uma sentença, e de conteúdo pressuposto ou pressuposição as informações a serem inferidas com base na própria sentença. Dito isso, podemos con-cluir que o conteúdo posto depende do conteúdo pressuposto, ou seja, aceitar a verdade do posto im-plica aceitar a verdade contida no pressuposto. A fim deesclarecermelhor,citamosFerrarezi(2008:174):

Quando eu digo “O carro da sua mãe quebrou.”, além de minhaafirmaçãosobreaquebradocarro,euestou“dizen-do” mais algumas coisas que são necessárias para a com-preensão da frase ou que dela decorrem. Algumas delas parecem bem claras: 1. “Você tem mãe”; 2. “Sua mãe possui um carro”; 3. “Carros são do tipo de coisas que quebram.”

Se o pressuposto é inferido valendo-se do sentido literal das palavras, a implicatura é “um tipo de inferência pragmática, baseada não no sentido literal das palavras, mas naquilo que o locutor pretendeu transmitir ao interlocutor” (Moura, 2006:13). Para entender a implicatura, pensemos na seguinte situação:

Font

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ttp:

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s.blo

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t.com

/200

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Page 24: Semantica e Aprendizagem

24 Capítulo 2

Nachargeacima,oenunciadornãoproduzotextocomaintençãodequeoentendamosliteralmente.Seassimofosse,achargeperderiasuafunçãosocialqueépromoverumareflexãoacercadeumasituaçãosocial, política, econômica etc, com base nos sentidos implícitos ao texto. Quando o enunciador põe em cenapaiefilhoconversandosobreummorroqueestáprestesadesabarevivendoemcondiçõessubu-manas, ele não pretende afirmar a crença de que extraterrestres são seres detentores de uma inteligência superioradoshumanos.Nãoéessaasuaintenção.Nessetexto,alinguagemverbalenão-verbaldialogame constroem o sentido do texto que traz implicado uma crítica aos poderosos, governos e instituições que relegamumaparcelasignificativadasociedadeàmiséria.Eissoéprovadepoucaounenhumainteligência.

Assim, quando enunciamos uma sentença em que aquilo que é dito não tem aparentemente nada a ver com o que deve ser entendido, temos um caso de implicatura.

Embora pressuposto e implicação constituam sentidos inferidos valendo-se do posto, ou seja, do enuncia-do efetivamente realizado, compreendem fenômenos distintos e não devem ser tomados um pelo outro indistintamente1.

atividade |Os enunciados produzidos em anúncios publi-citários representam um verdadeiro celeiro de sentidos implícitos. Uma vez que a intenção da propaganda é convencer o interlocutor a com-prar o produto que anuncia, a produção de im-plícitos nos anúncios faz parte das estratégias de convencimento. De acordo com isso, leia as frases de efeito retiradas de anúncios publica-dos na revista Veja de 17 de março de 2010 e aponteoquehádeimplícitonestesenunciados:

1 Sobre essa questão, recomendo a leitura do tópico Pressuposto e Acarretamento que se encontra em MOURA, M. M. H. Significação e contexto: uma introdução a questões de Semântica e Pragmática. Florianópolis: Insular, 2006, p. 15-17.

VOCÊ SABIA?

Enunciado e enunciação apareceram ao longo do texto, de modo que julgamos necessário escla-

recer melhor esses termos segundo o Dicionário de Linguística de Dubois et alii (2006):

EnunciadoA palavra enunciado designa toda sequência acabada de palavras de uma língua emitida por um

ou vários falantes. O fechamento do enunciado é assegurado por um período de silêncio antes

e depois da sequência de palavras, silêncios realizados pelos falantes. Um enunciado pode ser

formado de uma ou de várias frases; pode-se falar de enunciado gramatical ou agramatical,

semântico ou assemântico. Pode-se acrescentar ao enunciado um adjetivo que qualifique o tipo

de discurso (enunciado literário, polêmico, didático etc). Um conjunto de enunciados constitui

os dados empíricos (corpus) da análise linguística; segundo a teoria utilizada, esta implicará os

enunciados produzidos ou predirá os enunciados possíveis em relação às regras que regem as

frases desse corpus.

EnunciaçãoA enunciação, cuja importância foi sublinhada por CH. Bally em seu livro Linguistique générale

et linguistique française, é uma noção muitas vezes vaga. Enunciação opõe-se a enunciado, no

sentido mais corrente dessa palavra, como fabricação se opõe a objetivo fabricado. A enunciação

é o ato individual de utilização da língua, enquanto enunciado é o resultado desse ato, é o ato

de criação do falante. Assim, a enunciação é constituída pelo conjunto dos fatores e dos atos que

provocam a produção de um enunciado.

SAIBA MAIS!

Não deixe de aprofundar seus conheci-

mentos sobre pressuposto e acarretamen-

to com a leitura do livro:

ILARI, R. Introdução à semântica: brincan-

do com a gramática. São Paulo: Contexto,

2001, p. 85.

Page 25: Semantica e Aprendizagem

25Capítulo 2

a. Pratique EcoSport 2011.b.AudiS3.Nossosengenheiroscontamcava-los antes de dormir. E sofrem de insônia.c.SuzukiSX4.Tãomodernoqueéoprimeirocarro lançado no twitter.

4. POliSSemia e ambiguidade

As palavras de uma língua não possuem apenas um sentido literal e fixo, mas podem assumir dife-rentessentidosquelhessãoatribuídosconformeocontexto em que figura. Desse modo, o sentido li-teral é apenas uma possibilidade de sentido, entre outras,queumapalavraabrigaemseuhorizonteenunciativo. A significação resulta de um processo determinado por fatores extralinguísticos, como os interlocutores, a situação de comunicação, o con-texto mediato e imediato, as representações que os falantes constroem de si e do outro etc. Assim sendo, o sentido de uma palavra possui margens pontilhadasporoutrossentidosquesãopotencia-lizados pelo contexto de uso. Ainda acerca da Po-lissemia, é importante destacar que

essa multiplicidade de sentidos de um sinal é um recur-so importante de economia para as línguas naturais, pois permite multiplicar os textos com o uso de um mesmo e menor conjunto de sinais do que seria necessário se cada

sinal tivesse um e apenas um sentido (Ferrarezi, 2008).

A polissemia constitui um recurso fundamental para a construção textual, uma vez que possibilita ao produtor de textos mover-se por processos de significação que extrapolam os limites do sentido fixo, tal como apresentados pelo dicionário. No que diz respeito à leitura, conhecer os possíveissentidos que uma palavra pode assumir, quando mobilizada em determinados contextos, é impres-cindível para a construção de um processo maior que envolve a interpretação e a compreensão textu-al. Exemplifiquemos:

a. Paula tem uma mãoparacozinharquedáinveja!b. Vamos!Coloquelogoamãonamassa!c. As crianças estão com as mãos sujas.d. Passaram a mãonaminhabolsaenempercebi.

Nas sentenças acima, a palavra mão assume senti-dos diferentes em relação ao contexto comunica-tivo em que é usada. Em c, mão foi usada em seu sentido literal e apresenta a significação atribuída pelos dicionaristas. Já em a, b e d, a palavra mão

admite sentidos diferentes do literal, de modo que em asignificahabilidadeparafazeralgo;emb par-ticipaçãoemumtrabalhoeemd assume o sentido de roubo. No exemplo abaixo, analisaremos o em-prego da polissemia na construção do texto:

Font

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ino.

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Nesse anúncio publicitário, o autor lança mão da polissemia implicada nas palavras broto e mina e promove um deslocamento do sentido literal des-sas palavras – rebento e jazida, respectivamente – para sentidos que estão ligados a movimentos cul-turaisemomentoshistóricosdeusodalíngua.Valelembrarqueoanúnciopublicitáriochamaaaten-ção do leitor para o relançamento de sucessos do movimentomusicalqueficouconhecidonoBrasilcomo Jovem Guarda. Iniciado na década de 60, a Jovem Guarda não apenas implicou um estilo musi-cal, mas também um estilo de vida e linguístico, de modo que algumas palavras e sentidos tiveram esse movimento como berço. Assim, a palavra broto, ge-ralmenteusadaparasereferiràsmulheres,assumeno contexto da Jovem Guarda dos anos 60 o sentido demulherbonita,atraente.Omesmodeslizamentodesentidoécompartilhadopelapalavramina que tem o seu sentido deslocado e representa uma gíria bastante usada pelos jovens das últimas décadas.

A ambiguidade ocorre quando uma sentença ad-mite interpretações alternativas. Isso pode ser veri-ficado na frase abaixo:

a. A secretária disse ao patrão que comprou seu almoço.

No caso de a, a alternativa é de que a secretária pode ter comprado o almoço dela ou do patrão.

Page 26: Semantica e Aprendizagem

26 Capítulo 2

Nessa sentença, a origem da ambiguidade encon-tra-se no pronome possessivo seu que permite a re-tomada de dois antecedentes (secretária e patrão), de modo a produzir a ambiguidade da sentença.

Sobre a ambiguidade, Ilari e Geraldi (1990:57) as-severam que

a ambiguidade nada tem a ver com palavras de duplo sen-tido: cada uma das expressões que a compõem é unívoca, isto é, dotada de um sentido único; o que cria uma dupla

possibilidade de interpretação é a estrutura sintática.

Essa observação dos linguistas é bastante perti-nente, uma vez que o dito “duplo sentido” atri-buído às expressões ambíguas pode ser resolvido quando operamos alterações na organização sin-tática da sentença. Assim, poderíamos eliminar a ambiguidade presente em a por meio da seguinte alteração: A secretária disse ao patrão que comprou o almoço dela. Observe que as interpretações alterna-tivas produzidas pelo uso do pronome seu não são consequências do “duplo sentido” atribuído a esse pronome, mas da estrutura sintática em que o pro-nome é inserido.

A ambiguidade pode gerar problemas de interpre-tação e deve ser evitada sempre que possível, uma vez que sentenças potencialmente ambíguas po-demresultareminterpretaçõesindesejadas(FER-RAREZI,2008).

Se por um lado, a ambiguidade pode gerar pro-blemas relacionados à interpretação da sentença, por outro lado, produz efeitos de sentido que, de acordo com o contexto em que circula e a finali-dade pretendida, não representa problemas para o processamento textual nem a compreensão do sen-tido. Isso pode ser constatado no exemplo abaixo:

conto erótico nº 1

- Assim?- É. Assim.- Mais depressa?- Não. Assim está bem. Um pouco mais par...- Assim?- Não, espere.- Você disse que...- Para o lado. Para o lado!- Querido...- Estava bem mas você...- Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem.

- Estava perfeito e você...- Desculpe.- Você se descontrolou e perdeu o...- Eu já pedi desculpa!- Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora.- Assim?- Um pouco mais pra cima.- Aqui? - Quase. Está quase.- Me diga como você quer. Oh, querido...- Um pouco mais pra baixo.- Sim.- Agora para o lado. Rápido!- Amor, eu...- Para cima! Um pouquinho...- Assim?- Ai! Ai!- Está bom?- Sim. Oh, sim. Oh yes, sim.- Pronto.- Não. Continue.- Puxa, mas você...- Olha aí. Agora você...- Deixa ver...- Não, não. Mais pra cima.- Aqui?- Mais. Agora para o lado.- Assim? Para a esquerda. O lado esquerdo!- Aqui?- Isso! Agora coça.(O rei do rock. Porto Alegre:RBS/Globo,1978.)

Esse pequeno conto de Luis Fernando Veríssimo exemplifica o uso da ambiguidade como recurso de construção a fim de produzir determinados efei-tos de sentido no interlocutor. Nesse caso, a ambi-guidade não representa um problema que compro-mete o sentido global do texto, mas um recurso imprescindível para produzir os efeitos de sentido pretendidos pelo autor.

O título do conto (Conto erótico nº 1) já direciona a interpretação e o leitor inicia a leitura esperando encontrar no texto a representação de uma cena tórrida de amor. O diálogo que estrutura a nar-rativa apresenta marcas que constroem no leitor a expectativa de uma relação erótica. Ao final do texto, essa expectativa é quebrada quando é revela-do para o leitor que as marcas textuais que apon-tavam para uma relação sexual, na verdade, eram indicativas da ação de coçar o outro. É comum en-contrarmos esse tipo de ambiguidade em piadas e anúncios publicitários. Nesses casos, a ambiguida-de representa um recurso de expressão que atende às intenções do autor, de modo que pode ser usada amplamente.

Page 27: Semantica e Aprendizagem

27Capítulo 2

VOCÊ SABIA?

Você sabia que pode baixar gratuitamente o

livro Introdução à Semântica: brincando com

a gramática do Profº Rodolfo Ilari no site Le-

tras USP Download? É só acessar o site:

http://letrasuspdownload.wordpress.com/

category/rodolfo-ilari/ e clicar no link http://

lix.in/-853a36

Aproveite e bons estudos!

SAIBA MAIS!

Ilari (2001) apresenta casos em que a am-

biguidade é resultado da falta de segmen-

tação na fala. Vale a pena ler o capítulo

Ambiguidades de segmentação em seu livro

Introdução à Semântica: brincando com a

gramática (ver referência bibliográfica), a

fim de ampliar o repertório de conhecimen-

to sobre o assunto abordado neste tópico.

atividade |A ambiguidade que ocorre nas anáforas e nas catáforas é resultado da propriedade que cer-tos pronomes têm de retomar ou adiantar ele-mentos textuais. É o que acontece com os pro-nomes possessivos de terceira pessoa (seu, sua, seus, suas) que podem retomar ou adiantar elementos presentes no texto que foram colo-cados antes ou depois desses pronomes. Iden-tifique, nas sentenças abaixo, a ambiguidade presenteeproponhasoluçõesparaeliminá-la.

a. A menina disse ao colega que não concorda-va com sua reprovação.b. Tudo o que eu queria era que João entregas-se logo para José o rádio dele.c. O professor comentou com o aluno as defi-ciências dele.d.Opaipediuàfilhaseuslivros.e. Encontrei meu cliente quando saía do escritório.f. A demissão do ministro causou impacto.

5. a negaçãO

A negação nas línguas naturais ocorre quando ex-cluímos uma possibilidade. Essa exclusão pode ser verificada no uso de palavras, expressões, prefixos etc que carregam um sentido negativo ou são reves-tidos desse sentido em situações específicas de uso. Para Ilari (2001:123),

“diante de uma frase negativa, não é sempre fácil determi-nar de maneira exata o que se pretende negar. A negação interage com outras operações, determinando diferentes

possibilidades de interpretação.”

Desse modo, a negação não se restringe ao uso do advérbio não, uma vez que existem formas de ne-gar quase imperceptíveis ou até mesmo grosseiras. Essas formas são determinadas pela situação social em que se usa a língua.

O conceito de negação apresentado pela gramá-tica tradicional transmite a ideia de que a nega-ção é uma função exclusiva do advérbio não. Ilari (2001:122) elenca algumas possibilidades de nega-ção que vão além daquela apresentada pela gramá-tica tradicional:

a negação pode ser expressa, entre outros meios: • Pelo “não” e por outros advérbios que combi-

nam uma ideia de tempo, como jamais e nunca; • Pelosindefinidosnegativos:nenhum, nada, ninguém; • Poroperadoresantepostosàsentençacomo“éfalso

que...”, “não é verdade que...” • Por conjunções como nem, inclusive na construção

correlativa “nem... nem...” • Porprefixoscomonão- ou sem-:osnão-alinhados,os

sem-terra; • Porverbosauxiliarescomodeixar de etc.

Esse quadro apresentado por Ilari dá uma noção das diversas possibilidades de negação que são agenciadas em contextos determinados, a fim de produzir diferentes efeitos de sentido. Conhe-cer e apropriar-se dessas diferentes possibilidades de negar proporciona ao falante desenvolver sua habilidade expressiva e dispor de novos recursoslinguísticos que poderão ser utilizados em diversas situações de comunicação.

Page 28: Semantica e Aprendizagem

28 Capítulo 2

atividade |Há na lingua portuguesa prefixos que servem para negar, como a-, i-, des- etc.

Verifique as formas de negação das palavras abaixo:

a. moralb. necessário

SAIBA MAIS!

Acesse os artigos abaixo e conheça

mais sobre a negação:

http://www.gel.org.br/estudoslin-

guisticos/volumes/38/EL_V38N1_26.

pdf

http://www3.unisul.br/paginas/ensi-

no/pos/linguagem/0101/04.htm

http://www.celsul.org.br/Encon-

tros/08/estudos_da_negacao.pdf

VOCÊ SABIA?

O linguista francês Oswald Ducrot (Paris, 1930) foi um dos grandes

expoentes no tratamento da negação dentro da perspectiva teórica

da enunciação, argumentação e polifonia. Em co-autoria com Marion

Carel, também linguista, Ducrot escreve As propriedades linguísticas

do paradoxo. Esse artigo apresenta a especificidade dos discursos pa-

radoxais e encontra-se dividido em dois momentos. No segundo mo-

mento, Ducrot e Carel discutem as propriedades formais da negação.

Segue a referência:

Carel; Ducrot (1999b). As propriedades lingüísticas do paradoxo: pa-

radoxo e negação. Tradução de Sheila Elias de Oliveira. Línguas e

instrumentos linguísticos. Campinas: Pontes, nº 8, p. 33-50, 2001b. Font

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reSumO

Chegamos ao fim de mais um capítulo. Durante esse percurso, pudemos entrar em contato com várias questões que envolvem a produção de sentido. Vimos que o significado de uma sentença resulta das relações que as palavras entretêm na estrutura da língua e das relações estabelecidas entre essa estrutura e o contexto em que o processo comunicativo encontra-se inserido.

Tomando-se por base esse olhar lançado sobre os fenômenos linguísticos, trouxemos al-guns casos que envolvem os processos de significação: sinonímia e paráfrase, hipônimo e acarretamento, pressuposto e implicatura, polissemia e ambiguidade e negação. Assim, apresentamos um panorama dos principais casos abordados pela Semântica, a fim de per-mitir a você, estudante do Curso de Letras a Distância, o contato com as noções básicas que configuram esse campo do saber.

Introduzimos, sempre que possível, reflexões que permitissem ao estudante de Letras pensar os fenômenos abordados neste capítulo de maneira crítica. Desse modo, acreditamos ter contribuído com uma reflexão sobre a língua que vai além daquela apresentada pela Gra-mática Normativa.

Page 29: Semantica e Aprendizagem

29Capítulo 2

referÊnciaS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

BANDEIRA, P. Cavalgando o arco-íris. São Pau-lo: Moderna, 1993.

FERRAREZI, Celso Jr. Semântica para a edu-cação básica. São Paulo: Parábola editorial, 2008.

DUBOIS, J. et alii. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2006.

MURRAY, R. Artes e ofícios. São Paulo: FTD, 1990: 38.

MELO, M. M. H. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e pragmá-tica. Florianópolis: Editora Insular, 2006.

VERÍSSIMO, L. F. O rei do rock. Porto Alegre: RBS/Globo, 1978.

Embora a Semântica aporte suas reflexões sobre o sentido, considerando a forma linguís-tica, ou seja, a palavra ou a sentença, decidimos oferecer uma reflexão que passasse pela situação de comunicação em que essa palavra/sentença é realizada. Assim, pudemos an-tecipar uma preocupação que cabe à Pragmática – disciplina que estudaremos no próximo capítulo – e possibilitar ao estudante uma maneira de entender esses processos dentro de uma perspectiva relacional, interativa e contextual. No próximo capítulo, dedicado à Prag-mática, aprofundaremos aspectos do contexto que determinam a produção de sentido.

Page 30: Semantica e Aprendizagem
Page 31: Semantica e Aprendizagem

31Capítulo 3Capítulo 3

ementa

Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia, antonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. A semân-tica estrutural e a cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Se-mântica e Pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do ensino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

ObjetivOS eSPecíficOS

• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmáticalinguística;

• Refletiracercadosprocessosdeconstruçãodosentidocombasenasperspec-tivas teóricas concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática;

• Possibilitaroconhecimentodosdiversosrecursoslinguísticosagenciadosnaprodução de sentido.

intrOduçãO

Caro estudante,

Iniciamos este terceiro capítulo com a apresentação dos princípios teóricos que norteiam o campo da Pragmática. Durante nossa trajetória, não será difícil per-ceber que os campos da Semântica e da Pragmática não são dicotômicos nem excludentes, mas se encontram em permanente diálogo. Assim, contribuições oriundas da Semântica deram à Pragmática um amplo repertório de questões sobre as quais pôde definir seu campo de estudo. Esse diálogo com a Semântica tantoseencaminhanosentidodefazerconvergir,bemcomodenegardetermina-dos pressupostos teórico-metodológicos dessa disciplina. Em relação à Semânti-

Pragmática: PerSPectivaS teóricaS

Prof. Luciano Taveira de AzevedoCarga Horária | 15 horas

Page 32: Semantica e Aprendizagem

32 Capítulo 3

ca, a Pragmática incluirá definitivamente aspectos que foram deixados de fora de uma abordagem do sentido estritamente formal, como o sujeito e a situação de produção dos enunciados. Isso não significa que a Pragmática resolveu, de uma vez por todas, o problema da inclusão do sujeito e do con-textonoprocessodecomunicação.Emboratenhaproduzido uma ruptura em relação às abordagens que excluíram aspectos discursivos no trato da língua(gem), a Pragmática ainda repensa conceitos e métodos e faz avançar o campo. Esse capítulo visa apresentaradisciplinaemsuaconfiguraçãohistó-rica e teórico-metodológica e, sempre que possível, relacionar os estudos pragmáticos às reflexões de-senvolvidas no âmbito da Semântica. Assim, convi-do você, querido estudante, a percorrer um trajeto que fascina porque desvela sentidos ancorados no uso que os falantes fazem da língua(gem).

1. intrOduçãO aO camPO da Pragmática

Os estudos que receberam o nome de pragmática receberam contribuições de diferentes vertentes teóricas oriundas da Linguística e da Filosofia, de modo que, reuni-los sob a mesma etiqueta, é pra-ticamente impossível. Assumindo concepções e ar-cabouço teórico-metodológico diversos, esses estu-dosencaminharam-sepordiferentesabordagensetrouxeram para o âmbito da Linguística aquilo que haviaficadodeforadosestudosestritamentefor-mais da língua, ou seja, a fala. Em Pinto (2006:47), temos que “a Pragmática pode ser apontada como a ciência do uso linguístico. As pessoas que a estu-dam esperam explicar antes a linguagem do que a língua.” Essa análise da língua em uso, conside-rando aspectos extralinguísticos que determinam a forma e o sentido dos enunciados, assentou-se em diferentes aportes teóricos que orientaram a reflexão acerca daquilo que os falantes fazem com a língua(gem) quando a atualizam em enunciações específicas.

Assim, a Pragmática busca, em suas primeiras in-vestigações responder a perguntas do tipo:

Que fazemos quando falamos?, ou seja, Que ação realizamos quando usamos a

língua(gem)?; Quem fala e para quem?;

De que modo a situação determina o sentido do que é dito?;

De que modo elementos extralinguísticos legitimam o dizer?

Essas são apenas algumas das questões que os prag-maticistas levantaram no início das investigações que se desenvolveram sob a etiqueta de pragmática.

De saída encontramos, no início das investigações pragmáticas, aqueles filósofos que excluem o con-texto, os interlocutores e a situação mais imediata na consideração do sentido produzido por uma sentença.Essessãochamadosdefilósofoslógicos:Frege, Russell, Carnap, Bar-Hillel e Quine. Emseustrabalhos, identificamosumatentativanotó-ria em reduzir a análise do significado de uma sen-tença a suas condições de verdade, de modo que uma sentença só é verdadeira quando encontra no mundo sua referência. Ainda sobre esses filósofos, Armengoud (2006:10) afirma que

Eles abordam a dimensão pragmática, isto é, a considera-ção dos falantes e do contexto, como algo que é preciso dominar, seja para dizer que a língua canônica da ciência deve se afastar dela (Frege, Carnap), seja para dizer que é precisoreassimilá-laporeliminaçãooucooptação(Russel,Quine), seja para dizer que, às vezes, é para tratá-la com a

astúciadeumjodoca(Montague,Gochet).

Na outra ponta do iceberg, aparecem aqueles que vão relacionar os fatos da língua aos fatos sociais, históricos,ouseja,discursivos.Asreflexõesdessesautores se aproximam da abordagem pragmática quando incluem aquilo que foi excluído de uma abordagem estritamente formal do sentido: os in-terlocutores e as condições de produção dos dis-cursos. Só para citar alguns: Ducrot, Austin, Sear-le,Bakhtin,Bourdieu,entreoutros.Alémdesses,háaquelesquevinculamosentidodeumenuncia-do ao uso que se faz desse enunciado em contextos específicosdeuso:Wittgenstein,Strawson.Dessemodo, a pragmática passa a ser central em diversas abordagens e interessa tanto à Linguística como à Filosofia, seja para estabelecer filiações em torno doconhecimentoqueocampoproduz,sejaparaseposicionar contra as diferentes perspectivas teóri-cas que passam a ter na Pragmática uma referência.

Embora tenhamos introduzidoestecapítulocoma definição do termo pragmática, nem sempre essa definição foi livre de oscilações. Longe de manter--se imutável, a definição do termo passou por re-visõesasmaisdiversaseassumiu,aolongodahis-tória, significados estreitamente ligados à vertente

Page 33: Semantica e Aprendizagem

33Capítulo 3

SAIBA MAIS!

O linguista Stephen C. Levinson apre-

senta uma discussão interessante no

capítulo primeiro do seu livro, cujo tí-

tulo é Pragmática. Vale a pena percor-

rer em miúdos as diferentes definições

que a pragmática assumiu ao longo do

tempo. Ver referências bibliográficas.

a que estava atrelada. Mas que significados foram atribuídos à disciplina que responde pelo nome de Pragmática?

2. definiçõeS da Pragmática

Aolongodahistóriadaconstituiçãodoseucampode estudos, foram atribuídos à Pragmática diferen-tes definições que emergiam de perspectivas distin-tas. Enfatizando aspectos diversos dos elementos constituidores do uso linguístico, essas definições que se diversificam apontam para a tentativa de organização de um campo de estudos que buscam uma concisão teórico-metodológica e um objeto delimitado.

O termo pragmática apareceu pela primeira vez nostrabalhosdesenvolvidosnofimdoséculoXIXpelofilósofoCharlesPeirce.Éprecisamentenoar-tigo How to make our ideas clear que encontramos a palavra pragmatics. Mais tarde, um dos seguidores dePeirce, o filósófoCharlesMorris (1938), daráao termo o uso que atualmente se faz dele e que pode ser assim entendido: pragmática é o estudo da relação dos signos com os intérpretes, ou seja, os usuários dos signos. Essa relação foi verificada por Morris em estudos que levaram à reflexão de que expressões como Bom dia!, Oh! e Venha aqui! só têm o seu sentido explicitado quando referidas aos usuários da língua. Isso leva Morris a investigar as regras pragmáticas que definem os usos linguís-ticos. Questões como essas ainda seriam tratadas dentro da pragmática linguística, mas Morris foi além e expandiu o alcance da análise pragmáti-ca segundo sua teoria específica da semiótica, de cunhobehaviourista(LEVINSON,2007).Essaex-pansão vai resultar numa definição bastante ampla do termo pragmática, de modo que Morris deta-lhaseuconceitoafirmandoqueessecampodeveabranger os fenômenos psicológicos, biológicos e sociológicos que ocorrem no funcionamento dos signos. Esse uso amplo do termo permitiu que a pragmática figurasse em produções científicas tão díspares, como publicações que tratam da psicopa-tologia da comunicação.

VOCÊ SABIA?

John Langshaw

Austin nasceu em

Lancaster, no dia 26

de março de 1911 e

faleceu em Oxford,

no dia 8 de fevereiro

de 1960. Ligado ao

movimento que fi-

cou conhecido como

Filosofia Analítica

ou Filosofia da Lin-

guagem Ordinária, Austin é um dos grandes

expoentes desse movimento que “concebe a

linguagem como uma atividade construída

pelos/as interlocutores/as (...) – a linguagem

não é, assim, descrição do mundo, mas ação”

(Pinto, 2006:57).

John Rogers Sear-

le nasceu em 31 de

julho de 1932, em

Denver, no Colo-

rado. Professor de

filosofia da Univer-

sidade da Califórnia

(Berkeley), Searle é

célebre por sua con-

tribuição à filosofia

da linguagem, filo-

sofia da mente e filosofia social. Searle refor-

mulou a teoria austiniana dos atos de fala e

firmou-a no âmbito da Linguística. Em Speech

acts, de 1969, Searle produz um “acabamento

nas inúmeras reviravoltas que Austin efetiva

em sua reflexão sobre a linguagem” (Pinto,

2006: 59-60).

Ludwig Wittgenstein

(1889 -1951) foi

um filósofo que in-

tegrou o Círculo de

Viena e contribuiu

com os estudos so-

bre lógica matemá-

tica na década de

1920. Considerado

um dos pais da Filo-

sofia Analítica, suas

ideias sobre a linguagem influenciaram o

pensamento de Austin, de modo que o traba-

lho desenvolvido por esse filósofo, na segunda

metade do século XX, se encontrará vinculado

à guinada linguística promovida pelo método

de análise elaborado por Wittgenstein.

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Page 34: Semantica e Aprendizagem

34 Capítulo 3

Outra definição aparece nos textos de Anne-Ma-rieDiller eFrançoisRécanati.Eles afirmamquea pragmática estuda a utilização da linguagem no discurso, de modo que essa disciplina deveria ocu-par-se do sentido das formas linguísticas em uso.

Em Francis Jacques, encontramos uma definição que procura integrar diferentes aspectos pragmá-ticos determinantes da língua(gem). Para ela, a pragmática aborda a linguagem como fenômeno a um só tempo discursivo, comunicativo e social. Armengaud (2006:11) diz que, para Jacques, “a lin-guagem é concebida como um conjunto intersub-jetivo de signos cujo uso é determinado por regras compartilhadas.”Taisregrascompartilhadaspelosfalantes constroem as condições de possibilidade do discurso.

3. O SurgimentO dO POntO de viSta PragmáticO

Os estudos pragmáticos aparecem no cenário das investigações linguísticas em resposta às duas ten-dências predominantes no âmbito linguístico: a semânticadecunhoformalelógicoeaabordagemsintática de expressão estruturalista/gerativista.Em relação à primeira, temos uma análise das rela-çõesentreaspalavras/fraseseoestadodascoisas.Nessa perspectiva de análise semântica, o sentido é aquiloquenospermitechegaraumareferêncianomundo. No que diz respeito à segunda abordagem, encontramos estudos voltados para o sentido de promover análises que abordam as relações entre os signos organizados num sistema; ainda dentro

dessa segunda perspectiva, são formuladas regras de boa formação das frases e das regras de trans-formação das frases em outras frases. A exclusão de questões concernentes ao sentido e aos aspec-tos extralinguísticos em ambas faz surgir no campo dos estudos linguísticos uma terceira abordagem que se ocupará desses aspectos deixados de fora por uma abordagem estritamente formal da lín-gua: a pragmática.

A mobilização de conceitos que marcaram essa mudança do ponto de vista teórico acerca da língua(gem) foi determinante para a implantação de um campo que permitisse ver a língua em seus usos concretos. De saída, apresentaremos, em li-nhas gerais, alguns dos conceitos fundamentaispara a inauguração e o desenvolvimento do campo como o lugar da análise daquilo que o falante faz quando usa a língua.

O primeiro desses conceitos é o de ato de fala, que se entende-se por ações realizadas quando falamos. Desse modo, falar não é simplesmente produzir uma sequência delimitada de fones, mas agir. A linguagem não é um artefato que serve tão somen-te para representar o mundo. Ela o constitui e o molda. Na apresentação desse conceito, Armen-gaud (2006:12) diz que “falar é agir. Em um sen-tido óbvio: é, por exemplo, agir sobre outrem. Em um sentido menos aparente, mas absolutamente real: é instaurar um sentido e é, de todo modo, fazer ‘ato de fala’.”

O segundo conceito tem a ver com o contexto. Nas primeiras investigações pragmáticas, o contexto refe-ria-se à situação imediata em que se davam os atos de fala. Essa situação envolvia os interlocutores, o lugar e o tempo em que o processo comunicativo se realizava e respondia às perguntas:

Quem fala? Para quem se fala?

Qual o lugar de enunciação? Quando acontece o processo enunciativo?

Esses aspectos do contexto criam as condições para que um ato de fala seja legitimado, posto que possi-bilitam a avaliação do que é dito.

O desempenho é o terceiro conceito basilar que se encontra na base do campo pragmático. Nas pala-vras de Armengaud, desempenho é

VOCÊ SABIA?

Charles William

Morris (1901-

1979), filósofo es-

tadunidense, cuja

obra, Fundamen-

tos da teoria do

signo (1938), é o

primeiro projeto

completo de uma

semiótica. Conhe-

cido como um filósofo positivista e pragmá-

tico, seu trabalho no âmbito da Semiótica

foi fortemente influenciado pelas ideias de

Charles Sanders Peirce.

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Page 35: Semantica e Aprendizagem

35Capítulo 3

a realização do ato em contexto, seja atualizando a competência dos falantes, isto é, seu saber e seu domínio das regras, seja

integrando o exercício linguístico a uma noção mais compreensiva, como a de competência comunicativa.

Esses conceitos inicialmente permitem ao pragmaticista abordar os fenômenos que envolvem as diferen-tes realizações linguísticas, ou seja, os atos de fala em situações específicas de enunciação. É importante destacarqueessesconceitosforamcunhadosnainterfaceentreLinguísticaeFilosofia,demodoqueseuaparecimento resulta da preocupação de filósofos em responder acerca da relação entre representação e linguagem. Em Pinto (2006:49), lemos que

explicar a linguagememuso enãodescartarnenhumelementonão-convencional: essesdoispontos comuns aos estudospragmáticosformamumalinhaderivadadahistóriadapreocupaçãocomousolinguístico.NofinaldoséculoXIX,aFiloso-fia iniciou um redirecionamento na forma de responder a suas perguntas. Desde Kant, os estudos filosóficos passaram a ser entendidos como um conjunto de critérios para avaliar a maneira pela qual a mente é capaz de construir representações. Mais tarde,então,nofinaldoséculoXIX,osestudosfilosóficoscunharamsuavariantedafilosofiakantiana,defendendoprincipal-mente que representação é antes linguística do que mental, e que se deve refletir antes em filosofia da linguagem que em crítica transcendental. Assim, objetivos filosóficos de discutir e descrever nossa representação do mundo respaldaram um movimento em direção às usuárias e usuários da linguagem, acarretando uma tendência análoga no âmbito da Linguística. A pragmática é fruto desse movimento em direção aos problemas relativos ao uso da linguagem, por isso, ao estudarmos a constituição dessa

área,devemosacompanhartambémumpoucodahistóriadosgruposfilosóficosqueainfluenciaram.

É precisamente isso que faremos agora: (I) entender como o campo da Pragmática diferenciou-se em correntes teóricas; (II) que aspecto do uso linguístico foi recortado por cada corrente; (III) que contribui-ção cada corrente deu aos estudos pragmáticos. Percorrer esse trajeto teórico-metodológico permite ao estudante vislumbrar um panorama mais amplo dos estudos pragmáticos, a fim de entender como cada corrente constrói seu objeto de estudo e enriquece o campo com novas abordagens e propostas.

4. PragmatiSmO americanO

Com a fundação da Semiótica, por CharlesPeirce, inaugura-se outro ponto de vista sobre a língua(gem). Em seu artigo How to make our ideas clear, de 1878, Peirce desenvolve um ponto de vista que passa por aspectos pragmáticos e, assim, inclui nosestudoslinguísticosaquiloquehaviasidodeixa-do de fora: o interlocutor. Ele faz isso com base no

SAIBA MAIS!

Caro estudante,

a fim de aprofundar a relação entre Filosofia e Pragmática e ampliar o conhecimento acerca da

trajetória dos conceitos e das metodologias desenvolvidos nos respectivos campos de conheci-

mento, recomendo a leitura do livro Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporâ-

nea escrito por Manfredo Araújo de Oliveira e publicado pela Loyola. Você encontrará alguns

capítulos do livro no Google Acadêmico.

OLIVEIRA, M. A. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo:

Loyola, 2001.

Ainda sobre o percurso da Pragmática, indico o artigo Os caminhos da Pragmática no Brasil do

Profº Kanavillil Rajagopalan publicado na revista de linguística teórica e aplicada: Delta. O artigo

foca o desenvolvimento do campo em nosso país e pode ser encontrado em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44501999000300013&script=sci_arttext

estabelecimento da tríade pragmática que envolve o signo, o objeto e o interpretante. Pinto (2006:51) elucida a tríade pragmática nos seguintes termos:

o que Peirce procurou destacar ao postular essa tríade foi a necessidade de se teorizar a linguagem levando-se em conta o que sempre foi lembrado na Linguística, ou seja, o sinal, mas também aquilo a que este sinal remete e, principalmente, a quem ele significa1.

1 Grifos da autora.

Page 36: Semantica e Aprendizagem

36 Capítulo 3

DeacordocomPeirce,ohomempensaporsignose o pensamento só existe nos signos. Ele próprio – o pensamento – é signo. O filósofo ainda acres-centa que uma das propriedades fundamentais do signo é remeter a outro signo. Se assim o é, então o pensamento, que é um signo, remete a outro pen-samento,queéseuintepretante(ARMENGAUD,2006). Disso, temos a relação triádica que constitui a semiose, ou seja, o processo pelo qual os signos se constituem e são intepretados.

Outros deslocamentos que o pensamento peirce-ano produzirá no âmbito da língua(gem) são os seguintes:

I. o signo não é marca ou etiqueta de um objeto, de modo que não serve apenas para designar ou nomear esse objeto;

II. o uso de signos implica interpretação;

III. a linguagem não é um mero código que serve para codificar mensagens a serem decodificadas;

IV. a linguagem é o lugar de onde emergem as sig-nificações;

V. sem linguagem não há pensamento sem lin-guagem;

VI. linguagem e pensamento são constitutivos da realidade.

Essas ideias lançaram as bases para uma aborda-gem pragmática dos processos de significação. Ao sair dos limites impostos pela estrutura da língua como estabelecido pelo estruturalismo saussurea-no, Peirce possibilita pensar a linguagem em rela-ção aos sujeitos que a produzem.

Destacamos que as ideias de Peirce são complexas e não se esgotam nas linhas aqui apresentadas.Elefezumtrabalhominuciosoeextensoebuscouexplicitaremdetalhessuateoriadosignonaten-tativa de explorar ao máximo sua capacidade in-terpretativa e seu alcance teórico (PINTO, 2006). Porora,importaconhecer,mesmoquedemaneirabreve,seutrabalhoearepercussãoparaas ideiasque se desenvolverão.

SeguidoresdePeirce,WilliamJameseCharlesW.Morris, difundiram suas ideias e apresentaram interpretações para sua obra. Em contato com as pesquisas desenvolvidas pelo Círculo de Viena, MorrisconheceapropostadeRudolfCarnapemdividir as pesquisas acerca da linguagem em três esferas:

I. a sintaxe, que se ocuparia das relações lógicas estabelecidas entre os elementos da sentença;

II. a semântica, que se voltaria para os estudos so-bre o significado;

VOCÊ SABIA?

Charles San-

ders Peirce nas-

ceu em dia 10

de setembro de

1839, em Cam-

bridge, Estados

Unidos e faleceu

em 19 de abril

de 1914, em

Milford (EUA).

Filho de pai ma-

temático, físico e

astrônomo, for-

mou-se na Universidade de Havard em Física

e Matemática e doutorou-se em Química pela

mesma universidade. Ensinou Filosofia em

Harvard e na Universidade Johns Hopkins.

Interessado também em Linguística, Filologia

e História, ele fundou o Pragmatismo e a ci-

ência dos signos chamados de Semiótica.

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Foi com base nessas contribuições que a filosofia da linguagem, a lógica e a semiótica experimenta-ram um novo impulso inovador. Essa relação ter-nária é assim expressa em Bougnoux apud Araújo (2004:46):

Peirce partiu de um esquema triangular muito diferente do deSaussure(aquem,aliás,nãoconheceu):arelaçãodese-miose designa uma ação, ou uma influência, que é, ou que supõe, a cooperação de três sujeitos, que são o signo, seu objeto e seu interpretante. Esta relação ternária de influ-êncianãopode,emnenhumcaso,reduzir-seaaçãoentre

pares. Significar supõe aqui três termos, não somente dois.

Essa concepção de signo inaugura uma nova con-cepção de sujeito, de modo que o sujeito deixa de serocentrodaatividadelinguística,ouseja,nãohápara Peirce o sujeito com sua mente como se fosse uma substânciaplenade representações (ARAÚ-JO, 2004). Nessa perspectiva, a intersubjetividade constitui-se na atividade linguística, de maneira quenãoháumsujeitoanterioraessaatividade.

Page 37: Semantica e Aprendizagem

37Capítulo 3

III. por fim, a pragmática, que abordaria a linguagem em uso.

Essa tríplice relação entre a sintaxe, o significado e os usos que os locutores fazem da língua(gem), em situ-ações específicas, lembra a tríade fundada por Peirce: signo-significado-interpretante. Morris entusiasma-se com a proximidade entre os dois pensamentos – Peirce e Carnap -, e

em 1938, Morris atesta, com Foundations of the theory of signs, a doutrina pragmática de Peirce, defende a interdependência, combatendoahierarquizaçãodostrêscampos.Assim,Morrismostra-sefortementeinfluenciadopelogrupodeempiricistasdeViena, mas, ao mesmo tempo, busca minimizar a força da separação entre os três campos de estudo, o que, consequentemente, afastaria, na prática da pesquisa linguística, os três elementos da tríade pragmática. Entretanto, ainda que esse gesto de Morris seja bastante apropriado ao pensamento de Peirce, é forte a ascendência do empirismo lógico em seu pensamento [...] (Pinto, 2006:52-53).

Assim, desde 1938, Morris dá sinais de que sua pesquisa assumirá rumo distinto daquele proposto por Peirce,emboramantenhapontosemcomumcomasideiasiniciaisdessepensador.

OdeslocamentopromovidonaspesquisasemsemióticadaprimeirametadedoséculoXXevidencia-senabusca por uma especialização que recairá sobre a sintaxe, a semântica ou o terreno mais amplo da pragmá-tica.Nessesegmentodepesquisas,oscamposganhamindependênciaesãoestudadosdistintamentenoâmbitodaSemiótica.Morrispropõeumcaminhocontrário,ouseja,aquelequebuscaainterdependênciaentreoscampos.ParaMorris,“nenhumadastrêsdisciplinasbastaparadefinirseusprópriosconceitosnem para se definir a si mesma em seu projeto” (Armengaud, 2006:55). Valendo-se desse pensamento, Morris propõe a inter-relação entre as disciplinas uma vez que os três pontos de vista – sintático, semântico e pragmático – são necessários à análise semiótica. Ao fazer isso, Morris amplia o alcance da sua proposta teórica, de modo a extrapolar o campo da linguística e atingir uma amplitude que alcança todos os fenô-menos da vida. Esses aspectos da análise semiótica defendidos por Morris encontram-se em consonância com as ideias desenvolvidas por Peirce, mas é notória a presença do empirismo lógico em seu pensamento. Essaescolhateórico-metodológicadirecionasuaspesquisasporumcaminhodiferentedaquelepropostopor Peirce.

SAIBA MAIS!

“O Círculo de Viena surgiu nas duas primeiras décadas do século XX, sendo responsável

pela criação de uma corrente de pensamento intitulada positivismo lógico. Esse movimento

surgiu na Áustria, como reação à filosofia idealista e especulativa que prevalecia nas uni-

versidades alemãs. A partir da primeira década do século, um grupo de filósofos austríacos

iniciou um movimento de investigação que tentava buscar nas ciências a base de funda-

mentação de conhecimentos verdadeiros.

Nesse sentido, tal grupo constatou que o conhecimento possui valor de verdade por causa

da sua vinculação empírica, isto é, o conhecimento científico é verdadeiro na medida em que

se relaciona, em alguma dimensão, à experiência. Contudo, esses filósofos compreendiam

que não se pode abandonar a lógica e a matemática, com o avanço que estas obtiveram

na virada do século; ambas auxiliam de maneira determinante a busca e a determinação

das condições em que o conhecimento se processa. Assim, a esse pensamento, que procura

na experiência o valor de verdade último de suas proposições, auxiliado pelas regras da

lógica e dos procedimentos matemáticos, denominou-se positivismo lógico, ou empirismo

lógico. A este grupo, formado por Philipp Frank (1884-1966), Otto Neurath (1882-1945) e

Hans Hahn, incorporaram-se, na década de vinte, Moritz Schilick e Rudolf Carnap, que logo

passaram à condição de seus mais ativos membros. Em 1929, Carnap, Hahn e Neurath

publicaram um manifesto intitulado A Concepção Científica do Mundo: o Círculo de Viena.

Estava, assim, formado esse movimento. Além desses filósofos, compunham o grupo cien-

tistas, economistas e juristas.

Page 38: Semantica e Aprendizagem

38 Capítulo 3

Além de Peirce e Morris, contribuíram com a cor-rente americana de estudos pragmáticos:

• WilliamJames:desenvolveuumareflexãoso-bre os sinais e seus significados com base nas formulações de Peirce;

• Willard V. Quine: tomando Peirce e Jamescomo base do seu pensamento, esse autor empenhou-seemdarprosseguimentoàsideiaspragmatistas. Inicialmente filia-se ao empiris-mo lógico, mas abandona em seguida a termi-nologia logicista. Com isso, estreita vínculos com as ideias de Peirce e dar uma nova roupa-gemaessasideiasnumapropostaquechamoude pragmatismo radical.

• DonaldDavidsoneRichardRorty:tributáriosdasideiasdeJamesDeweyeWittgenstein,Da-vidsoneRortyderamaosestudospragmáticosamericanosumaperspectivahistoricistaede-fenderam o ponto de vista de que é a coerên-cia interna e não a verdade que apoia qualquer sistema interpretativo.

Ancorado em perspectivas teóricas que ora se apro-ximavam, ora se afastavam, o pragmatismo ameri-cano procurou, em suas investigações, relacionar signo e falante e, com esse gesto, entender os pro-cessos de significação.

5. a teOria dOS atOS de fala

A Teoria dos Atos de Fala nasceu da preocupação de algunsfilósofos,entreeles,JohnAustin,PeterFre-derickStrawsoneGilbertRyle,emvoltar-separaalinguagem ordinária a fim de resolver problemas filosóficos.EssemovimentoficouconhecidocomoFilosofia Analítica e teve uma repercussão determi-nante no rumo que os estudos da linguagem toma-riam nos anos seguintes. A principal contribuição dessa guinada nos estudos filosóficos no campo da Linguística foi a teoria dos atos de fala.

Essa teoria foi exposta na conferência How to do things with words ministrada por Austin em 1962. Nesse texto, Austin explica que a linguagem é uma atividade construída pelos interlocutores, de modo que “é impossível discutir linguagem sem conside-rar o ato de linguagem, o ato de estar falando em si – a linguagem não é assim descrição do mundo, mas ação” (Pinto, 2006:57).

Assim, a Escola Analítica Inglesa – que conta com a contribuição de Strawson e Austin – volta-se para a linguagem usada no cotidiano pelos falantes que mobilizam os enunciados em situações concretas de enunciação. Ou seja, esses autores, inclusive WittgensteineSearle(esteúltimo,americano)de-monstram particular interesse nos atos de fala que compreendem os interlocutores e a situação em que realizam a atividade linguística.

As principais influências recebidas pelos filósofos do Círculo de Viena são: o pensamen-

to do positivista Ernst Mach (1838-1916), a lógica de Russell, Whitehead, Peano e Frege,

bem como os novos paradigmas da física contemporânea, especialmente as descobertas

de Einstein. Determinante foi, ainda, a filosofia de Wittgenstein. A leitura de seu Tractatus

Logico-Phylosophicus permitiu ao grupo levar ao máximo alcance filosófico a compreensão

da nova lógica, possibilitando, assim, incorporá-la a uma interpretação empírica dos fun-

damentos do conhecimento.

Uma das principais contribuições do Círculo de Viena reside na noção de verificabilidade.

Esta compreende que o sentido de uma proposição está intrinsecamente relacionado à sua

possibilidade de verificação. Isso quer dizer: determinada sentença só possui significado

para aqueles que são capazes de indicar em que condições tal sentença seria verdadei-

ra e em quais ela seria falsa. Indicar tais condições equivale a apontar as possibilidades

empíricas de verificar a verdade ou falsidade da sentença em questão. Desse modo, as

afirmações da filosofia idealista ou metafísica são alijadas das proposições que contribuem

para a questão do conhecimento; seus termos centrais, tais como “ser” e “nada”, dadas

sua generalidade e ambiguidade, não são passíveis de verificação, o que torna as senten-

ças dessas filosofias sem significado. Os enunciados metafísicos, segundo essa concepção,

não são verdadeiros nem falsos; antes, carecem de sentido. A partir da década de trinta, o

movimento começou a se dispersar. Com a mudança de Carnap e de outros para os Estados

Unidos e aliada às mortes de Hahn, Schilick e Neurath, o Círculo perdeu sua coesão inicial.”

Disponível em: http://www.algosobre.com.br/sociofilosofia/circulo-de-viena.html

Page 39: Semantica e Aprendizagem

39Capítulo 3

Ao propor uma abordagem diferente dos atos de discurso, Austin “pretende com sua análise resol-ver ou pelo menos esclarecer os problemas filo-sóficos” (Araújo, 2004:128). É nesse sentido que podemos dizer que Austin intenciona colocar a problemática filosófica num outro lugar e, nesse deslocamento, resolver alguns dos problemas com osquaisafilosofiavinhasedeparando.

Apoiado no pressuposto que afirma que a unidade mínima da comunicação é o ato de fala, Austin lis-ta alguns manifestando essa unidade, entre outros, podemos citar atos como descrever, prometer, cri-ticar, sugerir, afirmar, ordenar, perguntar, acusar, agradecer.

A primeira diferenciação que Austin apresenta em sua teoria é a de enunciados performativos e enunciados constativos. Por enunciados perfor-mativos entende-se aqueles que realizam uma ação pelo fato de terem sidos ditos e por enunciados constativos aqueles que realizam uma afirmação, declaram algo sobre alguma coisa. Vejamos um exemplo:

a. Ordeno que você saia.

O enunciado acima é performativo, uma vez que “realiza” uma ação enquanto é enunciado. Ao pronunciar Ordeno..., o falante realiza a ação de or-denar. É isso que caracteriza a performatividade. Assim sendo, o ato não pode ser confundido com a expressão ou a frase em que se realizou, pois para que o ato seja eficaz é necessário que alguns aspec-tos do contexto estejam presentes. No enunciado acima, a pessoa que ordena deve estar em condi-ções de realizar esse ato. Essas condições vão desde aposição(social,hierárquicaetc)dequemproduzaté a situação de enunciação.

Mas Austin não se ocupou apenas dos atos per-formativos. Ele debruçou-se também sobre os atos constativos, ou seja, aqueles que apenas afirmam algo sobre alguma coisa. Por exemplo:

b. O livro está rasgado.

Nesse caso, não ocorre uma ação enquanto o enunciado é proferido. Apenas faz-se uma afirma-ção acerca da condição material do livro.

Austin prosseguiu na construção de conceitos que dessem conta dos fenômenos investigados à época

e desdobrou os atos performativos e constativos em três: atos locucionários, atos ilocucionários e atos perlo-cucionários. Assim,

ele propôs chamar atos locucionários aqueles quedizemalguma coisa; atos ilocucionários, aqueles que refletem a posição do(a) locutor(a) em relação ao que ele(a) diz; e atos perlocucionários, aqueles que produzem certos efeitos e con-sequênciassobreos/asalocutários/as,sobreo/apróprio/alocutor ou sobre outras pessoas. Esses três níveis atuam

simultaneamente sobre o enunciado (Pinto, 2006:58)

Paraentendermelhoressareformulaçãodateoriaaustiniana, segue o exemplo:

c. Por favor, sirva-se de mais uma caldeirada!

Nesse exemplo, temos a realização dos três atos concomitantemente:

I. o ato locucionário seria o conjunto de sons que estão organizados a fim de realizar um sig-nificado;

II. o ato ilocucionário é a ação que o enunciado produz. No caso de c, trata-se de uma ordem que é dada com polidez;

III. o ato perlocucionário é o efeito produzido no falante que ouve o enunciado, que pode ser de coação a fazer algo não disposto ou não do agrado.

Considerando que os atos de fala geralmente podem apresentar ambiguidade em sua interpre-tação, os falantes costumam levar em conta a si-tuação em que são proferidos e, assim, “podemos dizer que os atos de um enunciado ocorrem simul-taneamente, são relativos ao contexto de fala e às pessoas que falam, e são interpretáveis com uma amplitude muitas vezes difícil de ser descrita nos li-mites de uma análise linguística” (Pinto, 2006:59).

JohnSearle,pormeioda teoriadosatosde fala,entrou definitivamente na agenda programática da Linguística. Com a publicação de Speech acts, de 1969, Searle organiza e dá um acabamento às ideias desenvolvidas por Austin. Isso pode ser com-provado na organização de um quadro taxonômico dos atos de fala. Esse empreendimento foi iniciado por Austin, que logo o abandonou ao convencer-se dequehaviaumafaltadenitidezparaessetipodeclassificação.

Page 40: Semantica e Aprendizagem

40 Capítulo 3

As repercussões da teoria dos atos de fala para os estudos linguísticos são evidenciadas na quanti-dade de pesquisas científicas que buscam apoio teóriconosconceitoscunhadosporAustineestu-diosos, que apresentaram uma releitura dos seus trabalhosepropostas.Atualmenteaindaépossívelencontrar trabalhoscientíficosqueancoramsuasinvestigações na teoria dos atos de fala, e, nas diver-sas sub-áreas da Linguística (Análise do Discurso, Linguística Textual, Análise da Conversação, Se-mânticaetc),hátrabalhosquetrazemcontribuiçãodessa teoria para montar seu arcabouço teórico--metodológico.

6. a cOmunicaçãO: eStudOS híbridOS

Os estudos da comunicação caracterizam-se por receber contribuição da Teoria dos Atos de Fala e do Pragmatismo americano. Valendo-se de releitu-ras dos métodos e das propostas apresentadas por tais teorias, os autores ligados a essa corrente inau-guram um novo viés pelo qual a língua(gem) será abordada. A essas releituras, acrescentam a pers-pectivafilosóficahistoricista.

A difusão dos estudos marxistas pela Europa le-vou ao aparecimento de novas questões sobre a língua(gem). Essa mudança epistemológica resul-tou na inclusão de aspectos extralingüísticos, como a diferença de classes, nos estudos da comunica-ção. Pinto (2006:61) assevera que

“muitos autores e autoras se perguntavam o que significa-ria a diferença de classe social para a comunicação entre

pessoas.”

Assumindo outro direcionamento, mas sem aban-donar questões fundamentais para os pesquisado-res dessa corrente, um grupo de estudiosos da co-municação optou por verificar que enfoque estava sendo dado às questões relativas à comunicação no âmbito da Filosofia, da Etnologia e das ciências sociais.

Nessa reavaliação dos estudos da comunicação, o conceito de cooperação elaborado por Herbert Paul Grice foi alvo de críticas. Para Grice, a comu-nicação é orientada por princípios de cooperação –que foram sistematizadosnaquiloque chamoude implicaturas conversacionais – e atende a regras

que estão presentes em todo processo de comuni-cação bem sucedido. Essa visão do processo comu-nicativorecebeudeJacobL.Meyseverascríticas,uma vez que, na leitura desse autor, a noção de cooperação implica e sustenta a ideia de parceria social, que tem como equivalente a ideia da lingua-gem isenta de conflitos e desigualdades sociais.

SeguindoalinhacríticadeMey,osestudosprag-máticos desenvolvidos atualmente descartam a ideia de língua neutra e de comunicação como ferramenta de transmissão do pensamento. A co-municação é vista, nessa perspectiva, como a base material sobre a qual se desenvolvem processos so-ciais. Segundo Pinto (2006:62),

“atuais pragmatistas apostam em comunicação como traba-lhosocial,realizadocomtodososconflitosconsequentes

das relações na sociedade.”

Ou seja, a linguagem é constitutiva da realidade. Ela constrói e reconstrói realidades, bem como é afetada pelas contradições sociais que se deixam evidenciar nos enunciados realizados em situações de comunicação.

Nesse momento dos estudos pragmáticos, o que vemos é uma tentativa de abertura do campo a fim de incluir em sua margem de interesses objetos que ainda não receberam a devida atenção da Lin-guística. Essa ampliação dos interesses da Pragmá-tica pode oferecer uma contribuição consistente e relevanteaosestudosdacomunicaçãohumana.

VOCÊ SABIA?

G. P. Grice

(1913-1988)

filósofo da lin-

guagem que

se encontra

entre os fun-

dadores dos

estudos prag-

máticos mo-

dernos, é lem-

brado por sua

contribuição aos estudos que relacionam

falante e significado linguístico. Grice postu-

lou a existência de um princípio cooperativo

geral na conversação. Esse princípio foi des-

dobrado em máximas conversacionais: má-

xima da quantidade, máxima da qualidade,

máxima da relevância e máxima do modo.

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Page 41: Semantica e Aprendizagem

41Capítulo 3

atividade |Leia atentamente a tira da Mafalda, analise-a e aponte os atos de fala realizados nessa situação de comunicação.VOCÊ SABIA?

Jacob L. Mey (1926) é pro-

fessor emérito do Instituto de

Linguagem e Comunicação

da Universidade do Sul da

Dinamarca, leciona linguís-

tica com especialização em

pragmática. Em 1977, fun-

dou o Jornal de Pragmática

(Journal of Pragmatics), que

permitiu a divulgação das

discussões, pesquisas e fun-

damentos da Pragmática.

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reSumO

A Pragmática – como campo de estudo dos usos que os falantes fazem da língua(gem) – longe está de formar um conjunto homogêneo, seja em relação à teoria e à metodologia utilizadas em seu âmbito, seja em relação ao objeto de pesquisa do qual se ocupa. As-sumindo diferentes pontos de vista que partem de lugares teóricos distintos, a Pragmática ainda coloca questões acerca do alcance teórico-metodológico das suas propostas, bem como repensa o objeto das suas investigações. Ao longo do percurso que fizemos, resu-mimos três pontos de vista nos quais a Pragmática se ancora, a fim de constituir-se como disciplina científica que dispõe de um corpo teórico suficientemente organizado e aplicável a diferentes fenômenos. Assim, as correntes teóricas que aqui apresentamos têm apenas a finalidade de fazer vislumbrar um panorama alargado pela inclusão de novos interesses e pela reelaboração dos métodos de pesquisa que visa dar conta da novidade que é a lin-guagem humana.

referÊnciaS

ARMENGAUD, F. A pragmática. São Paulo: Pa-rábola Editorial, 2006.

ARAÚJO, I. L. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

LEVINSON, S. C. Pragmática. São Paulo: Mar-tins Fontes, 2007.

OLIVEIRA, R. P. Pragmática. In: MUSSALIN, F.; BENTES. Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. Vol. 2. 5. Ed. São Paulo: Cortez, 2006.

Page 42: Semantica e Aprendizagem
Page 43: Semantica e Aprendizagem

43Capítulo 4Capítulo 4

ementa

Semântica da palavra, do texto e do discurso. Campos semânticos. Sinonímia, an-tonímia e polissemia. A semântica do enunciado e da enunciação. As semânticas estrutural e cognitiva. Sentido e referência. Enunciado e Enunciação. Semântica e Pragmática. Enfoque epistemológico dos conteúdos. Planejamento do ensino. Metodologia e recursos didático-pedagógicos. Avaliação de competências.

ObjetivOS eSPecíficOS

• Apresentar ao aluno os conceitos basilares da semântica e da pragmáticalinguística.

• Refletiracercadosprocessosdeconstruçãodosentidoapartirdasperspecti-vas teóricas concernentes aos campos teóricos da semântica e da pragmática.

• Possibilitaroconhecimentodosdiversosrecursoslinguísticosagenciadosnaprodução de sentido.

intrOduçãO

Querido(a) aluno (a),

Chegamosaoúltimocapítulodonossocurso.Temosporcertoquepercorremos,aolongodessesquatrocapítulos,ocaminhodosestudosquetêmosentidocomoo foco da sua abordagem e interesse científico. Neste último, aprofundaremos alguns conceitos fundamentais da Pragmática a partir da análise de sentenças e/ou textos.Assim, conceitos, comoos de dêixis, implicatura conversacional,pressuposição,atosdefala,entreoutros,ganharãoumareflexãopormenorizada,a fim de entendermos como os conceitos pragmáticos são operacionalizados no campo da Pragmática.

Pragmática: cOnceitOS teóricOS

Prof. Luciano Taveira de AzevedoCarga Horária | 15 horas

Page 44: Semantica e Aprendizagem

44 Capítulo 4

1. enunciadO e cOntextO

Como vimos em outro capítulo, a questão do sentido ocupou o interesse de filósofos, filólogos e estudiosos da linguagem que se depararam com problemas que diziam respeito à relação entre lín-gua e mundo. Em algumas correntes dos estudos linguísticos, como o estruturalismo e o gerativis-mo, o sentido não se constituiu como o centro de preocupação dos linguistas fundadores dessas correntes.Emboranão tenham ignorado esse as-pecto do fenômeno linguístico, elegeram a língua como objeto de estudo por excelência e afirmaram que o sentido seria objeto de investigação de ou-tra disciplina, a saber: a semiologia e a semântica. Essa postura em relação ao sentido assumida por correntes de base dos estudos linguísticos resultou no interesse de filósofos e linguistas pelos proces-sosde significaçãoquehaviam sidonegadosnosestudos formais da língua. Essa preocupação em incluir a questão do sentido leva ao aparecimento de diferentes abordagens que dão centralidade ao significado das sentenças. Essas abordagens compre-endem desde uma concepção formal do sentido (Semântica Formal) até abordagens que entendem que o sentido de uma sentença não se esgota em seus aspectos formais ou nas condições de verdade que a legitimam.

Na esteira de estudos que incluem aspectos do contexto de enunciação na análise dos enuncia-dos, encontra-se a Pragmática. Filósofos e linguis-tas ligados a essa linha de estudos da linguagementenderam que considerar apenas as relações formais entre os elementos do sistema linguístico não era suficiente para dar conta da questão do sentido. Entenderam mais ainda: entender o sen-tidoapenascomoumcaminhoparachegaraumreferencial no mundo reduz a análise e compreen-são do fenômeno semântico à verificação de verda-de ou falsidade. Esses limites identificados nesses campos teóricos impulsionaram o aparecimento denovosolharessobreofenômenosemântico,demodo que aspectos extralinguísticos foram defini-tivamente incluídos nos estudos que deram prio-ridade aos usos da língua feitos pelos falantes em situações comunicativas.

Com isso, o contexto de enunciação passou a ser considerado nesses estudos que estavam mais preocupados com a fala e não, com a língua como sistema de formas idênticas a si mesmas. De acor-do com uma linguística da forma, a comunicação

reduz-se a um processo que envolve um emissor que codifica uma mensagem que é enviada a um receptor que a decodifica. De acordo com esse es-quema, cada enunciado carrega um sentido estável que foi dado pelo emissor e não se encontra sujei-to a ambiguidades, equívocos, deslizes de sentido. Esse sentido estável é decifrado pelo receptor que compartilha o mesmo código linguístico com oemissor. Segundo Maingueneau (2005:19),

nessa concepção da atividade linguística, o sentido estaria, de alguma forma, inscrito no enunciado, e sua compreen-sãodependeria,essencialmente,deumconhecimentodoléxicoedagramáticadalíngua;ocontextodesempenhariapapel periférico, fornecendo os dados que permitem desfa-

zer as eventuais ambiguidades dos enunciados.

Veja que, nesse entendimento do processo de co-municação, as palavras e os seus significados man-têm uma relação termo-a-termo, de modo que di-zer isso equivale a um sentido único conferido pelo locutor. No que diz respeito ao contexto, conside-ra-se que dizer, por exemplo, O cachorro late ou Ela está acesa, a contextualização será feita apenas para determinarseapalavracachorrorefere-seaumcãoparticular ou a classe dos cães; a quem o pronome Ela faz referência e se acesa refere-se a um estado (a lâmpada está acesa) ou a um comportamento (a criança está acesa) (MAINGUENEAU, 2005). As-sim, o contexto serve apenas como um acessório do qual se lança mão para se desfazerem possíveis ambiguidades e se garantir o sentido literal.

Nahistóriadosestudoslinguísticos,alíngua,ob-jeto de sistematização e de especulações científicas de cunhopositivista, sofre umdeslocamentona-quilo que diz respeito à sua concepção enquanto “produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa facul-dade nos indivíduos” (SAUSSURE, 2004:17) epassa a figurar em contextos epistemológicos que a veem “como uma forma de atividade entre dois protagonistas” (POSSENTI, 1988:48).

EssedeslocamentoaparecenostrabalhosdeBen-veniste (1989;1991), Ducrot (1988) e Austin (1990) que, a partir do viés específico postulado por cada teórico, traz para os estudos linguísticos elementos quehaviamsidodeixadosdeforadeumaanáliselinguística de cunho estruturalista. Assim, essestrabalhos ampliam as perspectivas de abordagemque, agora, não mais se atêm à forma linguística,

Page 45: Semantica e Aprendizagem

45Capítulo 4

mas se ocupam dos usos feitos pelos falantes, ou seja, da enunciação em situações efetivas de comunicação. Possenti (1988:47) assevera que

“passaria a fazer parte do objeto da lingüística o estudo dos mecanismos pelos quais o falante, apropriando-se da língua, transforma-

-a em discurso. Nessa visão, o que transforma a língua em discurso é, portanto, a enunciação, de um locutor a um alocutário (...).”

Aumalinguísticadaformaquetemcomoobjetivodetrabalhoaanálisedasrelaçõesinternasàestrutura,soma-se uma linguística da enunciação que relaciona essa estrutura às suas condições reais de produção e a vê como indissociável da atividade social dos sujeitos em interação.

A teoria da enunciação, que então se desenvolve no cenário das investigações linguísticas, reclama a inser-ção“deoutroselementos,quepoderíamosporenquantochamardediscursivosequesãotodosaquelesque não obrigam o locutor a ser absolutamente explícito (pressuposições, implicaturas, consideração de hábitosregulares,etc)”(POSSENTI,1988:51).Emboraateoria da enunciação, em suas primeiras produ-ções, estivesse ainda bastante atrelada à estrutura linguística, já é possível vislumbrar um deslocamento no sentido de relacionar essa estrutura aos seus contextos possíveis de realização. É com Austin (1990) e sua teoria dos Atos de Fala que ocorre uma virada determinante no sentido de incluir definitivamente o sujeito e a situação de fala na agenda programática dos estudos linguísticos. Em oposição à dicotomia saussure-analíngua/falaqueprivilegiaalínguacomoobjetoporexcelênciadosestudoslinguísticos,aPragmáticase ocupará prioritariamente da linguagem em suas múltiplas realizações sociais. Os estudos pragmáticos voltam-se, assim, para a análise da língua em contextos enunciativos reais.

Assim, a partir dos estudos enunciativos e pragmáticos da linguagem, a reflexão sobre os processos de pro-duçãoecompreensãodosenunciadosteveseushorizontesampliadoseocontextopassouafigurarnessasreflexões como constitutivo dos processos de significação e não ficou restrito à condição de acessório, como se estivesse ao redor do enunciado.

Dentrodessesnovosparâmetros,emissor/locutoredestinatário/alocutárionãorepresentamduasinstân-cias em que um (emissor) é a fonte do sentido, e o outro (destinatário), receptáculo desse sentido determi-nadoeúnico.Embora,noâmbitodapragmática,olocutortenhaumaintençãoaoproduziroenunciado,essa intenção – que o caracteriza como fonte do sentido – é determinada pelo lugar social que ocupa. Esse fator pragmático responde a pergunta Quem fala? Do outro lado, temos o alocutário que se engaja no processo comunicativo, de modo que “a pessoa que interpreta o enunciado reconstrói seu sentido a partir de indicações presentes no enunciado produzido, mas nada garante que o que ela reconstrói coincida com as representações do enunciador” (Mainguenau, 2005:20). É nesse sentido que podemos dizer que a interpretaçãodeumenunciadoimplicaumprocessoemquesaberes,hipóteseseraciocíniossãomobili-zados. Dessa maneira, entendemos que o contexto em que os enunciados são produzidos não se refere a algo preestabelecido, mas, a um processo em que a construção e reconstrução da situação de enunciação pontilhaainteraçãoverbalentreinterlocutoressócio-historicamentesituados.

Vejamosumexemplosobreoquefoiditoatéagora,a fimdeentendermosmelhoressaconcepçãodelíngua(gem) e processo comunicativo numa perspectiva pragmática:

Fonte: http://juniorcba.wordpress.com/2007/08/26/nada-a-ver-tiras-da-mafalda/

Page 46: Semantica e Aprendizagem

46 Capítulo 4

Nessatirinha,temosumasituaçãoemqueMafal-da, menina sempre preocupada em compreender o mundo, dialoga com a mãe sobre o porquê esta-mos no mundo. A compreensão dos enunciados produzidos nessa situação de comunicação é deter-minada por fatores pragmáticos que devem ser con-siderados dentro desse processo. O primeiro fator que podemos citar é o estatuto dos enunciadores:

I. Mafaldareconhece-secomofilhae,porconse-guinte, mais jovem que sua mãe. Por ter vivido bem menos que sua mãe, entende-se inexpe-riente, ignorante das coisas do mundo;

II. a mãe encontra-se em outra posição em rela-çãoàfilhae,pelofatodesermãe,étidapelafilhacomoalguémqueacumulouexperiênciase, por isso, capaz de responder e desfazer as dúvidas que carrega.

Alémdisso,amãereconheceopapelsocialassumi-doporMafaldanainterlocução:elaéfilha,maisjovem,e,comefeito,nãoconhecemuitosobreomundo. Essas representações das posições sociais referentesàfilhaeàmãesãomobilizadasduranteo processo de compreensão dos enunciados.

Outro fator determinante para a compreensão dos enunciados é a condição material em que os enun-ciados são produzidos: trata-se de uma conversa in-formal,provavelmenteemcasa,entremãeefilha.Não se trata de um debate nem de uma conferência sobre o sentido do mundo. Essa situação imediata em que os enunciados são produzidos oferece pis-tas que orientam o reconhecimento da intençãodos interlocutores inseridos nesse processo.

Desse modo, podemos concluir que não basta o reconhecimentodasequênciadesignosproduzidapelos interlocutores. Sem considerar esses fatores pragmáticos que constroem o contexto do processo comunicativo, a compreensão seria praticamente impossível. É por que levam em consideração ele-mentos extratextuais que constituem os sentidos produzidos nessa situação comunicativa que a mãe de Mafalda entende sua pergunta e responde pron-tamente. Por sua vez, Mafalda – lançando mão de sua postura crítica e considerando o contexto mais amplo em que vivemos – entende a resposta da mãecomoumatentativadefazerhumor.Énessesentido que podemos dizer que a reconstrução do enunciado feita pelo alocutário pode não coinci-dir com a representação construída pelo locutor.

Maingueneau (2005:20) diz que

“fora de contexto, não podemos falar realmente do sentido

de um enunciado”,

de maneira que falar em enunciado é falar em enunciação, ou seja, o processo que provê de signi-ficado a sequência de signos produzida por sujeitos em situações específicas.

O próximo exemplo aparece no livro Análise de textos de comunicação de Dominique Maingueneau. Estamos trazendo para o nosso porque julgamos o exemplo esclarecedor dos vários aspectos pragmáti-cos mobilizados no momento da interpretação de um enunciado. Desse modo, atribuímos ao referi-do professor a análise sem deixar de acrescentar o ponto de vista que nos concerne.

O enunciado Proibido fumar colocado numa pare-de de um escritório ou consultório médico parece simples e seu sentido, evidente. Assim nos pare-ce,porquedesconhecemostodasasinstânciasquemobilizamos a fim de interpretar esse enunciado. Na verdade, a interpretação do enunciado encon-tra-se submetido a uma série de dispositivos que são acionados no momento que o processo de compreensão é desencadeado. Dentre esses dispo-sitivos, temosoreconhecimentodasequênciadesignos, ou seja, de uma sequência verbal que confi-gura um enunciado. Ao tomarmos consciência de que se trata de um enunciado, passamos à instân-cia seguinte que é atribuir uma fonte enunciativa a esse enunciado, ou seja, um sujeito responsável por sua formulação. Esse sujeito, ao formular esse enunciado, teria uma certa intenção, um certo sen-tido a produzir. Mas não consideramos apenas o enunciado e o sujeito que o produziu, levamos em consideração também as condições materiais de

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47Capítulo 4

apresentação – no dizer de Maingueneau (2005) – para que o enunciado produza os efeitos que se pretende. Maingueneau (2005) afirma que, se em vez da sóbria placa com letras maiúsculas pretas, tivéssemos uma placa toda colorida, protegida por um vidro, assinada no canto, certamente, as pes-soas que se encontram na sala pensariam tratar-se de uma obra de arte e não, de um aviso proibitivo.

Se assim o fosse, se a proibição de fumar tivesse sido apresentada sob a forma de um objeto deco-rativo (uma obra de arte, p. ex.), as pessoas não se sentiriam intimidadas por ela nem proibidas de fumar. Por outro lado, ao verem uma placa criada sob um certo padrão e colocada num lugar de des-taque, pensam que se trata de um enunciado sério e importante.

Além disso, o enunciado deve reunir os aspectos necessários e instituidores de uma proibição, uma vez que “não se trata simplesmente de um enun-ciado verbal: ele possui aqui um certo valor prag-mático, isto é, pretende instituir uma certa relação com o seu destinatário” (Maingueneau, 2005:21). Ou seja, o enunciado deve “mostrar” aos seus in-terlocutores por meio de marcas linguísticas e pis-tas materiais que a fonte que o produziu é séria, de modo a realizar o ato que pretende: proibir um determinado comportamento. Nisso consiste o valor pragmático de um enunciado. Ao interpre-tarmos um enunciado, mobilizamos uma série de dispositivos que não são apenas linguísticos, mas também, pragmáticos.

atividade |

O texto foi produzido para funcionar como capa do filme O Menino do Pijama Listrado. Noenredo,temosahistóriadeamizadeentreduas crianças (um é judeu e o outro alemão) durante a Segunda Gerra Mundial. Levando em consideração que apenas a consideração dos aspectos linguísticos não é suficiente para atribuir sentido ao enunciado acima e compre-endê-lo, levantehipóteses acercados elemen-tos extralinguísticos (pragmáticos) que preci-sam ser mobilizados quando da leitura desse enunciado.

SAIBA MAIS!

Aprofunde a discussão acerca da relação

entre enunciado e contexto a partir da leitu-

ra das seguintes obras:

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de

textos de comunicação. 4. ed. São Paulo:

Cortez, 2005.

KOCH, Ingedore. Desvendando os segredos

do texto. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006a.

O assunto é abordado mais detidamente no

capítulo 1 do livro de Maingueneau e capí-

tulos 1 e 2 do livro de Koch. Boa leitura!

2. a dÊixiS

Enunciar é pôr o sistema linguístico em funcio-namento, de modo que numa situação de enun-ciação ancoramos o enunciado nessa situação e indicamos, por meio de marcas linguísticas, os in-terlocutores, o lugar e o tempo envolvidos no pro-cesso enunciativo. Levinson (2007:65) afirma que

“seháummodopeloqualarelaçãoentrelínguaecontextose reflete nas estruturas das próprias línguas de maneira

mais evidente, esse fenômeno é a dêixis.”

O enunciado é produzido num determinado mo-mento, lugar e por um enunciador que o assume e dirige a um co-enunciador. Esses elementos extra-linguísticos são codificados pelas línguas mediante o uso dos pronomes, tempos verbais, demonstra-tivos, advérbios de tempo e lugar e muitas outras marcas linguísticas que apontam para a situação enunciativa. Fo

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48 Capítulo 4

Dêixis, para Levinson (2007:65),

“diz respeito às maneiras pelas quais as línguas codificam ou gramaticalizam traços do contexto da enunciação ou do evento da fala e, portanto, também diz respeito a maneiras pelas quais a interpretação das enunciações depende da análise desse contexto de enunciação.

Vejamos um exemplo:

“a linguagemhumana tem como característica o fatodeque os enunciados tomam como ponto de referência o pró-

prio ato enunciativo do qual são o produto.”

Isso aponta para o fato de que as línguas naturais não são “indiferentes” à situação em que o proces-so de interação verbal acontece.

2.1. dÊixiS de PeSSOa

Aos elementos que marcam no enunciado a catego-ria de pessoa, ou seja, apresentam os interlocutores implicadosnoprocessocomunicativo,chamamosde dêiticos de pessoa. São eles:

• Ospronomespessoaisdeprimeiraesegundapessoas: eu, tu/você(s), nós vós;

• Os determinantes meu/teu, nosso/vosso, seu e suas formas femininas e plurais;

• Ospronomeso meu/o teu, o nosso/o vosso, o seu e suas formas no feminino e plural;

Através desses elementos, o enunciado revela a presença do sujeito enunciador que o produziu. Assim, os enunciados possuem dispositivos indica-dores ou marcadores da enunciação. É através da dêixis que se estabelece a relação entre a língua e o contexto. Consideremos o exemplo:

Essa tira da Mafalda ilustra bem o que acabamos de apresentar. Susanita encontra Mafalda e de-sencadeiam um processo comunicativo baseado em enunciados verbais e não-verbais. No diálogo dosegundoquadrinhoentreMafaldaeSusanita,aparecem alguns elementos dêiticos que referem à situação de enunciação. Vamos ver quais são eles:

- O que aconteceu, Mafalda? - É que este ano não vou poder sair nas férias com meus pais, porque temos que esperar a chegada do meu futuro irmãozinho.

Na fala de Susanita, identificamos o substantivo Mafalda que remete ao interlocutor, ou seja, aquele a quem ela dirige o enunciado. Em Mafalda, te-mos uma referência a um elemento extratextual, situado fora da sequência linguística. Em seguida, na resposta de Mafalda, podemos identificar como elementos dêiticos o pronome demonstrativo este e a forma verbal temos que se encontra no presente do indicativo. Assim, o demonstrativo este ancora ano no momento da enunciação, ou seja, no tem-po em que o processo enunciativo se desenvolve: o ano presente. A forma verbal temos também re-mete ao tempo presente e refere-se ao ano em que a enunciação se realiza.

O exemplo acima fundamenta também aquilo que Maingueneau (2005:105) assevera acerca da dêixis:

Fonte: O irmãozinho de Mafalda. São paulo: Martins Fontes, 1999. p. 13.

Page 49: Semantica e Aprendizagem

49Capítulo 4

Nessa tira, Mafalda questiona a mãe acerca do porquê estamos no mundo. Diante da resposta da mãe, considerada pela menina como clichê, ela diz: - Sua dana-da! Você nunca disse que tinha tanto senso de humor! O pronome você, presente no enunciado do último quadrinho,apontaparaasegundapessoa do discurso, ou seja, a mãe de Mafalda. Temos, nesse exemplo, um elemento dêitico (você) que re-mete ao co-enunciador presente na situação de comunicação. Outro elemento que podemos citar como exemplo de dêitico de pessoa é a expressão a gente usada por Mafal-da no primeiro quadrinho. Essaexpressão corresponde à primeira pessoa do plural e poderia ser subs-tituída por nós, sem ter o sentido comprometido.

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2.2. dÊixiS de temPO

As marcas dêiticas de tempo têm o momento da enunciação como referência. É por meio do uso dos dêiticos temporais que podemos localizar um acontecimento presente, passado ou futuro em relação ao momento em que se fala.

Os dêiticos de tempo são apresentados pelos seguintes elementos:

• marcasdepresente,passadoefuturoacrescentadasaosradicaisdosverbos,como:ando,andei,andarei; • palavrasouexpressõescomvalortemporal,como:ontem,daquiaumano,hoje,amanhã,dentrode

um ano etc. que têm como ponto de referência o momento da enunciação. Assim, dentro de um ano designa uma duração de um ano a partir do momento em que se fala; o advérbio ontem designa o dia anterior;hojedesignaoprópriodiadaenunciação(MAINGUENEAU,2005:108).

Analisemosatirinha:

Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com/

Page 50: Semantica e Aprendizagem

50 Capítulo 4

No primeiro quadrinho, Mafalda conversa comSusanita sobre o fato de ter deixado o tinteiro cair em cima do caderno. No momento em que fala, utiliza o advérbio ontem que refere ao dia an-terior ao momento da enunciação. Através desse expediente, o enunciado é ancorado na situação de enunciação que é anterior ao momento da sua produção. A unidade dêitica ontem é uma entidade do sistema da língua que tem uma ligação imediata com a situação enunciativa, de modo que permite organizar as coordenadas do processo comunicati-vo. É a partir desse sistema de coordenadas que se realizam as operações de referenciação que tornam possível a significação.

2.3. dÊixiS de lugar

O lugar onde a enunciação acontece é marcado no enunciado por elementos que especificam a localização de pessoas e objetos relativamente ao ponto de referência constituído pelo espaço onde se dá a enunciação. Esses elementos não são mui-tos e estão restritos alguns advérbios e pronomes demonstrativos:

• aqui designa o espaço onde falam os interlocu-tores;

• lá designa um lugar distante em relação aos in-

terlocutores; • este/esta/isto; esse/essa/isso e aquele/aquela/

aquilo fazem referência a objetos e pessoas lo-calizados no processo enunciativo.

Vamos ver como isso acontece analisando o exem-plo abaixo:

Nessa situação comunicativa, Mafalda levanta uma questão que poderíamos denominar de filosófica ao perguntar a Miguelito:

- Alguma vez você já se perguntou para que a gente está neste mundo?

O demonstrativo neste, que aparece no primeiro quadrinho,localizaoespaçoondeMafalda,Migue-litoetodaahumanidadeseencontram.Areferên-cia ao lugar mais amplo, o planeta Terra, é feita por meio do demonstrativo neste que aponta para um lugar próximo dos interlocutores implicados no processo enunciativo. É nesse sentido que Levin-son (2007:97) assevera que

“a dêixis de lugar ou espaço diz respeito à especificação de localizações relativamente aos pontos de ancoragem no

acontecimento discursivo.”

Assim, elementos que se localizam fora da língua são codificados pela língua e apresentados aos in-terlocutores dentro de um processo que envolve enunciado e enunciação, ou seja, sequência de sig-nos linguísticos e contexto de produção.

Por fim, a dêixis está relacionada com o gesto de apontar. Esse gesto é de caráter verbal e realiza-se em enunciados concretos, cujo significado encon-tra-se acorado na língua e nos fatores pragmáticos que os constituem.

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SAIBA MAIS!

Além dos casos dêiticos apresentados,

Levinson (2007) e Maingueneau (2005)

falam da dêixis de discurso ou de texto.

Esse tipo de dêixis diz respeito às referen-

ciações que são feitas no interior do texto

para retomar elementos ou parte do pró-

prio discurso. Maingueneau (2005) vai fa-

lar de referência pelo enunciado e exem-

plifica com o enunciado seguinte:

Paulo chegou no dia 15 de maio. Na véspe-

ra, ele tinha corrido uma maratona.

O autor afirma que nesse exemplo a pa-

lavra véspera tem como referência 15 de

maio, ou seja, um elemento do texto e

não, o momento da enunciação. O mes-

mo pode ser dito do pronome ele que re-

toma o termo Paulo que é um elemento do

cotexto e não, da situação de enunciação.

Page 51: Semantica e Aprendizagem

51Capítulo 4

atividade |Identifique, nas tiras, os elementos dêiticos e, em seguida, aponte os elementos da situação de enunciação aos quais se referem.

Agora conclua: como esses fatores pragmáti-cos, ou seja, relacionados à situação de enun-ciação, constroem o sentido de um enunciado?

3. a imPlicatura cOnverSaciOnal

A teoria da implicatura conversacional introduzida por H. P. Grice nos estudos pragmáticos provocou um impacto bastante significativo nesses estudos. Os primeiros textos de Grice que receberam noto-riedade no meio acadêmico foram produzidos en-tre os anos 1956-1957. Meaning, escrito em 1957, tornouconhecidaasuateoriadacomunicaçãoquetrazia os conceitos de significação natural e não-na-tural. Mas foi com Logic and conversation (publica-do em 1975), texto que apareceu nas conferências proferidas na Universidade de Harvard durante umeventoemhomenagemaWilliamJames,queGrice apresenta sua maior contribuição teórica aos estudos da significação. Em seus textos, Grice construiu um aparato teórico que permitisse en-tender os efeitos de sentido que vão além do que é dito. Ou seja, como um enunciado pode significar algo além daquilo que foi literalmente expresso. A fim de entender esse fenômeno, Grice pensou na existência de regras que permitisse a um falante (A) transmitir algo além da frase e a um falante (B) entender essa informação que extrapola o que está explícito no dito.

A fim de responder a essa inquietação intelectual, Grice propõe o conceito de implicatura conversacio-nal. Em Levinson (2007:126), lemos que

VOCÊ SABIA?

D o m i n i q u e

Maingueneau

ensina ciên-

cias da lin-

guagem na

Universidade

Paris XII-Val-

de-Marne. In-

teressa-se por

fenônemos da

enunciação e

do discurso.

Publicou diversas obras e, entre as que fo-

ram traduzidas para o português, citamos

as principais: Novas Tendências em Análi-

se do Discurso (1993), Análise de Textos de

Comunicação (2005), Cenas da Enuncia-

ção (2008) e Gênese dos Discursos (2008).

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Page 52: Semantica e Aprendizagem

52 Capítulo 4

a segunda teoria de Grice, na qual ele desenvolve o concei-to de implicatura, é essencialmente uma teoria a respeito de como as pessoas usam a língua. A sugestão de Grice é que existe um conjunto de suposições mais amplas que guiam a conduta da conversação. Elas surgem, ao que pa-rece, de considerações racionais básicas e podem ser for-muladas como diretrizes para o uso eficiente e eficaz da língua na conversação para fins cooperativos adicionais. Grice identifica como diretrizes deste tipo quatro máximas básicas da conversação ou princípios gerais subjacentes ao uso cooperativo da língua, que, juntos, expressam um prin-

cípio cooperativo geral.

Trocando a citação acima em miúdos, podemos dizer que para Grice, quando dois interlocutores estãodialogando,háleisimplícitasquegovernamo processo comunicativo. Desse modo, os interlo-cutorestrabalhamamensagemdeacordocomcer-tas normas comuns que configuram o sistema coo-perativoentreeles.Gricevaichamaresseconjuntode regras implícitas ao processo comunicativo de princípio de cooperação. Para ele, é impossível que o processo comunicativo ocorra sem a presença dessasregras.Algumasdessasregrasconheceremosagora:

3.1 máxima da Qualidade

A máxima da qualidade tem a ver, a princípio, com a supermáxima: Procure afirmar coisas verdadeiras e, em seguida, com máximas específicas:

I. não diga o que acredita ser falso;

II. não afirme algo para o qual você não possa ofe-recer evidência adequada.

De acordo com essa máxima, para afirmar algo, deve-se estar em condições de garantir a verdade do que se diz; para dar uma ordem, deve-se querer que a ordem seja obedecida, não ordenar alguma coisa impossível ou já realizada (MAINGUENE-AU, 2005). Se o enunciador diz algo que não quer ver realizado ou se enuncia algo que saber ser falso, a máxima da qualidade não será respeitada. Anali-semos o exemplo seguinte:

A. O que você acha do governo militar?

B. Democrático demais1.

Nessediálogo,háquebradamáximadaqualidadepor não ser dada uma resposta necessariamente verdadeira. No exemplo, a ironia comanda a impli-catura por sugerir justamente o oposto do que foi dito e não obedecer à máxima da verdade. (A) e (B) dispõem da informação de que a grande acusação que pesa sobre os militares durante a ditadura mili-tar é de que esses não são eleitos pelo povo e criam obstáculos às eleições diretas. Desse modo, a res-posta de (B) é irônica, uma vez que afirma algo que ele não acredita para implicar que, ao contrário do que diz, o governo militar é antidemocrático.

3.2. máxima da Quantidade

Essa máxima está relacionada à quantidade de in-formação fornecida numa mensagem. A esse prin-cípio, correspondem duas máximas:

I. Faça com que sua mensagem seja tão informa-tiva quanto necessária para a conversação;

II. Não dê mais informações que o necessário.

A máxima da quantidade determina que o enun-ciador deve dar a informação máxima, levan-do em consideração a situação. Maingueneau (2005:36) disponibiliza dois exemplos bastante elucidativos:

quando se lê em um artigo de jornal “Sete reféns foram libertados na embaixada do Japão”, supõe-se que o enun-ciado deu a informação máxima, isto é, que sete reféns ao todo foram libertados. (...) Da mesma maneira, se, num guiaturísticodoBrasil,lê-se“ORioestálocalizadoaumacertadistânciadaBahia”,semmaioresprecisões,pode-seconsiderar que a lei de informatividade foi transgredida, relativamente ao contrato imposto a esse tipo de livro, que visa fornecer informações práticas.

Essa máxima conversacional especifica que se-jam fornecidas informações completas, de modo que seu efeito é acrescentar uma inferência prag-mática de tal maneira que o enunciado proferi-do seja o mais informativo numa determinada situação.

1 Exemplo extraído do artigo A Teoria Inferencial das Implicaturas: descrição do modelo clássico de Grice escrito por Jorge Campos da Costa – PUCRS.

Page 53: Semantica e Aprendizagem

53Capítulo 4

3.3 máxima da relevância

Essa máxima determina que o enunciador faça com que sua contribuição seja relevante e traduz-se no imperativo Seja relevante. Vejamos um exemplo:

Maridoemulherestãoconversandoetemosose-guinte diálogo:

A. Você vai me dar um Renault?B. Poxa! Como estou cansado hoje.

Nesse diálogo, o marido (B) quebra a máxima da relevância para implicar que não quer considerar aperguntardamulher (A).Gricedeuoseguinteexemplo para esclarecer essa máxima:

A. Eu realmente acho que a sra. Jenkins é uma tagare-la, você não acha?

B. Hã, para março até que o tempo está ótimo, não?

Entre outras possibilidades, a pergunta de (B) pode implicar, em determinadas circunstâncias, “cuida-do, pois o filho dela está bem atrás de você”. Assim, o enunciado de (B) é irrelevante, mas não inviabiliza a comunicação que pode ser garantida pelo princí-pio de cooperação.

3.4. máxima dO mOdO

Essa máxima encontra-se ligada à supermáxima Seja claro e às submáximas apresentadas abaixo:

I. Evite obscuridade de expressão;II. Evite ambiguidade;III. Seja breve (evite prolixidade desnecessária);IV. Seja ordenado.

Para esclarecer essa máxima, citamos o exemplo seguinte:

A. Sua secretária parecer ser eficiente.B. Sem dúvida, é uma mulher muito boa.

Nesse diálogo, a máxima do modo é quebrada pela produção da ambiguidade provocada pelo uso da palavra boa que, no contexto da cultura brasileira e quandoreferidoàsmulheres,veiculaosentidodemulhersensualoucomdeterminadasatribuiçõesfísicas.

Em sua formulação teórica, Grice pretendia fazer vir à tona os mecanismos que jogam no processo

comunicativo. Com essa pretensão em mente, pro-pôs os princípios cooperativos que são acionados no momento da interlocução. Esses princípios guiam-se por máximas que estão atreladas aos fato-res pragmáticos que jogam no processo enunciati-vo. Se a máxima é violada, o sentido do enunciado pode ser outro, diferente daquele atrelado às pala-vrasdafraseequepoderíamoschamardeliteral.Trilhando esse caminho, Grice explicava aquiloque o inquietava quando elaborou as ideias que por ora apresentamos, ou seja, o sentido outro, de-corrente da situação de enunciação.

SAIBA MAIS!

O princípio de cooperação pensado por Gri-

ce é assim destrinchado por Maingueneau

(2005:31-32):

“Como vimos, para construir uma interpre-

tação, o destinatário deve supor que o pro-

dutor do enunciado respeita certas “regras

do jogo”: por exemplo, que o enunciado é

“sério”, que foi produzido com a intenção de

comunicar algo que diz respeito àqueles a

quem é dirigido. Evidentemente, a caracte-

rística de ser sério não está no enunciado,

mas é uma condição para uma interpreta-

ção correta: até prova em contrário, se vejo

uma placa com a proibição de fumar em uma

sala de espera, vou presumir que o aviso é

para valer. Não posso retraçar a história des-

sa placa para ter certeza: o simples fato de

entrar num processo de comunicação verbal

implica que se respeitem as regras do jogo.

Isso não se faz por intermédio de um contra-

to explícito, mas por um acordo tácito, inse-

parável da atividade verbal. Entra em ação

um saber mutuamente conhecido: cada um

postula que seu parceiro aceita as regras e

espera que o outro as respeite. Essas regras

não são obrigatórias e inconscientes como as

da sintaxe e da morfologia, são convenções

tácitas. Essa problemática foi introduzida na

década de 60 por um filósofo da linguagem,

o americano Paul Grice, com o nome de “má-

ximas conversacionais”, que na França se

prefere denominar leis do discurso. Tais ‘leis’

que desempenham um papel considerável

na interpretação dos enunciados são um

conjunto de normas que cabe aos interlocu-

tores respeitar, quando participam de um ato

de comunicação verbal. Grice coloca essas

leis na dependência de uma lei superior, que

ele chama de princípio de cooperação. [...]

Em virtude desse princípio, os parceiros de-

vem compartilhar um certo quadro e colabo-

rar para o sucesso dessa atividade comum

que é a troca verbal, em que cada um reco-

nhece seus próprios direitos e deveres, assim

como os do outro.”

Page 54: Semantica e Aprendizagem

54 Capítulo 4

atividade |Em cada grupo de enunciado abaixo, indique a máxima violada e a implicação obtida:

1)A) O que você pensa dos judeus?B) Um judeu é um judeu.

2)A) João foi internado numa clínica psiquiátrica.B) É, ele andava um pouco nervoso.

3)A) Eu perguntei se você vai me dar a aliança?B)Emcompensação,achoquefinalmentevaichover.

4)A) – Paulo, por que você me pediu para esperá--lo no quarto?B)–(Nafrentedamulheredofilhopequeno).Bem,eutinhaumassuntomuitoimportantepara tratar com você, um assunto particular, você me entende, não?

4. atOS de fala

A teoria dos atos de fala nasceu da preocupação2 de alguns filósofos em introduzir na reflexão filo-sófica considerações sobre a linguagem corrente. Assim, filósofos como Austin, definem o ato de fala como a unidade mínima da comunicação. Para Austin, quando usamos a língua, não transmi-timos o conteúdo do pensamento nem trocamos informações apenas, mas realizamos uma ação.

Ao propor a análise da comunicação ordinária por meio da verificação dos atos que realizamos quan-do nos comunicamos, Austin pretendia descons-truir “a visão de linguagem que colocava as condi-ções de verdade como centrais para a compreensão da linguagem” (Levinson, 2007:289). Com isso, Austin provoca uma ruptura entre o entendimen-to que a Semântica Formal carrega acerca do sig-nificado e inaugura outro que se encaminha pe-los usos efetivos que os falantes fazem da língua quando se encontram em situações concretas de comunicação.

É nesse sentido que uma sentença como a) aposto cinquenta reais com você que o Sport vencerá no próximo jogo não é utilizada apenas para declarar alguma coisa, mas para realizar uma ação, ou seja, fazer alguma coisa. Como já foi mostrado no capítulo 3, Austin dividiu inicialmente os atos performativos dos constatativos. Designou os atos constatativos como aqueles que apenas declaram alguma coisa e os atos performativos como aqueles que realizam uma ação.

Em se tratando dos atos performativos, Austin afir-ma que para que o ato implicado no enunciado performativo seja feliz, ou seja, realize-se com êxito, é necessário que algumas condições pragmáticas sejam atendidas. Por exemplo, para que o padre realize o ato implicado no enunciado (b) Eu te ba-tizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo é necessárioquetenhaautoridadereconhecidaparaisso, faça uso dos gestos e instrumentos recomen-dados pela instituição e cumpra o ritual conforme prescreve a doutrina. Esses são alguns aspectos da situação que legitimam esse ato.

Podeumatofalharoudarerrado?SegundoAustin,sim. Quando as condições de realização desse ato nãosãoatendidas,háriscosdequefalhe.Comoexemplo, podemos citar o enunciado (c) Declaro-vos marido e mulher! pronunciado por um adolescente de 15 anos e dirigido a um casal. Esse enunciado não produzirá efeitos porque não atende às condi-ções necessárias para que se realize.

Após revisões da teoria, Austin desdobrará os atos contatativos e performativos em atos locucionários, ilo-cucionários e perlocucionários.

4.1. OS atOS lOcuciOnáriOS

Os atos lucionários correspondem ao “conjunto de sons que se organizam para efetivar um significado referencial e predicativo, quer dizer, para efetivar uma proposição que diz alguma coisa sobre ‘eu’.” (Pinto, 2006:58). Trata-se da dimensão linguística propriamente dita.

2 No capítulo 3, expusemos o trajeto histórico da teoria dos atos de fala e tecemos comentários acerca das motivações que levaram ao aparecimento dessa teoria.

Page 55: Semantica e Aprendizagem

55Capítulo 4

Nesse anúncio publicitário da Brastemp, temos uma declaração Nova Brastemp Twist, a lavadora que é igual a você: bonita e moderna. De acordo com a te-oria de Austin, o ato locucionário nesse enunciado corresponde à sua organização gramatical dotada de sentido e referência. Esse conjunto de sons grama-ticalmente organizados efetiva uma proposição que diz alguma coisa sobre a nova lavadora Brastemp.

4.2. atOS ilOcuciOnáriOS

Atos ilocucionários são aqueles que realizam algu-ma coisa ao serem ditos, ou seja, produzem uma ação que pode ser de promessa, oferta, declaração etc. Esses atos “refletem a posição do(a) locutor(a) em relação ao que ele(a) diz” (Pinto, 2006:58). Alguns atos definem-se pelas próprias regras da língua(gem) enquanto outros dependem do con-texto para realizarem o ato implicado no enuncia-do linguístico. Vejamos um exemplo:

Nesse exemplo, um político – provavelmente um daquelesfichasuja–discursaduranteumcomícioe enuncia: Prometo mais segurança. O verbo prometer enunciado nessas circunstâncias realiza uma ação e não se restringe a declarar apenas. Para que o ato realizadopeloverboproduzaefeito,hátodaumaconjuntura extralinguística, ou seja, um procedi-mento tido como convencional que apoia e permi-tequeaaçãosejaefetivada.Nocasodessacharge,temos a figura do político discursando num comí-cio para uma multidão de eleitores. Essa situação constrói as condições de realização do ato expres-so pelo enunciado. É nesse sentido que Levinson (2007:301) afirma que

“o ato ilocucionário se realiza diretamente pela força con-vencional associada à emissão de certo tipo de enunciado em

conformidade com um procedimento convencional (...).”

4.3. atOS PerlOcuciOnáriOS

Austin denominou atos perlocucionários aqueles que produzem certos efeitos e consequências sobre os alocutários pelo fato de terem sido enunciados, “sendo tais efeitos contingentes às circunstâncias da enunciação” (Levinson, 2007:300). Esse tipo de ato é específico da situação de enunciação, de modo que não se orienta por uma convenção como os atos ilocucionários, mas inclui todos os efeitos que se encontram em sua margem de possi-bilidade: emocionar, irritar, intimidar etc. Analise-mos um exemplo:

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tml OanúnciopublicitáriodochocolateBaton da Ga-

roto realiza o ato de ordenar através do enunciado Cooompre baton e o efeito perlocucionário de persu-adir o consumidor a comprar o produto anuncia-do. Esses efeitos produzidos pelos perlocucionários são indeterminados e encontram-se estreitamente atrelados à situação de enunciação.

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Page 56: Semantica e Aprendizagem

56 Capítulo 4

atividade |Nos enunciados abaixo, aponte o ato realizado e o efeito produzido sobre o interlocutor:

a) Protesto contra o aumento da tarifa de ônibus.b)Ordenoquevenhaaqui!c) Desculpo todos os meus amigos.d) Juro falar a verdade.e) Suplico seu perdão.

5. análiSe da cOnverSaçãO

A conversação, entendida como interação face a face entre interlocutores por meio da língua(gem), é a forma primeira de exposição ao fenômeno lin-guístico. Por isso, a conversação contribui efetiva-mente para o entendimento dos fatos pragmáticos que regulam a produção da linguagem em contex-tos específicos.

Entende-seporconversação“aqueletipoconheci-do e predominante de fala em que dois ou mais par-ticipantes se alternam livremente e que geralmente ocorre fora de contextos institucionais específicos, como serviços religiosos, tribunais, salas de aula e semelhantes” (Levinson, 2007:361). A disciplina,dentro da grande área da Linguística, que se ocupa dos fenômenos relacionados à conversação é deno-minada Análise da Conversação. Aqui não nos ocu-paremos em expor os pressupostos teórico-metodo-lógicos da Análise da Conversação, de modo que nos restringiremos a expor alguns aspectos pragmáti-cos que se encontram implicados na conversação.

5.1. algumaS caracteríSticaS

OrganizaciOnaiS da cOnverSaçãO

A conversação caracteriza-se, a princípio, por ser a primeira forma de linguagem a que somos expos-tos. Um exemplo típico desse modo de exposição é a conversa que a mãe tem com o bebê ou a conversa entre familiares que visitam o recém-nascido. Con-cordamoscomMarcuschi(1991:15)quandoafirmahavercincocaracterísticasbásicasdaconversação:

a. Interação entre, pelo menos, dois falantes;b. ocorrência de, pelo menos, uma troca de falantes;c. presença de uma sequência de ações coorde-

nadas;d. execução numa identidade temporal;e. envolvimento numa interação centrada.

VOCÊ SABIA?

Austin (1962) propôs uma classificação dos

atos ilocucionários. Segundo ele, essa clas-

sificação deveria ser tomada como material

para discussão e não, como algo definitivo:

“ – os ‘veridctivos’: eles consistem em pro-

nunciar um julgamento (veredicto) funda-

do na evidência ou em boas razões, acer-

ca de um valor ou de um fato. Exemplos:

desculpar, considerar, calcular, descrever,

analisar, estimar, classificar, avaliar, carac-

terizar.

- os ‘exercitivos’: eles consistem em formu-

lar uma decisão em favor ou no sentido de

uma sequência de ações. Exemplos: orde-

nar, comandar, defender, suplicar, reco-

mendar, implorar, aconselhar assim como:

nomear, declarar uma sessão aberta, fe-

chada, advertir, proclamar.

- os ‘comissivos’: eles comprometem o lei-

tor com determinada sequência de ações.

Exemplos: prometer, fazer voto de, compro-

meter-se por contrato, garantir, jurar, ado-

tar uma convenção, aderir a um partido.

- os ‘expositivos’: eles são utilizados para

compor concepções, conduzir uma argu-

mentação, esclarecer a utilização de pala-

vras, assegurar as referências. Exemplos:

afirmar, negar, responder, objetar, conce-

der, exemplificar, parafrasear, relacionar

metas.

- os ‘comportamentais’ (behabitives): trata-

-se de reações ao comportamento dos ou-

tros, aos acontecimentos que lhes dizem

respeito; são expressões de atitudes acerca

de seu comportamento ou de seu destino.

Exemplos: desculpar-se, agradecer, felici-

tar, desejar boas-vindas, criticar, exprimir

condolências, abençoar, amaldiçoar, fa-

zer um brinde, beber à saúde de. E ainda:

protestar, provocar, desafiar” (Armengaud,

2005:103-104).

SAIBA MAIS!

Aprenda mais sobre os percursos teórico-

-metodológicos da Pragmática lendo o li-

vro Nova Pragmática: fases e feições de

um fazer organizado pelo linguista apli-

cado Kanavillil Rajagopalan. A introdução

do livro pode ser encontrada no site:

http://www.parabolaeditorial.com.br/dia-

gfeicoes.pdf

Page 57: Semantica e Aprendizagem

57Capítulo 4

Essas características que constituem a conversação apontam para fatores pragmáticos que determi-nam o processo conversacional. Esses fatores estão ancorados naquilo que é central na conversação: a interação verbal centrada. Essa interação desen-volve-se durante “o tempo em que dois ou mais interlocutores voltam sua atenção visual e cogniti-vaparaumatarefacomum”(Marcuschi,1991:15).

Levando em consideração que a conversação ocor-re num determinado tempo e lugar, vale ressaltar o papel dos interlocutores que mobilizam certos conhecimentospartilhados,comooconhecimen-to linguístico, cultural e da situação social em que estão inseridos.

5.2. turnOS

Uma das características básicas da conversação é o turno que pode ser definido – grosso modo – na frase:“falaumdecadavez”.Marcuschi(1999:18)esmiuça dizendo que “o turno pode ser tido como aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a palavra, incluindo, aí, a possibilidade do silêncio.”

Durante a conversação, nem todos falam ao mes-mo tempo, ou seja, um espera o outro concluir para tomar a palavra nem um só fala o tempo todo. Essa distribuição de turnos faz do processo conversacional uma ação disciplinada. Há normas tácitas, ou seja, aceitas por todos, que disciplinam a conversação e permitem que todos se entendam durante o processo. Passemos a um exemplo:

Kazue – Recife – 1984 – III(contexto: a professora realiza exercícios de soma e divisão com os alunos na aula de Matemática.)...P : e agora como é que vou terminar isso”A1 : cinco sextoP : como cinco sextoA2 : [[quinze dividido por As : [[(incompreensível) ((muitos falando ao mesmo tempo))P : olha/ peraí peraí não fala todos ao mesmo tem-po ninguém consegue entender/ um de cada vez/ não é possível’/.../3 (Kazue apud Marcuschi, 1999:23-24)

O exemplo acima ilustra duas situações muito co-muns ao processo conversacional: a alternância deturnoeatomadadeturnoquandoháfalasi-multâneas por meio de mecanismos reparadores. Tomando como base a situação social específica em que se encontram, professora e alunos iniciam uma conversa sobre o tema da aula. Orientados pe-las normas inerentes a essa situação de interação, a professora inicia o turno que é tomado por A1. Logo após expor sua resposta, A1 devolve o turno à professora que alterna com a turma que começa a falar ao mesmo tempo. Em seguida, a professora procura retomar o turno e reparar a situação invo-cando normas que regem a conversação.

Uma vez que a conversação se trata de um fenô-meno empírico em que os falantes realizam a língua(gem) numa situação real de interação, suas normas são ditadas por essa situação. Assim sendo, fatores pragmáticos entram em jogo e são conside-rados pelos falantes que intencionam o sucesso da comunicação em curso. O exemplo acima ilustra bem esse aspecto da comunicação. A todo mo-mento, os falantes deixam-se guiar pelas normas pragmáticas que orientam e constituem o processo conversacional.

5.3. PareS cOnverSaciOnaiS

Os turnos alternados são uma característica básica da conversação. Esses turnos, por sua vez, são con-duzidos por normas pragmáticas que orientam a re-alização das sequências linguísticas realizadas pelos falantes de maneira coordenada e cooperativa em situações de fala. Algumas dessas sequências são al-tamente padronizadas no que diz respeito à sua es-truturação.Schegloff(1972)deuaessassequênciaso nome de pares adjacentes devido à contiguidade entre elas e ao tipo de relações que estabelecem. Marcuschi (1999)apresentaos seguintes tiposdepares adjacentes (ou pares conversacionais):

a. pergunta-resposta

b. ordem-execução

c. convite-aceitação/recusa

3 Códigos usados na transcrição: [[: usados para indicar que dois falantes iniciaram ao mesmo tempo um turno; (+): para pausas e silêncios; ( ): usado para marcar trechos incompreensíveis da fala; /: usado para indicar quando um falante corta uma unidade e provoca um truncamento brusco.

Page 58: Semantica e Aprendizagem

58 Capítulo 4

d. cumprimento-cumprimento

e. xingamento-defesa/revide

f. acusação-defesa/justificativa

g. pedido de desculpa-perdão

O par conversacional mais comum nas interações cotidianas é o par pergunta-resposta(P-R).Apergun-ta pode aparecer sob a forma direta ou indireta, como no exemplo:

- queria saber por que minha aposentadoria não saiu

A resposta também pode variar quanto à sua estru-tura e pode vir sob a forma de uma pergunta:

A. ficou satisfeita”

B. queacha”((numlargosorriso))4

A partir dos exemplos acima, concluímos que não é apenas o fator linguístico que vai determinar a estrutura e os efeitos de sentido produzidos pelos falantes em interações verbais situadas. Mais que o fator linguístico, fatores pragmáticos determinam a estrutura e os sentidos construídos nessas inte-rações. Apenas considerando fatores pragmáticos – como o largo sorriso – implicados na situação de enunciação de B, é que podemos compreender seu sentido e entendê-lo como uma pergunta que responde a indagação de A.

Como não temos a pretensão de aprofundar os casos que interessam à Análise da Conversação neste livro, apresentamos esses fenômenos para elucidar acerca do interesse que a Pragmática tem sobre os resultados advindos desse campo de pesquisa. Esse interesse justifica-se pelo fato dequeaAnálisedaConversaçãotrabalhacommaterial empírico e coletado no momento em que a interação verbal acontece. Lembro que a Pragmática está interessada nos fenômenos relacionados à língua em uso, de maneira que a Análise da Conversação pode oferecer farta contribuição aos estudos que envolvem os falan-tes e os usos que fazem da língua.

VOCÊ SABIA?

“A Análise da Conversação (AC) ini-

ciou-se na década de 60, na linha da

Etnometodologia e da Antropologia

Cognitiva e preocupou-se, até meados

dos anos 70 sobretudo, com a descri-

ção das estruturas da conversação e

seus mecanismos organizadores. Nor-

teou-a o princípio básico de que todos

os aspectos da ação e interação social

poderiam ser examinados e descritos

em termos de organização estrutural

convencionalizada ou institucionaliza-

da. Isso explica a predominância dos

estudos eminentemente organizacio-

nais da conversação.

Hoje, tende-se a observar outros as-

pectos envolvidos na atividade con-

versacional. Segundo J.J. Gumperz

(1982), a AC deve preocupar-se, so-

bretudo, com a especificação dos co-

nhecimentos linguísticos, paralinguís-

ticos e socioculturais que devem ser

partilhados para que a interação seja

bem-sucedida. Essa perspectiva ultra-

passa a análise de estruturas e atinge

os processos cooperativos presentes na

atividade conversacional: o problema

passa da organização para a interpre-

tação” (Marcuschi, 1999:6).

SAIBA MAIS!

Leia Análise da Conversação do

linguista Luiz Antônio Marcuschi

e aprofunde seus conhecimentos

acerca da disciplina chamada Aná-

lise da Conversação. O livro pode

ser baixado no link:

http://www.4shared.com/get/

OxBqQdJ0/Luiz_Antonio_Marcus-

chi-Anlise_.html

4 Extraído de Marcuschi (1999:37).

Page 59: Semantica e Aprendizagem

59Capítulo 4

ATIVIDADE |

reSumO

A Pragmática interessa-se pela língua em uso, ou seja, debruça-se sobre fenômenos da linguagem e analisa a relação entre a situação de enunciação e as estruturas linguísticas. Assim, entende que o sentido de um enunciado não se encontra ligado ao enunciado, mas é resultado da relação entre a língua e o mundo em que é realizada. Nesse sentido, pro-curamos apresentar neste capítulo alguns pressupostos teóricos que orientam os trabalhos realizados no campo da Pragmática. Foi com esse intuito que trouxemos conceitos centrais nesse campo, como dêixis, implicatura conversacional, teoria dos atos de fala e análise da conversação. Acreditamos que o conhecimento desses conceitos dá uma ideia da perspecti-va e alcance da Pragmática. Em todos eles, fatores pragmáticos são mobilizados no sentido de explicar os processos de significação em sua relação constitutiva com o contexto.

Durante o processo de interação verbal, os in-terlocutores levam em consideração alguns ele-mentos pragmáticos que determinam a estru-tura dos enunciados e os sentidos atribuídos a esses mesmos enunciados. Leia atentamente a tirinhaacimaeaponteosaspectospragmáticosque entram em jogo nessa conversa entre Ma-falda e sua mãe.

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Page 60: Semantica e Aprendizagem

60 Capítulo 4

referÊnciaS

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LEVINSON, S. C. Pragmática. São Paulo: Mar-tins Fontes, 2007.

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