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1 AMEAÇAS FITOSSANITÁRIAS: NOVAS PRAGAS COLOCAM EM RISCO A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO BRASIL

Seminario Ameaças Fitossanitárias - Novas pragas colocam em risco a produção de alimentos no Brasil

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2013

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APRESENTAÇÃO

URGÊNCIA DE UMA ESTRATÉGIA DE DEFESA FITOSSANITÁRIA

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Nos últimos meses agricultores brasileiros têm acumulado prejuízos milionários devido à chegada ao país da lagarta Helicoverpa armigera, que ataca plantações de soja, milho e algodão. De acordo com a Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária (SBDA), existem ao menos outros 150 invasores com

potencial de ataque aos cultivos em algum ponto do país, podendo trazer prejuízos de até R$ 40 bilhões ao agronegócio nacional. Para debater sobre os riscos e buscar saídas ao risco que as novas pragas representam para o Bra-sil, pesquisadores, acadêmicos, lideranças do agronegócio brasileiro e da indústria fabricante de defensivos agrícolas reuniram-se no dia 23 de maio de 2013. Ao todo, cerca de 300 pessoas participaram do Seminário Ameaças Fitossanitárias, realizado pela SBDA, em São Paulo. Os trabalhos do Seminário foram conduzidos em dois períodos. Na parte da manhã, os palestrantes expuseram o tema sob uma visão ampla, com aspectos como o conceito de invasão biológica, os impactos que as novas pragas causam ao país e como é o procedimento para registro de defensivos agrícolas no Ministério da Agricultura. No período da tarde, ocorreu a apresentação de alguns casos de sucesso de com-bate à novas pragas, feitas por pesquisadores que trabalharam nos respectivos projetos. Um dos pontos marcantes do evento foi a apresentação sobre os estragos que a Helicoverpa armigera vem causando no Estado da Bahia. Ao final das apresentações, especialistas e participantes debateram sobre a importância das ações de prevenção à entrada de pragas exóticas em território brasileiro, e sugeriram uma série de propostas indi-cando a necessidade urgente de o País desenvolver uma ampla política de defesa fitossanitária.

Sociedade Brasileira de Defesa AgropecuáriaJunho de 2013

Expediente

Seminário Ameaças FitossanitáriasOrganizador: Evaldo Ferreira Vilela (Presidente da SBDA)Coordenadora Geral: Regina Lúcia Sugayama (SDBA)Mediador dos debates: Angelo Pallini (UFV)Assessoria Geral: Joenilma Nogueira LeiteAssessoria de Imprensa: Nathália Nogueira (Lítula Comunicação)

Equipe de Produção dos Anais do Seminário:Edição de Conteúdo e Revisão: Angela FerreiraProjeto Gráfico e Diagramação: Anistela NoronhaFotos: Alf Ribeiro e imagens de arquivo dos autoresGráfica: Criasett

* Esta publicação tem circulação gratuita e foi produzida como anais do Seminário Ameaças Fitossanitárias, realizado pela Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária, em maio de 2013.

inovadefesa.ning.com/group/[email protected]

APRESENTAÇÃO

URGÊNCIA DE UMA ESTRATÉGIA DE DEFESA FITOSSANITÁRIA

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SUMÁRIOApresentação...................................................................................................................................... 5Urgência de uma estratégia de defesa fitossanitária

Depoimentos .......................................................................................................................................9 Ciência e a corrida contra o tempo

Sobre a Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária ................................................................. 11Evaldo Ferreira Vilela

Biologia do processo de invasão......................................................................................................13Denise Návia

Pragas quarentenárias para o Brasil ............................................................................................... 21Marcelo Lopes da Silva

Registro emergencial de agrotóxicos............................................................................................... 27Luís Eduardo Pacifici Rangel

Mosca-de-carambola e greening:...................................................................................................... 33 análise de benefício-custo dos programas de erradicaçãoSilvia Helena Galvão de Miranda

Cydia pomonella: qual seria o cenário da fruticultura ....................................................................37temperada no Brasil na ausência de erradicação?Jair Virgínio

Ferrugem asiática da soja - impacto da entrada da praga no Brasil ............................................ 41Rafael Moreira Soares

Impacto da Helicoverpa armigera sobre a agricultura brasileira................................................... 45Suely Xavier de Brito

Organização de sistemas de defesa sanitária vegetal em outros países...................................... 49Aldo Malavasi

Debates e propostas........................................................................................................................... 54Em defesa da competitividade agropecuária

Considerações finais .......................................................................................................................... 61

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EVALDO FERREIRA VILELA Sociedade Brasileira de Defesa AgropecuáriaÉ muito importante que consigamos nos organizar enquanto sociedade civil, articulando universidades, em-presas, institutos de pesquisas e órgãos de governo, no sentido de aperfeiçoar o funcionamento da defesa agropecuária no Brasil. Há uma necessidade muito grande de melhorar a atuação da vigilância sanitária, animal e vegetal, sem a preocupação em identificar culpados, ou deficiências do passado, mas mirar na construção

de uma realidade futura mais adequada ao País.É difícil a construção do novo, mas é preciso e possível, a partir da união de princípios e forças para atender a deman-da de um mundo em grande transformação. Por isso, o apelo da Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária para constituirmos uma comunidade atuante no campo da defesa agropecuária no País.

EDUARDO DAHER Diretor-executivo da Andef O marco regulatório precisa ser aperfeiçoado, a fim de conferir maior agilidade aos órgãos governa-mentais encarregados de analisar e aprovar as novas tecnologias demandadas pelos agricultores, bem como oferecer um horizonte de maior previsibilidade às empresas para definirem seus planos de investimentos. O que temos visto, porém, são alguns órgãos regulatórios encarregados de analisar

os pedidos de registros de novos ingredientes ativos e melhorias nas formulações existentes, entre outras demandas, continuarem a trabalhar numa morosidade totalmente incompatível com a dinâmica que o mundo exige quando o assunto é a produção de grãos, fibras e energias renováveis.

ANITA GUTIERREZ CEAGESP Os produtores enfrentam situações extremamente burocráticas e complicadas que têm prejudicado muito sua atividade. O produtor de hortaliças, por exemplo, precisa contar com os serviços de um Engenheiro Agrônomo responsável pelo manejo fitossanitário e um certificado fitossanitário de origem, quando chega à CEASA, pagar a outro Agrônomo o certificado fitossanitário de origem e, depois, ainda buscar uma

permissão de trânsito vegetal nas Defesas Estaduais, que funcionam em horários bastante restritos. Ou seja, os produtos com certificado de origem, que já foram verificados, rotulados e embalados, mas que não foram reembalados novamente, devem passar por todo o processo burocrático novamente. Diante dessas dificuldades, muitos atacadistas deixaram de vender para outros Estados. Portanto, para impulsionar a hortifruticultura, fica clara a urgência de resolver a falta de registro de agrotóxicos e simplificar a Defesa Fitossanitária.

NELSON LEITEDiretor de Defesa Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará O Pará é um estado onde tudo é grandioso. São 1,2 milhão km². Igualmente grandioso, é o potencial agropecuário da região. Hoje, o estado é o quarto maior produtor de rebanho bovino do Brasil, o segundo maior produtor de cacau, o primeiro em abacaxi, pimenta-do-reino e açaí e o sétimo em citros. Brevemente, estará também entre os dez maiores produtores de soja do país, o que reforça a

preocupação dos produtores locais com a presença e o combate à Helicoverpa armigera.

DEPOIMENTOS

CIÊNCIA E A CORRIDA CONTRA O TEMPO

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SOBRE A SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA

AGROPECUÁRIA

Desde 2008, está em andamento o Projeto “Ino-vação para a Defesa Agropecuária - INOVA-DEFSA”, sob a Coordenação da Universidade

Federal de Viçosa, interior do Estado de Minas Gerais. O Programa mineiro, que termina este ano, foi a inspi-ração para a criação da SBDA, em 2010, com a mis-são de promover maior articulação entre a pesquisa, o ensino, o setor privado e os órgãos regulatórios envolvidos com a De-fesa Agropecuária em todo o terri-tório nacional. Recomendado pelo então Ministro Roberto Rodrigues e o ex-Ministro Alysson Paolinelli, a iniciativa tratou de organizar a so-ciedade civil na construção de so-luções sustentáveis para as ques-tões da Sanidade Vegetal e Animal no Brasil, construindo um futuro mais seguro para todos os brasilei-ros no que diz respeito às pragas e as doenças das plantas e animais. Entre as ações da So-ciedade Brasileira de Defesa Agropecuária estão o estimulo à capacitação de profissionais, a facilitação da Inovação Tecnológi-ca, a agregação de massa crítica e indução de uma visão mais estratégica para a Defesa Agropecuária. Sua atuação e ações podem servir como exemplo ao Governo Federal de como vencer a burocracia inerente a todos os processos. O funcionamento dos procedimentos na área da defesa agropecuária nos estados e no País como um todo só não está pior porque há muitas fortalezas do lado das em-

presas e do MAPA. No entanto, é preciso aproveitar as vantagens competitivas do Brasil para que, até 2022, quando será completado mais um centenário de independência, seja possível melhorar o País do ponto de vista de negócios, de renda e de emprego associados ao agronegócio. A questão de pragas exóticas é hoje um

dos mais graves problemas para as cadeias de produção de ali-mentos, fibras e biocombustíveis, causando perdas diretas no cam-po e redução de acesso a merca-dos, prejudicando a competitivi-dade da economia nacional. Para contribuir com o avanço do tema, está sendo produzido o livro “Pra-gas introduzidas no Brasil: inse-tos e ácaros”, em parceria com a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ), que reú-ne estudos de 136 pesquisadores em mais de 800 páginas. Essa é a segunda edição da obra que rela-ta os casos de introdução de no-vas pragas no País, suas causas e impactos. No lançamento, tam-

bém será disponibilizada uma segunda obra chama-da “Fundamentos da Defesa Agropecuária”, que re-úne outros autores discorrendo sobre o tema. Essa será a primeira obra a dar condições aos estudantes de graduação das áreas de agronomia, veterinária e biologia conhecerem mais de perto o que é a Defesa Agropecuária, disciplina inexistente no currículo das universidades brasileiras.

EVALDO FERREIRA VILELASociedade Brasileira de Defesa

Agropecuária

“A questão de pragas exóticas é hoje um dos mais graves problemas

para as cadeias de produção de alimentos, fibras e biocombustíveis, causando perdas diretas no campo e redução de

acesso a mercados”

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A globalização, além do maior trânsito de pragas, trouxe também a conectividade, que per-mite somar conhecimentos independentemente de idade, credo, raça ou profissão. E o processo de inovação ensina muitas questões como, por exem-plo, que o que mais impede uma comunidade de avançar é a questão do preconceito, de achar que uma visão está presa ao passado. Hoje, com o ad-vento da internet e a velocidade com que os acon-tecimentos ocorrem, o conhecimento do passado, a experiência, não são garantias para o sucesso. E o Brasil está longe de tomar consciência de que as experiências anteriores não se prestam tanto mais

para solucionar os novos problemas. Temos que acompanhar a velocidade dos acontecimentos com uma visão mais esperançosa do futuro. Para contribuir com a disseminação dos novos conceitos e estudos, a SBDA disponibiliza a Rede Inovação Tecnológica para a Defesa Agrope-cuária - RITDA (www.inovadefesa.ning.com), com cerca de 8 mil usuários cadastrados. Esse mundo de compartilhamento de informação que surgiu com as redes sociais, não é passatempo, mas uma das mais importantes armas de um mundo globalizado. Por isso, é preciso valorizar mais a informação e tra-balhar de forma mais efetiva a inovação.

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BIOLOGIA DO PROCESSO DE INVASÃO

A primeira vez que se falou em espécies exóticas invasoras (EEI) foi durante a Convenção de Di-versidade Biológica, em 1992. Essas espécies

exóticas são aquelas cuja introdução ou dispersão ameaça a diversidade biológica. Porém, no sentido prático, quando se fala nessas invasoras, atualmente, trata-se de organismos exóticos que, quando intro-duzidos em novas áreas passam a causar impacto econômico e/ou ecológico. Para isso a espécie deve se disseminar nas áreas invadidas O impacto ecológico é mais difícil de ser detectado e mensurado. Organismos dos mais di-versos grupos podem se tornar EEI. Algumas EEI são simpáticas ou mui-to bonitas. Um exemplo disso são algumas plantas ornamentais. Muitas plantas introduzidas propositada-mente como ornamentais tornam-se invasoras. Por isso atualmente há for-tes campanhas para a utilização de plantas ornamentais nativas, e não exóticas. Além disso, temos como EEI mamíferos, anfíbios, moluscos, ácaros, fungos, vírus, bactérias. Es-pécies de qualquer grupo podem se tornar invasoras em novos ambientes, quando encontram condições climáti-cas favoráveis ao desenvolvimento e ausência de inimigos naturais eficientes. As invasões podem ocorrer nos mais diversos ambientes - aquáticos ou terrestres - incluindo os agroecossistemas. Basicamente, invasão biológica consiste no deslocamento dos organismos vivos, de uma região

a outra, proposital ou acidentalmente, ocasionando pre-juízos ambientais, econômicos, sociais e culturais. Como resultado da atividade humana moderna, barreiras geo-gráficas que impediriam os organismos de se desloca-rem, são eliminadas. Nos agroecossistemas isso tem levado ao que os pesquisadores chamam de “biogloba-lização de pragas”. Assim, a biologia clássica trata dos

organismos em sua área de distribui-ção natural; e a biologia das invasões estuda os organismos introduzidos em novos ambientes. As EEI têm causado graves problemas para a conservação dos ambientes naturais, recursos hídricos, agricultura e pecu-ária. Como impacto na agricultura, por exemplo, basta observar que a maioria das pragas agrícolas são exóticas. Como resultado, há tam-bém sérios impactos na alimentação, nutrição e saúde humana. Por isso, tem sido tema relevante nos mais di-versos fóruns. As EEI que afetam os vegetais estão também no escopo da Convenção Internacional de Pro-teção dos Vegetais, junto à FAO, e da Organização Mundial do Comércio.

As invasões biológicas representam um gran-de desafio global para os sistemas econômicos e para a conservação dos ambientes. Estão entre as mudanças globais, ocasionadas pela atividade humana. As bioinva-sões são um dos problemas menos reversíveis, assim como as mudanças climáticas, e são consideradas a se-gunda principal causa da perda da biodiversidade, após a ocupação de áreas pelo homem. Mas, o tema das

DENISE NÁVIAEmbrapa Recursos Genéticos

“Hoje, as espécies invasoras exóticas têm

causado graves problemas para a conservação dos

ambientes naturais, recursos hídricos,

agricultura e pecuária.”

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invasões não é novo. Em 1958, o inglês Charles Elton, fundador da biologia das invasões, percebeu e ante-cedeu os problemas que têm sido intensificados nos últimos anos, em um livro chamado “Biological Inva-sions”. Este livro é considerado a base para essa área do conhecimento. Elton menciona que as invasões passariam a ser tão frequentes que seriam necessá-rios compreender seus padrões e processos; prever

suas ocorrências e consequências; e definir estraté-gias para minimizar seus impactos. Dessa forma, além da compreensão desse fenômeno que vem ocorrendo em todo o planeta, a biologia das invasões tem como objetivo aplicado prever, prevenir, controlar o fluxo e minimizar o impacto ecológico e econômico das EEIs. Em poucos séculos, a civilização passou de uma realidade onde havia pouquíssimas rotas marítimas,

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e viajava-se em caravelas, para uma extrema intensifica-ção das rotas marítimas e aéreas. Além da facilidade de transporte entre as mais distantes regiões do planeta, a globalização da economia têm ocasionado um grande aumento dos problemas de invasões biológicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, em ambientes aquáticos, o número de introduções de peixes aumentou em três vezes, nas últimas décadas; e as taxas de invasão conti-nuam aumentando. Até 1960, uma nova espécie exótica era introduzida a cada 55 semanas; atualmente esse número é de uma nova espécie a cada 14 semanas. É importante compre-ender os fatores que influenciam cada uma das etapas do proces-so de invasão para planejar ações que reduzam a probabilidade de seu sucesso. A primeira etapa é o transporte dos organismos exó-ticos para novas áreas, pois eles têm que sobreviver às condições de transporte e serem liberados no novo ambiente em boas condi-ções fisiológicas. A etapa seguinte é o estabelecimento; ao chegarem ao novo ambiente os organismos devem começar a se reproduzir. Depois de já estabelecida uma po-pulação, é preciso que estas aumentem em número e se dispersem, passando a ocupar áreas mais exten-sas. E, por fim, chega-se à etapa final, quando são percebidos os impactos ecológicos e econômicos. Estima-se que entre todas as espécies exóticas que são introduzidas em novas áreas, apenas uma mé-dia de 10% tornam-se invasoras, essa porcentagem pode variar entre 5% e 20%. Nos Estados Unidos, por exemplo, dos 1500 artrópodos introduzidos nas últi-mas décadas, apenas 50 se estabeleceram e estão causando sérios impactos; mesmo sendo uma baixa porcentagem de processos de invasões com sucesso,

essas invasões representam um grande desafio para a economia dos países. Existem algumas características gerais dos organismos que favorecem para que se tornem inva-sores. Normalmente as EEI são organismos associa-dos às atividades humanas, que apresentam eficien-tes estratégias de dispersão, alta fecundidade, alta taxa de crescimento populacional, alta tolerância a condições físicas extremas, maturidade sexual preco-

ce, reprodução assexuada, como partenogênese. Normalmente são espécies que têm plasticidade fe-notípica, suficiente variabilidade genética e, normalmente, são polí-fagas, em se falando de herbívoros. Essas características não são dis-criminantes, ou seja, não é preciso que o organismo invasor tenha to-das essas características. Porém, quanto mais dessas características tiver, maior a probabilidade de que se torne um invasor. O estabelecimento das es-pécies exóticas é o segundo passo no processo de invasão biológica. Um ponto fundamental para en-tender esse processo é a pressão do propágulo, que é o conjunto

de indivíduos de uma espécie que são liberados no novo ambiente. Quanto mais numeroso o propágulo, maior a probabilidade de seu estabelecimento. Além disso, o número de introduções repetidas em uma de-terminada área, e em localidades próximas, aumenta muito a probabilidade de que uma espécie se torne in-vasora. Para ter sucesso no estabelecimento, os pro-págulos precisam chegar saudáveis e vigorosos nas novas áreas. As condições bióticas e abióticas das áreas “doadoras”, isto é, área de origem do propágu-lo, influenciam o estado fisiológico dos propágulos. Se ocorrerem várias introduções seguidas de uma mes-

“É importante compreender o que

influencia cada etapa de introdução para planejar as ações.”

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ma espécie exótica, as diferentes populações podem se hibridizar, favorecendo seu “fitness” e, em consequ-ência, levando a explosões populacionais e expansão geográfica. Portanto, muitas vezes, não é apenas com uma única introdução que uma espécie se estabelece e passe a causar impactos. Além de reconhecer os fatores que influen-ciam o sucesso dessas invasões, é importante reco-nhecer as características dos am-bientes que os tornam susceptíveis às invasões biológicas. Um fator importante é a questão da resistên-cia biótica. Há muita discussão em grupos de pesquisa sobre o tema e há alguns consensos. Por exem-plo, em ambientes naturais, quanto mais preservado é o ambiente, mais o mesmo é resistente às espécies in-vasoras. Assim, os ambientes mais equilibrados, com comunidades estruturadas e diversificadas, têm maior resistência biótica às invasões. E, sem dúvida alguma, os ambientes mais alterados, como os agroecos-sistemas, são extremamente sus-ceptíveis às invasões biológicas. Outra característica da área receptora que a torna susceptível às invasões é sua disponibilidade de recursos. Esse é um ponto de dis-cordância entre os pesquisadores. Alguns acreditam que os ambientes com fartura de recursos são real-mente mais suscetíveis às invasões biológicas; outros defendem que a falta de recursos, que causa períodos de estresse no ambiente, é que o torna mais suscetí-vel, devido à desestruturação das comunidades. A susceptibilidade das ilhas às invasões tem sido muito estudada. As ilhas são extremamente sus-ceptíveis às EEI, devido ao isolamento de influências externas; elevado endemismo; e pela estreita evolução das espécies que ocorrem no ambiente. As invasões

biológicas em ilhas têm tido consequências devasta-doras. Por exemplo, em Galápagos, o laboratório vivo de Charles Darwin, o número de plantas exóticas é, atualmente, maior do que o número de espécies nati-vas: são 40 espécies de plantas exóticas que já inva-diram a vegetação nativa, ameaçando os ambientes naturais, e 60 espécies vegetais nativas estão amea-çadas de extinção.

Outros ambientes extrema-mente susceptíveis às invasões biológicas são os ambientes ur-banos. Um exemplo bastante interessante é o da mariposa Paysandisia archon, originária da Argentina e Uruguai. Esta maripo-sa foi acidentalmente introduzida através do comércio de palmeiras ornamentais na região do Me-diterrâneo - Espanha, França e Itália - e tornou-se um sério pro-blema local, matando palmeiras extremamente valiosas para as áreas urbanas, como as tamarei-ras. Enquanto não se encontram métodos de controle eficientes, a estratégia que vem sendo usada é a total cobertura da copa das

palmeiras com telas, evitando a oviposição nas gemas apicais e, consequentemente, a morte das árvores. Este procedimento é de elevado custo e tem alterado a paisagem das cidades afetadas. Entre os ambientes extremamente suscep-tíveis às invasões estão os agroecossistemas. Pro-vavelmente as áreas agrícolas ou florestais de me-nor diversidade, como as extensas monoculturas, constituem os sistemas mais vulneráveis às EEIs. É preciso estar ciente disso para prevenir e enfrentar as invasões nos ambientes agrícolas. Depois que uma espécie exótica é introduzi-da em uma nova área, é possível que leve muito tempo

“Sem dúvida alguma, os ambientes mais alterados, como os agroecossistemas, são extremamente

susceptíveis às invasões biológicas.”

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para que ela venha a causar impactos ecológicos e econômicos. É muito difícil prever o período de tempo entre a introdução e o momento em que é possível observar suas explosões populacionais e a expansão de sua área de ocorrência. Em inglês esse período de tempo é conhecido como “lag effect”. Algumas espé-cies exóticas podem permanecer em baixíssimas po-pulações ou não percebidas por muitas décadas até que os impactos econômicos sejam evidentes. Isso pode ser influenciado por fatores climáticos e bióti-cos. Pode ocorrer que ambientes antes desfavoráveis passem a ser favoráveis às espécies exóticas intro-duzidas. Alguns pesquisadores defendem ainda que as espécies exóticas passam a ser mais agressivas, devido às mudanças genéticas. Deve-se considerar

também a ocorrência do efeito de atraso aparente, quando as espécies exóticas já estavam causando impactos, mas ainda não haviam sido detectadas ou estavam sendo erroneamente identificadas.

Impactos ecológicos e econômicos das espécies exóticas invasoras As EEI podem causar impactos em todos os níveis da organização ecológica - desde ao indivíduo até a comunidade e ecossistema. Entre os impactos podemos citar: transformação da estrutura e com-posição das espécies dos ecossistemas, herbivoria, competição, repressão ou exclusão de espécies na-tivas, predação, parasitismo ou infecção dos organis-

AÇÕES APROPRIADAS EM CADA ESTÁGIO DE INVASÃO

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mos nativos, e modificações químicas ou físicas do ambiente. Um fenômeno bastante interessante é a rá-pida adaptação das EEIs aos novos ambientes. Por exemplo, um estudo de Raymond B. Huey, chama-do “Rapid Evolution of a Geographic Cline in Size in an Introduced Fly”, publicado na revista Science, aborda a rápida adaptação de uma Drosophila nas regiões neotropicais, com mudanças fenotípicas. Outro exemplo bastante interessante é o do ácaro vermelho das palmei-ras, Raoiella indica. No Hemisfério Oriental esses ácaros fitófagos apresentavam quatro palmeiras hospedeiras. Após sua intro-dução nas Américas, em 2004, em menos de dez anos já foram registradas mais de 90 plantas hospedeiras. Além de palmeiras (Aecaceae), R. indica tem infes-tado também plantas das famílias Musaceae (incluindo a banana), Heliconiaceae, Strelitziaceae, Zin-giberaceae, entre outras monocotiledôneas. Dessa forma o ácaro representa uma ameaça não apenas aos agroecossistemas, mas também a áreas naturais onde são abundantes hospedeiras nativas. Outro impacto ecológico das espécies invaso-ras exóticas é a exclusão competitiva. Com a chegada de uma espécie exótica, inicia-se uma competição com as espécies nativas, ou anteriormente naturalizadas. E, uma das grandes vantagens que as espécies exóticas têm em relação às que já estão no ambiente é que, nor-malmente, não encontram inimigos naturais eficientes nas novas áreas de ocorrências. Um exemplo desse caso é a formiga de fogo, Solenopsis invicta, nos Estados Unidos, considerada uma das piores espécies invasoras em todo o mundo. Já existiam alguns genótipos dessa formiga no

país, até que foi introduzido um novo genótipo que, em poucos anos, tornou-se dominante e tem levado à redu-ção da diversidade das espécies nativas de formigas em 70% nos estados do sul, sudeste e na Califórnia. Ou seja, um genótipo exótico de uma espécie já existente vem ex-cluindo as espécies nativas, e passou a ser um dos piores

invasores naquela área. Um problema para a agricultura e para a saúde hu-mana. Outro impacto ecológico é a mudança total da estrutura das comu-nidades. Ao invés de eliminarem com-pletamente as espécies nativas, as EEI passam a dominar as comunidades. O exemplo que ilustra esse caso é o áca-ro vermelho do tomateiro, Tetranychus evansi, de origem sul-americana, in-vasor na África e na região do Medi-terrâneo. Ferragut e colaboradores realizaram levantamento dos ácaros fitófagos e predadores em hortaliças na Espanha antes e dez anos depois da introdução de T. evansi. Os resulta-dos mostraram que a composição da acarofauna não foi modificada, mas a

abundância relativa mudou completamente. Isso contes-ta um pouco a crença de alguns pesquisadores de que um tempo após a invasão os sistemas podem voltar a ter equilíbrio. O que se observa muitas vezes é uma alteração completa e permanente das comunidades. O deslocamento de nichos é outro impacto eco-lógico. Por exemplo, um esquilo de origem norte-ameri-cana, foi introduzido na Grã-Bretanha e deslocou a espé-cie nativa de esquilo dos bosques para áreas urbanas. A hibridização também é um fenômeno possí-vel. Se há uma espécie exótica invasora muito próxima (por exemplo, do mesmo gênero) a de uma nativa, elas podem se hibridizar. Como resultados, podem haver per-da de fitness das espécies nativas e mesmo ameaça de extinção, infertilidade de híbridos, perda de integridade

“Uma das grandes vantagens que as espécies

exóticas têm em relação às que já estão no

ambiente é que, normalmente, não

encontram inimigos naturais eficientes nas

novas áreas de ocorrências.”

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genética das espécies nativas. Uma planta invasora na Flórida, no estado norte-americano da Califórnia, chamada Spartina alterniflora, hibridizou-se com uma espécie nativa de ambientes aquáticos. Por produzir mais pólen e ter melhor desempenho do que a planta nativa, a espécie invasora adaptou-se e passou a ocu-par todos os ambientes onde antes ocorria a espécie nativa. As perdas ocasionadas pelas EEIs nos agroecossistemas podem ser diretas, pela redução na produção, ou indiretas, devido aos custos de contenção e con-trole. Estima-se que, apenas nos Estados Unidos, há um gasto anual para controle de plantas infestan-tes exóticas de US$ 26 bilhões. Para pragas agrícolas, esse valor é de US$ 14 bilhões. O volume total de investimentos de contenção de EEIs chega a US$ 136 bilhões por ano, naquele país. É possível agir em cada uma das etapas do processo de invasão biológica, tentando minimi-zar os impactos econômicos e ecológicos das EEI. Até a etapa de transporte das espécies exóticas é possível adotar medidas de prevenção. Quando as populações da espécie exótica invasora ainda estão baixas, é pos-sível a erradicação. Apesar de ser uma medida de alto o custo, é possível erradicar uma praga se sua área de ocorrência ainda é restrita. Para tanto, monitoramento constante e detecção precoce é fundamental. Quando a EEI já se encontra amplamente disseminada, a única ação possível é o controle, visando à manutenção das populações abaixo do nível de dano econômico. Um gráfico feito pelo Departamento de Agricultura da Austrália mostra a relação benefício-custo das ações nos diferentes estágios do proces-so de invasão. O custo-benefício da prevenção é

de um 1:100. Na medida em que o fenômeno de invasão vai avançando, o custo passa para 1:25, na erradicação; 1:10 na contenção; e para 1:1-5 para a definição e utilização de medidas de controle. Ou seja, quanto mais cedo forem adotadas medidas, mais estas serão compensadoras.

Um estudo na China reforça a ideia de que o desenvolvimento eco-nômico está diretamente relacionado com a questão das invasões biológi-cas. O trabalho relaciona a produção bruta de cada uma das províncias da China com o número de espécies invasoras e o que é gasto no seu controle. Os autores buscam com-provar que os investimentos preven-tivos para minimizar o impacto das espécies invasoras exóticas devem aumentar e acompanhar o desenvol-vimento econômico do país. Mas, até que ponto é pos-sível prever os problemas de inva-são biológica? É verdade que cada invasão é um processo único. En-tretanto, observa-se que existem

alguns padrões similares entre as invasões biológicas. Esses padrões devem ser observados e podem ajudar a prevenir outras invasões. Podem também ajudar a manejar as EEIs. Neste sentido, a biologia das inva-sões tenta ajudar a responder a algumas perguntas: quais são as espécies exóticas que podem, realmente, causar um impacto ecológico e econômico significati-vo? Quando, onde e em quanto tempo essas espé-cies exóticas se tornaram invasoras? Qual é o impacto dessas invasões? A partir de informações históricas dos processos de invasão já é possível responder a algumas dessas questões. A pesquisa é fundamen-tal para a compreensão dos processos de invasões biológicas, bem como para definição de medidas que venham a minimizar seus impactos.

“Apesar de ser uma medida de alto custo, é possível

erradicar uma praga se sua área de

ocorrência ainda é restrita.”

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PRAGAS QUARENTENÁRIAS PARA O BRASIL

O maior desafio para uma boa defesa vegetal é a falta de informações. As informações sobre pragas que ocorrem em outros países

representam uma pequena parte em relação ao nú-mero real de ocorrências. A defini-ção de áreas onde a praga ocorre é essencial para caracterizar uma praga como quarentenária. No Brasil, é evidente que o setor agropecuário tem um peso fundamental na economia e, tal-vez, entre os países emergentes, é o país que mais depende da produção rural para sua econo-mia. Mesmo assim, talvez o Brasil não tenha uma defesa vegetal à altura do que a agricultura repre-senta em temos de produção de riquezas. Há um cenário promis-sor porque o País vai ampliar ain-da mais o setor, mesmo já sendo a maior fronteira agrícola do mun-do. No entanto, no momento em que a atividade agrícola é ampliada, há também um aumento da vulnerabilidade. Por este motivo, o pro-cesso deve ser acompanhado com bastante cuida-do, pois, ao expandir as áreas agrícolas, igualmen-te crescerá a exposição a problemas biológicos. A mesma preocupação deve ocorrer com o aumento do comércio internacional e com os grandes eventos que o país receberá nos próximos anos. Sendo assim, a grande questão em relação às pragas quarentenárias é saber quais são os ris-cos a serem enfrentados. Os grandes problemas da

agricultura são: as adversidades do clima, a nutrição inadequada do solo e as pragas. O problema com pragas pode ser de dois tipos: o primeiro é o previ-sível, ou seja, quando a praga já é bem conhecida;

e o segundo é o imprevisível, que acontece, muitas vezes, com a in-trodução de uma nova praga. O conceito de praga está relacionado com qualquer es-pécie, raça ou biótipo de planta, animal ou agente patogênico, no-civas às plantas ou aos produtos vegetais. A definição transpassa o conceito de espécie porque há a possibilidade de uma espécie ter parte de sua população identifica-da como praga e parte não. Isso estará diretamente relacionado com o efeito do dano causado por parte da população da espécie. De qualquer forma, a definição de espécie de praga é uma das grandes dificuldades, pois, muitas

vezes, os problemas avançam mais rápido do que a capacidade da Ciência em defini-los. A quarentena vegetal, por definição, é toda atividade destinada a prevenir a introdução e/ou dis-seminação de pragas quarentenárias ou assegurar seu controle oficial. Esse é um importante exercício frente ao enorme desafio que é entrar no cenário de bioglobalização, pois, o aumento do comércio mun-dial de produtos agrícolas está diretamente atrelado ao aumento de risco de introdução de pragas. Boa parte das pragas que começaram a ser introduzidas

MARCELO LOPES DA SILVAEmbrapa Recursos Genéticos

“No Brasil, é evidente que o setor agropecuário

tem um pesofundamental na economia.

Mesmo assim, talvez o Brasil não tenha uma defesa vegetal à altura

do que a agricultura representa em temos de produção de riquezas.”

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a partir do final do século passado tem origem asiá-tica. São cerca de 60% ou 70% das pragas, devido, principalmente, ao crescimento da economia da Chi-na no cenário comércio mundial. Para transportar plantas e produtos existem normas que tentam minimizar a introdução, às vezes acidental, de pragas. Mas, de forma geral, os turistas não têm noção do perigo de levar plantas nativas de um país para outro e esta é uma das razões para a grande preocupação que ronda a movimentação de plan-tas. Os prejuízos econômicos, so-ciais e ambientais já registrados durante a história recente, levam a um quadro que justifica as ativi-dades de quarentena. A primeira vez que a palavra ‘quarentena’ apareceu foi na cidade de Dubrovnik, na Croácia, que no Século XIII era chamada de Ragusa. Ali, as pes-soas que chegavam por via ma-rítima, durante o surto da peste negra na Europa, ficavam 40 dias presas e isoladas no interior dos navios. Esse processo recebeu o nome de “qua-rantana” ou “quaranta giorni” - o procedimento de confinar pessoas. Com a descoberta da América, houve tam-bém um grande intercâmbio de espécies vegetais. Vale destacar que muitas das pragas existentes hoje no Brasil resultaram da situação em que a praga já existia e a planta foi trazida ou, a planta já existia e a praga chegou com outra espécie vegetal. Assim, a partir das grandes navegações, iniciou-se um pro-cesso de disseminação livre de pragas no mundo. Esse processo resultou em uma tragédia: na Irlanda, por volta de 1840, a produção de batata foi dizima-da e um milhão de pessoas morreram de fome. A

causa foi a introdução de um fungo. No entanto, a praga que desencadeou os atos de quarentena de plantas foi uma espécie de pulgão chamado filoxera, introduzido na França e oriundo da América. A praga passou para as castas nobres de vinhos e começou a destruir as videiras viníferas francesas. Em 1878, a Alemanha proibiu a importação

de mudas de videiras dos Estados Unidos e teve início o protecionismo, baseado, nesse caso, em uma ação justificada. Dois anos depois, os paí-ses afetados fizeram a primeira Con-venção Internacional da Filoxera em Berna, na Suíça, embrião da atual Comissão Internacional de Proteção Vegetal (IPPC), criada em 1951. Em 1902, foi registrada a primeira inspe-ção quarentenária nos Estados Uni-dos. No Brasil, a primeira legislação ampla sobre quarentena é de 1934 (Decreto 24.114), válido até hoje. A IPPC estabelece diver-sos critérios técnicos para definição desses problemas. É um acordo multilateral, com cerca de 160 pa-íses signatários (entre os quais está

Brasil), em que há o estabelecimento de padrões com o objetivo de prevenir a introdução e disper-são de pragas. O acordo deve promover o comércio justo e seguro, evitando que os países criem barrei-ras frente aos problemas fitossanitários de vizinhos. Também assegura a proteção dos ecossistemas. Em 1995, os países membros da Comissão as-sinaram o Acordo Sanitário e Fitossanitário, cuja sigla, em inglês, é SPS. Os termos do Acordo atestam que todo país tem o direito de exigir medidas consideradas neces-sárias para proteger a saúde humana, animal ou vegetal, de outro país. Por isso, o Acordo acabou chegando à Organização Mundial de Comércio (OMC) e teve, então, início a relação do problema de pragas com o comércio

“Os turistas não têm noção do perigo de levar

plantas nativas de um país para outro e esta

é uma das razões para a grande preocupação que ronda a movimentação

de plantas.”

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internacional. O acordo SPS garante que as medidas fi-tossanitárias não devem constituir em restrições disfarça-das ao comércio e que sejam aplicadas somente quando necessário para obter a proteção, sempre com base em princípios científicos. O papel dos governos nacionais frente à proteção fitossanitária é levantar a sua lista de pra-gas quarentenárias, realizarem análises de risco para estabelecer quais pragas serão consideradas qua-rentenárias e ter uma legislação que minimize o risco de entradas dessas pragas. Segundo definição da FAO (Food and Agriculture Organization, United Na-tions), praga quarentenária é uma praga de impor-tância econômica potencial para a área em perigo, onde ainda não está presente, ou, quando presente, não se encontre amplamente distribuída e está sob controle oficial. Ou seja, é preciso o reconhecimento do país sobre a importância da praga para que haja uma política de controle.

Os meios de introdução de pragas são: por produto importado; dispersão natural, um dos aspec-tos muito pouco estudados; por introdução intencio-nal, que pode ser um ato de terrorismo; e associação com movimentação de pessoas, de modo involuntá-rio. O risco da introdução é baseado na Análise de Risco de Pragas (ARP), um procedimento internacio-nal padrão que define se uma praga é quarentenária ou não. Esse procedimento é uma avaliação biológica ou outra evidência científica e econômica para deter-minar se um organismo é uma praga, se ela deve ser regulamentada, e a intensidade de quaisquer medidas fitossanitárias a serem adotadas contra ela. Muito se fala em risco, perigo e dano, mas é preciso conhecer esses conceitos para avaliar os riscos com as pragas. De acordo com o Europe-an Safety and Health at Work, dano é prejuízo a vida humana (o conceito pode ser estendido à vida animal ou vegetal). Perigo é o agente que provoca o dano e

DISTRIBUIÇÃO DE STRIGA

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risco é a probabilidade de acontecer o dano provocado pela exposição ao perigo. Por exemplo, o Brasil é um país com grandes fronteiras e uma agricultura pujante, e, em algum lugar do mundo, há uma praga. Se essa praga se associa a uma planta que irá para dentro do território brasileiro, existirá uma exposição. A partir de então, será realizada a análise de risco para se decidir se a praga re-presenta ou não um perigo. Trata-se de um exercício científico baseado em alguns critérios da ciência da Análise de Risco. O problema, no caso do Brasil, é que toda a legis-lação e os fundamentos do sistema de defesa são baseados apenas no questionamento em relação à expo-sição a pragas do material vegetal importado. Existem exemplos de in-troduções de pragas, muitas ve-zes, intencionais. Por exemplo, o capim-annoni, cujo nome científi-co é Eragrostis plana, foi introduzi-do nos anos 1950, junto com uma forrageira africana. Esta planta foi multiplicada por um fazendeiro chamado Ernesto Annoni, segundo registros históricos. O capim-an-noni ataca pastagens nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais. Outro exemplo é o fungo da vassoura da bruxa, Crinipellis perniciosa. Essa praga é um fungo do cacau que destrói a produção do fruto e há suspeita de sua introdução ter sido um agroterrorismo na Bahia. A ferrugem asiática (Phakospora pachyrizi) da soja é a praga que causou o maior prejuízo à agri-cultura brasileira e ainda hoje é um grande proble-ma para a produção de soja. Outros exemplos de pragas introduzidas no Brasil nos últimos anos são o bicudo-do-algodoeiro; a cochonilha do carmim (Dactylopius opuntiae); o greening, provocada pela

bactéria Candidatus liberibacter e que é transmitida por um inseto (Diaphorina citri), constituindo-se em uma ameaça a citricultura mundial. Recentemente, foi constatada Helicoverpa armigera no Brasil. Esta é uma praga de alto impacto e que representa um perigo para a agricultura brasileira. A mosca da ca-

rambola (Bactrocera carambolae), detectada em 1996, é uma praga sob controle oficial que está restri-ta ao estado do Amapá, havendo alguns focos em outros Estados. A mosca da carambola foi intro-duzida do Sudeste Asiático para a América do Sul, em um proces-so visivelmente associado com o transporte de frutos. A região Norte do Brasil é bastante vulnerável a pragas. Além da mosca da carambola, também foram introduzidas nesta região pragas como a Sigatoka-negra, em 1998; a mosca-negra do citrus, em 2001; o ácaro vermelho das palmei-ras, em 2009; o ácaro-hindu, em 2010; e a cochonilha rosada, em

2011. Entre as pragas de alto impacto para o Brasil, e ainda não introduzidas, estão também o ácaro do arroz (Steneotarsonemus spinki) e a mosca das frutas do Cari-be (Anastrepha suspensa). Ainda não se sabe qual o real impacto de entrar outra praga do mesmo gênero exótica no sistema de produção. Existem pragas que, sabida-mente, já estão em iminência de entrar em território na-cional como o Impatiens Necrotic Spot Virus, que afeta mais de 600 culturas; o Plum pox virus, que é um dos maiores problemas fitossanitários para as plantações de pêssego e já está na Argentina; a Moniliophtora roreri, que afeta o cacau e também já está muito próxima das nossas fronteiras; o Tomato Ringspot Virus; o Xantho-monas oryzae pv. Oryza, que provoca perdas elevadas na produção de arroz; entre outros.

“O problema, nocaso do Brasil, é que

toda a legislaçãoe os fundamentos

do sistema de defesa são baseados apenas noquestionamento em

relação à exposição a pragas do material vegetal importado.”

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Emergências fitossanitárias Uma das grandes ameaças da triticultura mundial é a Puccinia tritici, linhagem Uganda 99. Sur-giu da mutação da ferrugem, cujo problema parecia ter sido resolvido com a incorporação de um gene de resistência no trigo plantado no mundo. Essa linha-gem mutante resistente marchou em duas direções: para o Sul da África e para a península da Arábia, e, possivelmente, espalhando-se do Iraque e Irã para o restante da Ásia e a Europa. Em 2006, a Embrapa Trigo verificou que variedades brasileiras são muito suscetíveis à ferrugem do trigo raça Ug99. Com o crescimento de sua fronteira agrícola, a África pode ser um grande indutor de novas pragas no comércio internacional. Uma doença vegetal detec-tada no Quênia, por exemplo, dizimou entre 50% e 80% do milho no país e é chamada de necrose letal do milho. Ela ocorreu junto com outra virose, mas por enquanto está confinada naquela região. Existem ainda duas brocas da soja, cuja dis-tribuição mundial é muito ampla, que induz grandes preocupações para sojicultores no Brasil: a Melana-gromyza sojae e a Ophimyia phaseoli.

Bioterrorismo Essa é uma grande preocupação dos Esta-dos Unidos e da Europa. Na União Europeia existiu um programa chamado Crop Bioterror, que coloca alguns pontos muito interessantes que podem servir de base para uma política fitossanitária. Entre as me-didas do programa estão: preparação de uma lista de patógenos que são de alto risco e uma lista de culturas que são mais vulneráveis a esses patóge-nos; padronização de protocolos de avaliação de ris-co e medidas de quarentena e de emergência fitos-sanitária; priorização de campos para investigação e identificação áreas de pesquisa e direcionamento de investimentos e aumentar o conhecimento público sobre as ameaças à agricultura (agroterrorismo). Ou seja, os perigos devem ser conhecidos e os riscos devem ser avaliados para que, então, as ações possam ser tomadas sem receios. Olavo Bi-lac escreveu em 1916: “a Defesa Nacional, como a queremos compreender, ainda não está organizada. Está claro que, se há intenção de organizá-la desde já não é porque vejamos sobre o nosso País perigos imediatos. Mas a boa defesa deve ser preventiva”.

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REGISTRO EMERGENCIAL DE AGROTÓXICOS

É fundamental a participação do Estado Brasileiro em discussões como as ameaças fitossanitárias. O Governo estimula parcerias com a academia e

a iniciativa privada porque tem consciência de que o Ministério da Agricultura, por exemplo, não detém to-das as competências para gerir um tema tão complexo como a defesa da produção agropecuária. Intima-mente ligado a esse processo está o registro de agrotóxicos, seja em casos emergenciais ou não. E, ape-sar das críticas e cobranças em re-lação ao modelo de registro desses produtos no país, o que realmente percebe-se necessário é a criação de uma nova política fitossanitária brasileira. Para isso, é essencial a participação da sociedade organi-zada na discussão e encaminha-mento de propostas neste sentido, pois o Governo reage a essa de-manda. Só uma política fitossanitá-ria bem clara poderá proporcionar as mudanças necessárias para atingir os objetivos. Já existem estruturas fantásticas no Brasil, como a Em-brapa, que hoje é talvez a empresa de maior respeita-bilidade na área da pesquisa agropecuária do mundo e, certamente, a mais importante do Hemisfério Sul. A definição legal de agrotóxico, de acordo com a Lei 7.802, de 1989, é o produto e o agente de processos físicos, químicos ou biológicos (...), cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fau-na, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vi-

vos considerados nocivos. É importante ressaltar que o único país do mundo que criou um neologismo es-pecífico para defensivo agrícola é o Brasil. Não existe nenhum outro país que criou um neologismo equiva-lente a “agrotóxico” para referir-se a essas substân-

cias. No entanto, apesar de hoje parecer pejorativo, a intenção do legislador foi a melhor possível e seguiu o conceito de comunicação do risco, ou seja, a ideia era atribuir a essa substância um nome que levasse a preocupação sobre o seu possível perigo. Segundo a Lei, os agrotó-xicos só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercia-lizados e utilizados se previamente registrados em órgão federal. Vale destacar que não foi a Lei que criou o ato complexo de passar essa avaliação por três Ministérios – saú-de, agricultura e meio ambiente, ela cita, apenas, que tem que seguir as diretrizes dos três ministérios, mas

que o registro deve ser feito por um órgão federal. O que determinou essa atual dinâmica foram os decretos re-gulamentadores, como o atual Decreto 4.074, de 2002, quando o registro de agrotóxicos no Brasil passou a ter a obrigatoriedade de passar pelos três crivos, compli-cando bastante o que conceitualmente, para o legisla-dor, deveria ser um processo simples. Todo processo normativo é definido com base em conceitos, requisitos e critérios. Até a déca-da de 2000, ainda sob égide do Decreto anterior, era

LUÍS EDUARDO PACIFICI RANGEL Ministério da Agricultura, Pecuária e

do Abastecimento – MAPA

“Só uma política fitossanitária bem

clara poderá proporcionar as

mudanças necessárias para atingir os

objetivos.”

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comum que alguns entes privados, por conveniência, usassem o termo emergência para pular as etapas de um registro convencional e, assim, acelerar a entrada de determinada tecnologia no mercado. O oportunis-mo em algumas empresas não diminui um problema de origem desse processo: a lentidão e ineficiência do sistema de registro. O Governo admite as falhas de gestão neste processo e as empresas, para defender seus interesses e estratégias, procuram as brechas, como os casos de emergência, para tentar colocar seus produtos de maneira mais rápida no mercado. Apesar de não parecer muito ético, esse comportamento não era, de fato, ilegal. Por isso, a fim de disciplinar esse processo, o Governo publicou uma Normativa Conjunta. Hoje, em 2013, o Governo reconhece que cometeu um erro ao regular o tema de maneira geral e não deixar brechas para as exceções. Obviamente, a intenção foi positiva ao tentar dar con-trole e segurança para todos os modelos. Mas, nem sempre consegue-se ajustar as normas a todos os ce-nários. É preciso espaço para manobras.

Registros emergenciais A Instrução Normativa de uso emergencial traz diversas definições do que é praga e define também o que é emergência quarentenária e emer-gência fitossanitária. A primeira é a situação que envolva a detec-ção ou interceptação de pragas de quarentena no ter-ritório brasileiro ou em produtos agrícolas provenien-tes de importação, para cujo controle, nas condições envolvidas, não exista agrotóxico ou afim registrado ou os existentes revelem-se comprovadamente ine-ficazes. Já a emergência fitossanitária é a situação eventual que envolva a ocorrência de infestação, em nível de dano econômico, de organismos vivos con-siderados nocivos à produção agrícola, em florestas plantadas, em pastagens ou em produtos agrícolas ar-mazenados para cujo controle, nas condições envolvi-das, não exista agrotóxico registrado ou os existentes revelem-se comprovadamente ineficazes. Essas definições foram elaboradas em 2008 em uma tentativa de resgatar alguns conceitos para a própria

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AMEAÇAS FITOSSANITÁRIAS: NOVAS PRAGAS COLOCAM EM RISCO A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO BRASIL

fitossanidade no Brasil. E, apesar de ter sido uma Lei mui-to alinhada com o entendimento internacional, o Decreto-Lei 24.114, de 1934, não corresponde mais à realidade do século XXI. Por exemplo, para o caso da Helicover-pa armigera, seria necessário interditar e destruir 800 mil hectares de plantações de algodão, além de indenizar todos os agricultores locais. Ou seja, a aplicação desse Decreto é completamente impraticável nos dias atuais. Neste sentido, há uma per-gunta a ser feita: por que no Brasil, com tantas qualidades na área de pesquisa e inovação, com tantos profissionais brilhantes, com tanta pujança da agricultura, ainda está ancorado em uma legislação de 1934? A Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária tem a obriga-ção de pressionar a administração pública, como sociedade civil orga-nizada, para que haja uma revisão nesse processo e no marco legal. Entre os critérios para estabelecer-se uma situação de emergência, está a solicitação de uso emergencial de agrotóxicos e afins por órgãos governamentais dos setores da agricultura, da saú-de ou do meio ambiente, instituições de pesquisa ou de extensão rural, associações ou cooperativas de produtores rurais e entidades legalmente constituídas para a defesa dos interesses difusos relacionados à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis. Essa foi uma tentativa de evitar que em-presas privadas pudessem fazer a defesa de seus próprios produtos, em interesse próprio e específi-co, ou seja, somente a sociedade civil organizada e a academia, rigorosamente embasadas na questão da emergência, podem solicitar controles emergenciais. Foi um acerto e tem funcionado muito bem. Outro critério é quando a solicitação de uso

emergencial de que trata o art. 4º se referir a ingredien-te ativo ainda não registrado no Brasil, o CTA somente procederá à análise do pleito se o produto formulado a base do ingrediente ativo em questão se enquadrar como produto de baixa toxicidade e periculosidade, conforme norma específica. Nesse ponto, pode ter havido um equívoco conceitual da norma, pois de uma maneira politicamente correta, tentou-se agregar

segurança as autorizações emer-genciais, mas que não funcionou, porque se a praga se desenvolve em um ciclo mais acelerado, não há controle biológico, ou produ-to de menor toxicidade, que seja efetivo. Voltando ao exemplo mais recente, o caso da Helicoverpa armigera, a Embrapa demonstrou que os produtos biológicos são fundamentais para o controle da lagarta; no entanto, para a redução da população que chegou a níveis dramáticos não dá para não recor-rer às mais modernas tecnologias químicas. Portanto, apesar de po-liticamente correto, este artigo não ajudou em absolutamente nada quando tivemos, de verdade, um

problema fitossanitário grave no País. Há também o critério de rotina ou critério or-dinário. Quando mais de um ingrediente ativo for indi-cado para uso emergencial, para a mesma finalidade, somente um terá o uso concedido, sendo utilizados como critérios de escolha: a eficiência, a classificação toxicológica e do potencial de periculosidade ambiental, a avaliação de risco para a ingestão humana e o nú-mero de empresas detentoras do registro dos produtos formulados. Esse é outro critério politicamente correto para o processo, mas pouco eficaz diante da realidade de pragas mais agressivas e incomuns, que necessitam de um Manejo Integrado com pelo menos 5 produtos.

“A Sociedade Brasileira de Defesa Agropecuária

tem a obrigação de pressionar a administração

pública, como sociedade civil organizada, para que

haja uma revisão nesse processo e no marco

legal.”

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O caso Helicoverpa Ao receber a solicitação para uso emergen-cial de produtos para o combate à Helicoverpa ar-migera, o Ministério da Agricultura avaliou diversos produtos, incluindo um não registrado no Brasil, e aprovou cinco alternativas - três produtos químicos e dois biológicos - para compor o manejo integra-do emergencial da praga. Isso não foi suficiente. Era preciso uma estratégia de contingência usando um produto não registrado no País, o que, infelizmente, não se enqua-drava no quesito “baixa toxicidade e periculosidade” que prevê a INC. Essa questão transcende a segu-rança alimentar, meio ambiente ou saúde pública; tornou-se uma questão de segurança nacional. A Coordenação-Geral de Agrotó-xicos do Ministério da Agricultura chegou a sugerir ao Ministro que convocasse o exército para auxi-liar no combate a essa lagarta a fim de proteger o agronegócio do sudeste da Bahia, que tem desen-volvido a região de maneira nunca antes vista no País. Além dos critérios cita-dos anteriormente, há também que se atender aos requisitos da norma de uso emergencial. A primeira é a justificativa técnica de impacto sócio-econômico, ambiental ou na saúde humana oriundo da ocorrência de organismos vivos considerados nocivos. Depois, é preciso um pare-cer, assinado por profissional legalmente habilitado, acompanhado de teste comprobatório da eficiência e praticabilidade do agrotóxico, componente ou afim, realizado em conformidade com o disposto no Art. 23, do Decreto nº 4.074/02, ou de recomenda-ções para controle do organismo nocivo emanadas

de organismos internacionais pertinentes, ou de da-dos bibliográficos técnico-científicos de fontes refe-renciadas, além de conter proposta de Limite Máxi-mo de Resíduo (LMR) acompanhada de bibliografia. Se um problema, de fato, representar uma grande ameaça nacional como foi a Helicoverpa, um con-junto de pesquisadores deverá cuidar, rapidamen-te, de produzir documentos baseados em estudos científicos que sustentem, ao Ministério da Agricul-

tura, os benefícios do uso de um determinado produto. O Comitê Técnico de As-sessoramento para Agrotóxicos (CTA) foi criado em 2002 com o objetivo de atuar como órgão colegiado de assessoramento independente, que auxiliasse o Governo Federal nos assuntos li-gados a registro de agrotóxicos. No entanto, hoje o CTA é formado por membros do próprio setor de agrotóxicos do Ministério e dos órgãos de saúde e meio ambiente, o que desvirtuou completamente sua função originária. Até a pu-blicação da Instrução Normativa Conjunta 02, de 2008, que regu-lamentou a ideia de uso emergen-

cial, a matéria seguia as determinações que cons-tam no art. 95, Inciso 6 do Decreto 4.074/04, onde confere ao CTA a responsabilidade de assessorar os Ministérios na concessão do registro emergen-cial de agrotóxicos e afins e no estabelecimento de diretrizes e medidas que possam reduzir os efeitos danosos desses produtos sobre a saúde humana e o meio ambiente. É importante deixar claro que a Lei dos Agrotóxicos foi criada para regular as relações de mercado, as relações entre indústrias, agricul-tores e engenheiros agrônomos. Em nenhum mo-

“É importante deixar claro que a Lei dos

Agrotóxicos foi criada para regular as relações de mercado, as relações

entre indústrias, agricultores e engenheiros

agrônomos.”

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mento, o Estado brasileiro, principalmente envolvido em matérias de segurança nacional, deve ser en-quadrado como stakeholder nessa Lei. As questões de segurança nacional não devem estar ligadas aos ditames de mercado. Neste sentido, a questão da Helicoverpa foi decidida com base na pregorrativa do Governo bra-sileiro em preservar a agricultura nacional, por meio da liberação emergencial de um produto que não será registrado no Brasil, porque não há interesse em registrá-lo, já que trata-se de um produto mais tóxico do que outros já registra-dos. Essa decisão fere o princípio e o espírito da legislação (infrale-gal), especialmente a INC. No en-tanto, o Governo não pode deixar que as lavouras de soja e algodão do País acabem por conta de uma praga. É dever do Estado dar alternativas e, as alternativas que foram dadas, foram as possíveis diante do cenário e da lógica do processo. O Ministério Público par-ticipou dessa discussão e enten-deu perfeitamente o problema crítico que a agricultura estava vivendo. Diferente do que estava sendo colocado, o MP não foi contrário à decisão do Governo em li-berar o uso emergencial do benzoato, pois compre-endeu que foi o modelo possível e necessário diante da pior praga que já atacou os campos brasileiros. Se existe um motivo para fiscais federais e estaduais existirem é proteger a agricultura de pragas como essa. Infelizmente, a lagarta entrou em território na-

cional e o país não estava preparado. Levou-se cinco meses para tomar uma decisão por falta de preparo. Diferente de outros ataques no passado, em que o processo foi ágil e o combate eficiente, o caso da Helicoverpa foi totalmente atípico: mes-mo com a autorização de produtos já em uso no Brasil, o problema não foi resolvido, e foi preciso criar alternativas. O Ministério da Agricultura tem o dever de defender a produção agropecuária bra-

sileira e, em casos extremos, as medidas são tomadas com base nesse princípio. Mas, o que realmente precisa ser amplamente discuti-do no Brasil, não é a questão de registro de defensivos agrícolas, não é a questão da Helicoverpa ou de uma praga quarentenária, mas uma política fitossanitária nacional. É preciso definir seus modelos, estruturas e a visão de futuro. Só assim a sociedade or-ganizada conseguirá pressionar o Ministério da Agricultura para capacitar suas equipes e utilizar o conhecimento que o Estado já detém, por meio das Universida-des e os Institutos de Pesquisa.

O MAPA também precisa reconhecer que também existem competências fora dos muros do Ministério, na iniciativa privada e na Academia, muitas vezes maiores do que em seu interior, e que não é possível trabalhar sozinho. É preciso estabelecer uma parce-ria entre todos as vértices da cadeia para construir uma política fitossanitária de maior envergadura e proficiência no Brasil.

“O Ministério da Agricultura tem o

dever de defender a produção agropecuária

brasileira e, em casos extremos, as medidas

são tomadas com base nesse princípio.”

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MOSCA-DE-CARAMBOLA E GREENING: ANÁLISE DE BENEFÍCIO-CUSTO DOS

PROGRAMAS DE ERRADICAÇÃO

A análise de impacto regulatório é um instrumen-to que os governos, principalmente dos países mais ricos, vem usando para melhorar a quali-

dade regulatória. Ou seja, melhorar a participação do setor privado nas decisões, em temos de políticas e programas; melhorar a transparên-cia para que toda a sociedade en-tenda como as decisões são toma-das; e, basicamente, subsidiar os governos em todas as instâncias com dados e informações que me-lhorem, tecnicamente, a qualidade de suas decisões. Isso vem sendo usado e desenvolvido pelos paí-ses da OCDE. No Brasil, mais re-centemente, a Casa Civil lançou o programa chamado PRO-REG, um programa que também visa a ava-liação de impactos de políticas. Ini-ciativas de implementar a avaliação de impacto regulatório já vinham sendo adotadas também pela An-visa e pelo Inmetro. Na área de defesa agrope-cuária, as análises de risco de pragas são feitas com base em compromissos internacionais de associa-las a estudos não só dos aspectos técnicos e biológicos, mas, também, econômicos, sociais e ambientais. Adicionalmente, existe ainda uma preocupação de analisar os impactos potenciais das políticas sanitá-rias do País no mercado internacional, que devem ser comunicada à Organização Multilateral de Comércio. Ainda hoje mais cedo, um dos colegas que me ante-cedeu comentou aqui sobre o Acordo sobre Medidas

Fitossanitárias e Sanitárias. É exatamente no âmbito desse Comitê que o País é obrigado a notificar tudo o que, eventualmente, vá causar um impacto comer-cial. Nesse sentido, é muito importante desenvolver e aprimorar as análises econômicas para que, ao notifi-

car medidas de natureza sanitária, existam argumentos técnicos, eco-nômicos, sociais e ambientais que justificam essas medidas. Do ponto de vista de aná-lise dos programas de defesa agropecuária, há uma grande pre-ocupação com o comércio interna-cional, mas há, também, preocu-pação com a questão de decisões em relação ao orçamento do go-verno, pois existem inúmeras pra-gas, já estabelecidas ou em vias de entrar nos países, e os governos têm de lidar com suas restrições orçamentárias ao tomar decisão sobre como tratar essas ameaças. Análises de impacto podem ajudar a definição da política de um Go-

verno de prevenir a entrada dessas pragas, ou investir recursos no combate a uma outra já presente. Os estudos sobre os impactos econômicos também são importantes para sensibilizar a comuni-dade. No caso do Greening, por exemplo, as regiões produtoras já estão sensibilizadas pelos impactos que vivenciam, seja por conta dos produtores que migra-ram de atividade ou pela movimentação da indústria em busca de oportunidades para estabelecer-se em outros estados. Por isso, a informação sobre os po-

SILVIA HELENA GALVÃO DE MIRANDADepartamento de Economia, Administração

e Sociologia - ESALQ/USP

“Na área de defesa agropecuária, as análises

de risco de pragas são feitas com base em

compromissos internacionais de

associa-las a estudos não só dos aspectos técnicos e biológicos, mas, também,

econômicos, sociais e ambientais.”

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tenciais impactos é importante também para criar a sensibilidade necessária para que a sociedade privada e os agentes públicos reajam a tempo e, de preferên-cia, de forma preventiva. Portanto, é possível aplicar esses modelos tanto para aquelas pragas que já estão causando danos e analisar, eventualmente, a sua dis-seminação pelo território; quanto para fazer o que é conhecido como análise “ex-ante”, ou seja, uma ava-liação dos eventuais impactos que a praga causaria se entrasse no País. Recentemente, o Brasil tem sido surpreendi-do pela entrada de algumas pragas não esperadas, mas também de outras cuja entrada fora prevista an-teriormente. Desde o final do Século XIX, estima-se que 24 espécies de pragas foram introduzidas no País e causaram prejuízos econômicos significativos. Entre

elas, destacam-se a Huanglongbing, em citros (2004); a Raoiella indica, em palmeiras (2009); e a Helicoverpa armigera, em milho, soja e algodão (2012).

Tipos de impactos Existem alguns impactos que a literatura tem mais facilidade de expor, assim como os economistas, fitopatologistas e entomologistas têm mais facilidade para identificar e medir. Esse, claramente, é o caso dos impactos sobre a produtividade. No entanto, os impactos econômicos vão muito além da redução da produção, ou plantel. Os impactos podem gerar cho-que sobre os custos de produção, também bastante relevante para o segmento produtivo; redução nas ex-portações ou proibição de comércio; e choques sobre preços domésticos ou internacionais.

Projeção de produção de citros nos cenários A (sem programa de defesa fitossanitária oficial para o HLB) e B (com programa) - Estado de São Paulo (em caixas de laranjas 40.8 kg) Projeção 2009-2028

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Também são observados impactos sociais, como, por exemplo, a concentração industrial. É o que está acontecendo, hoje, no Estado de São Pau-lo: os pequenos e médios citricultores migraram para a produção de cana-de-açúcar e outras atividades, em decorrência da grande dificuldade de enfrentar a doença do Greening. Essa migração resulta ainda em outros impactos sobre os mercados de emprego, como a realocação de mão de obra e desarticulação das estruturas produtivas regionais, ou seja, gerando um modelo de desenvolvimento diferente dentro das regiões afetadas. Em termos de impactos ambientais podem ser observados a necessidade de intensificação no uso de agrotóxicos, os impactos sobre a biodiversidade e a contaminação de água e solo. Ainda usando como o exemplo o Greening, os produtores chegaram a recorrer a cerca de 30 pulverizações de inseticidas em suas lavouras, gerando, indiscutivelmente, grandes impactos ambientais. Por fim, existem também os impactos institucionais que são a redução de arrecadação tributá-ria e as alterações em orçamento ou necessidade de recursos emer-genciais. Esse item trata da estru-tura necessária do serviço público para reagir às situações de crise. Todos são impactos difíceis de mensurar, mas que precisam ser levados em consideração no momento da tomada de decisão.

Quantificação dos impactos A FAO e a OMC têm se preocupado bastante com as questões da área sanitária. No Brasil, o Minis-tério do Meio Ambiente realizou um trabalho, em 2008, baseado em um estudo internacional que envolveu os Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, África do sul,

Índia e o próprio Brasil, e estimou que os prejuízos anuais com as pragas introduzidas chegam a US$ 250 bilhões nesses países. Outro estudo feito no Brasil, por pesquisado-res da Esalq, em 2000, quantificou que a perda de pro-dução no Brasil por ataque de insetos está estimada em 7,1% em média (de 2 a 30% dependendo da cultu-ra), representando cerca de US$ 2,2 bilhões ao ano. De acordo com um terceiro trabalho, datado de 2012, baseado também em percentual de perdas cau-sadas pelas pragas nas principais culturas, os insetos

considerados pragas causam per-das anuais de US$ 12 bilhões para a economia brasileira, sendo US$ 1,6 bilhão devido a pragas exóticas. Em termos de método de quantificação, a análise custo-bene-fício, aparentemente, é um método simples, muito usado na área de ad-ministração para avaliação de proje-tos e, também, na área pública. Ao ser aplicada na área sanitária, esse método apresenta algumas peculiari-dades, porque é preciso conhecer a praga, saber o modelo e velocidade de sua disseminação, a interferência do clima, se a idade das plantas fará diferença nos prejuízos em termos de produtividade, entre outros deta-lhes. São diversos componentes que

entram em análise nesse modelo que tem sido bastante utilizado. Existem modelos econômicos mais sofistica-dos, mas com maior dificuldade de implementação. Por este motivo, considerando as limitações orçamentárias e operacionais das administrações públicas, a OCDE tam-bém dá preferência para recomendar o uso de análises de benefício-custo. Para trabalhar com análise beneficio-custo é preciso, primeiro, estabelecer cenários como, por exemplo, se há ou não uma política de defesa fitos-

“Todos são impactos difíceis de mensurar,

mas que precisam ser levados em

consideração no momento da tomada

de decisão.“

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sanitária. Depois, há que se identificar os impactos para cada cenário e, em seguida, levantar o custo das políticas que estão em análise. Além disso, eventualmente, como no caso do Greening, também é necessário avaliar o cus-to para o setor privado. Após identificar os custos e os benefícios do controle da praga, é preciso valorar todos estes itens, usando técnicas da área de economia para identificar o real valor dos impactos e projeta-los para um horizonte temporal relevante. A etapa final é comparar o Valor Presente Líquido (VPL) de cada cenário para, por fim, tomar a deci-são fitossanitária. Greening e mosca-de-carambola Para ilustrar um estudo sobre os impactos de uma pra-ga, pode-se usar o exemplo da mosca-de-carambola que estimou os prejuízos da praga em três cul-turas, projetados a um período de dez anos. Ao final, verificou-se que se os produtores estiverem con-trolando para outras moscas de frutas, a relação benefício-custo de evitar que a praga saia do es-tado do Amapá e chegue às áreas de exportação de frutos é de 35,7. Isso significa que para cada R$ 1 que o Governo Fe-deral investe no programa de controle de erradicação da mosca-de-carambola, o retorno, dentro do cenário estudado, seria de R$ 35,7. Se for considerado que o produtor da região não faz controle para outras mos-cas, o retorno para a política do Governo seria de R$ 92 para cada R$ 1 investido. No caso do Greening, são diversos estudos e cenários. O mais simples deles é de 2009, quan-do estava em vigor um convênio entre o Ministério da Agricultura, o Governo do Estado de São Paulo

e a Fundecitrus a fim de manter o Greening sobre controle na região. Realizou-se uma análise con-siderando um cenário com e sem essa política, o que afetaria diretamente a taxa de disseminação da doença no Estado. Chegou-se, então, à conclusão que, para cada R$ 1 investido, o Governo Federal e o Fundecitrus teriam um retorno de R$ 57. Isso, apenas para evitar que o Greening continuasse se alastrando pelo estado de São Paulo. Ao somar o

custo que os produtores têm para controlar a doença e que teriam ao longo de 20 anos de combate à mesma, o benefício cai para R$ 4,06 para cada R$ 1 investido por governo, Fundecitrus e citricultor, indicando, claramente, o impacto da praga no custo ao produtor. Existem outros estudos em desenvolvimento visando forne-cer informações que subsidiem as ações frente aos prejuídos causa-dos por pragas em outras culturas e regiões do País. Desde 2011, por exemplo, está em andamento um trabalho sobre o Cancro Cítrico, em parceria com o Fundecitrus, para avaliar as alternativas dos produto-res de São Paulo quanto ao controle

ou erradicação do cancro em termos de custos de pro-dução e de produtividade. Há também a possibilidade de estudar os impactos econômicos da disseminação da Raoiella indica, em uma parceria com a Embrapa. Outras ações em desenvolvimento são a aplicação da Análise de Monte Carlo para estudo do Greening e, em uma parceria entre a Esalq e a Universidade de Cope-nhagen, a análise benefício-custo para controle biológi-co do Greening e morango (Tetranychus urticae) para auxiliar a tomada de decisão de produtores, por meio da comparação de sistemas de produção.

“Após identificar os custos e os benefícios do controle da praga, é preciso valorar todos estes itens, usando

técnicas da área de economia para identificar o real valor dos impactos e

projeta-los para um horizonte temporal

relevante.”

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CYDIA POMONELLA: QUAL SERIA O CENÁRIO DA FRUTICULTURA TEMPERADA NO BRASIL NA

AUSÊNCIA DE ERRADICAÇÃO?

A produção de frutíferas de clima temperado está bem distribuída pelo Brasil. Já o foco da Cydia pomonella está em uma região grande

produtora de maçã: os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Entre 1999 e 2009, a po-micultura cresceu 30%. A área de produção e a avaliação dos impactos neste setor, do ponto de vista da exportação, também cresceram nos últimos anos. O Brasil não tinha ne-nhuma tradição na exportação de maçã, ao contrário, era um país importador. No entanto, a par-ticipação nacional no comércio mundial desses frutos aumentou mais de 1300%, instigando muita torcida pelo insucesso brasileiro nesse sentido, pois o país passou a ocupar um espaço antes ocu-pado por outros países produto-res. Diante dessa relevância, muitas foram as ações de combate à Cydia pomonella. Em 2007, a Instrução Normativa 48 estabe-leceu o Programa Nacional de Erradicação da Cydia pomonella, seus critérios e linhas principais, visando a proteção fitossanitária do cultivo de pomácea e a erradicação da praga nas zonas urbanas. Felizmen-te, o Brasil é livre dessa praga nos pomares comer-ciais, tendo sido detectada apenas em áreas urba-nas. Isso deu ao País um status sanitário de área livre de Cydia pomonella para efeito de exportação de frutas.

Entre as ações de erradicação, a Mosca-med fez parte de uma articulação feita entre o Mi-nistério da Agricultura, a Associação Brasileira dos

Produtores de Maçã (ABPM) e a Agapomi, que representa os produtores gaúchos. A ação da Moscamed nesse processo foi, justamente, o monitoramento da praga, também conhecida como lagarta da maçã, mas que ataca outros hospedeiros, exclusiva-mente em área urbana nos muni-cípios de Caxias do Sul, Vacaria e Bom Jesus, no Rio Grande do Sul, e Lages, em Santa Catarina. Foi muito importante dar transpa-rência à estratégia e segurança em relação ao monitoramento, para a manutenção do status de área livre da Cydia para os poma-res comerciais brasileiros frente ao comércio internacional.

O sistema da Moscamed é capaz de realizar o acompanhamento de diversas culturas, com a ex-pedição de relatórios em conformidade com a legis-lação nacional. Para cada espécie, cada praga, existe a possibilidade de fazer um acompanhamento do que se passa, de forma online, com um delay entre o dado coletado e a sua disponibilização de, no máximo, seis dias. Assim, o produtor tem uma resposta muito ágil e precisa permitindo que, por exemplo, ao identificar um comprometimento da sua produção em função da infestação, ou do aumento dela em sua área, possa tomar as medidas urgentes necessárias para a redu-

JAIR VIRGÍNIOMoscamed Brasil

“O Brasil não tinha nenhuma tradição na

exportação de maçã, ao contrário, era um país

importador. No entanto, a participação nacional no comércio mundial desses frutos aumentou mais de 1300%, instigando muita

torcida pelo insucesso brasileiro”.

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ção daquele índice e adquirir a autorização para con-tinuar com o seu programa de exportação. O sistema também deu a possibilidade de fazer uma avaliação sobre a distribuição das armadilhas e do processo de captura, para que se tenha certeza de que houve co-bertura total da área monitorada. Indiscutivelmente, o município de Caxias do Sul foi um dos mais críticos nesse controle devido à sua dimensão, geografia e importância econômica. O programa foi finalizado e os dados gerados já foram publicados, havendo, inclusive, um evento realizado pela Embrapa e a ABPM, comemorando o primeiro ano de captura zero em todos os municípios. Esse resultado demonstra o quão eficiente foram as medi-

das implantadas, que contaram com uma participação fundamental dos produtores: monitoramento e erradi-cação da praga e dos hospedeiros. Erradicar os hospedeiros dessa praga foi um dos passos mais difíceis de todo o processo. As árvores que hospedam a Cydia pomonella despertavam um valor sentimental aos seus proprietários e isso dificultava imen-samente convencê-los de que era preciso derrubá-las. Por isso, o MAPA e os produtores acionaram o Ministério Público para auxiliar nesse trabalho de convencimento e de educação sanitária. Em contrapartida, quando havia a autorização dos donos das plantas hospedeiras para removê-las, a equipe agradecia, gentilmente, distribuindo mudas de espécies não hospedeiras da lagarta da maçã.

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Para se ter ideia do avanço do programa, no primeiro ano foram capturadas 50 e erradicadas mais de 300 hospedeiras em áreas urbanas. O ciclo seguin-te já foi muito menos doloroso e, na safra 2012/2013, não houve sequer a necessidade de realizar a distribui-ção das mudas, porque já não foram mais identificados hospedeiros. Uma grande preocupa-ção, inclusive por parte do Minis-tério da Agricultura, é a continua-ção do monitoramento da Cydia pomonella. A própria Instrução Normativa 48, em seu anexo se-gundo, indica que, para que se tenha um reconhecimento do êxito da erradicação da lagarta, é necessária a comprovação de captura zero por dois anos con-secutivos. Portanto, para a safra 2013/2014, será fundamental para o Brasil e para os produto-res obter o status de área livre do País, manter o monitoramento. Segurança nacional Apesar de a OMC garan-tir que não aceita barreiras comerciais disfarçadas, a tendência é de que isso ainda venha a se estabelecer porque todo mundo vai usar essa brecha como instru-mento na competição mundial de exportação de ali-mentos. Na pomicultura, por exemplo, o que está em jogo são mais de 150 mil empregos gerados a baixos custos; uma produção estimada em mais de um mi-lhão de toneladas; uma área colhida de 38 mil hecta-res; e exportações que já ultrapassam US$ 80 milhões por ano. Para que se tenha ideia da pressão que o Brasil sofre com a questão da Cydia pomonella, basta refletir sobre o que significa para a Argentina que os pomares comerciais brasileiros estejam livres da lagarta.

Nesse país vizinho, há forte necessidade de manter um sistema permanente de mitigação de risco e controle químico em mais de 83% dos pomares. Além disso, foi publicado um documento, assinado pelas autoridades argentinas, relatando as dificuldades que os produtores de maçã estão enfrentando para cumprir com as forma-lidades exigidas para exportar os frutos para o Brasil.

Esse estado sanitário na Argentina impõe muitas travas ao comércio e produção, e aumenta consideravel-mente os custos. Para se ter ideia, em 2002, o Brasil suspendeu a importa-ção da Argentina durante 45 dias, e o prejuízo resultante desse embargo parcial foi de US$ 6 milhões. Se, por ventura, o embargo continuasse, as perdas para a Argentina seriam de mais de US$ 34 milhões. Nesse cenário, o futuro da pomicultura no Brasil sem o Pro-grama Nacional de Erradicação da Cydia pomonella seria trágico. Logo de início, haveria a suspensão das exportações brasileiras e os produto-res perderiam US$ 80 milhões. Em seguida, redirecionariam suas mer-

cadorias para o mercado interno, gerando o aumento da oferta e a queda de preço. Para equilibrar o mercado, provavelmente, cairia a barreira sanitária para maçã ar-gentina, aumentando ainda mais a oferta e diminuindo, ainda mais, os preços. Com isso, indiscutivelmente, o setor perderia um imenso volume de sua receita. Ou seja, se a vigilância passar um único dia, um momento, sem manter a atenção, o Brasil vai sofrer pre-juízos. Recentemente, tomou-se a decisão de tirar os fis-cais da inspeção pré-embarque feita na Argentina. Esse é um grande risco que deve ser reavaliado para dar ainda mais segurança ao serviço de defesa agropecuária bra-sileira. E fica a seguinte pergunta: qual seria o futuro da pomicultura se o Brasil tivesse a Cydia pomonella?

“Em 2002, o Brasil suspendeu a importação

de maçã da Argentina durante 45 dias,

e o prejuízo resultante desse

embargo parcial foi de US$ 6 milhões.”

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FERRUGEM ASIÁTICA DA SOJA - IMPACTO DA ENTRADA DA

PRAGA NO BRASIL

A Phakopsora pachyrhizi, conhecida como ferru-gem asiática, foi detectada pela primeira vez no Japão, em 1902, e avançou pela Ásia e África

até chegar à América do Sul, em 2001, pelo Brasil e Paraguai, pas-sando para Argentina e Colômbia, em 2004, quando também atingiu as lavouras dos Estados Unidos. Neste último, os efeitos da praga são estudados desde a década de 1970, demonstrando a grande pre-ocupação do governo norte-ame-ricano em defender sua produção agropecuária. Mas, os efeitos da ferrugem nos Estados Unidos não são tão fortes como no Brasil, já que, durante o inverno, os estados maiores produtores de milho e soja ficam debaixo de neve, formando uma barreira sanitária natural con-tra o fungo, que necessita da plan-ta viva para sobreviver. No Brasil, a primeira detecção ocorreu na safra de 2000/2001, quando também houve identificação da praga no Paraguai. Nesse primeiro momento, a ferrugem não chegou a causar prejuízos, pois entrou no final do ciclo da plantação. No entanto, na safra seguinte, ela se alastrou como uma epidemia para os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Gros-so e Goiás; e apresentou ocorrência também em San-ta Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Tocantins, Piauí, Maranhão e Rondônia. O despreparo dos produ-tores e as aplicações tardias geraram perda de 569,2 mil toneladas de grãos e prejuízos de US$ 125,5 milhões.

Na safra de 2002/2003, o avanço da doença foi impressionante e as perdas subiram para 3,4 milhões de toneladas de grãos somando prejuízos de mais de

US$ 737,4 milhões. Além disso, o custo-ferrugem alcançou US$ 1,6 bilhão, considerando investimentos no controle químico na ordem de US$ 426,6 milhões. Na safra seguin-te, esse custo total estimado subiu para US$ 2,08 bilhões. Atualmente, a única região produtora de soja que não apresenta ferrugem asiática é o estado de Roraima, porque está no Hemisfério Norte e, por isso, a plan-tação ocorre em outra época. Nos anos de 2004 e 2005, alguns esta-dos do Brasil sofreram uma grande seca e isso contribuição para dimi-nuição dos prejuízos com a praga, que voltou a causar grandes estra-gos em 2006, com perda de mais de 2,9 milhões de toneladas do

grão e custo de US$ 2,124 bilhões. Uma medida legislativa implantou a obrigato-riedade do vazio sanitário nos estados do Mato Grosso e Goiás, em 2007, gerando resultados importantes para o controle da doença nessas regiões. Mesmo assim, a safra foi marcada por um período muito chuvoso, facili-tando a ação e proliferação do fungo. Nas safras seguin-tes, o vazio sanitário passou a ser implantado também nos estados do Mato Grosso do Sul, Tocantins, Minas Gerais e São Paulo, mas as perdas ainda ocorreram e o custo-ferrugem continuou alto. Além disso, os produtores passaram a ter de lidar com outras doenças da soja que

RAFAEL MOREIRA SOARESEmbrapa Soja

“Atualmente, a única região produtora de

soja que não apresenta ferrugem asiática é o estado de Roraima.”

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começaram a se manifestar mais fortemente, como o mofo branco (provavelmente, hoje a segunda doença mais importante na cultura da soja), podridões radi-culares como fitóftora e macrofomina, mancha alvo, antracnose, entre outros. Com a diminuição das médias de aplicações e de sua representatividade no valor de mercado do grão, as perdas e o custo-ferrugem passaram a dimi-nuir nas safras de 2008 a 2012. Os custos da safra mais recente (2012/2013) ainda não foram calculados, mas foi um período de clima neutro, com chuvas irre-gulares, e, notadamente, a doença teve uma evolução mais lenta. Ao analisar o histórico da doença no País, percebe-se que o custo do controle químico acompa-nha o custo-ferrugem e as perdas diminuiram, o que significa que o controle da doença vem obtendo certo sucesso. Mas, o cenário ideal seria diminuir ainda mais

o custo do controle químico, mesmo que ainda hou-vesse perdas pequenas dos grãos, chegando a um custo-benefício mais equilibrado para a cultura, pen-sando em uma agricultura mais sustentável, também do ponto de vista ambiental. Mesmo sabendo da imensa dificuldade do agricultor em lidar com essa doença tão agressiva, o seu papel para enxugar essa conta é fundamental. É preciso seguir critérios técnicos e usar os métodos de monitoramento para realizar o controle preventivo, que apresentam grande sucesso nas propriedades em que são executados. Nesse sentido, fica clara a necessi-dade de realizar um trabalho de conscientização en-tre os produtores. Ao longo das 11 safras estudadas após a entrada da ferrugem no Brasil, 15,5 milhões de toneladas de soja foram perdidas e o custo-ferrugem chegou a US$ 19 bilhões.

OCORRÊNCIA MUNDIAL DA FERRUGEM ASIÁTICA

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A M E A Ç A S F I T O S S A N I T Á R I A S : N O VA S P R AG A S C O L O C A M E M R I S C O A P R O D U Ç Ã O D E A L I M E N T O S N O B R A S I L

Tipos de controle Entre os tipos de controle estão os manejos cultural, químico, legislativo e a resistência varietal. O controle químico, basicamente, está pautado em uti-lizar misturas comerciais de dois grupos: os triazóis e as estrobilurinas. Inicialmente, as aplicações de tria-zóis sozinhos funcionavam; hoje, já existem casos de resistência do fungo caso não seja aplicado o produ-to com a mistura. Mesmo assim, esse método vem diminuindo sua eficiência devido à resistência que o fungo vem desenvolvendo ano a ano. Estão em desenvolvimento algumas novas misturas duplas e triplas, com o acréscimo de car-boxamida ou troca do triazol por esta, substância com melhor con-trole em relação à ferrugem. Mas, não será a salvação da lavoura. É preciso fazer o manejo integrado e proteger essas moléculas para que não percam sua eficiência. Existem recomendações técnicas para aplicações logo nos primeiros sintomas da doença. No entanto, a identificação nesse estágio não é fácil, pois a doença começa com uma pequena lesão que, muitas vezes, não é visualizada. Ocorre que a aplicação preventiva mostrou-se, realmente, como a melhor alternativa, desde que baseada em critérios técnicos e racionais. O controle preventivo considera diversos fatores técni-cos, como os sintomas nas unidades de alerta, áreas em que se planta antes do período normal. Hoje esse método não tem sido muito utilizado porque o vazio sanitário o limitou. Uma preocupação é que algumas propriedades não têm capacidade operacional para fazer o controle da forma que deveria ocorrer. Também é importante considerar esse fator ao recomendar a

aplicação preventiva, além das condições climáticas, estádio da cultura, situação da ferrugem na região, ou-tras doenças, entre outros. São muitos os desafios e os problemas em relação ao controle da ferrugem asiática. Não basta ter um produto eficiente. As aplicações feitas de forma equivocada, como logo antes de chuva, em momen-tos muito secos ou com excesso de vento, contri-

buem para tornar ainda mais difícil esse combate. A soja voluntária na entressafra é outro grande proble-ma. Essa é a soja que cai da co-lheitadeira ou caminhão durante a colheita ou transporte e que acaba se desenvolvendo no campo. Essa situação também ocorre nas beiras de estradas que formam os corre-dores de escoamento da produção e vai contra a determinação de va-zio sanitário, mesmo que não seja algo premeditado. Um dos maiores sucessos na história do combate brasileiro à ferrugem asiática é o Consór-cio Anti-Ferrugem, uma parceria inédita no Brasil promovida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária

e Abastecimento e coordenado pela Embrapa Soja, entre várias Universidades, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), Governos Estaduais, coope-rativas e outras instituições de pesquisa e assistência técnica, que uniram-se para descobrir como combater a doença. O Consórcio disponibiliza em sua página na internet as ocorrências da praga em tempo real, além de todas as informações necessárias aos produtores. Essa tem sido a principal ferramenta para o acompa-nhamento da doença no País e vem sendo acessado por outras regiões produtoras de soja, como Estados Unidos e Europa.

“São muitos os desafios e os problemas em relação ao controle da ferrugem asiática.

Não basta ter um produto eficiente.”

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IMPACTO DA HELICOVERPA ARMIGERA SOBRE A AGRICULTURA BRASILEIRA

Se há ou o quanto existe de Helicoverpa armigera na Bahia a resposta é uma incógnita. A olho nu, não há como distinguir a espécie. O manejo do

inseto na região oeste do Estado procurou atingir alguns objetivos específicos. Primeiramente, deline-ar a paisagem agrícola através de um levantamento fitossanitário e implantar de métodos de controle: químico, biológico e legislativo. O controle químico se efe-tivaria através de solicitação do re-gistro emergencial e a autorização de importação, no âmbito Federal e através do Ministério de Agtri-cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e a aplicação assistida do inseticida Benzoato Emamectina, em nível Estadual, por intermédio da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB). O controle biológico impli-ca em apoio a um programa de manejo integrado de praga para as culturas regionais. O controle legislativo, de caráter mandatório, visa assegurar áreas de refúgio e implantar um vazio sanitário consolidado capaz de atender a várias cultu-ras, não somente a soja. Fomentou-se ainda a criação de um consór-cio de manejo de Helicoverpa e um programa consis-tente de educação sanitária a partir de um diagnóstico socioeducativo. A equipe é orquestrada pelo Ministério da Agricultura, através do grupo de gerenciamento situ-

acional, e a ADAB coordena a parte operacional, que integra consultores, pessoal técnico e associação de produtores. Criou-se também uma grupo que foi para

o campo – a “turma da infantaria”. Não obstante a praga este-ja presente no estado desde feve-reiro de 2012, só em janeiro deste ano fomos convidados a participar do processo. O setor produtivo imaginou que sozinho daria conta. Inclusive, promoveu uma viagem à Austrália para verificar métodos de controle locais. Voltaram convic-tos de que precisavam do Estado, principalmente no tocante às ações mandatórias. Assim, aos poucos, so-maram-se a ADAB, a Secretaria Estadual da Agricultura e o Minis-tério da Agricultura, passando por discussões técnicas, embates com diversas instituições e pesquisas.

A equipe inicial constituía-se de dez fiscais estaduais agropecuários, com apoio da Associação Baiana de Produtores de Algodão (ABAPA) e Associação dos Agricultoires e Irrigantes da Bahia (AIBA) . Mesmo com a tecnologia GPS, o oeste da Bahia é de acesso muito difícil – tudo é muito grande, muito distante. Organizaram-se núcleos estratégicos em Luiz Eduardo Magalhães, Formosa do Rio Preto, São Desidério e Correntina. No dia 2 de abril, nós já fomos a campo, de-pois de uma reunião que harmonizou os procedimen-tos. Havia pessoal da defesa agropecuária e vários

SUELY XAVIER DE BRITOAgência Estadual de Defesa Agropecuária

da Bahia – ADAB

“O controle biológico implica em apoio a

um programa de manejo integrado de praga para

as culturas regionais.”

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outros técnicos. Trabalhamos com as três principais culturas implantadas naquele momento: soja, com praticamente 70% de sua área colhida; milho, com a colheita a meio; e algodão, ainda na fase vegetativa. Entre os dias 3 e 11, percorreremos 257 pro-priedades no território de nove municípios, e aplica-mos 460 laudos fitossanitários. Elaboramos mapas de todas as propriedades georeferenciadas, com infor-mações sobre cultura, quantidade, se eram conven-cionais ou transgênicas, regime pluviométrico etc. Foram 221 laudos aplicados na cultura da soja; 139, na cultura do algodão; 131, nos plantios de milho; e 14 em cultivos de vigna. Verificamos a existência de 612.000 hectares plantados com soja, sendo 502.000 com soja transgênica. Pouquíssi-mos tinham área de refúgio.

Dos 228.000 hectares de algodão, a maior parte – 137.000 hectares – é convencional. O milho está divido em partes iguais, metade convencional e metade transgê-nica. Vigna e feijão ainda são de cultivos convencionais. Entre as diversas ocorrências fitossanitárias elencadas pelos produtores, duas se destacaram: a Helicoverpa, citada em 345 laudos, e mosca branca, em 267. Ademais, registramos a ocorrência de Spo-dóptera, citada 90 vezes como praga; bicudo, em 18 vezes; e mofo branco, com apenas quatro citações .Era de se esperar poucos registros de mofo branco e de ferrugem asiática da soja. Foi um ano atípico, após dois veranicos, um em dezembro (2012) e outro em fevereiro (2013); choveu-se muito abaixo da média his-tórica. Isso talvez explique baixa incidência de mofo branco e de ferrugem asiática da soja.

EMERGÊNCIA SANITÁRIA DO OESTE BAIANOPropriedades visitadas e laudos fitossanitários aplicados (3 a 11 de abril de 2013)

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Segundo a declaração dos produtores rurais, as perdas médias na soja somavam 22 sacos/ hecta-re; em algodão, 58 arrobas/ hectare; e no milho, 53 sacos/ hectare. Os produtores atribuíam o prejuízo na soja à má distribuição de chuvas nessa safra, mais in-clusive do que à Helicoverpa spp. Enquanto prosseguíamos nessa lida, em 5 de abril foi publicada a IN 8, autorizando a importação do Benzoado de Emamectina. E já no dia seguinte, libe-rou-se a importação de 100 ton para o oeste da Bahia. Conforme as responsabili-dades atribuídas ao órgão estadu-al, ficamos incumbidos de preparar o ambiente para a aplicação e cui-dar da aplicação assistida. A exem-plo do que se faz com a área ani-mal, a vacinação assistida; na área vegetal instituiríamos a vacinação assistida! Em parceria com a AIBA, elaboramos um folder, distribuído na passarela da soja que aconte-ceu em meados do mês de abril. Ninguém deixou de estar ciente dos problemas e das responsabili-dades que teria pela frente. Quando pensamos que quase tudo estava resolvido, sur-giram dificuldades com o Ministério Publico Estadual. Baseados princi-palmente num parecer da ANVISA, de 2007, que re-jeita o produto, os procuradores emitiram pareceres contrários à sua importação e aplicação. Debalde as tentativas de explicação de que se tratava de uma praga nova e sem inimigos natu-rais que certamente promoveria muitos danos; que a aplicação era emergencial e que outras técnicas de controle poderiam ser associadas, ao longo do tempo; que seria necessário fazer uma supressão populacio-nal, e que, para isso, o produto químico era indispen-sável... Não houve argumentos para os convencer.

Afinal, aos 6 de maio, a ADAB publicou porta-ria ditando as regras de distribuição do produto, pas-sando por uma avaliação técnica, não só da defesa sanitária, mas dos responsáveis técnicos de cada pro-priedade. Além de todos os cuidados que deveriam ser tomados na utilização, ademais, previu-se a devo-lução das embalagens vazias. Junto com a portaria, veio o termo de solici-tação de liberação do Benzoato de emamectina, de que consta a identificação do produtor, instrução de

uso, área e recomendações. Criou-se, assim, um sistema dentro do SIAPEC, para controlar o estoque do produto, que chegou à Bahia no dia 15 de maio, em Barreiras. A emergência helicoverpa fora determinada por vários fatores, alguns relacionados ao ambiente, à paisagem agrícola e o manejo esta-belecido nos Cerrados, outros de-vidos a relações interinstitucionais, além da questão da responsabili-dade compartilhada. A última safra ocorreu no curso de uma mudança climática. A região, de São Desidério, Barreiras, Luiz Eduardo de Magalhães, dispõe de um regime pluviométrico que os-cila entre 1000 a 1500 milímetros,

bem distribuídos. Ora, no período citado, houve áreas em que choveu de 400 a 800 milímetros. Sem dúvida, isso favoreceu a explosão populacional da praga. De outro ponto de vista, 132 propriedades mantinham lavouras em regime de sequeiro, e sofreram fortes impactos com a distribuição irregular das chuvas. Somente 25 propriedades ocupavam áreas irrigadas. Decorrente do tipo de suprimento de água, a turma que tem a irrigação não aceita o vazio sanitário de 60 dias. Eles recusam ficar esse tempo todo com o pivô parado. São terras que se estendem por 105.000

“Além de todos os cuidados que deveriam

ser tomados na utilização, ademais, previu-se a

devolução das embalagens vazias.”

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hectares, nos quais, de 2002 pivôs, 802 são para cul-turas temporárias. A relação entre o milho, a soja e o algodão é muito próxima. Nos Cerrados, a exploração inten-siva de hospedeiros suscetíveis começou há déca-das – permitindo que culturas vegetam todo o ano. O sucesso do controle dependeria, portanto, de uma interrupção, uma descontinuidade temporal, a fim de reduzir a população da praga. A utilização de transgênicos com proteína Bt e alguns com a tecnologia herbicida para soja e algo-dão, tem crescido, mas sem o estabelecimento de áreas de refúgio o uso de agrotóxicos torna-se inadequado. Observamos superdosagem, coquetéis, produtos não seletivos para inimigos naturais, e modos de ação que induzem à resistência química. Não bastasse tudo isso, o Ministério Público convocou os órgãos de saúde e de meio ambiente, para que eles estabeleceram critérios que deveríamos observar. Só para dar um exemplo: o INEMA nos solici-tou amostras de solo de todas as propriedades, antes e

depois da aplicação. Entretanto, num estado de emer-gência, nem sempre temos tempo para essas ações. Evidentemente, não deu tempo para realizar pulverizações regionais. Serão criadas dez áreas pilo-to, atendendo aos critérios da SESAB e do INEMA, e nelas se fará avaliação técnica e aplicação assistida, a fim de se extrair algumas inferências sobre a eficiência e a degradação da molécula no meio ambiente. Concluindo, se me perguntam qual o status da emergência fitossanitária, respondo que a defesa agropecuária perdeu o trem das ações... Modificou-se o trajeto, e a composição - timer das ações que deveriam ter sido efetivadas, e não foram – leva pas-sageiros órfãos. É assim que eu me sinto: meio que sozinha, lutando pela emergência. Um comunicado técnico da EMBRAPA, de 2006, alertava sobre o perigo da Helicoverpa armige-ra, falava de perdas do feijão guandu, mais de US$ 300 milhões. Quais as precauções que tomamos? No oeste, em março, falava-se já de perdas no valor de R$ 1,67 bilhão.

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ORGANIZAÇÃO DE SISTEMAS DE DEFESA SANITÁRIA VEGETAL

EM OUTROS PAÍSES

A maior parte das pessoas que já viajou para fora do país e regressou via os aeroportos do Brasil conseguiu constatar a triste realidade da falta

de fiscalização e inspeção eficien-tes nas barreiras de entrada do País. Esse negligenciamento pode ser refletido nas ameaças fitossa-nitárias que intimidam o progresso da cultura agropecuária no Brasil. De modo geral, o qua-dro Internacional Regulatório visa contribuir com medidas menos restritivas ao comércio, proteção da flora nativa e do comércio e ambiente, bem como a prevenção de potenciais pragas e plantas. Mas, nem sempre essas medidas auxiliam e pragas e hospedeiros podem se proliferar no ambien-te, exigindo das autoridades me-didas de prevenção. E nunca é demais lembrar que as viagens internacionais são, realmente, as principais respon-sáveis pela entrada de pragas. Quando isso ocorre, as funções tradicionais da Defesa Agropecuária procuram buscar respostas a emergências com campanhas de erradicação de do-enças e pragas, valendo-se da quarentena. Nesse ce-nário, as características institucionais tradicionais em defesa agropecuária, que afetam a produção primária, são normalmente dirigidas pelo setor público identifi-cando os problemas, capacitando grupos específicos, mas que trabalham a um alto custo técnico para a eli-minação da praga/doença.

O cenário global atual tem contribuído para a ampliação do número de ameaças fitossanitárias que tem ocorrido nos últimos anos. Isso é decorrência do

aumento das viagens internacio-nais e comércio de produtos agro-pecuários; aumento da influência dos consumidores sobre a produ-ção; avanço da competição, dimi-nuição da influência da agricultura na definição das políticas públicas e descuido potencial no comercio das decisões baseadas em ciên-cia. Só em 2010, no aeroporto de Miami, interceptaram-se 18.000 pragas. Isso serve para ilustrar a situação contemporânea de amea-ças fitossanitárias. Outro ponto importante que deve ser observado é o aumento da influência dos consumidores sobre a produção. Hoje em dia, é o consumidor quem diz, na realida-

de, o que ele quer. Não é mais o produtor. Quem dirige hoje é a área econômica: se o consumidor quer uma papaia pequena ou quer uma melancia sem semente, é isso o que importa. Isso leva ao aumento da com-petição e a diminuição da importância da agricultura. A percepção das gerações atuais é de que o leite não vem de vaca, o leite vem da fábrica; assim como o suco não vem do fruto da árvore, vem da caixinha. Assim, a agricultura está perdendo cada vez mais a importância no mundo. As pessoas estão preocupa-das com a inclusão digital. Ao invés de tomar leite e comer proteína é mais necessário tuitar e disponibilizar

ALDO MALAVASIMoscamed Brasil

“Nunca é demais lembrar que as viagens

internacionais são, realmente, as principais

responsáveis pela entrada de pragas. ”

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Wi-Fi grátis para todos. Observar esse cenário é im-portante para entender a diminuição da importância observada nas políticas públicas para a manutenção do agronegócio. Além disso, não se pode esquecer que, a segurança alimentar afeta também a saúde pública, o turismo e a competitividade, só para citar algumas áreas. Entretanto, mesmo com as adversidades, a defesa agropecuária não pode ariscar a produção do-méstica. Caso faça isso, ela não está cumprido o seu papel. E, ela tem que facilitar o incremento da expor-tação, principalmente dos países que importam muito alimento. E, para não colocar em risco a produção doméstica e ao mesmo tempo facilitar o incremento na importação para suprir o consumo interno, a Defe-

sa Agropecuária e Segurança Alimentar devem chegar a um balanço das fragilidades nacionais e desenvolver algumas capacidades de prévia identificação das suas necessidades. Entre a lição de casa que os governos devem fazer, encontram-se: orçamento adequado; in-fraestrutura estável; sentido de urgência; compromis-so nacional e internacional; capacitação técnica dos fiscais; programas de vigilância permanentes; estabe-lecimento de um sistema de informação e incentivos e progressão funcional. Nesse contexto, diferentes papéis são específicos dos Setores Público e Priva-do que podem auxiliar nos Sistemas de Defesa Agro-pecuária e Segurança Alimentar. Aos governos cabe representar o país, estabelecer a legislação, definir os estandares e assegurar o cumprimento dos regimen-

ENVIAR FOTO 177 EM ALTA

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tos. No lado do setor privado, os “donos” dos produ-tos, encontra-se o financiamento de produtos e medi-das que auxiliem no combate às pragas e as ameaças mais próximas. No passado, as características do Sistema de Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar eram identificação dos problemas pelo setor público, análi-se de produção, identificação de pragas e doenças, criação de grupos de capacidades específicas para erradicação, que também inclui a inspeção de pro-dutos, tudo isso a um alto custo técnico para o sistema nacional. Hoje, a preocupação deve centrar-se também na cadeia alimentar, no manejo de risco, na articulação público/público e público/privado, que deve contar com um investi-mento institucional, com aborda-gem multidisciplinar para analisar os fatores de risco, ter sistemas confiáveis e fixar, aplicar normas e gerenciar um sistema nacional com componentes regionais. Analisando as organiza-ções de sistemas de Defesa Sani-tária Vegetal em outros países ob-serva-se que, de modo geral, as atividades típicas e as atividades de exclusão são divididas em três verten-tes: prevenção de contrabando, informação pública (que inclui folders, posters e avisos) e formulários de imigração e agricultura (que compreendem atividades típicas como monitoramento e inspeções regulares – ex. Febre aftosa, vaca louca, brucelose e moscas das frutas). Nesse contexto, podemos classificar os países segundo seus sistemas de Defesa Vegetal: 1.baixa prioridade, 2.risco negligenciável, 3.sistema tradicio-nal, 4.enfoque offshore e 5.enfoque biossegurança. A Baixa prioridade é entendida como o resul-tado da falta de recursos humanos e materiais para

uma política de defesa. Pode ser observada em alguns países da América Latina e Caribe, em muitos países da Ásia e em praticamente toda África subsaariana (com exceção da África do Sul). O Sistema Risco Negligenciável é definido pelas condições climáticas adversas e a longa estória de comércio que levam a conclusão que a probabili-dade de bioinvasão é baixa. Este cenário é observado

no Canadá, nos países do norte da Europa e na Rússia. Já o sistema tradicional é baseado, principalmente, em ins-peção e resposta às invasões e é mais comum nos países que expor-tam commodities (identificados pelo MAFF, no Japão; SAG, no Chile; SE-NASICA, no México; SENASA, na Argentina e DSV no Brasil). Para o Enfoque offshore são delimitados fortes programas de pré-liberação que ocorrem no países exportador, portanto na sua origem, com mitigação de risco na entrada de commodities e passa-geiros. Um bom exemplo disto é o USDA/APHIS, dos Estados Unidos. É eliminar o problema antes que ele

chegue à porta. Na inspeção offshore, a análise deve ser feita no país de origem, antes da importação do produto. Um exemplo, é a ação dos fiscais brasileiros ao inspecionarem as maçãs antes de sua saída da Argentina com destino ao Brasil. Essa é a primeira ati-vidade de exclusão. A segunda é inspeção e deve ser realizada na chegada, ou seja, ou no porto de entrada ou no aeroporto. Quando se quebra a barreira de exclusão, é preciso concentrar-se na detecção. Cabe aqui uma observação: todas as fronteiras são porosas, não há fronteira absolutamente impermeável. As mais imper-meáveis são: Yokohama, no Japão; Santiago do Chile

“Todas as fronteiras são porosas, não há

fronteira absolutamente impermeável.”

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e Auckland, na Nova Zelândia. A detecção deve ser seguida da delimitação para se fazer o controle: ou suprime, ou contem, ou erradica. Já o enfoque biossegurança está centra-do na proteção das plantas (e animais) nativos e, a agricultura, com acentuada integração entre a saúde animal, vegetal e humana. São bons exem-plos de enfoque offshore o DAFF, na Austrália, e o MPI, na Nova Zelândia. Justamente por isso, quando se chega aos aeroportos da Austrália ou Nova Zelândia, o inspetor verifica desde a saúde dos passageiros que entram no país, para tentar barrar a entrada de vírus indesejáveis até o conte-údo da bagagem. O enfoque biossegurança muda completamente o processo de inspeção. É por causa deste modelo que nos últimos dez anos, apenas três pragas entraram na Nova Zelândia. Os países precisam atentar-se com a bios-segurança. Biossegurança é proteger a economia, o meio ambiente e a saúde das pessoas contra as pestes e doenças. Isto inclui tentar prevenir a chega-da de novas pestes e doenças e ajudar no controle de ameaças que invadem o pais com respostas rá-pidas e robustas de combate, prevenindo pestes, do-enças ou ervas daninhas, tendo sempre como meta prioritária a segurança da nação. Para tanto, há uma enorme variação entre as ONPFs ao redor do mundo quanto a estrutura, sistemas de funcionamento e efi-ciência. O volume da produção agrícola e seu valor e os impactos econômicos e ambientais estimados do estabelecimento de espécies invasivas são as forças que dirigem os sistemas de defesa.

NEWZEALAND

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DEBATES E PROPOSTAS

EM DEFESA DA COMPETITIVIDADE AGROPECUÁRIA Túlio Oliveira Aenda Os técnicos que visitaram as lavouras da Bahia sugeriram a utilização de cinco produtos, re-gistrados no Brasil, para o combate à Helicoverpa armigera. O Ministério da Agricultura, porém, libe-rou apenas o Benzoato de Emamectina. Por quê?

Luís Eduardo Pacifici Rafael MAPA O Ministério da Agricultura recebeu notifica-ção da ADAB contendo uma lista de oito produtos, incluindo o Benzoato de Emamectina. É importante lembrar que, até aquele momento, não se sabia ao certo contra qual espécie de Helicoverpa estávamos lutando, e, sendo assim, seguiu-se a Instrução Nor-mativa que prevê o uso emergencial. Foi feito um le-vantamento da classificação dos produtos por ordem de toxicologia que, inicialmente, nos levou a optar por cinco produtos – três químicos e dois biológicos – sem nenhum questionamento do CTA. A partir da publicação da decisão no Diário Oficial, procedemos aos registros emergenciais no tocante aos produtos biológicos, e às extensões referentes aos químicos. Atualmente, além do Benzoato de Emamec-tina, o mercado disponibiliza cinco alternativas, e a escolha foi por simples contingência. Trata-se de um produto empregado contra essa praga em outros países, com comprovada eficiência, mas não cabe ao CTA aprova-lo ou rejeita-lo; não é atribuição da Câmara que tem como natureza o assessoramento. O assessoramento opera com base na Norma e esta proíbe o produto por critérios previamente estabele-cidos. Por conseguinte, o CTA declinou da decisão e remeteu o problema para a instância superior, o Mi-nistério da Agricultura, que, por fim, aprovou a impor-tação em caráter emergencial.

Na realidade, o Benzoato não deve ser visto como única solução, pois ele se soma de maneira muito especial ao controle tradicional daqueles cinco produtos aprovados. Seu uso decorreu da necessi-dade de uma arma rápida e eficaz intervenção a fim de reduzir a população da lagarta, permitindo, poste-riormente, o manejo por meio dos demais produtos.

Geraldo Papa UNESP Ainda na safra anterior, as diamidas falharam. Segundos após a detecção da lagarta, já não se obti-nha controle. Havia a noção de que os cinco produtos disponíveis não seriam suficientes e, paralelamente, o conhecimento de experiências muito bem sucedidas em outros países com o Benzoato de Emamectina. A orientação para que a moléculo fosse aprovada foi dada pelo grupo de trabalho responsável por isso.

Christian Scherb Nufarm Anos de experiência resultaram na convic-ção de que a quantidade de ativos necessários é bem maior do que a disponibilizada; dois ou três não re-solverão nunca. O tempo para registrar um produto é longo e não adianta liberar um só para uso emergen-cial, porque ele será aplicado várias vezes seguidas, perdendo-se em meia safra. As pressões políticas são fortíssimas, é fato, mas se o Brasil quer ser o primeiro produtor mundial de alimentos precisa começar a se mexer. Não adianta desenvolver ativos na Argentina e nos contentarmos com a resistência dos produtos. Colocamos entraves à defesa fitossanitária, enquan-to no mundo inteiro os produtos que funcionam são registrado simples e rapidamente. Aceitamos todos os níveis de controle que se queira estabelecer, des-de que se imprima maior celeridade ao registro. Caso contrário, uma hora a agricultura do país quebra.

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Controle da Cydia pomonella

Mário Menezes Biocontrole Os resultados do programa de com-bate a Cydia pomonella encheram-me de or-gulho. Apenas fiquei com dúvida em relação à continuidade, a meu ver essencial. Partici-pei do combate à mosca-da-carambola, mas, atualmente, não sei como o problema evoluiu. Houve êxito no Pará, mas surgiu outro foco em Roraima, sem perspectiva de erradicação em curto prazo. Seria possível estabelecer um paralelo entre as duas experiências?

Jair Virgínio Moscamed Brasil O Ministério da Agricultura regulamenta todo o Programa Nacional de Erradicação da Cydia pomonella e a Instrução Normativa 48 define que o monitoramento precisa ser realizado entre os meses de setembro a mar-ço. Ou seja, o ciclo 2012/2013 encerrou-se em março e, infelizmente, o DSV não deu resposta a tempo de uma preparação. Na incerteza, ninguém consegue manter-se mobilizado, em campo, recebendo salário, mês a mês, até o início de setembro, quando deveria ser iniciado o segundo ciclo. O setor produtivo tem manifestado forte preocupação, especialmente a Associação Brasileira de Produtores de Maçã, que desempenhou papel funda-mental em tudo que diz respeito às ações de controle de erradicação de Cydia pomonella. A Instrução Normativa diz ainda que somente após dois anos de captura zero a área dos quatro mu-nicípios estará livre da praga. O monitoramento deverá ser repetido, inclusive, para que o Brasil obtenha re-conhecimento internacional de que teve êxito também na erradicação urbana. Os pomares comerciais estão desembaraçados. A batalha foi vencida, mas a guerra não terminou. Cabe ao Ministério da Agricultura definir

a estratégia para o ciclo 2013/2014 e quanto a isso, ainda estamos nos escuro.

Aldo Malavasi Moscamed Brasil O Ministério da Agricultura tem dado apoio a este que é um dos programas de maior sucesso no Brasil. Conteve, de fato, a praga no Estado do Amapá. O custo tem sido altíssimo, algo em torno de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões. Então, qual seria o problema? É que apesar de investir muito dinheiro, o Ministério só consegue contratar profissionais terceirizados, o que resulta em dificuldades operacionais enormes. Nin-guém cogita encerrar o projeto. Existem lideranças e fiscais seriamente comprometidos com a sua execu-ção. Mas, infelizmente, há também desinteresse.

Política Fitossanitária

Ângelo Pallini UFV Durante sua apresentação, o representan-te do MAPA falou que a política fitossanitária está para ser criada. O que é e como se aplicaria essa política?

Luis Eduardo Pacifici Rangel MAPA Ao falar de política fitossanitária, incluo ques-tões acessórias, tais como os defensivos agrícolas, o treinamento, a educação sanitária, entre outros. Vá-rios colegas, embora não trabalhem especificamente na área de agrotóxicos, sabem que toda a discussão sobre o produto e a sua aplicação acaba focando as-pectos fitossanitários. Claro, o produto só existe para controlar a praga, mas eu gostaria de inverter essa história, parar de discutir produto por produto, e discutir, por exem-plo, uma política fitossanitária para soja, no Brasil.

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Qual o risco principal da soja? Qual mercado quere-mos atingir? Quem é o nosso principal concorrente? Quais produtos concorrem para essa fitossanidade? Com a saída de produtos importantes do mercado, o que é mais grave: a ferrugem ou o percevejo? A entomologia vive uma crise atrás da outra. Cabe ao governo fixar prioridades na área de defensi-vos e, a partir daí, caberá à indústria responder ques-tões como os tipos de armas que dispomos para o maneja das pragas. Critica-se severamente a inépcia governamental, mas a quem interessa um Ministério da Agricultura sem estrutura, com pouca verba, sem condição de efetuar ações eficazes, nem de cumprir a legislação? Interessa a algum dos senhores? Certa-mente, não. Pois, então, pressionem. Digam que dis-cordam do modelo atual. E reflitam: a quem interessa a sua execução? O negócio de defensivos agrícolas movimen-ta US$ 10 bilhões/ano e o número de técnicos é cada vez menor. Além disso, um registro de produto demo-ra quase 12 anos. Como comparativo, o EPA, a agên-cia reguladora dos Estados Unidos, abriga cerca de 1.000 pessoas, em um único prédio para tratar desse assunto. E o mercado deles é menor que o nosso. Não se trata de defender um inchaço gover-namental, essa não deve ser a estratégia. Mas, preci-samos agir com inteligência. A sociedade tem idênti-cos objetivos e pode nos ajudar a encontrar soluções mais eficientes e menos dispendiosas. Nesse sentido, eu perguntaria aos pesquisadores o que estaria ao seu alcance para aprimorar o modelo, torná-lo mais razoá-vel, e os convidaria a exercer mais pressão. Juntem-se à indústria para que as coisas aconteçam.

Geraldo Papa UNESP Ao longo dos quase 30 anos durante os quais tenho atuado na agricultura, o Brasil saltou de menos de 50 milhões de toneladas de grãos para

185 milhões de toneladas. É, portanto, um país abençoado, porque plantios sucessivos e conco-mitantes, só mesmo graças à benção divina. Por outro lado, isso também assegura a proliferação e a sobrevivência das pragas. Na esperança de que os defensivos sejam a solução para tudo, vão sendo deixados de lado os princípios de manejo. Resulta-do: os inseticidas, os fungicidas, os herbicidas estão sucumbindo. Moléculas e grupos químicos fantásti-cos perdem suas eficiências toxicológicas. A legislação deveria prever o vazio sanitário. Em alguns setores, os irrigantes resistem, mas dá para planejar os plantios com 60 dias de intervalo e assegu-rar a continuidade de todos os cultivos. Atualmente, as pragas já não se comportam como antes; a lagarta da maçã e do algodão resolveu comer soja. No estado de Iowa, nos Estados Unidos, a neve cria um vazio sanitário natural. Nos Trópicos, não tem jeito: o vazio sanitário precisa ser imposto por Lei, assim como o refúgio com as sementes BTs. Essas práticas diluem a resistência e permitem manter efi-ciência da tecnologia por mais tempo. Mas, sem Lei, nunca vai dar certo.

Eduardo Daher Andef Essa discussão deveria ser feita de forma mais ampla, com a participação dos três vértices do sistema regulatório brasileiro, isto é, MAPA, Ibama e Anvisa. Porém, neste auditório temos a presença apenas do MAPA, apesar do convite, os outros dois pilares não compareceram. Neste sentido, a minha proposta é fazer mais encontros para debater o tema. A indústria vem su-gerindo a algum tempo que essa discussão torne-se pública, porque as ameaças fitossanitárias não fazem parte, sequer, do imaginário da população urbana. Mas, as consequências da invasão de novas pragas certamente chegarão às suas mesas.

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Não há uma batalha entre a administração pública e privada, entre produtores e pesquisa, en-tre valores econômicos de cada cultura. A proposta é muito mais simples do que isso: é darmos mais transparência, é transmitirmos pela televisão, é levar-mos para o público em geral que existem ameaças, sim, e que elas são reais e preocupantes.

Jair Virgínio Moscamed Brasil A experiência que tive no serviço de defesa agropecuária me permitiu um contato com o ex-mi-nistro Roberto Rodrigues, que num rasgo de lucidez, priorizou três grandes fóruns nacionais: o fórum dos secretários de Agricultura; o fórum de entidades de sanidade agropecuária; e o fórum dos delegados de Agricultura. Isso mobilizou todo o país. Permitiu, por outro lado, um acúmulo de informações que muitas vezes não chegam ao topo das cadeias de decisão. Assim, na época da ditadura, na Argentina, o Clarín enviava à Casa Rosada uma edição par-ticular, destinada ao general presidente, contendo apenas notícias agradáveis, para que ele não se frustrasse. No Brasil atual, tem-se a impressão de que alguns dirigentes vêm recebendo versões se-melhantes dos jornais, posto que não se dão conta do que acontece sequer nas estruturas vinculadas às suas pastas. Por exemplo, até hoje não temos um sistema de informatização integrado. Cada uni-dade da Federação criou um serviço que armazena dados da produção, produtores e propriedades. Na Adagro, em Pernambuco, tivemos a felicidade de dar início a uma ferramenta que já está rodando em nove Estados. O Brasil precisa de uma base de dados para que qualquer produtor, esteja onde estiver, possa ins-crever um produto qualquer vegetal ou animal e essa informação chegar a todas as unidades da Federação, estabelecendo-se um diálogo entre elas. Precisamos re-ver e harmonizar as legislações estaduais, urgentemente.

No Vale do Rio São Francisco, onde a fru-ticultura gera mais de 250 mil empregos, vivencia-mos uma experiência interessante, que se realiza em dois lados da fronteira, entre Pernambuco e Bahia. O produtor que cruzar a ponte deixa para trás regras vigentes em um estado e passa a obe-decer às regras do outro. A produção agrícola não é considerada e cada Estado elabora uma legisla-ção diferente. Por mais difícil que seja levantar uma questão dessa natureza no Congresso, a realidade se impõe, e não pode ser equacionado por meio de portarias ou Instruções Normativas.

Entraves e Propostas

Ângelo Pallini UFV Foram apontados muitos gargalos do sis-tema, mas apenas uma proposta: rever especifici-dades do sistema de produção para garantir au-mento da produção agrícola.

Nelson Leite ADEPARÁ Com o programa da ADEPARÁ, erradica-mos a mosca-da-carambola duas vezes, juntando trabalho organizado e vontade. Foi o suficiente, muito embora na divisa do Amapá haja um rio com margem de 200 metros e o inseto voe até cinco quilômetros para depositar seus mil ovos. Erra-dicamos, porém, a mosca voltou. A expulsamos de novo e ela voou para Roraima. Uma equipe foi enviada ao local e a capturou. Somos referência no combate à mosca-da-carambola. Temos apro-ximadamente 1.100 armadilhas e, em todo o Pará, fizemos 23.500 monitoramentos. Nunca faltou apoio do Ministério da Agricultura e a expectativa é que o convênio plurianual, celebrado de 2011 a 2015, continue. Sem dinheiro, só com boa vonta-de, não se faz nada.

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Aldo Malavasi Moscamed Brasil Equipe é fundamental. A praga saiu do Su-riname, migrou para a Guiana e chegou até a divisa com o Brasil. Bastaram 24 horas para que a mosca-da-carambola fosse detectada, no Jari, e de pron-to já havia funcionários da ADEPARÁ no local, com residência fixada até o foco ser totalmente controla-do. É muito complicado erradicar hospedeiros, mas os profissionais assumiram a tarefa. O Ministério da Agricultura suportou os custos e, assim, temos evita-do que a praga saia do Pará e entre, por exemplo, na Bahia ou no Vale do São Francisco. A Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia é outra referência de atuação notável, pois superou um dos mais graves problemas do país: o loteamento de cargos em função de apoio político. Contra isso, valeu mais a continuidade. A política fitossanitária com que sonhamos só sairá do papel quando a presidente Dilma Rousseff a adotar, como adotou a MP dos Portos. Neste sentido, não vejo outro caminho que não seja ir direto ao encontro da presidência.

Suely Xavier de Brito ADAB Em tempos de Helicoverpa, eu me indago: que fim levou a nossa soberania nacional? O advento de uma praga exótica, ausente das Américas, com impacto potencial devastador, mais do que justifi-ca, tecnicamente, que se decretasse um estado de emergência, e, no entanto, não conseguimos sequer dar início ao processo de supressão!

Luís Eduardo Pacifici Rangel MAPA É uma questão de soberania, sim. Porém, mais de segurança, porque a agricultura nacional está sendo desafiada. No entanto, acredito que crises aca-

bam virando oportunidades. O caso Helicoverpa rom-peu amarras que há 10 anos nos atam à burocracia. Após os anos de ditadura, somos um país de demo-cracia frágil, recente, submetidos a uma burocracia feroz, um estamento que não consegue imaginar a sociedade sem a tutela do Estado, sem o apadrinha-mento do Estado patriarcal. Precisamos mudar isso. Não através do Estado mínimo, mas por meio de um Estado minimalista, que permita ao setor privado fazer o seu trabalho. Claro, devemos valorizar o Ministério da Agricultura, mas sem colocar todas as fichas nele. Se o governo é quem faz e desfaz, lá se vai a nossa soberania e a nossa segurança. Atualmente, a agricultura é o maior pa-trimônio do Brasil. Difícil de manter porque cus-ta desde o suor do agricultor, até o trabalho de transportar e vender os frutos da terra. Exige, portanto, um esforço colossal. E sendo o patri-mônio maior, é uma questão de segurança na-cional. É isso que precisa ser trabalhado: a re-lação custo-benefício. Quanto fatura a indústria do agrotóxico? Qual o prejuízo de quem não usa agrotóxico? Dados sobre intoxicação são es-condidos, ninguém consegue apurar. Será que existem? Sim, eles existem. Dizem que não são confiáveis. Pois, então, vamos ao que interessa: o que está sendo feito para melhorar a confiabi-lidade dos dados? Dados da agricultura, nós os temos. Anu-almente, produzimos diagnósticos baseados nos receituários agronômicos emitidos e o trabalho de mitigação dos riscos dos produtos prossegue. Certamente, precisamos de mais indicadores. O plano que os debates vêm suscitando, em minha opinião, é isso: somar competências dispersas e coloca-las dentro de um grande pacote a ser ofe-recido à Presidente Dilma. Para proteger o maior patrimônio que esse país tem. Essa é a minha ideia de plano.

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Ameaças à Hortifruticultura

Anita Gutierrez CEAGESP Eu sugiro que o Brasil adote uma estrutu-ra semelhante à que existe nos Estados Unidos e que os produtores e seus primeiros compradores participassem das decisões. Cheguei a pesquisar o valor de produção das frutas e hortaliças, que então era semelhante ao dos grãos. Pesam sérias ameaças fitossanitárias sobre as frutas e hortali-ças, mas ninguém abordou essa questão. Nossas culturas são, em grande parte, migratórias. O aba-caxi atravessa o Brasil inteiro. O maracujá mudou de São Paulo para a Bahia. As plantações de me-lancia mudam devido às pragas e doenças e, em algumas regiões, os produtores fazem duas pul-verizações por semana. Sem dúvida, o que acon-teceu com a soja foi gravíssimo, mas quem mexe com isso não enxerga o nosso setor, mesmo que a gente gere muitos empregos. Assim, gostaria de propor, para uma próxima reunião, não somente um levantamento das ameaças fitossanitárias às frutas e hortaliças, mas que fossem encaminha-das sugestões e soluções.

Marcelo Lopes da Silva Embrapa É indubitável que o episódio da Helicoverpa constitui um marco na defesa sanitária nacional. Houve atraso no diagnóstico mas, caso ele fosse mais preciso e mais prematuro, a história seria diferente? O certo é que sem base científica não se faz plano nenhum. É um

voo cego, como mergulhar ignorando a profundidade. Então, a pesquisa preventiva precisa detectar o proble-ma corretamente. O APHIS, nos Estados Unidos, a Aus-trália e a Nova Zelândia fazem. O Brasil não faz.

Aldo Malavasi Moscamed Brasil Considerando o papel da Sociedade Bra-sileira de Defesa Agropecuária, criada com forte apoio do Ministério da Agricultura, seria interessan-te que esse apoio voltasse a se manifestar. A rede não pode acabar. Vamos negociar apoio financeiro do CNPq, mas também é importante que a indústria fabricante, representada pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF) entre na discussão, no sentido de manter a rede funcionando.

Eduardo Daher Andef O orçamento do Ministério da Agricultura é inferior ao do Ministério do Comércio e Indústria. O Ministério de Ciência e Tecnologia também tem di-nheiro disponível a fundo perdido. Devemos, portan-to, encaminhar boas propostas, bem planejadas e acredito que os recursos podem ser suportados por todos, em parcerias. Sugiro nos reunirmos com pre-sidentes e os diretores de instituições que financiam pesquisas, como BNDES e Finep e vamos mostrar a eles que estamos sugerindo inovações em benefício do Brasil. Trata-se de um jogo de soma positiva. Pre-cisamos do apoio de todos – entidades, governos, academia e sociedade. Os recursos existem e esta-mos juntos nessa empreitada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O agricultor brasileiro tem sido duramente penalizado por pragas que afetam suas la-vouras. Os desafios para controlá-las e até

conviver com as diferentes pragas que ocorrem e aquelas que estão para ingressar no País tornam-se cada vez mais complexos. A necessidade premente de maior esforço fitossanitário em países tropicais é uma constatação científica, consagrada pela pes-quisa no mundo e no Brasil. De acordo com a FAO, Organização das Na-ções Unidas para Agricultura e Alimentação, a tecno-logia evita a redução, em média, de 40% na produção dos alimentos. Os prejuízos são ainda maiores em pa-íses tropicais como o Brasil, cuja incidência de pragas não tem a proteção natural das baixas temperaturas. As alterações do clima acarretam modificações na in-cidência de pragas agrícolas, com sérias consequên-cias econômicas, sociais e ambientais. De acordo com a revista Veja (15 de junho, 2011), um estudo realizado pela consultoria Kleffmann avaliou o impacto negativo para o País caso apenas quatro culturas – soja, milho, algodão e cana-de-açúcar – não tivessem a proteção de modernos defensivos agrícolas: as perdas econô-micas alcançariam R$ 128 bilhões; a safra da soja, por exemplo, enfrentaria quebra de nada menos do que 99% da produção. As autoridades na pasta de Agricultura nos municípios, estados e no Governo Federal do País nem sempre têm atuado de maneira rápida e eficaz para auxiliar os produtores rurais. Com esta preo-cupação, a Sociedade Brasileira da Defesa Agrope-

cuária propôs-se a reunir o setor público, empresas privadas do agronegócio, acadêmicos e agricultores com o objetivo de promover o intercâmbio de infor-mações sobre as ameaças fitossanitárias prestes a entrar no País – e, pelo menos uma delas, este ano, já ingressou na Bahia e causou perdas na produção de soja e algodão estimadas em R$ 2 bilhões. Pro-blema recorrente também se verifica na fruticultura e horticultura, onde predominam as plantações com baixo suporte fitossanitário, as chamadas Minor Crops. Dessa forma, a iniciativa propõe-se a desen-volver ações contínuas e eficientes que reduzem os danos às culturas, os prejuízos aos agricultores e à economia brasileira. As palestras e os debates permitiram identi-ficar deficiências no sistema de defesa fitossanitária nacional, entre elas: falta de taxonomista para dar suporte às ações de defesa sanitária vegetal; au-sência de uma base integrada de dados em defesa sanitária vegetal; falta de harmonização entre legis-lações estaduais de defesa sanitária vegetal; neces-sidade de maior agilidade dos órgãos regulatórios nos pedidos de análise de Novo Ingredientes Ativos. Apesar do cenário de desafios, os espe-cialistas reunidos no Seminário contribuíram com diversas propostas. Elas deverão ser aprofundadas em eventos como este seminário que, conforme aprovado, devem se tornar frequentes, visando reu-nir massa crítica que leve a uma ampla política fitos-sanitária, cuja visão sistêmica estabeleça as respon-sabilidades do setor público e do setor privado.

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>>GERALDO PAPA Há anos no Brasil, a Helicoverpa ainda não fora identificada corretamente. Em duas safras, hou-ve engano na sua identificação. Isso sinaliza um gra-ve despreparo na área da taxionomia. Primeiro, ima-ginou-se que se tratava da nativa Helicoverpa zea. Depois, cogitou-se da H. gelotopoeon, que embora originária da Argentina, ocorre no Sul desde a déca-da de 70. Só recentemente, em março deste ano, obteve-se a sua determinação exata. São poucos os taxionomistas. Um único dedicava-se à tarefa. Resultado: um prejuízo em torno de R$ 2 bi. A Helicoverpa é uma praga inevitavelmente cosmopolita. Concorrem para isso o seu tamanho e a sua polifagia, além da incrível capacidade migrató-ria e extraordinária adaptação que a caracterizam. A qualquer momento, ela pode simplesmente resolver dar um tempo, e permanecer até seis meses sem comer, nem dormir. Então, de uma hora para outra, ei-la que surge em uma haste, um caule, uma flor, uma vagem... Ao contrário das lagartas que atacam

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