Semiótica. Genealogias e Cartografias

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Semiótica. Textualidades.Signos.

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Ficha TcnicaCOLECO TTULO CONTRACAPA AUTORES ARRANJO GRFICO IMPRESSO EDIO E DISTRIBUIO

Cincias da Comunicao Semitica: Genealogias e Cartografias Jos Augusto Mouro e Maria Augusta Babo Grafismos - Pedro Bandeira, Lda. GC - Grfica de Coimbra, Lda. Edies MinervaCoimbra - Rua dos Gatos, 10 - 3000-200 Coimbra Telef.: 239 826 259 / 239 701 117 - Fax: 239 717 267 E-mail: [email protected] Julho de 2007 2/07 978-972-798-211-0

1 EDIODEPSITO LEGAL ISBN

Copyright Jos Augusto Mouro e Maria Augusta Babo e Edies MinervaCoimbra Reservados todos os direitos de acordo com a legislao em vigor.

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JOS AUGUSTO MOURO MARIA AUGUSTA BABO

SEMITICAGenealogias e Cartografias

MinervaCoimbra 2007

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NDICE

APRESENTAO ....................................................................................................................................................................................... 9 I - O CAMPO SEMITICO ........................................................................................................................................................ 11 1. Introduo ........................................................................................................................................................................................... 11 2. A noo de campo ..................................................................................................................................................................... 13 3. A instituio do sentido ...................................................................................................................................................... 20 4. A invaso dos cdigos .......................................................................................................................................................... 25 II - GENEALOGIAS DO CAMPO SEMITICO ........................................................................................... 37 1. Introduo ........................................................................................................................................................................................... 37 2. Os signos na natureza e a natureza dos signos ..................................................................................... 39 3. A bio-semitica ............................................................................................................................................................................. 46 4. Genealogia da representao ....................................................................................................................................... 48 5. Do sistema ternrio ao sistema binrio da representao ........................................................ 57 6. A Convencionalidade: o cdigo ............................................................................................................................... 62 7. Da linguagem como interpretncia ..................................................................................................................... 63 III - CARTOGRAFIAS DO CAMPO SEMITICO ..................................................................................... 67 Escola Europeia ................................................................................................................................................................................... 67 Ferdinand de Saussure .................................................................................................................................................. 67 Louis Hjelmslev .................................................................................................................................................................... 83 De Saussure ao Leste europeu ............................................................................................................................ 91 Algidras Julien Greimas ............................................................................................................................................. 99 Roland Barthes .................................................................................................................................................................... 121 Julia Kristeva ......................................................................................................................................................................... 139 Escola americana ............................................................................................................................................................................ 153 Charles Sanders Peirce .............................................................................................................................................. 153 A herana de Peirce ....................................................................................................................................................... 179

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IV - A SEMITICA DINMICA ...................................................................................................................................... 195 A praxis enunciativa ................................................................................................................................................................... 195 Semiose ........................................................................................................................................................................................ 196 A viragem morfodinmica .................................................................................................................................... 198 O projecto semitico .................................................................................................................................................... 201 O princpio da imanncia ....................................................................................................................................... 201 O princpio de enunciao .................................................................................................................................... 202 Converso, convocao, uso .............................................................................................................................. 204 A Semitica na viragem morfodinmica .......................................................................................................... 209 1. O objecto da semitica ...................................................................................................................................... 212 2. Logos e physis .............................................................................................................................................................. 214 3. A viragem morfodinmica ............................................................................................................................. 215 4. Da morfo-projeco morfodinmica ........................................................................................... 216 5. A hiptese localista ................................................................................................................................................. 218 ABERTURAS .............................................................................................................................................................................................. 223 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................................................................................... 227 GLOSSRIO ................................................................................................................................................................................................ 237

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APRESENTAO

O objectivo da Semitica o de explicitar as condies da apreenso e da produo do sentido, quaisquer que sejam os regimes semiticos em jogo. Pretende-se fornecer uma arqueologia do signo e da representao que permita entender o processo mais lato da formao da semiose dentro e fora da linguagem. Nessa perspectiva, a tradio semitica maior encontra a sua genealogia na filosofia antiga, menos logocntrica e mais biolgica, enquanto que a tradio semitica menor releva de um campo mais restrito, o estudo da linguagem. O sculo XX veio revelar o aparecimento de um pensamento semitico forte, que tomou forma a partir de nomes como os de Saussure e de Peirce e que, configurado em movimentos ou escolas, deu origem a uma disciplina das Cincias Sociais e Humanas: a Semiologia ou Semitica. o desenho das cartografias dessa rea de saber que aqui se prope, atravs do traado dos mapas europeu e americano do seu desenvolvimento e consolidao. Desde Genebra do princpio do sculo XX, passando por Praga e Copenhaga, at Paris, o projecto semiolgico europeu atingiu o apogeu estruturalista com A. J. Greimas, questionou-se nos seus fundamentos com o ps-estruturalismo de Barthes e Kristeva e abriu-se Semitica dinmica, de novo em Paris, com Petitot, ou em Aarhus, na Dinamarca, com P. A. Brandt. Por seu turno, o projecto semitico americano de Carl Sanders Peirce contemporneo da semiologia saussuriana e desenvolve-se a partir de fundamentos lgico-filosficos que iro marcar a semitica do Novo Mundo, T. Sebeok ou J. Deely, por exemplo, assim como de nomes europeus como Umberto Eco. Trata-se, em sntese, nesta obra, de um mapeamento espacio-temporal que d visibilidade aos pontos de emergncia e de desenvolvimento de uma problemtica, a Semitica, e das suas metodologias de anlise. Este livro decorre de uma escrita a duas mos, onde se tentou conjugar um trabalho individual j existente em cada um dos autores, mas exposto agora ao confronto e releitura do outro. Tal escrita, no caso de alguns captulos, foi, pois, sujeita a uma reescrita, para da resultar um texto nico com uma estrutura prpria. As iniciais dos nomes dos autores, no fim de cada captulo, identificam, na medida do possvel, esse trabalho de associao e de reelaborao dos textos pr-existentes. Maria Augusta Babo/Jos Augusto Mouro

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1. Introduo A semitica agrupa-se em famlias, como tudo o resto, a partir de uma questo de fundo, a saber como que se constri o funcionamento simblico da actividade de linguagem em sociedade. O seu objectivo primeiro de explicitar, sob a forma de uma construo conceptual, as condies da apreenso e da produo do sentido, quaisquer que sejam os suportes significantes em jogo. Como que o mundo pode conter signos ou smbolos? Esta a questo fundadora da semitica, uma cincia simultaneamente interpretativa, que fornece poderosos instrumentos analticos para o estudo da nossa percepo da realidade, e uma tica. Captar os percursos do sentido em todos os domnios da prtica social, tal era o programa de investigao desse mestre da semitica europeia que foi A. J. Greimas, toda a vida movido pela paixo do sentido, como o indicam os ttulos dos seus livros mais conhecidos: Du sens (1970), Du sens II (1983). Os problemas de terminologia tornam inteligveis os diferentes mtodos experimentados numa cincia, bem como as suas origens. Pem assim em evidncia as zonas de sombra e de silncio duma cincia. As dificuldades comeam no interior do campo da semitica, porque os seus mtodos e conceitos saram de diferentes tradies de pensamento e de diferentes disciplinas (lingustica, filosofia, medicina). A cena semitica , em termos empricos, um conjunto vago, em movimento, que rene diferentes disciplinas e diferentes campos de saber: ela convoca trocas com numerosas disciplinas clssicas e com campos novos, como a ciberntica, as teorias da informao, as teorias da comunicao, as teorias dos media, mas tambm a filosofia ou a teoria literria, entre outros. A luta pela definio deste campo manifesta no artigo recente de J. Deely, The Word semiotics: Formation and origins (2003: 1-49). H pelo mundo fora muitas semiticas, muitas concepes do que fazer semitica, a partir dos programas de investigao que presidem sua constituio. Pode falar-se de semiticas implcitas (Cassirer), de semiticas gerais (Kandinsky, Sebeok), de pr-semiticas e de criptosemiticas. Mas existem fundamentalmente dois tipos de semitica conforme a sua origem lgico-filosfica ou lingustica. Hoje em particular, encontram-se semilogos de inspirao pragmatista que trabalham principalmente

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nos Estados Unidos e que se autodefinem como os herdeiros do filsofo Charles S. Peirce. H tambm semilogos na Gr-Bretanha, em Itlia e outras paragens, que trabalham maneira de Carnap, segundo o qual: o papel da filosofia a anlise semitica (1942: 250), na proximidade dos lgicos e da filosofia analtica. H tambm os russos, com a Escola de Tartu, muito ligada a uma semitica da cultura e que tem como principais chefes de fila I. Lotman e B. A. Ouspenski. O arbitrrio cultural da significao no um obstculo especulao: a intersubjectividade, a normatividade, as paixes mostram-nos como o categrico e o histrico mutuamente se condicionam. H a Escola de Constana, associada Textpragmatik e ao nome de H. U. Gumbrecht, etc. Como se v, no faltam grupos de semilogos, semanalistas, semiolinguistas, smio-pragmatistas (ou pragma-semiticos). A Escola de Paris foi uma etiqueta cmoda que permitiu abrir um caminho nesta floresta de escolas e tendncias, acabando por designar uma das principais orientaes da semitica que, a partir dos anos 60, se desenvolveu sob uma forma original em favor de um bricolage, cujo mrito cabe inteiramente, num primeiro momento, a Greimas (J. C. Coquet et alii, 1982). A semitica dotada de uma natureza disspara, diria J. C. Coquet, e submetida a influncias contrrias, por isso temos alguma dificuldade em lhe fixar limites estveis. H, porm, trs foras que regulam a tenso do campo semitico: a) um projecto cientfico b) uma teoria do sujeito modal e da leitura c) uma teoria da histria (uma antropologia do imaginrio, uma semitica das culturas). No podemos ignorar a existncia da semitica dos lgicos e dos filsofos: pensa-se logo no inventor do pragmatismo. C. S. Peirce , para Jakobson, o mais profundo investigador da essncia dos signos. Mas Peirce no se interessou nunca pelo funcionamento da lngua, quer dizer, pelo discurso (Benveniste, 1974). Peirce considerado hoje como a culminao da reflexo filosfica, a sntese do sculo XIX, por causa da sua filosofia dos signos. A sua definio do cone e do acto dctico, e sobretudo a sua noo de interpretante reintroduzem a ideia intersubjectiva que faltava em filosofia. Apel no pretende outra coisa: a fundao transcendental das condies normativas da relao de comunicao intersubjectiva. Greimas e Peirce no comunicam: a semitica de Greimas uma antropologia pragmtica, empirista, diz Apel. Tambm porque, erradamente a nosso ver, a semitica vista como uma teoria do cdigo. Sperber (1989) diz que tempo de passar da semitica pragmtica porque aquela foi bancarrota. E porqu? Porque a sua teoria do cdigo apenas permite que o receptor, o leitor, reproduza as mesmas significaes (cdigo). A pragmtica, sendo uma teoria da reconstruo das intenes do autor a partir do que se recebeu como informao, permite reconstituir o que o outro pensa realmente. No h, como se v, uma semitica: h numerosas metodologias semiticas que tm em comum o reconhecimento de uma relao ou, mais exactamente, de uma complementaridade (que se interpreta em termos de relao de pressuposio recproca) entre significante e significado, entre o plano da expresso e o plano

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do contedo. A semitica contempornea, enquanto metodologia geral das cincias humanas, teoria da significao, cincia prtica e emprica e crtica de todas as linguagens, nasceu como projecto emancipatrio. O seu primeiro grande momento remonta a Barthes, quando deu a ideia de que a semiologia era a disciplina que podia estudar as conotaes sociais de maneira suficiente, para as decompor e restabelecer uma linguagem branca (no neutra). Mas a esperana de encontrar uma linguagem branca que desvendasse essas relaes cedo morreu: a semitica participa de alguma forma do fim do iluminismo. Para trs ficou tambm a tentativa de ruptura modernista que se pensava ter-se instaurado com Saussure, como novo modo de olhar a signicidade, da mesma forma que no se podia mais falar de tomo nos termos de Demcrito, depois das descobertas de Niels Bohr. Ficou a proposta de uma forma de inteligibilidade racional dos fenmenos da significao. A tentativa de reorganizar uma teoria dos signos suficientemente larga e complexa para encontrar uma inteligibilidade dos problemas da significao ainda um grande projecto. A aventura semiolgica, nos termos do mesmo Barthes, que inaugura esse momento metodolgico unificante e que alguns anos depois o abandona, reparte-se hoje por seces que vo da epistemologia aplicao prtica, alternativamente a par da lgica, ou da comunicao ou da semntica. Uma semiologia funcionalista insistir sobretudo nas relaes entre emissor e receptor, nos procedimentos de codificao e descodificao, etc. A semitica literria, por seu turno, articular uma teoria do texto legvel e uma teoria do sujeito no discurso. Transposio de um nvel de linguagem num outro, saber-fazer ou metalinguagem relativamente ao universo de sentido que se d como objecto de anlise, a semitica ocupa-se das formas como os homens se relacionam com a ausncia (Eco), mas tambm com a passagem do legvel ao visvel (Courts), ou ainda com a semiosis (Peirce). 2. A noo de campo A noo de campo evoca as noes de autonomia, bordo, fronteira, trabalho. Entenda-se pois esta noo num sentido simultaneamente epistemolgico, espcio-temporal, sociolgico. O campo semitico navega entre duas opes, uma semitica, outra semiolgica. No ano da criao do Crculo de Semitica de Paris, em 1969, o uso do termo semitica prevaleceu sobre o uso do termo semiologia. Lemos em La Grammaire daujourdhui: Na sua definio extensiva a semitica o estudo dos sistemas de significao e no dos sistemas de signos. Quanto semiologia, o seu objecto descrever os sistemas intencionalmente e exclusivamente utilizados para fins comunicativos: por exemplo, o cdigo da estrada, os micro-sistemas de smbolos da vida quotidiana, os sistemas de nmeros, etc. Alguns trabalhos de E. Buyssens, de L. J. Prieto ou de G. Mounin ilustram esta opo. Diga-se, desde j, que a semitica no uma disciplina homognea e unificada, dada a multiplicidade dos contextos de origem, a crena no alcance do instrumento semitico, as opes que modelam o que se projecta como sendo

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o objecto e o domnio semiticos (a oposio entre cincia dos signos VS cincia da reconstruo do sentido). Os termos de semiologia e semitica designam muito rapidamente os sistemas de significao ou sistemas de signos. O objecto da semiologia saussuriana , de facto, o estudo dos signos no seio da vida social (Dictionnaire de linguistique: 1973). A distino entre os termos est ligada questo dos nomes e dos respectivos projectos de investigao. O estudo geral dos sistemas de signos, ligado reflexo lingustica sobre o signo, o que constitui uma Semiologia da comunicao (Martinet). Outro o estudo da semitica como um projecto semitico coerente (Hjelmslev). Os termos de semiologia e de semitica s so diferentes no que respeita conotao: semiologia mais literrio e mais atingido por uma viso geral de ordem da linguagem, enquanto que semitica (termo utilizado na tradio anglo-saxnica e na corrente post-hjemsleveana em Frana) conota a ideia de um projecto cientfico e globalizante em que intervm no apenas a lingustica, mas a antropologia e a fenomenologia com valor decisivo na formao do seu quadro conceptual e dos seus teoremas centrais. Propp, Dumzil e Lvi-Strauss esto na origem da metodologia semitica, como Merleau-Ponty inspirou o conjunto dos seus pressupostos metatericos. Mais recentemente, Jrgen Trabant (2004), lendo a Cincia Nova de Vico como uma cincia dos signos, prope o termo de sematologia. A noo de campo evoca as noes de autonomia, de imanncia. No meio deste imenso campo que representa o estudo dos signos, o domnio do verbal que tem sido mais privilegiado. A semitica visual desenvolveu, recentemente, a actividade editorial: a interpretao de Kandinsky por J. M. Floch, ou a pintura de Paul Klee por F. Thurleman: a contribuio deste trabalho consiste em deduzir de uma leitura propriamente visual do quadro a categorizao semntica que reaparece nos textos verbais (Hnault, 1993: 190). A. Rodrigues assinala o campo da semitica, distribuindo-o por estratos acima e abaixo do campo propriamente semitico que resulta da juno da forma da expresso e do contedo e que define o signo. O campo supra-semitico corresponde quilo que depois de Hjelmslev se chama a substncia do contedo (ideologia e mitos), e o campo infra-semitico corresponde substncia da expresso (sinal) (Rodrigues, 1991: 13). H uma tradio filosfica da semitica que nos chega, atravs dos esticos, a Locke e Apel. Essa tradio permite falar de campo. As coisas do-se percepo e ao afecto. Do-se a ver (a ouvir, etc) e a sentir. Impem a sua constituio que solidria dos campos perceptivos e afectivos. Foram-nos assim a reconhecer na conscincia um poder essencial de conferir ordem. Falar do mundo falar de um a priori. Tal como ele se revela, directamente, obliquamente ou sub contrario, ao ritmo aleatrio da afeio; o fenmeno do mundo tem todos os traos distintivos do facto, e de um facto de que no h nenhuma gnese, de um comeo absoluto. A filosofia faz aparecer este facto em plena luz. Ns no estamos no mundo natural como o peixe no seu bocal. Num certo sentido, ns construmos o nosso mundo. Mas no construmos o mundo: ao dizer por que manhas eu construo ou constituo o meu mundo, digo apenas por que manhas experinciais consigo apreender a existncia do mundo. Sobre o facto do mundo nenhuma preenso

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dada. aos sentidos que as coisas aparecem e o corpo possuidor destes sentidos apenas um acto puro de perceber. Isto porque a percepo apela para o julgamento. A ideia segundo a qual a percepo est j semioticamente formada (contra a ideia de que a percepo que organiza unilateralmente as formas semiticas) no nova, dado que a encontramos em Merleau-Ponty. Esta ideia obriga a postular a existncia de um tipo de grandezas que nem so fsicas nem psicolgicas e que estruturariam tanto a percepo do movimento no mundo natural como num ecr de cinema, e mesmo a sua leitura num texto verbal; estas grandezas seriam semiticas, como por exemplo a sintaxe topolgica, mesmo os programas narrativos e os percursos figurativos que subentendem o efeito do movimento (Fontanille, 1995: 23). Os campos perceptivos no esto nunca rigorosamente constitudos. Temos de constantemente os reconstituir. Ns mexemos, as coisas mexem. A perpetuidade do trabalho de constituio no deve, contudo, esconder-nos a estabilidade dos campos perceptivos. A semitica trabalha sobre o pressuposto da inteligibilidade do mundo como sentido orientado, saber partilhado. Com efeito, o primeiro postulado da semitica que o mundo do sentido humano inteligvel. Podemos chegar a ele de modo organizado e racional porque h uma interpretao dos objectos a ser analisados, seguindo regras explcitas e reprodutveis. Ser significante ser inteligvel graas a uma transposio nos termos definidos por um mtodo. A semitica fornece um mtodo que permite transpor a significao de maneira explcita, controlvel e reprodutvel. A semitica representa, pois, o conjunto dos sistemas e processos de significao. Como uma ecologia especulativa e descritiva das prticas das significaes culturais. A sua finalidade clara: tornar explcitos os contedos e as formas culturais. A semitica construtivista, constri o mundo em signo, opondo-se a qualquer reducionismo. Os seus gestos essenciais so estes: identificar diferenas e hierarquiz-las. A unidade de anlise da semitica no o signo, i.e., o lugar em que aparece uma diferena mnima, mas o discurso, o lugar em que se manifesta o conjunto dum sistema de valores e as hierarquias entre figuras e categorias. (Cf. J. Fontanille, 1999: 15). A noo de campo comunica com a noo de forma de vida e de sentido comum, exprimindo um fundo de evidncias partilhadas por todos, fundo que assegura um consenso sobre o sentido do mundo. o ponto de vista que cria o objecto, dizia Saussure: cada um dos campos corresponde a um ponto de vista; uma mesma realidade pode ser objecto de uma pluralidade de representaes. Porque no h linguagem de todas as linguagens. H, no interior dos campos, um modo de conhecimento semitico, que princpio de viso e de diviso do mundo. Um campo designa ento uma legalidade especfica, a institucionalizao de um ponto de vista que tem a sua doxa. Kuhn chama-lhe disciplinary matrix, uma constelao de crenas, valores, tcnicas partilhada por uma comunidade. essa adeso tcita ao nomos essa forma de crena especifica de crena, a iluso que exigem os campos escolsticos (Bourdieu, 1997: 118). Forma de vida um termo associado a Wittgenstein: o que dois grupos tm de partilhar para que as suas linguagens possam ser mutuamente compreensveis.

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O senso comum prtico e pragmtico: reproduz-se colado s trajectrias e s experincias da vida de um dado grupo social e nessa correspondncia se afirma fivel e secularizante. O senso comum transparente e evidente. O senso comum superficial porque desdenha das estruturas que esto para alm da conscincia, mas para isso mesmo exmio em captar a profundidade horizontal das relaes conscientes entre pessoas e entre pessoas e coisas. O senso comum indisciplinar e imetdico aceita o que existe tal como existe (Santos, 1987). Contra o senso comum, o objectivo da semitica o de fornecer uma base terica e metodolgica para a anlise dos discursos sociais (verbais e no verbais) no contexto das prticas sociais em que eles tm lugar. Analisar semioticamente os textos (por exemplo, polticos), as imagens (por exemplo, publicitrias) ou as prticas colectivas (a dinmica interna de difuso de uma moda, o desenrolar de uma campanha eleitoral, a formao de um ritual, etc.), no descobrir ou revelar neles o sentido, porque esse sentido no nunca inteiramente dado previamente, nem terminado de uma vez por todas. O sentido existe somente como resultado de uma construo efectuada pelos sujeitos em situao. essa construo do sentido e dos sujeitos que constitui o objecto da sociossemitica, por exemplo. A ideia de construo (do sentido) , de facto, nuclear teoria semitica: O visvel, isto , este lugar terico em que se encontram o sentido e a percepo visual. Para um semioticista nada deveria ser recebido como evidente, mesmo se, como no caso da imagem, a histria das artes e das tcnicas, bem como as tradies acadmicas, conspirem para fazer dela um objecto de estudo especfico. Ser visvel uma propriedade da imagem, que deve ser explorada e construda enquanto tal, antes mesmo de decidirmos o que uma imagem (Fontanille). A semitica um campo de conhecimentos, uma economia geral da teoria da significao, que cobre trs espaos ligados entre si por procedimentos diferentes: o espao tensivo, o espao semio-narrativo e o espao discursivo. Arrisquemos uma primeira opo trivial que consiste, no em definir, mas em induzir sintomas de uma noo de semitica a partir do que se chama hoje semitica. Um exemplo: o programa de um colquio de semitica algures no mundo. O que, antes de mais, impressiona a variedade dos assuntos tratados. Grupo de comunicaes temticas. Anlise de um poema de Torga ou de Pessoa. Um filme. Do funcionamento de determinados discursos cientficos ou mticos. Geografia, viagens, msica, sonhos, religio. O que preocupa este primeiro grupo a melhor inteligncia de um OBJECTO. A semitica encarada como um tipo de abordagem nova que permite melhor apreender a individualidade de um fenmeno que pode ser muito diversificado. Os seus autores so especialistas num ou outro destes domnios diferentes, msica, cinema, etc., e servem-se da palavra semitica para falar de um MTODO de tratar o seu prprio objecto especfico. A particularidade semitica de um tal tratamento dos seus objectos derivar, em muitos casos, da aceitao de determinados princpios metodolgicos de base, em geral ligados ao estruturalismo, como o da imanncia da significao, que leva a interessar-se menos pelos factores externos de produo do que pelo travejamento que sustenta a unidade do objecto estudado. Um segundo grupo de comunicaes incidir sobre alguns

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captulos de uma cincia chamada semitica. Textos sobre a componente discursiva dos discursos narrativos, sobre o quadrado semitico, sobre a figuratividade, etc. Questes sobre a construo de uma gramtica geral dos objectos semiticos. o como e no o qu que conta. A diferena que vai entre o primeiro grupo e este a que separa os especialistas da literatura dos linguistas. Um terceiro grupo tratar, no dos temas no interior do sistema, mas da pertinncia dos diferentes sistemas. Evocaro diferentes teorias semiticas, compararo mtodos, falaro da plausibilidade de determinados modelos, da justificao dos diferentes pontos de vista. A interrogao, neste caso, aproxima-se da do filsofo e toca no domnio da epistemologia. Teoria das catstrofes, modelos generativos, tipicalidade, teoria da comunicao, etc. Um quarto grupo ter um discurso ainda mais geral: Mundos reais e mundos possveis ou ento por que dinamismo as coisas remetem umas para as outras? Tipo de abordagem nitidamente filosfica, lgica e ontolgica. Resumamos: a) preocupao pela elucidao metdica de um objecto simblico individual, b) constituio de uma espcie de gramtica ou metodologia geral, c) discusso epistemolgica sobre as teorias e os modelos da prtica, d) reflexo ontolgica ou cognitiva sobre as condies gerais da significncia. Segundo a hiptese semitica, retomada de Hjelmeslev e aplicvel a qualquer tipo de linguagem, qualquer objecto semitico, verbal (texto, discurso, etc) ou no verbal (msica, mimo, pintura, escultura, etc), define-se pela relao de pressuposio recproca entre significante e significado, pelo jogo que se estabelece entre a forma da expresso e a forma do contedo. A primeira operao efectuada pelo semioticista consiste em distinguir objecto real e objecto de conhecimento. Por outras palavras, deveria admitir-se que o sentido no se encontra superfcie do texto mas que se constri. O postulado implcito este: o mundo humano inteligvel e desejamos compreend-lo. preciso acrescentar que a inteligibilidade de um texto depende de um outro texto (o metatexto) que soubermos aplicar-lhe; que o prprio metatexto depende do tipo de discurso terico que elaborarmos, etc. Umberto Eco, no seu discurso de concluso do Primeiro Congresso da Associao Internacional de Estudos Semiticos (Junho 1974), dizia j que alguns poderiam atribuir semitica uma atitude Drcula: um vampiro que no pode viver sem sugar o sangue dos outros seres vivos (Eco, 1974: 13). Um simples olhar sobre os tpicos contidos em The Semiotic Web de T. Sebeok basta para nos darmos conta da extenso do campo semitico (Sebeock, 1988). Com o tempo, como se ver quando tratarmos da tradio maior da semitica, que vai dos esticos fitossemitica, a medicina perde muito do seu peso dentro deste campo, sendo substituda pela lgica. O campo da semitica confina, de facto, com o campo da lingustica, da filosofia, da psicologia, da sociologia, da antropologia e da medicina. verdade que no meio desse imenso campo que representa o estudo dos signos, o domnio do verbal teve sempre a melhor parte: a lingustica foi, durante muito tempo, a cincia piloto no contexto das cincias humanas, cabendo-lhe a maior fatia no campo das investigaes feitas nos ltimos decnios.

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Essa hegemonia no se imps, porm, a todo o orbe semitico. Falaremos mais adiante das vrias tradies semiticas e dos seus avatares. A teoria peirceana desde o sculo XIX a doutrina geral dos signos (Deledalle, 2000). Por caminhos diferentes, Saussure deu origem, na primeira dcada do sculo XX, a uma cincia lingustica. Mas apenas em meados do sculo XX que, tanto na Unio Sovitica como na Europa, os estudos propriamente semiticos comearam a desenvolver-se. H diferenas abissais entre as fontes da semitica sovitica, a semitica de Peirce e a semiologia de Saussure. A diversidade das Escolas manifesta grandes diferenas tericas e metodolgicas na abordagem das regras de funcionamento do sentido, qualquer que seja o seu domnio de manifestao. A lingustica saussuriana nasce de um corte nas relaes que a linguagem humana mantm com todas as outras reas do saber sobre o homem (antropologia, psicologia, sociologia e, sobretudo, a filosofia). A descoberta da lngua, como sistema autnomo e objecto especfico de uma cincia que lhe prpria, nasce desse corte. O corte , pois, o primeiro gesto de constituio de um campo. Est fora de questo falarmos aqui do signo maneira do universal metafsico de Duns Scott, como o lugar de incessante oscilao entre o indivduo nico (o cisne, o enigma de cada cisne) e o smbolo, isto , o mesmo partilhvel do conhecimento (Loureno, 1985). Historicamente, a semiologia tinha por objecto o estudo de todos os sistemas de signos na vida social. F. de Saussure encarava a lingustica apenas como uma parte constituinte da semiologia. Esse campo alargou-se. Hoje entende-se que A semitica tem como objectivo estabelecer uma teoria geral dos signos em todas as suas formas e manifestaes, quer nos animais quer nos homens, normais ou patolgicas, lingusticas ou no lingusticas, pessoais ou sociais. A semitica tem pois um carcter interdisciplinar (Morris, 1978: 15). Mais do que uma disciplina acadmica, a semitica vista primariamente como um modo de anlise textual entre outros (Deacon et al, 1999: 135). De facto, a semitica representa mais um conjunto de estudos na arte, literatura, antropologia e nos media, do que uma disciplina acadmica independente. A semitica constitui-se numa pluralidade de especialidades definidas pelo seu objecto e pelos mtodos com que opera. No lhe cabe apenas preencher uma funo na descrio e avaliao das estratgias de comunicao. O olhar semitico alargou-se ao corpo sentindo ou semiosis em acto, presena e interaco, abraando a fenomenologia, a cognio, o sensvel e o inteligvel. Enumeremos alguns desses objectos ou campos de aplicao: semitica do texto e do discurso, semitica dos media, semitica do espectculo, semitica visual, semitica do espao, semitica do gesto, semitica dos cdigos sinalticos, etc. Para l da definio bsica, h uma variao considervel entre tendncias semiticas. Reagrupemos o estudo da semitica em trs reas: a) A do signo propriamente dito. Neste caso, a semitica consiste no estudo de diferentes variedades de signos, das diferentes maneiras atravs das quais estes veiculam significado, e das maneiras pelas quais se relacionam com as pessoas que os utilizam O signo isolado um artefacto, no um dado emprico e s uma deciso metodolgica o isola;

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b) A dos cdigos ou sistemas em que os signos se organizam. O seu estudo cobre as formas desenvolvidas por uma variedade de cdigos para satisfazer as necessidades de uma sociedade ou de uma cultura, ou para explorar os canais de comunicao disponveis para a sua transmisso; c) A do excedente de semiose a que Deely chama textualidade ou cultura, no sentido de estruturas post-lingusticas (Deely, 1982: 198 n. 1, seguindo Morris, 1946); nesta perspectiva, os trabalhos de R. Barthes e de J. Derrida encontram uma base terica dentro daquilo que Sebeok chama (1977: 181) a tradio semitica maior do desenvolvimento semitico; d) A da cultura no interior da qual estes cdigos e signos se encontram organizados e que, por sua vez, depende do uso destes cdigos e signos no que diz respeito sua prpria existncia e forma (Fiske, 1993: 62) e Eco. Finalmente, h hoje duas espcies de classificaes tacitamente aceites: uma distribuio das semiticas fundadas sobre os canais da comunicao, outra baseada na natureza dos signos (lgicos ou semio-lgicos). Saussure fundou a lingustica abstraindo do referente e da enunciao. Hjelmslev e Greimas consideram no pertinente para uma definio da semitica a tomada em considerao da substncia da expresso. A relao dos smbolos, dos cones e dos ndices com o referente tambm considerada impertinente. Esta recusa da incluso do referente e da enunciao no programa de investigao da semitica (de Saussure a Greimas, pelo menos num primeiro tempo) originou dois tipos de semitica, a semitica continental e a semitica anglo-saxnica, que tem Peirce como fundador. A semitica peirciana, concebida como Lgica, no se confunde com uma cincia aplicada. A tarefa que inaugura consistia em fazer uma filosofia como a de Aristteles, quer dizer, esboar uma teoria to compreensiva que, por longo tempo, reunisse todo o trabalho da razo humana na filosofia de todas as escolas, na matemtica, na psicologia, na cincia fsica, na histria, na sociologia e em qualquer outro campo da investigao humana. evidente que a lgica ser definida como semitica formal. A noo de signo generalizada a tal ponto que no tem de referi-la mente humana. Este projecto inteiramente definido, desde 1909, em termos de necessidade de uma teoria geral de todas as possveis espcies de signo, dos seus modos de significao, de denotao e de informao. Mesmo na semitica continental se podem observar duas direces de investigao: uma que visa a constituio de uma semitica das culturas (cf. as semiticas conotativas de L. Hjelmslev, os trabalhos de Y. Lotman ou o conceito de epistem de M Foucault, e outra que visa a descrio dos micro-universos de significao. As correntes que nascem do estruturalismo vo dar origem respectivamente a uma semiologia da comunicao (E. Buyssens, G. Mounin e L. Prieto), a uma semiologia da significao (R. Barthes) e a uma semitica narrativa e discursiva (Greimas). C. S. Peirce, nos Estados Unidos da Amrica, trabalha num outro projecto que no separa a dimenso pragmtica do processo semitico. Apoiado, no na lingustica, mas numa reflexo fenomenolgica e na lgica das relaes, generalizando o conceito de signo, tomando em considerao o contexto de produo e de recepo dos signos, este autor prope uma semitica geral, tridica e pragmtica.

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3. A instituio do sentido Como que um signo adquire sentido? De onde procede o sentido? Qual a pertinncia da distino: significao VS sentido? O sentido um fenmeno contextual? Pode falar-se do sentido como significao deformada pelo contexto? Como interpretao? Quem trabalha no campo das cincias sociais (pense-se na histria, na sociologia, no direito, na cincia poltica, nas disciplinas da comunicao) levado inevitavelmente a fazer falar textos, objectos, factos, a interpretar documentos, monumentos ou comportamentos, em suma, a construir ou reconstruir a significao a partir de aces ou de obras que superam os respectivos domnios de investigao. O trabalho do socilogo, do jurista, do historiador, etc., passa pela problematizao, pela anlise ou manipulao daquilo que constitui o objecto terico prprio da semitica. Donde a natureza interdisciplinar deste campo de investigao, mesmo reconhecendo que a interdisciplinaridade empiricamente fraca relativamente a disciplinas empiricamente fortes. Porque o sentido aparece sempre indissoluvelmente associado significao e direco, por isso mesmo, a tarefa da semitica contribui para enriquecer o grau efectivo de inteligibilidade do mundo que nos rodeia; ou, pelo menos, para reorientar a maneira de o interrogar: porque tm as coisas um sentido? H diversas maneiras de responder a esta questo, ligando-a, quer s concepes intencionalistas do esprito, questo do holismo, s instituies do sentido (Decrosse, 1993) quer a uma antropologia social do sentido, atravs das teorias da comunicao, das diversas semiticas e pragmticas, quer ainda epistemologia das cincias (Sallatin, 1996). Para Pierre Jacob, um realista da intencionalidade, monista materialista, a questo do sentido resume-se neste pequeno trecho: - Que o sentido? Que coisas tm um sentido? - A palavra fogo escrita a tinta sobre uma pgina branca tem um sentido. O fumo indica o fogo mas no tem sentido. - Uma simples inscrio a tinta tem um sentido? - Sim. - E uma impresso digital, tem um sentido? - No. - Qual a diferena? - A palavra fogo tem um sentido porque serve para exprimir um pensamento. - Sem pensamento no h sentido? - No. - Porqu? - Porque o pensamento pode ser falso: podemos gritar Fogo! sem razo, mas no h fumo sem fogo. Pensar arriscar enganar-se e este risco gera o sentido. - Subscreve ento o dualismo cartesiano entre o esprito e o corpo? - No. Pensar representar. Ora, uma representao uma entidade mental e as entidades mentais so entidades neurolgicas. Um estado cerebral pode portanto ter uma propriedade no apenas fsica, qumica e biolgica, mas tambm semntica (Jacob, 1997).

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A semitica postula, de um ponto de vista formal, que a linguagem opera sobre unidades discretas. J na lingustica, o contnuo est geralmente ligado noo de encadeamento sintagmtico. A passagem do contnuo (o vivido, o objecto emprico) ao descontnuo s possvel em funo do princpio de abstraco (a escolha de um nvel de pertinncia). J. Courts d o exemplo do contnuo material que uma rvore mesmo se s evocada pelos termos razes, tronco, ramos, etc. Represent-la metonimicamente pressupe a escolha de um ponto de vista particular que no tem em conta, por exemplo, a circulao contnua da seiva de uma extremidade a outra da rvore (Courts, 1995: 27). Na semitica moderna a forma duma linguagem que organiza o contnuo da experincia atravs das categorias da sua semntica, da sua sintaxe e da sua morfologia; no h, portanto, forma que no seja manifestada por uma substncia e, por seu turno, nenhuma substncia que possa aparecer sem ser informada. A substncia a trama carnal e pulstil da nossa existncia. Sem a forma, a colorao afectiva da experincia ficaria absolutamente inexprimvel. Seja o par: forma/substncia: substncia