Semiótica Visual

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  • Semitica visualVisual semiotics

    Livre Docente pela Ruhr Universitat de Bochum, Alemanha, Professor Emrito e Conferencista de lingustica e semitica da Universiadade de Kasel, Alemanha e Professor na Universidade Catlica de So Paulo (PUC), So Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

    Winfried Nth

    aber

    tura

    Resumo: A semitica visual estuda as imagens como signos. Este artigo proporciona um levantamento das abordagens semiticas para o estudo das imagens. Define os conceitos bsicos da semitica visual, como signo, semitica, semiologia, cone, ndice e iconicidade, distingue entre sintaxe visual, semntica visual e pragmtica visual, e caracteriza as principais escolas e atuais tendncias nesse campo de pesquisa. Uma ateno especial dada para a semitica de Charles S. Peirce, para a semitica de pinturas abstratas e para o estudo das imagens em anncios impressos. Dois estudos de caso exemplificam as diferentes abordagens para o estudo das mensagens verbal e visual de anncios impressos.

    Palavras-chave: Imagem. Semitica visual. Peirce. Palavra e Imagem. Autorreferncia. Metarreferncia.

    Abstract: Visual semiotics studies images as signs. The paper gives a survey of semiotic approaches to the study pictures. It defines basic concepts of visual semiotics, such as sign, semiotics, semiology, icon, index, and iconicity, distinguishes between visual syntax, visual semantics, and visual pragmatics, and characterizes the major schools and current trends in this field of research. Special attention is given Charles S. Peirces semiotics, to the semiotics of abstract paintings and to the study of images in print advertisements. Two case studies exemplify different approaches to the study of the verbal and visual messages of print advertising.

    Keywords: Image. Visual semiotics. Peirce. Word and Image. Self-reference. Metareference.

    Lcia AlmeidaSticky Notehttp://periodicos.uniso.br/ojs/index.php?journal=triade&page=article&op=view&path[]=1551&path[]=1558em 12.12.2013

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    Semitica e semitica visual

    Semitica (do grego, smeon, signo) o estudo dos signos. Principalmente em sua

    tradio francesa, a semiologia pode ser estabelecida como um sinnimo. O estudo dos signos

    tem uma tradio iniciada na Grcia Antiga. Atualmente, a semitica uma rea

    transdisciplinar de pesquisa com relevncia para um amplo espectro de disciplinas como a

    biologia (comunicao animal e celular), os estudos da cultura (cultura como sistema de

    signos), os estudos das mdias (comunicaes verbal e visual), as pesquisas de consumidor

    (bens como signos), a lingustica, a lgica, a esttica, a musicologia (signos da/na msica), a

    teoria da arquitetura (construes e design urbano como signos), a cartografia (os signos

    dos/nos mapas), a religio (ritos e mitos religiosos como signos) e a psicologia social

    (comunicao no verbal).

    Comumente, a semitica o estudo dos signos, dos sistemas sgnicos e dos processos

    comunicativos em geral, enquanto que a semitica aplicada estuda especificamente os

    contextos do uso dos signos. Alguns ramos da semitica aplicada se estabeleceram como

    subdisciplinas da semitica sob nomes prprios, como por exemplo, semitica mdica,

    musical ou flmica. Semitica visual um dos domnios da semitica aplicada. A

    International Association for Visual Semiotics (http://aisviavs.wordpress.com/) organiza

    estudos nessa rea.

    O termo semitica visual no sinnimo do estudo dos signos comunicados

    visualmente. Imagens (SANTAELLA; NTH, 1998), desenhos, pinturas, fotografias, cores

    (THRLEMANN, 1984, Eco, 1985), anncios impressos (SANTAELLA; NTH, 2010),

    psteres, design (ASHWIN, 1984; NADIN, 1990), filmes (cf. NTH, 2000), diagramas

    (STJERNFELT, 2007), logogramas, sinais de trnsito (KRAMPEN, 1987) e mapas (NTH,

    2007b) so tpicos da semitica visual, mas outros signos comunicados visualmente no so

    geralmente considerados subdomnios da semitica visual, por exemplo, geometria, escrita ou

    comunicao no verbal (gestos, contato com os olhos, linguagem corporal). Sem pretender

    definir a rea da semitica visual, o presente artigo predominantemente restringido

    semitica de imagens fixas, como pinturas, fotografias e imagens da mdia impressa.

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    Tendncias, escolas e temas da semitica visual

    Estudos gerais podem ser encontrados em Calabrese (1980), Sonesson (1989, 1993),

    Sebeok & Umiker-Sebeok (Eds., 1996) e Nth (2000, 2005b, 2009a). A semitica visual foi

    fundada nos anos 60 por linguistas estruturais que se esforavam para estender seus escopos

    de anlise dos estudos da linguagem e da literatura para contextos visuais da linguagem na

    mdia. Roland Barthes (1964) foi o primeiro a falar da retrica da imagem e a postular a

    semitica visual baseado na semiologia de Ferdinand de Saussure (1857-1913) e de Louis

    Hjelmslev (1899-1965). Os livros de Barthes sobre semitica da moda, da fotografia e da

    imagem da mdia impressa so marcos na histria da semitica visual (BARTHES, 1967,

    1977, 1980).

    Existem vrias escolas e tendncias da pesquisa em semitica visual, entre elas esto

    as da retrica visual e a Escola de Paris. A retrica visual, delineada pelo Lige Group em Treatise of the Visual Sign (EDELINE et al., 1992), postula que as pinturas e outras imagens

    podem ser estudadas em analogia linguagem figurativa como derivaes de imagens

    normais, que constituem um grau zero genrico da comunicao visual. A semitica

    visual da Escola de Paris foi fundada na suposio de analogias essenciais entre a imagem e a

    linguagem verbal. Como a linguagem, imagens so estudadas nos nveis da expresso (cor,

    forma, etc.) e do contedo (coisas, plantas, animais, homens e mulheres, etc.). Imagens so

    segmentadas em unidades mnimas, que so estruturadas em oposio, como colorida/incolor,

    preta/branca, circular/angular, viva/no viva, cultural/natural. Mais complexos significados

    temticos e figurativos aparecem em nveis mais elevados de anlise. Estudos exemplares da

    pintura da imagem da mdia impressa so encontrados em Floch (1985, 1990), Thrlemann

    (1990) e Fontanille (1995).

    Outras abordagens para a semitica de imagens podem ser encontradas nos

    enquadramentos da sociossemitica de M.A.K. Halliday e da semitica de Charles S. Peirce

    (DELEDALLE, 1979, p. 115-129; IVERSEN; 1986, SANTAELLA; NTH, 1998, 2010,

    NTH; SANTAELLA, 2000, HALAWA, 2008; JAPPY, 2013). Alguns autores adotaram

    implicitamente as abordagens semiticas anlise pictrica. Embora, baseando-se nas

    premissas da semitica, esses autores no utilizam nenhuma terminologia semitica

    especfica. A tese de Arnheim de que padres visuais so formas associadas a contedos e

    toda forma a forma de algum contedo (1954, p.65) implicitamente semitica, uma vez

    que equivale dizer que imagens so signos. A abordagem mais elaborada da semitica para a

    arte, implicitamente, est em Languages of Art (1968) de Nelson Goodman.

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    O potencial semitico das imagens

    Imagens e palavras se diferenciam em seus potenciais semiticos e em suas eficincias

    comunicativas. As primeiras exigem um espao visual bidimensional, enquanto as outras

    (como a msica) so produzidas e percebidas em uma sequncia linear. A linguagem escrita

    um meio hbrido: ao passo que a escrita requer espao, o processamento da linguagem em

    escrita e leitura ainda largamente linear.

    No obstante, a comunicao verbal raramente restrita linearidade do tempo, como

    conversas telefnicas e programas de rdio so. Na comunicao face-a-face, a linguagem

    transmitida em um espao acstico e incorporada no contexto visual da comunicao no

    verbal.

    Imagens tambm no so restringidas ao seu espao visual. Raramente elas podem ser

    encontradas sem qualquer contexto verbal. Pinturas tm nomes (ttulos) ou ao menos o nome

    do pintor associado a elas. Uma foto de passaporte precisa de um nome tambm; ele no

    apenas documenta como o dono do passaporte se parece, mas ainda identifica seu nome.

    O potencial de linguagem da semitica superior quando as relaes temporais, bem

    como as causais, tm de ser representadas. Histrias se desenvolvem no tempo e so melhor

    contadas em linguagem. Imagens, ao contrrio, so superiores comunicao verbal quando

    configuraes espaciais tm de ser representadas. Um projeto arquitetnico, por exemplo, no

    pode ser bem traduzido em palavras e difcil de transmitir a aparncia de uma pessoa

    desconhecida pelo significado das palavras somente. A diferena entre a linearidade da

    linguagem verbal e a bidimensionalidade das imagens tambm envolve a diferena do

    processamento de informao. Em um dado perodo de tempo, ns podemos processar mais

    dados visuais do que dados verbais. O provrbio que diz que a imagem diz mais que mil

    palavras, ainda que no possa ser verdadeiro em todos os aspectos, transmite essa ideia.

    Porm, em alguns aspectos, a linguagem no meramente linear e as imagens no so

    tambm apenas meios espaciais. Diagramas arbreos sintticos mostram que a linguagem

    tambm estruturada hierarquicamente, sendo que as palavras tambm evocam imagens

    mentais, que por sua vez tratam de configuraes espaciais. A percepo visual, por sua vez,

    no apenas um processo holstico; ver e entender uma imagem tambm leva tempo.

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    Complementaridade da comunicao pictrica e verbal

    A linguagem e as imagens so complementares em seus potenciais semiticos; ambas

    so necessrias em uma eficiente comunicao da mdia (NTH, 2004). A superioridade das

    imagens como um meio para a representao do mundo visvel e imaginrio

    contrabalanceada pela superioridade da linguagem em representar o mundo invisvel dos sons,

    aromas, sabores, temperatura ou relaes lgicas. Contudo, como mostrado por Peirce, at

    mesmo a lgica abstrata e as relaes matemticas no so inteligveis sem o auxlio do

    verbal, geomtrico ou diagramas grficos, que so cones e no smbolos.

    Tem sido argumentado que o significado da imagem depende de seus comentrios

    verbais, uma vez que as palavras no precisam da imagem para serem entendidas. Roland

    Barthes, por exemplo, argumenta que nossa leitura de uma foto impressa depende da legenda:

    Imagens (...) podem significar (...), mas nunca autonomamente; todo sistema semiolgico tem sua mistura verbal. Onde existe uma substncia visual, por exemplo, o significado confirmado ao ser duplicado em uma mensagem lingustica (...) de modo que, pelo menos, uma extenso da imagem icnica (...) redundante ou absorvida pelo sistema lingustico (BARTHES, 1964, p.10).

    Embora seja verdade que as palavras contribuem para a interpretao das imagens e,

    assim, fazem os seus significados mais especficos, o argumento de Barthes muito

    logocntrico. Ignora que as palavras na comunicao face-a-face tambm tm um contexto

    visual que contribui para o significado da expresso verbal. Alm disso, imagens como

    pinturas e fotos muitas vezes no tm qualquer contexto verbal e, ainda quando tm, isso

    tende a ser trivial ou mesmo redundante em seu significado. Afinal, tambm deve-se

    reconhecer que os textos verbais em meios estritamente ou principalmente verbais, como

    conversas, livros, cartas, telegramas ou e-mails, evocam imagens mentais pelo significado das

    palavras.

    Imagens como signos

    A semitica pictrica pressupe que imagens so signos (NTH, 2005a).

    Independentemente de serem ou no, tanto uma questo de terminologia que depende de

    como os signos so definidos. Imagens (imagines) e pinturas (picturae) foram primeiramente

    definidas como signos no tratado de Roger Bacon, De signis, de 1267 (cf. MEIER-OESER,

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    1997, p. 54). De acordo com Bacon, as imagens funcionam como signos pela sua prpria

    natureza, devido a uma correspondncia natural com aquilo que elas descrevem. No

    apenas imagens naturais como os reflexos de um espelho, mas tambm imagens feitas pelas

    mos so signos naturais em acordo com essa definio. No a inteno do pintor que faz da

    pintura um signo, mas sua similaridade natural com os objetos que representa: Queira o

    artista ou no, a imagem sempre representa o que representa, pois semelhante a isso (De

    signis I, 15; cf. MEIER-OESER, 1997, pp. 58-59). Atualmente, embora a iconicidade das

    imagens ainda seja um tema, geralmente as pinturas no so definidas como signos naturais.

    O conceito de signo tem sido definido de modos que excluem a pintura. Alguns

    autores fazem distino entre signos e smbolos, restringindo o conceito de signo para signo

    natural (ou sinais), enquanto definem todos os produtos da cultura, incluindo imagens e

    palavras, como smbolos (NTH, 2000, pp. 40-41). Essa no a terminologia da semitica

    visual.

    As imagens no so apenas signos quando descrevem a realidade visvel das coisas.

    Assumir o contrrio caracteriza a concepo ingnua da imagem como uma representao,

    criticada por Boehm (1994, p. 327), como a seguir: a ideia de que imagens espelham uma

    pressuposta realidade (em qualquer distoro estilstica). O que sabemos e aquilo com que

    estamos familiarizados reaparece mais uma vez sob as circunstncias visuais exoneradas. De

    qualquer modo a natureza da descrio consiste em uma duplicao. Mas nenhum signo

    um mero duplo da realidade e nenhum sistema sgnico restringido a representar somente

    objetos singulares. Em linguagem, por exemplo, somente nomes prprios representam um

    objeto singular. Nem mesmo as palavras que representam coisas realmente existentes retratam

    objetos singulares. Substantivos, como ma, casa ou peixe, representam classes de

    coisas em geral e essa generalizao os torna vagos.

    Embora a noo de que as imagens representam objetos de uma forma espelhada seja

    ingnua, existem imagens que tipicamente fazem isso, isto , imagens do espelho (ECO,

    1984) e fotografias. Outras imagens, por exemplo, pictogramas intencionais, so bastante

    semelhantes aos signos verbais em que elas podem ser traduzidas (veja abaixo em Imagens

    icnicas, indiciais e simblicas).

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    O modelo tridico do signo pictrico

    De acordo com uma definio medieval, um signo algo (aliquid) que representa (stat

    pro) alguma coisa (aliquo): aliquid stat pro aliquo. Essa frmula transmite a viso til de que

    o signo no o objeto a que se refere; a imagem no deve ser confundida com o que ela

    representa. No entanto, na medida em que sugere que o signo pode ser essencialmente

    reduzido a uma relao didica do veculo do signo e seu objeto de referncia, ou um

    significante e um significado, a formula enganosa. Trs correlatos devem ser considerados,

    o signo (veculo), seu objeto referencial e seu significado. Em muitas variantes

    terminolgicas, os trs correlatos signo, objeto e significado constituem o modelo tridico

    do signo, muitas vezes representado na forma de um tringulo (Nth, 2000). Um clssico da

    semitica que deu conta da natureza tridica do signo Charles Sanders Peirce (1839-1914).

    Uma de suas definies de signo a seguinte: Um signo, ou representamen, algo, que representa para algum, alguma coisa em algum aspecto ou capacidade. Ele aborda algum, isto , cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou possivelmente um signo mais desenvolvido. Aquele signo que criado eu chamo de interpretante do primeiro signo. O signo representa algo, seu objeto. Ele representa o objeto, no em todos os aspectos, mas em referncia a um tipo de ideia. (CP 2.228, c. 1897)

    No contexto da semitica visual, aquilo que representa para algum, alguma coisa em

    algum aspecto, a imagem. No necessrio que o signo tenha uma forma material. Um

    signo, de acordo com Peirce, pode tambm ser uma ideia, um mero pensamento.

    Consequentemente, uma imagem mental tambm pode ser um signo. O signo visual remete ao

    que foi dado anteriormente pela percepo visual (seu objeto) e causa uma interpretao, uma

    reao, um novo pensamento ou imagem mental como seu interpretante. Assim definido, os

    signos ocorrem em processos semiticos. O signo (palavra, imagem ou imagem mental) um

    primeiro semitico. Ele est associado a alguma coisa (um segundo), que o objeto

    representado pelo signo. O objeto do signo visual algo uma vez visto, experienciado ou

    imaginado. Um signo associado ao seu objeto leva a um terceiro, seu interpretante, que a

    interpretao mental ou comportamental do signo.

    O objeto que o signo pictrico representa pode ser uma coisa retratada por uma

    imagem, mas tambm pode ser a memria de algo uma vez visto e at mesmo algo puramente

    imaginrio, uma imagem mental (NTH, 2007d). O modelo tridico do signo no postula a

    existncia do objeto. Peirce vai ainda mais longe, como ao especular que talvez o Objeto seja

    totalmente fictcio (CP 8.314, 1909). A imagem de um unicrnio no um signo sem um

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    objeto pelo fato de unicrnios no existirem na realidade. O objeto dessa imagem provm de

    imagens, esculturas e histrias que uma vez formaram nossa imagem mental do que um

    unicrnio.

    O interpretante de um signo pictrico a imagem mental, a ideia, o pensamento, a

    ao ou reao evocada por isso. Tendo em vista que ideias so signos (mentais), o

    interpretante de um signo, que seja uma imagem mental, ele mesmo um signo. Na semitica

    de Peirce, a distino entre o objeto e o interpretante no se d entre algo material e algo

    mental. Todos os trs correlatos do signo pictrico podem ser tanto mental quanto material.

    Um exemplo de interpretante material de uma pintura famosa a cpia dela feita por um

    amador ou por outro artista. A diferena entre uma imagem mental como um signo, um objeto

    e um interpretante uma questo de sequncia no processo semitico. Quando a imagem

    mental o objeto de um signo, ela precede o signo como algo que evocado pelo signo.

    Quando ela o interpretante, ela o efeito que o signo criou em uma mente.

    Quando o signo, ele mesmo, uma imagem mental, ns estamos considerando o ponto

    de partida de um processo semitico, por exemplo, um processo no qual uma imagem mental

    presente (signo) evoca memrias do passado (seu objeto), que so assim interpretadas a uma

    nova luz (como seu interpretante). Enquanto o objeto do signo relaciona-se com o passado, e

    o signo uma questo do que vem primeiro na percepo, o interpretante como sua

    interpretao segue o signo.

    Imagens icnicas, indiciais e simblicas

    As imagens so tipicamente signos icnicos. De acordo com Peirce, um cone um

    signo que similar ao seu objeto; ele compartilha qualidades com o objeto e , ao mesmo

    tempo, um signo por causa de uma conveno, no porque o efeito natural de um objeto que

    sua causa. Uma imagem de uma banana amarela amarela como o objeto que representa; a

    imagem de um tringulo , ela prpria, triangular. As palavras para esses objetos no

    evidenciam nenhuma similaridade com o que representam. Baseadas em convenes, o que

    diferente de idioma para idioma, palavras so smbolos. A associao entre um smbolo e seu

    objeto arbitrria, convencional, e precisa ser aprendida.

    O termo icnico no um sinnimo do termo visual. Embora a maioria das

    imagens sejam signos icnicos, tambm existem cones acsticos, por exemplo, o som em

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    uma pea de rdio ou em um filme. Palavras podem ser cones tambm. Palavras simblicas

    sonoras so cones verbais.

    O grau no qual um cone similar ao seu objeto chamado iconicidade. Os conceitos

    de similaridade e iconicidade vm sendo criticados por sua impreciso, em particular por Eco

    (1968, 1976). Eco e outros crticos argumentam que tudo , de alguma forma, similar a tudo,

    mas, embora uma banana e a lua sejam similares nas cores, por exemplo, isso no faz com

    que a banana seja um signo da lua. A similaridade no de fato uma qualidade objetivamente

    mensurvel, mas no poderia mesmo ser assim, desde que o objeto de um signo pode tambm

    ser uma imagem mental e imagens mentais no podem ser facilmente comparadas com

    imagens visuais. No obstante, a similaridade uma realidade cognitiva. Ns fazemos

    julgamentos de similaridade na vida cotidiana e esses julgamentos podem ser descritos e

    avaliados, e testes podem revelar a que grau as pessoas acham as coisas similares.

    Uma imagem um ndice alm de ser um cone quando ela se refere a e pode servir

    para identificar um objeto singular. Fotos de passaporte so signos indiciais; elas servem

    para indicar seus donos. De fato, todas as fotos so ndices, porque uma das caratersticas de

    alguns ndices que eles so conectados com seus objetos por uma causa natural ou uma

    contiguidade espacial ou temporal.

    Fotografias, apesar de suas semelhanas com seus objetos, so signos indiciais por

    duas razes. Primeiro, elas so produzidas pela causa fsica da projeo de um raio de luz em

    um filme; segundo, elas servem para identificar o objeto que elas descrevem. A indicialidade

    da foto no exclui ou contradiz sua iconicidade; a iconicidade est includa na indicialidade.

    Pinturas tambm evidenciam elementos da indicialidade. O estilo de uma pintura um ndice

    de seu pintor e da poca em que foi pintada. A perspectiva em que uma imagem desenhada

    um ndice que nos permite inferir de qual ponto no espao o desenhista produziu o desenho,

    e um retrato a leo que nos permite identificar a pessoa retratada como um indivduo tanto

    um ndice da pessoa como a foto do passaporte.

    De acordo com Peirce, o objeto de um signo no pode ser identificado como tal a

    partir da sua representao icnica, apesar da similaridade entre eles. Um cone um signo

    em virtude de um carter que possui em si mesmo e que possuiria da mesma forma se seu

    objeto no existisse, explica Peirce, dando o exemplo da esttua icnica de um centauro, que

    representa um centauro pela virtude de suas formas que ter, tanto quanto, exista um

    centauro ou no (CP 5.73, 1903). cones no referem necessariamente a objetos reais.

    Quando, e na medida em que o fazem, eles so ndices. O objeto de um cone pode ser uma

    mera possibilidade; por isso que as imagens podem descrever objetos que no existem.

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    Uma das caractersticas de signos indiciais que eles direcionam a ateno para seus

    objetos atravs de uma compulso cega (CP 2.306, 1902). Uma criana que chora para

    chamar a ateno de sua me se comunica pelo meio de um ndice genuno. Em algum grau, a

    atrao cegamente compulsiva mencionada por Peirce como a caracterstica de alguns ndices

    tambm uma caracterstica da imagem, especialmente na mdia. bem conhecido que as

    imagens atraem mais ateno que as palavras. O tabloide impresso faz uso desse efeito ao

    ceder espao para fotos em sua primeira pgina. Ao grau que as imagens tm tal poder

    apelativo (ou conotativo, como chamado por Roman Jakobson), elas so signos indiciais.

    Algumas imagens so mais indiciais que outras nesse aspecto. Imagens com cores gritantes ou

    fotos de pin-ups atraem mais ateno. Psteres e anncios em outdoors fazem uso dessa

    indicialidade para atrair a ateno das massas.

    Imagens tambm podem ser smbolos. As palavras so tpicos smbolos. O sinal de

    trnsito logogrfico para ciclistas uma imagem abstrata de uma bicicleta um smbolo,

    mas, por causa da similaridade com bicicletas reais, ao mesmo tempo um cone.

    Logogramas so smbolos ao passo que tm um significado generalizado, exatamente como as

    palavras pelas quais eles podem ser traduzidos. Quando isso usado para orientar ciclistas no

    trnsito, serve como um ndice que informa os usurios das vias que este caminho (aqui)

    apenas para ciclistas.

    Portanto, a tricotomia peirceana do cone, do ndice e do smbolo um sistema de

    incluso. Smbolos incluem signos indiciais, uma vez que nenhuma ideia pode ser formada

    sem instncias existentes do que o Smbolo denota, isto , sem ndices do smbolo (CP

    2.249, 1903). ndices incluem cones, pois na medida em que o ndice afetado pelo Objeto,

    ele necessariamente tem alguma Qualidade em comum com o Objeto (CP 2.248, 1903). A

    palavra bicicleta evoca a imagem mental (e portanto um cone) do veculo que designa, mas

    isso tambm direciona nossa mente aos veculos especficos que conhecemos na realidade

    (ndices). ndices incluem cones, como o exemplo da foto. Somente o cone no inclui

    qualquer outro tipo de signo. Tendo em vista que os cones evidenciam as qualidades de seus

    objetos, Peirce conclui que uma grande propriedade diferencial do cone que, pela

    observao direta deste, outras verdades sobre o seu objeto podem ser descobertas, alm

    daquelas que so suficientes para determinar sua construo (CP 2.279). Os cones so,

    portanto, o nico tipo de signo a partir do qual podemos derivar novas ideias sobre a natureza

    de seus objetos. Isso particularmente verdadeiro para o diagrama, o que Peirce define como

    um cone que, sem qualquer semelhana sensvel com seu objeto, mostra uma analogia

    entre as relaes de suas partes com a estrutura de seu objeto (CP 2.279, c. 1895). Um mapa

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    de uma cidade, que um cone diagramtico, no representa apenas as ruas da cidade, mas

    permite que os usurios do mapa descubram como ir de um endereo a outro.

    A iconicidade das imagens explica sua eficincia e utilidade global na mdia. O que as

    imagens se referem pode ser reconhecido a partir de suas formas e cores; a informao

    veiculada por uma foto impressa no precisa de tradutor. Isso no evita que as imagens

    tambm no sejam determinadas por culturas e estilos, e precisam ser contextualizadas. Alm

    disso, o que as imagens retratam muitas vezes j um signo simblico cuja interpretao

    requer um conhecimento cultural. A imagem de um totem s pode ser devidamente

    compreendida por uma pessoa que tenha algum conhecimento colateral sobre as culturas que

    produzem totens como smbolos de cls. O grau no qual os cones de misturam com ndices e

    smbolos permite a distino entre estilos pictricos. Pinturas realistas, por exemplo, so mais

    indiciais que icnicas. Pinturas que para a interpretao requerido um conhecimento de um

    cdigo iconogrfico, por outro lado, so smbolos na medida em que o conhecimento cultural

    de convenes necessrio para interpret-los.

    Por que imagens no figurativas (abstratas) so signos?

    O signo natural de imagens figurativas est, na sua maior parte, fora de questo, uma

    vez que reconhecido que esses so signos de tudo que eles representam. Todavia, com o

    argumento de que nada pode ser um signo que no representa ou refere a objetos do real ou,

    ao menos, a mundos possveis, imagens no representacionais so descritas como obras de

    arte que no so signos (NTH, 2005a), mas a semitica visual enxerga isso de uma forma

    diferente e, portanto, pinturas abstratas no so excludas desse campo de pesquisa.

    As escolas de semitica visual de Paris e Lige distinguem entre signos figurativos (ou

    icnicos) e abstratos (ou plsticos) nas imagens. Signos figurativos so aqueles que podem ser

    reconhecidos como representantes das coisas do nosso mundo visual, como o sol, uma rvore,

    uma mesa, um gato, um menino ou uma menina. Esses so, evidentemente, os signos que

    encontramos nas pinturas representacionais. Signos abstratos consistem em padres de cores e

    formas, como cores, tringulos, crculos etc., podem ser encontrados tanto em imagens

    figurativas como em imagens no figurativas. Estruturados em unidades mnimas, chamadas

    elementos abstratos, esses signos so descritos em pares de oposies binrios. No nvel

    abstrato, padres cromticos (de cor) so distinguidos de padres eidticos (de forma).

    Padres cromticos so estruturados em contraste de cores, como vermelho vs. verde ou

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  • Semitica Visual

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 25

    saturado vs. insaturado. Padres eidticos so estruturados em chamadas categorias,

    consistindo de opostos binrios da forma, como angular vs. circular ou convexa vs.

    cncava. Em uma prxima etapa da anlise de pinturas abstratas, as configuraes

    encontradas na anlise de padres cromticos e eidticos so interpretadas em termos de

    categorias semnticas, como natural vs, cultural, vivo vs. morto (THRLEMANN, 1990,

    pp. 25-31; EDELINE et al., 1992). Essa etapa final de anlise dessa abordagem semitica para

    a pintura abstrata, portanto, consiste na interpretao de estruturas no figurativas da imagem

    abstrata como figurativamente significativa.

    Uma forma diferente de contabilizar o signo natural de imagens abstratas postular a

    categoria de signo esttico autorreferencial, um signo que no se refere a nada alm de si

    mesmo (NTH, 2003b, 2007a, c; NTH; SANTAELLA 2000). Um termo chave dessa

    abordagem o conceito de Peirce de cone puro. cones puros apenas representam Formas e

    Sentimentos (CP 4.544, 1905). No sendo apenas similar (e, por conseguinte, de certo modo,

    tambm diferente) ao seu objeto, o cone puro um signo apenas pela virtude de suas prprias

    qualidades. Sem desenhar qualquer distino entre ele mesmo e seu objeto, representa

    qualquer coisa que possa representar e qualquer coisa que seja tal (...). apenas um caso de

    talidade (CP 5.74, 1903). No contexto em que Peirce desenvolve a teoria de iconicidade

    pura, ele desenha uma distino entre cones (puros) e hipocones. Um cone puro, como

    descrito acima, funciona como um signo pelas suas prprias qualidades, independentemente

    de qualquer outro objeto de referncia, enquanto o hipocone funciona como um signo por sua

    similaridade com seu objeto (CP 2.276, 1903). Em outro lugar (e tambm no pargrafo

    anterior desse artigo), o termo cone simplesmente um sinnimo de hipocone.

    cones puros so completamente substitudos por seus objetos como dificilmente

    podem ser distinguidos deles. (...). A distino do real e da cpia desaparece e o momento

    de puro sonho nenhuma existncia particular e nem mesmo geral (CP 3.362, 1885). Uma

    vez que uma imagem contemplada em total desconsiderao de qualquer referente, ela no

    mais um signo por similaridade ao seu objeto. Sendo indistinguvel de seu objeto, o cone

    puro um signo autorreferencial de suas formas puras. Esse modo de olhar para uma imagem

    como uma forma pura a forma que a esttica clssica descreveu como definir caractersticas

    da percepo esttica. A obra de arte percebida para seu prprio bem, de acordo com a

    doutrina da esttica clssica (Nth, 2000, pp. 426-27). Quando o cone no se refere mais a

    um objeto diferindo de si mesmo, representando nada alm de pura forma e sentimentos,

    uma mera constelao de cores e formas.

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  • Winfried Nth

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 26

    O recurso distintivo clssico da percepo esttica, nomeado autorreferencialidade, o

    fato de que imagens estticas comeam a ser percebidas em sua talidade, apenas com relao

    s suas qualidades icnicas, foi somente radicalizado pela revoluo esttica que tomou lugar

    na arte abstrata. Uma vez que a obra de arte foi liberada de suas obrigaes com seus objetos

    de referncia, seus espectadores no precisavam mais abstrair de seus signos figurativos para

    perceber a obra de arte como um signo esttico autnomo representando cores e formas puras.

    As vanguardas do sculo 20 adotaram vrias estratgias semiticas para liberar suas

    obras de arte de suas obrigaes com seus objetos de referncia. Todas elas podem ser

    descritas como diferentes estratgias de aproximar-se do ideal de autorreferncia esttica. A

    iconicidade pura , de fato, apenas um ideal, um caso limite de iconicidade, alcanvel apenas

    por uma aproximao assinttica. Nenhuma imagem real pode ser um cone puro absoluto j

    que cada imagem um objeto singular e, nesse sentido, no uma forma ideal. A obra de arte

    sempre um produto de um artista individual e, nesse respeito, um ndice do estilo do artista.

    Alm disso, na medida em que participa e exemplifica uma tendncia esttica especfica

    (como a arte abstrata), ela o resultado de convenes estticas e, nesse respeito, um

    smbolo. Nenhuma obra de arte pode incorporar completamente o ideal de forma pura, mas h

    estgios de aproximao iconicidade pura.

    Trs desses estgios de aproximao iconicidade pura podem ser derivados da

    classificao dos signos de Peirce: qualissignos, sinsignos e legissignos, destacados de sua

    teoria das dez classes de signos (CP 2.254-264, 1903). Como um cone por suas prprias

    qualidades, o qualissigno icnico aquele que chega mais prximo do ideal de cone puro.

    Em segundo vem o sinsigno icnico, que caracterizado por sua singularidade e, em terceiro,

    vem o legissigno icnico, que um cone que incorpora uma lei geral de tipo (CP 2.258).

    Qualissignos icnicos. O prottipo da pintura abstrata mais prximo de um

    qualissigno icnico a pintura monocromtica. Proposition monochromes, de Yves Klein, de

    1956, consiste em uma srie de imagens em laranja, amarelo, vermelho, rosa e azul puros.

    Essas imagens minimalistas provavelmente negam o objeto referencial do signo pictrico da

    forma mais radical. Qualquer referncia ao mundo dos objetos eliminada em uma imagem

    reduzida pura cor, referindo somente a si mesma. E ainda, apesar de sua aproximao

    categoria do qualissigno, essas monocromias no podem ser qualissignos puros, j que

    qualidade uma mera possibilidade lgica (CP 2.255), enquanto que uma pintura um

    objeto real da experincia. Com tal, as pinturas de Klein so tambm sinsignos, signos dos

    quais a singularidade importante, embora isso no seja o que as distingue de outras obras de

    arte. Alm disso, como obra de arte, elas tambm pertencem categoria do legissigno icnico,

  • Semitica Visual

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 27

    j que so instncias da classe de obras de arte, que so signos culturais determinados por

    convenes estticas. Apesar de sua tentativa de romper com as tradies da histria da arte,

    at mesmo a obra de arte mais revolucionria, ainda quer pertencer classe das obras de artes,

    isto , categoria de signos determinados por conveno cultural. O carter legissgnico de

    Propositions monochromes de Klein ainda evidente em seu ttulo. Se essas monocromias

    so proposies, elas so imagens que propem uma ideia geral sobre a natureza da pintura,

    isto , so metapinturas.

    Sinsignos icnicos. Entre as obras vanguardistas do sculo 20, em que o aspecto da

    singularidade predominante e em que, portanto, funcionam primariamente como sinsignos

    icnicos, esto aqueles que demonstraram a irrepetibilidade, singularidade absoluta, e, nesse

    sentido, total singularidade de experinci-los. A irrepetibilidade absoluta da experincia

    esttica da obra de arte foi o ideal das performances, happenings, eventos e instalaes na arte

    do final dos anos 60 e comeo dos anos 70 (NTH, 1972). Nenhuma obra de arte pode ser

    mais singular que um happening irrepetvel, a performance que programaticamente nica.

    Um tipo diferente de radicalizao do ideal de singularidade esttica exemplificado

    por obras da tradio dos objetos achados dadastas. A singularidade de um objet trouv

    no aquela da experincia esttica, que de fato repetvel; a singularidade da seleo dos

    objetos como um objeto de arte. Certamente, obras de arte, como criaes de artistas

    individuais, sempre foram produtos de selees nicas. Contudo, ao contrrio do tipo

    tradicional de singularidade criativa, os objetos achados no so materialmente criados; so

    somente selecionados pelo artista a partir de um repertrio facilmente disponvel de produtos

    de massa e feitos singulares pelo mero ato de suas apresentaes em exposies de arte. Entre

    as coisas selecionadas por Marcel Duchamp como objetos de arte esto: um pente, uma

    prateleira de garrafas e um urinol. Foi o gesto seletivo nico do artista que transformou esses

    objetos comuns do cotidiano em obras de arte singulares, um sinsigno esttico. Os objetos que

    Duchamp encontrou, e selecionou, no repertrio de objetos cotidianos foram signos antes

    de serem selecionados, mas signos de um tipo diferente. Como membros de uma classe de

    objetos que servem a um propsito prtico, eles eram rplicas de legissignos, os produtos de

    massa que servem a propsitos da vida cotidiana que os tornam culturalmente significativos

    (NTH, 1998). A seleo de Duchamp desses produtos de massa privou-os de sua referncia

    de utilidade prtica e modo de uso e os transformou em obra de arte singular, sinsignos

    icnicos autorreferenciais.

    Legissignos icnicos so a terceira classe de signos icnicos de relevncia para a

    semitica da arte no representacional. Legissignos so signos devido a uma lei geral que os

  • Winfried Nth

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 28

    faz signos. Na pintura, essas leis podem ser estilos ou convenes, mas tambm simetria,

    balano, polaridade, tenso, contraste, oposio, invarincia, forma geomtrica ou

    complementariedade cromtica. Prototipicamente, leis desse ltimo tipo determinam os

    princpios de composio do Construtivismo e do Suprematismo. Composition in Red, Black,

    Yellow and Gray (1920) de Piet Mondrian, por exemplo, composta de acordo com as leis

    geomtricas pelas quais formas retangulares so construdas; radicalmente reduzida a

    quadrados e retngulos coloridos e dividida por linhas pretas. Um quadrado forma o centro

    visual em torno do qual retngulos so exibidos em arranjos quase simtricos e as cores so

    escolhidas para criar um balano harmnico. As formas e as cores no so apresentadas como

    formas puras nem como a intuio espontnea e singular do artista, mas sim por morfologia e

    sintaxe cromtica e geomtrica que fazem da pintura um legissigno icnico.

    Sintaxe visual e a questo da dupla articulao

    Um dos principais tpicos da semitica da imagem dos anos 60 e 70 foi o

    questionamento sobre a metfora da linguagem das imagens poder ser tomada literalmente,

    isto , se as imagens so estruturadas em analogia com os nveis do fenmeno, da palavra e da

    sentena da linguagem verbal. Entre os semioticistas que participaram da pesquisa pelas

    analogias entre a gramtica da linguagem e a estrutura das imagens esto Zemsz (1967), Metz

    (1968), Eco (1968, 1976), Schefer (1969), Marin (1971), Paris (1975), Lindekens (1976),

    Carter (1972, 1976) e Saint-Martin (1990). Um tpico muito discutido nesse perodo de

    semitica visual foi se as imagens no signos com uma chamada dupla articulao, isto ,

    com um nvel que consiste em elementos com significado (anlogo ao das palavras de

    linguagem) e um nvel que consiste de elementos sem significado (como os fonemas ou letras

    da linguagem). Sem dvidas, imagens visuais tm significados, mas, ao contrrio das

    palavras, imagens no so compostas de um conjunto finito de elementos mnimos recorrentes

    que so, eles mesmos, sem significado, (BENVENISTE, 1969, pp. 237, 242). Embora haja,

    atualmente, um consenso geral de que as imagens so sistemas sgnicos sem uma segunda

    articulao similar da lngua, as tradies francesa e belga da semitica visual postulam uma

    dupla articulao das imagens de um tipo diferente. Os dois nveis de estrutura de uma

    imagem visual so aqueles dos signos figurativos e abstratos das imagens (veja acima em

    imagens no figurativas (abstratas) e abaixo (ltimo subcaptulo) em imagens como sistemas

    semi-simblicos).

  • Semitica Visual

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 29

    Embora no haja uma gramtica para compor sintaticamente imagens bem formadas

    por significados ou um nmero finito de elementos e regras, ainda possvel reconhecer uma

    sintaxe pictrica em um sentido diferente. As imagens so certamente compostas por figuras

    cujo arranjo espacial obedece a certos princpios de ordem. Diferente da sintaxe da

    linguagem, que consiste de regras amplamente arbitrrias que variam de idioma para idioma,

    imagens figurativas tm uma sintaxe icnica na qual as regras so determinadas pela ordem

    em que as coisas no mundo representadas por elas so estruturadas. Por exemplo, o sol est ao

    alto, o solo est abaixo e uma borboleta tem asas para a direita e a esquerda de seu corpo etc..

    por meio de significados desta ordem icnica de representao correspondente ordem das

    coisas do mundo visual, como o conhecemos, que as imagens podem ser lidas como

    representantes das coisas que elas representam. A gramtica de imagens figurativas icnica

    da ordem das coisas.

    Imagens abstratas no possuem gramtica, j que elas negam qualquer referncia a

    elas. Na medida em que cada pintura abstrata tem sua prpria ordem cromtica e formal de

    cores e formas, pode-se concluir que cada pintura abstrata tem sua prpria sintaxe ou que

    pinturas no figurativas so imagens sem uma estrutura sinttica. Os princpios tradicionais de

    ordem esttica (harmonia, balano, simetria, cores que combinam ou no) so exemplos da

    sintaxe pictrica no figurativa pela qual uma grande classe de imagens tem sido e continua a

    ser gerada.

    Ao contrrio da sintaxe da linguagem verbal de estruturas de superfcie linear com

    estruturas profundas hierrquicas, a gramtica das imagens gera estruturas de superfcie

    bidimensional mais complexas. Porm, tambm existem estruturas abaixo da superfcie de

    uma imagem que testemunham uma espcie de estrutura profunda visual, por exemplo,

    configuraes de primeiro plano e plano de fundo ou de centro e periferia da imagem que

    marcam a maior ou menor importncia de elementos pictricos. As salincias visuais de uma

    figura, seu primeiro plano ou sua posio no centro correspondem importncia no

    significado pictrico.

    A sintaxe icnica das imagens , portanto, uma sintaxe icnica de reconhecimento que

    reflete os padres de cognio visual. Uma das ordens sintticas subjacentes nossa

    cognio, tanto de imagens quanto do mundo visual que no tem contraponto na sintaxe

    verbal, a ordem metonmica. Uma metonmia descreve a parte pelo todo das coisas. Um

    exemplo o corpo humano: suas partes so o tronco, os braos, as pernas e a cabea, cada

    uma dessas partes est estruturada em partes ulteriores, por exemplo, o brao se divide em

    parte superior, antebrao, mo e etc., cada uma dessas partes tendo a ordem de suas

  • Winfried Nth

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 30

    representaes bidimensionais, direita, esquerda, superior ou inferior, na configurao visual.

    O conhecimento de tais relaes da parte pelo todo um dos elementos da sintaxe pictrica.

    Uma imagem sintaticamente bem formada de uma cabea humana deve mostrar cabelo, olhos,

    nariz, boca, queixo, etc., cada uma sintaticamente, ou metonimicamente, em seus lugares

    corretos. As regras da projeo do espao tridimensional no plano bidimensional da superfcie

    da imagem so subdomnios da sintaxe pictrica.

    Semntica visual

    A semntica da imagens figurativas igualmente derivada do nosso conhecimento de

    objetos do mundo visual. No importa o significado que associamos a um objeto (uma pedra,

    um cachorro, o cu etc.), a uma figura ou a uma cor, o mesmo significado ser reconhecido

    como um significado de sua representao pictrica. Na medida em que as imagens

    representam o mundo visual com mais preciso que a linguagem verbal, a semntica das

    imagens mais diferenciada do que a semntica da linguagem. O pequeno nmero de

    palavras para cores em contraste com o grande nmero de cores disponveis para um artista

    grfico pode ser suficiente como um exemplo da superioridade da semntica visual para a

    semntica verbal. Alguns dos aspectos em que as imagens no podem expressar significados

    que as palavras podem expressar so: negao e disjunes exclusivas, causalidade,

    modalizao, metarreferncia, autorreferncia e dixis.

    Negao e disjuno exclusiva: As imagens no podem dizer no, nem podem

    explicar relaes de nem-ou-mas-no-tanto. Bicicleta certamente um significado que

    pode ser representado em uma imagem, mas o significado de nenhuma bicicleta no pode.

    Significados negativos podem inferencialmente ser derivados de imagens ou expressados por

    significados simblicos. O conceito de nenhuma bicicleta pode ser inferido de uma imagem

    sem bicicletas, desde que o nmero de julgamentos sobre o invisvel derivvel do visvel seja

    sempre ilimitado (o nmero de coisas que no esto na imagem incontvel), incerto se a

    imagem vai levar a esse julgamento ou no. A imagem de uma bicicleta com uma linha que a

    cruza se utiliza de um dispositivo simblico para negar o conceito de bicicleta. Uma

    imagem no pode expressar o conceito do exclusivo ou. Por exemplo, a imagem no pode

    representar o significado de ou um ciclista ou um pedestre.

    Causalidade: As imagens podem visualizar as causas dos efeitos que representam?

    Uma foto de um fogo e a fumaa causada por ele representa uma relao de causa-efeito, mas

  • Semitica Visual

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 31

    a causalidade deve ser inferida pelo espectador da foto, no h dispositivo pictrico que

    expresse isso. Uma imagem de raio-x parece visualizar a causa de uma doena, mas

    somente a representao icnica (e indicial) de uma m formao que o sintoma da doena

    que causada. Uma foto mostra um homem atirando em uma mulher, mas ela realmente

    morreu ou eles eram apenas atores de um filme? Na medida em que as imagens no podem

    afirmar o que ela mostram, elas no podem representar a causalidade. Sequncias de imagens

    e filmes so mais propensas a representar relaes de causa-efeito. Um filme de um homem

    acendendo um fsforo e ateando fogo a um celeiro mostra uma sequncia de causa-efeito.

    Modalizao: As imagens no podem modalizar o que elas mostram. Elas no podem

    expressar as ideias de possibilidade, necessidade, obrigao ou vontade. A imagem de uma

    garota correndo no nos diz se ela quer, deve ou pode correr, ou se est apenas fingindo

    correr.

    Metarreferncia e autorreferncia: Imagens e linguagem tambm diferem em relao

    aos seus potenciais metarreferenciais e autorreferenciais. (NTH, 2007c, 2009b). Elas no

    possuem metassignos correspondentes s palavras referentes a palavras, seus elementos e

    funes, como vogal, consoante, palavra ou sentena. Somente signos verbais podem

    autorreferencialmente ser usados para descrever palavras. Por exemplo, no idioma ingls

    possvel dizer eye (olho) e exemplificar isso atravs das letras e, y, e para diferenciar da

    palavra I (eu), um pronome pessoal que possui uma sonoridade similar. Alm disso, palavras

    tambm podem ser usadas para descrever imagens, mas imagens dificilmente descrevem a

    linguagem verbal, embora possam ser utilizadas para ilustrar textos. Nenhuma forma pictrica

    pode expressar a ideia de uma forma, nenhum tringulo expressa a ideia de um tringulo e

    nenhuma cor expressa a ideia de cor sem que seja a prpria cor em questo. Imagens apenas

    podem mostrar suas prprias caractersticas, no podem falar explicitamente sobre elas,

    nem podem generalizar. Uma imagem apenas pode mostrar um tringulo ou uma cor, mas no

    pode mostrar sem ser, ela mesma, um tringulo ou tendo a cor que representa. Embora as

    imagens no tenham signos para referir imagens e seus elementos, metaimagens se tornam

    possveis pelos caminhos da inferncia. Uma imagem acerca de outra imagem interpretada

    como uma metaimagem pela inferncia de um intrprete o qual, em sua mente, a presente

    imagem evoca a outra imagem (que cita ou comenta nela) como uma imagem mental.

    Dixis e indicialidade: As imagens no podem apontar de l para c. No existem

    meios internos de reenvio a partir de local no interior da imagem para outra; no h nada que

    possa expressar o significado de aqui, l, este ou aquele (mas para a maneira pela qual as

    imagens podem ser ndices do que elas representam, veja acima).

  • Winfried Nth

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 32

    Pragmtica visual

    Como todos os signos, as imagens tambm tm uma dimenso pragmtica, na qual so

    estudadas em relaes aos seus modos e efeitos de uso. A pragmtica visual entra em acordo

    com o modo como as imagens so usadas e os efeitos que causam em seus espectadores. Tais

    imagens atraem mais ateno imediata que palavras, como discutido acima, pertencendo,

    assim, sua dimenso pragmtica. Outros tpicos da pragmtica visual so: de quais formas

    as imagens exercem seus efeitos em seus expectadores e a quais efeitos elas servem? Uma

    forma semitica de examinar essa questo comparar a pragmtica da linguagem com o uso e

    o efeito da comunicao por meio de imagens.

    Um mtodo importante da pragmtica lingustica a teoria dos atos do discurso

    (NTH, 2010). Essa teoria estuda os modos de uso da linguagem diversificada como atos de

    fazer as coisas por meio da linguagem (AUSTIN, 1962). Exemplos de atos do discurso so

    prometer, ameaar, pedir, ordenar, felicitar, prestar um juramento, etc. Uma importante

    distino a que se faz entre atos do discurso diretos e indiretos. Atos do discurso direto so

    marcados pelos atos do verbo do discurso (chamados verbos performativos) ou formas

    sintticas que caracterizam o enunciado como o ato do discurso para o qual usado. Por

    exemplo, o ato do discurso ou ordenao direto, se o orador diz: Eu ordeno que voc fique

    quieto, ou usa a forma imperativa (Fique quieto!). Atos do discurso indireto omitem verbos

    performativos ou formas sintticas que sinalizam o ato do discurso. Um orador pode dar uma

    ordem em forma de questo (mais educado) ou como uma mera afirmao.

    As imagens tambm so utilizadas para diversos propsitos, por exemplo, na

    publicidade, para fazer consumidores comprar produtos ou orientar massas em lugares

    pblicos. possvel uma teoria de atos pictricos em analogia com atos do discurso? Verbos

    performativos so metassignos verbais. Se eu digo Eu te pergunto a seguinte questo... ou

    Eu te digo..., essas afirmaes so comentrios metalingusticos sobre as seguintes questes

    ou ordens. Na medida em que as imagens no tm metassignos explcitos, como mostrado

    acima, deve-se concluir que no se pode haver atos pictricos diretos anlogos aos atos do

    discurso direto. Uma imagem no pode se expressar explicitamente se ela usada para fazer

    uma pergunta, dar uma ordem, para ameaar, fazer uma promessa ou para felicitar. Por isso,

    uma teoria de atos pictricos apenas pode ser uma teoria de atos pictricos indiretos. Se uma

    imagem se destina a seus leitores com o objetivo de fazer uma pergunta ou advertir contra um

    perigo, a questo ou advertncia pictrica apenas podem ser indiretas. Certamente, a proposta

    a qual a imagem serve pode ser expressada diretamente por meio de atos do discurso verbal.

  • Semitica Visual

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 33

    As imagens no podem afirmar o que mostram porque afirmar requer um metassigno

    da verdade do que afirmado (NTH, 2009b). Um porta-voz que afirma que sua companhia

    demitiu seu presidente alega implicitamente que a proposio ns demitimos nosso

    presidente verdadeira; dizer que algo verdadeiro fazer uma meta-afirmao. As

    imagens, ao contrrio, no tm metassignos. Elas apenas podem mostrar o que representam,

    mas, na medida em que elas no tm metassignos icnicos, elas no podem afirmar o que elas

    representam e nem mentir sobre isso. No obstante, as imagens podem dar evidncias

    indiciais de fatos, especialmente como as fotografias. Como signos indiciais, fotos chegam

    perto de serem imagens que expressam a verdade e nesse sentido que fotos so aceitveis

    como documentos de fatos; elas podem ser tidas como afirmadoras do que representam.

    Entretanto, a foto no pode afirmar o que mostra nem pode dizer se isso foi manipulado ou

    no. Ns precisamos de evidncias adicionais sobre as circunstncias em que a foto foi feita,

    revelada ou processada digitalmente. Essa a razo pela qual as fotos no podem afirmar ou

    mentir explicitamente, mas apenas s podem ser usadas para mentir. As circunstncias nas

    quais as imagens so usadas para certos propsitos so expressas verbalmente ou por meios

    indiretos de atos pictricos. O fotgrafo que vende uma foto manipulada como uma

    representao de uma cena real ou faz isso por meio do ato do discurso de uma mentira ou por

    esconder a verdade de uma forma no verbal, por exemplo, por lucrar com sua credibilidade

    profissional. A forma no verbal de enganar os clientes um ato pictrico indireto.

    Em sua dimenso pragmtica, as imagens so essencialmente mensagens abertas, mais

    do que em sua dimenso semntica. Uma imagem de um violino dificilmente pode ser

    interpretada significando qualquer coisa alm de um violino, mas pode ser usada para muitas

    propostas, por exemplo, informar sobre o tipo de instrumento que um violino, para ensinar

    como ele construdo, para ilustrar um convite de um concerto, para anunciar, para

    exemplificar a ideia de simetria, etc. Este outro paralelismo entre imagens e a linguagem

    verbal: apenas como uma imagem pode ser usada para muitos propsitos, um e o mesmo

    enunciado verbal pode ser usado em diferentes maneiras diretas e indiretas para executar os

    atos do discurso mais diversos.

  • Winfried Nth

    Trade, Sorocaba, SP, v.1, n.1, p 13-40, jun. 2013 34

    A semitica de imagens visuais em anncios impressos: dois estudos de caso

    Duas abordagens semiticas para o estudo de imagens visuais sero apresentadas a

    seguir com encurtamentos devidos, algumas adies e modificaes necessrias. Ambos so

    estudos de anncios impressos de revistas de notcias. O primeiro exemplifica a abordagem da

    Escola de Paris e o segundo a abordagem baseada na semitica de Peirce. O mtodo de

    semitica visual da Escola de Paris exemplificado por meio de um resumo das ideias

    principais de um estudo realizado por J.M. Floch (1985: 139-169, 1989, 1990: 85-89) sobre

    alguns anncios impressos de uma campanha publicitria de 1980 lanada para apresentar a

    marca de cigarros News na Frana (Figura 1).

    Figuras 1 (l.) e 2 (r.).

    Anncio de cigarro francs de 1980 (Floch 1989: 56) Anncio de gin de 1974 (Santaella & Nth 2010: 148).

    Na tradio do estruturalismo semitico, Floch caracteriza o texto verbovisual da

    Figura 1 como um sistema de opostos em vrios nveis, dos quais a dicotomia da expresso

    vs. contedo o mais fundamental. No plano da expresso, que o nvel das formas grficas

    e tipogrficas, bem como nuances cromticas e acromticas e contrastes, a oposio reto vs.

    oblquo a mais notvel. As zonas tipogrficas superiores e inferiores so dispostas em

    campos (ou faixas) horizontais e paralelos, enquanto que o campo tipogrfico do meio contm

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    formas retangulares dispostas obliquamente dentro de um enquadramento retangular, cujas

    margens esto paralelas s de toda a pgina. A disposio implica oposies como simetria

    (nas faixas superior e inferior) vs. assimetria (no campo do meio), ou regularidade vs.

    irregularidade. Esse conjunto de opostos fundamentais paralelo (est acoplado) com

    outras oposies no plano da expresso: linguagem (nas faixas superior e inferior) vs.

    fotografia (no campo do meio), colorido (acima e abaixo) vs. preto e branco (as fotos no

    meio); amplo com vrias linhas vs. estreito com apenas uma linha (faixas superior e

    inferior). Opostos que estruturam o campo do meio so: primeiro plano (o pacote de cigarros)

    com cores vs. plano de fundo em preto e branco (as fotos), sobreposio (disposio das

    fotos) vs. superposio (o pacote de cigarros em cima das fotos), enquadrante (as faixas

    superior e inferior enquadram o campo do meio) vs. enquadrado (o pacote de cigarros

    enquadrado pelas fotos a sua volta) e, por fim, oblquo com linhas paralelas descendentes

    vs. oblquo com linhas paralelas ascendentes da esquerda para a direita (das fotos no plano

    de fundo vs. o pacote de cigarros no primeiro plano). Dentre as cores, h oposio entre

    cromtico (acima, abaixo e no pacote de cigarros) vs. acromtico (as fotos) e entre cores

    primrias (na larga barra vermelha abaixo da faixa superior e no pacote de cigarros) vs.

    cores secundrias (a cor das pontas dos filtros ocre).

    No plano do contedo, os elementos visuais encontrados no plano da expresso so

    agora interpretados como significativos. So considerados significantes (expresses)

    associados a significados (contedos). A semantizao resultante do plano da expresso de

    uma imagem, de acordo com esse mtodo, pode ser ilustrada pela oposio de primeiro

    plano vs. plano de fundo: em geral, o significado do que est em primeiro plano mais

    importante do que aquele que est no plano de fundo e, de fato, o pacote de cigarros, para o

    qual a campanha foi lanada, que est em primeiro plano nesse anncio. Uma semantizao

    adicional desse tipo: linhas descendentes tm conotaes negativas e linhas ascendentes tm

    conotaes positivas. De fato, apenas a imagem do pacote de cigarros que possui arestas em

    linhas ascendentes em sua representao oblqua, enquanto as fotos da vida agitada de

    jornalistas tm uma orientao oblqua descendente da esquerda para a direita.

    Aps reduzir os vrios pares de oposies no plano da expresso para o denominador

    comum fundamental da descontinuidade vs. continuidade, Floch chega concluso de que

    essa oposio caracterstica do layout do anncio acoplada oposio semntica

    fundamental de identidade vs. alteridade. Identidade o denominador comum da

    continuidade e da regularidade com as quais os jornais dirios so publicados, o pleno sabor

    dos cigarros permanece disponvel para sempre e, tambm, a liberdade dos consumidores

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    fazerem uma pausa, enquanto os outros continuam em seu estilo de vida profissional agitado.

    Esse ltimo simboliza a alteridade de todos aqueles que no participam do fato de fazer uma

    pausa (e no consomem essa marca de produto). A distino fundamental entre identidade e

    alteridade acoplada com outras oposies: permanncia (e continuidade na publicao de

    um jornal dirio) vs. mudana (dos problemas relatados no dia a dia), fotos (o material cru

    e dirio de qualquer fotgrafo de imprensa) vs. os (sempre mutveis) eventos que retratam.

    Em suma: O que o anncio de Notcias prope (...) um estilo de vida (...) que exibe dois

    estados contrrios: a participao na agitada vida da sociedade (...vs.) a realizao de um

    estilo pessoal impresso sobre o primeiro (FLOCH, 1989:57).

    O sistema de correlaes entre elementos de expresso e contedo, assim estabelecido,

    exemplifica que as imagens so linguagens semi-simblicas e como elas so estruturadas em

    sistemas semi-simblicos. Ao contrrio das linguagens simblicas, que evidenciam uma

    correspondncia de 1:1 entre suas unidades de expresso e contedo (exemplo: o sistema de

    semforos), as imagens so linguagens semi-simblicas, porque os elementos de seu plano de

    expresso evidenciam apenas correspondncias soltas para certas categorias de contedo,

    como ilustrado acima.

    Considerando que a abordagem da Escola de Paris visa revelar significados

    fundamentais, mas escondidos, inerentes na estrutura profunda de uma imagem, a abordagem

    baseada no princpios da semitica de Peirce, adotada por Santaella & Nth (2010), parte de

    diferentes premissas. A leitura das imagens um processo semitico (um processo de

    semiose). Imagens so signos que no apenas tm significados, mas tambm criam

    significados. Os significados que elas tm esto relacionados aos objetos do signo visual; o

    significado que elas criam est relacionado aos seus interpretantes. Considere a Figura 2. O

    anncio (imagem e texto) um signo complexo que consiste de duas imagens em justaposio

    com alguns elementos de texto verbal que lhes esto associados. O objeto desse signo no

    apenas consiste das duas coisas que vemos e dos significados das palavras que lemos. O que

    precisamos saber para interpretar o signo (isto , o objeto) compreende todo o conhecimento

    cultural necessrio para interpretar o signo. Esse conhecimento no restrito ao conhecimento

    visvel. Por exemplo, ns sabemos que a coroa, ela mesma, um signo, um smbolo da

    monarquia britnica. A garrafa, tambm, um signo na medida em que representa uma marca

    e no apenas uma garrafa em particular. O conhecimento que temos dos objetos representados

    nesse anncio pode ser vago, mas o texto verbal, que consiste de signos com objetos dele

    mesmo, informa sobre mais detalhes. O interpretante criado a partir desse signo complexo (o

    anncio) no apenas consiste em significados no sentido de informao, ideias, conceitos ou

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    imagens mentais, mas tambm no sentido de crenas, desejos e hbitos que o signo complexo

    cria em seus leitores. O interpretante final, que o objetivo real de todos os anncios, o

    hbito do pblico-alvo em consumir o produto apresentado nesse anncio.

    Traduo do ingls: Rodrigo Antunes Morais

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