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SENATUS v. 3 n. 1 abril 2004 Brasília ISSN 1678-2313 Senatus Brasília v. 3 n. 1 p. 1-76 abr. 2004

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SEN

ATU

Sv. 3 n. 1 abril 2004

Brasília

ISSN 1678-2313

Senatus Brasília v. 3 n. 1 p. 1-76 abr. 2004

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DIRETOR DA SECRETARIA DE INFORMAÇÃO E DOCUMENTAÇÃODO SENADO FEDERALPaulo Afonso Lustosa de Oliveira

EDITOR RESPONSÁVELNunzio Briguglio (Mtb. 2395)

EQUIPE TÉCNICA E REVISÃOMarilúcia ChamarelliVera Lúcia Correa Nasser Silva

PROJETO GRÁFICO E CAPACamila Gabriela Souza - Subsecretaria de Projetos Especiais/ Núcleo de Criação e Marketing

ILUSTRAÇÕESIsabelle S.C. Nogueira- Subsecretaria de Projetos Especiais/Núcleo de Criação e Marketing

DIVULGAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICASFrancisco Tadeu Gardesani Luz

IMPRESSÃOSecretaria Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal

Endereço para correspondênciaSenado Federal - Secretaria de Informação e DocumentaçãoEd. Principal, Ala Senador Dinarte Mariz, gab. 570165-900 Brasília/DFTel.: (61) 311-4382Fax: (61) 311-3079e-mail: [email protected]

Periodicidade: irregularTiragem: 5.000 exemplaresTambém disponível em: http://www.senado.gov.br/web/revistas/senatus

Os conceitos emitidos nos artigos são de responsabilidade de seus autores.Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

SEN

ATU

S

Senatus : cadernos da Secretaria de Informação eDocumentação / Senado Federal, Secretaria deInformação e Documentação. – vol. 1, n. 1 (dez. 2001)–. –Brasília : Senado Federal, Secretaria Especial deEditoração e Publicações, 2001–.

v.Periodicidade varia.Subtítulo suprimido a partir do vol. 2, n . 1 (dez. 2002).ISSN 1678-2313

1. Ciências Sociais – Periódico. 2. Ciência da informação –Periódico. I. Brasil. Congresso. Senado Federal. Secretariade Informação e Documentação.

CDU 3CDD 300.5

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EditorialSenador Sergio ZambiasiSenador Sergio ZambiasiSenador Sergio ZambiasiSenador Sergio ZambiasiSenador Sergio Zambiasi...............................66666

EspecialCiclo de Conferências 2003Ciclo de Conferências 2003Ciclo de Conferências 2003Ciclo de Conferências 2003Ciclo de Conferências 2003 :

Gestão do conhecimento.............1515151515

Guido MondiGuido MondiGuido MondiGuido MondiGuido Mondimmmmm: Velha Roma....................99999Capa

A Lenda do lago: Paranoá, o índioapaixonado.............................................1212121212

Dossiê

A inteligência contra o crime organizado............1818181818Por um combate ao crime organizado.........4545454545Unificação de polícias: até que ponto aperfeiçoaria a

segurança pública?...........4747474747

Mercado de TrabalhoMercado de trabalho e desemprego..............5757575757

SEN

ATU

S

V. 3 / n. 1Uma publicação editada pela Secretariade Informação e Documentação

SEGURANÇA PÚBLICA

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Cartas

Comunidade VirtualAções estratégicas para gestão de redescolaborativas e comunidades virtuais eminstituições públicas e privadas..............................................................................................................

EducaçãoDa evolução da educação na sociedade para a

educação no Legislativo......................6565656565

Línguas indígenasLínguas indígenas:

riqueza da nação brasileira..................6868686868

Estatuto do IdosoResgatando a dignidade perdida...................7070707070

ResenhaMenores e Loucos em Direito Criminal,

de Tobias Barreto.............................7474747474

...................7070707070

Lembrando BolívarPrimeiro Seminário Internacional de Co-Financiamento

BNDES/CAF.............................7070707070

6060606060

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CEditorial

onvidado a apresentar o terceiro volume da revistaSENATUS, quis conhecer melhor essa iniciativa

da Secretaria de Informação e Documentação do Senado Federal,responsável por essa publicação lançada em dezembro de 2001.Chegaram a mim, trazidos pelo seu diretor, os dois primeirosvolumes: o primeiro, em forma de caderno e, por essa razão, comuma diagramação mais sólida, sem fotos, com matérias bemtécnicas; e o segundo, distribuído um ano depois, em formato derevista, com muitas fotos, reportagens, entrevistas, anúncios.Também recebi, em primeiríssima mão, um esboço deste terceirovolume, já com as matérias diagramadas, fotos selecionadas,paginação praticamente definida, que me possibilitaramdesenvolver este editorial.

Este número é uma mescla dos dois primeiros volumes noque se refere à apresentação gráfica: nem a sisudez do primeiro,nem a leveza do segundo, porém com o mesmo tratamentotécnico, ético e informativo de suas matérias. Isso me leva aconcluir que a equipe técnica da revista busca um aperfeiçoamentoconstante, o que, ao meu ver, é uma meta a ser seguida por todoser humano, empresa, instituição, partido político ou governo dequalquer parte do mundo.

Foi com gratíssima surpresa que constatei a atualidade,profundidade e análise correta nos temas abordados em matériasassinadas por profissionais de renome das mais variadas áreas e,também, por senadores engajados neste projeto da Secretaria deInformação e Documentação, que muito contribui para o debatede assuntos de interesse de toda sociedade brasileira.

Mais satisfeito ainda fiquei ao perceber, na capa da revista,a representação da obraVVVVVelha Romaelha Romaelha Romaelha Romaelha Roma, dosaudoso senador gaúchoGuido Mondim, que alémde notório parlamentar, sedestacou na pintura e napoesia. Aliás, algumas dasobras do pintor, especial-mente as que retratam a

Revolução Farroupilha, acompanham minha trajetória política emdiversas situações. Quando tive a honra de presidir a AssembléiaLegislativa do Rio Grande do Sul, fiz questão de pendurar osquadros de Guido Mondin que constavam no acervo do Parlamentogaúcho no lugar mais nobre da Casa, que é o gabinete daPresidência. Eleito senador federal, trouxe comigo para Brasíliaalgumas gravuras do pintor que retratam a bravura do povo gaúcho.O objetivo da Revista SENATUS é trazer, a cada edição, um quadrodo expressivo acervo de obras de arte do Senado Federal, comsua ficha técnica, bem como uma pequena biografia do autor.

Um tema bastante atual foi amplamente debatido no Ciclode Conferências 2003 realizado em setembro pela Secretariade Informação e Documentação: Gestão do ConhecimentoGestão do ConhecimentoGestão do ConhecimentoGestão do ConhecimentoGestão do Conhecimento. Apalestra – na íntegra - mostra que “a implantação de um processode gestão de conhecimento no Senado Federal e nas demaisCasas Legislativas é fundamental para o poder legislativo fazerface às novas demandas que deverão surgir a partir doaprofundamento do processo democrático no País”.

A partir deste número, serão apresentadas matérias sobreum mesmo tema, assinadas por vários autores, agrupadassob o título Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê. Nesta edição, três artigos sobresegurança/violência, crime organizado e unificação de políciaselaborados, respectivamente, por quatro consultoreslegislativos do Senado Federal das áreas de RelaçõesExteriores e Defesa Nacional, de Direito Administrativo eConstitucional, e de Direito Penal, Processual Penal ePenitenciário compõem esta nova Seção. A leitura de “““““AAAAAInteligência contra o crime organizado”, “Unificação deInteligência contra o crime organizado”, “Unificação deInteligência contra o crime organizado”, “Unificação deInteligência contra o crime organizado”, “Unificação deInteligência contra o crime organizado”, “Unificação dePolícias: até que ponto aperfeiçoaria a segurançaPolícias: até que ponto aperfeiçoaria a segurançaPolícias: até que ponto aperfeiçoaria a segurançaPolícias: até que ponto aperfeiçoaria a segurançaPolícias: até que ponto aperfeiçoaria a segurançapública?”pública?”pública?”pública?”pública?” e “ e “ e “ e “ e “Por um Combate ao crime organizadoPor um Combate ao crime organizadoPor um Combate ao crime organizadoPor um Combate ao crime organizadoPor um Combate ao crime organizado”””””certamente levarão o leitor a uma profunda reflexão.

O mercado de trabalho brasileiro e as alterações que sefazem necessárias são mostrados pelo consultor legislativodo Senado Federal, Fernando Meneguin, em seu artigo“Mer“Mer“Mer“Mer“Mercado de Tcado de Tcado de Tcado de Tcado de Trabalho e Desemprrabalho e Desemprrabalho e Desemprrabalho e Desemprrabalho e Desempregegegegego”.o”.o”.o”.o”. Com auxílio deteoria, tabelas, quadros comparativos e estatísticas, traçaum panorama da nossa atual situação.

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 6-7, abr. 2004

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Sergio Zambiasi é senador

pelo Rio Grande do Sul

Na área de informática, a Professora Maria Elenita M.Nascimento, Ph.D. em Ciência da Computação, “passeia”pelo tema gestão de comunidades virtuais, como sóconseguem os que dominam profundamente um assunto.Autora de mais de 70 livros e Chefe doDepartamento de Ciência da Computaçãoda UnB, ass ina a matér ia “““““ A ç õ e sA ç õ e sA ç õ e sA ç õ e sA ç õ e sEs t ra tég icas para Gestão de RedesEs t ra tég icas para Gestão de RedesEs t ra tég icas para Gestão de RedesEs t ra tég icas para Gestão de RedesEs t ra tég icas para Gestão de RedesColaborativas e Comunidades Virtuais emColaborativas e Comunidades Virtuais emColaborativas e Comunidades Virtuais emColaborativas e Comunidades Virtuais emColaborativas e Comunidades Virtuais emInstituições Públicas e Privadas”Instituições Públicas e Privadas”Instituições Públicas e Privadas”Instituições Públicas e Privadas”Instituições Públicas e Privadas”.

Extenso e interessante relato históricosobre a evolução da educação marca a matériade Telma América Venturelli e Jales RamosMarques, ambos consultores do PNUD/Programa Interlegis: “““““Da evolução daDa evolução daDa evolução daDa evolução daDa evolução daeducação na sociedade para a educaçãoeducação na sociedade para a educaçãoeducação na sociedade para a educaçãoeducação na sociedade para a educaçãoeducação na sociedade para a educaçãono Legislativo”no Legislativo”no Legislativo”no Legislativo”no Legislativo”.....

Peço permissão ao leitor para conduzi-lo àleitura da matéria de autoria de HenrianneBarbosa, estudante de Jornalismo, sobre “Línguas Indígenas:“Línguas Indígenas:“Línguas Indígenas:“Línguas Indígenas:“Línguas Indígenas:riqueza da nação brasileira”riqueza da nação brasileira”riqueza da nação brasileira”riqueza da nação brasileira”riqueza da nação brasileira”..... Para poder desenvolver seutrabalho, ela pesquisou em vários livros, se emocionou com otrabalho ímpar de Darcy Ribeiro, entrevistou muita gente e, dentreelas, o Professor de Lingüística da Universidade de Brasília -UnB, Aryon Rodrigues, uma referência nesse meio. Trata-se deartigo cuidadosamente elaborado, que nos leva a refletir quesomos todos responsáveis pela não extinção das línguas indígenas:“roubados na língua, os índios são roubados em sua essência...”,afirma ela.

O Excelentíssimo Senador Delcídio Amaral, autor do projetode lei nº 112/2003, que obriga os ambulatórios e hospitais públicosa destinarem espaço específico para melhor atender aos idosos,analisa o Estatuto do Idoso, recentemente aprovado peloCongresso Nacional, na matéria Resgatando a dignidadeResgatando a dignidadeResgatando a dignidadeResgatando a dignidadeResgatando a dignidadeperdida.perdida.perdida.perdida.perdida.

Salutar e oportuna também é a matéria Lembrando BolívLembrando BolívLembrando BolívLembrando BolívLembrando Bolívararararar,em que é retratada, com excelência, a iniciativa do Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – na figura dopresidente Carlos Lessa – de realizar o 1o Seminário Internacionalde Co-Financiamento. O evento, mais do que abrir uma discussãoem torno da integração geopolítica da América do Sul,

rejuvenesceu e ampliou o debate e as açõespolíticas em busca da competitividadesaudável entre as nações integrantes doMercado Comum do Sul.

Outra Seção incorporada neste número,intitulada ResenhaResenhaResenhaResenhaResenha, trará resumos deimportantes obras editadas pelo ConselhoEditorial do Senado Federal. Inaugurando aSeção, o segundo livro da Coleção Históriado Direito Brasileiro, “Menores e Loucosem Direito Criminal”, de Tobias Barreto, foicomentado pelo consultor legislativo doSenado Federal, Tiago Ivo Odon.

Como o prezado leitor poderá perceber(e se surpreender, como eu), a SENATUS

brinda todos que a recebem com um material rico e diversificado,

cumprindo seu objetivo inicial: cccccontribuir para oontribuir para oontribuir para oontribuir para oontribuir para oaprimoramento e a divulgação de informaçõesaprimoramento e a divulgação de informaçõesaprimoramento e a divulgação de informaçõesaprimoramento e a divulgação de informaçõesaprimoramento e a divulgação de informaçõesnas mais diversas áreas, fomentando anas mais diversas áreas, fomentando anas mais diversas áreas, fomentando anas mais diversas áreas, fomentando anas mais diversas áreas, fomentando apesquisa, a discussão, o debate e a reflexão.pesquisa, a discussão, o debate e a reflexão.pesquisa, a discussão, o debate e a reflexão.pesquisa, a discussão, o debate e a reflexão.pesquisa, a discussão, o debate e a reflexão.

Não posso deixar de registrar minha satisfação em ter sidoconvidado a apresentar o terceiro volume da SENATUS que meproporcionou leitura instigante e me deu a certeza de que, quandoexiste boa vontade, disposição e competência, tudo é possível.

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 6-7, abr. 2004

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Capa

Tela de 77x67 cm, em óleo, mostrando um arco abrindo-se para uma velha rua de casas antigas, com pessoas caminhando em Roma.

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 8-13, abr. 2004

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Guido Mondim

Guido Fernando Mondim nasceu em Porto Alegre (RS)em 06 de maio de 1912, e faleceu em 20 de maio de 2000 emBrasília/DF.

Cursou o Instituto de Belas Artes e formou-se Bacharelem Ciências Políticas e Econômicas na PUC.

Desde cedo, seus talentos artísticos foramreconhecidos. Aos seis anos de idade, utilizando um pedaço decarvão, desenhou pela primeira vez a silhueta de sua tia que,naquele momento, estendia roupas no quintal da casa num dosbairros de Porto Alegre. Aos sete anos, participou do primeiroSalão de Arte em sua vida, apresentando trabalhos a lápis de core aquarela, tendo sido premiado com Medalha de Bronze, dentrevários artistas consagrados.

A partir daí, começou a receber aulas particulares depintura e nunca mais largou os pincéis, mesmo exercendo osdiversos cargos públicos pelo decorrer de sua vida e mesmo

ARTISTA, PINTOR, ESCRITOR, CONTADOR,ECONOMISTA, EMPRESÁRIO E POLÍTICO.

tendo tido um problema de saúde que impossibilitou seusmovimentos do lado direito; foi quando começou a pintar com amão esquerda, tendo produzido todos os quadros de umaexposição intitulada Impressões, realizada em Brasília em 1998.

Suas telas (são mais de 4.000 ao todo) estão espalhadaspelo mundo: em museus dos Estados Unidos, inclusive na CasaBranca; reproduções gráficas de seus temas religiosos sãoencontradas em vários países da Europa; e em pinacotecas públicase particulares de todo o Brasil. Foram mais de 20 exposiçõesindividuais, tendo recebido inúmeros prêmios em vários Salõesde Arte.

Suas obras em óleo sobre tela retratam, notadamente,cenas do cotidiano do povo gaúcho, das batalhas travadas e deseus heróis durante a Revolução Farroupilha. Porém, são suastelas religiosas as mais reconhecidas, tendo como representaçãomáxima a sua Via Sacra, doada à Igreja Matriz de Otávio Rocha,

Suas telas (sãomais de 4.000ao todo) estãoespalhadas pelomundo: emmuseus dosEstados Unidos,inclusive na CasaBranca;reproduçõesgráficas de seustemas religiosossão encontradasem vários paísesda Europa; e empinacotecas

“Trigal na Serra”, óleo sobre tela, de 1967, 92x112cm “Retirantes”, óleo sobre tela, de 1969,183x142cm

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 8-13, abr. 2004

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no Rio Grande do Sul, na qual se sobressai o Cristo carregando ogrande tronco de madeira cortada, que constituía a base verticalda cruz.

Doou vários de seus quadros ao Senado Federal,enriquecendo o acervo de obras de artes da Casa. São elesmostrados nessas páginas: Família de Retirantes, Frei Franciscano,Panorama Mineiro, Barcos, Marina em Capri, Figueira, Trigal naSerra, Retrato do Dr. Isaac Brown, Os Arcos do Rio de Janeiro eVelha Roma, que ilustra a capa desta edição da SENATUS. Trata-se de uma tela de 077 por 67cm, em óleo, mostrando um arcoabrindo-se para uma velha rua de casas antigas, com pessoascaminhando em Roma.

Doou vários de

seus quadros

ao Senado

Federal,

enriquecendo o

acervo de

obras de artes

da Casa.

Também autor de poesias, contos, crônicas e memórias.Bastante conhecida dos brasilienses, sua Lenda do Lago de 1960(transcrita nas páginas seguintes) registra a forma como ele via oLago Paranoá e o seu surgimento. Participou da antologia Poetasde Brasília (1962) organizada por Joanyr de Oliveira; Recado aFlávia - autobiografia (1974), Burgo sem água (1987), além deobras de cunho contábil e político.

Fundador e presidente da Associação Rio-Grandensede Artes Plásticas, foi Membro das Academias de Letras do RioGrande do Sul, da Espanha e da Argentina, da AssociaçãoBrasiliense de Escritores, da Associação Nacional dos Escritores(ANE). Ocupou a cadeira número quatro da Academia de Artes,

“Os Arcos”, Rio de Janeiro, óleo sobre tela, de 1959, 92x112cm

“Paisagem deMarinha deCapri”, óleo

sobre tela,de 1967,

90x110cm“Barcos”, óleo sobre tela, de 1965, 93x120cm

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 8-13, abr. 2004

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“A arte vem do ventre damãe. Não pode ser estudada,mas aperfeiçoada”, afirmavaGuido Mondim que, aos 7anos, já era premiado emsalões e exposições dedesenho e pintura.

a número vinte da Academia Brasileira de Belas Artes e a númerotrinta e três da Academia de Letras de Brasília. Colaborou emdiversos periódicos.

Em sua vida de homem público, ocupou, dentre outros,os cargos de vice-prefeito de Caxias/RS, deputado estadual (1951/1955), deputado federal (1955/1959), senador (1965/1970/1975) eministro do Tribunal de Contas da União (1975/1982), do qual foivice-presidente (1977) e presidente (1978).

Recebeu inúmeras condecorações.

“Retrato do Dr. Isaac Brown”, óleo sobre tela, de 1967, 120x100cm “Franciscano”, óleo sobre tela, 55x46cm

“Panorama Mineiro”, óleo sobre tela, 80x90cm “Figueira”, óleo sobre tela,103x121cm

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 8-13, abr. 2004

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E le vivia só, na imensidão do Planalto, ora andando entre o

cerrado, ora entre a floresta densa. Jaci, a lua, muitas e

muitas noites vinha iluminá-lo, ungindo de tons prateados seu

corpo másculo. Amava-o. Paranoá, porém, parecia insensível e

distante. Queria a que havia de vir. Quando curumim, um dia dela

lhe falara o velho pajé:

- Guardarás teu amor, tua força, teus desvelos, o melhor

de tua caça, à bela que Tupã te destinou.

Paranoá crescera, esbelto e ágil, fazendo-se magnífico

guerreiro. Descendia dos tapuias, mas sua nação desaparecera, e

somente ele permanecia, à espera da que havia de vir. Lembrava-

se que o pajé lhe dissera que a sua amada anunciaria sua vinda

nos ecos da floresta.

Paranoá esperava, ora o ouvido pegado ao chão, ora o olhar

estendido na planura, sem nunca se aperceber de que, quando

maior era a solidão, Jaci reaparecia.

Certa tarde, a mata estremeceu. Os ruídos foram-se

avolumando. Trovões pareciam ter descido à terra e tudo entrava

em convulsão, multiplicando-se os sons, como se a floresta

tombasse aos golpes de muitos machados.

- É ela! - exclamou Paranoá, pondo-se alerta.

Sim, era ela. Uma figura alada, fulgurante e bela, mil

vezes mais bela que as mulheres de sorriso moreno que

conhecera em sua tribo.

A paixão aprisionada durante a espera transbordava agora

em ímpetos incontroláveis. Ante o deslumbramento de Paranoá,

a figura excelsa estendeu serenamente as asas, como a querer acolhê-lo.

- És tu a anunciada do pajé? - perguntou Paranoá.

- Sou. Vim para que não vivas mais só - disse ela. - Eu sou

Brasília!

Então, Paranoá, abrindo os braços, fremente de emoção,

correu para cingi-la.

Jaci, entretanto, espreitava. Ela, que o acalentara durante a

solidão, conformada embora com a sua indiferença, sofria agora,

ao perdê-lo para sempre. Quis vê-lo em derradeiro e a sua luz

refletiu-se nos olhos do guerreiro. Paranoá deteve-se, num

estremecimento. Pela primeira vez, contemplou a meiguice de

Jaci e a suave tristeza de sua luz. Só então compreendeu que

amava Jaci, e hesitou. Ante sua vacilação, Tupã irritou-se,

condenando-o à imobilidade e convertendo-o num lago, de braços

sempre abertos, sem jamais alcançar aquela por quem tanto esperara.

Jaci condoeu-se de Paranoá e, tangida pelo remorso,

refugiou-se atrás de uma nuvem.

De quando em vez, Jaci volta. Demora-se sobre o lago e,

como a expungir-se de culpa, cobre de prata a sua superfície, ao

mesmo tempo que inunda Brasília de luz. E cada vez Jaci regressa

chorando orvalho e mentindo às estrelas que assistiu às núpcias

de Paranoá e Brasília.

Optou-se por transcrever o texto com a grafia atual.

A LENDADO LAGO

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 8-13, abr. 2004

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GUIDO MONDINGUIDO MONDINGUIDO MONDINGUIDO MONDINGUIDO MONDIN

Paranoá,o índio apaixonado

A Lenda do Lago foi uma das muitas declaraçõesA Lenda do Lago foi uma das muitas declaraçõesA Lenda do Lago foi uma das muitas declaraçõesA Lenda do Lago foi uma das muitas declaraçõesA Lenda do Lago foi uma das muitas declaraçõesde Guido Mondim de Guido Mondim de Guido Mondim de Guido Mondim de Guido Mondim aaaaa Brasília. Foi a forma que encontrou Brasília. Foi a forma que encontrou Brasília. Foi a forma que encontrou Brasília. Foi a forma que encontrou Brasília. Foi a forma que encontroupara demonstrar como ele entendia o surgimento do Lagopara demonstrar como ele entendia o surgimento do Lagopara demonstrar como ele entendia o surgimento do Lagopara demonstrar como ele entendia o surgimento do Lagopara demonstrar como ele entendia o surgimento do LagoParanoá, não admitindo nunca que fosse um lago artificial.Paranoá, não admitindo nunca que fosse um lago artificial.Paranoá, não admitindo nunca que fosse um lago artificial.Paranoá, não admitindo nunca que fosse um lago artificial.Paranoá, não admitindo nunca que fosse um lago artificial.

Guido Mondim amava Brasília sincera eprofundamente, como se pode comprovar em seus muitosescritos sobre a cidade:

“Quantas vezes, nas horas caladas da noite, eu medebruço à janela, contando as últimas luzes que vão seapagando nos apartamentos e fico a meditar sobre o destinode quantos vieram para povoar-te. Em tais instantes, emminha mente fervilham confrontos.

Tenho, confesso, saudade do meu Rio Grande.Lembro o mar acariciando a costa, desde Torres ao Chuí; oar suave da Serra, onde branquejam ao sol os paredõesagressivos, a imensidão do pampa na beleza repousantedos pastoreios e fico a pensar se algum dia voltarei, porqueagora estás tu, Brasília, em meu caminho, como estás no

caminho dos que partiram do Ceará, da Bahia, do Paraná,de todas as procedências. Então, chego à conclusão de quea contribuição primeira e maior que poderíamos dar-teconsiste na renúncia às nossas velhas vinculaçõessentimentais para que resplandeça, como um padrãohumano de bondade, afeto, entusiasmo e de radiosa poesiao nosso sentimento por ti.

Um dia estarás consolidada. As gerações que seseguirem não lembrarão e talvez nem compreenderão osentido ao mesmo tempo amargo e sublime dessesprimeiros tempos na vida dos que aqui vieram. Isto nãoimporta. O que importa é que levaremos para o supremorepouso a consciência e a honra de que também teconstruímos. Não somos arquitetos, nem engenheiros, nempedreiros. Os nossos instrumentos são os nossos coraçõese a nossa técnica são as manifestações da alma.” (textotextotextotextotextopublicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornalpublicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornalpublicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornalpublicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornalpublicado no aniversário de Brasília em 1963, no jornalCorreio BrazilienseCorreio BrazilienseCorreio BrazilienseCorreio BrazilienseCorreio Braziliense))))).

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D

CICLO DE CONFERÊNCIAS/2003

GESTÃO DO CONHECIMENTGESTÃO DO CONHECIMENTGESTÃO DO CONHECIMENTGESTÃO DO CONHECIMENTGESTÃO DO CONHECIMENTOOOOO

esde 2000, vem sendo realizadoo Ciclo de ConferênciasCiclo de ConferênciasCiclo de ConferênciasCiclo de ConferênciasCiclo de Conferências, uma

iniciativa da Secretaria de Informação eDocumentação de promover perio-dicamente palestras sobre temas deinteresse geral, abrangendo os maisvariados públicos. Desde sua implantação,a idéia tem sido muito bem acolhida,lotando os auditórios onde são realizadasas conferências, proferidas sempre porprofissionais altamente qualificados.

O primeiro tema abordado em2003 foi “DDDDDA GESTÃO DA GESTÃO DA GESTÃO DA GESTÃO DA GESTÃO DAAAAAINFORMAÇÃO À GESTÃO DOINFORMAÇÃO À GESTÃO DOINFORMAÇÃO À GESTÃO DOINFORMAÇÃO À GESTÃO DOINFORMAÇÃO À GESTÃO DOCONHECIMENTOCONHECIMENTOCONHECIMENTOCONHECIMENTOCONHECIMENTO – Uma abordagem– Uma abordagem– Uma abordagem– Uma abordagem– Uma abordagempara a modernização dos legislativos”.para a modernização dos legislativos”.para a modernização dos legislativos”.para a modernização dos legislativos”.para a modernização dos legislativos”.O conferencista foi o Professor ArmandoRoberto Cerchi, servidor do SenadoFederal, bacharel em Ciência daComputação pela Universidade de

Campinas/SP - UNICAMP, comespecialização em Sistemas de Informaçãoe em Ciência Política pela Universidadede Brasília – UnB. É Professor convidadopara cursos de especialização em Ciênciada Computação da UnB e Mestre emComputação pela Universidade deManchester, na Inglaterra.

Sua palestra alcançou tamanhareceptividade, que levou a Secretaria deInformação e Documentação a promoverum debate envolvendo o própriopalestrante com vários Diretores doSenado Federal de áreas relacionadas cominformação, arquivo, documentação,contando com a presença do assessortécnico do Centro de Informática daCâmara dos Deputados. Os doiseventos foram transmitidos pelos is tema de v ideoconferência do

EspeciaL

In ter legis , o que poss ib i l i tou aparticipação de representantes devárias Assembléias Legislativas.

A seguir, a palestra sobre Gestãodo Conhecimento na íntegra.

Introdução

A importância do conhecimentocomo recurso estratégico tem sidolargamente reconhecida pelasorganizações e pelo mercado nas últimasdécadas. O conhecimento das empresasestá se tornando o seu principal ativo.Numa sociedade globalizada e competitiva,o sucesso de uma instituição privada oupública depende basicamente da qualidadedo conhecimento que ela aplica a seusprocessos corporativos e empresariais. Oacervo de conhecimento é atualmente

O Primeiro-Secretário do Senado Federal, senador Romeu Tuma, na abertura do evento, enalteceu a iniciativa da Secretaria de

Informação e Documentação em promover debates utilizando o recurso de videoconferência.

Mar

cia

Kalu

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Sena

do

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reconhecido e altamente valorizado nomercado. As empresas de tecnologia,mídia, firmas de advocacia são valorizadaspelo conhecimento e capital intelectualque dispõem1. Estes “ativos deconhecimento” estão distribuídos pelaorganização sob a forma de livros,publicações, bases de conhecimento,bancos de dados, arquivos e,principalmente, na cabeça das pessoasespalhadas pela organização. Assim, acapacidade de gerenciar, distribuir e criarconhecimento com eficiência e eficácia éfundamental para que uma instituiçãodesenvolva sua vocação e seu papel sócio-econômico, tanto na área pública quantona área privada.

A gestão do conhecimento émais abrangente que a gestão dainformação. A informação é base doconhecimento, ela representa oconhecimento. Se algo é tangível, ou seja,pode ser lido, visto, ouvido, tocado oumedido, então isto é um dado ou umainformação. O conhecimento exige umapessoa ou instituição humana para existir.A essência do conhecimento reflete

estados mentais que estão em constantetransformação. De acordo com Peter F.Drucker, no livro Realidades, “Oconhecimento é a informação que muda algoou alguém – tanto pode transformar-se embase para ação ou por fazer um indivíduoser capaz de ações diferentes e maisefetivas”. A informação por si só é estática,e não gera mudança; ela só geraconhecimento quando provoca uma açãoou provoca mudanças do estado mental deuma pessoa. O conhecimento está no topoda escala de valores que começa comdados, que geram as informações que, porsua vez, são a base da geração doconhecimento. A gestão do conhecimentoé uma coleção de processos que governaa criação, disseminação e utilização deconhecimento nas organizações; englobaos processos de gestão de informação edados; e está ligada diretamente àconsecução dos objetivos estratégicos deuma organização.

Embora a necessidade de gestãodo conhecimento pareça óbvia há bastantetempo, só nos últimos anos passou aexistir a consciência da sua importância

estratégica e surgiram processos etecnologias adequados à sua implantaçãoem grandes organizações. A atividade degestão do conhecimento movimentou em2003 mais de U$6 bilhões só nos EstadosUnidos, e está sendo implementada pelasmaiores corporações daquele país. NoBrasil, a comunidade acadêmica, váriasempresas privadas e organizações públicascomo a Caixa Econômica Federal, o Bancodo Brasil, o Serpro (Serviço Federal deProcessamento de Dados) e a Embrapa(Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária) têm formado grupos detrabalho para implantar a atividade degestão de conhecimento naquelasorganizações.

O Legislativo e a Gestão doConhecimento

Desde 1985, com a restauração doestado de direito, até a Constituição de1988, e com a recente regulamentaçãoimposta às medidas provisórias, oParlamento Brasileiro tem recuperado, deforma progressiva, as suas prerrogativas eexercido de forma cada vez mais efetiva oseu papel na democracia brasileira. Arecuperação do poder perdido duranteperíodos autoritários leva a novasresponsabilidades e à maior demanda porinformações e, principalmente, à geraçãode novos conhecimentos que auxiliem aoSenado Federal a cumprir sua missãoconstitucional e se posicionar de formaefetiva no cenário nacional.

O Senado possui um acervorespeitável e muito organizado deinformações que inclui livros, periódicos,documentos, bancos de dados edocumentos eletrônicos que podem serutilizados tanto pelo público internoquanto externo. A gestão da informação érealizada de forma eficiente pela Secretariade Informação e Documentação do SenadoFederal que tem sob sua supervisãobiblioteca e arquivo, responsáveis pela

O palestrante, professor Armando RobertoCerchi, ressaltou a importância da implantaçãodo processo de Gestão do Conhecimento noSenado Federal e nas demais Casas Legislativasque compõem o legislativo brasileiro.

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formação, organização e manutenção doacervo. A Casa dispõe ainda de sofisticadosrecursos de informática oferecidos pelaSecretaria Especial de Informação – antigoPRODASEN, que permitem o armaze-namento de dados em bases de dados e adivulgação das informações por meio daInternet e da intranet. O Senado produz,ainda, diversos tipos de informação quesão veiculados de várias formas,envolvendo mídias tradicionais dedisseminação, como a publicação de livrose jornais, e novas mídias, como a televisão,o rádio e a Internet.

Embora a informação seja vitalnos processos desenvolvidos peloparlamento, o seu principal produto e asua principal matéria prima é oconhecimento. O texto de uma lei é umapeça de informação que representa oconhecimento associado à regula-mentação de uma atividade humanadefinida por meio de um processodemocrático de discussão. O processolegislativo agrega significado ao projetode lei e o torna uma peça de conhecimentode criação coletiva produzida a partir deuma seqüência elaborada de análises,sínteses e discussões que buscamrepresentar os interesses de todos ossegmentos sociais afetados. A aplicaçãoda lei leva a mudanças no comportamentodas pessoas e a sua interpretação podevariar no tempo dependendo dajurisprudência construída. Assim, otrabalho de apoio à atividade dossenadores é muito mais que simplesmentedisponibilizar informações. Os pareceres,os discursos, as análises e as pesquisasrealizadas pelos setores de assessoria sãoprimordialmente conhecimento. Ainterpretação do processo legislativo,o regimento, a dinâmica das votações,a negociação política são elementosessenciais da cultura da organizaçãoque in f luenc iam di re tamente oprocesso democrático.

A importância do acesso àinformação e do processo de geração deconhecimento no poder legislativo, tornaextremamente atraente a implantação doprocesso de Gestão do Conhecimento noSenado Federal e nas demais CasasLegislativas que compõem o legislativobrasileiro. Esse processo busca identificaras competências coletivas e individuais naorganização e fora dela, que possam auxiliarna consecução das suas atividadesprincipais. Ele estimula a troca deinformações entre grupos distintos,proporciona ambiente para a geração deconhecimento multidisciplinar e facilita aoparlamentar identificar os recursoshumanos e de informação para atender àssuas necessidades de trabalho. A gestãodo conhecimento pode facilitarenormemente o trabalho das consultoriaslegislativas e das assessorias parlamentares,na medida em que estimula a criação deredes de interesse e redes de competênciasem diversas áreas do conhecimento. Estasredes podem trazer novos subsídios para odesenvolvimento dos trabalhos e melhorama eficiência dos profissionais que delasparticipam, bem como a qualidade dosprodutos gerados.

ConclusãoA implantação de um processo de

gestão do conhecimento no SenadoFederal e nas demais Casas Legislativas éfundamental para o poder legislativo fazerface às novas demandas que deverão surgira partir do aprofundamento do processodemocrático no País. Esta atividadepossibilitará o aumento da eficiência e amelhoria da qualidade da assessoriaprestada aos parlamentares, uma vez quepermite racionalizar e otimizar a utilizaçãodas competências disponíveis na própriaCasa e agregar competências externas. AGestão do Conhecimento possibilitará,ainda, a gestão de informação voltada àgeração do conhecimento necessário à

organização, de forma a racionalizar a suacoleta e disseminação. O Senado Federaljá possui infra-estrutura tecnológica nasáreas de informática, biblioteca, arquivo emídia que permitem a implantação daGestão do Conhecimento a um baixocusto e em um prazo menor do queseria requerido para organizaçõesmenos desenvolvidas do ponto devista tecnológico.

1

A fabricante de chips de computadores Intel

tinha, em 1996, um valor contábil

representado por seu patrimônio e ativos

físicos de US$ 24 bilhões enquanto o valor

total de suas ações no mercado era de US$

110 bilhões. A diferença de US$ 93 bilhões

vem do seu capital intelectual, representado

por deter o conhecimento necessário à

produção dos mais avançados micro-

processadores que equipam a maioria dos

computadores pessoais fabricados no mundo.

“A Gestão doConhecimentopossibilitará, ainda, agestão de informaçãovoltada à geração doconhecimento necessárioà organização, de forma aracionalizar a sua coletae disseminação.”

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E

Joanisval Brito Gonçalves

Dossiê

A INTELIGÊNCIACONTRA O CRIMEORGANIZADO

mbora encerrado o regime militar háquase vinte anos, e extinto o ServiçoNacional de Informações (SNI) há mais deuma década, a sociedade brasileira aindaparece encarar o tema Inteligência comotabu, associando os órgãos legitimamenteencarregados dessa atividade àsinstituições repressoras do passado.Relevante, portanto, é o esclarecimentode que dificilmente uma democracia podeprescindir de órgãos de inteligência. Defato, a atividade de inteligência pode serde grande relevância no combate ao crimeorganizado e no auxílio aos órgãos eprocedimentos de segurança pública emum país como o Brasil. O presente artigotem por objetivo apresentar algumasreflexões a respeito do papel daatividade de inteligência no combate aocrime organizado no contexto brasileiro.

Nas últimas décadas, as atividadescriminosas têm passado por uma série demudanças que culminaram em ações cadavez mais organizadas por parte dedelinqüentes e organizações criminosas.

A partir da segunda metade da década de1970, com o fortalecimento do narcotráficoe o desenvolvimento de grandes mercadosconsumidores – em especial EUA e EuropaOcidental –, as organizações criminosasaperfeiçoaram seu modus operandi,atualmente com caráter muito maiscomplexo e transnacional.

Assim, os últimos 25 anospresenciaram o fortalecimento do crimeorganizado, com ramificações nos maisdiversos tipos de atividades ilícitas, donarcotráfico à extorsão e corrupção,passando pela prostituição, tráfico depessoas e órgãos, tráfico de armas elavagem de dinheiro. Além do caráterempresarial, as organizações criminosastêm cooperado entre si e formadoverdadeiros conglomerados transnacionaispromotores de delitos.

Diante do grau de complexidade ediversificação do crime organizado, aatividade de inteligência adquire grandeimportância não só para a repressão, mas,sobretudo, no que concerne à prevenção

contra o desenvolvimento do crimeorganizado. Nesse sentido, a atividade deinteligência é útil para o planejamento deestratégias de ação das autoridades nocontexto da segurança pública. E as açõesde inteligência devem reunir inteligênciagovernamental e policial, em escala federale estadual.

(...) as ações deinteligência devem reunirinteligência governamental epolicial, em escala federal eestadual (...)

Inteligência Governamental: o papel da

Agência Brasileira de Inteligência

(ABIN)

O emprego das ações de inteligênciano combate ao crime organizado assumediversas facetas. A primeira delas refere-se ao planejamento estratégico das açõesde segurança pública. Com base na coletae no processamento de informações decaráter nacional e internacional – como

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No combate ao crimeorganizado, é muito maiscom atividades deinteligência do que comgrandes operaçõesostensivas que seconsegue identificaresquemas ilícitos edesbaratar quadrilhas.

rotas de tráfico, dados sobre o consumoem várias regiões do País, novastipologias –, pode-se fazer ummapeamento das atividades dasorganizações criminosas e dascaracterísticas dos diversos grupos queatuam em variados setores,estabelecendo-se as conexões.

Acrescente-se também a análiseprospectiva, com o objetivo de identificaras tendências de ação do crime organi-zado e suas tipologias. Por meio dessasvariáveis, é possível traçar linhas mestrasde ação na prevenção e no combate àsorganizações criminosas, em escalanacional, além de criar instrumentos paracooperação com outros entes dacomunidade internacional.

Para esse tipo de análise deinteligência estratégica, é fundamental aexistência de um órgão federal que reúnae processe os dados e informações –dados já processados – dos diversossetores de inteligência federais eestaduais. À Agência Brasileira deInteligência (ABIN) caberia essa tarefa.Informações de caráter tático podemassumir importância estratégica quandoreunidas e processadas sob umaperspectiva de inteligência de Estado, enão policial.

Além da capacidade de centralizarinformações e transformá-las em análiseestratégica a ser empregada na prevençãoe planejamento de ações nacionais decombate ao crime organizado, a ABINtambém adquire relevância no queconcerne às possibilidades de treina-mento dos agentes da AdministraçãoPública federal e estadual que atuam nossetores de inteligência. Para isso, existea Escola de Inteligência (ESINT),localizada na capital federal, que dispõede estrutura física para abrigar alunos detodo o País em cursos variados.

Nesse sentido, convém destacar otreinamento que a ESINT vem ministrando

a servidores públicos da área deinteligência, incluindo-se fiscais, agentesde polícia, servidores de autarquias e deoutros Poderes, dentre os quaismagistrados e membros do MinistérioPúblico. Além do aperfeiçoamentoprofissional em aspectos teóricos epráticos da atividade de inteligência, oscursos da ESINT permitem a integraçãoentre pessoas e órgãos da comunidade deinteligência, o que por si já é relevantepara o combate ao crime organizado.

Outra aplicação da atividade deinteligência por parte de um órgão como aABIN está relacionada ao fornecimento deinformações táticas – de pouca utilidadepara o órgão federal isoladamente –relevantes para a inteligência policialestadual ou federal. Caberia lembrar quea ABIN possui escritórios em praticamentetodas as capitais brasileiras e em outrascidades importantes. Essa estrutura já temsido utilizada em alguns estados nocombate ao crime organizado, no apoio aoMinistério Público e às polícias estaduais.

Assim, de grande importância é aexistência de um órgão central deinteligência de Estado, o qual nãotenha obrigações nem compromissocom a inves t igação po l i c i a lpropriamente dita, mas que contribua

para o combate ao crime organizadopor me io da cen t ra l i zação ,processamento e distribuição deinformações, e também com análisesestratégicas que permitam aos órgãosde repressão, fiscalização e controleexe rce rem suas a t i v idades naneut ra l ização das organ izaçõescriminosas. Somente um órgão federal,sem objetivos policiais e que prestecontas diretamente ao Chefe do PoderExecutivo e ao Congresso Nacional,poderá desenvolver, com a devidaisenção, a inteligência de caráterestratégico essencial para a segurançapública e institucional.

(...) de grande impor-tância é a existência de umórgão central de inteli-gência do Estado (...)

Inteligência Policial

Além da inteligência governamental,existe a inteligência policial, voltada paraquestões tát icas de repressão einvestigação de ilícitos e gruposinfratores. Essa inteligência está a cargo– e deve aí permanecer – das políciasestaduais, civis e militares, e da polícia

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federal. É por meio desse tipo deatividade que se pode levantarindícios e tipologias que auxiliamo trabalho da polícia judiciária e doMinistério Público. No combate aocrime organizado, é muito mais comatividades de inteligência do quecom grandes operações ostensivasque se consegue identificaresquemas ilícitos e desbaratarquadrilhas.

Operações de inteligênciapolicial, conforme estabelece oManual de Inteligência Policial doDepartamento de Polícia Federal,são “o conjunto de ações deinteligência policial que empregamtécnicas especiais de investigação,visando a confirmar evidências,indícios e obter conhecimentossobre a atuação criminosadissimulada e complexa, bem comoa identificação de redes e organizaçõesque atuem no crime, de forma aproporcionar um perfeito entendimentosobre seu modus operandi, ramificações,tendências e alcance de suas condutascriminosas”.

A inteligência policial, portanto,a t ua na p r e venção , obs t r ução ,identificação e neutralização dasações c r iminosas , com v i s tas àinvestigação policial e ao forne-c imento de subs íd ios ao PoderJudiciário e ao Ministério Público nosprocessos jud ic ia i s . Buscam-seinformações necessárias que iden-tifiquem o exato momento e lugar darealização de atos preparatórios e deexecução de delitos praticados pororganizações criminosas, obede-cendo-se aos precei tos legais econst i tucionais para a at iv idadepolicial e as garantias individuais.

Quem deve desenvolver a inteligênciapolicial, naturalmente, são as polícias civise militares estaduais e a polícia federal,

não cabendo esse tipo de atividades aórgãos como a ABIN ou aos setores deinteligência fiscal. Entretanto, quando sefaz referência às atividades dasorganizações criminosas, a simplesinteligência policial torna-se efêmera e depouca utilidade para a garantia desegurança pública, se não for combinadacom a inteligência governamental.

A realidade brasileiraA realidade brasileiraA realidade brasileiraA realidade brasileiraA realidade brasileira

A comunidade de inteligênciabrasileira pode ser de grande utilidade nocombate ao crime organizado. Entretanto,algumas questões devem ser solucionadasde modo a tornar mais eficiente e eficaz aação dos órgãos de inteligência no Brasil,as quais relacionamos a seguir.

Estabelecimento de mecanismos de

cooperação, coordenação e controle

Talvez o maior problema da efetividadedas ações de inteligência no Brasil seja aausência de um sistema que promova acooperação entre os diversos órgãos queatuam nessa área. O que se percebe é que,

na maior parte dos casos, não hágrande integração entre órgãoscomo a polícia, os organismos defiscalização e a ABIN.

Ademais, o princípio daoportunidade no fornecimento dasinformações ao tomador de decisãoacaba muitas vezes prejudicadopelas disputas entre os órgãos acercade “quem conseguirá dar a notíciaprimeiro”. Esse é um problemaperceptível também em outrospaíses onde não há um órgão centralde inteligência interna – como nocaso dos EUA. O crime organizado,por sua vez, encontra-se bemestruturado e tira proveito dessaausência de um ente que assuma adireção das ações de inteligência nasegurança pública.

A solução plausível para oproblema pode ter início pelo

estabelecimento de legislação que dê odevido respaldo a um órgão central deinteligência – no caso, a ABIN –, para quea ele sejam encaminhadas cópias de todosos documentos de inteligência produzidospelos diferentes órgãos. Em outraspalavras, no campo “difusão” existente emtodos os documentos de inteligência,deveria constar a obrigatoriedade dadifusão para a ABIN.

Claro que tal conduta implicaria umareestruturação nos procedimentosinternos de cada órgão, o que encontraresistências e exigiria incremento depessoal, equipamentos, treinamento emudanças nas diretivas da ABIN. Difícil,entretanto, será que se consiga qualqueração efetiva sem a centralização dasinformações geradas pela comunidade deinteligência. O Sistema Brasileiro deInteligência (SISBIN) e o Subsistema deInteligência de Segurança Pública (SISP)deveriam contribuir para esse trabalho,mas as determinações normativas que os

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“A solução plausível para o problema pode ter início pelo estabelecimento delegislação que dê o devido respaldo a um órgão central de inteligência – nocaso, a ABIN –, para que a ele sejam encaminhadas cópias de todos osdocumentos de inteligência produzidos pelos diferentes órgãos”.

regulamentam tornam efêmera essacooperação.

O estabelecimento de um órgãocentralizador das informações fornecidaspela comunidade de inteligência requermesmo que se repense o papel da ABINnesse contexto. Alguns especialistas eminteligência e segurança públicaargumentam que a ABIN deveria ficarencarregada apenas de inteligênciaexterna, deixando-se para outro órgão – aSecretaria Nacional de Segurança Pública,a Polícia Federal ou mesmo um terceiroente a ser criado – as questões relacionadasà segurança pública e à inteligênciainterna. Não obstante, no atual modelo,compete à ABIN realizar inteligênciainterna e externa, o que leva a algunschoques com a Polícia Federal – quedeveria cuidar somente de inteligênciapolicial, mas também acaba por atuar eminteligência governamental e estratégica.

Criação de um sistema de bancos dedados de inteligência nacional

Outro aspecto que dificulta o empregoda inteligência no combate ao crimeorganizado é a ausência de um banco dedados nacional que reúna todas asinformações processadas pelos diversosórgãos e as centralize, disponibilizando-as para os outros entes do sistema – tudoisso em conformidade com a legislaçãorelacionada ao sigilo das informações.

A realidade brasileira apresenta casosesdrúxulos, em que a atividade-fim ficaprejudicada pela ausência de comunicaçãoe intercâmbio entre os órgãos, que têmdificuldade em compartilhar informações.Esse problema ocorre menos por falta de

interesse dos agentes em cooperar quepela ausência de dispositivos normativosque regulamentem essa cooperação. Nãohá legislação que garanta o enca-minhamento e a segurança dos dados deinteligência entre os órgãos.

Como exemplo, pode-se relacionaruma situação na qual a Polícia Federalesteja promovendo investigações sobre asatividades ilícitas referentes à atuação deum grupo “X”. Paralelamente, ainteligência da Secretaria da ReceitaFederal (SRF) também pode estartrabalhando na investigação sobre asonegação fiscal do mesmo grupo, maschegando a informações que não tenhamqualquer relevância fiscal, apesar de úteispara a investigação criminal. Uma vez quea SRF tem suas atividades relacionadas àobtenção de dados com o enfoque decombate à sonegação, pode dispor dealguns dados que sejam úteis à PolíciaFederal, mas que jamais serãodisponibilizados em virtude da ausênciade um intercâmbio entre os dois órgãos.

Esse é um problema sem grandesdificuldades de resolução, mas que temcontribuído para a ineficiência da atividadede inteligência em diversos setores daAdministração Pública.

Ausência de Cultura de Inteligênciaentre os órgãos da AdministraçãoPública

A presente questão envolve asdeficiências e vulnerabilidades rela-cionadas à falta de conhecimento decondutas e procedimentos essenciais parainstituições e agentes públicos que lidamcom informações sigilosas e com pessoas

e temas relacionados à segurança. Essacultura pode ser estimulada por meio detreinamentos e da apresentação daatividade de inteligência a esses órgãos.

A ABIN tem promovido cursos paramagistrados, membros do MinistérioPúblico e servidores da AdministraçãoPública direta e indireta, federal eestadual, que lidam com questõesrelacionadas ao combate às organizaçõescriminosas. Tais cursos têm gerado efeitosbastante positivos, em especial junto arepresentantes do Poder Judiciário e doMinistério Público, que passam a seconscientizar de que mecanismos deinteligência podem ser utilizados.Entretanto, até por questões orça-mentárias, esses cursos não têmconseguido atender a toda a demanda.

Além do estímulo ao entrosamento eà cooperação entre os agentes públicos,os cursos ministrados pela Escola deInteligência (ESINT) poderiam garantir oestabelecimento de uma cultura deinteligência na Administração Pública, oque é de significativa importância para agarantia do sigilo e da preservação edifusão de dados essenciais à segurançapública. Não se trata de restabelecer as“estruturas tentaculares danosas doantigo SNI”, mas, sim, o incentivo àpercepção da importância da atividadede inteligência no Estado democrático e aaplicação desses conhecimentos nocombate às organizações criminosas.

Dificuldades orçamentáriasAs dificuldades orçamentárias são

um dos maiores empecilhos à atividadede inteligência no Brasil. Apenas para

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“Não se pode pensar em prevenção e muito menos em combate às atividadesdas organizações criminosas sem um investimento significativo eminteligência”.

citar o exemplo da ABIN, esse órgãot inha aprovado pa ra 2003 umorçamento de R$ 131.240.000,00, dosquais R$ 96.746.597,00 são parapessoal. Assim, os cerca de R$ 31 milhõespara despesas correntes e outros trêsmilhões para investimentos fazem doorçamento da ABIN um dos menores daAmérica do Sul para serviços deinteligência. A situação dos setores deinteligência das polícias e de outros órgãosda Administração não é muito diferente.

Citem-se ainda as dificuldades em termosde recursos humanos pelas quais passamórgãos como a ABIN, com pessoal malremunerado e desestimulado em virtude daausência de um plano de carreira. A MedidaProvisória nº 42, de 2002, que regulamentava,entre outras coisas, o plano de cargos esalários dos servidores da ABIN, foi rejeitadaem outubro daquele mesmo ano.

Não se pode pensar em prevenção emuito menos em combate às atividades dasorganizações criminosas sem uminvestimento significativo em inteligência.Afinal, investimentos em inteligênciacostumam dar retorno maior que a simplesaplicação de recursos na solução dequestões como a superlotação de presídiosou a falta de equipamentos e pessoal daspolícias – não que essas também não sejamde grande relevância.

Um exemplo de quanto o investimentoem inteligência pode dar retornos maisconcretos refere-se aos recursos aplicadosem inteligência financeira. Com apoio aessas atividades pode-se chegar às altassomas de dinheiro aplicadas pelasorganizações criminosas e neutralizá-lasem seu aspecto mais vulnerável: a

transformação de seus recursos ilícitos emlícitos. O investimento no combate àlavagem de dinheiro requer grandesrecursos para o aperfeiçoamento detécnicos e de equipamentos, mas comretorno garantido.

O papel do Congresso NacionalO Congresso Nacional pode ter papel

de destaque no apoio à atividade deinteligência para o combate ao crimeorganizado, por meio de açõesparlamentares não-legislativas queconduzam ao debate a respeito danecessidade de legislação regulamentandoas ações de inteligência em termos decompetências gerais a um órgão central deinteligência, que teria poderes de coordenare controlar as atividades dos diferentesentes da Administração que atuem na áreade informações. Possibilidades demodificações na legislação da ABIN e doSISBIN devem ser consideradas, e mesmoo papel da ABIN na inteligência interna.

Ainda que as medidas relacionadas àreestruturação de órgãos da AdministraçãoPública – aí incluídos os órgãos da área deInteligência – sejam de iniciativa doPresidente da República, o CongressoNacional tem competência para tratar dequestões relativas à legislação sobre asatividades de inteligência e divulgação deinformações sigilosas. Daí que podem serpensadas ações concretas no sentido de:

• estabelecimento de normas queobriguem o intercâmbio de informaçõesentre os órgãos de inteligência;

• apoio a projetos de cooperaçãocom organismos estrangeiros e internacionaisque combatem as organizações criminosas;

• atuação para incrementoorçamentário às atividades de inteligência.

Além disso, cabe destacar que aComissão Mista de Controle da Atividadede Inteligência (CCAI) possui, entre suasatribuições, apresentar sugestões, emitirpareceres, manifestar-se sobre ajustes econvênios e analisar a propostaorçamentária destinada à Inteligência. Areferida Comissão, portanto, temcondições de mostrar-se atuante junto aosórgãos do SISBIN, fiscalizando a ABIN esugerindo ações para o setor. De fato,trata-se (a CCAI) de órgão com amplopoder para influenciar e moldar uma culturaestratégica de combate ao crime no âmbitoda Administração Pública.

Fundamental para a qualidade dostrabalhos da CCAI é a manutenção depessoal técnico – assessores e consultores– conhecedor das especificidades daatividade de inteligência e atualizado comas modernas técnicas de emprego dareferida atividade no combate ao crimeorganizado transnacional e em aspectosde segurança institucional. Nesse sentido,convém estabelecer programas detreinamento para os servidores doCongresso que trabalhem no apoio àCCAI, bem como fazer uso dosconhecimentos daqueles servidoresoriundos da área de inteligência.

No que concerne à lavagem dedinheiro, fundamental é que o CongressoNacional também esteja atualizado acercadas ações nacionais e internacionais decombate aos ilícitos financeiros, bem comose mantenha informado e com pessoaltécnico treinado sobre os meandrosdessas atividades e das novas tipologias.

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Essa modalidade de ação seria de grandeutilidade inclusive para os trabalhos dasCPIs, que disporiam de pessoal internoespecializado no assunto. A ConsultoriaLegislativa do Senado Federal dispõe deConsultores com amplos conhecimentossobre a atividade de inteligência, inclusivena área de combate aos ilícitos financeiros,que poderiam assessorar os SenhoresParlamentares nas delegações brasileiraspara as reuniões de organismosinternacionais de combate à lavagem –como o Grupo de Ação FinanceiraInternacional contra Lavagem de Dinheiro

(GAFI) e seu órgão regional para aAmérica do Sul, o Grupo de AçãoFinanceira da América do Sul ContraLavagem de Ativos (GAFISUD).

ConclusõesAlém de operações de busca dos

conhecimentos protegidos, a atividade deinteligência desenvolve trabalhos deanálise estratégica, empregandoprocedimentos sistemáticos, estudos eavaliações, com o objetivo de identificare compreender as características e modosde atuação das organizações criminosase de seus componentes. Para o combateao crime organizado, o Poder Público

necessita da ação coordenada dosdiversos órgãos de inteligência federaise estaduais.

Em virtude da complexidade e daamplitude das atividades criminosas emâmbito interno e transnacional, nãoadianta buscar combater o crimeorganizado apenas com atividadesexclusivas de caráter policial. Os setoresde inteligência devem ser acionados,planejamentos feitos, e cenáriosprecisam ser traçados. Caso contrário, aluta será eterna, e o controle difícil. Daío trinômio “cooperação, coordenação econtrole” que, associado ao quartoelemento, a inteligência, pode conduzirà neutralização das ações criminosas.

Um dos principais problemasbrasileiros é, portanto, a falta de açãocoordenada para as atividades deinteligência no combate ao crime orga-nizado. Para solucionar essa questão, háa necessidade de legislação que atribuacompetência específica a um órgãocentral de controle e coordenação – quepoderia ser a ABIN – e que estabeleçamecanismos de cooperação.

O Congresso Nacional pode tergrande destaque no apoio ao uso daatividade de inteligência no combate aocrime organizado, por meio de atuaçãona elaboração das leis sobre inteligência,auxílio na dotação orçamentária ao setorde inteligência e, ainda, pelas ações daComissão Mista de Controle daAtividade de Inteligência (CCAI) e de suasComissões ou Subcomissões permanentesde Segurança Pública. Cabe ao CongressoNacional, como representante dasociedade, legitimar e fomentar aimportância de uma cultura de inteligênciaperante a nação e o Governo.

A CCAI, órgão de controle externo dasatividades de inteligência, tem, entre suasatribuições, a proposição de normas,sugestões, a emissão de pareceres, a mani-festação sobre ajustes e convênios e aanálise da proposta orçamentária destinadaà Inteligência. Assim, tem amplo poder parainfluenciar e moldar uma cultura estratégicade combate ao crime no âmbito da Admi-nistração Pública.

Portanto, percebe-se a necessidadede o Poder Legislativo manter pessoaltécnico atualizado em termos de atividadede inteligência em geral e de inteligênciafinanceira em particular. Daí a importânciada manutenção de especialistas dosquadros do Congresso Nacional emdelegações junto a reuniões de organismosinternacionais de combate a ilícitos e,também, de garantir a constanteatualização desses quadros, por meio detreinamento.

A Administração Pública Federalacumula vícios de anos e perde-se em suaprópria burocracia. O Poder Judiciário temenfrentado dificuldades no sentido detornar a persecução criminal mais eficiente.Assim, cabe ao Poder Legislativo incluir aInteligência nas leis sobre meios deinvestigação de organizações criminosas,narcotráfico, lavagem de dinheiro etc., bemcomo apoiar os investimentos na ESINT,centro de formação, e na ABIN, cérebrode todo o sistema. Somente com o apoioao desenvolvimento da atividade deinteligência e com a valorização dos órgãose dos profissionais a ela vinculados, é queo Brasil alcançará resultados satisfatóriosno combate às organizações criminosas ena melhoria da segurança pública.

Joanisval Brito Gonçalves é consultor legislativodo Senado Federal para a Área de Relações

Exteriores e Defesa Nacional. Professor de Direito

Internacional e de Relações Internacionais.Especialista em Inteligência.

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 18-23, abr. 2004

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POR UM COMBAPOR UM COMBAPOR UM COMBAPOR UM COMBAPOR UM COMBATETETETETEAO CRIME ORGANIZADOAO CRIME ORGANIZADOAO CRIME ORGANIZADOAO CRIME ORGANIZADOAO CRIME ORGANIZADO

Tiago Ivo Odon

NO ATUAL MUNDO GLOBALIZADO, EM QUE PESE O AVANÇO DAS LEGISLAÇÕESPENAIS EM DIVERSOS PAÍSES, A CRIMINALIDADE APRESENTA-SE CADA VEZ MAISDESENVOLTA E SEUS AGENTES MAIS ESPECIALIZADOS.

O CRIME ORGANIZADO

A história recente do Brasil, a partir de meados dos anos 90,fornece uma síntese dos efeitos produzidos pela ascensão dasorganizações criminosas e pela crise da segurança pública, com aevidência das ações do crime organizado, com o aumento dosseqüestros e homicídios e com a exposição do aparelho estatal,freqüentemente envolvido em episódios de corrupção de policiaise de autoridades públicas. O crime organizado se beneficiou dodesenvolvimento econômico do Brasil na década de 1990, quandose deu a abertura ao mercado externo, e do processo deinteriorização econômica que se deu a partir dele.

Embora as indústrias tenham se deslocado das grandescapitais brasileiras para o interior na última década, o nível decrescimento urbano desordenado não tem diminuído,principalmente devido à falta de rigor científico do planejamentourbano. O resultado é que a criminalidade vem tomando espaçosnas periferias, com acessos aos vários pontos das regiõesmetropolitanas, graças à não fiscalização de concessões epermissões de uso (hotéis, áreas de mercado, bares) e àmultiplicação das malhas viárias de transporte público e daexpansão imobiliária não planejada. Esse processo tem reduzidoo risco do cometimento de crimes, principalmente homicídios,seqüestros e assaltos a bancos, e incrementado as possibilidadespara a distribuição e comercialização de drogas e de armas.

No atual mundo globalizado, em que pese o avanço daslegislações penais em diversos países, a criminalidadeapresenta-se cada vez mais desenvolta e seus agentes maisespecializados. Essa estrutura organizacional tem garantidoo sucesso dos empreendimentos criminosos e o anonimatode seus mentores em praticamente todas as etapas do negócio.A desarticulação de uma organização criminosa nãointerrompe por muito tempo suas atividades.

A exemplo das grandes corporações empresariais, nasorganizações criminosas, particularmente as ligadas ao

narcotráfico, os riscos e lucros são repartidos ao longo da cadeia.A divisão do trabalho ilícito reduz a eficiência do intervencionismopenal do Estado. Parte das organizações compram a pasta erefinam a cocaína. Algumas a colocam nas rotas internacionais.Outras, ainda, fazem o contrabando de insumos químicos ou seespecializam na lavagem de dinheiro. Em praticamente todas asetapas do negócio, clientes têm mais de um fornecedor, e vice-versa. Atualmente as organizações operam mais enxutas, comaté 50 pessoas, com maior lucratividade e capacidade desobreviver à queda de um operador.

A reação mundial a esse fenômeno tem sido um aumentogeneralizado das tipificações em Direito Penal. Um dosinstitutos que mais estão sendo usados na lei penal é a delaçãopremiada, recentemente incorporada ao direito brasileiro paraperdão judicial, pela qual o criminoso pode ser beneficiado sefornecer informações que levem à prisão de comparsas. Noentanto, observa-se uma tendência crescente nasorganizações criminosas em que cada membro possui umafunção predeterminada e alcance restrito, visando a garantir aeficácia da operação e a inviolabilidade do comando. Asorganizações criminosas estão se adaptando às tendênciasgerenciais e às mudanças na legislação penal, abandonandotradicionais estruturas verticais e adotando modelos de atuaçãoem rede. Assim, evitam os concursos materiais e os tiposqualificados das normas penais, beneficiam-se de penasmenores e garantem a liberdade mais cedo, via sursis oulivramento condicional.

O Brasil tem apresentado séria fragilidadefiscalizadora e preventiva diante dasatividades das organizações criminosas,principalmente no que se refere aonarcotráfico. O combate ao crime organizado se faz

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basicamente em duas áreas: a primária, competência da Secretariade Receita Federal (SRF), e a secundária, do Departamento dePolícia Federal (DPF) e da Polícia Civil (PC). A área primáriacompreende os aeroportos, os portos, os locais de embarque edesembarque e os terminais de carga. Segundo a OrganizaçãoMundial das Aduanas (OMA), cerca de 60% das apreensões dedrogas no mundo são feitas pelas aduanas. Passando por ela,todo o restante do País torna-se área secundária.

O CRIME ORGANIZADO E A ÁREA PRIMÁRIA O poder fiscalizador do Estado na área primária está

comprometido. Instruções normativas da última década, quechamaram a atenção da Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) do Narcotráfico de São Paulo, trouxeram permanenteinsegurança ao controle aduaneiro, fruto da necessidade deinserção crescente do Brasil no mundo comercial globalizado.Conforme a instrução normativa 106/98, da SRF, tanto naimportação quanto na exportação, as mercadorias podem serliberadas sem qualquer controle fiscal. Os depositários podementregar as mercadorias importadas e o transportadorinternacional pode embarcar para exportação sem que asmesmas tenham sido desembaraçadas, bastando umadeterminação do chefe da unidade regional. É uma eliminaçãode controle que, além de apresentar um risco para a sociedade,exclui um controle posterior, na área secundária, pois umacarga em trânsito lacrada pela SRF não pode ser fiscalizadapela polícia. Essa facilidade tem contribuído, por exemplo,para o aumento do contrabando na Zona Franca de Manaus.

A instrução 111/98, por sua vez, eliminou a “recepção” dosdocumentos nos despachos de importação. Com isso, a seleçãoparametrizada passou a rodar imediatamente após o registro dadeclaração de importação (DI) e não mais após a recepção. Aseleção parametrizada é o processo pelo qual as DIs sãoselecionadas para diferentes níveis de fiscalização: canal verde,sem conferência (74,5% dos casos); canal amarelo, conferênciade documentos (15%); canal vermelho, conferência documental efísica da carga (10%); canal cinza, as anteriores mais o exame devalor (0,5%). A recepção era o momento em que havia umapossibilidade de se identificar indícios de irregularidades,permitindo que a fiscalização pudesse interferir na seleçãoparametrizada dirigindo alguns despachos para o canal vermelho.Hoje, a seleção dirigida só é possível se o importador solicitar.

Por fim, pela instrução 114/98, os procedimentos deconferência documental e física das mercadorias importadas têmfinalidade estritamente fiscal. Qualquer controle ou atividade deoutros órgãos públicos devem ser feitos na fase de licenciamento.É uma norma que contribui para agravar mais ainda uma das

principais causas da ineficiência do sistema aduaneiro do Brasil:a grande dispersão de procedimentos aduaneiros por váriosórgãos públicos. Observa-se que a administração do sistemaaduaneiro não tem buscado a unificação e integração dosprocedimentos em um sistema único, como acontece nos paísesde maior tradição comercial.

Outro problema que o sistema aduaneiro nacional sublinha éque o processo de descentralização administrativa não estabeleceuma combinação de critérios nacionais (rigor técnico) e regionais(realidade local). Por exemplo, o porto de Vitória/ES tem ummovimento grande de automóveis. O aeroporto de Viracopos/SPtem uma quantidade grande de equipamentos de telefonia e deinformática. Outros portos só recebem grãos. O sistema nãoestabelece procedimentos especializados para cada caso, o quefragiliza a fiscalização.

Ao todo são cerca de 7.300 auditores fiscais em todo o Brasil.Na década de 70 eram 12 mil e o País importava cerca de US$ 1,8bilhão. Hoje importa entre US$ 50 e 60 bilhões. Ou seja, aimportação é trinta vezes maior e o número de auditores caiu. NaFrança, há 20 mil agentes aduaneiros. Desses, 8 mil exercemfunções semelhantes às desempenhadas no Brasil, para uma áreaterritorial quinze vezes menor. No Japão, há 8.259 (dados de1998) oficiais aduaneiros para uma área de 280 mil quilômetrosquadrados. O Brasil tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados!Em 2002, havia, em exercício, um total de 387 auditores fiscaisno porto de Santos (pelo qual passa cerca de 33% de todo ocomércio exterior do Brasil) e de 47 no porto de São Sebastião,cerca de 30% do total considerado como adequado pela entidadesindical aos serviços de fiscalização.

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da ReceitaFederal (Unafisco), apenas um fiscal trabalha à noite no porto deSantos, que funciona 24 horas, e apenas 3% das mercadorias quesaem do país e 7% das que entram são fiscalizadas no maior portoda América Latina. Com 80% de suas atividades já privatizadasou em processo de privatização, o porto sofreu expressiva reduçãoda fiscalização pública.Essa falha temcontribuído

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A SRF alega serimpossível umcontrole completodas cargas quedesembarcam nosportos, sendo afiscalização feitapor amostragem,numa relação de10% da cargavistoriada.

para a exportação de drogas. Os contêineres são a maiorpreocupação: o porto movimenta 2 milhões deles (mais de 50%do total do País) e pelo menos 90% dos que chegam sãoconcentrados nos terminais privatizados. Problema semelhante éobservado na movimentada infra-estrutura portuária do EspíritoSanto, estado amplamente tomado pelo crime organizado, cujosterminais são privados e já oferecem seusserviços portuários a terceiros, comfiscalização pública precária.

Somado a isso, o Mercado Comum doSul (Mercosul) fornece facilidades adicionaispara traficantes e contrabandistas. Estima-se que o tráfico ocorra em maior escala pelavia marítima, haja vista que autoridadesalfandegárias não inspecionam contêinereslacrados em países membros do bloco queestejam em trânsito.

Os governos e as empresas decomércio exterior no mundo inteiro têmexigido que a aduana seja cada vez maisa parte faci l i tadora do comérciointernacional. Assim, com o aumento docomércio ilegal e do contrabando, asaduanas vivem hoje uma situaçãodelicada, que afeta o custo-Brasil, pois precisam compatibilizaras facilidades para o comércio internacional ao mesmo tempoem que precisam ser eficazes nas suas operações de controlee de verificação do cumprimento da lei. O resultado depende dointeresse do Estado. O fato é que o processo de controleaduaneiro não tem acompanhado o de abertura das fronteiras aosmercados externos na última década. A SRF alega ser impossívelum controle completo das cargas que desembarcam nos portos,sendo a fiscalização feita por amostragem, numa relação de 10%

da carga vistoriada.Outro problema denunciado pelo modo

como a descentralização administrativa estáse dando é a prática licitatória para serviçosem aeroportos. Há hoje uma grandefragilidade do sistema devido à falta de

investimentos e aos procedimentos de licitação,que permitem que inúmeras empresas terceirizadas, semcondições de se manter no mercado por muito tempo, operemdentro dos aeroportos. Essas empresas trabalham atualmenteem áreas sensíveis, como operação de raios X, segurança,controle e vistoria de bagagens, e pagam baixos salários, oque facilita a formação de eventuais conluios criminosos. Essetipo de trabalho, que antes era feito por um agente do DPF,

hoje é feito por pessoas das quais se exige um curso de 240horas que, muitas vezes, nem é dado pela empresa. Trata-sede uma situação em que o Estado está descentralizando atémesmo seu poder de polícia.

O CRIME ORGANIZADO E A ÁREA SECUNDÁRIAPassando as mercadorias ilícitas pela

área primária, de competência da SRF,atingem a área secundária, sob aresponsabilidade do DPF e da PC, quedesempenham funções de polícia judiciáriano Brasil. Considerando que a SRF vistoriaapenas 10%, em média, de tudo o que entrano Brasil, a polícia arcará com os 90%restantes, o que inclui todo tipo de drogas,armas ilegais, dinheiro sujo etc.

O crime organizado, principalmente onarcotráfico, demanda um mapeamento, umcruzamento e uma centralização deiniciativas impossíveis de serem realizadaspor um único órgão, o que exigedescentralização e desconcentraçãoadministrativas. No entanto, estas têm-serevelado ineficientes e a orientação

administrativa seguida pelo País a partir dos anos 90, como jávisto em alguns pontos, facilita a atuação do crime.

No Brasil, a cooperação entre órgãos de segurança públicanão é exigida por força de lei. Normalmente ela se dá viaconvênios, não sendo, assim, uma atividade vinculada, masdiscricionária. No combate ao crime organizado, a própriaConstituição Federal (CF), na maneira como o art. 144, §1º, IIestá redigido, não estimula a cooperação. Além disso,transformou o crime transnacional num problema federal, nãooferecendo mecanismos para a descentralização de suarepressão para os níveis estaduais e municipais (arts. 21,XXII, e 22, XXII). Devido a essa estrutura, tornaram-seóbices relevantes ao combate ao narcotráfico o corporativismoe a concorrência inst i tuc ional dentro da própr iaAdministração Pública.

O art. 144, §1º, I, da CF prescreve que é da competência doDPF apurar infrações de repercussão interestadual ouinternacional, o que incluiria os crimes mais lucrativos queacontecem em território brasileiro: tráfico de drogas, de armas ede mulheres. Todavia, o mesmo texto constitucional atola o DPFde atribuições menores e dispersivas (“apurar as infrações penaisem detrimento de bens, serviços e interesses da União ou desuas entidades autárquicas e empresas públicas”).

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“...no primeiro nível, estão

os grandes produtores de

drogas, os financiadores e

lavadores de dinheiro em

grande escala. No Brasil,

não se tem notícia da

prisão de alguém do

chamado primeiro nível

do narcotráfico”.

O furto, por exemplo, será da competência do DPF quandofor contra a União. Se uma velha máquina de escrever for furtadadentro de uma repartição pública, a atribuição é do DPF. Se umcheque sem fundo for recebido pela Empresa de Correios eTelégrafos (ECT), a atribuição é do DPF. Enquanto existem pilhasde inquéritos policiais nas delegacias do DPF sobre chequessem fundos, alguns com valores de R$ 30,00, R$ 50,00 ou R$100,00, não há tempo ou pessoal para cuidar dos tráficos dedrogas, de armas e de mulheres.

E crimes como a falsificação de produtos farmacêuticos, oroubo de caminhões de ca rga por quadr i lhas , oenvolvimento de policiais estaduais no crime organizado,os assassinatos de pessoas na periferia de São Paulo, Riode Janeiro, Belo Horizonte, Vitória e outras grandescapitais do País, por grupos de justiceiros, fogem dasatribuições do DPF e caem nas atribuições comuns daspolícias estaduais. Até mesmo quando os agentes dapo l í c i a e s t adua l pa r t i c i pam des se s c r imes , s ãoinvestigados por seus próprios colegas de polícia.

O resultado é que o DPF acabou sendo criado para ser umapolícia pretoriana da União e não para ser uma polícia altamenteespecializada da Federação, como é o caso do Federal Bureau ofInvestigation (FBI) dos Estados Unidos da América.

A Lei nº 10.446/2002, que tentou mudar essa distorção,atribuindo ao DPF a investigação de alguns crimes graves(seqüestro, cárcere privado, extorsão mediante seqüestro,formação de cartel, violações aos direitos humanos e roubo, furtoe receptação de cargas), acabou tornando-se ineficaz, pois nãoexclui a competência estadual para esses crimes graves e, o queé pior, repete em seu texto a infeliz redação constitucional quedesestimula a cooperação entre os órgãos, criando uma situaçãoesdrúxula de competências concorrentes.

Esse quadro desenha a seguinte situação: o Brasil não possuiestrutura de segurança pública para combater crimes de atacado,particularmente os tráficos, pois demandam intensa cooperaçãoentre a PC e o DPF, a SRF e o Banco Central, e destes comeventuais comissões parlamentares deinquérito instauradas nos Legislativosestaduais. A Lei Complementar nº 105/2001,que dispõe sobre o sigilo financeiro, porexemplo, só autoriza que o Banco Centralforneça informação sigilosa para o PoderLegislativo federal. Quando houve a CPI doNarcotráfico na Assembléia Legislativa deSão Paulo, foi preciso pedir autorizaçãojudicial e, mesmo com ela, o Banco Centralusou de todos os meios processuais possíveis

para não atender às solicitações, o que demonstra que osdiferentes órgãos que compõem o Estado nacional, fechados parasuas atribuições específicas, não possuem uma culturaadministrativa que permita a interação para um fim comum.

Antes da CF de 1988, delegava-se aos estados a competênciapara o combate ao tráfico interno de entorpecentes, por meio deconvênios, ficando a cargo do DPF a repressão ao tráficointernacional. No âmbito das polícias estaduais, consolidou-seessa divisão de tarefas e o enfrentamento do problema na pontado varejo. Assim, como resultado, a grande maioria dos condenadospor tráfico de drogas em São Paulo são catalogados como micro oupequenos traficantes. O combate ao atacado ficou reservado ao DPF.Esses convênios existem até hoje, apesar de não terem sidorecepcionados pela atual CF, que atribui competência exclusiva aoDPF para reprimir o narcotráfico, seja interno ou internacional.

A própria Lei de Entorpecentes (Lei nº 6.368/1976) não difereo atacado do varejo, incluindo todos os traficantes num mesmoartigo (art. 12). Isso não estimula no âmbito da atividade policiale do próprio Poder Judiciário a diferença e a formação de umacultura de combate ao crime em sua base. A própria Lei nº 10.409/2002, que viria para substituir a Lei nº 6.368/1976, não logrouabordar o tema de forma satisfatória, mantendo-se a estruturatradicional. O resultado é que os convênios estabelecidosentre o DPF e a PC focam o combate do tráfico no varejo. Naspenitenciárias brasileiras, a quase totalidade dos condenadospelo art. 12 da lei não é tipificada por importação, exportaçãoou produção, mas por venda, porte, depósito ou entrega.

Os “donos” de morros cariocas são varejistas, o que a políciachama de “traficante de terceiro nível”, e não têm conhecimentodo tráfico em grande escala. Traficantes de segundo nível, ouintermediário, são exemplificados por Fernandinho Beira-Mar.São poucos os casos de pessoas no nível dos intermediários quea Justiça consegue punir. Acima deles, no primeiro nível, estão osgrandes produtores de drogas, os financiadores e lavadores dedinheiro em grande escala. No Brasil, não se tem notícia da prisãode alguém do chamado primeiro nível do narcotráfico.

Para tornar mais eficiente a resoluçãode problemas na sociedade, aAdministração Pública pode descentralizarou desconcentrar atribuições. A primeiradelas é feita pela formação de autarquias,fundações, empresas públicas, sociedadesde economia mista etc. A segunda é feitapela distribuição interna de competências,dentro da mesma entidade, como é o casodo Departamento Estadual deInvestigações sobre Narcóticos (Denarc)

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Tiago Ivo Odon é consultor legislativodo Senado Federal na área de Direito

Penal, Processual Penal e Penitenciário.

de São Paulo, que estádentro da estrutura da

PC. O Denarc, por sua vez,possui um subdepartamento chamado

Divisão de Investigação de Entorpecentes (Dise), presente emtodo o estado. Devido à cultura institucional brasileira,normalmente a integração operacional entre órgãosdesconcentrados é fraca. Assim, em SP, na prática, o Denarc e oDise são independentes. As informações sobre o trabalho feitopelas Dises são transmitidas para inserção no banco de dadosdo Denarc, mas não há integração operacional. Observa-se,portanto, que, no Brasil, a desconcentração administrativa noâmbito da segurança pública não tem sido eficaz e, ao contrário,tem até anulado o objetivo original do instituto.

Além disso, a desconcentração dentro dos órgãos não temsido acompanhada por uma desconcentração necessária derecursos, principalmente geográfica. Atualmente, o crimeorganizado está se instalando no interior de SP, fenômenoque também é observado em outros estados. Mas, ressalte-se, faltam meios técnicos para a realização de diligênciaspoliciais no interior paulista.

O convênio do DPF com a PC também é uma espécie de“desconcentração”, mas ele igualmente não torna eficiente ofluxo de informações e atribui uma prática subalterna eperiférica ao sistema estadual de segurança pública nasestratégias de repressão ao narcotráfico. Enquanto a PCabastece o DPF com dados, o contrário não acontece, fenômenoque indiretamente contribui para que o combate ao crime nonível estadual se concentre apenas no varejo, pois carece dedados para explorar o atacado.

A atual desqualificação e dispersão das informações a cargo daPC também decorrem de uma acomodação à realidade de esperarinformações de terceiros ou anônimas ou flagrantes de venda deentorpecentes, de armas etc. Vários fatores contribuem para aconstrução dessa realidade, como o pequeno efetivo deinvestigadores e delegados, a concentração de recursos humanosna tarefa de guarda de presos em cadeias públicas nos distritospoliciais, entre outros.

Além disso, como há tempos apontam os estudos do InstitutoFernand Braudel assinados pelo Cel. José Vicente da Silva, a faltade visão de polícia preventiva e a insistência em modelos antigosde atuação operacional ainda são fatores responsáveis por algumaspeculiaridades obsoletas: designação punitiva de chefes policiaispara áreas críticas, falta de autonomia para os chefes policiaislocais, patrulhamento randômico na área, estratégias reativas deresposta rápida ao chamado do rádio ou investigação estritamenteapós os fatos ocorridos, foco no criminoso ao invés de foco no

problema do crime. O foco no criminoso, em especial, tem sido abase não só da atuação rotineira do policiamento territorial, comotambém de grandes estruturas de patrulhamento sem áreaespecífica, como é o caso da maioria das tropas de choque daPolícia Militar, incluindo a Rota, e de forças ostensivas especiaisda PC (GOE, Garra), que desenvolvem rondas segundo seuspróprios planos, mas sem se ater ao detalhamento de informaçõesespecíficas e às operações das áreas onde atuam.

CONCLUSÕESEm face do exposto, observa-se que o poder fiscalizador do

Estado na área primária de combate ao crime organizado estácomprometido, seja devido à eliminação de diversos atos dentrodos procedimentos de fiscalização e de insuficiência de pessoal,seja devido à fragilidade trazida pela terceirização de atividades.Na área secundária, a ineficiência está na cultura que baliza osprocessos de desconcentração e descentralização administrativas,cujos órgãos operam de forma independente e excludente,eivados por corporativismo e concorrência.

É amplamente desperdiçada no Brasil a potencialidade queum sistema de troca de informações entre instituições federais eestaduais poderia representar no combate ao crime organizado,situação que o Ministério da Justiça tenta hoje corrigir com oSistema Único de Segurança Pública. E para agravar a situação, asegurança pública é uma das áreas de atuação estatal que podesofrer contingenciamentos orçamentários. A CF não prevê, comofaz para a educação e para a saúde, a alocação de recursos mínimosem âmbito federal, estadual e municipal.

No Congresso Nacional, a reação mais comum aos noticiáriosda mídia é a apresentação de projetos de lei aumentando penase/ou ampliando o campo de incidência de determinados delitos.No entanto, tais iniciativas, comumente chamadas pela doutrinade “direito penal simbólico”, não atingem o âmago do problema,que reside antes na execução do que na legiferação. O PoderExecutivo é o responsável direto por um combate eficiente aocrime organizado, e as alterações legais possíveis para se atingiresse fim, focando os problemas citados, são em grande partematérias da competência privativa dos poderes Executivo federale estadual.

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O debate público sobre a unificaçãoO debate público sobre a unificaçãoO debate público sobre a unificaçãoO debate público sobre a unificaçãoO debate público sobre a unificaçãodas polícias civil e militardas polícias civil e militardas polícias civil e militardas polícias civil e militardas polícias civil e militar

Entre as diversas estratégias para aperfeiçoar o aparato desegurança pública no Brasil, a unificação das polícias civil e militartem sido apresentada recorrentemente. E sempre que vem apúblico, toma tempo dos atores envolvidos nessa discussão, acirraânimos, estimula rivalidades entre as corporações, incendeiadiscursos. É óbvio que toda discussão pública sobre esse tematem legitimidade. O tema deve ser debatido, exposto, discutidoà exaustão. Mas o que pretendemos discutir neste artigo é oquanto é pertinente ou não colocar essa idéia como “salvadora”da atuação policial. Ou se, pelo contrário, o debate acaba servindopara desviar a atenção de parlamentares, secretários de segurança,policiais militares e civis e imprensa em geral.

Os aspectos institucionais e constitucionaisOs aspectos institucionais e constitucionaisOs aspectos institucionais e constitucionaisOs aspectos institucionais e constitucionaisOs aspectos institucionais e constitucionaisComecemos por verificar os aspectos institucionais da questão.

A existência das polícias militar e civil está constitucionalizada, sendoreferida em diversas passagens da Lei Maior, especialmente no art.144, que trata da questão da segurança pública. Desta forma, a unificaçãodas polícias passaria por uma modificação na Constituição.

Assim, no tocante à constitucionalidade, impõe-se verificarse uma proposta nessa direção atingiria as cláusulas pétreasinscritas no art. 60, § 4º, da Carta Magna, que não admite adeliberação sobre proposta tendente a abolir a forma federativade Estado, o voto secreto, universal e periódico, a separação dosPoderes e os direitos e garantias individuais.

Não é difícil verificar que, em princípio, a eventual unificaçãodas polícias não atingiria as três últimas hipóteses. O tema não

se volta ao processo eleitoral ou à divisão dos Poderes. No quediz respeito à questão dos direitos e garantias individuais, aindaque haja, certamente, correlação entre essa matéria e a segurançapública, não nos parece que tratar da organização da polícia possa,em tese, restringir esses direitos.

A questão federativa, de sua parte, mereceria uma reflexãomais cuidadosa. Sobre a matéria, nos ensina José Afonso daJosé Afonso daJosé Afonso daJosé Afonso daJosé Afonso daSilvaSilvaSilvaSilvaSilva, in Curso de Direito Constitucional positivo, p. 69:

É claro que o texto não proíbe apenas emendas queexpressamente declarem: ‘fica abolida a Federação ou a formafederativa de Estado’, ‘fica abolido o voto direto...’, ‘passa avigorar a concentração de Poderes’, ou ainda ‘fica extinta aliberdade religiosa, ou de comunicação..., ou o habeas corpus, omandado de segurança...’. A vedação atinge a pretensão demodificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou dovoto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa,ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; bastaque a proposta de emenda se encaminhe ainda queremotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes, diz o texto) para asua abolição.

Assim, por exemplo, a autonomia dos Estados federadosassenta na capacidade de auto-organização, de autogoverno ede auto-administração. Emenda que retire deles parcela dessascapacidades, por mínima que seja, indica tendência a abolir aforma federativa de Estado. Atribuir a qualquer dos Poderesatribuições que a Constituição só outorga a outro importarátendência a abolir o princípio da separação de Poderes.

UNIFICAÇÃO DE POLÍCIAS:ATÉ QUE PONTO APERFEIÇOARIA A SEGURANÇA PÚBLICA?

Stelson S. Ponce de Azevedo e Gilberto Guerzoni Filho

A questão central, aqui, então, é verificar se determinar a unificação daspolícias estaduais reduziria a autonomia dos Estados-membros ou suacapacidade de auto-organização. Em nosso entendimento, isso ocorre.

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 30-33, abr. 2004

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A questão central, aqui, então, é verificar se determinar aunificação das polícias estaduais reduziria a autonomia dosEstados-membros ou sua capacidade de auto-organização. Emnosso entendimento, isso ocorre. A União tem, por outro lado,competência para baixar normas gerais sobre a matéria (cf. arts.22, XXI, e 24, XVI).

Ocorre que, se a União previsse a necessidade da unificaçãodas polícias, o que pareceria uma norma geral estaria,efetivamente, de forma indireta, obrigando os entes federados aalterar detalhes de organização interna da área de segurançapública, o que é, como se referiu, questão inscrita na órbita decompetência de cada unidade federada e só pode ser objeto deiniciativa e disciplinamento por elas.

Efetivamente, a competência de legislar sobre matéria desua organização administrativa é privativa de cada ente federado,em seu âmbito, respeitados os princípios estabelecidos pelaConstituição ou, como é o caso, em normas gerais baixadas peloGoverno Nacional. Essa constatação decorre do entendimentode que esse tipo de assunto envolve a capacidade de auto-organização das pessoas políticas, que representa a própriaessência da autonomia federativa.

Conforme ensina André Luiz Borges NettoAndré Luiz Borges NettoAndré Luiz Borges NettoAndré Luiz Borges NettoAndré Luiz Borges Netto, inCompetências legislativas dos Estados-membros, p. 78:

O exercício da aptidão de emitir normas jurídicas, na maiorparte dos casos (pois existem as competências concorrentes e asdelegadas), é privativo ou exclusivo, por não se admitir intromissãode uma pessoa política no campo de competências que foi reservadoa outra pessoa, o que equivale a dizer que as pessoas políticaspossuem faixas de competências legislativas privativas, excludentesque são de todas as demais pessoas.

Desta forma, se legislasse sobre a matéria além doestabelecimento de normas gerais, estaria a União se imiscuindona competência legislativa dos demais entes federados, entre osquais impera o princípio da isonomia. Citando, novamente, AndréAndréAndréAndréAndréLuiz Borges NettoLuiz Borges NettoLuiz Borges NettoLuiz Borges NettoLuiz Borges Netto, nas p. 174-5 da mesma obra:

Não existe desigualdade jurídica ou hierarquianormativa entre os Estados-membros ou entre os Estados-membros e a União Federal ou qualquer outra coletividadejur íd ica , em razão da consagração do pr inc íp ioconst i tucional implíc i to da isonomia das pessoasconstitucionais. Também não existe qualquer hierarquiaentre os atos normativos (leis) editados pelos Estados-membros e aqueles expedidos pelo Congresso Nacional,pois todas essas normas jurídicas extraem seus fundamentosde validade diretamente da Constituição Federal, semqualquer relacionamento entre si quanto ao aspecto da

produção do ato (aspecto formal) e também quanto ao seuconteúdo (aspecto material).

Do exposto, em nosso entendimento, uma proposta deemenda à Constituição que determinasse a unificação das políciascivil e militar dos Estados e do Distrito Federal estaria ferindo acláusula pétrea que determina a perenidade da Federação.

O que poderia ser feito, parece-nos, seria desconsti-tucionalizar a questão, permitindo que os entes federadosdecidissem, dentro de suaautonomia, sobre a organizaçãode seu setor de segurançapública, quando poderiam optarpor unificar as suas polícias oumantê-las separadas, de acordocom o seu juízo político.

A propriedade (ou não)A propriedade (ou não)A propriedade (ou não)A propriedade (ou não)A propriedade (ou não)da unificaçãoda unificaçãoda unificaçãoda unificaçãoda unificação

Agora, analisaremos omérito da sugestão de unificaçãodas polícias militar e civil, comoforma de tornar a polícia maiseficaz na luta contra o crime.

Inicialmente, devemosobse r v a r que o que s ediscute, realmente, é a maiorou menor eficácia de doismodelos: a realização dasatividades de policiamentoostensivo e polícia judiciáriapor uma única organizaçãopolicial ou por organizaçõespoliciais diferenciadas.

Lembremos, então, que asleis da organização sistêmica nos ensinam que a eficácia de umsistema depende menos de sua estrutura do que da otimizaçãodas atividades e tarefas de seus componentes e do fluxo entreeles. Tanto é assim, que encontramos exemplos de políciasmodernas e eficazes utilizando ambos os modelos. Os países decultura anglo-saxônica, inclusive ex-colônias, adotam o primeiromodelo referido no parágrafo anterior (ex.: EUA e Reino Unido).Países com cultura latina tendem a adotar o segundo modelo (ex.:Portugal, Espanha, França, Itália, Chile, Brasil).

No segundo modelo é comum que a atividade de políciaostensiva seja realizada por organizações militares ou, no mínimo,militarizadas, que convivem, normalmente, com estruturas

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tipicamente civis voltadas à investigação criminal (políciajudiciária). De qualquer forma, a aparência física do policialostensivo é, em qualquer caso, diferente da do policial queinvestiga. O primeiro, por ser ostensivo, necessita fazer-sereconhecer pela população e dissuadir os criminosos. Em outrospaíses, como o Canadá, as duas atividades são realizadas por umaúnica organização de estrutura fortemente militarizada (RealPolícia Montada).

Essa diversidade de modelos é explicada pela evoluçãohistórica dos povos respectivos e não tem qualquer relação coma efetividade de sua atuação. Nós, por exemplo, até a segundametade do século passado, tivemos as duas principais atividadesde segurança pública exercidas por organizações militares. Sóapós essa época surgiram as polícias civis.

Mas, quais são as principais queixas que a nossa sociedadetem de suas polícias? Da polícia militar (policiamento ostensivo),há queixas quanto à observância do respeito aos direitos humanos,idoneidade, casos de vínculos de alguns membros comorganizações ilícitas, e forte influência da política local. De políciacivil (polícia judiciária), há queixas sobre indícios de corrupção,desrespeito aos direitos humanos, igualmente convivência demembros com organizações ilícitas, envolvimento indevido nopoliciamento ostensivo (concorrendo com a polícia militar) e baixaeficiência na apuração de crimes.

Ora, é cristalino que esses virtuais – jamais se podegeneralizar –problemas independem da natureza dasorganizações.

Questiona-se, pois, sobre a efetividade de um novo órgãopolicial, formado após a reunião dessas estruturas. Ou, mudandoa pergunta, a simples união das estruturas teria o poder de sanaras impropriedades? Como, se os homens e mulheres são osmesmos, exercendo atividades semelhantes, alguns deles, talvez,com uniformes diferentes da atual polícia militar?

Daí porque a indagação deste artigo: a proposta de unificaçãodas polícias é realmente válida?

Parece-nos claro que uma das respostas efetivas para tãopremente situação está na tomada de medidas, por parte dosexecutivos estaduais e federal, voltadas para o saneamento desuas polícias. E, para isso, as normas jurídicas vigentes nãooferecem obstáculos ou dificuldades. Vemos, ainda, como umamedida importantíssima para sanear as polícias judiciárias, acolocação em execução do preceito constitucional que prevêo controle externo do Ministério Público sobre elas. Porque não há apoio político para essa ação, que não é mais queo cumprimento de um preceito constitucional? Parece-nosclaro que os motivos principais de nossas queixas sejam ainépcia e a falta de vontade política.

É preciso notar, também, que a estrutura político-administrativa de um Estado é o resultado de toda uma evoluçãohistórica. Uma mudança profunda nessa estrutura, como a reuniãodas polícias civil e militar, além de precisar ser submetida a amplasdiscussões, em todos os seus aspectos, implica modificaçõesjurídicas abrangentes e complexas; além disso, demanda umesforço legislativo formidável. Para o caso em tela, obrigaria àrealização de emendas constitucionais extensas, o que, em nossoPaís, é um processo complicado, e iria perturbar, certamente, atramitação de outras matérias importantes para a sociedade.Depois, desembocaria na elaboração de vasta legislaçãoinfraconstitucional.

Além do inconveniente acima analisado, do ponto de vistade recursos públicos, a reestruturação do Estado para união daspolícias resultaria, fatalmente, em gastos vultosos.

Na apresentação de suas sugestões, entidades como oFórum Nacional de Ouvidores de PolíciaFórum Nacional de Ouvidores de PolíciaFórum Nacional de Ouvidores de PolíciaFórum Nacional de Ouvidores de PolíciaFórum Nacional de Ouvidores de Polícia argumentam com anecessidade de “criação de um novo modelo de políciaintrinsecamente subordinada ao Poder Civil”. Mas isso já é

“Vemos, ainda, como umamedida importantíssima parasanear as polícias judiciárias, acolocação em execução dopreceito constitucional queprevê o controle externo doMinistério Público sobre elas”.

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Gilberto Guerzoni Filho é

consultor legislativo doSenado Federal, áreas de

Direito Administrativo e

Direito Constitucional.

Stelson S. Ponce de Azevedo

é consultor legislativo doSenado Federal, área de

Defesa Nacional e Direito

Penal.

preceito constitucional! As polícias estaduais são subordinadasao Poder Civil! A polícia militar só passará ao controle operacionaldas Forças Armadas (Exército) em situações de emergência,quando o Poder Civil tiver esgotado sua capacidade de ação (graveperturbação da ordem), em caso de defesa externa, quando serámobilizada como reserva, ou, em determinadas situações, quandohouver intervenção federal. Nada impede que as polícias estaduaissejam subordinadas a uma única autoridade civil.

E, ao final de todo esse sacrifício, de todo esse esforço, jávimos acima que ele, por si só, não levaria a qualquer melhoria daeficácia da polícia na luta contra o crime! Então, para que fazê-lo?

Há ainda outros aspectos que devem ser examinados.Importante função do Estado, caracteristicamente policial,

deve ser desempenhada, obrigatoriamente, por organizações denatureza militar ou fortemente militarizada. É a Manutenção ouManutenção ouManutenção ouManutenção ouManutenção ouRestauração da Ordem PúblicaRestauração da Ordem PúblicaRestauração da Ordem PúblicaRestauração da Ordem PúblicaRestauração da Ordem Pública. Após a extinção das políciasmilitares, quem a desempenhará? Quem, em caso de perturbaçãoda ordem pública, evitará a invasão ou ocupação de instituiçõespúblicas ou de áreas sensíveis? Quem cumprirá ordens derestauração da ordem ou reintegração de posse?

A imensa maioria dos países dispõe de organizações policiaisestruturadas militarmente para fazê-lo.

Devemos também observar que é importante a função daspolícias militares em caso de mobilização nacionalmobilização nacionalmobilização nacionalmobilização nacionalmobilização nacional. Em nossoplanejamento de defesa, ela constitui o grosso da DefesaDefesaDefesaDefesaDefesaTTTTTerritorialerritorialerritorialerritorialerritorial. Se extintas as polícias militares, teríamos quereformular todo nosso planejamento de defesa.

Finalmente, temos a dizer que concordamos, em tese, coma absoluta necessidade de controle e orientação do MinistérioPúblico sobre as polícias judiciárias. Pensamos que as disposiçõesconstantes dos arts. 127 e 129 da Constituição Federal sãosuficientes. Falta apenas vontade política para implementaçãodesses preceitos nos entes federados. E, se há reação política aocumprimento dessas disposições, entendemos que modificaçõesconstitucionais, em torno da mesma idéia, serão também ineficazes.

(...) é importante a função daspolícias militares em caso demobilização nacional.

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nível de emprego estáconstantemente sendodiscutido na mídia. Háartigos argumentando queo desemprego crescente no

Brasil é fruto principalmenteda rigidez das normas trabalhistas

em vigor. Encontram-se tambémentrevistas pregando que o desempregoé conseqüência do ambiente macro-econômico adverso e das altas taxas dejuros, associados à globalização.

Deixando de lado o aspecto passionaldo tema, há consenso de que existemsérios problemas no mercado de trabalhobrasileiro: alto desemprego, postos detrabalho com baixa produtividade, condiçõeslaborais ruins, grande rotatividade, mercadoinformal crescente, etc.

O governo Fernando HenriqueCardoso chegou a enviar ao Congresso

Nacional proposição no sentido de alteraras relações de trabalho, flexibilizando asnormas trabalhistas. Em suma, pretendeu-sefazer prevalecer o negociado sobre olegislado. O projeto alterava o artigo 618da Consolidação das Leis Trabalhistas(CLT) para o seguinte texto: “As condiçõesde trabalho ajustadas mediante convençãoou acordo coletivo prevalecem sobre odisposto em lei, desde que não contrariema Constituição Federal e as normas desegurança e saúde do trabalho.”

O projeto comentado acima foiretirado pelo Governo Lula, com ajustificativa de que buscará construir novosparadigmas de relações de trabalho, sendoque, para isso, é necessário amadu-recimento e reflexão da sociedade. Depoisdisso, sim, pretende enviar uma reformatrabalhista ao Congresso Nacional. Adiscussão agora gira em torno dasalterações na estrutura sindical vigente.

Esses exemplos mostram como ostemas trabalho e emprego são importantese estão sendo discutidos na cúpula dosgovernos. Este estudo pretende contribuirapresentando sucintamente os principaistópicos relacionados a esses assuntos. Otexto começa debatendo como funciona omercado de trabalho e suas necessidadesde alteração. Apresenta-se, a seguir, osprincipais modelos teóricos de economiado trabalho de forma a tentar analisar aeficácia das ações governamentais na área.Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego/IBGE

(%)(pessoas)População Economicamente Ativa Taxa de Desemprego Aberto

14.000.000

15.000.000

16.000.000

17.000.000

18.000.000

19.000.000

20.000.000

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1990

1991

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2000

2001

2002

MMMMMERCADOERCADOERCADOERCADOERCADO DEDEDEDEDE T T T T TRABALHORABALHORABALHORABALHORABALHO

EEEEE DDDDD E S E M P R E G OE S E M P R E G OE S E M P R E G OE S E M P R E G OE S E M P R E G O

Mercado de Trabalho

Fernando Meneguin

O

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 34-40, abr. 2004

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Estuda-se, também, as políticas públicasde emprego, tecendo alguns comentáriosacerca delas. Em síntese, este artigoanalisa as possíveis medidas no sentidode tornar o mercado de trabalho maiseficiente e, com isso, obter menorestaxas de desemprego.

O M O M O M O M O MERCADOERCADOERCADOERCADOERCADO DEDEDEDEDE T T T T TRABALHORABALHORABALHORABALHORABALHO

O mercado de trabalho tem a funçãode fazer a ponte entre a procura por mão-de-obra e a oferta de trabalho. É de sumaimportância, portanto, que esse vínculoesteja funcionando perfeitamente. Casocontrário, o crescimento econômico podenão causar impacto positivo sobre osempregos ou, ainda, os investimentos emeducação e novas tecnologias podem nãosignificar ganhos de produtividade emelhores salários.

Para que tenhamos um bomfuncionamento do mercado de trabalho,este deve ser apenas um facilitador doencontro entre oferta e demanda de mão-de-obra. Não se deve pensar no mercadode trabalho como um agente que influenciea redistribuição de recursos.

O funcionamento do mercado detrabalho pode ser afetado de três formas:

a) pelas instituições, como ostribunais trabalhistas;b) pelas regulamentações, aexemplo das normas que regem ademissão de trabalhadores;c) pelas intervenções, como osprogramas de seguro-desemprego.

As instituições que regem oslitígios trabalhistas e a negociaçãocoletiva sofreram pouca mudança desdeque foram estabelecidas na década de40. O Brasil precisa manter o que estáfuncionando e alterar o que não está,da mesma forma como a Constituiçãofoi mudando ao longo dos anos.

É indiscutível o fato de nossas leistrabalhistas, que provavelmente forambastante apropriadas para as condições das

décadas de 50 e 60, estarem apresentandosinais de obsolescência. A regulamentaçãopara o mercado de trabalho é necessáriapara garantir condições de trabalhoseguras e justiça nos contratos deemprego. Algumas regulamentaçõesdestinam-se a garantir o pagamentomínimo e a segurança do emprego,mas, quando obrigam trabalhadorese empregadores a contratosdemasiadamente restritivos, podem acabarprejudicando a capacidade do mercado detrabalho de se ajustar com flexibilidadepara promover o emprego e aprodutividade.

Além de regulamentações corretas einstituições adequadas, não se podemenosprezar o uso de intervenções dogoverno. Elas são necessárias

especialmente quando a situaçãomacroeconômica não está favorável. Porexemplo, o treinamento público deassistência ao desempregado podemelhorar o nível de emprego e aprodutividade.

O Brasil precisa encontrar a dosagemcerta de regulamentações e intervenções,além de um desenho institucional correto,para atingir os objetivos de emprego,produtividade e segurança.

Cabe esclarecer aqui que, a despeitode tudo o que foi comentado na mídia pelosinterlocutores interessados no temaflexibilização trabalhista, no caso do Brasil,de acordo com a Constituição de 1988,pode haver redução de direitos dotrabalhador em apenas três casos:

·salários (art. 7º, inc. VI);·jornada de oito horas diárias (art.7º, inc. XIII); ou·jornada de seis horas para otrabalho realizado em turnosininterruptos de revezamento(art. 7º, inc. XIV).

Portanto, nenhum projeto de lei podeir além dessas possibilidades. Somenteesses três direitos podem serflexibilizados, cabendo às partesdeterminar as normas que passarão a regersuas relações, em sintonia com seusinteresses, mediante convenção ou acordocoletivo de trabalho. Qualquer alteraçãomais profunda deverá vir acompanhada deproposta de emenda à Constituição.

PPPPPOROROROROR QUEQUEQUEQUEQUE ÉÉÉÉÉ PRECISOPRECISOPRECISOPRECISOPRECISO REFORMARREFORMARREFORMARREFORMARREFORMAR OOOOO MERCADOMERCADOMERCADOMERCADOMERCADO

TRABALHISTATRABALHISTATRABALHISTATRABALHISTATRABALHISTA?????Neste tópico, apresentamos os

principais argumentos que indicam anecessidade de reforma no mercado detrabalho no Brasil.

Nos gráficos da página ao lado, temosa evolução do número de pessoas queintegram a População EconomicamenteAtiva – PEA, medida pelo IBGE (InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística) nas

A ineficiênciado mercado detrabalho brasi-leiro fica ca-racterizadatambém pelocrescimento dosetor informal.

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regiões metropolitanas, bem como ocrescimento da taxa de desempregoaberto, também aferido pelo IBGEnaquelas regiões.

É fácil perceber que a geração deemprego não tem acompanhado o ritmodo crescimento da força de trabalho,fazendo com que o desemprego tenhasaltado de 4,65% em 1990 para 7,88% em2002. Isso significa que o mercado detrabalho não está tendo sucesso emassegurar que a oferta de mão-de-obracorresponda à demanda por um preçoaceitável para ambas as partes.

Claro que nem toda a queda nocrescimento do emprego é explicada pelaineficiência do mercado de trabalho.Existem outros fatores decorrentes daconjuntura macroeconômica, como as baixastaxas de crescimento do PIB. Se ocrescimento econômico acontece a uma taxamenor do que a soma das variações dapopulação economicamente ativa e daprodutividade, os salários deveriam declinarpara que não houvesse mais desemprego.

A ineficiência do mercado de trabalhobrasileiro fica caracterizada também pelocrescimento do setor informal. O gráficoacima retrata a dimensão do problema.

O mais grave do setor informal estáno fato de que essas pessoas nãocontribuem para a previdência social, têmpouco ou nenhum acesso a programas deapoio à renda e ao seguro-desemprego eenfrentam um grau de incerteza muitomais alto quanto à sua renda futura. Em

suma, o trabalho informal é responsávelpor um grande contingente de pessoasque não gozam de nenhum tipo deproteção social.

Outra distorção é a grande rotatividadeda mão-de-obra. Estudo realizado peloBanco Mundial e pelo IPEA (Instituto dePesquisa Econômica Aplicada) estima queum de cada três trabalhadores muda deemprego a cada ano. Apesar de arotatividade ser inerente a qualquermercado de trabalho, ela gera custos. Seesses custos são altos, os empregadores,na expectativa de ter sua força de trabalhorenovada constantemente, têm menosincentivos para investir no treinamentoindividual dos trabalhadores.

Um dos motivos para essa altarotatividade do mercado de trabalho é odesenho do Fundo de Garantia por Tempode Serviço – FGTS. Quando a contavinculada do trabalhador acumula um saldogrande, o empregado tem incentivo a serdemitido, de forma a se apoderar dodinheiro. Com essa característica dofundo, patrões e empregados não esperamque os contratos durem muito tempo.Além disso, a multa rescisória (40% dosdepósitos no FGTS) é paga diretamenteao empregado, que tem interesse emprovocar sua demissão, especialmentenum período de crescimento econômico,quando arrumaria outro empregofacilmente. Pelo lado do empregador, opreço da demissão é alto quando ofuncionário tem muito tempo de emprego,

pois o valor da indenização que lhe é devidaserá maior. Isso significa que as empresasque têm como política investir em seuquadro de funcionários vão ser as grandesapenadas. As maiores beneficiárias serãoas empresas que rodam seu pessoal detrês em três meses.

Por fim, as relações de trabalho sãoaltamente afetadas pela Justiça Trabalhista.Todos os anos, trabalhadores interpõemcerca de dois milhões de ações judiciaiscontra empregadores. As empresasassumem o custo das taxas federais elegais, mas o maior custo resulta do fatode as empresas se tornarem maiscautelosas no tocante às novas contratações,reduzindo assim o emprego formal.

PPPPPRINCIPRINCIPRINCIPRINCIPRINCIPAISAISAISAISAIS M M M M MODELOSODELOSODELOSODELOSODELOS DEDEDEDEDE E E E E ECONOMIACONOMIACONOMIACONOMIACONOMIA DODODODODO

TTTTTRABALHORABALHORABALHORABALHORABALHO

Neste tópico, apresentam-se osmodelos teóricos existentes que tentamexplicar o que está acontecendo nomercado de trabalho. É fundamentalentendê-los para que se possa traçar osdiagnósticos corretos e elaborar aspolíticas públicas mais eficientes.

Modelo NeoclássicoA oferta de trabalho (quantidade de

mão-de-obra disponibilizada pelaspessoas) depende da escolha entretrabalho e lazer (este entendido comotoda atividade não mercantil). A teorianeoclássica considera que trabalhar nãotraz bem-estar, ao contrário do lazer.As pessoas estariam dispostas asacrificar tempo de lazer, porque, aose empregarem, estar iam sendoremuneradas e, assim, teriam recursospara comprar bens e serviços, o quegeraria bem-estar. Quanto maior aremuneração paga aos trabalhadores,mais e les es tar iam dispostos arenunciar ao lazer e a oferecer sua forçalaboral às firmas (considerando-se queprevaleceria o efeito-substituição1).

Fonte: Mercado de Trabalho, nº 20

Participação dos Empregados sem Carteira Assinadana Ocupação Total por Região Metropolitana (%)

1517192123252729

1991

1992

1993

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E a demanda? Por que as firmascontratam empregados? As empresasprecisam de empregados que viabilizem oprocesso produtivo. Elas contratarão umnúmero de pessoas tal que seu lucro sejao maior possível. Essa maximização dolucro acontece quando o salário real doúltimo trabalhador contratado seja igualao valor da produção-extra gerada por ele.Vamos supor que a remuneração dotrabalhador seja R$ 500,00. Oempresário só contratará novostrabalhadores se eles gerarem umaprodução que valha mais do que R$500,00. Na hora que a produção-extrapor trabalhador for inferior ao salárioreal, o empresário não arregimentarámais ninguém.2

Sob esse enfoque, observamos que,se o objetivo é ampliar o nível de emprego,o salário real tem que ser reduzido. Issopode ocorrer por diminuição do valorabsoluto (o que é praticamente impossíveldado o dispositivo constitucional quegarante a irredutibilidade salarial, salvo odisposto em convenção ou acordocoletivo3) ou pela inflação (aumentogeneralizado do nível de preços que corróio poder de compra dos salários).

Outra maneira de pensar é a seguinte:se estivermos num ambiente de inflaçãocontrolada (nível de preços fixo), umaumento do salário nominal fatalmentegerará desemprego, a menos que aprodutividade dos trabalhadores aumentedevido a avanços tecnológicos.

Alguns temas bem cotidianos podemser relacionados à teoria neoclássica. Aexistência do seguro-desemprego podeelevar a taxa de desemprego na medidaem que garante uma renda ao desocupadoe, assim, faz com que ele seja mais seletivona procura de um posto de trabalho. Porexemplo, se o seguro-desemprego garantirmensalmente R$ 240,00 ao desempregado,este só aceitará uma nova posição se suaremuneração for superior aos R$ 240,00.Remunerações inferiores ou iguais a estepatamar não gerarão incentivos para queele troque lazer por trabalho.

A fixação de um salário-mínimo,utilizando o arcabouço teórico neoclássico,não traz boas conseqüências, pois obstruio livre jogo da oferta e da demanda. Se omínimo for superior ao salário de mercado,teremos uma oferta de trabalho maior doque a demanda e, por conseguinte,desemprego. O salário-mínimo foi fixadopelo governo num patamar mais alto doque o de mercado porque as autoridadespúblicas entenderam que era a menorquantidade para garantir um mínimo debem-estar; no entanto, trocou-se um mal- salário de mercado baixo - por outro -desocupação. Pior ainda, porque odesemprego atingiu os empregados demenor poder aquisitivo, justamente os quedeveriam ser beneficiados pela fixação dosalário-mínimo. Se o objetivo é criarpolíticas sociais que beneficiem ascamadas mais pobres da população, tem-se duas alternativas. A primeira é utilizar-

se de transferência derenda para as pessoasmais carentes, poishaveria uma melhoradesse estrato semhaver intervenção nomercado de trabalho. Aoutra, de longo prazo,é incrementar aprodutividade dapopulação carente, por

meio, por exemplo, deeducação. O aumento daprodutividade refletiráautomaticamente emmaiores salários.

Modelo de Salários deEficiência

Esse modelo consideraque existem vários tipos detrabalhadores, ou seja, otrabalho não é homogêneo,conforme estipula a teorianeoclássica.

Quando a firma querpreencher uma vaga, elaoferece um empregopagando o salário demercado e obtém umconjunto de candidatosentre os quais escolherá ofuturo empregado. Pormais testes que a empresafaça, ainda há o risco decontratar a pessoa erradapara a vaga existente.

Este modelo consideraque a qualidade dotrabalhador tem relação direta com aremuneração paga. Portanto, o salário reala ser pago não é definido pelo mercado; éescolhido pela firma de forma a tornarmáximo o seu lucro. Ou seja, admitem-sesalários superiores aos que equilibram aoferta e a demanda de trabalho. Mais ainda,a existência de desempregados nãoexercerá pressão para uma queda nossalários reais. A lógica desse modeloconsiste no fato de que maioresremunerações se traduzem em maioresprodutividades, o que beneficia a firma.

Teoria do Capital HumanoO modelo neoclássico não incorporou a

variável educação, tanto que o crescimentoeconômico é somente explicado pelo aumentodo estoque de capital, pelo progresso

salário realoferta de trabalho

salário demercado

demanda de trabalho

quantidade detrabalhadores

A existência doseguro-desempregopode elevar ataxa dedesempregona medida emque garanteuma renda aodesocupado e,assim, faz comque ele sejamais seletivona procura deum posto detrabalho.

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tecnológico ou por alterações no contingentepopulacional.

A teoria do capital humano continuaadmitindo que os salários sãodeterminados pela produtividade marginal.No entanto, considera que as pessoaspossuem características (inteligência,habilidades natas, saúde, etc.) que asindividualizam. Além disso, o trabalhadorpode conseguir mais dife-renciais por meioda educação, adquirindo habilidades quefazem aumentar sua produtividade.

O trabalhador tem a opção de seaperfeiçoar (aumentar seu capitalhumano), incorrendo em custos para isso,mas esperando elevar seus rendimentosfuturos, ou o trabalhador decide nãoestudar, permanecendo com seu atualsalário. Essas duas alternativas serãoavaliadas e o trabalhador escolherá a quetrouxer mais benefícios para ele.

Essa teoria explica a pobreza comoconseqüência da baixa produtividade que,por sua vez, é explicada pelo baixoinvestimento em capital humano. Essaafirmação leva ao seguinte ques-tionamento: por que as pessoas nãopassaram mais tempo na escola sabendoque isso elevaria seus ganhos salariais?

A resposta consiste no fato de que asfamílias cujo rendimento total está abaixoda linha da pobreza necessitam dequalquer incremento potencial na renda.Isso faz com que as crianças entremprecocemente no mercado de trabalho,prejudicando a qualidade da sua formaçãoescolar. O problema é que se cria um ciclovicioso: a pobreza das gerações atuais podeser entendida ou explicada pela pobrezade seus antepassados. Para combater esseciclo, existem os programas tipo “bolsa-escola” em que a família carente recebeuma transferência de renda do governo segarantir a assiduidade de suas crianças nassalas de aula.

A teoria do capital humano tambémexplica a má distribuição de renda no Brasil.

Uma sociedade na qual observamos umaelevada concentração do capital humanoapresentará um perfil distributivo muitomais concentrado quando comparada aoutra em que se verifica uma quantidadeuniforme de anos de estudo para a maioriade seus indivíduos.

Modelo KeynesianoKeynes, ao estabelecer sua teoria,

contraria totalmente o pensamentoneoclássico quando afirma ser o nível deemprego dependente do nível de atividadee não o contrário. O produto, ao requerermão-de-obra para ser viabilizado,determina a demanda por trabalho.

O trabalhador pode apenas negociarseu salário nominal; no entanto, comonão tem controle sobre o nível depreços, não tem poder sobre seu salárioreal (aquele que realmente conferepoder de compra). Os sindicatos nãopodem ser culpados pelo desempregoelevado devido a altos salários, pelosimples fato de eles serem incapazesde fixarem salário real (não adiantater um salário nominal grande se ainflação for alta, pois o poder decompra será reduzido).

Se o nível de desemprego tem origemnuma demanda agregada insuficiente, ou

seja, num desempenho macroeconômicofraco, só será possível reverter a tendênciaà desocupação por meio de ferramentasmacroeconômicas.

Se a teoria neoclássica prega que paraincentivar o emprego deve-se reduzir ossalários reais (o que pode ser obtido comflexibilização das leis trabalhistas, quedado poder dos sindicatos, etc.), a teoriakeynesiana defende que o nível deempregos aumentará com redução da taxade juros, pois isso aquecerá a demandaagregada.

PPPPPOLÍTICASOLÍTICASOLÍTICASOLÍTICASOLÍTICAS P P P P PÚBLICASÚBLICASÚBLICASÚBLICASÚBLICAS DEDEDEDEDE E E E E EMPREGOMPREGOMPREGOMPREGOMPREGO

Podemos inferir, dos modeloseconômicos apresentados, trêsdiagnósticos sobre a origem dodesemprego. O primeiro tem por base opensamento keynesiano, que afirma ser ademanda de trabalho dependente dopatamar de crescimento. Assim, as causasdo desemprego situam-se fora do mercadode trabalho.

O segundo diagnóstico vem domodelo neoclássico. A persistência daelevada taxa de desemprego deve-se aalgum fator institucional, como a existênciade sindicatos, ou legal, como oestabelecimento de um salário-mínimo,que não permite a perfeita flexibilidadedos salários-reais.

Por fim, uma terceira interpretação dascausas do desemprego enfatiza o papeldo marco regulatório ineficiente, ou seja,problemas nas instituições e na legislaçãofazem crescer a desocupação.

Tendo em mente essas explicaçõespara o desemprego, passamos a comentaras políticas públicas existentes que tentamcombater esse mal social.

Primeiramente, cabe dividir aspolíticas de emprego em ativas e passivas.As políticas ativas procuram elevar ademanda por trabalho, aumentando achance dos trabalhadores de garantiremsua empregabilidade, ou seja, fazem com

Keynes, aoestabelecer suateoria, contrariatotalmente opensamentoneoclássico quandoafirma ser o nível deemprego dependentedo nível de atividadee não o contrário.

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que os empregadores contratem mais. Sãoexemplos desse tipo de política: criaçãode cargos pelo setor público, subsídio àsnovas contratações, oferta de crédito àspequenas e micro empresas, incentivo aotrabalho autônomo, etc.

As políticas passivas caracterizam-sepor diminuir o número de desempregados,reduzindo a oferta de trabalho, ou seja,fazendo com que menos pessoas procurememprego. Como exemplo temos: induçãoà aposentadoria dos trabalhadores comdificuldade de se reintegrar ao mercadode trabalho, adiamento da entrada dejovens no mercado de trabalho comincentivos para passarem mais tempo nosistema escolar, redução das horastrabalhadas, etc.

A política ativa mais popular consistena formação profissional, principalmenteporque as firmas requerem cada vez maisqualificação de seus trabalhadores.Dessa maneira, deveria haver umareciclagem dos desempregados oriundosdos setores ou regiões em decadência.No caso dos jovens, a escolaridade delesdeveria ser acrescida de inter-relaçõesdo sistema educacional formal com omundo do trabalho.

No Brasil, em 1995, foi lançado oPlano Nacional de FormaçãoProfisssional - PLANFOR, cujo objetivoera reduzir a exclusão social, além deaumentar a competitividade da economiado País, ajustando a oferta de trabalhoàs novas tecnologias. O público-alvo doprograma consiste nas pessoasdesocupadas, indivíduos com risco def icar desempregados, pequenosprodutores e trabalhadores autônomos.Entre 1996 e 2001, foram treinados onzemilhões de trabalhadores.

Os recursos para isso vieram do Fundode Amparo ao Trabalhador - FAT, cujoobjetivo é custear o Programa doSegu ro -Desemprego , o AbonoSa l a r i a l e o f i n anc i amen to de

Programas de Desenvo lv imentoEconômico. Cabe lembrar que, a partirda promulgação da ConstituiçãoFederal, em outubro de 1988, nostermos do que determina o seu artigo239, os recursos provenientes daarrecadação das contribuições para oPIS e para o PASEP foram destinadosao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e,pelo menos 40%, ao financiamento deProgramas de Desenvo lv imentoEconômico, esses últimos a cargo doBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social - BNDES.

Infelizmente, conforme Ramos(1997), “não existem evidências sólidas quepermitam afirmar que, sempre e emqualquer caso, os programas de formaçãosão eficientes e eficazes para reduzir avulnerabilidade ao desemprego e elevaros salários dos beneficiários. Com essainsegurança, qualquer programa deformação profissional deve seracompanhado de forma permanente, paradeterminar sua real eficácia.”

Outra política de emprego reside naintermediação de mão-de-obra.Sucintamente, consiste na ajuda aodesempregado em termos de colocação,divulgação das ofertas de emprego,acompanhamento do mercado de trabalho,etc. No Brasil, essa política vem sendoexecutada pelos estados, por meio deagências de emprego, e por entidades dasociedade civil, basicamente organizaçõessindicais. Todas as atividades deintermediação são financiadas comrecursos do FAT.

Pode-se pensar também em medidascujo foco seja a concessão de subsídios àcriação de empregos. Um exemplo atualdesse tipo de política é o ProgramaPrimeiro Emprego, encaminhado aoCongresso Nacional em julho de 2003.Há várias polêmicas envolvendo umprograma de subsídios para criarempregos, quais sejam: está realmentehavendo criação de vagas ou se está apenasinduzindo uma substituição deempregados? A nova contratação nãoaconteceria mesmo sem o subsídio?Pesquisas realizadas nos países daOrganização para Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE)mostram um elevado desperdício derecursos na maioria desses programas.

Existem ainda programas de ajuda aoemprego autônomo, cooperativas epequenas firmas. Em suma, combina-seajuda financeira com apoio técnico eorganizacional. Nesse sentido, destaca-se

A política ativamais popularconsiste naformaçãoprofissional,principalmenteporque as firmasrequerem cada vezmais qualificaçãode seustrabalhadores.

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o conceito de microcrédito, entendidocomo crédito para pobres ou micro-empreendedores de baixa renda semacesso ao crédito formal, dado semgarantias reais, propiciando mecanismoauto-sustentável de combate à pobreza eà exclusão social. No Brasil, havia oPrograma de Geração de Emprego e Renda– PROGER, cujo objetivo era habilitar umalinha de crédito para as micro e pequenasempresas urbanas e rurais. Ofinanciamento do programa também foifeito pelo FAT.

CCCCCONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕES F F F F FINAISINAISINAISINAISINAIS EEEEE C C C C CONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕESONCLUSÕES

Este texto teve a intenção de mostrarum panorama do mercado de trabalhobrasileiro, juntamente com a teoriacorrelata, evidenciando que alterações sãonecessárias, de forma a acompanhar asmudanças ocorridas na sociedade. Foramapresentados os modelos de economia dotrabalho e, a partir deles, os diagnósticospara as altas taxas de desemprego,juntamente com as possíveis políticaspúblicas para melhorar o problema.

Concordamos que o correto seriaempreender reformas trabalhistas que

ANEXO estatístico. Mercado de Trabalho:conjuntura e análise, Brasília, n. 20, nov. 2002.47 p. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/pub/bcmt/mt_20_Anexos_Estatisticos.pdf >.Acesso em: 21 fev. 2003.

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Fernando Boarato Meneguiné Mestre em Economia do Se-tor Público e Doutorando emEconomia pela Universidadede Brasília. Consultor legis-lativo do Senado Federal naárea de Economia do Traba-lho e Previdência Social.

permitissem determinar corretamente opreço da mão-de-obra e promovessem ocrescimento do emprego, além deal inhar os incent ivos de que ostrabalhadores precisam para aumentar aprodutividade da mão-de-obra e ossalários. O mercado de trabalho deveriaser mais flexível. Seria bem vinda, dessamaneira, qualquer proposta que faça oscontratos refletirem as condiçõesespecíficas da empresa empregadora,desobrigando as f i rmas e ostrabalhadores de seguirem o modelorígido da CLT.

Várias medidas geradoras deemprego, por meio de políticas públicas,podem ser tomadas. No entanto, enten-demos que, no Brasil, a principal causado desemprego é a desace-leração do nível de atividadeda economia, provocadaprincipalmente pelas altastaxas de juros praticadasrecentemente.

O ideal talvez fosseuma combinação de váriasfrentes, com medidasbaseadas nos diversos

modelos teóricos, conseguindo a união devários segmentos da sociedade, todosvisando a combater esse mal social que éo desemprego.

1 Poderia prevalecer o efeito-renda. Nesse

caso, o aumento do salário real faria diminuir

a oferta de trabalho. As pessoas já teriam

atingido um nível de consumo tão elevado

que requereriam mais tempo livre (lazer).2 Cabe enfatizar que a produção marginal

(produção-extra) é decrescente, ou seja,

cada novo trabalhador gerará uma

produção menor do que o contratado

imediatamente antes.3 Inc. VI do art. 7º da Constituição Federal.

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têm proporcionado: a) o surgimento de um espaço novopotencializado pelas tecnologias de informação; b) a necessidadede reestruturação das áreas do conhecimento, articulando-as entresi e aproximando-as dos setores produtivos; e c) a formação deredes cooperativas e novas formas de interação.

A educação é uma das atividades humanas afetada por esseespaço, porém, este processo não se constitui uma simplestransferência de esfera, uma simples transformação das atividadesda organização para um novo ambiente. Tal processo trazconseqüências e impactos que se refletem diretamente nas formase padrões de aprendizado e na gestão das atividadesorganizacionais, que precisam ser analisadas. Há diferenças eimplicações entre esses mundos, que se refletirão na atividadeorganizacional e que se encontram relacionadas com a próprianatureza técnica, gerencial deste novo espaço. Essas inovaçõesimplicam na formação de uma rede de interações e diversosprocessos sociais, entre dirigentes de órgãos públicos, cientistas,técnicos e a sociedade, cada vez mais interessada nos rumos enos resultados dessa interação.

Nesta perspectiva, o que se tem observado é quepesquisadores, profissionais e comunidade em geral vêm seorganizando cada vez mais em redes. Tais relações podem levara alterações nos padrões de comportamento e atitudes dosagentes mais diretamente envolvidos com a atividade técnico-profissional e em especial, dos pesquisadores. São estabelecidasnovas redes sistemáticas de comunicação e interações entre osvários atores que passam a compor essa diversificada teia derelações sociais e de aprendizado. Kensky (1998) entende que aefervescência científico-tecnológica que invade o cotidiano podeocasionar mudanças irreversíveis nos comportamentos dosindivíduos, introduzindo novas formas de pensar, de agir, de serelacionar, pois a mixagem homem-máquina altera a maneira deconhecer, de registrar e de lembrar. Assim, o surgimento das

Maria Elenita M. Nascimento

AÇÕES ESTRATÉGICASPARA GESTÃO DE REDESCOLABORATIVASE COMUNIDADES VIRTUAIS EMINSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS

Este artigo propõe ações estratégicas para gestão decomunidades virtuais nas instituições públicas, privadas ecomunidade em geral. Nele são analisadas como as redes podemser aproveitadas eficientemente nesses ambientes e aborda astransformações que podem ser observadas nas organizações, parasubsidiá-las em sua tomada de decisão. Neste contexto, ummodelo de gestão de redes colaborativas é apresentado,enfatizando as conseqüências das transformações que podemser observadas nas atividades organizacionais. Propõe, ainda, umconjunto de ações estratégicas de gestão das redes visandopromover a inserção dessas organizações na chamada Sociedadeda Informação1.

A perspectiva que se seguiu é a do entendimento e danecessidade de mudanças no âmbito organizacional interno, bemcomo no de suas relações com o ambiente externo. Nesse sentido,considera-se a formação das redes de conhecimento como umpoderoso instrumento de gestão contemporânea, uma vez quepropicia a melhoria das relações e da qualidade da instituiçãocomo um todo. Vale destacar que o trabalho não consiste em ummero receituário ou propostas de ações de gestão; ao contrário,é um instrumento importante, pois além do estudo sobre aformação de redes, considera as experiências já existentes naárea, na medida em que procura entender a trajetória de formaçãode redes e as perspectivas de continuação e avanço das tarefasnessa direção2.

O artigo é composto de cinco partes, assim apresentadas:Referenciais Teóricos, Metodologia, Delineamento do Problema,Proposta de Solução, Resultados Esperados, Conclusões eReferências Bibliográficas.

Aspectos Conceituais das RedesAspectos Conceituais das RedesAspectos Conceituais das RedesAspectos Conceituais das RedesAspectos Conceituais das RedesObserva-se, nas últimas décadas, o desenvolvimento das

novas Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC’s, as quais

Comunidade Virtual

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redes de comunicação possibilita transformações profundas nasformas de apreensão e comunicação de conhecimentos e deinformações.

Vale lembrar as observações reiteradas por Michel Serres(1995) quando coloca a sociedade pedagógica em contraposição àsociedade do controle trazendo questões desafiadoras, das quaiscompartilho. À medida em que a sociedade pedagógica é entendidacomo de formação contínua e possibilitadora de livre acesso àinformação por meio das novas tecnologias, ultrapassam-se oslimites do acadêmico dando lugar a novos espaços do público,permitindo a inclusão de grupos até então à parte. As redes sãouma das vias mais propícias para o estabelecimento de espaçomulti-cultural. À medida que a cultura da partilha do conhecimentose faz presente, a criação de um mundo global, democrático epreservador das especificidades locais deixa de ser utopia. Antes,as pessoas deslocavam-se rumo ao saber; hoje é o saber que sedesloca em direção às pessoas.

Como enfatiza Castells (2001), a Internet é um meio decomunicação que permite, pela primeira vez,a comunicação de muitos para muitos emum momento escolhido em escala global.Da mesma forma que a difusão da imprensaescrita no Ocidente criou o que MacLuhanchamou de “galáxia de Gutenberg”, entra-se agora em um novo mundo decomunicação: a galáxia da Internet.

Neste contexto, as redes são umconjunto de nodos conectados. São formasmuito antigas da prática humana, quetomaram uma nova vida na atualidadetornando-se redes de informação,impulsionadas pela internet. As redes têmvantagens extraordinárias como ferramentasde organização, devido a sua inerenteadap t ab i l i d ade e f l e x i b i l i d ade ;características criativas para sobrevivere prosperar em um ambiente de rápidas mudanças. Esta éa razão pela qual as redes estão se proliferando em todosos domínios da economia e da sociedade, superandocorporações organizadas verticalmente e burocraciascentralizadas. Contudo, a despeito das suas vantagensem termos de flexibilidade, as redes têm tradicionalmenteque tratar de um grande problema, ao contrário dash ierarquias cent ra l izadas . E las têm cons ideráve ldificuldade em coordenar funções, focalizar recursos emmetas específicas e completar uma determinada tarefa, apartir de um certo tamanho e complexidade.

Na maior parte da história humana, diferente da evoluçãobiológica, as redes foram superadas como ferramentas pororganizações capazes de concentrar recursos em objetivosdefinidos de forma centralizada, alcançados através daimplementação de tarefas organizadas em cadeias verticais decomando e controle. As redes são primariamente relacionadas àpreservação da vida privada, onde as hierarquias centralizadaseram os domínios do poder e da produção. Agora, contudo, aintrodução da tecnologia de informação e comunicação baseadaem computador, particularmente a Internet, permite às redesintegrar a sua flexibilidade e adaptabilidade reforçando, assim,sua natureza revolucionária. Ao mesmo tempo, estas tecnologiaspermitem a coordenação de tarefas e o gerenciamento decomplexidades. Isso resulta de uma combinação, sem precedentes,de desempenho de tarefas e flexibilidade, de tomada de decisãocoordenada, de execução centralizada, de expressão global edescentralizada e de comunicação horizontal que proporcionauma forma de organização superior da ação humana.

Nos últimos 25 anos, três processosindependentes ocorreram, resultando emuma nova estrutura social baseadapredominantemente em redes: a) asnecessidades da economia de flexibilidadegerencial e de globalização do capital,produção e comércio; b) as demandas dasociedade nas quais os valores deliberdade individual e de comunicaçãoaberta tornaram-se fundamentais; e c) osextraordinários avanços em computação etelecomunicações tornados possíveis pelarevolução na microeletrônica. Sob essascondições, a Internet – uma tecnologiaque era aparentemente obscura e semmuita aplicação a não ser no mundo doscientistas de computadores, hackers ecomunidades contraculturais – tornou-se

a alavanca para transição em direção a uma nova forma de sociedade –a sociedade em redes e com ela uma nova economia.

A reflexão central do presente estudo consiste em: a) analisaras conseqüências das transformações que podem ser observadasnas atividades organizacionais realizadas nesse novo espaço; b)analisar como as organizações podem aproveitar eficientementeesse espaço nas suas atividades de pesquisa e ensino; c) planejarum conjunto de ações estratégicas visando promover a inserçãodessas organizações na chamada Sociedade da Informação,com base no uso intensivo de um modelo de gestãointegrado; e d) elaborar um conjunto de ações para fomento

À medida que a culturada partilha doconhecimento se fazpresente, a criação deum mundo global,democrático epreservador dasespecificidades locaisdeixa de ser utopia.Antes, as pessoasdeslocavam-se rumoao saber; hoje é o saberque se desloca emdireção às pessoas.

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ao desenvolvimento científico etecnológico incluindo desde pesquisabásica até ensino de graduação, comvistas a assegurar posição estratégicada universidade.

MetodologiaMetodologiaMetodologiaMetodologiaMetodologiaA questão, portanto, é: como

estruturar um processo de gestão deredes e comunidades virtuais de caráterinterdisciplinar e multi-institucional,adequadas ao atendimento das atividadespúblicas e privadas, que permita ainteração mais efetiva da academia comessas instituições, por meio de umarelação horizontal e bidirecional e queestimule o surgimento de projetosmobilizadores de formação de talentoshumanos em Tecnologia da Informação(TI), em ambiente colaborativo e comuma visão atualizada de mercado?

A metodologia proposta com o fim de dar resposta à questãoacima é uma investigação de caráter exploratório realizada porgrupos de pesquisadores de modo a conhecer e discutir osresultados da constituição desse novo ambiente3. A preocupaçãoé identificar o quanto a formação dessas redes se reflete nasações concretas desses ambientes. Portanto, a pesquisa busca:a) analisar o impacto que a formação dessas redes podem causarna gestão dessas instituições; b) analisar a geração e transferênciade tecnologia; e c) propor uma estratégia de gestão para essenovo ambiente cooperativo.

A solução proposta é a criação de um espaço virtual no âmbitoda universidade, aberto a organizações públicas e empresasde base tecnológica interessadas em projetos de inovação,com a finalidade de estimular nos participantes o esforço dereflexão, teorização e prática sobre problemas tecnológicosavançados. Dessa maneira, a inovação busca fomentar a criação deum ambiente de formação continuada de talentos, com abordageminterdisciplinar.

Para concepção do modelo são propostas as seguintesetapas: a) contextualização da Sociedade da Informação,em especial a sociedade em rede; b) análise das relaçõesentre atividades tradicionais e atividades em redes,decorrentes da utilização das novas tecnologias; e c) análisedo crescimento das interações entre órgãos públicos eprivados e grupos de pesquisa da universidade, na formação deredes de interesse, constituídas a partir de trabalhos cooperativos.

Delineamento do ProblemaDelineamento do ProblemaDelineamento do ProblemaDelineamento do ProblemaDelineamento do ProblemaA entrada no século XXI traz a

revolução da informação e dacomunicação, e redesenha o mapaeconômico do mundo, trazendomudanças profundas na forma deprodução e nas relações sociais, capazde transformar a sociedade atual em umtipo novo chamado sociedade dainformação. Essa sociedade, segundoMasuda (1995, p.55), caracteriza-se pela“substituição e ampliação do trabalhomental do homem e pela transformaçãoda sociedade humana”.

Dividida pelo autor em três fasesdistintas, a sociedade informatizadaapresenta em um primeiro momento afase da automatizaçãofase da automatizaçãofase da automatizaçãofase da automatizaçãofase da automatização: o trabalhohumano realizado com o auxílio amplodas tecnologias; um segundo, a fase dacriação do conhecimentocriação do conhecimentocriação do conhecimentocriação do conhecimentocriação do conhecimento, na qual se

prioriza a ampliação do trabalho mental do homem; e uma terceirafase, da inovação do sistemada inovação do sistemada inovação do sistemada inovação do sistemada inovação do sistema, em que ocorre um conjunto detransformações políticas, sociais e econômicas resultantes dosprocessos realizados nas fases anteriores e que possibilitará aexistência de uma democracia participativa.

Esse tipo de democracia participativa deve, segundo Masuda(1995, p.58), obedecer a seis princípios que orientam o seufuncionamento. O primeiro princípio diz respeito à participaçãototal dos cidadãos na tomada de decisão. O segundo é o deque “o espírito de sinergia e ajuda mútua deve permanecerem todos os sistemas”. O terceiro é o da garantia de quetodos devem “ter acesso a toda informação importante”. Oquarto diz respeito “à distribuição eqüitativa dos benefícios esacrifícios”. O quinto seria o da preocupação de se chegar àssoluções através de acordos e persuasão. O sexto diz respeitoao momento posterior à tomada de decisão, quando todos oscidadãos se comprometem a ajudar na implementação do quefoi decidido. De acordo com o mesmo autor, para que haja ofuncionamento efetivo de sua proposta de democraciaparticipativa é necessário haver interatividade comunicativadas redes e demais tecnologias de comunicação.

Vários fenômenos inter-relacionados estão na origem dastransformações em curso. Um deles, a convergência da base detecnologia, decorre do fato de se poder representar quase tudode uma única forma, a digital. Com a digitalização, a computação(a informática e suas aplicações), as comunicações (transmissão

A entrada no séculoXXI, traz a revoluçãoda informação e dacomunicação eredesenha o mapaeconômico do mundotrazendo mudançasprofundas na forma deprodução e nasrelações sociais, capazde transformar asociedade atual emum tipo novochamado sociedadeda informação.

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e recepção de dados, voz, imagens etc.) e os conteúdos (livros,filmes, música etc.) se integram em um único meio. Outro aspectoé a dinâmica da indústria e do comércio que, com a reduçãocontínua dos preços dos equipamentos e serviços, permite aparticipação de um número cada vez maior de usuários nesse meio.

A inserção favorável no novo paradigma requer uma basetecnológica e de infra-estrutura adequada; um conjunto decondições de inovações na estrutura produtiva e organizacional,no sistema educacional e de pesquisa, assim como nas instânciasreguladoras, normativas e do governo em geral. Assim sendo,mantidas a estrutura e as metodologias tradicionais dos cursosoferecidos pelas universidades, os profissionais chegam aomercado já com sérias deficiências de conteúdo disciplinar, decapacidade de abordar problemas multidisciplinares e de poucavisão da dinâmica empresarial moderna (RDC-TIC 2001).

A taxa de crescimento das indústrias da área de tecnologia dainformação, em nível mundial, nos últimos anos, foi muito elevada.No Brasil, a distância entre a demanda por profissionais de nívelsuperior e a capacidade de oferta instalada é muito grande e estáquantificada em diversas fontes. A despeito da criação de diversosnovos cursos de graduação, a situação continua a se agravar emvirtude da evasão observada e do encurtamento do ciclo de vidado conhecimento na área de TI.

O enfrentamento desse desafio não pode ocorrer noscontextos tradicionais. São necessários mecanismos quepermitam a educação continuada multidisciplinar e multi-institucional, a efetiva interação entre as instituições de ensinosuperior (IES) e as empresas, e a criação de espaços para reflexão,teorização e prática sobre oportunidades para inovação trazidaspela rápida evolução tecnológica. Tendo em vista esta realidade,propõe-se estabelecer estratégias para desenvolvimento decomunidades virtuais e redes cooperativas, reunindo IES eempresas, buscando ampliar eenriquecer a relaçãouniversidade-empresa,visando à inovaçãotecnológica.

Ações Estratégicas para Gestão de Redes Colaborativas eAções Estratégicas para Gestão de Redes Colaborativas eAções Estratégicas para Gestão de Redes Colaborativas eAções Estratégicas para Gestão de Redes Colaborativas eAções Estratégicas para Gestão de Redes Colaborativas eComunidades VirtuaisComunidades VirtuaisComunidades VirtuaisComunidades VirtuaisComunidades Virtuais

A partir de inúmeras possibilidades de uso das novastecnologias, pode-se construir uma nova forma não excludentede aprendizado, que proporcione informação e conhecimentopara um número cada vez maior de cidadãos. Neste contexto, aformação de redes e comunidades virtuais surge como um tipoespecífico de ação educativa sobre a realidade, cujo objetivo é aação política. Assim, redes, enquanto ações voltadas para atransformação e aperfeiçoamento dessa nova sociedade, levam àformação de comunidades colaborativas.

A comunidade virtual4 é composta por um conjunto de pessoasreunidas por um interesse comum, por meio da Internet,constituída de três tipos distintos de redes: a) redes de interesse/conhecimento, b) redes de competência e c) redes de atuação.

a) redes de interesses/conhecimentoredes de interesses/conhecimentoredes de interesses/conhecimentoredes de interesses/conhecimentoredes de interesses/conhecimento - congregam gruposinteressados em discutir assuntos, trocar informações e formarconhecimento sobre uma determinada matéria;

b) redes de competênciaredes de competênciaredes de competênciaredes de competênciaredes de competência - são formadas por um conjuntode profissionais e/ou instituições com competência emdeterminada área do conhecimento e que podem oferecer suportee assistência técnica nessas áreas, por meio da rede;

c) redes de atuaçãoredes de atuaçãoredes de atuaçãoredes de atuaçãoredes de atuação - são redes específicas para desenvolvimentode projetos bem delineados, cujas tarefas são distribuídas entre osdiversos nós da rede. Como, por exemplo, as redes de software livre,que desenvolveram o sistema operacional LINUX.

O processo de gestão de redes colaborativas possui asseguintes características inovadoras e de quebra de paradigmas:a) formação de talentos humanos em ambiente colaborativo ecom uma visão atualizada de mercado e dos problemas nacionais;b) interação mais efetiva entre a academia e instituições públicase privadas, por meio do estabelecimento de uma relação horizontale bidirecional; c) indução à interdisciplinaridade e multi-institucionalidade; d) estímulo ao surgimento de ProjetosMobilizadores, em conjunto com instituições públicas, privadas

e outras organizações; e)apoio à formação de centros

de inovação e comparti-lhamento de experiências e

competências; f) aumento damotivação dos participantes

aproximando a academia darealidade do mercado e possibi-

litando a adoção de novas práticas deensino; e g) aumento da sinergia entre

a academia e empresas, propiciandooportunidades e meios para resolução de

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problemas advindos da prática. A partir destes marcos teóricos,,,,,em uma primeira fase de desenvolvimento da investigação, deve-se elaborar um conjunto de estratégias para criação e suporte daoperação dessas redes.

As estratégias de gestão de redes colaborativas apresentadasneste artigo podem provocar mudanças na forma de gerir gruposde profissionais em redes e, por isso, exige a formação ecapacitação de gestores para este exercício, passando pelaagregação de novas habilidades e mudanças de perfil. Assim, asinstituições interessadas terão o compromisso de proporcionaraos gestores o ambiente adequado para o perfeito desempenhodas atividades necessárias à gestão e formação das redes.ConclusõesConclusõesConclusõesConclusõesConclusões

Ao concluir este artigo alguns pontos e reflexões devemser mencionados. O primeiro refere-se à formação de redescomo geradoras do conhecimento. O segundo é relativo àlógica da globalização que, favorecendo a interligação deáreas do saber e de informações, vem acompanhada dosvalores éticos de oposição às exclusões. O terceiro comoparte de uma tendência progressiva no século XXI, ondeestão sendo sinalizadas novas formas associativas;

verdadeiras mutações culturais, com desdobramentos naprodução científica, poderão trazer desafios não previstosno mundo acadêmico.

Gerência é um requisito fundamental para o sucesso doesforço comunitário baseado em resultado. Ela força a criação emanutenção de indicadores para a sua avaliação. A forma como osresultados são alcançados permite ao cidadão, ou à organização,acompanhar os resultados dos trabalhos desenvolvidos através decomunidades virtuais. Conforme Heskett (1997), grande parte daredução de criminalidade obtida pelo Departamento de Polícia deNova York, na década de noventa, deu-se graças à criação e gestãode redes de cooperação e informação entre a polícia e a comunidade.

Os sistemas sociais humanos são construídos por três tiposde relações: a) relações baseadas em poder de comando(dominância e submissão); b) relações baseadas em trocasvoluntárias (comércio); e c) relações de doação sem esperar nadaem retorno (comunidade) Pinchot, 1998. Embora todo o sistemahumano use uma combinação de poder, troca e comunidade paraestabelecer ordem social nesses sistemas, as organizações usamos três em proporção muito diferentes. A cadeia de comando daorganização tem, nas suas raízes, dominação e submissão. O

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sistema de livre mercado enfatiza transferências voluntárias entreas duas partes interessadas. Os aspectos das comunidades,baseados em generosidade e compartilhamento horizontal deformação e conhecimento, são colocados em segundo plano e,desta forma, o fator de produção e criação de novas idéias eprodutos é negligenciado.

As comunidades virtuais e as redes baseadas em computadortêm permitido uma nova dimensão ao processo produtivo. O

exemplo na área desoftware livre possibilitouo desenvolvimento deprodutos extre-mamentecomplexos, por grupos depessoas no mundo inteiro,interli-gados através daInternet. A própria web foicriada para desenvolverum projeto cooperativo naárea de física molecular,que levou à obtenção doprêmio Nobel pelo CERN

(Organização Européia para Pesquisa Nuclear), com a participaçãode centro de pesquisa em todo o mundo.

A academia tem procurado se colocar como um dos agentesda inserção das tecnologias da informação e das comunicações nasociedade, em especial, cumprindo o seu papel primordial deinstituição de ensino, mas também como incentivadora e veículodo desenvolvimento tecnológico e da transferência de tecnologiaspara a sociedade e para as mais diversas organizações, nos setorespúblicos e privados.

A atuação das universidades nas diversas áreas ligadas àtecnologia da informação inclui iniciativas que levaram a uma altacapacitação dos recursos humanos, à adequação das unidadesorganizacionais e à realização de variadas experiências emtecnologia da informação. Desse modo, a academia procurou secapacitar e prover soluções de tecnologia da informação, envolvendoatividades de pesquisa, assessoria, planejamento, projeto, integração,implantação e treinamento, no que se refere a projetos e implantaçãode sistemas de informação, de alto desempenho, usando redes dealta velocidade. Por essa razão, a formação de redes e comunidadesvirtuais mostra-se extremamente promissora para o desenvolvimentodos trabalhos nas organizações públicas e privadas.

1 O Programa Sociedade da Informação (SocInfo) foi instituído em 15 dedezembro de 1999 pelo Decreto nº 3.294, tendo sido inserido no conjuntode ações que compunham o Plano Plurianual de Ação do Governo Federal(PPA) 2000-2003. A missão do Programa SocInfo foi coordenar odesenvolvimento e a utilização de serviços avançados de computação,informação e comunicação, para impulsionar a pesquisa e a educação eassegurar a competitividade da economia brasileira no mercado mundial,com ênfase na inclusão dos cidadãos brasileiros na sociedade da informação.

2 O modelo de gestão de redes apresentado neste artigo considera osconceitos apresentados na literatura e a própria experiência da autora naformação de redes acadêmicas e comunidades virtuais (Nascimento 1999,2002).

3 Esse trabalho tem suas origens nas discussões realizadas nos grupos detrabalho da elaboração do livro verde da Sociedade da Informação (Takahashi,2000); do Primeiro Workshop Talentos Humanos para a Sociedade daInformação (2001) e das discussões do grupo composto de vinte e umpesquisadores que elaborou o Programa de Rede de Desenvolvimento deCompetências em Tecnologias da Informação e Comunicação, porsolicitação do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico).

4 Comunidade virtual é um grupo de pessoas que pode ou não se encontrarface a face e que troca palavras e idéias por meio da mediação de redes decomputadores. O termo comunidade virtual foi utilizado pela primeiravez por Howard RheinGold (1985).

Maria Elenita M. Nascimentoé PhD em Ciência da Computaçãopela University of ManchesterInstitute of Science and Technology;Professora e Chefe doDepartamento de Ciência daComputação da Universidade deBrasília (UnB) e secretária regionalda Sociedade Brasileira deComputação – SBC/Centro-Oeste.

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DA EVOLUÇÃO DAEDUCAÇÃO NAS O C I E DS O C I E DS O C I E DS O C I E DS O C I E D A D EA D EA D EA D EA D EPARA A EDUCAÇÃO NOL E G I S L AL E G I S L AL E G I S L AL E G I S L AL E G I S L A T I VT I VT I VT I VT I V OOOOO

Breve conceituação de EducaçãoBreve conceituação de EducaçãoBreve conceituação de EducaçãoBreve conceituação de EducaçãoBreve conceituação de EducaçãoAristóteles definiu tecnologia como

sendo a arte do homem em seu processode transformação do mundo. E este, sepensarmos bem, não cabe em um sóconceito. A certa altura da história ahumanidade se limitava ao planeta terra,onde “o céu era o limite” e entendeu-seque sua possessão foi dada ao homem. Emmuitos lugares onde floresceu ahumanidade tinha-se o entendimento deque o homem reinava soberano sobre omundo e tudo que ele contivesse. Istopode ter levado o homem durante muitosséculos a crer que suas ações sobre osseres e as coisas seriam conseqüêncianatural de um direito herdado ouconquistado, não cabendo julgamento devalores senão aqueles que justificassemou mesmo confirmassem esse poder.

Nos tempos de hoje, tende-se aentender o mundo como sendo dotado denatureza e vida que não pertencem aohomem; pelo contrário, a relação de podertem se invertido e toda e qualquer açãodo homem sobre as coisas precisa serautorizada não somente pela éticacomo também por um conjuntocomplexo de interesses.

Ora, se o mundo foi transformado pelohomem até o ponto de ter se podidocompreender que a relação entre ambosnão era de possessão, mas sim de

concessão, este processo levou o homema criar estruturas que garantissem,durante as passagens das gerações, asucessiva e progressiva confecção doque chamaremos neste artigo deconsciência. Qual i f icamos comoconsciência todo o conjunto deestruturas mentais que permitem aohomem se outorgar o direito de mudaro mundo, dando nome e significado àscoisas segundo sua capacidade,percepção, história e, talvez o maisintrigante, seus desejos.

Para compreender como ahumanidade imbuiu-se do direito detransformar o mundo segundo suasnecessidades é importante compreenderque toda ação possui um conjunto deinteresses que a justificam. Assim foina passagem do matriarcado para opatriarcado e na substituição da mão-de-obra escrava por trabalhadores livres,citando exemplos históricos distintose absolutamente relevantes.

Desde as primitivas formas deorganização da humanidade, a grandejustificativa da ação do homem sobre omundo foi sua sobrevivência, suaperpetuação. Ora, nenhum ser por maisefêmera que fosse sua existência faria outracoisa, caso lhe fosse dado alguma formade lutar por isso. Não se pode negar que a

Telma América Venturelli e Jales Ramos Marques

Educação

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permanência no existir tem representadoa grande pulsão do homem.

De certo modo, a humanidade temgarantido sua perpetuação com cada vezmais sofisticação sem, contudo, terconseguido ainda ser perene. Aimortalidade seria o grande triunfo dohomem sobre o mundo, porém oimperativo da morte levou o homem aconstruir em torno de seus pares umarede de estruturas, onde quem morredeixa para os que vivem seus pertences,que tanto podem ser suas conquistassobre as coisas, quanto sua arte detransformar as coisas. Tem se percebidoque o legado de alguém, quando se limitaunicamente à materialidade, traz consigocontribuições que tendem a perder valorde uso à medida que as gerações sesucedem. Por outro lado, quando aherança de um para o outro é o domíniode uma arte, a configuração inicial de umahabilidade que levará à construção de umatecnologia, a tendência de sua percepçãoe superação ao longo do tempo é muitoalta. Não fosse assim, os sumérios teriampouco significado para a humanidade, mas,além de inventar os primeiros veículossobre rodas e os primeiros tornos decerâmica, dominaram o mundo darepresentação gráfica, criando a primeiraescrita baseada nos sons da língua1. Todaa humanidade pôde herdar não somentesuas habilidades com ferramentas, comotambém uma nova e revolucionária técnicade perpetuar a fala. Assim, ainda que jánão existam povos legitimamentesumerianos, o seu legado à humanidadeos tornou perpétuos.

Neste ponto, podemos intuir que aluta da humanidade em se imortalizar atem levado a guardar seus feitos sob aforma de registros. Uma pequena partedos feitos que sobreviveram na oralidadeaté o surgimento da escrita é conhecidaaté hoje e tem ajudado a compreender alonga caminhada do homem.

Detendo nosso foco no períodoanterior à escrita, veremos que o homemtransformou o seu mundo quandocomunicou a outros homens sua jornada.Quaisquer que fossem as formas que oshomens primitivos tivessem encontradopara se comunicar com seus pares, o fatode expressarem seus pensamentos, repre-sentou a primeira grande revoluçãohumana. Quando, em um ajuntamento dehomens, foi possível estabelecer umconjunto de códigos comuns, em que todaa ação destes sobre o mundo pôde nãosomente ser partilhada como tambémpactuada, viu-se nascer ali uma cultura.Uma outra e mais importante revolução

estaria por acontecer no meio deste grupo.Não bastava que os adultos conhecessemos códigos, foi necessário fornecer às novasgerações o mesmo padrão de cultura, deconsciência. Nasceu, assim, da necessidadee do desejo de permanecer no mundo semter sempre que começar do vazio, a grandearte do homem sobre si mesmo e sobre osoutros, a educação.

Se voltarmos a Aristóteles, veremosque a educação é, na verdade, fruto dacriativa ação do homem sobre o mundo,sobre a história, uma tecnologiaempregada desde o seu princípio com afinalidade de construir consciência e gerarou mesmo aperfeiçoar habilidadesnecessárias à sobrevivência imediata e àperpetuação de uma cultura.

Ainda que não possamos nos deterinfinitamente no valor de uso daeducação, cabe ainda comentar que a artede educar garantiu a sobrevivência do

conhecimento e da cultura construídos econquistados pelos grupos humanos; suaimportância mudou sua natureza. Ora, seprimitivamente era vital ensinar a cultura,à medida que o homem foi acumulandoconhecimento e domando o mundo, oconhecimento se tornou mais importanteque a educação, que o homem. Muito maisvalioso do que a educação seria o saberacumulado que ela carrega em suanatureza essencial.

Se Platão estiver certo, sendo o homemmau em sua origem, à medida queconquistou o mundo à sua volta, construiupara si e para seus pares estruturas que osprotegessem; só poderia haver um

empecilho para a sua total realização, amorte. Não há nada mais temido entre oshomens do que ela! Em nome deste medo,os homens criaram a sua pior dependência:a acumulação. A acumulação gerou o poder.Se a educação é uma tecnologia que,empregada adequadamente, perpetua todoo saber de um povo até aquele ponto, logosua acumulação gera mais poder do quegeraria apenas possuir ouro ou armas.

Mas, não é o fato de educar que gerapoder; é o produto do educar, oconhecimento, a consciência em últimainstância que leva a isto. Ao longo dahistória, os grupos humanos compre-enderam que o poder advindo daacumulação de conhecimento trouxe outroganho: o poder de decidir para quem, emque dose e como passar esse conhe-cimento para frente. Em quase todas associedades, a distribuição de educação eseus produtos tende a ser feita propor-

Nasceu, assim, da necessidade e dodesejo de permanecer no mundo semter sempre que começar do vazio, agrande arte do homem sobre si mesmoe sobre os outros, a educação.

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cionalmente à posição estratégica que cadaindivíduo ocupa neste mundo.

Não se trata aqui da justificação dasegregação; pelo contrário, assim como arelação entre mundo e homem temmudado axiologicamente, o conhecimentotenderá a ser de menor valor do que opróprio homem; este é o nosso desejo, onosso emblema.

Distribuir educação indistintamente foiemblema de muitos homens do passado,tem sido no presente e se perpetuará atéque o homem domine mais esta arte. Emnome deste desejo, a educação tem sidoum dos principais focos do ideário delibertação da dominação de um povosobre o outro.

Em nome desta libertação, os gruposhumanos têm diversificado as formas comoeducam. Algumas sociedades construíramestruturas fixas, dependentes ideológicae financeiramente e, assim, passíveis deserem controladas; outras optaram porsistemas relativamente abertos e indire-tamente controlados.

O modelo de educação montado poruma sociedade reflete, via de regra, o valorestratégico que este grupo atribui àdistribuição de conhecimento e à formacomo projeta o seu futuro.

À medida que o homem foi seaperfeiçoando na arte de dominar o mundo,tendo criado para si um mundo privadochamado trabalho, suas preocupações eocupações aumentaram e o saber de quenecessita para entender e sobreviverassumiu volume e intensidade angus-tiantes. A escassez ou abundância detrabalho determinou em alguns momentosda história da humanidade as diretrizespara a distribuição de educação.

O trabalho, entendido como umconjunto organizado das ações doshomens sobre as coisas e os valores, tendea tornar-se raro à medida que o mundo talqual o conhecemos escasseia seusrecursos. O que nos leva a um novo

paradoxo: quanto mais rudimentar otrabalho, menor a necessidade dedistribuição de conhecimento e quantomais saber é posto à disposição doshomens menores serão suas chances deassumirem postos de trabalho, tendo emvista que as vagas são menores do que onúmero de pessoas dispostas a assumiraqueles postos. Lembrando Platão,podemos novamente intuir que não a

acumulação, mas sim a propriedade dasvagas de trabalho, outorga ao grupoproprietário um grande poder de decisão.

Nossa análise aponta para o tripéeducação-saber-trabalho como sendo umnó, cuja habilidade de desatar dependeda capacidade de produzir novas artes emeios menos agressivos de dominaçãodo mundo. Contudo, vemos adianteoutro paradoxo para viabilizar novasformas de produção: é necessáriocontinuar distribuindo educação. Paraisto é preciso que o projeto de futurodesta ou daquela sociedade seja lidarcom o mundo respeitando seus limites,uma revolução difícil de ser encaminhadaem um mundo humanamente desigual einjustamente capitalista.

Se pudéssemos nos deter nestacontradição, poderíamos compreender porque tantos jovens pobres ou ricosfracassam nos sistemas escolares empaíses cujos projetos de futuro, ou nãosão muito claros, ou pior, são poucoconhecidos e partilhados entre o conjuntode sua população. Ao contrário, em paísesonde a história de formação dos povos osencaminhou a uma construção solidária eresponsável das suas comunidades, o níveldas desigualdades educacionais tende aser minimizado por políticas de proteçãoe garantia de direitos.

Segundo diversos autores, a educaçãonão é uma panacéia salvadora dahumanidade que leva o homem a distribuirou a reter educação mais ou menosdesigualmente. Contudo, não se podenegar que sua distribuição tenderá a gerarnovos saberes, novas revoluções, uma vezque a assimilação dos signos e suaresignificação transformam o mundohistoricamente vivido pelo homem.

Em nossa proposição inicial, queseria discutir neste artigo a Educação aDistância (EAD) e seu processo deconstrução, não pudemos nos furtar aoexercício de discutir primeiramente oque é educação e como o homemconstruiu para si este mecanismo dereprodução e revolução do conhe-cimento, sua maneira particular depermanecer para sempre.

A capacidade de superar obstáculos,apreendida pelo homem em seu percursopelo mundo, tem transformado situaçõesde falta2 em momentos de criação. Nadamais estimulante para o ser humano doque encontrar um desafio diante de si. Efoi assim que ao longo dos últimos quatroséculos, homens e mulheres alijados doprocesso educativo formal têm encontradomaneiras alternativas de acessar oconhecimento. Dentre estas formas,destaca-se a EAD que começou a partirde manuais do tipo “faça você mesmo”3 no

... a luta da humanidade emse imortalizar a tem levadoa guardar seus feitos sob aforma de registros.

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século XVIII e se popularizou um séculodepois com os cursos por correspondência.No século XX, a EAD utilizou o rádio e atelevisão como meios de distribuição doconhecimento. Com o advento da Internet,a partir dos anos 80, pode-se testar aviabilidade de disseminar conhecimentode maneira totalmente virtual.

A EAD trilhou um caminho difícil atétornar-se reconhecida por sua eficácia erelevância. Primeiramente foi confundidacom uma educação de menor valor pordedicar-se à formação profissional paracarreiras pouco complexas e por dispensargrande parte do aparato dedicado aoensino presencial. À medida que as tarefasno mundo do trabalho foram se tornandomais complexas e que a escassez de postosde trabalho, aliada à acumulação cada vezmais centralizada de capital, pressionaramos jovens mais pobres a abandonarem ossistemas de ensino presencial preco-cemente, a EAD fortaleceu-se comoalternativa de formação básica e superior.Contudo, a grande desconfiança em tornoda EAD residia na incredulidade de que oser humano é capaz de aprender sozinhoou com pouca dependência de instruçãoexterna. A necessidade de superarcondições de vida pouco favorecidas, odesejo de reconhecimento e a satisfaçãopessoal são estímulos que levam os alunosdesses cursos a encontrar força e tempopara adquirir o saber requerido.

O horizonte epistemológico da EADreside justamente na autonomia e nacapacidade do homem de aprender porconta própria. A partir do momento emque o saber é sistematicamentedesmistificado, nada pode impedir ohomem de adquiri-lo, a não ser oimperativo perverso da sua nãodistribuição.

Educação no Senado FederalEducação no Senado FederalEducação no Senado FederalEducação no Senado FederalEducação no Senado FederalConquanto houvesse iniciativas

isoladas quanto à qualificação de servidores

das duas casas do Congresso Nacional, atransferência sistemática de conhe-cimentos e técnicas por meio do ensinosó foi sistematizada após a criação doCentro de Informática e Processamentode Dados do Senado Federal –PRODASEN - nos primeiros anos da décadade 70. O Ato de criação definia que aqueleórgão teria como missão a modernizaçãodos procedimentos e a otimização dosprocessos administrativos do Senado e dosprocessos legislativos das duas Casas doCongresso. Modernizar, vale dizer, é amaneira de incorporar novos métodos etécnicas que possam atuar diretamentenos processos e procedimentos. Foi coma utilização de ferramentas de auxílio emelhora da qualidade dos processos eprocedimentos das áreas enfocadas quese iniciou o processo de transferênciatecnológica e metodológica noCongresso Nacional.

Podemos dizer, então, que a educaçãono Senado Federal deu seus primeirospassos no Centro de Informática eProcessamento de Dados do SenadoFederal. Foi com este espírito que aequipe concentrou-se no levantamentodas necessidades das frentes de trabalho.Foi então detectada e implementada acriação de um setor, naquele Centro deInformática, que se ocuparia da função detreinamento e desenvolvimento dosrecursos humanos de seus usuários. Foram

disponibilizados cursos presenciais aosfuncionários das duas Casas nas áreasprioritárias à consecução dos objetivospretendidos. Começava, assim, o processode ensino e aprendizagem de formasistemática dos servidores do SenadoFederal, de setores da Câmara dosDeputados e do próprio PRODASEN. Esteprocesso teve início com o treinamentona utilização de equipamentos eaplicativos, à época disponibilizados. Aospoucos, esse treinamento presencial foisendo adaptado para um treinamentomaciço, que embora acontecesse nasdependências do Centro de Treinamentodo PRODASEN e fosse monitorado porinstrutores, caminhava para uma outrarelação entre treinando e ensino. Assim,começou-se a desenvolver algunsaplicativos na área de educação, do tipo“faça você mesmo”.

Por outro lado, começava também umoutro processo de transferência deconhecimentos na qualificação técnica parao desempenho de funções no âmbito dainformática no PRODASEN. Com o tempo,descobriu-se que era de vital importânciaa agregação de outros órgãos da estruturados outros Poderes da República.Começou, então, um processo detransferência de conhecimentos no uso datecnologia baseada no PRODASEN paraos Tribunais Superiores, para Ministériose outros Organismos do Executivo Federalna disseminação de informações por meioda tecnologia de criação, alimentação edisponibilização de Bases de Dados.

A necessidade das AssembléiasLegislativas de utilizar os recursoscolocados ao dispor dos integrantes deuma rede que se expandia rapidamentesurgiu quase que em paralelo. E, nesseinstante, a transferência de conheci-mentos começa a ser repassada aosLegislativos Estaduais, às Universidades,às empresas públicas, aos GovernosEstaduais e às Câmaras Municipais de

(...) a cada diasurgem novasmaneiras de usar ocomputador comoum recurso paraenriquecer efavorecer oprocesso deaprendizagem.

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algumas capitais brasileiras que foram seinterligando ao Sistema de Informações doCongresso. Toda esta rede estavafortemente apoiada nas transmissõestelefônicas ponto a ponto, que importavam,de certa forma, em alto custo financeiro,além de outros problemas como o daqualidade de transmissão de dados. Otreinamento para acesso e utilização aindapermaneceria centralizado por um bomtempo. Enquanto isto, a demanda dasociedade pelo acesso aos sistemasdisponibilizados continuava crescendo.Começaram a aparecer no mercadosoftwares mais conversacionais e esteprocesso teve uma aceleração significativacom a chegada dos microcomputadores eseus sistemas operacionais muito maissimples que os dos computadores de grandeporte utilizados por aqueles sistemas doPRODASEN.

A Assembléia Legislativa de MinasGerais foi uma das pioneiras na criação ealimentação de bases de dados estaduais.O PRODASEN colaborou, não só no iníciode seu processo de informatização, criandoe armazenando bases de dados dalegislação daquele Estado, mas tambémno treinamento de seus servidores. Maisrecentemente, foi criada a Escola doLegislativo da Assembléia Legislativa deMinas Gerais. Por seu lado, o SenadoFederal, por meio da Secretaria deDocumentação e Informação (atualSecretaria de Informação e Documentação)e seus órgãos subordinados, ministravacursos e treinamentos. Assim, a entãoSubsecretaria de Análise (atualSubsecretaria de Informações) dava cursospresenciais de indexação de documentos,enquanto a Subsecretaria de Bibliotecatreinava os bibliotecários da rede napadronização da catalogação e indexaçãodo acervo das bibliotecas conveniadas.

Com o advento da Internet, que veiotrazendo em seu bojo facilidades de acessoe conseqüente melhora das soluções de

softwares conversacionais, as neces-sidades educacionais mudaram de rumo.Paralelamente a este processo externo, oSenado Federal se preparou internamentepara superar as suas dificuldades. Criou oInstituto do Legislativo Brasileiro – ILB e,mais recentemente, a Universidade doLegislativo, com a finalidade de administrar,coordenar, desenvolver e aplicar asnecessidades de treinamento dos servidoresdo Senado Federal.

Há cerca de três anos nasceu, dentrodo PRODASEN, um projeto ambicioso queteve por missão criar a Comunidade Virtualdo Legislativo Brasileiro – o INTERLEGIS.Este projeto tornou-se viável quando oSenado Federal assinou um contrato definanciamento com o Banco Interamericanode Desenvolvimento – BID –, comcontrapartida financeira do governobrasileiro, para sua implementação. Umdos seus pi lares é chegar àscomunidades por meio do LegislativoMunicipal. Foram criadas várias áreasdentro do Interlegis; dentre elasdestacamos uma que enfeixa a área denosso interesse neste artigo que é a deensino e, agora, a de Ensino a Distância– EAD. Como dissemos anteriormente,educação está na ordem de nosso dia adia. Nunca se falou tanto de suaimportância quanto hoje. O acesso aoensino tornou-se não só um direito doscidadãos, mas também é a nova molapropulsora da economia baseada noconhecimento; tanto é que são grandesas expectativas em torno do EAD.

Invariavelmente, a cada dia surgemnovas maneiras de usar o computador comoum recurso para enriquecer e favorecer oprocesso de aprendizagem. As possibi-lidades de uso do computador comoferramenta e d u c a c i o n a l e s t ã oc r e s c e n d o e o s l i m i t e s d e s s aexpansão são desconhecidos. Issodemonstra que é possível alterar o quehoje está centrado no ensino para alguma

outra visão que seja centrada naaprendizagem.

As dificuldades de ordem econômicadas comunidades brasileiras têmcontribuído para a introdução decomputadores na educação. A exemplodisto, temos o trabalho que o Ministérioda Educação tem feito nesta área e,também agora, o Senado Federal, por meiodo Interlegis, tem feito uso dessaferramenta como meio de transferirconhecimento agrupado em temas deinteresse dos legisladores municipais,estaduais e das comunidades. Aferramenta é disponibilizada e seu uso émais extenso. Atende, assim, a uma amplagama de domínios do conhecimentolegislativo, da diversidade de interesses eda capacidade dos alunos. Os alunos dosCursos de EAD do Interlegis passamativamente a buscar e recuperar infor-mações e conhecimentos que podem serinterligados, construindo, assim, um novocenário na sua comunidade. Com isto, alémde transferir conhecimento, o Interlegisleva cidadania.

1 Nova Enciclopédia Barsa . São Paulo:Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações,2000. v. 13, p. 428.2 Privação, carência, carecimento.Dicionário Aurélio Eletrônico. Século XXI.Versão 3.0 – Nov. 1999.3 Nunes, 1998 apud Bragra, 1999:66.

Telma AméricaVenturelliConsultora deEducação - PNUDPrograma Interlegis

Jales Ramos MarquesConsultor de CiênciaPolítica - PNUDPrograma Interlegis

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om 27 anos, formado em Antropologia e recém-contratadopelo SPI (Serviço de Proteção aos Índios), Darcy Ribeiro fez duasexpedições ousadas, ambas para tribos dos índios Urubu-Kaapor,localizadas no Maranhão e no Pará. Temporadas de até dez mesesde viagem, muitos relatos da cultura e dos mitos, das relaçõesgenéticas e sociais, relatos de morte e de vida. É vidaprincipalmente, vida indígena, o que se lê nas cartas que Darcyescreveu a sua esposa Berta sobre as expedições feitas de 1949a 1951. “Berta, abro este diário com o seu nome. Dia a diaescreverei o que me suceder, sentindo que falo com você. Ponhasua mão na minha mão e venha comigo. Vamos percorrer milquilômetros de picadas pela floresta, visitando as aldeias índiasque nos esperam, para conviver com eles, vê-los viver, aprendercom eles”, escreveu Darcy, nas primeiras linhas.

As cartas foram escritas em oito diários, onde Darcy, paraenganar a distância e repartir o mundo que lhe encantava osolhos, riscou cada palavra como se estivesse na presença deBerta, contando animadamente de sua admiração, suasdescobertas, em terra de índio. Quarenta e seis anos depois,Darcy reuniu os diários em um único volume: Diários Índios – OsUrubus-Kaapor (Companhia das Letras, 1996). Obra de palavras edesenhos, que alia o olhar do pesquisador à voz do índio. Cadernosde lamento face à incompreensão do branco em relação à culturaindígena. Mais que isso. Nestes escritos há o orgulho da herançagenética tupinambá, que corre nos braços da nação brasileira. Ena sua língua.

Da expedição, não nasceu apenas um livro. Nasceram estudos,e um deles, embora já exista desde o século 16, com o trabalho depadres jesuítas no Brasil, hoje assume importância crescente na

academia brasileira e mundial, e começa a ser reconhecido nomeio político: o estudo das línguas indígenas. No prefácio deDiários Índios, Darcy conta que um dia um índio pegou seu diárioe, na presença de outros índios, fingiu que escrevia a conversa doseu povo. “Trapaceiro”, brincou Darcy. A trapaça devia-se a umúnico fator: a língua indígena era, até então, praticamente ágrafa.Cenário que Darcy Ribeiro fez questão de mudar, destacando-se,assim, como um importante incentivador dos estudos das línguasindígenas no Brasil.

Um dos personagens do capítulo dessa mudança é Max Boudin,lingüista francês que participou da expedição entre os Kaapor.Max Boudin estudou o dialeto tembé, da língua tupi de uma tribodo norte do Pará, compilando-o em dois dicionários. “Osdicionários de Boudin são referência no estudo desta língua”,explica o lingüista Aryon Dall’Igna Rodrigues, coordenador doLaboratório de Línguas Indígenas (Lali) da Universidade de Brasília(UnB) e o maior especialista em línguas indígenas do País.

Hoje, menos de 100 índios falam o tembé. A professora AnaSuelly Arruda Câmara Cabral, doutora em Lingüística que orientouestudos sobre essa língua na Universidade Federal do Pará(UFPA), diz que o trabalho requer urgência: “A língua estáfortemente ameaçada de desaparecimento.” A urgência dedocumentar e revitalizar a língua não diz respeito só ao tembé,mas à maioria das línguas indígenas brasileiras. Para surpresadaqueles que pensam que o Brasil é um país monolíngüe, arealidade é outra: há cerca de 180 línguas indígenas. E, de acordocom o lingüista Aryon Rodrigues, antes da chegada dosportugueses ao Brasil, existiam 1.200 línguas indígenas faladasde norte a sul do País. Em média, mais de duas línguas

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desapareceram por ano, desde a colonização. A péssima notícia éque o extermínio continua.

Por muito tempo se pensou que os índios seriam totalmentedizimados. Massacres, doenças, invasões, catequização eprocessos de civilização forçados. Atualmente, a realidade, quantoao crescimento populacional, mudou. Segundo o último censo doIBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), feito em2000, há 701.462 índios no Brasil, o dobro do total apurado nocenso de 1991. Como explicar? Para Márcio Santilli, ex-presidenteda Funai e autor do livro Os brasileiros e os índios, Senac, 2000,o risco de extinção diminuiu porque os índios desenvolveramnovas imunidades, superando o “trauma dos primeiros contatos”.

Entretanto, se a integridade física dos índios está em melhorsituação, ainda que ameaçada, um censo populacional não revelaas agressões à alma. Língua é uma questão de alma, de essência,de auto-valorização, assim como outros aspectos da culturaindígena. Roubados na língua, os índios são roubados em suaessência, com brutalidade semelhante à invasão do seu território,a chamas de fogo insano, ao desconhecimento da nação brasileirada riqueza que existe e, sofridamente, resiste no nosso território.

Riqueza brasileira –Riqueza brasileira –Riqueza brasileira –Riqueza brasileira –Riqueza brasileira – O povo brasileiro leva na língua a herançados primeiros habitantes do País. Milhares de palavras indígenasajudam a formar o português. Só do tupinambá, conhecido comotupi antigo, há dez mil vocábulos nomeando animais, plantas,rios, cidades. Mas, falar as palavras Niterói, capivara, jacarandá,Paraíba, todas da língua tupinambá, e outros vocábulos indígenas,não torna ninguém conhecedor do assunto – e de sua importância.Falar de língua indígena, além de desbravar nossa própria herançae descendência, é falar de complexidade. Temos uma variedadede línguas e dialetos indígenas que, mais do que compor a línguaportuguesa do dia a dia, revela o conhecimento milenar do índio,seu dom de nomear a vida.

São 180 línguas indígenas brasileiras agrupadas, segundosimilaridades encontradas entre elas, em quase 40 famíliaslingüísticas, das quais dez pertencem ao tronco lingüístico Tupie 12 ao tronco Macro-Jê. O número de línguas por família varia deuma a trinta. Há famílias com apenas uma língua, conhecida como“língua isolada”, devido a sua singularidade genética.

Além das diferenças genéticas, existe grande diversidadetipológica entre elas, como variações gramaticais e fonéticas, por

exemplo. Um caso interessante é o da língua pirahã, que segundoo lingüista Aryon Rodrigues “tem o menor inventário de fonemaslingüísticos do mundo”. Falada junto a um dos afluentes do rioMadeira, no Amazonas, o pirahã é formado, apenas, por seisconsoantes e três vogais.

Com mais de 30 mil falantes, o tikuna, nas margens do rioSolimões, é a língua indígena mais falada no Brasil. A família maisdistribuída no território brasileiro é a Tupi-Guarani, presente noAmapá, no norte do Pará e Rondônia, no Paraná, em Santa Catarinae no Rio Grande do Sul.Vale ressaltar que a línguatupi não é igual à guarani,com diferenças equiva-lentes às encontradasentre o português e oespanhol.

Em média, há cerca de1.500 falantes para cadalíngua indígena. Contudo,por volta de 80% delaspossuem menos de milfalantes, compondo umquadro preocupante.Línguas com menos de milfalantes são consideradasfortemente ameaçadas deextinção.

Alerta -Alerta -Alerta -Alerta -Alerta - A língua xipaya, falada no município de Altamira, noPará, é um exemplo de língua praticamente extinta. De acordocom o mestrando em línguas indígenas Lucivaldo Silva daCosta, de 29 anos, há apenas uma falante da língua, a índiaMaria Xipaya. Todas as quintas e sextas, entretanto, Mariase encontra com missionários lingüistas para ajudar nadocumentação do xipaya. O objetivo é fazer uma cartilhaescolar, a fim de alfabetizar os índios na língua. Mas, naopinião do lingüista Aryon Rodrigues, revitalizar uma línguasem que exista ao menos um pequeno grupo de pessoas queainda a falem é impossível.

Se há uma vaga esperança para o xipaya, ainda que ilusória, omesmo não se pode dizer do kuruaya, língua falada também em

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Altamira. Com apenas dois falantes, que não sabem mais do quefrases isoladas, e sem nenhum estudo de documentação, “a línguaestá praticamente morta”, lamenta Lucivaldo, que diz que deveser feito todo o possível para evitar que o fato se repita comoutras línguas. Ele estuda o xikrin, dialeto kayapó, da família Jê,no sul do Pará. O xikrin é falado fluentemente por todos os 800índios da tribo, onde poucos sabem o português.

A pesquisadora Marina Maria Silva Magalhães, de 25 anos,assim como Lucivaldo, optou por estudar a língua dos povosindígenas. Escolheu a língua guajá, da família Tupi-Guarani, nadivisa do Maranhão com o Pará. Dos 600 índios da tribo, apenasum fala o português. Para manter a língua viva, o governo einstituições de proteção ao índio estão planejando fazer cartilhaseducacionais em guajá. “Será a realização prática do meu trabalho”,diz Mariana, que atualmente trabalha na tradução dos escritos dopadre José de Anchieta, sobre línguas indígenas, na UnB.

A educação é uma das principais formas de revitalizar e mesmoresgatar línguas indígenas. Mas, a morte das línguas podenão significar o fim. A história dos povos Mura e Baré, naAmazônia, traz esperança. Eles não falam mais a língua nativa,mas estão falando o nheengatu, conhecido como língua gerallíngua gerallíngua gerallíngua gerallíngua geral.“Trata-se de um fato positivo que se verifica em tribos deoutros estados brasileiros”, revela o professor AdemirRamos, diretor do Departamento de Desenvolvimento Humanodo Instituto da Amazônia (OSCIP).

Educação indígena -Educação indígena -Educação indígena -Educação indígena -Educação indígena - Receber educação na língua materna passoua ser um direito do índio, reconhecido na Constituição de 1988,no Capítulo VIII, intitulado “Dos Índios”, e no Capítulo III. Aprofessora Ana Suelly Cabral, ex-funcionária do extinto programaPró-Memória, do Ministério da Cultura que, no início da décadade 80, financiava programas de educação para grupos minoritários,entre eles os índios, e junto com outras instituições ajudou a

formular a Constituição sobre a questão indígena, conta queantes o índio era alfabetizado apenas em português. “O

Ministério da Educação foi sempre indiferente aoassunto, até a última Constituição”, diz Aryon

Rodrigues.“Hoje, defende-se aeducação bilíngüe, tendoo índio como seu própriogestor em parceria comestudiosos da área”,

explica Ana. “Apreser-vação daslínguas deve ser

feita a partir de uma política de valorização cultural, garantindoos direitos funda-mentais dos povos indígenas comodemarcação adequada do território, fortalecimento daeconomia comunitária e a implementação de um sistemaeducacional diferenciado”, enfatiza o antropólogo AdemirRamos.

De acordo com o jornalista Raul Moreira, poucos governosse esforçam para preservar as línguas nativas. Ele conta que“na Austrália, país onde a colonização inglesa fez desaparecer150 das 350 línguas aborígines, o governo local, reconhecendoa sua culpa, está desenvolvendo uma política multiculturalvisando à recuperação da identidade étnica. Ao contráriodo passado, as crianças aborígines são educadas combase no bilingüismo”.

No Brasil, política semelhante começa a ser adotada. ASecretaria de Educação de Manaus, assim como as de outrosEstados, está produzindo material didático onde os índiosparticipam como autores. “É impressionante ver como elesse sentem valorizados, orgulhosos de sua cultura, noprocesso de resgate de sua língua”, diz Darcy HumbertoMichiles, deputado federal pelo Amazonas, que foiSecretário de Educação em Manaus e apoiou, em 1998, apublicação de cartilhas na língua sateré-mawé ou, comodizem os índios, as cartilhas Mowe’eg hap. Michiles cresceuentre os índios Sateré e foi na sua gestão que se criou umapolítica etnolingüística no Estado. O Amazonas é o únicoEstado com um Conselho Estadual de Educação EscolarIndígena, onde os 28 conselheiros são índios, escolhidospelos próprios povos.

No final de fevereiro, a Universidade Federal doAmazonas em parceria com o governo estadual publicou oAtlas Sócio-Lingüístico, com o trabalho da lingüista AnaCastelo Branco. “No Amazonas, há 59 grupos étnicos e sãofaladas vinte e nove línguas indígenas”, afirma o professorAdemir Ramos. Os dados não consideram as tribos isoladas.Tendo em conta a carência de números e estatísticas oficiais,o Atlas significa um grande avanço para os estudos sobre ospovos indígenas.

Mapa da história –Mapa da história –Mapa da história –Mapa da história –Mapa da história – O primeiro a descrever uma línguaindígena, no Brasil, foi o padre José de Anchieta (1534-1595).Ele escreveu a Arte de Grammatica da Lingoa Mais Usada naCosta do Brasil, publicada em 1595. Poemas, peças de teatro,obras de valor literário foram também escritas em tupi.

Atualmente, pesquisadores nacionais e estrangeirosresgatam os escritos de Anchieta, com o objetivo de

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levá-los ao público em geral. A UnB, em parceria comas Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro,as Universidades de Granada e de Salamanca, naEspanha, estão fazendo uma edição crítica das obrasde José de Anch ie t a , e sc r i t a s em por tuguês ,tupinambá, espanhol e latim.

O Padre José de Anchieta, no entanto, não foi o único aestudar a língua indígena nos primeiros séculos do Brasil.Outros padres o fizeram. E por motivos diferentes, outrosestudiosos dedicaram-se a desvendar a língua. Portugueses,pesquisadores estrangeiros, missionários-lingüistas,acadêmicos do século 21. A lista é longa, os motivos dadocumentação das línguas variam, com direito até mesmo ahistórias de valor cinematográfico.

De acordo com o lingüista Aryon Rodrigues, o estudodas línguas indígenas pode ser dividido em três fases. Naprimeira, que abrange o período colonial, destaca-se otrabalho dos padres jesuítas sobre algumas poucas línguasindígenas e sobre a língua gerallíngua gerallíngua gerallíngua gerallíngua geral – a língua falada pelosmamelucos, resultante da língua das mães indígenasinfluenciada pela cultura portuguesa –, que no século 19recebe o nome de nheengatu (língua boa), com os estudosdo general José Vieira Couto de Magalhães. Autor da obraO Selvagem, a pedido de D. Pedro II, Couto de Magalhãesestudou o nheengatu e produziu uma gramát icada l íngua, disposto a “civil izar” os índios.

Ao período colonial também pertence uma das maisincríveis histórias vividas em solo brasileiro: as aventuras doalemão Hans Staden, que documenta a cultura indígena comgrande riqueza de detalhes. Após ter sobrevivido a umnaufrágio no litoral de Santa Catarina, em 1549, Stadentrabalhou por dois anos como artilheiro no Forte de Bertioga.Acabou sendo capturado por índios tupinambá, da tribo deUbatuba, e inventou uma série de mentiras para não serdevorado em um ritual antropofágico. Depois de um ano deprisão, conseguiu se safar da morte, voltou para a Alemanha epublicou, em 1557, o livro Hans Staden: A verdadeira história doseu cativeiro. Lançado em várias edições em alemão, francês elatim, o livro tornou-se um best-seller na Europa do século 16.

Embora a história de Staden tenha sido por muito temporelegada pela historiografia brasileira e ainda esteja ausentedas salas de aula, encontrou seu lugar na literatura e no cinema,além de despertar a atenção de lingüistas. Monteiro Lobatofez uma recontagem do livro. Na década de 70, o cineastaNelson Pereira dos Santos produziu o longa-metragem “Comoera gostoso o meu francês”, com alguns desvios da obra

original. Em 1999, sob a direção de Luiz Alberto Pereira, foilançado o filme “Hans Staden”, fiel à história. Premiado no Festivalde Brasília, este filme teve a participação do lingüista EduardoNavarro, autor dos livros Método Moderno do Tupi Antigo (EditoraVozes) e Poemas, LíricaPortuguesa e Tupi deJosé de Anchieta(Editora Martins Fon-tes), que ensinou a pro-núncia do tupinambápara os atores. Resul-tado: já é possívelassistir a um filme, quetambém está dispo-nível em DVD, comdiálogos quase todos nalíngua tupinambá.

No século 18, oMarquês de Pombaldetermina que só alíngua portuguesadeveria ser falada noBrasil, com a ameaça deaté 20 anos de prisãopara quem desobe-decesse à ordem. A despeito do decreto, otupinambá é falado por duas a cada três pessoas até o século 19.A situação, contudo, se alteraria rapidamente. Por volta de 1830,houve um levante no Pará. A população local se rebelou contra oscomerciantes portugueses, num episódio que ficou conhecidocomo Cabanagem. Os brasileiros pediram ajuda ao governo. Emresposta, o governo enviou a Marinha de Guerra que reprimiuviolentamente a revolta. Segundo o lingüista Aryon Rodrigues,um dos critérios para matar foi a língua. “Aqueles que falavam alíngua geral foram perseguidos e mortos”, conta. “Foi umverdadeiro genocídio”. Anos depois, com o ciclo da borracha,nordestinos migraram para a região. Com a predominância dalíngua portuguesa, o tupinambá desapareceu de grande parte daAmazônia.

A colonização portuguesa foi extremamente nociva às culturaslocais. Na Índia, por exemplo, são faladas 500 línguas. Já empaíses africanos de colonização portuguesa, como Moçambiquee Angola, houve um extermínio de línguas. Nos países africanosvizinhos, não colonizados pelos portugueses, isso não aconteceu.

Documentar –Documentar –Documentar –Documentar –Documentar – No século 19, inicia-se uma outra fase dedocumentação das línguas indígenas, por meio do trabalho de

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naturalistas, principalmente alemães. Destaca-se Carl FriedrichPhilipp von Martius, que fez uma coletânea de vocabulários emvárias línguas, de diversos autores, intitulada Glossaria LinguarumBrasiliensium, publicada em 1867. A motivação era adquirirconhecimento científico, porém o trabalho era muito limitado.Assim como coletava amostras de plantas, por exemplo, opesquisador dessa época coletou amostras de vocabulário.

Alguns anos mais tarde, já no século 20, o estudo éampliado e passa a estabelecer relações genéticaslingüísticas. Neste período, os trabalhos são de etnógrafosalemães como Theodor Koch-Grümberg, que publica umaobra de cinco volumes sobre a cultura indígena de tribos do

extremo norte do Brasil, Guianas e Venezuela e sobre alíngua taurepáng, da família Karib, do norte amazônico; KarlVon den Steinen, antropólogo alemão que fez uma gramáticado bakairí, da família Karib; Curt Nimuendajú, coletor dedados de muitas línguas e autor de um importante mapaetnolíngüístico do Brasil.

No início do século 20, destacaram-se os estudos dohistoriador brasileiro Capistrano de Abreu sobre a língua kaxinawá,do Acre, obra que, apesar de exemplar, infelizmente não estimulouninguém a dar continuidade à pesquisa. De 1914 a 1940, há poucosestudos sobre o tema. Mas, dias melhores viriam.

Divisor de águas –Divisor de águas –Divisor de águas –Divisor de águas –Divisor de águas – A terceira fase é considerada por muitoscomo um marco na história dos estudos das línguas indígenas.Em 1956, Darcy Ribeiro e os antropólogos do Museu Nacionalapóiam a vinda da Summer Institute of Linguistics (SIL) para oBrasil, uma instituição norte-americana formada por missionários-lingüistas de diversas nacionalidades que continuam trabalhandono Brasil e, segundo a lingüista da Universidade Federal de SãoCarlos, Ceci Maria Aparecida Honório, fez um extenso eimportante trabalho de documentação, no momento em que aacademia dava seus primeiros passos no assunto.

Responsável por três volumes de gramáticas da línguaindígena, o Handbook of Amazonian Languages, a SIL fez atradução do Novo Testamento para 13 povos indígenas brasileiros.A tradução da Bíblia para o tikuna foi a mais demorada: 34 anos.

Em 1960, Joaquim Mattoso Câmara funda o Setor deLingüística do Departamento de Antropologia do MuseuNacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),onde os missionários da SIL realizam seus estudos com base noEstruturalismo. Ainda na década de 60, um convite importantecolocaria, definitivamente, e apesar dos percalços, a academiaem contato com a escrita do índio. Darcy Ribeiro, na épocareitor da Universidade de Brasília (UnB), convida o lingüistaAryon Rodrigues para criar, na UnB, o primeiro Departamentode Lingüística do Brasil. Rodrigues, que havia feito seudoutorado sobre o tupinambá, na Universidade de Hamburgo,na Alemanha, aceitou o desafio, e também iniciou, no País, oprimeiro curso de pós-graduação em Lingüística. Só que duroupouco. Com a ditadura militar, o Departamento foi fechado.“Ainda tentamos falar com o Castelo Branco. Ele disse que

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Alguns centros de pesquisa delínguas indígenas no Brasil

Laboratório de Línguas Indígenas (Lali) daUniversidade de BrasíliaCoordenação: Prof. Aryon Dall’Igna Rodrigues.End.: ICC Sul, sala BSS-234, CampusUniversitário Darcy Ribeiro, 70900-900,Brasília - DFhttp//www.unb.br/il/lali

Setor de Lingüística do Departamento deAntropologia do Museu Nacional, daUniversidade Federal do Rio de JaneiroCriado em 1961, é o mais antigo do País.http//www.acd.ufrj.br/museu

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)De 1977 a 1995, segundo o professor AngelCorbera Mori, foram defendidas 27 dissertaçõesde mestrado e dez teses de doutorado,abrangendo 31 línguas indígenas.http//www.unicamp.br/iel

Museu Paraense Emílio Goeldi – – – – – Instituto dePesquisa do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e TecnológicoBelém - PAhttp//www.museu-goeldi.br/

Henrianne Barbosaé estudante de Jornalismoda Universidade de Brasília

apreciava o nosso esforço, mas tinha algo que ele não poderiaabrir mão: o princípio da autoridade”, conta Aryon Rodrigues.

Convidado para trabalhar no Museu Nacional, no Rio deJaneiro, em 1966, Aryon Rodrigues fez um trabalho semelhanteao que estava iniciando na UnB. Após sete anos no Rio, foi para aUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), que ele considera“o melhor centro de pesquisas em línguas indígenas do País”, deonde só saiu em 1989 para estruturar aquilo que havia iniciado nadécada de 60: um Laboratório de Línguas Indígenas na UnB.Conseguiu. Teve, contudo, de esperar dez anos, até que tivesseseu pedido atendido, recebendo um pequeno espaço físico, e oque é mais importante: apoio institucional. Espaço onde o númerode pesquisa e pesquisadores aumenta, mostrando a AryonRodrigues, um senhor de 78 anos que, aos 12 anos, incentivadopelo professor Rosário Mansur Guérios (Guérios estudou váriaslínguas indígenas e foi professor de Aryon Rodrigues no ColégioParanaense e na Universidade Federal do Paraná) escreveu seuprimeiro trabalho sobre o tupi e o guarani.

Peguemos os nossos diários. Falemos dos índios, como povosaos quais também pertence a nação onde vivemos. Para que, aocompilarmos nossos relatos diários, em mais um capítulo dofuturo, nossas letras falem das letras indígenas, e estas, por suavez, falem por si próprias, sobretudo mostrem uma sociedadecônscia de seus mais valiosos tesouros. “Assim é que continuamossendo índios nos corpos que temos e na cultura que nos iluminae nos conduz”, finaliza Darcy Ribeiro – no prefácio de DiáriosÍndios. Tapy’yia sehay muentyhot ma’ão¹.

¹ Letra de índio é luz que ilumina a alma. Frase que completaum pensamento ocidental transcrita para a língua indígena sateré-mawé. Paráfrase feita por Antônio Vieira de Araújo, 28 anos,índio Sateré-Mawé da aldeia Ponta Alegra do município deBarreirinha, Amazonas, onde ocupa a função de Gestor deProjetos no movimento indígena local. Dica de Site:Dica de Site:Dica de Site:Dica de Site:Dica de Site:

http//www.socioambiental.org http//www.socioambiental.org http//www.socioambiental.org http//www.socioambiental.org http//www.socioambiental.orgO Instituto Socioambiental é uma organizaçãonão-governamental que disponibiliza em seusite informações sobre os povos indígenasbrasileiros, inclusive sobre sua diversidadelingüística.

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sessão histórica de 1º de outubro de 2003 protagonizou,após 20 anos de entendimentos, a criação da nova lei queregulamenta os direitos assegurados às pessoas com idade igualou superior a 60 anos, congregando todos os partidos políticosirmanados em torno da sanção do Estatuto do Idoso, de autoriado Senador Paulo Paim (PT-RS).

A partir de 1º de janeiro de 2004, cerca de 20 milhões debrasileiros podem amparar-se na Lei nº 10.741, de 1°/10/2003,que dispõe sobre o Estatuto do Idoso. Daqui para frente, dependede nós, o Congresso Nacional e a sociedade brasileira, tomarmosas medidas necessárias para fazermos do século 21 um períodoacolhedor para a população idosa do Brasil.

Faz-se de extrema importância buscarmos, desde já, aparticipação da mídia e das Secretarias de Comunicação Social naconscientização da sociedade com relação à geração idosa que,até então, tem destoado da inestimável contribuição que poderiadar à nação brasileira, pelo universo de conhecimentos adquiridosao longo de sua vida, não fosse a covardia e a exploração com quevem sendo tratada de duas décadas para cá.

Resgatando a dignidade perdidaO Estatuto do Idoso

Senador Delcídio Amaral

Uma Campanha Nacional de Respeito ao IdosoCampanha Nacional de Respeito ao IdosoCampanha Nacional de Respeito ao IdosoCampanha Nacional de Respeito ao IdosoCampanha Nacional de Respeito ao Idoso,integrando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, deveser o próximo passo para que possamos promover mudançasculturais de comportamento com relação à nossa populaçãoidosa, no sentido de interagir Congresso e sociedade civil emdefesa dos direitos dos idosos de hoje, dos nossos e de nossosfamiliares, idosos de amanhã.

Enquanto as outras normas apenas dizem que os idosos devemser respeitados, a nova lei obriga, determina. Desta maneira,estão fortalecidos os Conselhos de Idosos, responsáveis peloandamento das políticas nos níveis nacional, estadual e municipal.

Entre os principais pontos incluídos na Política Nacional doIdoso, a constarem da nova lei, destacam-se penalidades comomultas e aplicações penais que variam de seis meses a cinco anosde reclusão.

Tais medidas serão aplicadas nos seguintes casos:· Ao negligenciar assistência à pessoa idosa sem justa causa

ou abandoná-la em hospitais ou casas de saúde (seis meses a umano de reclusão);

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Estatuto do Idoso

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· Coagi-la a doar, contratar, testar ou outorgar procuração(dois a cinco anos de reclusão);

· Quando da retenção de cartão magnético bancário pararecebimento de dívida (seis meses a dois anos de reclusão,acrescidos de multa);

· Ao veicular, em qualquer meio de comunicação, informaçõesou imagens depreciativas à pessoa idosa (um a três anos dereclusão, acrescidos de multa).

O que antes agravava a penalidade em casos de homicídioculposo apenas para vítimas menores de 14 anos, agora altera oagravamento com a inclusão de um terço a mais da pena paravítimas acima dos 60 anos.

Outras medidas tomadas pelo Estatuto do Idoso, visandoatendê-lo com o devido reconhecimento, merecem ser citadaspara que registremos os primeiros resultados deste projeto:

· Desconto de 50% nas atividades culturais, de lazer e· Desconto de 50% nas atividades culturais, de lazer e· Desconto de 50% nas atividades culturais, de lazer e· Desconto de 50% nas atividades culturais, de lazer e· Desconto de 50% nas atividades culturais, de lazer edesportivas;desportivas;desportivas;desportivas;desportivas;· Gratuidade nos transportes coletivos públicos para· Gratuidade nos transportes coletivos públicos para· Gratuidade nos transportes coletivos públicos para· Gratuidade nos transportes coletivos públicos para· Gratuidade nos transportes coletivos públicos paraos maiores de 65 anos, podendo a legislação localos maiores de 65 anos, podendo a legislação localos maiores de 65 anos, podendo a legislação localos maiores de 65 anos, podendo a legislação localos maiores de 65 anos, podendo a legislação localestender a gratuidade para a faixa etária dos 60 aosestender a gratuidade para a faixa etária dos 60 aosestender a gratuidade para a faixa etária dos 60 aosestender a gratuidade para a faixa etária dos 60 aosestender a gratuidade para a faixa etária dos 60 aos65 anos;65 anos;65 anos;65 anos;65 anos;· Reserva de duas vagas gratuitas, no transporte coletivo· Reserva de duas vagas gratuitas, no transporte coletivo· Reserva de duas vagas gratuitas, no transporte coletivo· Reserva de duas vagas gratuitas, no transporte coletivo· Reserva de duas vagas gratuitas, no transporte coletivointermunicipal e interestadual, para idosos com rendaintermunicipal e interestadual, para idosos com rendaintermunicipal e interestadual, para idosos com rendaintermunicipal e interestadual, para idosos com rendaintermunicipal e interestadual, para idosos com rendaigual ou inferior a dois salários mínimos e descontosigual ou inferior a dois salários mínimos e descontosigual ou inferior a dois salários mínimos e descontosigual ou inferior a dois salários mínimos e descontosigual ou inferior a dois salários mínimos e descontosde 50% para os idosos de mesma renda que excedamde 50% para os idosos de mesma renda que excedamde 50% para os idosos de mesma renda que excedamde 50% para os idosos de mesma renda que excedamde 50% para os idosos de mesma renda que excedamesta reserva;esta reserva;esta reserva;esta reserva;esta reserva;· Nas aposentadorias, o relator acolheu redação de· Nas aposentadorias, o relator acolheu redação de· Nas aposentadorias, o relator acolheu redação de· Nas aposentadorias, o relator acolheu redação de· Nas aposentadorias, o relator acolheu redação deemenda do governo que determina o reajuste dosemenda do governo que determina o reajuste dosemenda do governo que determina o reajuste dosemenda do governo que determina o reajuste dosemenda do governo que determina o reajuste dosbenefícios na mesma data do reajuste do salário mínimo,benefícios na mesma data do reajuste do salário mínimo,benefícios na mesma data do reajuste do salário mínimo,benefícios na mesma data do reajuste do salário mínimo,benefícios na mesma data do reajuste do salário mínimo,porém com percentual definido em regulamento. Oporém com percentual definido em regulamento. Oporém com percentual definido em regulamento. Oporém com percentual definido em regulamento. Oporém com percentual definido em regulamento. Osubstitutivo aprovado na comissão especial tinhasubstitutivo aprovado na comissão especial tinhasubstitutivo aprovado na comissão especial tinhasubstitutivo aprovado na comissão especial tinhasubstitutivo aprovado na comissão especial tinharedação que vinculava o reajuste ao do mínimo;redação que vinculava o reajuste ao do mínimo;redação que vinculava o reajuste ao do mínimo;redação que vinculava o reajuste ao do mínimo;redação que vinculava o reajuste ao do mínimo;· A partir dos 65 anos e não mais dos 67, o idoso· A partir dos 65 anos e não mais dos 67, o idoso· A partir dos 65 anos e não mais dos 67, o idoso· A partir dos 65 anos e não mais dos 67, o idoso· A partir dos 65 anos e não mais dos 67, o idosopoderá solicitar o benefício de um salário mínimo,poderá solicitar o benefício de um salário mínimo,poderá solicitar o benefício de um salário mínimo,poderá solicitar o benefício de um salário mínimo,poderá solicitar o benefício de um salário mínimo,estipulado pela Lei Orgânica da Assistência Socialestipulado pela Lei Orgânica da Assistência Socialestipulado pela Lei Orgânica da Assistência Socialestipulado pela Lei Orgânica da Assistência Socialestipulado pela Lei Orgânica da Assistência Social(Loas).(Loas).(Loas).(Loas).(Loas).· O projeto veda a discriminação do idoso com a· O projeto veda a discriminação do idoso com a· O projeto veda a discriminação do idoso com a· O projeto veda a discriminação do idoso com a· O projeto veda a discriminação do idoso com acobrança de valores diferenciados pelos planos decobrança de valores diferenciados pelos planos decobrança de valores diferenciados pelos planos decobrança de valores diferenciados pelos planos decobrança de valores diferenciados pelos planos desaúde, em razão da idade avançada;saúde, em razão da idade avançada;saúde, em razão da idade avançada;saúde, em razão da idade avançada;saúde, em razão da idade avançada;· Determina ao poder público o fornecimento gratuito· Determina ao poder público o fornecimento gratuito· Determina ao poder público o fornecimento gratuito· Determina ao poder público o fornecimento gratuito· Determina ao poder público o fornecimento gratuitode medicamentos ao paciente idoso, especialmente osde medicamentos ao paciente idoso, especialmente osde medicamentos ao paciente idoso, especialmente osde medicamentos ao paciente idoso, especialmente osde medicamentos ao paciente idoso, especialmente osde uso continuado, como próteses e complementaresde uso continuado, como próteses e complementaresde uso continuado, como próteses e complementaresde uso continuado, como próteses e complementaresde uso continuado, como próteses e complementaresao tratamento de reabilitação física.ao tratamento de reabilitação física.ao tratamento de reabilitação física.ao tratamento de reabilitação física.ao tratamento de reabilitação física.

Além disso, a Campanha de Reintegração do Idoso devepromover, junto às entidades públicas competentes, a fiscalização

e a revitalização do fornecimento de remédios nos asilos de todoo País.

Os idosos terão ainda prioridade para aquisição de moradiaprópria nos programas habitacionais, mediante reserva de 3% dasunidades, além de acesso facilitado a financiamentos da casaprópria, compatíveis com os rendimentos de aposentadoria oupensão. A implantação de equipamentos urbanos e comunitáriosvoltados para essa faixa etária também está prevista no Estatuto.

O poder público apoiará a criação de universidades abertaspara as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros eperiódicos, em padrão editorial, de leitura facilitada. Soma-se aesta medida, a elaboração de currículos mínimos nos diversosníveis do ensino formal, voltados ao processo do envelhecimento,com o objetivo de erradicar o preconceito da sociedade comrelação ao idoso.

Na mídia, os meios de comunicação deverão manter horáriosdirecionados especialmente ao público idoso, visando informar,educar artística e culturalmente sobre o processo deenvelhecimento.

Para a elaboração de umprognóstico do futuro para a novageração de idosos em nosso Paísque, em 2040, somará nada menosque 66 milhões de pessoas acimados 60 anos, exige que se conheçaa realidade que envolve uma faixade, aproximadamente, 16 milhõesde brasileiros em situação deabandono, sofrendo violênciasfísicas e psicológicas, semqualquer tipo de amparo, fadadosa suportarem danos irreversíveis àsua dignidade.

A questão da saúde física epsicológica se antepõe às demaisque integram a causa do idoso;afinal, quanta fragilidade a sersuperada na terceira idade!

Pensando neste aspecto,apresentei ao Congresso Nacional, no dia 8 de abril de 2003,Projeto-de-lei número 00112/2003 que obriga os ambulatóriose hospitais públicos a destinarem espaço específico paramelhor atender aos pacientes da faixa etária acima dos 60anos.

Pelo projeto, dez mil reais mensais é o valor da multa aser aplicada à instituição que descumpri-lo. Trata-se de conferirà parcela idosa da população brasileira o merecido

“Daqui parafrente, dependede nós, oCongressoNacional e asociedadebrasileira,tomarmos asmedidasnecessárias parafazermos doséculo 21 um

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reconhecimento por todo o sacrifício que a maioria já fez emfavor da sociedade como um todo.

Minha proposta é perfeitamente viável, visto que implicariaem custos mínimos. Acredito serem necessários apenas algunsarranjos internos e um melhor aproveitamento dos espaços jáexistentes nos complexos hospitalares e nos ambulatórios espalhadospelo País, para que possamos ampliar o atendimento geriátrico noBrasil.

Estatísticas assombrosas da Sociedade Brasileira de Geriatriae Gerontologia revelam a precariedade deste tipo de serviço emnosso País, tanto nas instituições públicas quanto nas clínicasparticulares. De acordo com o presidente da Sociedade Brasileirade Geriatria e Gerontologia, Dr. Adriano Gordilho, hoje, apenas500 médicos geriatras estão clinicando no Brasil!

Dados da Sociedade Brasileira de Geriatria deixam claroque o que atualmente consideramos uma fragilidade do serviçopúblico brasileiro, até 2020 poderá figurar-se em caosgeneralizado para os que dependerem do atendimentogeriátrico, especialmente nas regiões mais remotas e menosassistidas do País.

A desproporcionalidade entre o número de profissionaispediatras e geriatras que se formam por ano no Brasil, somadosaos que, atualmente, cumprem residência médica, faz-se entenderquando nos deparamos com as projeções da Tabela 2.

Enquanto 1.000 pediatras se formam por ano e 2.100cumprem, atualmente, residência médica, 35 profissionais sãoformados pelas três faculdades remanescentes com cursos demedicina na especialidade geriátrica.

Assim, o número de profissionais por paciente, nas áreasde pediatria e geriatria, dispõe-se da forma vista na Tabela 3.

TABELA 1 População Jovem População IdosaPopulação Jovem População IdosaPopulação Jovem População IdosaPopulação Jovem População IdosaPopulação Jovem População Idosa

20032003200320032003

20202020202020202020 21 milhões 39 milhões

20402040204020402040 27 milhões 66 milhões

Percentual Populacional em 2040Percentual Populacional em 2040Percentual Populacional em 2040Percentual Populacional em 2040Percentual Populacional em 2040 10.02 % da pop. total 25.08 % da pop. Total

TABELA 3

Pediatra por total de crianças Geriatra por total de idososPediatra por total de crianças Geriatra por total de idososPediatra por total de crianças Geriatra por total de idososPediatra por total de crianças Geriatra por total de idososPediatra por total de crianças Geriatra por total de idosos20032003200320032003 1 para 1.100 1 para 30 mil idosos20202020202020202020 1 para 870 1.200 para 39 milhões20402040204020402040 1 para 780 1.900 para 66 milhões

TABELA 2

Geriatras por idosos Pediatras por crianças de 0 a 12 anosGeriatras por idosos Pediatras por crianças de 0 a 12 anosGeriatras por idosos Pediatras por crianças de 0 a 12 anosGeriatras por idosos Pediatras por crianças de 0 a 12 anosGeriatras por idosos Pediatras por crianças de 0 a 12 anos20032003200320032003 500 por 16 milhões 36 mil por 40 milhões20202020202020202020 1.200 por 39 milhões 53 mil por 48 milhões20402040204020402040 1.900 por 66 milhões 73 mil por 57 milhões

O país que transpira juventude deve encarar o envelhecimentopopulacional, que avança progressivamente, como um alerta para oamanhã. Devemos nós, parlamentares, aliados aos Ministérios daSaúde e da Educação, às Secretarias estaduais e municipais e à mídianoticiosa e publicitária, estimular as faculdades a ampliarem as cadeirasdos cursos de medicina geriátrica, com a máxima urgência possível.

Além disso, é preciso melhorar as estruturas voltadas às atividadesdesportivas dos idosos, visando atender às necessidades destapopulação, que tem os mesmos direitos que os jovens de disporemde aparelhos de ginástica e outros do gênero para elevarem a qualidadede suas vidas.

Convoco, portanto, os profissionais responsáveis pela criaçãode espaços públicos de lazer, para que apresentem projetosdestinados ao público idoso, de forma que possamos distribuí-los nas praças e nos parques por todo o Brasil e, quem sabe, numfuturo bem próximo, colher os frutos da mobilização nacional quenós, parlamentares, imprensa e comunidade civil vimospromovendo a cada dia em prol da reintegração do idoso emnossa sociedade.

7 milhões 16 milhões

Delcídio Amaral é senadorpelo estado de Mato Grossodo Sul. Foi ministro de estadodas Minas e Energia. Fazparte de diversas comissõesno Senado Federal

Em dez anos, apopulação brasileira

envelheceu - onúmero de pessoas

com mais de 60 anosde idade passou de

7,9% para 9,3%.Este é o resultado do

controle denatalidade e do

aumento daexpectativa de vida

no País.

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Quando se fala em desen-volvimento regional e integração nasAméricas, é notável a diferença entre onorte e o sul, a partir de decisõeshistóricas estratégicas. Os Estados Unidostêm três ligações bi-oceânicas pelo interiorcontinental entre o Atlântico e o Pacíficodesde o século XIX. A América do Sulnão possui nenhuma ligação. Seguir omodelo integrador permite a valorizaçãoe a exploração das potencialidades locaise, pela sinergia entre os diversos países,acelerar o desenvolvimento do continente.

Após a II Guerra Mundial, embusca do sonho de Bolívar, houve umesforço pela aproximação entre os paísesda América do Sul com vistas aocomércio intra-regional: a promoção eregulamentação do comércio recíprocoatravés de acordos bilaterais. No ConeSul, prospera o Mercosul; no BlocoAndino e na Amazônia, formas criativas

LembrandoO 1º SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CO-FINANCIAMENTO BNDES/CAF, REALIZADO ENTRE 6 E 8 DE AGOSTO DE 2003, REUNIU NO

AUDITÓRIO DA SEDE DO BNDES, NO RIO DE JANEIRO, UM FORTE

ELENCO DE AUTORIDADES DE TODA A AMÉRICA LATINA.

O EVENTO REJUVENESCEU E AMPLIFICOU UMA DISCUSSÃO QUE, DESDE AFIGURA DE BOLÍVAR, FREQÜENTA AS MESAS DIPLOMÁTICAS, PROPOSTAS

PARTIDÁRIAS E PLANOS PLURIANUAIS DOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS: ÉPOSSÍVEL PENSAR NA INTEGRAÇÃO GEOPOLÍTICA DA AMÉRICA DO SUL?

Na abertura do Seminário, a presença do Vice-presidente José Alencar, que fez um discurso entusiasmado sobre o potencialderivado do fortalecimento do bloco sul-americano.

Bolívar

Fotos: Arquivo BNDES

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de associação vêm prosperando. Os paísesdo continente têm multiplicado iniciativasem torno de pautas de convergência. Hojeé convicção que, sem a integração física, épraticamente impossível o sucessoeconômico e social.

Tornar a América do Sul, comoconjunto, mais competitiva e dinâmica -considerando a importância de organizar-seo espaço sul-americano a partir dacontigüidade geográfica, da identidadecultural e de valores compartilhados entrepaíses vizinhos - continua sendo a propostade mais algumas iniciativas em curso.Reunidos em Brasília entre 30 de agostoe 1º de setembro de 2000, os presidentesdos países da região concluíram serimprescindíveis o desenvolvimento e amodernização da infra-estrutura sul-

OS ORGANIZADORES

BNDES - O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicoe Social - é uma empresa pública federal vinculada aoMinistério do Desenvolvimento, Indústria e ComércioExterior, que tem como objetivo financiar a longo prazo osempreendimentos que contribuam para o desenvolvimentodo País e para a inclusão social. Com 51 anos de existência,o BNDES está indissoluvelmente ligado à história daindustrialização e do setor de infra-estrutura brasileiros.Segundo banco de desenvolvimento em volume deoperações – o primeiro é o Banco Mundial - o BNDES deuinício à série de contatos formais com instituições defomento, representantes de órgãos oficiais e grandesempresas em toda a América do Sul, com vistas aocrescimento da cooperação econômica.

CAF - Nascida há trinta anos, originalmente como umainstituição andina para o desenvolvimento da região, aCorporação Andina de Fomento vem, nos últimos quinzeanos, consolidando sua missão central, expressa em trêsconceitos: competitividade, sustentabilidade e integraçãoregional, onde o econômico, o social, o financeiro, o políticoe o institucional devem ser vistos em conjunto. A CAF temcomo acionistas, além de 18 bancos privados da regiãoandina, todos os países sul-americanos do MERCOSUL e daComunidade Andina.

americana. Foi elaborado um “Plano deAção para a Integração da Infra-estruturaSul-Americana” com propostas para umhorizonte de 10 anos. Em nova reunião noinício de dezembro daquele ano, emMontevidéu, Ministros de Energia,Telecomunicacões, Transporte, Planeja-mento e Desenvolvimento aprovaram umaversão enriquecida do Plano de integraçãofísico-espacial conhecido como IIRSA.Foram consagrados doze eixos deintegração e desenvolvimento prioritáriose seis processos setoriais essenciais paraotimizar a competitividade e asustentabilidade da cadeia logística.

Revigorar e aumentar o comércio naAmérica do Sul, fortalecendo associaçõesjá existentes, seria imprescindível parareposicionar o sub-continente no contexto

das negociações e acordos propostos pelaÁrea de Livre Comércio para as Américas- ALCA.

O Governo Federal vem priorizandoa densificação das relações entre o Brasile os países irmãos, com vistas aoincremento do comércio e da cooperaçãoeconômica. Há, entretanto, questões deinfra-estrutura decisivas para que asarticulações em torno deste tema ganhemprofundidade. O Brasil, via BNDES – umbanco historicamente ligado à infra-estrutura e à produção - está se tornandogrande acionista da Corporação Andina deFomento, CAF, uma instituição financeiramultilateral com excelente rating nomercado mundial (veja box “OsOrganizadores”). Nos últimos cinco anos,dos quinze bilhões de dólares que aCorporação Andina de Fomentomovimentou, cerca de 70% vêm sendo

“O equilíbrio nas contasexternas é um dos nossos

objetivos. O BNDES ofereceapoio a grandes, pequenas emédias empresas seguindo aorientação do Presidente da

República de priorizar eincrementar as relações comos países sul-americanos.”

JOSÉ ALENCAR

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 65-70, abr. 2004

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“Cremos que esta sinergiaregional deva seguir certos

critérios fundamentais,baseados em políticas

coerentes, em instituiçõessólidas; princípios de

eficiência, de eqüidade, desolidariedade, depragmatismo e de

flexibilidade.”

ENRIQUE GARCIA

dirigidos à infra-estrutura de integraçãosul-americana.

Juntas pela integração geopolítica daAmérica Latina, as duas instituiçõesmobilizaram os países da região paraidentificar projetos estratégicos,suficientemente maduros parafinanciamento por elas e mesmo por outrasfontes. Assim nasceu o 1º SeminárioInternacional de Co-FinanciamentoBNDES/CAF – Prospecção de Projetos deIntegração Física Sul-Americana. Aprimeira grande iniciativa conjuntaBNDES/CAF pretendeu estimular acooperação bi ou pluri-nacional emprojetos com benefícios diretos ouindiretos para as partes envolvidas,promovendo a integração física, econômicae sócio-cultural da América Latina.Atendendo ao convite das duasinstituições, representantes de doze

países da América do Sul reuniram-se nasede do BNDES, no Rio de Janeiro, eapresentaram os dois principais projetosde investimento em infra-estruturasegundo a prioridade dos Governos decada país. Foram promovidas reuniõesbilaterais, dentro da programação, com oobjetivo de convergir projetos para umacarteira em que ambas as instituições defomento possam ter interesse de investir.

Na abertura do evento, o Vice-Presidente José Alencar reiterou apreocupação do governo federal comalguns problemas crônicos que mantêm oBrasil, assim como toda a América do Sul,em situação de vulnerabilidade oudesvantagem em relação a numerososcompetidores. A logística, um dos focosdo evento, permanece como um enormecalcanhar de Aquiles que encarece oproduto regional e impõe enormediferença entre a América do Sul e osEstados Unidos da América. O presidenteda CAF, Sr. Enrique Garcia, foi taxativo nadefesa de uma “agenda renovada” dedesenvolvimento, criadora de emprego,includente e participativa, que valorize ariqueza cultural e a riqueza ambiental daregião. “Deve existir uma visão sistêmicaregional, na qual a participação pública ea privada tornem realidade o comércio e amelhoria das condições de vida da maioriados sul-americanos”, afirmou. “É por issoque devemos ver este evento como umcomeço de um processo acelerador daadoção de mecanismos financeirosinovadores, capazes de dar maissegurança e menos volatilidade aos fluxosde recursos externos.”

O Secretário das RelaçõesExteriores, Embaixador Samuel PinheiroGuimarães Neto, assegurou que aprioridade que o Presidente Lula definiupara a América do Sul não é retórica: eladecorre da análise de uma situaçãointernacional extremamente complexa.“Além das razões internas da sociedade

brasileira, como o enfrentamento dasextraordinárias disparidades sociais e davulnerabilidade externa, no cenárioexterno temos um processo decristalização de normas que, muitas vezes,dificultam o crescimento econômico dospaíses, tornando mais difíceis asestratégias de política econômica e sociale a formação de blocos. Se não houver asolução dos problemas da América do Sul,o Brasil sozinho não poderá enfrentar comêxito seus desafios. O Presidente Lula temreafirmado, várias vezes, o objetivo deconstrução de um Parlamento no Mercosule a criação da moeda única, e ambasdecisões têm natureza política, de grandealcance.”

Segundo o Secretár io deAssuntos Internacionais do Ministériodo Planejamento, Orçamento e Gestão,Demian Fiocca, pelo menos trêsaspectos da iniciativa BNDES/CAFpoderiam ser destacados como sinalização

“Conversamos muito, naárea comercial, sobre

competitividade eintegração de cadeias

produtivas, mas isso ficamuito na retórica quandovocê não tem aproximação

entre os povos.”

MÁRCIO FORTES

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 65-70, abr. 2004

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para a retomada do crescimento. “Oprimeiro aspecto que esse semináriosimboliza é o de que o planejamento e avisão de futuro de cada um dos paísesda América do Sul incorporem a noçãode que o espaço relevante paraplanejamento e para investimento é oespaço regional, continental e nãoapenas o espaço do seu próprio país. Umoutro aspecto que também nos parecemuito positivo é identificar nos projetosas sinergias muitas vezes incorporadasao próprio desenho do projeto. No

complexo do rio Madeira, por exemplo,um mesmo projeto incorpora duashidrelétricas e uma hidrovia por meiodas eclusas. E, por fim, há a questão decomo ultrapassar os constrangimentosfinanceiros, presente em toda a Américado Sul”.

A questão de mecanismos definanciamento também preocupa MarcioFortes de Almeida, presente ao eventocomo Ministro Interino do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio Exterior.“Muitas vezes não se pode utilizaradequadamente os fundos que estãodisponíveis ; as l imitações decontabilização impostas pelo FundoMonetário muitas vezes a tornamimpossível. Fica-se vinculado a esseempréstimo, tendo de pagar as taxas deadministração sem poder acrescentar nadaao que já se tem.”

Sobre fontes de recursos parafinanciamento, porém, também foramouvidas boas novas: o vice-presidente doBanco Interamericano de Desenvol-vimento - BID, Paulo Paiva, garantiu jáestar em operação nova linha definanciamento para a preparação deprojetos de integração em infra-estrutura.

Mantendo os chefes das suas divisõesde infra-estrutura para os países da Américado Sul à disposição durante todo o Seminário,para discutir e analisar possibilidades para aparticipação do BID, Paiva declarou: “No novoambiente de disciplina fiscal, temos que terousadia e criatividade para o uso de recursospúblicos e o fortalecimento dos mercados. Háas parcerias público-privado, que ultimamentevêm sendo construídas para esses novostempos, e quero lhes dizer que o BID vem sepreparando para eles.”

As parcerias público-privado estão,igualmente, na pauta do BNDES, que jáorganiza um novo seminário para discuti-las,conforme garantiu o presidente do BNDES,Carlos Lessa. Ao comentar a importância

A Iniciativa para Modernização eDesenvolvimento da Infra-estrutura

Regional da América do Sul é umainiciativa multinacional que envolveos doze países soberanos da América

do Sul. A IIRSA nasceu do Encontroentre Presidentes da América do Sul

em 2000, em Brasília, paraestimular a organização do espaço

sul-americano a partir dacontigüidade geográfica, da

identidade cultural e de outrosvalores compartilhados por países

vizinhos.

Os presidentes adotaram o Plano deAção para a Integração da Infra-

estrutura Sul-americana, compropostas para um horizonte de dez

anos, elaborado pelo BancoInteramericano de Desenvol-

vimento (BID) e pela CorporaçãoAndina de Fomento (CAF).

Ainda em dezembro daquele ano, emMontevidéu, um Comitê Técnico

BID/CAF/FONPLATA, apresentou umaversão enriquecida do Plano,

identificando doze eixos deintegração e desenvolvimento e seis

processos setoriais capazes deotimizar a competitividade, com

sustentabilidade, da cadeia logística,do setor energético e de

telecomunicações.

Multidisciplinar - trata de aspectoseconômicos, jurídicos, políticos,

sociais, culturais, ambientais, etc - aIIRSA contempla mecanismos de

coordenação entre os governos, asInstituições Financeiras

Multilaterais e o setor privado, comuma visão política e estratégica da

América do Sul, orientadora deplanos e programas de

investimentos.

Os eixos de integração buscamadensar a atividade econômica, o

desenvolvimento regional e aintegraçao física e econômica dos

países sul-americanos.

“O Excelentíssimo SenhorPresidente da República

tem, nas visitas e reuniõesmantidas com os dirigentesmáximos do continente, por

diversos momentos,anunciado a criação de

linhas especiais quearticulem melhor as relações

do BNDES com os paísesirmãos. Nós estamos

buscando operacionalizaressas linhas e esperamosconstruir, prontamente,linhas equivalentes com

todos os países docontinente.”

CARLOS LESSA

PARA ENTENDER OQUE É IIRSA

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OS PROJETOSO Seminário reuniu autoridades de doze países, que se comprometeram aapresentar dois projetos considerados estratégicos por seus respectivos governos,desde uma perspectiva não estritamente nacional, mas regional. No espaço doevento reservado às discussões de projetos de interesse binacional, hidrovias,ferrovias e rodovias mostraram a importância que têm para cada um dos paísese para o desenvolvimento da América Latina em bloco, facilitando o transportede mercadorias e passageiros - não apenas no continente, mas também para asexportações, uma vez que boa parte das obras propostas está vinculada aoescoamento portuário.

A Argentina apresentou como prioritários o Corredor de Integração RegionalZárate - Paso de los Libres - Santo Tomé e a Hidrovia Paraguai-Paraná, chamadade “Camino de Integración”. Para impulsionar a atividade produtiva comcompetitividade, a Bolívia propõe a ligação de 696 km entre Guayaramerin-Yucumo, além de outras com valores entre 20 e 180 milhões de dólares (Iñapari-Pto. Maldonado - Pte. Inambari, Pte. Inambari - Quincemil - Urcos etc.). O Chileapresentou um projeto de construção e manutenção da infra-estrutura ferroviáriaentre Mendoza (Argentina) y Los Andes (Chile), no valor de US$ 140 milhões.

“Un Camino Verde Hacia la Paz: Corredor Intermodal Tumaco – Puerto Asís -Belem do Pará” foi o nome dado pela Colômbia ao projeto cujos estudos deviabilidade estão estimados em 300 mil dólares. O país também estuda a demandafutura do corredor fluvial do Rio Meta como meio de transporte, verificando aviabilidade de entregar sob concessão a operação e manutenção da hidrovia.Hidrovia é prioridade igualmente para o Equador, que quer dotar o Rio Napo deinfra-estrutura portuária e aeroportuária moderna.

A Guiana apresentou o “Brazil Road Project”, que visa à construção de umarodovia moderna e segura entre Boa Vista e a costa do Atlântico, naquele país,em torno de 170 milhões de dólares.

O Suriname apresentou projeto para aquisição de duas aeronaves Embraer com15 a 20 lugares cada, para repor antigos DHC-6 da frota daquele país. Já para oUruguai o destaque do projeto “Vías para la Integración” foi o investimento emtransporte ferroviário, calculado em 56 milhões de dólares. O outro projeto, comvalores próximos de 20 milhões de dólares, prevendo um terminal graneleiro eum terminal portuário multimodal, trouxe a Hidrovía Paraná-Paraguai de volta àcena.

A Venezuela, que se prepara para uma nova licitação das concessões de exploraçãode carvão, recentemente recuperadas pelo Vice-Ministério das Minas, o “ProjetoIntegral São Domingo de exploração mineira e carbo-elétrica” expôs ao lado deum Plano Ferroviário Nacional.

O Brasil apresentou como projetos o Contorno Ferroviário de São Paulo - oFerroanel - e, entre Rondônia e o território boliviano, o Complexo do Rio Madeira.Os valores para o trecho binacional ainda estão em estudos.

da in tegração su l -amer icana noencerramento do evento BNDES/CAF,Lessa recordou como sua trajetóriapessoal vem cruzando com o temadesde o início dos anos 1960, quandoparticipou da formulação da propostabrasileira para o Tratado de Montevidéu,que deu origem à Zona de LivreComércio, ALALC, e da equipe daCEPAL (Comissão Econômica para aAmérica Latina e o Caribe - órgãoligado à ONU). “Creio que as coisasamadureceram. A iniciativa da IIRSApromoveu um levantamento depossibilidades de projetos de infra-estrutura, que geram as externalidadesdefinidoras do nível de produtividademacro-econômica média de todo oprocesso produtivo. Gera encomendasencadeadas que v iab i l izam odesenvolv imento de a t iv idadesindustriais de suporte, multiplicandoempregos. A infra-estrutura é alocomotiva do desenvolvimento.Precisamos colocar a locomotiva sul-americana funcionando a todo vapor.”

Para Carlos Lessa, os países daregião estão perante a necessidadehistórica de se enxergarem como umconjunto histórico e geopolít icodefinido no cenário mundial. “Hoje émais fácil ir a Miami que a um paísvizinho; é preciso rever as ligaçõesferroviárias e rodoviárias, mas tambéma aviação e o sistema portuário sul-americano, que deve ser pensado comointegrando um único macro-sistema,com navegação de cabotagem... Querocrer, pelos projetos que para nós foramencaminhados, que se produzirá umsalto qualitativo na direção de umcontinente já integrado, de longa data,pelo espírito.”

Além de transformar o BNDES em uma das referências mundiais quando o assunto é integração via infra-estrutura na AméricaLatina - governos, empresas e academia procuram o Banco em busca de informações - o Seminário já rendeu consultas diretasvisando a financiamentos, segundo a Assessora da Presidência do BNDES responsável pela coordenação do Seminário, DeborahLevinson. Mais informações sobre os projetos e o evento no portal do BNDES (http://www.bndes.gov.br) ou pelo [email protected].

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Tobias Barreto, considerado por alguns doutrinadores comoo maior penalista do Império, foi um dos responsáveis pelainfluência que a “Escola do Recife” teve sobre o pensamentojurídico nacional. Obra à frente de seu tempo, Menores e Loucosem Direito Criminal mostra um Brasil numa fase de transiçãointelectual e um escritor ansioso para acelerá-la, para guiá-la atéo seu ocaso. Tobias Barreto escreveu essa obra em 1886, ano emque ainda estava em vigor no Brasil o Código Criminal do Império,de 1830. Esse Código foi acolhido com grande interesse na Europa– já em 1834 era publicado, em francês, em Paris. Filho das idéiasliberais e contratualistas do Iluminismo, esse Código teve largainfluência sobre o código espanhol de 1848-1850, assim comosobre a sua versão de 1870, que se tornou fonte de inspiraçãopara a legislação penal de quase toda a América Latina.

Na época em que Menores e Loucos foi escrito, o Direitoainda não era considerado uma ciência. Na verdade, as chamadas“ciências humanas” de hoje ainda lutavam por essereconhecimento, pois, aos olhos oitocentistas, todas as ciênciasprecisavam ter um método, e este era o da observação e daindução. Não foi por outro motivo que Barreto já iniciava a suaobra dizendo que a ciência social se encontrava em estadoembrionário, ocupando o último lugar na classificação das ciências.O Direito era um “pedaço de metafísica”. David Hume inclusivejá recomendava aos desavisados que, ao entrarem numa biblioteca,não perdessem tempo com livros que não tratassem de números.

Era senso comum na época que a observação e aexperiência deveriam substituir a autoridade e a especulaçãofilosofante (metafísica) como fontes do saber. Dessa percepçãonasceu o Positivismo Jurídico. Essa tendência foi reforçada com oadvento das Escolas Científicas no século XIX (Escola Histórica,Sociológica, Teleológica) – o formalismo epistemológico kantianonão conseguiu vencer o empirismo e o experimentalismo,

orientados pelos progressos das ciências química e biológica,que fizeram surgir um novo tipo de explicação finalista,proveniente, sobretudo, do darwinismo. Assim, os desígniosnormativos foram sendo desvalorizados, pois o Direito passou aser tratado como fato social.

Era uma época que ainda não conhecia Dilthey, cuja obra Acrítica da razão histórica, do final do século XIX, mudaria essaconcepção para sempre. Dilthey foi um “novo Kant”, para usarexpressão de Josef Bleicher, o homem que fez ressurgir os conflitosmetafísica/conhecimento, razão pura/razão prática, logos/ethos,reunindo aquilo que o Iluminismo havia separado. O Direito, apartir dele, passou a ser ciência do espírito, com método próprioe distinto do das imbatíveis ciências da natureza.

No entanto, Tobias Barreto não conheceu Dilthey, e,influenciado pelo evolucionismo darwinista da época, achava umaextravagância a concepção liberal e contratualista de um direito“natural”, superior e anterior à sociedade; para ele, o Direito nãotinha sentido fora desta, era sempre um dado a posteriori. Na suavisão, o Direito era uma transformação da força, mas semprelimitado no interesse da sociedade – não era, portanto, produtonatural, mas cultural. Percebe-se que ele negava o contratualismo,base filosófica do Código Criminal do Império. E ia mais longe:chegava a demonstrar uma postura claramente anti-liberal, pois,nessa obra, defende a aplicação da analogia e da interpretaçãoextensiva em Direito Penal, mesmo que in malam partem, o quedeixaria qualquer penalista dos dias de hoje, em que o garantismopenal virou moda, de cabelos em pé! Era um rebelde, a sociedadebrasileira da época bem o sabia, por isso que, quando seminarista,não conseguiu ordenar-se, pois longe estava o seu espírito de seadaptar à vida sacerdotal.

Na verdade, Barreto, defendendo essas teses, já anunciavauma revolução, já antecipava a hermenêutica ontológica de

“Menores e Loucosem Direito Criminal”

DE TOBIAS BARRETO – SEGUNDO LIVRO DA

COLEÇÃO HISTÓRIA DO DIREITO BRASILEIRO,EDITADA PELO CONSELHO EDITORIAL DO

SENADO FEDERAL.

Resenha

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 72-73, abr. 2004

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Heidegger e Gadamer, do início doséculo XX! Para ele, a interpretação dalei tinha que ser criativa, e nãomeramente reprodutiva – não se poderia,mesmo que em nome da liberdade docidadão, restringir a liberdade deexpansão da lei. E cita os romanos, para os quais também a letrada lei tinha pouca importância, mesmo na seara criminal, pois “oespírito era tudo”.

Sua grande crítica ao Código Criminal do Império: o legisladordeixou de lado o conceito de liberdade. O Código, em seu art. 3º,anunciava que só haveria criminoso se houvesse uma aliançabinária: “conhecimento do mal” e “intenção de o praticar”. E omomento da liberdade? – pergunta-se Barreto. A sua crítica émais profunda do que aparenta ser: o nosso Código imperialhavia adotado a tese platônica de que a vontade estáintrinsecamente associada ao conhecimento (a vontade não podeser livre, pois permanece ligada ao conhecimento). Sua mensagemé subliminar: apesar de liberal, nosso Código adotava elementosde um direito penal autoritário, pois carregava consigo umobjetivismo valorativo.

E é justamente no art. 10 do Código Criminal, que tratadaqueles que não podem ser considerados criminosos, queessa tese de direito exposta no art. 3º será aplicada etransformada, por um “processo mágico”, em questão de fato.Na linguagem de hoje, diríamos que o art. 3º encerra umaconstrução puramente normativa, mas que acarreta problemasquando aplicada na prática. É o que acontece com o nossoatual Código Penal, cuja Parte Geral foi reformada em 1984:o caput do art. 13 não se entende com o parágrafo segundodo mesmo artigo. As contradições normativas queincomodavam Tobias Barreto no século XIX ainda

atormentam os penalistas con-temporâneos em pleno século XXI.São problemas f i losóf icos quesempre acompanharão a “ciência”jurídica.

Todo o livro se volta para o que hojea doutrina defende ser um dos elementos da culpabilidade: aimputabilidade penal. Se todo criminoso é aquele, na visãoplatônica do Código Criminal do Império, que conhece o mal etem intenção de praticá-lo, então não podem ser criminosos osmenores de quatorze anos (art. 10, § 1º) e os loucos de todo ogênero (art. 10, § 2º). Presunção normativa bastante lógica. Maspor que os que cometem crimes por força ou medo irresistíveis(art. 10, § 3º) ou casualmente, sem querer (art. 10, § 4º), tambémnão podem ser considerados criminosos?! Aí começa o erro demétodo que Barreto sublinha, principalmente se considerarmosque esse Código imperial ainda não conhecia os crimes culposos.

Seu exame da questão culminará, ao final do livro, numainteressantíssima análise sobre dolo e culpa, em que anteciparáalgumas das discussões que anos mais tarde seriam travadasentre o causalismo psicológico de Liszt e o causalismo neokantianode Frank, e, décadas à frente, entre causalismo e finalismo. É umlivro fundamental para todos os apaixonados por Direito Penal.

TTTTTiagiagiagiagiago Ivo Ivo Ivo Ivo Ivo Odono Odono Odono Odono Odon é consultorlegislativo da área de DireitoPenal, Processual Penal ePenitenciário do Senado Federal.

Senatus, Brasília, v. 3, n. 1, p. 72-73, abr. 2004

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Adylson Motta - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro do To do To do To do To do Tribribribribribunal de Contas da Uniãounal de Contas da Uniãounal de Contas da Uniãounal de Contas da Uniãounal de Contas da União

Almirante-de-esquadra José Julio Pedrosa - Ministro doMinistro doMinistro doMinistro doMinistro do

Superior TSuperior TSuperior TSuperior TSuperior Tribribribribribunal Militarunal Militarunal Militarunal Militarunal Militar

Antonio Carlos Magalhães - SenadorSenadorSenadorSenadorSenador

Bosco Costa - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Celcita Pinheiro - Deputada FederalDeputada FederalDeputada FederalDeputada FederalDeputada Federal

Coronel Alves - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Custódio Matos - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Efraim Morais - SenadorSenadorSenadorSenadorSenador

Emmanoel Pereira - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro do To do To do To do To do Tribribribribribunal Superior dounal Superior dounal Superior dounal Superior dounal Superior do

TTTTTrabalhorabalhorabalhorabalhorabalho

Florian Augusto Coutinho Madruga - Diretor Executivo doDiretor Executivo doDiretor Executivo doDiretor Executivo doDiretor Executivo do

Instituto Legislativo BrasileiroInstituto Legislativo BrasileiroInstituto Legislativo BrasileiroInstituto Legislativo BrasileiroInstituto Legislativo Brasileiro

Georgeano Trigueiro - Administrador Regional do RecantoAdministrador Regional do RecantoAdministrador Regional do RecantoAdministrador Regional do RecantoAdministrador Regional do Recanto

das Emas – RA XVdas Emas – RA XVdas Emas – RA XVdas Emas – RA XVdas Emas – RA XV

Guilherme Mastrichi Basso - PrPrPrPrProcuradorocuradorocuradorocuradorocurador-Geral do-Geral do-Geral do-Geral do-Geral do

TTTTTrabalhorabalhorabalhorabalhorabalho

Inocêncio Oliveira - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Iram Saraiva - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro do To do To do To do To do Tribribribribribunal de Contas da Uniãounal de Contas da Uniãounal de Contas da Uniãounal de Contas da Uniãounal de Contas da União

Jorge Bornhausen - SenadorSenadorSenadorSenadorSenador

Jorge Caetano - ConselheirConselheirConselheirConselheirConselheiro do To do To do To do To do Tribribribribribunal de Contas do DFunal de Contas do DFunal de Contas do DFunal de Contas do DFunal de Contas do DF

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes - ConselheirConselheirConselheirConselheirConselheiro do To do To do To do To do Tribribribribribunalunalunalunalunal

de Contas do DFde Contas do DFde Contas do DFde Contas do DFde Contas do DF

José Augusto Delgado - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro do Superior To do Superior To do Superior To do Superior To do Superior Tribribribribribunal deunal deunal deunal deunal de

JustiçaJustiçaJustiçaJustiçaJustiça

José Coêlho Ferreira - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro do Superior To do Superior To do Superior To do Superior To do Superior Tribribribribribunal Militarunal Militarunal Militarunal Militarunal Militar

José Linhares - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Leonardo Picciani - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Leônidas Cristino - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Liderança do governo no Senado FederalLiderança do PMDB no Senado FederalMárcia Farias - PrPrPrPrProcuradora-Geral do Tocuradora-Geral do Tocuradora-Geral do Tocuradora-Geral do Tocuradora-Geral do Tribribribribribunalunalunalunalunal

de Contas do Distrito Federal/Ministério Públicode Contas do Distrito Federal/Ministério Públicode Contas do Distrito Federal/Ministério Públicode Contas do Distrito Federal/Ministério Públicode Contas do Distrito Federal/Ministério Público

Marilia Lameiras - Assessora da Senadora Roseana SarneyAssessora da Senadora Roseana SarneyAssessora da Senadora Roseana SarneyAssessora da Senadora Roseana SarneyAssessora da Senadora Roseana Sarney

Mirta Eugênia Varella Escosteguy - Assessora do MinistrAssessora do MinistrAssessora do MinistrAssessora do MinistrAssessora do Ministrooooo

da Previdência e Assistência Socialda Previdência e Assistência Socialda Previdência e Assistência Socialda Previdência e Assistência Socialda Previdência e Assistência Social

Milton de Moura França - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro do To do To do To do To do Tribribribribribunal Superior dounal Superior dounal Superior dounal Superior dounal Superior do

TTTTTrabalhorabalhorabalhorabalhorabalho

Mônica da Costa -Diretora do Museu da Cidade do Rio deDiretora do Museu da Cidade do Rio deDiretora do Museu da Cidade do Rio deDiretora do Museu da Cidade do Rio deDiretora do Museu da Cidade do Rio de

JaneiroJaneiroJaneiroJaneiroJaneiro

Ricardo Fiuza - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Rosamaria Maia Procópio - Chefe de Gabinete doChefe de Gabinete doChefe de Gabinete doChefe de Gabinete doChefe de Gabinete do

Deputado Federal João CaldasDeputado Federal João CaldasDeputado Federal João CaldasDeputado Federal João CaldasDeputado Federal João Caldas

Sandes Júnior - Deputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado FederalDeputado Federal

Sérgio Xavier - Chefe de Gabinete do Ministro da CulturaChefe de Gabinete do Ministro da CulturaChefe de Gabinete do Ministro da CulturaChefe de Gabinete do Ministro da CulturaChefe de Gabinete do Ministro da Cultura

Simone Bastos Vieira - Diretora da Subsecretaria deDiretora da Subsecretaria deDiretora da Subsecretaria deDiretora da Subsecretaria deDiretora da Subsecretaria de

Biblioteca do Senado FederalBiblioteca do Senado FederalBiblioteca do Senado FederalBiblioteca do Senado FederalBiblioteca do Senado Federal

Tenente-Brigadeiro-do-Ar Marcus Herndl - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistro doo doo doo doo do

Superior TSuperior TSuperior TSuperior TSuperior Tribribribribribunal Militarunal Militarunal Militarunal Militarunal Militar

Tenente-Brigadeiro-do-Ar Sérgio Xavier Ferolla - MinistrMinistrMinistrMinistrMinistrooooo

do Superior Tdo Superior Tdo Superior Tdo Superior Tdo Superior Tribribribribribunal Militarunal Militarunal Militarunal Militarunal Militar

Recebemos diversas correspondências agradecendo o envio da revista Senatus, bem como congratulaçõesRecebemos diversas correspondências agradecendo o envio da revista Senatus, bem como congratulaçõesRecebemos diversas correspondências agradecendo o envio da revista Senatus, bem como congratulaçõesRecebemos diversas correspondências agradecendo o envio da revista Senatus, bem como congratulaçõesRecebemos diversas correspondências agradecendo o envio da revista Senatus, bem como congratulaçõespelo trabalho:pelo trabalho:pelo trabalho:pelo trabalho:pelo trabalho:

Cartas

(...) a revista Senatus tem demonstrado, nessepouco tempo de vida, indiscutível relevânciaperante os profissionais que militam na gestãoe na difusão do conhecimento, mediante apublicação de artigos que primam pelo elevadonível técnico e pela relevância das matériasveiculadas.

Tal tipo de trabalho integrado entre os váriosórgãos do Senado Federal reflete, por meioda criatividade, a confluência dos objetivoscomuns que inspiram a atuação do Senadocomo instituição preocupada com aprodução técnico-científica e com suadisseminação a todos os públicos envolvidoscom o processo de aperfeiçoamento dafunção legislativa

Sérgio PennaConsultor-Geral Legislativo

“devo declarar minha satisfação (...) pela luzida publicação da revista (...) oportunidade de lançamento merece serdevidamente louvada, por constituir inegável contributo à informação cultural da nacionalidade, promovidabrilhantemente pela ação do atuante Poder Legislativo da República”. Hélio Pimentel, Belo Horizonte, MG

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