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SENTENÇA: CONCEITO E EFEITOS – ABORDAGEM ZETÉTICA Flávio Barroso Braga Júnior * RESUMO Este presente estudo tem como objeto o conceito de sentença e seus efeitos. Buscar-se-á aqui, contribuir por meio de uma análise zetética dos conceitos atribuídos à sentença ao longo dos tempos, bem como para a elucidação de novas vertentes de análise quanto ao fato de ela (a sentença) pôr ou não a termo o processo, os seus critérios de conceituação e seus efeitos na práxis forense. Para isso, será realizada uma análise da evolução histórica Processual Civil, desde as fontes do Direito Processual, e do primeiro Diploma Processual Brasileiro de 1939, passando ao atual Código de Processo Civil Brasileiro, sua opção conceitual de sentença e finalizando com as três etapas da reforma do Processo Civil até a entrada em vigor da referida Lei 11.232/2005, perpassando pela ideia de capítulo de sentença. Entendemos, preliminarmente, que a adoção de um critério de conteúdo ou topológico pode comprometer a fase recursal. Então, por meio de uma pesquisa qualitativa, pela análise bibliográfica, pretende-se elucidar informações que permitam contribuir para o esclarecimento do problema em questão. Palavras-chave: Conceito de sentença. Critério de conteúdo. Critério topológico. ABSTRACT The present study is a subject the concept of judgement and its effects. Find here, help through an analysis of the concepts zetetic allocated to judgement over time, and to the elucidation of new strands of analysis about the fact it (sentence) calling or not to end the process, their criteria for the concept and its effects on forensic practice. For this, review their historical evolution Civil Procedure, since the sources of Procedural Law, the first Brazilian Diploma Procedure, 1939, passing current Brazilian Code of Civil Procedure, its conceptual option of sentencing and ending with the three stages of reform of Civil Procedure to Entry into force of that law 11.232/2005, perpassando chapter of the idea of judgement. We believe, preliminarily, that the adoption of a criterion for content and topological, may undermine the appeal stage. Then through a qualitative research, find, by the literature review, elucidate information allowing contribute to the clarification of the problem at hand. Keywords: Concept of sentence. Discretion of content. Topological criterion. * Bacharel em Direito. Especializando em Sociologia, Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina. Revista do Direito Privado da UEL – Volume 2 – Número 1 – www.uel.br/revistas/direitoprivado

SENTENÇA: CONCEITO E EFEITOS – ABORDAGEM ZETÉTICA

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SENTENÇA:

CONCEITO E EFEITOS – ABORDAGEM ZETÉTICA

Flávio Barroso Braga Júnior*

RESUMO

Este presente estudo tem como objeto o conceito de sentença e seus efeitos. Buscar-se-á aqui, contribuir por meio de uma análise zetética dos conceitos atribuídos à sentença ao longo dos tempos, bem como para a elucidação de novas vertentes de análise quanto ao fato de ela (a sentença) pôr ou não a termo o processo, os seus critérios de conceituação e seus efeitos na práxis forense. Para isso, será realizada uma análise da evolução histórica Processual Civil, desde as fontes do Direito Processual, e do primeiro Diploma Processual Brasileiro de 1939, passando ao atual Código de Processo Civil Brasileiro, sua opção conceitual de sentença e finalizando com as três etapas da reforma do Processo Civil até a entrada em vigor da referida Lei 11.232/2005, perpassando pela ideia de capítulo de sentença. Entendemos, preliminarmente, que a adoção de um critério de conteúdo ou topológico pode comprometer a fase recursal. Então, por meio de uma pesquisa qualitativa, pela análise bibliográfica, pretende-se elucidar informações que permitam contribuir para o esclarecimento do problema em questão.

Palavras-chave: Conceito de sentença. Critério de conteúdo. Critério topológico.

ABSTRACT

The present study is a subject the concept of judgement and its effects. Find here, help through an analysis of the concepts zetetic allocated to judgement over time, and to the elucidation of new strands of analysis about the fact it (sentence) calling or not to end the process, their criteria for the concept and its effects on forensic practice. For this, review their historical evolution Civil Procedure, since the sources of Procedural Law, the first Brazilian Diploma Procedure, 1939, passing current Brazilian Code of Civil Procedure, its conceptual option of sentencing and ending with the three stages of reform of Civil Procedure to Entry into force of that law 11.232/2005, perpassando chapter of the idea of judgement. We believe, preliminarily, that the adoption of a criterion for content and topological, may undermine the appeal stage. Then through a qualitative research, find, by the literature review, elucidate information allowing contribute to the clarification of the problem at hand.

Keywords: Concept of sentence. Discretion of content. Topological criterion.

* Bacharel em Direito. Especializando em Sociologia, Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina.

Revista do Direito Privado da UEL – Volume 2 – Número 1 – www.uel.br/revistas/direitoprivado

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1 INTRODUÇÃO

A evolução social, com suas decorrentes implicações, exige constante

aperfeiçoamento das formas de controle coletivo. Nota-se que após a promulgação da

Constituição Federal de 1988, o início da vigência do Código Civil de 2002 e as Reformas do

Processo Civil, que há acentuada preocupação dos operadores do Direito com a morosidade

do processo historicamente qualificado como instrumento utilizado pelo Estado para a

solução dos conflitos de interesses gerais e a paz social.

O autor de uma pretensão, ao procurar os préstimos de um advogado, e este, por sua

vez, ajuíza a demanda; anseia obter sentença de mérito que coloque fim ao conflito

estabelecido no plano extrajudicial. Dessa forma, muito mais do que uma sentença, o autor

anseia, principalmente, conviver com seus efeitos, sob pena de o referido pronunciamento ser

marcado pela pecha da imprestabilidade, não passando de adorno a ser colecionado pelo

demandante.

Diante da impossibilidade da sociedade brasileira de conviver com a realidade

processual deficiente, instituições comprometidas com a qualidade dos serviços forenses, a

exemplo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, apresentaram projetos de modificações

do Código de Processo Civil, em complemento à evolução social e à busca da paz social. O

movimento reformista iniciou-se em meados da década de 90. Dentre eles se destaca o que

resultou na aprovação de Lei 11.232/2005, impondo profundas modificações no panorama da

execução.

A presente pesquisa tem por escopo empreender o estudo do conceito de sentença

acerca da novel legislação – Lei 11.232/2005 – e seus efeitos, em uma abordagem zetética, ou

seja, um levantamento doutrinário com critérios metodológicos necessários à sua delimitação

conceitual, com a vigência da Lei 11.232/2005 e seus efeitos, aproximando os elementos

doutrinários com os elementos normativos pragmáticos da práxis forense.

Assim sendo, contemplar-se-ão características de uma pesquisa predominantemente

qualitativa, buscando analisar e organizar conceitos doutrinários provenientes de uma revisão

bibliográfica sobre o conceito de sentença e a relação com seus efeitos.

O universo temporal previsto para este estudo transcorrerá desde o conceito de

sentença no Código de Processo Civil de 1939, passando pelo Código de Processo Civil 1973,

até a entrada em vigência da Lei 11.232/2005 de 22 de dezembro de 2005. Justifica-se tal

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delimitação por se tratar de um período no qual ocorreram significativas mudanças na

legislação nacional a respeito do tema, tratando sentença como ato do juiz.

Este estudo busca, ainda, contribuir para a produção de conhecimento com base na

doutrina, buscando novos direcionamentos para um conceito pragmático de sentença a partir

de seus efeitos, a fim de que, em sede de recurso, crie-se a segurança jurídica a que todo

jurisdicionado tem direito.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A história processual civil brasileira só se inicia propriamente com o surgimento do

Regulamento 737, que cuidava do processo nas causas comerciais. Somente depois de

proclamada a República, com o Decreto 763, passam as disposições do Regulamento 737 a

serem aplicadas também nas causas cíveis.

O Regulamento 737 vigorou até a promulgação da Constituição Federal de 1891, que

inovou com a dualidade da Justiça Federal e Justiça Estadual, e atribuiu também aos Estados

Membros da Federação competência para legislar sobre matéria processual.

A Constituição Republicana de 1934 restabeleceu a unidade do direito processual,

que passou a ser de competência privativa da União. No entanto, os projetos de codificação da

época não vingaram. Em 1937, por meio de um golpe de Estado, o então Presidente da

República, Getúlio Vargas, outorgou uma nova Constituição, em que manteve, em seu art. 16,

XVI, a competência privativa da União para legislar sobre processo.

Com isso, o governo organizou uma comissão de juristas encarregados daquela tarefa

de preparar um anteprojeto de Código de Processo Civil, mas devido às divergências surgidas

pela primeira comissão, uma nova foi formada, e após ampla discussão, foi aprovado o

Código de Processo Civil pelo Decreto-lei nº 1608, de 18 de setembro de 1939.

As décadas se passaram e foi possível constatar os grandes e graves defeitos que o

diploma processual de 1939 apresentava. No tocante a sua aplicação, obrigou a criação de leis

extravagantes no sentido de complementar ou até mesmo de modificar profundamente o

referido diploma, o que era recebido com críticas da doutrina exigindo por uma reformulação

da legislação processual.

O então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, em conjunto com José Frederico

Marques, ambos Professores da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco – USP –

receberam do Governo Federal o encargo de elaborar um novo Código de Processo Civil, que,

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após a análise de uma comissão e de ter sido submetido ao crivo do Congresso, foi aprovado e

promulgado, com várias modificações, pela Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

O Código de Processo Civil de 1973 sofreu diversas e significantes alterações até a

década de 90. As mais importantes e profundas, porém, aconteceram entre os anos de 1994 a

2002 e de 2005 a 2006 – as chamadas Reformas do Código de Processo Civil. Deu-se de

forma gradativa por meio da edição de diversos dispositivos legais, cada qual tratando de um

determinado instituto ou setor do Código de Processo Civil. Essas reformas pode ser dividida

em três minirreformas, em fases distintas, cada uma de extrema importância para o

desenvolvimento de nossa legislação processual.

A primeira, ocorrida entre 1994 e 1995, disciplinou a citação postal; permitiu a

emenda da peça inicial antes da citação; simplificou a ação de usucapião e consignação em

pagamento; introduziu a antecipação de tutela (espécie de medida urgente que se distingue das

ações cautelares pela satisfação imediata); a tutela das obrigações de fazer e não-fazer – artigo

461; audiência preliminar, artigo 331 – Lei 8.952/94. Incluiu no livro IV o rito monitório,

reformulou o recurso de agravo contra decisões interlocutórias, Lei 9.139/1995, procedimento

sumário pela Lei 9.245/95. Foi dada disciplina totalmente nova à arbitragem, revogando os

institutos que tratavam do tema no Código de Processo Civil; modificou-se por completo o

Juizado de Pequenas Causas, que passou a ser conhecido por Juizados Especiais de Causas

Cíveis de Menor Complexidade etc...

Já a segunda minirreforma, ocorrida entre 2001 e 2002, foi mais ampla. Visou

modificar algumas lacunas e imprecisões levadas a efeito com a reforma. Ficou conhecida

como reforma da reforma. Modificou a regência de recursos como a remessa ex officio, o

agravo, a apelação e os embargos infringentes, reduzindo em muito o espectro de cabimento

deste último (Lei 10.352/2001).

E finalmente, a terceira e maior de todas as minirreformas que ocorreram entre 2005

e 2006 reduziu o âmbito de cabimento do agravo de instrumento, fixando o agravo retido

como regra geral (Lei 11.187/2005); eliminou o processo de execução fundado em título

judicial, incorporando-o como fase no processo de conhecimento, sob o título de

cumprimento de sentença, alterou o artigo 162 (Lei 11.232/2005); criou a possibilidade de o

tribunal, durante a apreciação do recurso de apelação, sanear nulidades relativas, em vez de

cassar a sentença e devolver ao juízo a quo; instituiu, também, a súmula impeditiva de

recursos (Lei 11.276/2006).

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3 SENTENÇA – CONCEITOS E APRECIAÇÕES DOUTRINARIAS

Sentença, como conceitua o dicionário Aurélio, em seu verbete, “do latim sententia

– expressão que encerra um sentido geral ou um princípio ou verdade moral máxima;

julgamento proferido por juiz, tribunal ou arbítrio(s); veredicto; qualquer despacho ou

decisão” (FERREIRA, 1986, p. 1288). Dessa forma, explica-se porque mesmo em outras

línguas, sua grafia é muito semelhante, dada a sua origem.

Nesse sentido, como alude o inesquecível Professor Plácido e Silva, sentença:

Vem do latim 'sententia' (modo de ver, parecer, decisão), a rigor da técnica jurídica, em amplo conceito, sentença designa a decisão, a resolução, ou a solução dada por uma autoridade a toda e qualquer questão submetida à sua jurisdição. Assim, toda sentença importa num julgamento, seja quando implica numa solução dada à questão suscitada, ou quando se mostra uma resolução da autoridade, que a profere (SILVA, 2001, p. 745)

Tratando-se da conceituação baseada em termos latinos em que sentença seria o ato

pelo qual o juiz declara o que sente, James Goldschimdt (2003, p. 154) definia sentença como

declaração de vontade emitida pelo juiz a qual resulta de uma atividade mental.

O mestre italiano Chiovenda (2002, p. 229) conceitua sentença como “o

pronunciamento sobre a demanda de mérito e, mais precisamente, o provimento do juiz que

afirma existente ou inexistente a vontade concreta de lei alegada na lide”.

Outro expoente italiano, Liebman (1986, p. 124), na época do Diploma de 1939,

conceituava sentença como o “ato mais importante e mais solene do processo”. De certo

deveria ser, pois o referido diploma determina-lhe rigorosamente a sua forma – prevista no

artigo 280 do Código de Processo Civil 1939 – e atribui-lhe o seu efeito de coisa julgada –

previsto no artigo 287 do Código de Processo Civil 1939. O inesquecível mestre em sua obra

tinha a preocupação de distinguir as decisões definitivas, que são as que decidem, no todo ou

em parte, o mérito da causa e recebem o nome de sentença, e cujo meio recursal era o de

apelação – no artigo 820 do Código de Processo Civil 1939, das decisões terminativas que

não resolvem o mérito; mas põe termo ao processo por um defeito de sua constituição, ou do

procedimento, ou por qualquer outro motivo que torne impossível a decisão do mérito da

causa e, em regra, eram passivas de agravo de petição – artigo. 846 do Código de Processo

Civil 1939.

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Ovídio Araújo Baptista de Silva (2002, p. 200), em sua obra, conceitua sentença no

capítulo dos atos processuais na seção atos do juiz, como definição dada pelo Código de

Processo Civil, sendo o “ato jurisdicional por excelência e consiste no provimento por meio

do qual o juiz põe termo ao processo decidindo ou não o mérito da causa”. Nota-se que sua

conceituação é baseada nos ensinamentos de Liebman, conforme o parágrafo acima.

Assim, sentença sempre foi conhecida como ato de inteligência e de vontade do

magistrado (SANTOS, 1999, p. 10), que reflete o que o prolator sente em relação aos fatos e

ao direito a ser aplicado na solução do litígio submetido à sua apreciação.

Antes do início da vigência da Lei 11.232/2005, doutrinadores, distantes da

conceituação nos termos latinos, conceituam sentença como “ato final do juiz que encerra o

procedimento em primeiro grau de jurisdição, com ou sem julgamento de mérito – artigo 162,

§ 1°” (ALVIM, 2005, p. 531). E completavam:

Tanto é sentença aquela prolatada com base no artigo 267 – extinção do processo sem julgamento de mérito, quanto aquela proferida com base no artigo 269, I – julgamento da causa, como, ainda, a que seja enunciada com base no artigo 269, II a V – atos autocompositivos (ALVIM, 2005, p. 531).

Utilizando a conceituação, com base no dispositivo legal, Vicente Greco Filho (1999,

p. 239), da sua definição contida no art. 162, § 1°, expõe que “sentença é o ato do juiz que põe

termo ao processo, decidindo, ou não, o mérito da causa”. Segundo o referido autor, com essa

definição, o legislador conceituou sentença não só pelo seu conteúdo, mas pelos efeitos que

produz no processo, destacando a sua relevância em sede de recurso.

Com a mesma definição, José Frederico Marques (1987, p. 21; 2001, p. 46) utiliza a

mesma conceituação legal e reproduz a disposição contida no art. 162, § 1°, ou seja, “sentença

é o ato do juiz que põe termo ao processo, decidindo, ou não, o mérito da causa”.

Outros doutrinares, a exemplo Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 561),

conceituam sentença como expoente último da tutela jurisdicional, fazendo referência à

conceituação de Pontes de Miranda (1998, p. 395), para o qual sentença “é emitida como

prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação jurídica processual, quando

a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercem a prestação à tutela jurídica”.

A Professora Teresa Arruda Alvim Wambier (1997, p. 22), antes da reforma aqui

comentada, sustentava ser necessária, para se encontrar a essência de uma sentença, uma

incursão dos artigos 267 e 269 do mesmo diploma processual em seu conceito.

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Partindo da doutrina que em sua parte, após a entrada da vigência da Lei

11.232/2005, passou a defender que o conceito de sentença deveria levar em conta o conteúdo

do ato decisório e não o fato de pôr ou não termo ao processo ou ao procedimento, Tereza

Arruda Alvim Wambier, já o defendia, muito antes da reforma. Afirmava que o importante

das sentenças “é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as

distingue dos demais pronunciamentos do juiz”, referindo, neste sentido, os artigos 267 e 269

do Código de Processo Civil (ALVIM WAMBIER, 1997, p. 30), como já defendia Alfredo

Rocco, que utiliza o critério de conteúdo para conceituar sentença: “[...] em suma, nenhuma

condição extrínseca caracteriza a sentença; mas a caracteriza e a diferencia das outras espécies

de atos do juiz o seu conteúdo” (ALVIM WAMBIER, 1997, p. 8).

E após a referida legislação, ratifica:

Somente se considerará sentença o pronunciamento que resolver a lide (CPC, art. 269) ou declarar que isso não é possível (art. 267) em relação à integralidade das ações ajuizadas ou daquelas que remanesceram, depois que parte delas tiver sido julgada, no mesmo processo. (ALVIM WAMBIER, 2006, p. 112)

O Professor Luiz Rodrigues Wambier adotava o conceito de sentença como

“o pronunciamento judicial que tem por conteúdo o estabelecido nos arts. 267 e 269 do CPC e

que tem por efeito principal o de pôr fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição e,

em não havendo recurso, também ao processo” (WAMBIER et al., 2005, p. 526).

Com a entrada da vigência da Lei 11.232/2005, o Professor Wambier (2007, p. 497)

passou a defender que o conceito de sentença fora parcialmente reformulado e deixa de ser

identificada exclusivamente pela aptidão de pôr fim ao processo com as ressalvas do

cumprimento de sentença, que passa a ser fase do processo. Sentença passa a ser o

reconhecimento, ou não, do julgamento de mérito (WAMBIER, 2007, p. 498). E afirma que

“a mudança da redação do dispositivo legal definidor de sentença, a rigor, destinou-se apenas

a torná-lo literalmente mais consentâneo com a interpretação que lhe era dada” (WAMBIER

2007, p. 498). Finaliza completando que “os atos enquadráveis na noção de sentença

continuam sendo os mesmos” (WAMBIER, 2007, p. 498).

No mesmo entendimento do Professor Wambier, para o pernambucano Misael

Montenegro Filho (2006, p. 548), sentença é o “pronunciamento do juiz que resolve ou não

mérito, operando a pretendida solução do conflito de interesses instaurados”. O referido autor

critica a nova redação sob o ponto de vista da divisão bifásica do atual processo de

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conhecimento, sugerindo que a redação e a conceituação deveriam ser que a sentença “é o ato

do magistrado que resolve ou não o mérito” (MONTENEGRO, 2006, p. 548).

Para os conterrâneos do Professor Wambier, os Professores Luiz Guilherme

Marinoni e Sergio Cruz Arenhart, em obra conjunta, afirmam que a Lei 11.232/2005 alterou o

conceito de sentença com uma nova sistemática legal, que permite satisfazer o autor com a

fase de cumprimento de sentença e não mais com execução de título judicial (MARINONI;

ARENHART, 2007, p. 403).

Para esses doutrinadores, a novidade da Lei 11.232/2005 está na existência da

sentença de mérito, ou seja, a adoção do critério de conteúdo, dessa forma, não extinguiria o

processo, pois este continuaria durante o cumprimento de sentença; somente colocaria fim à

fase de conhecimento. E ressaltam que nenhum ato que trate do mérito no interior da fase de

conhecimento pode ser tratado como sentença, mas sim os caracterizados por seu conteúdo

decisório na fase de conhecimento (MARINONI; ARENHART, 2007, p. 404).

Iniciando com as implicações de que um novo conceito de sentença possa surgir,

cumpre ressaltar o comentário de Athos Gusmão Carneiro, integrante da comissão de reforma

do Código de Processo Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e autor do

anteprojeto que resultou na Lei nº. 11.232/2005. É enfático em afirmar que:

[...] a definição agora adotada suscitará críticas; todavia, impende reconhecer a imensa dificuldade em conceituar, de forma precisa, a ‘sentença’. Talvez houvesse sido melhor que o Código definisse apenas o despacho e a decisão interlocutória, deixando à doutrina a definição de sentença. (CARNEIRO, 2007, p. 118)

Desta feita, segundo a conceituação dos doutrinadores trazida à colação, a novel

legislação processual firmou tal conceito, definindo a sentença por seu conteúdo, reafirmando,

segundo alguns doutrinadores, o conceito já inerente ao próprio ato, e corrigindo, para outros,

o equívoco do dispositivo legal anterior, que optava pelo critério dos efeitos do

pronunciamento jurisdicional. Os efeitos não fazem parte do ato, mas estão à parte dele, em

momento posterior. Os efeitos do ato, ou outra condição extrínseca sua, não definem sua

natureza.

Então, constata-se que não é a localização da decisão no curso do procedimento ou a

sua forma a característica definidora da sentença. Não dependo do momento processual no

qual ela foi proferida. Mas sim se Colocou fim ao processo ou não, privilegiando o seu

conteúdo, seja terminativa (sem resolução de mérito) ou definitiva (com resolução de mérito).

O atual artigo 162, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil, definiu que será

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sentença quando abranger as hipóteses dos artigos 267 ou 269. A sentença põe fim, com

resolução do mérito ou não, a uma ou todas as lides ou demandas expostas em um processo

independente de pôr termo ao processo ou à totalidade da fase de conhecimento.

4 PROBLEMÁTICA SENTIDA

Diante do exposto no tópico anterior, qual seria o problema da conceituação

doutrinária pelo critério de conteúdo da sentença, que é objeto desta pesquisa? E por via

reflexa, quais os efeitos dessa conceituação na práxis forense? Demonstrar que uma possível

impropriedade conceitual de sentença pode ameaçar a segurança jurídica que é necessária ao

devido processo legal para resolução de conflitos dos jurisdicionados, pelo poder jurisdicional

do Estado.

Iniciando a problemática, partindo da leitura do Código de Processo Civil Brasileiro

de 1939, pode-se concluir que o legislador pátrio, nas lições de Liebman, partiu do

pressuposto da existência de uma distinção entre os provimentos e as decisões do juiz,

tratando-a como atos.

O artigo 820 desse diploma estabeleceu um remédio recursal adequado a cada

provimento. Considerava como provimento os atos do juiz: as sentenças definitivas às quais

caberia o recurso de apelação e, salvo os casos de agravo na forma de instrumento no artigo

842 – rol taxativo – dezessete itens, ou agravo no auto do processo no artigo 845, caberia

recurso de agravo de petição para enfrentar as sentenças terminativas – artigo 846. Há de se

ressaltar que esse diploma não contemplava a previsão genérica para a interposição de recurso

de agravo contra toda e qualquer decisão interlocutória, como é previsto em tempo atuais.

Nesse diploma 1939, a distinção entre os provimentos, sentenças terminativas e

sentenças definitivas não era tão cristalina, como pressupôs seu legislador, de modo que a

sistemática adotada na época gerou uma série de dificuldades na práxis forense para os

operadores do Direito, como no caso de uma sentença fundada em prescrição ou decadência,

na qual não era julgado mérito. Assim o remédio recursal seria agravar ou apelar?

E como forma de mitigar essa problemática vindo, aliás, expressamente previsto no

artigo 810 do referido diploma, o princípio da fungibilidade recursal passou a ser

extremamente utilizado.

O Código Buzaid, visando sanar, também, esse tipo de confusão gerada pela letra da

lei anterior, distinguiu no artigo 162 do então novo diploma, o que denominou de atos do juiz

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no processo, separando-os em: despachos, decisões interlocutórias e sentenças. E nos artigos

504, 513 e 522, do novo diploma, estabeleceu os remédios recursais assim: os despachos

seriam irrecorríveis; as sentenças, sejam elas definitivas ou terminativas, seriam apeláveis; e

as decisões interlocutórias, agraváveis. Ou seja, o legislador correlacionou diretamente o

remédio recursal ao ato decisório do juiz. Dessa forma, os recursos passaram a ser típicos e

por sua vez unirrecorríveis, ou seja, para cada tipo de decisão caberá apenas um único recurso

que lhe for relacionado naquele momento processual.

Nesse tratamento dado pelo legislador do Código de Processo Civil de 1973, segundo

o Professor Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 209), há uma impropriedade em considerar

que os únicos atos praticados pelo juiz no processo são aqueles descritos no artigo 162,

quando, na realidade, há outros atos do juiz no processo. Cite-se, por exemplo, o de presidir

as audiências. Assim, o que o artigo 162 define são os pronunciamentos ou provimentos do

juiz e não seus atos.

O Professor Dinamarco, em nota na tradução de obra Enrico Tulio Liebman (1986, p.

241), delimita que o ideal seria “definir sentença como ato cujo efeito processual é a extinção

do processo, sabendo-se que esse efeito será ou não produzido efetivamente, na dependência

conforme o vencido permitia ou impeça que ela passe em julgado”, adotando um critério

topológico, também defendido pelo Professor José Carlos Barbosa Moreira (1974, p. 139).

A doutrina sempre relacionou a palavra sentença à sua origem, ou seja, aos termos

latinos sententia e sentire. Portanto, sentença seria o ato pelo qual o juiz declara o que sente.

Nessa linha, James Goldschimdt (2003, p. 154) definia sentença como declaração de vontade

emitida pelo juiz que resulta de uma atividade mental.

Distante do paralelismo semiótico ou metafísico, o juiz, ao sentenciar, não declara o

que sente, mas, sim, aplica o direito ao caso concreto. Assim, as lições do mestre italiano

Giuseppe Chiovenda, ensina que o juiz não só declara o direito, mas como também impõe a

vontade concreta da lei pelo Estado, em especial, pelo Poder Judiciário (CHIOVENDA, 2002,

p. 37). De plano, descarta-se essa primeira tentativa de conceituação de sentença por meio da

sua etiologia.

Antes da nova redação do parágrafo único do artigo 162 do Código de Processo Civil

pela Lei 11.232/2005, já se discutiu muito na doutrina a imprecisão do conceito de sentença.

Para Professor Arruda Alvim, por exemplo, sentença é conceituada como o “ato final do juiz

que encerra o procedimento em primeiro grau de jurisdição, com ou sem julgamento de

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mérito” (ALVIM, 2005, p. 533). Logo, a sentença nunca pôs realmente o processo a termo. A

fase recursal manteria a litispendência e naturalmente o processo continuaria.

Na realidade, o que põe termo ao processo e ao procedimento é o esgotamento da via

recursal e não a sentença (ASSIS, 2005, p. 433). A extinção do processo pode vir a ser um dos

efeitos da sentença somente se ela não for questionada em vias recursais.

Dessa forma, “a sentença põe, no máximo, a termo, o procedimento em primeiro

grau, mas não ao processo” (WAMBIER et al., 2005, p. 529). Este conceito é adotado por

muitos doutrinadores seguindo o entendimento do Professor Luiz Rodrigues Wambier, na

vigência da redação anterior do parágrafo único do artigo 162 do Código de Processo Civil.

Mas esse conceito poderia ser desafiado em função do que se dispõe nos artigos 296,

463 e 518 do Código de Processo Civil, na medida em que os mesmos permitem a prática de

atos pelo juízo monocrático, mesmo após ter este proferido a sentença, de modo que, nem o

procedimento de primeiro grau encontraria fim com a sentença, como afirma o citado

doutrinador no parágrafo anterior.

Partindo-se da idéia inicial de que a sentença é o ato do juiz que põe a termo o

processo ou a termo o procedimento em primeiro grau em confronto ao teor do artigo 463 do

Código de Processo Civil, cria-se um paradigma: não seriam atos do juiz as convalidações de

nulidades, erros materiais ou atos inexistentes que venham a atingir as sentenças? Ato que

permite ao próprio juiz prolator, em circunstâncias particularíssimas descritas nos dois incisos

desse mesmo artigo, corrigir a sentença ex officio ou em sede de embargos declaratórios,

lembrando que os embargos de declaração prestam-se a: elucidar a obscuridade (quando não

há clareza); afastar a contradição (diante de julgado com incerteza em função de proposições

inconciliáveis); e/ou suprimir a omissão (em casos em que não foi apreciada questão ou

determinado pedido) e não devem ter efeitos infringentes, ou melhor, não devem ser usados

quando visarem, exclusivamente, à modificação do julgado.

Note-se que o artigo em questão – artigo 463 do Código de Processo Civil – não faz

menção às sentenças terminativas, só às de mérito. Assim, em relação a estas, haveria, em

princípio, uma impossibilidade genérica de revisão ou uma possibilidade total de modificação

pelo juiz. Essa situação, que foi afastada pela jurisprudência, culminou com a redação do

artigo 296 do Código de Processo Civil dada pela Lei 8.952/94, na primeira minirreforma.

De qualquer forma, nos casos dos artigos 296 e 463 do Código de Processo Civil,

acima mencionados, os atos posteriores à sentença apenas prolongam o procedimento de

primeiro grau, visando com isso, tão somente, a correção da própria sentença que contenha

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uma das imperfeições acima definidas. Assim, o conceito “ato que põe fim ao procedimento

em primeiro grau” mantém-se coerente, mas impróprio, como defende o Professor

WAMBIER (2007, p. 496).

Portanto, em um silogismo, o problema talvez esteja no artigo 518 do Código de

Processo Civil, que permite ao juiz, na fase recursal, decidir em que efeitos será recebido o

recurso de apelação eventualmente interposto, bem como examinar se está presente seu

pressuposto de admissibilidade. Contudo, seria este artigo um impeditivo ao conceito ora

definido, na medida em que permitiria um prolongamento do procedimento em primeiro

grau? Acreditando previamente que não, já que, prolatada e eventualmente corrigida a

sentença, restam praticados todos os atos possíveis relativos à atividade do juiz em primeiro

grau. A partir daí, os atos que o juiz vir a praticar, em verdade, são atos preparatórios para a

remessa dos autos ao segundo grau de jurisdição, mantendo-se a coerência do sistema.

Conseqüentemente, qual seria o verdadeiro problema da conceituação de sentença?

Iniciando pela conceituação doutrinária que, após a última minirreforma passou a defender

que o conceito de sentença deveria levar em conta o conteúdo do ato decisório e não o fato de

pôr ou não termo ao processo ou ao procedimento. Nessa linha, Teresa Arruda Alvim

Wambier define sentença como “o ato que põe fim ao processo ou ao procedimento em

primeiro grau e que tenha por conteúdo uma das matérias dos artigos 267 e 269 do Código de

Processo Civil” (ALVIM WAMBIER, 1997, p. 25).

Logo, ao que parece, em função de toda essa nova discussão doutrinária acerca do

conceito de sentença, o legislador optou por alterá-lo nessa terceira etapa da reforma do

Código de Processo Civil. Isso daria impressão de que realmente o conceito de sentença foi

alterado, adotando-se o critério de conteúdo, e não o critério topológico como base, ou seja,

não mais o critério de pôr fim a qualquer fase ou procedimento algum do processo, mas sim

caracterizada por seu conteúdo decisório.

Se a interpretação dada à nova redação do parágrafo único do artigo 162 de Código

de Processo Civil for o critério de conteúdo, existirão conseqüências para os recursos que

talvez tenham passado despercebidas tanto ao legislador quanto para aqueles que adotam esse

conceito. Possivelmente, uma quantidade imensurável de recursos deixarão de ser conhecidos

pelos Tribunais, gerando por sua vez uma insegurança jurídica aos jurisdicionado que, grosso

modo, perderiam o direito de recorrer. A menos que seja utilizado o princípio da fungibilidade

recursal, como no Código de Processo Civil de 1939, que não possui mais tal previsão legal

no diploma vigente.

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Dessa maneira, é possível elucidar tal problemática com o seguinte exemplo: o

provimento sentença que excluir um dos litisconsortes do pólo passivo de uma demanda

qualquer até o advento da lei em questão deveria ser considerado como decisão interlocutória,

já que não colocava termo ao processo que prossegue perante os demais litisconsortes.

Portanto, seria combatida com o recurso de agravo na forma de instrumento. Assim, apesar do

processo prosseguir com relação aos demais, certamente com relação ao litisconsorte

excluído, aquela decisão teria, em função do novo parágrafo primeiro do artigo 162, natureza

jurídica de sentença, porque, certamente, seu conteúdo seria o do artigo 267 (por exemplo, se

fundada em ilegitimidade passiva de parte) ou do artigo 269 (se fundada em prescrição ou

decadência).

Considerando esse provimento, com a conceituação doutrinária que adota o critério

de conteúdo, seria então uma sentença, e o remédio recursal utilizado pelo autor da demanda

(parte interessada na manutenção daquele réu excluído do pólo passivo), seria por recurso de

apelação e não mais por recurso de agravo. Dessa forma, uma nova modalidade que não está

prevista no Código de Processo Civil seria a apelação de instrumento, pois o processo tem que

prosseguir com relação aos demais réus, e a apelação do autor deve seguir para o Tribunal

para ser julgada. Para tanto, deveria ser tirado instrumento dos autos? Ou será que os autos

seguiriam com a apelação e seriam tirados autos suplementares para prosseguimento do feito

em primeiro grau?

Imaginando mais do que isso. Se, nesse mesmo caso, o magistrado tenha proferido

tal decisão em despacho saneador, momento em que também indeferiu a prova pericial

requerida por um dos litisconsortes passivos não excluídos, pergunta-se: o autor,

inconformado com a exclusão de um dos réus do pólo passivo, deveria apelar desse

provimento? E os demais réus, mantidos no pólo passivo, inconformados com o

indeferimento da prova pericial requerida, deveriam agravar deste mesmo provimento? Seria

o fim do princípio da unirrecorribilidade recursal?

A saída talvez seja ignorar o princípio da unirrecorribilidade recursal e começar a

pensar em capítulos desse provimento sentença. Assim, cada capítulo seria um tipo de

recurso: um atacável por apelação e outro por agravo (DINAMARCO, 2004, p. 42), ou

manter-se-ia o princípio e admitir-se-ia que ambos apelassem deste provimento? Ou será que

a melhor saída seriam determinar que ambos agravassem do mesmo? Ficaria aberto campo

fértil para a utilização da fungibilidade recursal?

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De qualquer forma, são questões recentes e não se sabe, ainda, quais serão os rumos

da jurisprudência. Acredita-se que uma abordagem zetética sobre o tema possa veredar uma

solução pragmática. Delimitam-se, então, algumas questões que contemplem e direcionem o

objeto desse estudo, a saber:

- qual o critério a adotar para conceituar sentença? O critério de conteúdo ou

critério topológico?

- quais os efeitos dessas conceituações na práxis forense?

- seria o fim do princípio da unirrecorribilidade ou da taxatividade recursal?

- volta-se a uma utilização mais difundida, do princípio da fungibilidade

recursal?

- seria o caso da possibilidade da aplicação da teoria dos capítulos da sentença?

5 PRINCÍPIOS RECURSAIS

Recurso é um remédio processual que permite a impugnação das decisões judiciais

dentro da mesma relação jurídica processual. Nas lições de Dinamarco, é “ato de

inconformismo, mediante o qual a parte pede nova decisão diferente daquela que lhe

desagrada” (DINAMARCO, 2003, p. 105). Assim, o recurso é visto como “uma extensão do

direito de ação ou de defesa, e portanto, apenas prolonga a vida do processo e a litispendência

existente, dentro da mesma relação processual” (WAMBIER et al., 2005, p. 578).

O sistema recursal pátrio possui alguns princípios bastante orientadores. Dentro do

nosso tema de pesquisa, é necessário explicar esses princípios e quais suas aplicações ou

efeitos a partir do conceito de sentença.

5.1 Princípio da Taxatividade

Em suma, o princípio da taxatividade pode ser entendido como sendo a explícita

proibição à criação de novos recursos ou a modificar, extinguir recursos pelas partes, ou pelos

magistrados, ou leis municipais, estaduais ou, ainda, regimento internos de tribunal.

Considera-se que tão-somente os recursos previstos no ordenamento jurídico, e criados em

consonância com o procedimento legislativo estabelecido, podem ser utilizados com o fim de

se reformar as decisões judiciais.

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Nestes termos, a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso I é clara quando trata

da competência exclusiva da União em legislar em matéria processual. O rol de recursos é

aquela taxativamente prevista em lei processual (Código de Processo Civil no título X do

livro I). Portanto, o rol legal é exaustivo e taxativo e cada decisão poderá ser impugnada de

acordo com os recursos previstos no ordenamento jurídico.

Considerando a conceituação doutrinária de sentença pelo critério de conteúdo e

elucidação do exemplo utilizado na problemática, a nova modalidade que não está prevista no

Código de Processo Civil seria a apelação de instrumento, pois o processo tem que prosseguir

com relação aos demais réus e a apelação do autor deve seguir para o Tribunal para ser

julgada. Para tanto, deveriam ser tiradas cópias dos autos para formar um instrumento ou os

autos seguiriam com a apelação, e seriam tirados autos suplementares para prosseguimento do

feito em primeiro grau.

Afronta o princípio da recursal da taxatividade como aludido acima, ou diante desse

cenário, no mínimo conflituoso, seria possível defender a existência de dúvida objetiva na

doutrina acerca da natureza jurídica do provimento e, conseqüentemente, do recurso cabível

em tais situações, o que permite, então, afirmar categoricamente a possibilidade de ser

aplicado aqui o princípio da fungibilidade recursal.

5.2 Princípio da Fungibilidade

O princípio tem sua provável origem no direito alemão, levando-se em conta a

possibilidade de o juiz proferir uma decisão equivocada em sua forma. Com base nela, a parte

poderia interpor um recurso não adequado, também conhecido como princípio do maior favor.

Assim, era admitido tanto o recurso interposto contra a decisão de formato incorreto, quanto

aquele interposto contra a decisão que seria a correta (JORGE, 2007, p. 230).

O uso do princípio da fungibilidade recursal no ordenamento pátrio está e sempre

esteve diretamente ligado à idéia de que a proliferação de recursos pode gerar certas situações

em que as partes terão dificuldade em definir qual o recurso cabível. Se essa dificuldade

resultar da lei ou da conduta do juiz, a parte não poderia ser prejudicada, daí a tomada de um

recurso por outro.

Quando da edição do Código de Processo Civil de 1939, diante da dificuldade em

manejar o sistema recursal ali proposto, adotou-se expressamente o princípio da fungibilidade

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recursal, chamado por Nelson Nery Júnior. de “promiscuidade recursal” (NERY JÚNIOR;

NERY, 2006, p. 109).

O artigo 810 lia-se que: “Salvo hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será

prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à

Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento”. A expressão chave neste artigo e que

marca pelo entendimento jurisprudencial pátrio sobre o tema desde então, além do erro

grosseiro, parece ser a má-fé, o que se verificará quando tratarmos da questão dos prazos

recursais.

O grande problema do Código de Processo Civil de 1939 estava, então, na idéia de

má-fé. Em que medida seria possível aferir se a parte estava ou não agindo de má-fé? Tratava-

se de conceito eminentemente casuístico e subjetivo. A doutrina e a jurisprudência à época do

antigo diploma processual jamais chegaram a um consenso sobre a questão, que acabou

mesmo no casuísmo. Vale dizer que era voz corrente na doutrina que uma das formas de

identificar se a parte agia ou não de má-fé estava no prazo para o manejo do recurso, ou seja,

se a parte havia escolhido justamente o recurso de prazo maior e se utilizado de todo o prazo

recursal, sobejando, portanto, o prazo do recurso que seria considerado como o correto

(ALVIM WAMBIER, 1997, p. 109; NERY JÚNIOR; NERY, 2006, p. 113). Assim, podemos

notar que a realidade à época não era muito diferente do que se experimenta atualmente.

Alfredo Buzaid, ao redigir o código atual, visando sanar esse tipo de confusão na

interposição dos recursos, que foi gerada pela letra da lei anterior, distinguiu no art. 162 o que

denominou de atos do juiz no processo. Separou-os em despachos, decisões interlocutórias e

sentenças e, em seguida, nos artigos 504, 513 e 522, estabeleceu que os despachos seriam

irrecorríveis, as sentenças apeláveis e as decisões interlocutórias agraváveis, ou seja,

correlacionou diretamente o recurso ao ato do juiz. Desta forma, os recursos passaram a ser

típicos e de interposição simplificada.

Com base nisso, muitos entenderam, logo no início da vigência do novo código, que

não seria mais possível o manejo do princípio em função de sua absoluta desnecessidade

(ALVIM WAMBIER, 1997, p. 232; NERY JÚNIOR; NERY, 2006, p. 15).

Entende Barbosa Moreira (2005, p. 205) que a sistemática adotada por Buzaid, no

diploma de 1973, não eliminaria qualquer erro grosseiro na escolha do recurso e que o ideal

seria manter a redação do art. 810 do diploma 1939 de forma mais clara, pois mesmo não

expresso o princípio continuava a prevalecer, aliás, como é próprio dos princípios que não

demandam previsão expressa na lei para sua aplicação. Isso porque se percebeu que, mesmo

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na nova sistemática, ainda existiam diversas situações em que permanecia dúvida sobre o

recurso cabível. Atualmente, então, admite-se a aplicação do princípio da fungibilidade, mas

desde que a parte não tenha incorrido em erro grosseiro, ou seja, deve haver dúvida objetiva

na doutrina ou na jurisprudência acerca do recurso a ser interposto naquela situação, como se

propõe o caso em estudo.

5.2.1 Aplicabilidade na problemática sentida

Retomando nosso problema de pesquisa, as alterações oriundas da Lei 11.232/2005

fez surgir problemática ainda não superada pela doutrina e jurisprudência a respeito da

recorribilidade de cada decisão, ressaltando ainda mais importância aos princípios da

fungibilidade recursal e instrumentalidade processual civil.

O interesse no princípio da fungibilidade recursal certamente será retomado em

função da conceituação doutrinária de sentença à luz do critério de conteúdo. Ao que nos

parece, o intuito do legislador era o de, diante das demais modificações oriundas desta lei,

principalmente com a extinção do processo autônomo de execução de sentença condenatória,

substituído pela fase de cumprimento da sentença “dentro” do processo de conhecimento,

adaptar o conceito de sentença que, portanto, deixou de pôr fim ao processo. Eis então a

mudança no artigo 463, no sentido de que o juiz não mais acaba o ofício jurisdicional com a

sentença porque deverá cumpri-la ainda.

Como visto no capítulo anterior, o entendimento que a sentença não leva a termo o

processo, mas ao procedimento em primeiro grau (WAMBIER et al., 2007, p. 529). Mas

diante dessa mudança na sua redação, modificará bastante o cenário recursal, uma vez que a

sentença, agora, não seria mais aquela que põe fim à fase de conhecimento do procedimento

em primeiro grau, como seria a redação se o legislador reformista tivesse adotado o critério

topológico/funcional. Outrossim, parte da doutrina adota o critério de conteúdo. Sentença,

agora, seria caracterizada por seu conteúdo, e não mais por ter posto fim a procedimento

algum (ASSIS, 2006, p. 20-21).

Se a interpretação dada ao artigo for essa, existirão conseqüências graves para os

recursos, as quais talvez tenham passado despercebidas ao legislador da Lei 11.232/2005, de

modo que, certamente, um número elevado de recursos poderá não ser conhecido, a não ser

que seja utilizado o princípio da fungibilidade recursal.

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Page 18: SENTENÇA: CONCEITO E EFEITOS – ABORDAGEM ZETÉTICA

5.3 Princípio da Unirrecorribilidade

Doutrinariamente conhecido também como princípio da unicidade ou da

singularidade. Entende-se neste princípio que para cada ato judicial recorrível existe um

recurso próprio previsto no ordenamento jurídico, ensejando-se a conclusão de que, em regra,

é vedado à parte utilizar-se de mais de um recurso para impugnar o mesmo ato decisório, ou

seja, para cada tipo de decisão caberá apenas um único recurso que lhe for relacionado

naquele momento processual. No diploma de 1939, era previsto expressamente no artigo 809.

Exceção estaria quando a mesma questão fosse decidida com fundamento

constitucional e infraconstitucional. Desta, caberia Recurso Especial e Extraordinário.

A finalidade básica deste princípio é evitar que as partes possam ter a liberdade

irrestrita de escolha, de acordo com os seus próprios interesses, dos recursos a serem

utilizados no decorrer da lide.

Mas diante a problemática sobre o conceito de sentença utilizando o critério de

conteúdo, imaginado o caso aludido acima em que o magistrado tenha proferido tal decisão

em despacho saneador, momento em que também indeferiu a prova pericial requerida por um

dos litisconsortes passivos não excluídos, pergunta-se: o autor, inconformado com a exclusão

de um dos réus do pólo passivo, deveria apelar desse provimento? A decisão teria, em função

do novo parágrafo primeiro do artigo 162, natureza jurídica de sentença, porque seu conteúdo

seria o do artigo 267 (por exemplo, se fundada em ilegitimidade passiva de parte) ou do artigo

269 (se fundada em prescrição ou decadência). E os demais réus, mantidos no polo passivo,

inconformados com o indeferimento da prova pericial requerida, deveriam agravar deste

mesmo provimento? Ou realmente é o fim do princípio da unirrecorribilidade recursal, dada a

conceituação de sentença por critério de conteúdo?

A solução, a nosso ver, é começar a pensar em uma teoria baseada nos ensinamentos

de Liebman (DINAMARCO, 2005, p. 666), que consiste em decompor cada provimento do

dispositivo como partes autônomas da sentença, além de tratar cada item desse provimento

decomposto como um capítulo. Assim, cada capítulo seria um tipo de recurso, ou seja, um

capítulo atacável pelo recurso de apelação e outro capítulo atacado pelo recurso de agravo.

Dessa forma, prossegue-se aqui um amadurecimento acadêmico e científico acerca da teoria

dos capítulos da sentença, difundida pelo Professor Dinamarco (2004, p. 42).

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6 CAPÍTULOS DA SENTENÇA

Capítulos da sentença, no dizer do Professor Dinamarco (2005, p. 663), são “as

partes que ideologicamente se decompõe o decisório de uma sentença ou acórdão, cada uma

delas contendo o julgamento de uma pretensão distinta.”

Note que o afamado jurista confina a ideia de capítulos ao decisório não a

estendendo à motivação. Ainda, segundo o jurista paulista, no mínimo dois são os preceitos

contidos na sentença: o julgamento do pedido do autor e aquele relativo aos custos financeiros

do processo, não importando a natureza jurídica do capítulo que julga a questão principal. O

capítulo da sentença que trata da sucumbência será sempre condenatório e importará em título

executivo judicial.

Quando o objeto do processo, o pedido, for composto, o julgamento de cada um

deles corresponderá a um capítulo da sentença. Assim, se a parte pede a reintegração de posse

sobre determinado imóvel e a indenização pelos prejuízos causados pelo agente esbulhador, e

o juiz, na sentença, determina a reintegração, mas rejeita o pedido indenizatório, então, no

mérito, existem dois capítulos diversos: um julgado totalmente procedente (reintegração) e

outro totalmente improcedente (indenização). Cada um desses capítulos terá significado e

dimensões próprias, produzindo seus próprios efeitos.

O julgamento da reconvenção, por exemplo, corresponderia a um outro capítulo da

sentença. E partindo deste marco conceitual, sobre os capítulos da sentença, talvez seja

importante perguntar: qual a utilidade em se separar a sentença em capítulos?

Essa separação, em capítulos, parece ser extremamente útil no que diz respeito aos

limites dos recursos, à nulidade da sentença, à distribuição dos encargos da sucumbência, aos

limites da coisa julgada e ao cumprimento de sentença. No entanto, o tema pertence não aos

recursos ou ao cumprimento de sentença, mas sim à própria teoria sobre a sentença.

No tocante à teoria da sentença, o Professor Dinamarco (2004, p. 35) é o único que

trata capítulos da sentença com essa ênfase, desvinculando-o da teoria dos recursos. No

Brasil, não há expressa previsão legal quanto aos capítulos de sentença, diferentemente do que

ocorre no direito italiano. Por essa razão, vem da Itália a doutrina inicial. A partir de Liebman,

o conceito de capítulos de sentença foi substancialmente alargado para incluir as decisões

sobre o processo também.

Ele afirma a existência de diversos corpos simples, ou unidades elementares

justapostas no invólucro de uma só sentença, quando o juiz decide imperativamente mediante

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a rejeição de uma preliminar impeditiva do julgamento do mérito e decide, também

imperativamente, sobre a procedência ou improcedência da demanda em julgamento

(DINAMARCO, 2004, p. 60).

Pelo pensamento de Liebman, seria possível haver capítulos de sentença sem que os

mesmos decorressem sobre o mérito, mas acolhendo preliminares, por exemplo. Não

abarcariam, os capítulos de sentença, a solução de questões, pois que são regidos pelo direito

positivo italiano (DINAMARCO, 2004, p. 62).

6.1 A Importância Prática dos Capítulos da Sentença

Para os operadores do Direito, atentar-se aos capítulos da sentença é de suma

importância, muito além da sua aplicabilidade nos recursos. No exemplo suscitado no capítulo

“Problemática Sentida”, sobre o caso do magistrado que proferiu decisão em despacho

saneador, excluindo um dos litisconsortes do polo passivo de uma demanda, momento em que

também indeferiu a prova pericial requerida por um dos litisconsortes passivos não excluídos.

Pergunta-se: o autor, inconformado com a exclusão de um dos réus do polo passivo, deveria

apelar a esse provimento? E os demais réus, mantidos no polo passivo, inconformados com o

indeferimento da prova pericial requerida, deveriam agravar deste mesmo provimento?

Longe de uma discussão sobre prescrição ou decadência e seus efeitos, o diploma

adjetivo, com as alterações da Lei 11.232/2005, e a doutrina que adota o critério de conteúdo

para conceituar sentença, dando como causas de extinção de mérito com julgamento de

mérito. Assim, diante de todo o exposto, o magistrado deve acolher cada uma em momentos

diferentes em seu pronunciamento a respeito para o momento da sentença, mas dessa maneira

iria contra o disposto no artigo 459 do Código de Processo Civil, ou seja, todas as questões

relacionadas ao mérito devem ser julgadas em um ato só (DINAMARCO, 2005, p. 671).

Assim é na sentença em que o magistrado acolhe, rejeita, em todo ou em parte, as

pretensões do autor, em consonância com o princípio da unidade da sentença. O magistrado

deve julgar, e não decidir o mérito em uma sentença, a qual deve ser decomposta em partes

autônomas, de modo que cada item seja um capítulo (artigo 478, III), e este, desafiado por um

recurso (DINAMARCO, 2005, p. 667).

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se, após revisão bibliográfica acerca do conceito de sentença, que sua definição

mostra-se viciosa e alvo de muitas críticas doutrinárias. Uma delas é quando o Código de

Processo Civil de 1973 trata como “atos” os pronunciamentos do magistrado que são

divididos em três parágrafos no artigo 162, cada qual com sua conceituação. Definiu-se

sentença no parágrafo primeiro como: “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo,

decidindo ou não o mérito da causa”; conceituou-se decisão interlocutória no parágrafo

segundo como: “o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” e, por

fim, no parágrafo terceiro, conceituou-se, de maneira equivocada (como vimos nos capítulos

anteriores), a denominação de despacho como “todos os outros atos do juiz praticados no

processo, cujo respeito à lei não estabeleceu outra forma”.

Percebe-se ainda que o legislador, na tentativa de mitigar os conflitos oriundos do

Diploma Adjetivo de 39, não obteve total êxito em elaborar uma nomenclatura isenta de

imprecisões. A sentença, ao que parece, nunca realmente põe o processo a termo. No máximo

põe a termo o procedimento em primeiro grau, haja vista que a fase recursal manteria

naturalmente a litispendência e o processo continuaria. O que realmente põe termo ao

processo e ao procedimento é o esgotamento da via recursal, e não a sentença.

Mas, independente de tais objeções, o referido conceito vigorado por três décadas

trazia uma relativa segurança na determinação do recurso cabível. Baseando o conceito de

sentença em um critério puramente topológico – não substancial – o que interessava não era o

conteúdo do ato decisório, e sim a pura e simples localização que o situa no itinerário do feito,

pondo fim ao procedimento de conhecimento em primeiro grau.

Na estrutura do Diploma de 1973, a sentença, em tese, assinalava um ponto final no

processo de conhecimento, independente do seu prosseguimento ou não em vias recursais,

mas reconhecia ou não o direito do autor.

A cisão formalmente estabelecida entre o processo de conhecimento e o de execução,

nos casos em que este havia necessidade de seguir-se àquele para satisfação do autor desta

demanda, dava compreensão do significado da sentença no instante final da atividade

cognitiva do órgão judicial, reiterando o critério topológico.

A terceira etapa da minirreforma do Processo Civil modificou profundamente a

estrutura do Código no tocante à relação entre a atividade de cognição e a executiva. Com a

Lei 11.232/2005, de acordo com a nova sistemática, os atos executivos constantes no livro II

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devem ser praticados no prosseguimento do processo em que o julgou, sem solução da sua

continuidade. Em outros termos, passa a haver um só processo, no qual se realizam

sucessivamente a atividade cognitiva e a executiva.

Saliente-se que as mudanças ocorridas em nada influem na distinção ontológica entre

as duas atividades. Cognição e execução constituem segmentos diferentes da função

jurisdicional. A lei pode combiná-las de forma variável, até traçar ou não fronteiras mais ou

menos nítidas entre as receptivas funções. Ou ainda, inserir no bojo de qualquer uma delas

atos típicos da outra, dar precedência a esta sobre aquela, juntar, separar ou entremear

conforme lhe parecer mais conveniente do ponto de vista prático. Mas a lei não pode ir

contrária à natureza das coisas, nem torná-las iguais.

Ao modificar a sistemática para suprir a separação entre a atividade cognitiva, que

tem a sentença como o seu ponto culminante, e a atividade executiva ordenada à efetivação do

julgamento, já não seria possível manter a redação do parágrafo primeiro do artigo 162.

Coerentemente, no projeto de que se originou a Lei 11.232/2005, propunha-se substituir esse

texto pelo seguinte: “sentença é ato do juiz proferido conforme os artigos 267 e 269”.

Deixando de fundar-se em critério topológico para ligar-se ao conteúdo do ato. Nessa

perspectiva, a dualidade de referências – aos artigos 267 e 269 – reflete a variação possível

desse conteúdo.

O projeto que originou a Lei 11.232/2005 e foi aprovado pela Câmara dos Deputados

sem alteração no tocante à nova redação do artigo 162, §1º do Código de Processo Civil

(como exposto no parágrafo acima), não agradou o Senado Federal, que emendou o texto,

oferecendo o teor que fora aprovado: “sentença é o ato do juiz que implica algumas das

situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei”.

A redação legislativa é um atributo de alta responsabilidade, um exercício técnico

que não pode comportar vícios, atribuindo assim, máxima clareza. A leitura do texto legal

deve conter e transmitir informações que correspondam com fidelidade, não possibilitando

dúvidas e dificuldades interpretativas. Aliás, muitas das complicações processuais seriam

evitadas com grande benefício à duração da lide, se os magistrados não se vissem desafiados,

a cada momento, a decifrar enigmas.

São importantes as considerações que vêm à mente de quem lê a nova redação do

artigo 162, §1º, emendado pelo Senado Federal. A nova redação utiliza o verbo “implicar”,

que, segundo o dicionário Aurélio, pode aduzir vários significados, como aborrecer ou zangar

alguém; por exemplo: “Fulano implica sempre com Beltrano”. Dentre outras acepções em que

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implicar é transitivo direto, uma nos leva a: “dar a entender, fazer pressupor”; outra, “trazer

como consequência, envolver importar”. Nenhuma das duas permite uma conclusão sobre o

teor do artigo 162, §1º. Como exemplo o inciso I do artigo 269 do qual o magistrado acolhe

ou rejeita o pedido do autor, a sentença não irá pressupor, nem trazer como consequência o

acolhimento ou rejeição do pedido. É ela mesma que acolhe ou rejeita. Trata-se, como alguns

doutrinadores a defendem com o conteúdo de sentença, não de um antecedente nem de um

corolário seu.

Do mesmo modo, não há justificativas plausíveis para o uso da palavra “situação” no

texto emendado. Assim, conclui-se que as alterações oriundas da Lei 11.232/2005, com a

nova definição e conceituação de sentença, não refletem o fenômeno decisório com

fidelidade.

Ocorre que, muito embora as mudanças procedidas, a terminologia continuou

imperfeita e passível de críticas: no artigo 269, o legislador, para adequá-lo ao novo conceito

da sentença, retirou o termo “extinção do processo”; entretanto no artigo 267, o legislador

generalizou os casos ali presentes e manteve a alusão à “extinção”, sendo que nestes casos

tampouco o procedimento estará finalizado, eis que ainda poderá o processo ter seguimento

para execução das verbas sucumbências. Da mesma forma, não há extinção do processo, por

exemplo, no caso de reconhecimento da incompetência absoluta (267, IV, parágrafo 2º do

Código de Processo Civil), eis que os autos serão remetidos ao juízo competente. Sem falar

que ambos os artigos, 267 e 269, permaneceram sob o título “Da Extinção do Processo”.

Mas se o ato, apesar de seu conteúdo encontrar correspondência nas hipóteses dos

artigos 267 ou 269, não tiver posto fim ao processo, aquele será uma decisão interlocutória e

não uma sentença. Em termos pragmáticos, na determinação do recurso cabível prevalecerá

não propriamente o conteúdo do ato, mas o efeito que tem sobre o processo.

O conceito de sentença para manter a coerência com a nova sistemática, mas sem

criar dificuldades na práxis forense, não pode ater-se exclusivamente a único critério. Há de

se adotar um critério misto para conceituar sentença, como alguns doutrinadores já defendem.

A sentença é um dos atos do magistrado, conforme tem como um dos seus conteúdos as

matérias versadas nos artigos 267 e 269, e ao mesmo tempo, põe fim ao procedimento de

conhecimento em primeiro grau. Sem dúvida pecerbe-se que era essa a intenção, além de dar

celeridade ao processo, com reforma trazida pela Lei 11232/2005.

Mas o ponto crucial sobre o conceito de sentença e adoção do critério de conteúdo

nos parece ser a questão da recorribilidade. No princípio da taxatividade, pode ser entendida

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como sendo a explícita proibição à criação de novos recursos. O Código prevê os recursos de

agravo na modalidade instrumento e retida, e apelação como impugnações das decisões de

primeiro grau.

Assim, pode-se repelir a “inovação” doutrinária da nova modalidade recursal: a

apelação de instrumento, que consiste em tirar cópias dos autos para formar um instrumento,

ou os autos seguiriam com a apelação e seriam tirados autos suplementares para prosseguir

em relação aos demais réus, e a “apelação” do autor deve seguir para o Tribunal para ser

julgada. Pois a adoção desta inovação doutrinária afrontaria o inciso I do artigo 22 da

Constituição Federal, o qual estabelece como competência exclusiva da União em legislar em

matéria processual.

Diante do abandono do total do critério topológico e adoção pura do critério de

conteúdo, teremos conseqüências graves para os recursos que talvez tenham passado

despercebidas ao legislador da Lei 11.232/2005, no sentindo de que uma quantidade

imensurável de recursos deixará de ser conhecida. A não ser que uma utilização mais

difundida do princípio da fungibilidade recursal, como previsto no diploma de 39 e no vigente

diploma está diretamente ligado à ideia de que a proliferação de recursos poderá gerar certas

situações em que as partes terão dificuldade em definir qual o recurso cabível. Se essa

dificuldade resultar da lei ou da conduta do juiz, a parte não poderia ser prejudicada, daí a

tomada de um recurso por outro.

Quanto ao fim do princípio da singularidade ou unirrecorribilidade recursal, previsto

expressamente no diploma de 1939, não se consagrou no atual diploma, mas é ensinado nos

bancos acadêmicos e difundido doutrinariamente, do qual para cada ato judicial recorrível

existe um recurso próprio previsto no ordenamento jurídico. Enseja-se a conclusão de que, em

regra, para cada tipo de decisão caberá apenas um único recurso relacionado àquele momento

processual.

Com a adoção do critério de conteúdo, para conceituação de sentença, diante da

problemática apresentada, o referido princípio pode estar ameaçado, pois de um provimento

judicial a luz de seu conteúdo não conseguiria restringir a liberdade de escolha do recurso,

uma vez que este recurso “impróprio”, não conhecido, dará ensejo a outro recurso sob a

alegação de cerceamento de defesa. E diante deste cenário e da ausência de sua previsão

expressa no atual diploma o seria o fim deste princípio.

Isso a menos que, em um uso mais difundido da teoria dos capítulos da sentença, o

operador do Direito decompuser o decisório de uma sentença em partes, capítulos, contendo o

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julgamento de uma pretensão distinta. Cada capítulo da sentença terá significado e dimensões

próprias, produzindo seus próprios efeitos, e impugnado cada um com um tipo de recurso

adequado, mantendo coerência ao princípio da unirrecorribilidade recursal. Sem esquecer da

adoção de um critério misto, conteúdo mais topológico, para conceituar sentença, assim

restringidas as inúmeras dificuldades que um critério de conteúdo puro pode trazer à tutela

jurisdicional no devido processo legal.

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