Sentido e Identidade Em Palha de Arroz

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    SENTIDO E IDENTIDADE NO DISCURSO LITERRIO DE PALHA DE

    ARROZ DE FONTES IBIAPINA

    ________________________________________________________________

    Francisca Vernica Arajo Oliveira1

    Rita Alves Vieira2

    RESUMO

    O trabalho em foco procura analisar a estruturao do discurso literrio na obra Palha de Arroz, doescritor piauiense Fontes Ibiapina, atravs do vis da anlise do discurso francesa, como forma deperceber a construo discursiva da identidade por meio da linguagem, bem como as influncias sociais,histricas, polticas e ideolgicas na produo do discurso. Tomando a literatura como uma forma derepresentar o mundo atravs da linguagem, atribui-se ao signo lingustico caractersticas que iro alm deconcepes semnticas e/ou estruturais, uma vez que o campo do discurso nunca se esgota, travandoinmeros dilogos acerca das condies humanas. Logo, analisar-se- as construes presentes na citadaobra, como forma de representao da caracterstica espacial, reconhecendo os falares tpicos docotidiano nordestino, notadamente do piauiense, considerando o homem como aquele que produzsignificao e, portanto, este decurso no pode ser entendido fora de uma estrutura social, sem consideraros processos scio histricos que as determinam, visto que os sentidos do discurso so demarcadoshistrica e socialmente.

    Palavraschave: Discurso literrio. Sentido. Identidade.

    ABSTRACT

    Work in focus to analyze the structure of literary discourse in the work of Rice Straw, the writer piauienseSources Ibiapina through the bias of French discourse analysis as a way to understand the discursiveconstruction of identity through language, as well as the influences social, historical, political andideological in speech production. Taking the literature as a way to represent the world through language,

    attaches itself to the linguistic sign features that go beyond conceptions of semantic and / or structural,since the field of discourse is never exhausted, catching numerous conversations about the humancondition . Soon, it will analyze the constructions present in the aforementioned work, as a form ofrepresentation of the feature space, recognizing the typical everyday northeastern dialects, notably thePiau, considering man as one who produces meaning and, therefore, this course can not be understood

    1Graduanda em Licenciatura plena em Letras/Portugus, pela Universidade Estadual do Piau UESPI,

    ps-graduanda em Metodologia do ensino de lngua portuguesa e literatura, pela Faculdade Internacionaldo Delta FID/INTA. E-mail:[email protected] em Lingustica, pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE, professora DE da

    Universidade Estadual do Piau UESPI, atuando no curso de Letras/Portugus em disciplinas da rea delingustica e coordenadora do PAFOR na cidade de Parnaba-PI. E-mail:[email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    outside of a social structure, without considering the socio historical processes that determine, since thesenses of discourse are demarcated historically and socially.

    Keywords:Literary discourse. Sense. Identity.

    O texto literrio uma forma de representao artstica, onde o belo, as

    formaes polticas, intelectuais, sociais, culturais e lingusticas podem ser registradas.

    Assim, busca-se observar o carter identitrio da construo de sentidos presente na

    obra, visto que a heterogeneidade discursiva e lingustica representam as formas deexpresso caractersticas de determinada regio, logo, analisar-se- as construes

    presentes na citada obra, como forma de representao da caracterstica espacial,

    reconhecendo as marcas de oralidade e ideologias existentes no entorno do discurso.

    A construo da identidade lingustica na contemporaneidade uma tnica que

    precisa ser abordada, conforme afirma Le Page: (...) todo ato de fala um ato de

    identidade (1980 apud BORTONI-RICARDO, 2005, p. 176). Assim, procura-se atravs do

    discurso literrio identificar caractersticas concernentes s representaes dos atos defala, observar nos escritos peculiaridades que denotem as circunstncias de construo

    da linguagem, analisar-se- tambm as influncias e condies histricas que

    influenciaram o momento da enunciao, resgatando assim expresses utilizadas

    cotidianamente no discurso oral, e como elas foram representadas na prosa regionalista

    brasileira.

    Examinar a lngua como forma de interao analisar as situaes reais de uso,

    sem rotul-la padro ou no, logo, a identidade de um indivduo se constri na lngua eatravs dela. Isso significa que o indivduo no tem uma identidade fixa anterior e fora

    da lngua (RAJAGOPALAN, 1998, p. 41). Se os indivduos so diversos em sua

    identidade, se eles passam por processos de evoluo e vo somando suas vivncias

    sociais umas s outras, isto vai se refletir no processo de construo e reconstruo da

    linguagem.

    Lngua e sociedade, portanto, esto relacionadas de forma direta, sendo assim,

    consoante a essa relao, Eni Orlandi explica:

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    Quando nos perguntamos pela natureza da relao entre linguagem esociedade, seria, no entanto, banal presumir o isomorfismo: a um determinadotipo de estrutura social acompanharia determinado tipo de estrutura

    lingustica. Poderia ser mais fecundo partir do condicionamento recprocodesses dois tipos de estrutura em duas direes: consideraramos, ento, ocondicionamento lingustico da sociedade a lngua cria identidade e ocondicionamento social da lngua a estrutura da sociedade est refletida naestrutura lingustica (2009, p. 98).

    Ao contrrio do que se imagina, a fala e a escrita esto bem prximas, pois, ambas

    participam do processo de interao no meio social, so dinmicas e utilizam-se da

    heterogeneidade discursiva, assim, procura-se fazer uma abordagem lingustica

    utilizando como objeto de pesquisa a literatura, mais precisamente a obra Palha deArroz, do escritor piauiense Fontes Ibiapina, analisando a construo do discurso

    literrio como representao de sentido e identidade em determinado momento

    histrico, o qual as condies de produo determinaro a discursividade do texto.

    Fontes Ibiapina cruzava os gneros discursivos a que se dedicava, reiterando, na

    estrutura textual e na montagem das frases a partir de palavras e ditados populares, as

    relaes temticas, enunciativas e polticas entre a literatura regional e o discurso do

    folclore (RABELO, 2008, p. 165). Portanto, busca-se um paradoxo lingustico referente estrutura textual utilizada pelo autor e as formas de expresso lingustica utilizadas na

    interao real entre indivduo, lngua e sociedade. Tomando o texto literrio como um

    discurso carregado de sentidos, histrias e ideologias tm-se como base terica

    discusses acerca da anlise do discurso francesa, a partir das abordagens de Brando

    (2004), Orlandi (2012), Maingueneau (2006), enquanto a questo da identidade est

    embasada emKanavillil (2003), Stuart Hall (2011), entre outros.

    Nas veredas da linguagem e do discurso

    Tratar de linguagem permite ao homem o contato com a sua realidade simblica,

    desde os primeiros registros lingusticos observou-se a necessidade de nomear

    (classificar), s assim as coisas passavam a existir realmente. Os estudiosos da lngua,

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    at o sculo XIX, procuravam alcanar uma lngua ideal, aparentemente homognea,

    desvinculada das especificidades de produo, bem como das caractersticas de cada

    falante. Todavia, a partir desse perodo surgiu o interesse pelas lnguas vivas e peloestudo comparativo dos falares, momento em que desenvolveu-se um mtodo histrico-

    comparativo, contribuindo para o crescimento das gramticas comparadas e da

    Lingustica Histrica. O estudo comparado das lnguas vai comprovar o fato de que elas

    se transformam com o decorrer do tempo, independentemente da vontade dos homens,

    seguindo uma necessidade prpria e manifestando-se de forma moderna.

    Um dos maiores contribuintes para os estudos da lingustica moderna foi

    Ferdinand de Saussure, no sculo XX, que definiu a lngua como um sistema de signos,formados por elementos opositores que constituem significados. Portanto, buscava-se

    definir a lngua como algo fechado, autossuficiente em si mesmo, no entanto, essa

    definio como processo cognitivo isolado do meio no conseguiu abordar uma

    explicao concreta, uma vez que a linguagem s possui significado quando utilizada de

    forma interacional pelo falante.

    Destarte, os estudos acerca da linguagem esto inteiramente relacionados com os

    fatos sociais, visto que no se produz enunciados fora de qualquer contexto social. Alngua constitui um processo de interaes, pelo qual seus usurios possuem os mais

    diversos contextos para execut-la, assim, essas variedades podem contribuir para a

    formao de uma identidade lingustica, uma vez que esta constituda na interao

    social, portanto, odesenvolvimento da linguagem e do pensamento humano tem base

    na interao entre os indivduos (VYGOTSKY, 1996 apud MARTELOTTA, 2008, p. 212).

    So inmeras as vertentes que estudam a linguagem, temos ento, a Anlise do

    discurso AD, que no trata da lngua, nem da gramtica, embora faam parte de seuinteresse, mas sim do discurso, neste caso, a palavra discurso etimologicamente, tem si

    a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento, portanto, a palavra em

    movimento, prtica de linguagem (ORLANDI, 2012, p. 15). Tomaremos o texto literrio

    no somente como recurso ldico, estrutura sinttica da lngua, mas como um discurso

    dotado de sentidos, ou seja, o texto juntamente com as suas condies de produo,

    procura-se compreender a lngua como constituinte do homem e da sua histria.

    A AD no considera a lngua como um sistema abstrato, mas como mecanismo de

    inter-relao do indivduo com o mundo, dessa forma Orlandi diz quea AD no trabalha

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    como na lingustica com a lngua fechada, mas com o discurso, que um objeto scio

    histrico em que o lingustico intervm como pressuposto (2012). pertinente

    considerar que a linguagem vislumbrada por esse vis se concretiza na ideologia e naforma que a ideologia se manifesta na lngua, portanto, a exterioridade constitui o

    sentido. Assim Foucault afirma que:

    a linguagem parece sempre povoada pelo outro, pelo ausente, pelo distante,pelo longnquo, ela atormentada pela ausncia. (...) preciso levar emconsiderao justamente essa existncia; interrogar a linguagem, no nadireo que ela remete, mas na dimenso que a produz; negligenciar o poderque ela tem de designar, de nomear, de mostrar, de fazer aparecer; de ser o

    lugar do sentido ou da verdade (2007 apud NASCIMENTO, 2008, p. 12).

    A partir dos anos 50 a Anlise do discurso se constitui como uma disciplina,

    partindo do trabalho de Harris (Discourseanalysis, 1952), que apresenta a possibilidade

    de ultrapassar as anlises frasais e, de outro lado, os trabalhos de Jakobson e Benveniste

    sobre a enunciao, tem-se ento a presena de duas linhas do discurso, uma americana

    e outra europeia. Embora sendo o trabalho de Harris o percussor, ele apresenta o

    discurso como extenso da lingustica, sem fazer consideraes a respeito das condies

    scio histricas de produo do discurso, sendo assim, Benveniste, em contrapartida

    considera o locutor como o responsvel pela construo de sentidos no processo de

    enunciao, para Brando ele considera a relao que se estabelece entre o locutor, seu

    enunciado e o mundo; relao esta que estar no centro das discusses da AD em que o

    enfoque da posio scio histrica dos enunciadores ocupa lugar primordial (2004).

    A AD regida por dois conceitos, o de ideologia e o de discurso, o ltimo j foi

    esclarecido anteriormente, mas, enquanto a ideologia tomaremos a viso de Ricouerno

    que se refere ideologia com a funo geral de mediadora na integrao social, na

    coeso do grupo, os ideais mesmos que norteiam determinada comunidade, por

    conseguinte observaremos como as questes ideolgicas, histricas e polticas

    corroboraram para a construo do discurso literrio na obra em foco, considerando o

    dialogismo existente nos textos (discursos) Maingueneau esclarece acerca da

    constituio de um padro discursivo:

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    [...] os textos s so completamente legveis se j se tiverem lido outros textos,se encontrarmos neles convenes j encontradas alhures. Um texto literriofunciona quando se reconhece nele a ao dos tipos de escrita que eleconvocou. Em suma, uma descrio lingustica pertinente de um texto

    romanesco no pode prescindir da histria das codificaes literrias, dado seresta que justifica uma parte das caractersticas lingusticas observveis. Ocorrede o autor de um texto ter plena conscincia de que as marcas especficas queusa [...] para representar o discurso falado, so em parte construes datradio literria e de que so, por conseguinte, convencionais e sujeitas avariaes. Na maioria das vezes, o autor conserva sua saudvel ingenuidade eavalia, em parte com razo, que pela comparao direta com sua experinciapessoal com a fala interior ou com o discurso falado que o leitor decifra asmarcas propostas sua interpretao. Em todos os casos, ele manipula ohorizonte de expectativa lingustico que constitui o padro discursivo (2006,p. 207).

    Abordaremos ento a construo de sentidos e de uma identidade (lingustica)

    atravs das representaes do discurso literrio. A identidade nesse caso pode ser

    abordada de diversas formas e em diferentes campos de estudo, nossa pretenso aqui

    especific-la como caracterstica prpria de determinado grupo social, bem como as de

    uso da linguagem. Assim, cultura, histria e poltica corroboraro na elaborao de um

    perfil identitrio. Logo, relacionar lngua(gem) e identidade implica em introduzir a

    questo da determinao cultural na questo da estrutura (CHNAIDERMAN at al, 1998,p. 49), pois a identidade aqui discutida, a lingustica no caso, dialoga com os valores

    culturais, sociais, os quais traam o perfil dialtico dos falantes.

    Assim, de acordo com Penna, a identidade no est na condio de nordestino,

    de classe ou de mulher, mas sim no modo como estas condies so apreendidas e

    organizadas simbolicamente (1998, p.93), ou seja, a relao que qualquer grupo social

    possui com o meio onde vivem e interagem. Portanto:

    entende-se a identidade como o conjunto de elementos dinmicos e mltiplosda realidade subjetiva e da realidade social, que so construdos na interao.Consideramos que a construo de identidades constitutiva da realidadesocial das prticas discursivas, juntamente com outras construes, como aconstruo de relaes sociais entre os falantes e a construo de conhecimentoe crenas. (KLEIMAN et al, 1998, p. 280).

    Linguagem e identidade esto interligadas, uma vez que ao significar a lngua o

    falante atribui a ela caractersticas exclusivas da sua relao sociocultural, logo, falar de

    identidade requer considerar a possibilidade de elaborao pessoal da realidade, a

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    linguagem. Assim, no ser abordada do ponto de vista estrutural, mas como processo

    de interao entre indivduo e sociedade.

    Palha de Arrozcomo enunciado discursivo

    Consideramos aqui a obra Palha de Arrozde Joo Nononde Moura Fontes Ibiapina

    no apenas como uma estrutura gramatical da lngua, mas como enunciados discursivos

    que denotam as caractersticas histricas da dcada de 1940, bem como os incndioscriminosos ocorridos na cidade de Teresina, em plena ditadura Vargas, alm de

    caracterizar atravs das marcas de oralidade do discurso das personagens

    representaes prprias do cotidiano lingustico do piauiense, atravs de ditados

    populares, de uma linguagem simples e espontnea que recria o perfil humano a ser

    observado na obra.

    Palha de arroz, portanto, nos revela um Piau esquecido pelas autoridades, onde a

    populao vive a margem de qualquer sorte, tem-se a criao de um possvel espaourbano, assim, a obra aproxima literatura e histria, haja vista que recria o real atravs

    da relao com o imaginrio, o personagem Pau de fumo (Chico da Benta), um dos mais

    curiosos na trama, define histria como o eterno comear (2004, p. 168), nesse caso, as

    relaes do homem com o meio que nunca sero findadas, uma vez que a histria esteve

    no passado,est no presente e estar no futuro.

    A obra nos permite tratardas relaes sociais, com o espao, o tempo, as

    ideologias que cercam as intenes do autor, ao recriar atravs da escrita literria fatosque emergem da histria de um povo, visto que, nenhum discurso nasce de uma

    inocente solicitude, mas da relao entre sujeito e condies de produo. Dessa forma,

    a cultura de um povo a expresso mais forte de sua origem e deve ser espalhada como

    uma semente na terra, que fecundar e brotar no seio de geraes e geraes [...].

    preciso ecos de memria para perpetu-la (NASCIMENTO, 2008, p. 14). Portanto

    apresentado um reflexo da geografia fsica e humana que traduz as condies miserveis

    nas quais viviam os menos favorecidos, onde as polticas pblicas no passavam de algo

    ilusrio, como podemos comprovar no trecho:

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    [...] Tanta gente por a afora falando em fim de Ditadura!... Pra qu?!...Tantagente falando em Democracia!... Liberdade... Pra que tambm?... se os homensna certa seriam os mesmos cachorros. A democracia que devia haver era aDemocracia de Po, Liberdade de Vida, Direito de Viver (IBIAPINA, 2004, p. 14).

    O discurso de Fontes Ibiapina constri uma identidade relacionada posio

    assumida pelo sujeito enunciador, que retrata os esteretipos de determinado espao,

    neste caso com o ar de denncia, inquietao. Assim a identidade no fixa, mas est

    relacionada aos processos interdiscursivos presentes nos enunciados, na obra

    observamos estes reflexos nas caractersticos dos habitantes do Palha de arroz. Emoutras palavras Castells diz que:

    [...] as pessoas resistem ao processo de individualizao e atomizao, tendendoa agrupar-se em organizaes comunitrias que, ao longo do tempo, geram umsentimento de pertena e, em ltima anlise, em muitos casos, uma identidadecultural, comunal. Apresento a hiptese de que, para que isso acontea, faz-senecessrio um processo de mobilizao social, isto , as pessoas precisamparticipar de movimentos urbanos (no exatamente revolucionrios), pelosquais so revelados e defendidos interesses em comum, e a vida , de algum

    modo, compartilhada, e um novo significado pode ser produzido (1942, p. 79).

    representado na narrativa o dia-a-dia das classes menos favorecidas, os

    prprios nomes dos personagens nos remetem a tal concepo, so signos

    caricaturados, com cargas de sentido muitas vezes negativas e at estigmatizadas, como

    em Pau de fumo, Maria Pre, Maria gorda, Z remador, entre outros. Assim considerando

    a AD como recurso terico temos a integrao do literrio a lugares sociais, histricos e

    ideolgicos, o qual todo o cenrio da poca retratada, bem como seus conflitos, so

    evidenciados no choque entre as ideologias dominantes e a ideologia que cerca o grupo

    marginalizado que constitui o centro da obra.Portanto, o poder aqui representado

    permanece nas mos da minoria, enquanto a populao vive de insuficincias.

    interessante ressaltar que no contexto formador do grupo marginalizado (Palha

    de arroz), existe um paradoxo ideolgico na figura do personagem Pau de fumo, ou

    Chico da benta (tem-se dois homens em um s, primeiro o ladro que rouba para

    alimentar a famlia, e segundo um pai, esposo, conhecedor da literatura, sociologia,

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    filosofia, que embora com um certo estudo, vive em condies degradantes), com o

    demais personagens, visto que o mesmo opinava criticamente diante das condies de

    excluso, misria e abandono social em que viviam, como podemos observar nosseguintes trechos:

    [...] Quando me lembro que fui o primeiro aluno do Diocesano...! E hoje vivernesta misria...! (IBIAPINA, 2004, p. 47).

    [...] Diacho!... At de grego entendia alguma coisa sem ter ao menos o ginsiocompleto. E viver naquela misria que vivia! (IBIAPINA, 2004, p. 56).

    [...] E, para mim, a famlia o esteio social. Cada famlia uma cidade, um

    Estado em miniatura. Estudei Spinoza que, partindo de definies e postuladosfundamentais (baseado em Descartes), chega a construir um verdadeiro edifciode dedues sociolgicas, intelectuais e cientficas. Li Comte, Ea de Queirs,Vtor Hugo e tantos outros; s de literatura, eu comia era com farinha. S naBblia e no Os Lusadas no consegui penetrar com segurana (IBIAPINA, 2004,p. 75-76).

    [...] toda folgazinha que tem vai ler na Biblioteca. Parece que deixa at detrabalhar para ler. E o que que ele faz com tanta leitura? [...] (IBIAPINA, 2004,p. 119)

    Na obra percebemos uma mistura de expresses regionais, e de textos mais

    eruditos, com referncias a inmeros campos do conhecimento e tericos conhecidos,

    como, por exemplo, referncias feitas a Scrates. Assim o personagem ora abordado

    (Pau de fumo/ Chico da benta), dotado de uma competncia comunicativa, pois

    embora conhecedor singular das concepes que norteiam a sociedade, adequa seu

    discurso ao contexto situacional do qual fazia parte, diante disso podemos consider-lo

    um indivduo letrado, haja vista que possua uma relao concreta com as prticas de

    linguagem.

    Consideraes finais

    A lngua real, utilizada cotidianamente, representa as caractersticas culturais,

    sociais e ideolgicas do falante, assim relacionando linguagem e identidade tem-se o

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    cdigo como mecanismo identificador das especificidades de produo, como tambm

    evidencia-se o pluralismo lingustico, visto que o texto/discurso constroem a realidade.

    Portanto, atravs da linguagem que o mundo constri significao, conforme afirmaMey:

    A lngua se relaciona com a sociedade porque a expresso das necessidadeshumanas de se congregar socialmente, de construir e desenvolver o mundo. Alngua no somente a expresso da alma ou do ntimo, ou do que quer que

    seja, do indivduo: , acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade se expressacomo se seus membros fossem a sua boca (et al, 1998, p. 77).

    Dessa forma, a construo da identidade atravs da linguagem obedece inmeros

    fatores que delimitam as representaes lingusticas no tempo e no espao. Definir

    identidade lingustica seria, ento, caracterizar a relao entre indivduo e sociedade,

    que acarretaria uma representao especfica em determinado contexto espacial e

    temporal, tambm importante ressaltar como as ideologias dominantes constituem

    valor aos enunciados, e como os falantes as utilizam no processo comunicativo.

    As palavras no possuem sentido absoluto, podem ser moldadas, assim,

    adquirindo o significado necessrio quela situao comunicativa, no dia a dia

    utilizamos de inmeras sentenas que expressam a relao com o meio, produzindo um

    discurso mais despreocupado em algumas ocasies, e um mais monitorado em outras,

    segundo as exigncias sociais. Neste caso, o sentido no existe em si, mas determinado

    pelas posies ideolgicas colocadas em jogo no processo scio histrico em que as

    palavras so produzidas (ORLANDI, 2012).

    A produo de sentidos no , portanto, uma prtica individual, predeterminada,

    ou mera repetio, mas sim, um processo dialgico de interao entre indivduo e

    sociedade, ou seja, a lngua em uso, multifacetada e heterognea. Bakhtin define que os

    discursos so peculiares a um estrato especfico da sociedade uma profisso, um grupo

    social, em um determinado contexto ou momento histrico (1929/1995).

    Dessa forma, a obra Palha de arroz dialoga com a histria do Piau, e (re) cria

    sentido e identidade atravs da construo discursiva, logo, temos a representao do

    real manifestado em linguagem.

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  • 7/22/2019 Sentido e Identidade Em Palha de Arroz

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