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A teoria da escolha publica: sentido, limtes e implicações

Autor(es): Correia, Carlos Pinto

Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/26214

Accessed : 18-Jul-2020 01:00:49

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, A TEORIA DA ESCOLHA PUBLICA:

Sentido, Limites e Implicações *

CAPÍTULO I

Introdução e delimitação do objecto

1. A decisões económicas de natureza colectiva toma­das por entidades públicas - isto é, as decisões tornadas fora

* O texto que agora se publica corresponde, com pequenas alte­rações, a uma tese de me trado em ciências jurídico-económicas apre­entada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e discutida

em Novembro de 1989 perante um júri composto pelos Senhores Pro­fessores Doutores J . Dias Marques, Paulo Pitta e Cunha, António Sousa Franco e Jorge Miranda.

Devo aos arguentes, Srs. Professores Doutore Paulo Pitta e Cu­nha e António Sousa Franco, uma incera palavra de agradecimento pelas críticas que o trabalho lhes mereceu e pelo estímulo que, enquanto assistente estagiário, deles sempre recebi. Devo particularmente agrade­cer ao Sr. Professor Sousa Franco, cujos seminários me sugeriram o tema da dissertação, a disponibilidade e o apoio que sempre me manifestou .

Um tão longo hiato entre a defesa da tese e a publicação respectiva merece certamente uma explicação. A verdade é que as várias insufi­ciências do texto me levaram a encarar uma série de alterações para as quais, a seguir à discussão , me faltava o tempo. Como provavelmente sempre acontece em tais casos, à medida que a distãncia fàce ao texto crescia, a importãncia da modificações a introduzir aumentava e, com ela, a dificuldade e o repetido adiamento. Só agora, sete anos passados, me resignei ao inevitável: publicar uma parte do texto inicial, melhorado por uma imples revisão formal, e, espero, por urna breve introdução. Só quanto a esta introdução (actual n .o 1) houve alguma actualização bibliográfica.

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do mercado 2 -, ão objecto, no domínio da teoria da finança públicas, de um conjunto particular de e tu dos nor­malmente de ignado por teoria da deci ão financeira. Na ua forma conceitualmente mai imple, parte e te conjunto

de análi e de um paralelo entre a deci ão no mercado e a acção económica do poderes público: tal como o mercado afecta recurso à produção de certo ben e erviço, respon­dendo à tradicionai perguntas sobre o que, como e para quem produzir, as im também o E tado, ao atisfazer certas nece idade ou ao prosseguir certos objectivo, toma deci-õe do me mo tipo 3.

ignifica isto que e não publica a segunda parte da dissertação origmal, na qual, wna vez apresentada a teoria da e colha pública como área de pensamento que, pelo próprio terreno em que se coloca, am­biciona a produção de re ultados po itivos, uma breve análise de tais resultado era e boçada.

Se, ape ar de tanto tempo passado, a publicação foi possível, foi porque benefiCiei de apoios e incentivos vários, em que destaco os do Doutores Eduardo paz Ferreira e José Luís Saldanha Sanches. Agradeço igualmente ao Boletim de Ciências Económicas, na pessoa do seu direc­tor, Sr. Prof. Dr. Avelãs Nunes, o ter-me aberto as suas páginas. Uma última palavra de agradecimento ao r. Prof. Dr. Rui Moura Ramos que, numa altura em que eu estava muito longe do trabalho académico, me incentivou a este acto de regresso .

2 Subjaz a e ta breve referência a clássica distinção estabelecida por Mu GRAVE quanto às três funçõe do sistema financeiro. No quadro des a classi.ficação, o texto refere-se apenas às duas primeiras funções , relativas à produção de bens não transaccionáveis no mercado e à re­distribuição do rendimento, exclumdo pois os problemas da estabilização económica. Cf. R . Mu GRAVE, The 77Jeory oJ PI/blic Finance, Nova Iorque, McCgraw-Hill, 1959, cap. I, bem como, de R . e P. M USGRAVE, as su­cessivas ediçõe de Public Finance, Theory and Practice. Entre nós, cf. as referências de Sou A FRAN o, Manual de Finanças Públicas e Direito Fi­nanceiro, Lisboa, .e. 1974, p. 159 e J . COSTA SANT , Bem-estar social e decisão financeira, COlOlbra, Almedina, 1993, p. 10.

3 Veja- e urna abordagem deste teor em STIGLlTZ, que coloca o problema no domínio da economia pública: cf. ].E. STIGLlTZ, Economics oJ lhe Public Sector, 2: ed., Norton, Londre e Nova Iorque, 1988, p. 12.

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As tentativas de enquadrar, do estrito ponto de vi ta económico (isto é, analisando-as como decisões económicas) estas decisões, deram origem, sobretudo ao longo da primei­ra metade do século, a um conjunto de estudos que elabo­raram um corpus que podemos de ignar por "escolha colec­tiva" . Esta expressão é essencialmente convenCIOnal e visa apenas permitir situar o objecto deste trabalho. A floresta de de ignações, mais ou menos arbitrárias, que domina esta matéria, obriga-nos porém, desde já, a introduzir uma jus­tificação quanto a esta designação, antecipando em parte o que adiante se dirá.

Na literatura anglo-saxónica, os termos "acção colecti­va" (collective action) e "escolha colectiva" (collective choi­ce) são normalmente empregues para designar o conjunto de fenómenos, impostos pela existência em comunidade, que, a partir da cooperação dos diversos sujeitos envolvidos, explicam a aparição do "estado". Quer seja esta a designação correcta do resultado de tal cooperação, quer, mais pruden­temente, se trate apenas de detectar a origem da organização duradoura de um qualquer grupo, o que tal análise visa é demonstrar logicamente a origem e a necessidade de uma e trutura de enquadramento, cuja existência é uma condição para que qualquer interacção económica não episódica seja possível. Deste modo, tais abordagens partem com frequên­cia da demonstração económica do modo como o estabele­cimento de um contrato entre dois agentes pode ser o re­sultado da prossecução racional dos objectivos próprios de cada agente e, por essa via, da demonstração dos aspectos básicos do funcionamento do mercado. Este tipo de análise permite igualmente incluir a demonstração do conjunto das estruturas de enquadramento (definição dos direitos de pro­priedade e mecanismos de aplicação do direito, por exem­pIo) que o funcionamento do mercado pressupõe 4.

4 Um exemplo, que apresenta a vantagem de ligar directamente a actividade individual à noção de bem público, na versão dada por

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A me ma ideia urge, com entido diferente, quando, no âmbito da chamada economia de bem e tar, e equaciona o problema da opç-o entre a diversa alternativa formula­da de acordo com o in trumento próprio de sa forma de análi e, nomeadamente das funçõe de bem e tar social o Na versão mai apurada desta abordagem, trata- e de formular as condiçõe que permitam aos deci ore optar por entre as alternativas que expre am as preferência individuais, res­peitando certo valore e colhido pela ociedade ou pelo grupos, o que, numa formulação feliz, pode er descrito como a articulação entre as regras de decisão eleitoral e a medida do bem e tar ocial agregad06

0 Intuitivamente, a ideia é imple de alcançar: quando uma ociedade toma uma deci ão - i to é, quando alguém toma e a decisão em nome e repre entação da sociedade -, o conteúdo de tal acto deve, logicamente, re peitar simultaneamente as prefe­rências individuais de cada um do seus membros e o con­junto de valore que a ociedade perfilha o É e te vasto con­junto de problemas, que incluem o e sencial do tratamento

AMUELSON (trata- e do chamado bem público puro, a que ou A FRAN­o, Manual 000' cito po 126 chama bem colectivo) é o de M UELLER, Pt4blic

Choice II, Cambridge, Cambridge University Press, 1989, po 9 e So A referida formulação de AMUELSON foi expo ta em 711e Pure Theory 01 Pt4blic Expenditure, reeditado in R o Merton, Editor, The Collected Scientific Papers of Paul amuelson, ambridge, Ma o, MIT Pre , 1972, vol 30

5 A formulação expo ta corresponde ao problema das funções axiomáticas do bem e tar social e tem, evidentemente, como pano de fundo, o tratamento que ARRow, num trabalho cujo título se refere justamente às e colhas ociai ou colectivas, lhe deuo Referimo-no a Social Choice and Individual Values, Nova Iorque, John Whiley & Sons, 2." edo, 19630

6 A expre são, que se refere directamente à formulação de ARRow referida na nota anterior, é de ELSTER e H YLLAND, na introdução a JON El ter, AANUN H ylIand, Edso, Foundations 01 Social Choice Theory , Cambridge, Cambridge University Press, 1986 (reimpo 1989), po 20

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das relaçõe entre o Estado e a esfera privada da economia, que constituem o que aqui se designa por escolha colectiva7•

A teoria da escolha pública surge a partir do universo dos problemas da escolha colectiva e, em rigor, como uma resposta alternativa para esses mesmos problemas. Os pro­blemas a que responde a escolha colectiva são agora vistos como sendo objecto de opções. A escolha colectiva é aqui vista como uma escolha efectuada por sujeitos determinados, para os quais se postula uma forma específica de comporta­mento racional. Tal postulado obedece ao seguinte raciocí­nio: os sujeitos decidem da mesma forma, e em obediência às mesmas motivações, em todas as suas esferas de acção. Essas motivações são as formuladas pela teoria micro-econó­mica do comportamento dos agentes no mercado, e o tra­tamento de que elas são objecto aplica os instrumentos dessa mesma teoria. O modelo acabado do comportamento hu­mano é o do homo economicus e esse modelo é aplicável ao comportamento político: tanto quando votam como quando executam o mandato recebido dos eleitores, os homens buscam sempre, e só, o seu próprio interesse.

Face ao que ficou exposto sobre os problemas da esco­lha colectiva enquanto pano de fundo contra o qual se destaca a teoria da escolha pública, é necessário, antes de prosseguir, sublinhar dois aspectos. O primeiro é que esta última teoria tem um alcance diferente e mais vasto do que o das concepções da escolha colectiva, filiando-se claramen-

7 Além da designação .. collective choice", a literatura menciona também, e até com mais frequência, a expressão "social choice". Como justamente salienta HVLLAND (que no entanto prefere esta última expres­são), não há qualquer diferença, a este nível, entre os problemas susci­tados por uma sociedade ou por um simples grupo. Assim, e tendo empre presente o carácter algo convencional deste tipo de classificações,

mantemos a preferência pela designação escolha colectiva. CE HVLLAND,

"Purpose and significance of social choice theory", in: J. ELSTER E A. HYLLAND, FoundatiotlS oJ sodal choice, op. cit., p. 48.

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te n concepçõe mai ambicio a do objecto da clencia económica, que a re onduzem ao papel de ciência da acção hwnana . Não há, em rigor qualquer arti ulação nece sária entre a dua on epçõe . A im, a referência ao problema da e colha c le tiva é obretudo útil enquanto enquadramento que permitirá, como veremo , explicar a origem da teoria que no o upa, n medida em que ela põe em causa e à tentati a de uperar a explicação cronologicamente anterior.

egundo a pecto refere- e ao facto de que e ta abor­dagen formam aquilo a que temo vindo a chamar uma teoria, i to é, um conjunto de po tulado que, tendo embora wn entido prático (na medida em que vi am dar re po ta a certo problema concreto), são e encialmente especulativo - por contraposição a perceptivo -, na medida em que vi am fornecer wna explicação para certo fenómeno 9.

A teoria em cau a vi a, como já ficou ugerido, explicar muito mai do que aquilo que e tá compreendido no domí­nio tradicional do problemas da deci ão financeira. Em ri­gor, ela vai para lá do que qualquer concepção baseada no entendimento tradicional do estudo da economia pode al­bergar, na medida em que implica, pela própria lógica do eus postulado , uma tentativa de explicação do comporta­

mento político. Salta- e as im o fos o que epara, concei­tualmente, a economia da ciência política. A consequência

Sem prejuízo do que adiante e dir.í obre o chamado "imperia­lismo econórTÚco", recorde- e a filiação da concepção expo ta (apesar de a formulação da teona da e colha pública e referir à chamada cataláctica, ou estudo das troca) na chamada nova e cola austríaca. A referência directa é, evidentemente, VON MI E ,na ua apre entação da econOrTÚa como um ramo, o maIS de envolvido, da teoria da acção humana. Cf L. VON MI E , "The Science ofhuman action", in: F. Hahn E M. Hollis, Eds., Phílosophy a~ld eco~lOmic theory, Oxford, Oxford University Press, 1979, p. 61.

9 Veja- e K.R. POPPER, "The Buckett and the earch light", apên­dice 1 a Objective Knowledge, edição revista, Cambridge, Clarendon Pre , 1979, p. 342, nota .

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inevitável é que, na medida em que se invade o terreno da polis, está-se, conscientemente ou não, a pressupor um modelo de filosofia politica. Quem salta para o outro lado do fosso leva consigo o quadro conceitual utilizado no universo do pensamento económico; para quem o estado pode ser antes do mais concebido como um instrumento necessário à vida colectiva, passível de ser analisado como uma realidade que erve para um fim, é inteiramente lógico que, ao passar para

o plano do político, perfilhe uma noção instrumental da política, retomando uma orientação que, vinda de Platão, res urge numa das vertentes do pensamento moderno, aque­la associada a Hobbes1o.

O objecto deste trabalho é o estudo da teoria da esco­lha pública assim entendida, buscando o que nela há de interdisciplinar e tentando, em rigor, fazer o que se poderia designar por percurso da teoria. Trata-se pois de tentar explicar a forma como da crítica da economia do bem estar se passou, num caminho em que o rigôr nem sempre acom­panhou a ambição, para a teorização da escolha das regras e para os debates em tomo do renascer do contratualismo e das suas difíceis relações com o quadro de análise utilitarista, sem nunca perder de vista a necessidade que uma teoria deste tipo tem de fornecer explicações para fenómenos positivos.

2. O impacto imediato da teoria está na concepção do papel económico do estado, questão que, neste âmbito, se coloca em dois diferentes planos.

Na sequência de um vasto conjunto de fenómenos sociais e económicos - recorde-se a tese de Wagner sobre

10 Veja-se, neste entido, PETERSEN, "Prinzipien und Grenzen der Okonomi chen Theorie der Verfassung", in Der Staat, 1996, 3, p. 411 e ss., p. 412. Os autore referidos em último lugar são Hobbe e Locke. A noção instnunental de política, neste sentido, contrapõe-se à noção essencial, aristotélica, que encontra um eco moderno no pensamento iluminista, e nomeadamente em Kant e Hegel.

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a expansão das despe a pública - que, por evidente simpli­ficação, e co tum identificar com o impacto da concep­çõe económicas de Keyne , o E tado as umiu, obretudo apó o egundo conflito mundial, um p pel de intervenção particularmente activa na economia.

modo pelo quai esta intervenção foi feita foram diversos, tanto atra és da e tabilização da conjuntura econó­mica, como a egurando a oferta de ben de mérito e pecial ou aplicando políticas de redi tribuição e solidariedade 0-

cial. Ti eram ele , como consequência, a redução do espaço de acção do agente económicos privados, bem como o cre cimento da burocracia a complexidade crescente dos proce o de deci ão e, a partir de certa altura, a generaliza­ção de deficits or amentai .

E te cre cimento da importância do Estado foi justifi­cado pelo apelo à ideia da atisfação de necessidades colecti­vas e a uma noção geral de bem comum. Não foi, no entanto, acompanhado de qualquer teoria autónoma que tentas e detectar no fenómeno a existência, aparente desde certo momento, de uma lógica que lhe era própria. De forma mais ou menos implícita, o Estado foi encarado de acordo com o chamado modelo do ditador benevolente _ formulado por WI KSELL num momento em que o proble­ma era tão só teórico -, i to é, como uma entidade sem quai quer objectivos próprios além do exercício do poder no interesse geral .

Como tentaremos demonstrar adiante, esta omissão traduzia de forma implícita no âmbito do pensamento neo­clássico dominante, a ideia de que o exercício do poder político não é estruturalmente diferente da administração de qualquer grande empresa, na medida em que identifica a melhoria da posição da comunidade com os seus próprios objectivos. Exemplo do que e acaba de dizer é a afirmação de ARRow, que, por referência a uma tese formulada por BERGSON, interpreta o eu próprio teorema da impossibili-

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dade como intervindo no donúnio do auxílio à acção dos decisores, encarados como sujeitos que, sendo rigoro amen­te neutros, visam a prossecução dos valores escolhidos pelos restantes cidadãos 11 .

E ta constatação prática traduz aparentemente um pro­blema teórico: a concepção económica dominante nunca incorporou, de forma rigorosa, o fenómeno Estado, sendo o sistema de equilíbrio geral visto como um conjunto de interacções entre sujeitos privados aos quais a entidade pú­blica era essencialmente estranha.

A teoria das finanças públicas que, expressamente, se ocupava dos problemas do papel do Estado, por sua vez, orientou-se para uma separação entre os aspectos económi­cos e políticos, sobrevalorizando os primeiros e remetendo os segundos para a sua dimensão específica. Paradoxalmente, é o reconhecimento do caracter alheio desta dimensão que traduz o espírito da análise neo-clássica. O problema público é essencialmente político e sobre ele não se pronuncia a economia. A ideia do ditador benévolo não é uma simpli­ficação propositada mas tão só a consciência aguda de que qualquer alternativa transpõe as fronteiras de duas áreas do saber estruturalmente separadas.

O facto , no entanto, é que os dois donúnios estão ligados de forma indissolúvel, como o mostram, a um nível puramente empírico, os problemas colocados quando, na gestão das conjunturas económicas, os governos se afastam das soluções teoricamente mais adequadas por forma a pros­seguir objectivos que lhes são próprios, máxime a reeleição. O donúnio mais claro deste confronto entre o modelo ficcionado e a realidade é pois o revelado pela possibilidade de conceber uma eleição como uma forma peculiar de mercado.

II cr. ARRow, "Values and collective decision-making", in Hahn e Hollis, Philosophy and economic theory, op. cit., p. 119.

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3. A chamada de atenção para a existência de te on­fronto - que em rigor, tinha já sido detectado anteriormen­te - é talvez a ontribuição da teoria da e colha pública de impacto mai evidente, ape ar de ser também aquela que, por originar a formulação de rupóte es usceptíveis de con­firmação prática, maiore dificuldade levanta.

A potencialidade da ideia de base levaram em seguida, com grande rapidez, ao de envolvimento de uma érie de aplicaçõe , tanto teóricas como práticas, que culminaram na apre entação da teoria como tendo como objecto o estudo económico da deci ão fora do mercado, ou da aplicação da economia à ciência politica 12 .

As im sendo, a teoria da escolha pública surge, sob o ponto de vi ta metodológico, como uma ruptura: visa for­necer uma nova explicação para o comportamento politico, que se vem contrapôr a formulações anteriores. Esta nova explicação é feita a partir do quadros do pensamento eco­nómico, o que provoca três con equência ligadas, todas, a esta operação de "filtragem".

A primeira e tá em que, materialmente, tal provoca a incorporação dos domínios compreendidos pela nova abor­dagem, que tradicionalmente eram explorados por outros aberes, nos quadro de uma análise económica. Deste modo,

não só as te es tradicionais da economia do bem estar são criticadas a luz da nova perspectiva, como um certo número de problemas típicos da ciência politica (pense-se por exem­plo no comportamento partidário ou nas tentativas de ex­plicação da participação eleitoral) são incorporados na análise.

Em segundo lugar, no que toca à incorporação de problemas tratados pela ciência politica, a teorização que lhes é própria, desenvolvida no âmbito de paradigmas ante-

12 É a definição dada por M UELLER, Public Choice II, Cambridge, Cambridge Uruve~ity Pre , 1989, p. 1.

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riores, é, em geral, ignorada. Neste campo, a teoria da es­colha pública tende pois a apresentar explicações que e pretendem novas, sem contacto com o universo explicativo pré-existente.

Por último, e e ta é talvez a consequência mai impor­tante do fenómeno que descrevemos, a nova teoria é de natureza económica, apresentando os traços que são especí­ficos a e ta ciência. Assim sendo, ela vi a produzir modelos destinado a fornecer explicações para certos factos, bem como previsões susceptíveis de controlo. É nessa produção que está a sua especificidade e a consequência inovadora que ela introduz. Daqui decorre, em contrapartida que, se assim não for, isto é, se não for possível produzir tais modelos explicativos, a teoria terá sérias dificuldades de afirmação.

4. Vejamos então em que consiste a ruptura anuncia­da. Como ficou já referido, a explicação do comportamento político que estava pressuposta no tratamento económico da acção do Estado era implícita e, em boa medida, lacunar. Na realidade, a concepção do comportamento político só era feita no estrito limite das suas implicações para a política económica e, mesmo aí, com pouca ou nenhuma teorização. O chamado modelo do ditador benevolente limita-se a fazer uma assunção sobre o comportamento político activo, isto é, sobre a forma como os agentes políticos conduzem a política económica. Naturalmente tal implica que não cabe ao teórico da economia analisar o comportamento político em si; cabe-lhe, tão só, referir-se às implicações desse com­portamento para aquela que é a sua fundamental área de pesqulsa.

Em relação a este modelo, a teoria da escolha pública apresenta duas rupturas fundamentais. Em primeiro lugar, toma a decisão política como seu objecto expresso, analisan­do o comportamento político na sua totalidade. Onde o modelo até aí dominante se limitara à análise parcelar da

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ac ão governamental, urge agora o tratamento da vivência política no eu conjunto, incluindo nomeadamente a teori­zação do comportamento dos eleitore e dos eleitos.

Em egundo lugar - e de momento é este o aspecto fundamental -, e sa análi e é feita mediante uma hipótese científica que, ne te contexto, é nova. Ao trabalhar a decisão pública como um ucedâneo da decisão privada tomada pelos con umidore no mercado, po tulando urna identidade ab-oluta das motivaçõe que a ambas pre idem, entra-se em

ruptura com a concepção implícita de transparência da de­cisão política, vi ta como ubmetida a um interesse geral que não é outro senão o que decorre da própria lógica econó­mica da decisão em causa. À justificação eminentemente altnústa da acção governamental é substituída uma outra, puramente egotística.

Os efeito de a e pécie de revolução são evidentes. Onde ante havia geral aceitação da decisão pública em si mesma, há agora crítica de princípio; onde havia recusa de análi e, há agora nece sidade imperio a de tal trabalho; onde havia tolerância para com a atribuição de áreas de decisão à esfera pública, há agora desconfiança.

Estamo assim perante uma alteração substancial na explicação dada a um certo fenómeno. Esta ruptura tem uma dupla explicação.

Em primeiro lugar, em termos puramente científicos, ela é ju tificada pela acumulação de resultados insuficiente­mente explicados, nomeadamente pela evidência da presen­ça, na adopção de decisões públicas, de uma lógica que não era a pressuposta pelo modelo anterior. O conjunto de pesquisas que presidiram a esta conclusão não nos interessará aqui e será dado como assente que tal acumulação de resul­tados paradoxais existia.

Em segundo lugar - e este aspecto constitui uma ca­racterística marcante do irromper da escolha pública - a teoria, na medida em que tem na base um esforço de lógica

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e de coerência que parte da hipótese de que um certo modelo de comportamento deve ser, ou tem de ser, gene­ralizado, constitui uma abordagem que tem uma compo­nente apriorística bastante marcada: a generalização do modelo explicativo pode ser feita apenas com o objectivo de gerar hipóte es de trabalho e sem que aquele tenha de ser, em si mesmo, posto à prova.

Estamos pois perante um percurso duplo: de um lado certas anomalias na explicação pré-existente; de outro um questionar que é puramente lógico e que não necessita dessas anomalias para existir, na medida em que parte de uma hipótese que aspira a uma validade própria e que, enquanto hipótese, pode não carecer de demonstração. Nesta segunda componente, de que se pode ver uma manifestação clara (e metodologicamente explícita) em BUCHANAN e TULLOCK 13

há uma inversão potencial da cadeia demonstrativa: se o modelo do homo economicus parece adequado na explicação das decisões de natureza económica, ele deve também sê-lo na explicação de um outro tipo de decisões, as de natureza política. A extensão a esta segunda área de decisão é vista como partilhando do conjunto de demonstrações efectuadas na primeira área e, na prática, ela leva a que não haja qual­quer diálogo com explicações alternativas. É este facto que

13 V. J. BUCHANAN e G. TULLO K, The Ca/culus of Consent, Logical Foundations of Constítutional Democracy, Ann Arbor, University of Michigan Press, 1962, p. 20 e ss. Esta passagem da obra em causa, que constitui uma das mais ricas contribuições para este campo de análise, é também particularmente reveladora do ponto de vista metodológico, na medida em que aí se repete (p. 29) a célebre posição de FRlEDMAN sobre a irrelevância dos pressupostos de urna teoria, visto que só a confrontação com os resultados teria verdadeira importância. Cf Milton FRlEDMAN,

"Essay on the Methodology of Positive Econornics", in Essays in Positive Economics, Chicago, 1953, reproduzido em F. Hahn e M . Hollis, Phílosophy, cit., em especial p. 16. Sobre o debate em torno das teses de FRIEDMAN, cf BLAUG, The Methodology of Economics, Cambridge, Cambridge University Press, 2.' ed, 1992, p. 91 e ss.

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pennite talvez expli ar que eja dificil encontrar, na litera­tura, qualquer confronto com as po içõe que, no domínio tradicional da iência política, explicam o fenómenos ao quai a e colha pública visa aplicar- e.

A i to acre ce o facto de que o perfilhar de uma con­cepção apoiada na análi e económica pennite a po sibilidade de formular um certo tipo de modelos, directamente in pi­rado pelo in trumento analítico que e a análise põe ao di por da teoria, e que dificilmente e encontram em expli­caçõe com outra origem. Toda a pergunta condiciona a re po ta: a formulação da hipóte e central da teoria condiciona por i ó, na medida em que ela traz consigo um conjunto de in trumento analítico particularmente desenvolvidos, o próprio campo da di cu são em que a teoria se pode mover.

4. E tamo poi perante uma ucessão de tentativas de explicação de um fenómeno . A e ta sequência de teorias com conteúdo e explicações diferente para um mesmo fenómeno e refere KUHN 14, colocando-a, atravé da noção de paradigma, no centro da grandes mudanças que marcam o pro ce o de de envolvimento científico.

A evolução científica é por e te autor dividida em segmento onde alternam período consecutivos daquilo que designa por ciência normal e de revolução. Durante a cons­trução da ciência normal, a comunidade científica ocupa-se do conjunto de problemas suscitados pelo chamado paradig­ma dominante. Um paradigma deve entender-se como uma forma de consen o da comunidade científica que abrange a noção do que sejam os problemas a resolver, os métodos e as técnicas de inve tigação e as teorias aceites 15. A medida

H n,e tructlue of scientific revo/utions, edição utilizada, LA Structure des révo/utions scientifiques (traduzida da 2.' edição americana, de 1970) , Paris, Flammarion, 1989).

IS Cf S. AM TERDAMER, "Paradigma", em Enciclopedia Einaudi, vol 33, INCM, Lisboa, 1996, p. 295 e K UHN, cit., p. 355.

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que o problemas surgidos na realidade se tomam insolúveis perante esse paradigma, à medida que as anomalias e acu­mulam, começa a amadurecer na comunidade científica a ideia de que uma nova explicação é necessária 16.

A obra de KUHN enquadra-se na vaga de estudos sobre a filosofia das ciências surgidas na esteira dos trabalho de Karl POPPER, que rompera com a tradição, dominante nos primeiros decénios do século, do modelo hipotético-dedu­tivo 17. A ideia fundamental de POPPER é a celebre tese do falsificacionismo, isto é, a teoria de que, sendo toda a ver­dade científica submetida, por definição, ao teste experi­mental, para que uma hipótese seja verificada, há um certo número de resultados práticos que se não podem constatar. A prova de uma hipótese é então feita pela negativa, isto é, ela é válida enquanto se não verificarem os resultados que a impugnam 18. A impossibilidade de produzir uma prova positiva decorre, por seu turno, da dificuldade central em todo o indutivismo 19: não é possível inferir um acontecimen­to futuro a partir de uma soma de outros verificados ante­riormente. Assim, nenhum teste pode estabelecer uma dada teoria de forma absoluta: a generalização tranquilizadora não é possível. Ao invés, tudo o que se pode obter é a certeza de que num momento dado se ignora como negar experi­mentalmente um certo facto, da mesma forma que, em rigor, se ignora como prová-lo definitivamente 20.

O critério da falsificabilidade é usado fundamentalmen­te como uma forma de demarcar o saber científico do não

16 Cf. KUHN, LA Structure, op. cito p. 96-97. 17 Cfr. B UUG, The Methodology oj Economics, Cambridge, Cambridge

University Press, 1980, reimpr. 1982. 18 Cfr. B UUG, op. cit., p. 72. 19 Cfr. POPPER, 711e LAgic oj Sdentific Discol/ery, edição inglesa re­

vista, 1980, Hutchinson, Londres, p. 28. 20 Cfr. POPPER, op. cit., p. 266-267 sobre este problema e o

carácter necessariamente "gradativo" da falsificabilidade.

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científico. A ciência não é identificável pelo recurso à con­frontação com a realidade do eu po tulado fundamentai, como pretendia o po itivi mo lógi o atravé do princípio da verifi abilidade 21 nem, pela razão atrá referida, pelo recurso ao método induti o . No cerne do problema está o facto de uma teoria ó e poder "provar' atravé da falsificação. Só o que é u ceptível de ser colocado perante o teste da fal-ificação é científico; ó o que é su ceptível de uportar e e

te te fica demon trado, mas apena provisoriamente. O pro­blema básico é a im o da demarcação entre duas áreas do aber e é om e e fim que o critério é concebido.

Porém, na medida em que a aplicação deste critério fornece uma ju tificação para a evolução da ciência, POPPER vem colocar- e também perante ela. A evolução científica dá-se atravé da ultrapassagem da diversa concepções e teorias, feita em termo de fàlsificabilidade. Trata-se de operar uma reconstrução lógica da ciência, do eu desenvolvimen­to. A re po ta de POPPER é que há uma lógica de evolução científica e de que ela se estabelece na forma como duas teoria rivais se sucedem. Isto ocorre quando a certeza cien­tífica da segunda supera a da anterior, o que só é determinável, mais uma vez, em termos de falsificabilidade. A teoria nova tem de explicar mais facto do que a anterior abarcando um conteúdo empírico uperior 22 ao me mo tempo que a refuta em certos outros aspectos, permitindo a sua falsificação, vista quer em termos simplistas, quer de forma "sofisticada" 23.

O objectivo de KUHN por seu lado, limita-se, no essen­cial, ao problema da evolução histórica da ciência. Não há,

21 Cfr. BLAUG, 1980, p. 11.

22 Cfr. JALLADEAU, J., "Re earch Programs versus Paradigms in the Developrnent of Econonúcs", in Journal of Economic Issues, 3, 1979, p. 586.

23 Cfr., sobre e ta distinção, LAKAT ,J., The Methodology of Scientific Research Programs, publicada por John Wor eU e Gregory Currie, Cambridge, Cambridge University Press, 1984 (reimp.), p. 93 e 94 e, em sentido diferente, BLAUG, op. cit., p. 18.

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ao longo da sua obra fundamental, qualquer tese com a ambição do critério da demarcação de POPPER. O que se visa é estabelecer um padrão hi tórico da fonna como cada teoria se afirma em ruptura com as anteriores, estabilizando­-se a seguir, num movimento que é científico mas também produto de uma intuição psicológica e sociológica do pro­cesso de pesquisa científica 24. Ao critério lógico e objectivo de POPPER, com um evidente conteúdo normativo, que transforma a ciência numa busca cuja única certeza só pode assentar no método, contrapõe-se a relatividade histórica. Em certas situações esse relativismo pode fazer com que certa teoria ceda a uma outra devido à consciência da im­portância de problemas pré-existentes e não, como seria lógico, de problemas novos, revelados pelo progresso teóri­co ou experimental 25 . Por outro lado, à ideia de progressão da ciência em termos contínuos contrapõe-se a da existência de grandes rupturas e de períodos de estagnação.

Uma vez situado KUHN perante a obra à qual a sua parece contrapôr-se, vejamos em que consiste a noção de paradigma, dado que o objectivo explícito destas páginas é reconduzir a teoria da escolha pública a tal conceito.

No postfacio aditado à 2a edição de Structure of Scientific R evolutions, KUHN, tentando fugir a polissemia que caracte­rizava a noção de paradigma como ela era empregue ini­cialmente, propõe a sua alteração para matriz disciplinar, guardando o primeiro termo para o elemento central desta matriz. Matriz disciplinar é o conjunto de elementos presen­tes numa determinada comunidade científica, por todos os seus membros partilhada, quer enquanto experiência, quer enquanto valores 26. Isto inclui o tipo de simbologia empre­gue no discurso e na análise científica, convicções designadas

24 Cfr. o 10 capítulo de K UHN, op. cit., em especial p. 24-25. 25 K UHN , op. cit., p. 111 e j ALlADEAU, op. cit., p. 589; ver também

a defesa de K UHN de tal acusação, p. 278. 26 K UHN, op.cit., p. 248-255 .

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como metafi icas (não su eptívei de prova), valorações e pe­cíficas (que a umirão no nosso ca o importância fundamen­tal) e obretudo elemento de exemplific ção, que traduzem no fundo o ulco comum que todos os membros da comu­nidade trilham. Trata- e de encarar certo problemas de uma forma comum, re olvendo - o num certo entido. A expe­riência concreta tran formada em exemplos fornece ao dis­cípulo - e te elemento tem importância fundamental na preparação e afirmação do paradigma - uma forma concreta de "ver' a teoria que não está na teoria ela mesma 27.

Assim explicado, o conceito itua-se como característi­ca de um grupo determinado. Paradigma não é apenas o conjunto de alteraçõe científicas na leitura e resolução de um problema dado, enquanto solução oposta à anteriormen­te apresentada; é também e obretudo Uá que é a este ruvel que o conceito e epara duma espécie de dialéctica histórica da evolução da ciência) a forma como um grupo coerente de cientistas e agrupa em torno de uma certa maneira de ver um problema. Esta reacção de grupo só é fundamental porque pos ui uma lógica que influencia a análise científica, fixando a resposta a certos problemas, a colocação de outros e o quadro conceptual de visão do mundo.

Vejamos então se este quadro se adequa ao nosso pro­blema.

Como ficou dito, descritivamente, o aparecimento da teoria da escolha pública inclui-se na ideia de sucessão de paradigma. Ao longo período de domínio de uma análise da vida económica que não atribuía lugar específico à teorização do estado e à sua particularidade, sobretudo em regime democrático, sucede uma ruptura, traduzida em modos di­ferentes de encarar o papel e a motivação dos agentes de decisão pública. Esta nova resposta teórica apresenta também

TI efr. KUHN, sobretudo p. 259-260. Recorde-se, aliás, que em linguagem corrente o termo paradigma significa exemplo.

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elemento de coerência interna que a fazem aproximar-se do padrão traçado por KUHN . Pelo menos, em todos os autores citado há evidentes elementos de identificação co­muns, que surgem como características da solução proposta. O individualismo metodológico decorrendo de uma pers­pectiva individualista a nível mais geral, ontológico 28, é o mai evidente. A ideia central é alargar a análise neo-clá ica dos mercados e do seu funcionamento à esfera pública, re­cusando as contradiçõe que a economia do bem-estar nela detectou. Isto arrasta um outro ponto comum, que é a crença no funcionamento do mercado através da leitura do comportamento dos sujeitos, crença que remonta a Adam Smith e à tradição do séc. XVIII britânico, onde o mesmos sujeitos são vistos como buscando o aumento de utilidade de que dispõem. O não questionar da relação existente entre esta concepção e a realidade, a acção concreta dos agentes, releva de um elemento que é simultaneamente valorativo e metafísico, nos termos atrás vistos. Trata-se de uma convic­ção enraizada sobre uma certa característica da realidade, cuja confirmação empírica não é procurada, o que levanta problemas metodológicos que a escolha pública partilha com a matriz neo-clássica de que parte, como veremos adiante 29.

28 Isto é sobretudo nítido em Bu HANAN, J. e TULL K, G., 711e Calculus of Coment, Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1962, pp. 17 e 316, entre muitas outras referências; HAMLIN, Publíc Choíce, Markets and Utílitan"anism, in DAV1D Whynes, ed. What is Politicai Economy?, Oxford, Blackwell, 1984, p. 116; AMA HER., R., T LU ON, R ., WILLET, T., "The Econornic Approach to Social Policy Questions: Some Methodological Perspectives", in: The Economic Approach to Public Policy, ed. by Ryan Amacher, Robert Tollison e Thomas D. Willet, Ithaca e Londres: Comell University Press, 1976, p.18; Bu HANAN, The Demand and Supply for Publíc Goods, Chicago, Rand McNally, 1969, p. 4.

29 Sobre os problemas que esta não confinnação, levanta, ver Milton FR.lEDMAN, "The Methodology of Positive Econornics", reimp.

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Em si mesma, nenhuma destas características - indivi­dualismo metodológico e maximização de utilidade e ren­dimento - é típica de escolha pública. Trata-se de factores nucleares à teoria neoclássica. O que há de inovador é que es a teoria é empregue fora da área para que foi concebida. O seu alargamento à decisão política, visando obter o que BUCHANAN chama um sistema fechado de comportarnento30,

com o que isso implica de refonnulação da leitura dominan­te de tal decisão e da posição da sociedade perante o Estado - separação que aqui é forçosa - contém a essência de esco­lha pública.

Estamos também em presença de outros elementos identificados por KUHN, tanto ao nível do discurso, como, sobretudo, no que toca a existência de um grupo coeso. Haverá poucos exemplos nítidos de um grupo de pesquisa­dores identificado como o que se reuniu em tomo de J. BUCHANAN no Center for the Study of Public Choice, e que editou posterionnente a publicação do mesmo título. Há portanto sinais evidentes da existência de uma fonna co­mum de apreender certos problemas, com valores e códigos próprios o que, parecendo em si mesmo pouco relevante, ajudar-nos-á, mais tarde, a separar a contribuição fundamen­tal da public choice de certos aspectos laterais, que aparecem ligados a estas características de coesão do grupo.

Resta por último referir o aspecto central do conceito, ou seja, a existência de uma percepção semelhante de certos problemas que são analisados por uma fonna comum. Isto parece estar presente nas aplicações explícitas de modelos de escolha pública. O tipo de assumpções feitas e a colocação dos problemas, a reacção perante certas realidades, tudo isso

in: Hahn, F.- Hollis, M., eds., Philosophy and Economíc Theory, Oxford: University Press, 1979, pp. 21-23 e BLAUG, op. cit., p. 117.

30 BUCHANAN, J., "Towards the Analysis of Closed Behavioral Systems" in: J. Buchanan- R . Tollison, eds, The Theory of Publíc Choice, Ann Arbor, University of Michigan Press, 1972, p. 12.

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traduz uma postura comum. Um exemplo é a leitura feita do balanço do keynesianismo; em momento algum se con­sidera a existência de re ultados positivos associados aos anos de predomínio de políticas dessa orientação. Pelo contrário, partindo de um postulado de base - a não intervenção do Estado e a critica de possibilidade decisão política - tomam uma situação que flagrantemente viola estes postulados como inteiramente negativa, sem discutirem as vantagens concretas que em termos de bem estar lhe estiveram associadas e que não existiriam se esta concepção não tivesse sido adoptada. Assim, um certo problema é visto sempre de uma certa maneira, inteiramente coincidente com os pressupostos de que se parte, mas sem considerar uma forma de justificação que poderia relativizar esses pressupostos.

Podemos assim concluir que a teoria de escolha pública se articula com as explicações alternativas, de acordo com o padrão da sucessão de paradigmas, conforme foi definida por KUHN. É preciso, no entando, considerar uma outra dificul­dade: este autor aborda apenas as ciências naturais. Poder-se­-á estender o conceito às ciências sociais?

A resposta parece dever ser positiva, como o próprio autor admite, embora com reservas 31. Em sentido contrário afirmam OLSON e CLAGUE que o conceito de paradigma não é inteiramente adequado, dado que para KUHN é a acumu­lação de anomalias na explicação pré-existente que provoca a mudança, enquanto que nas ciências sociais é a própria sociedade que se altera 32.

Esta observação tem certamente pertinência visto que, aparentemente, ela retira à concepção defendida por KUHN

um dos seus aspectos mais fascinantes (e mais criticados), o da margem de incerteza que rodeia a evolução da ciência.

31 Cfr. KUHN, op. cit., pp. 282-283. 32 Cfr. OLSON, M. CUGUE, c., Dissent in "Econonúcs, the Conver­

gence of Extremes", in: Amacher, Tollison, Willett, op.cit., p. 98.

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A modificação da realidade, que ju tificaria a nova teoria tran form e ta numa explicação nova para um fenómeno novo, e não, como ucede no universo de KVHN, numa explicação nova para um fenómeno conhecido.

Há no entanto duas razõe que permitem por em causa a ju teza da ob ervação. Em primeiro lugar, a modificações ociai , a exi tirem na forma pre upo ta por O ON e CLAGUE,

dificilmente aparecem como ruptura evidentes em si mes­mas. O que e pa a, mai provavelmente, é que as explica­çõe aceite para certo fenómenos se começam a revelar desajustadas, e é es e desajuste que ju tifica nova tentativa de explicação. Inferir daí que a realidade mudou é conclusão que se integra já no programa de afirmação da nova teoria.

A e te re peito, o que BUCHANAN e TULLOCK afirmam quanto às razõe que terão justificado o desinteresse da ciên­cia política pela concepção do comportamento humano própria do pen amento económico é particularmente inte­re ante 33 . Para e te autores, tal deve-se ao facto de que, durante a chamada fase liberal e não intervencionista do capitalismo, as escolhas colectivas estavam no essencial limi­tadas à determinação de regras gerai que enquadravam uma ordem económica essencialmente de matriz concurrencial. Em tal quadro, sugere-se, não há lugar para as manifestações do interesse individual no processo de decisão política; o mundo da decisão colectiva está reduzido ao núnirno e vive­- e num mundo de regras que não permitem a sua expressão.

No entanto, quando a intervenção estatal na economia se multiplica, o processo político começou a ser utilizado para a expressão de interesses; por sua vez, esta utilização é um dos elementos que explica a intervenção estatal. Se esta é, no essencial, a passagem para a esfera da acção colectiva de áreas que, anteriormente, pertenciam ao mercado, tal significa que a lógica de decisão anterior é substituída por

33 CE The Calculus of Consent, op. cit., p . 21-22.

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uma outra. Onde havia regras passa a haver interesses. Ora, para compreender tal fenómeno seria necessário, afirmam os autores em referência, aplicar o modelo económico de com­portamento ao funcionamento do sistema politico 34.

N o plano da explicação da origem da teoria da escolha pública, aquele em que por agora nos situamos, esta análise é particularmente elucidativa: para BUCHANAN e TULLOCK,

essa origem - que constitui aquilo a que aqui se chamou uma mudança de paradigma - deve-se a uma modificação da realidade que era explicada pela concepção anterior. Para os partidários da nova teoria, aquela concepção não é capaz de esclarecer o que agora se passa, o que leva à sua superação.

O mesmo fenómeno pode todavia explicar-se pela valoração diferente da realidade e das explicações para ela dadas. Assim, por exemplo, o crescimento do sector publi­co, referido por BUCHANAN e TULLOCK, pode ser encarado, durante certo período, como o resultado normal de fenó­menos sociais complexos e não como algo em si mesmo negativo. Uma nova concepção, que tenha do fenómeno uma leitura negativa, confirmada pelo tipo de resultados a que tal crescimento leva numa economia de mercado, não precisará de invocar uma mudança de realidade para se auto­-justificar. Pode assim dizer-se que, quer estejamos perante modificações da realidade estudada, quer se trate de uma

34 É evidente que esta explicação de BUCHANAN e TULLOCK levanta múltiplas questões que, por agora, ficarão em aberto . Em primeiro lugar ela remete directamente para o problema dos grupos de interesses, o que, como adiante veremos, é um sinal de que o destino da teoria da escolha pública anda provavelmente ligado às teses que colocam tais

grupos no centro da análise da vida política. Em seguida, deve assinalar­-se que ficam por explicar porque é que esse mundo do sec. 19, para o qual se olha de forma tão nostálgica, que conseguia viver sem o flagelo dos interesses, não pôde evitar a sua aparição, ou, pelo menos, a sua expressão. Refira-se por último que esta explicação reconhece à noção de regra uma importância que parece próxima da que ela possui no sistema de HAYEK, à qual nos referiremos adiante.

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reapreciação crítica da explicação exi tente, há nas ciências ociai eventos que podem er interpretado como o avolumar

do re ultado anómalo que, no plano da ciência experi­mentai , explicam a mudança de paradigmas.

Em egundo lugar, e em plano diferente OLSON e CLA­GUE referem- e ao entido atribuído por KUHN ao conceito de paradigma na edição original da ua obra. Como vimos, na 2." edição é afirmado que um paradigma não é vi to como uma grande mudança, face à ituação hi toricamente dominante numa ciência dada (de que o melhor exemplo erá a irrupção do heliocentri mo), mas como uma mudança

muito localizada, abarcando aspecto mais concretos 35 . As­im, não procede a crítica que parece sugerir que a mudança

paradigmática é apenas aquela que urge a respeito da estru­tura total do ramo científico em causa.

Re ta fazer um último esclarecimento: é relativamente frequente ver- e adoptado no tratamento da evolução da economia a metodologia dos programas científicos de inves­tigação (sdentific research programs) proposta por Imre LAKATOS. É o que faz BLAUG, na obras atrás citada. Normalmente de crita como uma ponte entre o elevado grau de exigência e de normatividade de POPPER e a flexibilidade e o relati­vismo de T .S. KUHN, tal conceito vem a dar uma aproxi­mação de ambos, analisando o trabalho científico como a evolução de conjuntos de teorias, os programas científicos de pesquisa. Cada programa tem um núcleo participado por todos os investigadores , que abarca as posições não demonstráveis empiricamente e uma série de teorias concre­tas com um valor heurístico positivo 36 . O paralelo com certos aspectos do conceito de paradigma é patente. Parece­-nos, no entanto, que este último descreve com bastante precisão a relação entre a teoria da escolha pública e a

35 Cfr. KUHN, op. cit .. p. 246. 36 Cfr. LAKATOS, op. cit., pp. 48-52.

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concepção que a antecedeu pelo que a aceitaremos, sem nos detennos na que tão de saber e, no conjunto da evolução da ciência económica, tal conceito constitui um padrão ab­solutamente adequado.

Resta dizer que, ainda que sem mais precisão, a desig­nação de paradigma aplicada ao mesmo problema surge esporadicamente e que o seu uso em situações semelhantes foi feito, por exemplo, por SAMUELSON a propósito da "re­volução" da teoria da concorrência nos anos trinta 37 .

2. Características Fundamentais da Teoria de Escolha pública

o conjunto de posições teóricas da escolha pública aproxima-se das versões mais extremadas da análise neo­clássica. A relevância dada ao mercado, o ataque à interven­ção estatal, a crítica à expansão do sector público, são ele­mentos que poderiam vir da escola de Chicago. Logicamente, a visão de política de estabilização conjuntural latente nos trabalhos que se ocupam de escolha pública, identifica-se com a leitura monetarista, ainda que seja possível detectar incoerências a este nível, como adiante veremos 38 .

Da mesma fonna, os postulados de base são em tudo semelhantes, nomeadamente na visão do sujeito económico como alguém empenhado em obter a mais elevada "remu-

37 Cfr. SAMUELSON , P., "The Monopolistic Competition Revolu­tion", in: TIle Collected Scientific Papers of Paul A. Samuelson, ed. R. Mer­ton, Cambridge: M.l.T. Press, 1972, III vo\. , passim, sobretudo pp. 18--20 e 55 . Vide também a parte final do artigo de JALLADEAU anterior­mente citado e DRUCKER, P., "Towartds the Next Econornics", in: BeU, D .-Kristol, K. , The Crisis in Economic Theory, Nova York, Basic Books,

1981 , pp. 7 e 9. 38 Cfr. O LSON, M ., Comentário a: Buchanan, J., Wagner, R .,

"The Politicai Bases of Keynesian Econornics", in Fiscal Responsability in CO~1Stitutional Democracy, Leyden, Martinus Nijhoff, 1978, p. 107.

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neração" na ua a tividade económica, seja enquanto con­umidor, eja enquanto empre ário fa to que condiciona

todas as ua deci ões. Há no entanto diferença profundas, que surgem a dois

nívei : por um lado, instrumentalmente, ao alargar os pre _ supo to de que parte e o inerente po tulado de comporta­mento, a área que não e tão ligada à esfera produtiva; por outro lado, ao alterar em certo ponto fundamentais es es pre upo tos comuns.

Ao IÚvel do elementos fundamentai poderemo iden­tificar trê factore na teoria de escolha pública, individua­lismo, subjectivi mo e contratualismo 39 .

A simples expo ição destes tema revela dois factos pa­radoxai : por um lado o papel de uma abordagem individua­lista, a partir dele e identificando a área reservada à acção colectiva; por outro lado a menção, invulgar em abordagens económicas, do contratualismo como doutrina politica, in­terpretado no essencial à luz da orientação de RAWLS 40.

Trata-se assim de fazer uma crítica individualista à decisão politica e de propor um reequacionamento através de bases harmonizadas com o resultado daquela crítica.

a) bldividualismo

A teoria de escolha pública leva até a um ponto extre­mo o traço individualista da teoria neo-clássica. Trata-se do individualismo metodológico, que podemos definir como ideia de que o sujeito é a única fonte de avaliação de uma certa realidade 41.

39 Cfr HAMr.IN, A.P., "Public Choice, Markets and Utilitarism" , ln: Whynes, D., W'hat is Politicai Economy, Oxford: Blackwell, 1984, pp. 116-117.

40 A Theory of Justice, Oxford: University Press, 1973. 41 Cfr. SAMUELS, W., " Ideology in Economics", in: Weitnraub, S.,

ed.: Modem Economic Thought, University of Pensilvania Press, s.I. ,

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Afinnando- e, aparentemente, como uma consequên­cia indirecta da revolução marginalista, o individualismo me­todológico tem no pensamento económico uma consequên­cia imediata para a concepção da realidade colectiva: ela só é concebida como fonna de proporcionar aos agentes indivi­duai as condições que são necessárias para a sua acção eco­nómica mas que não são realizáveis pelo seu esforço indi­vidual. Em consequência, é po sível a detenninação daquilo que deve caber à colectividade, separando-o do que não po­de deixar de caber aos sujeito individualmente considerados.

Deste modo, o individualismo abre caminho para a concepção do Estado que subjaz à teoria neo-clássica, sendo esta asserção válida, parece-nos, para qualquer dos ramos daquilo a que SAMUELSON chamou a síntese neo-clássica keynesiana. É ela que está implícita, por exemplo, no con­junto de artigos que este autor devotou à teoria das despesas públicas 42 . O mesmo parece sugerir SOUSA FRANCO a pro­pósito da perspectiva neo-clássica 43.

No entanto, a public choice afasta-se deste tronco co­mum aos neo-clássicos, dando ao individualismo um con­teúdo próprio, por vezes oposto ao daqueles.

O primeiro sinal de ruptura faz-se através da crítica à escola de economia de bem estar e aos seus postulados, como veremos em sede própria.

1977, pp. 468, nota 1. Veja-se uma manifestação desta posição em Ml E , L. VON, "The Science of Humen Action", in: Hahn, F.-Hollis, M., Eds., Philosohpy and Economic Theory, Oxford: University Press, 1979,

p. 64. 42 SAMUELSON, P ., sobretudo em "The Pure Theory ofPublic Ex-

penditure", 1954, reimpresso em: Arrow, K. - Scitovslcy, T. , Eds., ReadÍtlgs in Welfare Theory, Londres: George Allen and (1969) , 1972, p. 179 e "The Theory of Public Expenditure and Taxation" in: Col/ected

Scientific Papers ... , cito 43 efr. SOU A FRAN , A.L. , Manual de Finanças Públicas e Direito

Financeiro, Lisboa: F.D .L. , 1974, vol. I, pp. 102-105.

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Numa segunda vertente, a tradição individualista é le­vada a análi e, não das funçõe económica do E tado, mas da ua exi tencia concreta, isto é, do conjunto de institui­çõe que compõem o aparelho e tatal e do seu funciona­mento.

E ta inve tigação opõe- e à caracterí tica fundamental da concepção do Estado feita pelo neo-clássicos, ou seja, a au ência de teorização específica. Isto é patente, como vi­mos, no que toca à omissão do e tudo do seu comporta­mento, da fonna concreta como o Estado desempenha as funções que lhe cabem, levando à concepção do Estado como uma entidade fundamentalmente exógena, exterior ao istema económico produtivo. Este afastamento é acompa­

nhado de uma minimização da importância das relações entre o Estado e o sector privado, facto de que um bom testemu­nho é a não inclusão do Estado nos modelos de equilíbrio macro-económicos, como salienta MHYRHMAN 44.

Contrapondo-se a este silêncio simplificador, a escolha pública vai construir uma análise de raíz individualista do aparelho institucional público e do seu comportamento.

A primeira manifestação desta perspectiva reside no paralelo rigoroso entre a acção dos agentes económicos enquanto intervenientes no mercado de bens e serviços e enquanto decisores no processo político. É partindo desta orientação que DOWNS fonnulou uma teoria económica da democracia que assentava numa analogia entre o mercado de bens e serviços e o mercado político, no qual os partidos se comportam, uma vez no poder, exclusivamente orienta­dos pelo seu próprio interesse em manter esse poder, análise aplicada a uma multiplicidade de outros comportamentos e situações na decisão política. A marca individualista de DOWNS

aparece nas primeiras páginas da sua obra, consagradas ao

... Cfr. MHvRMANN,]., "Reflexions on the Growth of Govemment" cf Journal oJ Publil Economics, vol. XXVIII, 1985, p. 275 .

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postulado racionalista. Com grande lucidez, no entanto, o autor percebeu as dificuldades que o individualismo estrito provoca quando se coloca o problema da agregação das vontades no processo político, pelo que propõe um segundo nível de análise em que os partidos políticos surgem como mediadores dos indivíduos. Nem por isso, no entanto, a análise deixa de ter raíz individualista, quer porque esse é o modelo de partida, a primeira fase da análise, quer porque as condutas efectuadas pelos agentes são, parece-nos, conce­bidas em termos individualistas 45.

Uma outra manifestação, em plano diferente, surge com a extensão do individualismo ao esforço de racionalização das diversas formas institucionais que presidem à decisão colectiva, proposta inicialmente por BUCHANAN e TULLOCK

em The Calculus of Consent. Com grande rigor, aí se procede à derivação das regras de decisão colectiva, através das refe­rências dos agentes individuais. Mais ainda do que na obra de DOWNS, o individualismo é fundamental nesta análise, que permitiu a crítica dos diversos processos de decisão e a justificação teórica da mais extremadamente individualista das regras de decisão, a da unanimidade 46.

Esta obra colocou no centro do problema da escolha pública a análise das instituições de decisão e do conjunto de elementos institucionais presentes no mercado, contrapon­do-se assim à corrente neo-clássica dominante, que silenciou o Estado e as instituições, aceitando-os como tal. A partir deste facto foram variadíssimos os tipos de instituições abor­dados, desde o funcionamento dos aparelhos burocráticos ao processo de intervenção legislativa e administrativa na eco­nomia (regulation) e às próprias decisões jurisprudenciais.

45 Cfr. DOWNS, A., An Economic Theory oJ Democracy, Nova Iorque: Harper & Row, 1957, pp. 4-6 e 15-17.

46 Cfr. BUCHANAN, J. , TullO K, G., The Ca/cu/us of Consent, Ann Arbor: Uno of Michigan Press, 1962, pp. 11-17.

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A todo e te aspecto foi aplicado um modelo de raiz emelhante, tentando e clarecer o componente da decisão

tomada a partir do comportamento individual, com resulta­do e intere e diverso. A variedade do caso abordados levanta a que tão de saber qual o traço unificador, qual a justificação comum de e e forço de análi e, a que tentare­mo re ponder noutro momento.

Referimo-no até aqui ao problema da carga individua­lista da teoria da e olha pública, onde ela assume relevância mai importante do que na teoria neo-clás ica, aproximan­do- e me mo da chamada Nova Escola Austríaca 47 .

O pa o seguinte é o de esclarecer a relação entre o individualismo e o racionalismo. Em termos de história do pensamento económico, a ligação entre as duas teses revela-e nece sária. O ujeito económico que Adam Smith colo­

cou no centro da ua análise, era um racionalista orientado para a pros ecução de fins próprio , tendo esta concepção uma marca individualista considerável. A localização histó­rica da obra de te autor, torna mais evidente essa relação. No dizer de KRYSTOLL, com Adam Smith o mundo de Newton, o universo racional e de causalidades determina­das, começa a chegar àquilo que erá uma ciência social 48.

E sa orientação torna-se muito mais marcante com a colo­cação do problema da escolha em termos marginalistas e com a gradual construção dos mecanismos de análise da maximização da posição do consumidor. Se o individualis­mo remete toda a análise para o sujeito como fonte de avaliação e deci ão, o comportamento desse sujeito é regido

47 Cfr. a descrição de concepção do individualismo desta escola em BARRV, N. , "The Austrian Perspective", in: Whynes, Ed., cit., p. 36; e ainda em KJRZNER, L. , num artigo com o mesmo título in: Beli, D ., Kristoli, cit., p. 118.

-18 Cfr. KRvSTOl, "Rationalism in Economics", in: Beli, D .-Krys­tol, l, eds., cit., pp. 206-207. Vide no entanto BLAUG, M ., Economic

Theory in R etrosped , Cambridge, C.U.P., 1985, p. 36.

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por postulados que, enquanto ideia central, remontam a Adam Smith. O sujeito age no mercado com o objectivo de obter o maior número possível de bens raros. Para o atingir, ele tem de considerar racionalmente todas as hipóteses de combinação dos seus recursos.

No entanto, em Adam Smith, a orientação de fundo, mais do que rigorosamente individualista, parece ser utilita­rista. Ora, como veremos adiante, o acentuado individualis­mo da escolha pública, entra em choque com os postulados utilitaristas. Remetemos para essa altura o esclarecimento dessa questão.

A polémica em tomo da teses segundo a qual os sujei­tos visam maximizar a sua utilidade quando agem no mer­cado é antiga e irresolúvel 49. A seu tempo veremos que em parte a questão se simplifica ao considerarmos o estatuto teórico da hipótese isto é, o seu carácter de instrumento no mecanismo conceptual explicativo da realidade. Até lá, limi­tar-nos-emos a salientar o papel que o racionalismo assume na teoria da escolha pública em ligação intíma com o indi­vidualismo metodológico.

Curiosamente, se em certos autores neo-clássicos é fre­quente verem-se omitidas as referências ao individualismo, o racionalismo da conduta dos agentes é um núcleo central nunca desmentido, a não ser, eventualmente, através da chamada teoria da "ineficiência- X" proposta por Liebenstein e de que, dado o seu carácter lateral para a investigação, não nos ocuparemos agora.

Assim, a racionalidade das condutas, obedecendo à lógica utilitarista da maximização dos resultados num certo proces­so, é necessária para a construção da teoria. Em praticamente todas as obras clássicas sobre o assunto, a defesa do carácter

49 Veja-se o estado actual do problema na " Introdução" , feita pelos organizadores HAHN, F. e HOLLlS, M ., Philosophy and Economic

Theory, op. cito

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fundamental do po tulado racionali ta, é uma questão pré­via. É a im que D WN con idera os governos como vi an­do maximizar o voto em eleição, ou que o eleitores re­agem às polític que lhes asseguram maiore benefícios económico a curto prazo. Da mesma forma, os agente do proce o decisório encarado por BUCHANAN e TuuocK só abdicam da ua liberdade no momento em que e sa privação - a aceitação da acção colectiva - o beneficia, tal como o E tado encarado por Bu HANAN e BRENNAN, vi a maximizar o eus rendimento atravé do sistema fi cal 50, ou ainda que os burocratas cujo comportamento foi teorizado por Nls­KANEN pertendem obter o maior orçamento possível para as suas repartiçõe SI. Todas as referências feitas aproximam o racionali mo do objectivo de maximização a atingir pelo ujeito . É curiosa a análise que DoWN , naquele que é o

primeiro esforço de pôr em prática um modelo de escolha pública, fez do racionalismo. O objectivo, é demonstrar que um partido político racionalista deve orientar-se para a ma­nutenção do eu cargo 52.

Este objectivo, implica um esforço de hierarquização das oportunidade e condutas pelo sujeito e nessa medida, tem como ponto fulcral um problema de informação. A ra­cionalidade implica um esforço de aquisição de conheci­mentos, cuja dificuldade é uma das mais marcantes caracte­rísticas da comparação do mercado político com o de bens e serviços. Por outro lado, implica também uma escolha da olução capaz de se tornar mais compensadora em termos de

objectivo final a atingir e, consequentemente, um critério de conduta. Ora, este critério pode ser definido como o

50 Cfr. B RENNAN, G. - B UCHANAN. ].. The Power to Tax. Cambridge: c.u.P., 1980, p. 26 e seguintes.

51 NISKANEN. W .• Bureaucracy and Representative Government. Nova Y ork: Aldine. 1971.

52 Cfr. DOWNS. A .• An Economic Theory ...• op.cit .• pp. 6-15.

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próprio racionalismo em si mesmo, reduzindo-o a uma sim­ples hipótese psicológica prévia: se os sujeitos são racionais, qualquer conduta é, por definição racional.

O absurdo é evidente, mas é, por omissão, cometido frequentes vezes. Em alternativa, o racionalismo implica um critério, uma equação das formas concretas do sujeito atingir os seus objectivos. Isto revela-se bem mais facil de determi­nar no plano do consumo e do investimento do que no plano da actividade política, em que os custos não têm expressão monetária. Que, racionalmente, os sujeitos devem usar os seus recursos por forma a obterem com eles o maior rendimento possível, é evidente; que essa maximização deve orientar as decisões e servir-lhe de critério, também. Mas o que possa ser no domínio da decisão política esse objectivo, esse máximo a atingir, é bastante mais obscuro, valendo aqui com especial incidência, a lúcida dúvida de SAMUELSON 53.

Embora como vimos, partilhe esta orientação em algu­mas das suas obras, BUCHANAN põe-na em causa num traba­lho que sobreleva a importância de um dos aspectos menos focados da sua interpretação da escolha pública 54 .

Assumindo uma leitura com um marcado pendor institucionalista, c autor ataca a subordinação da perspectiva analítica a uma óptica maximizadora. A preocupação de BUCHANAN está evidentemente num nível macro-económi­co, criticando as tentativas de conceber uma maximização dos objectivos sociais através das funções de bem estar social.

É o próprio uso da ciência económica que é posto em causa, e é sugerida, como alternativa, a análise das institui­ções que subjazem às decisões individuais, bem como da

53 Cfr. SAMUELSON, P., "The Nobel Lecture", in: The Col/ected Scientífic Papers ... , cito

54 B UCHANAN, J., "A Contractarian Paradigm to ApplyingEconornic Theory", in: American Economic Revue, Papers and Proceedings, 1975, p. 227.

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forma como elas podem melhorar o encontro das vontade do ujeito e onómico . Daí o recurso à noção de contrato. E ta perspe tiva nada nos diz obre o que se pa a ao nível micro-económico, pelo que o po tulado individual raciona­li ta e parece manter inatacado. Isto deixa em aberto a compreen ão de um e quema que é maximizador ao nível das unidade ma que se não pronuncia obre o efeitos dos agregado 55. Por outro lado, a via aberta não é suficiente­mente explorada ape ar de conter a que parece ser a forma mai profiqua de encarar a escolha pública. O me mo se diga para a tentativa, sugeridas na obra citada na última nota, em torno da determinação do modelos de compor­tamento, obedecendo ao racionali mo kantiano ou ao com­portamento de raiz cri tão

Assim, o individualismo racionali ta, permanece no centro da e colha pública.

b) Subjectivismo

A segunda grande características da public choice apresen­ta-se como uma diferença patente face à teoria neo-clássica. Um dos elementos preponderantes de ta, pelo menos nas correntes dominantes, foi a atribuição de um papel econó­mico activo ao E tado, através de estabilização conjuntu­ral e da economia de bem-estar. Para esta última, determinadas certas situaçõe em que a acção dos sujeitos privados não era capaz de a segurar a produção de certos bens, ou de o fazer em condiçõe óptimas, e tava aberto o campo à sua correcção pelo Estado, suprindo os limites da actividade privada.

Este facto, gerou a necessidade de averiguar a forma como a entidade pública equacionava a utilidade dos sujeitos privados que, dentro dos postulados individualistas e utilita-

55 O postulado microeconorruco foi posteriormente reafinnado pelo autor. Veja-se Bu HANAN, 1976, op.cit., p. 342.

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ri tas, visavam maximizar o resultado do comportamento. I to abriu caminho a um processo de deci ão ocial, em que o b m-estar da sociedade era equacionado através da função de bem-estar social. Em geral, o cepticismo perante a pos­sibilidade de construir tal função, é uma constante da e -colha pública, com ba e no carácter imprescrutável das preferências individuais e da dificuldade de construção de qualquer forma de as agregar.

Dado o carácter central que a resposta aos problemas da economia do bem-estar assume na teorização da escolha pública, deixamos para essa altura o estudo das relações entre o subjectivismo e essa corrente.

c) Contratualismo

A forte carga de análise institucional a que já nos refe­rimos, tomou o estudo da justificação das instituições sociais uma das mais interessantes manifestações da escolha pública. É assim que se ensaia a racionalização da origem das insti­tuições, com o fim de permitir a critica das suas formas concretas.

O interesse das teorias contratualistas a cujo reviver está as ociado o nome de Raweis, é evidente. Este ponto, coloca uma questão fundamental: uma noção constante em toda a construção económica neo-clássica, como vimos, é o utilita­rismo em íntima ligação com o racionalismo individualista. Ora, o contratualismo é basicamente oposto àquela Escola, pelo que esta integração carece de uma análise rigorosa, a fazer aquando do estudo das implicações entre escolha pú­blica e teoria política.

d) Conclusões

Concluímos pois, que num plano de análise metodo­lógica, a teoria da escolha pública surge como um paradigma novo , alterando a explicação existente sobre o comporta-

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mento do E tado e introduzindo um po tulado de coerência no entido da ligação dos pre upo to da análi e micro­económica ao comportamento do agente decisore do poder público. E te paradigma liga- e intimamente ao paradigma neo-clássico, no qual, ba icamente, e integra. Partilha com ele uma orientação geral, individualista e racionalista, mas o ceptici mo perante a po ibilidade de conceber uma qual­quer forma de racionalidade ao nível da deci ão colectiva, leva a escolha pública a uma forma extrema de individua­lismo metodológico e ao subjectivismo. Por outro lado, a necessidade de enquadrar o funcionamento das instâncias política provoca uma explícita abordagem da teoria política numa perspectiva contratualista.

Esta primeira abordagem do conteúdo da teoria da esco­lha pública, indicia o seu problema fundamental: a aplicação da metodologia micro-económica a áreas de comportamen­to que não ão escolhas de bens e serviços. A determinação rigoro a deste objectivo é portanto a nossa primeira tarefa.

(continua)

Carlos Pinto Correia Faculdade de Direito

Universidade Clássica de Lisboa