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Sentir Poesia Sebastião da Gama

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Page 1: Sentir Poesia Sebastião da Gama

SENTIR POESIA

Bem se sabe da Poesia que é indefinível, que é inapreensível, que é feita da mesma incógnita matéria que os deuses. Lê-se um poema ou colhe-se um lírio ou sorri-nos uma criança — e nós sentimos Poesia. Mas colher um lírio é colher um lírio — é ter mãos e ter lírios, coisas banalíssimas. Sorrir-nos uma criança é sorrir-nos uma criança, e podia chorar que não seria isso menos natural. No entanto...

Lemos um poema, bem rimado, bem ritmado, com uma imagística fulgurante e mais uma porção de predicados poéticos, e logo o condenamos ou o exaltamos pela falta ou pela presença de Poesia. Se nos perguntarem onde ela está, ou porque sinal vemos que não está, não saberíamos explicar. Então que presença misteriosa é essa, como se revela, como existe? Por mim furto-me à resposta.

Não venham também perguntar-me com que sentido me é dado apreender a Poesia — só lhes digo que não é com nenhum dos cinco...;; Creio que está decadente o critério que dava como Poesia tudo que fosse escrito em verso.

Para aplaudir ou desejar essa decadência não é preciso mais que fazer o sacrifício de ler as mil e uma festejadas habilidades métricas que ao longo dos séculos se foram escrevendo — e que deram, por conta do dito critério, o nome de Poetas a quem as traçou. Falta aí o tal misterioso quid sem o qual nada feito...

Isto não quer dizer, de modo nenhum, que se não tente exprimir ou captar pelo verso a Poesia. Acho que o verso não é um vaso, um molde, uma carne em que a Poesia tome forma, como geralmente se pensa: é uma espécie de laço, armado pela manha do Poeta, a ver se a Poesia, incauta, vem ao chamamen­to; ou um rito, uma invocação que a faça descer. Esta manha ou este canto de sereia ou pela invocação é que tomam formas, não a Poesia. O Poeta não tem à mão senão as palavras; joga com elas de modo a lisonjear a Poesia naquelas qualidades divinas que lhe pressente — e como pressente que a Poesia é bela e é musical tenta imprimir beleza e musicalidade ao barro humano das palavras.

Temos portanto, e resumindo, que o verso não é ele próprio a Poesia...

Sebastião da Gama, O Segredo é Amar