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Agrupamento de Escolas Finisterra-Cantanhede Escola Secundária de Cantanhede Departamento de Ciências Humanas e Sociais Será a autoridade do Estado legítima? Carlos Ferreira Gabriel Salgado Rodrigo Martins Maio, 2014

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Agrupamento de Escolas Finisterra-Cantanhede

Escola Secundária de Cantanhede

Departamento de Ciências Humanas e Sociais

Será a autoridade do Estado legítima?

Carlos Ferreira

Gabriel Salgado

Rodrigo Martins

Maio, 2014

Ficha Técnica:

Título: Será a autoridade do estado legítima?

Ensaio elaborado no âmbito da disciplina de Filosofia, 2014

Autores

Carlos Ferreira, Gabriel Salgado e Rodrigo Martins

Professora orientadora

Maria Emília Laranjeira

Cantanhede, maio de 2014

Edição da Biblioteca Escolar Clara Póvoa, Serviço das Bibliotecas Escolares do

Agrupamento de Escolas Finisterra-Cantanhede

Será a autoridade do estado legítima? by Carlos Ferreira, Gabriel Salgado e Rodrigo Martins is

licensed under a Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional

License.

Sumário

1. Introdução ............................................................................................................................... 4

1.1 Formulação do problema ................................................................................................ 4

1.2 Objetivo do ensaio ........................................................................................................... 4

1.3 A importância deste problema ....................................................................................... 4

2. Teses concorrentes ............................................................................................................... 8

2.1 A legitimação da autoridade do Estado segundo Aristóteles ................................... 8

2.2 A legitimação da autoridade do Estado segundo John Locke .................................. 9

2.3 Uma teoria da justiça de John Rawls ......................................................................... 10

3. Tese a ser defendida ........................................................................................................... 12

3.1 Reflexão e argumentos a favor da nossa tese .......................................................... 12

3.2 Principais objeções à tese apresentada .................................................................... 14

3.3 Resposta às objeções ................................................................................................... 15

4. Conclusão ............................................................................................................................. 17

5. Lista de referências bibliográficas ..................................................................................... 19

1. Introdução

1.1 Formulação do problema

O problema que nos foi proposto analisar e responder foi o seguinte: “Será

a autoridade do Estado legítima?”. Para responder a este problema,

procederemos a uma pequena reflexão inicial, tendo em conta a importância

deste problema, referiremos as teses mais importantes que se relacionam com

este problema, apresentaremos a nossa tese, sustentando-a com os argumentos

mais pertinentes, responderemos às possíveis objeções que, no nosso entender,

possam ser as de maior interesse geral e, finalmente, retiraremos as melhores

conclusões possíveis.

1.2 Objetivo do ensaio

Com este ensaio, o nosso objetivo é apresentar razões fundamentadas

de que a autoridade do Estado só é legítima quando este resulta de um

consentimento e acordo coletivos por parte da comunidade e quando, no

exercício do seu poder, tem sempre em vista o bem comum e a justiça social, o

que pressupõe um clima de equidade entre todos os cidadãos.

Para cumprirmos tal objetivo, procederemos à clarificação de alguns

conceitos essenciais à compreensão desta temática, de entre os quais

destacamos os conceitos de Estado, justiça e Direito e a sua relação de

interdependência. Por outro lado, sustentaremos a nossa tese com argumentos

coerentes e consistentes, fazendo uso de algumas ideias patentes nas teorias

de John Locke e John Rawls.

1.3 A importância deste problema

Então, e por que razão devemos refletir acerca da legitimidade da

autoridade exercida pelo Estado? Onde reside a importância deste problema?

Nas sociedades atuais, cada novo ser que vem ao mundo é confrontado

com um determinado contexto económico, histórico e psicossociocultural. É

evidente que cada nação tem uma Constituição específica, que foi evoluindo

consoante a sua História, e possui um determinado regime político, porém, em

geral, poder-se-á afirmar que qualquer povo está sujeito à autoridade de um

Estado, à exceção de alguns casos particulares (como por exemplo, os povos

indígenas). Deste modo, todos os cidadãos atuais tiveram sempre presente nas

suas vidas uma referência social e institucional absoluta: o Estado. Também

sempre foram confrontados com situações em que a decisão do Estado era a

que imperava, devido ao seu caráter soberano, impondo a sua autoridade sobre

os cidadãos que estavam sob a sua alçada. No entanto, será que esses mesmos

cidadãos, recorrendo ao seu espírito crítico, já pensaram acerca daquilo que

confere essa mesma legitimidade para exercer esse poder? Como surgiu o

Estado e a sua capacidade de exercer a autoridade sobre os outros?

É evidente que, em primeiro lugar, ao longo da evolução da consciência

da sociedade civil, e analisando os dados que a História nos oferece, assistimos,

numa fase primordial, à formação de grupos de indivíduos para garantir a sua

sobrevivência. Com o avançar dos tempos, a ambição do ser humano foi-se

tornando cada vez mais vincada, até ao ponto de se iniciarem guerras pela

conquista de territórios. A partir daí, o humano foi

vendo o mundo e a sociedade de outros prismas, aparecendo, deste modo, as

monarquias, as ditaduras e as democracias, consoante os princípios, os valores

e as personalidades que foram existindo ao longo da História de cada nação.

Focando-nos nas várias etapas da evolução da estrutura da sociedade,

podemos verificar que cada indivíduo sempre se aliou a outros para defenderem

os seus interesses e satisfazerem as suas necessidades. Chegados a este

ponto, poder-me-ão perguntar, então, por que existiram as revoluções dentro de

uma nação já com uma estrutura social bem definida. Mas, mesmo nessas

situações limite, um indivíduo nunca age só. Poderá ser aquele que dá a cara,

mas as ações deste refletem sempre a opinião de um conjunto apreciável de

pessoas. Deste modo, podemos concluir que a união é sempre mais vantajosa

na defesa dos interesses de cada individualidade que compõem o grupo em

causa.

Em segundo lugar, podemos ainda verificar que, em qualquer parte da

História, sempre existiram personalidades incontornáveis, com notáveis

capacidades de liderança, que influenciavam a opinião de qualquer indivíduo.

Quer fosse sob a forma de um chefe da tribo, de um rei, de um líder totalitário,

de “rebelde” revolucionário ou de um Estado, cada grupo, qualquer ele que fosse,

possuía uma referência, capaz de orientar a ação desse mesmo grupo. Deste

modo, também podemos concluir que a tendência histórica da evolução da

sociedade foi sempre no sentido de possuir uma entidade que se destacasse do

restante grupo, com especial grau de autoridade e que guiasse a vida em

comunidade desse mesmo grupo.

Finalmente, em terceiro lugar, sempre se assistiu à punição daqueles que

afrontavam e iam contra os princípios daqueles que dominavam. Qualquer

indivíduo ou grupo que pusesse em risco o cumprimento das ordens definidas

pelo líder social, que, supostamente, deviam espelhar a vontade do povo (facto

que nem sempre se verificava, como no caso das ditaduras), era alvo de um

castigo exemplar, como forma de manter a ordem no grupo e de demonstrar que,

quem cometesse tal ato ilícito ou outro que pusesse em risco o cumprimento dos

objetivos definidos por esse mesmo grupo, também teria de sofrer as

consequências. Contudo, também é de realçar outro aspeto importante. Um líder

só permanece líder quando obtém apoio da maioria, quando herda tal cargo ou

quando manipula muito bem o povo de forma a não se opor à sua posição.

Quando a vontade do povo é totalmente oposta aos ideais do líder e quando se

reúnem as condições para o realizar, pode-se assistir à prática de uma

revolução. Apesar de o povo praticar um ato, à partida, ilícito, este não é punido

caso o povo saia vencedor e apenas lute pelos seus direitos, pois a referência

que um povo procura é sempre aquela que tem em conta os seus ideais, os seus

valores e os seus projetos futuros. É o que acontece no caso das revoluções.

Ora, após esta reflexão de caráter histórico, podemos, então, proceder ao

escrutínio da importância do Estado na vida de uma sociedade e da sua

legitimidade para exercer autoridade sobre o seu povo.

Um primeiro ponto fulcral a analisar é a importância da existência de uma

referência. Como já vimos, sempre houve a tendência para existir uma entidade

destacada para orientar a ação de um grupo. Caso esta não existisse, cada um

agiria por si, segundo os seus interesses e lutando pelo seu “espaço”. Será que

tal situação levaria a algum lado?

É notório que a resposta é negativa, visto que o consenso mais ou menos

comum dentro de um conjunto de indivíduos é fundamental para a evolução

desse mesmo conjunto. Seguindo este pressuposto, pensamos que a existência

de uma referência é crucial para qualquer grupo e para a definição de projetos a

realizar por esse mesmo grupo que tenham em vista o bem comum.

Outro ponto crucial a analisar para a compreensão da importância deste

problema prende-se com a autoridade exercida pelo Estado. Antes de ser

legítima, por que razão é necessária?

Por natureza, o ser humano é incapaz de atingir a perfeição, de cumprir

exatamente aquilo a que se propõe, aquilo que era suposto cumprir. Ora, como

todos sabemos, se todos nós norteássemos a nossa ação de um modo

eticamente correto, isto é, se seguíssemos escrupulosamente o conjunto de

princípios e normas a que nos propomos, autonomamente, cumprir segundo a

nossa consciência moral (capacidade interior de orientação, de avaliação e de

crítica da nossa conduta), a vida em comunidade seria totalmente imaculada,

não existindo qualquer tipo de ameaça ao cumprimento dos objetivos definidos

para o bem comum. Contudo, tal situação não é passível de existir, porque a

perfeição máxima não faz parte da nossa natureza. O que faz parte da nossa

natureza é a busca pela perfeição e, desse modo, tendo em vista o

estabelecimento de um conjunto de princípios e normas que permitam evitar e

resolver os conflitos entre os indivíduos, de forma a alcançar a harmonia social

e o bem comum, surge um novo conceito-chave essencial para o total

esclarecimento sobre a pertinência deste problema: o Direito.

Assim sendo, o Direito, conjunto de normas jurídicas que regulam as

relações sociais e de sanções que punem a violação das normas, é um elemento

basilar no que respeita à manutenção de uma sociedade civilizada e ao exercício

de poder do Estado, conferindo alta credibilidade ao tipo de autoridade exercida.

Da mesma forma que, enquanto crianças, os nossos pais se impõem e exercem

sobre nós um poder parental, numa sociedade organizada, onde é totalmente

natural e compreensível que existam conflitos de interesses, o Estado submete

o indivíduo à ação de um poder consagrado nas leis, a um conjunto de normas

coercivas. Se assim não fosse, muito provavelmente viveríamos numa anarquia.

Findo este raciocínio, esperamos ter clarificado a pertinência da reflexão

acerca da legitimidade da autoridade exercida pelo Estado, bem como alguns

conceitos e ideias essenciais para a compreensão integral deste mesmo tema.

2. Teses concorrentes

2.1 A legitimação da autoridade do Estado segundo Aristóteles

Na sua obra “Política”, Aristóteles definia o homem como animal político,

defendendo a ideia de que a verdadeira função do indivíduo consistia na

participação da vida prática política da polis (cidade organizada) e de que o

aparecimento do Estado deveu-se a uma tendência natural, como finalidade

natural do homem (teoria naturalista). Como ser vivo social que é, o homem

possui desejos e necessidades que só se satisfazem socialmente, tais como a

autopreservação, a segurança e a reprodução. Da família – forma de

organização elementar – às aldeias e das aldeias para a cidade-estado,

Aristóteles pressupõe uma evolução, um percurso evolutivo do ser humano.

Deste modo, enquanto a ética é a doutrina moral individual, destinando-

se ao indivíduo, a Política é a doutrina moral social, destinando-se à comunidade.

Surge-nos, assim, o Estado que, segundo a filosofia política aristotélica, é visto

como o ponto de partida para a realização do próprio indivíduo, uma vez que a

vida em comunidade é uma condição sine qua non à vida humana.

Para Aristóteles, apesar de existirem inúmeras diferenças dentro de uma

comunidade, ele afirmava que o Estado, funcionando como uma espécie de força

agregadora e estabilizadora da comunidade, possuía duas dimensões: a

amizade (laço orgânico) que, sendo uma das dimensões essenciais do núcleo

inicial da comunidade (a família), era a base da coesão social, da cooperação e

do empenhamento cívico na realização do bem comum; e a justiça (laço

funcional), constituindo a base do funcionamento harmonioso da cidade-estado.

Desta forma, a institucionalização do poder político (sob a forma de

Estado) exige a existência de poder, sendo que, segundo Aristóteles, o Estado

recebe o poder político dos cidadãos, visto que este era tido como o lugar ideal

de exercício de direitos e deveres do cidadão, assegurava as condições para o

aperfeiçoamento moral dos cidadãos e respondia à necessidade humana de

viver numa comunidade de forma dialógica, a única forma da sua realização.

Então, para Aristóteles, o que legitima a autoridade do Estado são,

fundamentalmente, as potencialidades oferecidas pela vida em comunidade

organizada.

2.2 A legitimação da autoridade do Estado segundo John Locke

A teoria contratualista de John Locke parte de uma ideia de um Estado

Natureza que tem de ser ultrapassado em prol dos direitos irrevogáveis.

Segundo Locke, a vida sem Estado seria a vida num Estado de Natureza,

isto é, uma situação (hipotética, que foi questionada por ele) onde os seres

humanos viveriam sem leis impostas e sem submissão a ninguém, regendo-se

apenas pela Lei Natural, que é o conjunto de leis estabelecidas por Deus e que

todos os seres humanos têm inscritas na sua consciência. Supostamente, nesse

estado de liberdade predominaria um estado de convivência pacífica, onde os

seres humanos eram livres e iguais, onde todos possuíam os mesmos direitos e

onde ninguém era superior a ninguém. Todos tinham direito à vida, à liberdade

e à propriedade (constituíam, segundo o que Locke defendia, os direitos

naturais). No entanto, segundo Locke, embora este estado se traduzisse num

estado de liberdade, tal facto não significava que se verificava ausência de leis,

pois todos os humanos deveriam reger-se pela Lei Natural, instituída por Deus.

Segundo essa lei, ninguém deve prejudicar a saúde, a liberdade e a propriedade

de outrem e todos os seres humanos devem preservar tanto a sua vida como a

dos outros.

Então, se no estado natureza os indivíduos são livres, por que razão

decidiram abdicar dessa liberdade e constituir a sociedade civil e o Estado?

John Locke defendia que, no estado natureza, não existia uma autoridade

que possuísse o poder de garantir o cumprimento da Lei Natural, nem existia

nenhuma autoridade com a função de julgar, com imparcialidade, os

transgressores. Para além disso, a produtividade resultante do trabalho e

empenho de cada um gerava, naturalmente, disparidades, acabando por levar

ao conflito. Desta forma, a partir do momento em que os interesses particulares

em torno da propriedade e da posse de bens se evidenciaram, os indivíduos

sentiram necessidade de assegurar os tais direitos naturais. Assim surgiu o

contrato social.

Ora, Locke definiu o contrato social como sendo um acordo realizado

entre indivíduos que livremente e por mútuo acordo prescindem da sua liberdade

natural para adquirirem liberdade civil, isto é, em troca de o Estado zelar pelo

cumprimento das leis e pela proteção dos direitos naturais. Deste modo, Locke

concebe o Estado como uma instituição à qual cabe exercer o poder por

delegação dos indivíduos constituídos em sociedade civil, sendo que a sua

finalidade compreenderia:

Zelar pelo respeito pela Lei Natural;

Repor a ordem e punir os infratores;

Fazer as leis necessárias para garantir a harmonia social e impor o seu

cumprimento;

Julgar e fazer reinar a justiça;

Assegurar a paz, a segurança e o bem comum.

Então, finalizando a exposição da sua teoria, Locke defende que a autoridade

do Estado só é legítima quando o poder exercido por este reflete aquilo que

decorre dos termos do contrato social, o que pressupõe o consentimento

coletivo. Caso os representantes desta instituição abusem do poder que lhes foi

atribuído com base na confiança, estes devem ser destituídos e, segundo Locke,

a rebelião (desobediência civil) justifica-se, bem como outras formas de

mobilização do povo que manifestem o seu descontentamento (como, por

exemplo, as manifestações).

2.3 Uma teoria da justiça de John Rawls

Para além de apresentar algumas das mais importantes teorias sobre a

legitimação da autoridade do Estado, também importa apresentar a teoria de

Rawls acerca da justiça, visto que, numa organização social, qual seria o sentido

da sua existência se esta não fosse justa? Deste modo, é extremamente

importante refletir sobre a importância da justiça numa organização social.

John Rawls apresenta uma conceção de justiça, partindo da ideia de um

contrato originário, na medida em que são os próprios indivíduos têm de definir

os princípios básicos que orientam o funcionamento da sociedade. Partindo

deste pressuposto, Rawls defende que só é possível construir uma sociedade

cujas instituições são justas se se partir de uma posição de imparcialidade –

posição original. Isto significa que, no momento de eleição dos princípios

básicos, os indivíduos que se encontram nessa posição devem desconhecer as

funções que irão desempenhar dentro da sociedade, bem como as

características e as condições em que viverão.

Então, à partida, ninguém sabe qual será a sua posição na sociedade,

assumindo um papel de ignorância. É nisto que consiste o véu de ignorância. Só

assim se assegura a escolha imparcial, racional e equitativa dos princípios que

irão garantir a organização e o funcionamento da sociedade.

Para além dessas condições, Rawls defende a existência de três

princípios fundamentais de uma sociedade justa:

Princípio da liberdade – visa garantir um conjunto de liberdades e direitos

fundamentais (como a liberdade de expressão).

Princípio da diferença – correção das desigualdades.

Princípio da igualdade de oportunidades – acesso equitativo aos bens

sociais.

Com estes dois últimos princípios, Rawls garante o reconhecimento das

diferenças existentes entre os indivíduos. Para ele, a distribuição de riqueza deve

ser equitativa, exceto se existirem desigualdades económicas e sociais. Nesse

caso, os mais desfavorecidos devem ser os mais auxiliados. Para além disso,

Rawls defende que não é justo que aqueles que possuem mais talentos naturais

sejam aqueles que tenham mais vantagens, a não ser que essas vantagens

revertam sempre a favor dos mais desfavorecidos. Desta forma, é necessário

dar oportunidade a todos de participarem em diferentes cargos e posições na

sociedade, sempre tendo em conta a especial situação dos menos favorecidos.

Em conclusão, para Rawls, só existe justiça social se existir equidade.

Cabe ao Estado intervir na redistribuição dos bens básicos, compensando as

desigualdades, transformando sociedades injustas em sociedades mais justas.

3. Tese a ser defendida

No nosso entender, a autoridade do Estado só é legítima quando este

resulta de um consentimento e acordo coletivos por parte da comunidade e

quando, no exercício do seu poder, tem sempre em vista o bem comum e a

justiça social, o que pressupõe um clima de equidade entre todos os cidadãos.

Por outras palavras, são os cidadãos que, em permanente “negociação”

e acordo, concretizam o Estado, visto que, para se atingir o bem comum, é

necessário adequar os direitos aos deveres. Por outro lado, pensamos que uma

sociedade que pretende alcançar o bem comum sem ter em conta a justiça social

é uma sociedade cuja ação não tem sentido. Isto significa que a ação das várias

instituições políticas, jurídicas e administrativas deve visar à equidade,

garantindo, assim, a minimização dos conflitos dentro da sociedade. Nesta ação

conjunta, as instituições também devem prestar atenção às condições de vida

específicas de cada indivíduo, adequando a distribuição dos bens essenciais

com base nessas mesmas especificidades.

Deste modo, verifica-se que a nossa teoria tem pontos essenciais comuns

com as teorias de John Locke e de John Rawls. Isto não quer dizer que

defendamos, integralmente, as teses destes dois filósofos. A nossa teoria

apenas apresenta algumas bases existentes nas duas teses suprarreferidas:

conjuga a ideia de Locke da existência de um consentimento coletivo por detrás

da formação do Estado e da legitimação da sua autoridade, com o ideal de justiça

social bem patente na tese de Rawls.

3.1 Reflexão e argumentos a favor da nossa tese

Nesta parte do trabalho, procederemos, então, à exposição dos

argumentos que sustentam a nossa tese.

Em primeiro lugar, para compreender a nossa tese, há que refletir sobre

o seguinte. A liberdade é um valor indiscutível de cada ser humano. Contudo, a

vida em sociedade impõe limites a esta liberdade, tendo de conciliar a minha

liberdade com a liberdade de outrem. É nisto que consiste ser cidadão: é

conviver com outros seres igualmente dotados de liberdade, com direitos e

deveres. Como cidadão, tenho de possuir um bom caráter relacional, assumir a

responsabilidade pelos meus atos, possuir uma identidade e apelar ao respeito,

tanto por mim como pelos outros.

Ora, são estes pressupostos que estão na base das relações

interpessoais. Só assim é possível a coexistência de liberdades. E o que a

garante? O Estado, conciliando o exercício do poder (que promove a justiça

social) com a liberdade individual, fazendo uso do Direito. Na base da criação do

Direito está a necessidade de compatibilizar a necessidade de viver em

sociedade com as exigências da vida coletiva. Só deste modo é que é possível

conceber a sociedade civil enquanto unidade de pessoas que pretendem

alcançar o bem comum e que consentem viver em conjunto através de leis.

Uma das principais finalidades do Estado é, então, a justiça, sendo esta

que confere forma e rigor ao Direito. Porém, não há Direito sem Estado, pois este

último é o seu agente, agindo em nome dele e dentro dos seus limites, a fim de

realizar a justiça. Desta forma, os conceitos de Estado, Direito e justiça surgem-

nos como conceitos indissociáveis. É por esta razão que a sociedade civil, tida

como comunidade organizada politicamente, visando a realização de valores e

fins comuns, exige a regulação do Direito e requer uma organização política,

representada pelo Estado, capaz de pôr em prática esse Direito, para poder

concretizar a justiça.

Defendemos então, em primeiro lugar, que a autoridade do Estado só é

legítima quando resulta de um consentimento e acordo coletivos.

Consentimentos unânimes e absolutos são escassos, mas ninguém pode negar

que o Estado é fundamental na regulação da vida em comunidade, visando

sempre a garantia da coexistência de liberdades.

Por natureza, o ser humano é um ser egoísta. No entanto, possui a

capacidade de dialogar, de consentir, de realizar acordos. Isto significa que

ambas as partes do acordo tentam que nenhuma delas fique a perder, pois

ninguém tenta chegar a um acordo para ficar a perder.

Desta forma, pensamos que, na tentativa de conciliar a necessidade de

viver em sociedade com as exigências da vida em comunidade, o Estado surgiu

de algo semelhante como o estabelecimento do contrato social defendido por

Locke. Deste modo, os cidadãos abdicaram da sua liberdade natural para

ganharem liberdade civil e verem protegidos os seus direitos fundamentais por

um órgão político, à partida, imparcial.

Por outro lado, defendemos que só é possível alcançar o bem comum

quando se tem em conta a justiça social que, para nós, tal como para Rawls,

assenta num pressuposto de equidade.

Uma das principais funções do Estado é garantir que as leis se cumpram

com coerência e retidão, com justiça. Todos nós esperamos do Estado uma ação

justa, de acordo com o Direito e esperamos das leis o reconhecimento de direitos

e deveres.

Ser justo implica igualdade de tratamento e consentir o direito à diferença,

pois este último é a expressão da liberdade. Apesar disso, o direito à igualdade

é-lhe anterior, visto que os direitos universais são mais importantes que os

individuais. Para a sociedade atual, o conceito de justiça não se esgota na

universalidade de igualdade perante a lei, pois a justiça deve ser equitativa, uma

vez que as leis não preveem certos casos específicos. Como a equidade

representa o equilíbrio entre a igualdade perante a lei e o reconhecimento do

direito à diferença, ser justo não é aplicar as mesmas leis a diferentes indivíduos.

Ser justo é garantir que o ideal de igualdade é respeitado, tendo sempre em

conta as especificidades de cada ser humano como indivíduo, pessoa e cidadão.

É por estas razões que também defendemos a essência da teoria sobre

a justiça social de John Rawls: a sua conceção de justiça.

E são estes os nossos argumentos que sustentam a tese de que a

autoridade do Estado só é legítima quando este resulta de um consentimento e

acordo coletivos por parte da comunidade e quando, no exercício do seu poder,

tem sempre em vista o bem comum e a justiça social, o que pressupõe um clima

de equidade entre todos os cidadãos. Para nós, o Estado é fruto dos valores,

dos ideais e da vontade do povo e, dessa forma, resulta de um acordo coletivo

e, para além disso, é inconcebível que um Estado injusto e parcial tenha qualquer

tipo de legitimidade para exercer autoridade sobre outrem.

3.2 Principais objeções à tese apresentada

Tentaremos responder a duas objeções que, no nosso entender, são as

mais pertinentes para a temática tratada pelo nosso problema.

1. Até onde vai autoridade legítima do Estado? Por exemplo, apresentando um

caso concreto da vida real, será que a espionagem feita a mando do Estado em

vários países é aceitável? Será que a violação da privacidade dos membros da

sociedade é compreensível?

2. Existirão formas de Estado mais justas que outras? Em qualquer dos casos,

como garantimos que o Estado não abusa do seu poder?

3.3 Resposta às objeções

Como resposta à primeira objeção, utilizaremos o exemplo apresentado

na questão.

A espionagem consiste na recolha e transmissão secretas de informação

de uma determinada entidade a outra entidade que, neste caso, seria o Estado.

É evidente que tal ato viola um dos direitos fundamentais de qualquer cidadão:

o direito à privacidade. Será que tal ato deveria ilegitimar a autoridade exercida

pelo Estado? Supondo que o Estado apenas pretende cumprir o seu papel e não

concretizar algo mais para além do poder que lhe foi delegado, a resposta é não.

Se olharmos para o mundo atual, verificamos que existem, apesar dos

esforços para os travar, atos de terrorismo impensáveis. Para o ser humano

comum, o valor da vida é prioritário em relação ao valor da privacidade, tendo

em conta a sua tábua de valores. Qualquer ameaça à vida de um cidadão é uma

ameaça ao Estado e este terá de mover esforços para se tentar suplantar em

relação a ela. E a espionagem surgiu como uma forma de resposta a essa

ameaça, para além de tentar suprimir muitas outras.

Então, respondendo concisamente à questão, a autoridade do Estado vai

até onde os valores que constam na tábua de valores de uma dada sociedade o

deixarem ir, visto que uma das suas finalidades é a proteção dos seus cidadãos

e garantir que se cumpra a justiça através dos meios que tiver disponíveis.

Contudo, é de realçar que o Estado deve reger-se segundo as leis que vigoram,

respeitando-as, e que nunca deve ultrapassar os limites da privacidade para

outros fins que não a proteção da comunidade.

Respondendo à segunda objeção, procederemos a uma pequena reflexão

inicial acerca do problema abordado e, seguidamente, tentaremos responder da

melhor forma possível.

Atualmente, vivemos na era da globalização. Os meios de comunicação

social, as redes móveis e a Internet (para além dos fluxos migratórios) têm

desempenhado um papel crucial no que respeita ao intercâmbio cultural. É

evidente, então, que tudo isto tem contribuído para a formação dos indivíduos,

condicionando os seus valores e atitudes.

Ora, como tal, existe uma progressiva homogeneização cultural: vivemos

numa economia à escala planetária e existem organizações com o poder de

tomar decisões que afetam, direta ou indiretamente, os Estados de algumas

nações.

Como é natural, em todo o mundo, existem Estados e Estados, diferentes

regimes políticos. Isto tem a ver com a História de cada nação, efetivamente. O

nosso objetivo neste ensaio não é discutir se um determinado regime político é

melhor que outro, não. Mas, o que é facto é que a globalização teve, e está a ter,

um papel preponderante na transformação e na reinvenção de alguns Estados,

verificando-se que alguns dos Estados mais influentes no mundo optaram pelas

democracias. Será essa a forma de Estado mais justa? Quem sabe, com o

evoluir da mentalidade da sociedade civil, poderão ser criadas outras formas de

Estado completamente diferentes das que hoje concebemos como mais justas.

No entanto, pelos vistos, a democracia é tida hoje como o regime político que

melhor responde à necessidade de o povo manifestar a sua opinião em relação

às personalidades que devem assumir o comando do Estado. No nosso

entender, é essencial que a ação do Estado reflita os ideais, os valores e os

projetos do seu povo. Ainda poderiam objetar dizendo que nem todos os

cidadãos votam, e existem aqueles que votam contra as personalidades que

acabam por assumir o poder, mas, o que é facto é que o Estado governa sobre

todos os seus cidadãos. Realmente, ninguém pode negar tal facto, mas a

Política, como atividade dialógica que é, dá sempre espaço às novas ideias,

mesmo aquelas que são apoiadas pela minoria. Portanto, mesmo aqueles que

possuem menor expressão e força política, nunca são esquecidos, pois todas as

opiniões contam.

Em relação à segunda parte da objeção, pensamos que, um abuso de

poder por parte do Estado deixado passar impune seria algo gravíssimo, uma

vez que colocaria uma série de pressupostos em causa e, mais importante que

tudo, atraiçoaria a confiança de qualquer povo.

Foi devido à globalização que, nos finais do séc. XX, surgiu um novo

critério para avaliar a legitimidade do Estado: o respeito pelos Direitos Universais

do Homem. Consequentemente, foram criados um vasto número de

organizações internacionais (como o Tribunal Penal Internacional, com sede em

Haia) para avaliar, ter em atenção e até mesmo julgar a ação realizada pelos

vários Estados no mundo.

Foi esta limitação da soberania nacional e o aparecimento destes novos

organismos internacionais que permitiram, e que permitem, que os abusos de

poder tendam a desaparecer e que o respeito pelos Direitos Universais do

Homem seja cada vez maior, uma vez que, caso haja alguma ação que seja no

sentido de ir contra os ideais e os valores de um povo, o Estado em causa é alvo

de ações internacionais, como campanhas internacionais de denúncia que

afetam profundamente a sua imagem no mundo, mas também as relações que

mantém com outros Estados.

4. Conclusão

Concluindo este ensaio, defendemos, então, que a autoridade do Estado

só é legítima quando este resulta de um consentimento coletivo e quando a sua

ação visa o bem comum e a justiça social, visto que delegar o poder a um Estado

injusto não faz qualquer sentido. Então, assim, na nossa tese também está

implícita a ideia de equidade. Desta forma, a nossa tese apresenta pontos

comuns com algumas das ideias patentes nas teses de John Locke e de John

Rawls. No entanto, volto a realçar que tal facto não significa que defendamos as

duas teses integralmente: significa sim, antes de mais, que estamos de acordo

com alguns dos ideais defendidos pelas duas teses, tal como foi explicitado

anteriormente.

Quanto aos pontos fracos, reconhecemos, naturalmente, algumas falhas

na nossa tese. Uma delas é o facto de não se pronunciar em relação à

desobediência civil: será legítima? Em que casos? Estará relacionada com

algum regime político específico?

No nosso entender, esta questão daria lugar à realização de outro ensaio

argumentativo e, como o nosso objetivo não é envolvermo-nos demasiado com

as questões mais restritas do problema levantado, mas sim analisarmos o

problema no seu todo e apresentarmos a nossa opinião em relação ao que

legitima a autoridade exercida pelo Estado, decidimos não abordar essa questão

de forma muito concreta, pois, ao fazer isso, na nossa opinião, estaríamos a

desviarmo-nos da essência do ensaio.

Finalmente, destacaríamos a importância de refletirmos acerca deste

problema e do facto de este nos levar a pensar acerca de outras questões, tais

como ”Por que razão é necessária a existência do Estado?”, questão essa que

abordámos na introdução. Deste modo, esperamos ter clarificado algumas ideias

e conceitos, ter apresentado e defendido a nossa tese da forma mais completa

possível e fazer com que se refletisse acerca deste e de outros problemas

relacionados, visto que a Filosofia se destaca pela eterna busca da sabedoria,

como já afirmava Aristóteles: “A dúvida é o início da sabedoria…”.

5. Lista de referências bibliográficas

Alves, F., Arêdes, J., & Carvalho, J. (2012). Pensar Azul. In F. Alves, J. Arêdes,

& J. Carvalho, Pensar Azul (pp. 82-83; 132-171). Lisboa: Texto Editores.

Alves, M. (11 de abril de 2010). Será a Autoridade do Estado legítima? Obtido

em 30 de dezembro de 2013, de

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Didáctica Editora. (2003-2012). Trabalhos de estudantes. Obtido em 29 de

dezembro de 2013, de A Arte de Pensar:

http://www.aartedepensar.com/trabalhos.html

Fontes, C. (s.d.). Justificação e legitimidade do Estado e dos Governos. Obtido

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Fontes, C. (s.d.). Legitimidade do Estado e dos Governos. Obtido em 30 de

dezembro de 2013, de Navegando na Filosofia - Carlos Fontes:

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Porto Editora. (2011). Guia de Estudo - Filosofia 10º. In M. Paiva, & J. F.

Borges, Guia de Estudo - Filosofia 10º (pp. 60-65). Porto: Porto Editora.