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Serás pobre por Sandra Monteiro [*] Trabalhes ou estejas desempregado, serás pobre. É esta a mensagem subjacente às transformações que estão a ser feitas, em simultâneo, no mundo do trabalho e na protecção social no desemprego. É esta a sociedade de pobreza, com mais pobres e maior intensidade de pobreza, que está a ser construída de forma estrutural, porque o que se passa ao nível das remunerações salariais e da protecção social tem efeitos sobre todo o edifício económico, social e político. Uma sociedade que era já das mais desiguais antes da crise está a tornarse mais desigual ainda. Portugal caracterizase há muito por níveis salariais extremamente baixos quando comparados com a média europeia. Mas a "desvalorização interna" dos últimos anos mostra que termos salários que são pouco mais de metade da média dos salários na União Europeia (56,4%) não é ainda suficiente nesta corrida para o abismo do trabalho (quase) escravo. Nos últimos anos, além dos cortes salariais no sector público (26%) e no sector privado (13%), registouse uma acentuada quebra dos salários nos novos contratos e nos contratos a termo (e mais no trabalho feminino do que no masculino). Assim, entre 2012 e 2013, " verificouse uma travagem a fundo e os salários recuaram 1,9%, correspondendo agora a uma média de 808 euros mensais líquidos" ; e os trabalhadores que sofreram um corte maior,

Serás Pobre

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por Sandra Monteiro

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  • 15/06/2015 Serspobre

    http://resistir.info/portugal/seras_pobre_10mai15.html 1/4

    SerspobreporSandraMonteiro[*]

    Trabalhesou estejas

    desempregado, sers pobre. esta a mensagem subjacente stransformaes que esto a ser feitas, em simultneo, no mundo dotrabalho e na proteco social no desemprego. esta a sociedade depobreza,commaispobresemaior intensidadedepobreza,queestaserconstruda de forma estrutural, porque o que se passa ao nvel dasremuneraes salariais e da proteco social tem efeitos sobre todo oedifcio econmico, social e poltico. Uma sociedade que era j dasmaisdesiguaisantesdacriseestatornarsemaisdesigualainda.

    Portugal caracterizase hmuito por nveis salariais extremamentebaixosquandocomparadoscomamdiaeuropeia.Masa"desvalorizaointerna"dos ltimos anos mostra que termos salrios que so pouco mais demetade da mdia dos salrios na Unio Europeia (56,4%) no aindasuficiente nesta corrida para o abismo do trabalho (quase) escravo. Nosltimosanos,almdoscortessalariaisnosectorpblico(26%)enosectorprivado (13%), registouseumaacentuadaquebrados salriosnosnovoscontratosenoscontratosa termo(emaisno trabalho femininodoquenomasculino).Assim,entre2012e2013,"verificouseumatravagemafundoeossalrios recuaram1,9%,correspondendoagoraaumamdiade808eurosmensaislquidos"eostrabalhadoresquesofreramumcortemaior,

  • 15/06/2015 Serspobre

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    de6%noltimotrimestrede2013,foramosdiplomadosdoensinosuperior,apesardecontinuaremater,emmdia,salriosmaiselevados[1].

    A confirmar esta percepode queos novos empregos criados socadavez mais trabalhos de misria est a informao recente de que "oscontratosdetrabalhofeitosdeOutubrode2013paracequeaindaestoemvigorapontamparaumsalriobasedecercade581eurosbrutosporms" [2] . Isto , os novos salrios tendem a aproximarse do salriomnimonacional,aindaagoraaumentadoparaos505eurosmensais.

    Aconstruodestapobrezalaboral,quenoumacaractersticanacionalmasneoliberal,assentaemvriosfactores,daemigraoforada(superiora400milpessoas)svriasformasdedesregulaodoemprego.Nestasformas incluemse as deslocalizaes, a precariedade, o trabalhotemporrio e a tempo parcial, os estgios remunerados com fundoscomunitrios ou pblicos, sem perspectivas de insero no mercado detrabalho, ou ainda o (auto)emprego atravs da criao de empresas dedesespero,asquais,mascaradasporumaretricade"empreendedorismoindividual",soemgeralumaviaparaosobreendividamentopessoal.

    esteadmirvelmundonovodaemigrao,daprecariedade,dobiscate,doestgioperptuoedoendividamentoparapodertrabalharquefacilitaaaceitao de remuneraes cada vez mais miserveis. O exrcito dereservadosdesempregadoshojeinseparveldoexrcitodereservadostrabalhadores pobres e das remuneraes baixas. As estatsticas queusmosdurantedcadasterodesermuitoafinadasparatraduzirembemasnovasrealidadesqueaspolticassociaisedeempregodevemcombater.

    Quando organismos como o Instituto Nacional de Estatstica (INE)apresentamosdadosdodesemprego(13,7%noprimeirotrimestrede2015)causamentreoscidadosumacertaambivalncia.Porque,sendojdesielevadssimos, percebese que no contam com realidades bemconhecidas: os que j desesperam das grilhetas da apresentaoquinzenalnoCentrodeEmprego,deondenovemqualquer trabalhoosque emigrarame continuama pensar voltarmal arranjem trabalho c osque trabalhammuitomenoshoras (e semanas, emeses) do que estodisponveisparatrabalharetc.

    porissoimportantesurgiremestudosqueajudemacompreendermelhora realidade.Exemplodissooestudodo"BarmetrodasCrise",ondeseafirma que, "tendo em conta as diversas formas de desemprego, osubemprego e estimativas prudentes sobre a situao laboral dos novosemigrantes, a taxa real de desemprego poderia situarse, no segundosemestrede2014,em29%dapopulaoativa" [3] .De facto, nososnmerosdacriaodeempregosofrancamentedecepcionantes(poucoemau emprego), como os nveis do desemprego, em vez de descerem

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    substancialmente, mantmse perigosamente estveis a nveis muitoelevados(muitoemaudesemprego).

    Regressemos ideia de que as polticas actuais generalizam a pobreza,tantodequemtrabalhacomodequemestdesempregado,porviadeumaactuao simultnea no mundo do trabalho e na proteco social nodesemprego.Seexistealgumaracionalidadeindividualquenocolectiva em aceitar trabalhos miserveis (" melhor que nada"), justamenteporque esse "nada" foi fabricado, a montante, nas polticas sociais, pelacrescente desproteco social, desde logo no subsdio de desemprego edemaisprestaes,aindaparamaisnumquadrodepermannciadenveismuitoelevadosdedesempregodelongadurao.

    esteopapelpolticodadesprotecosocialdosdesempregados.Quandotemos, segundo dados do Instituto do Emprego e Formao Profissional(IEFP), menos 100 mil empregos protegidos entre Dezembro de 2012 eDezembrode2014,equandochegamosataxasdeabsolutadesproteco(semsubsdiodedesemprego,nemsubsdiosocialdedesemprego inicial,nem subsdio social de desemprego subsequente) de quase metade dosdesempregados"oficialmente" registados (46%nosegundo trimestre,49%noquartotrimestrede2014)[4],compreendemosqueumdospilaresdoEstadosocialqueestaserdestrudo.Qual?Odireitoprotecosocialno desemprego, condio fundamental para a igualdade de direitos e deoportunidades, direito que combate a pobreza protegendo todos ostrabalhadoreseaprpriaSeguranaSocial,aoimpediroabaixamentodascontribuiesgeraispelaaceitaodequaisquernveisremuneratrios.

    Aindaparamais,aoutraprestaosocialorendimentosocialdeinsero(RSI), no criado especificamente para os desempregados e dependendoapenasdafaltaderendimentosquepoderiaaliviardramticassituaesdepobreza,notemacompanhadoasnecessidadesdecorrentesdacriseedeixacrescentementesemprotecodesempregadosque jesgotaramaduraodosubsdio.aquiqueimportamexer,comcarcterdeurgncia,paraqueoEstadosocialgarantanveisdignosdeprotecosocial.

    Se nem para defender o Estado social se conseguir implantar polticasrobustas, como escolher pelo menos um dos outros vrtices (o TratadoOramentalouadvidapblicaactual)do"tringulodasimpossibilidadesdapolticaoramental",na expresso do economistaRicardoPaesMamede,de cujo cumprimento ter de se abdicar para ser possvel reverter aausteridadeeoempobrecimento?

    10/Maio/2015

    [1]RaquelMartins,"Licenciadossofreramamaiorquedanossalriosem2013",Pblico,8deFevereirode2014.[2]CatarinaAlmeidaPereira,"Empresasestoacontratarcomsalriobasede581euros",JornaldeNegcios,26deMarode2015.

  • 15/06/2015 Serspobre

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    [3]"BarmetrodasCrisesn.13",26deMarode2015,www.ces.uc.pt/...[4]OsnmerosaquireferidosforamcompiladospelojornalistaJooRamosdeAlmeida,aquemagradeo.

    [*]Economista.

    Ooriginalencontraseempt.mondediplo.com/spip.php?article1057

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