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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO SÉRGIO AGUIAR MONTALVÃO O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS

EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SÉRGIO AGUIAR MONTALVÃO

O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O

IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO

Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos

SÃO PAULO 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS

EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O

IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO

Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos

Sérgio Aguiar Montalvão

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião para a área de concentração Fundamentos das Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. João Décio Passos

SÃO PAULO 2015

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Montalvão, Sérgio Aguiar. O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-

EXÍLICO – Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos /

Sérgio Aguiar Montalvão. – São Paulo, SP: [s.n.], 2015.

Orientador: Prof. Dr. João Décio Passos.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bibliografia. 219 f.

1. Primeiro Templo. 2. Jerusalém. 3. História Antiga. 4. Idade do

Bronze e do Ferro. 5. Período Neobabilônico. 6. Período Persa. I. Passos, João Décio. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Banca Examinadora:

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À minha mãe e aos meus amigos...

companheiros de todas as horas...

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Em memória e honra do grande e generoso intelectual

Prof. Dr. Milton Schwantes

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. João Décio Passos pela orientação durante a tese de doutorado,

pela instrução à monitoria e pelo ensino à condução das aulas de Introdução ao

Pensamento Teológico para os cursos de graduação da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo.

Ao Prof. Dr. José Queiróz, braço amigo de todas as etapas desta pesquisa.

Ao Prof. Dr. Pedro Lima Vasconcelos, grande colaborador da minha tese e do

meu ingresso no programa de doutorado em Ciências da Religião da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, o qual neste momento encontra-se em uma

encruzilhada na sua vida, e se espera que, em algum momento, a luz brilhe em seu

caminho.

Ao Prof. Dr. Milton Schwantes (in memorian), por me transmitir a confiança

necessária para prosseguir no strito sensu na área de Bíblia Hebraica.

Ao Prof. Dr. Fernando Torres Lodoño e ao Prof. Dr. João Edênio, pela

contribuição e pelo estímulo na ingressão no curso de doutorado na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

Ao departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica

por no momento de fato me darem novas esperanças na continuidade da minha

pesquisa e da minha vida acadêmica.

Ao Prof. Dr. Silas Guerriero e à Profª Drª Maria José Rosado pelas valiosas

informações que contribuíram para a realização deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Matthias Grenzer e à Profª Drª Maria Antônia Marques por darem

novo rumo à minha tese de doutorado, a qual, se fosse analisada por mãos erradas, já

ao ser defendida estaria ultrapassada e defasada.

Especificamente ao departamento financiador da CAPES-PROSUP pela minha

bolsa integral de estudos, que fundamentalmente mudou a minha vida e o meu modo

de pensar.

À minha mãe, por tudo que ela tem feito por mim até hoje, pelo seu carinho,

confiança e motivação.

Aos verdadeiros amigos, colegas e fãs da minha pesquisa, pela força e pela

vibração em relação a esta jornada.

Aos professores do Departamento de Ciências da Religião e aos colegas de

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curso strito sensu e de disciplinas das Ciências da Religião da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, pois juntos trilhamos uma etapa importante de nossas vidas.

À secretária do Departamento de pós-graduação em Ciências da Religião,

Andréia Bisuli de Souza, pelo incentivo à minha tese, pelo árduo trabalho e pela

paciência na organização burocrática em geral.

Aos bibliotecários, pela concessão de informações valiosas para a realização

deste estudo.

A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização

deste trabalho.

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“Mais vale um burro vivo do que um doutor morto”

Provérbio Italiano

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MONTALVÃO, Sérgio Aguiar. O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM

SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO – Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos, 2015. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO

A presente tese de doutorado visa apresentar o que veio a ser construído através

do imaginário sobre o “Primeiro Templo” de Salomão, o qual muitas pessoas ainda

acreditam nos dias de hoje que seja factual. Entretanto, o Templo, conforme o

apresentado na Bíblia Hebraica, jamais existiu, pois não passava de um anexo do

palácio do rei; tão pouco são factuais os mitos que circulam em torno dos reis Davi e

Salomão, que não foram tão grandiosos quanto a Bíblia Hebraica aponta. Apesar

disso, em dois momentos da História de Judá, na Revolução Deuteronomista e no

Retorno do Cativeiro, o Templo teve uma função centralizadora e necessitava de

diversos mitos fundantes para ser legitimado. Com tais mitos, o povo que estava

próximo ao Templo sentia-se mais parte da “Casa de Yahweh” por acreditar fazer

parte de um plano estabelecido pelo “Criador do Universo” e todas as histórias

inventadas e elaboradas pelo Deuteronomista e pelo Sacerdotal lhes davam maior

alegria e esperança. O que houve, de fato, foi a legitimação do poder do rei, no

contexto da Reforma Deuteronomista, e do poder do Sacerdote, no retorno do

Cativeiro, no começo do Período Persa. No pós-exílio, por ser um período mais

recente, encontra-se maior quantidade de elementos que caracterizam o estímulo do

imaginário popular sobre o “Primeiro Templo” do que no período da Reforma

Deuteronomista, apesar deste último ser um período de prosperidade para o Reino de

Judá.

Palavras-chave: Primeiro Templo; Jerusalém; História Antiga; Idade do

Bronze e do Ferro; Período Neobabilônico; Período Persa.

E-mail: [email protected]

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MONTALVÃO, Sérgio Aguiar. O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM

SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO – Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos, 2015. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

ABSTRACT

This doctoral thesis aims to present what came to be built through the

“Solomon’s First Temple” Imaginary, which many people still believe in the

nowadays that it is factual. However, the Temple as presented in the Hebrew Bible

never existed, because no more than an annex king’s palace; it’s also not factual the

myths circulating the kings David and Solomon, which were not as grand as the

Hebrew Bible points. Nevertheless, on two occasions in the history of Judah, the

Deuteronomist Revolution and the Return of the Captivity, the Temple had a

centralizating function and required many founding myths to legitimize it. With such

myths, the people who were near the Temple felt more part of the “House of Yahweh”

for believing participate of a plan established by the “Creator of the Universe” and all

the stories invented and developed by the Deuteronomist and the Priestly gave them

greatest joy and hope. What happened in fact was the king’s power legitimacy in the

context of Deuteronomist Reform and the priest’s power in the return of the Captivity

in the early Persian period. As for the post-exile, for being a more recent period, is

greater amount of elements that characterize the stimulation of popular imaginary

regarding the “First Temple” than in the period of the Deuteronomist Reform, despite

the latter being period of prosperity for the Kingdom of Judah.

Keywords: First Temple; Jerusalem; Ancient History; Bronze and Iron Age;

Neo-Babylonian Period; Persian Period.

E-mail: [email protected]

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ÍNDICE

Introdução ...................................................................................................................................... 14

Capitulo I – A Questão Deuteronomista........................................................................................ 23

1. O Desenvolvimento da Hipótese Documental Clássica ........................................................ 26

1.1 Os Primeiros Trabalhos Críticos ................................................................................. 27

1.2 Os Movimentos das Ideias do Século XIX ................................................................. 31

1.3 Os Estudos de De Wette .............................................................................................. 34

1.4 O Desenvolvimento dos Estudos de De Wette e seus continuadores ......................... 36

1.5 A Hipótese em Matéria de Fato e os estudos de Wellhausen ...................................... 38

2. Origens da Teoria Deuteronomista .................................................................................... 45

2.1 A História Deuteronomista nos Livros de Reis ............................................................... 49

2.2 A Questão da Coerência da Redação dos Livros de Deuteronômio a Reis ..................... 54

2.3 A Discussão mais Recente do Estudo da Fonte Deuteronomista .................................... 60

2.4 Definição dos Autores “Deuteronomistas” ...................................................................... 63

2.5 A Escola Deuteronomista: “Encontro do Livro” e Reforma Cúltica............................... 69

Capítulo II – O Senso Crítico sobre o Primeiro Templo ............................................................... 77

1. O Senso Comum sobre o Primeiro Templo ....................................................................... 78

2. História Deuteronomista e Historiografia ......................................................................... 80

3. Perspectiva Literária de Mario Liverani ........................................................................... 82

3.1 A Fundação Mítica: A Unidade como Arquétipo ............................................................ 83

3.2 A Continuidade Dinástica e a História da Sucessão ........................................................ 87

3.3 Sabedoria e Justiça ........................................................................................................... 90

3.4 Do Messianismo Régio ao Messianismo Escatológico ................................................... 93

4. Perspectiva Arqueológica de Finkelstein e Silberman ..................................................... 98

4.1 As “Memórias de uma Era de Ouro” ............................................................................... 99

4.2 A Formação Ideológica da Dinastia Real para Israel .................................................... 101

4.3 Uma Nova Perspectiva sobre o Reino de Davi.............................................................. 105

4.4 As “Conquistas de Davi” ............................................................................................... 108

4.5 O “Legado de Davi” ...................................................................................................... 109

Capítulo III – Teorias sobre o Primeiro Templo ......................................................................... 115

1. Teoria de Finkelstein e Silberman ................................................................................... 117

1.1 Os Mitos de Davi e de Salomão em Face ao Primeiro Templo ..................................... 118

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1.2 Em Busca da Jerusalém do Templo ............................................................................... 121

1.3 Os Estábulos, Cidades e Portões do Rei Salomão ......................................................... 123

1.4 A Questão das Datas ...................................................................................................... 127

2. Teoria de Mario Liverani.................................................................................................. 129

2.1 Templos do Território de Israel e Templos Babilônicos ............................................... 130

2.2 O Mito do “Primeiro Templo” ....................................................................................... 133

3. Discussão das teorias sobre o Templo monárquico ........................................................ 138

Capítulo IV – Balanço Crítico ..................................................................................................... 140

1. Os Autores Trabalhados ................................................................................................... 141

2. A Elaboração da Tese ........................................................................................................ 143

3. As Origens dos Reinos de Israel e de Judá ...................................................................... 144

4. A Figura do Rei Davi ......................................................................................................... 144

5. A Estruturação do Poder através da Literatura............................................................. 147

6. A Estruturação Ideológica da História de Israel e o Deuteronomista .......................... 147

7. A Arca da Aliança.............................................................................................................. 148

8. A Estruturação da Ideologia do Templo no Pós-Exílio .................................................. 149

9. Como a História do Templo deve ser contada ................................................................ 150

Capítulo V – Relevância da Memória do Primeiro Templo ........................................................ 157

1. O Programa Ideológico do Hexateuco ............................................................................. 158

2. O Programa Ideológico do Pentateuco ............................................................................ 164

3. A Teoria de Burger-Temple-Gescinde e o Pentateuco ..................................................... 167

4. O Imaginário Radical ........................................................................................................ 170

5. A Estrutura do Primeiro Templo a partir do Imaginário Instituído ............................ 173

6. A Função do Imaginário do Primeiro Templo ................................................................ 186

Conclusão .................................................................................................................................... 197

Referências .................................................................................................................................. 204

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Introdução

Na presente pesquisa será estudada a questão do imaginário do Primeiro Templo de

Jerusalém no Pós-Exílio. O motivo para a escolha do estudo do Templo cuja construção é

atribuída a Salomão em Jerusalém, de acordo com o Imaginário Pós-Exílico, é o fato curioso de

boa parte dos seminários de Teologia contemporâneos ainda ensinarem o Templo pré-exílico de

acordo com o imaginário bíblico da construção do rei Salomão como fato histórico, sem

questionamento algum. Isso, por um lado, é uma defazagem teórica, pois os Estudos Bíblicos

contemporâneos já não defendem a hipótese de um Templo considerado original construído por

Salomão, pois os dados que se tem de medida do referido Templo são do Segundo Templo, e

originalmente, se houve um Templo em Jerusalém, não era tão grande quanto o apresentado na

Bíblia Hebraica. Por outro lado, há diversos elementos dos estudos bíblicos, tais como o estudo

da Teoria das Fontes de Julius Wellhausen, que por sua vez passou por diversas revisões desde o

século XIX até os dias de hoje, ao ponto de questionarem as fontes Javista e Eloísta e ao mesmo

tempo acompanharem os estudos contemporâneos de crítica literária e de arqueologia, que por

sua vez precisa ser ensinado de forma integral para não confundir os estudantes de teologia, pois

já é um choque para muitos deles saírem bruscamente da crença religiosa para o estudo material,

e não se pode avançar com tais alunos para não lhes trazer grandes problemas psicológicos.

Para que houvesse uma construção do imaginário do Templo Salomônico, houve dois

momentos na história de Judá: o primeiro, durante a reforma josiânica de aproximadamente 622

a.C., e o segundo, após o retorno do exílio na Babilônia em aproximadamente 457 a.C., que

foram apoiados pela propaganda literária dos escribas de sua época (o deuteronomista por volta

de 622 a.C. e o sacerdotal por volta de 457 a.C.).

Tal literatura teve o propósito de legitimar o Templo, Jerusalém e Judá como os centros

políticos e religiosos; ela, porém, produziu orgulho naqueles que estavam em volta do Templo.

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Conforme o conceito de imaginário radical apresentado por Cornelius Castoriadis, pode-se

afirmar que não apenas os escribas tiveram enorme função na aceitação do Templo como

elemento central do povo de Judá, mas também o próprio povo que veio a aceitar tal divulgação.

Os escribas estavam imbuídos pela sua função de ensinar ao povo sobre os seus símbolos, assim

como o povo estava disposto a aceitá-los para a manutenção da sua própria identidade.

Dessa forma, cada indivíduo do povo de Judá, ou da Judeia, envolvido pelo ensinamento

dos escribas e pela crença de seus compatriotas, veio a firmar a sua identidade baseada na crença

dos mitos fundantes que sustentam a existência do Templo em sua ancestralidade epônima do

Templo considerado original construído por Salomão. Mesmo que os dados arqueológicos

desacreditem a existência factual do Templo monárquico de Judá, para o povo de Judá e da

Judeia em sua época, o Templo de Salomão de fato existiu e corresponde a uma vivência

legitimada por eles e pela sua identidade como povo.

De acordo com alguns autores, originalmente, não existiu um Templo pré-exílico conforme

a magnitude dos relatos bíblicos. Na perspectiva de Mario Liverani1, até pode ter havido a

construção de um Templo, mas não de acordo com o que é apresentado no 1º Livro de Reis.

Filkenstein e Silberman2 concluem pelos dados arqueológicos e históricos que a existência dos

reis Davi e Salomão não se deu de acordo com os relatos bíblicos, chegando a consequente não

existência de um Templo imenso construído na época, o que poderia produzir interferência

naquele ambiente, e não produziu, pois os povos cananeus, de acordo com as pesquisas dos

autores, ainda continuaram a viver suas vidas sem serem afetados pelo “Grande Império Israelita

da Bíblia Hebraica”.

Por um lado, Jean Louis Ska3, mediante teoria de Burger-Temple-Gescinde, aponta para o

apoio dos dominantes persas na manutenção ideológica do “Segundo Templo” (aproximadamente

no ano de 457 a.C.) com lendas e tradições que afirmam um “Primeiro Templo”. Mas, por outro

lado, Mario Liverani4 e Thomas Romer5 ressaltam as narrativas de Salomão como o grande

construtor do Templo datadas por volta dos séculos VII e V a.C., que podem ser anteriores ao

exílio. Devido ao conhecido, são levantadas duas questões:

1 LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, pp. 393-403. 2 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003, pp. 180-185. 3 SKA, J.L. Introdução à leitura do Pentateuco. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 241-242. 4 LIVERANI, M. op. cit., pp. 393-403. 5 RÖMER, T. A chamada história deuteronomista: Introdução sociológica, histórica e literária. Petrópolis: Vozes, 2008, pp. 100-105.

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1º) Se os escritos referentes ao rei Salomão como o grande construtor do Templo são

datados conforme Liverani e Romer, por volta dos séculos VII e V a.C., como se deu a

legitimação do Templo como pós-exílica? Ela pode ter sido anterior ao exílio? Ou pode ter

tomado parte da Reforma Deuteronomista de Josias?

2º) Há um relato de Neemias 8,8 no qual Esdras promove uma leitura na pública que foi

“traduzida”. De acordo com Chaim Rabin6, há duas interpretações: a leitura pública teria sido

feita em aramaico para agradar aos persas, pois a língua franca do Império Persa era o aramaico;

ou os exilados não poderiam compreender o hebraico lido da leitura pública. A questão é se tal

relato bíblico é verdadeiro ou inventado, e qual era de fato a língua falada pelos exilados após

retornar da Babilônia, se era o hebraico ou o aramaico. Acreditava-se que o hebraico havia

perdido a sua força como língua falada coloquialmente neste contexto, mas se isso for verdade, o

trabalho de legitimação da ideologia do Templo poderia ter sido maior do que o imaginado.

Referente à questão da divulgação pós-exílica da ideologia do templo, a princípio optar-se-

á pela leitura dos textos em aramaico, se o relato de Neemias 8,8 for verdadeiro, pois Jean Louis

Ska também aponta para um apoio do império persa para a divulgação da ideologia do Templo.

Quanto à utilização dos textos de Salomão datados por volta dos séculos VII e V a.C. para a

ideologia do Templo, pode-se levantar a hipótese de eles terem sido utilizados durante a reforma

de Josias (por volta de 622 a.C.). Entretanto, de acordo com Filkenstein e Silberman7, houve de

fato uma reforma de Josias, mas conforme os dados arqueológicos, não nas dimensões radicais

dos relatos bíblicos, pois foram encontradas imagens da deusa Asherah datadas do seu reinado,

por volta do século VI a.C. Portanto, não se deve abandonar a hipótese da legitimação da

construção do Templo pelo rei Salomão durante a reforma deuteronomista ou josiânica, sendo os

mesmos textos utilizados novamente na construção do “Segundo Templo” para nova legitimação

do referido.

A tese a ser defendida é que para legitimar a existência do Templo houve a elaboração da

literatura deuteronomista durante a reforma de Josias, que ocorreu por volta de 622 a.C., e da

fonte sacerdotal no retorno do exílio durante o período de Esdras, por volta de 457 a.C. As fontes

conhecidas, a deuteronomista e a sacerdotal, serviram como instrumento de centralização do

Templo, e todas as elaborações literárias relacionadas ao “Primeiro Templo” criadas por ambas

6 RABIN, C. Pequena história da língua hebraica. São Paulo: Summus, 1973, p. 47. 7 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 180-185.

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as fontes serviram para legitimar e centralizar o “Primeiro Templo” e o “Segundo Templo com

histórias do Primeiro” como objetos de vontade divina e inquestionável. Como todos os Estados

precisam de uma capital, a legitimação do Templo através das fontes deuteronomista e sacerdotal

também serviu para legitimar a cidade de Jerusalém como capital, e cidade principal de Judá, no

período de Josias e no período do Exílio.

No Templo Monárquico de Judá, as três teorias utilizadas serão a de Mário Liverani8, a de

Israel Filkenstein, com seu parceiro de livro Neil Asher Silberman9, e de Burger-Temple-

Gescinde apresentada por Jean Louis Ska10.

Mario Liverani11 questiona a dimensão do Templo pré-exílico de Jerusalém apresentada na

Bíblia Hebraica. Em sua perspectiva, ele acredita de fato que houve uma construção do Templo

monárquico do Reino de Judá, mas nas condições de época, e não como uma obra magnífica de

acordo com o relato bíblico, até mesmo a destruição do referido Templo cuja construção é

atribuída a Salomão datada por volta de 586 a.C., que se limitava a saques e incêndios, pois um

Templo da magnitude apontada da Bíblia Hebraica não seria destruído tão facilmente conforme

os relatos das Escrituras Sagradas. Desta forma, o autor conclui que o Templo pré-exílico de

Jerusalém apresentado na Bíblia Hebraica foi baseado nos templos da Babilônia das cidades de

Borsipa, Nippur e Uruk que eram organizações bem complexas, dotadas de um poder econômico

e político relevante, com estruturas arquitetônicas imponentes, e o palácio real, cujo templo era

anexo conforme relata a Bíblia Hebraica, é um projeto de palácio em estilo persa, com data entre

os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e Persépolis.

Filkenstein e Silberman12 se baseiam absolutamente nas provas arqueológicas e históricas,

pois para eles é questionável a existência dos reis Davi e Salomão por eles não serem citados nas

fontes egípcias e mesopotâmicas, ainda que levem em conta a possibilidade de tal ausência de

citações ocorrer devido à decadência das civilizações egípcia e mesopotâmica. Ressaltam, porém,

que nos dados arqueológicos não há evidência para as conquistas de Davi ou para o seu império;

nos vales, a cultura canaanita se mantém, ininterrupta, e sobre as construções salomônicas, não há

sinal de arquitetura monumental ou cidade importante em Jerusalém, ou de construções em larga

8 LIVERANI, M. op. cit. 9 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit. 10 SKA, J. L. op. cit. 11 LIVERANI, M. op. cit., pp. 393-403. 12 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 180-185.

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escala nas cidades de Meggido, Hazor e Gezer; no norte, continua a cultura material de Canaã.

Ou seja, não há vestígios de um poderoso império israelita interferindo na cultura cananeia ou

canaanita, do que pode se deduzir a inexistência, não apenas dos reis Davi e Salomão, mas

também do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.

Jean Louis Ska13 levanta a teoria de Burger-Temple-Gescinde relacionada à importância do

Templo no pós-exílio, consistente na comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo, pois

para que houvesse um Templo em Jerusalém no pós-exílio, o governo persa precisaria reconhecer

os direitos e os privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, o que foi emitido pelo rei

Ciro de acordo com o Livro de Esdras 1,1-4, e, consequentemente, seria desenvolvida uma

literatura inteira para legitimá-lo, que é a conhecida como Sacerdotal, que, a princípio, não tem a

intenção de ser desdobrada na tese em prol da literatura Deuteronomista, considerada anterior à

Sacerdotal.

Em seguida, será tratado o conceito de imaginário, no qual imaginário é aquilo que só

existe na imaginação, ou que apenas a imaginação pode alcançar. Mas o imaginário também pode

ser o fabricante de imagens, ou aquele que faz ou manufatura imagens, que poderia ser o redator

da literatura bíblica. Contudo, será trabalhada a construção da imagem do tempo, na qual o tempo

da construção do Templo pré-exílico típico é considerado como um tempo “infinito”

representado como um tempo de progresso, de crescimento ilimitado, de acumulação, de

racionalização, de conquista da natureza, de aproximação cada vez maior de um saber exato total,

de realização de fantasia de onipotência, expresso pela imagem do rei Salomão, tido como o

grande construtor do Templo. Tal magnífica obra existe em e por esta instituição explicita de seu

tempo identitário e de seu tempo imaginário, visivelmente indissociáveis, pois para o judeu

religioso e para o cristão, o Templo construído pelo rei Salomão sempre existiu e faz parte da sua

identidade ao ponto de sua negação ser tida como um abandono da sua religião.

Dessa forma, o Templo pré-exílico como imagem social instituída foi resultado tanto dos

escribas que produziram a sua literatura como de sua sociedade que acatou tal literatura em prol

da manutenção de sua identidade. O Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão em sua

sociedade se torna a imagem de um povo por representar o tesouro e o orgulho de uma

coletividade que é definido pelos outros em relação a um “nós”, ao representar uma imagem

denominada “Templo”. Ou seja, o Templo considerado original é um dos símbolos da

13 SKA, J.L. op. cit., pp. 241-242.

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coletividade e da sociedade que o instituiu, pois representa o seu tesouro e o seu orgulho, ao

ponto de a descrença na existência da referida construção religiosa tornar o indivíduo

consequentemente desvinculado de sua identidade, seja ela judia pós-exílica, judia rabínica ou

cristã em todas as suas vertentes.

Todas as teorias baseadas nas evidências arqueológicas e históricas apontam que

factualmente não houve um rei Davi de acordo com a narrativa bíblica, tampouco um rei

Salomão conforme a mesma, e muito menos um Templo original gigantesco factual construído

por ele, e que houve motivações oriundas da construção do “Segundo Templo” que legitimaram

ideologicamente o “Segundo” a fundamentar nas lendas e mitos do “Primeiro Templo”.

Percebe-se, porém, que há autores14 que ainda tomam os relatos da Bíblia Hebraica como

fatos históricos, o que já foi vencido há muito tempo, e precisam ser mais questionados do que

aplicados devido a sua defasagem teórica.

Desta forma, os autores a serem trabalhados15 não apenas tomam o luxo dos relatos bíblicos

como meras invenções, mas também se fundamentam nos dados históricos e arqueológicos, pois,

para eles, não se menciona a veracidade bíblica sem comprovação histórica e arqueológica, o que

dá um tom de imensa seriedade no trabalho dos referidos acadêmicos.

Será utilizado o método histórico-crítico em diálogo com Bost e Pestana16. Esse método de

estudo e pesquisa bíblica leva em conta o contexto histórico que envolve o texto, e faz uma

avaliação acurada (crítica) de todas as fontes de informação, ao considerar a época e a situação na

qual o texto foi escrito. Segundo Fitzmyer17, o método histórico-crítico tem como principal

objetivo o acesso às circunstâncias históricas que compõem o texto bíblico. Para o autor, este

enfoque histórico, na realidade, não comporta vários métodos distintos, mas somente um, que se

desenvolve em várias etapas, as quais, por sua vez, mantêm estreita relação entre si. Fitzmyer

enfatiza que a exegese histórico-crítica tem por princípio a construção de uma arqueologia

literária, que possibilita a constituição de textos tendo em vista a forma que os autores utilizaram

para expressar sua mensagem. Esse método recorre a critérios científicos tão objetivos quanto

14 BRIGHT, J. História de Israel. 7ª ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2003; FOHRER, G. História da religião de Israel. São Paulo: Paulinas, 1982. 15 LIVERANI, M. op. cit.; FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit. 16 BOST, B.J.; PESTANA, A.C. Introdução ao estudo bíblico. Disponível em: <http://www.hermeneutica.com/principios/introducao.htm>. Acesso em: 14/08/2011. 17 FITZMYER, A.; JOSEPH, S.J. Escritura, a alma da teologia. São Paulo: Loyola, 1994.

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possíveis. Fitzmyer afirma que o instrumental histórico-crítico inclui diversas etapas: crítica

textual, crítica das fontes, crítica dos gêneros literários, crítica da redação, história da tradição, e a

reconstrução do ambiente histórico em que foi produzido o texto e sua interferência naquele

ambiente.

Em questões práticas, o método histórico-crítico referido por Fitzmyer pode ser aplicado às

questões relacionadas ao imaginário do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, pois

houve uma motivação para que fossem elaborados textos que legitimassem o “Segundo Templo”

relacionando-o aos mitos do “Primeiro Templo”, pois, de acordo com Jean Louis Ska18, houve

um apoio persa para que fosse produzida uma literatura legitimadora do Templo de Jerusalém

construído após o exílio, e tal fato interferiu não apenas na comunidade, mas também nos

moradores que se localizavam em torno do Templo.

A pesquisa se divide em cinco capítulos. O primeiro capítulo refere-se à questão

deuteronomista; o segundo capítulo discorre sobre a crítica ao senso comum sobre o Templo pré-

exílico; o terceiro capítulo faz alusão às teorias acadêmicas relacionadas ao Templo monárquico

do reino de Judá; o quarto capítulo faz um balanço crítico relacionado ao presente estudo; o

quinto e último capítulo, aproxima-se do título do referido trabalho, ao se apresentar a relevância

da memória do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.

O primeiro capítulo, que trata da questão deuteronomista, divide-se em dois subcapítulos: o

primeiro sobre o desenvolvimento da teoria das fontes até chegar ao seu “criador”, Julius

Wellhausen, e o segundo, sobre o desenvolvimento da fonte deuteronomista.

O segundo capítulo, cujo tema é a crítica ao senso comum sobre o Templo pré-exílico,

possui quatro subcapítulos: o primeiro, sobre as formas de hermenêutica não acadêmicas da

leitura bíblica que não enfocam no questionamento à existência do Templo monárquico do reino

de Judá conforme a narrativa bíblica; o segundo, sobre a diferença entre história deuteronomista e

historiografia; o terceiro, sobre a abordagem literária de Mário Liverani; e o quarto e último,

sobre a abordagem arqueológica dos autores Finkelstein e Silberman.

O terceiro capítulo trata-se de um balanço geral no qual o autor da tese traz algumas

considerações relacionadas à pesquisa que trouxeram algum aprendizado para o pesquisador e

contribuem para facilitar a leitura do presente documento de uma forma geral.

18 SKA, J.L. op. cit., p. 241-242.

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O quarto capítulo traz as duas principais teorias sobre o templo: de Mario Liverani e de

Finkelstein-Silberman. Mario Liverani traz uma teoria mais voltada para o pós-exílio, ao passo

que Finkelstein e Silberman trazem outra teoria contextualizada na Reforma de Josias, porém,

ambas as teorias são válidas, o que se deve levar em conta é o campo forte de cada uma das

teorias.

O quinto e último capítulo, que é sobre a relevância da memória do templo, possui a

terceira teoria, que é apresentada por Jean Louis Ska, denominada como Burger-Temple-

Gescinde e relacionada à importância do Templo no pós-exílio, consistente na comunidade dos

cidadãos unidos em torno do templo, pois para que houvesse um Templo em Jerusalém no pós-

exílio, que é uma teoria mais cabível à relevância da memória do Templo considerado original,

cuja construção é atribuída a Salomão. No final do capítulo, há o fechamento com a teoria do

imaginário radical de Cornelius Castoriadis, na qual o Templo pré-exílico possui um significado

de união para aqueles que se orgulhavam deste como símbolo de seu povo por possuir uma

história que provoca determinada comoção social.

Percebe-se que a ideia socialmente instituída do Templo considerado como original

constrói o passado e legitima o presente, pois para que o seu presente seja reconhecido, necessita

de um passado glorioso no qual o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão era tido

como inigualável, não apenas pela presença de Yahweh como materialmente como as paredes e o

teto sendo, conforme a narrativa bíblica, completamente revestidos de ouro (1 Reis 6,15/18/21-

22/29). Da mesma forma, há a construção do passado não apenas no Templo pré-exílico, mas da

mesma forma na fábula do Tabernáculo que legitima as práticas religiosas na época de Moisés no

deserto, pois o Tabernáculo possui as mesmas medidas do Templo cuja construção é atribuída ao

Rei Salomão (Êxodo 26). A legitimação do Templo através do Tabernáculo dá uma

ancestralidade bem anterior a de Salomão, originária no deserto, anterior à suposta entrada dos

hebreus em Canaã (pois, historicamente, os hebreus nunca saíram de Canaã).

Através da construção desta ancestralidade epônima como ideia socialmente instituída do

Templo pré-exílico, os escribas produziram o orgulho em seu povo por possuírem um Templo

que tinha uma história, que para eles não era algo que foi instituído no pós-exílio, mas foi

instituído em épocas anteriores. Há, inclusive, mais um símbolo que legitima a anterioridade

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epônima do templo; segundo Karen Armstrong19, havia a crença de que o Templo judaico fora

construído no local em que Abraão atara Isaque para imolá-lo, o que dá uma anterioridade

patriarcal ao Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.

Desta forma, tal Templo se torna a imagem de um povo, do “nós”, pois representa o tesouro

e o orgulho de uma coletividade que é definida pelos outros em relação a um “nós”, ao

representar um ‘nome’, pois o Templo monárquico do reino de Judá possui uma história que vai

desde o período dos patriarcas epônimos do povo de Israel, passa pela sua construção atribuída ao

rei Salomão e acaba com a sua destruição pelas mãos de Nabucodonosor em aproximadamente

586 a.C., e representa a história de um povo, do “nós”, do “nosso orgulho”, ao ponto de

indissociar a imagem do Templo considerado como o original do povo judeu. Caso haja a

negação do referido Templo, há a automática negação da identidade do povo judeu. Tal negação

hoje em dia transfere-se para a identidade das religiões judaico-cristãs, pois os seus religiosos não

negam a existência do Templo, visto que tal negação acarretaria a negação das referidas religiões.

.

19 ARMSTRONG, K. Jerusalém, uma cidade, três religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 72-81.

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Capitulo I – A Questão Deuteronomista

Este capítulo desdobrar-se-á sobre a questão deuteronomista relacionada ao Templo cuja

construção é atribuída ao rei Salomão. A construção do Templo pré-exílico, conforme a narrativa

bíblica, encontra-se em duas versões: a Deuteronomista, de 1 Reis 5,15 – 9,25, e a Cronista, de 2

Crônicas 1,18 – 8,16. Mas a edição cronista, cuja composição se fundamenta nos livros de

Crônicas, Esdras e Neemias, é bem posterior a deuteronimista, pois é datada por volta do ano 300

a.C., período do começo da era helenística, ao passo que a edição deuteronomista abrange uma

composição vai desde a reforma josiânica, fundamentada nas propagandas de Josué, nas leis

deuteronomistas e nos reis que legitimaram Josias, até o final do período babilônico. Pelo motivo

da edição deuteronomista ser a mais antiga e mais próxima às origens do imaginário do Templo

monárquico do reino de Judá e da redação cronista ser uma versão mais positivada e menos

negativada de Salomão e de sua construção, dar-se-á preferência para a análise da questão

deuteronomista.

Mas há dois momentos na história material de Judá nos quais o Templo considerado como

original é enfatizado: na Reforma Deuteronomista do Rei Josias e no retorno do exílio da

Babilônia.

Porém, a necessidade aqui é de se saber em primeiro lugar quem é o Deuteronomista, em

qual contexto ele surgiu, e como ele foi descoberto pelos estudiosos da Bíblia Hebraica.

Primeiramente, há a introdução de Jean Louis Ska sobre as fontes documentais Bíblicas que serão

explanadas na sequência.

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De acordo com Jean Louis Ska20, as quatro grandes fontes documentais são do Javismo

davídico-salomônico, do Eloismo do reino do Norte, do Deuteronomismo resultante da reforma

de Josias do por volta do ano de 622 a.C., e, por fim, a fonte Sacerdotal, exílica ou pós-exílica.

O assunto da teoria da hipótese documental das quatro fontes será retomado posteriormente

no decorrer da presente pesquisa, pois cada uma das fontes, conforme as conclusões de Julius

Wellhausen, através das pesquisas de seus antecessores, possui características distintas, que são

as seguintes:

1) Javista – foi uma das primeiras fontes documentais juntamente com a fonte eloísta

a ser deduzida no começo do século XVII, em um contexto no qual se acreditava na existência

histórica da figura epônima de Moisés. Da mesma forma, havia a crença na qual os livros do

Pentateuco foram escritos em exata ordem cronológica, na qual o termo “Yahweh” surge em

Êxodo 3,14 e em Êxodo 6,13. Wellhausen, por volta de 1833, ao estabelecer a fonte Javista como

uma das quatro fontes, data-a por volta do período da monarquia unida, no século X a.C. Gerhard

von Rad, ainda fundamentado na crença da existência do Templo de Salomão como fato

histórico, em 1938, data a fonte Javista em aproximadamente 950 a.C. como iniciativa dos

escribas de Salomão para justificar o Reino Unificado criado por Davi. Devido às conclusões das

pesquisas arqueológicas recentes, tal datação não é mais aceita. A datação atribuída atualmente à

fonte Javista varia desde a queda do Reino do Norte, por volta do século VII a.C., até o pós-

exílio, datada aproximadamente no século V a.C.;

2) Eloísta – outra das primeiras fontes documentais a ser deduzida no começo do

século XVII. A princípio, devido à crença na qual os livros do Pentateuco foram escritos em

exata ordem cronológica, acreditava-se que o termo “elohim” em maior incidência encontrava-se

de Gênesis 1 até a revelação do nome de Yahweh em Êxodo 3,14 e em Êxodo 6,13. Entretanto,

houve posteriormente pesquisas mais apuradas que chegaram à conclusão de que existiu dois

redatores eloístas conforme Karl David Ilgen em 1798: E1 – o eloísta mais antigo; E2 – o eloísta

mais recente, que posteriormente se tornaria o Sacerdotal da teoria de Julius Wellhausen.

Inicialmente, acreditava-se que a fonte Eloísta fosse datada entre aproximadamente o século IX

a.C. e o começo do século VIII a.C. por fazer alusões às tradições do Reino do Norte.

Atualmente, data-se a fonte eloísta a partir do final do século VIII a.C., após a queda do Reino do

20 SKA, J.L. op. cit., p. 11.

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Norte pelo motivo de se acreditar que a prod

a Reforma de Josias;

3) Deuteronomista

teorizador foi Wilhelm Martin Leberecht De Wette, em 1805, que a fazer uma comparação entre

as narrativas de Reis e de Crônicas percebe que em Crônicas havia o reconhecimento das

instituições sacerdotais fundadas por Moisés, algo que não existia nos livros dos Reis. De Wette

sugere a origem da fonte deuteronomista no mito fundante da descoberta do livro da lei

deuteronomista no Templo pré

a.C. Tal fonte foi assumida pela teoria de Julius Wellhausen por volta de 1833. Martin Noth, em

1943, argumentou que na base da fonte deuteronomista havia os liv

Juízes, Samuel e Reis, contemporâneos ao livro do Deuteronômio, escritos durante a reforma

josiânica. Porém, apesar do pensamento de Noth sobre a fonte deuteronomista ter sido

consagrado, a partir da década de 90 do século XX entro

final do Deuteronômio no começo do período persa, por volta de 539 a.C.

4) Sacerdotal –

Ilgen, por volta de 1798, e renomeada como Sacerdotal por Julius W

Aparentemente, a fonte Sacerdotal tem sido a menos questionada, pois desde os estudos de De

Wette, havia o conhecimento das instituições sacerdotais através da redação cronista, e a sua

composição é datada por volta de 571 a 486 a.C.

A grande fonte Deuteronomista foi considerada até a década de 1970 como fruto da

Reforma de Josias datada de aproximadamente 622 a.C. como uma das quatro grandes fontes

referidas do Pentateuco ou Torah

Bíblia Hebraica e da Bíblia Cristã cuja tradição atribui a sua autoria epônima à figura de

Moisés21, que são o Gênesis

(wayyiqrä´ – a r"Þq.YIw:), os Números

~y rIªb'D >).

21 O nome Moisés, em hieróglifo egípcio, moapontar a sua filiação a alguma das divindades egípcias como Ramsés (Rámo-sés – “filho de Tut”). A origem do nome Moisés seria uma negação às divindades egípcias, por até mesmo seu mito fundante ter sido criado pela família real egípcia. Mas nenhum faraó poderia se chamar apenas “filho de”, deveria ser fiho de alguma divindad

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Norte pelo motivo de se acreditar que a produção literária tenha surgido no Reino do Sul durante

Deuteronomista – considerada a fonte mais antiga das quatro, cujo primeiro

teorizador foi Wilhelm Martin Leberecht De Wette, em 1805, que a fazer uma comparação entre

e Reis e de Crônicas percebe que em Crônicas havia o reconhecimento das

instituições sacerdotais fundadas por Moisés, algo que não existia nos livros dos Reis. De Wette

sugere a origem da fonte deuteronomista no mito fundante da descoberta do livro da lei

deuteronomista no Templo pré-exílico de acordo com o relato de 2 Reis 22, por volta do ano 622

a.C. Tal fonte foi assumida pela teoria de Julius Wellhausen por volta de 1833. Martin Noth, em

1943, argumentou que na base da fonte deuteronomista havia os liv

Juízes, Samuel e Reis, contemporâneos ao livro do Deuteronômio, escritos durante a reforma

josiânica. Porém, apesar do pensamento de Noth sobre a fonte deuteronomista ter sido

consagrado, a partir da década de 90 do século XX entrou em descrédito, a considerar a edição

final do Deuteronômio no começo do período persa, por volta de 539 a.C.

– era a fonte denominada como E2, ou eloísta tardia, por Karl David

Ilgen, por volta de 1798, e renomeada como Sacerdotal por Julius W

Aparentemente, a fonte Sacerdotal tem sido a menos questionada, pois desde os estudos de De

Wette, havia o conhecimento das instituições sacerdotais através da redação cronista, e a sua

composição é datada por volta de 571 a 486 a.C.

rande fonte Deuteronomista foi considerada até a década de 1970 como fruto da

Reforma de Josias datada de aproximadamente 622 a.C. como uma das quatro grandes fontes

referidas do Pentateuco ou Torah (tôrâ – h r"(At), que corresponde aos cinco primeiros livr

Bíblia Hebraica e da Bíblia Cristã cuja tradição atribui a sua autoria epônima à figura de

, que são o Gênesis (Bürë´šît – ty viÞa rEB.), o Êxodo (šümôt

, os Números (BümidBar – r B:ïd>m iB.) e o Deuteronômio

O nome Moisés, em hieróglifo egípcio, mo-sés: , significa “filho de”, que era um título dos reis egípcios para apontar a sua filiação a alguma das divindades egípcias como Ramsés (Rá-mo-sés – “filho de Rá”) e Tutmosés (Tut

“filho de Tut”). A origem do nome Moisés seria uma negação às divindades egípcias, por até mesmo seu mito fundante ter sido criado pela família real egípcia. Mas nenhum faraó poderia se chamar apenas “filho de”, deveria ser fiho de alguma divindade egípcia, conforme os exemplos referidos.

ução literária tenha surgido no Reino do Sul durante

considerada a fonte mais antiga das quatro, cujo primeiro

teorizador foi Wilhelm Martin Leberecht De Wette, em 1805, que a fazer uma comparação entre

e Reis e de Crônicas percebe que em Crônicas havia o reconhecimento das

instituições sacerdotais fundadas por Moisés, algo que não existia nos livros dos Reis. De Wette

sugere a origem da fonte deuteronomista no mito fundante da descoberta do livro da lei

exílico de acordo com o relato de 2 Reis 22, por volta do ano 622

a.C. Tal fonte foi assumida pela teoria de Julius Wellhausen por volta de 1833. Martin Noth, em

1943, argumentou que na base da fonte deuteronomista havia os livros históricos de Josué,

Juízes, Samuel e Reis, contemporâneos ao livro do Deuteronômio, escritos durante a reforma

josiânica. Porém, apesar do pensamento de Noth sobre a fonte deuteronomista ter sido

u em descrédito, a considerar a edição

final do Deuteronômio no começo do período persa, por volta de 539 a.C.

era a fonte denominada como E2, ou eloísta tardia, por Karl David

Ilgen, por volta de 1798, e renomeada como Sacerdotal por Julius Wellhausen em 1833.

Aparentemente, a fonte Sacerdotal tem sido a menos questionada, pois desde os estudos de De

Wette, havia o conhecimento das instituições sacerdotais através da redação cronista, e a sua

rande fonte Deuteronomista foi considerada até a década de 1970 como fruto da

Reforma de Josias datada de aproximadamente 622 a.C. como uma das quatro grandes fontes

, que corresponde aos cinco primeiros livros da

Bíblia Hebraica e da Bíblia Cristã cuja tradição atribui a sua autoria epônima à figura de

šümôt – tAm v .), o Levítico

e o Deuteronômio (Dübärîm –

, significa “filho de”, que era um título dos reis egípcios para “filho de Rá”) e Tutmosés (Tut-

“filho de Tut”). A origem do nome Moisés seria uma negação às divindades egípcias, por até mesmo seu mito fundante ter sido criado pela família real egípcia. Mas nenhum faraó poderia se chamar apenas “filho de”,

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Porém, para Ska, nos dias atuais há várias críticas sobre a teoria das fontes e o autor

questiona se a teoria das fontes de fato sobreviveu a tais críticas ou não, pois para Ska22, é

impossível ler o Pentateuco hoje sem recorrer ao método histórico-crítico, pois ainda hoje

existem problemas demais, e problemas muito complexos, que não podem ser tratados com

ingenuidade, como no caso do objeto de estudo deste trabalho.

De acordo com o exposto, ainda se ensina a teoria das fontes nos seminários de Teologia,

porém tal ensinamento, mesmo por ser ultrapassado e obsoleto em alguns aspectos, ainda pode

causar choque no graduando em Teologia por acreditar que a Bíblia é a inspiração divina e não

foi composta e elaborada por homens que possuem vontade própria e em determinado contexto.

Mas para o que lê a tese, talvez a teoria das fontes seja uma novidade e precise ser colocada para

o seu respectivo conhecimento conforme foi apontado acima.

Na sequência, será realizada a explanação sobre a hipótese documental clássica das fontes,

na qual se originou o Deuteronomista e a fonte na qual lhe é atribuída à autoria.

1. O Desenvolvimento da Hipótese Documental Clássica

Aqui serão desdobradas as origens da hipótese documental clássica, que é oriunda do

pensamento iluminista, de acordo com Rudolf Bultmann23 e Zabatiero24. Conforme ambos os

autores, foi com o protestantismo, por força do contato com o texto da Bíblia que necessitava ser

traduzido e interpretado, que houve abertura para o novo e o inovador, no ambiente do

Iluminismo. Percebe-se que o Iluminismo faz emergir a libertação das Ciências das amarras do

pensamento religioso eclesiástico, a possibilitar o uso deste instrumental em proveito próprio e,

especialmente, ao lidar com o Texto Sagrado. Ao mesmo tempo, o contato dos estudos

acadêmicos com os estudos da Bíblia neste contexto era mais refletido em seu estudo que, ao

22 SKA, J.L. op. cit., p. 13. 23 BULTMANN, R. Jesus Cristo e mitologia. São Paulo: Novo Século, 2005, p. 15. 24 ZABATIERO, J.P.T. Novos rumos na pesquisa bíblica. Estudos Teológicos. São Leopoldo: EST, v. 46, n. 1, 2006, p. 23.

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abandonar a simplicidade da literalidade do texto, começa a submetê-lo ao crivo da ciência no

intuito de afirmá-lo como prova acadêmica.

A partir do século XIX, com a afirmação de novos paradigmas, a pesquisa bíblica entrou

em um período de transição, caracterizado pela consolidação do liberalismo teológico que, ao

rejeitar o literalismo e a dialogar com novas teorias naturais, abandona uma visão mitológica e

dogmática do cristianismo e passa a separar os valores morais da Bíblia das suas concepções

mitológicas do mundo. Por exemplo, para Bultmann, os mitos e representações encontrados na

Bíblia já foram superados e carecem de valor. Desta forma, precisariam ser estudados de acordo

com o instrumental acadêmico, e não simplesmente acreditados sem nenhum questionamento.

Tal instrumental, iniciado através do uso da filologia e da historiografia, faz surgir o método

histórico-crítico, no qual o exegeta bíblico se concentra na presença literária de um texto, como

um todo, e no mundo da narrativa que o autor construiu; ou seja, a crença na literalidade do texto

e as visões dogmáticas e mitológicas do cristianismo são insatisfatórias para a academia, fazendo-

se necessário um estudo semântico da literatura bíblica e de seus autores para que haja uma

seriedade acadêmica e científica.

No próximo subitem, serão apresentados os primeiros trabalhos críticos sobre os estudos

bíblicos, nos quais os seus autores, na tentativa de se aprofundarem nos referidos (estudos), não

se desvinculavam da crença religiosa bíblica, como a existência de Moisés, pelo motivo de as

pesquisas disponíveis em sua época não os fazerem chegar às conclusões que temos hoje.

1.1 Os Primeiros Trabalhos Críticos

Conforme as pesquisas de Jean Louis Ska25, em 1711 um jovem pastor protestante de

Hildesheim, Henning Bernhard Witter (1683-1715), publicou um estudo sobre Gênesis 1–3 que

comentava a diferença entre os apelativos divinos Elohim (1,1 – 2,4a) e Yahweh Elohim (2,4b –

3,24). Relata Ska que, de acordo com Witter, Moisés utilizou várias fontes para compor o

Pentateuco. Mas o livro de Witter ficará no esquecimento até 1925.

Para Henning Bernhard Witter, e neste contexto de época, era inegável a crença de que

Moisés havia escrito todo o Pentateuco, mas hoje se sabe que Moisés não passa de uma figura

25 SKA, J.L. op. cit., p. 117.

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epônima de um mito fundante. Na referida época de Witter (1683-1715), nem se cogitava a

hipótese de Moisés ter sido apenas um mito fundante, pois se acreditava que ele fosse de fato o

autor de todo o Pentateuco. O curioso, independentemente da não existência factual de Moisés, é

que já no século XVIII há uma primeira tentativa de se separar as fontes do Gênesis 1–3 por meio

da diferença entre os apelativos divinos Elohim (1,1 – 2,4a ) e Yahweh Elohim (2,4b – 3,24).

De acordo com Ska26, para muitos exegetas o pai da hipótese documental é Jean Astruc

(1684-1766), médico de Luís XV, filho de um pastor protestante convertido ao catolicismo e

biblista amador. Relata Ska que, a partir dos apelativos divinos Elohim e Yahweh, Astruc

construiu, assim como Witter, a sua teoria sobre a origem do Pentateuco. Astruc defendia que

Moisés, de acordo com as suas explicações, serviu-se de três fontes ou documentos – na verdade,

Astruc, de acordo com Ska, fala de Mémoires – que ele chama simplesmente de A, B e C. No

raciocínio de Astruc, apontado por Ska, as duas primeiras (A e B) caracterizam-se pelo uso de um

apelativo divino e a terceira (C) contém os textos independentes das outras duas. Nas conclusões

de Astruc, segundo Ska, Moisés dispôs de três fontes numa sinopse, mas, no processo de

transmissão, alterou-se a ordem das páginas. E assim, conclui Jean Louis Ska, explicar-se-iam os

problemas atuais da leitura do Pentateuco.

Ressalta Ska que Astruc limitou o seu trabalho ao livro de Gênesis e de Êxodo 1 – 2 pela

simples razão de que, após a revelação do nome divino Yahweh, em Êxodo 3,14 (conferir Êxodo

6,13), torna-se mais difícil usar o critério dos apelativos divinos27.

Jean Astruc é outro que viveu de acordo com a sua época, na qual havia a crença de Moisés

ter existido e ser o autor factual do Pentateuco sem o mínimo questionamento. Deve-se

compreender que nem Witter, nem Astruc dispunham do conhecimento que há hoje sobre os

estudos bíblicos, e eles viveram conforme as limitações de sua época. Por exemplo, Astruc se

baseia na organização de Gênesis a Êxodo 1 – 2 como se realmente se tratasse de um texto

corrido de “fora a fora”, e não como diversos textos fragmentados, cada um conforme a sua

época. Isso sem contar que o nome Yahweh possui o registro extrabíblico mais antigo datado por

volta de 840 a.C., na estela moabita do rei Mesha, em que há a primeira ocorrência do nome

Yahweh fora da Bíblia em um período bem posterior ao atribuído à figura epônima de Moisés.

26 Ibidem, p. 117. 27 Ibidem, p. 117. Jean Louis Ska sugere a leitura do original: ASTRUC, J. Conjectures sur les mémoires originaux dont il parait que Moyse s’est servi pour composer le récit de la Genese. Bruxelles, 1753. Impressa em Paris, infelizmente não há edição brasileira desta obra de Astruc.

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29

Porém, são estudiosos que raciocinam de acordo com o seu contexto de época, e não se pode

desejar que eles possuam um raciocínio conforme o contemporâneo, mas tais estudos são válidos

como pioneiros da teoria das fontes.

Ainda segundo as pesquisas de Ska, o esforço de Astruc foi retomado e aperfeiçoado na

Alemanha, por Johann Gottfried Eichhorn, primeiro autor de uma Introdução ao Antigo

Testamento (escrita entre 1780-1783), na qual ainda defendia a autoria mosaica do Pentateuco.

Após conhecer as descobertas de Wette, Eichhorn mudou de opinião.

Tal mudança de opinião de Eichhorn traz determinado alívio acadêmico, pois faz parte do

aprendizado acadêmico ser maleável aos progressos e desenvolvimentos das suas áreas de

concentração, sejam elas quais forem, pois o estudioso não pode defender a tese na qual a lua é

feita de queijo suíço pelo motivo de hoje ser conhecida à composição material da lua, pois é

necessária a honestidade acadêmica.

Foi a essa altura, segundo Ska, que os especialistas se dividiram em três grupos e propôs-se

três teorias principais sobre a origem do Pentateuco: a hipótese dos documentos, a hipótese dos

fragmentos e a hipótese dos complementos.

Enfatiza Ska28 que, segundo a hipótese dos documentos, que retoma as ideias de Astruc e

de Eichhorn, na origem do Pentateuco atual, há vários documentos paralelos, completos e

independentes.

A hipótese dos fragmentos, de acordo com Ska, foi levantada, primeiramente, por um

sacerdote católico escocês, Alexander Geddes (1737-1802), que estudou alemão para

acompanhar o desenvolvimento da exegese na Alemanha, e supôs que houvesse, originalmente,

muitas fontes formadas por pequenas unidades narrativas e por textos esparsos e incompletos,

reunidos muito tempo após a morte de Moisés29, para constituir o Pentateuco atual.

Jean Louis Ska afirma que Alexander Geddes também sofreu bastante com a censura

eclesiástica e suas ideias não prosperaram na Grã-Bretanha. Na Alemanha, porém, conforme Ska,

dois eminentes exegetas assumiram posição análoga, Johann Severin Vater e, com expressivas

mudanças, Wilhelm De Wette.

Percebe-se que mesmo neste contexto, apesar do reconhecimento da Alemanha como o país

mais desenvolvido na exegese bíblica, ainda há a crença na figura de Moisés como autor do

28 Ibidem, p. 118. 29 Ainda assim, Alexander Geddes foi mais um autor que em seu contexto acreditou na existência da personagem Moisés como o verdadeiro autor do Pentateuco.

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30

Pentateuco em qualquer canto do mundo setecentista. Mas, mesmo assim, as ideias (não

mentalidades) de Geddes, juntamente com o seu contato com as obras alemãs, eram consideradas

avançadas demais para os ingleses, escoceses, galeses e irlandeses do norte, e por isso foram

repudiadas e discriminadas.

Em sua exposição, Ska aponta que algum tempo depois surgiu a hipótese dos

complementos. Ressalta Ska que vale esclarecer que, muitas vezes, tal hipótese é atribuída a

Heinrich Ewald, mas na realidade ele apenas sugeriu, sem nunca defendê-la como tal. Conforme

as pesquisas de Ska, Ewald supõe a existência de um documento base (Grundschrift), o Eloísta –

o atual documento sacerdotal, acrescido de alguns textos mais antigos, como o decálogo (Êxodo

20,2-17) e o Código da Aliança (Êxodo 21-23) –, que algum editor teria “completado” com

trechos de um documento jeovista (o Javista), durante o último período da monarquia de Judá30.

Perante os estudos de Jean Louis Ska, a obra final, fruto de um trabalho editorial de muitos

séculos, cobre os primeiros seis livros atuais da Bíblia e, por isso, Ewald fala de um Hexateuco31.

A hipótese dos complementos, na percepção de Ska, supõe um “documento-base” a que foram

ajuntados trechos, em diversas épocas.

Percebe-se que tal sugestão de Ewald se tornou um partido de exegese bíblica mesmo ao

ponto do estudioso jamais defendê-la. Isso pode ocorrer devido à importância que o estudioso

tinha em sua época, pela qual uma sugestão que ele desse poderia virar um dogma acadêmico.

Todavia, não deixa de ser uma tentativa de desmembramento da Bíblia Hebraica ou do Antigo

Testamento32, cuja consequência foi a formação da teoria das fontes.

30 Ibidem, p. 118. Ver EWALD, H., resenha de STÄHELIN J.J., Kritische Untersuchung über die Genesis. Basel, 1830. In: Theologische Studien und Kritiken, 1831. pp. 595-606; conforme os estudos de Ska, antes, Ewald defendera a unidade do Gênesis, segundo EWALD, H. Die Composition der Genesis kritisch untersucht. Braunschweig, 1823. Relata Ska que a hipótese dos complementos será assumida por BLEEK, F. De libri Geneseos origine atque indole historica observationes quaedam contra Bohlenium. Bonn, 1836; idem, Einleitung in das Alten Testament. Berlin, 1829; TUCH, J.C.F. Commentar über die Genesis. Halle, 1838. 2nd ed., 1871; Ska sugere ver também WETTE, W.M.L. de. Beiträge zur Einleitung. 5th ed., 1840; 6th ed., 1845. Segundo a narrativa de Ska, H. EWALD desenvolverá uma teoria muito complexa sobre a origem do Hexateuco em sua “história de Israel”: EWALD, H. Geschichte des Volkes Israels bis Christus I-II. Góttingen 1843-1845; 1864. 31 Ibidem, p. 118. De acordo com Jean Louis Ska, Heinrich Ewald teve problemas com o governo da Prússia, porque, em 1967, recusou-se a jurar lealdade, a ter de abandonar a docência na Universidade de Gottingen. 32 Há pesquisadores que afirmam que não se denomina “Antigo Testamento” academicamente, mas sim “Bíblia Hebraica”, pelo motivo de justificar a confissão cristã. Porém, não apenas estudiosos, como também leigos no assunto lerão a tese de doutorado, por isso o termo Antigo Testamento será utilizado, visto que a boa maioria das pessoas da nossa convivência conhece os livros da Bíblia Hebraica como Antigo Testamento. Inclusive, apesar de os

livros serem os mesmos, a forma de organização dos livros da Bíblia Hebraica (tanakh – knt) e do Antigo

Testamento cristão são bem distintas.

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31

1.2 Os Movimentos das Ideias do Século XIX

Este novo item aborda os movimentos das Ideias do Século XIX relacionados ao

desenvolvimento dos estudos bíblicos e ao desenvolvimento da teoria das fontes. Segundo Ska33,

antes de explanar o desenvolvimento da leitura crítica do Pentateuco, é preciso situar a exegese

dos movimentos culturais da época, para melhor entender os novos problemas e as novas

respostas. Para o autor, os exegetas do século XIX viveram em um mundo intelectual marcado

pela “filosofia das luzes” ou Iluminismo (Aufklärung, Philosophie des Lumières, Iluminism), que

reivindica a autonomia da razão diante de toda e qualquer autoridade.

A esse novo desafio, a resposta do mundo cristão, tanto protestante quanto católico, na

perspectiva de Ska, consistiu na busca de conciliação entre razão e crença religiosa cristã, entre a

leitura crítica da Bíblia e a interpretação religiosa de sua mensagem. Concretamente, nas

percepções de Ska, sentiu-se a necessidade de separar o conteúdo religioso da Bíblia de certas

hipóteses a cerca de suas origens.

Aos poucos, relata Ska, veio a ganhar espaço a ideia de que a inspiração divina dos textos

sagrados não exclui sua origem humana e histórica. Nessa época, conforme as pesquisas de Ska,

floresce na Alemanha a “teologia liberal”, que, em sua expressão mais radical, tende a reduzir o

mais possível a carga sobrenatural da religião, a exaltar-lhe os aspectos humanistas, universais e

racionais.

Conforme tal passagem de Ska, a proposta original do iluminismo sobre os estudos bíblicos

não foi negar a religião em nenhuma hipótese, mas separar o conteúdo religioso da Bíblia da sua

origem humana ou histórica. Para Ska, não houve a proposta radical de acabar com a religião

cristã, mas sim de racionalizar a Bíblia como documento escrito por homens em seu contexto e

com suas respectivas motivações. Contudo, a denominada “teologia liberal” alemã, cujo termo

soa como depreciativo para os fundamentalistas e conservadores, em sua expressão mais radical,

tende a reduzir o mais possível a carga sobrenatural da religião, a exaltar-lhe os aspectos

humanistas, universais e racionais.

Entretanto, não se pode misturar o discurso acadêmico com o discurso religioso, pois são

duas coisas com propósitos totalmente distintos, pois o discurso religioso objetiva aumentar a fé

do indivíduo mesmo que seja às custas de fatos que jamais ocorram, ao passo que o discurso

33 Ibidem, p. 119.

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32

acadêmico visa buscar a verdade material até o limite do alcance da possibilidade de

determinados fatos, e delimitar um consenso sobre os tais.

Nesse mesmo século XIX, conforme as pesquisas de Ska, outro movimento veio a ser

bastante convincente entre os exegetas, sobretudo na Alemanha – o Romantismo. De acordo com

os estudos de Jean Louis Ska, no mundo da exegese romântica, o porta-voz foi Johann Gottfried

von Herder, famoso por seu livro Vom Geist der hebraischen Poesie (1783); a partir de Herder

muitos exegetas sorveram o gosto pelas manifestações primitivas, espontâneas e naturais da

cultura bíblica.

Consequentemente, afirma Ska, veio daí o desejo de encontrar no passado os tempos de um

pensamento ainda genuíno, não contaminado por nenhuma corrupção posterior. Por igual motivo,

ressalta Ska, desenvolve-se uma atitude negativa em relação a períodos mais recentes da história

bíblica, especialmente a época do pós-exílio, crivada de legalismo e de exacerbado farisaísmo34.

Conforme o autor salienta, restava apenas o desejo de uma “nova criação”, um novo tempo, que

veio com o Novo Testamento35.

Nestes termos, Herder ainda possuía uma visão muito fantasiosa na questão da religião

judaico-cristã, pois o judaísmo, conforme é conhecido, surge no pós-exílio, e para uma religião se

formar, é necessária a sua institucionalização. Assim como o judaísmo surge no pós-exílio por

volta do final do século V a.C., o cristianismo surge com Constantino e Teodósio por volta dos

séculos III e IV d.C. Pois antes, não havia tais religiões de acordo com as expressões atualmente

conhecidas, e precisou-se delimitar o que de fato era Judaísmo e o que de fato era Cristianismo

através das suas instituições religiosas.

É fantasioso e fabuloso (no sentido de fábula) afirmar que a época do pós-exílio era

crivada de legalismo e de exacerbado farisaísmo, mas todos precisavam saber quem ou o que era

de fato o judeu religioso e qual de fato era a sua religião. E não se pode criar uma nova ordem

que derrube o judaísmo através do Novo Testamento, pois todas as religiões, não apenas o

judaísmo e o cristianismo, possuem os seus defeitos e os seus problemas, e não se pode afirmar

34 Tal mentalidade parece consequência da leitura dos evangelhos de palavras atribuídas ao messias do Cristianismo, Jesus de Nazaré, contra os fariseus, mas, na verdade, o partido dos fariseus era um dos diversos partidos do judaísmo com as suas peculiaridades, e a sua corrupção era consequência do poder político-religioso que eles tinham e exerciam, fato que ocorre em qualquer partido político em qualquer parte do mundo ao assumir o poder. 35 Ibidem, p. 119. Percebe-se que se trata de uma mentalidade extremamente romântica acreditar que o Novo Testamento do Cristianismo resolveria todos os problemas da corrupção religiosa e moral da religião judaica. Segundo Ska, o teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), amigo de De Wette, defenderá ideias parecidas.

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33

que uma religião menos legalista acabou com a mais legalista, pois todas as religiões necessitam

do legalismo para sobreviverem.

Por fim, nas considerações de Ska, dentro do mundo universitário alemão, o mais

prestigioso em exegese bíblica na época, entram na ordem do dia as categorias da história. Para o

autor, na esteira dos grandes historiadores36, também filósofos como Fichte, Schelling e Hegel

procuram integrar as categorias da história em seu pensamento.

Percebe Jean Louis Ska37 que, para os exegetas da época, as culturas conhecem fases de

desenvolvimento análogas às do mundo biológico: depois do nascimento, vêm os anos criativos

da juventude; depois, a maturidade, que coincide com um primeiro declínio das energias vitais, e,

finalmente, a decadência da velhice, que precede a morte.

Segundo o autor38, para o Romantismo, a evolução não é vista de modo positivo, porque

não leva, gradativamente, a um ápice. Pelo contrário, enfatiza Ska, ela provoca a esclerose, a

deterioração, o definhamento de todas as formas de vida intelectual e religiosa. Esta perspectiva

ocorre nas religiões de uma forma geral, que possuem um ápice, mas depois de se estabelecerem

perante a sociedade, apenas se preocupam com a manutenção de sua existência como instituição.

Para o estudioso, nesse contexto cultural é que se inserem as descobertas de De Wette e o sistema

de Wellhausen39.

36 Ibidem, p. 119. Conforme Ska, os principais são W. von Humboldt, J.G. Droysen e, sobretudo, G. von Ranke. 37 Ibidem, p. 119. 38 Ibidem, p. 119. 39 Ibidem, p. 119. Jean Louis Ska sugere conferir, antes de tudo, VATKE, W. Die biblische Theologie wissenschaftlich dargestellt. Berlin, 1835, que divide a história de Israel em três períodos, à moda hegeliana: a religião primitiva e natural da época dos Juízes e da monarquia unitária; finda a monarquia, os profetas purificam a religião de Israel, que se torna mais idealista, moral e espiritual; finalmente, depois do exílio, predomina o legalismo. Portanto, conclui Ska que, de acordo com Vatke, o último período é o oposto de um apogeu. Ska sugere também conferir PERLITT, L. Vatke und Wellhausen Beihefte Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 94. Berlin: Topelmann, 1965; e PURY, A. de; ROMER, T. Le Pentateuque en question: Position du probleme et breve histoire de la recherche. In: PURY, A. de; ROMER, T. (eds.). Le Pentateuque en Question: Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible à la lumière des recherches recentes. Genève, 1992, p. 28.

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34

1.3 Os Estudos de De Wette

O item atual traz os estudos de De Wette como impulsionadores dos estudos do Pentateuco.

Na visão de Jean Louis Ska40, para haver a possibilidade de se progredir nos estudos do

Pentateuco faltava um “gancho” histórico que permitisse datar as diversas fontes, fragmentos ou

suplementos. Para o autor, precisava-se, então, datar pelo menos um texto significativo ou ligar

algum texto a determinado evento histórico, e, segundo Ska, esse foi o mérito de Willhelm

Martin Leberecht De Wette (1780-1849)41.

Segundo os estudos de Ska, o ponto inicial da pesquisa de De Wette foi estudar o livro das

Crônicas, em que este (De Wette) compara o trabalho do Cronista com os outros livros que

descrevem o período monárquico, os livros de Samuel e dos Reis, e topa com dois quadros muito

diferentes de religião de Israel, e busca solucionar de sua forma tal discrepância.

Ska relata que De Wette resolve a questão historicamente, ao estimar que o livro das

Crônicas deva ser bem posterior aos acontecimentos, a remontar à época persa ou mesmo

helenista. Na visão de Ska, tal conclusão tem uma consequência séria para o Pentateuco, porque

as Crônicas afirmam que as instituições do templo foram estabelecidas por Moisés, mas segundo

De Wette, porém, as Crônicas adaptaram ao passado mosaico as instituições de um período muito

posterior, para lhes legitimar a antiguidade.

Em seguida, de acordo com Ska, De Wette aplica a mesma ideia ao Pentateuco: os textos

narrativos e legislativos dos cinco primeiros livros da Bíblia não apresentam um retrato fiel do

passado, pois antes, cristalizam as preocupações de épocas posteriores, desejosas de explicar, a

partir do passado, a origem e o destino de Israel no mundo.

Passa-se, assim, na perspectiva de Ska, a tratar com clareza toda essa problemática, pois

para De Wette e para os exegetas de seu tempo, ficou visível o descompasso entre “o mundo do

texto”, ou seja, os acontecimentos narrados no Pentateuco, e o “mundo real”, o mundo no qual e

para o qual esses textos foram escritos. Mas, segundo Ska, era necessário achar o elo entre esses

dois mundos, e foi o que De Wette se propôs a pesquisar.

40 Ibidem, p. 120. 41 Ibidem, p. 120. Ska sugere conferir ROGERSON, J.W. W.M.L. De Wette. Founder of Modern Biblical Criticism: An Intellectual Biography, Journal for the Study of the Old Testament Supplement 126. Sheffield: JSOT Press, 1992; e SMEND, R. Deutsche Alttestamentler in drei Jahrhunderten. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989, pp. 38-52.

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Ao referido anteriormente, De Wette, diferente dos outros autores, não busca solucionar o

problema a partir dos primeiros livros do Pentateuco, mas a partir dos livros de Crônicas, nos

quais encontra grandes respostas para o que virá a ser chamado posteriormente de Teoria das

Fontes. Aparentemente, ele é o primeiro estudioso a colocar em xeque a existência de Moisés,

que é atualmente reconhecido como personagem epônimo criado no pós-exílio.

Um detalhe importante foi que De Wette percebeu que as instituições fundadas por Moisés

encontravam-se nos livros das Crônicas, e não nos livros de Samuel e de Reis, a concluir que

havia diferença descompassante entre o “mundo do texto”, no qual se encontram os

acontecimentos narrados no Pentateuco, e o “mundo real”, no qual e para o qual esses textos

foram escritos. Consequentemente, devido aos estudos de De Wette, chegou-se a concluir que

Moisés foi uma criação pelo menos do cronista, e que não deveria ser realidade pelo menos para

os escritores de Samuel e de Reis.

Conforme Ska, em sua tese de 1805, De Wette identifica o livro do Deuteronômio, pelo

menos em sua versão mais antiga, como o livro encontrado no templo, no reinado de Josias. Essa

foi a conclusão, conforme os estudos de Jean Louis Ska, a que De Wette chegou depois de

observar que as reformas de Josias (2 Reis 23) correspondem, em grande parte, às exigências das

leis deuteronômicas em matéria cultual. Nas pesquisas de Ska, para De Wette, os pontos

principais são a centralização e a purificação do culto.

Embora não fosse o primeiro a expor essa ideia, já presente em alguns Padres da Igreja,

conforme Ska, De Wette soube extrair dela um critério sólido para datação dos textos, no qual

leis ou narrativas que não supunham a centralização do culto em Jerusalém devem ser anteriores

à reforma de Josias, em aproximadamente 622 a.C., e textos legislativos ou narrativos

compatíveis com aquela reforma serão, certamente, posteriores.

Aqui traz a delimitação de De Wette, que é a centralização do culto em Jerusalém. Se os

textos abordam o assunto da referida centralização, eles são posteriores; caso eles não abordem o

assunto da centralização, eles são anteriores.

Relata Jean Louis Ska que a descoberta deste biblista alemão representou um momento-

chave na exegese recente do Pentateuco, por duas razoes principais:

1ª) O ponto de partida não é mais a análise das narrações, como para Witter, Astruc,

Eichhorn e seus discípulos. De Wette, como Richard Simon, prefere centrar a atenção nas leis e

nas instituições da Bíblia Hebraica/Antigo Testamento;

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36

2ª) Depois de De Wette, não se definiu até o momento da obra de Ska, que foi o ano de

2003, um ponto de apoio mais seguro, malgrado prossigam os debates sobre o assunto42.

Entretanto, afirma Ska, o acontecimento que permite datar os textos não faz parte dos

eventos contidos no Pentateuco. Por isso, explica o autor Ska, fica claro que não há uma distância

sensível entre os acontecimentos descritos no Pentateuco e várias épocas em que os textos foram

redigidos. Desta forma, conclui Ska, tornar-se-á também sempre mais difícil pensar que Moisés

tenha escrito os cinco livros do Pentateuco ou da Torah43.

Aqui percebe-se que a crítica literária é extremamente ativa ao colocar o Pentateuco em

pauta, pois cada narrativa do referido corresponde a uma época distinta, pois não há uma

distância sensível entre os acontecimentos descritos no Pentateuco e várias épocas em que os

textos foram redigidos. E pelo motivo do Pentateuco possuir diversas vozes distintas, é

impossível acreditar que Moisés tenha escrito toda a obra.

1.4 O Desenvolvimento dos Estudos de De Wette e seus continuadores

Aqui será desdobrado o desenvolvimento até chegar à teoria das fontes como é conhecida

atualmente, como Eloísta, Javista, Deuteronomista e Sacerdotal. Conforme as pesquisas de Jean

Louis Ska44, por volta de 1800, muitos exegetas distinguiam no Pentateuco duas fontes

principais: a eloísta e a javista, conforme o nome divino que usavam no livro de Gênesis e em

Êxodo 1 – 2. Segundo o autor, a fonte eloísta oferecia um relato mais articulado, mais fiel à

história, porque o nome divino Yahweh foi revelado somente no tempo de Moisés (Êxodo 3,14;

42 Ibidem, p. 121. Para um resumo das discussões de época, Ska sugere ver: CONROY, C. Reflections on the Exegetical Task. Apropos of Recent Studies on 2 Kg 22-23. In: BREKELMANS, C.; LUST, J. (eds.). Pentateuchal and Deuteronomistic Studies. Papers read at the XIIIth International Organization for the Study of the Old Testament Congress Leuven 1989. BETL 94. Leuven: Leuven University Press, 1990; PURY, A. de; RÖMER, T.; MACCHI, J.D. (eds). Israel construit son histoire: L’historiographie deutéronomiste à la lumière des recherches récentes. Le Monde de la Bible, n. 34. Geneva: Labor et Fides, 1996; e EYNIKEL, E. The Reform of King Josiah and the Composition of the Deuteronomistic History. Oudtestamentische Studien 33. Leiden, 1996. 43 Ibidem, p. 121. Chama a atenção de Ska que o mundo da exegese bíblica não é uma ilha, pois nos dias de De Wette, os estudiosos da literatura clássica aplicavam o mesmo método aos autores gregos e latinos. Segundo o autor Ska, Friederich August Wolf, por exemplo, demonstrava o caráter compósito das obras de Homero em seu livro Prolegomena zur Homer. Sobre isso, Ska sugere conferir BLENKINSOPP, J. The Pentateuch: An Introduction to the First Five Books of the Bible. The Anchor Bible Reference Library. New York/London: Doubleday, 1992, p. 6. 44 Ibidem, p. 122.

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6,3). Por essas razões, conclui Jean Louis Ska, será tido como mais antigo e como Grundschrift,

“documento-base” (Ska sugere conferir Ewald).

Mesmo assim, percebe-se que as tendências em acreditar que o Pentateuco – ou pelo menos

o Gênesis e o Êxodo – foi discorrido de “fora a fora” eram muito fortes, pois ainda não havia a

ideia firmada das diversas fontes que poderiam compor o referido Pentateuco, a dar a impressão

de que as pesquisas de De Wette surtiram um efeito não tão radical como se esperava. Porém,

enfatiza-se que a crença na revelação do nome divino Yahweh em Êxodo 3,14; 6,3 como fato

histórico ainda reflete uma característica de época na qual não são conhecidos os achados

extrabíblicos como na estela moabita do rei Mesha datada por volta de 840 a.C. Da mesma

forma, ressalta-se que, apesar do avanço dos estudos bíblicos contemporâneos, não se pode exigir

dos autores em suas respectivas épocas o conhecimento que se possui nos dias atuais, pois as suas

pesquisas se enquadram dentro dos recursos que eles possuiam.

Ska afirma que três obras importantes irão mudar esse cenário acadêmico, antes de

Wellhausen:

1ª) Em 1798, Karl David Ilgen distingue dois eloístas, um mais antigo e outro mais recente.

Segundo Ska, o “eloísta mais recente” tornar-se-á a “narrativa sacerdotal” da hipótese

documental clássica; o outro é o eloísta pré-exílico. Para o autor Ska, Ilgen julgava que esses

documentos integrassem os arquivos do templo de Jerusalém, espalhados quando o exército

babilônio destruiu a cidade, por volta de 587/586 a.C. A descoberta de Ilgen, conforme Ska,

ficará esquecida por muito tempo, até Hupfield, em 1853, lhe dar nova vida45.

2ª) Hermann Hupfield, professor em Marburg e depois em Halle, escreveu, em 1853, um

estudo relevante sobre as “fontes do Gênesis”. Na visão de Ska, são duas suas contribuições mais

importantes à exegese do seu tempo: a) A primeira foi provar a validade da hipótese documental

contra a hipótese dos fragmentos (Geddes, Vater, De Wette, nos seus primeiros livros), e a dos

complementos (Ewald, Bleek, Tuch, De Wette em suas últimas obras); b) A segunda foi

distinguir, como Ilgen, mas sem o conhecer, dois eloístas, um mais antigo e outro mais recente.

Para Hupfeld, portanto, há três fontes do Gênesis, em ordem cronológica: o primeiro eloísta (que

45 Ibidem, p. 122. Sobre este exegeta, Ska sugere conferir SEIDEL, B. Karl David Ilgen und die Pentateuchforschung im Umkreis der sogenannten Älteren Urkundenhypothese: Studien zur Geschichte der exegetischen Hermeneutik in der späten Aufklärung. Beihefte Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 213; Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1993.

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se tornará a narrativa eloísta sacerdotal), o segundo eloísta (o eloísta da hipótese documental

clássica), e, enfim, o javista. Porém, de acordo com Ska, essa ordem mudará.

3ª) Um ano depois, Riehm separa, definitivamente, o Deuteronômio do resto do Pentateuco,

a ver nele uma fonte independente.

Nas pesquisas de Ska, nesses mesmos termos, tudo está preparado para a elaboração de

uma hipótese completa, a das quatro fontes: duas eloístas (E1 e E2), uma javista (J) e o

Deuteronômio (D). Para Ska, como referência cronológica certa consta o elo entre o

Deuteronômio e a reforma de Josias, que ocorreu por volta de 622 a.C. Conclui o estudioso Jean

Louis Ska que resta apenas a tarefa de dar a cada peça seu devido lugar.

Em suma, as referências anteriores apontam para o processo de desenvolvimento até chegar

à Teoria das Fontes como é conhecida nos dias de hoje. A Teoria das Fontes não foi uma

invenção de Wellhausen, mas foi resultado de um processo de estudos e pesquisas que levaram a

concluir que o Pentateuco teria quatro fontes, como serão desdobradas em seguida.

1.5 A Hipótese em Matéria de Fato e os estudos de Wellhausen

Relata Jean Louis Ska46 que, em 1833, Edouard Reuss, professor em Estrasburgo, nota que

os profetas pré-exílicos desconhecem as prescrições da lei mosaica, particularmente as rituais,

por sua vez muito próximas dos textos pós-exílicos, como os de Ezequiel. Devem ser, portanto,

segundo o autor, leis pós-exílicas. Conforme Jean Louis Ska, Reuss, porém, não publicou a sua

descoberta47, e coube a seu discípulo Karl Heinrich Graf demonstrar, em 1866, o acerto daquela

intuição.

Atenta-se que Edouard Reuss de alguma forma estava imbuído das descobertas e

observações de De Wette na questão dos profetas pré-exílicos desconhecerem as prescrições da

lei mosaica, particularmente as rituais, e por tais leis serem pós-exílicas, e de Moisés na verdade

se tratar de uma figura epônima criada no pós-exílio. Nesse instante, Reus e seu pupilo Graf

46 Ibidem, p. 123. 47 Ibidem, p. 123. Ska recomenda ver o último livro dele: REUSS, E. Die Geschichte der Heiligen Schrift des Alten Testaments. Braunschweig, 1881.

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apontam de certa forma a consolidação da figura de Moisés como criação pós-exílica, e não como

o autor de todo o Pentateuco.

Aponta Ska que, apoiado nas conclusões de Reuss e Hupfeld, Graf afirma que o eloísta

deve ser não a primeira, mas a última fonte do Pentateuco, e que não pode ter sido escrita antes

do exílio. De forma independente, afirma Ska, o notável exegeta holandês Abraham Kuenen

chega às mesmas conclusões em 1869. Relata Ska que, pela primeira vez, Kuenen chamará esse

eloísta de Priestercodex (código sacerdotal), ao dar-lhe como sigla a letra P.

Acima, foi relatado como a fonte eloísta tardia ou recente foi denominada de fonte

Sacerdotal ou Priestercodex (código sacerdotal). A partir da denominação de Kuenen, Julius

Wellhausen iniciará a Teoria das Fontes como a conhecemos hoje, juntamente com a do

procedimento apresentado no item anterior.

No raciocínio de Jean Louis Ska, Julius Wellhausen vai conferir a esses estudos uma forma

clássica e definitiva, graças à clareza de suas exposições e limpidez de seu estilo48. Conforme as

pesquisas de Ska, a obra mais importante de Wellhausen não é, como se pensa muitas vezes, sua

Die Composition des Hexateuch und der historischen Bücher des Alten Testaments (Berlin, 1866,

1868, 1899). Na visão de Ska, para melhor apreciar o talento de Wellhausen, e captar melhor as

suas intenções, é preciso ler Prolegomena zur Geschichte Israels (Berlin, 1883)49.

Conforme as análises de Ska, antes de tudo, Wellhausen é um historiador que deseja

reconstruir uma “história de Israel”, mais concretamente uma “história da religião de Israel”.

Hoje, afirma Ska, sabe-se que os exegetas da primeira metade do século XIX tinham pouco

interesse pelos textos em si mesmos, suas qualidades literárias, seu conteúdo intrínseco. De

acordo com Ska, raros, nessa época, eram os comentários. Afirma o autor Ska que, por causa da

filosofia hegeliana e dos românticos como Herder, os exegetas queriam estudar, principalmente a

história e, por isso, empenhavam-se na datação das fontes, ponto de partida indispensável neste

48 Ibidem, p. 123. Sobre este autor, Ska sugere conferir SMEND, R. Deutsche Alttestamentler in drei Jahrhunderten. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989, p. 99-113. Segundo Ska, Julius Wellhausen foi professor em Greifswald, Halle, Marburg e Gottingen. 49 Ibidem, p. 123. Ska recomenda a leitura da tradução inglesa da obra: WELLHAUSEN, J. Prolegomena to the History of Israel: With a Reprint of the Article ‘Israel’ from the Encyclopaedia Britannica, Cambridge Library Collection – Biblical Studies, 1885. Scholars Press Reprints and Translations Series; Atlanta: Scholars, 1994, com o prefácio de W. Robestson Smith, autor da primeira tradução da referida obra de Wellhausen, que perdeu a sua cátedra em Aberdeen no ano de 1881 por causa de sua simpatia pelas ideias de Wellhausen. Conforme Ska, o mesmo ocorreu com o bispo anglicano de Natal, África do Sul, John William Colenso, que defendia em seus livros teorias sobre o Pentateuco provenientes da Alemanha. Ska sugere conferir também BLENKINSOPP, J. The Pentateuch: An Introduction to the First Five Books of the Bible. The Anchor Bible Reference Library. New York/London: Doubleday, 1992, p. 12.

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estudo, e entendiam a história como evolução ou desenvolvimento dialético, segundo o novo

esquema hegeliano: tese-antítese-síntese.

No entanto, enfatiza Ska, como os românticos, o período ideal não era o último, mas o

primeiro, pois Wellhausen, como De Wette e muitos outros autores do período e seus seguidores

até hoje, apreciam sobremaneira os tempos antigos, com bem menor estima pelos períodos

recentes, e a evolução era vista como processo decadente, de degeneração progressiva.

Por último, considera Ska, a oposição luterana entre Lei e Evangelho (Gesetz und

Evangelium) marcará sensivelmente as reconstruções da “escola de Wellhausen”, pois como

discípulo do protestantismo liberal, Wellhausen, no raciocínio de Ska, tenderá a identificar o

Evangelho como uma religião natural, racional e humanista.

Segundo o pensamento de Ska, deve-se acrescentar a essas razões intelectuais a enorme

admiração de Wellhausen pela monarquia prussiana, sob a qual se concretizava a unificação da

Alemanha. Analogicamente, afirma Ska, Wellhausen nutria imensa estima por Davi e o início da

monarquia unificada, porque via muitas semelhanças entre essa época e a história contemporânea

de seu país, pois, para ele, o início da monarquia israelita representava a idade de ouro da religião

de Israel50.

Relata Ska que, no prefácio do Prolegomena, Wellhausen, com tocante sinceridade, expõe

seus sentimentos em relação ao Antigo Testamento. Segundo Ska, Wellhausen começou a estudar

o Antigo Testamento pelos livros de Samuel, a história de Elias e os primeiros profetas, Amós e

Isaías, que leu com grande prazer. Em seguida, conforme as pesquisas de Ska, propôs-se a ler

também a “Lei”, que precede os profetas. Logo, porém, de acordo com Ska, desgostou-se dessa

leitura, especialmente no momento em que chegou aos textos legislativos de Êxodo, Levítico e

Números.

Ska afirma que Wellhausen não conseguia aceitar que, inicialmente, a religião de Israel

tivesse sido legalista e ritualista, e, ao conhecer os livros de Graf, entusiasmou-se, aliviado,

porque os referidos livros demonstravam o caráter dessas partes do Pentateuco.

Nos conhecimentos de Ska, Wellhausen, ao ter estudado acuradamente as leis e as

narrações, distingue três períodos marcantes na religião de Israel: o início da monarquia, a

50 Aqui, deve-se explicar o contexto de época em que os estudiosos utilizaram os recursos de que dispunham à altura. Percebe-se que nesse contexto não há o questionamento sobre a veracidade dos fatos sobre a monarquia unificada de Israel e Judá e da construção do Templo de Salomão, pois para Wellhausen a narrativa bíblica sobre a monarquia unificada é realmente fato histórico; ele não cogita a hipótese de uma invenção literária.

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reforma deuteronomista51 e o período pós-exílio (o segundo templo). Pois, para Ska, a essas três

etapas correspondem três momentos de atividade literária. De acordo com o autor Jean Louis

Ska, no começo da monarquia, foram escritos o javista e depois, o eloísta, porém, Wellhausen

não os distingue, pois para ele (Wellhausen) ambos são denominados como jeovista. O

Deuteronômio, como se sabe, na visão de Ska, apareceu com a reforma deuteronomista que

ocorreu por volta de 622 a.C.

Até o momento, Jean Louis Ska apontou Julius Wellhausen como um homem de sua época,

que apesar de estar no caminho de negar a existência factual de Moisés, devido ao momento

histórico que ele vivia no contexto da Unificação da Alemanha por Otto Von Bismarck, ele

acreditava no Reino Unido de Israel de Judá como fato histórico. Compreende-se pelo motivo da

arqueologia bíblica ser praticamente inexistente nesta época; o melhor que os autores como

Wellhausen poderiam fazer era depender das narrativas bíblicas conforme o limite dos seus

respectivos conhecimentos.

Para haver um questionamento sobre a existência de Moisés, De Wette teve que fazer um

estudo comparativo entre os livros de Crônicas e os livros de Samuel e Reis. Porém, neste

contexto, desconhece-se a análise literária de personagens e das narrativas bíblicas como

literatura. Compreende-se agora que provavelmente tais autores não negariam a existência de

Moisés, mas tirariam, por motivos óbvios, a sua autoria de todo o Pentateuco conforme a tradição

religiosa judaico-cristã.

Conforme as observações de Ska sobre as pesquisas de Wellhausen, os escritos sacerdotais

pertencem ao período pós-exílico52 e, por consequência, a lei não está na origem de Israel, mas na

origem do judaísmo53. Para Ska, no que respeita à hipótese documental, Wellhausen estabelece a

51 Nesta nota, há a necessidade de se diferenciar o Deuteronomista do Deuteronômico. De acordo com LOHFINK, Norbert. Las tradiciones Del Pentateuco en la época del exílio, Cuadernos Bíblicos 97, Navarra: Verbo Divino, 1999, p. 42, “Deuteronômico” é relativo ao livro do Deuteronômio; e “Deuteronomista” é relativo à história deuteronomista e à escola responsável pelos livros desde Josué até 2 Reis. Aqui opta-se pelo termo “Deuteronomista”. 52 Ibidem, p. 125. Conforme os estudos de Ska, na primeira parte do Prolegomena, Wellhausen estuda os centros cultuais, os sacrifícios, as festas, os sacerdotes e levitas, e a organização do sacerdócio (taxas, dízimos e outros tributos). Ska sugere ver um resumo em CAZELLES, H. La Torah ou Pentateuque. In: CAZELLES, H. (ed.). Introduction critique à l’Ancien Testament. Introduction à la Bible, Édition nouvelle, t. II. Paris: Desclée, 1973, pp. 122-124; além do artigo PURY, A. de; ROMER, T. Le Pentateuque en question: Position du probleme et breve histoire de la recherché. In: PURY, A. de; ROMER, T. (eds.). Le Pentateuque en Question: Les origines et la composition des cinq premiers livres de la Bible à la lumière des recherches recentes. Genève, 1992, pp. 26-27. 53 Ibidem, p. 125. Ska recomenda ver PERLITT, L. Hebraismus – Deuteronomismus – Judaismus. In: BRAULIK, G.; GROSS, W.; McEVENUE, S. (eds.). Biblische Theologie und gesellschaftlicher. Wandel: FS Norbert Lohfink SJ; Freiburg: Herder, 1993.

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ordem clássica das fontes: J (javista); E (eloísta); D (Deuteronômio) e P (Priestercodex ou código

sacerdotal, que Wellhausen chama de Q, da palavra latina quattuor, porque esse relato contaria

quatro alianças de Yahweh com a humanidade: com Adão, com Noé, com Abraão e com Israel,

no Sinai)54.

Para as percepções de Ska, a religião do javista é natural, espontânea, livre e genuína. No

Deuteronômio, afirma o autor Ska, principia um processo de Denaturierung, de degeneração,

acompanhado por progressiva centralização e ritualização da religião. Conforme Ska, as regras

aleijam a espontaneidade, e esse processo chega ao auge da religião instaurada pelo sacerdócio,

após o exílio: legalismo e ritualismo sufocam a liberdade. Nos estudos de Ska, a religião segundo

Wellhausen não cresce mais no chão concreto da vida, porque se encontra enraizada nas

abstrações sacerdotais.

Ska aponta para um exemplo característico do pensamento de Wellhausen, no qual é como

ele (Wellhausen) apresenta a evolução dos sacrifícios e das festas em Israel, em que no início da

monarquia, o ritmo da liturgia e dos sacrifícios seguia as estações do ano, sem datas prefixadas

no calendário, e os sacrifícios eram oferecidos pelas famílias, em santuários locais.

Observa Jean Louis Ska que, com a reforma deuteronomista, o calendário litúrgico afasta-

se do natural da vida, e as festas passam a evocar acontecimentos da história de Israel e o cálculo

matemático prevalece sobre as estações. No estágio final, ressalta Ska, a liturgia desliga-se

totalmente da vida e da natureza, e os sacerdotes introduzem um calendário preciso para cada

festa (Levítico 23) ao criarem uma nova comemoração, “o dia do Grande Perdão” (Levítico

16,23,26-32). Enfatiza Ska que as preocupações do dia a dia cedem lugar ao sentimento de culpa,

o culto se concentra no “pecado” e a liturgia visa, sobretudo, à expiação.

Conforme as anotações de Ska, essa visão negativa do período pós-exílico e a incapacidade

de lhe perceber o sentido em seu contexto histórico reduzem a autoridade do sistema de

Wellhausen e de seus discípulos55. Adverte Ska que historiadores e exegetas precisam de bastante

cuidado, ao se valerem do esquema evolucionista, de formato hegeliano, e da visão romântica

sobre a religião primitiva, espontânea e livre.

54 Ibidem, p. 125. De acordo com Ska, neste momento Wellhausen se engana, pois na fonte P só há alianças com Noé (Gênesis 9) e Abraão (Gênesis 17). 55 Ibidem, p. 126. Ska recomenda ver BLENKINSOPP, J. The Pentateuch: An Introduction to the First Five Books of the Bible. The Anchor Bible Reference Library. New York/London: Doubleday, 1992, p. 9.

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Nas observações de Ska, a história não obedece à filosofia e as culturas antigas padecem de

mais restrições e pressões do que imaginavam Herder e Rousseau, pois Wellhausen, enfim,

traduzia em categorias históricas o credo luterano referente à lei e ao Evangelho. De início,

enfatiza Ska, na religião de Israel reinava um Evangelho genuíno, a religião primitiva da

monarquia davídica. Depois, aponta Ska, a lei entra em cena com a reforma deuteronomista.

Raciocina o autor Jean Louis Ska que, com a religião dos sacerdotes, após o exílio,

instaurada a teocracia ou hierocracia do segundo templo, a religião natural morre e o legalismo

pontifica. Relata o estudioso Ska que será necessário esperar o Novo Testamento para debelar a

escravidão da lei e substituí-la pelo Evangelho da liberdade. Para Ska, a esta visão pode-se,

facilmente, objetar que a história de Israel é muito mais complexa e pode ser arriscado pretender

captar um grande movimento de ideias ao lançar mão apenas de duas categorias fundamentais.

Tal desenvolvimento já foi abordado aqui anteriormente. Conforme Ska, não com as

palavras que serão expostas, havia uma espécie de modismo antropológico evolucionista que era

tendência de toda e qualquer literatura nesta época na Europa de produção intelectual (França,

Inglaterra e Alemanha). Na questão religiosa, Wellhausen não compreende que o pensamento

dele é fruto de uma institucionalização do Cristianismo ao defender que o Evangelho de Jesus de

Nazaré e o Novo Testamento representam a libertação do legalismo, a ser que o próprio

Cristianismo transfere tais palavras por meio de estruturas legalistas, sejam elas literárias ou

hierárquicas.

Portanto, apesar da crença de Wellhausen, nos dias atuais, conforme o afirmado

anteriormente, deve-se ter ciência de que toda e qualquer religião, para firmar a sua existência e

identidade, precisa se institucionalizar, e como a institucionalização é feita por homens, homens

erram, e todas as religiões, quando institucionalizadas, possuem os seus problemas e defeitos; não

existe religião perfeita.

Conforme Ska, vale reconhecer, contudo, que, apesar dessas claras limitações, as pesquisas

de Wellhausen permanecem extremamente úteis nos estudos atuais (conforme a data do livro de

Ska, que é o ano de 2003) do Pentateuco. Para o autor, a comparação entre os diversos códigos de

leis e seus critérios para a distinção de fontes representam instrumentos ainda válidos para a

exegese moderna, sem se esquecer da sensibilidade, do bom senso e da prudência que

Wellhausen sempre demonstrou, exemplarmente, na visão de Ska.

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Quanto à utilidade da teoria das fontes, conforme o afirmado anteriormente, é de ressaltar

que ela ainda é ensinada nos seminários de teologia devido ao choque que a referida causa ao

teologando, que acredita na transcendência da Bíblia; mas, mesmo assim, tal teoria possui os seus

questionamentos em alguns aspectos, como por exemplo, Wellhausen acreditou que houve

produção literária na época da monarquia unida, principalmente a partir do reinado de Davi, mas

hoje em dia, de acordo com as descobertas arqueológicas, percebe-se que o reino de Judá não

teria condições de desenvolver grandes produções intelectuais naquela época.

Em suas conclusões, Ska aponta que a partir daí a hipótese documental assumirá sua forma

clássica, familiar a todos os estudiosos do Pentateuco, na qual há quatro fontes: a javista (J),

escrita no Sul, no século IX; a eloísta (E), escrita, mais ou menos, um século depois, no reino do

Norte e baseada nos primeiros profetas (século VIII); o Deuteronômio (D), que, no seu núcleo

mais antigo, remonta à reforma de Josias, em aproximadamente 622 a.C.; e a sacerdotal (P), obra

exílica ou pós-exílica.

Para Ska, com toda a probabilidade, o Pentateuco atual foi compilado na época do

“segundo templo”, e muitos ligam esta redação à reforma de Esdras (cf. Neemias 8).

Conforme tal percepção, o Pentateuco como se conhece atualmente foi compilado na época

do “segundo templo”. Entretanto, os livros como conhecemos foram confeccionados em rolos,

que por sua vez eram guardados em grupos de rolos da Lei, rolos dos Profetas e rolos dos

Escritos, e naquele contexto não poderiam ser todos reunidos em um só rolo devido ao

desconforto para carregá-lo. Algo que contribuiu para o desenvolvimento da teoria das fontes foi

a codificação de todos em um só volume ou livro, e no contexto do pós-exílio não haveria

qualquer questionamento sobre as origens dos manuscritos, pois os escribas eram os que liam em

público, escreviam e organizavam os livros da Bíblia Hebraica como a conhecemos, assim como

eram detentores do conhecimento que seria transmitido para o povo.

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2. Origens da Teoria Deuteronomista

À descoberta do “Deuteronomismo”56, Thomas Römer57 relata uma história na qual, em

uma nota de rodapé em sua tese de doutorado de 1805, o estudioso suíço Wilhelm Martin

Leberecht De Wette identificou o livro “encontrado” no templo sob o reinado de Josias (de

acordo com o relato de 2 Reis 22) com o livro do Deuteronômio, ou com a sua primeira edição,

ao sugerir que o livro do Deuteronômio original teria sido composto para legitimar a nova

organização das questões cultuais e políticas realizadas pelo rei Josias.

Vinte anos antes, por volta de 1785, afirma Römer que o filósofo francês (François-Marie

Arouet) Voltaire havia defendido a mesma ideia, ao ponto de dissociar o Deuteronômio do resto

do Pentateuco e atribuí-lo a um autor individual; mas, conforme Römer, De Wette foi quem deu o

passo decisivo, por defender a existência de um Tetrateuco que continha os livros de Gênesis,

Êxodo, Levítico e Números, e que as posições ideológicas desses livros são totalmente diferentes

das do livro de Deuteronômio, pois o estudioso suíço compreendia que o grupo Gênesis-Números

deveria ser entendido como uma coleção de vários fragmentos sem nenhum material histórico

autêntico, ao passo que o Deuteronômio era uma nova versão, ou remake “mítico” com material

contido nos livros do Tetrateuco.

Sobre Voltaire ter dissociado antes de De Wette o Deuteronômio do restante do Pentateuco,

percebe-se que ele não ganhou fama merecida por não ser considerado um estudioso do

Pentateuco e do Antigo Testamento ou Bíblia Hebraica. Porém, por ele não ser um grande

conhecedor do assunto, demonstra-se que ele não é tolo e sabe quando os textos divergem em

algum aspecto, como no caso do Deuteronômio com os demais livros do Pentateuco.

Mas De Wette ganha o mérito por ser um revolucionário, que descobriu a teoria das fontes

a partir dos Cronistas, e não do Gênesis e do Êxodo, conforme alguns dos seus antecessores. De

Wette foi mais revolucionário do que Wellhausen, que, por sua vez, apenas agrupou tudo o que

foi estudado sobre o assunto das referidas (fontes).

Nos estudos de Römer, indica-se que as ideias de De Wette foram assumidas e utilizadas

pelo bispo inglês, teólogo e matemático (John William) Colenso em 186358. Colenso empreendeu

56 O autor Thomas Römer coloca entre aspas desta forma. 57 RÖMER, T. op. cit., pp. 24-25. 58 Ibidem, p. 25. Römer afirma que pode ser encontrado no livro COLENSO, J.W. Pentateuch and Book of Joshua Critically Examined, Part III. London: Longman; Green & Co., 1863.

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um exame detalhado do vocabulário hebraico do Deuteronômio e destacou não apenas a

diferença deste vocabulário em relação à linguagem do Tetrateuco, mas também sua proximidade

com a linguagem dos Profetas Anteriores59. Ou seja, o bispo Colenso se aprofundou na ideia de

De Wette com o intuito de reforçar a sua tese e de descobrir mais sobre a fonte deuteronomista.

Nesse momento percebe-se que há um princípio da descoberta da fonte Deuteronomista

como fonte mais antiga do que as outras três, eloísta, javista e logicamente a sacerdotal que é

pós-exílica, devido a sua linguagem apresentar maior anterioridade do que a do Tetrateuco.

Contudo, não houve ampla divulgação até que os pesquisadores tivessem certeza das suas

descobertas, que talvez até os perturbassem ou de alguma, ou de diversas formas.

Jean Louis Ska60 traz a sequência da discussão através dos famosos exegetas alemães

Gerhard Von Rad e Martin Noth já no século XX. Em 1938, Gerhard Von Rad escreve sobre o

Hexateuco61 em sua obra fundamental Das formgeschichtliche Problem des Hexateuch (O

Problema da História das Formas do Hexateuco)62, na qual, para ele, o núcleo das tradições sobre

as origens de Israel está no “pequeno credo histórico” de Israel, como, por exemplo, em

Deuteronômio 6,21-23 e sobretudo 26,5-9 (cf. Josué 24,2-13), e na visão de Von Rad, esse

“credo” termina com a menção do dom da terra. Conclui sobre isso Von Rad que não se deve

falar de Pentateuco, e sim de Hexateuco, pois a tradição sobre as origens de Israel devia concluir

com a narrativa da conquista agora inserida no livro de Josué, o sexto livro da Bíblia Hebraica.

Entretanto, continua Jean Louis Ska, a tese de von Rad foi contestada por um discípulo seu,

Martin Noth, no ano de 1948, na obra Uberlieferungsgeschite des Pentateuch (A História das

Tradições do Pentateuco)63, obra que, segundo o autor Ska, está na origem da denominação

59 Profetas Anteriores corresponde ao conjunto de livros do Canon Hebraico dos nübì´îm – ~y aiÞbin> (“profetas”) cujas obras são os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. 60 SKA, J.L. op. cit., pp. 18-19. 61 Ibidem, pp. 17-18. Conforme Jean Louis Ska, a teoria do Hexateuco foi primeiramente fundamentada por Henriech Ewald na coletânea EWALD, H. Geschichte des Volkes Israel, vol. I, Gottingen, 1864, p. 94, cuja defesa era que a primeira obra histórica de Israel foi “o livro das origens” (Das buch der Ursprunge), que abarca o Pentateuco e o livro de Josué. Assim, conforme Ska, pensaram da mesma forma Bonfrère (1625), Spinoza (1670) e Geddes (1792). Depois de Ewald, afirma Jean Louis Ska, tornou-se comum unir o livro de Josué ao Pentateuco, a se falar, então, de “Hexateuco” (“seis rolos”) e não mais de Pentateuco. Assim temos a obra clássica de Julius Wellhausen, WELLHAUSEN, J. Die Composition des Hexateuchs und der historischen Bücher des Alten Testaments. Berlim, 1866, em português: “A composição do Hexateuco e dos livros históricos do Antigo Testamento”. 62 Ibidem, p. 18. O autor faz menção à obra RAD, G. von. Das formgeschichtliche Problem des Hexateuch. Beiträge zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament 4,26, Sttuttgart, 1938. 63 Ibidem, pp. 18-19. A obra referida pelo autor é NOTH, M. Überlieferungsgeschichte des Pentateuch. Stuttgart: Kohlhammer, 1948.

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“Tetrateuco” (“quatro rolos”), porque exclui do Pentateuco o Deuteronômio com base em três

observações64:

1ª) Não há textos “deuteronômicos” nos quatro primeiros livros da Bíblia, excetuado algum

acréscimo sem maior importância. Daí a inexistência de ligação literária mais estreita entre

Gênesis – Números, de um lado, e Deuteronômio, de outro.

2ª) As fontes do Pentateuco não aparecem no livro de Josué. Em outras palavras, narrativas

começadas em Gênesis – Números não continuam no livro de Josué. E, dessa forma, fica muito

difícil falar de Hexateuco65.

3ª) O Deuteronômio é o prefácio da “história deuteronomista” (Josué – Reis). Precede o

“código deuteronômico” uma breve síntese da história de Israel (Deuteronômio 1-3), que repete

dados já conhecidos do leitor do livro dos Números e, conforme Noth, só se entende essa

repetição a ver o Deuteronômio como início de uma nova obra, continuada nos livros históricos,

a saber, Josué – 2 Reis. E, finalmente, que sentido teria Deuteronômio 1-3 se o Deuteronômio

fosse, realmente, conclusão de uma obra que abrangesse o livro de Números?

Para Ska, Noth percebeu que é preciso ler a história deuteronomista “à luz do

Deuteronômio”. No fundo, a “história deuteronomista” é a história da fidelidade de Israel à “Lei

de Moisés” contida no Deuteronômio.

Até o momento, foi apresentada a ruptura teórica de Martin Noth com seu professor

Gerhard Von Rad sobre o Deuteronômio, pois Von Rad defendia um Hexateuco, ao passo que

Noth já defendia o Deuteronômio isolado dos demais livros do Pentateuco, porém como

introdução dos livros da denominada História Deuteronomista (Josué, Juízes, Samuel e Reis).

Todavia, nesse contexto, não se atenta à questão das inserções Sacerdotais nos livros da História

Deuteronomista, como a questão da Arca da Aliança como parte dos referidos (livros), que não

passa de uma criação sacerdotal que ilustrava como o povo de Israel guardava os mandamentos

de Yahweh materialmente e fisicamente, algo que não passava pela cabeça de Martin Noth nesse

contexto de época. Ska ressalta que, para Noth, o Pentateuco se formou quando os dois blocos –

Gênesis – Números, de um lado, e Deuteronômio, juntamente com a história deuteronomista, de

64 Ibidem, pp. 18-19. Segundo NOTH, M. op. cit., pp. 5-6. e MOWINCKEL, S. Tetrateuch – Pentateuch – Hexateuch. Die Berichte uber die Landnahme in den drei altisraelitschen Geschichtswerken. Beihefte Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 90. Berlin, 1964, p. 3. 65 Ibidem, pp. 18-19. Segundo NOTH, M. Überlieferungsgeschichte des Pentateuch. Stuttgart: Kohlhammer, 1948, p. 5. e idem, Das Buch Josua. Handbuch zum Alten Testament vol. I n. 7. Tübingen, 1938, pp. 13-14.

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outro – foram agrupados em uma única e grande obra. Desta forma, o Deuteronômio aparece

como conclusão do Pentateuco, a ser, pois, necessário, separá-lo de Josué e do resto da história

deuteronomista.

Mas, segundo Ska, Noth nunca, jamais, defendeu um “Tetrateuco”, porque para ele, as

fontes antigas, como os atuais Gênesis – Números, pedem uma continuação, ou seja, um relato da

conquista como o do livro de Josué. De acordo com Ska, foi o autor sueco Ivàn Engnell66, em

1945, quem deu o passo decisivo para afirmar a existência de um Tetrateuco independente, ao

apontar que o atual Tetrateuco (Gênesis – Êxodo – Levítico – Números), seria obra do autor

sacerdotal (P), que, por sua vez, teria recolhido e compilado velhas tradições orais, e junto deste

Tetrateuco sacerdotal havia o Deuteronômio e a história deuteronomista. Contudo, observa Ska

que Engnell, infelizmente, apenas enunciou a sua tese, sem fornecer uma argumentação completa

para apoiá-la.

Às posições de Noth e Engnell, aparentemente não é questão para eles como os escribas

organizaram os rolos de cada uma das obras, o que de certa forma não ajudaria na análise das

fontes se cada livro fosse estudado isoladamente. Devido à codificação da Bíblia Hebraica ou

Antigo Testamento, facilitou-se o desenvolvimento da teoria das fontes que algum dia,

independentemente do tempo de demora, iria ser concretizada de alguma forma. Mas ainda se

ressalta que há fontes Sacerdotais no próprio Deuteronômio e na História Deuteronomista (Josué

– Reis), como os relatos da Arca da Aliança que servem como uma espécie de “costura” entre o

que se convencionou chamar de Tetrateuco (Gênesis – Números) o Deuteronômio e a História

Deuteronomista (Josué – Reis) para que haja uma legitimidade contínua nos relatos bíblicos. É,

porém, outro fato que não passou como ideia para Noth e Engnell.

Algo que é primordial nas conclusões de Ska relacionada a algumas questões fundamentais

sobre o Pentateuco à monarquia, que é um dos temas principais da tese, relacionado ao “Primeiro

Templo”, é sobre o cânon da Escritura hebraica, no qual a monarquia está submetida à lei, pois as

instituições mosaicas são capitais para a existência de Israel, enquanto o povo pode prescindir da

monarquia. O que, para o autor Ska, trata-se de uma verdade fruto de trágica e sofrida vivência

no desterro.

66 Ibidem, p. 19. O autor menciona ENGNELL, I. Gamla Testamentet: En traditionshistorisk inledning, I. Stockholm: Svenska Kyrkans Diakonistyrelses Bokforlag, 1945, pp. 209-212.; Idem, The Pentateuch. In: A Rigid Scrutiny: Critical Essays on the Old Testament. Nashville: Vanderbilt University Press, 1969, pp. 50-67.

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Segundo Ska, nota-se que as narrativas do Pentateuco à monarquia estar submetida à lei

correspondem mais a um desejo do que a um fato, pois as instituições mosaicas não são

contemporâneas aos relatos de Samuel e de Reis. Os desterrados e exilados compreendem a sua

situação e condição como consequência da desobediência das leis de Yahweh e por este o

motivo, são bem enfáticos e incisivos acerca da responsabilidade da monarquia sobre as

consequências que trouxeram para o seu povo.

2.1 A História Deuteronomista nos Livros de Reis

De acordo com Römer67, a tradição deuteronomista abrange as redações dos livros de

Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis. Mas como a preocupação principal desta

pesquisa é o Templo monárquico do reino de Judá, o estudo irá se ater aos livros de 1 e 2 Reis,

que retratam a sua construção e a sua destruição.

O autor aponta para uma estruturação relacionada às origens do Templo considerado como

o primeiro68, quando a história da sucessão dinástica de Davi para Salomão chega ao fim em 1

Reis 1-2,13, após uma interrupção em 2 Samuel 21-2469. Relacionado ao desfecho de como

Salomão assumiu o trono do Reino Unido de Israel e de Judá, o autor relata que tal fato,

conforme a narrativa de 1 Reis 1, ocorre de forma similar a uma intriga ao estilo do seriado

estadunidense Dallas70, liderada pelo profeta Natã e a mãe de Salomão, Bat-Sheva, enquanto o

velho Davi parece completamente inválido, sem qualquer capacidade de controlar os

acontecimentos.

Römer afirma que no ciclo de 2 Samuel 9 – 1 Reis 2, a denominada “História da Sucessão

ao Trono de Davi” ou “História da Corte”, a personagem Davi aparece muitas vezes como um rei

fraco, e mesmo moralmente imperfeito, pois após engravidar Bat-Sheva, esposa de Urias, Davi

envia seu marido, um de seus melhores oficiais, para a morte; a mesma Bat-Sheva se tornará mãe

67 RÖMER, T. op. cit., pp. 11-19. 68 Ibidem, pp. 17-19. 69 Ibidem, p. 17. De acordo com o autor, estes quatro capítulos do livro de 2 Samuel formam um apêndice e, no último capítulo, 2 Samuel 24, Davi é apresentado como o fundador do futuro templo. 70 Römer faz menção ao seriado clássico da televisão estadunidense, que vigorou de 1978 a 1991, com catorze temporadas e ao todo 357 capítulos, e não à sua continuação recente, que vigorou de 2012 a 2014, e foi cancelada no mês de outubro de 2014.

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de Salomão (2 Samuel 12). Conforme os estudos do autor, Davi também deve enfrentar revoltas,

especialmente da parte de seu filho Absalão (2 Samuel 13-19) e é obrigado a fugir de Jerusalém.

Após o assassinato de Absalão por Joab, general de Davi, o rei retorna a sua capital, onde

enfrenta nova revolta (2 Samuel 20).

Entende-se por essas colocações de Römer que o rei Davi dos relatos de 2 Samuel 9 – 1

Reis 2 não era um rei tão popular quanto o mito que se sustentou na religião cristã afirma, e

segundo o qual Davi era um rei de acordo com o coração de Deus; pois um rei do qual o povo

não gosta, nem o filho gosta, que mata um de seus melhores soldados para ficar com a mulher

dele (e bons soldados são muito difíceis, e não podem ser mortos a esmo ou por mera

arbitrariedade ou egoísmo do rei) e, no final das contas, não é respeitado na morte ao ocorrer uma

disputa de poder entre os seus filhos Salomão e Adonias não poderia ser tão amado assim, pelo

contrário, o Davi do referido trecho apontado por Römer era um rei desprezado, desprezível,

incompetente e irrelevante, e não o grande homem de vitórias fundador de uma dinastia que, de

acordo com os relatos bíblicos, duraria por volta de quinhentos anos.

Quanto à subsequente história do Rei Salomão (1 Reis 3-11), esta pode ser dividida em

duas partes:

• A primeira parte descreve o Rei Salomão como o rei sábio e construtor do Templo.

Termina com um longo discurso de Salomão em 1 Reis 8, no qual ele verifica que Yahweh

realizou todas as promessas feitas a Davi. Mas ao inaugurar o templo, Salomão já prevê sua

destruição e exílio do povo. Por esta questão apresentada por Römer, dá para entender que esta

redação é pós-exílica, ao ponto de prever a destruição e o exílio dos judaítas, pois mesmo se o rei

Salomão tivesse existido de fato como rei de Israel entre os anos de aproximadamente 970 a 931

a.C., dificilmente (ou impossivelmente) ele faria a previsão exata do que aconteceria por volta do

ano de 586 a.C., que é o possível ano da destruição do “Primeiro Templo”.

• A segunda parte da narrativa de Salomão, em 1 Reis 9-11, apresenta uma visão mais

negativa do rei (apesar de haver a história positiva da visita da rainha de Sabá a Salomão),

especialmente sobre à sua atração por mulheres estrangeiras e divindades estrangeiras. Afirma

Römer que os erros religiosos e políticos de Salomão provocaram o colapso do “Reino Unido”

após a sua morte (1 Reis 12-14). Jeroboão, um antigo servo civil de Salomão, torna-se rei de

Israel, o reino do Norte; estabelece dois santuários javistas, um em Dã e outro em Betel (isto é,

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nas fronteiras norte e sul do reino de Israel) como uma alternativa ao templo Judaíta em

Jerusalém.

Algo que Römer71 aponta e que é interessante enfatizar aqui é a centralização do culto em

Jerusalém, pois, conforme os estudos do autor, a passagem de 1 Reis 15 – 2 Reis 17 relata a

história paralela dos dois reinos; a história é contada a partir de uma perspectiva nitidamente

judaíta, pois todos os reis são submetidos a uma avaliação, que se baseia em sua fidelidade a

Yahweh e em sua observância do mandamento da centralização do culto. Observa atentamente o

autor que os reis judaítas são também comparados com Davi (“Não agiu/não agiu como o seu pai

Davi”). Nota o autor que o critério para a centralização do culto explica por que nenhum rei de

Israel pode satisfazer os padrões ideológicos dos autores ou redatores, nem mesmo Jeú, embora

este seja descrito como um revolucionário Javista que põe fim à dinastia dos Amridas (2 Reis 9-

10).

Segundo Thomas Römer, a história dos dois reinos é narrada sincronicamente, e o Reino do

Norte parece ter sido governado por reis maus, e o rei Acab (1 Reis 16,29-22,40), de acordo com

as observações do autor, parece ter sido o pior deles; pois se diz que ele foi responsável por

introduzir o culto à divindade masculina fenícia Baal, vinculada à tempestade e à fertilidade.

Conforme Römer relata, a situação do Reino do Norte é descrita como anárquica, visto que os

seus reis são assassinados e as suas dinastias mudam frequentemente, ao passo que o Reino do

Sul, pelo contrário, parece ter sido governado todo o tempo por reis da dinastia davídica, e, por

esse motivo, na passagem de 2 Reis 11, envidam-se todos os esforços para apresentar o reinado

de Ataliah, filha de Acab, sobre Judá como ilegítimo. Sobre o assunto, Römer conclui que a

história do Reino do Norte termina com um longo comentário do narrador, que aponta as razões

que levaram à sua queda e a de Samaria, sendo que elas, consequentemente, foram transformadas

em províncias da Assíria (2 Reis 17).

Mas tais relatos hoje em dia já são compreendidos como tendenciosos na intenção de

legitimar a Reforma Deuteronomista de maneira oportuna, caracterizada pela queda do Reino do

Norte. Como o Deuteronomista é escriba apoiador da ideologia da coroa do Reino do Sul

representada pelo rei Josias, obviamente ele vai escrever que todos os reis do Reino do Norte

foram maus e péssimos, tanto como pessoas, quanto em suas atitudes, e é lógico que o Reino

remanescente de Judá vai ter mais reis bons do que ruins. Um dos aspectos da propaganda

71 Ibidem, p. 18.

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deuteronomista foi o de buscar convencer a todos sobre as vantagens que o Reino de Judá teve

sobre o Reino de Israel que foi destruído pelos Assírios. Contudo, quando foi a vez da queda de

Judá, culpou-se a monarquia, independentemente de ter ela gerado reis bons e reis maus.

Há um aspecto o qual Römer aponta72 e não pode deixar de ser explanado que é sobre os

últimos capítulos de 2 Reis (18-25), que narram a história do Reino de Judá até o seu exílio. Tal

ponto possui forte relação com o Templo pré-exílico, pois houve por volta do ano de 622 a.C. a

Reforma Deuteronomista do rei Josias, que objetivava a centralização do culto em Jerusalém.

Segundo afirma o autor, há dois reis na narrativa de 2 Reis 18-25 que recebem atenção particular:

Ezequias e o já referido Josias, sendo que ambos conformam com a vontade de Yahweh, em

contraste com os seus antecessores e sucessores. Na narrativa de 2 Reis 18-20, o rei Ezequias

abole os cultos ilegítimos segundo o yahwismo e os seus respectivos lugares de culto; sob o seu

reinado o cerco assírio de Jerusalém é abandonado por causa da intervenção de Yahweh. Seu

filho Manassés, personagem da narrativa de 2 Reis 21, é apresentado como um dos piores reis de

Judá, embora tenha reinado por 55 anos, o que leva certo comentário no qual como um rei que

reina por tanto tempo, sem nenhuma rebelião ou conspiração encontrada no relato de seu pleito,

pode ter sido considerado um rei tão ruim e péssimo? É algo para se verificar à tendência do

relato bíblico no qual um rei com um pleito tão longo é tão ruim quanto os reis do Reino do Norte

que não conseguiam sustentar uma dinastia por períodos muito longos.

Continua Römer que, após o perverso também Amon traçado pela narrativa

deuteronomista, vem o reinado de Josias, que à primeira vista aparece como desfecho positivo da

monarquia judaíta, já que Josias, após a descoberta do livro da lei no templo, empreende uma

tremenda reorganização do culto, a transformar Jerusalém no único santuário legítimo e a destruir

os símbolos de todos os cultos javistas ilegítimos e outros cultos (2 Reis 22-23). Entretanto, não

somente para Römer, mas para todos aqueles que conhecem a história, nem mesmo a reforma de

Josias é capaz de impedir a destruição de Jerusalém e de Judá pelos babilônios, que, por sua vez,

castigam as revoltas dos sucessores de Josias. Mas Römer atenta para o fato de toda esta história

referida não termina com um comentário final, como seria de se esperar, mas com uma nota um

tanto obscura sobre a libertação do rei judaíta Joaquin de seu cativeiro babilônico, que permanece

na Babilônia, mas se torna um hóspede privilegiado à mesa do rei da Babilônia, de acordo com 2

Reis 25,26-30.

72 Ibidem, pp. 18-19.

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Aqui há muitas questões nas quais o próprio relato bíblico chega a ser contraditório, como

por exemplo o rei Manassés, personagem da narrativa de 2 Reis 21, que é apresentado como um

dos piores reis de Judá, embora tenha reinado por 55 anos, o que leva a certo comentário no qual

como é possível que um rei que reina por tanto tempo, sem nenhuma rebelião ou conspiração

encontrada no relato de seu pleito, pode ter sido considerado um rei tão ruim e péssimo? Na

verdade, foi intenção do deuteronomista falar mal não apenas do rei Manassés, como também do

rei Acaz, por serem reis que fizeram aliança com a Assíria, pois o deuteronomista defende uma

religião Yahwista isenta de rituais que não sejam os vinculados a Yahweh.

De acordo com Finkelstein e Silberman, conforme as descobertas arqueológicas vinculadas

ao período de ambos os reis, o vínculo do reino de Judá com a Assíria foi benéfico para a

organização do referido reino do Sul, pois, conforme os achados, a organização, principalmente

de Jerusalém, era bem maior do que no período de Josias. Deduz-se que no período de Josias

apenas poderia ter havido produção literária imensa para legitimar o reino de Judá como o reino

central, assim como Jerusalém, a sua cidade principal, porém, com organização administrativa

não tão eficiente quanto no período de Acaz e de Manassés.

Conclui Römer73 que, na literatura deuteronomista, o retrato da monarquia é profundamente

ambíguo, pois, por um lado, pode-se encontrar textos que insistem na legitimação divina da

dinastia davídica (em 2 Samuel 7, Yahweh promete, conforme o autor, que ela durará “para

sempre”); por outro lado, há numerosas observações críticas sobre os reis que não se conformam

com a vontade de Yahweh exposta no livro de Deuteronômio. Para Römer, relacionado ao

fracasso da monarquia, a mesma história contém afirmações muito positivas sobre reis judaítas

que não se encaixam bem num contexto de exílio e de deportação. Tal tensão, afirma o autor, é

um primeiro indício da complexidade do material contido nos livros de Deuteronômio até Reis,

comumente rotulado como “História Deuteronomista”, que, de acordo com Römer, necessita de

ser esclarecida por meio do atual debate sobre a teoria.

De acordo com o contexto referido por Römer, na literatura deuteronomista há duas vozes:

uma que legitima a dinastia davídica que pode ser considerada produto da Reforma de Josias ou

Deuteronomista; e outra que é exílica, contundente nas críticas aos piores reis de Judá. São

assuntos que estão inseridos nos mesmos livros e em diversos momentos, até mesmo são

contraditórios. Mas todos esses assuntos de alguma forma possuem a intenção de reunir e

73 Ibidem, p. 19.

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legitimar um raciocínio lógico. Por um lado, houve a propaganda da coroa de Judá como a

remanescente no período de Josias e escolhida por Yahweh para guiar os judaítas e os israelitas, e

por outro, durante o exílio, já que a coroa judaíta perdeu a sua credibilidade devido às péssimas e

terríveis consequências que a referida trouxe a seu povo, ela deveria ser severa e duramente

criticada sem o mínimo pudor pelos desterrados.

2.2 A Questão da Coerência da Redação dos Livros de Deuteronômio a Reis

Claus Westermann é referido por Römer ao retomar determinadas críticas lançadas contra

Martin Noth, ao argumentar que os diferentes livros que constituem a assim chamada História

Deuteronomista não trazem as marcas do mesmo estilo deuteronomista ou ideologia

deuteronomista. Para Westerman, o livro de Juízes, ao contrário dos livros Reis, apresenta uma

visão cíclica da história, enquanto os livros de Samuel mostram muito poucas características

claras de linguagem deuteronomista. Por isso, relata o autor, Wasterman afirma: cada livro dos

Profetas Anteriores provém de um contexto social e histórico diferente, pois mesmo se houve

alguns redatores, eles transmitiram fielmente as antigas tradições orais; por isso, enfatiza Römer,

os textos contidos nos livros históricos deveriam ser considerados provenientes de testemunhas

oculares dos acontecimentos narrados.

A crítica que é feita a Wasterman oriunda de Römer é, porém, que a sua ideia de “tradição

oral” não está de acordo com os resultados das pesquisas antropológicas e sociológicas, que

demonstraram claramente que pôr por escrito aquilo que se pode chamar de “tradição oral”

significa transformação na forma e no conteúdo do material selecionado74, ou seja, ao colocar por

escrito, a narrativa de origem oral não é fiel à original, pois está impregnada de alterações, e

perdeu muito da sua essência.

74 Ibidem, p. 45. O autor sugere conferir obras como: KIRKPATRICK, P.G. The Old Testament and Folklore Study. Journal for the Study of the Old Testament Supplement 62. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998; e WAHL, H.M. Die Jakobserzählungen: Studien zur ihrer mündlichen Überlieferung, Verschrif- tung und Historizität. Beihefte Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 258. Berlin, 1997. Uma obra que Thomas Römer também recomenda, e acha muito interessante e importante é a de NIDITCH, S. Oral World and Written Word – Ancient Israelite Literature. Louisville: Westminster John Knox, 1996, que apresenta a sua rejeição da “noção romântica de um período oral na história de Israel” (RÖMER, T. op. cit., p. 134).

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A tentativa de Claus Westeman é razoável por questionar a plena deuteronomicidade dos

livros da História Deuteronomista, mas ele falha ao afirmar que os textos contidos nos livros

históricos deveriam ser considerados provenientes de testemunhas oculares dos acontecimentos

narrados. Até onde se conhece, nenhum dos relatos bíblicos possuiu alguma testemunha ocular,

pois não passam de histórias contadas para legitimar algo ou alguma coisa. Não se questiona a

existência de determinados personagens bíblicos, mas sim as histórias fabulosas (no sentido de

fábula) e fantásticas (no sentido de fantasia) que circundam por tais personagens. Hoje em dia já

se nega a existência material de Moisés, porém com relação às dos reis Saul, Davi e Salomão,

questiona-se mais os mitos que foram construídos e tecidos sobre eles do que as suas respectivas

existências. Portanto, a questão das testemunhas oculares não está em pauta nos estudos bíblicos,

mas sim o propósito do relato bíblico.

Há outros autores estudiosos do deuteronômio que são Ernst Wurthwein e Alan Graeme

Auld, os quais, de acordo com Römer, afirmam que o núcleo mais antigo da editoração

deuteronomista deve encontrar-se no livro de Reis. Mais tarde, segundo o autor, ao desdobrar o

raciocínio dos referidos estudiosos, em um processo que inclui diversas etapas, foram

acrescentados progressivamente os livros de Samuel, Juízes e, finalmente, Josué; e o

Deuteronômio e o Tetrateuco vieram mais tarde ainda e tiveram contato com autores que

trabalharam os textos e os personagens dos Profetas Anteriores. Aponta Römer que Ernst Axel

Knauf aproxima-se desta posição, já que também ele acredita que apenas os livros de (Samuel e)

Reis poderiam ser rotulados como “História Deuteronomista”, pois Knauf não considera o

Deuteronômio uma introdução apropriada para o livro histórico seguinte, já que, segundo a

ideologia deuteronomista, a história de Israel começa com o êxodo, pareceria muito mais lógico

iniciar com essa história.

Porém, de acordo com Thomas Römer, se alguém faz uso da ideia de que esta “História

Deuteronomista mais ampla” teria sempre incluído os livros de Êxodo e Números, surgem outros

problemas. Nesse sentido, há a necessidade de explicar a presença dos textos como

Deuteronômio 1-3, que recapitulam os acontecimentos narrados em Êxodo e Números, pois se o

Deuteronômio tivesse sempre seguido Êxodo e Números, simplesmente não haveria motivo para

iniciar com um sumário dos eventos relatados nos livros anteriores. Finalmente, observa Römer

que Knauf argumenta que a assim chamada História Deuteronomista (Deuteronômio – Reis)

nunca é atestada nos sumários históricos, ou nos salmos “históricos”, ao contrário do Pentateuco

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(por exemplo Salmos 74;95), do Hexateuco (Salmos 105;114), ou da “História Primária” que

cobre os livros de Genesis a Reis (exemplos: Salmos 78;106).

Todavia, de acordo com Thomas Römer, caso todas essas coleções estão documentadas nos

Salmos, nenhum deles menciona todas as tradições narrativas que elas contêm, exceto o tardio

Salmo 105. Por isso, explicita Römer, parece um tanto duvidoso afirmar que essas coleções estão

firmemente atestadas nos Salmos, pois, evidentemente, existem alguns textos tardios que procuram

recapitular ou até criar um Hexateuco (Josué 24) ou uma “História Primária” (Neemias 9).

Da mesma forma, porém, conforme o autor Römer, há no Salmo 136 um sumário do

Tetrateuco (que termina com a conquista da Transjordânia, como faz o livro de Números); este

salmo, de acordo com Römer, parece considerar que o Deuteronômio pertence aos livros

seguintes. Finalmente, percebe o autor Römer, 2 Reis 17,7-23 poderia muito bem ser entendido

como um sumário da História Deuteronomista, pois é verdade que o texto começa com a tradição

do êxodo, mas como não se alude a nenhum outro tema do Tetrateuco, o versículo inicial pode

perfeitamente ser considerado um sumário do livro do Deuteronômio: “O povo de Israel pecou

contra Yahweh seu Deus, que os havia tirado da terra do Egito [...] e prestaram culto a outros

deuses” (versículo 7).

Observa Römer que a identificação de Yahweh como o Deus que tirou Israel do Egito e a

advertência contra outros deuses são dois temas primordiais do Deuteronômio, como também

Deuteronômio 5,6-7;6,12-14;29,14-15. A continuar o raciocínio de Römer em 2 Reis 17,7-23, o

versículo 8 alude à conquista; nos versículos seguintes há alusões ao tempo dos juízes e de

Samuel; os versículos 16-17 referem-se a acontecimentos relatados no livro dos Reis. Para o

autor Thomas Römer, pode-se concluir, portanto, que 2 Reis 17,7-23 pressupõe ou resume todo o

âmbito da História Deuteronomista75.

Ainda é percebida a questão de tirar o povo de Israel do Egito como tema sacerdotal, não

deuteronomista, como Römer afirma, pois se trata de mais uma inserção sacerdotal no

Deuteronômio do que um texto deuteronomista de fato, visto que, por inúmeras vezes, o Egito

pôde ser considerado como pseudônimo de Babilônia, pois, historicamente, nunca os cananeus

(israelitas) viveram na terra do Egito. Apenas cederam a sua força como pagamento aos egípcios

75 Ibidem, p. 47. O autor recomenda, para maiores detalhes sobre 2 Reis 17, conferir um artigo de sua própria autoria, apesar de muitos considerarem isso pedantismo, que é RÖMER, T. The Form-Critical Problem of the So-Called Deuteronomistic History. In: SWEENEY, M.A.; BEN ZVI, E. (orgs.). The Changing Face of Form Criticism for the Twenty-First Century. Grand rapids: Eerdmans, 2003.

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mediante ao regime de corveia. O povo de Judá foi sim considerado estrangeiro na Babilônia,

mas isso jamais foi fato no Egito da Idade do Bronze.

Mas Thomas Römer nos chama a atenção para um aspecto referente ao autor Rosel, pois

contrariamente a este autor Rosel76 e a outros que declaram pela não existência de temas

deuteronomistas a ligar os livros de Deuteronômio até Reis, não se pode, em hipótese alguma,

negar a existência de tais e referidos temas. Enfatiza Römer que há alguns desses traços que

faltam quase totalmente no Tetrateuco, como no caso dos ́élöhîm ´áHërîm – ~y r Iøßxea ] ~y h i’îl{a/, os

“outros deuses”, que é uma expressão considerada um emblema Deuteronomista; e no Tetrateuco

só é atestado duas ou três vezes no livro do Êxodo77. O tema do culto a outros deuses e da

rejeição de Yahweh percorre todos os livros do Deuteronômio até Reis, e apresenta uma

importante explicação para a catástrofe do exílio e a destruição tanto de Israel como de Judá.

Como os livros do Tetrateuco são considerados posteriores aos escritos deuteronomistas, as

pouquíssimas citações do termo ´élöhîm ´áHërîm – ~y r Iøßxea ] ~ y h i’îl{a/, os “outros deuses”, que é

uma expressão considerada um emblema Deuteronomista, podem ser consideradas uma tentativa

de vincular o livro do Êxodo aos propósitos deuteronomistas que muitas vezes coincidem com os

propósitos sacerdotais na questão da unificação e centralização. Deve-se compreender que há a

apropriação de termos para se reforçar a ideologia da centralização, mesmo ela sendo oriunda da

fonte Deuteronomista.

A voltar ao tema do Templo, que é o tema central da tese, este é um aspecto importante

vinculado à centralização do culto e ao “Primeiro Templo”, principalmente na Reforma

Deuteronomista ou Josiânica, cujo objetivo foi, a princípio, tornar o culto em Jerusalém central.

Afirma Römer que o próprio exílio, a deportação para longe da terra dada a Israel, é outro

“ leitimotiv abrangente” na História Deuteronomista, pois, excetuado Levítico 26,27-33, que é um

texto muito tardio, não existe no Tetrateuco nenhuma alusão direta ao exílio. Conforme o

entendimento do autor Römer, evidentemente, um bom número dos textos contidos neste corpus

76 Ibidem, p. 47. Sobre Rosel, o autor recomenda conferir ROSEL, H.N. Does a Comprehensive ‘Leitmotiv’ exist in the Deuteronomistic History? In: RÖMER, T. (org.). The Future of Deuteronomistic History. Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium 147, Leuven, 2000, pp. 195-211. É curioso o fato de ser um artigo de discordância das opiniões de Thomas Römer estar dentro de uma coletânea organizada pelo próprio Römer. Desconhece-se notícias de Rosel ter mudado de ideia sobre a não existência de temas deuteronomistas relacionados aos livros de Deuteronômio até Reis. 77 Ibidem, p. 47. Segundo o autor, as passagens ocorrem em Êxodo 20,3 (= Deuteronômio 5,7); 22,13; Êxodo 34,14 (em sua forma singular). Fora da História Deuteronomista, a expressão ocorre 18 vezes nas partes deuteronomistas de Jeremias, uma vez em Oséias (3,1) e depois nas Crônicas.

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pode ser entendido a luz dos acontecimentos de 597/587 a.C., como por exemplo Êxodo 32,

Números 13-14 e muitos outros, mas esses textos nunca mencionaram o exílio explicitamente,

segundo o autor. Conclui Römer que só no livro de Deuteronômio aborda-se claramente o

desaparecimento de Israel da terra (conferir, por exemplo, Deuteronômio 28, 63-64). E a partir

daí o anúncio da deportação, segundo o autor, ocorre repetidas vezes, especialmente nos

discursos e comentários deuteronomistas. Römer observa que, relacionado com isso, está o uso

da raiz šmD – dm v (“ser exterminado”), que é atestada frequentemente no Deuteronômio e nos

nübì´îm – ~y a iÞb in>, mas não no Tetrateuco78.

Porém, sobre a questão de determinados textos do Tetrateuco nunca mencionarem o exílio

explicitamente, é óbvio que eles não o fariam, pois o propósito era dar a tais textos um tom de

antiguidade, em uma época na qual não existiria a Babilônia como reino poderoso, e como o

Egito era o Reino poderoso da época, foi criada a escravidão e o Êxodo do Egito em comparação

ao exílio na Babilônia. Historicamente, houve uma opressão egípcia sobre os cananeus, mas

jamais de acordo com os relatos do Êxodo. Porém, para haver maior legitimação, o escriba

sacerdotal criou tal história para reforçar o povo de Israel como povo sempre oprimido e cativo

perante as grandes nações. Agora a questão do extermínio do povo de Judá e de Israel, por ser

encontrado no Deuteronômio e nos profetas, abrange um contexto no qual os reis não mais

obedeciam à vontade de Yahweh, provavelmente produzido durante o exílio no qual há a reflexão

da culpa e da responsabilidade dos monarcas sobre o exílio do seu povo.

Römer traz os seguintes modelos: Deuteronômio 28,63 e 68 fazem os seguintes anúncios:

“[...] serás arrancado da terra de que vais tomar posse. [...] Yahweh te fará voltar em navios para

o Egito79, por um caminho que eu te prometi nunca mais verias novamente [...]”. O autor Römer

confirma que estas ameaças são cumpridas no final do livro dos Reis: “Assim Judá foi exilado

para longe de sua terra [...]. Então todo o povo [que não foi deportado para a Babilônia [...] partiu

e foi para o Egito [...]” (2 Reis 25,21/26). Os livros do Deuteronômio até Reis, conforme as

78 Ibidem, p. 47. De acordo com o autor, no tetrateuco só em Gênesis 34,30; Levítico 16,33; Números 33,52. 79 Sobre o mito da escravidão do Egito, as provas materiais apontam que a referida escravidão está vinculada ao regime de corveia aplicado aos povos habitantes de Canaã no período da dominação egípcia da décima oitava à vigésima dinastias (aproximadamente de 1500 a 1100 a.C.), o qual não implicava na moradia dos povos cananeus no Egito, mas sim no pagamento de impostos através de mão de obra subalterna de tais povos. O que aconteceu foi que o faraó Ramsés III nas Batalhas de Djahy e do Delta (1178-1175 a.C.) lutou contra os povos do mar, e as venceu, porém, não teve condições de administrar a região de Canaã devido aos investimentos bélicos, o que consequentemente trouxe a liberdade do regime de corveia aos cananeus, e não porque a personagem epônima Moisés tirou os hebreus do Egito.

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pesquisas de Römer, estão, dessa forma, estreitamente ligados, a tal ponto que juntos explicam

por que Israel e Judá não puderam escapar ao destino que fora anunciado pela personagem

epônima fundante Moisés desde o começo.

Tudo isso se justifica como reflexão do período exílico, pois todos os profetas anunciaram

o fim do Reino de Judá, e haveria uma ancestralidade epônima no anúncio oriundo da

personagem epônima fundante Moisés. São literaturas elaboradas em um mesmo contexto de

época por apresentarem os mesmos temas, e não escritas em épocas extremamente distintas como

os escribas desejaram que todos acreditassem.

Relata o autor Thomas Römer que há também um argumento da crítica das formas para a

unidade de Deuteronômio – Reis, pois na medida em que é deliberadamente composto como um

único e grande discurso da personagem epônima fundante Moisés pronunciado no final de sua

vida, o Deuteronômio, na perspectiva de Römer, proporciona o verdadeiro modelo para os

discursos e testamentos no restante dos livros históricos (especialmente Josué 23, 1 Samuel 12, 1

Reis 8).

Neste tema, conclui Römer que tais observações referidas permitem ainda pensar que os

livros do Deuteronômio até Reis formam uma “História Deuteronomista”, porém, em um sentido

muito distinto daquele dado por Martin Noth.

Para Römer, não importa as discussões relacionadas à negação dos livros de Deuteronômio

até Reis como não detentoras do discurso deuteronomista, pois, para o autor, é muito claro e é

muito difícil contestar a sua posição, principalmente na questão dos “outros deuses” e no exílio,

que são marcas contundentes do deuteronomista.

Mas sobre o apresentado, deve-se compreender que realmente o Deuteronômio e a História

Deuteronomista correspondem a outro agrupamento separado do Pentateuco. Diversos temas,

porém, foram inseridos não apenas no Tetrateuco como nos livros deuteronomistas na intenção

de dar-lhes sequência histórica e legitimidade, como tentativa de vincular uns nos outros.

Contudo, em uma análise mais apurada e detalhada, percebe-se que o Tetrateuco e os escritos

deuteronomistas centralizam-se em temas completamente distintos.

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2.3 A Discussão mais Recente do Estudo da Fonte Deuteronomista

Relacionado ao estado recente da discussão deuteronomista até a obra de Thomas Römer80,

datada de 2005, a considerar a diversidade dos modelos de História Deuteronomista defendidos

nos últimos cinquenta anos e a recente rejeição da hipótese, um estudante da Bíblia Hebraica

poderia perguntar-se como deverá lidar com estas concepções conflitantes, pois de acordo com o

autor Römer, é verdade que, por longo tempo, houve muito pouco debate entre as escolas de

Cross e de Smend; em que suas posições assemelhavam-se a uma guerra religiosa mesquinha

que, por sua vez, tornava difícil avaliar criticamente ambos os modelos. Afirma Thomas Römer,

porém, que os pontos fracos da teoria deuteronomista sublinhados por volta do ano de 2005 por

alguns estudiosos e acadêmicos haviam sido negligenciados por muitas vezes com muita

facilidade.

Mas o referido pesquisador valoriza cada uma das posições acima apresentadas por possuir

intuições valiosas, como o modelo de Cross, o qual apesar de ser motivo de uma discussão inútil,

o referido modelo apresenta uma explicação conveniente para aqueles textos que parecem

pressupor uma ideologia monárquica e são um tanto otimistas sobre o futuro do Estado e da terra,

como o texto de 2 Samuel 7, o qual Martin Noth não levou muito em consideração, ou os relatos

da conquista em Josué 6-11 não parecem refletir ainda a experiência do exílio, mas encaixar-se

melhor no período pré-exílico tardio, em um tempo no qual a hegemonia assíria estava a declinar

e o reino de Judá pôde obter certa autonomia política (ou seja, pelo final do século VII a.C.,

especialmente sob Josias). No entanto, segundo Thomas Römer, um contexto josiânico para a

maioria dos textos da História Deuteronomista, como defendia Cross, não consegue explicar

satisfatoriamente as numerosas alusões à destruição de Jerusalém e ao exílio babilônico

encontráveis na História Deuteronomista, alusões que não podem ser explicadas simplesmente

pela “atualização” exílica de um documento anterior.

O comentário que o referido pesquisador tece sobre a Escola de Gottingen é que ela tem

razão quando realça o quanto o desastre do exílio perpassa a maior parte da História

Deuteronomista, como aparece muito claramente nas contínuas advertências de Yahweh ao povo

e seus reis. Da mesma forma, aponta o citado estudioso, a identificação de três (ou até mais)

camadas redacionais pela escola de Gottingen pode identificar a exagerada simplificação de uma

80 Ibidem, pp. 48-50.

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hipótese de duas edições e, ao mesmo tempo, a multiplicação de camadas deuteronomistas,

especialmente na ciência bíblica alemã, está de certo modo ligada à recente crítica da teoria da

História Deuteronomista; de fato, existem realmente diferença entre a editoração deuteronomista

em Juízes e em Reis, por exemplo, e para Thomas Römer, tais diferenças deveriam ser levadas

mais a sério.

Sobre a tal questão, o referido autor está correto sobre as diferenças de editoração

deuteronomista serem levadas mais a sério, pois dentro dos escritos denominados

deuteronomistas existem diversas vozes que não refletem absolutamente o contexto

deuteronomista na intenção de interligar os textos uns aos outros. O que é curioso é a referência

da questão de Josué como conquistador. Provavelmente, como outro personagem epônimo,

apenas foi vinculado como discípulo de Moisés no período sacerdotal, pois no livro de Josué de

fato cabe à questão da conquista de todo o território de Canaã devido à intenção de Josias em

governar os remanescentes do Reino do Norte, como se Josias fosse o novo Josué.

Dessa forma, segundo Thomas Römer, deve-se refletir se os pontos realçados pelas

diferentes posições da ciência bíblica permite a possibilidade de um novo e promissor

compromisso. De acordo com o referido autor, em seu estudo sobre o livro dos Reis, Iain

William Provan defende que a grande preocupação da escola deuteronomista gira em torno da

abolição dos bämôt – tA m )b ' (santuários ao ar livre), realizada, de acordo com o registro bíblico,

pelo rei Ezequias. O citado pesquisador ressalta que, na opinião de Provan, a edição josiânica da

História Deuteronomista deveria terminar, portanto, com 2 Reis 18-19 e, além do mais, esta

primeira edição não consistia em Deuteronômio – Reis, mas incluía apenas uma primeira versão

dos livros de Samuel e de Reis. Aponta o referido estudioso que, na perspectiva de Provan, os

livros de Deuteronômio, Josué e Juízes foram acrescentados mais tarde, durante o período

neobabilônico, pois a História Deuteronomista primitiva limitava-se, portanto, à história das

monarquias israelita e judaíta, o que coincide com a posição supramencionada de Auld, Knauf e

outros.

Thomas Römer aponta o estudioso Norbert Lohfink, que postulou a existência de uma

narrativa da conquista que se teria limitado aos livros de Deuteronômio e Josué (Deuteronômio 1

– Josué 22), na qual o Lohfink designa esta narrativa original da conquista como

“Deuteronomista Landoberung – Dtr L” (“L” a significar Landoberung, “conquista”) e acredita

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que ela teria sido escrita sob Josias como propaganda para a política expansionista do rei. (Visão

já apoiada anteriormente.)

Conforme o citado estudioso, estas observações tomadas em conjunto podem confirmar a

ideia de que o período neoassírio (mais especificamente o século VII a.C.) deveria ser

considerado o ponto de partida para a produção literária deuteronomista; a existência de uma

atividade de escribas deuteronomistas no tempo de Josias não significa, porém, que se possa fazer

remontar até esse tempo a elaboração da História Deuteronomista em sua forma atual, que vai da

fundação mosaica (Deuteronômio) até à queda de Judá (2 Reis). Pelo contrário, é muito mais

provável que essa “história”, na perspectiva do referido pesquisador, não tenha sido concebida

antes do período exílico, numa tentativa dos antigos escribas régios de enfrentar a crise nacional e

ideológico-cultual de 597/587 a.C. Na visão do autor, existem também alguns indícios que esta

História passou por uma nova redação no período persa.

Mas ainda se questiona o papel de Moisés no Deuteronômio, pois Moisés é extremamente

funcional, e não possui funções tão claras no Deuteronômio, mas sim nos escritos Sacerdotais.

Nenhuma das instituições “fundadas” pela figura epônima Moisés existiam no período da

Reforma Josiânica. Até mesmo pode se deduzir que o Moisés no Deuteronômio seja uma

inserção posterior Sacerdotal, e não Deuteronomista, ou até mesmo que o livro do Deuteronômio

foi o último livro dos escritos Deuteronomistas a ser inserido por fazer referência a Moisés, que é

encontrado no livro de Reis, mas não se desdobram as histórias sobre ele, o que pode ser uma

inserção sacerdotal em 2 Reis 21,8. Além disso, Josué não é encontrado no livro de Reis, mas a

sua obra se identifica muito com as intenções do deuteronomismo de Josias.

Conclui Thomas Römer que, caso os escribas deuteronomistas já estivessem atuando sob o

reinado de Josias, sua atividade literária deveria estar ligada de uma maneira ou de outra aos

interesses da corte real: dessa forma, não era, portanto, um exercício sofisticado de composição

histórica, mas antes uma literatura de propaganda, pois, para o citado autor, uma primeira versão

de Samuel – Reis deve ter sido composta a fim de reforçar a legitimidade de Josias, a apresentá-

lo como o verdadeiro sucessor de Davi, enquanto um documento escrito no espírito dos relatos da

conquista assíria (Deuteronômio – Josué) teria apoiado a política de Josias de legitimar a posse

da terra por parte de Judá em nome do próprio Yahweh. E para o referido estudioso, semelhante

compromisso entre as diferentes opiniões sobre a composição da História Deuteronomista parece

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promissor, pois através dos pontos fortes de cada uma das opiniões referidas sobre o assunto

pode-se chegar a uma conclusão mais sensata e coerente sobre o que foi de fato tal composição.

Romer acentua os pontos principais e os verdadeiros objetivos da fonte Deuteronomista. É

óbvio que a intenção do deuteronomista, por servir os interesses de corte josiânica era de

legitimá-lo como o sucessor de Davi, e conquistador de todo o Reino de Israel e de Judá perante

todos. Mas ressalta-se que dentro dos escritos deuteronomistas outras vozes que não

corresponderam aos ideais do rei Josias também foram inseridas, na intenção de haver ligação

entre os documentos, conforme o já afirmado anteriormente.

2.4 Definição dos Autores “Deuteronomistas”

À definição dos autores Deuteronomistas, Thomas Römer81 faz referência a Martin Noth,

que, por sua vez, afirma que o Deuteronomista (abreviação Dtr) foi um indivíduo que, sem

nenhum vínculo institucional, a princípio, escreveu sua história, aparentemente para o seu próprio

interesse, a fim de explicar a ruína de Judá e Jerusalém em aproximadamente 587 a.C.; pois para

Noth, a história Deuteronomista foi “provavelmente o projeto independente de um homem em

quem as catástrofes históricas por ele presenciadas insuflaram a curiosidade acerca do sentido

daquilo que acontecera, e que procurou responder esta questão num relato histórico abrangente e

completo”. O referido autor recapitula que, à antiga sociedade israelita ou judaíta, trata-se de uma

posição anacrônica, pois como demonstra a pesquisa socioarqueológica e histórica, a instrução

nas sociedades agrárias, como eram Judá e Israel, estava restrita a uma porcentagem muito

pequena da população, que, de acordo com alguns estudiosos, não excedia nem um por cento no

Egito ou na Mesopotâmia.

Segundo o estudioso citado, evidentemente um número maior de pessoas era capaz de

escrever o seu nome e talvez algumas palavras, ou até cartas básicas; mas a capacidade de

escrever rolos ainda se limitava a um pequeno grupo de funcionários e escribas82. Continua

81 Ibidem, p. 50. 82 Ibidem, p. 52. O autor recomenda conferir especialmente a importante obra de JAMIESON-DRAKE, D.W. Scribes and School in Monarchic Judah. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 66. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, que mostra que se pode pressupor para Judá, desde o século VII a.C., capacidades rudimentares de escrita para a população.

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Thomas Römer que, no Judá monárquico, esses “intelectuais” apenas podem estar situados no

palácio e no santuário real, o Templo de Jerusalém, pois não há indícios de um sistema

educacional difundido no Judá monárquico, nem de uma atividade literária como “atividade de

lazer” ou como ocupação não institucional. De acordo com o citado autor, no território de Israel e

Judá, esse fenômeno não ocorre antes do período helenístico; por exemplo o livro de qöheºlet –

tl ,h ,äqo, ou o Eclesiastes, pode, na verdade, segundo o referido pesquisador, refletir a

individualização da atividade literária.

Conforme o afirmado anteriormente pelo estudioso citado, havia o poder dos escribas por

meio da escrita neste contexto da reforma josiânica, e, de fato, tal reforma foi obra de diversos

escribas apoiados e que apoiavam a coroa de Judá, e é completamente rechaçada a hipótese de

Martin Noth uma individualização da atividade literária neste contexto da reforma josiânica, que

ocorre por volta do ano de 622 a.C., e apenas vem a ocorrer no período helenístico (323-146

a.C.). Ou seja, qualquer tentativa de colocar a individualização da atividade literária antes do

período helenístico é discrepante com a realidade.

De acordo com o raciocínio de Thomas Römer, existe quase um consenso sobre o fato de

que Judá não se tornou um estado monárquico desenvolvido antes do século VIII a.C., pois

existem indícios arqueológicos do crescimento de Jerusalém nesta época83; aponta o referido

estudioso que estas mudanças implicam em uma administração real mais desenvolvida com

registros, arquivos etc. Conforme o raciocínio do pesquisador citado, de certa forma, o progresso

de Judá e de Jerusalém é também consequência da destruição da capital de Israel, a cidade de

Samaria, pelos assírios e sua transformação em província assíria, e, consequentemente, o autor

percebe que lê-se muitas vezes sobre refugiados do Norte que chegavam a Jerusalém, e mesmo

assim o referido autor observa que deve-se ter cuidado com concepções demasiadamente

anacrônicas de refugiados, pois eles podem ser oriundos desde a data da destruição do reino de

Israel, até mesmo anteriores ou posteriores à referida data, porém, tais dados são impossíveis de

serem confirmados hoje.

Ressalta o estudioso que alguns habitantes de Israel podem ter chegado a Judá após o ano

da destruição do seu Reino do Norte, por volta de 722 a.C., pois o crescimento de Jerusalém

83 Ibidem, p. 52. O autor sugere conferir AULD, A.G.; STEINER, M.L. Jerusalem I: From the Bronze Age to the Maccabees. Cities of the Biblical World. Cambridge: Lutterwoerth Press, 1996, p. 39.

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resulta primariamente do vácuo criado pela incorporação de Israel e dos Estados arameus ao

império assírio, e certamente implicou um número sempre maior de funcionários poderosos.

Deve-se, porém, re-enfatizar que a melhor fase administrativa do reino de Judá ocorreu nas

gestões dos reis Acaz (c. 743-727 a.C. – antes da queda do Reino do Norte) e Manassés (c. 687-

643 a.C.), que teve o apoio da Assíria, e ao mesmo tempo é muito mal falada pelo

deuteronomista por representar uma perda total da identidade do povo de Judá. Mas, mesmo

assim, percebe-se que os reis Acaz e Manassés de alguma forma, podem ter preparado o terreno

para receber os habitantes do Reino de Israel remanescentes da destruição. Contudo, houve o

oportunismo de Josias, que esperou a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de

668 a 627 a.C.) para iniciar o projeto da Reforma Deuteronomista por volta de 622 a.C.

Conclui o pesquisador que os “deuteronomistas” deveriam, portanto, ser situados entre os

altos funcionários de Jerusalém, provavelmente entre os escribas, mesmo que não se deva excluir

que os funcionários de outros grupos (sacerdotes, “ministros”) tenham apoiado suas ideias

políticas e religiosas.

Desta forma, o estudioso questiona se por acaso deve-se falar de um “movimento”

deuteronomista, de um “partido” deuteronomista, ou de uma “escola” deuteronomista, pois

Römer afirma que, de acordo com Lohfink, “movimento” implica uma grande parte da população

a tomar parte84 nele e isso dificilmente se ajusta aos deuteronomistas. Para o autor, caso a ideia

de um “partido” for tomada no sentido estrito de partido político com um número grande de

membros, deve ser evitada; e se “partido” for tomado em um sentido mais vago de grupo de

indivíduos que pensam da mesma maneira, o termo poderia ser apropriado para os

deuteronomistas.

E, conforme o pensamento de Thomas Römer, caso a expressão “escola deuteronomista”

for tomada primariamente como a referir-se a uma instituição educativa, ela seria enganosa, mas

caso denote um (pequeno) grupo de autores, redatores ou compiladores que compartilham a

mesma ideologia e as mesmas técnicas retóricas e estilísticas, poder-se-ia falar de uma “escola

deuteronomista” (assim como se fala também de uma escola de artistas ou filósofos). No

84 Ibidem, p. 53. LOHFINK, N. Was There a Deuteronomistic Movement? In: SCHEARING, L.S; McKENZIE, S.L. (eds.). Those elusive Deuteronomists: the phenomenon of pan-deuteronomism. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 268; Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999, pp. 36-66, conforme Römer, está inclinado a admitir a ideia de um movimento deuteronomista para o tempo de Josias; mas esta é uma ideia bastante romântica, conforme o autor Römer, baseada em determinada leitura de 2 Reis 22-23.

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raciocínio do referido autor, outros podem preferir termos mais neutros como “grupo” ou

“círculo”; no entanto, a expressão “escola” lembra mais claramente o ambiente de escribas e

intelectuais; conclui o estudioso citado que, por esse motivo, este termo será preferido, mas não

será utilizado com exclusividade.

A perspectiva do citado pesquisador está correta, pois não se pode tomar os

Deuteronomistas como uma escola independente, mas sim como um grupo de escribas que

objetivou propagar intensamente o rei Josias como o monarca central, descendente de Davi, rei

de Judá e dos remanescentes de Israel, cujo centro de devoção a Yahweh seria única e

exclusivamente a cidade de Jerusalém. Caso os deuteronomistas não tivessem nenhuma relação

com a coroa de Judá, não haveria sentido escrever tanta literatura que desse tanta ênfase nos

pontos deuteronomistas ao ponto de buscar convencer a todos que Josias de fato era o rei

legitimado para governar Judá e Israel e a sua cidade, de Jerusalém, seria a principal da devoção

do culto a Yahweh.

O referido autor nos dá uma sugestão para imaginar as atividades literárias desses escribas

(deuteronomistas), ao expressar que a tarefa dos escribas é manter os arquivos e registros dos

impostos para as necessidades da corte e da elite urbana; pois na Antiguidade os santuários e os

palácios eram também receptores de impostos, e os escribas tinham a função de manter os anais,

e estavam envolvidos na correspondência diplomática e compilavam as leis. O pesquisador citado

ressalta que se conhece que os escribas também mantinham os registros de acontecimentos

memoráveis, por exemplo, das atividades proféticas em palácios e templos, e os escribas também

estavam incumbidos de compor propaganda, inscrições ou textos, porém a sua capacidade de

escrever conferia-lhes também certa independência do rei, que nem sempre sabia escrever, e,

como se pode deduzir dos textos egípcios, podem até mesmo ter-se considerado a si mesmos

intelectualmente superiores. Na perspectiva do estudioso, é claro que os escribas também podiam

escrever por própria iniciativa e tentar, através de seus escritos, trazer novas ideias para a política

da corte.

Afirma Thomas Römer85 que os rolos (de papiro ou às vezes de couro) em que eles

escreviam eram guardados em arquivos ou “bibliotecas” situados no palácio ou no templo, e de

acordo com o referido autor, não existem provas, para os tempos da monarquia, de rolos

guardados por indivíduos privadamente, e é impossível imaginar centenas de rolos a circular por

85 Ibidem, p. 54.

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todo o Reino do Sul. Para o pesquisador citado, a primeira localização dos livros é no palácio e

no santuário e esses rolos existiam provavelmente em um único exemplar. Relata o estudioso que

esses rolos ou partes deles talvez tenham sido lidos em ocasiões especiais para o rei ou para o

povo reunido no santuário86. O autor observa que provavelmente os rolos eram também usados

para ensinar aos escribas a “história” e a escrita. O pesquisador percebe que, de tempos em

tempos, faziam-se novas cópias desses rolos, seja porque o papiro estava muito danificado, ou

por causa da necessidade de atualizar ou corrigir o rolo anterior. Seja como for, conclui o autor,

não se deve imaginar a ação de copiar rolos nos moldes do trabalho dos monges nos mosteiros

medievais, pois copiar um rolo significava sempre transformação.

De acordo com Thomas Römer, pode-se imaginar a seguir o raciocínio de Person, uma

organização hierárquica da corporação deuteronomista na qual os escribas inferiores punham por

escrito aquilo que poucos escribas do escalão superior lhes ditavam. O autor comenta que a ideia

muito comum de que copiar incluía preservar servilmente os textos mais antigos não se aplica às

práticas escriturais na Antiguidade. Conforme o pesquisador, os exemplos da recópia da epopeia

de Gilgamesh (na qual há alguns documentos mais antigos conservados) ou de inscrições assírias

demonstraram claramente uma atitude muito livre em relação aos textos mais antigos. Conclui o

estudioso que isso significa que não podemos reconstruir exatamente os textos mais antigos que

foram reeditados em tempos posteriores, mesmo que alguns biblistas ainda pensem poder fazê-lo.

Para o pesquisador, deve-se contentar com as linhas gerais dos documentos mais antigos

hipoteticamente reconstruídos.

Thomas Römer, ao citar Martin Noth, afirma que este último, acertadamente, afirma que a

corporação de escribas deuteronomistas eram autores e redatores, pois em alguns casos usavam

realmente outros documentos, seja para reunir informações (cf. as frequentes referências aos

anais reais dos livros dos Reis) ou para integrá-los em sua obra (para o autor, este pode ser o caso

do “livro dos salvadores” ou “livro dos justos”, que foi usado para criar o período dos juízes);

conclui o autor que podem da mesma forma ter posto por escrito as assim chamadas “tradições

orais”. Provavelmente, conforme o autor, combinavam também rolos independentes menores em

um único rolo (afirma o pesquisador que isso aconteceu de certa forma também com a epopeia de

86 Ibidem, p. 54. Conferir, por exemplo, Jeremias 36. Segundo Römer, mesmo que este texto tenha sido escrito no período persa, pode refletir práticas do tempo da monarquia.

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Gilgamesh: histórias heroicas independentes mais antigas foram arranjadas cronologicamente e

editadas em uma única série de tabuinhas87).

Conforme o pensamento do estudioso, já que a Bíblia Hebraica contém textos e literatura

anônimos (o autor aponta “com a exceção de qöheºlet – tl,h ,äq?”, com o ponto de interrogação,

pois a história deste livro é conhecida, pois atribui-se a obra a “Salomão”, mas não foi de fato o

“filho de Davi” quem escreveu a obra), deve-se ter cuidado de não introduzir um conceito

moderno anacrônico e individualista de autoria. Conclui o referido autor que, para os escribas

israelitas, judaítas e judeus do século VIII ao século IV a.C. não se pode fazer nenhuma distinção

nítida entre autor e redator88.

Em suma, conforme os apontamentos anteriores do estudioso, os escribas tinham muitas

responsabilidades e eram os mais próximos da coroa, cujos escritos poderiam ser encontrados ou

nos templos ou no próprio palácio, e devido à inúmeras cópias do mesmo texto, e à hierarquia

dos escribas, muitas vezes, o texto que era transmitido não era o texto original e poderiam ser

acrescentados conteúdos de acordo com o contexto de época, ao invés dos conteúdos originais

dos textos.

Ao senso comum das ulteriores indicações acerca das origens e da composição da escola

deuteronomista, há um texto na Bíblia Hebraica que muitas vezes é usado para reconstruir a

assim chamada reforma de Josias: 2 Reis 22-23.

87 Ibidem, p. 55. O autor sugere conferir TIGAY, J.H. The Evolution of the Gilgamesh Epic. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1982. 88 Ibidem, p. 55. Römer afirmou na época em que escreveu o livro (no ano de 2005) que J. van Seters fustigou a frequente referência a redatores na ciência bíblica. Relata o autor que, de acordo com van Seters, a ideia de redatores é um grande defeito na atual crítica da Bíblia Hebraica (o autor sugere conferir SETERS, J. van. The Redactor in Biblical Studies: A Nineteenth Century Anachronism. Journal of Northwest Semitic Languages 29, 2003, pp. 1-19). Römer afirma que concorda com van Seters que não se deveria usar o termo redator para os editores da “forma final” de um texto, já que nunca existiu uma tal forma final. Mas pode-se, e até dever-se-ia, usar um termo no sentido mais amplo para designar a reelaboração criativa e a editoração de documentos mais antigos (Romer sugere conferir, por exemplo, The Chambers Dictionary. Edinburgh: Chambers Harrap Publishers, 2003).

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69

2.5 A Escola Deuteronomista: “Encontro do Livro” e Reforma Cúltica

No raciocínio de Thomas Römer89, 2 Reis 22-23 desempenha um papel central no debate

sobre as origens da escola deuteronomista, pois relata como, no 18º ano do reinado de Josias, foi

encontrado um rolo no templo de Jerusalém durante as obras de renovação. De acordo com o

relato, a descoberta foi feita pelo sacerdote Helcias e a leitura deste rolo ao rei pelo alto

funcionário Safã provocou uma reação muito forte. Conforme os dados do capítulo, Josias parece

profundamente afetado pelas maldições do livro; consequentemente, o rei Josias envia Helcias,

Safã e outros funcionários à profetisa Hulda para indagar sobre o sentido do rolo, e Hulda fala à

delegação como se ela fosse Jeremias (o referido autor sugere comparar 2 Reis 22,16-17 com

Jeremias 19,14 e 7,20, que possui falas idênticas); mas, de acordo com o estudioso citado, a

profetisa se refere também a textos importantes da História Deuteronomista como Deuteronômio

6,12-15; 31,29; Juízes 2,12-14a. Ao fazer isso, a profetisa Hulda confirma o julgamento divino

que Yahweh lançará sobre Jerusalém e Judá.

Sobre o rei Josias, a profetisa dá uma mensagem mais positiva: já que esteve atento às

palavras do livro, ele será sepultado em paz (2 Reis 23,1-3). Na sequência, relata o autor, Josias

começa a empreender importantes modificações cultuais em Jerusalém e Judá, ao eliminar os

símbolos cultuais e os sacerdotes das divindades Baal e Asherah, e do “exército celeste”, o que é

uma alusão à veneração ao sol, à lua e às estrelas, assim como Josias profana e destrói os bämôt –

tAm êb', santuários abertos (os “lugares altos”), para a veneração de Yahweh, bem como o †opet –

tp eAj, aparentemente considerado um lugar dedicado à sacrifícios humanos. De acordo com 2

Reis 23,15, ressalta o pesquisador que Josias até demole o altar em Betel, antigo santuário

Yahwista oficial de Israel; para o autor, estes atos de destruição possuem sua contrapartida

positiva na conclusão de um talvez novo tratado entre Yahweh e o povo e na celebração de uma

Páscoa (2 Reis 23,21-23), e ambos os rituais são mediados por Josias e apresentados como

prescrições do rolo descoberto.

Afirma o estudioso que comentadores judeus antigos, bem como alguns padres da Igreja, já

identificaram o livro mencionado em 2 Reis 22-23 como o livro do Deuteronômio, já que os atos

de Josias e a ideologia da centralização, que sustenta sua “reforma”, parecem concordar com as

89 Ibidem, pp. 55-61.

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prescrições da lei deuteronômica (o autor sugere conferir, por exemplo, Deuteronômio 17,13 e 2

Reis 23,4-5; Deuteronômio 12,2-3 e 2 Reis 23,6/14; Deuteronômio 23,18 e 2 Reis 23,7;

Deuteronômio 18,10-11 e 2 Reis 23,24). Segundo o autor, esta identificação foi depois, nos

séculos XIX e XX, usada como uma forma de situar a primitiva edição do Deuteronômio no

tempo de Josias, no último terço do século VII. O referido pesquisador enfatiza que, de acordo

com a teoria da pia fraus (“piedosa fraude”), defendida por Wellhausen e outros, a primeira

edição do Deuteronômio foi escrita a fim de promover a reforma josiânica, disfarçada em

testamento de Moisés e escondida no templo para ser rapidamente descoberta.

Mesmo que Moisés seja citado em 2 Reis 21,8, ele precisa ter uma função, que não é

caracterizada em nenhum dos escritos deuteronomistas, pois pode-se deduzir que as referências a

Moisés são todas Sacerdotais e deduz-se que o leitor, ao escutar o nome de Moisés, já saiba de

quem se trata. A questão de Moisés e da Lei, pode ser desde exílica até sacerdotal, pois ao ser

exílica, há uma crítica aos reis pela desobediência às leis que levou o seu povo ao desterro, e ao

ser sacerdotal, como legitimação de Moisés, como escriba e sacerdote sacralizado por Yahweh

para comandar o seu povo.

Conclui o Thomas Römer que, para esta teoria, o relato do livro descoberto reflete um fato

histórico, o que não está isento de dificuldades, pois para o referido autor, 2 Reis 22-23 é

sobretudo o “mito fundante” dos deuteronomistas e não pode ser usado ingenuamente como

relato da assim chamada reforma feita por uma testemunha ocular. Resume o citado estudioso

que a narrativa, como existe agora, já reflete sobre a destruição de Jerusalém e o exílio babilônico

(especialmente nos discursos da profetisa Hulda, em 2 Reis 22,16-17); por isso, exalta o

pesquisador, no texto presente de 2 Reis 22-23, para usar as palavras de T.R. Hobbs, “o ponto

importante a respeito do reinado e da reforma de Josias é o seu fracasso”. No raciocínio do

estudioso, a “purificação” do templo não adiantou muito, já que ele foi destruído decênios mais

tarde, porém, a descoberta do livro forneceu a possibilidade de entender esta destruição e de

adorar Yahweh sem qualquer templo. (Itálicos do autor Thomas Römer.)

Inclusive o encontro de uma lei de Moisés no templo por volta do ano 622 a.C. é bastante

diacrônico, pois pode-se até dizer que é uma história bem posterior (seja ela exílica ou sacerdotal)

que legitimava a origem da reforma deuteronomista.

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De acordo com o referido autor, o motivo do encontro de livros é na verdade um conceito

muito comum na literatura antiga90 e é geralmente empregado a fim de legitimar mudanças no

campo religioso, econômico ou político, o que significa que a história da restauração do templo e

da descoberta do livro em 2 Reis 22 é com toda a probabilidade uma construção literária

complexa, baseada em motivos do Oriente Médio. Para o citado pesquisador, deve-se na verdade

distinguir em 2 Reis 22-23 diversas fases de composição. Percebe o estudioso que, quanto a 2

Reis 22, é bastante óbvio que o relato da restauração nos versículos 3 a 7 depende literalmente de

2 Reis 12,10-1691.

De acordo com Thomas Römer, a notícia do encontro do livro pelo sacerdote Helcias no

versículo 8 do capítulo 22 de 2 Reis é introduzida muito abruptamente e interrompe a primeira

cena (conferir versículos 3-7/9). Dessa forma, continua o autor, como muitas vezes se afirmou, é

muito provável que em 2 Reis 22 se deva fazer distinção entre duas histórias: o relato da

restauração (Instandsetzungsberricht) e a narrativa sobre a descoberta do livro

(Auffindungsbericht). Nas reflexões do estudioso, é possível que o relato da descoberta

(22,8/10/11/13*/16-18/19*/20*; 23,1-3)92 seja uma inserção posterior, que se poderia atribuir a

um redator pós-exílico93.

Segundo o raciocínio do pesquisador, a origem do motivo da “descoberta dos livros” deve

ser situada principalmente no depósito de tabuinhas de fundação nos santuários mesopotâmicos,

que muitas vezes são “redescobertas” por reis posteriores que empreendem obras de restauração.

Nos estudos do autor, a variante egípcia deste motivo ocorre, por exemplo, na rubrica final do

capítulo 64 do Livro Egípcio dos Mortos, que foi padronizado não antes do período saítico (664-

90 Ibidem, p. 57. O autor sugere conferir o convincente estudo de DIEBNER, B.J.; NAUERTH, C. Die Inventio des

sëºper haTTôrâ – h r"îAT h; rp, seê in 2Kön 22. Struktur, Intention und Funktion von Auffindungslegenden. Dielheimer Blàtter zum Alten Testament 18, 1984, p. xxv. 91 Ibidem, p. 57. O autor sugere conferir HOFFMAN, H.D. Reform und Reformen: Untersuchungen zu einem Grundthema der deuteronomistischen Geschichtsschreibung. Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen Testaments 66. Zurich: Theologischer Verlag, 1980. 92 Ibidem, p. 57. Os asterísticos (*) enfatizam os versículos principais que Thomas Römer quer apontar como relacionados ao tema desdobrado. 93 Ibidem, p. 57. Conforme o autor, como defende LEVIN, C. Fortschreibungen Gesammelte Studien zum alten Testament. Beihefte zur Zeitschriftfür diealttestamentliche Wissenschaft 316. Berlin: de Gruyter, 2003, pp. 198-216, aqui 201. Relata Römer que se pode também sustentar que ambos os motivos se encaixam muito bem e poderiam, portanto, ser a obra de um único escriba do período exílico ou, mais provavelmente, do período persa.

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525 a.C.). Afirma Römer que o capítulo 64 é apresentado como encontrado no templo de Sokaris

e a remontar às primeiras origens do Egito94.

Em outra comparação, nas inscrições reais babilônicas, o referido autor atenta que os

relatos de descoberta são muitas vezes variações do seguinte padrão: 1) Uma pessoa importante

(rei, príncipe) deseja empreender mudanças políticas ou cultuais, que muitas vezes são

apresentadas como uma restauração de um estado inicial; 2) Ele teme encontrar oposição; 3) Ele

ou um de seus servos leais é enviado a um lugar sagrado; 4) Ali ele descobre um documento

escrito de origem divina; 5) Esta descoberta dá impulso divino aos projetos do monarca.

Nas observações do citado pesquisador, de interesse especial são as inscrições de

Nabônides, que procurou aparecer como o descobridor de numerosos documentos, e todos os

seus relatos seguem o mesmo esboço. Por exemplo, o estudioso se refere ao cilindro de Sippar,

no qual Nabônides conta a seguinte história95 na qual ele queria reconstruir o templo de Ibarra

(dedicado a Shamash) em Sippar:

[19] um rei anterior (= Nabucodonosor) havia procurado uma antiga pedra fundamental

sem nenhum sucesso. [20] Por iniciativa própria ele havia construído um novo templo

para Shamash, mas este não foi construído (suficientemente bom) para o seu reino... [22]

As paredes cederam e ameaçavam ruir... [26] Eu supliquei a ele (= Shamash), ofereci-lhe

sacrifícios e andei em busca de suas decisões. [27] Shamash, o Senhor altíssimo,

escolheu-me desde os primeiros dias... [32] Fiz investigações e reuni os anciãos da

cidade, os babilônios, os arquitetos, [33] os sábios... [34]... Eu lhes disse: “Procurai a

antiga pedra fundamental, [35] tomai conta do santuário do juiz Shamash...” [36] Os

eruditos procuraram a antiga pedra fundamental, a implorar a Shamash, meu Senhor, e a

suplicar aos grandes deuses, [37] inspecionaram o apartamento e os quartos e a viram.

Vieram até mim e contaram-me: [38] “Viu a antiga pedra fundamental de Naran-Sin, o

94 Ibidem, p. 58. Segundo as pesquisas de Römer, este texto existe na versão mais longa e na versão mais abreviada do capítulo 64. Relata o autor que o Papiro de Nu contém o seguinte texto: “Este capítulo foi encontrado na cidade de Khemennu [...] sob os pés do deus durante o reinado de Sua Majestade o Rei do Norte e do Sul, Men-kau-Rá [...] triunfante, pelo filho real Heru-ta-ta-f, triunfante; encontrou-o quando estava a viajar para fazer uma inspeção dos templos [...] ele o trouxe ao rei como um objeto maravilhoso quando viu que era uma coisa de grande mistério, que nunca [antes] fora vista ou olhada. Este capítulo deve ser recitado por um homem que seja cerimonialmente limpo e puro” (apud WALLIS BUDGE, E.A. The Book of the Dead, Vol II. 2ª ed. London: Routledge & Kegan Paul LTD., 1956, pp. 221-222. Para variantes, o autor sugere conferir pp. 217 e 221). 95 Ibidem, p. 58. De acordo com o autor, foi traduzido por F.E. PEISER em SCHRADER, E. Keilschriftliche Bibliothek. Sammlung von assyrischen und babylonischen Texten in Umschrift und Ubersetzung. Berlim: REUTHER, H, 1890, pp. 80-121, especialmente pp. 108-113. Segundo Römer, uma história semelhante é narrada no cilindro de Nabônides de Abû Happa, conferir pp. 103-105.

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rei anterior, o santuário real de Shamash, a morada de sua divindade”. [39] Meu coração

exultou e minha face ficou radiante.

Conclui o referido autor que, de acordo com este texto, a pedra fundamental contém o

documento do “templo original” e possibilita a Nabônides empreender suas obras de restauração.

Ao comparar com a passagem de 2 Reis, afirma o estudioso citado que parece bastante

claro que os autores ou redatores de 2 Reis 22 recorrem à mesma convenção literária, o que

confirma a suposição de que 2 Reis 22-23 deve ser interpretado como o mito fundante do grupo

deuteronomista; e, para o autor, a pedra fundamental é substituída em 2 Reis 22-23 pelo livro,

que se torna o fundamento “real” para o culto a Yahweh. Percebe o pesquisador que os

mediadores desta “religião do livro” não são nem o rei nem o sacerdote e seu culto sacrificial,

mas os escribas que produzem e leem esses livros. O referido estudioso conclui o seu pensamento

ao afirmar que, por esse motivo, não se deve situar com demasiada facilidade a história do

encontro do livro e a consequente reforma no final do século VII a.C., como geralmente se faz.

Para o pesquisador, é fácil de compreender que alguns estudiosos sustentem que toda a ideia de

uma reforma josiânica seja uma invenção tardia96.

Na perspectiva de Thomas Römer, na verdade, não há provas primárias em favor de uma

assim chamada reforma josiânica97 (ou seja, não há nenhum documento que possa ser claramente

datado como proveniente do reinado de Josias e que prove a existência de uma reorganização

política e cultual). De acordo com o autor, há, no entanto, alguns indícios que apontam para

mudanças cultuais e políticas em Judá pelo final do século VII a.C., e segundo 2 Reis 23, Josias

suprimiu numerosos elementos ligados a um culto aos astros, que era uma parte importante da

ideologia religiosa neoassíria.

Para o referido autor, as referências aos cavalos e carros de Shamash, o Deus Sol (2 Reis

23,11), e aos sacerdotes-kemarim98 que serviam “ao Sol, à Lua, às constelações e todo o exército

do céus” (2 Reis 23,5), têm plausibilidade histórica no período assírio, e sua eliminação do

96 Ibidem, p. 59. O autor sugere conferir HANDY, L.K.; NIEHR, H. Die Reform des Joschija: methodische, historische und religionsgeschichtliche Aspekte. In: GROß, W. Jeremia und die ‘deuteronomistiche Bewegung’ Bonner Biblische Beiträge 98. Weinheim: Beltz Athenäum, 1995, pp. 33-56. 97 Ibidem, p. 59. Para distinção entre provas primárias e secundárias, o autor recomenda conferir KNAUF, E.A. From history to interpretation. In: EDELMAN, D.V. (ed.). The Fabric of History. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 127. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, pp. 26-64. 98 Ibidem, p. 59. Conforme o autor, este termo raro na Bíblia Hebraica está ligado provavelmente à palavra assíria kumru, que designa os sacerdotes estrangeiros. Para mais detalhes, há a recomendação de Römer para HOBBS, T.R. 2 Kings. Word Bible Commentary 13. Waco, TX: Word Books, 1985, p. 333.

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templo de Jerusalém não é necessariamente um sinal de uma insurreição antiassíria; pode

simplesmente denotar o fato de que o contato assírio na Síria e em Israel e Judá havia diminuído

muito sensivelmente nos últimos decênios do século VII a.C. O pesquisador faz referência a

Uehelinger, que demonstrou que existe uma clara mudança na glíptica judaíta do século VII ao

século VI a.C. Conforme o estudioso, durante o século VII a.C., selos da classe alta e dos

funcionários estão fortemente marcados por motivos astrais. Mas de acordo com o referido autor,

num corpus de aproximadamente 260 selos, a serem datados do início do século VI a.C., faltam

completamente símbolos e divindades astrais, o que indica claramente, que, por volta de 600 a.C.,

os motivos astrais haviam caído da moda entre a elite jerosolimitana99.

Nas pesquisas de Thomas Römer, o vácuo temporário nos últimos decênios do século VII

a.C. (logo preenchido pelo Egito) criado na Síria e na região de Israel e Judá pelo

enfraquecimento das estruturas de poder assírias confere da mesma forma alguma plausibilidade

à hipótese de que Josias ou seus conselheiros empreenderam alguma reorganização política e

cultual100. Conforme o autor, a tentativa de centralizar o culto, o poder e os impostos (os

santuários eram também postos de coleta de impostos) em Jerusalém tem uma boa plausibilidade

histórica neste contexto, pois a relativa independência de Judá por volta do ano 620 a.C. talvez

tenha despertado em alguns círculos a convicção de que Josias era o inaugurador de um vasto e

independente reino judaíta101.

Em seu raciocínio, o estudioso aponta que se afirma muitas vezes que Josias anexou as

províncias assírias estabelecidas no antigo reino de Israel, mas há poucos indícios que confirmem

tal afirmação. Relata o autor que 2 Reis 23,15 fala da destruição do santuário de Betel; mas se

esta notícia for, por um acaso, histórica, conforme o autor, o que é sumamente incerto, não indica

uma ocupação das províncias samaritanas de Samerina, Magidu102 e Gal’aza. Contudo, afirma o

99 Ibidem, p. 60. O autor sugere conferir UEHLINGER, C. Gab es eine joschianische Kultreform? Pladoyer fiir ein begriindetes Minimum. In: Jeremia und die ‘deuteronomistische Bewegung’. In: GROß, W. Jeremia und die ‘deuteronomistiche Bewegung’ . Bonner Biblische Beiträge 98; Weinheim: Beltz Athenäum, 1995, pp. 57-90. Aqui pp. 65-67. 100 Ibidem, p. 60. Nota o autor que, de acordo com 2 Reis 22,1, Josias tinha oito anos de idade quando começou a reinar. Para Römer, se esta é uma informação histórica, significa que durante os primeiros anos de seu reinado conselheiros (os deuteronomistas? – talvez) governaram em seu lugar. 101 Ibidem, p. 60. O autor sugere conferir AHLSTROM, G.W. The History of Palestine from the Paleolithic Period to Alexander’s Conquest. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 146. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993, p. 778. 102 Ibidem, p. 60. Nas pesquisas de Römer, de acordo com Stern, o fato de que Josias é morto pelo rei egípcio em Meguido pode indicar que Josias governou esta área por um curto tempo (STERN, E. Archaeology of the Land of the Bible II: The Assyrian, Babylonian, and Persian Periods (732-332 B.C.E.). New York: Doubleday, 2001, p. 68). Mas

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pesquisador, é possível que Josias e seus companheiros tenham reivindicado serem os legítimos

herdeiros de “Israel”, e podem ter tentado ampliar a fronteira norte, e Josias foi provavelmente

bem-sucedido a anexar o pequeno território de Benjamim (isto, segundo o autor, está

provavelmente refletido em alguns textos do livro de Josué).

A resumir a sua exposição, o referido autor afirma que a apresentação bíblica de Josias e de

seu reinado não pode ser considerada um documento de evidência primária. Todavia, alguns

indícios sugerem que ocorreram sob Josias algumas tentativas de introduzir mudanças cultuais e

políticas. Para o pesquisador, a reforma de Josias certamente não se baseou na descoberta de um

livro, mas na primeira edição do Deuteronômio, que pode muito bem ter sido escrita sob Josias.

A passagem de 2 Reis 22-23, segundo o estudioso, pode até proporcionar alguma informação

sobre nomes ou famílias que se pode associar aos deuteronomistas. Provavelmente, ressalta o

autor, nem todos os nomes contidos nestes capítulos de 2 Reis são invenções tardias103 e, por

isso, confirma o autor, pode-se concluir que Helcias e, especialmente, Safã e sua família

pertenciam ao grupo deuteronomista104.

À narrativa de 2 Reis 22-23, o pesquisador afirma que esta foi evidentemente editada em

estágios sucessivos. Para o autor, o núcleo proveniente do período assírio (aproximadamente

22,1-7*/9/13aa; 23,1/3-15*/25aa) focalizou a supressão dos símbolos cultuais assírios e a

centralização do culto a Yahweh no santuário real restaurado. De acordo com estudioso, a

história da renovação do templo, a consulta da profetisa e o oráculo a anunciar o julgamento

divino no capítulo 23 foram acrescentados após 587 a.C. a fim de explicar o colapso da

descoberta do livro, foi feita durante o período persa. Conclui o autor que a finalidade desta

redação foi substituir o culto no templo pela leitura do livro.

na visão do autor, é melhor supor que Meguido estava nesta época sob o controle egípcio, cf. AHLSTROM, G.W. The History of Palestine from the Paleolithic Period to Alexander’s Conquest. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 146. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993, p. 765. 103 Ibidem, p. 61. Conforme o autor, um selo de Judá do século VII refere-se a Helcias, que poderia ser a mesma pessoa mencionada em 2 Reis 22. Römer sugere conferir ELAYI, J. Name of Deuteronomy’s Author Found on Seal Ring. Biblical Archaeology Review 13, 1987. 104 Ibidem, p. 61. Relata Römer que 2 Reis 22 menciona Safã e Aicam, filho de Safã (versículo 12, conferir também 25,22. Discute-se se este é o mesmo Safã que o escriba). A família de Safã, nos estudos do autor, também desempenha um papel importante em Jeremias 36, em que um descendente de Safã “encontra” o “livro de Jeremias” e o lê ao rei. De acordo com Barrick, Helcias foi o mentor de Josias e era provavelmente o tio de Safã. (Römer recomenda o estudo interessante, mas um tanto especulativo, de BARRICK, W.B. Dynastic Politics, Priestly Succession, and Josiah’s Eighth Year. Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 112, 2000, pp. 564-582.)

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Porém, apesar de o pesquisador considerar que não se pode ter 2 Reis 22-23 como fonte

primária da reforma deuteronomista (pois nada na Bíblia deve ser considerado como fonte

primária ou prova ocular), e apesar da reforma deuteronomista não ter atingido a dimensão

proporcional à descrita na Bíblia Hebraica ou no Antigo Testamento, não se nega a tentativa de

reforma oriunda de Josias, pois o estudioso não nega a função que o escriba pode ter exercido no

período do rei Josias. Mas tal fato ainda carece de fontes extrabíblicas.

Neste capítulo, foi abordada a questão deuteronomista que se encontra na teoria clássica de

Julius Wellhausen, o que levou a uma explanação do desenvolvimento histórico da referida teoria

e, consequentemente, da fonte Deuteronomista, que é considerada a mais antiga de todas

atualmente e traz maiores justificativas para o desenvolvimento da legitimidade do Templo em

Jerusalém durante a reforma de Josias, que, por sua vez, além de ser oportunista mediante a

queda do rei da Assíria, Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a 627 a.C.), visou a expansão

do reino de Judá para o reino de Israel, ao ponto de legitimar o Templo cuja construção é

atribuída ao rei Salomão como lugar central de adoração a Yahweh e da consequente

centralização de Jerusalém como cidade principal do reino de Judá e dos remanescentes do reino

de Israel.

Apesar de se reconhecer a função do escriba mediante ao contexto do rei Josias, ainda há a

necessidade de fontes extrabíblicas para confirmarem tal teoria que devido ao contexto é bastante

convincente.

No próximo capítulo, será trabalhado o senso crítico sobre o Templo cuja construção é

atribuída ao rei Salomão, mas antes do senso crítico, há um senso comum baseado nas leituras de

hermenêuticas bíblicas existentes com relação ao Templo pré-exílico, que são três:

fundamentalista, conservadora e devocional. Tais formas de interpretação não negam em hipótese

alguma a existência do Templo considerado como original, e são bem conhecidas no meio das

religiões judaico-cristãs, e serão desdobradas mais adiante.

Em seguida, desenvolver-se-á em matéria de fato o senso crítico sobre o Templo,

apresentados pela visão crítico-literária de Mario Liverani e, na sequência, pela visão

arqueológica de Finkelstein e Silberman, que são visões materiais e históricas que buscam fatos,

por se fundamentarem nas fontes extrabíblicas e nos achados materiais arqueológicos.

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Capítulo II – O Senso Crítico sobre o Primeiro Templo

O Senso Bíblico comum, não apenas relacionado ao Templo cuja construção é atribuída ao

rei Salomão, baseia-se em tomar os relatos bíblicos como fatos históricos, mesmo por tendências

em tomar o Reino de Israel e de Judá como históricos. Contudo, os dados arqueológicos não

confirmam tais relatos como históricos. Percebe-se que mesmo os estudos que se apropriam e

utilizam do desenvolvimento dos estudos bíblicos ainda se baseiam no apresentado na Bíblia

Hebraica para buscar legitimar a sua veracidade, mas cada coisa foi realizada em seu devido

contexto.

Algo que é bem marcado sobre o senso comum encontra-se na obra de Mazar105 datada de

2009, na qual a Bíblia Hebraica é a única fonte escrita pertinente à monarquia unida, e é,

portanto, para o autor, a base para qualquer apresentação histórica do período. Para Mazar, apesar

de as avaliações históricas das fontes bíblicas relativas à monarquia unida variarem, o historiador,

em geral, tratam-nas com credibilidade, ao acreditar que tudo esteja enraizado na “história da

corte” real de Jerusalém106. Entretanto, autores como Mario Liverani107 e Israel Finkelstein em

conjunto com Neil Asher Silberman108 não apenas desmentem, mas questionam tal linha de

raciocínio conforme será apresentado mais adiante.

No decorrer deste trabalho será necessário explanar sobre a ideologia da dinastia davídica e

do poder real, pois o rei é considerado responsável pela existência do templo, desde Davi, por ter

comprado o terreno, até Salomão, por ter sido responsável pela construção do “glorioso” templo

105 MAZAR, A. Arqueologia na Terra da Bíblia – 10.000-586 a.C. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 356. 106 BRIGHT, J. op. cit., 1981, p. 195-228; MAZAR, B.; FREEDMAN, D.N. In: The World History of the Jewish People, v. 4. Jerusalém, 1979, p. 76-125; MILLER, J.M.; HAYES, J.H. A History of Ancient Israel and Judah. Philadelphia, 1986, p. 149-217. 107 LIVERANI, M. op. cit. 108 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit. São Paulo: A Girafa, 2003.

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de Yahweh. Portanto, não se pode desvincular a imagem do rei com a do “primeiro templo” de

Israel, cuja construção é atribuída como obra do rei Salomão.

1. O Senso Comum sobre o Primeiro Templo

A leitura bíblica do senso comum sobre o Templo pré-exílico se baseia nas leituras de

hermenêutica fundadas no seio das tradições judaico-cristãs segundo explicita de Zabatiero109,

que consistem na prática da leitura da Bíblia realizada por ministros e ministras e leigos e leigas

evangélicas no seu cotidiano, em função do aperfeiçoamento da vida religiosa cristã ou do

exercício do ministério eclesiástico.

Para Zabatiero110, as leituras de hermenêutica fundadas no seio das tradições judaico-cristãs

são três:

1ª) A fundamentalista – tipo de leitura que identifica a palavra escrita com a Palavra divina,

ao negar, dessa forma, a sua historicidade e consequente fragmentariedade, a reivindicar, assim,

para os textos bíblicos, o caráter de autoridade final da Escritura, graças à sua inerrância e

expressão da verdade divina absoluta (fora do contexto).

2ª) A conservadora – denominada como “tradicional”, considerada como predominante no

mundo religioso cristão protestante. Hermenêutica quase idêntica à fundamentalista, distingue-se

da mesma por não afirmar definitivamente a inerrância, mas a infabilidade das Escrituras em

questões de doutrina e de crença cristã. Tal hermenêutica reconhece a historicidade dos escritos

bíblicos, mas suspende tal historicidade quando o texto se refere a questões doutrinárias

reconhecidas e aceitas dogmaticamente como verdades absolutas da crença cristã.

3ª) A devocional – elenca uma atitude hermenêutica similar a das atitudes fundamentalista

e conservadora, porém, possui um propósito bem distinto de leitura da Bíblia. Pois ela o é quanto

o seu objetivo é encontrar respostas de Deus para os problemas da vida diária pessoal. Na

109 ZABATIERO, J.P.T. Hermenêuticas da Bíblia no mundo evangelical. In: REIMER, H.; SILVA, V. da (orgs.). Hermenêuticas Bíblicas: Contribuições ao I Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. São Leopoldo: Oikos; Goiânia: UCG, 2006, pp. 61-74. 110 Ibidem, p. 62.

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referida leitura, a Bíblia é lida como se fosse o jornal do dia, ao trazer a mensagem direta de

Yahweh para quem a lê111.

Ao aplicar as referidas hermenêuticas não acadêmicas de acordo com Zabatiero sobre o

Templo monárquico do reino de Judá, nenhuma delas possui o propósito de questionar a sua

existência, ou o exagero dos autores ao descrever o referido objeto.

Na leitura fundamentalista, pelo motivo da inerrância das Escrituras, afirma-se que o

Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão existiu de fato conforme o descrito na Bíblia,

pois tudo o que está nela é verdade inquestionável.

Através da leitura conservadora ou tradicional, apesar de reconhecer a historicidade dos

escritos bíblicos, suspende-a quando o texto se refere a questões doutrinárias reconhecidas e

aceitos dogmaticamente como verdades absolutas da crença cristã. É uma leitura que ainda

persiste, não apenas no cristianismo protestante, mas também em boa parte dos seminários de

teologia com o intuito de introduzir o aluno às Ciências Bíblicas, pois em um aspecto, para o

recém-teologando, já é difícil digerir a teoria das quatro fontes de Wellhausen, e trazer as novas

descobertas é pior ainda.

Wellhausen era um dos autores que, por acreditar na monarquia unida entre Israel e Judá,

com toda a certeza acreditava na existência do Templo pré-exílico cuja construção foi atribuída

ao rei Salomão. Não apenas Wellhausen, como outros autores bem posteriores até o final da

década de noventa do século XX, tais como Bright112, Fohrer113, Mazar114, De Vaux115,

Armstrong116 e Lowery117 são conhecidos pela leitura tradicional, ao reconhecer a historicidade

dos escritos bíblicos sem questionar o Templo monárquico do reino de Judá. No momento que tal

leitura tradicional entra nos seminários de teologia, chega ao ponto de transformar a Bíblia em

documento histórico, e esquecem-se de que a Bíblia é apenas a justificativa de uma crença, e

quando a crença cai no âmbito da ciência, ela pode e deve ser questionada.

E, por último, a interpretação devocional sobre o Templo pré-exílico, que não possui o

propósito de questioná-lo, mas sim de resolver os problemas diários das pessoas, por exemplo, ao

111 Ibidem, pp. 62-65. 112 BRIGHT, J. op. cit. 113 FOHRER, G. op. cit. 114 MAZAR, A. op. cit. 115 VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004. 116 ARMSTRONG, K. op. cit.. 117 LOWERY, R.H. Os reis reformadores: culto e sociedade no Judá do Primeiro Templo. São Paulo: Paulinas, 2009.

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comparar determinadas atitudes de personagens bíblicas com as dos ouvintes da interpretação

devocional, e levar o referido ouvinte a tomar uma decisão sobre tal fato apresentado. Mas, de

fato, não se trata de uma interpretação acadêmica que vai questionar a existência do Templo cuja

construção é atribuída ao rei Salomão, e, sim, vai dar uma espécie de orientação diária para as

pessoas que necessitam de uma palavra que os ajude, oriunda da Bíblia.

Percebe-se que os três métodos de leitura (fundamentalista, conservador e devocional) estão

absolutamente assentados e fundamentados nas tradições judaico-cristãs, que são consideradas

legítimas de acordo com as instituições sinagogais e eclesiais. Tais intepretações, porém, entram

em confronto com os estudos do método histórico-crítico, pois no século XIX, surgiu o

fundamentalismo cristão nos Estados Unidos por não aceitarem o seu rebaixamento perante os

estudos acadêmicos científicos e racionais.

Para os adeptos das referidas leituras das tradições religiosas (fundamentalista, conservador

e devocional), o método histórico-crítico corresponde à violação de seu tesouro, e a utilização do

método histórico-crítico pode levar à degradação moral da humanidade e do judaísmo-

cristianismo, e muitos lutam agressivamente e ofensivamente, sem fundamento científico

nenhum, contra o método histórico-crítico dos estudos bíblicos, ao ponto de demonizar,

diabolizar e anatematizar tais estudos, assim como os que fazem uso dele.

O próximo item será desdobrado sobre a história e a historiografia deuteronomista na

análise de Thomas Römer, em que o autor traz a diferença entre história grega e história bíblica, e

aponta a possibilidade de a História Deuteronomista ser considerada como Historiografia.

2. História Deuteronomista e Historiografia

Uma posição interessante é trazida por Römer118 sobre a compreensão de “historiografia”,

na qual o autor afirma que, com muita frequência, a expressão “deuteronomistisches

Geschichtswerk” de Noth é traduzida como “Historiografia Deuteronomista” e não causa

surpresa que essa expressão tenha provocado fortes objeções, segundo o autor, pois não se pode

118 RÖMER, T. op. cit., pp. 43-44.

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trabalhar detalhadamente no debate bastante apaixonado e, às vezes, ideológico sobre se existe

sequer uma historiografia bíblica119.

Conforme Römer120, caso seja feito o uso da concepção grega de história, parece realmente

muito difícil caracterizar como “historiografia” obras como a História Deuteronomista. De

acordo com Tucídides, um historiador deveria usar apenas fontes confiáveis, evitar explicações

miraculosas baseadas em intervenções divinas e procurar dar descrições objetivas dos fatos que

aconteceram no passado. Nesse sentido, para Römer, é bem apropriado descrever os Profetas

Anteriores como ainda “míticos”, já que, por exemplo, ocorrem continuamente na História

Deuteronomista narrativas de intervenção divina.

De acordo com o raciocínio de Römer, outra diferença entre a história bíblica e a história

grega diz respeito à concepção de autoria, pois, para o autor, todas as histórias da Bíblia

Hebraica são obras anônimas, o que mostra, segundo Römer, que elas têm função diferente

daquela das obras dos autores gregos, e, nessas histórias, reforça o autor, a individualidade e a

singularidade do narrador não são apresentadas; estão ocultas, já que os autores das histórias

bíblicas se esforçam por apresentar uma visão gnômica do passado, ou seja, uma visão que está

além de qualquer interpretação crítica alternativa.

O autor Römer121 nos dá uma sugestão sobre o nome que se pode dar a uma obra como a

História Deuteronomista. Para o autor, seguindo J. Van Seters, que utiliza a definição do

historiador holandês Johan Huizinga, para o qual “a História é a forma intelectual que uma

civilização emprega para prestar contas a si mesma do seu passado”122, é possível qualificar a

obra deuteronomista como historiografia. De acordo com o pensamento de Römer, caso

contrário, alguém deseja acentuar as diferenças entre as histórias da Bíblia Hebraica e a

historiografia grega ou moderna, é necessário antes apontar uma “história narrativa”, a entender-

se com isso “a organização do material numa ordem cronologicamente sequencial e a

convergência do conteúdo numa ordem coerente única, embora com subtramas”.

Na visão de Römer, existe de fato uma nítida estrutura sequencial na História do

Deuteronomista que foi preconizada por Martin Noth de forma extremamente clara: o

119 Ibidem, p. 43. O autor sugere conferir, por exemplo, THOMPSON, T.L. “Text, Context and Referent in Israelite Historiography”. In: The Anchor Bible Dictionary 3, 1992, pp. 206-212. 120 Ibidem, pp. 43-45. 121 Ibidem, pp. 44-45. 122 Ibidem, pp. 44. Johan Huizinga apud SETERS, J. van. In Search of History: Historiography in the Ancient World and the Origins of Biblical History. Indiana: Winona Lake, 1996, p. 1.

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fundamento (Deuteronômio), a conquista (delimitada por Josué 1 e 23), o tempo dos Juízes

(delimitado por Juízes 2,6-19 e 1 Samuel 12), as origens da monarquia (delimitadas por 1 Samuel

12 e 1 Reis 8), a história dos dois reinos (delimitada por 1 Reis 9 e 2 Reis 17) e a história de Judá

até a sua queda (com um “final aberto” em 2 Reis 25). Para o autor, isso é realmente uma

narração histórica que constrói uma cronologia e cria seu passado123.

Continua o autor que, além da História Deuteronomista, outro exemplo bíblico de uma

“história narrativa” semelhante seria a obra do Cronista, que aparentemente procura apresentar

uma visão alternativa da história de Israel, com outra organização sequencial e uma ideologia

muito mais otimista124. Conclui o pesquisador que, para evitar mal-entendidos, parece preferível

falar de uma História Deuteronomista em vez de uma Historiografia Deuteronomista, porém,

ainda permanece a questão se tal história jamais existiu.

O estudioso aponta uma discussão entre História e Historiografia Deuteronomista, mas

prefere Historiografia, pois a organização do material se encontra em uma ordem

cronologicamente sequencial e a convergência do conteúdo numa ordem coerente única, embora

com subtramas. E discorda do termo História, pois história, para o autor, possui uma

correspondência mais factual e não ideológica como os escritos da Bíblia Hebraica ou do Antigo

Testamento.

3. Perspectiva Literária de Mario Liverani

Aqui se opta por primeiro explanar sobre o raciocínio de Mario Liverani por possuir uma

continuidade com o item anterior e pela perspectiva do autor ser muito mais voltada para a

análise literária da ideologia corrente na época do “Primeiro Templo”, ou seja, no pré-exílio com

uma leve e suave explanação da ideologia literária no período do pós-exílio.

123 Ibidem, p. 44. Römer indica conferir também BARSTAD, H.M. “History and the Hebrew Bible”. In: GRABBE, L.L. (ed.). Can a ‘History of Israel’ Be Written? Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, pp. 37-64. Na obra de Römer pp. 54-55. 124 Ibidem, p. 45. Sobre tal assunto, o autor recomenda conferir JAPHET, S. “Postexilic Historiography: How and Why?”. In: PURY, A. de; RÖMER, T. e MACCHI, J.D. (eds.). Israel Constructs its History: Deuteronomistic Historiography in Recent Research. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 306. Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000, pp. 144-173.

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3.1 A Fundação Mítica: A Unidade como Arquétipo

Conforme o autor125, a historiografia deuteronomista teve todo o tempo para revisitar a

história passada da monarquia, para aceitar plenamente sua função e para louvar seus méritos,

tanto quanto para condenar suas infidelidades. Na perspectiva do pesquisador, é provável, porém,

no momento um tanto difícil de demonstrar textualmente (senão por raciocínio preconcebido),

que a escola protodeuteronomista na corte de Josias tivesse de fazer da monarquia como

instituição um juízo positivo (salvo lançar-se contra as idolatrias dos reis individualmente); já a

historiografia do período do exílio, depois do fracasso da monarquia, não teve freios para inserir

passagens fortemente críticas sobre a própria instituição.

Relata o estudioso que as tendências “democráticas” visíveis na corrente deuteronomista,

que exprimem o papel dos juízes (šö|p†îm – ~ y j i_p.vo)) e dos “anciãos da cidade” (ziqnê- ha`îr –

r y [ ih;- y nEq.zI), já podem ser um produto dos sobreviventes do norte, mas devem ser reforçadas nas

comunidades da diáspora.

Tal fator das tendências “democráticas” visíveis na corrente deuteronomista só pode ser um

produto dos sobreviventes do norte se os escribas do reino de Israel foram imediatamente

trabalhar na corte de Jerusalém. Portanto, é necessária comprovação material extrabíblica para

dar legitimidade a tal informação, pois, conforme afirmado anteriormente, qualquer tentativa de

colocar a individualização da atividade literária antes do período helenístico é discrepante com a

realidade.

De acordo o estudioso126, uma vez instituída, a realeza é legítima, e sobre o primeiro rei

Saul, acumulam-se todos os tipos de legitimação possíveis e imagináveis por ele ser o escolhido

de Yahweh, ungido por Samuel, aclamado pelo povo, e ovacionado pelo exército. Contudo,

reforça o autor, como as tradições historiográficas relativas a Saul tinham recebido bem cedo

uma conotação negativa (e sem remédio na visão de Liverani) por parte das intervenções

filodavídicas, a trajetória da realeza segundo o Deuteronomista (e depois, segundo o Cronista) se

inicia com Davi e continua até o exílio.

Conforme o autor, que se inicie com Davi parece bem óbvio, pois Davi, na visão de

Liverani, foi quem fez de Jerusalém a sua capital, e tudo o que precede a união de Judá a

125 LIVERANI, M. op. cit., pp. 381-384. 126 Ibidem, p. 381.

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Jerusalém não é senão pré-história da realeza judaica. Mas, sob a óptica do pesquisador, para a

tradição histórica antiga, esse fato exterior (político e administrativo) não era o suficiente; o fato

realmente fundante é dado pelo “pacto” estabelecido por Yahweh com Davi, que por sua vez

confirma de forma adequada à monarquia o que já havia sido pactuado – em subsistência – pelo

menos com Moisés, se não já com Abraão. Conforme o estudioso127, os termos do pacto

(fidelidade contra prosperidade) determinam depois todo o curso histórico dos eventos, e, como

Yahweh é sempre fiel, os êxitos e os fracassos são sempre determinados pela conduta do rei, e a

progressiva deterioração do reino é determinada pela persistente infidelidade.

Para o referido autor128, em sua configuração inicial, mal saído das mãos de Yahweh e

ainda não deteriorado a não ser pelas modestas infidelidades, o reino apenas podia se encontrar

no ápice da sua ampliação e de seu poder. E, segundo o citado estudioso, uma vez que a secular

divisão (as vidas paralelas) dos dois reinos yahwistas de Judá e de Israel era vista como elemento

precoce e vistoso da degradação, e para o pesquisador, o reino-protótipo não podia estar senão

unido, em um abraço amplo, a todas as doze tribos, a todos os fiéis do único e verdadeiro

Yahweh para eles. Percebe o autor que é um sinal claro de como a historiografia filomonárquica,

de Josias a Zerubabel, tinha em mente não a simples revitalização do reino de Judá, mas a

constituição de um reino que compreendesse “Todo Israel”, inclusive o norte.

O estudioso traz a duração da reforma Deuteronomista desde Josias (reinado por volta de

641-609 a.C.) até Zerubabel (reinado por volta de 538-520 a.C.), ou seja, para o pesquisador, a

reforma é muito mais duradoura – persiste por aproximadamente cem anos. Mas, mesmo assim,

pende a questão da prova material da propaganda de Josias, que materialmente não surtiu o efeito

desejado, e cujo relato bíblico afirma como bem-sucedido.

Segundo a perspectiva do referido autor129, imaginou-se (ou, deve dizer, exigiu-se como

dado irrefutável) um reino unido sob Davi e Salomão, tão amplo quanto toda a satrapia do Além

– Eufrates, centrado em torno da dinastia real e no templo de Yahweh, invencível na guerra e

internamente caracterizado pela justiça e pela sapiência. Porém, ressalta o citado pesquisador, já

quase um milênio antes (portanto, afirma o autor, o paralelo é apenas fenomenológico) o rei hitita

Telipinu, no pior da crise institucional e da fraqueza militar, tinha pedido um reino-modelo inicial

127 Ibidem, pp. 381-382. 128 Ibidem, p. 382. 129 Ibidem, p. 382.

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amplo “de mar em mar”, caracterizado pela unidade interna e poder militar, que se podia de novo

realizar a utilizar-se os comportamentos e as normas do correto funcionamento.

Para o estudioso, o modelo retroativo demonstra-se falso se confrontado com as fontes de

época que falam de acirradas dilacerações internas, de conjurações e facções. E, da mesma forma,

aponta o referido pesquisador, o reino-modelo de Davi e Salomão, a julgar pelo que de plausível

se conclui das fontes, parece não somente presa de furibundas lutas de sucessão, mas também

muito pequeno e, de qualquer modo, na norma das estruturas estatais da época, com uma capital

de modestíssima dimensão.

O citado autor, de imediato, já ridiculariza a grandeza do Reino Unido de Israel e de Judá

sob Davi e Salomão. Nas intrigas que possam ter havido no período de Davi e de Salomão, pode-

se transmiti-la ou para o período da reforma josiânica, ou para períodos um pouco mais

posteriores de produção literária mais forte. É mais conveniente retratar tal grandeza do Reino

Unido de Israel e de Judá como propaganda josiânica do que nas épocas de Davi e de Salomão,

cuja produção literária vai do pobre ao inexistente.

Indica o estudioso130 que o texto de Telipinu ajuda também a entender os mecanismos

apologéticos postos em prática para rebater acusações de ilegitimidade e de abuso de poder que

se cruzavam em uma situação de caos institucional com rebeliões e lutas de sucessão. Em

particular, afirma o autor, o modo como o rei hitita se subtrai às acusações de cumplicidade na

morte dos pretendentes ao trono é análogo ao modo como Davi se subtrai às acusações de ter tido

parte na morte de Abner (2 Samuel 3,22-29) e de Ishba’al (2 Samuel 4), de Absalão (2 Samuel

18) e de muitos outros.

Nos estudos do pesquisador131, ao se tratar do reino unido em sua credibilidade histórica, há

expedientes historiográficos postos em práticas para fazer dele um reino modelo, pois algumas

guerras de pequena monta contra pequenos reinos aramaicos do nordeste podem ter sido

ampliadas à luz das posteriores guerras israelítico-damascenas e do poder conseguido por

Damasco. Relata o estudioso que alguns documentos (sobretudo “os doze distritos” de Salomão)

podem ter sido transferidos por administrações ou projetos sucessivos (Josias), pois algumas

realizações (e não somente o templo, mas também as cidades fortificadas) podem ter sido

atribuídas, em sua fundação inicial, aos reis mais prestigiosos que a tradição popular conhecera

130 Ibidem, p. 382. 131 Ibidem, pp. 382-383.

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no passado. E conclui o autor que bastou acrescentar aqui e ali um “todo Israel” para conferir ao

leitor a sensação de um reino unido e grande.

O referido estudioso, como os diversos autores contemporâneos, defendem a ideologia do

“todo Israel” como oriunda da reforma josiânica, mesmo tal reforma não tendo atingido o

resultado desejado, conforme o exposto no livro de Reis, que por sua vez relata um sucesso

fabuloso (no sentido de fábula) e fantasioso (no sentido de fantasia) que jamais ocorreu.

De acordo com a perspectiva do citado pesquisador132, uma vez estabelecido o que fora no

início um reino-modelo, foi depois inevitável atribuir-lhe todo o tipo de anedota ou de contos que

tivesse como protagonista um rei valoroso na batalha, ou um rei famoso e sábio, ou um rei

prepotente. Para o autor, foi fácil colorir com traços novelescos notícias de outra forma

autênticas, mas bem corriqueiras. Por exemplo, afirma o estudioso, não é considerada anacrônica

uma abertura de tráfegos comerciais com o Yêmen, no século X a.C.; porém, a história da visita

da rainha de Sabá é por demais fabulosa no estilo e no emprego de motivos narrativos para não

ser qualificável senão como notícia situável no período persa.

Ou, outro exemplo que o autor nos traz, da história de “Urias, o hitita ou o heteu”, que o rei

fez matar para poder esposar a belíssima mulher dele, pode ter acontecido efetivamente sob Davi

e sob qualquer outro rei. Outro exemplo que o pesquisador traz é do apólogo de Natã, que faz

desta história de Urias um conto fora do tempo histórico, sendo talvez um núcleo originário dos

episódios:

Havia dois homens numa cidade, um rico e outro pobre. O rico tinha ovelhas e bois em

quantidade. O pobre nada possuía, senão uma ovelhinha, só uma, bem pequena, que ele

comprara. Ele a criava. Ela crescia em sua casa junto com seus filhos. Ela comia em sua

mesa, bebia em sua tigela e dormia em seus braços. Era para ele como uma filha. Um

hóspede chegou à casa do rico. Ele não teve piedade de tomar de suas ovelhas ou bois

para preparar uma refeição ao viajante que chegara em sua casa. Ele tomou a ovelhinha

do pobre e a preparou para o homem que o visitava. (2 Samuel 12,1-4)

Conforme o autor133, não se pode certamente pensar que uma história como a de Davi e de

Urias, tão desabonadora para o rei, figurasse em um dos textos oficiais da escola palatina e de

132 Ibidem, p. 383. 133 Ibidem, pp. 383-384.

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função real concebíveis no século X a.C. (documentos de arquivo, crônicas, inscrições

celebrativas, ou outras coisas mais), pois para o estudioso, essas histórias não são confiáveis; não

porque se queira minimizar a historicidade do rei Davi ou de Salomão, nem porque sejam per se

anacrônicas ou impossíveis, mas porque não se vê por que canais possam ter sido registradas e

transmitidas, na forma como as temos, percebe o pesquisador.

Nas conclusões do autor134, tais histórias fazem parte com todo direito do quadro do que no

período e no âmbito “deuteronomista” (entre Josias e Zerubabel) se pensava tivesse sido o reino

unido de Davi e de Salomão. Para o estudioso, elas podem fazer parte somente por excesso de

acrítica credulidade da reconstrução histórica conhecida e considerada realista daquele reino do

século X a.C.

Em suma, pode-se entender que toda a literatura que retrata o período de Davi e de

Salomão não corresponde à sua respectiva época, mas sim a períodos bem posteriores, desde o

pré-exílio da Reforma Deuteronomista datado por volta de 622 a.C. até o período persa, com data

entre os séculos VI e V a.C. São todas caracterizadas como composições de âmbito

“deuteronomista” para o pesquisador, mesmo com similaridades de narração com os relatos do

período persa, e para quem acredita na veracidade dos relatos de Davi e Salomão, para o

pesquisador, os referidos (relatos) fazem parte somente por excesso de acrítica credulidade da

reconstrução histórica conhecida e considerada realista daquele reino do século X a.C.

3.2 A Continuidade Dinástica e a História da Sucessão

Segundo o autor135, se o “pacto” entre Yahweh e o povo de Israel é o que foi estipulado

com Davi, então a continuidade dinástica dele é um fator essencial, pois, para o estudioso,

somente os herdeiros legítimos e diretos de Davi são depositários daquele pacto. Relata o

pesquisador que, caso a “linhagem de Davi” tivesse sido interrompida, o antigo pacto não seria

mais válido.

Relata o autor que a “carta de fundação” da promessa feita por Yahweh a Davi encontra-se

na “profecia de Natã” e na resposta de Davi (2 Samuel 7). Para o estudioso, de uma parte, Davi

134 Ibidem, p. 384. 135 Ibidem, p. 384.

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pretende construir o templo como digna “Casa de Yahweh” (2 Samuel 7,2); de outra,

simetricamente, afirma o autor, Yahweh quer construir a “Casa de Davi” não em sentido físico

(Davi, segundo Liverani, mal acabou de construir um palácio real), mas uma dinastia que durará

para sempre: “Tua casa e tua realeza serão para sempre estáveis diante de ti, e teu trono,

confirmado para sempre” (2 Samuel 7,16). Ressalta o pesquisador que, naturalmente, “para

sempre” está implicitamente condicionado pela promessa da contraparte, na qual enquanto

houver a “Casa de Yahweh”, haverá a “Casa de Davi”.

Para o estudioso, esta problemática não pode pertencer ao tempo de Davi, quando o templo

não estava construído (e nem o será conforme o autor, pois nunca existiu tal templo nessas

dimensões) e a dinastia era ainda uma simples hipótese. Conclui o autor que tal passagem

pertence ao período do exílio, no qual a destruição do templo coincidiu com a deportação da casa

real, e para reconstruir a casa real, enfatiza o pesquisador, é preciso reconstruir o templo. De

acordo com Liverani, há também a promessa: “Determinarei um lugar para Israel, meu povo; eu

o implantarei e ele morará em seu lugar. Não mais tremerá, e criminosos não voltarão a oprimi-lo

como outrora” (2 Samuel 7,10) que, por sua vez, seria anacrônica no tempo de Davi, quando o

primeiro “assentamento” havia acontecido a três séculos (e sem necessidade de uma casa real), ao

passo que alude claramente ao “segundo” assentamento (ou a seu projeto). Percebe o autor que a

conexão entre linhagem real, templo, povo e terra é a subsistência do projeto de renascimento.

Ao se referir ao contexto, há a discordância da posição do estudioso sobre a legitimação da

Casa de Davi ser considerada composição exílica, pois nesse período de reflexão, há uma crítica

imensa sobre os reis de Judá por serem responsáveis pelo desterro dos seus súditos para a

Babilônia. Ainda é muito mais viável aceitar as passagens legitimadoras da sucessão de Davi

como frutos da Reforma Deuteronomista do que do exílio, pois, no contexto do exílio, se um rei

os levou para o cativeiro, como é que eles desejarão outro rei para prejudicá-los novamente?

Percebe o autor136 que, por ter estabelecido essa segura e necessária conexão, o

historiógrafo deuteronomista presta depois a máxima atenção em percorrer a história do reino de

Judá como uma sucessão ininterrupta dentro da linhagem de Davi – ao passo que, paralelamente,

afirma o estudioso, ressalta sem dificuldade a fragmentação dinástica do reino do norte. Enfatiza

o autor que os materiais historiográficos não faziam falta porque a preocupação a posteriori do

136 Ibidem, p. 385.

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historiógrafo coincidia com a preocupação do novo rei, ou seja, demonstrar (a Yahweh e ao

povo) que a sua entronização era legítima e que a continuidade dinástica estava assegurada.

Continua o seu raciocínio o estudioso ao afirmar que o substituto, segundo as normas

comumente aceitas (o herdeiro do trono era o filho designado) não tinha com que se preocupar,

pois a aceitação popular era automática. Porém, continua o autor, no caso de sucessão irregular,

ou apenas controversa, o novo rei devia expor suas razoes, normalmente a confiá-las a uma

inscrição celebrativa (que não é outra coisa senão a materialização escrita do que o rei difundia

também oralmente). Relata o pesquisador que o antigo oriente está cheio de “apologias” de

usurpadores que declaram ser os legítimos herdeiros, ou de vencedores em lutas de sucessão que

explicam que Deus está com eles. Conclui o autor que, para Judá, essas inscrições se perderam,

mas restam vestígios nos textos narrativos que nelas se inspiraram.

No relato bíblico, atenta o referido pesquisador137, houve um caso evidente de

descontinuidade dinástica (a entronização de Joás, pela mão do sacerdote Joiada, e com o

consentimento do “povo da terra”) e de evidente retomada das argumentações do usurpador por

parte do historiógrafo. Lembra o autor que outros casos são mais de sucessão ilegítima dentro da

linhagem, pois nas introduções de Uzias, de Josias e de Joacaz, depois da morte violenta dos

respectivos predecessores, é o “povo da terra” que desempenha um papel essencial na escolha do

novo rei. Na perspectiva do estudioso citado, verdadeiras “histórias de sucessão”, que evidenciam

a luta interna e as opostas posições dos contendores, dizem respeito à passagem de Davi para

Salomão (1 Reis 1,1 – 2,11), mas com longas premissas nos eventos de 2 Samuel 13-20, e a

passagem de Salomão para Roboão (1 Reis 11-13).

Conforme o pensamento do autor138, as histórias são um tanto detalhadas, mas isso torna

ainda mais suspeita e menos confiável a hipótese de o historiógrafo dispor de fontes a respeito,

que, aliás, se podia supor, certamente não as originárias “apologias” dos vencedores, que,

todavia, podem ter ficado à vista até por volta de 587 a.C., mas pelo menos as narrações orais, a

divisão popular daquelas “apologias” podia ter derivado. Para o referido pesquisador, várias

conjecturas históricas estabelecidas entre os acontecimentos do século X a.C. e a redação pós-

exílica contribuíram para plasmar as tradições; por exemplo, relata o autor, no caso da unificação

davídica de Judá-Israel houve intervenção de polêmicas anti-Saul e anti-Benjamim coetâneas,

137 Ibidem, p. 385. 138 Ibidem, p. 385-386.

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porém os debates se dão no fim do reino de Salomão (em fase de “divisão”) e no tempo de Josias

(em fase de “unificação”). Considera o estudioso que se pode identificar alguns elementos, mas a

estratificação e o entrelaçamento das tradições são tais que tornam a operação muito difícil.

Nas conclusões do pesquisador139, nessas possíveis fontes “autênticas” e nas tradições

estratificadas o historiógrafo pós-exílico inseriu abundante material novelístico (do tipo “intrigas

da corte do rei”), histórias de harém e de rivalidade entre mulheres velhas e jovens, de lutas de

grupos e vinganças transversais, de prepotências e arrependimentos, de generosidades e de

crueldades que fazem das histórias das sucessões a Davi e a Salomão, como as conhecemos,

verdadeiros romances históricos que, obviamente, escolheram como protagonistas os

personagens mais célebres de toda a dinastia e que se enquadram bem melhor no clima literário

dos séculos VI e V a.C. do que no clima (no máximo “epigráfico”, segundo o autor) do século X

a.C.

Portanto, para o estudioso que nos chama a lógica, qualquer novelismo atribuído aos reis

Davi e Salomão fazem parte do clima literário dos séculos VI e V a.C., pois não se pode imaginar

muita coisa que se ocorria no século X a.C. Apenas se percebe um erro no pesquisador em querer

afirmar as legitimações da descendência de Davi no período exílico, pois nesse período de

reflexão o que eles menos queriam era um rei para aborrecê-los e prejudicá-los.

3.3 Sabedoria e Justiça

Nesta parte é necessário falar um pouco do mito estabelecido sobre a figura epônima do rei

Salomão, o qual, além de lhe ser atribuída a autoria pela construção do “Primeiro Templo”,

também foi conhecido como rei sábio e justo, cuja autoria fictícia também lhe é atribuída ao livro

de Provérbios, Eclesiastes e Sabedoria.

Afirma o estudioso140 que, além de bem enraizada nas relações com Yahweh, uma dinastia

prestigiosa deve também estar bem enraizada nas relações com a população e com o ambiente da

corte. Para o autor, a atenção a essas relações emerge claramente com o período do Ferro,

mediante destaque da sabedoria (Hokmâ – h m 'ók.x ') e da justiça (cüdäqâ – h q")d "c .) como

139 Ibidem, p. 386. 140 Ibidem, p. 386-387.

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qualidades distintivas do bom rei. Segundo o autor, enquanto a exigência de justiça diz respeito

ao povo todo, a sabedoria está vinculada mais ao ambiente da corte. Conforme Liverani, se a

justiça emerge – à parte anedotas como a do “julgamento salomônico” (1 Reis 3,16-28) – na

atividade legislativa com seus aspectos populistas de cuidado do órfão e da viúva, do pobre e do

marginalizado, temos a sabedoria, porém, em livros especiais (chamados precisamente de

“sapienciais”), sendo o primeiro entre eles o dos Provérbios.

Nos conhecimentos do autor141, os Provérbios, como outros textos sapienciais ainda mais

nitidamente tardios (o Eclesiastes é do século III a.C., e o da Sabedoria é do século I a.C.), são

atribuídos pela tradição a Salomão e isso se trata de atribuições ditadas pela “clara fama”, não por

vínculos históricos precisos. É difícil, para o pesquisador, e praticamente impossível na nossa

visão, datar os Provérbios, mas isso não significa que se deva necessariamente classificá-los

como tardios. Considera o autor que se trata, antes, do gênero literário para o qual não faltam

coleções escritas até bem antigas, da Mesopotâmia ao Egito, em geral na forma do “ensinamento”

dirigido pelo pai ao filho, ou pelo mestre ao aluno, e também pelo rei ao herdeiro. Na visão do

estudioso, a transmissão verbal é um canal poderoso (pois que se conhecem e se citam de cor os

provérbios); porém, as coleções escritas fazem parte da rotina dos escribas do ambiente da corte e

podem ser também antigas.

Conforme o pesquisador142, o livro bíblico dos Provérbios é ele próprio o resultado de uma

montagem de coleções diversas e presumivelmente de épocas distintas:

1) Uma primeira coleção de “Provérbios de Salomão” (Provérbios 10,1-22,16).

2) Uma “segunda coleção” sempre atribuída a Salomão, mas posta por escrito sob

Ezequias (Provérbios 25-29).

3) Os “ditos dos sábios” (Provérbios 22,17-24,34).

4) Os “ditos de Agur” (Provérbios 30,1-4) e os “ditos de Lemu’el” (Provérbios 31,1-9),

dois árabes da tribo de Massa’.

141 Ibidem, p. 386-387. 142 Ibidem, p. 387.

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Para o autor, o contexto, com o longo louvor de uma Sabedoria personificada, é certamente

helenístico, mas as coleções internas podem muito bem remontar ao período monárquico, e a

atribuição de uma delas a Ezequias não tem nada de pouco plausível.

Percebe o estudioso143 que o conteúdo, porém, é bem banal e pouco indicativo das relações

de comportamento e de poder dentro da corte, que são evidenciadas por coleções sapienciais

egípcias ou mesopotâmicas (da de Amenemope até a de Any, que é a mais próxima ao “período

salomônico”144) podem ser lidas como verdadeiros “manuais” do correto e conveniente

comportamento do funcionário naquele universo cheio de insídias que é o palácio real. Enfatiza o

autor que os Provérbios bíblicos, porém, são máximas de sabedoria do dia a dia, de tom otimista.

De acordo com o autor, contrapõem o sábio/justo ao estúpido/mau e confiam que Deus haverá de

recompensar a justiça e levar à ruína o mau; louvam a riqueza, desde que acompanhada pela

generosidade; desconfiam da mulher e do estrangeiro; convidam à obediência e à tolerância, ao

trabalho e à sobriedade, à honestidade e à prudência.

Considera o pesquisador que os Provérbios exprimem, portanto, uma sabedoria – segundo o

autor – popularesca, sem uma elaboração conceitual que faca deles um traço cultural distintivo de

um ambiente ou de um período. Conforme o referido estudioso, pode também ser que os “sábios”

(ou seja, os escribas palatinos) da “corte de Salomão”145 ou de Ezequias tenham reunido máximas

populares, sem, aliás, elaborar nada de válido por parte deles. Mas, para o autor, certamente a

coleção é muito mais bem-compreendida se posta à época em que um palácio real não existia

mais e a comunidade se reconhecia em conversas de mercado e em invejas de vizinhos.

O citado pesquisador percebe aqui a necessidade de legitimar a sabedoria do monarca, mas

pode-se afirmar que qualquer coisa que exalte o monarca e o torne perfeito perante os seus

súditos é fruto da Reforma Deuteronomista, pois a sua propaganda apenas pode enfatizar os

pontos bons que a coroa de Judá tem a oferecer para todos os seus súditos, desde os de Judá como

os remanescentes de Israel. É necessário afirmar que a Dinastia Davídica é uma dinastia justa que

possui sucessores tão justos quanto Salomão e Josias, que, por descender de Salomão, seria tão

justo quanto o seu ancestral.

143 Ibidem, pp. 387-388. 144 Aspas do autor e defensor da tese de doutorado. 145 Novas aspas deste defensor da tese de doutorado. Parece que Mario Liverani nesta obra acredita na existência dos mitos do rei Salomão e de sua corte.

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3.4 Do Messianismo Régio ao Messianismo Escatológico

Nas pesquisas do referido autor146, em todas as civilizações do antigo Oriente, a função

basilar do rei é assegurar uma correta relação entre o mundo divino e o mundo humano; é,

portanto, assegurar a seu reino justiça e prosperidade. Para o estudioso, a entronização de um

novo rei é festejada como o início de uma nova era de paz e de felicidade. O pesquisador dá um

exemplo com um hino para a introdução de Ramsés IV (por volta de 1150 a.C.):

Dia Feliz! Estão alegres céu e terra

porque tu és grande senhor do Egito!

Os fugitivos retornaram às suas cidades,

quem se escondia aparece,

quem tinha fome sacia-se com alegria,

quem tinha sede se inebria,

quem estava nu é revestido de linho fino,

quem era esfarrapado veste brancas vestes,

quem estava detido é libertado,

quem estava triste se alegra,

quem perturbava esta terra tornou-se pacífico.

E o referido autor147 apresenta a escrita de um funcionário assírio para a entronização do rei

Assurbanípal (por volta de 670 a.C.):

Dias de justiça, anos de equidade, chuvas abundantes,

cursos de água transbordante, comércio vivo...

Os velhos dançam, os jovens cantam,

mulheres e raparigas felizes fazem festa.

Casa-se, geram-se filhos e filhas, os nascimentos crescem.

Quem por seu delito fora condenado à morte,

o rei meu senhor faz viver.

Quem há anos estava na prisão é libertado.

Quem há dias estava doente é curado.

O faminto é saciado, o exausto é ungido, o nu é vestido.

146 Ibidem, pp. 388-392. 147 Ibidem, p. 388.

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No pensamento do citado pesquisador148, é óbvio que elementos ocasionais e de

propaganda, próprios do dia da coroação (anistia, distribuição de alimentos, festejos), sejam

utilizados para compor um quadro dos valores e ambições mais gerais. Segundo o autor, no

poema ugarítico de Keret (por volta de 1350 a.C.) dá-se um quadro às avessas, mas que utiliza os

mesmos ingredientes para descrever um rei não mais capaz de desenvolver corretamente o seu

ofício:

Não sentencies mais o caso da viúva,

não julgueis mais o juízo do oprimido,

não expulses mais quem rouba o pobre,

não alimentes o órfão diante de ti

nem a viúva às tuas costas.

Como companheira de leito tens a doença,

como concubina tens a fraqueza.

Afasta-te da realeza e reinarei eu;

do governo, e me estabelecerei eu!

Conclui o estudioso149 que, portanto, também na terra de Canaã, antes da existência de

Israel (pois o reino de Ugarit é datado de por volta de 6000 a 1190 a.C.), as concepções orientais

antigas sobre a realeza eram correntes. Para o autor, é perfeitamente plausível que o ritual da

coroação nos reinos de Israel e de Judá comportasse enunciações de glorificação do novo rei e de

confiança em uma prosperidade e em uma justiça renovadas, enunciações de forte sabor popular

e, portanto, capazes de tornar o novo rei simpático aos olhos do povo. Com efeito, para o

pesquisador, há muito tempo foram indicados alguns Salmos (em particular os salmos

2,18,45,72,110 e outros) que parecem ser bem adequados à cerimônia de entronização e que,

portanto, devem remontar ao período monárquico. O estudioso destaca um exemplo considerado

suficiente:

Ó Deus, confia os teus julgamentos ao rei,

a tua justiça a este filho do rei.

148 Ibidem, p. 389. 149 Ibidem, p. 389.

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Que ele governe o teu povo com justiça,

e os teus humildes segundo o direito...

Que ele faça justiça aos humildes do povo,

seja a salvação dos pobres...

Os reis de Tarshish e das ilhas mandarão presentes;

os reis de Shebá e de Sabá pagarão o tributo.

Todos os reis se prosternarão diante dele,

todas as nações o servirão.

Sim, ele livrará o pobre que clama,

e os humildes privados de apoio.

Ele tomará cuidado do pobre e do fraco:

Aos pobres salvará a vida.

Ele os defenderá contra a brutalidade e a violência,

dará muito pela vida deles...

Que haja na terra,

e até o topo das montanhas,

uma vasta superfície de campos,

cujas espigas ondulem como o Líbano,

e da cidade, só se verá uma terra verdejante! (Salmo 72)

De acordo com o referido pesquisador150, continua, pois, objeto de discussão se tais

composições eram recitadas em ocasiões únicas – a cerimônia de coroação, em alguns casos o

nascimento do herdeiro – ou anualmente repetidas na festa do Novo Ano. Nos estudos do autor,

os salmos em questão são denominados “messiânicos”, porque estão particularmente ligados ao

epíteto do rei como “ungido” (müšîªH – x :y viäm .) por Yahweh.

Considera o estudioso151 que, com este desastre no Reino de Judá, com o fim da monarquia

e do exílio, a ritual exaltação normalmente expressa ao novo rei se transformou em expectativa

de reconquista (sempre nos termos de justiça, prosperidade, paz) que devia recair sobre um rei

potencial, candidato a desempenhar o papel de salvador e vingador do renascimento do Reino de

Judá. Na perspectiva do referido pesquisador, essa evolução pode em parte ser seguida por meio

das profecias “messiânicas” da época da crise política, depois do exílio e, enfim, na fase pós-

exílica. Segundo o autor, já no tempo do desastre do reino setentrional, as profecias de Miqueias

150 Ibidem, p. 390. 151 Ibidem, p. 390.

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(5,2-7) e, sobretudo, do Proto-Isaías estabelecem um papel de rei-messias a um rebento da casa

de Davi, no âmbito da confluência salvífica dos sobreviventes israelitas em Judá. Um exemplo

disso, para o estudioso, é a passagem famosa sobre o rebento de Jessé (1 (Proto)Isaías 11,1-4).

Outro exemplo que o autor152 traz se encontra em Jeremias, na Jerusalém sob ameaça

babilônia (entre o primeiro e o segundo assédio); a esperança está sempre posta na dinastia

davídica, embora projetada para um futuro talvez próximo, mas não em referência ao rei atual:

“Dias virão – oráculo de Yahweh – em que eu suscitarei a Davi um rebento legítimo: Um

rei reina com competência, defende o direito e a justiça na terra. No tempo dele, Judá é salvo,

Israel habita em segurança” (Jeremias 23,5-6).

Percebe o citado pesquisador153 que o nome atribuído ao rei-messias, “Yahweh é nossa

justiça”, não pode deixar de ser polêmico em relação ao rei então no trono, Sedecias (cujo nome

significa “Yahweh é minha justiça”). Afirma o autor154 que, durante o exílio babilônio, o

messianismo assume formas e orientações diferentes e, certamente, a tradicional ligação entre

linhagem davídica e esperança de resgate permanece e encontrará sua expressão politicamente

mais funcional no apoio que Zerubabel receberá das profecias messiânicas de Zacarias (8-9). O

estudioso lembra, porém, que há também quem, como o Deutero-Isaías, pense que a casa de Davi

tenha acumulado muitas culpas, esteja fora do jogo e que o papel do messias se adapte melhor ao

imperador persa. Para o pesquisador, obviamente a ideia (já em Antiguidades Judaicas XI 5-6) de

que Ciro tenha sido inspirado pelas profecias de Isaías é, no mínimo, inverossímil, pois há, enfim,

quem, como Ezequiel, raramente inclua referências de messianismo régio em suas perspectivas

de retomada, todas do templo, e sacerdotais – e quando o faz parece querer evitar a palavra “rei”

e, ao contrário, evidenciar a subordinação do “pastor” e “príncipe” a Yahweh: “Suscitarei à frente

de meu rebanho um pastor único (rö`è – h [ ,Ûro.); ele o apascentará, será seu pastor. Eu, Yahweh,

serei seu Senhor e meu servo Davi será príncipe (näSî´ – a y fiän") no meio deles” (Ezequiel 34,23-

24).

No raciocínio do estudioso155, à medida que a ligação entre a liderança régia e perspectivas

de retomada se distancia, a própria natureza do messianismo muda.

152 Ibidem, p. 390-391. 153 Ibidem, p. 391. 154 Ibidem, p. 391. 155 Ibidem, p. 391.

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Em primeiro lugar, para o autor, como consequência da crise profunda, há uma tendência a

ressaltar não mais os aspectos triunfalistas da nova entronização, mas antes os da negatividade

atual. Em segundo lugar, o citado pesquisador afirma que há uma tendência a dimensionar as

expectativas mais no plano pessoal-existencial do que no político-nacional. Para ambas as

tendências, segundo o autor, são particularmente indicativas as expressões do chamado “Servo de

Yahweh” no Deutero-Isaías (2 (Deutero)Isaías 42,1-7; 49,1-9; 50,4-9), que acaba por se

configurar na imagem do “justo sofredor” (52,13 – 53,12) mais do que na do messias. Observa o

referido estudioso que, porém, a previsão da reconquista tem acentos propriamente messiânicos:

O Redentor (Gö´ël – lae’GO) e o Santo de Israel, àquele cuja pessoa é desprezada e que o

mundo abomina, ao escravo dos déspotas; reis virão e se levantarão, príncipes também...

No tempo do favor, eu te respondi, no dia da salvação, vim em teu auxílio... reerguendo

a terra, devolvendo em herança os patrimônios desolados, dizendo aos prisioneiros:

‘Sai!’ e aos que estão em trevas: ‘Mostrai-vos!’. Ao longo dos caminhos eles terão seus

pastos, em todas as encostas escalvadas, suas pastagens. Não passarão nem fome nem

sede... (Isaías 49,7-10)

Em terceiro lugar, aponta o autor156, faz-se passar a função messiânica da pessoa do rei ao

povo todo de Israel, ou a Jerusalém, polo de atração para o mundo inteiro. Nesse contexto,

conforme o pesquisador, a mensagem é a de certas passagens do Trito-Isaías:

As nações vão caminhar para a tua luz

e os reis, para a claridade da tua aurora.

Dirige os teus olhares em redor e vê:

Eles se congregam todos e vêm a ti,

teus filhos vão chegar de longe

e tuas filhas são seguradas firmemente no regaço.

Então verás, estarás radiante, teu coração estremecerá e se dilatará,

pois para ti será desviada a opulência dos mares,

a fortuna das nações virá a ti. (3 (Trito)Isaías 60,3-5)

156 Ibidem, p. 392.

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Ressalta o estudioso que se sente o efeito de uma diáspora agora difundida até terras

longínquas, de sonhos de riqueza e poder que não podem mais ser postos em um messias de tipo

régio. Nas reflexões do autor, a tradição messiânica que partiu da celebração imediata do rei

existente, que passou pela expectativa iminente, pôs agora bases para passar uma expectativa de

longo prazo, propriamente escatológica, seja no nível pessoal, seja no nível de coletividade

nacional e humana em geral.

Em suma, este item que o referido pesquisador expõe trata-se do desenvolvimento do

messianismo régio para o messianismo escatológico, e este último é totalmente diferente do

primeiro por não implicar necessariamente a figura do rei da dinastia davídica, mas a de outro rei

qualquer, ou até mesmo outra pessoa que possa salvar o povo de Judá e trazer-lhes mais alívio de

toda a opressão que eles passaram. No caso do exílio, é muito difícil que eles quisessem um rei

para governá-los, e tal messias escatológico apareceria muito mais para livrá-los de seus apuros

do que reiná-los e trazer-lhes mais prejuízos, como foi o caso do rei Ciro da Pérsia.

4. Perspectiva Arqueológica de Finkelstein e Silberman

Esta perspectiva é um tanto distinta da anterior apresentada por Mario Liverani, pois a

verdade dos fatos baseia-se plenamente na análise dos dados materiais encontrados até o

momento da obra de Finkelstein e Silberman (2001 – a tradução brasileira é de 2003)157, mas traz

várias respostas para os estudos bíblicos contemporâneos. Aqui, porém, toma-se o cuidado de não

apresentar dados aparentemente político-históricos, os quais poderão apagar o enfoque da

centralização do Templo, que antes do exílio, centravam-se na figura do rei, em Jerusalém, e nas

figuras epônimas de Davi e de Salomão, idealizadas na época de Josias pelos deuteronomistas.

157 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.

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4.1 As “Memórias de uma Era de Ouro”

Finkelstein e Silberman158 apontam que no Templo e no palácio real de Jerusalém, o Israel

bíblico encontrou seu foco espiritual permanente depois de séculos de lutas e de peregrinação.

Para os autores, conforme narra o livro de Samuel, a unção de Davi, filho de Jessé, como rei

sobre todas as tribos de Israel conclui um processo que teve início com a promessa original de

Yahweh a Abraão tantos séculos antes (conforme a literatura bíblica). Naquele momento, de

acordo com a literatura bíblica, ao caos violento do período dos juízes seguiu-se um tempo no

qual as promessas de Yahweh poderiam ser realizadas com segurança, sob a condução de um rei

justo e honrado.

No relato bíblico, embora a primeira escolha tenha sido o taciturno e belo Saul, da tribo de

Benjamin, foi Davi, seu sucessor, quem se tornou a principal figura da “antiga história israelita”;

e sobre esse fabuloso rei Davi, inúmeras histórias foram escritas, como por exemplo: a do

assassinato do poderoso Golias, atingido por Davi com o arremesso de uma só pedra; sua

aprovação na corte real em virtude da habilidade como harpista; suas aventuras como rebelde e

flibusteiro; sua lasciva perseguição a Bat-Sheva; e a conquista de Jerusalém e de um vasto

império. Conforme os autores, seu filho Salomão, por sua vez, é lembrado como o mais sábio de

todos os reis e o maior entre os construtores de prédios e monumentos, e as suas histórias

descrevem seus brilhantes julgamentos, sua inimaginável riqueza e a construção do grande

Templo em Jerusalém.

Conforme os autores159, durante séculos, os leitores da Bíblia no mundo inteiro

consideraram a era de Davi e de Salomão como a era de ouro da história de Israel, pois até

recentemente, muitos estudiosos concordavam que a monarquia unificada foi o primeiro período

bíblico que podia ser considerado histórico de fato. Relatam Finkelstein e Silberman que,

diferente das memórias nebulosas das peregrinações dos patriarcas, ou do miraculoso êxodo do

Egito, ou das visões sangrentas dos livros de Samuel e dos Juízes, a história de Davi era uma saga

muito realista de manobra política e de intriga dinástica na opinião dos autores. No raciocínio de

Finkelstein e Silberman, embora inúmeros detalhes das primeiras aventuras de Davi sejam claras

158 Ibidem, pp. 174-176. 159 Ibidem, p. 175.

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elaborações lendárias, durante muito tempo os estudiosos acreditaram que a história de sua

ascensão entrelaçava-se perfeitamente com a realidade arqueológica.

Na visão dos pesquisadores, os dispersos assentamentos iniciais dos israelitas em suas

aldeias nas regiões montanhosas fundiram-se, aos poucos, em formas centralizadas de

organização, e a ameaça a eles impostas pelas cidades da costa filisteia teria provocado a crise

que precipitou o aparecimento da monarquia israelita. De fato, conforme os autores, arqueólogos

identificaram níveis acentuados de destruição de antigas cidades filisteias e cananeias, que

acreditavam marcar a trilha das amplas conquistas de Davi. E para Finkelstein e Silberman, os

impressionantes portões e palácios descobertos em vários sítios importantes em Israel eram

considerados indicações das muitas atividades de construção de Salomão.

Ainda assim, percebem os estudiosos160, muitas teses da arqueologia que antes defendiam e

sustentavam as bases históricas das narrativas de Davi e de Salomão foram questionadas na época

da obra dos autores (por volta de 2001). Para Finkelstein e Silberman, a verdadeira extensão do

“império” de Davi é discutida de forma calorosa, pois escavações em Jerusalém não conseguiram

produzir evidências arqueológicas de que tenha sido uma grande cidade no tempo de Davi ou de

Salomão. E hoje, concluem os autores, os monumentos atribuídos a Salomão são mais

plausivelmente relacionados com outros reis. Então, afirmam os pesquisadores, a reconsideração

da evidência produzida em enormes implicações. Concluem os estudiosos que, se os patriarcas

não existiram, nem o Êxodo, nem a conquista de Canaã, nem a monarquia unificada sob a

liderança de Davi e Salomão, pode-se dizer que o antigo Israel bíblico, como apresentado nos

cinco livros de Moisés e nos livros de Josué, dos Juízes e de Samuel, de uma forma, jamais

existiu.

Trata-se de uma introdução dos autores Finkelstein e Silberman para colocar o leitor com

os pés na realidade, pois eles apresentam que mesmo a arqueologia ao se desenvolver não se

desvinculava de forma alguma dos relatos bíblicos que eram assumidos como fatos históricos de

forma inquestionável. Agora, pela proposta dos autores, a arqueologia precisa se firmar nos dados

extrabíblicos e não pode afirmar a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento como fatos históricos,

pois eles foram escritos em favor de uma ideologia, e nem todos os relatos apresentados devem

ser considerados históricos enquanto não houverem provas materiais extrabíblicas.

160 Ibidem, pp. 175-176.

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4.2 A Formação Ideológica da Dinastia Real para Israel

Neste item percebe-se a necessidade de destacar a escolha do rei para Israel e Judá, pois o

rei foi o autor e construtor do templo original e precisaria ser oriundo de uma dinastia

privilegiada, como foi Salomão, o filho de Davi, conforme a explanação subsequente, que, por

sua vez, encontra-se fundamentada na narrativa bíblica.

Afirmam Finkelstein e Silberman161 que o épico bíblico da transformação de Israel, do

período dos Juízes até a época da monarquia, começa com grande crise militar. Apontam os

pesquisadores que, conforme o apresentado em 1 Samuel 4,5, os exércitos unificados filisteus

atacaram as tropas israelitas numa batalha e carregaram a Arca da Aliança com Deus como

pilhagem de guerra. Continuam os autores, que, sob a liderança do profeta Samuel, sacerdote do

santuário de Silo (localizado a meio caminho entre Jerusalém e Siquém), os israelitas, mais tarde,

de acordo com a literatura bíblica, recuperaram a arca, que foi levada e instalada na vila de

Quiriate-Jearim, a oeste de Jerusalém. Contudo, lembram os estudiosos que os dias dos Juízes

tinham acabado, e as ameaças militares enfrentadas nesse contexto pelo “povo de Israel” exigiam

liderança de tempo integral.

Conforme os pesquisadores, os anciãos de Israel se reuniram na casa de Samuel em Rãmã,

ao norte de Jerusalém, e pediram-lhe que indicasse um rei para Israel, “como em todos os povos”.

Para os estudiosos, embora Samuel tivesse advertido sobre os perigos da monarquia em uma das

passagens antimonárquicas mais eloquentes da Bíblia Hebraica (1 Samuel 8,10-18), Yahweh o

instruiu a fazer o que o povo pedia, e revelou a Samuel a sua escolha: o primeiro rei de Israel

deveria ser Saul, filho de Quis, da tribo de Benjamim. Na perspectiva dos pesquisadores, Saul era

um belo jovem e bravo guerreiro, cujas hesitações íntimas e violações ingênuas das leis divinas

sobre o sacrifício, a pilhagem de guerra e outras injunções e proibições sagradas (1 Samuel

15,10-26) provocaram sua rejeição definitiva e seu eventual suicídio trágico no monte Gilboa,

quando os israelitas foram atacados pelos filisteus.

Ressaltam os autores162 que mesmo quando Saul ainda governava como rei de Israel,

permaneceu alheio ao fato de seu sucessor já ter sido escolhido, pois Yahweh instruiu Samuel a

procurar a família de Jessé, em Belém, “porque eu escolhi um rei para mim, entre os seus filhos”

161 Ibidem, pp. 176-180. 162 Ibidem, p. 177-178.

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(1 Samuel 16,1). Conforme os pesquisadores, o mais jovem daqueles filhos era um belo pastor de

cabelo ruivo, chamado Davi, que finalmente traria a salvação para Israel. Os autores afirmam que

em primeiro lugar, aconteceu assombrosa demonstração de bravura de Davi no campo de batalha,

no qual os filisteus se reuniram novamente para recomeçar a guerra contra Israel, e os dois

exércitos se enfrentaram no vale de Elá, em Shefelá. Conforme o relato bíblico e o estudo dos

pesquisadores, a arma secreta dos filisteus era o guerreiro gigante Golias, que zombou de

Yahweh e desafiou qualquer soldado israelita para travar um único combate contra ele.

Relatam os estudiosos que se apoderou de Saul e de seus soldados um grande medo, mas o

jovem Davi, enviado por seu pai para levar provisões aos seus três irmãos mais velhos que

serviam o exército de Saul, aceitou destemidamente o desafio, ao gritar para Golias – “Você veio

até mim com uma espada, uma lança, e um dardo, mas eu venho em nome de Yahweh” (1

Samuel 17,45) –, Davi pegou de sua algibeira de pastor uma pequena pedra e a atirou com mira

mortal na fronte de Golias, e assim matou-o. Os filisteus foram derrotados e Davi, o novo herói

de Israel, tornou-se amigo de Jônatas, filho de Saul, e casou com Micol, a segunda filha do rei

Saul. Além do mais, relatam os autores, Davi foi aclamado por toda a população como o maior

herói de Israel, ainda maior que o rei, e os gritos entusiasmados de seus admiradores, “Saul

matou mil, mas Davi matou dez mil!” (1 Samuel 18,7) provocaram ciúme no rei Saul. Concluem

os pesquisadores que, através da narrativa bíblica, era apenas uma questão de tempo até que Davi

tivesse a força para contestar a liderança de Saul e exigir o trono de Israel.

Continuam os autores163 que, ao escapar da fúria assassina de Saul, Davi tornou-se líder de

um bando de fugitivos e mercenários, e de pessoas desiludidas e endividadas que a ele acorreram.

Consequentemente, segundo os autores, Davi e seus homens percorreram os contrafortes de

Shefelá, no deserto de Judá e nas margens das colinas de Judá ao sul, regiões essas localizadas

bem longe dos centros de poder do reino de Saul até o norte de Jerusalém. Continuam Finkelstein

e Silberman que, tragicamente, em uma batalha contra os filisteus, bem longe ao norte, no monte

Gilboa, os filhos se Saul foram mortos pelo inimigo, e Saul tirou a própria vida. Em seguida,

relatam os pesquisadores conforme a narrativa bíblica, Davi se dirigiu à antiga cidade de Hebron,

em Judá, local no qual foi proclamado rei pelo povo de Israel. Concluem os autores que esse foi o

início do grande Estado e da linhagem de Davi, a origem da gloriosa monarquia unificada.

163 Ibidem, pp. 178-179.

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Os pesquisadores164 dão sequência em seu raciocínio através da narrativa bíblica que, após

Davi e seus homens dominaram os bolsões remanescentes de oposição entre os seguidores de

Saul, os representantes de todas as tribos se reuniram como convinha em Hebron, para declarar

Davi rei sobre todas as tribos e terras de Israel. Para os autores, após reinar durante sete anos em

Hebron, Davi se mudou para o norte para conquistar a fortaleza jebuseia de Jerusalém – até então

não reclamada por nenhuma das tribos de Israel – e ali instalar a capital do reino, e, em seguida,

Davi ordenou que a Arca da Aliança fosse trazida de Quiriate-Jearim.

Finkelstein e Silberman165 explanam a narrativa bíblica ao afirmarem que Davi, então,

recebeu uma surpreendente e incondicional promessa de Yahweh:

Assim diz Yahweh dos Exércitos: Eu te tirei das pastagens, quando seguias teu rebanho,

para que possas ser o chefe do meu povo de Israel; e estive contigo em todos os

momentos, e exterminei todos os teus inimigos diante de ti; e farei do seu nome um

grande nome, como o nome de todos os grandes da Terra. E eu indicarei um lugar para o

meu povo de Israel, e o estabelecerei para que possa habitar em sua própria terra, e não

mais ser perturbado; e os homens violentos e iníquos não mais o afligirão, como

anteriormente, no tempo em que coloquei os juízes como mentores do meu povo Israel;

e eu lhe darei a paz e o descanso dos seus amigos. Além disso, Yahweh anuncia que

constituirá a tua casa. Quando os teus dias estiverem realizados, e tu descansares com os

teus antepassados, eu cuidarei dos teus filhos para ti, os filhos que serão gerados do teu

corpo, e firmarei seu reino. Eles constituirão uma casa para o meu nome, e eu

estabelecerei seu reinado para todo o sempre. Quando eles cometerem iniquidades, eu os

castigarei com o bordão dos homens, com as correias dos filhos dos homens; mas eu

jamais lhes retirarei meu inabalável e imutável amor, como tirei de Saul, a quem

expulsei antes de ti. E eu garantirei tua casa e teu reino para sempre diante de mim; e teu

trono estará seguro para todo o sempre. (2 Samuel 7,8-16)

Na sequência, de acordo com os autores166, Davi iniciou suas guerras radicais de libertação

e expansão, nas quais, em uma série de batalhas fulminantes, ele destruiu o poder dos filisteus, e

derrotou os amonitas, os moabitas e os edomitas na Transjordânia, a concluir suas campanhas

com a subjugação dos arameus do norte. Os pesquisadores ao relatarem a narrativa bíblica

164 Ibidem, p. 178. 165 Ibidem, pp. 178-179. 166 Ibidem, p. 179.

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apontam que, ao retornar em triunfo a Jerusalém, Davi agora governava um vasto território,

muito mais extenso que o herdado pelas tribos de Israel; mas não teve paz no seu tempo de

glória. Também observam os autores que conflitos dinásticos – a incluir a revolta de seu filho

Absalão – provocaram enorme preocupação na continuidade de sua dinastia. E um pouco antes

da morte de Davi, ressaltam os estudiosos que o sacerdote Zadoque ungiu Salomão como o

próximo rei de Israel.

Sobre Salomão, a quem Yahweh deu “sabedoria e compreensão além da medida”, os

autores167, fundamentados na narrativa bíblica, relatam que consolidou a dinastia davídica e

organizou seu império, que então se estendia do Eufrates até à terra dos filisteus e à fronteira do

Egito (1 Reis 4,24). Os estudiosos lembram que a imensa riqueza de Salomão resultou de

sofisticado sistema de impostos e de trabalho forçado, exigido de cada uma das tribos, e das

expedições comerciais a países exóticos do sul. Conforme as pesquisas de Finkelstein e

Silberman, em reconhecimento a sua fama e a sua visão, a lendária rainha de Sabá o visitou em

Jerusalém, com uma caravana repleta de presentes deslumbrantes.

Os estudiosos168 apontam, conforme os relatos bíblicos, que as maiores realizações de

Salomão foram as construções que empreendeu. Em Jerusalém, edificou um magnífico templo, o

qual, e cujas teorias serão desdobradas no próximo capítulo, foi ricamente decorado, para

Yahweh, e inaugurado com grande pompa; e construiu ao lado um belo palácio, fortificou

Jerusalém e também as importantes cidades de Hazor, Megiddo169 e Gezer, e manteve estábulos

com 40 mil baias de cavalos para seus 1.400 cavaleiros. Salomão, de acordo com os estudiosos,

assinou tratado com Hirão, rei de Tiro, que enviou toras de cedro do Líbano para a construção do

Templo em Jerusalém e se tornou sócio de Salomão em aventuras comerciais estrangeiras. Os

autores concluem que a Bíblia resume a reputação de Salomão da seguinte forma: “Eis que o rei

Salomão excedeu todos os reis da terra, em riqueza e em sabedoria. E a terra inteira buscou a

presença de Salomão, para ouvir a sabedoria que Yahweh colocou em sua mente” (1 Reis 10,23-

24).

Tudo isso, Finkelstein e Silberman apresentaram de acordo com o relato bíblico, pois,

aparentemente, nem todos os que conhecem a sua obra já chegaram a ler a Bíblia e a conhecer as

167 Ibidem, pp. 179-180. 168 Ibidem, p. 180. 169 Pronuncia-se “Meguidô”.

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suas histórias. Elas estão apontadas de acordo com o relato bíblico para que o leitor tenha ciência

do que aconteceu no período da monarquia unida com os reis Saul, Davi e Salomão.

4.3 Uma Nova Perspectiva sobre o Reino de Davi

Baseado no raciocínio de Finkelstein e Silberman170, o primeiro estágio do assentamento

israelita nas regiões montanhosas de Canaã foi um fenômeno gradual e regional, no qual grupos

de pastores se estabeleceram em áreas pouco povoadas e formaram comunidades de aldeias

autossuficientes. Com o tempo, relatam os autores, em virtude do crescimento da população da

montanha, foram criadas outras aldeias em regiões previamente despovoadas, as quais se

estenderam das estepes a leste e dos vales do interior aos nichos rochosos e escarpados das

montanhas, a oeste.

Afirmam os pesquisadores que, nesse estágio, começou o cultivo de oliveiras e vinhas,

especialmente nas regiões montanhosas ao norte. Consequentemente, apontam os estudiosos,

com a progressiva diversidade entre a localização e as colheitas produzidas pelas várias aldeias

em todas as regiões montanhosas, o velho regime de autossuficiência não pôde ser mantido, e os

aldeões que se concentraram nos pomares e nas vinhas necessariamente tiveram que trocar seu

superávit de vinho e azeite por outras mercadorias, como os grãos. Com a especialização,

ressaltam os pesquisadores, veio a ascensão de classes de administradores e comerciantes,

soldados profissionais e, eventualmente, reis.

De acordo com as pesquisas dos autores171, padrões similares de assentamento em regiões

montanhosas e de gradual estratificação social foram descobertos por arqueólogos a trabalhar na

Jordânia, nas antigas terras de Amon e Moabe. Afirmam os pesquisadores que um processo de

transformação social, razoavelmente uniforme, pode ter acontecido em muitas regiões

montanhosas do Levante, tão logo se libertaram do controle dos impérios da Idade do Bronze e

dos reis das Cidades-Estado das planícies costeiras.

170 Ibidem, pp. 183-186. 171 Ibidem, pp. 183-184.

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Relatam Finkelstein e Silberman172 que, em um período no qual o mundo inteiro voltava à

vida, na Idade do Ferro, os reinos emergentes temiam seus vizinhos e, aparentemente,

distinguiam-se uns dos outros por costumes étnicos diferenciados e pela adoração de deidades

nacionais. Ainda assim, afirmam os estudiosos, o processo de especialização, de organização e de

identidade de grupo estava muito longe da formação de um vasto império. Apontam os

pesquisadores que as amplas conquistas do tipo atribuído a Davi exigiriam enorme organização e

maior efetivo militar de homens e armas. Desse modo, consideram os autores, o interesse erudito

começou a se concentrar na evidência arqueológica da população, dos padrões, de assentamento e

nos recursos econômicos e organizacionais na região da sede atribuída a Davi, em Judá, a fim de

constatar se a descrição bíblica pode fazer sentido histórico. E como se esperava, realmente, a

descrição bíblica não fez sentido histórico.

Continuam os estudiosos173 que os levantamentos arqueológicos da época da obra no ano

de 2001 nas regiões montanhosas ofereceram outros indícios do caráter excepcional do reino de

Judá, que ocupa a parte sul das montanhas e se estende, aproximadamente, de Jerusalém às

margens do Neguebe, ao norte. Ressaltam os autores que o reino forma unidade ambiental

homogênea, de terreno escarpado, de difícil comunicação e de escassos recursos pluviométricos,

bem imprevisíveis. Para os pesquisadores, em contraste com as regiões montanhosas ao norte,

com seus amplos vales e rotas naturais por terra para as regiões vizinhas, Judá sempre foi, sob o

aspecto agrícola, marginal e isolado das regiões vizinhas pelas barreiras topográficas que o

rodeiam por todos os lados, exceto no norte.

Segundo os pesquisadores174, a leste e ao sul, Judá faz fronteira com as zonas áridas do

deserto da Judeia e do Neguebe. A oeste, conforme os autores – na direção dos contrafortes

férteis e prósperos de Shefelá e da planície costeira – a escarpa central desce abruptamente, de tal

forma que na direção oeste de Hebron, o viajante se vê forçado a descer mais de 330 metros de

declives rochosos, numa distância de apenas 5 quilômetros. De acordo com os estudiosos, mais

para o norte, a oeste de Jerusalém e de Belém, o declive é mais moderado, mas é mais difícil

ainda de ser percorrido, por ser formado por uma série de longas escarpas estreitas, separadas por

ravinas profundas.

172 Ibidem, pp. 184-185. 173 Ibidem, p. 185. 174 Ibidem, pp. 185-186.

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Conforme os autores, por volta de 2001, o platô plano central, de Jerusalém até Belém e

Hebron, é cruzado por estradas e muito cultivado; mas, segundo os estudiosos, foi necessário

esperar um milênio de trabalho concentrado para limpar suficientemente o terreno rochoso, a fim

de permitir essas atividades. Percebem os pesquisadores que, na Idade do Bronze e no começo da

Idade do Ferro, a área era rochosa e coberta por mata densa e florestas, com muito poucas áreas

disponíveis ao cultivo agrícola. Consideram os autores que poucas povoações foram

estabelecidas ali à época do assentamento israelita; o meio ambiente de Judá era muito mais

adequado para o pastoreio de carneiros e cabras.

De acordo com as pesquisas de Finkelstein e Silberman175, o sistema de assentamento de

Judá nos séculos XII e XI a.C. continuou a se desenvolver no século X a.C. com o crescimento

gradual do número de aldeias e de seu tamanho, mas a natureza do sistema não mudou

significativamente, pois ao norte de Judá extensos pomares e vinhas prosperaram nos declives

ocidentais das regiões montanhosas; em Judá, de acordo com os estudiosos, isso não aconteceu,

em virtude da natureza proibitiva do terreno. Concluem os autores que, pelo que se pode

constatar a partir dos levantamentos arqueológicos, o reino de Judá permaneceu relativamente

desocupado de uma população permanente, muito isolado e marginal durante e logo depois do

tempo presumido de Davi e Salomão, sem grandes centros urbanos e sem hierarquia articulada de

vilas, aldeias e cidades.

Percebe-se que o referido assentamento que iniciou a Idade do Ferro por volta do século

XII a.C. continuou no período atribuído aos reis Davi e Salomão, o que demonstra, de acordo

com a arqueologia, que tais reinados poderosos de Davi e de Salomão jamais tiveram condições

de terem existido fisicamente neste contexto.

175 Ibidem, p. 186.

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4.4 As “Conquistas de Davi”

Explanam Finkelstein e Silberman176 que, durante décadas, os arqueólogos acreditaram que

as evidências descobertas em muitas escavações fora de Jerusalém confirmavam o relato da

Bíblia sobre uma enorme monarquia unificada, pois a mais proeminente entre todas as vitórias de

Davi, de acordo com a Bíblia Hebraica, ocorreu contra as cidades filisteias, uma quantidade das

quais, conforme os autores, na época de seu livro, em 2001, havia sido extensivamente escavada.

Afirmam os pesquisadores que o primeiro livro de Samuel oferece muitos detalhes dos encontros

entre israelitas e filisteus como os exércitos de filisteus capturaram a Arca da Aliança na batalha

de Ebenezer; como Saul e seu filho Jônatas morreram durante as guerras contra os filisteus; e,

naturalmente, como o jovem Davi derrubou Golias.

Enfatizam os estudiosos que, enquanto alguns dos detalhes dessas histórias são, sem

dúvida, lendários, as descrições geográficas são bastante acuradas. Mais importante, afirmam os

autores, a gradual propagação da decorada cerâmica filisteia, de inspiração egeia, nos contrafortes

e tão para o norte, como no vale de Jezrael, provê evidência para a expansão progressiva do

contato daquele povo em todo o país. E, para os estudiosos, quando a evidência da destruição das

cidades das planícies – por volta de 1000 a.C. – foi descoberta, pareceu confirmar a extensão das

conquistas de Davi.

Relatam os pesquisadores177 que um dos melhores exemplos dessa linha de raciocínio é o

caso de Tel Qasile, pequeno sítio nos arredores ao norte da moderna Tel Aviv, escavado,

primeiramente, pelo arqueólogo bíblico e historiador israelense Benjamin Mazar, em 1948-1950,

que, por sua vez, descobriu uma próspera cidade filisteia, inteiramente desconhecida nos registros

bíblicos. Conforme os autores, a última camada, que continha uma cerâmica filisteia

característica com outras marcas e selos dessa cultura, foi destruída pelo fogo, e embora não

existisse nenhuma referência específica na Bíblia sobre a conquista dessa área por Davi, Mazar

não hesitou em concluir que Davi arrasara o assentamento em suas guerras contra os filisteus.

Percebem os autores178 que os achados arqueológicos se tornaram dogmas bíblicos, e isso

aconteceu em todo o país, com o destrutivo trabalho de Davi a ser visto em todas as camadas de

cinza e em todas as pedras tombadas em sítios da Filisteia até o vale Jezrael e mais além. E no

176 Ibidem, pp. 188-190. 177 Ibidem, p. 189. 178 Ibidem, pp. 189-190.

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meio desses “dogmas religiosos arqueológicos”, conforme os pesquisadores, em quase todos os

casos nos quais uma cidade com a cultura de Canaã ou da Filisteia foi atacada, ou mesmo

remodelada, as arrebatadoras conquistas do rei Davi foram percebidas como a causa.

Finkelstein e Silberman179 afirmam que, teoricamente, os israelitas das regiões

montanhosas centrais poderiam ter estabelecido controle não apenas sobre pequenos sítios como

Tel Qasile, mas também sobre grandes centros ‘cananeus’, como Gezer, Megiddo e Betsã, pois

na história existem alguns exemplos de povos rurais que exerceram controle sobre grandes

cidades, especialmente em situações nas quais opressores das montanhas ou chefes proscritos de

tribos usavam a ameaça de violência e a promessa de proteção paternal, para garantir tributos e

manifestação de lealdade de fazendeiros e mercadores das cidades das planícies. Reforçam os

estudiosos que, na maioria dos casos, essas não eram vitórias militares inequívocas, nem o

estabelecimento de um império formalizado e burocrático, mas demonstração de maneiras mais

sutis de liderança, nas quais um chefe proscrito das montanhas oferece uma espécie de segurança

para as comunidades das planícies.

Há a negação de Finkelstein e Silberman nas vitórias e conquistas de Davi, pois, nesse

contexto, não poderia ter um Reino de Davi como conquistador, e atribui-se todas as “conquistas

de Davi” antes afirmadas pela arqueologia como, agora, manifestações de poder de chefes

proscritos das montanhas sobre as comunidades das planícies. Não são, para os autores, de forma

alguma, conquistas do rei Davi.

4.5 O “Legado de Davi”

Conforme Finkelstein e Silberman180, definitivamente não há razão para duvidar da

historicidade de Davi e de Salomão, porém, subsistem razões de sobra para questionar a extensão

e o esplendor do reinado de ambos. Para os autores, caso não tenha existido um grande império,

nem grandes monumentos, nem uma capital magnífica, questiona-se a natureza do reinado de

Davi.

179 Ibidem, p. 190. 180 Ibidem, pp. 199-200.

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Relatam os estudiosos181 que a cultura material das regiões montanhosas do tempo de Davi

permaneceu simples, pois a terra era esmagadoramente rural, sem nenhum traço de documentos

escritos, de inscrições ou mesmo de sinais do tipo alfabetização generalizada, que seriam

necessários para o funcionamento de uma monarquia característica. Para os pesquisadores, do

ponto de vista demográfico, é improvável que as áreas de assentamentos israelitas tenham sido

homogêneas, pois é difícil constatar qualquer indício de cultura unificada ou de um Estado

administrado de um centro. Conforme as pesquisas dos autores, a área ao norte de Jerusalém era

povoada de forma densa, enquanto a área ao sul de Jerusalém – o eixo do futuro reino de Judá –

ainda era de povoamento esparso, pois a própria Jerusalém era, quando muito, pouco mais que

uma aldeia típica de regiões montanhosas e, conforme o parecer dos estudiosos, não se pode

afirmar mais nada além disso.

Segundo as pesquisas de Finkelstein e Silberman182, as estimativas de população para as

fases posteriores ao período dos assentamentos israelitas se aplicam, também, ao século X a.C.,

pois tais estimativas dão ideia da escala de possibilidades históricas. Conforme os pesquisadores,

de um total de aproximadamente 45 mil pessoas morando nas regiões montanhosas, 90% deve ter

habitado as vilas do norte. Percebem os estudiosos que tal porcentagem teria deixado cerca de 5

mil pessoas espalhadas entre Jerusalém e Hebron, e cerca de 20 pequenas aldeias em Judá, com

grupos adicionais a permanecer, talvez, como pastores nômades.

No raciocínio dos estudiosos, uma sociedade pequena e isolada como essa, por certo, teria

alimentado, com carinho, a memória de um líder extraordinário como Davi, enquanto seus

descendentes continuavam a governar em Jerusalém, durante os quatro séculos seguintes. De

acordo com os autores, no século X a.C., o domínio de Davi não se estendia sobre nenhum

império, nem sobre cidades palacianas, ou sobre nenhuma capital espetacular. Concluem os

pesquisadores que, sob o aspecto arqueológico, não é possível dizer nada sobre Davi e Salomão,

exceto que existiram, e que sua lenda e as suas histórias fabulosas permaneceram e resistiram aos

tempos.

Mediante o pensamento dos pesquisadores183, ainda assim, a fascinação da história

deuteronomista do século VII a.C. pelas memórias de Davi e Salomão – e, de fato, a aparente e

constante veneração dessas personagens pelos judaicos – pode ser a melhor, se não a única

181 Ibidem, pp. 199-200. 182 Ibidem, p. 200. 183 Ibidem, pp. 200-201.

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evidência para a existência de algum tipo de Estado unificado israelita. Consideram os autores

que o fato de os deuteronomistas usarem a monarquia unificada como ferramenta muito poderosa

de propaganda política sugere que, no seu tempo, o episódio de Davi e Salomão, como

governantes de um território relativamente maior nas regiões centrais, permanecia vivo e

amplamente verossímil.

Mesmo assim, Finkelstein e Silberman confiam nos dados arqueológicos, e, com razão, não

ousam misturar os relatos bíblicos com as descobertas arqueológicas, obviamente extrabíblicas.

Os autores também defendem a origem das histórias de Davi e de Salomão durante a reforma

josiânica do século VII a.C.

Relatam os autores184 que é possível que, por volta do século VII a.C., as condições em

Judá tenham mudado um pouco além de uma avaliação, pois Jerusalém era, então, uma cidade

relativamente grande, dominada por um templo ao Deus de Israel, que servia como único

santuário nacional. Conforme os estudiosos, as instituições da monarquia, um exército

profissional e a administração tinham atingido o nível de sofisticação que se comparava à

complexidade das instituições das realezas dos Reinos vizinhos, a chegar mesmo a excedê-las. E,

novamente, ressaltam os pesquisadores, pode-se ver as paisagens e os costumes de Judá, no

século VII a.C., como cenário para um conto bíblico inesquecível, dessa vez uma mitológica era

de ouro. Segundo os autores, a deslumbrante e luxuosa visita da rainha de Sabá a Jerusalém (1

Reis 10,1-10) e o comércio de mercadorias raras com mercados distantes como a terra de Ofir, ao

sul (1 Reis 9,28), sem dúvida refletem a participação de Judá no lucrativo comércio do século VII

a.C.

Conforme os pesquisadores, o mesmo é verdadeiro para a descrição da construção de

Tamar no deserto (1 Reis 9,18), e para as expedições comerciais a terras distantes, a partir de

Ezion-geber, no golfo de Aqaba (1 Reis 9,26), dois sítios que foram analisados e identificados

com segurança e que não eram habitados antes do final dos tempos monárquicos. E a guarda real,

nos relatos dos estudiosos, formada por cereteus e feleteus (2 Samuel 8,18), anteriormente

assumida pelos conhecedores do assunto como de origem egeia, poderia ser compreendida no

cenário do serviço de gregos mercenários como a mais adiantada força combatente do seu

tempo, no exército do Egito e, talvez, no exército judaico, no século VII a.C.

184 Ibidem, pp. 201-202.

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112

Tais ilustrações de corte, por exemplo, podem ser encontradas em diversos momentos dos

livros de Reis, mesmo nas narrativas do rei Acabe e do profeta Elias, e consideradas como

contemporâneas da reforma josiânica datada do século VII a.C.

Para os autores185, no final dos tempos monárquicos, elaborada ideologia tinha sido

desenvolvida em Judá e em Jerusalém, para validar a conexão entre o herdeiro de Davi e o

destino do povo de Israel. Relatam os estudiosos que, de acordo com a história deuteronomista, o

piedoso Davi foi o primeiro a parar o ciclo de idolatria (pelo povo de Israel) e da retribuição

divina (por Yahweh), e graças a sua devoção, fidelidade e integridade, Yahweh o ajudou a

completar o trabalho inacabado de Josué, ou seja, conquistar o resto da Terra Prometida e

estabelecer um império glorioso sobre todos os vastos territórios prometidos a Abraão.

Na visão dos autores, essas eram as esperanças fundamentadas na ideologia da crença em

Yahweh, não retratos históricos acurados, pois constituíram elemento central da visão

contagiante do renascimento nacional no século VII a.C., que buscava reunir o povo espalhado,

disperso e desconfiado, para provar-lhe que havia vivenciado uma história emocionante e

arrebatadora sob a intervenção direta de Yahweh. Atentam os pesquisadores que o épico glorioso

da monarquia unificada era – como as narrativas dos patriarcas e as sagas do Êxodo e da

conquista de Canaã – uma brilhante composição que entrelaçou antigos contos heroicos e lendas,

numa profecia coerente e persuasiva para o povo de Israel, no século VII a.C. Entretanto, as

narrativas dos patriarcas e as sagas do Êxodo podem ser consideradas produções pós-exílicas, e a

conquista de Canaã pré-exílica.

Conforme a pesquisa dos estudiosos186, para o povo de Judá do tempo em que o épico

bíblico foi elaborado pela primeira vez, um novo Davi tinha assumido o trono, com a intenção de

restaurar a glória de seus distantes antepassados; a partir disso Josias foi descrito como o mais

dedicado de todos os reis de Judá; conforme o pensamento dos autores, Josias foi capaz de

retornar ao tempo da monarquia unificada no seu próprio tempo. Para os pesquisadores, ao

purificar Judá da abominação da idolatria – introduzida em Jerusalém por Salomão, com seu

harém de mulheres estrangeiras (1 Reis 11,1-8) –, Josias pôde anular as transgressões que tinham

provocado a destruição do ‘império’ de Davi. Consideram os estudiosos que aquilo que os

185 Ibidem, p. 202. 186 Ibidem, pp. 202-203.

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113

historiadores do Deuteronômio queriam dizer é simples e convincente: ainda há uma maneira ou

forma de recuperar a glória do passado.

Assim, atentam os autores187, Josias iniciou a instituição de uma monarquia unificada que

relacionaria Judá aos territórios do antigo reino do norte, por meio das instituições da realeza, das

forças militares e de uma sincera devoção a Jerusalém, que é tão fundamental à narrativa bíblica

de Davi. Conforme os pesquisadores, como monarca sentado no trono de Davi, em Jerusalém,

Josias era o único herdeiro legítimo do império davídico, ou seja, de seus territórios, e iria

‘recuperar’ os territórios do reino do norte, então destruído, o reino que tinha nascido dos

pecados de Salomão, e as palavras do livro de 1 Reis 4,25, que “Judá e Israel habitaram em

segurança, de Dan e até mesmo Berseba”, resumem para os autores aquelas esperanças de

expansão territorial e a busca por tempos prósperos e pacíficos, semelhantes aos do passado

mítico, quando um rei governou de Jerusalém sobre todos os territórios reunidos de Judá e de

Israel.

Em suma, conforme o deuteronomista, Josias virou o salvador de Judá de acordo com a

literatura deuteronomista, que além de legitimar Josias como representante da casa de Davi, o

incumbiu de exterminar as falhas de seus ancestrais através da sua iconoclastia, um detalhe é que

a inserção da cobra Neustã como objeto destruído por Josias trata-se de uma inserção sacerdotal,

pois corresponde a Moisés, e não à reforma josiânica.

Sumarizam Finkelstein e Silberman188 que, conforme foi observado, a realidade histórica

do reino de Davi e de Salomão era bem diferente do relato, pois era parte da grande

transformação demográfica que culminaria na emergência dos reinos de Judá e de Israel, em uma

sequência muito diversa daquela narrada na Bíblia.

Os respectivos reinos de Israel e Judá tiveram uma origem autóctone, e não como uma

cisão, conforme o relato bíblico após a morte do rei Salomão.

Foi analisado neste capítulo que se findam as formas de hermenêutica do senso comum

bíblico, que são três: fundamentalista, conservadora e devocional, que não objetivam negar os

mitos e fábulas da Bíblia. Em seguida, apresentou-se duas formas de análise que fundamentam o

senso crítico sobre a existência dos eventos apresentados na narrativa bíblica, que são a crítica

literária de Mario Liverani e a arqueologia apresentada por Finkelstein e Silberman. Esses

187 Ibidem, p. 203. 188 Ibidem, p. 203.

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estudos (de Mario Liverani e de Finkelstein e Silberman) estão mais voltados ao contexto de

Davi e Salomão. Em seguida, os mesmos instrumentos estarão direcionados para o objeto do

presente estudo, que é o Templo pré-exílico, como será visto no próximo capítulo.

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115

Capítulo III – Teorias sobre o Primeiro Templo

Neste estudo sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão as três teorias

utilizadas serão: a de Israel Filkenstein, com seu parceiro de livro Neil Asher Silberman189; a de

Mario Liverani190; e a de Burger-Temple-Gescinde, apresentada por Jean Louis Ska191. Em

seguida, será demonstrado um resumo das três teorias sobre o Templo pré-exílico, a apontar que

a última teoria, de Jean Louis Ska, está relacionada com o capítulo final, cujo tema é a

“Relevância da Memória do Primeiro Templo, a função social e os seus aspectos”.

Filkenstein e Silberman192 se baseiam absolutamente nas provas arqueológicas e históricas,

pois, para ambos os autores, é questionável a existência dos reis Davi e Salomão por eles não

serem citados nas fontes egípcias e mesopotâmicas, mas ausência de citações ocorre devido à

decadência das civilizações egípcia e mesopotâmica conforme os autores. Os autores ressaltam

que nos dados arqueológicos não há evidência para as conquistas de Davi ou para o seu império;

nos vales, a cultura canaanita se mantém ininterrupta e sobre as construções salomônicas não há

nenhum sinal de arquitetura monumental ou cidade importante em Jerusalém, e nenhum sinal de

construções em larga escala nas cidades de Meggido, Hazor e Gezer; no norte, continua a cultura

material de Canaã. Ou seja, não há vestígios de um poderoso império israelita interferindo na

cultura cananeia ou canaanita, do que pode se deduzir a inexistência, não apenas do “Império”

dos reis Davi e Salomão, mas também do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.

189 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit. 190 LIVERANI, M. op. cit. 191 SKA, J.L. op. cit. 192 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 180-185.

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Mario Liverani193 questiona a dimensão do Templo considerado original de Jerusalém

apresentada na Bíblia Hebraica. Em sua perspectiva, ele acredita de fato que houve uma

construção do Templo monárquico do reino de Judá, mas nas condições de época, e não como

uma obra magnífica de acordo com o relato bíblico, até mesmo a destruição do referido Templo

cuja construção é atribuída ao rei Salomão datada por volta de 586 a.C., que se limitava a saques

e incêndios, pois um Templo da magnitude apontada na Bíblia Hebraica não seria destruído tão

facilmente conforme os relatos das Escrituras Sagradas. Dessa forma, o autor conclui que o

Templo pré-exílico de Jerusalém apresentado na Bíblia Hebraica foi baseado nos templos da

Babilônia, das cidades de Borsipa, Nippur e Uruk, que eram organizações bem complexas,

dotadas de um poder econômico e político relevante, com estruturas arquitetônicas imponentes, e

o palácio real, cujo templo era anexo conforme relata a Bíblia Hebraica, é um projeto de palácio

em estilo persa, com data entre os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e

Persépolis.

Jean Louis Ska194 levanta a teoria de Burger-Temple-Gescinde relacionada à importância

do Templo no pós-exílio, consistente na comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo,

pois para que houvesse um Templo em Jerusalém no pós-exílio, o governo persa precisaria

reconhecer os direitos e privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, o que foi emitido

pelo rei Ciro de acordo com o Livro de Esdras 1,1-4 e, consequentemente, seria desenvolvida

uma literatura inteira para legitimá-lo, que é a conhecida como Sacerdotal, sobre a qual, a

princípio, não há a intenção de ser desdobrada na tese, em prol da literatura Deuteronomista,

considerada anterior à Sacerdotal. Entretanto, conforme o afirmado anteriormente, essa teoria

será desdobrada no capítulo final da tese por estar mais relacionada com a relevância da memória

do Templo monárquico do reino de Judá, a função social e os seus aspectos do que as demais

teorias.

Todas as teorias baseadas nas evidências arqueológicas e históricas afirmam que

factualmente não houve nem um rei Davi de acordo ou similar às narrativas bíblicas, tampouco

um rei Salomão fundamentado nas mesmas narrativas, e muito menos um Templo considerado

original factual construído por ele, e discutem que houve motivações oriundas da construção do

193 LIVERANI, M. op. cit., pp. 393-403. 194 SKA, J.L. op. cit., pp. 241-242.

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“Segundo Templo” que legitimaram ideologicamente o “Segundo” a fundamentar nas lendas e

mitos do “Primeiro Templo”.

1. Teoria de Finkelstein e Silberman

Relacionada ao Templo, a teoria de Finkelstein e Silberman encontra-se fundamentada nos

dois parágrafos seguintes.

Conforme os autores195, escavações do século XIX e começo do século XX em volta do

monte do Templo de Jerusalém não produzem sequer um traço do fabuloso Templo de Salomão

ou do complexo do palácio. Mas, afirmam os autores, muitos eruditos (os quais Finkelstein e

Silberman não se referem quem sejam) discutem que remanescentes arqueológicos da época de

Salomão estão a faltar, em virtude de terem sido erradicados, por exemplo, pelas maciças

construções de Herodes no monte do Templo, no antigo período romano.

À busca de Jerusalém relacionada ao Templo, relatam os autores196 que, durante séculos, a

imagem de Jerusalém no tempo de Davi e, mais ainda, no tempo do seu filho Salomão tem sido

assunto para criação de mitos e fantasia, pois peregrinos, cruzados e visionários de toda espécie

espalharam histórias fabulosas e lendárias sobre a grandeza da cidade de Davi e do Templo de

Salomão. Portanto, concluem Finkelstein e Silberman que não foi por acidente os remanescentes

desse Templo situavam-se entre os primeiros desafios enfrentados por arqueólogos bíblicos no

século XIX.

Em súmula, conforme pesquisam Finkelstein e Silberman, não é possível ter uma cidade

com a grandeza da Jerusalém da narrativa bíblica do período de Davi, tampouco um templo de

maravilha incomensurável como o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, pois tais

estruturas estupendas não correspondem aos dados arqueológicos disponíveis.

É necessário, porém, contextualizar a teoria na obra dos autores, pois eles não costumam a

se referir ao Templo isoladamente, mas sim às personagens epônimas vinculadas à fundação do

Templo e às obras atribuídas a princípio a tais personagens, as quais, no final das contas,

195 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 181-182. 196 Ibidem, pp. 186-187.

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conforme os achados arqueológicos, são obras de reis bem posteriores, conforme será visto a

seguir.

1.1 Os Mitos de Davi e de Salomão em Face ao Primeiro Templo

De acordo com Finkelstein e Silberman197, Davi e Salomão são dois ícones tão

fundamentais para o Judaísmo e para o Cristianismo, que as asserções próximas ao ano do livro

(2001) de críticos bíblicos radicais, de que o rei Davi não é “senão uma figura tão histórica

quanto o rei Artur”, foram recebidas com desprezo em muitos círculos religiosos e eruditos, e

mesmo como afronta. Finkelstein e Silberman apontam que historiadores bíblicos como Thomas

Thompson e Niels Peter Lemche, da Universidade de Copenhague, e Philip Davies, da

Universidade de Sheffield, apelidados de ‘minimalistas bíblicos’ por seus detratores,

argumentaram que a existência de Davi, de Salomão e da monarquia unificada de Israel e, de

fato, a descrição inteira da história de Israel na Bíblia não passam de construções ideológicas

elaboradas com habilidade, produzidas por círculos sacerdotais em Jerusalém depois do exílio na

Babilônia, ou mesmo em tempos helenísticos. Tal afirmação é questionável, pois Davi e Salomão

não devem ser assunto do pós-exílio e dos tempos helenísticos dos círculos sacerdotais, pois o

seu principal assunto era Moisés, principalmente na função da legitimação sacerdotal.

Afirmam Finkelstein e Silberman198 que, mesmo do ponto de vista puramente literário e

arqueológico, os minimalistas possuem alguns pontos a seu favor, pois a leitura cuidadosa das

descrições bíblicas sobre o tempo de Salomão sugere, de forma clara, que esse é o retrato do

passado idealizado, de uma gloriosa era de ouro. Segundo os autores, os relatos da fabulosa

riqueza de Salomão (a tornar “a prata tão comum em Jerusalém como a pedra”, de acordo com 1

Reis 10,27) e seu lendário harém (a abrigar setecentas esposas e princesas e trezentas concubinas,

de acordo com 1 Reis 11,3) são exagerados demais para serem verdadeiros.

Além disso, ressaltam os pesquisadores que, apesar de toda a sua celebrada riqueza e

poder, nem Davi, nem Salomão são mencionados em nenhum texto conhecido do Egito e da

Mesopotâmia, como, da mesma forma, não existe nenhuma evidência arqueológica dos famosos

197 Ibidem, pp. 180-181. 198 Ibidem, p. 181.

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projetos de construção de Salomão em Jerusalém. Nas pesquisas dos estudiosos, escavações do

século XIX e começo do XX em volta do monte do Templo em Jerusalém não produziram sequer

um traço do fabuloso Templo de Salomão ou do complexo do palácio. Enfatizam os autores que,

enquanto certos níveis de estruturas em sítios de outras regiões do país foram devidamente

associados à era da monarquia unificada, o estabelecimento de suas datas está longe de ser

evidente.

Conforme se observa, não há nada que apoie o relato bíblico como fato histórico, pois todas

as evidências arqueológicas mais negam o relato bíblico do que o afirmam.

Os estudiosos199, porém, apontam que fortes argumentos têm sido defendidos para

contrapor algumas das objeções dos minimalistas. Conforme os autores, muitos eruditos, os quais

não são identificados por eles, discutem que remanescentes arqueológicos da época de Salomão

estão a faltar, em virtude de terem sido erradicados, por exemplo, pelas maciças construções de

Herodes no monte do Templo, no antigo período romano. Além disso, continuam os autores, a

ausência de referências externas a Davi e a Salomão em antigas inscrições é bem compreensível,

pois a era na qual se acredita que eles governaram (aproximadamente 1005-930 a.C.) foi o

período de declínio dos grandes impérios do Egito e da Mesopotâmia. Portanto, concluem os

autores, não surpreende a inexistência de referências a Davi e a Salomão nos escassos textos

egípcios e mesopotâmicos que lhes foram contemporâneos.

Apontam Finkelstein e Silberman200 que, mesmo assim, no verão de 1993, no sítio bíblico

de Tell-Dan, ao norte de Israel, descobriu-se um fragmento de artefato que mudaria para sempre a

natureza do debate, que foi a inscrição “Casa de Davi”, parte de um monumento de basalto negro,

encontrado quebrado e reutilizado em um estrato posterior como pedra de construção. Conforme

os pesquisadores, o monumento estava escrito em aramaico, a língua dos reinos arameus na Síria,

e relatava detalhes de uma invasão de Israel por um rei arameu, cujo nome não é mencionado nos

pedaços achados até agora. Mas, segundo os autores, dificilmente se pode questionar que o

fragmento conta a história do ataque de Hazael, rei de Damasco, ao reino de Israel, ao norte, por

volta de 835 a.C. Relatam os pesquisadores que esta guerra ocorreu na época em que Israel e

Judá “eram reinos separados” (pois tudo indica que sempre foram), e o resultado foi uma amarga

derrota para ambos.

199 Ibidem, p. 181-182. 200 Ibidem, p. 182.

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Os escritores201 indicam que a parte mais importante da inscrição é a descrição ostentosa de

Hazael a respeito de seus inimigos: “(Eu matei Jo)rão filho de (Acabe) rei de Israel, e (eu) matei

(Acaz)iahu filho do (rei Jorão) da Casa de Davi. E eu coloquei (suas cidades em ruínas e

transformei) sua terra em (desolação)”.

De acordo com Finkelstein e Silberman202, este é um indício dramático da fama da dinastia

de Davi, menos de cem anos após o reinado de Salomão, filho de Davi, de acordo com a narrativa

bíblica. Para os autores, o fato de o reino de Judá (ou talvez a sua capital Jerusalém) ser referido

com apenas uma menção à dinastia reinante é evidência clara, na opinião dos autores, de que a

reputação de Davi não foi invenção literária de um período bem posterior. Além disso, segundo

os estudiosos, o erudito francês André Lemaire sugeriu, na época da edição do livro dos

pesquisadores, em 2001, que uma referência semelhante à casa de Davi pode ser encontrada na

famosa inscrição da Estela de Tell-Dan203, do século IX a.C. Portanto, concluem os autores que a

casa de Davi era conhecida em toda a região, o que confirma, na visão dos estudiosos, a descrição

bíblica de uma figura chamada Davi, que se tornou fundador de uma dinastia de reis judaicos em

Jerusalém.

A inscrição de Tell-Dan é considerada como fonte extrabíblica e confirma a existência da

Casa de Davi, e do reinado de Davi, porém, não existem confirmações (e nem existirão, pelo que

tudo indica até o momento), dos reinos comandados por Davi e Salomão como grandes impérios.

Concluem Finkelstein e Silberman204 que a questão que se tem de enfrentar, portanto, não é

mais sobre a mera existência de Davi e Salomão, de acordo com o ponto de vista dos autores,

mas sim, a necessidade de analisar se as arrebatadoras descrições da Bíblia a respeito de grandes

vitórias militares de Davi e notáveis projetos de construção de Salomão são consistentes com as

evidências arqueológicas.

201 Ibidem, p. 182. 202 Ibidem, pp. 182-183. 203 Aqui houve um equívoco na obra de Finkelstein e Silberman, que aponta a Estela do rei moabita Mesha como a primeira referência extrabíblica a indicar a existência da Casa de Davi, o que não é verídico, pois a Estela de Mesha indica a referência extrabíblica para a existência da Casa de Omri, no Reino do Norte. 204 Ibidem, p. 183.

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1.2 Em Busca da Jerusalém do Templo

Durante séculos, afirmam os autores205, a imagem de Jerusalém no tempo de Davi e, mais

ainda, no tempo do seu filho Salomão tem sido assunto para criação de mitos e fantasia, pois

peregrinos, cruzados e visionários de toda espécie espalharam histórias fabulosas e lendárias

sobre a grandeza da cidade de Davi e do Templo de Salomão. Portanto, consideram os

pesquisadores, não foi por acidente que os remanescentes desse Templo situavam-se entre os

primeiros desafios enfrentados por arqueólogos bíblicos no século XIX, pois a busca dificilmente

seria simples e pouco produtiva, em geral, em virtude da natureza do sítio.

Segundo os conhecimentos dos estudiosos206, Jerusalém, habitada continuamente e muito

reconstruída, situa-se em uma depressão oblonga a leste da bacia hidrográfica das montanhas da

Judeia, bem perto da margem do deserto de mesmo nome. Relatam os autores que, no centro de

sua parte histórica está a Cidade Velha, circundada por muralhas otomanas; e o quarteirão cristão,

por sua vez, está localizado a noroeste da Cidade Velha, em torno da igreja do Santo Sepulcro.

De acordo com os dados dos pesquisadores, o quarteirão judaico fica no sudoeste, diante do

Muro das Lamentações e do monte do Templo, que cobre o lado mais a leste da cidade otomana,

e para o sul do monte do Templo, fora das muralhas da cidade otomana, estende-se a escarpa

longa, estreita e relativamente baixa da cidade de Davi, o velho cômoro da Jerusalém da Idade do

Bronze e da antiga Idade do Ferro, que por sua vez está isolado nas colinas vizinhas por duas

ravinas; é a ravina do leste, o vale Kidron, que separa a vila de Siloam, na qual se situa a

principal fonte de água da Jerusalém bíblica, a fonte de Gion.

Afirmam os pesquisadores207 que Jerusalém foi escavada repetidas vezes – e com um

período de investigações intensas, em particular, dos remanescentes das idades do Bronze e do

Ferro, nas décadas de 1970 e 1980, sob a direção de Yigal Shiloh, da Universidade Hebraica – na

cidade de Davi, coração urbano original de Jerusalém. Surpreendentemente, de acordo com os

autores, como indicou um arqueólogo da Universidade de Tel Aviv, David Ussishkin, o trabalho

de campo ali, e em outras partes da Jerusalém bíblica, não produziu evidência significativa de

ocupação no século X a.C. Conforme os estudiosos, não existem sinais de arquitetura

205 Ibidem, pp. 186-187. 206 Ibidem, p. 187. 207 Ibidem, pp. 187-188.

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monumental, nem de fragmentos de cerâmica mais comum, pois os autores ressaltam que os tipos

de cerâmica do século X a.C., que são característicos em outros sítios, são raros em Jerusalém.

Segundo os estudos de Finkelstein e Silberman, alguns eruditos (aos quais os autores não se

referem), argumentaram que as construções maciças posteriores em Jerusalém apagaram todos os

outros traços da cidade antiga, e, mesmo assim, escavações na cidade de Davi revelaram achados

impressionantes da Idade do Bronze Média e dos últimos séculos da Idade do Ferro, mas nada do

século X a.C. Para os estudiosos, a análise mais otimista sobre tal evidência negativa é de que a

cidade de Jerusalém, no século X a.C., era limitada em extensão e talvez nada mais que uma

típica aldeia de região montanhosa. Mais uma vez, não há dado arqueológico que legitime as

obras de Davi e de Salomão conforme o relato bíblico.

Conforme a percepção dos autores208, tal avaliação modesta se entrosa bem com o padrão

bastante escasso de assentamento do resto do reino de Judá no mesmo período, formado de

apenas cerca de vinte pequenas aldeias e uns poucos milhares de habitantes, muitos dos quais

eram pastores nômades. De fato, atentam os estudiosos, é altamente improvável que essa região

pouco povoada de Judá e a pequena aldeia de Jerusalém pudessem ter se transformado no centro

de um grande império, que se estendia do mar Vermelho, no sul, até a Síria, no norte.

No caso de o homem mais carismático dentre todos os reis ter mesmo congregado os

homens e as armas necessárias para conquistar e manter o domínio sob territórios tão vastos,

afirmam os autores que não existe nenhuma indicação arqueológica da riqueza, do efetivo e do

nível de organização que seriam exigidos para apoiar grandes exércitos – mesmo que por breve

período de tempo – em um campo de batalha. Os pesquisadores questionam se ainda que os

relativamente poucos habitantes de Judá tivessem sido capazes de realizar ataques repentinos e

fulminantes nas regiões vizinhas, por um acaso, poderiam ter condições e capacidade de

administrar o extenso e ambicioso império de Salomão, o filho de Davi.

Em súmula, os autores não colocam com estas palavras, mas para Finkelstein e Silberman,

em termos arqueológicos, as conquistas por Davi e o crescimento de Jerusalém por Salomão não

passam de “conversa fiada” ou “balela”.

208 Ibidem, p. 188.

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123

1.3 Os Estábulos, Cidades e Portões do Rei Salomão

Finkelstein e Silberman209 afirmam que o cerne do debate não ocorreu sobre a evidência

das conquistas de Davi, mas sobre sua consequência. Segundo os estudiosos, na questão de

Salomão ter estabelecido glorioso domínio sobre o reino conquistado por Davi, embora não

exista traço do Templo de Salomão e o palácio de Jerusalém jamais tenha sido identificado,

existiam muitos outros lugares para os estudiosos procurarem. Conforme os autores, a narrativa

bíblica descreve a reconstrução das cidades de Megiddo, Hazor e Gezer ao norte por Salomão (1

Reis 9,15). Quando uma dessas cidades, Megiddo, foi escavada por uma expedição do Instituto

Oriental da Universidade de Chicago, nas décadas de 1920 e 1930, que encontrou alguns dos

mais impressionantes remanescentes da Idade do Ferro, que foram atribuídos a Salomão.

Segundo os estudos dos pesquisadores210, a cidade de Megiddo, localizada em um ponto

estratégico no qual uma estrada internacional do Egito, no sul, até a Mesopotâmia e a Anatólia,

no norte, desce das colinas para o vale de Jezrael, Megiddo era uma das cidades mais importantes

do Israel bíblico. Afirmam os autores que, além do livro de 1 Reis 9,15, ela também é

mencionada em 1 Reis 4,12 na lista dos distritos do estado salomônico. Informam os estudiosos

que o nível da cidade, chamado estrato IV – o último a ser quase totalmente exposto na área do

antigo cômoro –, continha dois conjuntos de grandes prédios públicos, cada um formado por uma

série de câmaras longas, ligadas umas às outras numa fileira. Conforme as pesquisas de

Finkelstein e Silberman, cada uma das câmaras individuais dividia-se em três corredores

estreitos, separados um do outro por uma divisória de paredes baixas de pilares de pedra e

cochos.

Afirmam os autores que um dos diretores da expedição, P.L.O. Guy, identificou esses

edifícios como estábulos, datados do tempo de Salomão, e foi reconhecido por sua interpretação

se basear na descrição bíblica das técnicas de construção salomônicas em Jerusalém (1 Reis

7,12), na referência específica às atividades de construção de Salomão em Megiddo, em 1 Reis

9,15, e na menção das cidades salomônicas de bigas e cavaleiros, em 1 Reis 9,19. Apontam os

autores que Guy resumiu, dessa forma, sua identificação: “Se nos perguntarmos quem, em

Megiddo, imediatamente depois da derrota dos filisteus pelo rei Davi, construiu uma cidade com

209 Ibidem, pp. 190-191. 210 Ibidem, p. 192.

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tantos estábulos, com a ajuda de habilidosos pedreiros estrangeiros, eu acredito que

encontraremos a resposta na Bíblia (...) se lermos a história de Salomão, seja nos livros dos Reis

ou nas Crônicas, ficamos espantados pela frequência com que as bigas e os cavalos são citados”.

Continuam os pesquisadores que a evidência aparente da grandeza do império salomônico

foi intensificada, de modo significativo, na década de 1950, com as escavações de Yigael Yadin,

em Hazor, que, por sua vez, em conjunto com a sua equipe, descobriu uma grande cidade

pertencente à Idade do Ferro e com um planejamento peculiar: havia uma torre e três câmaras de

cada lado do portão, a originar, nesse caso, a expressão “portão das seis câmaras”. Ressaltam os

estudiosos que Yadin ficou estupefato, pois um portão semelhante – tanto no desenho quanto no

tamanho – fora descoberto vinte anos antes pela equipe do Instituto Oriental, da Universidade de

Chicago, em Megiddo. Talvez, segundo os autores Finkelstein e Silberman, fosse esse o sinal, e

não os estábulos, da presença de Salomão nas terras de Israel.

Relatam os estudiosos211 que, dessa forma, Yadin foi escavar Gezer, a terceira cidade

mencionada em 1 Reis 9,15, como a ser construída por Salomão, mas não em campo, na

biblioteca, pois Gezer tinha sido escavada no começo do século pelo arqueólogo britânico R.A.S

Macalister. Conforme os autores, enquanto folheava as páginas dos relatórios de Macalister,

Yadin ficou perplexo e pasmo, pois no plano de um edifício que Macalister tinha identificado

como um ‘castelo macabeu’, datado do século II a.C., Yadin pôde facilmente reconhecer no

contorno dos lados o mesmo tipo de estrutura de portão encontrado em Megiddo e em Hazor.

Consequentemente, segundo a narrativa dos estudiosos, Yadin não hesitou, e veio diretamente a

argumentar que um arquiteto real de Jerusalém desenhara um plano-mestre para as cidades

muradas de Salomão, e que esse plano-mestre tinha sido utilizado nas cidades provinciais. O

argumento de Yadin diz isso da seguinte forma:

Não existe exemplo na história da arqueologia em que uma passagem bíblica tenha

ajudado dessa maneira a identificar e datar estruturas em vários montes artificiais,

formados por restos de antigas povoações, na Terra Santa, como essa do livro de 1 Reis

9,15 (...) Nossa decisão de atribuir aquela camada (em Hazor) a Salomão foi baseada

primariamente na passagem 9,15 do livro 1º Reis, na estratigrafia e na cerâmica. Mas

quando, além disso, encontramos naquele estrato um portão de ‘seis camadas’, duas

211 Ibidem, pp. 193-194.

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torres, conectado à casamata da muralha, idêntico em plano e nas medidas ao portão de

Megiddo, tivemos certeza de que tínhamos identificado com êxito a cidade de Salomão.

Ressaltam Finkelstein e Silberman213, ainda, que as descobertas salomônicas de Yadin não

tinham terminado, pois no começo da década de 1960, ele foi a Megiddo com uma pequena

equipe de estudantes a fim de analisar e esclarecer a uniformidade dos portões salomônicos, que

em Gezer e em Hazor eram conectados à casamata oca da fortificação, mas que só em Megiddo

ligava-se a uma parede sólida. Yadin, segundo os pesquisadores, tinha certeza de que a equipe de

escavação de Megiddo tinha atribuído, erroneamente, a parte sólida ao portão, a deixar escapar

uma casamata subjacente na parede. De acordo com os estudiosos, como o portão havia sido

completamente descoberto pela equipe da Universidade de Chicago, Yadin escolheu escavar o

lado leste desse portão, no qual a equipe estadunidense havia localizado um aparente conjunto de

estábulos, atribuídos a Salomão.

Atentam Finkelstein e Silberman214 que aquilo que Yadin encontrou revolucionou a

arqueologia bíblica por uma geração. Sob os estábulos, relatam os pesquisadores, Yadin

descobriu os remanescentes de um belo palácio, a medir 558 metros quadrados, construído com

grandes blocos de cantaria; segundo os estudiosos, estava edificado na extremidade norte do

cômoro e conectado a uma fileira de salas, que Yadin interpretou ser a desaparecida casamata

murada, ligada ao portão de seis câmaras. Continuam os autores que, um palácio mais ou menos

semelhante, da mesma forma construído com belos blocos revestidos, tinha sido descoberto pela

equipe do Instituto Oriental no lado sul do cômoro e também jazia sob a cidade de estábulos.

Segundo os estudiosos, o estilo arquitetônico dos dois edifícios era intimamente análogo a

um estilo diferenciado e comum aos palácios da Síria na Idade do Ferro, conhecidos com bit

hilani, os quais consistiam de entrada monumental e fileiras de pequenas câmaras em torno de

uma sala oficial de recepção. Ressaltam os autores que esse estilo teria sido, portanto, apropriado

para uma residência de um funcionário local, talvez o governador regional, Baana, filho de Ailud

(1 Reis 4,12). Continuam Finkelstein e Silberman que, um estudante da equipe de Yadin, já

referido anteriormente, David Ussishkin, comprovou de imediato a conexão desses edifícios com

213 Ibidem, p. 194. 214 Ibidem, p. 195.

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Salomão, a demonstrar que a descrição bíblica do palácio que Salomão construíra em Jerusalém

cabia perfeitamente para os de Megiddo.

Conforme a observação dos pesquisadores, a conclusão parecia inevitável, pois os dois

palácios e o portão representavam a presença de Salomão em Megiddo, enquanto os estábulos

pertenciam efetivamente a uma cidade posterior, construída pelo rei Acab, do reino de Israel, no

começo do século IX a.C. Afirmam os autores que esta última conclusão constitui alicerce

fundamental na teoria de Yadin, já que uma inscrição assíria do século IX descrevia a tropa de

bigas do rei Acab de Israel.

No raciocínio de Finkelstein e Silberman 215, para Yadin e muitos outros, a arqueologia

parecia servir à Bíblia mais acuradamente do que nunca, pois a Bíblia descreveu a expansão

territorial do rei Davi: de fato, para os estudiosos, antigas cidades de Canaã e da Filisteia tinham

sido destruídas pelo fogo por todo o país, e a própria Bíblia contou as atividades de construção de

Salomão em Hazor, Megiddo e Gezer; seguramente, afirmam os estudiosos, os portões similares

revelaram que as três cidades foram construídas ao mesmo tempo, com um plano unificado.

Ainda acentuam os pesquisadores que a Bíblia afirma que Salomão foi aliado de Hirão, rei de

Tiro, e que ele era grande construtor; de fato, ressaltam os autores, os magníficos palácios de

Megiddo mostram relações com o norte em sua arquitetura e eram os prédios mais bonitos

achados no estrato da Idade do Ferro, em Israel.

Continuam os autores216 que, por muitos anos, os portões de Salomão simbolizaram o mais

importante suporte da arqueologia para a Bíblia. Mesmo assim, conforme o pensamento dos

pesquisadores, questões básicas de lógica histórica posteriormente enfraqueceram o seu

significado, pois em nenhum outro lugar da região – da Turquia Oriental ao norte, através da

Síria, até a Transjordânia, ao sul – existia algum sinal de instituições reais desenvolvidas de

modo tão similar ou em construções monumentais no século X a.C. Conforme foi visto, ressaltam

os autores, a terra natal de Davi e de Salomão, em Judá, era conspicuamente subdesenvolvida, e

não existe nenhuma evidência de riqueza de um grande império, gerada e a fluir dali.

E, de acordo com os estudiosos, há um problema cronológico ainda mais perturbador, que

os palácios de bit hilani da Idade do Ferro na Síria – que supostamente seriam os protótipos para

os palácios de Salomão em Megiddo – aparecem pela primeira vez na Síria no século IX a.C.,

215 Ibidem, p. 196. 216 Ibidem, pp. 196-197.

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pelo menos meio século depois do tempo de Salomão, e aparentemente, não é possível que os

arquitetos de Salomão fizessem uso de um estilo arquitetônico ainda desconhecido. Finalmente,

concluem Finkelstein e Silberman, existe a questão do contraste de Megiddo e Jerusalém, há a

questão se por um acaso um rei que construiu palácios fabulosos de cantaria numa cidade

provincial tenha governado uma pequena aldeia, remota e subdesenvolvida. Como veio a

acontecer, conforme os pesquisadores, conhece-se agora que a evidência arqueológica para a

vasta extensão das conquistas de Davi e para a grandeza do reino de Salomão resultou de datas

erradas e incorretamente determinadas como será apresentado a seguir.

Conforme estas observações de Finkelstein e Silberman, apenas levantam críticas das

tentativas de legitimação da existência de Salomão através de obras nas quais os arqueólogos

afirmavam, sem titubear a autoria de Salomão, o que será desdobrado no próximo item.

1.4 A Questão das Datas

Segundo os estudos de Finkelstein e Silberman217, a identificação dos remanescentes do

período de Davi e de Salomão – e, de fato, de reinados dos monarcas que os sucederam no século

seguinte – fundamentava-se em duas classes de evidência:

1ª) O fim da cerâmica filisteia característica (datado em torno de 1000 a.C.) estava

rigorosamente vinculado às conquistas de Davi.

2ª) A construção dos portões monumentais e dos palácios em Megiddo, Hazor e Gezer

estava relacionada com o reinado de Salomão.

De acordo com os autores, nos últimos anos, ambos os apoios começaram a desmoronar,

pois:

Em primeiro lugar, afirmam ambos os pesquisadores, não é mais possível ter certeza de que

a característica cerâmica filisteia não tenha continuado pelo século X a.C. – muito tempo após a

morte de Davi – e, consequentemente, não teria utilidade para o propósito de datar e, muito

menos, de atestar as supostas conquistas de Davi;

217 Ibidem, pp. 197-198.

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E, em segundo lugar, renovadas análises dos estilos arquitetônicos e das formas de

cerâmica nos famosos níveis de Salomão, em Megiddo, Hazor e Gezer indicam que pertencem,

verdadeiramente, ao começo do século IX a.C., décadas depois da morte de Salomão.

Os pesquisadores218 apontam para uma terceira classe de evidência, que é a das técnicas de

datação mais precisas de laboratório, com carbono 14, que aparenta decidir agora esse caso. De

acordo com os estudiosos, até pouco tempo atrás, ou seja, pouco antes de 2001, era impossível

utilizar a datação com radiocarbono para períodos relativamente modernos, como a Idade do

Ferro, porque sua ampla margem de probabilidade com frequência estendia-se além de um século

ou mais. Porém, relatam os autores que com os aperfeiçoamentos e refinamentos do sistema de

datação com carbono 14 reduziram progressivamente a margem de incerteza e,

consequentemente, um número de amostras de importantes localidades incluídas no debate sobre

o século X a.C. foi testado e parece fortalecer a nova cronologia.

Indicam Finkelstein e Silberman219 que o sítio em Megiddo, em particular, gerou algumas

contradições assombrosas para as interpretações consagradas, pois quinze amostras de madeira

foram retiradas das grandes vigas do telhado que desmoronou no terrível incêndio e na destruição

atribuída a Davi. Na visão dos autores, como algumas das vigas poderiam ter sido usadas em

edifícios anteriores, apenas as últimas datas nas séries poderiam indicar, com segurança, quando

tinham sido construídas as estruturas. De fato, atentam os estudiosos, a maioria das amostras foi

atribuída ao século X a.C., muito tempo depois da época de Davi. Os palácios imputados a

Salomão, construídos duas camadas sobre a destruição, teriam sido edificados muito tempo

depois.

Segundo os estudiosos220, a confirmação dessas datas ocorreu por testes do estrato paralelo,

em lugares proeminentes como Tel Dor, na costa mediterrânea, e em Tel Hadar, na costa do mar

da Galileia. Afirmam os pesquisadores que análises e leituras isoladas de vários outros sítios bem

menos conhecidos, com Ein Hegit, perto de Megiddo, e Tel Kenneret, na costa norte do mar da

Galileia, também confirmaram essas datas. Por fim, concluem os autores, uma série de amostras

da destruição de um estrato em Tel Rehov, próximo a Belém, contemporâneo da cidade de

Megiddo, supostamente construído por Salomão, confirmou as datas de meados do século IX

a.C., muito tempo depois de sua noticiada destruição pelo faraó Sisac (ou Sheshonq) em 926 a.C.

218 Ibidem, p. 198. 219 Ibidem, p. 198. 220 Ibidem, p. 198.

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Essencialmente, consideram Finkelstein e Silberman221, a arqueologia datou, de modo

equivocado, vários remanescentes dos períodos de Davi e de Salomão, com margem de erro de

um século inteiro, e os achados pertencentes à época um pouco anterior a Davi, no final do século

XI, são de meados do século X, e aqueles datados da época de Salomão pertencem ao começo do

século IX a.C. Afirmam os autores que as novas datas situam o aparecimento das estruturas

monumentais, das fortificações e de outros sinais de um Estado bem organizado precisamente na

mesma época que apareceram, pela primeira vez, no Levante, as quais retificam a disparidade das

datas entre as estruturas dos palácios bit hilani em Megiddo e seus paralelos na Síria, e,

finalmente, permitem, compreender por que os achados do século X em Jerusalém e em Judá são

tão escassos. Concluem os estudiosos que a razão é que Judá, naquele tempo, ainda era uma

região remota e subdesenvolvida.

A resumir, tanto a cerâmica filisteia, cujo fim é atribuído a Davi, quanto os portões

atribuídos a Salomão, como construções, não são obras de Davi e Salomão, tampouco de suas

respectivas supostas épocas, e são datadas de um século após. Pela análise arqueológica, não se

pode atribuir nada nem a Davi, nem a Salomão vinculado ou à cerâmica filisteia ou aos portões

de Meggido.

2. Teoria de Mario Liverani

A teoria de Mario Liverani é muito distinta da teoria apresentada por Finkelstein e

Silberman, pois ela muda o enfoque do Templo pré-exílico, pois, para o autor, o pensamento

monárquico já é derrotado, e o mais vitorioso se tornou o sacerdotal, de acordo com a introdução

que será exposta a seguir, a enfatizar o Templo monárquico do reino de Judá como construção

posterior ao exílio, ao ponto de não dar grande ênfase ao contexto josiânico.

221 Ibidem, p. 199.

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2.1 Templos do Território de Israel e Templos Babilônicos

Segundo as pesquisas do estudioso222, a opção da monarquia, com a sua perspectiva de um

reino poderoso e pan-israelita, era mero desejo, pois na realidade, para o autor, a linhagem real

não tinha mais nenhum estímulo propulsivo, um reino independente era incompatível com a

situação imperial e os sobreviventes provinham somente de Judá e de Benjamim. Para o

pesquisador, os desejos às vezes vencem, mas, neste caso, tratava-se de um desejo retrógrado,

conservador, baseado na tentativa de voltar a um passado anacrônico. No raciocínio do autor, o

desejo monárquico foi vencido por outro desejo, o sacerdotal, projetado no futuro e apoiado com

grande determinação. Na teoria, percebe o estudioso, propugnava um reino direto de Yahweh:

yhwh mäläk – %l'm 'â h w"åh y ., Yahweh malak, “Deus reina”, como dizem os salmos já régios,

readaptados à nova ideologia:

Yahweh abre os olhos dos cegos,

Yahweh levanta os que esmorecem,

Yahweh ama os justos,

Yahweh protege os migrantes.

Ele dá apoio ao órfão e à viúva,

mas confunde os passos dos maus.

Yahweh reinará para sempre.

Ele é teu Adorado, Sião, de geração em geração. (Salmos 146,8-10)

Mas, na prática, afirma o autor223, o reino de Yahweh realizar-se-ia ao conferir ao

sacerdócio um papel político e ao configurar a comunidade judaica como uma cidade-templo –

uma solução totalmente inovadora na história da Judeia. Aqui o pesquisador traz o reino como

Reino de Yahweh, não reino de reis que só colocam os homens em apuros e riscos.

De acordo com o estudioso224, na Judeia e em todo o Levante, os templos sempre tiveram

um papel nitidamente cultual, como “casas” de vários deuses citadinos, destinadas, portanto, à

sua habitação. Para o autor, os templos tinham uma dimensão reduzida, uma estrutura

arquitetônica simples (na sequência, vestíbulo, sala, sacelo), e sobretudo não era circundados por

222 LIVERANI, M. op. cit., p. 393. 223 Ibidem, p. 394. 224 Ibidem, p. 394.

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anexos (armazéns, lojas, arquivos, habitações do clero), que eram habituais no Egito ou na

Mesopotâmia, ou também na Anatólia, e naquelas regiões faziam do templo um centro de

redistribuição, célula básica para a economia do país.

Conforme os estudos do autor225, o templo siro-israelita não desempenhava um papel

político por ser uma espécie de “anexo” do palácio real, no âmbito de uma complexa organização

que geria apenas as atividades cerimoniais do culto que a cidade prestava à sua ou às suas

divindades. Os sacerdotes, conforme o pesquisador explana, eram uma das categorias de

dependentes palatinos, e do rei recebiam seu sustento, o que não impedia que a gestão do culto

tivesse recaídas políticas. Pelo contrário, observa o autor, a classe dos sacerdotes tinha recaídas

fortíssimas, ao garantir ao rei a adesão popular, e ao povo a segurança de um bom relacionamento

entre os seus dirigentes humanos e as divindades. Porém, ressalta o estudioso, tal funcionalidade

política do templo, por ser o clero diretamente dependente do rei (e a ser o rei protagonista em

pessoa das maiores cerimônias religiosas), era de fato controlada e ofuscada pelo próprio rei. O

contexto que o pesquisador retrata é o do papel do clero sobre o rei, pois nessa época o clero era

praticamente sustentado pelo rei.

Conforme os conhecimentos do estudioso226, também na vida econômica, o templo

desenvolvia certo papel, não de tipo produtivo, mas cerimonial. Para o autor, o templo não

possuía terras, não possuía grupos de escravos rurais; mas acolhia festas (talvez com feiras

anexas) e administrava sacrifícios com o afluxo das contribuições e das vítimas e com a

repartição das carnes entre os participantes. Relata o pesquisador que o Templo recebia ofertas

que em parte eram entesouradas (o templo era o “tesouro” do palácio) e em parte utilizadas nos

preparativos da atividade cerimonial que escandia os ritmos de vida da comunidade. De acordo

com o autor, a participação popular nas atividades do culto poderia ser muito ampla, mas ficava

fora do templo, que não tinha pátios ou outros espaços adequados para receber a presença dos

fiéis. Ou seja, o templo sempre teve um papel financeiro importante, principalmente na época do

rei.

Segundo o autor227, na Babilônia, os exilados estiveram em contato com um modelo bem

diferente de templo. Para o estudioso, os templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk

eram organizações bem complexas, dotadas de um poder econômico e político relevante. De

225 Ibidem, p. 394. 226 Ibidem, p. 394. 227 Ibidem, pp. 394-395.

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acordo com as pesquisas do autor, as estruturas arquitetônicas eram imponentes, pois além da

“casa de deus”, a cela que abrigava a estátua da divindade, de dimensões relativamente reduzidas,

o complexo do templo compreendia a série de anexos a que se fez referência. Relata o

pesquisador que havia amplos armazéns para a colheita, que seriam reutilizados, seja para os

trabalhos de manutenção dos canais, seja para a manutenção dos dependentes, seja para a

redistribuição sob forma de empréstimos a juros privilegiados. Conforme o autor, havia lojas de

artesãos, escolas de escribas e residências sacerdotais, e o templo comportava amplos pátios para

o acesso dos fiéis. Nas pesquisas do estudioso, sacerdotes e escribas do templo compunhm uma

verdadeira classe dirigente que administrava a economia da cidade e do território –

especialmente, afirma o autor, para as cidades (até importantes) que não eram a capital e,

portanto, não tinham um palácio real.

Informa o pesquisador228 que a tradição da “cidade-templo” remontava ao mundo

sumeriano do terceiro milênio (e até mesmo ao “Uruk tardio”, do quarto milênio), mas era vital,

de acordo com o autor, para toda a história da baixa Mesopotâmia. Afirma o estudioso que, no

período neobabilônio, pois, a história fora ulteriormente revitalizada, a serem os templos as

agências propulsivas e diretivas daquele processo de recolonização agrícola que caracterizou o

período.

Em particular, para o autor, pelos textos administrativos de Uruk, no período entre o fim da

dinastia neobabilônica e o início do domínio persa, conhece-se o volume enorme das

propriedades agrícolas do templo (conforme Liverani, calcula-se que a Eana possuía a grande

parte do território irrigado e cultivado de Uruk), as modalidades de gestão, o peso na economia (a

“décima”), prebendas para os serviços cultuais, aquisições votivas de pessoal (como “oblatos”:

širku, feminino širkatu) pelo desenvolvimento do trabalho de baixo nível. Conforme o autor,

também eram politicamente relevantes as “isenções” ou “privilégios autonomistas” (kidinùttu)

que os reis babilônios conferiram às cidades dos templos e que os aquemênidas fizeram uso, ao

ver nisso um bom modo de administrar grandes comunidades citadinas em um justo equilíbrio

entre autonomia local e dependência imperial.

Percebe o autor229 que ao voltar a Jerusalém para reconstruir o velho templo salomônico, o

clero judaico (“sadoquita”, pois descendente de Sadoc, sacerdote de Davi) tinha em mente esse

228 Ibidem, p. 395. 229 Ibidem, p. 395.

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modelo, que estava em função das relações com os imperadores, supria as fraquezas da

monarquia davídica restante e assegurava aos próprios sacerdotes o modo de administrar a nova

comunidade judaica até nas decisões políticas e, sobretudo, nas orientações legislativas e sociais.

Ou seja, após o retorno do exílio, os escribas teriam mais base para descrever um templo

grandioso conforme as referências que eles tinham dos templos da Babilônia e da Borsipa, de

Nippur e de Uruk. Portanto, as ilustrações do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão

são posteriores, de origem Sacerdotal, inseridas no documento Deuteronomista no período pós-

exílico.

2.2 O Mito do “Primeiro Templo”

Nas palavras de Liverani230, conforme acontece muitas vezes em casos semelhantes, um

projeto fortemente inovador é formulado e apresentado como um retorno às origens, a assumir

como modelo o templo salomônico e a dirigir também o esforço historiográfico à demonstração

da centralidade – ideológica e histórica – daquele templo através de toda a história de Israel. De

acordo com o autor, ao fazer isso, a historiografia deuteronomista havia já traçado as linhas

mestras desde seus inícios no tempo de Josias e sua reforma de centralização do culto de Yahweh

no templo de Jerusalém, e desde então se formara a tradição histórica relativa.

Segundo o autor, Josias, porém, rei verdadeiro e ambicioso, não podia senão raciocinar

conforme os modelos locais de subordinação do templo ao rei, e, consequentemente, concebia o

templo como um anexo do palácio e a centralização como modo de eliminar templos

potencialmente rivais, mais fáceis de escapar ao controle régio. Conforme o pesquisador, o sumo

sacerdote Josué, que retornou a Jerusalém com Zerubabel para reconstruir o templo e refundar a

comunidade, já devia ter claro na mente o novo modelo e pelo menos algumas de suas

implicações de incremento econômico e hegemonia política em função antimonárquica. No fim

da trajetória, atenta o autor, basta confrontar a história de Judá como narrada pelo

Deuteronomista e pelo Cronista para perceber a passagem da ênfase da história de uma dinastia

régia para a história de um templo.

230 Ibidem, p. 396.

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No raciocínio do estudioso231, o projeto dos sobreviventes, em seu aspecto de construção,

encontra sua mais vistosa concretização na descrição do templo e do palácio salomônico (1 Reis

6-7). Acredita o autor que a própria dimensão do complexo é tal que resulta dificilmente situável

na Jerusalém do século X a.C.; ressalta o pesquisador que, segundo as dimensões fornecidas pelo

livro dos Reis, a construção palatina cobre 1.000 metros quadrados, mas com os espaços de

circulação e reservados, e com um fechamento fortificado, acabaria a ocupar uma boa metade da

“cidade de Davi”. Nota o autor que a construção do templo é de dimensões análogas à palatina,

mas com o “pátio interno” se chega a um hectare, e se havia também um pátio externo, chegava-

se a cobrir por inteiro a área que depois seria a do segundo templo.

Afirma o autor232 que não é somente a dimensão do palácio que é pouco confiável para o

período salomônico, pois um palácio real na Jerusalém do século X a.C. devia ser estruturado

com base no modelo dos últimos palácios do Bronze recente (conforme o de Megiddo) ou talvez

no modelo dos bit hilani sírios (como os de Zincirli). O estudioso atenta que se descreve, porém

(1 Reis 7,1-8), uma estrutura totalmente diferente, pois há uma vasta sala sustentada por quatro

filas de colunas (a chamada “Floresta do Líbano”, devido às colunas de cedro) e dois corpos

menores nos lados curtos, em que de um lado tem-se o vestíbulo para as atividades cerimoniais

(judiciárias e de recepção) e de outro a habitação privada do rei, a ter em frente a da rainha.

Segundo o autor, basta fazer a planta deste esquema para constatar que temos a descrição

de um palácio real aquemênida, centrado na grande sala de colunas, chamada apadäna. O palácio

real que se atribui a Salomão, afirma o pesquisador, é na realidade o projeto de um palácio em

estilo persa, com data entre os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e

Persépolis.

Para o estudioso233, o templo (1 Reis 6,2-22), de forma alongada, a ter em continuidade um

vestíbulo (́ùläm – ~ l'îau), de 20 côvados234 por 10), um ambiente principal (hêkal – lk ;îy h e, de 20

231 Ibidem, p. 396. 232 Ibidem, p. 396-397. 233 Ibidem, pp. 397-398. 234 “Côvado” deriva do latim, cúbitus=cúbito, que por sua vez foi a denominação antiga do maior osso do antebraço, a ulna, que, na posição anatômica (membros superiores estendidos para baixo e palmas das mãos voltadas para frente), se localiza no lado do antebraço mais próximo ao corpo (denominado lado medial), no lado do dedo mínimo. O côvado foi uma medida de comprimento utilizada por diversas civilizações antigas, baseado no comprimento do antebraço, da ponta do dedo médio (dactíleo) até o cotovelo (olécrano), estando este (o antebraço) em ângulo reto, com as articulações do punho e do cotovelo estendidas e a mão aberta. No contexto da Antiguidade, um côvado equivalia a um pé e meio, por volta de 45,72 centímetros.

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côvados por 40) e um sacelo interno (Dübîr – r y biî D>, de 20 côvados por 20, a se supor ter dentro a

fabulosa e mítica arca de Yahweh com as não menos fabulosas e míticas tábuas da lei), respeita

os cânones da arquitetura do templo siro-israelita-judaíta, como seria de se esperar, dado o

conservadorismo dos edifícios de culto; mas, para o autor, o conjunto está incluído em um pátio

interno e presumivelmente em um pátio externo, que claramente, na visão do pesquisador,

reproduzem os grandes espaços murados dos santuários neobabilônios.

Relata o autor que a decoração arquitetônica – em particular os enormes capitéis e a

mobília interna, e as grandes alfaias cultuais em bronze, como sumariamente descritas no texto –

tem paralelos mais ou menos pertinentes em todo o período do Ferro, mas as dimensões parecem

suspeitas na perspectiva do autor, pois as enormes colunas e capitéis lembram modelos da

arquitetura do período persa mais que os do primeiro período do Ferro.

Atenta o autor235 que, certamente, os sobreviventes tinham vívida memória (e certamente,

enfatiza o estudioso, papéis de arquivo) do templo considerado original e procuraram reproduzi-

lo em seu projeto, anda que em dimensões aumentadas e com material de qualidade (todo de

pedra e de madeira, sem os tijolos crus que eram habituais nas fachadas do período salomônico).

Mas o “primeiro” templo que, segundo o pesquisador, eles tinham presente não era o de

Salomão; conforme o autor, era, sim, o que fora de novo fundado provavelmente por Josias e

destruído por Nebuzardan e pelas tropas neobabilônicas. Relata o autor que eles puderam (ou

quiseram) apenas imaginar que o templo tivesse ficado imutável por quatro séculos, da primeira

edificação até a destruição. Conforme o estudioso, basta lembrar que toda a vez que o

historiógrafo deuteronomista cita alfaias do templo cedidas como tributo ou por espólio define-as

sempre como “de Salomão”, como se fossem dotadas de sete vidas.

Observa o pesquisador236 que a descrição do livro dos Reis com sua mistura de memórias e

de projetos, de dados autênticos e anacrônicos, deve ser sempre avaliada como muito realista, se

somente confrontada com o projeto visionário e arquitetonicamente impossível enunciado por

Ezequiel (Ezequiel 40-44), esse sim, segundo o autor, todo projetado para o futuro, mas baseado

numa pluralidade e numa vastidão de pátios externos e de anexos funcionais para atividades

colaterais que o profeta só pode ter conhecido na Babilônia, mas que a imutabilidade sagrada do

235 Ibidem, pp. 398-399. 236 Ibidem, p. 399.

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templo projeta tanto sobre o protótipo salomônico como sobre o templo novo ainda a ser

edificado.

O autor237 afirma que não há razão para duvidar que Salomão tivesse construído em

Jerusalém um templo de Yahweh, e tal empreendimento de construção deve ter constituído a base

mesma, originária e autêntica, de sua fama de rei-modelo, depois ornada de várias anedotas.

Segundo o estudioso, podiam existir uma ou mais inscrições do rei justo e sábio para celebrar a

memoranda construção, inscrições que ficaram à vista por séculos.

Conforme a narrativa do pesquisador, o templo, devidamente ornamentado, conheceu

depois todas as travessias que normalmente marcam a vida de um santuário, como o tesouro e as

alfaias depredados ou utilizados na necessidade, mas que depois foram reconstruídos com as

ofertas do rei e da população, e também estruturas de construção restauradas em função da

normal degradação ou depois de destruições ocasionais, mas também modificadas em conexão

com as mutáveis orientações do culto, como as capelas e os altares acrescentados ou tirados,

acesso dos fiéis regulado ou totalmente excluído. Considera o autor que, basta pensar nas

referências feitas pelos reis reformadores Ezequias e Josias, para entender que a arquitetura e a

funcionalidade do templo pré-exílico não eram nada imutáveis.

Segundo o estudioso238, a destruição de 587 a.C. foi descrita como radical e tal deve ter

sido nos limites das tecnologias destrutivas do tempo, pois o templo foi saqueado e queimado, e o

seu edifício ficou descoberto e com as paredes parcialmente destruídas. De acordo com o autor,

permaneceu, contudo, como lugar sagrado para os sobreviventes; e também, nos estudos do

pesquisador, a cidade tinha sido destruída por inteiro (muros, palácios, e até casas particulares),

mas continuaria habitada por squatters, que procuravam remediar do melhor modo possível as

ruínas. Nas observações do autor, uma referência de Jeremias (41,5) mostra que ali se

desenvolviam atividades cultuais também no período neobabilônico tão notórias que atraiam um

afluxo de fiéis das zonas circunstantes; e, para o estudioso, há quem imagine que o livro das

Lamentações fosse lido anualmente no lugar, para comemorar a destruição.

À pluralidade de cultos e de lugares de culto dominante na terra de Israel e de Judá até por

volta do fim do século VII a.C., nos estudos do pesquisador239, esta estivera restrita antes pelas

reformas de Josias, depois pelos acontecimentos do exílio e do retorno. Afirma o estudioso que,

237 Ibidem, p. 399. 238 Ibidem, p. 400. 239 Ibidem, pp. 403-404.

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com base nos textos bíblicos, no período persa podia existir agora em todo interior da Judeia

somente o culto a Yahweh e somente na região, o templo de Jerusalém. Segundo o estudioso,

santuários de antiga respeitabilidade, como o de Betel, eram naquele momento memória passada,

pois tais santuários esparsos no território eram somente tolerados pela religião dominante como

lugares de memória sagrada, de ambientação rural, ligados a túmulos de patriarcas, a árvores

seculares, a estelas comemorativas – todos relidos em função da história pré-davídica do povo

eleito.

Conforme os conhecimentos do pesquisador240, para além das rígidas afirmações dos textos

bíblicos, todos escritos ou reescritos na óptica monoteísta de um só templo, os dados fornecidos

pela arqueologia mostram um quadro mais atenuado, mas de significativa confirmação. De

acordo com o autor, um mapa de distribuição dos templos do território de Judá no período persa

mostra uma difusão deles ao longo da costa (Makmish e Tel Mikhal) habitada pelos descendentes

dos filisteus e dos fenícios e administrativamente dependente das províncias de Tiro, de Dor, de

Ashdod e de Gaza. Ressalta o autor que, no interior, são conhecidos apenas dois dos templos na

Galileia (Mispe Iammim), fora do raio de contato com Jerusalém e de Samaria, mais próximo ao

interior de Tiro.

Considera o autor241 que as óbvias conexões que sempre existiram entre relação de

adoração às divindades, práticas cultuais (afluxo de fiéis ao santuário central) e controle político

foram ulteriormente enfatizadas pela configuração da nova cidade-estado que essa conexão

institucionalizava em formas e com uma força sem precedentes. Desse modo, conclui o estudioso

que era normal, por isso, que a província da Judeia, interior da cidade-estado de Jerusalém no

período persa, estivesse maciçamente orientada para o novo templo de Yahweh, que a literatura

denomina de “segundo templo”.

Nesta parte, o pesquisador explanou como houve o desdobramento das visões do escritor

Sacerdotal para o primeiro templo de Salomão. Algo que ainda é questionável é o fato de o

estudioso abrigar a literatura de composição exílica como Deuteronomista, pois no exílio, não há

o desejo de um rei que domine o seu povo. Entretanto, a questão de se criar um Templo

grandioso e atribuí-lo a Salomão, pode ser inserida nas obras Deuteronomistas sem pudor

nenhum, pois a construção de um Templo grandioso faz parte da exaltação do rei conforme o

240 Ibidem, pp. 403-404. 241 Ibidem, p. 404.

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contexto deuteronomista. Assim, há um propósito em colocar o Templo grandioso em contexto

pós-exílico, que é o de buscar centralizar o poder dos sacerdotes sobre o Templo, o que será

desdobrado posteriormente.

3. Discussão das teorias sobre o Templo monárquico

As duas teorias apresentadas sobre o Templo monárquico do reino de Judá de Finkelstein e

Silberman e de Mario Liverani acompanham a atualidade e a contemporaneidade dos estudos

bíblicos, pois sem os referidos teóricos nos dias de hoje, o pesquisador não dá nenhum passo

adiante, e torna-se obsoleto.

Deve-se compreender que ambas as teorias possuem um mesmo fim, que é a análise crítica

e a negação dos relatos bíblicos através da não sustentação das fontes extrabíblicas. As diferenças

entre a teoria de Finkelstein e Silberman e de Mario Liverani são: que Finkelstein e Silberman

possuem formação em arqueologia, e praticamente todas as respostas que eles darão para a

negação dos relatos bíblicos encontram-se nos achados arqueológicos; ao passo que Mario

Liverani possui formação apenas em história e faz uso da literatura comparada para a negação da

originalidade dos relatos bíblicos.

Conhece-se que Israel Finkelstein é contra a posição denominada ultraminimalista, na qual

a composição da Bíblia se realizou após o retorno do exílio da Babilônia durante os períodos

persa e grego, caracterizada por desqualificar a historicidade dos eventos bíblicos através da

datação do denominado “testemunho religioso” em um período mais recente possível. Por esse

motivo, Finkelstein e Silberman defendem a composição Bíblica a partir do século VII a.C. Tal

posicionamento ultraminimalista é atribuído a Mario Liverani, mas não se deve ter nenhuma

paixão partidária por nenhum das duas perspectivas, pois ambos os instrumentais são válidos.

Compreende-se que a confirmação da literatura bíblica baseia-se na arqueologia

apresentada por Finkelstein e Silberman, e que a legitimidade dos discursos bíblicos não possui

nenhuma originalidade de acordo com o instrumental apresentado por Mario Liverani, pois pode

ser encontrada nas sociedades vizinhas dotadas do poder da escrita.

Ambas as teorias, apesar de possuírem origens distintas, negam o Templo cuja construção é

atribuída ao rei Salomão conforme os relatos bíblicos. Finkelstein e Silberman fazem utilização

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da arqueologia para contrariarem o encontrado sobre o Templo nos livros dos Reis, ao passo que

Mario Liverani faz uma abordagem socioliterária para negar o Templo conforme a descrição

bíblica, e, ao fazê-la, utiliza-se do recurso da literatura comparada para estabelecer uma

comparação crítica entre os relatos bíblicos e os escritos dos grandes povos da época para

justificar o referido nihilismo.

O instrumental de ambas as teorias é imprescindível e essencial para os estudos acadêmicos

bíblicos, pois durante muito tempo se acreditou na plena, absoluta e inquestionável veracidade da

Bíblia, e os referentes estudos e teorias afirmam que as Escrituras Sagradas nunca foram tão

verdadeiras como as instituições judaico-cristãs afirmam e defendem.

Para o religioso judeu-cristão (não para o acadêmico, pois ambos não falam a mesma língua

e nem as mesmas coisas), o Templo considerado original existiu, pois faz parte de sua identidade,

o que será desdobrado mais adiante na atual pesquisa.

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Capítulo IV – Balanço Crítico

Ao estudo sobre o Templo considerado original, percebe-se que tais relatos tiveram um

propósito e não chegam a ser históricos. A princípio, acreditava-se na inexistência de Davi e de

Salomão, porém os autores trabalhados acreditam na existência de tais reis, apenas duvidam de

todas as fábulas encontradas na Bíblia referentes a eles. Mas ambos os reis estão fundamentados

na origem do “Primeiro Templo”, e mesmo apesar de eles não serem os responsáveis pelo

Templo, o deuteronomista a princípio teve que atribuir aos referidos reis a responsabilidade da

compra do terreno e da construção do Templo mitológico com o intuito de legitimar a

antiguidade do referido (Templo).

Pode-se dizer que o deuteronomista foi de certa forma oportunista ao criar histórias

fantásticas de Davi e de Salomão pelo motivo de não haver registros de ambos os reis nos

escritos egípcios e mesopotâmicos, e de tais regiões neste contexto estarem em crise econômica e

cultural, e criou-se um Império de Israel, que no final das contas, era mais um desejo do

deuteronomista do que uma realidade, pois a região de Judá, na qual ficavam Davi e Salomão em

seu período de reinado, tinha um caráter muito mais provinciano do que de uma grande capital,

algo que apenas foi característico no período de Josias, por volta de 622 a.C., período atribuído à

reforma deuteronomista.

E todo esse mito sobre Davi e Salomão deveria concentrar-se no rei Josias, descendente de

ambos os reis. Após a queda do Reino do Norte, em 721 a.C., havia uma expectativa do Reino de

Israel ser anexado ao Reino de Judá, principalmente devido à queda da Assíria, que ocorreu por

volta do ano 612 a.C. Nesse período, sim, houve um desenvolvimento econômico, político e

cultural em Jerusalém e no Reino de Judá, que se tornariam centro do novo reino de Israel e de

Judá, o que, no final das contas, era um projeto deuteronomista.

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Entretanto, com a morte do rei Josias no ano de 609 a.C., tal desejo sucumbiu, e com o

crescimento do Império Babilônico e a destruição do “Primeiro Templo” por volta de 586 a.C.,

que não passava de uma capela anexa ao palácio do rei de Judá em Jerusalém, o deuteronomista

precisou alterar o enfoque do messias régio, que era Josias, para o messias escatológico, que não

tem nenhuma relação com o templo e com o trono de Davi, e que no final das contas seria o

libertador de Judá; assim, acabou-se por transferir o papel de messias ao rei Ciro da Pérsia, que

decretou o retorno do povo de Judá para sua terra em aproximadamente 538 a.C.

Após o retorno do exílio, um novo grupo de poder, os sacerdotes, para organizar

ideologicamente a centralização de Jerusalém e do Templo, criaram um novo discurso para a

manutenção de seu status quo e bastante espelhado na cultura persa, pois para o escritor

sacerdotal, Yahweh era tão criador do Universo quanto Ahuramazda era para o Império Persa, e

Yahweh, além de criador do mundo, mora no Templo desde a época em que este era uma tenda

em Êxodo 40, antes da entrada do povo de Moisés em Canaã, o que será explanado

posteriormente ainda neste mesmo capitulo.

1. Os Autores Trabalhados

Os autores centrais trabalhados que buscam questionar os relatos bíblicos referentes ao

Templo pré-exílico, ao rei da dinastia de Davi, ao reino de Judá e ao desejo da união de todo o

reino de Israel são Mario Liverani242 e Israel Finkelstein em sua obra conjunta com Neil Asher

Silberman243. Contudo, Mario Liverani e Finkelstein com Silberman possuem abordagens muito

distintas, impossíveis de serem imbricadas em um diálogo, e, ao mesmo tempo, ambos chegam

quase ao mesmo caminho, independente da diferença de seus meios para chegar ao mesmo fim.

Mario Liverani, apesar de aparentemente acreditar na existência dos mitos do reino de

Salomão conforme os relatos bíblicos e de sua corte, possui uma abordagem mais vinculada à

literatura e pretende expor a construção da ideologia por meio da análise literária. Já Finkelstein

com Silberman, fundamentam-se plena e absolutamente nos achados arqueológicos para

desmentirem o que está na Bíblia Hebraica; a visão apresentada em sua obra é plenamente

242 LIVERANI, M. op. cit. 243 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.

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material, cuja análise se baseia em datações dos referidos achados. Apesar de ambas as

abordagens buscarem o que realmente de fato ocorreu na época estudada do “Primeiro Templo de

Salomão”, precisaram ser trabalhadas separadamente neste trabalho para não haver confusão.

Sobre as descobertas arqueológicas, Finkelstein e Silberman fazem utilização das mesmas

fontes da obra de Amihai Mazar244. A diferença entre ambas as obras está no contexto, pois

Amihai Mazar se utiliza dos relatos bíblicos para confirmar as descobertas arqueológicas, ao

passo que Finkelstein e Silberman se utilizam da arqueologia para desconfirmar os relatos

bíblicos.

Outro problema que se tem nas referidas pesquisas é a publicação de obras clássicas de

forma extremamente tardia, ao ponto de torná-las perenes e não serem editadas as atualizações

necessárias que acompanham o desenvolvimento dos estudos bíblicos. Um exemplo claro é o fato

de a obra de Amihai Mazar, lançada em 1990, ter sido publicada no Brasil apenas em 2009 e sem

a mínima adaptação à atualidade dos estudos bíblicos.

Percebe-se que as obras de Liverani, datada de 2003 e publicada no Brasil em 2008, e de

Finkelstein e Silberman, datada de 2001 e publicada no Brasil em 2003, apesar de serem obras

consideradas antigas, têm os dados mais atualizados referentes aos estudos bíblicos, mas

terminam por ser, de certa forma, menos conhecidas e menos utilizadas devido à perenização das

obras clássicas, como foi referido no caso da obra de Amihai Mazar, publicada em 1990, mas que

só se veio publicar no Brasil em 2009, praticamente da mesma forma da versão original.

A mesma coisa ocorreu com a obra de Bright246, que originalmente foi publicada em 1959,

com várias edições posteriores, e a edição mais recente publicada no Brasil é de 2003, indicada

como “revista e atualizada”, porém não tão revista, nem atualizada como mereceria, o que de

certa forma provoca problemas acadêmicos, os quais apenas os professores mais atentos podem

indicar soluções, pois mesmo os professores mais proeminentes tendem a fazer uso de tal

literatura, não inútil, mas defasada, sem se atentarem para o desenvolvimento e para o progresso

que os estudos bíblicos têm tomado.

244 MAZAR, A. op. cit. 246 BRIGHT, J. op. cit., 2003.

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2. A Elaboração da Tese

No decorrer da análise de Finkelstein e Silberman, ao realizar os estudos sobre os reis Davi

e Salomão, foi demonstrado que tais reis podem ter de fato existido, mas não de acordo com a

fantasiosa, fabulosa e fantástica literatura bíblica, inclusive pelas construções encontradas pelos

arqueólogos atribuídas a esses reis nos períodos correspondentes à Bíblia, de acordo com as

análises do carbono 14, são um século mais recentes, ou seja, por exemplo as construções

atribuídas a Salomão de Hazor, Megiddo e Gezer não são obras do referido rei, mas bem

posteriores. Apenas os autores concluem que a Judá e a Jerusalém descobertas pela arqueologia

no período de Davi e Salomão não caracterizam um Estado que seria a capital de um reino por ser

uma região remota e subdesenvolvida. Tal desenvolvimento apenas se deu com a reforma de

Josias, iniciada pela queda do reino do norte em 721 a.C., depois da qual pode se dizer que Judá

de fato se tornou um reino estruturado.

Na ênfase dos autores Mario Liverani e Finkelstein e Silberman, outro aspecto além da

distinção de abordagens, Mario Liverani, sobre o Templo monárquico do reino de Judá, dá maior

ênfase à elaboração da fantasia durante o pós-exílio do que no período da monarquia de Josias e

da Reforma Deuteronomista, pois Liverani já considera a ideologia monárquica fracassada e não

possui a preocupação que Finkelstein e Silberman tiveram em explanar sobre a ideologia

deuteronomista e do período do rei Josias. Mas houve construções ideológicas nas duas (ou pode-

se dizer nas três) épocas: na Reforma Deuteronomista de Josias, durante o exílio babilônico, e

após o retorno do cativeiro para Jerusalém.

Dessa forma, Liverani dá uma continuidade cronológica à visão de Finkelstein e Silberman

a se referir sobre a ideologia do Templo, e não se preocupa com a percepção de Finkelstein e

Silberman relacionada à monarquia pelo motivo de não ser a sua preocupação principal

contextual, pois Liverani preocupa-se com a elaboração da ideologia sacerdotal, ao passo que

Finkelstein e Silberman preocupam-se com a elaboração da ideologia no período da Reforma

Deuteronomista.

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3. As Origens dos Reinos de Israel e de Judá

Conforme o pesquisado, por não ter existido um rei Davi e um rei Salomão conforme os

mitos bíblicos, percebe-se que ambos os reinos originaram-se independentemente dos mitos dos

referidos reis que legitimam a união. Desconhece o defensor desta tese, mas ao que tudo indica,

pode-se afirmar a origem de ambos os reinos desta forma.

No contexto dos relatos bíblicos, o reino de Israel foi um reino que a princípio se uniu sob a

égide do rei Davi, e em seguida se cinde sob o rei Salomão. Porém, mesmo que os reis de Judá

sejam legitimados como a linhagem sagrada, o nome de Israel ainda é muito forte nos textos,

maior que o nome de Judá, como se percebe e pouco se comenta, ou até mesmo se ignora.

A seguir esta linha de raciocínio, nota-se que é mais plausível que a invenção do Reino de

Israel unido com o Reino de Judá ter ocorrido após o exílio do reino do norte por volta do ano de

721 a.C., pois o reino, após a invasão e destruição pelos Assírios, não possuía mais histórias para

contar, e o reino de Judá teve que contar as suas, inclusive as histórias dos reis Davi e Salomão.

E, no final das contas, todos os reis de Judá seriam os reis de Israel, mesmo fundamentados nos

mitos de Davi e de Salomão.

No período de Josias, houve a necessidade de se inventar histórias para um rei Davi e um

rei Salomão com o intuito de se dar uma origem ao grande reino de Israel e de Judá para

centralizar não apenas o reino, como também o culto em Jerusalém. A centralidade de Jerusalém

decorre do oportunismo do fim do reino do norte.

4. A Figura do Rei Davi

O rei Davi, apesar de não ter sido o construtor do templo conforme a tradição bíblica, esta

atribui-lhe a responsabilidade pelo projeto do templo por ter comprado o terreno de Araúna (2

Samuel 24,16-24). Portanto, percebe-se que há o vínculo indissociável da figura de Davi com as

origens do “Primeiro Templo”.

Sobre a personalidade do Rei Davi, o autor Römer afirma que no ciclo de 2 Samuel 9 – 1

Reis 2, a denominada “História da Sucessão ao Trono de Davi” ou “História da Corte”, a

personagem Davi aparece muitas vezes como um rei fraco, e mesmo moralmente imperfeito, pois

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após engravidar Bat-Sheva, esposa de Urias, Davi envia seu marido, um de seus melhores

oficiais, para a morte; a mesma Bat-Sheva se tornará mãe de Salomão (2 Samuel 12). Conforme

os estudos do autor, Davi também deve enfrentar revoltas, especialmente da parte de seu filho

Absalão (2 Samuel 13-19) e é obrigado a fugir de Jerusalém. Após o assassinato de Absalão por

Joab, general de Davi, o rei retorna a sua capital, onde enfrenta nova revolta (2 Samuel 20).

Entende-se por essas colocações de Römer que o rei Davi dos relatos de 2 Samuel 9 – 1

Reis 2 não era um rei tão popular quanto o mito que se sustentou na religião cristã, segundo o

qual Davi era um rei de acordo com o coração de Deus, pois um rei do qual o povo não gosta,

nem o filho gosta, mata um de seus melhores soldados para ficar com a mulher dele (e bons

soldados são muito difíceis de obter, e não podem ser mortos a esmo ou por mera arbitrariedade

ou egoísmo do rei), e no final das contas, não é respeitado na morte ao ocorrer uma disputa de

poder entre os seus filhos Salomão e Adonias, mostra que o Davi do referido trecho apontado por

Römer era um rei desprezado, desprezível, incompetente e irrelevante, e não o grande homem de

vitórias fundador de uma dinastia que, de acordo com os relatos bíblicos, duraria por volta de

quinhentos anos.

À descoberta das inscrições sobre a “Casa de Davi” no sítio bíblico de Tell-Dan referida

por Finkelstein e Silberman, legitimam uma existência do rei Davi e de sua casa, mas não

legitimam as fábulas sobre o referido rei apontadas na narrativa bíblica.

Aparentemente, trata-se de uma dinastia longa, mas as descobertas arqueológicas não dão a

mesma força para o rei Davi que a literatura bíblica dá. O rei Davi pode ter sido considerado forte

na região de Canaã, mas não internacionalmente ao ponto de haverem referências de seus feitos

no Egito e na Mesopotâmia. Inclusive, os detalhes que apontam Finkelstein e Silberman

relacionados a situar Davi e Salomão em um período de decadência do Egito e da Mesopotâmia,

e consequentemente de sua produção literária, são bastante pertinentes à constituição da ideologia

literária deuteronomista após a destruição do reino do norte pelos assírios em 721 a.C. Portanto,

presume-se a ciência do deuteronomista em colocar o rei Davi e o rei Salomão justamente nesta

época de aproximadamente 1005 a 930 a.C., pois se não há nada que comprovou a existência de

ambos os reis naquela época, necessitou-se fazer algo que legitimasse tal existência sem haver

alguma contraliteratura que a negasse.

Relacionado à construção deuteronomista da história do rei Davi, por ele ser o fundador da

dinastia a qual pertence o rei Josias, o rei da Reforma Deuteronomista, foi necessária a

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elaboração de histórias fabulosas e até mitológicas em torno do referido rei, pois o ancestral

fundador precisa ser o maior de todos, e deve ser mantido por mitos imaginários encantadores, os

mesmos que recaem sobre o Templo cuja construção é atribuída a Salomão.

Na posição dos minimalistas apontada por Finkelstein e Silberman, é admissível a

afirmação na qual o rei Davi não é “senão uma figura tão histórica como o rei Artur”, pois de fato

é pelos seus atos terem sido todos mitologizados e fabulados, porém, não é razoável para os tais

minimalistas afirmarem que as histórias de Davi e de Salomão não passam de construções

ideológicas elaboradas com habilidade, produzidas por círculos sacerdotais em Jerusalém, depois

do exílio da Babilônia, ou mesmo em tempos helenísticos. De fato, até são “construções

ideológicas elaboradas com habilidade”, mas jamais “produzidas por círculos sacerdotais em

Jerusalém, depois do exílio da Babilônia, ou mesmo em tempos helenísticos”, pois não há o

mínimo sentido neste contexto, no qual ninguém quer mais saber de um rei a governar entre os

judeus, e o enfoque neste contexto não é mais o poder do rei, mas sim o poder do sacerdote.

Portanto, é mais razoável apontar as construções das fantasias históricas de Davi e de

Salomão após o final do reino do norte em aproximadamente 721 a.C. e durante a reforma de

Josias em 622 a.C., logo após a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a

627 a.C.), devido à necessidade de centralização do rei da dinastia de Josias, do Templo e de

Jerusalém, do que no período do pós-exílio. De acordo com o referido anteriormente, houve uma

mudança de enfoque do deuteronomista da reforma josiânica para o deuteronomista durante o

exílio do messianismo régio para o messianismo escatológico. Até mesmo houve uma

centralização do “Primeiro Templo” no pós-exílio durante o período de Esdras, mas o enfoque

ideológico principal desde 721 a.C. é a centralização através do rei.

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5. A Estruturação do Poder através da Literatura

Na presente pesquisa, percebe-se que toda a estruturação do poder se dá em torno da

literatura, desde o desenvolvimento do poder do rei, da centralização em Jerusalém e no Templo.

Um reino ou um culto de adoração com apoio de forças dominantes (desde o apoio dos próprios

reinos que são responsáveis pelo culto até o dos reinos estrangeiros) não é forte o suficiente sem

a divulgação literária que manifesta toda a sua força e o seu poder. Em súmula, sem a literatura,

pode-se dizer suficientemente que eles não representam nada.

A literatura é uma forma de divulgação do rei, da cidade central, do culto de adoração, e é

lógico, do Templo, pois a escrita possui grande autoridade em um meio no qual pouquíssimas

pessoas sabem escrever, e todo aquele que tinha o poder da escrita representava alguma forma de

força ou estava do lado de alguém poderoso, desde os escribas reais, até mesmo os escribas

representantes dos antimonárquicos.

Da mesma forma que a literatura pode ser capaz de “formar a opinião pública” sobre o rei,

ela é capaz de fazer a mesma coisa sobre o Templo.

6. A Estruturação Ideológica da História de Israel e o Deuteronomista

Conforme o estudado, percebe-se que houve um determinado desenvolvimento relacionado

ao contexto da formação da História de Israel. Os autores Finkelstein e Silberman apresentaram

os minimalistas que jogam toda a construção da História de Israel para o pós-exílio e ainda para o

período helenístico, o que pode ser em parte acatado.

Mario Liverani é mais razoável em considerar a princípio o desenvolvimento histórico

como obra do deuteronomista durante o período josiânico e durante o período exílico, pois a

princípio, conforme o referido anteriormente houve a necessidade de se desenvolver uma história

centralizadora da figura do rei, de Jerusalém e do Templo após o fim do reino do norte em 721

a.C., com o intuito de tornar a dinastia do rei Josias a dinastia de todo o Israel. Porém, com o

passar do tempo, houve eventos tais como a morte de Josias, e o cativeiro da Babilônia, que

consequentemente fizeram o deuteronomista mudar o seu discurso, pois não fazia mais sentido

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defender uma dinastia cativa perante um povo disperso, e o messianismo régio, no decorrer dos

tempos, teve que ser convertido em messianismo escatológico.

7. A Arca da Aliança

Anteriormente, não se acreditava no envolvimento da Arca da Aliança com o Templo cuja

construção é atribuída ao rei Salomão, porém, isso é um grave erro, pois se supunha que a Arca

da Aliança encontrava-se dentro de um sacelo interno denominado Dübîr – r yb iîD>, de 20 côvados

por 20, dentro do Templo. Da mesma forma, negava-se a existência da Arca da Aliança a partir

da inexistência de Moisés, pois, se não houve Moisés, não houve Arca da Aliança.

A leitura de Eckart Otto247 trouxe esclarecimentos sobre o motivo da existência da Arca da

Aliança, que foi uma preocupação sacerdotal, e nunca o primeiro deuteronomista contemporâneo

ao rei Josias escreveria algo sobre a Arca da Aliança. Desconhece-se o teórico que trabalhou

sobre a questão da Arca da Aliança, que possui uma imaginação tão forte quanto a do idealizador

do “Templo construído por Salomão”, porém, há uma teoria aparente conforme as observações

encontradas durante a pesquisa. Apesar de a Arca da Aliança estar fora do conceito do

deuteronomista, a ideia partiu dos próprios escritos do Deuteronômio, livro no qual o termo

“guardem os mandamentos de Yahweh” repete-se quarenta e duas vezes. Então, o escritor

sacerdotal, mediante as ideias de hegemonia dos escribas como intérpretes, colocou Yahweh

como o primeiro escriba ao entregar o Decálogo a Moisés em tábuas de pedra.

Como a confecção das tábuas de pedra do decálogo foi uma espécie de ilustração física e

material dos mandamentos de Yahweh, da mesma forma necessitava de uma ilustração física e

material de como eles seriam guardados, e a melhor ideia que o escritor sacerdotal teve foi a de

criar uma Arca da Aliança para guardar os mandamentos de Yahweh, que foram guardados,

conforme a apresentação Sacerdotal desde antes da entrada na terra prometida, e precisaria, com

o decorrer do tempo, ficar guardada dentro do Templo pré-exílico como o objeto mais sagrado

que o povo de Israel tinha, e tal templo seria a morada de Yahweh. Porém, após a destruição do

247 OTTO, E. A Lei de Moisés. São Paulo: Loyola, 2011.

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“Primeiro Templo”, que de acordo com as pesquisas trata-se de uma capela anexa ao palácio, por

volta de 586 a.C. pelos babilônios, a Arca da Aliança some da narrativa da Bíblia.

O mais longe que se chega da Arca da Aliança depois da destruição de Jerusalém é a

passagem de Jeremias 3,16-17, em que a referida Arca já é considerada desaparecida e não será

mais necessária e ninguém mais se lembrará dela, e Jerusalém tornar-se-ia mais importante do

que a própria arca, o que dá para se deduzir que é uma passagem de conteúdo sacerdotal que

adverte para todos esquecerem de procurar a referida Arca da Aliança, pois o ideólogo sacerdotal

apenas buscou ilustrar como os mandamentos de Yahweh foram guardados materialmente pelo

povo de Israel, não se preocupou com a veracidade material de tal utensílio. Há outra lenda do

desaparecimento da Arca da Aliança encontrada no livro de 2 Macabeus 2,4-7, datado do ano de

124 a.C., não aceito por judeus e por cristãos protestantes, em que o profeta Jeremias esconde a

Arca em uma caverna do Monte Nebo, e esta jamais é encontrada, porque, no final das contas,

depois de espalharem tanto sobre Arca da Aliança, seria necessário justificar o seu

desaparecimento de alguma forma.

Mas a Arca da Aliança não passa de uma ilustração do escritor Sacerdotal para tentar

demonstrar como o povo de Israel guardou os mandamentos de Yahweh materialmente, e é um

mito similar a Moisés e à confecção das tábuas de pedra do Decálogo.

8. A Estruturação da Ideologia do Templo no Pós-Exílio

Percebe-se que, pelo período pós-exílico ser mais recente, é ilustrada uma elaboração

ideológica do Templo muito maior do que a do período da reforma de Josias, pois além do

ordenamento político persa, há também os paralelos com a cultura persa referentes à arquitetura e

aos costumes do povo dominador.

Por exemplo, Eckart Otto248 aponta que, na ideologia imperial persa, vinculava-se à ideia

de que a posse da terra fora conferida aos povos pela divindade Ahuramazda o pensamento de

que os povos deviam estar submetidos à lei do rei aquemênida e, dessa forma, para a ideologia

imperial persa na qual faz parte da ordem de mundo criada pela divindade imperial persa

Ahuramazda que ele, como divindade criadora, atribuiu a cada povo seu lugar neste mundo, cujo

248 Ibidem.

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centro é Persépolis. Declara Eckart Otto que o Hexateuco contradisse isso já com a criação do

mundo em Gênesis 1, proveniente do escrito Sacerdotal: não Ahuramazda, mas Yahweh, a

divindade dos judeus, seria o criador do mundo, pois os judeus teriam recebido sua terra dele,

mas não da divindade imperial persa – assim alega o fim do Hexateuco, ressalta Otto. Apesar de

não se tratar do templo, a questão de Yahweh se trata do dono e habitante do templo, e isso não

tem como estar desvinculado.

Algo que também pode se afirmar sobre a escrita pós-exílica é o fato de o palácio real

atribuído a Salomão, de acordo com Mario Liverani, ser na realidade o projeto de um palácio em

estilo persa, com data entre os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e

Persépolis. Ou seja, mesmo pelo fato de o “Primeiro Templo” ser, de acordo com o próprio

Mario Liverani, uma capela anexa ao palácio de Josias, e mesmo pelo fato de Jerusalém na época

de Davi e Salomão ser mais provinciana do que uma capital de um reino, faz-se a utilização da

arquitetura persa para descrever o palácio fabuloso e mitológico de Salomão herdado pelos seus

sucessores; portanto, possui claramente caráter Sacerdotal.

9. Como a História do Templo deve ser contada

Neste item, haverá o desdobramento e desenvolvimento de como a história do Templo

considerado como o original deve ser apresentada de acordo com o pesquisado neste trabalho.

Em Canaã, após a imigração ocorrida durante o começo da Idade do Ferro, que durou de

aproximadamente 1200 a 1000 a.C., houve a organização tribal em Canaã, cuja população era

composta de remanescentes das Batalhas de Djahy e do Delta (aproximadamente 1178-1175

a.C.), que foram as verdadeiras e factuais batalhas responsáveis pela libertação dos cananeus do

jugo egípcio. Entre os povos do mar derrotados por Ramsés III, que levaram à crise financeira

egípcia e que impediram a sequência da gestão da terra de Canaã, estavam os filisteus e os

danone (que se transformariam na tribo de Dã).

Algo que compõe o desenvolvimento agroeconômico neste período encontra-se no

raciocínio de Finkelstein e Silberman249 já referido anteriormente, segundo o qual o primeiro

estágio do assentamento israelita nas regiões montanhosas de Canaã foi um fenômeno gradual e

249 FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 183-186.

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regional, em que grupos de pastores se estabeleceram em áreas pouco povoadas e formaram

comunidades de aldeias autossuficientes. Com o tempo, de acordo com os estudos dos autores,

em virtude do crescimento da população da montanha, foram criadas outras aldeias em regiões

previamente despovoadas, as quais se estenderam das estepes a leste e dos vales do interior aos

nichos rochosos e escarpados das montanhas, a oeste.

Afirmam os pesquisadores que, nesse estágio, começou o cultivo de oliveiras e vinhas,

especialmente nas regiões montanhosas ao norte. Consequentemente, apontam os estudiosos,

com a progressiva diversidade entre a localização e as colheitas produzidas pelas várias aldeias

em todas as regiões montanhosas, o velho regime de autossuficiência não pôde ser mantido, e os

aldeões que se concentraram nos pomares e vinhas necessariamente tiveram que trocar seu

superávit de vinho e azeite por outras mercadorias, como os grãos. Com a especialização,

ressaltam os pesquisadores, veio a ascensão de classes de administradores e comerciantes,

soldados profissionais e, eventualmente, reis.

De acordo com as pesquisas de Finkelstein e Silberman250, padrões similares de

assentamento em regiões montanhosas e de gradual estratificação social foram descobertos por

arqueólogos a trabalhar na Jordânia, nas antigas terras de Amon e Moabe. Afirmam os

pesquisadores que, um processo de transformação social, razoavelmente uniforme, pode ter

acontecido em muitas regiões montanhosas do Levante, tão logo se libertaram do controle dos

impérios da Idade do Bronze e dos reis das cidades-estado das planícies costeiras.

Relatam Finkelstein e Silberman251 que, em um período no qual o mundo inteiro voltava à

vida, a Idade do Ferro, os reinos emergentes temiam seus vizinhos e, aparentemente, distinguiam-

se uns dos outros por costumes étnicos diferenciados e pela adoração de deidades nacionais.

Conforme a teoria agroeconômica apresentada por Finkelstein e Silberman, este pode ter

sido um dos processos que levou à estruturação dos Reinos de Israel e de Judá, porém, não de

acordo com as fantasias encontradas da Bíblia Hebraica.

Ainda continuam os teóricos Finkelstein e Silberman252 a afirmar que o sistema de

assentamento de Judá nos séculos XII e XI a.C. continuou a se desenvolver no século X a.C. com

o crescimento gradual do número de aldeias e de seu tamanho, mas a natureza do sistema não

mudou significativamente, pois ao norte de Judá extensos pomares e vinhas prosperaram nos

250 Ibidem, p. 183-184. 251 Ibidem, pp. 184-185. 252 Ibidem, p. 186.

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declives ocidentais das regiões montanhosas; em Judá, de acordo com os estudiosos, isso não

aconteceu, em virtude da natureza proibitiva do terreno. Concluem os autores que, pelo que se

pode constatar a partir dos levantamentos arqueológicos, o reino de Judá permaneceu

relativamente desocupado de uma população permanente, muito isolado e marginal durante e

logo depois do tempo presumido de Davi e Salomão, sem grandes centros urbanos e sem

hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades.

Na origem do Reino do Norte, este surgiu por necessidade, e não por cisão, conforme o

relato bíblico do final do reinado de Salomão. Até mesmo é mais lógico aplicar a teoria

agroeconômica de Finkelstein e Silberman para a origem do Reino de Israel do que declará-los

como cindidos e desorganizados, conforme é de costume.

Ao rei Davi, mesmo que todas as histórias sobre ele sejam inventadas e inverídicas, não é

possível afirmar que ele não existiu, pois ele é tido como um fundador de uma dinastia,

conhecido, de acordo com Finkelstein e Silberman, por causa do fragmento descoberto no verão

de 1993, no sítio bíblico de Tell-Dan, ao norte de Israel, que conta a história do ataque de Hazael,

rei de Damasco, ao reino de Israel, ao norte, por volta de 835 a.C.; e o erudito francês André

Lemaire sugeriu que uma referência semelhante à casa de Davi pode ser encontrada na famosa

inscrição da Estela de Tell-Dan253, do século IX a.C., e, dessa forma, é plausível a conclusão de

Finkelstein e Silberman de que a casa de Davi era conhecida em toda a região, o que confirma, na

visão dos estudiosos, a descrição bíblica de uma figura chamada Davi, que se tornou fundador de

uma dinastia de reis judaicos em Jerusalém.

Percebe-se que não é contestada a existência dos referidos reis Davi e Salomão, porém, são

questionadas todas as fábulas que circulam em torno de ambas as personagens, pois a datação de

determinadas obras atribuídas ao rei Salomão e determinadas destruições atribuídas a Davi em

seu “expansionismo imperial” ocorreram meio século após o período de reinado de ambos os

reis. Portanto, não se pode dar credibilidade cega aos escritos bíblicos pelo motivo de as

informações serem incompatíveis com as provas materiais.

253 Aqui, como mencionamos anteriormente, houve um equívoco na obra de Finkelstein e Silberman, que apontam a Estela do rei moabita Mesha como a primeira referência extrabíblica a apontar a existência da Casa de Davi, o que não é verídico, pois a Estela de Mesha indica a referência extrabíblica para a existência da Casa de Omri, no Reino do Norte.

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Mas de acordo com o já afirmado anteriormente, tais mitos, lendas e fábulas que foram

construídas em torno de Davi e de Salomão tiveram uma intenção, pois surgiram no período da

Reforma Deuteronomista do Rei Josias.

Conforme as pesquisas, pode-se afirmar que o deuteronomista foi oportunista em diversos

aspectos, como ao aproveitar a situação da queda do Reino do Norte para centralizar o poder no

Reino do Sul, na cidade de Jerusalém. Mas este não era apenas o desejo do deuteronomista, mas

sim o desejo do rei Josias, pois o deuteronomista estava ao seu serviço, e deveria criar histórias

para legitimar o rei de Judá, a cidade de Jerusalém e o Templo como pontos centrais de adoração

a Yahweh.

Outro ponto oportunista que o escritor deuteronomista apresenta é o de criar as histórias do

“Império” de Davi e de Salomão em uma época na qual os impérios mais poderosos como o

Egito e a Mesopotâmia encontravam-se decadentes, pois tais regiões que eram o centro do mundo

conhecido não possuem registros dos reis Davi e Salomão, os quais eram extremamente famosos

de acordo com os relatos bíblicos, e tais fábulas, devido à ausência de relatos internacionais dos

referidos reis por causa da decadência dos impérios da região, tornaram-se relatos bastante

convincentes; além disso, não existia a ciência da arqueologia na época e ninguém iria contestar

as declarações dos ideólogos do poder por meio das provas materiais como é realizado hoje.

Portanto, este também foi um fator legitimador do deuteronomista.

No final das contas, a centralização da Reforma Josiânica ou Deuteronomista que ocorreu

por volta de 622 a.C. logo após a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a

627 a.C.), não se tratou apenas de uma reforma iconoclasta que objetivava a adoração de

Yahweh, como única divindade, mas sim uma centralidade territorial e um expansionismo, no

qual haveria apenas um rei para todo o Israel, um único templo “fundado pelo rei Salomão”, que

não passava de uma capela anexa ao palácio do rei Josias, e uma única cidade na qual Yahweh

seria adorado, que era Jerusalém. Toda a reforma ocorreu no período no qual de fato houve uma

prosperidade, um crescimento no Reino de Judá, que se tornou bastante poderoso após a queda

do Reino do Norte, em aproximadamente 721 a.C., após a morte do rei assírio Assurbanípal (que

reinou por volta de 668 a 627 a.C.), e após a queda da Assíria, por volta de 612 a.C.

O falecimento do rei Assurbanípal representou um livramento do jugo estrangeiro, a partir

do qual o rei Josias e os seus escribas deuteronomistas poderiam pensar de forma mais livre no

crescimento do Reino de Judá, ao ponto de se tornar o Grande Reino de Israel (e Judá) sem

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nenhuma interferência. Contudo, o sonho do deuteronomista acabou com o falecimento de Josias,

por volta do ano 609 a.C., morto em batalha ao se opor contra o avanço do rei Necao do Egito, e

não se escreveu mais sobre a união do território do norte com o Reino de Judá, tampouco se

comentou da centralização de culto no Templo de Jerusalém atribuído ao rei Salomão. Tal

situação perdurou até o cativeiro de Judá pelos babilônios, em aproximadamente 586 a.C., com a

destruição da cidade de Jerusalém e do Templo, que na verdade era uma capela anexa ao palácio,

que, com a mais absoluta certeza, não possuía as medidas apresentadas na Bíblia Hebraica, pois

se tais medidas fossem verídicas, as paredes do “magnífico e glorioso templo” não sucumbiriam.

Mas antes do cativeiro, havia o discurso de centralização real que os eruditos denominam

como “messianismo régio”, no qual o novo rei era considerado o novo salvador do povo, e era

um discurso encontrado nos povos vizinhos, como os egípcios e os mesopotâmios. Tal discurso

do messianismo régio durou até o cativeiro de Judá pela Babilônia, em torno de 586 a.C., pois

depois do referido cativeiro não haveria rei para governar a terra de Judá.

Para compensar, já que não houve ideologia de centralização do Templo durante o Exílio

na Babilônia, o messianismo régio acabou por se transformar em um messianismo escatológico,

que começara a surgir desde a morte de Josias e antes do Exílio, pois os reis que sucederam a

Josias não supriam as expectativas de grandes reformadores, e, dessa forma, havia a promessa de

um novo messias que no futuro tiraria o seu povo do sofrimento e da dificuldade. Tal papel

acabou por ser atribuído ao rei Ciro da Pérsia, que decreta o retorno do povo de Judá a Jerusalém,

por volta de 538 a.C.

No contexto pós-exílico houve nova centralização de poder, que era a dos sacerdotes, que

precisariam elaborar uma nova ideologia totalmente distinta da ideologia real do deuteronomista,

e centrar o poder nas mãos dos sacerdotes. Alguns dos elementos que podem ser citados que

abrangeram tal ideologia foram o da aplicação do discurso de Ahuramazda, divindade imperial

persa em Yahweh, divindade principal dos judeus como criador do universo, e habitante do

Templo, o qual, na elaboração sacerdotal, não possui legitimação régia à custa dos mitos dos reis

Davi e Salomão, mas à custa de outro mito: o de Moisés e a entrada na terra de Canaã. Para o

escritor sacerdotal, o Templo já era a Tenda inventada e elaborada por ele para que Arca da

Aliança seja guardada e para que o povo viesse a cultuar e adorar a Yahweh no meio do deserto e

dentro da Tenda, e deduz-se que a Tenda existiu mesmo na época de Davi e que ocupou o terreno

que Davi comprou de Araúna (2 Samuel 24,16-24).

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Isso sem contar a legitimação dos filhos de Aarão, irmão de Moisés, como sacerdotes, e da

criação da tribo de Levi como tribo sem-terra (o que não existe e nunca existiu em nenhum

ambiente tribal no mundo), para reforçar o seu poder como os novos chefes de Judá. Sobre o

reino de Israel, não se pode esquecer que o propósito neste contexto não era o mesmo da época

josiânica, tanto que o escritor sacerdotal fez um Israel bem menor do que o Israel do

deuteronomista, conforme o raciocínio de Eckart Otto, no qual o Hexateuco pós-exílico retoma

isso na recepção da perspectiva pan-israelita, ao concluir o livro de Josué em Siquém (Josué 24)

e, consequentemente, o Hexateuco contradisse a definição de “Israel” por meio de um “Pequeno

Israel” restrito a Judá.

A estrutura do Templo é totalmente baseada nos padrões dos Templos da Babilônia, pois os

exilados estiveram em contato com um modelo bem diferente de templo. Nas pesquisas de Mario

Liverani, os templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk eram organizações bem

complexas, dotadas de um poder econômico e político relevante; e suas estruturas arquitetônicas

eram imponentes, pois além da “casa de deus”, a cela que abrigava a estátua da divindade, de

dimensões relativamente reduzidas, o complexo do templo compreendia a série de anexos a que

se fez referência.

De acordo com Liverani, havia amplos armazéns para a colheita, que seriam reutilizados,

seja para os trabalhos de manutenção dos canais, seja para a manutenção dos dependentes, seja

para a redistribuição sob forma de empréstimos a juros privilegiados. Conforme o autor, havia

lojas de artesãos, escolas de escribas e residências sacerdotais, e o templo comportava amplos

pátios para o acesso dos fiéis. Nas pesquisas de Liverani, sacerdotes e escribas do templo eram

uma verdadeira classe dirigente que administrava a economia da cidade e do território –

especialmente, afirma o autor, para as cidades (até importantes) que não eram a capital e,

portanto, não tinham um palácio real.

Nas conclusões de Mario Liverani254, ao voltar a Jerusalém para reconstruir o velho templo

salomônico, o clero judaico tinha em mente esse modelo, que estava em função das relações com

os imperadores, supria as fraquezas da monarquia davídica restante e assegurava aos próprios

sacerdotes o modo de administrar a nova comunidade judaica até nas decisões políticas e,

sobretudo, nas orientações legislativas e sociais.

254 LIVERANI, M. op. cit., p. 395.

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Agora, na função social do “Segundo Templo”, há a posição de Jean Louis Ska255, que

impõe a procura da origem do Pentateuco em sua forma atual no Israel pós-exílico, na

comunidade unida em torno do templo, que por sua vez tinha a sua lei, a lei de Yahweh, que,

segundo o decreto de Artaxerxes (Esdras 7,12-26), fora aprovada oficialmente pelas autoridades

persas. No final das contas, de acordo com Ska, os fundamentos do Israel pós-exílico eram o

templo e a lei, pois à luz de tal hipótese, tal comunidade é definida, em Êxodo 16,6, como “nação

santa” e “povo sacerdotal”, “propriedade de Yahweh”, e a mesma referida comunidade foi

consagrada com a aspersão de sangue, em Êxodo 24,3-8, ao prometer fidelidade à lei.

255 SKA, J.L. op. cit., p. 241.

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Capítulo V – Relevância da Memória do Primeiro Templo

Pelo motivo de o Templo pré-exílico ser uma obra da literatura bíblica, é impossível não

relacionar a sua relevância com a garantia da identidade popular mediada pela literatura

ideocrática; ou seja, o Templo monárquico do reino de Judá, por estar presente na literatura

ideocrática, possuiu grande função social, por garantir a identidade popular em épocas que esta

esteve quase perdida. Primeiro como identidade israelita-judaíta após o cativeiro do reino do

norte em aproximadamente 722 a.C.; segundo, no período pós-exílico, por volta de 539 a.C., com

o édito de Ciro, contexto no qual a teoria apresentada por Jean Louis Ska, denominada Burger-

Temple-Gescinde, desdobrou-se, e caracteriza muito bem a relevância da memória do Templo

considerado como original, a função social e os seus aspectos, conforme o título deste capítulo.

Para maior contextualização da teoria de Ska, será apresentado um pouco do raciocínio de

Eckart Otto sobre a ideologia da estruturação do Pentateuco, que possui íntima relação com a

teoria apresentada por Ska.

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1. O Programa Ideológico do Hexateuco

De acordo com Eckart Otto256, depois da vitória de Ciro II sobre os babilônios, em 539

a.C., que trouxe o fim da dominação babilônica tardia, Judá passou para a supremacia persa.

Conforme o autor, assim começou uma nova era que a Bíblia associou com o fim do tempo do

exílio (Esdras 1-2). Segundo o raciocínio do estudioso, no período exílico tinham surgido, com o

escrito Sacerdotal e o Deuteronômio Exílico, duas grandes narrativas dos aarônidas e dos

sadoquitas, que narram a história de Yahweh e de seu povo de formas diferentes. Nas ênfases de

Otto, como no período do exílio prevaleceu o monoteísmo, já não podia haver depois do exílio

outras narrativas concorrentes sobre as origens de Israel.

Antes, Yahweh, a única divindade masculina de Israel tinha de ter uma única história com

seu povo. Portanto, considera o pesquisador, a reunião literária das duas narrativas exílicas das

origens no tempo pós-exílico foi uma necessidade ideológica, e a formação histórico-literária do

Pentateuco uma função do primeiro mandamento do Decálogo. No entanto, adverte Otto, não é

só a consequência das ideias que compõem a ideologia, que escreve a história cultural, mas as

ideias precisam de uma fundamentação pelos interesses de grupos portadores de tais ideias, e

dessa forma acontece também com a história literária dos livros do Pentateuco.

Segundo as pesquisas de Eckart Otto257, no pós-exílio, o sacerdócio sadoquita em Jerusalém

reintegrou os aarônidas e autodesignou-se como aarônida, com o recurso à tese da descendência

levítica comum, que seria aarônida, enquanto se salientava a procedência sadoquita do sumo

sacerdote como alguém que se destacava dentro do sacerdócio aarônida. Relata o autor que a

integração dos aarônidas no sacerdócio sadoquita requeria também a vinculação literária do

escrito Sacerdotal e do Deuteronômio. Conforme Eckart Otto, já a releitura do Código da Aliança

no Deuteronômio, nas releituras exílicas do Deuteronômio e no escrito Sacerdotal, os sacerdócios

mostraram sua erudição escriturística, a qual favorece agora o trabalho dos autores sacerdotais

dos livros do Pentateuco no período pós-exílico. Na visão do autor, a mediação literária entre o

Deuteronômio e o escrito Sacerdotal é facilitada pelo fato de que a narração do escrito Sacerdotal

vai desde a criação até a Montanha de Yahweh, portanto, conclui o autor, ela termina ali onde

começa o Deuteronômio exílico, que foi vinculado pela redação de Moabe com o livro de Josué.

256 OTTO, E. op. cit., pp. 199-206. 257 Ibidem, p. 200.

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Desse modo, continua Eckart Otto, forma-se naquele instante, na conexão, um arco

narrativo desde a criação até a tomada da terra. No entanto, percebe Otto, os autores do

Hexateuco, que se formou dessa maneira, não conectam o escrito Sacerdotal e o Deuteronômio

de modo meramente mecânico-aditivo; nos livros de Gênesis e do Êxodo, eles usam também as

fontes do Deuteronômio e do escrito Sacerdotal, isto é, as fontes de suas fontes. Dessa maneira,

conclui Eckart Otto, eles inserem na perícope do Sinai o Código da Aliança e o Decálogo como

fonte do Deuteronômio, no Gênesis as fontes das narrativas dos patriarcas e matriarcas

provenientes do escrito Sacerdotal, e procedem do mesmo modo com a inserção da narrativa de

Moisés-Êxodo pré-sacerdotal. Assim, atenta o pesquisador, eles constroem um arco narrativo que

tem dois pilares principais, redigidos pelos autores pós-exílicos:

1º) A narrativa com Abraão em Gênesis 15, que é anteposta à narrativa sacerdotal da

aliança em Gênesis 17.

2º) A narrativa da Aliança do livro de Josué, em Josué 24, que segue depois do discurso

deuteronomista de encerramento proferido por Josué em Moabe (Josué 23).

Esses dois pilares principais, de acordo com Eckart Otto, colocam o tema da posse da terra

como o centro do Hexateuco:

Naquele dia, Yahweh estabeleceu com Abrão esta aliança: “A teus descendentes darei

esta terra, do rio do Egito até o grande rio, o Eufrates”. (Gênesis 15,18)

Dei-vos uma terra que não exigiu de vós trabalho algum, e cidades que não construístes,

e vos assentastes nelas e comestes de vinhas e olivais que não plantastes. (Josué 24,13)

Conforme os estudos de Otto258, o grande projeto da distribuição da terra (Josué 13-21) é

colocado na frente da conclusão da aliança em Josué 21: “Assim, Yahweh deu a Israel toda a

terra que havia prometido a seus pais sob juramento. Eles tomaram posse dela e nela habitavam”

(Josué 21,43).

Enfatiza o autor259 que, de acordo com essa visão, o objetivo da criação da história

universal (Genesis 1-11) seria que Israel se tornasse sedentário na terra prometida de Yahweh e

258 Ibidem, p. 201. 259 Ibidem, pp. 201-202.

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encontrasse seu “repouso”. Afirma Otto que, por volta de meados do século V a.C., o Hexateuco

interfere por meio do enraizamento da distribuição da terra na história primitiva de Israel numa

discussão intrajudaica entre a diáspora e os habitantes do território de Israel e Judá, travada

também no livro de Ezequiel (Ezequiel 40-48). Nos estudos do pesquisador, representantes do

judaísmo da diáspora na Mesopotâmia exigem que, no caso do seu retorno, a posse da terra de

Judá seja redistribuída. Enfatiza Otto que os autores do Hexateuco afirmam objetivamente que, já

na história das origens de Israel, a terra teria sido distribuída às tribos por Josué de uma forma

válida para todos os tempos.

Atenta o autor que, já na conceituação deuteronomista da redação de Moabe, que conectou

o Deuteronômio com o livro de Josué, apresentou-se uma distribuição de tarefas entre Moisés e

Josué, de tal forma que Moisés seria responsável pela mediação da lei e da conclusão da Aliança

no Horeb e em Moabe, e Josué, pela condução de Israel na caminhada para a Terra Prometida. O

Hexateuco, nas conclusões de Otto, retorna a isso e atribui a Josué também a função da

distribuição da terra (Josué 13-21). Conforme o autor, a posse da terra e, com isso, a figura de

Josué passam no Hexateuco com tanta insistência ao primeiro plano que Josué pode assumir, com

a conclusão da aliança, em Siquém (Josué 24,26). Otto ressalta que o escrito Sacerdotal esboçou

Moisés no papel de um interlocutor exclusivo de Yahweh e conferiu um selo de honra aos

sacerdotes aarônidas que atribuíram sua descendência a Aarão, o irmão de Moisés.

Na visão do autor, a localização da habitação de Yahweh no meio de seu povo no deserto

longe da Terra Prometida mostra que isso expressou a perspectiva da diáspora defendida pelo

escrito Sacerdotal, e o Deuteronômio exílico reagiu a essa perspectiva e vinculou igualmente

Moisés com o Horeb no deserto, mas já o aproximou, mediante o motivo da aliança de Moabe

(Deuteronômio 29-30), da terra cultivável e atribuiu a Josué a realização da tomada da terra.

Conforme Otto, os autores exílicos da redação de Moabe utilizaram em relação à função de Josué

na tomada da terra noções já estabelecidas nas tradições pré-exílicas da tomada da terra (Josué 2-

9). Percebe o autor que o Hexateuco seguiu tal tradição ao integrar o Deuteronômio e o livro de

Josué na redação de Moabe, a relacionar o tema da posse da terra a oeste do Jordão e não com

Moisés, mas com Josué, que se tornou o patriarca da reivindicação da terra por Israel.

Na visão de Otto, o Hexateuco defendia a tese de um “Grande Israel” com a inclusão das

tribos setentrionais de Israel, isto é, da Samaria, que pereceram na conquista assíria de 722 a 720

a.C., e fez com que a conclusão da aliança (Josué 24) não ocorresse em Jerusalém, mas na cidade

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de Siquém, desde os tempos mais antigos relacionada ao patriarca Jacó (Gênesis 33,18-20).

Afirma Otto que o ideal do Grande Israel, composto de Judá e Israel, que está na base desta

construção, tem uma história prévia que remonta ao século VII a.C. Salienta o autor que, já na

obra historiográfica deuteronomista da época de Josias (1 Samuel 1 – 2 Reis 23), projetava-se na

apresentação da monarquia primitiva nos tempos mitológicos dravídico, e especialmente

salomônico, uma perspectiva pan-israelita da união de Judá e Israel, perspectiva que, por sua vez,

surgiu no tempo de Josias, da esperança de que, após a retirada da ocupação assíria, seria possível

unir o território do Reino do Norte de Israel com o Sul e Jerusalém como centro (Josué 8,23b-

9,6).

O Deuteronômio pré-exílico tardio fornece a justificativa para a exigência da centralização

de culto em Jerusalém. Conta Otto que, na obra historiográfica deuteronomista do reinado de

Josias, criticavam-se os reis do Reino do Norte, que tinham instalado os santuários nacionais em

Betel e em Dã. Relata o autor que tal “pecado de Jeroboão” (1 Reis 12) seria uma violação do

mandamento da centralização, e seria por causa dele que o Reino do Norte teria perecido na

conquista dos assírios (2 Reis 17). No entanto, lembra Otto, depois do colapso do Império Assírio

e da retirada dos assírios da Samaria, a expectativa do período josiânico era poder anexar o Norte

ao Sul. Porém, afirma o autor que, com a morte de Josias, tal expectativa fracassou, e o livro de

Josué, redigido no século VII, compartilhava a perspectiva pan-israelita do reinado de Josias,

utilizada pela redação exílica de Moabe ao conectar o Deuteronômio com o livro de Josué

(Deuteronômio 1 – Josué 23).

Na sequência do raciocínio de Otto, o Hexateuco pós-exílico retoma isso na recepção da

perspectiva pan-israelita, ao concluir o livro de Josué em Siquém (Josué 24). Dessa maneira,

considera o estudioso, o Hexateuco contradisse a definição de “Israel” por meio de um “Pequeno

Israel” restrito a Judá. Continua o estudioso a raciocinar que, com a separação da Samaria

(Neemias 4-7), tal definição recebeu seu programa nas narrativas contemporâneas de Neemias,

contidas no livro homônimo. De acordo com Otto, assim como o seu protagonista Neemias, que

tinha que vir da diáspora a Jerusalém (445-433 a.C.), as narrativas de Neemias fizeram prevalecer

uma perspectiva da diáspora que favorecia uma separação dos “samaritanos” do Norte. Segundo

o pesquisador, ao contrário disso, o Hexateuco defendia a visão de escribas do território de Judá,

que consideravam o Norte do antigo Reino da Samaria uma parte de “Israel”.

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No entanto, atenta Otto260, os autores escribas do Hexateuco tomaram partido não apenas

em discursos intrajudaico; para o estudioso, eles se confrontaram também com a ideologia

imperial do poder hegemônico persa, que, com o ocaso do Império Babilônico, tinha assumido

em 539 a.C. a função imperial da província de Yehud. Relata o pesquisador que, ao colocar no

centro do interesse o tema da terra dada por Yahweh ao povo de Israel, os autores do Hexateuco

tematizaram simultaneamente um aspecto importante da ideologia imperial persa-aquemênida.

Para Otto, segundo essa ideologia, faz parte da ordem de mundo criada pela divindade imperial

persa Ahuramazda que ele, como divindade criadora, atribuiu a cada povo seu lugar neste mundo,

cujo centro é Persépolis.

Declara o estudioso que o Hexateuco contradisse isso já com a criação do mundo em

Gênesis 1, proveniente do escrito Sacerdotal: não Ahuramazda, mas Yahweh, a divindade dos

judeus, seria o criador do mundo, e os judeus teriam recebido sua terra dele, não da divindade

imperial persa – assim alega o fim do Hexateuco, ressalta Otto. O pesquisador enfatiza que, na

ideologia imperial persa, vinculava-se à ideia de que a posse da terra fora conferida aos povos por

Ahuramazda o pensamento de que os povos deviam estar submetidos à lei do rei aquemênida.

Um exemplo referido por Otto se encontra na inscrição de Behistun, na qual o rei aquemênida

Dario I (522-486 a.C.) comemorava sua vitória sobre seus inimigos internos como uma expressão

da legitimação de seu poder pelo rei imperial persa, por isso ele ordenou anunciar o seguinte:

Anúncio de Dario, o rei: “Naqueles países (isto é, nos países subjugados) recompensei

ricamente um homem que era leal, mas puni severamente a quem era desleal. Conforme

a vontade de Ahuramazda, esses países obedeceram à minha lei (em persa: data-). Assim

como lhes foi dito por mim, assim fizeram”.

Percebe Otto261 que, conforme tal visão, é por meio da lei do rei aquemênida que a ordem

universal dos povos é mantida. Contudo, afirma o pesquisador, os autores escribas do Hexateuco

contradizem-na, pois os judeus seguem a lei dada pelo seu adorado e cultuado Yahweh no Sinai e

intermediada pela figura epônima de Moisés, e nenhuma autoridade se contrapõe à Torah deste

referido legislador, pois o criador deste mundo seria Yahweh e não Ahuramazda, a quem

recorrem os reis aquemênidas em sua função de impor leis. Por isso, explana Otto, também para

260 Ibidem, pp. 202-203. 261 Ibidem, pp. 203-204.

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os autores do Hexateuco é claro que não a obediência às leis persas, mas à Torah de Moisés,

ratificada com a conclusão da Aliança em Siquém, garante a posse da terra (Josué 24). Conforme

as pesquisas de Otto, nas inscrições dos reis persas, um argumento principal da legitimação dos

governantes aquemênidas são os sucessos militares do respectivo rei, que são tidos como obras

da divindade nacional que acreditam o rei.

Relata o estudioso que o Hexateuco transfere essa figura argumentativa a Moisés e a Josué

como líderes bem-sucedidos de seus exércitos que vencem os transjordânicos e os cisjordânicos

de acordo com o mito dos estruturadores do Hexateuco. Dessa maneira, conclui Otto, o

Hexateuco responde à pergunta polêmica sobre quem seria o senhor da História inequivocamente

em favor de Yahweh, a divindade dos judeus, pois a descrição sacerdotal do ciclo das pragas

egípcias (Êxodo 7-12) é ampliada no Hexateuco por outros prodígios, para ser uma comprovação

de que, entre todas as divindades, somente Yahweh tem poder na história, pois as nações devem

reconhecer isso (Êxodo 7,17; 8,6/18 etc.). Conforme os construtores e elaboradores do Hexateuco

e da figura de Moisés, o interesse da referida personagem não teria sido o domínio, em contraste

com o rei persa, que queria impor o domínio mundial por meio do poder repressivo, mas o

conhecimento e o reconhecimento do poder histórico de Yahweh como divindade criadora.

Por isso, ressalta Otto, a figura epônima de Moisés não deve ser um instrumento do poder

da divindade entre as nações, mas, como mensageiro de Yahweh, ele deve servir ao

(re)conhecimento de que nenhuma divindade, portanto a divindade imperial persa também não,

iguala-se a Yahweh. Com isso, conclui o autor, modifica-se a ideologia imperial persa em um

ponto decisivo, e a obediência das leis não deve se basear no reconhecimento das relações

políticas reais de poder, como expressão do poder da divindade persa Ahuramazda, mas no

reconhecimento do poder histórico de Yahweh, que deu a Terra a seu povo de “Israel”.

Conclui-se que, neste item, da parte de Eckart Otto, houve uma grande iniciativa para o

retorno à Judeia, em dois pontos enfáticos. O primeiro foi à reutilização do livro de Josué, que

possuiu grande valia na época da sua composição durante a Reforma Deuteronomista devido à

ênfase de que o território no qual eles retornaram deveria ser conquistado mais uma vez. O

segundo ponto é a questão do Yahweh como divindade nacional para os judeus, assim como

Ahuramazda era para os persas. Os persas possuíam vários mitos religiosos que os legitimavam,

agora, para os escribas, era a vez dos judeus possuírem os seus próprios mitos religiosos que os

legitimassem.

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2. O Programa Ideológico do Pentateuco

Nas pesquisas de Otto262, os autores do Hexateuco, que escreveram em Yehud, colocaram o

acento ideológico na terra como bem salvífico central de Yahweh, o que provocou protesto dos

sacerdotes que viviam na diáspora da Mesopotâmia, e eles se voltaram contra essa ideologia da

terra, e com a missão de Esdras, que chegou a Jerusalém em 398/397 a.C. por incumbência do

governo imperial persa como funcionário com tarefas de fiscalização e vistoria, impôs-se em

Jerusalém a ideologia da diáspora. Afirma o estudioso que no início do século IV a.C., isso teve

sua consequência na Torah de Moisés, pois os círculos da diáspora não definem a identidade do

judaísmo a partir da posse da terra, que é vinculada condicionalmente à obediência da lei. Ao

contrário, ressalta Otto, a própria Torah seria o poder interpretativo e o bem salvífico centrais,

pois o judeu seria, em qualquer lugar que estivesse, aquela pessoa da linhagem de Abraão que

cumpre a Torah de Yahweh.

Por isso, considera o estudioso, destaca-se o livro de Josué e inaugura-se o Pentateuco,

composto dos livros do Genesis até o Deuteronômio. Nos conhecimentos de Otto, como vita do

profeta epônimo Moisés, o Pentateuco vai desde o seu nascimento (Êxodo 2), até a sua morte

(Deuteronômio 34), e o Gênesis tem a função de um saguão que conduz desde a criação até a

formação do povo de Israel no Egito (Gênesis 1 – Êxodo 1). Conforme as análises do estudioso,

ao deslocamento dos temas, devido à separação do livro de Josué e da redução do Hexateuco para

um Pentateuco, corresponde a forte ampliação da perícope do Sinai (Êxodo 19 – Números 10),

que é assim ampliada pela conexão com a moldura do Deuteronômio a dar origem ao lugar

preferencial da revelação dos mandamentos no Pentateuco. Relata Otto que os autores do

Pentateuco tinham um ponto de enlace na perícope do Sinai, pois já ali o Decálogo e o Código da

Aliança como fontes do Deuteronômio tinham sido transferidos para o Sinai, e um dos elementos

importantes utilizados pelos autores da redação do Pentateuco na transformação da perícope do

Sinai em centro dos livros de Moisés foi a inserção de Levítico 16, a narrativa ritual do Dia da

Reconciliação, como centro do Pentateuco inteiro.

Segundo o autor, tais autores vincularam com essa narrativa Êxodo 19,3-6 e o Código de

Santidade por eles formulado (Levítico 17-26) e, consequentemente, com a ampliação da

perícope do Sinai, os mesmos autores inseriram nos livros de Moisés a complicada teoria da

262 Ibidem, pp. 204-205.

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revelação e da fixação por escrito. Conforme relata Otto, o Decálogo (Êxodo 20), teria sido

levado aos ouvidos do povo imediatamente por Yahweh, mas a partir dali, e segundo o desejo do

povo apavorado, toda revelação de leis teria sido intermediada por Moisés e interpretada no

Deuteronômio na terra de Moabe. Para o autor, a estrutura da narração dos livros de Moisés como

Torah, na forma em que temos atualmente em leitura sincrônica, remonta (com exceção dos

acréscimos pontuais do período persa tardio e helenista, especialmente nos livros do Genesis e

dos Números) aos autores escribas do Pentateuco do início do século IV a.C.

Otto enfatiza que a narração dos livros de Moisés responde à pergunta sobre como Yahweh,

a divindade dos judeus, estaria naquele tempo presente no meio de seu povo, a saber, na forma da

Torah registrada por escrito e interpretada por escribas. Naquele instante, para o estudioso, já não

se tratava, como no Hexateuco no século V a.C. da justificativa legítima da posse judaica da terra

por meio da história primitiva de Israel, mas da dignidade revelatória diferenciadora da Torah.

Nos relatos de Otto, no século IV a.C., o Pentateuco tornou-se Torah na forma de uma revelação

e promulgação de leis, emoldurada por narrativas e colocada no Gênesis no horizonte da criação

da história do mundo (Gênesis 1-11). Conforme o estudioso, para justificar a qualidade

revelatória da Torah, o Pentateuco desenvolve, inspirado pelo Hexateuco, uma teoria literária de

sua formação e seu registro escrito que atribui uma função-chave ao Moisés literário, cuja

biografia forma a moldura dos livros do Êxodo ao Deuteronômio.

Dessa maneira, considera Otto, cabe ao Decálogo, revelado imediatamente e registrado em

tábuas de pedra por Yahweh (Êxodo 24,12;31,18 etc.), uma dignidade tão destacada entre as leis

que o povo não entendeu diretamente (Êxodo 20,18-21), mas tornou conhecimento dele apenas

mediante a interpretação de Moisés na terra de Moabe (Deuteronômio 5,6-21). Para o

pesquisador, todas as outras leis, que teriam sido anunciadas a pedido do povo por intermédio da

personagem epônima Moisés, são entendidas como regulamentos de execução que concretizam o

Decálogo. De acordo com Otto, isso vale em primeiro lugar para o corpo legal que Moisés

apresentou ao povo e registrou por escrito no monte Sinai (Êxodo 20,22-23,33), denominado em

Êxodo 24,3-8 de “Código da Aliança”. Depois, afirma o autor, são comunicadas a Moisés, na

Montanha de Yahweh e durante a caminhada pelo deserto, outras leis, entre elas o Código de

Santidade (Levítico 17-26).

Enfatiza Otto que na terra de Moabe termina a revelação da lei (Números 36,13), e inicia-se

a interpretação dela, que dura somente um dia, o dia da morte da personagem epônima Moisés,

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que por sua vez apresenta ao povo o Deuteronômio como interpretação da Torah sinaítica.

Portanto, conclui Otto, no século IV a.C., acrescentou-se à figura epônima da personagem Moisés

o ministério de escriba e mestre (doutor da lei) que interpretava a Torah (Deuteronômio 1,5) e

registra a interpretação por escrito na terra de Moabe (Deuteronômio 31,9) . Segundo os

conhecimentos do autor, Israel, porém, teria se tornado na terra de Moabe uma comunidade de

ensino e aprendizado sob a liderança do escriba e doutor da lei Moisés. Otto declara que os

autores pós-exílicos do Pentateuco erigiram para si um memorial não só ao estilizar Moisés como

seu patriarca, mas também ao fazer de Yahweh o primeiro escriba da história de Israel, pois ele

registra o Decálogo por escrito.

Já no Sinai, afirma o estudioso, depois da conclusão da aliança com o anúncio do Código

da Aliança (Êxodo 34,3-8) e do banquete em face de Yahweh (Êxodo 24,9-11), Moisés recebeu a

missão de instruir o povo no Decálogo e no restante da Torah (Êxodo 24,12). Observa Otto que

Deuteronômio 4 constata explicitamente que essa missão de instrução realizada no

Deuteronômio, a saber no último dia de vida de Moisés, em várias rodadas de discursos ao final

dos quais se realiza o registro da Torah.

Aponta Otto263 que o motivo do registro escrito da Torah imediatamente antes da morte da

personagem epônima Moisés permite compreender por que ele precisava morrer naquele momento

e não podia passar com o povo para a Terra Prometida, e em seu lugar entraria na Terra Prometida

a Torah registrada por escrito por Moisés, enquanto a morte de Moisés encerraria o tempo da

revelação da Torah. Na visão do autor, nunca mais se levantaria em Israel um profeta, isto é, um

intermediário da revelação, como Moisés, com quem Yahweh falou face a face (Deuteronômio

34,10), pois somente na forma da Torah interpretada, cujo modelo no Deuteronômio seria Moisés

como primeiro escriba e doutor da lei, a vontade legisladora de Yahweh poderia estar presente no

meio de seu povo. Dessa maneira, conclui Eckart Otto, o Pentateuco torna-se, no século IV a.C., o

berço da erudição escriturística judaica, que permitiu ao judaísmo, após as grandes catástrofes da

época romana, sua sobrevivência até hoje.

Percebe-se que, nesse instante, para Eckart Otto, a conquista encontrada em Josué não é o

suficiente para manter o povo no território da Judeia, é necessária a obediência à lei que é

representada por Moisés. A partir daí a figura de Moisés surge e é funcionalizada como o

símbolo da lei, por ser o homem com que Yahweh falou face a face. Assim como os escribas

263 Ibidem, p. 206.

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possuíam a missão de instruir o povo, Moisés, como o primeiro escriba, possuiu esta função. Por

isso ele é considerado o primeiro escritor e autor de todas as obras do Pentateuco e chefe

supremo de todos os escribas escolhido pelo próprio Yahweh. A lei traz obediência para o povo,

e precisa dos escribas para ensinar o povo a obedecer e a permanecer na Terra Prometida, ao

contrário da geração que foi exilada na Babilônia.

3. A Teoria de Burger-Temple-Gescinde e o Pentateuco

Conforme Jean Louis Ska264, o certo é que a teoria de Burger-Temple-Gescinde, ou

comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo, é considerada mais sólida, pois o governo

persa reconhece os direitos e privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, e tal conteúdo

da autorização que concede relativa autonomia local à província da Judeia, e, consequentemente,

o decreto de Esdras 7 também apoia tal opinião, pois gira, em grande parte, em torno da

restauração e da organização do culto no templo de Jerusalém.

Declara Ska265 que também insistem na reconstrução do templo as duas versões do edito de

Ciro (Esdras 1,1-4; 2 Crônicas 26,22-23). Atenta o estudioso que, ainda que não seja “histórico”,

trata-se de um texto emblemático da mentalidade da época, pois ao ler-se os acontecimentos

narrados nesses textos, fica muito evidente que, após o exílio, a comunidade de Israel se uniu,

polarizada pelo santuário de Jerusalém.

Para o autor266, impõe-se, pois, procurar a origem do Pentateuco, em sua forma atual, no

Israel pós-exílico, na comunidade unida em torno do templo, que, por sua vez, tinha a sua lei, a

lei de Yahweh, que, segundo o decreto de Artaxerxes (Esdras 7,12-26), fora aprovada

oficialmente pelas autoridades persas. No final das contas, de acordo com Ska, os fundamentos

do Israel pós-exílico eram o templo e a lei. Declara o autor que, à luz de tal hipótese, tal

comunidade é definida, em Êxodo 16,6, como “nação santa” e “povo sacerdotal”, “propriedade

de Yahweh”, e a mesma referida comunidade foi consagrada com a aspersão de sangue, em

Êxodo 24,3-8, ao prometer fidelidade à lei.

264 SKA, J.L. op. cit., pp. 241-243. 265 Ibidem, p. 241. 266 Ibidem, p. 241.

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Ska267 aponta que, em Êxodo 24,9-11, a “visão de Yahweh” e a “refeição” em presença da

divindade sancionam e legitimam a autoridade dos sacerdotes e anciãos, os dois grupos que serão

responsáveis pela comunidade.

De acordo com o autor268, aos sacerdotes e anciãos, Moisés entrega a lei, em Deuteronômio

31,9, pois são as duas instituições que sobreviveram ao exílio e que assumiram a direção de todo

o movimento de volta.

Declara Ska269 que, nesse contexto, explica-se perfeitamente o lugar central ocupado pela

“tenda” e pelo culto, e o Pentateuco, em sua amplitude, une a criação e a tenda (Gênesis 1 e

Êxodo 40). Atenta o autor que, por essa divisão canônica dos livros ou rolos, cumpre-se, em

Êxodo 40, a primeira grande etapa da história universal: o criador encontrou morada na criação.

Na perspectiva do pesquisador270, os livros de Gênesis e Êxodo descrevem as fases de

encaminhamento a essa meta, e Yahweh, o criador do Universo, escolhe um povo para si, depois

o liberta e vem habitar no meio dele (Êxodo 40,34-35). A seguir, continua Ska, Yahweh lhe fala

desse lugar (Levítico 1,1; Números 1,1) e o acompanha por toda a sua peregrinação rumo à terra

prometida (Êxodo 40,36-38; Números 9,15-23; conferir Deuteronômio 31,14-15). Nas

considerações do autor, tal fio narrativo alinhava grande parte do Pentateuco, a deixar nítido algo

que devia ser muito importante para a comunidade pós-exílica, pois a “tenda” representa o

protótipo do templo.

O Pentateuco, conforme o estudioso271, tinha também duas funções no seio da comunidade

pós-exílica:

1ª) Deveria fornecer critérios para decidir quem pertenceria ou não à comunidade.

2ª) Deveria determinar, o melhor possível, o funcionamento dos órgãos de poder e a

posição de cada um dos grupos existentes nesse período.

Atenta o autor que as narrativas do Gênesis e as genealogias definem os integrantes desse

povo. Segundo os conhecimentos de Ska272, os livros legislativos (Êxodo – Deuteronômio) dão a

base jurídica da comunidade. Afirma o autor que um israelita será, portanto, um descendente de

267 Ibidem, p. 242. 268 Ibidem, p. 242. 269 Ibidem, p. 242. 270 Ibidem, p. 242. 271 Ibidem, p. 242. 272 Ibidem, p. 242.

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Abraão, Isaque e Jacó, alguém que escuta e guarda a lei de Moisés, entregue aos sacerdotes e aos

anciãos273. Na visão de Ska, somente este é o cidadão da comunidade do templo, que pode

usufruir dos privilégios concedidos pelo rei da Pérsia ao templo de Jerusalém e à província do

Além-Eufrates.

Declara o estudioso274 que nos livros de Esdras e Neemias aparecem às mesmas

preocupações, pois em tais livros, assim como nas Crônicas, as genealogias são numerosas275.

Percebe o autor que outra característica da comunidade pós-exílica é a valorização da pureza,

pois além da origem étnica, a observância de certas regras de culto, como rejeitar a impureza do

povo da terra e celebrar a Páscoa, pode decidir quem, realmente, pertence à comunidade (Esdras

6,20-21).

Além disso, observa Ska276, quem não respeitar as regras dos matrimônios mistos acaba

excluído da comunidade (Esdras 10,8). Em suma, afirma o autor, os dois eixos da comunidade

são o templo e a lei (Esdras 3,1-13;4,24-6,18; Neemias 8).

Conclui o autor277 que essa convergência entre os estratos recentes do Pentateuco e alguns

trechos de Esdras – Neemias dá mais consistência à ideia de que o Pentateuco atual nasceu

durante o período pós-exílico, na comunidade que se reorganizara em torno do templo de

Jerusalém.

Para esta visão, Jean Louis Ska traz novos fatores que impulsionaram a permanência do

povo em redor do “Segundo Templo”: O primeiro, na etapa do retorno para a Judeia, foi o fator

da conquista e da legitimidade de Yahweh como a divindade suprema da província persa de Judá;

o segundo foi a obediência à lei como fator de permanência do povo judeu através do símbolo de

Moisés e que dava poder aos escribas de ensinar ao povo a obedecer as leis de Yahweh; o

terceiro, e último, a questão da identidade particular, e o que o templo representaria para as

pessoas que viviam em torno dele. O Templo deveria ser o fator centralizador da identidade

judaica nesse contexto, não apenas pela lei mosaica, mas também por tudo que o Templo

273 Ibidem, p. 242. Conforme o parecer de Jean Louis Ska, assim se entende melhor o sentido das leis que indicam em que casos deve alguém ser excluído da comunidade. Para o autor, são, em geral, leis do tipo cultual ou sobre pureza e impureza (Levítico 7,27;17,3-4/8-9;19,8;20,18). Desses textos, conforme o autor, muitos mencionam o sangue ou implicam a presença do sangue, como um sacrifício. Afirma o estudioso que a única exceção é 19,8, que condena quem comer um sacrifício de comunhão de dois dias. Na ideologia de Levítico, afirma o pesquisador, o sangue é elemento sagrado por excelência. 274 Ibidem, p. 243. 275 Ibidem, p. 243. Esdras 7,1-6;8,1-14; Neemias 11,4-19;12,1-26; conferir também Crônicas 1,1-9/44. 276 Ibidem, p. 243. 277 Ibidem, p. 243.

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significou para as pessoas em sua época e contexto. O Templo teve uma história que dá orgulho

para os pós-exílicos, que é a do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, e naqueles

dias, apesar de não possuir a mesma glória epônima, gera grande significado para aqueles que o

estimam.

4. O Imaginário Radical

Conforme as reflexões de Castoriadis278, surge e emerge o imaginário radical, como

alteridade e como construção e elaboração da origem perpétua da alteridade, que ao mesmo

tempo que figura coletivamente se autofigura (ou se figura para si próprio)279, é a figurar

coletivamente e a se figurar para si mesmo (no sentido enfático e pleonásmico), criação de

imagens, criação de “imagens” que são o que são e tais como são como figurações ou

presentificações de significações ou de sentido. Mas o que vem a ser alteridade? Alteridade é a

concepção que parte do pressuposto básico de que todo homem social interage e interdepende do

outro. Nesta definição de Castoriadis, tal imaginário radical é resultado da relação intrínseca entre

os seres humanos, que produz os seus resultados devido às suas próprias relações.

Ou seja, na questão do Templo pré-exílico se estabelece o que denominamos “mito” no

pós-exílio; trata-se de produto das relações intrínsecas entre os seres humanos que resultaram na

criação das “imagens” como figurações ou presentificações de significações ou de sentido. Na

definição de Castoriadis, o Templo monárquico do reino de Judá estaria mais próximo às

presentificações de significações, pois para os indivíduos em sua época, o Templo considerado

como original realmente existiu e foi construído por Salomão, ao contrário das descobertas

arqueológicas e factuais que afirmam ao contrário.

Na visão de Castoriadis280, o imaginário radical é como social-histórico e como

psiquê/soma. Então o autor explana que como social-histórico o imaginário radical é corrente do

coletivo anônimo, assim como psiquê/soma é fluxo representativo/interativo/social. Isso significa

278 CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. Trad. Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, pp. 414-418. 279 O autor Cornelius Castoriadis coloca “que figura e se figura”, e está na obra em português. Porém, é uma frase que se torna de difícil compreensão para o leitor que não domina a teoria do referido autor. 280 Ibidem, p. 414.

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171

que para o estudioso, o imaginário radical no social-histórico é corrente do coletivo anônimo; no

caso do Templo pré-exílico, houve um coletivo anônimo que sustentou o seu mito como uma

verdade plena. Na perspectiva do psiquê/soma como fluxo representativo/afetivo/intencional, tal

Templo considerado como original, além de ser representativo, é afetivo e intencional, pois o

imaginário radical relacionado ao Templo monárquico do reino de Judá é afetivo, pois traz às

pessoas determinado orgulho de serem detentoras de um Templo tido como o primeiro, como

intencional, cujo significado é uma propositoriedade na ênfase da existência do Templo cuja

construção é atribuída ao rei Salomão, mesmo que ele de fato não tenha existido conforme os

relatos bíblicos.

Castoriadis diferencia imaginário social de imaginário radical da seguinte forma:

a) Imaginário Social – no sentido primário do termo, ou sociedade instituinte, o que no

social histórico é posição, criação, fazer ser.

b) Imaginário Radical – na psiquê/soma é a posição, criação, fazer ser para a psiquê/soma.

Na perspectiva de Castoriadis281, compreende-se que o imaginário radical é algo mais

profundo do que o imaginário social, pois não envolve apenas a sociedade, mas o indivíduo, em

um sentido mais amplo, “em corpo e alma” (ou alma e corpo – psiquê/soma). Relacionado ao

Templo pré-exílico, a teoria do pesquisador está mais relacionada com o Imaginário Radical do

que com o Imaginário Social, pois, na sua criação, o indivíduo se envolve de alma e corpo ou

corpo e alma nas suas origens, pois eles creem na existência de um passado glorioso do povo de

Israel no qual houve um Templo que foi o mais belo e grandioso da face do mundo conhecido e

que perdeu a sua glória mediante invasões estrangeiras e o exílio, o que gera certo afeto pelas

origens epônimas do Templo monárquico do reino de Judá que foram construídas

intencionalmente para legitimar a sua existência como símbolo de um povo.

Para Castoriadis, o imaginário radical ocorre na e pela posição-criação de figuras como

presentificação de sentido e de sentido como sempre foi figurado-representado. Na linguagem do

Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, as pessoas acreditaram que o referido sempre

veio a existir, pois a sua existência deu sentido aos indivíduos que acreditaram na sua existência

ao ponto de afirmarem que tal história sempre foi assim, ou seja, sempre foi figurada-

representada daquela forma, sem no mínimo questionarem as motivações de tais mitos.

281 Ibidem, p. 414.

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172

Conforme os conhecimentos do autor282, a posição de figuras com senso ou de sentido

figurado pela imaginação radical apoia-se no ser-assim do sujeito como ser vivo, e encontra-se

sempre (até um ponto de origem insondável) numa relação de recepção/alteração com o que já

havia sido representado por e para a psiquê. A traduzir tal teoria de Castoriadis para o Templo

pré-exílico, a posição do referido (Templo) e das histórias elaboradas sobre o tal que fazem parte

deste, figuradas pela imaginação radical apoia-se no ser-assim do sujeito como ser vivo, ou seja,

o Templo e as suas histórias apoiam-se no próprio indivíduo ao ponto de fazer parte do seu dia a

dia e do seu cotidiano, e, em seguida, Castoriadis aponta a relação de recepção/alteração com o

que já havia sido representado por e para a psiquê, no aspecto da relação entre o indivíduo com a

sua interação e interdependência do outro.

Conforme a teoria do Imaginário Radical, o indivíduo não apenas depende da sua própria

crença, mas também de outros que também acreditem na existência do Templo considerado como

o original no intuito de se formar uma identidade coletiva relacionada às origens do referido.

Percebe-se que o Imaginário Radical de Castoriadis é uma teoria que de fato abriga o

Templo monárquico do reino de Judá em uma sociedade, pois o ponto não é a sua existência

factual e sim o seu significado. O indivíduo recebe as histórias consideradas epônimas do Templo

considerado como original não apenas oriundas de uma elite detentora do poder da escrita, seja

ela deuteronomista ou sacerdotal, como também de outros indivíduos que recepcionaram,

acreditaram e defenderam tais histórias na intenção de reforçar a identidade e ter o Templo pré-

exílico como o orgulho da Judeia por ter sido construído em uma época na qual o Reino de Israel

e o Reino de Judá eram unidos, pois o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, de

certa forma, foi símbolo da união de dois reinos. Apesar de a arqueologia e a crítica literária

atentarem que a união dos dois reinos era mais um desejo do que um fato, para aqueles que

receberam e acreditaram nas histórias epônimas do Templo cuja construção foi atribuída ao rei

Salomão, é a mais pura verdade, pois para eles, graças ao Imaginário Radical, o que importa é o

significado que impinge o Templo considerado como o original, independentemente de sua

existência.

Isso significa dizer que a questão no Imaginário Radical não é a existência do Templo pré-

exílico, mas sim o seu sentido como fator unificador de um povo, que teve o seu papel epônimo

na construção do Reino Unido de Israel e de Judá com o rei Salomão; depois novamente com a

282 Ibidem, p. 414.

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173

queda do Reino de Israel por volta do ano 722 a.C., que teve como consequência a Reforma

Deuteronomista por volta de 622 a.C. que objetivava transformar Josias no rei de Judá e dos

remanescentes de Israel; e finalmente, no pós-exílio, por volta de 539 a.C., período no qual houve

intensa produção literária sacerdotal, que reforçou as histórias do Templo cuja construção foi

atribuída ao rei Salomão da mesma forma que foram reforçadas na Reforma Deuteronomista.

Mas o ponto a ser enfatizado é o Templo como símbolo da união dos povos de Israel e de Judá e

motivo para os presentes do Templo vigente não se dispersarem, por ser o orgulho daquele povo.

Em suma, não é questão no Imaginário Radical a existência do Templo monárquico do reino de

Judá, mas sim o seu significado perante aqueles que sentem orgulho do referido.

5. A Estrutura do Primeiro Templo a partir do Imaginário Instituído

De acordo com o estudado anteriormente, relata Mario Liverani283 que, na Babilônia, os

exilados estiveram em contato com um modelo bem diferente de templo. Para o estudioso, os

templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk eram organizações bem complexas,

dotadas de um poder econômico e político relevante. De acordo com as pesquisas do autor, as

estruturas arquitetônicas eram imponentes, pois além da “casa de deus”, a cela que abrigava a

estátua da divindade, de dimensões relativamente reduzidas, o complexo do templo compreendia

a série de anexos a que se fez referência. Relata o pesquisador que havia amplos armazéns para a

colheita, que seriam reutilizados, seja para os trabalhos de manutenção dos canais, seja para a

manutenção dos dependentes, seja para a redistribuição sob forma de empréstimos a juros

privilegiados. Conforme o autor, havia lojas de artesãos, escolas de escribas e residências

sacerdotais, e o templo comportava amplos pátios para o acesso dos fiéis. Os templos Babilônicos

eram similares ao modelo de Uruk referido a seguir:

283 Ibidem, pp. 394-395.

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Figura 1 – O Templo de Uruk, na Babilônia. Gravura encontrada em Temple of Uruk. Disponível em:

<http://3.bp.blogspot.com/-0my3jc-jGm4/UbXtN8QeeQI/AAAAAAAAAKQ/NomxcQVV0oY/s1600/Tb.jpg>.

Acesso em: 24 mai. 2015.

Talvez os templos de Borsipa, Uruk e Nippur pudessem ter alguma diferença em seu

aspecto externo, mas todos eram enormes como o demonstrado na figura anterior. Em seguida, há

a planta de um dos templos Babilônicos:

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Figura 2 – Planta do Templo da divindade Enlil encontrado em Nippur, na Babilônia. Neste templo, que pode ser

considerado como um dos típicos encontrados na Babilônia, B representa o átrio exterior e A o átrio interior, a ser

ambos tidos como idênticos em tamanho e forma. A torre denominada Zigurate, também conhecida como “fase,

etapa ou estágio” (A, nº 1), encontra-se na parte dos fundos do átrio interior. Na seção mais estreita: representa-se a

câmara sagrada (ou faz alusão a ela), na qual se encontrava a imagem de Enlil. No átrio exterior: B1 representa um

dos santuários menores em relação aos demais, pois havia diversos na área sagrada para as divindades masculinas e

femininas associadas ao culto de Enlil e Ninlil. Gravura encontrada em Plan of the Temple of Enlil at Nippur.

Disponível em: <http://www.wisdomlib.org/uploads/images/tmp8030-1.jpg>. Acesso em: 24 mai. 2015.

Pelo motivo de os exilados terem conhecido um modelo de Templo religioso muito maior

na Babilônia, ao chegarem a Jerusalém, houve a ideia de transferir a grandeza dos Templos da

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Babilônia para o Templo pré-exílico, conforme Mario Liverani. Através desta análise, pode-se

dizer que Salomão como construtor do Templo foi uma criação Sacerdotal, ou seja, qualquer

referência que se faça ao Templo considerado original é Sacerdotal.

Pode-se até considerar que as histórias sobre as cortes da monarquia unida, do reino do

norte e do reino do sul sejam contemporâneas a Josias devido à reforma deuteronomista atribuída

a ele (Josias) que é considerada como uma revolução em todo o território de Judá com a intenção

da unificação do território de Israel, apesar de haver dificuldades fundadas na ausência de

registros extrabíblicos que confirmem tal reforma, e do fato de ser o período dos reis mais

malfalados nos livros dos Reis pelo motivo da sua submissão à Assíria, que foram os reis Acaz e

Manassés, mas que, conforme a arqueologia, foi um período mais próspero em Judá do que o

próprio período de Josias.

E mesmo as histórias da corte podem ser atribuídas ao período exílico para fazer menção ao

desejo do retorno da monarquia com base na corte babilônica, que é uma posição na qual

Finkelstein e Silberman não são simpatizantes. As narrativas bíblicas que fazem referência ao

Templo desde o Tabernáculo e a Arca da Aliança, a passar pela compra do terreno de Araúna por

Davi e da construção do Templo são todas de origem Sacerdotal.

A imagem do Templo e suas medidas foram transmitidas da seguinte forma, conforme as

figuras a seguir:

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Figura 3 – Fachada do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão. Gravura encontrada em Temple built by

Solomon. Disponível em:

<http://static.wixstatic.com/media/586fde_861baf655e624c73aa9791789c695bcd.jpg_srz_p_608_370_75_22_0.50_

1.20_0.00_jpg_srz>. Acesso em: 24 mai. 2015.

Esta fachada do Templo baseia-se nas conclusões encontradas na Bíblia conforme o relato

de 1 Reis 5,15 – 9,25. Trata-se de uma fachada e de um templo idealizado, fundamentado nas

estruturas localizadas em Jerusalém nas quais houve o templo como anexo do palácio do rei de

Judá e onde seria construído o “Segundo” Templo.

Toda e qualquer referência ou medida existente em 1 Reis 5,15 – 9,25 do “Templo de

Salomão”, na verdade, são originárias do Templo do pós-exílio, no qual foi construída uma

história legitimadora do referido Templo para o povo remanescente de Judá que estava sem

história e não tinha nada para se orgulhar, nem de suas origens, nem de seu povo.

Juntamente com o evento da “reconstrução” do Templo, os escribas, sacerdotes e redator

Sacerdotal precisaram realizar uma construção literária com a intenção, não apenas de legitimar o

Templo como objeto de controle, mas também, produzir orgulho e felicidade nos remanescentes

do povo de Judá do período do exílio da Babilônia.

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Figura 4 – O Templo de Uruk, na

<http://www.divinerevelations.info/tabernacle/solomon

Sobre a secção do Templo de Salomão referida acima, há um detalhe sobre a ideologia e a

ideocracia da glória do que os escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal denomina de “Primeiro

Templo” que é sobre o ouro que é encon

35, até os objetos de ouro encontrados em 1 Reis 7,48

A intenção dos escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal era contar ao povo que o Templo

que viria a ser construído no pós

era o mais poderoso, rico, sábio e conhecido de todos os tempos, e que teve condições de honrar

a casa de Yahweh com toda a sua riqueza. O período do reinado de Salomão, para os autores, foi

considerado um período de extrema prosperidade no qual o rei poderia agradar a Yahweh com o

maior luxo possível, de acordo com o que o rei poderia dar para Yahweh.

178

na Babilônia. Gravura encontrada em Solomon Temple.

http://www.divinerevelations.info/tabernacle/solomon-temple.png>. Acesso em: 24 mai. 2015

Sobre a secção do Templo de Salomão referida acima, há um detalhe sobre a ideologia e a

ideocracia da glória do que os escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal denomina de “Primeiro

Templo” que é sobre o ouro que é encontrado desde as paredes do templo conforme 1 Reis 6,20

35, até os objetos de ouro encontrados em 1 Reis 7,48-51 e 9,11-14.

A intenção dos escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal era contar ao povo que o Templo

que viria a ser construído no pós-exílio teve dias de glória em uma época na qual o rei Salomão

era o mais poderoso, rico, sábio e conhecido de todos os tempos, e que teve condições de honrar

a casa de Yahweh com toda a sua riqueza. O período do reinado de Salomão, para os autores, foi

período de extrema prosperidade no qual o rei poderia agradar a Yahweh com o

maior luxo possível, de acordo com o que o rei poderia dar para Yahweh.

. Disponível em:

4 mai. 2015.

Sobre a secção do Templo de Salomão referida acima, há um detalhe sobre a ideologia e a

ideocracia da glória do que os escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal denomina de “Primeiro

trado desde as paredes do templo conforme 1 Reis 6,20-

A intenção dos escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal era contar ao povo que o Templo

dias de glória em uma época na qual o rei Salomão

era o mais poderoso, rico, sábio e conhecido de todos os tempos, e que teve condições de honrar

a casa de Yahweh com toda a sua riqueza. O período do reinado de Salomão, para os autores, foi

período de extrema prosperidade no qual o rei poderia agradar a Yahweh com o

maior luxo possível, de acordo com o que o rei poderia dar para Yahweh.

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Figura 5 – Planta do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão. Gravura encontrada em Solomon Temple.

Disponível em: <http://www.christians-standing-with-israel.org/solomon-temple.jpg>. Acesso em: 24 mai. 2015.

A planta acima, conforme o estudado, foi inspirada nos Templos Babilônicos vistos pelos

exilados e conforme a planta referida anteriormente na Figura 2.

Tais construções, baseadas nos Templos Babilônicos das cidades de Borsipa, Nippur e

Uruk eram de fato grandes, mas não era o suficiente para fazer com que o povo fosse ao Templo.

Eles precisariam de algo mais para acreditar que o Templo era algo grandioso que os

remanescentes de Jerusalém durante o exílio pudessem se orgulhar, o que foi bem pensado pelos

escribas.

Além de estabelecerem que o Templo foi em algum passado algo grandioso, construído

pelo ouro que o rei Salomão ofereceu a Yahweh, também era a casa na qual Yahweh morava e

habitava.

O Templo pré-exílico em si, para os escribas, não era considerado o suficiente para

legitimar a sua história perante o povo. Dessa forma,a medidas do Templo pré-exílico (1 Reis

5,15-9,25) foram transmitidas para as do Tabernáculo (Êxodo 26), cuja edificação é atribuída à

figura epônima de Moisés como se apresenta na sequência:

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Figura 6 – Secção do Tabernáculo. Gravura encontrada em Tabernacle Cutaway. Disponível em:

<http://www.divinerevelations.info/tabernacle/tabernacle%20cutaway.jpg>. Acesso em: 24 mai. 2015.

Ao transferir as medidas do Templo para as do Tabernáculo, houve ao mesmo tempo a

idéia de transmitir a construção do Templo para a tradição mosaica. Atenta-se que o redator

sacerdotal se utilizou de três elementos para demonstrar a presença de Yahweh no meio do povo

apontada pela crítica literária como inserções textuais que são: o Tabernáculo (Êxodo, Levítico e

Números), a Arca da Aliança (Êxodo, Números, Deuteronômio, Josué, os livros de Samuel, e 1

Reis), e o Templo (Deuteronômio 23,17; 1 Samuel 1 – 3; 2 Samuel 22,7; e os livros de Reis). Há

pouquíssimas citações do Tabernáculo e da Arca da Aliança no livro dos Juízes, como se a

“presença de Yahweh” fosse considerada desprezível para o redator sacerdotal.

O que chama a atenção é no caso do Deuteronômio 23,17 em que os filhos e as filhas de

Israel não se prostituirão a serviço do Templo, mas não se sabe que forma de prostituição do

Templo, e nem que Templo se refere. Outra curiosidade que se aponta é a da história do profeta

Samuel quando criança encontrada em 1 Samuel 1 – 3, em que a mãe de Samuel, Ana, o deixa no

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Templo para ser criado; mas neste período não existia o Templo, mas no livro de Samuel consta

como Templo, e não como Tabernáculo, o que é uma diacronia. Há outra diacronia no salmo cuja

composição é atribuída ao rei Davi encontrada em 2 Samuel 22,7, em que Yahweh escutou o

grito de Davi de dentro do seu Templo; mas o Templo ainda não havia sido contruído.

Aparentemente, tratam-se de histórias que servem para legitimar o Templo que podem ter

duas origens: 1ª) Ou foram histórias do Templo realizadas antes da composição sacerdotal e

inseridas após a organização dos livros em uma tentativa de cronologizar os eventos; 2ª) Ou

foram histórias de origem popular que foram inseridas no momento da organização dos livros

devido a sua popularidade, como por exemplo se escuta no catolicismo popular que “Maria

rezava o terço”, e “João Batista rezava o Pai-Nosso quando estava preso na cadeia”, que são

contos diacrônicos que legitimam as rezas e orações católicas.

A princípio, há as histórias dos referidos objetos que legitimam a presença de Yahweh

inseridos primeiramente na tradição mosaica, de origem sacerdotal, que são dois:

1º) O Tabernáculo, “ancestral” construído do Templo monárquico do reino de Judá, que por

sua vez foi a primeira construção idealizada do templo pós-exílico criada pelos escribas.

2º) A Arca da Aliança, colocada na tradição mosaica como a forma material da prática de

guardar os mandamentos, pois os dez mandamentos eram, conforme a lenda sacerdotal,

guardados pelo povo em uma caixa ou baú, denominado Arca da Aliança. Ou seja, a Arca da

Aliança não passa de uma forma ilustrativa de como o povo guardava os mandamentos dados por

Yahweh para Moisés, que, na prática, deveriam guardar os mandamentos de Yahweh em seus

corações e em suas mentes.

Ambos são elementos anteriores ao Templo epônimo cuja edificação é atribuída ao rei

Salomão e estavam ligados a este último (o Templo), ao Tabernáculo como pré-Templo, e à Arca

da Aliança como símbolo da guarda e da proteção das leis de Yahweh que se encontrava tanto no

Tabernáculo quanto no Templo. O elemento principal antes do Templo era o Tabernáculo de

Êxodo até Números; de Deuteronômio até os livros de Reis, com a construção do Templo em 1

Reis 6, o elemento principal se torna a Arca da Aliança, que é elemento presente mesmo após a

construção do Templo, e desaparece na narrativa de 2 Reis com a destruição do Templo por volta

de 586 a.C. por Nabucodonosor (não há nenhuma alusão da referida arca na destruição do

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Templo). Percebe-se que o sacerdotal insere a Arca da Aliança como elemento de apoio do

Templo na narrativa de Reis.

Além dos referidos objetos, havia a necessidade de se estabelecer tradições que

legitimassem o Templo como a da origem do terreno do Templo encontrada em 2 Samuel 24, e

do monte no qual este se encontrava ter sido o local do sacrifício de Isaque de acordo com

Gênesis 22,1-19, e ambas as passagens da Bíblia tratam-se de episódios dramáticos.

De 2 Samuel 24, houve um recenseamento do povo no qual o rei Davi fez um

recenseamento indevido, e para pagar pelo seu erro, o profeta Gade deu três alternativas para

Davi, ou três anos de fome sobre a terra, ou três meses o rei Davi fugindo de seus inimigos, ou

uma peste de três dias sobre o povo, e Davi escolheu a peste, mas a peste de três dias era muito

mais grave do que o próprio Davi imaginava, pois o mensageiro responsável pela peste fez algo

tão grave que o próprio Yahweh se arrependeu, e quando o rei Davi viu o mensageiro da peste

próximo a eira de Areúna, pediu para que a peste caísse sobre ele, e o profeta Gade sugeriu a

Davi erguer um altar ali mesmo e fizesse sacrifícios para que a matança sobre o povo parasse.

Davi o faz e Areúna aparece, se prostra diante de Davi como seu servo e oferece o terreno ou eira

e dois bois para o sacrifício gratuitamente. Mas Davi quer comprar a eira e os bois a qualquer

custo, pois não quer fazer um sacrifício que não lhe custe nada. E assim foi feito, Areúna, o

jebuseu vendeu o terreno e os bois a Davi por cinquenta ciclos, construiu o altar e ofertou a

Yahweh os holocaustos, e Yahweh teve pena e fez a peste cessar.

Na passagem de Gênesis 22,1-19, conhecida pelo sacrifício de Isaque, há a crença referida

por Karen Armstrong284, segundo a qual o Templo judaico fora construído no local em que

Abraão atara Isaque para imolá-lo, o que dá uma anterioridade patriarcal ao Templo cuja

construção é atribuída ao rei Salomão. Para a autora, havia um motivo simbólico para tal

identificação, pois nessa ocasião, Yahweh deixava claro que seu culto devia incluir apenas o

sacrifício de animais, não de seres humanos – proibição a qual, de acordo com a pesquisadora,

não foi considerada universal no mundo antigo, e afirma que é bastante significativo que se date

o culto de Jerusalém no momento em que se descobriu que o caráter sagrado da humanidade não

admite o sacrifício de vidas humanas. Mediante esta interpretação, havia o conhecimento dos

escribas de que houve um dia no qual a humanidade apenas realizava sacrifícios humanos, e o

284 ARMSTRONG, K. op. cit., pp. 72-81.

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local onde foi construído o Templo abriga um marco no qual, pela primeira vez, os sacrifícios

não eram mais humanos, e sim de animais.

Conforme foi observado anteriormente, a ideia socialmente instituída do Templo

considerado como original constrói o passado e legitima o presente, pois para que o seu presente

seja reconhecido, neste caso, precisava-se de histórias que o legitimem. Quando os escribas

chegaram da Babilônia no território da Judeia, provavelmente viram uma estrutura de um edifício

sem história, pois o povo que permaneceu em Judá não tinha o conhecimento da função do que

sobrou do Templo que era anexo do palácio dos reis de Judá. Portanto, eles deveriam, durante a

“reconstrução” do Templo pós-exílico, ensinar ao povo que aquela estrutura que um dia iria se

tornar um Templo foi, no passado, o mais magnífico dos Templos.

A princípio, os escribas partiram das referências que eles possuíam dos Templos

Babilônicos das cidades de Borsipa, Nippur e Uruk que eram organizações bem complexas,

dotadas de um poder econômico e político relevante, com estruturas arquitetônicas imponentes.

Na construção do segundo Templo, há de se entender que houve uma tentativa de imitar os

Templos Babilônicos e colocar tal imitação como se fosse uma reconstrução do Templo pré-

exílico. Ou seja, para os de fora, era uma imitação, mas para os de dentro, era uma reconstrução.

Tal “reconstrução” deveria ser refletida nos escritos Sacerdotais, nos quais, conforme 1

Reis 5,15 – 9,25, um rei denominado Salomão foi responsável pela sua construção magnífica e

inigualável como ninguém mais foi e será, de acordo com o redator Sacerdotal. Mas neste meio

tempo, foram elaboradas histórias como as da infância de Samuel encontradas em 1 Samuel 1-3,

cuja narrativa afirma que ele foi criado dentro do Templo antes de o Templo existir, e a passagem

de 2 Samuel 22,7, em que Yahweh escutou o grito de Davi de dentro do seu Templo, antes da

existência da obra construída por Salomão, que são duas passagens que foram inseridas nos

textos com o intuito de não ferir a cronologia, porém com o Templo como elemento diacrônico

em seu texto.

Havia, porém, a necessidade de registrar a ancestralidade do Templo no deserto, através da

figura epônima elaborada pelos redatores Sacerdotais chamada Moisés através do Tabernáculo de

acordo com Êxodo 26, cujas medidas são idênticas às do Templo cuja construção é atribuída ao

rei Salomão. O Tabernáculo era uma espécie de pré-Templo elaborado pelo redator Sacerdotal

com o sentido de reivindicar as práticas rituais como originárias desde o deserto, antes da entrada

epônima dos hebreus em Canaã (pois hoje já se sabe que os hebreus nunca saíram de Canaã, e

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são cananeus). Para o Sacerdotal, as práticas rituais já eram anteriores ao Templo, e eram

realizadas no Tabernáculo desde a época de Moisés até antes da construção do Templo de

Salomão.

Não se deve esquecer a Arca da Aliança, que foi um elemento de autoria Sacerdotal que é

referida em Êxodo, Números, Deuteronômio, Josué, os livros de Samuel e 1 Reis. No livro dos

Juízes não há nenhuma presença da Arca da Aliança, a não ser uma encontrada em Juízes 20,27

na qual o redator sacerdotal apenas afirma o que não reforçou no livro inteiro, que a Arca da

Aliança e Fineias, filho de Arão, estavam ali naqueles dias, sem grandes histórias em torno da

Arca. Conforme os estudos feitos durante esta pesquisa, a Arca da Aliança foi uma ideia do

redator Sacerdotal que partiu dos próprios escritos do Deuteronômio, livro no qual o termo

“guardem os mandamentos de Yahweh” repete-se quarenta e duas vezes. Então, o escritor

Sacerdotal, mediante as ideias de hegemonia dos escribas como intérpretes, colocou Yahweh

como o primeiro escriba ao entregar o Decálogo a Moisés em tábuas de pedra.

Percebe-se que, como a confecção das tábuas de pedra do decálogo foi uma espécie de

ilustração física e material dos mandamentos de Yahweh, da mesma forma necessitava de uma

ilustração física e material de como eles seriam guardados, e a melhor ideia que o escritor

sacerdotal teve foi a de criar uma Arca da Aliança para guardar os mandamentos de Yahweh, que

foram guardados dentro do Tabernáculo, conforme a apresentação Sacerdotal desde antes da

entrada na terra prometida, e precisaria, com o decorrer do tempo, ficar guardada dentro do

Templo pré-exílico como o objeto mais sagrado que o povo de Israel tinha, e tal templo seria a

morada de Yahweh. Entretanto, após a destruição do “Primeiro Templo” – que, de acordo com as

pesquisas, se trata de uma capela anexa ao palácio – por volta de 586 a.C. pelos babilônios, a

Arca da Aliança some da narrativa da Bíblia. Dessa forma, o redator sacerdotal faz do elemento

Arca da Aliança um vínculo entre o Tabernáculo e o Templo pré-exílico.

Para concluir a elaboração da imagem, o redator Sacerdotal necessitou legitimar a

construção do Templo sobre a elaboração de uma história que pode ser localizada em 2 Samuel

24 pela compra do terreno de Areúna por Davi em circunstâncias extremas nas quais o rei, por

arrependimento, deveria fazer um sacrifício que lhe custasse algo devido à escolha da peste por

três dias que fez seu povo morrer. Tal terreno era onde o Templo seria construído, e foi comprado

por Davi, fundador da casa que leva o seu nome. O sacrifício com esforço mediante prejuízo e

morte de seu povo dá um significado profundo ao holocausto realizado no Templo, pois Davi o

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fez para salvar o povo e era um sinal de profundo arrependimento, mediante às desgraças

causadas por aquele que oferece animais para a libação.

Além disso, a crença na qual o episódio de Gênesis 22,1-19, do sacrifício de Isaque, que

remete ao período patriarcal, indica que o monte no qual houve a construção do Templo foi o

mesmo local onde houve o sacrifício de Isaque, como símbolo do primeiro local conhecido como

marco em que houve o primeiro sacrifício de animais ao invés do sacrifício de seres humanos, ou

do próprio filho, pois na história, quem pede o filho para ser sacrificado é Elohim, e quem

substitui Isaque por um animal é Yahweh.

Desta forma, verifica-se que houve a junção de todos estes elementos para se formar a

imagem do Templo como o objeto mais sagrado de Jerusalém, pois a ideia socialmente instituída

do Templo considerado como original constrói o passado e legitima o presente. Ou seja, todas

estas ideias construíram um passado do Templo para legitimar o presente, como uma retrojeção

construída pelo redator Sacerdotal.

Nesse contexto, deveria haver uma nova leitura sobre Yahweh, que, de acordo com Eckart

Otto, teve inspiração na figura de Ahuramazda, maior divindade persa, o que faz certo sentido,

pois os exilados tiveram contato também com os persas, além dos babilônios. Conforme o já

referido, após o retorno do exílio, por volta do ano 538 a.C., os sacerdotes, como novo grupo de

poder, para organizar ideologicamente a centralização de Jerusalém e do Templo, criaram um

novo discurso para a manutenção de seu status quo, bastante espelhado na cultura persa, pois

para o redator Sacerdotal, Yahweh era tão criador do Universo quanto Ahuramazda era para o

Império Persa, e Yahweh, além de criador do mundo, morava no Templo desde a época em que

este era uma tenda em Êxodo 40, antes da entrada do povo de Moisés em Canaã.

A função do redator Sacerdotal, por ele pertencer à classe dos Sacerdotes e dos Escribas,

além de criar imagens, era legitimar o seu poder. Inclusive, a tribo de Levi, que foi a única tribo

que não tinha território, foi uma criação sacerdotal, pois Moisés era o escriba principal em sua

época, e todos os sacerdotes deveriam ser descendentes de seu irmão mais velho Arão. De acordo

com o que se conhece, todas as tribos existentes em Israel e Judá possuíam territórios. A tribo de

Levi foi criada para legitimar os Sacerdotes, que pertenciam à sua tribo, que se origina no

deserto, com Moisés e Arão.

Dessa forma, a organização de culto era a atividade principal do Templo pós-exílico, por

ser realizada pelos sacerdotes, necessitaria de reivindicar a sua ancestralidade como algo

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realizado desde a época mosaica, nas dependências do Tabernáculo, que era uma espécie de pré-

templo, pelos levitas, algo que perdurou até o pós-exílio conforme o redator Sacerdotal, com

exceção do longo período em que o povo de Judá permaneceu cativo na Babilônia até o seu

retorno para o território da Judeia.

6. A Função do Imaginário do Primeiro Templo

Neste item será aprofundada a função do imaginário do Templo considerado como o

original. Mas qual o significado da palavra “imaginário”? De acordo com o dicionário Aurélio285,

imaginário é aquilo que só existe na imaginação, ou que apenas a imaginação pode alcançar.

Como conceito, é o mais próximo do tema do Templo pré-exílico, que apenas pode existir no

mundo da imaginação, pois a arqueologia afirma-o como inexistente.

Há outra definição no dicionário Aurélio que pode ser aplicada nesta pesquisa, segundo a

qual “imaginário” significa fabricante de imagens, ou aquele que faz ou manufatura imagens,

pois a literatura, seja ela deuteronomista, cronista ou sacerdotal, é uma imagem, porém, se

partirmos desta premissa, o imaginário poderia ser o redator da literatura bíblica, que produziu

imagens através de sua obra.

O Dicionário Básico de Filosofia, cuja autoria é de Japiassú e Marcondes286, indica que a

palavra “imaginário” vem do latim imaginarius, que em uma primeira definição, existe apenas

como produto da imaginação, que não possui existência real. Os autores exemplificam o centauro

da mitologia grega como um ser imaginário, oposto a real. Perante esta definição, o Templo pré-

exílico é um objeto imaginário, que existe apenas como produto da imaginação e não tem

existência real, pura e simplesmente. Em uma segunda definição, em um sentido mais específico,

conforme os estudiosos, é o conjunto de representações, crenças, desejos, sentimentos, através

dos quais um indivíduo ou grupo de indivíduos percebe a realidade e a si mesmo. Nesta

definição, pode-se abranger no imaginário não apenas o Templo de Judá monárquico, mas outros

elementos que serão abordados na sequência mais detalhadamente, como, por exemplo, o orgulho

285 FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª ed. Curitiba: Positivo, 2004. 286 JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 101.

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pelo Templo, por ele fazer parte da identidade de um povo e de sua história e de possuir um

Templo que foi estabelecido por vontade de Yahweh.

Japiassú e Marcondes apresentam definições mais voltadas para a filosofia, como a

apresentada pela fenomenologia existencialista de Jean Paul Sartre, que considera o imaginário

ou “ato de imaginar” como a capacidade que tem a consciência de “reduzir ao nada” o real, de

desligar-se da plenitude do dado e de romper com o mundo. Para esta definição, apresentada por

Sartre através de Japiassú e Marcondes, ao se transformar o real no nada, desligar-se de plenitude

do dado e romper com o mundo, desconsidera-se o factual e vive-se apenas no mundo da

imaginação. Mas tal definição não justifica o sentido que se dá ao construir a identidade que um

povo perdeu durante um bom tempo, como ocorre com o povo do Judá pós-exílico, que precisou

de uma identidade nova, construída pelos escribas que retornaram do exílio, para se manter como

povo.

Os pesquisadores apontam a originalidade da psicanálise freudiana, que consiste em fundar

a solidariedade do desejo e do imaginário. Há o exemplo da criança que, em situação de

impotência, tem a necessidade de outrem para satisfazer suas necessidades: “deseja”, então, o

retorno de uma presença benéfica (geralmente a da mãe) e alucina o objeto perdido que dá

satisfação a fim de reatualizar a presença, e aí é que se dá o imaginário. Para os autores, quando

Freud define o sonho como “realização do desejo”, mostra que o desejo atualiza, em uma cena

que vive no presente, aquilo que corresponde a sua exigência. Portanto, concluem Japiassú e

Marcondes que, a partir dessa análise, se deve compreender toda a criação imaginária: o desejo

que preenche uma ausência é sempre o desejo do outro (como Hegel, conforme os estudiosos,

definia o desejo do homem como “desejo do desejo do outro”).

Há a possibilidade de se fundamentar o desejo do povo de Judá no pós-exílio por meio da

análise do imaginário em Freud pelo desejo, pois como os persas tinham Ahuramazda como a

divindade criadora de todas as coisas e que vivia no Templo principal de Persépolis, os escribas,

sacerdotes e o redator sacerdotal primeiramente tiveram o desejo de terem isso em seu povo, ao

imitar os aspectos dos persas. Dessa forma, o desejo que os escribas do Judá pós-exílico tinham

era o mesmo dos persas que estava a se realizar. O trabalho que os exilados intelectuais teriam

era de transmitir o seu desejo para um povo que estava devastado por anos pela destruição de

Nabucodonosor por volta de 586 a.C. e que precisava de uma nova razão de existência como

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povo. A partir da teoria freudiana, existe sentido, mas há a necessidade de desenvolver a

motivação e a razão de um povo que precisaria se orgulhar de sua existência na humanidade.

No presente trabalho será utilizada a literatura como imagem e o imaginário como algo que

só existe na imaginação, ou que apenas a imaginação pode alcançar concretude. Contudo,

percebe-se que o imaginário, no caso do Templo monárquico do reino de Judá, é resultado tanto

de quem produziu a literatura sobre o referido (Templo), como da sociedade que acatou tal

literatura em prol da manutenção da sua identidade. Mesmo os escribas possuíam ciência da sua

importância em ensinar o povo, que necessitava de instrução para sobreviver socialmente e

culturalmente.

Conforme Castoriadis287, o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão se torna a

imagem de um povo, do “nós”, pois representa o tesouro e o orgulho de uma coletividade que é

definida pelos outros em relação a um “nós”, ao representar um ‘nome’. Tal nome designa

compreensão, objeto, qualidade ou propriedade. No caso o Templo pré-exílico como imagem e

nome, é algo que dá sentido à existência do povo que morava em Jerusalém na época do pós-

exílio, pois legitima a existência de seu maior símbolo, o Templo, como algo que sempre fez

parte da vida de seu povo, como propriedade, e de maior importância.

Para Castoriadis, tal imagem, representada por um ‘nome’, não se limitou em denotar as

coletividades históricas apenas, mas ao mesmo tempo as conotou, e tal conotação se liga a um

significado que não pode ser real, nem racional, mas imaginário, independente de seu conteúdo

específico e de sua natureza particular. Ou seja, na imagem representada por um ‘nome’, as

coletividades históricas não se encontram apenas em seu sentido literal, mas também no seu

sentido figurado, o qual se liga a um significado que não pode ser real, nem racional, mas

imaginário.

Aqui se percebe que há a dialética de duas literalidades: a literalidade da Bíblia (conotativa)

e a literalidade das coletividades históricas (denotativa). Ao se trabalhar com a literalidade das

coletividades históricas, a arqueologia levantada por Finkelstein e Silberman e a crítica literária

demonstrada por Mario Liverani buscam algo absoluto, considerado literal, ao retirarem a

literalidade dos relatos bíblicos ao ponto de anulá-la e ao trazerem tal literalidade para a

arqueologia e para a crítica literária. Em suma, o próprio nihilismo da literalidade bíblica

transporta tal literalidade para os instrumentais acadêmicos da arqueologia e da crítica literária. Já

287 CASTORIADIS, C. op. cit., p. 178.

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a literalidade bíblica é produto dos escribas, conforme Eckart Otto, que possuem a função social

de instruírem o povo, principalmente através das narrativas bíblicas, ao perpetrarem a “glória” de

um grande Templo ao seu povo. Templo que, na realidade física, real e acadêmica, jamais existiu,

mas que no imaginário dos que o circulavam foi uma realidade.

Segundo os conhecimentos de Castoriadis288, as significações imaginárias sociais – pelo

menos as que são consideradas verdadeiramente últimas e definitivas – não denotam nada, e

conotam mais ou menos tudo; e é por este motivo que tais significações são tão frequentemente

confundidas com seus símbolos, não somente pelos povos que as utilizam, mas pelos cientistas

que as analisam e chegam a considerar que seus significantes se significam por si mesmos (uma

vez que não remetem a nenhum real, nenhum racional que se pudesse designar), e atribuir a esses

significantes como tais, ao simbolismo tomado em si mesmo, um papel e uma eficácia

infinitamente superior às que certamente possuem.

Deve-se interpretar que nas verdades definitivamente últimas, como no caso do Templo

considerado como original estudado nesta pesquisa, tais significações consideradas as últimas e

definitivas não estão em seu sentido literal, mas se encontram mais ou menos em seu sentido

figurado, e esse sentido figurado torna-se a verdade absoluta das coisas, e o literal, que seria o

factual, aquilo que não foi produzido pelos escribas não é colocado, nem apresentado para o

povo, pois os escribas deveriam ensinar para o povo lições que lhes dessem sentido identitário de

vida.

Conforme o afirmado anteriormente, tal conotação ou figuração se liga a um significado

que não pode ser real, nem racional, mas imaginário, independente de seu conteúdo específico e

de sua natureza particular, e a este significado, atribui-se um papel e uma eficácia infinitamente

superior às que certamente possuem. E o nome “Templo” é designado como compreensão,

objeto, qualidade ou propriedade.

Castoriadis aponta vários níveis e aponta o imaginário radical superior ao imaginário social,

mas percebe-se que, com relação ao Templo monárquico do reino de Judá, tanto o imaginário

social quanto o imaginário radical podem ser utilizados. O imaginário radical ocorre na e pela

posição-criação de figuras como presentificação de sentido e de sentido como sempre foi

figurado-representado.

288 Ibidem, p. 173.

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Nota-se que o imaginário radical, no final das contas, torna-se uma adequação do

imaginário social como sua consequência, na qual houve a crença na verdade do imaginário

instituído pela sociedade ao ponto de se tornar absoluta e de todos afirmarem que as coisas

sempre foram assim.

Segundo o caso do Templo, houve um dia em um passado remoto em que a sua construção

foi gloriosa, assim como o seu semblante, o que dá orgulho para o povo como seu objeto mais

importante (qualidade e propriedade). A literatura sobre o Templo produzida pelos escribas

trouxe uma identidade ao povo ao torná-lo a imagem mais importante para os judeus. Portanto,

uma das funções sociais principais da literatura produzida pelos escribas foi à manutenção da

identidade do povo, e a crença na existência do Templo cuja construção é atribuída ao rei

Salomão faz parte de sua identidade, ao ponto de o indivíduo pertencente à religião judaico-cristã

possuir tal crença como sua característica indissociável e inalienável.

A questão da identidade é abordada em diversos dos autores trabalhados neste trabalho,

assim como Finkelstein e Silberman, ao afirmarem que a escrita faz parte do aspecto identitário

de um povo ao fazerem referência ao período de Davi e de Salomão, o qual, segundo a

arqueologia, não havia condições identitárias e produção literária para afirmar Jerusalém e o seu

Templo considerado como original como grande centro do reino unido de Israel e de Judá, e,

desta forma, a composição identitária por meio da produção literária se dá em dois momentos

principais da história de Judá: primeiro como identidade israelita-judaíta após o cativeiro do reino

do norte em aproximadamente 722 a.C.; segundo no período pós-exílico, por volta de 539 a.C.,

com o édito de Ciro.

Em ambos os contextos, o povo precisaria sentir orgulho do Templo monárquico do reino

de Judá, por ser uma grande obra realizada pelo seu povo, tanto que em outro contexto mais

tardio, na redação do Cronista datada por volta do ano 300 a.C., período do começo da era

helenística, bem posterior à redação do Deuteronomista, traz uma visão bem mais positiva do rei

Salomão como grande construtor do Templo considerado como original, sem entrar nos méritos

ou desméritos de seu afastamento de Yahweh, o que no contexto helenístico daria muito mais

orgulho ao povo do que nos contextos de aproximadamente 722 a.C. e 539 a.C.

Há uma passagem em 1 Reis 6,11-14 que afirma o seguinte:

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11. Então veio a palavra do Senhor a Salomão, dizendo: 12 Quanto a esta casa que tu

edificas, se andares nos meus estatutos, e fizeres os meus juízos, e guardares todos os

meus mandamentos, andando neles, confirmarei para contigo a minha palavra, a qual

falei a Davi, teu pai; 13 E habitarei no meio dos filhos de Israel, e não desampararei o

meu povo de Israel. 14 Assim edificou Salomão aquela casa, e a acabou.289

Nesta passagem, Yahweh reconhece a devoção de Salomão através da construção do

Templo tido como o primeiro e, devido a isso, promete a confirmação da linhagem através da

descendência de Salomão, e estar no meio dos filhos de Israel e jamais desampará-los. A

construção do Templo monárquico do reino de Judá refletiu uma promessa para Salomão e para o

povo de Israel. Tal passagem foi válida no período da reforma josiânica, por volta do ano 622

a.C., mas não poderia ser plenamente válida por volta do ano de 539 a.C., pois Judá não era mais

um reino, mas sim uma província do Império Persa, e apenas restou para Yahweh, devido à

promessa feita no final da construção do Templo que é considerado obra do rei Salomão, habitar

no meio dos filhos de Israel e jamais abandoná-los. Conforme o imaginário, por mais glorioso

que o Templo pré-exílico possa ter sido, apenas resta a devoção do povo a Yahweh e ao Templo

construído por Salomão em sua homenagem (de Yahweh). E tal fator é considerado fato

inquestionável para o remanescente do cativeiro da Babilônia.

Mario Liverani traz as motivações que estão por detrás dos escritos bíblicos ao afirmar que

outros povos também possuíam os mesmos métodos para de alguma forma manipular o povo a

crer no seu poder, pois quem tinha o poder da escrita, tinha o poder de fazer os outros

acreditarem naquilo que eles bem entendessem. Além disso, a produção literária é da mesma

forma responsável pela manutenção da identidade de um povo, algo apresentado por Eckart Otto,

ao se referir à consciência da responsabilidade dos escribas de ensinarem o seu povo, que

precisava de alguma forma de ensino, e o Templo tido como original foi uma parcela da sua

instrução.

Ao se fazer o confronto do método histórico-crítico mediado pela arqueologia com o estudo

socioantropológico do imaginário na questão do Templo pré-exílico, atenta-se que o estudo

bíblico contemporâneo, conhecido como método histórico-crítico, foi resultado de um intenso

questionamento originário do iluminismo do século XVII tardio que desembocou no

289 Bíblia Almeida Corrigida Revisada e Fiel. Sociedade Bíblica do Brasil, 1994.

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protestantismo liberal pelo motivo de a crença cristã ter se sustentado durante aproximadamente

mil e quinhentos anos, sem o mínimo questionamento. Na atualidade, tal questionamento é feito

por meio da crítica literária comparativa apresentada por Liverani e por meio da arqueologia

apresentada por Finkelstein e Silberman, e por autores de raciocínio similar que seguem tal linha

de raciocínio, pois sem Mario Liverani e Finkelstein-Silberman não se dá nenhum passo a diante

no desenvolvimento acadêmico dos estudos bíblicos.

Contudo, há a construção da identidade judaico-cristã através do imaginário do Templo

monárquico do reino de Judá, cujo acesso se tem através da literatura bíblica criada e elaborada

pelos escribas originalmente, e utilizada pelo judaísmo e cristianismo para legitimá-los não

apenas como religião, mas também os seus devotos. Deve-se lembrar de que no caso do Templo

cuja construção é atribuída ao rei Salomão, não adiantaria nada os escribas inventarem histórias

para ninguém; eles precisariam do povo para transmitir as referidas, e mesmo, conforme Eckart

Otto, a intenção dos escribas era justamente ensinar o povo, e o ensino da existência da

construção do Templo pré-exílico era parte da instrução.

Segundo o afirmado anteriormente, os escribas, em sua função social de ensinar o povo,

criaram imagens através de sua literatura, pois em seu contexto, ensinariam a uma geração que

não possuía memória alguma de como deveria ser o Templo no período pré-exílico, e deveriam

produzir tais memórias, da mesma forma denominadas imagens, na intenção de criar a identidade

do povo judeu.

E as referidas memórias e imagens são designadas como compreensão, objeto, qualidade ou

propriedade. No caso o Templo considerado como original como imagem e nome, é algo que dá

sentido à existência do povo que morava em Jerusalém na época do pós-exílio, pois legitima a

existência de seu maior símbolo, o Templo, como algo que sempre fez parte da vida de seu povo,

como propriedade, e de maior importância.

Atenta-se que no contexto do pós-exílio as imagens criadas pelos escribas por meio da

literatura, produziram, principalmente relacionadas ao Templo pré-exílico, algo que deu sentido a

existência de seu povo conforme o afirmado anteriormente, e se encontra principalmente em seu

sentido figurado, o qual se liga a um significado que não pode ser real, nem racional, mas

imaginário.

Ao se interpretar o afirmado acima, o acadêmico compreende que as imagens produzidas

pelos escribas por meio da literatura não são consideradas reais, nem racionais, mas sim

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imaginárias, ou seja, apenas existem na imaginação, e/ou somente a imaginação pode alcançar-

lhes. Pois os fatos, mediante a arqueologia e a crítica literária não sustentam a produção das

imagens realizada pelos escribas.

Todavia, há a manutenção da identidade de um povo e das religiões judaico-cristãs através

do imaginário, pois no raciocínio daquele que lê a Bíblia e as suas passagens sobre o Templo

monárquico do reino de Judá, as Escrituras Sagradas são a Palavra de Deus incontestável e não

há mentira nelas, e tudo o que se encontra na Bíblia é verdade, mesmo sem serem fatos

históricos. Dessa forma, para o que lê, o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão de

fato existiu.

Deve-se lembrar de que a nossa cultura ocidental é quase que absolutamente cristã e

fundamentada nas tradições católica e protestante, e por questão identitária, mesmo que haja um

estudioso profundo da análise bíblica pelo método crítico-literário, ele cai na identidade cristã a

que ele pertence, pois o catolicismo e o protestantismo ainda fazem parte de sua realidade

cotidiana, mesmo que não haja a sua frequência na igreja. Portanto, a questão identitária, produto

da imagem literária é bastante forte na nossa sociedade ocidental.

O Templo pré-exílico, conforme o método histórico-crítico mediado pela arqueologia e pela

crítica literária não existiu conforme a literatura bíblica, devido às suas dimensões serem

extremamente gigantescas para o seu contexto, que foram dimensões criadas no Período Persa

pelo redator Sacerdotal. Contudo, o Templo monárquico do reino de Judá, conforme o estudo

socioantropológico do imaginário, existiu, pois fez parte da identidade de um povo no período

pós-exílico, e faz parte das religiões judaico-cristãs nos dias de hoje. O Templo cuja construção é

atribuída ao rei Salomão faz parte da crença das religiões judaico-cristãs e é impossível dissociar

a existência do Templo considerado como o primeiro do judaísmo e do cristianismo de uma

forma geral. Consequentemente, a existência do Templo tido como original é imprescindível e

primordial para a manutenção das religiões judaico-cristãs, pois sem tal símbolo ou imagem

(como diversos), as referidas religiões perdem o seu sustentáculo.

O método histórico-crítico dos estudos bíblicos está reservado apenas para a academia, a

qual não se podem admitir crenças sem fundamento algum, e a academia busca os fundamentos

para transmitirem e declararem determinadas afirmações. O que estiver no âmbito da literatura

bíblica, os estudiosos acadêmicos do método histórico-crítico estudarão além do satisfatório na

intenção de buscarem a sua veracidade, e, consequentemente, torná-la conhecida.

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Ao passo que o religioso judeu-cristão, no estudo socioantropológico imaginário, depende

da existência de imagens como a do Templo pré-exílico para manterem a sua identidade, pois,

caso contrário, eles não poderão ser considerados adeptos do cristianismo e/ou do judaísmo.

Por serem duas dialéticas distintas, percebe-se a possibilidade da conciliação do religioso e

ensinador do método histórico-crítico bíblico desde que ele ocupe cargo de responsabilidade em

uma igreja, por exemplo, pois existem padres teólogos que se consideram ateus e celebram a missa

para aqueles que acreditam no catolicismo, e se tornaram ateus graças aos estudos teológicos e

filosóficos. E mesmo pastores que lecionam o método histórico-crítico bíblico, pregam

diferentemente em suas respectivas igrejas protestantes.

O método histórico-crítico não serve para aqueles que acreditam cegamente na inspiração

divina das Escrituras, que não saem do banco de suas igrejas, pois sobre muitas coisas que são

afirmadas para eles oriundas do método histórico-crítico, eles vão falar: que é a opinião de quem

afirma, como se acadêmicos com títulos de mestre e doutor fossem ensinar a opinião deles na

academia, sem considerar que o método histórico-crítico tem pelo menos trezentos anos de

estudo e é área formalizada pela academia; que é blasfêmia contra o Espírito Santo afirmar tais

coisas e vão considerar como loucura acreditar no método histórico-crítico, sem ponderar que

loucura é levar passagens da literatura bíblica fantásticas (no sentido de fantasia) e fabulosas (no

sentido de fábula) como se fossem fatos históricos.

Conclui-se que a conciliação apenas vale para os de alta patente na religião, e não para os

simples membros da igreja, que se demonstram tão dependentes da religião que ao ouvirem os

ensinamentos do método histórico-crítico pensam que vão perder a fé na sua religião.

Isso sem contar que o conhecedor do método histórico-crítico não pode chegar a uma igreja

e falar para os membros sobre o que ele sabe, pois pode acabar com o status quo da referida

instituição eclesiástica e os pastores mal-instruídos, com medo de perderem a membresia de sua

igreja, vão amaldiçoar o referido conhecedor ao ponto de falar que ele está a perverter as ovelhas

de seu rebanho.

Até onde se conhece, a conciliação entre o religioso e o ensinador do método histórico-

crítico bíblico só se dá nos estudiosos de alta patente, e de preferência ou do catolicismo ou das

denominações protestantes tradicionais, pois se for estudioso e pregar em uma neopentecostal,

não será honesto e nem terá condições de ser honesto.

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Assim, o método histórico-crítico bíblico tem o seu lugar na academia e o imaginário

socioantropológico tem o seu lugar no templo religioso judaico-cristão, sem se misturarem, pelo

fato de serem duas dialéticas distintas e apresentarem duas coisas completamente diferentes,

porém complementares. A arqueologia é de suma importância para os estudos bíblicos e para o

método histórico-crítico, pois durante muito tempo, mesmo os estudos bíblicos de Julius

Wellhausen tinham os relatos bíblicos como fatos históricos, e era um contexto no qual não se

havia nenhum questionamento perante a “historicidade factual” da Bíblia. Nos dias de hoje, o

método histórico-crítico é completamente dependente e imbricado na arquelogia para se obter a

confirmação de fatos históricos encontrados na Bíblia.

A antropologia nos Estudos Bíblicos possui o seu lugar na medida de como o povo do Judá

pós-exílico recebeu todas aquelas criações e legitimações oriundas dos Escribas, Sacerdotes e

redator Sacerdotal. Há um motivo na questão da literatura na formação de uma identidade, o que

ocorreu não apenas no período pós-exílico, como também ocorre nos dias de hoje dentro do

imaginário judaico-cristão, independente de todas as suas vertentes. Tais legitimações oriundas

do imaginário social, mesmo por elas não serem fatos históricos, de alguma forma, tocam na vida

das pessoas, em sua identidade, tanto do judeu do período pós-exílico, como nos dias de hoje do

religioso judaico-cristão. Por detrás da redação bíblica, houve uma motivação que teve o intuito

de criar a identidade em um povo que a havia perdido, que criou o seu imaginário, fundamentado

em sua identidade e no seu orgulho de possuir um Templo em Jerusalém que era a casa e a

vontade de Yahweh desde antes do mito da entrada dos hebreus na terra de Canaã. Portanto,

deve-se levar em consideração o contexto e a motivação que levaram aquela elite de Escribas,

Sacerdotes e redator Sacerdotal a construir a imagem e o imaginário do Templo.

Durante muito tempo, houve a crença no meio dos estudos materiais e científicos na

narrativa da Bíblia, que era considerada como fato histórico. Para retirar a sua crença, a crítica

literária e a literatura comparada se tornaram instrumentos de grande valia para os estudos

bíblicos. Tais estudos, porém, não foram suficientes para tirar tal crença de todo. Em seguida,

surge o instrumento da arqueologia, por ser um estudo investigativo e material, possui plenas

condições de negar os relatos bíblicos como fatos históricos. Consequentemente, os estudos

bíblicos tornam-se dependentes da arqueologia para confirmarem qualquer coisa encontrada na

Bíblia. Caso não haja as fontes extrabíblicas, não se confirma nada.

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Sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, apesar de não ter existido de

acordo com a crítica literária e os achados arqueológicos, ele existiu para o imaginário do judeu

pós-exílico como produto da literatura produzida pelos escribas, e ainda existe para o religioso

judeu-cristão graças à legitimação de suas respectivas religiões.

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Conclusão

Todo o trabalho fundamenta-se na discussão entre o método histórico-crítico e o imaginário

socioantropológico relacionado ao Templo pré-exílico. A princípio, foi trabalhada a questão

Deuteronomista, por ser considerada a fonte mais antiga e abranger os livros de Deuteronômio,

Josué, Juízes, os livros de Samuel e os livros dos Reis, e o Templo pré-exílico encontra-se nesta

fonte (1 Reis 5,15 – 9,25). Contudo, percebeu-se uma dificuldade em atribuir toda a literatura

Deuteronomista exclusivamente ao período da reforma de Josias, apesar de teoricamente haver

plenas condições para o seu desenvolvimento devido à morte do rei da Assíria Assurbanípal por

volta de 627 a.C., e ao desejo de assumir os remanescentes do reino do Norte destruído em

aproximadamente 722 a.C.; além disso, não há fontes extrabíblicas que sustentem tal relato.

Dessa forma, a questão do Templo é mais bem fundamentada no período pós-exílico, no

qual um novo grupo de poder, os sacerdotes, para organizar ideologicamente a centralização de

Jerusalém e do Templo, criaram um novo discurso para a manutenção de seu status quo. Desta

forma, como era o período da “reconstrução” do Templo, os sacerdotes, os escribas e o redator

Sacerdotal deveriam elaborar uma literatura a legitimar toda a ancestralidade do Templo para dar

orgulho ao seu povo que não possuía mais identidade. Consequentemente, houve diversas

inserções Sacerdotais na literatura Deuteronomista relacionadas ao Templo, assim como da Arca

da Aliança, cuja autoria é atribuída a Moisés como o símbolo material da guarda dos

mandamentos e que sempre se encontrava dentro do Templo pré-exílico.

Em seguida, analisou-se o senso crítico sobre o Templo considerado como original diante

do senso comum. O senso comum possui as leituras religiosas que são a fundamentalista, a

conservadora e a devocional, que não possuem questionamento científico algum, nem com

relação ao Templo, tampouco quanto aos demais episódios que fogem da realidade corrente.

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Diante dessas leituras do senso comum, há as leituras do senso crítico, cujos autores trabalhados

foram Mario Liverani e Finkelstein com Silberman. Mario Liverani obtém as suas respostas a

partir da literatura comparada, ao passo que Finkelstein e Silberman as tiram da arqueologia. As

leituras do senso comum ou religiosas estão no âmbito do imaginário social trabalhado no

presente estudo, que chega a transcender outras culturas por meio da religião cristã, independente

de suas vertentes.

O que é mais familiar ao povo brasileiro e ao ocidente é o cristianismo em todas as suas

vertentes, e as leituras do senso comum são praticamente conhecidas por todos os brasileiros e

ocidentais, mesmo que eles não tenham lido a Bíblia, pois de alguma forma ouviram as suas

histórias fabulosas (no sentido de fábula) e fantásticas (no sentido de fantasia). Portanto, ao se

tocar nas leituras de senso comum oriundas do meio cristão, não há tanta necessidade de explaná-

las, visto que, no caso do Brasil, as missões católicas e protestantes já fizeram o seu trabalho em

divulgar o cristianismo que chega hoje aos ouvidos de todos, independentemente do

conhecimento que se tem da Bíblia, a chegar ao ponto de dependentes químicos brigarem com

você quando se afirma que Jesus nunca andou sobre a água. Os estudos do Templo pré-exílico

voltados ao senso crítico vão apontar para indicações materiais, e não para as construções

imaginárias sociais fundadas pelos escribas sacerdotais e pelo redator Sacerdotal, e reproduzidas

pelas religiões judaico-cristãs contemporâneas.

Para a análise do senso crítico, os autores trabalhados foram Finkelstein e Silberman e

Mario Liverani. Finkelstein e Silberman, conforme a academia, defendem uma posição bem

distinta daquela de Mario Liverani que é denominada ultraminimalista. Finkelstein e Silberman

defendem que a composição da Bíblia começou por volta dos séculos VIII e VII a.C., ao passo

que a posição ultraminimalista atribuída a Mario Liverani coloca a composição da Bíblia após o

retorno do exílio da Babilônia durante os períodos persa e grego. Entretanto, e conforme o

afirmado anteriormente, não se pode levar ambas as posições como se fosse torcer para algum

time de futebol (apesar de tais discussões servirem apenas para a massa de manobra dos

torcedores, e dos dirigentes dos times não terem nada com isso, pois os dirigentes de times rivais

trocam os seus principais jogadores entre eles para verificar como fica o grito de apoio, mas esta

discussão não cabe aqui, é apenas para afirmar e exemplificar que tal paixão partidária é leviana).

Ao verificar a posição de Finkelstein e Silberman, deve-se perceber que há lacunas em sua

posição, como, por exemplo, os autores afirmam que não houve um Templo construído no

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período de Salomão conforme o relato bíblico. Contudo, o relato bíblico teve uma origem, e é

razoável associar a observação dos templos babilônicos de Borsipa, Nippur e Uruk como

modelos observados pelos escribas Sacerdotais e transferidos para o Templo pós-exílico em

construção. No instrumental do senso crítico da Bíblia, é razoável buscar, onde um não tiver

resposta, a orientação de quem a tem, mas não levar ao ponto de se afirmar que um teórico está

correto e o outro está errado, pois cada um se fundamenta em instrumentos distintos, para chegar

ao seu fim, que é reforçar os escritos bíblicos como produção literária, e não como conteúdo de

fatos históricos, pois a intenção do redator bíblico, independente de sua época, não foi a

preocupação em relatar os fatos históricos em sua precisão, mas sim legitimar a sua crença e a

identidade de seu povo.

No caso do balanço crítico, foi efetuada uma análise baseada nos autores Finkelstein e

Silberman, Mario Liverani e Eckart Otto e voltada para o senso crítico da leitura bíblica, e não

para o senso comum, pois sem tais autores, na contemporaneidade, não se dá nenhum passo a

diante nos estudos bíblicos. Uma história factual razoavelmente coerente deve estar

fundamentada nesses autores para se compreender o que na realidade ocorreu, pois, a princípio,

tais autores eram desconhecidos pelo autor da tese por diversos problemas acadêmicos, tais como

a ausência de sua menção durante a graduação em teologia e no mestrado, além da utilização da

obra de Bright, que foi relançada em 2003 sem a devida e merecida atualização de seu conteúdo

com relação aos estudos bíblicos, e da obra de Amihai Mazar, lançada em 1990 e publicada no

Brasil apenas em 2009, sem a mínima adaptação à atualidade dos estudos bíblicos. Por esses

motivos, no que integrou o balanço crítico, apenas se fundamentou nos autores da análise crítica,

sem se pautar nas leituras do senso comum da origem do Templo fundamentadas a princípio nos

escritos Sacerdotais.

O balanço crítico fundamentou-se no raciocínio material do Templo, do território de Israel

e de Judá no contexto pré-exílico e do motivo da existência de artefatos mitológicos como a Arca

da Aliança como símbolo da guarda dos mandamentos pelo povo de Israel e de Judá. Na

sequência, foi trabalhada a relevância da memória do Templo pré-exílico que se baseia em uma

teoria social denominada Burger-Temple-Gescinde que, por sua vez aponta para o apoio dos

dominantes persas na manutenção ideológica do “Segundo Templo” (aproximadamente no ano

de 457 a.C.) com lendas e tradições que afirmam um “Primeiro Templo”.

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Mas tal manutenção ideológica foi realizada pelos escribas quando eles voltaram do exílio

da Babilônia ao chegarem de volta no território da Judeia, se depararam com um povo que havia

perdido toda a sua cultura mediante a destruição causada por Nabucodonosor, e a sua função era

construí-la, para que eles tivessem orgulho de pertencerem a Jerusalém, serem devotos ao seu

Templo, por meio de imagens, que legitimariam o presente através do seu passado mais remoto,

por meio de uma retrojeção. Elementos visíveis da cultura babilônica, como seus grandes

Templos e a legitimação de Yahweh como o seu habitante, assim como Ahuramazda era do

grande templo persa da cidade de Persépolis, foram alguns dos elementos estrangeiros que

compuseram a construção das imagens pelos escribas, sacerdotes e redatores sacerdotais.

Outros elementos da literatura foram inseridos para legitimar o Templo, além de sua

construção por autoria da figura epônima do rei Salomão, como a compra do terreno do jebuseu

Areúna em que seria construído o Templo, efetuada por Davi conforme 2 Samuel 24, e do monte

no qual houve a construção do Templo ser considerado o local da realização do sacrifício de

Isaque, conforme Gênesis 22,1-19. Duas legitimações, uma davídica e outra patriarcal. Houve

tentativas de ligar o profeta Samuel ao Templo pré-exílico durante a sua infância de acordo com

1 Samuel 1-3, e há a narrativa em que o rei Davi tem a sua voz ouvida por Yahweh de dentro do

Templo conforme 2 Samuel 22,7, porém são diacrônicas e os leitores não costumam perceber os

detalhes vinculados ao Templo nas narrativas, que acabou se transformando em matéria residual

das leituras do senso comum.

Devido à legitimação do presente através das grandes histórias do passado, estava

construída a imagem na qual o povo de Judá, agora com uma identidade, poderia se orgulhar e tê-

la como verdadeira. Percebe-se que a produção literária retrojetiva, juntamente com a arquitetura

dos templos Babilônicos transferidas para o Templo de Jerusalém foram componentes que

construíram o imaginário social e foram responsáveis pela manutenção da identidade de um

povo. O Templo pré-exílico, como imagem e nome, é algo que dá sentido à existência do povo

que morava em Jerusalém na época do pós-exílio, pois legitimava a existência de seu maior

símbolo, o Templo, como algo que sempre fez parte da vida de seu povo, como propriedade de

maior importância.

Tal legitimação foi transferida para as religiões judaico-cristãs em todas as suas vertentes

por serem detentores da hermenêutica do senso comum que não questiona o conteúdo encontrado

na Bíblia sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão. Pelo motivo de o Templo

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fazer parte de sua identidade, em seu imaginário, o Templo existiu factualmente, pois o

cientificismo e o academicismo bíblico não fazem parte de seu cotidiano. A academia e a ciência

buscam algo que se pode afirmar com firmeza, sem titubear, pois ambas trabalham com fatos, ao

passo que as leituras religiosas fundamentalista, conservadora e devocional trabalham com o

sentido que Yahweh dá para as suas vidas. Como o Templo cuja construção é atribuída ao rei

Salomão é indissociável da identidade judaico-cristã em todas as suas vertentes, o referido

templo, para tais religiosos, de fato existiu, assim como para os que presenciaram a sua

construção no período pós-exílico.

Ao se realizar a presente pesquisa, percebeu-se que ao mesmo tempo que houve avanços,

também houve limitações. Nos avanços, atentou-se sobre a motivação do escritor Sacerdotal em

legitimar o Templo pós-exílico com histórias de um passado remoto, conforme ocorre no

imaginário social. Na questão socioantropológica, percebe-se que pessoas que escreveram como

escribas, assim como o povo, não apenas acreditaram como necessitaram de ter a sua própria

história validada, e o Templo tornou-se um elemento de orgulho próprio. Os estudos bíblicos não

são apenas questão de se tal evento da narrativa bíblica é ou não é fato histórico. Houve a

necessidade de se criar tais histórias ou imagens com a intenção de se construir a identidade de

um povo. Tais criações e construções não são apenas obras dos escribas de Judá, mas também de

outros povos que fizeram o mesmo para sustentar a sua legitimação. O problema é que tal assunto

está vinculado à religião cristã, que é a religião oficial ocidental, o que muitas vezes provoca o

estudioso bíblico a partir da iniciativa em desmentir os relatos bíblicos sem refletir sobre a

motivação dos escribas em construir a identidade e o imaginário do seu povo. Portanto, algo que

eu percebi que se avançou na pesquisa foi a questão de levar mais em conta o imaginário social

de um povo que acredita em um Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, do que focar

na negação de sua existência, que possui uma função identitária que transcende a própria

realidade.

Uma das limitações que o presente estudo possui é de se tratar de um estudo no qual apenas

se podem apresentar teorias sociológicas e antropológicas. Apesar de ser óbvia a função do

imaginário social, talvez um estudo de campo em igrejas e sinagogas poderia trazer maiores

dados além dos expostos no atual trabalho. Outra limitação que ocorre é sobre o âmbito

acadêmico, que, por sua vez, no tema de estudos bíblicos, possui a tendência de estabelecer

dogmas na intenção de evitar “lendas acadêmicas”, o que é algo favorável, pois até mesmo os

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estudos bíblicos foram cercados pelas chamadas “lendas” pelo motivo de não se haver material

disponível em sua respectiva época, ao ponto de considerar os relatos bíblicos como fatos

históricos. A questão de se tratar de uma abordagem teórica acaba confrontando por diversas

vezes o jargão dogma-regra dos estudos bíblicos contemporâneos, segundo o qual “se não há

fonte extrabíblica, não há como comprovar tal fato”, o que ocorre com a questão da Reforma

Deuteronômica, a qual se deduz que houve plenas condições para realizá-la, porém não há fonte

extrabíblica que a sustente, como no caso do Imaginário Social do Templo pré-exílico.

O atual trabalho teve relevância para o autor da tese na questão da atualização dos estudos.

Conforme o afirmado anteriormente, houve problemas de atualização de informações devido ao

“engessamento” do conteúdo que ocorreu até o dia da qualificação. Percebe-se que os estudos

acadêmicos sempre precisam ser atualizados, mas da mesma forma cabe às editoras atualizarem

as suas “novas edições”, reformulando conteúdos defasados. É necessário observar quais autores

desenvolvem melhor na contemporaneidade o tema trabalhado na tese de doutorado, e sempre

consultar os especialistas nas outras áreas próximas à de Bíblia Hebraica ou de Antigo

Testamento, como os egiptólogos, assiriólogos, sumeriólogos, hititólogos, ugaritólogos, entre

outros, até mesmo especialistas na área que estão sempre atentos ao desenvolvimento dos estudos

bíblicos, para saber se determinados livros da área possuem a viabilidade de serem utilizados, ou

se já estão defazados e/ou obsoletos.

No imaginário social, atenta-se que o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão

está presente ainda nos dias atuais, e não se limitou em ficar apenas no período pós-exílico.

Transpassou épocas, e nem o iluminismo e o ensino da teologia protestante liberal (apesar de o

termo “liberal” ser apontado de forma pejorativa pelos protestantismos fundamentalista e

conservador) conseguiram extinguir o imaginário social das religiões judaico-cristãs,

independente de suas vertentes. Teve até reação do protestantismo denominado fundamentalista

contra a teologia protestante liberal, na intenção de se manter a identidade cristã longe do

“ceticismo” acadêmico (apesar de no século XIX o instrumental arqueológico não ser ainda

utilizado e de o materialismo bíblico não ter ainda se desvinculado da narrativa bíblica, ao ponto

de considerar determinadas narrativas da Bíblia como fatos históricos). Assim, esse Templo

continuou fazendo parte da identidade cristã em suas respectivas igrejas.

O Templo é apenas um dos diversos elementos da religião judaico-cristã em todas as suas

vertentes que a fundamentam, pois sem tal elemento, na religião, é impossível a manutenção da

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fé, e seu adepto pode se transformar em um descrente na referida (religião). Os adeptos do

judaísmo e do cristianismo afirmam a existência do Templo com a mesma força que os cristãos

afirmam a concepção virginal de Maria, mãe de Jesus de Nazaré, e a ressurreição e a ascensão

aos céus do próprio Carpinteiro Nazareno. São elementos que fazem parte da religião,

plenamente indissociáveis.

Temos, por um lado, a academia e sua busca por meio da investigação científica para a

obtenção dos fatos, e, por outro, as religiões judaico-cristãs em todas as suas vertentes

sustentando o imaginário de seus adeptos com elementos como o Templo pré-exílico, tidos em

seu meio como existentes de forma inquestionável.

Como os estudos bíblicos estão sempre a atualizar-se, é necessária a atenção sobre se os

atuais teóricos seguem a linha dos autores trabalhados neste estudo, assim como verificar se já

não houve defasagem acadêmica dos estudos aqui desenvolvidos, pois muitas descobertas

ocorrerão no futuro.

Para a continuidade e a sequência do estudo do imaginário, seria interessante a realização

de um trabalho empírico, cujo questionamento principal é sobre o Templo pré-exílico. Por

exemplo, um estudo comparativo do imaginário do Templo entre os membros de determinada

sinagoga judaica ortodoxa e dos membros de certa igreja cristã protestante tradicional, que talvez

possa identificar diferenças de como os cristãos de uma igreja encaram o Templo, e como os

judeus rabínicos de uma sinagoga percebem o referido (Templo). As diferenças podem ser

encontradas tanto entre igrejas e sinagogas, como entre igrejas e igrejas, e sinagogas e sinagogas

de denominações e ramificações distintas. Mas para o religioso judeu-cristão, independente da

vertente a que ele faça parte, mesmo que a academia tenha comprovado factualmente que o

Templo pré-exílico não existiu em sua expressão exata conforme a narrativa bíblica, para tal

religioso, assim como para o povo de Judá que vivia nas proximidades de Jerusalém, o Templo

cuja construção é atribuída ao rei Salomão existiu nas palavras exatas do conteúdo bíblico.

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