Sergio Praca - Licoes Da Corrupcao Politica

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  • 8/9/2019 Sergio Praca - Licoes Da Corrupcao Politica

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    Corrupo poltica e governana corporativa

    Srgio Praa

    O que as empresas podem aprender, a partir do sistema poltico, sobre o

    combate corrupo? Este texto trata de responder tentativamente a esta perguntaatravs de duas lies: i) nem toda corrupo igual e ii) escndalos de corrupopodem ser muito bem aproveitados para dirimir futuros atos corruptos. O exemplopoltico utilizado o processo oramentrio brasileiro a partir de 1988.

    Nem toda corrupo igual

    H, de acordo com Johnston (2005), quatro tipos bsicos de corrupopoltica. O primeiro relacionada influncia do mercado e envolve esforo por

    parte de interesses privados (empresas, geralmente) para obter acesso e influenciodentro de processos polticos bem institucionalizados. o tipo de corrupo maiscaracterstico de democracias desenvolvidas. O segundo a corrupo de umcartel de elite. Ela ocorre dentro de, e ajuda a sustentar, redes de elites polticas,econmicas, burocrticas etc. Ajuda a manter a hegemonia dessas elites em umcontexto de competio poltica crescente e instituies polticas moderadamenteinstitucionalizadas.

    O terceiro tipo a corrupo de oligarcas e cls, que ocorre em contextosarriscados, freqentemente violados, em que h oportunidades polticas eeconmicas em expanso dentro de instituies fracas. dominado por atores com

    poder pessoal, que atraem militantes e seguidores no por causa do cargo queocupam, mas por carisma ou ameaas. Por fim, o quarto tipo a corrupo deburocratas. Nesse tipo, polticos e burocratas de sua confiana assaltam ooramento com impunidade. H pouqussima competio poltica e ainstitucionalizao poltica e econmica so baixssimas, resultando queoportunidades econmicas so escassas e disputadas com afinco.

    So quatro tipos de corrupo que podem ser transportados ao mundo dascorporaes. Vale diferenciar tambm entre corrupo centralizada e corrupodescentralizada.

    A corrupo centralizada ocorre quando um agente poltico (ou um grupofechado de agentes, como os membros de uma comisso parlamentar) controla oacesso ao esquema de corrupo. o que ocorre, por exemplo, quando umtraficante controla um bairro e exige propina dos comerciantes. Outro exemplo oesquema dos anes do oramento. Os anes eram o grupo poltico quecontrolava o processo oramentrio no Brasil de 1989 a 1993 a partir da ComissoMista de Oramento, interagindo de modo corrupto tanto com integrantes doExecutivo quanto com certas empreiteiras.

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    Por sua vez, a corrupo descentralizada existe quando vrios agentes

    polticos, sem coordenao, agem de modo corrupto. o que ocorre, por exemplo,quando vrios traficantes concorrem e exigem, separadamente, propina doscomerciantes. Outro exemplo o esquema dos sanguessugas do oramento. Os

    sanguessugas foram um grupo composto por 72 parlamentares, desmascaradosem 2006, que destinavam emendas oramentrias ligadas rea da sade ecompartilhavam, com prefeitos e burocratas do Ministrio da Sade, os ganhoscorruptos obtidos a partir de licitaes municipais irregulares ligadas a essasemendas.

    Ambos os escndalos de corrupo oramentria foram bastantepublicizados e resultaram, em maior ou menor grau, na punio dos envolvidos.No entanto, o maior ganho com esses escndalos foi de outra ordem: resultaramem evoluo institucional. Como?

    Aproveitando os escndalos

    Os escndalos de corrupo poltica podem ser muito bem aproveitados paradirimir futuros atos corruptos. Em 1990, o deputado federal Joo Alves (PPR),Relator-Geral do processo oramentrio daquele ano, tinha liberdade para proporemendas oramentrias com novos projetos. Aproveitava-se de um vasto vazioinstitucional resultante da falta de uma resoluo congressual que regulasse atramitao do oramento; afinal, a Constituio Federal de 1988 tratava apenas dasregras bsicas. Alves props um parecer preliminar sobre a proposta oramentria

    do Executivo com o contedo que queria, sem trechos obrigatrios nem anlisedetalhada da conjuntura econmica. O mais famoso ano do oramento tinhatambm a prerrogativa de avaliar as emendas individuais propostas por seuscolegas parlamentares, sem fixar um limite de valor mximo e sem autorizaremendas propostas coletivamente. Sozinho, Alves podia, por fim, reestimar vontade a receita prevista pelo Executivo para o ano seguinte.

    Dezessete anos depois, este cenrio tornou-se impossvel. O Relator-Geralde 2007, Jos Pimentel (PT), no pde propor emendas de relator quecolocassem novos projetos no oramento. Seguiu os 161 artigos das 38 pginas daResoluo 1/2006 do Congresso Nacional, que dispe sobre a tramitao do

    projeto oramentrio no Legislativo. Pimentel props um parecer preliminar de 75pginas, com duas partes1, extremamente detalhado. Parlamentares propuseram

    1 A parte geral (I) avaliou as metas fiscais em funo dos resultados primrio e nominal implcitos no projeto; aprogramao oramentria comparada com a execuo do exerccio anterior e o autorizado pela Lei Oramentriaem vigor; as despesas divididas por reas temticas; a compatibilizao com o projeto de lei do plano plurianual,com a lei de diretrizes oramentrias e a Lei Complementar n 101, de 2000. A parte especial (II) definiu asregras,parmetros e critrios que nortearam os trabalhos das relatorias; o limite financeiro para apresentao e atendimentodas emendas individuais; orientaes especficas referentes apresentao e apreciao de emendas, inclusive derelator, e cancelamentos em dotaes constantes do projeto; reavaliao das despesas obrigatrias e da reserva de

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    emendas individuais e emendas coletivas atravs das comisses da Cmara dosDeputados e Senado Federal e das bancadas estaduais. Definiu-se um valormximo para cada parlamentar emendar individualmente o oramento, apsnegociaes com lderes partidrios. A Resoluo 1/2006 fixou em 25 o nmero deemendas individuais a serem propostas por cada parlamentar. Pimentel teve que

    trabalhar com Francisco Dornelles, o Relator da Receita, para definir a reestimativaem relao proposta do Executivo.

    As lies para a iniciativa privada so claras: no basta dar publicidade aosescndalos (internamente empresa, na medida do possvel) e punir os envolvidos. preciso tambm melhorar os arranjos institucionais que permitem atos corruptos.Se no fizermos isso, estaremos para sempre condenados aos quatro tipos decorrupo definidos por Johnston (2005).

    contingncia; critrios adotados na distribuio da reserva de recursos; competncias temticas, programaopassvel de ser objeto de emenda individual.