Upload
others
View
15
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
Sergio Tadeu Bringel Dias
Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1973-1985)
Vassouras 2003
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
11
Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1970 -1985)
Orientadora: Profª. Doutora Ana Maria Moura
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social do Trabalho da Universidade Severino Sombra, pelo mestrando Sergio Tadeu Bringel Dias, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.
Vassouras 2003
12
Universidade Severino Sombra Coordenadoria Geral de Pós-Graduação Programa de Mestrado em História
Dissertação: Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1970-1985)
Elaborada por Sergio Tadeu Bringel Dias e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo programa de Mestrado em História da USS,
como requisito para obtenção do título de
MESTRE EM HISTÓRIA
Banca Examinadora
_______________________________________________ Presidente - Profª. Drª. Ana Maria Moura (orientadora)
_____________________________________________ 1º Examinador
______________________________________________ 2º Examinador
Vassouras 2003
13
D53e
DIAS, Sergio Tadeu Bringel, 1954- Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de
Volta Redonda (1970-1985) – Vassouras: USS, 2002. 137 p.
Inclui bibliografia e anexos
1 - Política Habitacional - Volta Redonda 2 - CSN 3 - Núcleos de Posse 4 - Espaço Urbano
I – MOURA, Ana Maria (orient.) II - Universidade Severino Sombra - CGPG - PMH CDD 363.55
14
Dedicatória
À Inês – minha esposa - pelo seu amor. À Juliana e ao Julio Cezar - meus filhos - pela compreensão. Sem eles ao meu lado, pouca coisa na vida faria sentido. Ao Adyr e Julia, por terem compartilhado comigo a maior arte de todas, “a vida”.
Ao Paulo José, querido tio, o meu referencial de estímulo nos desafios da vida.
À Irene, querida amiga, minha profunda gratidão, pelo companheirismo
constante, com quem dividi muitas ansiedades, e a principal incentivadora deste
projeto. A Ionara, por ter me ensinado que a força do espírito depende do grau de
firmeza.
A Julio Bringel (in memoriam), o exemplo sempre presente em minha vida.
15
Agradecimentos
Para conclusão deste trabalho, foi fundamental poder contar com pessoas que deram suporte ao projeto. Sem essa presença amiga nada disto teria sido possível. As dimensões de mais valor deste trabalho são dedicadas a todas elas na forma de agradecimento ao apoio constante e generosidade desta convivência.
Aos colegas do mestrado (Miguel, Daniel, Janaina, Marinho, Marilon, Edmilson, Paulo, Marta, Nuely, Alexsander), pelo apoio emocional e intelectual para a concretização deste trabalho
Aos professores José Augusto, Sonia Mendonça, Aluísio Alves, Maria Philomena, foram de grande importância pela seriedade e pela qualidade dos seus cursos, e ao mesmo tempo pela amizade solidária e alegre. O respeito infinito por aqueles que me ensinam.
Especialmente ao professor Lincoln de Abreu Penna, pelas suas palavras de estímulo e confiança, foi o meu maior incentivador, minha gratidão.
Maria de Lurdes Lopes (Lurdinha), meu reconhecimento pela acolhida em
sua casa, e o depoimento de suas experiências nas lutas populares em Volta Redonda.
Célia Zambeli de Araújo, pelos seus esclarecimentos e o fornecimento de documentos dos levantamentos dos Núcleos de Posse de Volta Redonda.
Benevenuto dos Santos Neto, pela forma gentil com que nos recebeu em
sua casa e a maneira franca e esclarecedora no seu depoimento sobre suas decisões à frente do executivo de Volta Redonda, no período de 1982 a 1985.
Dom Waldyr Calheiros, eterno bispo de Volta Redonda, pela gentileza como nos acolheu e pelo precioso depoimento de suas participações na formação e condução dos movimentos populares em busca de uma verdadeira cidadania.
A professora Ana Moura, pela competência, paciência, carinho e
incentivo com que conduziu a orientação deste trabalho, minha gratidão. Aos funcionários da USS, em especial a Ozana, pela forma atenciosa com
que sempre me atenderam.
16
A professora Conceição, por sua valiosa colaboração na correção e revisão do trabalho.
A Beatriz e Tim, pela forma prestativa, com que atendeu minha
solicitação na tradução. A professora Ana Moura, pela competência, paciência, carinho r incentivo
com que conduziu a orientação deste trabalho. A todos a minha eterna gratidão.
17
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo estabelecer uma discussão sobre a formação e a evolução do
espaço em Volta Redonda, relacionando-o com a implantação da CSN. Pretendemos demonstrar que a participação e a organização política e social dos trabalhadores foi um fator preponderante para o surgimento de uma consciência crítica voltada para a reivindicação de uma nova ordem na espacialidade urbana. A materialidade espacial que se consolidara até então, fazia parte de uma ideologia paternalista e autoritária da CSN e foi transformada a partir do rompimento com o processo de dominação. A nova coreografia urbana foi a conseqüência de um materialismo que organizou essa nova materialidade. Contrariando o pensamento dos que defendiam esse avanço como concessão do poder público, os núcleos de posse, no período de 1970 a 1985, foram uma conquista dos trabalhadores, como conseqüência de sua participação nos movimentos populares, tendo a Igreja um papel fundamental na formação dessa nova materialidade.
ABSTRACT
The present work has the objective to establish a discussion on the formation and evolution of space in
Volta Redonda, in relation to the inplantation of CSN. With the intention of demonstrating that the participation, political and social organization of the
workers was a preponderent factor in the initiation of a critical conscience in demanding a new order in urban context. The materialism space that was consolidated until that time, was part of a paternalistic and authoritarian ideology of CSN and was transformed from the time of the interruption of the dominate process. The new urban face was a consequence of a materialism that organized this new materiality. Contrary to the thought of those who defend this progress as a concession of public power, the nucleus of posession, in the 1970 through 1985 period, was a victory of the workers, as a consequence of their participation in the popular movements. The church had a fundamental role in the formation of this new context.
18
“Memória é vida. Seus portadores sempre são grupos de pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação. Às vezes fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é a sempre incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente: a história é uma representação do passado.”
Pierre Nora
19
Lista de Abreviaturas ADESG - Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra BIM - Batalhão de Infantaria Motorizada BNH - Banco Nacional de Habitação CECISA - Imobiliária Santa Cecília COHAB- VR - Companhia Habitacional de Volta Redonda CSN - Companhia Siderúrgica Nacional CEBs - Comunidade Eclesiais de Base FCP - Fundação Casa Popular FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço GSIS - Grupo Consultivo da Indústria Siderúrgica IPES - Instituto Pesquisas Especiais para a Sociedade IAPI - Instituto de Aposentadoria e Pensão da Indústria IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPPU - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano JOC - Juventude Operária Católica MDB - Movimento Democrático Brasileiro PDLI - Plano de Desenvolvimento Local Integrado PEDI - Plano de Desenvolvimento Integrado PND - Plano nacional de Desenvolvimento PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PDS - Partido Democrático Social PC - Partido Comunista PC do B - Partido Comunista do Brasil SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
20
Sumário pág.
Introdução 11
Capítulo I – Espaço e dominação urbana em Volta Redonda 24 1.1 – A construção do espaço: pequena abordagem histórica 24 1.2 – A nova história: questões conceituais 25 1.3 – Surge o “espaço vigiado” 32 Capítulo II – O espaço autoritário 39 2.1 – A formação de uma mão-de-obra controlada 39 2.2 – O espaço urbano e a sua história no regime militar 46 Capítulo III - A crise habitacional em Volta Redonda 56 3.1 – Historicidade e especificidade da crise habitacional de Volta Redonda 58 3.1.1 – Alternativas e mudanças 61 3.2 – Crise habitacional: um novo modelo de gestão 70 3.2.1 – A CECISA 72 3.2.2 – A COHAB-VR e as políticas habitacionais em Volta Redonda 73 3.2.3 – A política habitacional dos interventores em Volta Redonda 75 Capítulo IV - O processo de favelamento 81 4.1 – Movimento urbano pela moradia – breve histórico 81 4.2 – A concepção doutrinária do autoritarismo e o alinhamento das elites 84 4.3 – “O bolo tem que crescer” ou a gestão da exclusão 89 4.4 – Os movimentos sociais em busca de novos tempos 93 4.5 –A ação da Igreja no urbano de Volta Redonda 98 4.6 – A alternativa de morar em Volta Redonda 104 Capítulo V – Concessão ou Conquista? 109 Conclusão 121 Fontes 129 Bibliografia 130 Anexos 136
21
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo trazer à pauta a discussão sobre a
formação e evolução do espaço urbano de Volta Redonda considerando que,
através da construção e organização social da Companhia Siderúrgica Nacional,
o qual também se inseria, o projeto de construção político-ideológica da classe
operária brasileira e a sua conseqüente não-concretização, permite o
levantamento de indagações. Teria sido a impossibilidade financeira, em função
dos recursos necessários, uma das causas? Ou o desinteresse se deu, a partir da
formação de um exército industrial de reserva, que desobrigava funcionalmente
o investimento urbano? Haveria o interesse explícito de manipulação dessa
mesma classe? Não temos a pretensão de dar respostas acabadas ou definitivas a
estas questões, mas entendemos que Volta Redonda é uma cidade que expressa
com muita clareza os conceitos das Geografias pós-modernas, conforme os
pensamentos de Edward W. SOJA.1
Outros trabalhos foram feitos sobre Volta Redonda, enfatizando sua
construção e organização social. Pretendemos enfocar a feitura da história,
relacionado-a com produção social do espaço, ressaltando a construção e a
configuração das geografias humanas. Para tanto buscamos as possibilidades de
um materialismo simultaneamente histórico e geográfico, utilizando uma
dialética tríplice de espaço, tempo e ser social, em que se apresenta a história, a
geografia e a modernidade.
Para tal, buscamos um exercício ambicioso da descrição geográfica crítica,
procurando traduzir em palavras a espacialidade politizada da vida social.
Nesta geografia regional, verificamos as implicações da economia política
na reestruturação urbana das paisagens pós-fordistas contemporâneas no advento
de um novo regime de acumulação capitalista, tensamente baseado num arranjo
espacial ligado ao tecido cultural pós-moderno, estabelecendo um
1 Edward W. SOJA . Geografias pós-modernas a reafirmação do espaço na teoria social crítica. p. 8 – 12.
22
desenvolvimento regional desigual dentro do Estado capitalista e das várias
formas de uma divisão espacial do trabalho.
Investigando as articulações existentes entre a base físico-geográfica e a
espacialidade de outras naturezas, situadas nas esferas econômica, sócio-política
e cultural, analisado o surgimento das favelas em Volta Redonda, buscando
apreender como se constituíram historicamente, avaliando a contribuição da
Igreja, na formação da consciência crítica e reivindicatória da espacialidade
urbana, e analisar a evolução do espaço urbano em Volta Redonda buscando
explicar como se constitui historicamente.
Pretendemos demonstrar que a espacialidade urbana transparece e se
constitui no quadro mais amplo das relações sociais, na cidade de Volta
Redonda e que a politização do espaço da cidade coloca o urbano em questão,
confirmando um processo em que o conflito conquista legitimidade social e a
participação dos trabalhadores na Igreja forma uma consciência política voltada
para a reivindicação de espacialidade urbana. Tendo como motivação um
contexto social marcado por múltiplos transtornos, em todos os aspectos na
cidade e no país. Crises, rupturas, desordens são as palavras que caracterizam a
sociedade contemporânea. Em contrapartida, nos deparamos com situações em
que a busca da excelência, da qualidade total, do desempenho são palavras de
ordem que norteiam a sociedade vigente.
Por isso, atualmente, as pessoas estão sendo submetidas a diversas e
intensas pressões, no que se refere à questão da sobrevivência. E sobreviver
significa, também, ter um lugar para morar. Portanto, falar da moradia torna-se
necessário, na medida em que o novo contexto social está paradoxalmente
marcado pelo aumento da pauperização e da exclusão e, por outro lado, pelo
crescimento da riqueza e do desempenho da sociedade global. O círculo de
marginalizados rodeia as ilhas de bem-estar. De fato, pensa-se que a lógica da
excelência produz a exclusão: a busca de vencedores gera muitos perdedores e a
pobreza anda de mãos dadas com a marginalização. A impressão de
23
estigmatização, de inutilidade, de não-reconhecimento, o sentimento de viver em
condições vergonhosas e não ser cidadão por inteiro geram o isolamento e a
desfiliação. A questão simbólica é central para explicar a exclusão e a desilusão.
Com a instalação de uma quarta modernização induzida pela crise, começa
a alteração na tradição crítica moderna, surgindo movimentos alternativos
modernos para competir pelo controle dos perigos e das possibilidades
emergentes num mundo contemporâneo reestruturador. Embora ainda
controvertidos ou até mesmo confusos, com conotações díspares, parece-nos, ser
apropriada a aplicação dos termos pós-modernismo, pós-modernização e pós-
modernidade, para destacar a reafirmação do espaço, sendo apropriada uma
discussão da Modernidade x Pos-modernidade.
Não são poucos os autores que tratam desse assunto, sempre ligados aos
mais diversos assuntos de interesse da sociedade em geral.
Afirma-se, que a modernidade está em crise e que ingressamos
progressivamente na era da pós-modernidade.2 Para uns, 1968, para outros, a
queda do muro de Berlim, são os marcos dessa saída da modernidade, data a
partir da qual a ideologia modernista está sendo requestionada.
E o que vem a ser a modernidade? Giddens traduz-se por um conjunto de
descontinuidades em relação ao período anterior, em que predominavam as
tradições e as crenças irracionais. Por certo, existem continuidades entre esses
dois períodos, mas é evidente que a modernidade instituiu modos de vida
extremamente diferentes dos modelos anteriores. As mudanças devidas ao
mundo moderno, por sua amplidão e profundeza, são muito mais marcantes que
todas as que vieram antes.
De acordo com Giddens, essas descontinuidades são de várias ordens. Em
primeiro lugar, há velocidade na mudança, extrema rapidez, particularmente no
2 Chamamos de Pós-modernidade, embora muitos autores (Touraine – 1993 e Giddens – 1994) prefiram falar de uma reconstrução da modernidade, pois, de acordo com eles a crítica da modernidade não deve levar a uma posição antimoderna ou pós-moderna, mas, ao contrário, a uma redescoberta da modernidade com todas as duas dimensões reintegradas. Para eles, tratar-se-ia de falar de uma nova modernidade. Anthony GIDDENS. As conseqüências da modernidade. Alain TOURRAINE. Crítica da modernidade.
24
campo tecnológico. Além disso, o alcance da mudança é enorme graças à
interconexão entre as diversas regiões do mundo: as transformações precipitam-
se sobre uma grande parte da superfície terrestre. Outra forma de
descontinuidade diz respeito à natureza intrínseca das instituições modernas que
permitem aos homens levar uma existência mais segura e gratificante.
Para Tourraine, não há modernização sem racionalização. Para o autor, a
modernidade é a difusão dos produtos da atividade racional, científica,
tecnológica, administrativa. Ela rejeita a idéia de organizar-se e agir conforme
uma relação divina, como antes. Portanto, rompe com o finalismo religioso. É o
triunfo da razão em todos os campos: a ciência e suas aplicações, a vida social, a
educação, a justiça, a economia..., por ser uma idéia de criar uma sociedade
racional.
Em outros termos, a modernidade se define por uma separação entre o
mundo objetivo, criado pela razão, e o mundo da subjetividade, centrado na
pessoa. Quer fazer da racionalização o único princípio da organização da vida
pessoal e coletiva, desconsiderando as crenças e as formas de organização que
não se baseiam em elementos científicos.
Assim espera libertar o homem das desigualdades sociais, dos temores
irracionais e da ignorância. Trata-se de eliminar os despotismos, e também os
obstáculos que atravancam o conhecimento e a comunicação. É a busca da
transparência, tanto no nível científico como no social, a fim de lutar contra o
arbitrário, a dependência e o conservadorismo.
Mediante o exposto, o que seria a pós-modernidade?
Diante da fragmentação da chamada modernidade, trata-se de interrogar-
nos sobre a possibilidade de reconstruir um universo social e cultural, coerente e
integrador que acolheria ao mesmo tempo a razão e o ser, a racionalidade e a
subjetivação.
O universo pós-moderno verá a perda do sentimento de certeza;
reconhecerá o caráter instável de todo conhecimento; estabelecerá mediações
25
entre os fatos contraditórios; ao mesmo tempo que continuará a fazer descoberta,
integrará saberes; não rejeitará os progressos do período moderno, mas os
articulará.
Durante muito tempo, a modernidade se caracterizou por uma
racionalidade instrumental que colocava o homem sob o governo da ciência e da
técnica e rejeitava, assim, a noção de sujeito e de sua subjetividade. Sem dúvida,
é essa grande ruptura que melhor define a modernidade.
O interesse do mundo pós-moderno é a perspectiva de uma possível,
necessária e crescente interação entre o sujeito e a razão, a subjetividade e a
objetividade.
Enquanto a modernidade levava a procurar as diferenças, a marcar as
distâncias, a pós-modernidade tendeu a procurar as semelhanças, a tornar as
aparências mais complexas a fim de destacar melhor as aproximações. Novos
paradigmas, mais complexos, contendo os antigos, surgirão e mostrarão os
limites de sua validade.
Segundo Morin, os saberes deverão escapar do pensamento mutilado e
mutilante para alcançar paradigmas complexos, alimentados por ambigüidades,
contradições, incertezas. Um intermeio deverá desenvolver-se, afastando, a um
só tempo, os pólos distintos e os reaproximando, fazendo-os retroagir e entrar
em mediação, elaborando, enfim, laços entre elementos contraditórios. Os
paradoxos pedem a aplicação de uma dialética com mediação pois, sem a
mediação, restam apenas dois pólos justapostos e opostos, o que resulta numa
oscilação incessante entre a crença e seu contrário, ou seja, uma situação da
modernidade.
Para Lyotard, não se trata de querer inovar rompendo com o passado.
Ninguém pensa em destruir tudo para refazer tudo. Para o autor, já não há
modelo imposto de cima, mas, ao contrário, construções novas, imprevisíveis,
que nascem do diálogo, da confrontação, das múltiplas negociações.
26
No entanto, essa visão de pós-modernidade não deixa de ser problemática.
A modernidade tinha como meta a procura da perfeição, da plenitude. Na pós-
modernidade continua-se a agir, procurar, negociar ou prever, mas parece, ao
contrário, que o processo está desprovido de finalidade e a incerteza passa a ser
o quinhão do homem da atualidade. O desenvolvimento prossegue, por certo,
mas sua meta já não pode ser definida. Nasce daí uma falha da qual emerge uma
angústia dificilmente dominável.
Portanto, o homem pós-moderno deve viver essa incerteza, essa angústia, e
encontrar em si mesmo seu próprio sentido. Deve aprender a assumir um mundo
contingente, indefinidamente aberto, indeterminável, pois excessivamente
complexo. Deve gerenciar as incertezas e a imprevisibilidade. O
desenvolvimento deste trabalho é inspirado na visão pós-moderna de análise do
espaço em que vivemos, com sua materialidade, no qual ocorre o desgaste de
nossa vida, nossa época e nossa história, que nos dilacera e corrói, e não apenas
a análise geográfica, pois não vivemos no vazio dentro do qual possamos situar
indivíduos e coisas, mas num conjunto de relações que declina localizações
irredutíveis umas às outras e absolutamente não superponíveis entre si.
Enfatizando o caráter central do espaço, no tocante ao momento
contemporâneo, Foucault tornou-se sumariamente explícito: “Seja como for,
creio que a angústia de nossa era está fundamentalmente relacionada com o
espaço, sem dúvida muito mais do que com o tempo. Provavelmente, o tempo se
nos afigura como sendo apenas uma das várias operações distributivas
possíveis dos elementos dispostos no espaço.”3
Assim colocamos o urbano como o palco principal dos conflitos sociais,
político e econômico no esboço histórico dessa cidade, sendo um exemplo claro
do que David Harvey denominou de crise de superacumulação iniciada no final
dos anos 60, e que chegou ao auge em 1973, gerando esse resultado: "A
experiência do tempo e do espaço se transformou, a confiança na associação
3 Apud Edward W. SOJA. Geografias pós-modernas . p . 27.
27
entre juízos científico e morais ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco
primário de preocupação intelectual e social, as imagens dominaram as
narrativas, a efemeridade e a fragmentação assumiram precedência sobre
verdades eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o
âmbito dos fundamentos materiais e político-econômico e passaram para a
consideração de práticas políticas e culturais autônomas." 4
Tal proposta se enquadra nos meandros da história regional, que se
apresenta adequada aos propósitos desta pesquisa, pela possibilidade de abrir
pontos de discussão sobre questões fundamentais nesse campo da história, até
então, pouco exploradas. Para Janaina Amado, “a História Regional, oferece
novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, lida com as diferenças, a
multiplicidade, possui a capacidade de lidar com o concreto, o cotidiano, e é a
única capaz de testar a validade de teorias elaboradas a partir de parâmetros
outros.5
Lidar com as diferenças e a multiplicidade do cotidiano parece ser o
aspecto mais importante na abordagem da formação e organização da classe
operária de Volta Redonda, percorrendo os caminhos situados na linha de
fronteira entre a história e a sociologia, conforme nos mostra Lynn Hunt: “o
estudo da sociologia histórica transformou-se no sub-campo mais importante da
Sociologia e conseqüentemente o que mais se desenvolveu e, para ela, a história
social superou a história Política.”6
Ao mesmo tempo trabalhar com a História Social é uma necessidade e um
desafio, principalmente no que tange ao empreendimento da construção da
cidade e à formação da classe operária, beirando os contornos da História
Política que, na concepção de Jacques Juliard "(...) é elitista, talvez biográfica, e
ignora a sociedade global e as massas que a compõem; é qualitativa e ignora as
4 David HARVEY. Condição pós-moderna. p. 293. 5 Janaina AMADO. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: Marcos A da SILVA. República em migalhas história regional e local . p. 30. 6 Lynn HUNT. A nova história cultural .p. 1.
28
séries; o seu objetivo é particular e, portanto, ignora a comparação; é narrativa
e ignora a análise; é idealista e ignora o material; é ideológica e não tem
consciência de sê-lo; é parcial e não o sabe; prende-se ao consciente e ignora o
inconsciente; visa aos pontos precisos e ignora o longo prazo; em outras
palavras, uma vez que essa palavra tudo resume na linguagem dos
historiadores, é uma história factual." 7
E como entendemos ser um exercício ambicioso o de descrever a geografia
crítica, a espacialidade abrangente e politizada da vida social e urbana da cidade
em questão, no período que abrange o presente trabalho, buscamos em Edward
Soja que: "Uma Geografia Regional mais concreta é apresentada para
exemplificar o advento de um novo regime de acumulação capitalista ‘flexível’,
tensamente baseado num ‘arranjo’ espacial restaurador e instavelmente ligado
ao tecido cultural pós-moderno. Essa descrição sintomática é
seguida/precedida de uma formulação mais profunda da geografia histórica do
capitalismo, através de análise da evolução da forma urbana na cidade
capitalista, dos mosaicos mutáveis do desenvolvimento regional desigual dentro
do Estado capitalista e das várias reconfigurações de uma divisão espacial
internacional do trabalho." 8
A abordagem proposta torna a atuação do homem o elemento mais
importante na dinâmica dos processos de transformação na organização urbana,
nas relações sociais e trabalhistas com a CSN.
A abordagem do objeto se dará numa perspectiva histórica da construção
do espaço urbano quando, especificamente nesse caso, o homem não foi o centro
da organização do espaço urbano, mas a empresa CSN foi o elemento que
motivou todo o empreendimento, numa opção capitalista de mercado. A
construção de objeto de investigação se efetivará a partir da intervenção teórica
7 Jacques JULIARD. A política. In: História: novas abordagens . p. 181. 8 Edward W. SOJA . Geografias pós-modernas; a reafirmação do espaço na teoria social crítica. p. 9.
29
do observador, recortando-o em conjuntos interpretativos, nos quais interagem
em relações situacionais.
A opção por um estudo de caso visa a permitir um aprofundamento na
análise das perspectivas conjunturais com a intensificação das transformações
estruturais no plano social. O processo de investigação orienta-se pelo conceito
apontado nas obras de Milton Santos, no conceito moderno da geografia não
como um espaço físico mas como um somatório de relações sociais, políticas e
econômicas na busca do direito à cidade, aos direitos territoriais.
Em Boaventura de Souza Santos, vamos aprofundar a discussão da
organização social e política na transição pós-moderna, na cidadania, na crise de
legitimação, a emancipação e utopia diante da Sociologia dos tribunais. E, por
fim, buscar em Edward W. Soja consubstanciar o processo de reafirmação do
espaço como campo de conflito na busca de socialização crítica e justa na vida
urbana de Volta Redonda.
No primeiro capítulo julgamos importante evidenciar em um breve
histórico as práticas do capitalismo do Estado no processo de formação da classe
operária através da organização espacial da Vila Operária.
A reafirmação do espaço refere-se a uma especificidade teórica do urbano
e tem um papel vital no desenvolvimento geograficamente desigual para a
sobrevivência do capitalismo. Neste caso específico de análise constatamos que,
ao invés de a empresa se instalar na cidade, é a cidade que se instala através da
empresa.
No capítulo II contemplamos, com a nova composição dos diretores e
como uma avant-premiére, o corte dos benefícios o que foi denominado por
esses mesmos diretores a queda do paternalismo, passando o ônus da
manutenção das casas aos próprios locatários.
A empresa já sentia a influência da recessão econômica do País e lembra
que "talvez nenhuma outra empresa congênere, no Brasil ou no Exterior, tenha
os seus custos onerados com tal sobrecarga, uma vez que, na respectiva
30
composição, não há despesas semelhantes a computar, por não administrar uma
cidade (...) ‘diante de imperiosa necessidade de aplicação de vastos recursos na
operação e manutenção da Usina’. Mas reserva-se o direito de fiscalizar,
vistoriar os serviços de conservação e pintura, tendo em vista, principalmente, a
manutenção ‘da estética e do padrão estabelecido para a cidade’".9 Como
vemos no Relatório a nova política social empreendida pela empresa, do
liberalismo de mercado, é circunscrito por um forte componente dominador.
E, assim, a cada momento da história da cidade é possível identificar
movimentos de transformação, tendo a contradição como motor das mudanças
sociais: as contradições de classes, as oposições ao poder, a violação de
determinadas regras e idéias que as contestam.
Este quadro inscreve-se no ano de 1967 como, provavelmente, o mais
grave da vida da empresa, "ao se iniciar o exercício, a perspectiva era de
elevado ‘déficit’ financeiro, com repercussões negativas, facilmente avaliáveis,
nos diversos setores em que se desdobram as atividades operacionais e sociais
da CSN." 10
Neste momento observamos o processo de falência do modelo de
planejamento urbano dentro da ótica do capitalismo de produção em que as
representações e os artefatos espaciais atendem à dominação imposta pelo
Estado, no processo de industrialização do País.
No plano nacional, em 1968, inicia-se a era do chamado Milagre
Econômico como relata Maria Conceição Tavares: "Na manipulação dos fundos
de origem fiscal e parafiscal bem como de recursos oriundos de crédito público
através de agências de financiamento estatais, que o governo moldou
definitivamente o perfil da economia do "milagre", dependendo de fundos
públicos, de favores burocráticos e de crédito. O capitalismo brasileiro de
tradição patrimonial, encontrou um terreno extremamente fértil de
9 RELATÓRIO DA DIRETORIA . RD's nº 13.282 de 30/07/64. 10 RELATÓRIO da DIRETORIA, 1967. p. 3
31
desenvolvimento, no qual o Estado autoritário concentra os recursos para
depois redistribuí-los discricionariamente, de acordo com o acesso pessoal à
intimidade do regime."11
Dentro desse modelo econômico interno e a facilidade do crédito
internacional, em 1969, o governo reafirma a política de expansão da Siderurgia
brasileira e a CSN se beneficia com empréstimos externos para sua expansão.
Volta Redonda experimenta novamente uma forte emigração, acampamentos de
trabalhadores da construção civil no centro da cidade, demolições de antigos
bairros operários para permitir a ampliação da área da usina, desordenamento do
trânsito causado pelo movimento de máquinas e equipamentos industriais, etc.
Na década de 70 o urbano torna-se palco dos conflitos sociais, políticos e
econômicos no esboço histórico dessa cidade, conforme David Harvey
denominou de crise da superacumulação iniciada no final dos anos 60, e que
chegou ao auge em 1973, gerando esse resultado: “A experiência do tempo e do
espaço se transformou, a confiança na associação entre juízo cientifico e morais
ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco primário de preocupação
intelectual e social, as imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e a
fragmentação assumiram precedência sobre verdades eternas e sobre a política
unificada e as explicações deixaram o âmbito dos fundamentos materiais e
político-econômico e passaram para a consideração de práticas políticas e
culturais autônomas.”12
Em 1975, em decorrência da crise do petróleo e o aumento dos juros
externos, a empresa se viu obrigada a reprogramar o plano de expansão, a fim de
executá-lo com recursos próprios.
No capitulo III, discutimos os reflexos na organização urbana decorrente
do processo de desaceleração que motivou a interrupção de contratos com
algumas empreiteiras, ocasionando demissões de um grande contingente de
11 Maria Conceição TAVARES. O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica da regime autoritário. p. 30. 12 David HARVEY. Condições pós-modernas . p. 293.
32
trabalhadores, oriundos, na sua maioria, do campo, e sem condições de retorno.
A escassez de moradias gerou a especulação imobiliária, com uma super
valorização dos imóveis.
Este movimento em busca de moradia, contrapõe-se ao imaginário Estatal
da dominação, da submissão, da obediência a que esta cidade foi submetida, e é
desafiado nos anos de plena intervenção, através da Lei de Segurança Nacional.
Esta desobediência civil vai ser observada nos anos seguintes, com a
participação ativa da Igreja local, tornando-se o marco da redenção da
dominação espacial. Boaventura Santos nos diz que: (...) as promessas da
modernidade, depois que esta deixou reduzir suas possibilidades às do
capitalismo, não foram nem podem ser cumpridas; e, em segundo lugar, que
depois de dois séculos de promiscuidade entre modernismo e capitalismo, tais
promessas, muitas delas emancipatórias, não podem ser cumpridas em termos
modernos nem segundo os mecanismos desenhados pela modernidade. O que é
verdadeiramente característico do tempo presente é que pela primeira vez neste
século, a crise de regulação social corre de par com a crise de emancipação
social" 13
E é dessa crise de emancipação que nos ocuparemos, privilegiando o
urbano enquanto campo de conflito, através das transformações de
espacialidade, buscando entender a geografia humana crítica, o materialismo
histórico e geográfico, sintonizado com a ação política.
A politização do espaço da cidade, colocando o urbano em questão,
confirma um processo em que o conflito conquista legitimidade social.
No capítulo IV investigamos as articulações existentes entre a base físico-
geográfica e a espacialidade de outras naturezas, situadas nas esferas econômica,
sócio-política e cultural, para análise da expansão das favelas em Volta
Redonda, buscando apreender como se constituíram historicamente, avaliando a
contribuição da Igreja, na formação da consciência crítica e reivindicatória da
13 Boaventura de Souza SANTOS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade . p . 35 .
33
espacialidade urbana; e analisar a evolução do espaço urbano em Volta Redonda
buscando explicar como se constitui historicamente.
No capítulo V, transcrevemos as entrevistas do prefeito de Volta
Redonda, no período do 1982 a 1985, e o Bispo D. Waldyr Calheiros, buscando,
nos seus depoimentos, por terem convivido de forma ativa e em lados opostos,
se o movimento dos favelados de Volta Redonda, resultou em um processo de
conquista ou concessão.
34
CAPÍTULO I -Espaço e dominação urbana em Volta Redonda
1.1. A construção do espaço: pequena abordagem histórica
Por volta do ano de 1727, os jesuítas demarcaram a Fazenda Santa Cruz e
cruzaram a Serra do Mar abrindo caminho para a colonização do Médio Vale do
Paraíba. No ano seguinte, foi aberta uma estrada ligando Rio de Janeiro a São
Paulo mas, somente em 1744, é que os forasteiros chegaram às terras de Volta
Redonda. A presença ainda era tímida, sob o ponto de vista de fixação ou de
cultivo da terra e mais voltada à procura de metais e pedras preciosas.
A partir daí, observa-se uma forte migração de colonos e fazendeiros,
vindos de Minas Gerais, em decorrência do declínio da produção do ouro e dos
diamantes, trazendo uma imensa movimentação à região. Nas últimas décadas
do século XVIII, as terras do vale do Rio Paraíba, foram invadidas por levas de
mineiros que, com recursos oriundos da mineração, buscavam terras férteis para
a lavoura, especialmente a de café.
A terra de Volta Redonda, inserida bem no meio dessa bacia, não poderia
deixar de participar dessa fase histórica que sucedeu ao ouro, e que a partir da
segunda década do século XIX, tomou decisivo impulso. Paralela e
conjuntamente ao desenvolvimento do café, foi nascendo e crescendo o povoado
de Santo Antônio de Volta Redonda, 8º Distrito de Barra Mansa, com as
primeiras edificações comerciais e residenciais, onde hoje é o histórico bairro de
Niterói, que deu origem ao Distrito e à Cidade.
Um dos aspectos relevantes do desenvolvimento do povoado foi a
existência, à margem esquerda do Paraíba, de um porto fluvial (próximo à atual
ponte de Niterói), onde chegavam produtos agrícolas, notadamente o café,
procedentes da própria região e das demais freguesias. Desse local, a produção
era escoada até Barra do Piraí, de onde seguia, a partir de 1864, pela ferrovia até
a Corte, para exportação.
35
Assim, Volta Redonda conjugou, pelo menos por um período, as atividades
produtivas com a de escoadouro comercial do café.
A ponte, concluída em 1864, ligou as duas margens do Paraíba, condição
que se tornou propícia também, para a construção da estação ferroviária.
Em 26 de dezembro de 1890, foi criado o Distrito de Paz de Volta
Redonda.
Tanto no Vale do Paraíba como nas demais regiões, o alto e crescente
custo da mão-de-obra escrava (resultante das restrições cada vez maiores do
tráfico negreiro a partir de 1850), as dificuldades de crédito, as pragas nos
cafezais, a diminuição de área fértil para plantação com o progressivo
desmatamento da Mata Atlântica e, finalmente, a Abolição da Escravatura,
vieram encerrar o predomínio do café no Vale do Paraíba do Sul, um dos mais
importantes suportes financeiros do Império Brasileiro.
Santo Antônio de Volta Redonda não fugiu à regra e a decadência aqui se
instalou. A principal atividade econômica da região passou a ser a pecuária,
seguida pela agricultura. Toda a região se degenerava, até que se decidiu
construir a usina da Companhia Siderúrgica Nacional.
1.2 - A nova história: questões conceituais
A Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional14, nomeada em
1940, para elaborar o projeto de criação da CSN, considerou o povoado de
Santo Antônio da Paz de Volta Redonda ideal para a localização da usina. Tal
consideração foi apoiada em critérios técnicos, tais como o baixo custo dos
fretes de transporte, a proximidade dos centros consumidores, a abundância de
14 No dia 4 de março de 1940, Vargas assinou o Decreto-Lei 2.054, criando a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, com o objetivo de organizar a indústria siderúrgica em bases definitivas, dentro do programa já adotado pelo Governo. A nona de uma longa série de comissões e conselhos que ao longo de dez anos foi incumbida de tratar a questão siderúrgica teria total autonomia e seria diretamente subordinada à Presidência da República. Para integrá-la, foram nomeados Guilherme Guinle (presidente), Oscar Weinschenck, Ari Torres, Heitor Freire de Carvalho, Adolfo Martins de Noronha Torrezão e Edmundo Macedo Soares e Silva. Regina da Luz MOREIRA. CSN, um sonho feito de aço e ousadia. p. 29.
36
água doce, a disponibilidade de energia elétrica, a proximidade do porto do Rio
de Janeiro e os baixos salários regionais.
Para os militares, na sua preocupação com a segurança nacional, a região
era ideal, pois “colocada atrás da Serra do Mar, a usina necessitará apenas de
defesa antiaérea, ficando inteiramente ao abrigo da artilharia naval.”15
Com o decreto 237 de 25 de março de 1941, o Interventor do Estado,
Ernane do Amaral Peixoto desapropriava, em caráter de urgência, as Fazendas
Santa Cecília e Retiro (ou Três Poços), situadas em Volta Redonda, distrito de
Barra Mansa.
Essa região seria destinada à implantação da usina siderúrgica, da vila
operária, dos logradouros, edifícios públicos e das futuras expansões. As
propriedades totalizavam cerca de 2.300 hectares e pertenciam a Nelson Godoy
(parente de Ademar de Barros, Interventor Federal de São Paulo) e Carlos
Hassis. Inicia-se um discurso oficial que passou a defender, com veemência, a
localização da usina em Volta Redonda. Lopes nos lembra que “a opção pelo
Vale do Paraíba seria, finalmente, o cumprimento da premonição de antigos
estudiosos dos problemas siderúrgicos do país, como Cincinato Braga e João
Pandiá Calógeras. Braga referia-se ao Vale do Paraíba como o futuro vale do
Ruhr do Brasil, numa referência à próspera região industrial alemã. (...) Há
registro também de um projeto de indústrias inglesas para montagem de uma
usina no mesmo lugar da atual, em Volta Redonda. A lembrança dessas
antevisões vinha reforçar a imagem do projeto como a concretização épica de
um real factível que só agora se revelava..”16
Na década de 40, a Usina Siderúrgica de Volta Redonda tornou-se o
símbolo do progresso nacional, idealizado pela nova composição de forças no
poder, a partir de 1930. “O progresso era a superação de atraso, a
modernização da sociedade através do trabalho, realizado sob novas relações
15 Relatório da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. p. IX 16 Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 46-7.
37
sociais. A industrialização redimiria economicamente o país, sobre a base do
trabalho eficaz, produtivo e eficiente.”17 Tanto na historiografia quanto no
imaginário do povo brasileiro, Volta Redonda e sua usina, tornaram-se símbolos
do progresso e da modernização nacional.
A partir destas constatações, destacamos a contribuição de alguns autores
que nos fornecem um quadro referencial de modernização e progresso. Norberto
Bobbio explica que “o progresso é precisamente o progresso da civilização e
que o seu fundamento está no desenvolvimento da razão e na aceitação da
mesma por parte do homem como guia do seu comportamento(...)porque
elimina a idéia da necessidade do melhoramento, substituindo-a pela idéia da
possibilidade, a que corresponde também a possibilidade contrária à do
retrocesso. A teoria assim formulada leva o homem a intervir no curso da
história, para que o progresso rumo à felicidade geral seja impulsionado e
acelerado”.18
A noção de progresso está vinculada à (...) interdependência das ciências
e à potenciação da racionalidade através da difusão da cultura, tanto como à
possibilidade de melhorar os costumes e o caráter dos homens por meio de
instituições e leis adequadas,(...).”19
Por outro lado, na tentativa de explicar a crise conceitual de Progresso,
Theodor W. Adorno, num artigo de 1964, salientou que “o conceito de
progresso não se resolve na sociedade, mas, nascido de uma raiz social,
reclama o confronto crítico com a sociedade que lhe serve de conteúdo; a
impossibilidade de o reduzirmos, tanto à fatualidade como à idéia, é um indício
da contradição que lhe é própria; na realidade, o Progresso não é uma
categoria de caráter conclusivo; quer impedir o triunfo do mal radical, não
triunfar em si mesmo; mais que entrega do homem ao processo do
17 André Luiz V. CAMPOS. A república do picapau amarelo: uma leitura de Monteiro Lobato. p. 65. O autor recupera o pensamento político de Monteiro Lobato, com base em sua crítica ao atraso do país e nas alternativas então propostas para o progresso da sociedade brasileira. 18 Norberto BOBBIO, Nicola MATTEUCCI & Gianfranco PASQUINO . Dicionário de política. p. 1011. 19 Norberto BOBBIO et. al. Op. cit p. 1011.
38
desenvolvimento; é corretivo do perigo sempre presente de retrocesso, oposição
ao risco da recaída”.20
Quanto à modernização Gianfranco Pasquino explica que: “é um
fenômeno complexo, de amplo fôlego e multidimensional, que acontece em
períodos de tempo diferentes e em todos os setores do sistema social. Portanto,
para que a sua compreensão seja completa e exata, exige-se uma atenção
constante às interações entre os vários setores e o uso de métodos múltiplos e
abordagens interdisciplinares. Os dois temas que emergem no estudo da
modernização são: de um lado, a tentativa do homem em controlar a natureza e
sujeitá-la às suas necessidades, do outro, o esforço perene da ampliar o âmbito
das opções sociais e políticas para o maior número de pessoas. A Modernização
é a história destas tentativas e destes esforços”. 21
A Modernização não se fez apenas sob a ótica do trabalho, mas num
processo interativo multidirecionado do sistema social a fim de atender à
sociedade de forma mais abrangente e em maior número de pessoas. No caso de
Volta Redonda, tornava-se necessária a adoção de métodos saneadores e
disciplinares que educassem e controlassem os trabalhadores. Sob essa
inspiração, no início de 1942, começaram as obras da vila residencial e
comercial em Santo Antônio de Volta Redonda, projetadas pelo arquiteto Attílio
Correia Lima, obedecendo ambas a um mesmo plano urbanístico: loteamentos
bem cuidados, estrutura viária hierarquizada, amplos espaços abertos com áreas
ajardinadas, equipamentos urbanos centralizados, além de um cinturão verde de
preservação.
Nos bairros residenciais foram estabelecidas as diferenças quanto ao
tamanho dos lotes, às taxas de ocupação e aos tipos de residências, criando um
espaço estratificado por categorias profissionais e por faixas salariais. Este plano
urbanístico foi inspirado na Cidade-Industrial projetada por Tony Garnier.
20 Norberto BOBBIO et. al. Op. cit. p. 1014. 21 Idem, ibidem. p. 776.
39
“Numa cidade dessa espécie, todas as fórmulas arquitetônicas podem
legitimamente ser postas em prática e examinadas.(...)Tivemos sempre em
mente o mesmo objetivo: manter-nos dentro de uma série de investigações de
ordem geral, que não poderiam ser motivadas pelo estudo de uma aldeia ou de
uma cidade muito grande.”22
A previsão era entregar 4.000 novas habitações, em área de patrimônio da
Companhia Siderúrgica Nacional, onde foi construída a usina, a Vila Operária23
e os bairros para seus operários e funcionários.
As chamadas vilas operárias foram a solução historicamente encontrada
para viabilizar o suprimento da força de trabalho necessária às indústrias, no
período de afirmação do modo de produção capitalista. Essa solução utilizada no
Brasil desde o final do século XIX, contribui para o rebaixamento do valor da
força de trabalho e para a dominação do capital, no espaço da reprodução da
mão-de-obra. Portanto, o sítio isolado era ideal para a construção da vila-cidade.
Para Rago, “a vila-cidade projetada pela arquitetura da vigilância oferece
a seus moradores a proteção e conforto de toda uma rede de equipamentos
coletivos e comercias, capazes de atender às suas mais simples necessidades:
lazer, educação, e saúde. Cria dispositivo estratégico de união familiar.”24
Jessie Jane afirma que “Volta Redonda foi projetada - política e
materialmente - para ser um grande laboratório industrial. Ali se pretendia
implantar um modelo de unidade produtiva e criar um novo trabalhador
industrial gerado a partir de novas propostas de dominação.”25
A importância política e econômica do empreendimento CSN refletiu-se
no cuidado com o planejamento em escala urbana, afinado ao que Lefebvre
denominou espaço capitalista tardio . “O capitalismo descobriu-se capaz de
atenuar (senão resolver) suas contradições internas(...). Não podemos calcular
22 Apud Françoise CHOAY. O urbanismo. p. 164. 23 Nos documentos oficias a CSN denomina vila operária ao núcleo urbano planejado e construído pela empresa, iniciada em 1941 e concluída durante a década de 50. 24 Luzia Margareth RAGO. Do cabaré ao lar: utopia da cidade disciplinada. p. 179. 25 Jessie Jane Vieira de SOUZA. Arigó, o pássaro que veio de longe. p.10.
40
a que preço mas realmente sabemos por qual meio: ocupando o espaço,
produzindo um espaço.”26
O espaço urbano, enquanto categoria teórica de análise é percebido como
um fenômeno historicamente construído, expressando a organização social do
processo de reprodução do capital como o domínio da instância econômica
sobre a estrutura social. Ao mesmo tempo em que constitui uma expressão de
exigência do modo de vida capitalista, é também espaço de luta entre as classes
sociais que compõem a estrutura social desse modo de produção.
Maria Ozanira defende que“(...) a lógica de construção do urbano se
responsabiliza por criar uma realidade contraditória ao propiciar, de um lado,
através da produção, a agregação do trabalhador na fábrica e, de outro lado, a
concentração social segregativa da moradia no âmbito da esfera da
reprodução, gerando condições objetivas para construção da resistência
popular, tanto a partir do local do trabalho, como do local da moradia.”27
Attílio Corrêa Lima, em carta dirigida ao Prefeito de Barra Mansa (8 de
abril de 1943), percebeu uma realidade contraditória muito particular em Volta
Redonda e fez uma denúncia contundente sobre os rumos do processo de
urbanização. Lembrou inicialmente que o seu projeto para a cidade industrial de
Volta Redonda tinha o caráter de núcleo urbano racional. Advertiu, a seguir,
que: "por inércia ou má compreensão administrativa, foi tolerada e permitida a
construção e a especulação imobiliária fora do perímetro previamente
estudado. Formou-se um quisto, uma excrescência urbana sem método e sem a
elementar compreensão dos problemas da região. Assim, o comércio, indústria,
habitação com inúmeros cortiços foram amontoados em sítios onde
forçosamente obrigará, no futuro próximo, a desapropriações onerosas. Um
verdadeiro caos foi criado ao lado de uma cidade planificada, tudo após
assinatura do contrato para o plano regional." 28
26 Apud Edward W. SOJA. Geografias pós-modernas. p. 114. 27 Maria Ozanira SILVA E SILVA. Política habitacional brasileira: verso e reverso. p. 17. 28 Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 111.
41
Corrêa Lima referiu-se ainda aos grandes interesses econômicos em jogo
e, depois, em menos de três meses, renovava suas denúncias, agora dirigidas ao
Major Hélio de Macedo Soares e Silva, Secretário de Viação e Obras Públicas
do Estado do Rio de Janeiro. Referindo-se à pressão dos proprietários de terras,
atingidos tanto pelo plano urbano de Volta Redonda quanto pelo plano regional
em elaboração, afirmou que: "(...) as dificuldades apresentadas pelo caso de
Volta Redonda são muito mais complexas do que o de Barra Mansa e Pinheiros,
pois estas duas cidades não sofreram as mutilações e a desenfreada
especulação imobiliária. Em Volta Redonda criaram-se situações desagradáveis
que não aparecerão, é claro, nos projetos apresentados, mas que representam
trabalho insano e delicado, tratando-se de ferir interesses, que levantam ódio e
entravam a boa marcha dos estudos. Sem falar aqui a responsabilidade que
pesa a interferência do plano com a Companhia Siderúrgica Nacional(...)."29
Com a conclusão das obras da usina, em 1946, parte dos trabalhadores
que participaram da execução das obras previstas pelo plano urbanístico foram
mantidos em seções da siderúrgica – “cerca de 7.000 trabalhadores tiveram que
receber treinamento especial, já que nunca haviam trabalhado com máquinas.
Entretanto, uma parcela significativa da mão-de-obra não aproveitada pela
CSN permaneceu na cidade, à margem do mercado de trabalho, defrontando-se
com sérias dificuldades para sobreviver. Desse processo de ocupação da cidade
surgiu a primeira favela: Morro de São Carlos.30
A gestão e o quadro de representações cumpriram a tarefa de pôr em
funcionamento o processo de produção e, ao mesmo tempo, emprestar-lhe um
sentido que foi transposto ao próprio trabalho e à vida do cidadão. Na visão de
Roberto Guião31, a cidade e a fábrica cresceram juntas e se integraram sob uma
mesma gestão e o processo de dominação se ampliou, através de investimentos
29 Alberto Costa LOPES. Op. cit. p. 112. 30 Idem. Ibidem. p. 112. 31 Roberto Guião de Souza LIMA é historiador e genealogista, pesquisador da História do café e de sua gente (famílias) no século XIX, prevalentemente no Vale do Rio Paraíba do Sul e subsidiariamente no Oeste paulista, e entusiasta da história e das artes no Brasil, entre os séculos XVI e XIX.
42
na área social e controle dos equipamentos urbanos. Neste caso, os
investimentos se efetivaram nos diversos setores.
A descontinuidade desse processo foi explicitada em 1948, quando se deu
a primeira delimitação entre cidade e fábrica, quando foi colocada uma “cerca
de arame”32 farpado, fechando o perímetro da Usina. Até aquela época, cidade e
fábrica não tinham solução de continuidade.
1.3 – Surge o “espaço vigiado”
Na área da saúde, em janeiro de 1947, foi criado o Serviço Médico
Industrial, através do qual foi feita uma avaliação constante das condições de
saúde dos trabalhadores. Em 1951, foi implantado o serviço médico neuro-
psiquiátrico,33 em conexão com a Medicina Industrial, motivado pela incidência
cada vez maior de casos psiquiátricos. A assistência médica prestada à ‘família
siderúrgica’34 pelo Hospital da Companhia, contou com serviços especializados
(clínico, cirúrgico e odontológico).
Em 1953 foi inaugurado o novo prédio da unidade hospitalar, uma
sociedade formada por cotas, sendo a CSN a cotista majoritária. Mais tarde foi
totalmente incorporado, constituindo-se em departamento da empresa.
A divisão de Puericultura desenvolveu uma assistência à maternidade e à
infância, com distribuição de leite para os bebês, vacinação e assistência médica
para as mulheres e crianças até 14 anos.
Na área educacional a ação da empresa foi intensa, com a criação dos
cursos de alfabetização para os operários. O ensino industrial foi introduzido em
1943 e em 1949 foram inauguradas as instalações definitivas da Escola Técnica
Pandiá Calógeras, em convênio com o SENAI, considerado como um marco do
32 RD’s nº 917 de 27/4/48. 33 Atribuiu como justificativa que: “locais de trabalho e dos turnos sucessivos (...) modificando hábitos de vida, têm criado situações psicopáticas, reativas.” Resolução de diretoria nº 3.854 de 11/10/51. 34 Expressão utilizada por Regina Lúcia de Moraes MOREL.
43
ensino profissionalizante no Brasil. A passagem pela escola representou a
reprodução social dos filhos dos operários pioneiros que tiveram sua iniciação
tecnológica no mundo industrial realizada sob forte fricção cultural.
O Colégio Macedo Soares foi incorporado à empresa, (antes pertencia ao
Clube dos Funcionários) e, em 1954, reuniu cerca de 600 alunos, dos quais 257
eram empregados da CSN freqüentando curso noturno. Entre outras atividades,
patrocinou a construção de vários prédios destinados ao funcionamento de
Grupos Escolares, subvencionou escolas particulares, além de fazer a
complementação de salários dos professores (da rede particular e pública). Foi
mantido um Ginásio Comercial, além de cursos de Corte e Costura e Prendas
Domésticas.
A assistência alimentar foi feita em duas frentes para os empregados:
seriam fornecidas as refeições a preços módicos; a criação dos postos de
abastecimento permitia que os alimentos fossem comercializados através dos
descontos em folha de pagamento, em convênio com o SESI.
Na área de transporte, a empresa fornecia ônibus de ligação entre os
bairros, entre estes e a Companhia, inclusive para Barra Mansa, em caráter
excepcional, isto porque o comércio de Volta Redonda era incipiente. Havia
uma linha regular, particular, que ligava Volta Redonda a Barra Mansa.
Na área de Lazer, no dia 02 de junho de 1946, foi criado o Círculo
Operário, contando na cerimônia oficial, com a participação do padre Leopoldo
Bretano, organizador dos Círculos Operários no Brasil35.
Jessie Jane de Souza destaca a importância deste movimento afirmando que:
“(...) esta entidade teve presença marcante na vida de um grande contingente de
trabalhadores, através de diferentes instrumentos políticos-pedagógicos que
objetivavam construir em colaboração com o Estado, o novo trabalhador
brasileiro. ”36
35 René DREIFUSS. 1964: a conquista do Estado. p. 309. 36 Jessie Jane de SOUZA. Op. cit. p. 4.
44
Os Círculos Operários direcionavam a ação social da Igreja. Segundo
René Dreifuss, os Círculos Operários – ou Círculos de Trabalhadores Cristãos-
eram financiados pelo IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais- e pelo
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática - grupo político e ideológico
ligado a empresários e um dos principais articuladores do golpe militar de
1964.37
Para Dreifuss, os Círculos Operários tinham o claro objetivo de esvaziar
os combativos sindicatos esquerdistas: “(...) a ação política da elite orgânica
entre as classes trabalhadoras e os sindicatos desenvolvia-se grandemente
através de organizações ‘fantoches’ e movimentos orientados pelo clero, que
competiam com os sindicatos de esquerda pelo apoio das classes
trabalhadoras.”38 Na cidade de Volta Redonda, a primeira sede do Círculo foi
instalada em um barracão (bairro Conforto) cedido pela Companhia Siderúrgica
Nacional. As reuniões aconteciam nos finais de semana e giravam em torno de
questões trabalhistas. Na verdade, o Círculo Operário de Volta Redonda nasceu
de uma iniciativa da Diocese juntamente com a diretoria da Companhia
Siderúrgica Nacional, para promoção de lazer, cursos profissionalizantes e de
alfabetização. Isto se evidenciou no depoimento de um dirigente sindical do
período:“(...) o Círculo foi fundado por gente da CSN, envolvidos com a
empresa. Tinha reconhecimento da Igreja com apoio eclesiástico. O Dr. Paulo
Monteiro Mendes atuou com destaque na sua formação.”39
As festas, comemorações, jogos, campeonatos, eram subvencionados e
coordenados pela empresa. Nesse sentido foi construído o Recreio de
Trabalhador (lugar onde a família operária se reunia formando um grupo social),
cinemas e coretos nas praças para diversões e festividades. A CSN, ainda
subvencionou entidades e associações (de empregados ou não), que tivessem
37 René DREIFUSS. Op. cit. p. 309. 38 Idem, ibidem. p. 309. 39 Apud Paulo Célio SOARES. Entrevista com Waldir Bedê, realizada em 29/11/99. Neste período, Paulo
Monteiro Mendes era diretor social da Companhia Siderúrgica Nacional.
45
condições de promover obras de assistência social ou de beneficência aos
empregados e suas famílias.
Pelo Regulamento de Pessoal de 1945, era dever do empregado “residir
no local onde exerce o cargo ou, mediante autorização, em localidade vizinha,
caso não haja inconveniência para o serviço”40
A presença da CSN no cotidiano das pessoas era total, pois ela detinha a
propriedade dos meios de produção e dos equipamentos urbanos, mantendo o
controle político, social, cultural e econômico da cidade. Tinha sob seu domínio
um corpo policial próprio que não estava circunscrito somente ao espaço da
Usina, pois abrangia também a esfera urbana, tendo à sua disposição uma
unidade do Exército (o Batalhão de Infantaria Blindado, posteriormente, 22º
Batalhão de Infantaria Motorizado).
Dentro desse espaço vigiado, não se possibilitou nenhuma espécie de
movimento popular, na esfera do público ou privado, que se desse fora do
controle da CSN, ou que pretendesse introduzir novos valores, idéias ou padrões
de conduta. Como exemplo, podemos citar a contribuição para a construção da
Igreja Santa Cecília, com subvenção regular para os serviços de assistência
espiritual e religiosa desenvolvida pela referida Igreja. Em paralelo, temos a
negativa aos pedidos de donativos e de materiais de construção, a preço de
custo, para a Igreja Metodista do Brasil, sob o protesto de que a população de
Volta Redonda era católica.
Quanto à legalização do padrão familiar católico, a CSN normatizava a
situação através do salário-família: “é reconhecida a companheira com certidão
de casamento passado por uma paróquia, ainda que não seja casada no civil.
Para os que não são católicos, aceita-se uma certidão passada no cartório, com
o empregado reconhecendo e assumindo a ligação. Mas não se reconhece a
40 Regulamento de Pessoal de 1/12/45.
46
companheira, quando o empregado e a mulher forem solteiros e, como tal,
desimpedidos para casarem.”41
A assistência habitacional deu-se através da distribuição de casas
construídas pela CSN, que também fazia toda manutenção através de pequenas
taxas e de aluguéis abaixo dos preços de mercado. Com o crescimento da cidade
e do efetivo da empresa, o problema habitacional foi um fator que marcou toda a
sua trajetória.
Em 1948, a CSN entregou 3000 casas aos seus operários e, nesse ano, já
era o principal agente de gestão dos serviços públicos e instalação de novos
equipamentos sociais na cidade: conservação de ruas e estradas, manutenção e
conservação de parques e jardins, reflorestamento, limpeza urbana, água e
esgoto, energia elétrica, transportes, polícia, bombeiros e banda de música.
Na década de 50, a organização urbana dos dois núcleos originais
tornaram-se o eixo de ligação entre a Cidade Nova e os bairros surgidos nesse
processo de crescimento estimulado pela implantação da CSN (Retiro e São
Lucas).
Diante da crescente demanda de terras para habitação e comércio, os
grandes proprietários da região passaram à condição de loteadores e
especuladores de terrenos, pois em decorrência da presença da usina, a
população que no início da década de 40 era de 2782 habitantes (793
compunham o quadro urbano, 224 o quadro suburbano e 1765 o quadro rural),
no povoado e cercanias viviam 1017 pessoas.42 Em dez anos, a população
chegava a 35964 habitantes (89,4% urbana) demonstrando o enorme
crescimento demográfico, diante desses números é evidente que a crise
habitacional começa a emergir na cidade.
Em resposta a essa demanda, começou a ser elaborado pelo arquiteto
Hélio Modesto, um plano de urbanização das áreas disponíveis pertencentes à
41 Resolução de Diretoria nº 2.610 de 5/1/51 e 3.883 de 23/5/52. 42 Dados do IBGE.
47
empresa, com 1532 habitações. O Serviço Social da CSN indicava que 1849
trabalhadores eram pretendentes da casa; 505 eram operários especializados e
mestres, 1310 eram operários não especializados e 34 eram dirigentes da
empresa. O mesmo relatório indicava também, carência de escolas e de
comércio dentro da área da empresa. Segundo Alberto Costa Lopes, “a ausência
de prédios comerciais dentro da área de empresa, ao que tudo indica, parecia
uma política deliberada para a instalação fora das áreas sob seu controle.”43
Por outro lado, os tributos arrecadados da CSN pela Prefeitura de Barra
Mansa não se destinavam a solucionar ou atenuar os graves problemas gerados
pelo rápido desenvolvimento da nova cidade. À medida que o núcleo original,
implantado pela CSN para servir de apoio à usina, extrapolava tal função,
configurava-se na cidade uma certa autonomia de expansão, quando os
comerciantes e os proprietários começaram a reivindicar a emancipação do
distrito, visando à aplicação dos tributos na própria cidade.
Em 1950, surgiu o movimento emancipacionista patrocinado pela
Sociedade Amigos de Volta Redonda que denunciava o abandono e a falta de
investimentos na cidade.
Tal entendimento ia ao encontro dos interesses da CSN, pois a entrada em
cena de uma administração local própria, empreendida pela prefeitura, tenderia a
reduzir as responsabilidades da empresa no tocante à manutenção das condições
de reprodução da força de trabalho por ela empregada, bem como diminuir seus
investimentos diretos em infra-estrutura para uma mais rápida circulação da sua
produção. Para Morel, “o movimento emancipacionista também seria apoiado
pelo Partido Social Democrático (PSD), proprietários rurais, comerciantes,
profissionais liberais e a Loja Maçônica Independência e Luz II.”44
Em decorrência do crescente processo migratório causado pelos
investimentos da implantação da CSN, o mercado imobiliário foi um enorme
43 Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 93. 44 Regina Lúcia de Moraes MOREL. Op. cit. p. 252.
48
atrativo desde o início da década de 50, o que contribuiu para o fortalecimento
do movimento emancipatório.
Em 17 de Julho de 1954, através da Lei nº 2185 ocorreu a emancipação
política e administrativa de Volta Redonda, concomitante com a conclusão do
Plano B de expansão e das irresistíveis pressões políticas que levaram Vargas ao
suicídio, em agosto do mesmo ano. Em 6 de fevereiro de 1955, tomou posse o
prefeito Sávio Cotta de Almeida Gama. Da emancipação até 1964, as políticas
públicas e a própria CSN passaram por profundas mudanças, que ficaram
patentes no Plano C de expansão da CSN (1956-1960), não contemplando novos
investimentos na cidade operária.
Os primeiros atos legais promulgados no município explicitaram as
contradições, abrindo um panorama de problemas a enfrentar. A proibição de
passagem de gado pelo centro da cidade, das seis às vinte e quatro horas,
ilustrando o conflito da transição rural-urbano, isenção de impostos municipais
para as farmácias que se instalassem nos bairros, procurando suprir necessidades
básicas das áreas não controladas pela CSN, isenção para indústrias instaladas
até 1959 e que empregassem no mínimo cem operários.
Muitas foram as deliberações sobre loteamentos, casas populares, favelas,
barracos, construção de meia-água e outros temas ligados à habitação para os
mais pobres. A abertura de uma avenida serviu de penetração ao bairro Retiro,
em propriedade do então Prefeito (Sávio Gama) e que permitia o acesso aos
futuros bairros Açude, Vila Brasília, Coqueiros e Pau d'alho.
Nos primeiros anos da década de 60, a cidade conseguiu organizar-se e
atingiu um equilíbrio na sua estrutura urbana, atendendo a um maior número de
bairros com obras de infra-estrutura.
49
CAPÍTULO II - O espaço autoritário
2.1. A formação de uma mão-de-obra controlada
A mão-de-obra necessária para a usina foi buscada em outros locais,
principalmente no interior de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.
"Supomos que a proposta fosse a de trazer para a construção da CSN um
camponês analfabeto e subnutrido, constituindo assim uma classe de
trabalhadores mais dócil, para ser transformada no novo trabalhador
industrial, objetivo do discurso varguista naquele momento."45
O recrutamento era feito por agenciadores, que recebiam comissão por
cada homem que chegasse. Em tempos de guerra, o trabalho era compulsório,
um meio de dispensa do serviço militar. Os tempos de guerra facilitaram para a
CSN a solução do problema de atrair e fixar a mão-de-obra pois as pessoas
empregadas em fábricas, consideradas de interesse militar, não poderiam largar
o serviço por mais de oito dias, sob pena de serem consideradas desertoras46. A
CSN estava incluída entre elas e ser seu empregado significava servir às forças
armadas e colaborar na defesa da pátria. Além da jornada de 10 horas,
justificada pelo estado de guerra, os trabalhadores de empresas civis
consideradas de segurança nacional tinham suspenso o seu direito de férias. Isso
conferia ao sistema de dominação, implantado na Companhia, traços de
militarização. Segundo Lenharo, “o Estado Novo levou a sério a existência da
luta de classes, assim como as possibilidades reais da classe operária no jogo
do poder.”47 O projeto de constituição da CSN é um exemplo pois, foi pensada
como modelo, uma empresa exemplar para o resto do país porém além de
toneladas de aço, ela deveria produzir um novo tipo de trabalhador: saudável,
capaz e disciplinado. Para garantir a boa ordem do acampamento foi criada uma
polícia interna. Parte desse corpo policial atuava no interior da Usina, enquanto
45 Jessie Jane Vieira de SOUZA. Revista Arigó. p. 13. 46 Decreto Lei 4937 de 9 de novembro de 1942. 47 Alcir LENHARO. A sacralização da política. p. 22.
50
outro contingente era destinado a controlar os locais de moradia, vigiando os
trabalhadores mesmo em suas horas de folga.
Assim foi construída a CSN, dentro de uma visão extremamente
autoritária, onde a figura do trabalhador era vista apenas como uma peça a ser
burilada. A formação profissional era promovida no sentido de transformar esses
camponeses em trabalhadores industriais, dentro de uma visão que já vinha
sendo articulada pelo Estado, na qual o trabalho era o caminho da riqueza e da
obtenção da cidadania.
Na realidade, construir trabalhadores industriais nada mais era que
mecanizá-los, atrelá-los às máquinas. A máquina era um instrumento de
disciplina que permitia ver concretamente seus efeitos. Materialmente, no
espaço da usina, modificou o emprego do tempo; psiquicamente, no nível do
corpo do trabalhador, a máquina introduziu um novo tipo de disciplina no
trabalho.
O modelo da vila operária implantada em Volta Redonda diferenciou-se
das experiências anteriores pois, foi um modelo importado e teve como ponto
central seu caráter hierarquizado, porém harmonioso do ponto de vista do
planejamento urbano. Os bairros repetiam a hierarquização existente no mundo
da fábrica. Desta maneira, a CSN conseguiu fixar e mobilizar a mão-de-obra
necessária.
Em nome da “paz social”48, o Estado Novo intervinha também na
regulamentação da força de trabalho através da promulgação das leis
trabalhistas. O estabelecimento do salário mínimo permitiu um nivelamento do
salário para a força de trabalho urbana em nível de subsistência. Dada a relativa
escassez de mão-de-obra qualificada e semiqualificada, o estabelecimento do
salário mínimo impediu que as forças de mercado estabelecessem salários de
equilíbrio em níveis mais altos. Tal política traria um efeito importante: a
cooptação das classes trabalhadoras, mostrando assim, a face admissível do
48 Cf. René Armand DREIFUSS. 1964: a conquista do estado – ação política, poder e golpe de classe. p. 24-5.
51
corporativismo. O Estado então foi projetado e percebido como protetor dos
pobres, tendo à frente a figura paternalista de Getúlio Vargas.
A característica de passividade, docilidade e conformismo, divisadas no
homem rural, interessavam ao Estado Varguista, pois tornariam mais fáceis a
execução de seu projeto de formação da cidadania brasileira, com controle do
Estado. É o que Santos denominou de cidadania regulada: "Por cidadania
regulada entendo o conceito da cidadania cujas raízes encontram-se, não em
um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação
ocupacional, e que ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido
por normas legais. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da
comunidade que se encontram localizados, em qualquer uma das ocupações
reconhecidas e definidas em Lei. (...) A cidadania está embutida na profissão e
os direitos de cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no espaço
produtivo, tal como reconhecido em lei."49
Imbuída da missão civilizatória, a CSN pretendia construir, através da
educação e do trabalho, o verdadeiro cidadão trabalhador. Para isso, a empresa
utilizou diversas estratégias visando a educar, vigiar e controlar o trabalhador,
dentro e fora da fábrica. Médicos, arquitetos, engenheiros e assistentes sociais
eram agentes fundamentais na montagem desse bem elaborado sistema de
dominação e disciplinamento; do traçado da cidade ao interior das casas,
passando pelos hábitos cotidianos do trabalhador e de sua família, tudo era
cuidadosamente planejado. Volta Redonda devia ser uma cidade-modelo,
habitada por trabalhadores-modelos.
A concepção de construção de um urbano planejado nos moldes industriais
do capitalismo americano pode ser constatada nas observações de Harvey, em
relação às transformações políticas, no final do século XX. "(...) São abundantes
os sinais e marcas de modificações radicais em processo de trabalho, hábitos de
consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do
49 Wanderlei Guilherme dos SANTOS. Cidadania e justiça. p. 75.
52
Estado, etc. No ocidente, ainda vivemos uma sociedade em que a produção em
função de lucro permanece como princípio organizador básico da vida
econômica. Portanto, precisamos de alguma maneira representar todos os
grandes eventos ocorridos desde a primeira grande recessão do pós-guerra, de
maneira que não perca de vista o fato de as regras básicas do modo capitalista
de produção continuarem a operar como forças plasmadoras invariantes do
desenvolvimento histórico-geográfico.”50
Essa lógica capitalista esteve presente desde o início do projeto CSN,
concebido como processo de industrialização, da produção em massa e da
reprodução. Harvey em suas observações sobre o desenvolvimento da indústria
americana, nos mostra que: "(...) Taylor descrevia como a produtividade do
trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada
processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas
de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do
movimento (...) A separação entre gerência, concepção, controle e execução (e
tudo o que isso significava em termos de relações sociais hierárquicas e de
desabilitação dentro do processo de trabalho). (...) O que havia de especial em
Ford, era sua visão, seu reconhecimento explícito de que a produção de massa,
um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova estética e uma
nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,
racionalizada e modernista.”51
Na medida que vamos libertando dos arquivos as informações e as
reflexões sobre experiências, vamos evidenciando um projeto de formação de
uma classe operária controlada e disciplinada, conforme o explicitado nas
observações de Harvey quando recorre a Gramsci, em seu relato sobre o
americanismo e o fordismo: "eqüivaliam ao maior esforço coletivo até para
criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito
50 David HARVEY. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança social. p. 117. 51 David HARVEY. Op. cit. p. 121.
53
sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem.
Os novos métodos de trabalho 'são inseparáveis de um modo especifico de viver
e de pensar e sentir a vida'. Questões de sexualidade, de família, de formas de
coerção moral, de consumismo e de ação do Estado estavam vinculadas, ao ver
de Gramsci, ao esforço de forjar um tipo particular de trabalhador."52
Entendemos classe operária como na concepção de Thompson, quando
afirma que a "classe operária não surgiu tal como o sol numa hora
determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se (...) classe e classes,
há uma diferença. 'Classe trabalhadora' é um termo descrito, tão esclarecedor,
quanto evasivo. Reúne vagamente um amontoado de fenômenos descontínuos
(...) por classe entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de
acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-
prima da experiência como da consciência." 53
No projeto de construção da CSN, a visão de classe foi totalmente
destoante desta linha de pensamento, o que fica claro na reprodução do discurso
de Edmundo Macedo Soares: "Os homens que vieram construir Volta Redonda,
espontaneamente ou recrutados em seus Estados, eram bisonhos, quase sempre
mal tratados, completamente ignorantes do que seria uma usina siderúrgica.
Vieram como teriam ido para um garimpo procurar trabalho, ganhando o que
eles julgavam ser uma boa remuneração. Em geral, só conheciam quatro
ferramentas: a foice, a enxada, o machado, e o facão. Como produtores de
energia, além deles sabiam que existiam o boi, o cavalo, e os muares; a
eletricidade era para eles uma força misteriosa, ignorada na maioria dos
lugares do interior do país."54
Diante desse quadro, Macedo Soares reiterou que o grande problema
estava em preparar "o povo sem formação para construir no país, os
52 David HARVEY. Op. cit. p. 121-2. 53 Edward W. THOMPSON. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. p. 9. 54 Edmundo de Macedo Soares e SILVA. A formação técnica do brasileiro. Carta mensal.. Nº 293. p. 3.
54
instrumentos de grandeza com que sonhavam as elites que tinham passado pelas
escolas superiores."55
Visando solucionar o problema, foram consideradas três áreas de atuação:
1) O operário analfabeto, tinha que ser escolarizado, ainda que de forma
rudimentar para habilitá-los na aquisição de conhecimentos básicos. Para tal
foram criados os cursos de alfabetização denominados (baterias) que possuíam
dificuldades crescentes e sucessivas, divididas em A, B, e C, segundo um
esquema linear padrão. A bateria C era a alfabetização pura, a B introduzia
alguns conceitos e regras numa escala crescente até a bateria A, em que o nível
de conhecimento proposto era um pouco maior. Eram cursos estabelecidos de
acordo com as exigências básicas da função, exercida pelo operário, diretamente
voltada para aquisição de conhecimentos mínimos de matemática e português,
para facilitar a aprendizagem das tarefas. Os professores eram contratados da
rede oficial, com salários complementares pela empresa sob forma de
gratificação. Os conteúdos programáticos e sua aplicação eram controlados pela
CSN, eram ministrados nas dependências da usina com um sentido utilitário,
como o resto dos benefícios, para criar um corpo de trabalhadores que pudesse
atender às demandas da produção.
2) Para os operadores e auxiliares, pessoal envolvido na operação dos
equipamentos, o treinamento tinha um caráter pragmático, de aprendizagem
rápida dos mecanismos sumários da operação.
3) A área de treinamento era a aprendizagem dos engenheiros, que
começavam através dos manuais técnicos e iam se familiarizando com os
equipamentos, sendo que um certo número era mandado ao exterior em busca de
um conhecimento tecnológico mais profundo. No depoimento de um antigo
dirigente da empresa, era comum naquela época, "os chefes de departamento
fazerem a operação. Então a gente sabia operar o forno, operar uma máquina,
uma furadeira. Muitos dos equipamentos que, neste período foram introduzidos,
55 Regina Lucia de Moraes MOREL. Op. cit. p. 30.
55
os primeiros operadores eram os próprios chefes que depois transmitiam aos
operadores, mas, só depois da aprendizagem que a gente tinha. Isto era bom,
porque assim a gente tinha condições de assumir o comando e controlar melhor
o operário, porque a gente sabia como ele estava operando a máquina, como
ele estava falhando na operação.(...) No princípio a empresa não podia ser
tecnicamente competente porque toda ela estava em processo de aprendizagem.
O pessoal teve que aprender a operar e foi na prática mesmo. Mas nós
estávamos lá presentes. Ficávamos de olho nos operários para não fazerem
bobagem, checando sempre. Nós mesmos operávamos, depois ensinávamos aos
operários.”56
O desenvolvimento e aperfeiçoamento da mão de obra, ficou a cargo da
Escola Técnica, sob a responsabilidade dos engenheiros da CSN, a partir da
montagem de oficinas e laboratórios, que deram aos alunos condições para
simularem práticas de operações a serem desenvolvidas na empresa,
constituindo-se na melhor escola de preparação de técnicos em metalurgia e
siderurgia do país.
Em 1946, Dutra assinou um decreto criando o Serviço Social da Indústria
(SESI), com o objetivo, a longo prazo, “de combater o reaparecimento de
organizações autônomas entre as classes trabalhadoras e de construir no seio
do operariado urbano uma base ideológica e de comportamento político em
consonância com uma sociedade industrial.”57
A ação profissional do engenheiro58 sempre esteve centrada nos setores de
obras públicas e construção civil, configuradas agora sob novo caráter, uma vez
que se orientavam para os interesses de expansão do mundo interno e, de forma
crescente, para a industrialização. O trabalho do engenheiro passou a constituir-
se basicamente de atividades urbanas, como foi o caso da instalação da Usina
56 Apud Solange Maria PIMENTA. A estratégia da gestão: fabricando aço e constrindo homens – o caso da Companhia Siderúrgica Nacional. p. 125. 57 René Armand DREIFUSS. 1964: a conquista do estado. p. 29. 58 Lili Katsuco KAWAMURA. Engenheiro: trabalho e ideologia. p. 15 e 19.
56
Siderúrgica de Volta Redonda. E neste empreendimento, o engenheiro teve
papel relevante, na medida em que a formação profissional e sua atuação
estavam ligadas à tecnologia e ao processo de produção industrial. Seriam esses
profissionais que estavam ligados ao empreendimento CSN, sob a forma de
mandantes, ao mesmo tempo em que estavam ligados à arte militar, pois o seu
saber e seu conhecimento tecnológico se faziam interessantes, enquanto meio de
segurança e de repressão.
Em 1961 a usina siderúrgica foi batizada, com o nome do ex-presidente
Getúlio Vargas, em 1963 foi desencadeado um movimento para dar o nome de
Vargas ao município, porém sofreu veto na área militar, quando já se articulava
o golpe de 1964. Esse veto constituía o ato simbólico que prenunciava a
derrocada do trabalhismo sob a tutela do Estado.
2.2. O espaço urbano e a sua história no regime militar
“O governo militar é um parêntese entre dois governos constitucionais; o
elemento militar é a reserva permanente da ordem e do conservadorismo, é uma
força política que atua ‘publicamente’ quando a ‘legalidade’ está em perigo.”59
Em 31 março de 1964, com o golpe militar, Volta Redonda foi
imediatamente controlada pelo 22º Batalhão de Infantaria Motorizada (BIM),
sediado em Barra Mansa, e pela companhia da Academia Militar das Agulhas
Negras, sediada em Resende. O controle se processou com a invasão da usina e
os soldados distribuídos em vários pontos da usina. Os diretores do Sindicato
dos Metalúrgicos de Volta Redonda e Barra Mansa, foram presos e
encaminhados para as unidades militares mais próximas.
A esquerdização do país60 vinha se apresentando, desde 1935, como uma
das maiores preocupações políticas por parte das Forças Armadas. A
59 Antonio GRAMSCI. Maquiavel, a política e o estado moderno. p. 60. 60 Cf. Geraldo Lesbat Cavagnari FILHO. Autonomia militar e construção da potência. In: Eliézer Rizzo de OLIVEIRA [et al.]. As forças armadas no Brasil. P. 62.
57
neutralização dessa ameaça exigia, por imposição doutrinária (doutrina de
segurança nacional), a posse pelas forças militares de um instrumento eficaz,
isto é, a manutenção da autonomia militar no Estado. Tal instrumento seria a
garantia para efetivação de qualquer projeto liberal-conservador, pelo potencial
de inibição que representava à configuração daquela ameaça, restringindo a
liberdade de ação das chamadas forças de esquerda, no espaço concedido a elas
no processo de transição.
Dentro dessa concepção, em 25 de Abril de 1964, a Assembléia Geral de
Acionistas da CSN elegeu a seguinte diretoria:
Presidente Eng. Oswaldo Pinto da Veiga
Vice-Presidente Eng. Antônio Carlos Gonçalves Penna
Diretor Industrial Eng. Mauro Mariano da Silva
Diretor de Matérias Primas Eng. Mauro Ramos
Diretor Comercial Eng. Arnaldo Claro São Thiago Filho
Diretor Tesoureiro Cmt. Benvindo Taques Horta, 26/04/65
Dir. de Pessoal e de Serviço Social Eng.Newton C. de Bittencourt Coutrim
Apesar do curto espaço de tempo, entre o golpe de 31 de março e a
Assembléia Geral dos Acionistas da CSN, em 24 de abril de 1964, a indicação
da diretoria tinha a aprovação dos militares, uma vez que o presidente foi
mantido pelo governo no período 1964/1966. Em 24 de abril de 1967 foi
nomeado para Presidente da CSN o General Alfredo Américo da Silva,
permanecendo até 1974, com modificações de alguns diretores durante o
período.61
Havia a crença, por parte dos técnicos e políticos locais de que o
desenvolvimento sem contradições e crise era possível e que o espaço urbano se
beneficiaria, mais uma vez, com grandes investimentos do governo federal.
61 Levantamento realizado pelo Gabinete Administrativo da Empresa, informando as suas diretorias, desde a sua fundação até 1991.
58
O planejamento como processo, dava aos técnicos a ilusão de que a
cidade, uma vez concluídas as obras de expansão da empresa, seria bela,
moderna e harmoniosa. A existência de uma periferia com precariedades de suas
condições de vida, não trazia preocupações.
Com a emancipação do município, a prefeitura organizava uma estrutura
administrativa independente da CSN, visando a corrigir as diferenças de infra-
estrutura da cidade não operária, ou seja, administrando a cidade como um todo.
No entanto, com o golpe militar de 64, voltava a experimentar um
gerenciamento direto do Estado, com forte influência da CSN, e o forte interesse
dos seus dirigentes que entendiam a sua legitimidade de dominação.
Em 29 de março de 1973, através do Decreto-Lei n º 1273 o presidente
Emílio Garrastazu Médici declarava o Município de Interesse de Segurança
Nacional, e, mais uma vez, Volta Redonda experimentou uma incisiva
interferência do poder central, nomeando os prefeitos do município.
Buscando entender a legitimidade proclamada pelos dirigentes da CSN e
observando a política gerencial e administrativa praticada desde a sua
construção, recorremos a Weber quando diz que: "A legitimidade da dominação
não repousa exclusivamente sobre valores ideais, pois a dominação sempre está
ligada à legitimidade da propriedade. Além disso a dominação pode existir
também, quando a obediência não é voluntária, como entre os militares. A
legitimidade não precisa ser também a primeira razão da obediência numa
relação de dominação. A obediência pode vir do mesmo jeito de motivos
oportunistas ou de uma impotência que faz aceitar sem resistência a situação. A
dominação pode desistir de qualquer legitimidade, se ela dispõe de poder
suficientemente repressivo e de um quadro administrativo leal."62
Max Weber define 3 tipos puros de dominação: "A dominação legal que
se baseia na crença da legalidade da ordem que impõe o dominador. A
obediência ao dominador provém dessa crença a legalidade. A dominação
62 Max WEBER. Ciência e política: duas vocações. p. 57.
59
tradicional que se baseia na crença de que a santidade das tradições dá ao
dominador a autoridade devido à sua vocação. Nesse caso a obediência se
deriva da piedade e a dominação carismática que se baseia na crença das
capacidades incomuns de uma pessoa e da ordem social por ela criada.
Obedece-se devido a crença ao carisma."63
O caso Volta Redonda (sua fundação e construção), vinculou-se ao que
Weber chamou de dominação legal porque os operários não duvidaram da
legitimidade de quem detinha o poder dentro da usina e fora dela. Quem ousaria
duvidar da legitimidade do próprio Estado ou dos seus representantes legais, os
altos dirigentes da empresa? Para que a dominação pudesse funcionar de
maneira racional, ela precisaria ter um aparelho burocrático, dividido em
competências setoriais bem definidas e com os poderes executivos adequados
em cada setor, assim como os meios de repressão bem delimitados. Além disso,
esse aparelho burocrático deve ter uma estrutura hierárquica. Cada burocrata
devia ser qualificado para sua tarefa, a de fazer obedecer às regras técnicas ou as
normas vigentes. Se o dominador pudesse contar com uma administração desse
tipo, o seu poder estaria bem assegurado, como afirma Weber64, a dominação no
dia-a-dia foi exercida pela administração.
A lei vigente em Volta Redonda era legal e racional, e tinha que ser
obedecida. Além disso, o dominador local, no caso os altos dirigentes da
empresa, também tinham que obedecer à ordem impessoal do Estado que os
comandava. Dessa maneira, os habitantes de Volta Redonda, obedecendo ao
dominador local, automaticamente obedeciam também à ordem impessoal do
Estado. Assim tudo corria dentro da legalidade.
Este quadro de dominação começou a sofrer algumas alterações nos anos
70. Tendo que adotar uma política austera de controle dos custos, a fim de
manter seus produtos mais competitivos no mercado, a CSN se deparou com
63 Max WEBER. Op. cit. p. 57. 64 Idem, ibidem. p. 57.
60
uma enorme crise financeira, em decorrência da contenção nos preços do aço
pelo governo federal. No ano 1973, iniciou a venda das suas casas, completando
o processo de unificação espacial das duas cidades: a Vila Operária, construída e
mantida pela CSN, e a cidade de Volta Redonda, construída e mantida pelo
poder público municipal.
Encerrava-se o ciclo de gerenciamento direto da CSN, na vida urbana da
cidade e o poder público passava a ser o responsável pela manutenção e
elaboração do planejamento da cidade através de um plano diretor, conforme foi
explicitado por Lagôa: "A ordenação global do espaço urbano, considerada
como uma atividade consciente e voluntária do poder público, através de uma
planificação resultante de uma concepção total da comunidade (...) tem por
objetivo desenvolver certas e determinadas diretrizes sócio-econômicas e
administrativo-institucional, previamente escolhidas, e ao mesmo tempo
planejar apenas o estabelecimento de uma morfologia do espaço, isto é, de suas
características físico-espacial, visando a implementação das diretrizes para
tanto contidas no plano global de ocupação do referido espaço."65
O plano diretor tinha uma concepção voluntária do poder e ao mesmo
tempo observava as necessidades da comunidade como um todo para aplicação
de diretrizes sociais, econômicas e administrativas, visando à ocupação do
espaço. Ao examinarmos as diretrizes do Plano de Desenvolvimento Integrado
de Volta Redonda (PEDI-VR), deparamo-nos com um forte domínio da CSN
sobre a organização da cidade, pois o plano elaborado tinha a intenção de
adaptá-la aos seus próprios interesses de desenvolvimento, que pretendia
expandir, consideravelmente, sua capacidade de produção de 1,4 milhões de
toneladas para 4,5 milhões de toneladas de aço por ano.
De acordo com o PEDI-VR a usina e o desenvolvimento industrial foram
colocados em primeiro plano, sobrepondo-se aos interesses dos cidadãos, como
65 Paulo Francisco Rocha LAGOA. Ordenação de espaço urbano- considerações gerais. In: Alvaro PESSOA (Org). Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. p. 127.
61
expressamente afirmado no diagnóstico: "Por outras palavras em Volta
Redonda quem merece viver é a usina; à cidade cumpre acomodar-se ou
retirar-se de sua proximidade. Para bem decidir, pois é importante reconhecer
este fato sociológico desde o início."66
A citação acima retrata o caráter autoritário e antidemocrático que se
desenvolveu na construção do espaço de Volta Redonda e que pode ser
representado naquilo que Marx chamou de estranhamento ou alienação. De
acordo com essa peculiaridade da alienação, "cada esfera me impõe uma regra
diferente e contrária à da outra; a moral me dita uma regra, a economia outra;
cada uma é uma determinada alienação humana; cada uma encarna um círculo
particular da atividade essencial alienada; cada uma se acha numa relação
alienada com as outras alienações."67
Marx chegou a comparar a produção das falsas representações ao
fenômeno físico que ocorria nas câmaras escuras, no trabalho dos fotógrafos,
onde se encontrava uma inversão de imagens. Sobre esse fato, Marx convidava
os companheiros à não se deixarem levar pelas falsas representações. E diz que
"As falsas representações são, nas sociedades classistas, mantidas pelas
classes dominantes, na medida em que ajudam a preservar os privilégios dos
detentores de poder, impedindo os dominados de se organizar conscientemente
em torno de um processo realista de revolucionamento da sociedade."68
Nos estudos realizados pelo PEDI, outros elementos foram de grande
importância para análise: a relação entre habitação e trabalho, a partir de dados
fornecidos pela CSN relativo ao local da residência de seus 13409 empregados.
"O primeiro aspecto que se observa ao analisar os dados, é que 94,6% dos
empregados da CSN trabalham e residem em Volta Redonda. Apenas 5,2%
66 Plano Estrutural de Desenvolvimento Integrado (elaborado por Harry Cole, dirigente da SERFHAU e homem das relações políticas de Roberto Campos, na fase da instituição do planejamento governamental pós-64). Prefeitura Municipal de Volta Redonda – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU), s/n. Um desafio. s.1. 67 Apud Leandro KONDER. O Futuro da filosofia da práxis. p. 32. 68 Idem, ibidem. p. 33.
62
trabalham na cidade e residem fora dela, enquanto 0,2% tem residência em
Volta Redonda e outros municípios, onde, ao que tudo indica, passam aí o fim
de semana ou outros períodos do ano. Assim apenas 5,2% dos empregados da
CSN realizam diariamente migrações alternantes entre o local de trabalho e
suas residências."69
Em relação ao uso da terra o plano a urbanização da cidade foi
caracterizado pelos seguintes aspectos: "Vasta área da cidade possui uso da
terra industrial, e em torno dessa área estruturam-se outras áreas com usos
diferenciados. (...) A cidade possui várias áreas de uso predominante ligado ao
comércio e aos serviços. Algumas dessas áreas apresentam forma linear, e
constituem apenas 'áreas comerciais' visando atender à população próxima. (...)
Finalmente Volta Redonda possui duas 'áreas centrais': uma se localizando na
chamada Vila, em terrenos e prédios pertencentes a CSN, aí se localizando o
comércio fino; a outra apresentando-se mais dinâmica, possuindo maior
número de estabelecimentos varejistas e de serviços, sendo área bancária da
cidade. Convém ressaltar que essas duas 'áreas centrais' de certa forma se
complementam, e resultam da separação inicial existente entre a implantação
do núcleo urbano da CSN e o núcleo pré-existente. (...)As áreas de uso
residencial podem ser divididas em quatro categorias: residência de padrão
alto, situam-se na margem direita do Paraíba, especialmente na área da CSN,
que construiu boas residências destinadas aos seus quadros superiores e
médios. Nesta área também localizam-se residências de padrão médio e
regular. As residências proletárias localizam-se basicamente na parte da cidade
situada na margem esquerda do Paraíba, onde o equipamento de infra-
estrutura é precário. Finalmente convém notar a presença de pequenas áreas
ocupadas com sub-habitações localizadas sobretudo nesse mesmo setor norte
69 Plano de Desenvolvimento Local Integrado. Abril de 1969.(item 1.1.3). p.1.
63
da cidade. (...) Inexistência de áreas verdes constituindo áreas de recreação
para a população citadina."70
No Plano diretor da cidade também constavam estudos sobre medidas
econômicas recomendáveis, dirigidas essencialmente à Prefeitura Municipal. As
medidas de caráter mais imediato, divididas em dois tipos: " Medidas destinadas
a adaptar o município às novas responsabilidades resultantes de um programa
de expansão que vai quase dobrar as dimensões atuais da Usina Presidente
Vargas, e as destinadas a encorajar uma diversificação do parque industrial do
município.[E apresentava recomendações para adaptação ao programa de
expansão] O programa de expansão da indústria terá dois impactos que
chamaremos de efeito de instalação e efeito de funcionamento (grifo nosso).
Resulta o primeiro dos pesados investimentos locais que deverão ser feitos, no
sentido de aumentar o capital fixo da empresa. Quanto ao segundo, liga-se ao
crescimento do fluxo de salários, impostos e outras despesas, resultante da
operação da empresa em nível mais elevado de produção."71
As projeções financeiras constantes no plano diretor, dos gastos prováveis
do plano de expansão, no que se refere ao efeito instalação, foram assim
demonstrados:
Primeiro estágio (fins de 1971)............. .: NcrS 37.000.000,00 Segundo estágio (fins de 1973)...............: NcrS 87.000.000,00 Terceiro estágio (fins de 1974)...............: NcrS 80.000.000,00 Quarto estágio (fins de 1975)...............: NcrS 60.000.000,00 TOTAL....................................................: NcrS 264.000.000,00
"No efeito de funcionamento pode ser medido essencialmente em termos
de emprego adicional oferecido pela CSN. Mantida a relação atual de 100
empregados por tonelada produzida, teríamos mão de obra adicionais de 11000
trabalhadores, mas a própria CSN informa que a expansão, com aplicação de
70 Plano de Desenvolvimento Local Integrado/69. (item 3.2.4). p. 1. 71 PDLI/69 . (item 1.2.2). p. 2.
64
tecnologia moderna permitirá um aumento de produtividade calculando que
apenas 6.000 empregados adicionais serão necessários, tendo em vista que no
município tudo gira em torno da siderúrgica pode se prever uma ociosidade de
mão-de-obra, principalmente não especializada."72
Sobre os loteamentos, os estudos do (PDLI)73 evidenciaram a falta de um
planejamento urbano, quando considerou que os loteamentos aprovados de 1942
até 1969, cerca de sessenta atendiam à expansão populacional. A falta de
exigência de construção foi responsável por vários empreendimentos nos quais a
urbanização foi lenta e os novos loteamentos cerceados pela municipalidade,
agravando o custo da terra. Sugeria a criação de uma legislação específica e
atualizada, como meta prioritária do PDLI.
O autoritarismo inscrito na gênese da cidade, reaparece no planejamento
que se institui na década de 70, num quadro de dominação capitalista. Como
retrata SOJA, "(...) a crescente importância do capital monopolista, sua
expansão em escala global e sua dependência cada vez maior da administração
e planejamento estatal foram interpretados como havendo introduzido novas
condições históricas (e espaciais) nas formações sociais capitalistas
contemporâneas, e portanto, na política da luta de classes."74
A escolha do local para usina siderúrgica, entre outras razões, deu-se por
ser um sítio isolado, onde seria necessário construir uma cidade para abrigar os
trabalhadores. Foi projetada na intenção de ser a formadora da classe operária
brasileira merecendo um projeto de grandes dimensões, para qual não foram
poupados recursos na fase de concepção e implantação. No plano urbanístico,
procurava-se proporcionar elevado padrão de qualidade das habitações, da infra-
estrutura e serviços.
72 PDLI/69. (item 1.2.2). p. 2. 73 Estudo elaborado pelo escritório técnico Wit-Olaf Prochnik para o governo Sávio Cotta de Almeida Gama, tendo como Diretor do Escritório de Planejamento o Eng. Brenno de Castro e Coordenador do Plano o Arq. Carlos Alberto de Mesquita. 74 Edward W. SOJA. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. p.117.
65
A cidade-operária, na concepção inicial teria 3700 domicílios, que
deveriam ser concluídos juntamente com a construção da usina. 75 Esse plano,
não se concretizou em sua totalidade e, mesmo com os acréscimos posteriores, a
Cidade Operária jamais atendeu à necessidade de moradia de todos os
trabalhadores envolvidos no empreendimento siderúrgico. Portanto, o déficit
habitacional originou-se juntamente com a Cidade Operária e manteve-se em
toda sua trajetória. A CSN nunca cumpriu a meta habitacional e a crise
habitacional se instalou na cidade, como veremos no capítulo seguinte.
75 A partir dos relatórios anuais da diretoria da CSN, de 1946, 1947 e 1948, deduz-se que foram projetadas 3.700 casas, embora, no relatório dos trabalhos feitos até abril de 1942, pelo escritório de Obras, constasse que a Cidade Operária deveria receber 4000 casas.
66
CAPÍTULO III - A Crise Habitacional de Volta Redonda
Para iniciar esse capítulo, entendemos ser necessário fazer uma breve
digressão sobre a questão da moradia, visando compreender como a sociedade
age sobre si mesma diante de suas necessidades, como cria suas regras sociais e
extra-sociais, que se impõem aos atores da transformação social. Para essa
tarefa, buscamos em Spinoza que ‘a liberdade é a consciência da necessidade’ e
em Marx que ‘os homens é que fazem a história, mas não sabem disso’.76
O desenvolvimento urbano em Volta Redonda foi a confirmação
inequívoca destes pensamentos, pois, a necessidade de morar definiu o seu
processo de favelamento. Esse processo esteve aliado aos fenômenos mais
globais das contradições estruturais do capitalismo e ao processo político que o
país viveu durante o período. Aliás, nesse sistema, poderíamos até dizer que o
espaço não existe como uma dimensão social independente e individualizada,
estando sempre interligado ou embebido em valores, que serviram para a
orientação geral.
O espaço urbano caracterizou-se como um modelo de ocupação específico
que, a princípio, foi gerado pela industrialização produtora do urbanismo e que,
na atualidade passou a ser sua fonte geradora. O espaço confundiu-se com a
própria ordem social; logo sem entender a sociedade com sua rede de relações,
funções e valores não se pode interpretar sua concepção.
Nessa coreografia, imposta pelo sistema, pode-se perceber um movimento
discreto, cujo efeito, tal como uma pintura impressionista, somente se reconhece
à distância. Uma espécie de microfísica da resistência, ou da existência,
efetivou-se, em qualquer época, sob qualquer poder, por mais absoluto que
fosse. Nesse processo de organização, camuflando as diferentes heterotopias,77
os espaços culturalmente produzidos chocavam-se e completavam-se,
76 Apud Jean LOJKINE. O estado capitalista e a questão urbana. p. 13. 77 Foucault relata que ao fazer um estudo sobre espaço usou essa denominação para definir espaços singulares encontrados em determinados espaços sociais, cujas funções são diferentes ou até opostas à outra. Apud Edward W. SOJA. Geografias pós modernas: a reafirmação de espaço na teoria crítica. p. 28
67
espelhando as experiências do cotidiano, em nome da idealização de um espaço
homogêneo e equilibrado. Em vários momentos da história de Volta Redonda, o
público e o privado uniram-se e separaram-se, num complexo jogo de ação e
reação.
Entendendo o espaço não apenas como um cenário mas, em sua
complementaridade dialética de concepção, apropriação, elaboração temporal e
cultural, refletindo pressupostos teóricos, formas de observação construídas no
cotidiano das pessoas de um modo geral, não se pode ver tempo nem espaço.
Essas categorias devem ser percebidas em suas múltiplas configurações, na
relação direta dos homens com a natureza e, principalmente, com o poder que os
conforma, explicita e define. “Impõe-se, portanto, uma nova visão geográfica
na qual há uma reafirmação do espaço na teoria social e crítica, na práxis
política.”78
Milton Santos pergunta79 se é possível comparar a urbanização dos países
subdesenvolvidos com o processo levado a cabo nos países industrializados no
início da revolução industrial. O próprio Milton Santos responde que “enquanto
as cidades dos países industrializados fazem parte integrante de um território
que mais ou menos a gerou e com a qual viveu, em constantes interrelações, a
mesma aventura, a cidade dos países subdesenvolvidos aparece muitas vezes
como um corpo estranho, alógeno, inserido em um meio com o qual estabelece
relações descontínuas no espaço e no tempo. (...) A cidade dos países
subdesenvolvidos se lança à conquista do espaço a partir de duas verdadeiras
alienações: a cidade mesma nasce para servir a interesses distantes e, por outro
lado, sua zona de influência é, muitas vezes, um desses ‘espaços derivados’,
cuja vida depende, em grande parte de fatores externos. Ademais, o território
com o qual a cidade é confrontada poderia ser qualificado como
‘superimposto’.” 80
78 Edward SOJA. Op. cit. p. 147. 79 Milton SANTOS. A urbanização desigual. p.11. 80 Milton SANTOS. A urbanização desigual . p. 97.
68
3.1. Historicidade e especificidade da crise habitacional de Volta Redonda
Em 1948, no final da primeira fase do plano urbanístico da cidade81, a
CSN contava com 8916 empregados e 3003 habitações construídas (atendendo
aproximadamente 34% dos trabalhadores). Esse índice evidenciava o não
cumprimento do compromisso de fornecer habitação para todos.
A retomada na construção de moradias se estendeu de 1951 até 1966,
embora de forma tímida. Nesse período, observava-se um profundo
descompasso pois, o número de empregados chegava a 15009 para 5982
habitações construídas, representando o atendimento de 39,8% dos empregados
com moradia.
Em nível nacional, 82 a situação habitacional apresentava o mesmo
descompasso entre o crescimento populacional e produção de moradia nos
centros urbanos. Embora já tivesse sido apontado, desde o início do século,
como problema de competência nacional, (a partir de relatórios do Conselho de
Saúde do Distrito Federal, que deploravam as condições dos cortiços, indicavam
os riscos para a saúde pública e recomendava a remoção dos moradores para a
periferia da cidade), o problema foi se arrastando, ao longo dos anos.
No Rio de Janeiro, com a abertura de ruas e avenidas centrais na cidade
ocorreu a demolição de inúmeros cortiços, sem substituição por moradias de
baixo custo, com a inevitável elevação do valor de aluguéis. A favela passou a
ser a única alternativa dos mais pobres.
Essa preocupação foi observada em 1937, através do Código de Obras,
quando governo tentou limitar a expansão das favelas, substituindo-as por
núcleos de habitações do tipo mínimo, a serem vendidas às pessoas,
reconhecidamente pobres.
81 Cf. Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano de Volta Redonda. p. 103-104. 82 Cf. Maria Ozanira da Silva e SILVA. Política habitacional brasileira: verso e reverso. p. 33-44.
69
Em 1942 através de forte intervenção nas relações de trabalho, Vargas
criou a Lei do Inquilinato e congelou os aluguéis. Essa medida foi um incentivo
à propriedade privada (classe média e os trabalhadores de melhor remuneração),
restando ao segmento carente, a moradia nas favelas pois, a casa própria era para
o trabalhador, a única alternativa de morar na cidade. O agravamento das
condições habitacionais era uma ameaça para a continuidade do processo
produtivo, através da superexploração da força de trabalho, sem maiores
interferências do Estado. Pela primeira vez, o Estado assumiu a responsabilidade
pela oferta de habitação ao segmento da população urbana mas, o atendimento
estava restrito aos associados dos institutos da previdência, constituindo-se num
programa fragmentário com pouca relevância quantitativa.
No período seguinte, Dutra adotou uma política de liberação da economia,
seguida de repressão ao trabalhador e ao seu salário, tendo no setor habitacional
uma atitude ambígua. A criação da FCP (Fundação Casa Popular) foi uma
dessas ambigüidades pois, foi o primeiro órgão federal que se destinava a tarefa
de promover habitação às populações de baixa renda. Desta forma, o governo
tentou angariar legitimidade e alcançar penetração junto aos trabalhadores
urbanos. Em 1947, a repressão às favelas do Distrito Federal chegou ao seu
ápice. Os dirigentes acreditavam que a questão seria resolvida, caso os
favelados retornassem ao seu Estado de origem, expulsando as famílias cujo
salário não atingisse um mínimo estipulado. Naturalmente, pela sua
ingenuidade, o plano não funcionou.
No segundo período de Vargas (1951-1954), restabeleceu-se um clima
político favorável para que favelados e os trabalhadores articulassem seus
interesses, e ao mesmo tempo houve um estímulo ao desenvolvimento
econômico. Apesar de serem vistas como um problema nacional, as favelas
deveriam ser consideradas em seu aspecto social, econômico e legal; assim, a
construção de moradias foi implementada através do Instituto de Aposentadoria
e Pensão. Porém, com a crescente inflação, a partir de 1950, a fragmentária e
70
clientelista política habitacional entrou em colapso, evidenciando-se a pouca (ou
quase nenhuma) prioridade com a questão habitacional.
Esta pouca atenção dada à moradia popular no país denunciava uma das
facetas da superexploração da força de trabalho, pois sua dimensão estrutural foi
um fenômeno que se inseriu no desenvolvimento capitalista, criando no espaço
urbano o locus de concentração do capital e da força de trabalho.
Em Volta Redonda, a explicitação dessa faceta deu-se de forma ainda
mais contundente. As crescentes filas de operários candidatos às casas, já
chamavam a atenção de toda a população, obrigando a CSN a tomar uma
posição. A empresa tentou responder com um plano de desenvolvimento urbano,
sob a responsabilidade do arquiteto Hélio Modesto, utilizando as áreas
disponíveis de propriedade da CSN.
Inicialmente, o plano apontou a carência de escolas e de comércio dentro
das áreas da empresa. A seguir, constatou que o maior desenvolvimento se dava
fora dos seus domínios pois, nestes locais (ao redor da vila operária),
despontava, pelo menos, 15 novos estabelecimentos comerciais a cada ano.
O plano previa uma intervenção voltada para a melhoria das áreas já
urbanizadas, incluindo zoneamento de funções, sistema viário e padrões
arquitetônicos para equipamentos urbanos.
Entre as ruas 2, 4, 17 e 207, no bairro do Conforto, propôs-se a
erradicação de casas individuais e a construção de cerca de vinte blocos de
apartamentos com oito pavimentos. Para os bairros Laranjal, Eucaliptal, Bela
Vista, Jardim Paraíba e outros, indicava construção com edifícios de 2 e 4
pavimentos. Estendendo a área urbanizada da cidade sugeria a construção de
uma cidade satélite junto à mata da Cicuta. A descontinuidade da cidade satélite
em relação às áreas já urbanizadas foi induzida, em grande parte, pela posição
das propriedades da CSN entre os morros e os vales da topografia. Os atuais
71
bairros Siderópolis, Casa de Pedra, Tiradentes e Vila Rica foram implantados
baseados nos estudos para a cidade satélite da Cicuta83.
Hélio Modesto idealizou uma série de processos espaciais que
provocaram o esgotamento progressivo do modelo paternalista de gestão
urbanística. Ao mesmo tempo, articulava-se a retirada progressiva dos
investimentos da empresa que não estivessem relacionados à expansão
industrial. Para tanto, visava promover a venda dos seus imóveis, passando à
Administração Municipal o encargo de manutenção e melhoramento dos
logradouros públicos, integrando a iniciativa privada à expansão da cidade.
O projeto de Hélio Modesto, com adoção da construção de prédios
comerciais e prédios residenciais, em relação aos traços arquitetônicos, seria
uma negação do projeto de Atílio Corrêa Lima.
De início não passou de um projeto, mas na evolução dos
empreendimentos administrados direta ou indiretamente, nos anos subseqüentes,
passou a ser o norteador do desenvolvimento urbanístico de Volta Redonda, nas
áreas pertencentes à CSN.
3.1.1. Alternativas e mudanças
Até então, o patrimônio fundiário da empresa incluía extensa área ainda
não urbanizada, ou mesmo urbanizada, com inúmeros lotes vagos. Esses
terrenos foram mantidos como uma espécie de "exército territorial de reserva"84
a fim de garantir-lhe uma posição estratégica no mercado imobiliário da cidade.
Buscando atender à demanda habitacional, o Sindicato dos Metalúrgicos
propõe, em 1956, um engenhoso plano de aquisição das casas. A fórmula
83 O presidente João Goulart, em 1963, tentou imp lantar essa cidade, não tendo sucesso diante de uma forte pressão dos sociedade local pois, a Cicuta, era uma reserva florestal importante para minimizar os efeitos poluentes da empresa. Cf. Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 126. 84 Com essa expressão, Milton Santos faz uma analogia com a expressão “exército industrial de reserva”, utilizada na teoria marxista para designar a disponibilidade da mão-de-obra capaz de ser mobilizada para as necessidades da produção. Apud Alberto Costa LOPES. Op. cit. p. 128.
72
permitiria criar um fundo rotativo, com a participação do IAPI, destinado à
superação do déficit habitacional na cidade. Porém, não foi contemplado em
suas reivindicações.
Em 1961, foi criado o Grupo de Trabalho de Estudos das Vendas das
Casas, que culminou, em março de 1963, com a criação da Imobiliária Volta
Redonda que transformou-se, em fevereiro de 1964, na Imobiliária Santa Cecília
(CECISA), representando uma mudança inequívoca da sua política habitacional.
O Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, passa a ser a
fonte de recursos financeiros, deslocando a questão habitacional para uma
agência do nível nacional e afastando, definitivamente, a responsabilidade da
empresa.
Esta mudança de postura da CSN, constituir-se-ia numa espécie de traição
pois, durante muitos anos, alimentou, nos operários, a esperança de ter a
moradia concedida pela empresa. Essa prerrogativa significava um ganho
salarial indireto mas, ao mesmo tempo, criava uma forma de diferenciação entre
operários, na medida em que oferecia diferentes padrões de moradia, de acordo
com as diferentes faixas salariais.
Com a introdução da política liberal, a partir do golpe militar de 1964, a
questão da moradia em Volta Redonda, retornou às velhas práticas do
capitalismo e o acesso das classes populares à habitação nas cidades, tornou-se
cada vez mais difícil. Entender os limites que se colocavam ao acesso das
classes populares a uma moradia na cidade implica partir de um entendimento
do caráter estrutural da problemática da moradia. A problemática da moradia,
nas sociedades capitalistas, é estudada por Engels. No final do século XIX,
Engels já via a penúria aguda da habitação, na Alemanha, como sintoma da
Revolução Industrial, o que naquela época já se entendia por escassez de
habitação. Para ele “era o agravamento das más condições dos operários, em
conseqüência do fluxo repentino de população para as grandes cidades, sendo
que ‘a extensão das grandes cidades modernas dá aos terrenos, sobretudo nos
73
bairros dos centros um valor artificial às vezes desmesuradamente elevado’. ‘O
resultado é que os operários vão sendo afastados do centro para periferia; que
as residências operárias e, em geral, as residências pequenas, são cada vez
mais escassas e mais caras’. A escassez de moradia é percebida como
manifestação da desigualdade implantada pelo capitalismo enquanto sistema de
produção. É um fenômeno que cresce paralelamente ao exército industrial de
reserva sendo ambos, benéficos para o processo de acumulação, na medida em
que o capitalismo cria, como condição necessária à sua expansão, a existência
de uma classe que não tenha outra coisa para vender a não ser a sua força de
trabalho”.85
A queda progressiva de preço dos insumos básicos para alimentar as
indústrias de bens de produção e de bens de consumo, levou a CSN a um
desequilíbrio financeiro. Esse desequilíbrio foi compensado, em parte, com a
queda progressiva dos salários e com os investimentos do Estado orientados
para a área produtiva, o que provocou o rompimento dos compromissos da CSN
com as políticas sociais que vinham sendo praticadas.
Em 1965, o governo contratou a firma de consultoria americana Booz,
Allen and Hamilton (HAHINT) para investigar a crise siderúrgica nacional, que
propôs medidas de contenção da produção. As propostas contidas no relatório,
(agosto de 1966), contrariavam as intenções governamentais de se empenhar
para obter financiamento externo visando a expansão do setor, considerado vital
para o desenvolvimento econômico. Em abril de 1967, foi designado um grupo
(GCIS) Grupo Consultivo da Indústria Siderúrgica, com a função de programar
a expansão da produção para o atendimento do mercado interno, a partir dos
recursos existentes, resultando no Plano Siderúrgico Nacional, de dezembro de
1967.
Diante da possibilidade de execução deste plano, a CSN iniciou estudos
para reformulação da estrutura organizacional, adotando novas diretrizes na
85 Maria Ozanira da SILVA E SILVA. Política habitacional brasileira: verso e reverso. p. 30-1.
74
política social. A formação, o treinamento e a seleção da mão-de-obra ganharam
cuidados especiais e foi elaborado um anteprojeto para um novo Regulamento
de Pessoal. A empresa passou a aplicar métodos e padrões do setor privado,
(eficiência, produtividade e competitividade), inaugurando um novo modelo de
gestão da força de trabalho, “objetivando a mais racional e proveitosa utilização
do homem.”86
Em 1968, o Diretor de Pessoal e de Serviços Sociais (Mafra Filho)
sintetizou a nova política social e urbanística que seria empreendida pela
empresa, preconizando uma inversão do papel da CSN em relação à postura
anterior, quando afirmou que “o paternalismo (...) sem o querer, destrói a livre
iniciativa de cada um e do grupo social”, com uma defesa vigorosa e funcional
da “autodeterminação dos indivíduos e grupos”.87
Nesta nova diretriz não existia nenhuma garantia de cidadania senão o
livre exercício do consumo. As perdas econômicas pela falta de acesso aos
serviços da empresa seriam pré-legitimadas no discurso liberal, atribuindo o
insucesso econômico e a má posição na escala social à incapacidade de
iniciativa e à indolência dos trabalhadores. Assim, na ditadura Paternalista
prometia proteção aos mais pobres, na nova ditadura Liberal, empurrava-os à
sorte do mercado.
Mafra Filho, declara que a política social da CSN, que até o momento foi
de participação absoluta passaria a ser de “uma colaboração relativa(...)na
medida em que for sensibilizada, segundo seu julgamento, quanto à
responsabilidade própria na solução do assunto” 88
Os cálculos iniciais sobre as aplicações dessa política, projetava no
período de um ano uma redução imediata de 2,72% nos encargos sociais que
incidiam na folha de pagamento da empresa. Estava inaugurada uma lógica de
utilização na coleção de instalações da CSN nos setores sociais, alimentação,
86 RELATÓRIO DA DIRETORIA DA CSN.1967. p.12. 87 Apud Alberto Costa LOPES. Op. cit. p. 145. 88 Alberto Costa LOPES. Op. cit. p.145.
75
educação e habitação. Progressivamente, perdeu-se o seu caráter de instituição
até então mantido pela CSN nas décadas de 40 e 50, passando para um caráter
empresarial baseado em retornos financeiros.
O primeiro passo dessas medidas foi o corte de atendimento dos serviços
da CSN, aos não-empregados da empresa. Posteriormente, foi criado um sistema
de pagamento pelos serviços, obedecendo a uma proporcionalidade do salário do
operário, variando entre 10 e 50% do valor do serviço prestado. Tais despesas
eram processadas através de descontos na folha de pagamento, não
ultrapassando a 10% do salário, até saldar o débito do empregado.
Essa perda do vínculo orgânico do operariado com a CSN implicou em
uma nova condição de apropriação da materialidade da cidade, ocorrendo uma
recodificação do espaço construído pois, público e privado assumem fronteiras
explícitas. As formas espaciais, mesmo sendo as mesmas, incorporaram novos
atributos decorrentes das mudanças na estrutura da organização social.
A organização urbana, em 1970, apresentava uma população de 126805,
com uma projeção de 135000 habitantes para o ano seguinte. O quadro
habitacional, mostrava “aproximadamente 6 mil domicílios construídos pela
CSN, 23 mil por empresas imobiliárias e pela produção autônoma.”89 A
projeção para 1980, demostrava a necessidade de se construir mais 8 mil
domicílios para os vinculados à CSN e 13 mil para o restante da população.
Em decorrência desses números, o processo de urbanização provocou o
desaparecimento quase total da atividade agropecuária no Município,
estabelecendo uma dependência do abastecimento de localidades vizinhas e de
São Paulo. A pequena área territorial que não era efetivamente urbanizada
passava a se constituir num espaço comprometido com o uso urbano.
O projeto inicial da cidade modelo, gradativamente foi desmoronando-se
e a urbanização da cidade foi se dando da mesma forma como em todas as
cidades brasileiras, ou seja, com a expulsão da população mais pobre para áreas
89 ADESG.1971. p. 43.
76
mais distantes, que em geral, contavam com precário ou nenhum atendimento de
serviços públicos.
Em Volta Redonda, a expansão foi em direção a parte norte da cidade, na
margem esquerda do Rio Paraíba, constituindo-se numa oportunidade de morar
dos mais pobres. Essa oportunidade era representada pela distância dos centros
comerciais e pela má qualidade ambiental dos loteamentos. Para lá, o vento
levava a poluição das chaminés; lá também, estava o cemitério, garantindo
assim um baixo custo econômico para a moradia.
No plano nacional, completando profundas reformas institucionais
iniciadas em 64, vimos a edição de uma nova constituição, em 1967. Enquanto o
regime em tensão interna não se definia entre liberalismo e autoritarismo,
ainda se respeitava parte das liberdades democráticas. A organização sindical
era tolerada desde que fosse reivindicativa e não política.
Na política econômica esboçava-se, sob estímulo do Ministro do
planejamento Hélio Beltrão, uma tentativa de engajamento da classe política,
visando ao comprometimento desses agentes sociais com a legitimidade e a
eficiência proclamadas pelo regime.
O período recessivo de 64 a 67, ocasionou uma ociosidade industrial, que
estava pronta a reagir ao primeiro estímulo. Sobre as fontes financeiras da
estimulação, Tavares relata que: “este [estímulo financeiro] veio tanto pelo lado
da oferta, pela maior disponibilidade de linhas de financiamento externo e
interno para aumento da produção, quanto pelo lado da demanda, não obstante
o efeito deprimente sobre o mercado interno da política de arrocho salarial. O
sistema de intermediação financeira recém-montado começava a render seus
primeiros frutos, dentre os quais a rápida expansão do financiamento ao
consumo de bens duráveis. O Sistema financeiro de Habitação, criado em 1964
em torno do BNH, mas subsistindo embrionariamente até 1968, com parcas
fontes de recursos, ganhou finalmente um sólido pilar – o Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS), com seu formidável poder de exação de
77
poupança das empresas – e reforçou o outro, de poupança voluntária, com a
simplificação e popularização da caderneta de poupança. A produção de bens
de consumo duráveis e a retomada do mercado imobiliário renderam efeitos
multiplicadores sobre o conjunto da economia. Mesmo mantido baixos, os
salários pagos a um número crescente de trabalhadores estimulam a demanda
global; e, porque são baixos, favorecem a lucratividade das empresas e a
acumulação de capital, com maior vigor ainda quando a base de aumento da
produção é a capacidade ociosa previamente acumulada. Nessas condições,
tinha início o ‘milagre’.” 90
Em 1971, Geisel assumiu a presidência da República, em plena era do
“milagre” produzido sob o estímulo do estado, que avançava sobre os espaços
abertos pela repressão sindical e política. A disciplina imposta pelo Estado,
antes exercida para efeito exclusivo de controle social e político dos
trabalhadores e das classes médias inconformadas, deveria estender-se também
ao capital. A proposta do Governo Geisel, carregada de um forte aparato
autoritário e centralizador, utilizava uma retórica tranquilizadora da ideologia
das classes dominantes ao assegurar o compromisso formal com a economia de
mercado, num ambiente não-conflitivo entre capital e trabalho.
Em seu primeiro pronunciamento o presidente proclamou a mobilização
geral da sociedade em torno da estratégia de desenvolvimento e fixou as
posições dos diferentes segmentos sociais (no plano geral de batalha), para o
atendimento das ambiciosas metas econômicas que constituíam o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (PND). Como meta, o plano pretendia,
simultaneamente, concluir o ciclo de instalação da indústria pesada, consolidar a
indústria de bens de capital e completar o parque de insumos básicos e de bens
intermediários. Visava a expansão dos serviços de infra-estrutura econômica a
90 Maria Conceição TAVARES . O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica do regime autoritário. p. 27.
78
cargo das empresas e autarquias estatais, sobretudo nos setores de energia,
transporte e telecomunicações.
Em janeiro de 1971, durante visita do Presidente da República à usina, foi
divulgado um documento ministerial, intitulado Carta de Volta Redonda, que
redimensionava, numa perspectiva de 10 anos, os planos de expansão das três
maiores usinas siderúrgicas do país.91
Do Plano Siderúrgico, para a CSN, era previsto o “Plano D”92, que foi
dividido em três estágios de expansão, devendo a CSN, em 1980, atingir a
produção de 4,5 milhões de toneladas de lingote de aço/ano. Com essa
definição, Volta Redonda voltou a experimentar um fluxo intenso de máquinas e
operários a serviço das empreiteiras encarregadas das obras civis e da montagem
de dos novos equipamentos. O espaço urbano voltou a apresentar o contorno de
sua fundação. “O burburinho e a realização de obras em toda a extensão da
Usina trazem de volta a imagem da época da construção, então, uma
siderúrgica com capacidade inicial de 200 mil t/ano e para isso o espaço físico
era muito menos congestionado”.93
As obras iam (no início dos anos 70) a todo vapor transformando a cidade
num canteiro de obras. A usina avançava no espaço urbano com as demolições,
com o trânsito congestionado por carretas e máquinas e com a construção de
grandes alojamentos de madeira para instalar os trabalhadores que vinham
contratados pelas empreiteiras. A CSN retomou a construção de moradias para
transferência dos empregados que moravam nas áreas em que a expansão
ocuparia.
Em entrevista com uma das lideranças do movimento da Pastoral da
Terra, LURDINHA94 nos diz: “A CSN recebeu muito pião pobre, pau de arara,
91 O LINGOTE. n.º 217. p. 6-7. 92 O processo de construção e ampliação da CSN foi sempre denominado por letras. (Na implantação) Plano A. (Nas ampliações), Plano B e Plano C. O Plano D seria o mais ousado pois, visava o aumento da produção (com a instalação de equipamentos modernos para melhorar a qualidade dos produtos). 93 O LINGOTE EM REVISTA. n.º 237. p.12. 94 Maria de Lurdes Lopes. Fazia parte da liderança do movimento da Pastoral da Terra da Igreja local, tendo um papel importante na implantação de várias favelas em Volta Redonda.
79
chegava cheio. A CSN, no planejamento urbano, não previu acomodação para
este povo de quinta categoria. Seu planejamento era para comportar o padrão
técnico (...). O pião foi terceirizado por diversas empreiteiras. Meu pai foi um
deles pois, veio com um grupo de pessoas, no final de 69, para as obras civis da
expansão da CSN. (sic)”
Até 1977, as obras de expansão, seguiam em ritmo normal dentro dos
prazos estabelecidos. Em decorrência do primeiro choque do petróleo, a
economia mundial começou a dar sinais de crise e os financiamentos externos
foram dificultados. Após esse período, observou-se uma desaceleração no ritmo
das obras, obrigando-se a fazer uma revisão nos cronogramas. Dos contratos
com empreiteiras alguns foram suspensos e outros revistos, o que acarretou uma
onda de demissões e, conseqüentemente, de desempregados jamais vislumbrada
na cidade.
A crise foi nacional e a desaceleração de obras ocorreu em todas as
estatais. Sem outra alternativa, os demitidos permaneceram na cidade, na
economia informal ou amparados por parentes.
Sobre esse assunto, LURDINHA relata: “Este povo descartado, para
onde ir? Eram desalojados dos alojamentos, outros morando em casa de
familiares ou de amigos, pois a maioria veio de Minas Gerais. Veja quantos
mineiros se acham nesta cidade... uma infinidade!!! A gente costuma brincar
que Volta Redonda é uma estância hidromineral – água por baixo e mineiro por
cima. Este povo vindo de um êxodo rural, (...)não tinha como voltar,
entendeu??? Então eles tinham que se acomodar de alguma forma, e eles
encontraram os piores lugares na cidade, de forma que o poder público não os
incomodasse tanto, era o mecanismo de sobrevivência. (sic)”95
A inexistência de uma política de moradia para as populações de baixa
renda, forçava o adensamento populacional nas encostas dos morros, na margem
esquerda do Rio Paraíba e as ocupações de terrenos públicos. Com o aumento
95 Entrevista realizada em 06/05/2001 com Maria de Lurdes Lopes.
80
dos trabalhadores sem trabalho a utópica cidade modelo assistiu a um grandioso
processo de favelamento.
3.2 - Crise Habitacional: Um novo modelo de gestão
A questão habitacional em Volta Redonda pode ser analisada em dois
momentos: o primeiro, que começou com a criação da CSN e se desenvolveu até
1964; neste período coube, exclusivamente, à CSN, a construção institucional de
habitações, formando a Cidade Operária com uma longa e controvertida
trajetória. O segundo, que começou com a criação da CECISA e se prolongou
até a década de 80, quando se completava o processo de extinção da Cidade
Operária.
A criação da CECISA (que tinha a responsabilidade de manter, recuperar,
locar e construir imóveis), coincidiu com a criação do Banco Nacional de
Habitação (BNH) e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU),
que previa a venda das unidades residenciais dos institutos de aposentadorias e
pensões, das autarquias em geral e das sociedades de economia mista. A lei
previa "a aprovação do Presidente da República, por intermédio do Ministro
do Planejamento, no prazo de 90 dias, de sugestões e normas em consonância
com o Sistema Financeiro da Habitação referentes à alienação das unidades
residenciais de sua propriedade."96
Essa determinação, vinha ao encontro dos anseios dos operários que
moravam nas casas da CSN porem, levou quase dez anos para ser viabilizada em
Volta Redonda mas, desde já, demostrava o interesse do novo sistema polí tico
em mudar as relações sociais existentes nas empresas ligadas ao Estado.
Quanto à política habitacional da CSN, LURDINHA diz: “A CSN sempre
teve uma política habitacional, no ponto de vista dela, na ótica dela. Ela se
planejou o tempo inteiro, para abrigar aqueles que ela ia aproveitar nos seus
96 Maria Ozanira da SILVA E SILVA . Op. cit. p. 44.
81
quadros. Ela nunca se responsabilizou pelo impacto que seus períodos de
expansão causaria na cidade. Então não era nenhuma doação dela... então vou
garantir a casa porque este me interessa de apropriação, o resto não me
interessa, o resto eu não preciso, o resto é rotativo, e é obvio que ela sabia que
este resto não tinha retorno. Só que ela [a CSN] se lixava para isto, porque até
então dava para ir administrando esta história. A gente tem um estoque de terra
considerável, vamos cuidar de um outro problema que é a industrialização, o
problema de fundo de quintal uma hora qualquer a gente resolve.(sic)”
Quando foi perguntado sobre a questão da CECISA, se esta propiciou
avanços para resolução da carência habitacional, LURDINHA declarou:
“Nenhum, ela não dava conta de trabalhar com quem ganhava menos de oito
salários mínimos, e um monte de gente na CSN, inclusive técnicos ganhava
menos de oito salários mínimos. Esse povo começou ir para bairros da periferia
que eram loteamentos irregulares, clandestinos como Vila Brasília, Belo
Horizonte, Belmonte e Santa Rita do Zarur. Não eram Áreas de Posse para a
prefeitura, mas a infra-estrutura era precária, ou seja, o cara estava incluído na
linha de produção mas lá na ponta da fila, ele não fazia parte da política
planejada. (sic)”
Em dezembro de 1964, foi criada, pelo Município, a Companhia de
Habitação de Volta Redonda (COHAB-VR)97, na forma de uma sociedade de
economia mista sob controle acionário do poder público local. Ao mesmo
tempo, acontecia as negociações da CSN com o BNH para credenciamento da
CECISA, como agente do Sistema Financeiro da Habitação.
3.2.1. A CECISA
97 A COHAB-VR foi criada pela deliberação nº 623, de 31 de dezembro de 1964.
82
O credenciamento da imobiliária previa a construção de 4000 residências,
das quais 400 teriam início imediato.98 O financiamento do convênio ficaria
dividido entre o BNH (50%), a CSN (35%) e o adquirente (15%) do valor do
imóvel. Embora com atraso, o primeiro conjunto foi concluído no final de 1969,
com 390 casas. No período de 1969 a 1982 a CECISA construiu 3448 casas
populares (629 de padrão médio e 73 de padrão superior). Dessas 3448, (420
casas (populares) e 24 prédios (médios) de 3 pavimentos, com 12 apartamentos
cada um, totalizando 288 novas moradias) foram destinadas à substituição das
moradias demolidas no espaço reservado à expansão da CSN.
Dessa forma, a ação foi inexpressiva para o combate do déficit
habitacional para a classe operária, uma vez que levou 16 anos para concluir o
plano inicial de 4000 unidades. A construção de unidades de padrão popular só
foi expressiva no período entre 69 e 71, com 810 unidades e em 1982 com 2558
unidades. Na década de 70, o atendimento foi direcionado para a faixa de renda
média, que correspondia aos funcionários de funções técnicas (pela sua
importância no processo de expansão e modernização da CSN).
O atendimento do padrão popular da CECISA correspondia a uma renda
mínima de 5 salários enquanto a definição de baixa renda para o BNH era de 1 a
3 salários mínimos.
O enquadramento da CECISA como agente do BNH, foi necessário para
execução da venda das casas de propriedade da CSN. Foi elaborado um plano de
venda de 280 unidades, correspondente aos operários de mais baixa renda. No
início de 1967, começou a entrega das cartas-proposta aos moradores da área
selecionada, com as condições de financiamento pelo BNH.99
98 O convênio foi assinado durante solenidade pública com a presença do Ministro do Trabalho e do Presidente do BNH em Volta Redonda. O LINGOTE. Convênio firma solução para o problema de moradia. Ano XII, n.º 188. p. 8. 99 O LINGOTE. Carta-proposta: chave da casa própria. p. 2.
83
A efetiva venda das casas foi iniciada em 1973, prolongando-se até o
início da década de 80, quando a CSN deixava de ser a proprietária da Cidade
Operária.
A CECISA era detentora de grande parte de terras com topografia
favorável (que anteriormente foram adquiridas para a expansão da usina e da
Cidade Operária). Ao analisarmos sua atuação na evolução urbana, encontramos
questões pontuais no que refere-se ao modo capitalista de administração do
espaço pois, a mesma atuou como agente privilegiado, retendo os terrenos no
centro da Cidade e promovendo construção dos conjuntos habitacionais isolados
da área urbana, com o claro objetivo de valorizar as terras intermediárias. Esse
procedimento contribuiu, decisivamente, para o amadurecimento das regras de
mercado na cidade.
A partir dos estudos da Comissão Especial de Desestatização foi proposto,
em 1984, a departamentalização da CECISA, que até então era subsidiária, com
a tarefa de cuidar da administração patrimonial.
3.2.2 – A COHAB-VR e as políticas habitacionais em Volta Redonda
A Companhia Habitacional de Volta Redonda, criada em dezembro de
1964, com a primeira diretoria empossada em junho de 1965, teve seu primeiro
projeto apresentado ao BNH somente em outubro de 1966. Neste período, foi
assinado um convênio com o Banco para construção de setenta casas. Na mesma
época foi assinado o convênio com a CSN, para a construção de 4000 casas. O
tratamento diferenciado caracterizou a centralidade da CSN quanto à
distribuição dos recursos do Sistema Financeiro de Habitação em Volta
Redonda.
Em sua primeira fase, a companhia teve sua atuação voltada para as
famílias de baixa renda. Mas, nos anos de 1990/91, com a eliminação de grande
parte dos arquivos da COHAB-VR restaram apenas lembranças esparsas de
84
alguns projetos. Apoiado nos estudos de Claudia Virginia Cabral de Souza sobre
a evolução da COHAB-VR, encontramos um diagnóstico do desempenho da
COHAB-VR quanto ao número de unidades produzidas nas duas faixas do
mercado popular (0-3/3-5 salários), os programas utilizados e os níveis de
retorno dos financiamentos:
- de 1965 a 1971 – implantação e expansão;
- de 1972 a 1976 – crise;
- de 1977 a 1981 – experimentação;
- de 1982 a 1985 – gestão empresarial.100
No Plano de Desenvolvimento Local Integrado, já comentava-se sobre a
atuação da COHAB: “Este órgão da Prefeitura Municipal tem uma atuação
bastante dinâmica (...) Dos programas em execução destacam-se alguns pelos
aspectos pioneiros: 1) habitações transitórias para facilitar a adaptação dos
favelados; 2) construção por ajuda mútua, com o objetivo de diminuir o custo
da mão-de-obra; 3) uma solução muito interessante sobre o problema da
construção em encostas, na qual a COHAB fornece a estrutura (lajes planas e
pilares) cabendo aos moradores a execução das casas em si; trata-se, na
realidade, de uma recuperação da encostas íngreme para possibilitar a
implantação de casas e evitar os problemas de drenagem, deslizamentos e
outros.”101
No período de 1965 a 1971, a construção de casas da COHAB foi de 514
unidades. Em decorrência de determinação estatutária, abriu seu quadro
acionário à participação de outros municípios da região. Sua inadimplência junto
ao BNH, impediu sua operação nos anos de 1972 a 1976, significando uma total
paralisação de serviço de planejamento, com conseqüente dissolução da equipe
técnica que havia desenvolvido os trabalhos iniciais.
100 Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano em Volta Redonda p. 118. 101 Estudos preliminares para o Plano de Desenvolvimento Local Integrado. Cap. 3.2.3. p. 2.
85
Quanto à ação da COHAB-VR, LURDINHA deu seu depoimento dizendo
que: “Ela foi a maior grileira de loteamentos irregulares que a gente tem na
região. Ela não grila e faz desmandos só em Volta Redonda. Ainda trabalha em
Resende, Paracambi e Nova Iguaçu, com loteamentos horríveis para pagar o
resto da vida. E mais, a COHAB não titula ninguém.(sic)”
No Plano Diretor, a COHAB-VR foi responsável pela solução dos problemas
das favelas. Quando foi perguntado se a COHAB atendeu, e de que forma,
LURDINHA respondeu que: “Atendeu aos interesses dos amigos do poder, da
seguinte forma: quando construía os loteamentos, estes eram distantes e
pagava-se o valor venal do terreno majorado pelos equipamentos públicos. Só
que em lugar distante. Eles têm aquele monte de terra, entre o centro da cidade
e a terra que a COHAB está construindo. Aquelas terras ali são todas de
lobistas, de amigos do poder; assim valorizava as terras intermediárias. E
quando cuidava das desapropriações de terras, por intermédio de decreto de
desapropriação ou seja, agente ocupava o valor era X, mas a avaliação se dava
após 10 anos aí aquela povo já tinha se organizado, e o poder público atendia
com água, esgoto, iluminação e às vezes até asfalto, assim era reavaliado com
todos os equipamentos colocados pela Prefeitura e ela paga o valor do dia pelo
terreno, é o que a gente chama de apropriação privada dos recursos públicos.
(sic)”
A partir deste depoimento, entendemos o porquê das ocupações que
ocorreram em Volta Redonda, e que na sua quase totalidade, não havia
processos de integração de posse por parte dos proprietários, sendo sempre
resolvidos por desapropriações pelo poder público.
3.2.3. A política habitacional dos Interventores em Volta Redonda
A repressão política também teve forte interferência na política habitacional.
Em 1968, na eleição para diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, foram eleitos
86
elementos ligados à chamada “nova esquerda”, afinando-se com a conjuntura
nacional do ressurgimento do movimento sindical. Além do sindicato, a Igreja
era uma outra instituição fortemente visada pelos organismos incumbidos da
segurança nacional. Em 1967, foram presos um diácono e alguns jovens que
distribuíam panfletos. Em janeiro de 1969, um operário católico foi preso e
torturado nas instalações do Batalhão de Infantaria Blindada, unidade militar
sediada em Barra Mansa. Em 1970, foram presos um padre da diocese e um
grupo da JOC (Juventude Operária Católica) juntamente com militantes de
algumas organizações de esquerda. Apesar da forte repressão, as eleições de
1972 mostraram o crescimento da oposição ao regime representada pelo
Movimento Democrático Brasileiro. A mesma oposição foi verificada em Volta
Redonda, com a vitória, para prefeito, de Nelson dos Santos Gonçalves (MDB),
que no período de 60 a 63 havia ocupado o cargo, então afiliado ao PTB.
No seu primeiro mandato teve forte influência sobre o funcionalismo,
concedendo-lhe uma série de benefícios. Foi também de sua responsabilidade, a
extinção do convênio da municipalidade com a CSN, que se beneficiava com a
redução de impostos. Alkindar fala que, “os registros da expressiva votação e o
verdadeiro delírio da multidão entusiasmada em sua posse, no dia 31 de
Janeiro de 1973”102, não eram posturas desejadas ou mesmo aceitáveis naquele
tempo.
A resposta do regime não demorou, materializando-se através do AI-5. Volta
Redonda foi declarada área de Segurança Nacional, como medida preventiva
contra as mobilizações locais, criando o aparato legal para repressão política.
Esses fatos podem explicar o longo período de paralisação dos trabalhos
da COHAB-VR, pois em 1976 o BNH autorizou a COHAB-VR a operar sob
regime de excepcionalidade, por meio de concessão especial, renovável a cada
seis meses.
102 Alkindar Cândido COSTA . Volta Redonda ontem e hoje . p. 74-5.
87
A CSN só volta a redefinir seu grupo de trabalho no ano seguinte com a
nomeação do primeiro interventor Eng. Georges Leonardos. Enquanto Diretor
Industrial da CSN, era apontado como um tecnocrata por excelência, possuidor
de extrema percepção política pois, visitava, freqüentemente, a periferia
buscando contatos com as lideranças e com as instituições atuantes no local. Em
sua agenda era reservado um dia da semana para receber as comissões de
bairros.
Neste novo período de produção, que vai até 1981, a orientação da CSN
seguia a conduta das outras companhias, privilegiando o atendimento à faixa de
renda de três a cinco salários, em detrimento da faixa inferior. Caracterizava-se
por construção de conjuntos habitacionais de grandes dimensões, com projetos e
obras contratadas externamente.
Ao mesmo tempo era o órgão do governo local responsável para o
tratamento das favelas, por ser considerado um grave problema urbano. Estava
em curso o terceiro estágio de expansão da CSN. A cidade recebia uma leva de
trabalhadores e as favelas cresciam, com condições sanitárias deficientes
constituindo-se num risco para a saúde pública.
Novas formas de solução foram empreendidas, sendo a mais relevante a
urbanização de Vila Brasília, favela situada em terras da Companhia de
Habitação, com projeto inovador em que era norteado na intervenção mínima
necessária para fazer chegar a infra–estrutura ao local e garantir o parcelamento
do solo. Esta prática, estranha ao Estado, foi fator de dificuldades na aprovação
do financiamento pelo BNH, só conseguido após longo período de
negociações.103
Em 1979, toma posse o segundo interventor o Coronel Aluízio Campos
Costa, e a relação com a periferia se torna agressiva e excludente, conforme
denúncia da associação de bairro: “Nós moradores do bairro Candelária
representados por uma comissão, estivemos, no dia 02 de agosto de 1979, às
103 Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Op. cit. p. 121-2.
88
14:30 horas na Prefeitura Municipal em audiência com o Prefeito Coronel
Aluízio (...) Como resposta à nossa comissão, o Prefeito prometeu que
procuraria atender nossas reivindicações, mas sem definir um prazo, pois ao
prometer disse: ... vocês esperem com calma e paciência, pois irá demorar: não
será hoje, nem amanhã. Não espere em pé nem sentado, mas deitados.”104
Como desdobramento desta audiência, aconteceu no dia seguinte a
primeira reunião com representantes de várias unidades da administração, para
“analisarem os problemas de habitação, entendendo como problema
habitacional a ocupação através de invasão de áreas públicas e privadas.”105
O documento final deste grupo de trabalho contemplou sugestões
denominadas de apoio às sub-habitações já estabelecidas: urbanização de
favelas, remoção e construção de lotes urbanizados, considerados fundamentais
para a solução do controle de migração. Instalou-se em Volta Redonda um
controle rígido aos imigrantes, com vigília na rodoviária e nos principais pontos
de entradas da cidade. Os imigrantes, ao chegarem, eram encaminhados a um
centro de triagem; caso não tivessem trabalho acertado, eram encaminhados de
volta a seus locais de origem.
No caso da urbanização de Vila Brasília, onde o princípio norteador era o
intervenção mínima, tornou-se autoritária, prevalecendo a decisão técnica, sem a
mínima participação dos moradores. Essa decisão instaurou um descompasso
entre a inovação pretendida e a possibilidade de atuação social. Como não
bastasse a imposição de normas para o relacionamento com as comissões de
moradores, a administração transformava a guarda municipal num corpo armado
que agredia a população. Esta administração se afinou com o espírito militar da
administração e privilegiou investimentos considerados não prioritários. Esse
investimento foi destinado à construção de piscinas públicas, ginásios
esportivos, zoológico, etc. Além disso, foram tomadas medidas contra os
104 BOLETIM DIOCESANO. nº 161, p. 2-3. 105 Estudos para uma política e controle das migrações . PMVR (Ata de reunião).
89
interesses da população, quando permitiu a instalação do pátio de escória da
CSN, no bairro Santo Agostinho. Apesar da mobilização dos moradores contra o
projeto, o governo se colocou a serviço dos interesses da CSN. A situação
tornava-se insustentável.
No entanto, em 20 de abril de 1982, surpreendendo a todos, o governo
federal exonerou o prefeito Aluízio de Campos Costa e nomeou William de
Freitas, então Presidente da Câmara Municipal. Apesar de sua rápida passagem,
William de Freitas desapropriou uma área de terra no Bairro Santo Agostinho,
resolvendo um antigo conflito entre posseiros e o proprietário. Em 27 de abril de
1982, a população conheceu, o novo prefeito Benevenuto dos Santos Neto.
De início, essa mudança no Executivo Municipal não diminuiu a tensão
entre os posseiros e o poder público mas, obrigou-o a repensar a prática de
violência, abrindo um novo momento na história do conflito.
A COHAB-VR, apesar dos primeiros sinais de crise do Sistema
Financeiro da Habitação, ingressou numa fase em que a meta era elevar o
desempenho visando a uma produção superior à do período anterior. Embora
não houvesse uma política definida no programa habitacional para as formas de
atendimento, áreas de atuação ou faixa de renda prioritária, foram utilizadas
todas as possibilidades de crédito que se abriram no BNH. A justificativa para
tal atitude era a existência de uma enorme demanda reprimida.
No quadro II, que apresenta a produção da COHAB-VR, constatamos que,
no período de 1982 a 1985, houve uma tentativa frenética de responder à
insuficiência de moradia que não correspondia às necessidades dos moradores
de periferia.
A administração pública adotou medidas que visavam o esfriamento das
lutas pela moradia. Uma das práticas consistiu em colocar a população contrária
ao movimento dos posseiros, sob alegação do seu péssimo empenho na
construção de conjuntos habitacionais. Contraditoriamente, o poder público não
atendia as camadas pobres e conseqüentemente não atendia aos anseios da
90
periferia pobre. A outra tentativa de esfriar o movimento foi através de uma
tímida distribuição de títulos de propriedade de terras nas regiões detectadas
como as mais fortes do movimento. Um bom exemplo, foi o lançamento de uma
cartinha dirigida aos posseiros, orientando-os quanto às formas legais, para
obterem seus títulos de posseiros.
É inegável que, a partir de 1982, o movimento amparado pela Igreja
através da pastoral da terra, ganhou uma discussão séria e exigiu da
administração, através dos seus órgãos técnicos, responsabilidade e respeito no
trato da questão carencial da moradia em Volta Redonda.
91
CAPÍTULO IV: O Processo de Favelamento
4.1. Movimento urbano pela moradia – breve histórico
O desenvolvimento das favelas é bastante antigo no Brasil. A primeira
grande fase ocorreu, paralelamente, ao velho movimento de bairros,
caracterizando-se mais como resistência do que como afrontamento. Na década
de 30, o processo de urbanização das áreas centrais das grandes cidades contou
com as constantes expulsões que eram feitas de forma violenta e os favelados
eram totalmente ignorados pelos órgãos públicos.
Em 1964, o movimento de favelização foi duramente reprimido. Na
década de 70, percebeu-se que as novas políticas estatais estavam voltadas não
mais para a desfavelização mas, para a reurbanização das favelas. Foi o
reconhecimento oficial da impossibilidade de extirpar as favelas do cenário
urbano, pois elas abrigavam parte significativa da mão-de-obra existente no país.
Essa nova postura deu-se, também, como resultado das lutas urbanas, das lutas
sindicais e com o esboço da articulação partidária.
A consciência transformadora que deu origem aos novos atores políticos,
(como têm sido denominados os protagonistas das lutas urbanas), não se
construiu espontaneamente, a partir meramente da existência do problema, mas,
como nos relata Virílio, principalmente “(..) pela abolição das distâncias de
tempo operada pelos diversos meios de comunicações e telecomunicações
resultou em uma confusão cujos efeitos (diretos e indiretos) são sofridos pela
imagem da cidade, efeito de torção e distorção iconológicas cujas referências
simbólicas e históricas, com o declínio da centralidade, da axialidade urbana;
referências arquitetônicas, com a perda de significado dos equipamentos
industriais, dos monumentos, mas, sobretudo, referências geométricas, com a
desvalorização do antigo recorte, da repartição das dimensões físicas”.106
106 Paul VIRILIO. O espaço crítico. p. 22.
92
A mesma percepção foi encontrada nos estudos desenvolvidos por
Gohn107, mostrando que as práticas de luta pela moradia em São Paulo é tão
antiga quanto o próprio processo de urbanização da cidade. Também foi
formado com uma sucessão de atos de resistência e busca de condições mínimas
de sobrevivência, no cenário precário e espoliador do espaço, que foi se
tornando o eixo de acumulação capitalista do país. Expresso em um cenário de
cortiços, porões, casebres, barracos de favelas, casas precárias nas periferias,
acampamentos, invasões, conjunto-embriões construídos pelo poder público, e
várias outras formas com que nos acostumamos a conviver na paisagem urbana.
Nos anos 70, ocorrem, em São Paulo, duas formas de luta: a dos
moradores das favelas, resistindo à expulsão e lutando por água e luz; e a outra,
dos moradores de casas autoconstruídas na periferia, buscando condições de
infra-estrutura ou lutando pela propriedade da casa, construída em lotes
clandestinos ou grilados.
Nos anos 80, surgiram novas formas de lutas tais como as lutas pelo
acesso à terra e à habitação, pela posse da terra, no âmbito dos processos
construtivos e lutas dos inquilinos.
A luta pelo acesso à terra e à habitação foi comumente denominada (pela
imprensa e pelos governantes) de “invasões”. No entanto, essa denominação foi
duramente combatida pelos participantes dos movimentos que explicavam (e
explicam ainda) que esse ato não passa de “ocupação” ou “tomada de posse”,
tendo em 1982, seu ponto culminante. A partir de então, surgiu o movimento
organizado (retornando com bastante vigor em 1987), cujo representante típico é
o Movimento dos Sem-terra.
A luta pela posse da terra é uma das mais abrangentes na luta popular pela
moradia pois, a terra representa a parte mais pesada no custo da habitação.
Nos anos 70 tinha um caráter episódico restringindo-se aos favelados na
resistência pela posse temporária do solo até que fossem desalojados, ou através
107 Maria da Glória GOHN . Movimentos sociais e luta pela moradia. p. 61-67.
93
da compra, pelo esforço familiar para pagamento das prestações dos terrenos
que, posteriormente, iam sendo autoconstruídos. Neste mesmo período, estas
lutas foram agravadas pelo número da população favelada e a diminuição de
áreas disponíveis para serem ocupadas espontaneamente. No caso das
populações autoconstrutoras a luta pela propriedade do solo no qual estava
assentada (e pensava já ser seu), foi contra os loteadores clandestinos.
A partir de uma explosão de crescimento as favelas organizaram-se e
deixaram de apenas resistir e passaram a atuar de forma reivindicatória, exigindo
água e luz. O atendimento a essas reivindicações gerou um novo problema: a
necessidade da posse da terra e do barraco.
Dessas reivindicações surgiram duas frentes básicas de organização
popular: o Movimento Unificado de Favelas (que lutava pela concessão real de
uso) e o Movimento do Conselho das Favelas (que desenvolveu a luta pela
compra subsidiada dos terrenos).
A luta cresceu e transformou-se, expandindo e diversificando seus
projetos, que resultaram em correntes significativas tais como: Movimento
Unificado de Favelas, Cortiços e Moradores de Promorar (apoiado por uma ala
do partido dos Trabalhadores e da Igreja), o Movimento do Conselho
Coordenador das Favelas (apoiado pelo PMDB, PC e PC do B), o Movimento
de Defesa do Favelado (apoiado pela Igreja e pela Frente Nacional do
Trabalhador) e o Movimento Comunitário das Favelas (o mais frágil e
desarticulado, apoiado pelo PTB e PDS).
Ainda nos anos 60 e 70 encontrávamos um contingente expressivo de
pessoas engajadas na luta dos proprietários pobres. Esses últimos tiveram acesso
à moradia através da compra do lote (e autoconstrução posterior) ou através da
compra de embriões fabricados pelo poder público. Esta forma de luta dividiu-se
em duas situações: a primeira, que lutava pela legalização da propriedade da
casa, pois era muito comum a existência de loteamentos clandestinos. Esta
forma foi expressiva nos anos 70 mas, a partir de uma série de atos de
94
jurisprudência, firmados pelo poder público, entre 1979 e 1982, o movimento
teve a sua intensidade política diminuída, pois começavam a receber a
legalização dos loteamentos clandestinos. A segunda, era a dos Moradores dos
Conjuntos Habitacionais Populares que lutavam contra as empreiteiras (que
construíram os conjuntos) e o poder público, pelo cumprimento das cláusulas
constantes nos contratos de pagamento das dívidas.
Embora essa crise não tenha sido tanto a resultante de uma simples
deficiência do sistema econômico foi, muito mais uma conseqüência necessária
da lógica do desenvolvimento capitalista. No entanto, muitas vezes foi
conhecida pelas populações das grandes cidades como resultante da crescente
incapacidade da organização social capitalista para assegurar a produção, a
distribuição e a gestão dos meios de consumo coletivos necessários à vida
cotidiana tais como moradia, escola, transporte, saúde e áreas verdes.
4. 2. A concepção doutrinária do autoritarismo e o alinhamento das elites
Politicamente, no pós-64, o país experimentava a prática autoritária de
uma ditadura militar, fundamentada em posições conservadoras, apoiada pela
construção ideológica das correntes nacionalistas, tradicionalistas e autoritárias.
Este modelo contava com o conhecimento e a prática, principalmente, dos
setores tecnocráticos, com a participação de acadêmicos e de profissionais de
prestígio (muitas vezes com especialização nos Estados Unidos), como os
executivos ou os quadros gerenciais, em particular das grandes empresas
nacionais e/ou estrangeiras. Tinham uma confiança ilimitada na capacidade da
ciência e da tecnologia para resolver os problemas sociais, entendendo que só
aos técnicos competem as soluções, pois a participação popular seria mais uma
perturbação do que uma contribuição.
Dentro deste quadro político firmava-se um terreno fértil para a
implantação de um modelo de Estado que Urán denominou de Doutrina da
95
Segurança Nacional: “Esta doutrina se apresenta como uma síntese de todas as
ciências humanas, capaz de oferecer um programa completo para a ação. É
uma síntese política, econômica, social e de estratégia militar. Ela cobre todas
as áreas de ação, desde o desenvolvimento econômico até a educação ou a
religião e nelas determina os critérios fundamentais que devem ser levados em
conta.”108
Urán explica que sua construção foi determinada pela visão geopolítica da
sociedade, pois seus conceitos coincidiam com os fundamentos da geopolítica e
da geoestratégia. Neste novo tipo de Estado os poderes (legislativo e judicial)
foram neutralizados porque, nas situações graves, seriam os organismos de
segurança que iriam julgar e sancionar. O poder executivo tradicional se reduzia
apenas à gestão de uma política definida pelo poder supremo que pertence ao
Conselho Nacional de Segurança, que designava o presidente e definia a política
da qual o Conselho era o guardião.
Nesta concepção, a geopolítica tinha como objetivo orientar as lutas dos
centros de poder pela dominação do espaço geográfico, sendo o Estado a
concepção exclusiva de centro do poder com vontade própria, constituindo-se
num organismo. A concepção de Estado subjacente em toda geopolítica, afirma
Golbery, “é uma síntese do organismo de Herder, do idealismo de Hegel, do
estatismo de Fichte e do nacionalismo econômico de List.”109
O Estado é território, população, soberania e poder; mas o poder é a
palavra mágica da geopolítica porque ela não é outra coisa senão a ciência da
luta de poderes pela dominação do espaço. Antes da Segunda Guerra, a
geopolítica nutria-se na perspectiva do espaço vital depois, procurava explicar a
guerra fria dividindo o mundo em dois blocos Este-Oeste (ocidente contra o
comunismo) passando a se preocupar com a segurança e não tanto com a
expansão; pretendia ser a visão científica das exigências e da razão de ser da
108 Ana Maria Bidegain de URÁN. Nacionalismo, militarismo e dominação na América Latina . p. 180. 109 Golbery do Couto e SILVA . Geopolítica do Brasil. p. 33.
96
divisão do mundo em comunismo e mundo livre. Este antagonismo entre os dois
blocos dá à Segurança Nacional todo o seu conteúdo. A geoestratégia definiu-se
como estratégia total porque a estratégia é a ciência que regulava a conduta da
guerra. Assim como a geopolítica desempenhou um papel de filosofia, a
geoestratégia serviu de nova moral. Golbery110 afirma que, sendo ‘parte
eminente da política, a estratégia veio a ser toda a política de Segurança
Nacional’. Reitera que a estratégia deve ser total e que está baseada em três
sustentáculos: os projetos ou objetivos nacionais, a estratégia ou segurança
nacional e o poder nacional. Os objetivos nacionais podem ser permanentes ou
atuais.
No Brasil, os objetivos nacionais permanentes são as aspirações do grupo
nacional que procura sua própria sobrevivência como grupo, quer dizer, a
democracia, o reforço da unidade nacional, a incorporação efetiva de todo o
território nacional, o esforço do equilíbrio da estrutura econômica, a manutenção
do status quo territorial na América do Sul, o reforço da solidariedade e da
cooperação entre os povos da América e a consolidação do prestígio nacional no
exterior. A segurança nacional é o objeto indispensável e a base de todo projeto
nacional, o valor absoluto e incondicional sem restrições nem limitação, a norma
última de todas as atividades públicas ou privadas. A conceitualização do poder
nacional compreende quatro fatores: o psicossocial, o econômico, o político e o
militar.
Urán111 explica que o “Fator psicossocial refere-se aos fatores
demográficos (volume e composição da população), a estrutura e as dinâmicas
sociais (tradição, padrões culturais, atitudes, mobilidade, etc.).
O Fator econômico é a integração dos recursos de base, equipamentos de
produção e de circulação de bens, pela estrutura econômica, pelo
desenvolvimento econômico e suas modalidades.
110 Golbery do Couto e SILVA. Op. cit. p. 76. 111 Ana Maria Bidegain de URÁN. Nacionalismo, militarismo e dominação na América Latina . p.185.
97
O Fator político refere-se à cultura política das elites e das massas, a
organização constitucional e administrativa, as instituições políticas e a
capacidade de ação política nacional.
O Fator militar está obviamente integrado pelas forças armadas com sua
estrutura e integração, pelo valor de direção, pelo desdobramento territorial das
forças logísticas, capacidade e ação militar.
Segundo Golbery112, ao mesmo tempo em que se verifica que o poder
nacional é essencialmente civil (porque cada fator não é senão um aspecto de
um todo integrado), por isso mesmo o poder militar não é autônomo por si, e,
para se conseguir o grau máximo (a segurança), deverá estar num grau superior
à satisfação das necessidades econômicas e das liberdades individuais. Portanto,
é melhor cometer um abuso em benefício da segurança do que permanecer
inativo por escrúpulos, justificando, dessa forma, o uso da tortura e o
avassalamento dos diretos humanos. No entanto, não convém restringir as
liberdades individuais ao ponto de os cidadãos chegarem a ter impressão de
serem escravos porque os escravos nunca são bons soldados, por isso é preciso
evitar essa impressão.
Para glorificar o papel da elite nacional afirmava-se que a massa estava
despreparada para pensar os problemas nacionais, não podendo definir objetivos
a perseguir, cabendo às elites o papel de assumirem lealmente sua função de
porta-voz dos interesses e das aspirações da comunidade orgânica. De acordo
com cada fator do poder dava-se a oportunidade de uma elite particular
manifestar-se. Figueiredo113 observa que, no decorrer dos anos, a submissão das
elites políticas caíram no formalismo da demagogia e na corrupção; houve o
abuso das elites psicossociais através dos meios de comunicação e até do ensino,
em prejuízo do povo; as elites econômicas buscaram o proveito próprio egoísta,
112 Golbery do Couto e SILVA. Op. cit. p. 15. 113 Poppe de FIGUEIREDO. Civilismo e segurança nacional. Apud Ana Maria Bidegain de URÁN. p. 186.
98
cultivando os privilégios fiscais e outros, praticando o contrabando, os
monopólios e gerando, por isso mesmo, problemas sociais insolúveis.
Para um melhor entendimento do alinhamento das elites na construção da
doutrina de Segurança Nacional, nos reportamos a Mills 114, quando diz que: “A
elite que ocupa os postos de comando pode ser considerada como constituída de
possuidores do poder, da riqueza e da celebridade. Estes podem ser
considerados como membros do estrato superior de uma sociedade capitalista.
Podem também ser definidos em termos de critérios psicológicos e morais,
como certos tipos de indivíduos selecionados. Assim definida a elite, muito
simplesmente, é constituída de pessoas de caráter e energia superior. (...) Não
importa que sejam ricas ou pobres, que tenham altas posições ou não, que
sejam aclamadas ou desprezadas, são elite por serem como são. O resto da
população é a massa, que segundo esse conceito, apaticamente mergulha numa
mediocridade desconfortável”.
Em sua tese sobre a Elite do Poder, Mills observa três pontos principais:
1º. é a psicologia das várias elites e seus respectivos meios. Na medida em que
se compõe de homens de origens e educação semelhantes, na carreira e estilos
de vida, são semelhantes em sua unidade.
2º. é a estrutura e a mecânica das hierarquias institucionais pelo diretório
político, pelos ricos associados e pelos altos militares. Assim, quanto maior a
escala desses domínios burocráticos, maior o alcance de suas respectivas elites
de poder. Formam uma unidade não como um reflexo da unidade das
instituições, embora homens e instituições estejam sempre ligados. Dentro deste
conceito ocorre uma promoção econômica particular dentro de um vazio
político.
114 Wright MILLS . A elite do poder. p. 23 – 30.
99
3º. Nas coincidências estruturais dos grupos de comando e dos interesses, sendo,
ela (a elite) uma unidade de uma coordenação mais explícita.
Na adoção de uma doutrina autoritária insere-se um modelo econômico
altamente excludente, como é relatado por Tavares115, ao descrever a
perversidade do ‘milagre’, defendido por Delfim Neto, para a fase de
acumulação acelerada do capital e da concentração de renda. Armado de uma
irreverência que beirava os limites do deboche, em sua defesa afirmava que “o
bolo tem de crescer para depois ser distribuído” ou “dêem-me um ano e não me
importo com as décadas” ou “só posso trabalhar para 60% da população, os 40%
restantes (os miseráveis) não são problema meu” ou “é preciso correr para ficar
onde está”, referindo-se à classe média. Esse pensamento retratava o descaso
total pela base da pirâmide social, o abandono da periferia e a construção de um
processo de exclusão.
4.3. “O bolo tem de crescer”ou a gestão de exclusão
Não temos a intenção de aprofundar a discussão econômica, mas é
necessário analisarmos o discurso expansionista e suas contradições,
empreendido pelo regime autoritário, que teve como resultado, a formação do
exército de excluídos. Tavares afirma que: “Nos Estados modernos, a gestão da
política econômica constitui a principal instância, nas relações entre governo e
sociedade civil, onde são propostas e arbitrados os conflitos de interesses das
classes e dos diferentes grupos sociais. Da sua direção dependem,
concretamente, a distribuição dos fluxos de renda dentro da economia e dela
para o exterior; a taxa de lucratividade das empresas e a remuneração real da
115 Maria Conceição TAVARES. O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica do regime militar. p. 37- 8.
100
classe trabalhadora; as formas de crédito e do financiamento privado e do setor
público.” 116
Em relação ao modelo desenvolvido pelo Estado brasileiro a autora diz
que: “O Estado-desenvolvimentista que daí surgiu tem se definido por um pacto
político de dominação que em geral se mostrou flexível para incorporar as
novas elites emergentes do desenvolvimento capitalista e estratos crescentes das
classes médias. A cooptação ou excludência de setores mais amplos da
população trabalhadora é que tem variado, com movimentos espasmódicos de
maior ou menor autoritarismo e pequenos interregnos de democratização,
quando as pressões populares se manifestam de modo mais ou menos
agudo.”117
Dentro desta lógica econômica os orientadores do modelo acharam que
apenas as grandes empresas nacionais, e principalmente as multinacionais, é que
estavam em condições de atender às exigências requeridas para reacender a
economia, por possuírem capitais suficientes para serem investidos em curto
prazo, capacidade gerencial, tecnologia adequada e abertura nos mercados
finais. O mercado interno passou para segundo plano e a política de preços
passou a ser regulada exclusivamente pelo livre jogo dos fatores no mercado,
resultando uma transferência em massa dos recursos dos setores de renda fixa
para setores proprietários ou meramente especulativos, maior enriquecimento
dos mais ricos e pauperização dos setores populares, fortalecimento da indústria
exportadora, particularmente dos produtos destinados aos setores de renda mais
elevada. Desta forma, o Estado estabeleceu leis com condições vantajosas para o
capital estrangeiro e, ao mesmo tempo, melhorou sua capacidade para orientar
as novas entradas de capital internacional.
Como conseqüência, assistimos às condições sociais cada vez mais
difíceis para os setores populares. Mas, de qualquer forma passamos o período
116 Maria Conceição TAVARES. Op. cit. p. 7. 117 Maria Conceição TAVARES. Op. cit. p. 7.
101
do milagre às custas de uma propaganda forte do Estado, ressaltando que uma
vez atingidas as metas preconizadas no modelo de desenvolvimento brasileiro,
haveria a distribuição de renda e a justiça social seria alcançada.
Mas o resultados vivenciados na década de 70, com a crise do petróleo e a
restrição de créditos internacionais, acabou por aumentar na sociedade brasileira
a pobreza, que segundo Paugam, está dividida em três patamares:
“a) pobreza integrada; retém o sentido tradicional de pobreza, não indicando
propriamente o que se chama de exclusão social; seu nível de vida é baixo, mas
permanece fortemente integrado em seus espaços sociais organizados em trono
da família e do bairro ou da vila; mesmo quando desocupada, não se percebe
estigmatização mais forte;
b) pobreza marginal; na interseção entre pobreza tradicional e exclusão social;
c) pobreza desqualificada; ressalta a exclusão social propriamente dita; tais
pobres se tornam cada vez mais numerosos, alijados da esfera produtiva e
dependente das instituições sociais, passando a viver o sentimento de
‘inutilidade social’; também pessoas que não tiveram infância desfavorável
podem, cada vez mais, descambar para tal pobreza.”118
Para o caso de Volta Redonda esta análise é bem pertinente pois, com a
crise econômica deflagrada nos anos 70 e a nova política social praticada pela
CSN, (dentro dos moldes do modelo liberal, em que todas as formas de
atendimento sociais aos seus empregados deixavam de ser oferecidas pela CSN,
passando a acompanhar a lógica de mercado com os cortes de contratos de
empreiteiras e com a demissão de um grande contingente de trabalhadores)
foram fatores decisivos para a formação de uma população de excluídos. Sobre
esse quadro Castel afirma que: ‘A situação atual está marcada por um abalo
que recentemente tem afetado a condição salarial: o desemprego massivo e a
precarização das situações de trabalho, a inadequação dos sistemas clássicos
de proteção para cobrir tais situações, a multiplicação de indivíduos que
118 Apud Pedro DEMO. Charme da exclusão social . p. 29-30.
102
ocupam na sociedade uma posição de sobrenumerários ‘inempregáveis’,
desempregados ou empregados de um modo precário, intermitente. De agora
em diante, para muitos, o futuro está marcado por um cenário de
aleatoriedade.’ 119
Segundo Schnapper, começaria a emergir um processo de desafiliação, ou
desligamento, que levaria, como imagina Paugam, da precariedade à exclusão. A
dubiedade é esclarecida quando afirma que: ‘Todos os levantamentos sobre
indivíduos desprovidos de emprego, desocupados, retirados e assistidos sob
títulos diversos, demonstram que, de fato, o trabalho restou, em todo caso até
hoje, o fundamento da dignidade dos homens.’120
Caberia questionar se estaríamos diante de algo novo ou apenas em uma
nova fase do sistema capitalista? Boaventura Santos nos mostra que é uma
conseqüência, quando diz que: (...)as promessas da modernidade, depois que
esta deixou reduzir suas possibilidades às do capitalismo, não foram nem
podem ser cumpridas; e, em segundo lugar, que depois de dois séculos de
promiscuidade entre modernismo e capitalismo tais promessas, muitas delas
emancipatórias, não podem ser cumpridas em termos modernos nem segundo os
mecanismos desenhados pela modernidade. O que é verdadeiramente
característico do tempo presente é que pela primeira vez neste século, a crise de
regulação social corre de par com a crise de emancipação social." 121
Diante do aparato coercivo montado pelo Estado, sobre a sociedade civil,
por quase duas décadas, a massa trabalhadora sem perspectivas se restringiu a
olhar ao seu redor procurando aprender através dos exemplos, de heróis e
histórias morais sobre a ambição, a luta, o sucesso e o fracasso. Aprender com o
exemplo é o destino das pessoas e a maneira de interiorizar as demandas e
dominar as rotinas de sua existência.
119 Apud Pedro DEMO. Op. cit. p. 81. 120 Apud Pedro DEMO. Op. cit. p. 20. 121 Boaventura de Souza SANTOS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade . p . 35 .
103
4.4. Os movimentos sociais em busca de novos tempos
As experiências acumuladas a partir das repressões políticas, praticadas
pelo Estado, em 1979, é o primeiro momento de redenção dos movimentos
operários, saindo da clandestinidade do interior das fábricas e das reuniões nos
fundos das Igrejas reunindo pequenas multidões em espaços abertos, com
categorias profissionais passando a se manifestar, grupos tradicionais excluídos
da cena política ingressando nesta arena com discursos inéditos, dentre esses
grupos, os moradores de periferia participaram desta ruptura social,
proclamando e reclamando direitos, fazendo do espaço urbano, objeto de
mobilização, dando visibilidade pública a um sujeito coletivo em constituição
através de passeatas, concentrações em espaços públicos, greves de
trabalhadores, panfletos contendo reivindicações, documentos denunciando, às
autoridades, a segregação sócio-espacial.
Esta evolução política experimentada neste período vem de encontro
ao pensamento de Bauman, quando afirma que: “a liberdade individual só pode
ser produto do trabalho coletivo (só pode ser assegurada e garantida
coletivamente). Caminhamos, porém, hoje, rumo à privatização dos meios de
garantir/ assegurar/firmar a liberdade individual – e se isso é uma terapia para
os males atuais, é um tratamento fadado a produzir doenças iatrogênicas dos
tipos mais sinistros e atrozes (destacando-se a pobreza em massa, a
superfluidade social e o medo ambiente). (...) vivemos também uma época de
privatização da utopia e dos modelos do bem (com os modelos de ‘boa vida’
expulsos e eliminados do modelo de boa sociedade).”122
Nesta época, forçado pelas organizações internacionais de direitos
humanos e a necessidade de modernização da imagem do Brasil para o mundo, o
discurso do Estado, era de promessas para uma abertura política, rumo à
122 Zygmund BAUMAN. Em busca da política. p. 15
104
democracia. Na prática, esta abertura ficou no plano do discurso por quase 10
anos, tendo durante este tempo uma práxis política nos moldes que retrata
Bauman.123
Para ele, a modernidade em seu último estágio, o Panóptico, o grande
instrumento para manter as pessoas juntas (no que veio a ser conhecido como
“sociedade”), foi gradualmente substituído pelo Sinóptico. A maioria não tem
outra opção senão vigiar; com as fontes de virtudes públicas quase inexistentes,
só se pode procurar uma razão para os esforços vitais nos exemplos disponíveis
de bravura pessoal e recompensas para tal bravura.
Ocultar a vida pessoal à vigilância pública já não é ‘do interesse público’.
Se o Panóptico representou a guerra de atrito contra o privado, o esforço de
dissolver o privado no público ou de pelo menos varrer para debaixo do tapete
todos os fragmentos de privado que resistiram a serem moldados de forma
publicamente aceitável, o Sinóptico refletiu o ato de desaparecimento do
público, a invasão da esfera pública pela privada, sua conquista, ocupação e
paulatina mas inexorável colonização, invertendo-se as pressões sobre a linha de
divisão/conexão entre o público e o privado.
Originalmente, o que os pensadores da modernidade emergente
prometiam era a liberdade ativa, em que o fazer coisas e refazê-las a fim de
adequarem à existência humana, seria a ‘liberdade de ser humano’. Para tal, essa
liberdade dava aos membros da espécie condições de agir de acordo com os
mais humanos dos seus dons naturais: o poder de fazer na capacidade humana
de agir, na capacidade coletiva da espécie de corrigir erros e descuidos da
natureza e os seus próprios erros e desleixos do passado que se esperava um
inabalável alicerce para a liberdade individual, liberdade de seguir o caminho da
razão.
A liberdade que se imaginava era o aspecto da condição humana a que
Isaiah Berlim124 deu o filosófico nome de ‘liberdade negativa’, aspecto que no 123 Zygmund BAUMAN. Op. cit. p. 77-79
105
uso popular é tido como liberdade de escolha e na sua versão populista ‘menos
Estado e mais dinheiro no bolso’. A liberdade, de fato, é definida como ausência
de restrições impostas por uma autoridade política. Mas o que persiste são as
restrições impostas pela limitação coercitiva das opções individuais, através das
ambições reguladoras/legislativas do poder político, constituindo senão único o
principal inimigo da ‘liberdade negativa’.
A liberdade sonhada durante a modernidade foi limitada por dois
conjuntos de restrição: a primeira definida pela agenda de opções, o conjunto de
alternativas efetivamente disponíveis, teve como elemento regulador a
legislação que acima de tudo pré-seleciona, reduzindo o leque de opções,
algumas possíveis em teoria, são excluídas das possibilidades práticas ou
associadas a sanções severas tornando-as de difícil escolha. Enfim, a legislação
separa o reino da viabilidade prática do leque das possibilidades teóricas.
A segunda é definida pelo ‘código de escolha’, são as regras abalizadoras
da preferência de uma coisa ou outra, da escolha adequada ou não, cujo
instrumento regulador é a educação (num esforço institucionalizado para
instruir, treinar os indivíduos de usar sua liberdade de escolha dentro da agenda
estabelecida legislativamente). Visa promover aos optantes de sinais de
orientação e regras de conduta; cria valores que orientem a opção; capacita para
a distinção entre razões corretas e incorretas; induz a internalizar normas,
codificando e subdividindo do conjunto de opções disponíveis e permitidas entre
as que são desejáveis, recomendáveis, adequadas.
Através da educação dá-se a desconstrução política, pois a agenda não é
mais controlada pelos operadores políticos, uma vez que as pressões de mercado
estão substituindo a legislação política, dando lugar ao campo das opções de
consumo. Desta forma, experimentamos a supremacia do econômico sobre o
político.
124 Apud Zygmund BAUMAN. Op. cit. p. 78.
106
Para o conjunto das forças populares, coloca-se assim uma tarefa de
amplo alcance: a luta para inverter essa tendência conservadora da política
brasileira e para eliminar suas conseqüências nas várias esferas do ser social
brasileiro. Para as correntes de esquerda a democracia política ganha uma
dimensão concreta, indo além do plano abstrato teórico, isto porque, quando
analisamos as vicissitudes da história política brasileira, verificaremos uma
tendência dominante do caráter elitista e autoritário que assinalou a evolução
política, econômica e cultural do Brasil, mesmo em breves períodos
‘democráticos’.
A participação popular era um fato novo na evolução política do Brasil.
Para Coutinho “As transformações políticas e a modernização econômica-social
foram sempre efetuadas pelas elites, através da conciliação entre frações das
classes dominantes, com medidas aplicadas de cima para baixo com traços
conservadores das relações de produção atrasadas (latifúndio) e com a
produção (ampliada) da dependência ao capital internacional. Essas
transformações ‘pelo alto’ tiveram como causa e efeito principal a permanente
tentativa de marginalização as massas populares não só de uma participação
ativa social em geral, mas sobretudo do processo de formação das grandes
decisões políticas nacionais.”125
No início da década de 80, a coreografia da organização da sociedade civil
começava a mostrar uma tendência de auto-organização, multiplicavam-se
organismos de democracia direta, sujeitos políticos coletivos de novo tipo
(comissões de fábricas, associações de moradores, comunidades religiosas de
base, etc.); desligavam-se da tutela do Estado, antigos organismos de massa,
como alguns dos principais sindicatos do País, e poderosos representantes da
sociedade civil, como OAB, a CNBB, a ABI. Assim desenhava-se a ampliação,
a organização e o fortalecimento da sociedade civil possibilitando
concretamente intensificar a luta pelo aprofundamento da democracia política no
125 Carlos Nelson COUTINHO. A democracia como valor universal . p. 32.
107
sentido de buscar uma democracia com possibilidades da participação das massa
nas políticas públicas.
Havia um consenso em que a possibilidade da criação de um poderoso
bloco democrático e nacional-popular, não seria suficiente para extirpar
definitivamente os elementos do autoritarismo. Deveriam permanecer por um
longo período de transição mas, seria um passo decisivo para a criação de
pressupostos no aprofundamento de uma renovação democrática, em busca da
tão sonhada participação das massas nas decisões políticas.
Em Volta Redonda o reflexo desta desastrosa política econômica
evidenciava-se no plano urbano, com o aumento das favelas fazendo um
contraste com a organização imaginada quando de sua concepção. “O problema
da favela não pode ser explicado só pelas formas de segregação espacial e as
desigualdades face à habitação; é mister ver também um processo de
degradação das relações sociais no seio das cidades deserdadas e as
dificuldades crescentes da população de fazer face ao sentimento de solidão, de
enfado, de vazio da existência.”126
A resposta veio por meio dos movimentos de moradores de periferia,
organizando passeatas dos seus bairros até o centro urbano, proclamando e
reclamando direitos, promovendo concentrações em frente à prefeitura,
distribuído panfletos que denunciavam suas condições de moradia, a segregação
sócio-espacial e pressionando o poder público a ouvir e atender às suas
necessidades.
Com a gradativa politização do espaço da cidade, resultou a legitimação
do movimento (uma vez que foram reconhecidas as carências existentes) com a
adoção de um relacionamento negociado, submetido a regras, entre poder
público e população da periferia.
126 Pedro DEMO. Op. cit. p. 20.
108
De 1977 a 1979, tinha tomado posse o prefeito nomeado pelo Estado que,
apesar de sua habilidade política, não coordenava suas ações de forma a se
tornarem suficientes diante do crescimento acelerado da cidade. No ano de
1979, o movimento social ganha as ruas e toma posse o segundo interventor,
abrindo assim, um período distinto pois, o prefeito hostiliza os moradores da
periferia com um trato agressivo e excludente. Coube à Igreja local ser a
mediadora do conflito e, ao mesmo tempo, fomentadora da participação dos
favelados nos movimentos reivindicatórios para melhoria das suas condições de
moradias.
4.5. A ação da Igreja no Urbano de Volta Redonda
Em dezembro de 1966, o Bispo Dom Waldyr Calheiros de Novaes, um
dos expoentes da Igreja progressista no Brasil, assume o comando da Diocese de
Barra do Piraí e Volta Redonda. Sua chegada operou uma grande mudança em
relação à sua prática anterior, convertendo-se numa das primeiras dioceses
brasileiras a adotar e implantar um novo projeto pastoral, assumido com muita
coragem pela quase totalidade do conjunto da Diocese. O resultado dessa opção
foi a estruturação de uma Igreja engajada, reconhecida pelos trabalhos que
desenvolveu no campo das lutas sociais 127, constituindo-se num pólo articulador
e mobilizador da sociedade, na luta pela recuperação dos espaços organizativos
das classes populares, sindicatos, movimentos populares e urbanos.
Com esta linha de conduta, a Igreja passava a ser o agente de denúncias da
repressão, das arbitrariedades e da violência militar que feriam a dignidade e o
respeito da pessoa humana. Ao mesmo tempo, no interior da Igreja havia uma
grande discussão entre padres e religiosas, para viabilizar numa prática pastoral,
127 Cf. Paulo HOTZZ. Perfil Sociológico da Diocese .In: Revista Diocese de VR/BP. p. 52
109
as diretrizes das propostas do segundo Encontro Latino-Americano dos Bispos,
em Medellín na Colômbia em 1968, quando oficializaram as CEBs na América
Latina, com uma proposta pastoral voltada para a “opção preferencial pelos
pobres”.
Curiosamente, exatamente no bairro Retiro, o maior reduto operário fora
da vila operária (onde ocorreu a maior concentração das favelas durante o
período do seu crescimento), em decorrência da falta de padres, o Próprio Bispo
inicia uma experiência pioneira, em que assume diretamente todo trabalho de
campo, treinando leigos na organização de comunidades e na administração das
paróquias. Os rituais começaram a ser reformulados e assim modelaram novos
caminhos da ação pastoral. Dom Waldyr relata esta experiência: “Ali foi uma
pré-CEB. Eu queria ter um modelo de paróquia onde os leigos fossem atuando
(...) e por uma coincidência saiu o padre. Padre Antônio. O padre saiu para se
casar e eu não tinha padre solteiro para mandar.(...) Então eu fiquei
respondendo pelo Retiro. E ordenei um diácono, porque naquela época a gente
não podia dar licença ao leigo para ministrar os sacramentos, então tinha que
fazer um diácono. E foi o único diácono que eu ordenei na diocese. E lá não
tinha padre, então eu ficava com a celebração e comecei a montar grupos de
reflexão, que é o segredo do nascimento das CEBs.” 128
Os grupos de reflexão, por todas as comunidades da Diocese, relata Dom
Waldyr, teve seu momento culminante em 1973, com uma reunião que
congregava pela primeira vez todos os grupos da Diocese e com“uma assessoria
externa foi feita a‘primeira conceituação sobre CEBs com gente de várias
partes da Diocese’. Neste encontro, os leigos foram introduzidos na discussão
até então restrita aos agentes pastorais e começaram a ser formados na nova
128 Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano em Volta Redonda. capítulo III. p. 148.
110
teologia. Nos bairros os grupos de reflexão passam a se identificar como
comunidades eclesiais de base.”
Estando sempre presente nas comunidades, acompanhando a evolução dos
problemas e sensível às suas carências, em fevereiro de 1974, através do
Boletim Diocesano, Dom Waldyr faz uma convocação a essas comunidades no
sentido de desenvolverem um trabalho comum em uma pastoral urbana: “Há
quatro anos nos colocamos com o problema da Igreja na cidade de Volta
Redonda. Depois de vários encontros com sacerdotes e o Conselho da Pastoral
criou-se uma cidade paróquia, em vez de seis paróquias na mesma cidade. (...)
Mas ainda não se sente, em profundidade, a presença da Igreja na cidade. No
ano passado, 1973, não se deu nenhum passo para caminhar no sentido de uma
pastoral especifica para a cidade a não ser conservar o que já se tinha
conquistado. Vemos, porém, que o plano de expansão da CSN implica o
crescimento demográfico da cidade e com ele todas as suas conseqüências:
novos bairros, chegada de novos operários, presença de novos habitantes e
escassez de meios de comunicação, etc. Em suma, como fazer sentir a presença
da Igreja na cidade de Volta Redonda?”129
Nesta convocação, havia uma sugestão para que as comunidades
realizassem estudos de um texto Pastoral da Comunidade Urbana, publicada na
Revista Eclesiástica Brasileira, para realização de uma assembléia que foi
denominada Assembléia da Cidade, onde ocorreu a discussão do clero,
religiosas e leigos (os caminhos concretos para uma prática na montagem de
uma pastoral urbana para Volta Redonda).
Soares130 relata que: “Especialmente em Volta Redonda, esse movimento
rapidamente se converteu em pólo de organização e mobilização popular, que
129 Boletim Diocesano . nº 28. p. 6. 130 Apud Paulo Célio SOARES. CEBs: A construção de uma nova maneira de ser igreja: o nascimento e organização das comunidades eclesiais de base em Volta Redonda. p. 13.
111
canalizou a indignação e a resistência popular ao autoritarismo imposto pela
ditadura, bem como a denúncia de um sistema econômico injusto e
extremamente excludente e desigual. (...) pois o fato desta cidade ser
fundamentalmente operária, e onde o poder estatal exerceu, desde sua
formação, uma forte presença e atuação, fornecem elementos elucidativos da
contribuição desse movimento para a história do movimento popular brasileiro
e da própria Igreja.”
Pesquisando nos Boletins Diocesanos131, podemos verificar que as
assembléias de 9 de agosto de 1974 em conjunto com o Conselho Paroquial da
Cidade definia as prioridades da ação pastoral: as CEBs, a Pastoral Operária e
a Ação Social e a de 3 a 6 de março de 1975, a 1º Assembléia Diocesana que
fixava as diretrizes para toda a Diocese (a criação de CEBs e a formação de
conselhos diocesanos -regional e paroquial-, que foram determinantes para a
formação de uma nova postura evangelizadora, e que abriam espaços de
participação da Igreja, cumprindo plenamente o seu papel evangélico e profético
de estar concretamente ao lado dos injustiçados de nossa sociedade). Esse
movimento vem recuperar, com bastante dinamismo, o discurso e a prática
libertária do cristianismo primitivo 132, que permaneceram obscurecidos por
séculos de alinhamento com o poder estabelecido.
Exatamente no Bairro Retiro, onde ocorreu o início do processo através
dos grupos de reflexão, sob a orientação de um padre operário francês e algumas
religiosas. Foi o primeiro referencial diocesano do trabalho das CEBs. Irmã
Olívia relata como se processava a atividade dos agentes pastorais e animadores
leigos e suas ramificações nos bairros periféricos: “Naquela época nós tínhamos
grupos. Nós éramos uma equipe, 32 grupos de diferentes bairros. Cada um de
nós (agentes pastorais) acompanhava 8, 9 bairros e todo sábado a gente se
131 Boletim Diocesano nº 40. p. 5. - Boletim Diocesano. nº 336. p. 3. 132 Rosa LUXEMBURGO. O Socialismo e as Igrejas . p. 16.
112
reunia para fazer um subsídio, uma folha comum com os problemas para serem
discutidos durante a semana. Todo sábado reunião com os animadores dos
grupos. Era um trabalho mesmo de fôlego. Naquela época (...). a gente
preparava os animadores, eles faziam as reuniões durante a semana e a gente,
no sábado, fazia a revisão, conversava e tal. E nós também – que eu digo, os
agentes: os padres, as irmãs - a gente também visitava os grupos, à noite. Cada
um acompanhava uns tantos bairros. Então era no Açude, no Siderlândia, no
Cidade do Aço, em Vila Brasília, todos aqueles bairros lá do lado do Retiro
mesmo havia vários grupos. (...) A gente dava número: setor 10, setor 9, setor 8
(...) Depois veio o lado do Conforto porque o trabalho foi se estendendo pela
cidade toda.”133
No boletim nº 54134, encontramos as informações da primeira assembléia
geral das CEBs de Volta Redonda, realizada no dia 20 de abril de 1975, que
deliberou a necessidade de denunciar os problemas locais para as autoridades
responsáveis. Para tal, foram criadas dentro das CEBs, as comissões de bairros,
integradas por leigos, cuja função era de encaminhamento de reivindicações dos
moradores (dos problemas espaciais dos seus respectivos bairros). Completava-
se, no interior das CEBs, o ciclo de reflexão para uma atitude de ação concreta
em busca de melhorias na qualidade de vida dessas comunidades.
Na abertura da Campanha da Fraternidade135 de 1978, com o tema
‘Trabalho e Justiça para Todos’, reuniram-se 8000 pessoas no ginásio esportivo
que, através de representações teatrais, apresentaram os problemas enfrentados
pelos moradores da periferia. Em outubro de 1979, na 6º Assembléia Diocesana
decidiu-se pela solidariedade e participação nas organizações populares. A
materialização desta decisão foi motivada através das comissões de moradores
internos das CEBs (como forma de estimular a formação das associações de
133Claudia Virginia Cabral de SOUZA . Op cit. capítulo III. p. 151 134 Boletim Diocesano. nº 54. p. 4 135 Boletim Diocesano. Nº 115. p. 3.
113
bairros, que poderiam atrair o interesse de outros moradores, independentemente
da religião. Aumentava, assim, o leque de participação das pessoas da
comunidade, católicos ou não, no processo associativo em busca de melhorias
nos seus bairros.
Em outro relato, Dom Waldyr136 demonstra sua sensibilidade diante da
evolução dos problemas e diz que ‘a CEB é um processo contínuo e sempre
renovador’ e ‘o bairro é mais amplo que um credo religioso’. Sobre a
importância das reflexões geradas nos diversos grupos, afirma: “Então aí já
desperta a consciência [da comunidade em geral] não só voltada para a própria
necessidade emergente dentro da comunidade geográfica, mas também para o
mundo do trabalho. Começa a ser dado um passo mais à frente de adesão na
solidariedade, na participação, nos sindicatos, na luta, nas manifestações (...) E
se chegou a um ponto mais alto, que é mais difícil para o católico: é o ponto
político, que muitas comunidades conseguiram alimentar, com muito conflito
interno e externo.”
Indiscutivelmente, a Igreja foi a responsável direta pela formação de
lideranças dos movimentos comunitários de Volta Redonda. De uma forma
pedagógica, durante 9 anos, organizou e motivou as CEBs para um engajamento
social, político e econômico, criando uma discussão profunda, com liberdade de
expressão, valorizando a participação das pessoas e, sem fórmulas prontas, os
problemas eram levados e as soluções eram encontradas pelos próprios pares.
Para Soares “As Cebs em Volta Redonda, como um movimento que possibilitou
a emergência de um novo modelo de Igreja, pautado pela descentralização do
poder, maior participação e valorização do leigo na esfera religiosa e pelo
caráter popular com grande inserção nas lutas sociais. (...) caracterizar as
Cebs como núcleos organizativos e mobilizadores das classes populares,
atuando na formação de novas lideranças e de uma renovada consciência
136 Idem, ibidem. capítulo III. p. 154.
114
crítica que contribuiu decisivamente para a reorganização e ressurgimento do
movimento sindical e popular em Volta Redonda.” 137
Esta prática, desenvolvida pela Igreja local, procurava estimular a arte
política democrática que desmontava os limites à liberdade dos cidadãos; mas,
também, era a arte da autolimitação, libertando os indivíduos para capacitá-los a
traçar, individualmente e coletivamente, seus próprios limites individuais e
coletivos. O liberalismo reduziu-se ao mero credo de que ‘não há alternativa’
criando uma apatia política, louvando e promovendo o conformismo,
generalizado e criando uma insignificância da política resultando, no entanto,
num preço exorbitante, que foi pago na moeda gerada pela má política o do
‘sofrimento humano’.
Para tal era necessário um despertar da população em relação às práticas
políticas desenvolvidas no pós 64, com a instalação da ditadura militar
respaldada pelas elites que acabou gerando um autoritarismo ainda não
contemplado na história do país.
4.6. A alternativa do morar em Volta Redonda
O processo de favelamento de Volta Redonda começa a ser escamoteado,
principalmente na nomenclatura utilizada pelo poder público, denominando de
núcleos de posse (alegando que eram compostos por pequenos grupos de
famílias que ocuparam pequenas áreas de terra). No entanto, preferimos
denominá-las de favelas, utilizando o conceito não pela área ocupada ou número
de famílias, mas pela precariedade das construções e o local quase sempre
sedentário e afastado do centro.
137 Apud Paulo Célio SOARES. CEBs: A construção de uma nova maneira de ser igreja:o nascimento e organização das comunidades eclesiais de base em Volta Redonda. p. 14.
115
Em 1948, aparece a primeira favela (do Morro São Carlos) mas,
chegamos em 1966, com apenas três favelas (com um número de 1158
habitações para uma população estimada em 5790 habitantes, representando
5.05% da população total da cidade).
Em decorrência dos fatores econômicos, políticos e sociais que a cidade (e
até mesmo o país) experimentou no período entre 1970 e 1985, verificamos que,
através de políticas públicas equivocadas e uma negligência total em políticas
habitacionais, foi surgindo em todas grandes cidades brasileiras, a alternativa da
sobrevivência que ia empurrando os pobres para as encostas ou para as
periferias, numa moradia sem as mínimas condições sanitárias e muitas vezes
sub-humanas.
Volta Redonda não poderia ser diferente do resto do país, principalmente,
se levarmos em conta a industrialização galgada dentro de uma práxis
econômica nos moldes do capital monopolista de Estado. Esse tipo de
industrialização produziu uma concentração econômica, social e espacial dos
meios de produção e das unidades de gestão, assim como a força de trabalho
necessária a seu funcionamento, gerando a interdependência crescente, no
conjunto de meios de consumo, que foram necessários ao seu desenvolvimento.
Essa interdependência foi crescente, em particular, no consumo coletivo onde se
insere o item moradia, não só em termos quantitativos mas, qualitativamente.
Visando reproduzir as características adequadas de cada tipo de força de
trabalho, uma vez que, o papel crescente dos meios de consumo coletivo decorre
também da importância estratégica do consumo no capitalismo avançado, da
necessidade, para o sistema, de estimular um consumo rentável que permita a
realização na venda das mercadorias produzidas.
116
Quadro III
Volta Redonda – Evolução das favelas e da população – 1967 a 1985
FAVELAS MUNICÍPIO
ANO Nº de Núcleos Nº de habitação Pop. Estimada Pop. Total Favelados (%)
1966 3 10158 5.790 114.556 5.05
1977 - 3.108 15.540 168.709 9.21
1979 45 1.609 9.045 178.555 4.02
1982 49 2.093 10.465 200.000 5.23
1984 103 3.520 17.600 212.900 8.26
1985 105 4.007 20.035 219.300 9.13
Fontes:
COHAB - PMVR - IPPU/VR . Apud Cláudia Virgínia Cabral de SOUZA. p. 131 – Quadro V
Acompanhando a evolução das favelas, pelo quadro apresentado,
verificamos que, no período de 1966 a 1979, houve um aumento acumulado de
habitações na ordem de 14875. Este crescimento não foi valorizado pelas
autoridades locais, talvez até pelo fracionamento em pequenos grupos de
moradias, espalhados por vários pontos da cidade. Esta expansão [das favelas]
deu-se, mais precisamente, a partir de 1975, em decorrência da crise do petróleo
e do aumento dos juros externos. A empresa viu-se obrigada a reprogramar a
expansão. Nesta reprogramação, vários contratos não foram renovados com as
empreiteiras, ocasionando demissões de um grande contingente de trabalhadores
oriundos, na sua maioria do campo e sem condições de retorno. A escassez de
moradias, gerava a especulação imobiliária, com uma super valorização dos
imóveis. Assim sendo, forçava as populações pobres a buscar formas
alternativas de moradia. Milton Santos nos fala que: "(...) O espaço é a morada
do homem, é o seu lugar de vida e de trabalho. Por isso, o lugar é, antes de
tudo, uma porção da face da terra identificada por um nome." 138
Para Carlos Nelson Ferreira dos Santos os modos de urbanização
brasileiros que se consubstanciam nas favelas e nas periferias das grandes
cidades em decorrência da industrialização, assumem uma (...) forma de
138 Milton SANTOS. Por uma geografia nova. p . 31.
117
estrutura espacial correspondente à implantação e ao desenvolvimento do
capitalismo no país.139
Este movimento em busca de moradia em Volta Redonda, contrapõe-se ao
imaginário estatal da dominação, da submissão, da obediência em que esta
cidade foi submetida durante três décadas e que é desafiado nos anos de plena
intervenção, através da Lei de Segurança Nacional, com prefeitos nomeados
pelo poder central. Esta desobediência civil foi observada nos anos seguintes,
com a partic ipação ativa da Igreja local, tornando-se o marco da redenção da
dominação espacial a que foi submetida esta cidade.
Essa crise de emancipação tem sido a tônica desse trabalho, privilegiando
o urbano enquanto campo de conflito, através das transformações de
espacialidade, buscando entender a geografia humana crítica, o materialismo
histórico e geográfico, sintonizado com a ação política.
A partir destas questões, ressaltamos que o controle sobre a formação da
classe operária foi “orientada por um projeto político de gestão de sua força de
trabalho que refletiu os caminhos tomados pelo Estado brasileiro, sobretudo,
depois de 37, enquanto princípio tutelar da sociedade e construtor da
nação,”140 através da construção da Cidade Operária.
O modelo de acumulação vigente não oferece alternativa ao trabalhador
de arcar com custos de aquisição ou locação de sua moradia, sabedor disto, a
procura de soluções alternativas. Enquanto foi possível autoconstruir em
terrenos clandestinos, à custa de enorme esforço familiar, ocupar áreas, levantar
barracos, alugar cortiços e pardieiros, a situação ‘ia se ajeitando’. Mas quando a
crise desacelerou as obras, houve mais demissões, promovendo um crescimento
brutal de trabalhadores na economia informal - criando um quadro de carência -,
139 Carlos Nelson Ferreira dos SANTOS. Velhas novidades nos modos de urbanização brasileiro. In: Licia do Prado VALLADARES (org). Habitação em questão. p. 23. 140 Apud Regina Lúcia de Moraes MOREL. A ferro e fogo: construção e crise da família siderúrgica: o caso de Volta Redonda. Cap. III . p. 77.
118
e um sentimento de ausência que, de individual, que acaba por se elevar ao
plano coletivo.
Não restava outra alternativa a essa camada da população a não ser
adensar nas encostas, nas margens das estradas, dos rios, dos córregos, que
somando a indiferença por parte do poder público das necessidades destas
comunidades que ia se criando, foram os fatores motivadores na organização das
lutas reivindicatórias desenvolvidas por essas comunidades.
119
Capítulo V: Concessão ou Conquista?
Para aprofundarmos tal discussão, buscamos em Aurélio, “concessão:
[Do lat. Concessione] 1. Ação de conceder; permissão, consentimento. 2. Ato de
ceder do seu direito, do seu ponto de vista, em favor de outrem. (...) 4. Econ
Privilégio concedido pelo Estado a uma empresa ou indivíduo para que explore,
mediante contrato, recursos naturais cuja propriedade, segundo a constituição,
não pode ser privada.(...) Conquistar:[Do lat. Vulg. Conquisitare, freqüentativo
de conquire] Submeter pela força de armas; vencer, subjugar: (...) 3. Adquirir à
força do trabalho; alcançar. 4. Granjear, adquirir, ganhar (amizade, amor,
simpatia). (...)7. Atrair, seduzir.”141
Torna-se imperativo, também, analisarmos o traço mais característico do
subdesenvolvimento, que é a dificuldade de produzir e manter postos de trabalho
na dimensão da mão-de-obra disponível, colocando-se dois pontos que são
funcionais ao capitalismo: o número de postos de trabalho e os níveis de renda
obtidos pelo trabalho, tendencialmente mínimos.
Para fazer frente a esta problemática extremamente complexa, o
crescimento econômico é condição fundamental para a vigência de políticas
sociais adequadas, ainda que crescimento não seja, automaticamente,
desenvolvimento. Esta lógica parecia ser a dos nossos governantes no período,
mas sem a preocupação de um planejamento sócio-econômico a médio e longo
prazo (uma vez que o processo se deu às custas de financiamentos externos com
juros flutuantes e, ao mesmo tempo, contemplando apenas a indústria,
provocando o êxodo rural).
No momento em que ocorreu a crise do petróleo e a conseqüente queda da
oferta de capital estrangeiro, o resultado desta política desenvolvimentista do
Estado, com a ótica da industrialização sem um planejamento no campo social,
criou um contingente de trabalhadores sem trabalho. Assim, a cidade sonhada na
141 Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA. Novo dicionário da Língua Portuguesa. p. 446 e 456.
120
sua concepção, passa a ser o referencial de progresso e exemplo do operário
padrão, passa a ser a marca de nossa situação sócio-econômica do desemprego e,
sobretudo, do subemprego. Restava, enfim, as vias informais de inserção no
mercado de trabalho, o que significa a invenção diária da sobrevivência.
A CSN, inserida em uma política de modernização industrial exigida
pelos seus credores, foi obrigada a abandonar as suas práticas de políticas
compensatórias destinadas ao controle social e à desmobilização popular. Neste
contexto, os trabalhadores da CSN foram obrigados a buscar formas alternativas,
principalmente, em relação à moradia, através da aquisição de lotes ou casas em
loteamentos clandestinos.
Desta forma, ao analisarmos a face da política social, recorremos a
DEMO, quando afirma que: “Ao lado das carências materiais, temos a
precariedade da cidadania. Uma falta, não de quantidade, mas de qualidade.
Uma não é maior ou pior que a outra. Condicionam-se mutuamente, mas não se
reduz uma à outra. Ao mesmo tempo, permite colocar uma percepção essencial
da pobreza, como repressão, e não apenas como carência. O cerne da pobreza
não está em não ter simplesmente, mas em ser coibido de ter e de ser. Por isso
pobreza é injustiça, e esta consciência é decisiva para seu enfrentamento.”142
Era de se esperar que o sindicato fosse o canal natural de
representatividade dos trabalhadores mas, nesse período, a CSN tinha o
completo domínio da situação. Desta maneira, a Igreja foi a instituição
responsável pelo amparo e organização dos trabalhadores em suas
reivindicações, principalmente no tocante à moradia. “Entendemos por
organização da sociedade civil a capacidade histórica de a sociedade assumir
formas conscientes e políticas de organização.”143
Neste caso, entendemos sociedade civil em contraposição dialética à
organização do Estado, pois em tese, o Estado seria a organização da sociedade
142 Pedro DEMO. Participação é conquista: noções de políticas sociais participativas . p. 16 143 Pedro DEMO. Participação é conquista: noções de políticas sociais participativas. p. 27.
121
civil em função dos interesses da sociedade civil, já que os detentores do poder
teriam um mandato de representação a partir da sociedade. Porém em Volta
Redonda, uma vez declarada Área de Segurança Nacional, a constatação foi
outra. O prefeito era indicado pelo Governo Federal tornando-se, muito mais,
representante da parte dominante da sociedade do que da parte dominada.
Para DEMO “(...) o desafio será motivar organização comunitária,
entendida tanto como aglutinação de interesses, como de espaço. A meta parece
clara: é preciso chegar a um tipo de sociedade, marcada pela constituição
democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que a própria
democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às intervenções
centralistas e autoritárias. Passar de objeto de manipulação, para sujeito de seu
próprio destino. Instaurar o Estado de direito, contra o Estado de impunidade,
de exceção, de privilégios. Institucionalizar o controle do poder de baixo para
cima, de tal sorte que o Estado sirva à sociedade, não o contrário. Garantindo
um nível mínimo de direitos iguais, abaixo do qual instalam-se a selvageria e a
violência incontrolável. Consolidar a cidadania organizada, aquela competente
em sua estratégia democrática de defesa dos interesses.”144
Em nossa cidade o estímulo não faltou, diante da crise instalada na área
urbana. Os desempregados se lançaram em ocupações de áreas públicas e
privadas para construir seus barracos. Os trabalhadores da própria CSN que, em
decorrência de uma grande especulação imobiliária, eram empurrados para
loteamentos periféricos, sem infra-estrutura, criando uma desigualdade, em
relação aos que eram assistidos com moradias nas áreas de propriedade da CSN.
Para melhor esclarecer a discussão, entrevistamos os dois maiores atores,
da questão urbana de Volta Redonda, o prefeito nomeado Benevenuto dos
Santos Neto e o Bispo Diocesano D. Waldyr Calheiros.
Perguntamos ao prefeito Benevenuto que obra era prioritária para sua
administração? Segundo ele, era a implantação do pólo industrial da cidade na
144 Pedro DEMO. Participação é conquista: noções de políticas sociais participativas. p . 33-4.
122
fazenda Três Poços. Em seu relato, confirma que o problema habitacional da
cidade era grave e não se conhecia o número de posseiros. Nem havia dados
concretos em relação ao déficit habitacional da cidade.
Em relação às heranças deixadas por seu antecessor, em relações as
favelas relata: “O Aluízio, realizou uma militarização na guarda municipal. O
estranho era que só na fazenda três poços existiam guardas e foi lá que, em uma
discussão com um guarda um posseiro foi empurrado, caiu batendo com a
cabeça em uma pedra, vindo a falecer. Existiam denúncias de que os posseiros
estavam sendo roubados no material de construção dos barracos. Tirei os
guardas. Os indivíduos deveriam estar livres; caso errassem, deveriam ser
punidos.”145
Diante desses problemas quais as providências que o senhor tomou? “Era
necessário inventar alguma coisa. Então proibi a construção de barracos em
Volta Redonda, pois eles proliferavam da noite para o dia. Faziam uma
plataforma mas, essa plataforma não era para o sujeito morar; eles vendiam.
Assim formavam uma imobiliária de barracos. Coloquei dois jipes, que
circulavam um na margem esquerda e outro na margem direita do Rio Paraíba
do Sul, que foram apelidados pela população de trovão azul. Se o sujeito estava
retirando a terra para implantar o barraco, a guarda municipal prendia e
levava para a polícia pois, a guarda municipal é guarda patrimonial e não
polícia. Com isso acabou a história de construir barracos. Criei um núcleo de
controle, atrás do Colégio João XXIII, para começar a dar títulos e saber
quantos posseiros tínhamos em Volta Redonda, pois não tínhamos a mínima
idéia, da quantidade. Essa população realmente ficou abandonada após a
conclusão do estágio III da expansão da CSN. Esse problema era da sociedade
mas, entendíamos que a primeira providência era evitar a construção de mais
145 Entrevista com o Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência.
123
barracos e procurar cadastrar o pessoal todo, e assim conseguimos controlar o
movimento.”146
Essas providências se deram no sentido de controlar o movimento que, segundo
o seu relato, foi conseguido. No sentido da busca de uma solução real para o
problema de moradia, qual foi à política da prefeitura?
“O meu objetivo inicial era a construção do pólo industrial, que está
fazendo falta até hoje já que os prefeitos posteriores abandonaram tudo. Estamos
vendo os municípios vizinhos levando indústrias e Volta Redonda ficando com
uma mão de obra cara. (...) Como eu tinha o problema habitacional, não ia fazer
barracos. Construí 3666 casas com aluguel barato. O Caeira o valor pago pelos
moradores é 10% do salário mínimo e além disso eu me orgulho porque é o
único construído em vale próximo ao rio, que não entra água, a partir do
deslocamento de pedras feito na sua construção”147
A propósito, seus opositores fazem uma acusação, de que os
empreendimentos executados pela COHAB, durante sua administração, eram
construídos longe da cidade, com a finalidade de valorização das terras
intermediárias atendendo aos interesses de especuladores imobiliários. Havia
essa pretensão? “Bom nenhum deles teve a coragem de trazer isso para mim.
Quando eu fui ver o local da construção do conjunto habitacional Santa Cruz,
achei muito bacana o projeto de construção, com edifícios altos e baixos
contrastando com as colinas, fazendo um jogo de imagem muito bonito e não
achei longe, porque o caminho anterior a gente entrava por trás da estação de
tratamento de água até o bairro Santa Rita para atingir o Santa Cruz. Eu abri
uma estrada que dava acesso direto e assim encurtou o caminho de forma
considerável. Desta forma eu fiz o maior projeto imobiliário do BNH, com
2.500 casas, que ainda não atendiam as nossas necessidades pois precisávamos
146 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 147 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência.
124
de 5.000 casas. Mas o nosso povo é uma piada, pois quando as casas ficaram
prontas eu tive dificuldade para ocupar as casas. O valor da prestação na
moeda de hoje ficou em torno de 30 a 40 reais. No conjunto Caeira foi 10% do
salário mínimo, ou seja 20 reais na moeda de hoje. No Caeira, a partir do
cadastro, demos as primeiras casas aos moradores de barracos do São
Cristóvão que era do outro lado. Apesar deste selecionamento alguns
negociaram suas casas e voltaram às condições anteriores. E em relação à
distância dos loteamentos devemos lembrar que foi necessário viabilizar
economicamente o projeto e o valor do terreno que é um peso substancial no
valor do imóvel”.148
O Senhor reconhece que esses trabalhadores eram organizados nos seus
movimentos? “Não, tinha alguns líderes. Me lembro da Rosalice, que na
elaboração da lei do Desfavelamento utilizei várias idéias dela, porque eu
separava as coisas. Eu dizia à ela: esse negócio de piquete, eu não topo. Tanto
que, enquanto fui prefeito não houve invasão da prefeitura como aconteceu no
governo posterior, eu fazia questão do respeito à minha autoridade”149
Em relação aos líderes, temos que lembrar que a liderança maior dos
movimentos dos favelados foi o Bispo D. Waldyr. Como se deu a sua relação
com ele durante seu mandato? “No episódio do deslizamento de terra próximo
ao viaduto da Ponte Alta, deslocamos as dezoito famílias desalojadas para Ilha
São João e alojamos em barracas cedidas pelo exército. Me lembro, inclusive,
que em uma das inspeções feitas, foi encontrado embaixo das camas sacos de
arroz, feijão e fubá, o suficiente para alimentar uma família por uns três ou
quatro meses. Era o indivíduo se aproveitando da sua própria desgraça.
Propusemos vários locais para construção de suas casas e as famílias sempre
com a negativa. Esse episódio acabou provocando que, eu, sendo católico
148 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 149 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência.
125
entrasse numa guerra aberta com o Bispo. A ponto de, nas missas, na hora da
palavra aberta, eu era atacado de toda a forma, mas também tinha um aliado: o
padre Inácio da paróquia Santa Cecília era meu amigo e depois dos ataques,
normalmente estava sentado na segunda ou terceira fila. Ele olhava para mim e
dizia: com a palavra o nosso prefeito. Eu levantava, ia até a frente, sentava a
pua, não havia razão de ter medo e sempre disse que não estava a serviço das
minorias insatisfeitas. Se alguém tem um projeto, que o leve até a prefeitura.
Estamos abertos a estudar”.150
O senhor chegaria a dizer que eles conquis taram ou que eles
influenciaram fortemente nas suas decisões na elaboração da lei de
desfavelamento da cidade? “Eu acho que conquistou; mesmo depois com
algumas deformações. Mas, isto é problema de pessoas, porque até agora ela
está prevalecendo. Olha, tem uma reportagem na revista da Fundação Getulio
Vargas de fevereiro de 86, menos de um ano depois do término do meu mandato
em que eles analisam os problemas urbanos e consideram as três melhores
soluções: as de Curitiba, Campinas e Volta Redonda, inclusive transcrevem a
nossa legislação integralmente”.151
A lei a que se refere o prefeito Benevenuto, é a lei nº 1885, de 11 de junho de
1984, que dispõe sobre a Política Municipal de Desfavelamento e Atuação em
Áreas Públicas Ocupadas. Em seu art. 1º, encontramos que: “A política
municipal de desfavelamento e atuação em áreas públicas tem como objetivo
reconhecer o direito do acesso à terra ou à moradia, por parte das famílias
carentes, observadas as condições técnico-jurídicas de cada caso”.152
Oficialmente, o poder público de Volta Redonda reconhecia as favelas na
cidade, e o mais importante, reconhecia o direito dos posseiros, que foram
ignorados por vários anos. E suas conquistas continuam, na promulgação da Lei
150 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 151 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 152 Lei nº 1885 de 11 de junho de 1984 disponível no arquivo da Câmara Municipal de Volta Redonda .
126
nº 1892 que estabelece a disciplina, a utilização e o uso do imóvel denominado
Fazenda Três Poços. Foi justamente neste local onde ocorreram os maiores
embates entre os posseiros e as autoridades locais, pelo fato de ser uma área
destinada à implantação de um pólo industrial. Em 01 de agosto de 1984, através
de decreto nº 1766, o prefeito regulamenta a Lei nº 1885, que em suas
considerações diz: “ (...) é fundamental a instrumentação legal que permita o
acesso dessas famílias à propriedade da terra, acompanhada de acesso aos
serviços e equipamentos públicos e a infra-estrutura de saneamento básico para
que possam ser alcançados os objetivos preconizados; que o processo de
desfavelamento não deve ficar restrito tão somente às ações ou à atuação do
Poder Público mas se exercitará, ainda, no sentido de que as famílias realmente
possam ser integradas no processo de cidadania, em face da mobilização da
sociedade como um todo”.153
Entrevistamos o Bispo D. Waldyr Calheiros154 com objetivo de buscarmos
seu depoimento quanto ao relacionamento com as autoridades locais no período
e seus embates como líder dos movimentos sociais de nossa cidade. Sua chegada
se deu em 1966, vindo do Rio de Janeiro, tendo passado um período ao lado de
D. Helder Câmara, Arcebispo do Rio de Janeiro e grande mestre de uma pastoral
de conscientização do oprimido e adversário ferrenho do autoritarismo militar.
D. Waldyr logo que chega a diocese põe em prática uma pastoral em que os
leigos tenham uma participação ativa na Igreja, e isto começava a incomodar o
poder. Em seu relato nos diz: “O prefeito, quando cheguei, era o Sávio Gama
que caiu numa tolice de acreditar no comandante de BIB, dizendo que o
exército forçou a prefeitura a desapropriar a fazenda Três Poços. Essa fazenda
era de propriedade dos padres Beneditinos, onde eu me reunia para formação
dos guerrilheiros, que na verdade era um centro de treinamento de padres e
leigos para suas atividades pastorais, não só religiosa (porque a formação
153 Dom Waldyr Calheiros. Bispo aposentado da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí, entrevista realizada em 11 de setembro de 2002, na Cúria diocesana de Volta Redonda. 154 Idem.
127
religiosa não é só de atos piedosos) pois o Vaticano II já nos tinha dado uma
antropologia da formação da consciência humana da dignidade da pessoa. Isto
é que a Igreja tomou como base para uma nova concepção porque durante
muito tempo a Igreja foi ditadora dentro de suas práticas anteriores fazendo
com que as pessoas fossem submissas, necessitando um trabalho de mudança de
mentalidade dos próprios padres”.155
A propósito, segundo dados da minha pesquisa, o Coronel Aluisio foi
acusado de ter uma relação muito agressiva com as associações de Bairros,
instituiu uma militarização na guarda municipal e deu ênfase a obras sem cunho
social. Como foi sua relação com ele? “O Aluisio foi feito prefeito pela
ditadura. Ele tinha o modelo dele marcado. Eu não tive muito relacionamento
com ele. Só tive um embate quando levaram a escória do Alto Forno para o
bairro Santo Agostinho. A comunidade levantou-se. Naquela ocasião, eu estava
em Alagoas quando ele manda me telefonar. Mas era um ditador e imitava o
regime. Todos os que aderiram tinham essa prática”.156
E em relação ao Georges Leonardo, também tinha essa prática ditatorial,
ou se apresentava de forma mais politizada? “O Leonardo, no relacionamento
com o povo não me lembro de nenhum ato mais agressivo. Ele se apresentava
mais aberto ao diálogo. Inclusive, em algumas atitudes em que me apresentei
contrári,o ele recuou. Preferia o não-confronto mas, além disto, tem um outro
fato. Eu tenho um sobrinho arquiteto que foi cooptado pelo Leonardo e através
dele, ele achava que me pegava e eu, percebi perfeitamente, tanto que meu
sobrinho se afastou de mim e ficou do lado de lá”.157
D. Waldyr, o ponto crítico do movimento dos favelados de Volta Redonda
se deu em 1982, na administração do Benevenuto, com uma expansão
incontrolável das favelas em nossa cidade. Em 1979 tínhamos 49 favelas. Em
1985 passamos para 130 favelas e, nesse mesmo período ocorre a morte de dois
155 Idem. 156 Idem. 157 Idem.
128
posseiros em três Poços, num embate com a guarda Municipal. A partir desse
momento, o senhor assume de forma mais aberta o comando do movimento, no
sentido de buscar junto às autoridades do município o reconhecimento do
problema e, ao mesmo tempo, soluções para melhoria da qualidade de
moradias dessa população excluída. O senhor confirma esses dados? “De fato a
parte da reação foi a partir dessas mortes em Três Poços. Era um terreno que
pertencia ao Estado e hoje tem uma comunidade que desenvolveu bastante. Em
todas essas ocupações,- é o tal negócio as pessoas diziam, vá se queixar ao
Bispo! E queira ou não queira, cai em cima da Igreja a reclamação, a queixa. E
houve, de fato, pancada forte com aqueles que governavam. Mesmo com o
Benevenuto, se dizendo de Igreja, tendo um irmão sacerdote, o embate foi sério.
Quando ele tirou o pessoal da Ponte Alta e levou para Ilha São João, pensava em
levá-los para Três Poços,lá no meio do mato, como forma de solucionar o
problema. Ali foi o clímax. Contestei. Ele me disse que não tinha outro lugar.
Então respondi: está bom, Benevenuto. Se o senhor quiser tem um terreno muito
grande no pátio da cúria. Eu vou construir para essas famílias desalojadas. Tem
facilidade de água e coloco uma placa: “OBRA DO PREFEITO
BENEVENUTO.” Então ele resolveu o problema: construir na União. Para os
que não quiseram ir, compramos um terreno no Retiro e alojamos o pessoal
completando a transferência. Esse foi o momento com autoridade, o memento
bastante forte da comunidade. O que tinha de bom é que a comunidade dava
completo apoio. O pessoal se mobilizava na questão de alimentação tendo uma
verdadeira presença das Comunidades de Base”.158
D. Waldyr, como um líder ativo do movimento dos favelados de Volta Redonda
o senhor entende que houve (por parte do movimento) conquistas ou se o poder
público fez concessão?
“Na minha visão, em Volta Redonda, havia no começo uma preocupação da
elite representada pela prefeitura de ter uma cidade arrumada, uma cidade
158 Idem.
129
bonita, como estamos vendo hoje. Uma das coisas que enfeiava a cidade era
justamente essas favelas. Então, era uma conseqüência prática da concepção
dos governantes - pobres tem que se acabar e não dar espaço. Depois a
burguesia, a pressão que fazia nossos empresários em cima da prefeitura era
muito grande para que afastasse esse pessoal porque só dava o que: era fonte
de ladrão, de assalto, de miséria. Essa cultura que eles procuravam “alimentar
para arrepiar” dentro dessa miséria e não tomar consciência. Não queriam nem
saber. É que os pobres estão correndo do meio do mato porque não tem o que
comer na roça. Estão procurando as cidades, as indústrias. Eles não
acompanharam esse processo. Dessa transformação, achavam que era uma
coisa só. Tinha que cercar isso aqui mesmo. Aquela preocupação que, até
pouco tempo existia, o SOS era encarregado de pegar os pobres que vinham
para aqui para devolver ao lugar de onde vinham. Foi conquista, não houve
concessão! Era mesmo na raça e no peito! A gente usava a faca na mesa das
autoridades. Sabe lá o que é um trator que está pronto para derrubar casas? E
o bispo na frente do trator constrói um altar para celebrar missa”?159
Dentre os prefeitos municipais deste período, qual era o mais autoritário,
mais resistente ao diálogo, como o senhor mesmo diz, o mais “desgovernante”?
“Não excluo ninguém, mas não vou classificar mais ou menos esse ou
aquele. Mas no sentido de prática, todos eles mantinham a mesma prática, da
mesma maneira, autoritária e não participativa. Agora, confronto mesmo, só
quando eles avançavam demais”.160
As entrevistas aqui transcritas, mostram de forma clara que as
comunidades para terem voz e vez, precisam se organizar. Esse processo,
deveria ser uma preocupação diária das comunidades, com o qual aprenderiam
as formas possíveis de realização participativa ou criariam suas próprias formas.
Com esta prática estaríamos sintonizados, com a afirmação de Demo: “(...) o
159 Idem. 160 Idem.
130
fenômeno básico da democracia é o controle do poder. Não, porém, um controle
feito somente pelo próprio poder, através de leis e decretos, mas
substancialmente um controle feito pela base”.161
O efetivo controle do poder, só acontece na rede de organização da
sociedade civil, sobretudo as ligadas à dimensão sócio-econômica e política,
como os sindicatos, os órgãos de classe, os partidos políticos, as igrejas e as
associações de bairros. Desta forma, o controle do poder assume uma forma
cristalizada numa consciência cultivada na cidadania.
Outra questão é o reconhecimento por parte do prefeito Benevenuto de
que as favelas eram um problema da sociedade local. Desta forma havia a
obrigatoriedade do poder público em, se não resolver, pelo menos amenizá-lo. E
nessa ótica, se dá a interferência do Bispo D. Waldyr, no sentido de garantir uma
negociação da divergência sobre o pressuposto das oportunidades eqüalizadas,
de igual para igual, pelo menos em tese, impedindo que as soluções se dessem,
sob o prisma de iniciativa autoritária, unilateral e parcial.
O resultado do movimento nos mostra um saldo importante, que resultou
em prática até hoje exercida por todas as associações de bairros de Volta
Redonda. A cultura da negociação, com um significado de convencer, mais do
que se impor, perder agora, para ganhar depois, chegar ao objetivo, ainda que
para tanto se façam curvas. Consolidar regras democráticas do jogo, aceitar o
outro como parceiro e não objeto de negócio ou exploração, saber valer seus
direitos, possibilitando a revisão de pactos sociais e de se proporem outros
pactos. Porque quando se decide o destino da sociedade à sua revelia, isto não
fica sem conseqüência. Perde-se a base de sustentação e entra-se num gargalo
incapaz de recuperar uma legitimidade que já não existe.
161 Pedro DEMO. Participação e conquista. p. 73.
131
Conclusão
A cidade de Volta Redonda nasceu de uma forma singular, ocupando a
margem direita do Rio Paraíba do Sul, quando foi implantada a primeira
Siderúrgica do País, com postura autoritária e discriminatória, com a função de
forjar não só aço mas também o operário dócil, produtivo e disciplinado,
programado para obedecer sem contestar, ingrediente fundamental para a prática
capitalista.
Naquele momento não era possível ao operário fazer uma análise do
processo em que estava inserido pois, para ele, as condições que lhe foram
proporcionadas tinham uma qualidade melhor do que aquela advinda da sua
experiência anterior, do campo, do trabalho braçal, entregue à própria sorte, sem
nenhum amparo institucional. Tinha a sensação de estar agora no paraíso.
Por três décadas, a conduta do trabalhador parecia adequada, deixando
antever que o projeto posto em prática era vitorioso. O sítio isolado, pensado
como laboratório da formação de mão de obra, mostrava-se ordeiro e próspero e
o Estado, representado pela máquina burocrática da CSN controlava,
integralmente, a sua vida e a de seus familiares. Esse modelo foi fundamentado
na Doutrina da Segurança Nacional elaborada nos anos 50, pela Escola Superior
de Guerra, tendo o general Golbery como seu principal teórico, baseado nas
teses fundamentais da chamada “ideologia revolucionária”, que os militares
puseram em prática com o golpe militar de 64. O Estado foi concebido
exclusivamente como centro de poder com vontade própria e se constituiu num
organismo. O poder foi a palavra mágica da geopolítica que é a ciência que
estuda a influência dos fatores geográficos na vida e na evolução dos Estados
com a finalidade de tirar conclusões de caráter político, visando a dominação do
espaço.
Na formação desse trabalhador tornava-se indispensável uma educação
orientada para o trabalho, para sua utilização na indústria. Isto acabou
132
despertando o valor do conhecimento, criando a preocupação da necessidade da
escolaridade dos filhos, e o aprimoramento dos seus próprios conhecimentos.
Aumentava a participação social desse trabalhador na escola, nos clubes, no
sindicato, nos partidos políticos, na igreja, nas associações de bairros e no
próprio trabalho. Acirra-se, assim, a discussão sobre os seus problemas de vida
comum, da empresa, da cidade, até mesmo do país.
Esses trabalhadores começaram a perceber o papel que a empresa exercia
era o da dominação paternalista. Esse trabalhador se via meio que prisioneiro,
dependente, sem possibilidades de lutar por melhores condições de vida e de
trabalho pois, embora os salários não fossem os melhores, as concessões, os
benefícios e a ajuda econômica funcionavam como ganho indireto.
No momento em que o Estado, representado pela CSN, mudou sua
política social optando pelo autoritarismo liberal e o mercado passou a ser o
norteador da organização urbana, instalou-se, na cidade, o caos habitacional. A
questão habitacional das camadas populares, que deveria ser plenamente
previsível, uma vez que a questão habitacional não tinha sido resolvida pelo
simples jogo do mercado ou pelas políticas públicas, não tinha sido tratada como
tal. Era, agora, uma questão estrutural, do modelo acumulador, que não oferecia
ao trabalhador, condições de arcar com os custos de aquisição ou locação de sua
moradia.
Ao trabalhador, restava apenas a alternativa de construir sua moradia em
terrenos clandestinos à custa de enorme esforço familiar, ocupar áreas, levantar
barracos, alugar cortiços e pardieiros.
Neste quadro, contava apenas com a solidariedade dos grupos populares,
o que levou esses grupos a um aprendizado de tristeza e revolta mas, também, a
uma maior consciência da realidade, de mobilização e organização, como forma
de negar as condições objetivas da sua existência. Como nos diz Spinoza: “a
liberdade é a consciência da necessidade” e Marx: “os homens é que fazem a
história, mas não sabem disso.”
133
Baseados nos seus direitos de cidadãos, milhares de pessoas, até então,
sem vez e sem voz, mobilizam-se mas, suas conquistas, ainda podem ser
consideradas como conquistas dos direitos de cidadão de segunda categoria.
Instaura-se, nesse momento, em Volta Redonda, um novo padrão de urbanização
de segunda categoria e institucionaliza-se a segregação social já existente.
Ao incorporar uma categoria de trabalhadores paupérrimos no circuito das
camadas para a reprodução da força de trabalho ativo, aumenta a exploração da
mais-valia relativa. Assim, o resultado é perverso, pois a melhoria da qualidade
de vida na moradia corresponde a uma desvalorização da força de trabalho como
um todo.
Os idealizadores do projeto de construção da Vila Operária jamais
imaginariam que esse desarranjo urbano daria origem ao movimento norteador
de uma ruptura do processo dominador, até então predominante no cotidiano da
cidade e, que o mesmo, teria início na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul.
O salão paroquial seria o espaço em que ocorreram as reuniões de leigos,
orientados para a prática pastoral junto às comunidades carentes. A partir destas
reuniões nascem as CEBs. Naquele momento, a moradia constituir-se-ia no
problema mais grave para a população e, sensível aos reclamos dos seus
participantes percebeu-se a necessidade de organizar um movimento de amparo
a estas pessoas que estavam entregues à própria sorte. Através da Pastoral da
Terra, formaliza-se o apoio explícito da Igreja na questão habitacional. Desta
forma, a população de Volta Redonda foi percebendo diante de si o desafio de se
reconhecer como sujeito indispensável de seu projeto de emancipação e de
construir, nas gerações vindouras, as condições de uma democracia competente
pois, o pobre, que ainda não tinha consciência de sua injusta pobreza, não tinha
condição mínima de conceber e efetivar qualquer saída.
Até então, nossa população não fugia à regra reinante no país, de uma
sociedade miserável politicamente, trazendo a marca da senzala, pois a própria
alegação que somos um povo pacífico, que não compartilha da violência,
134
esconde uma forma soturna e não menos gritante de violência, que no fundo é
nossa marca de subserviência.
À medida que as comunidades iam sendo provocadas a buscar suas
próprias soluções, foram sendo construídas as marcas qualitativas indispensáveis
para o fenômeno participativo que são: representatividade, legitimidade,
participação da base, planejamento participativo e auto-sustentado.
A Representatividade, que está centrada nas lideranças, nas várias
comunidades, nascia no próprio movimento sendo reconhecida e respeitada por
todos, contando com o apoio incondicional do bispo Diocesano D. Waldyr, que
trazia como marca de sua formação a atuação comunitária e o respeito às
soluções apresentadas pelas comunidades.
A Legitimidade que se construiu no processo participativo, fundado no
estado de direito, regulamentou de modo democrático a vida em comum, pois
nesta regra encontramos o compromisso primeiro da igualdade de oportunidade,
porque todos são iguais perante a lei. Mas a prepotência que tripudia sobre a
pobreza, sobre a modéstia do homem simples, na desorganização do povo, é a
ferramenta para a criação do estado de injustiça, provendo daí a indignidade,
pois mesmo que a desigualdade seja componente estrutural da história. A
qualidade política é a arte de construir uma sociedade que, na unidade de
contrários, não estabeleça extremos de exploração. Esta é a legitimidade que
entendemos ser um dos pilares da democracia e não aquela proclamada pela
administração da CSN, amparada nos pensamentos de Max Weber, que
institucionaliza uma dominação galgada na propriedade, na obediência, na
legalidade promulgada unilateralmente pela classe dominante.
A Participação da base é a essência do processo, porque é a participação
autêntica, é sua origem. A democracia só se faz, de baixo para cima. Na cúpula,
sendo delegada, o poder é de serviço, não é autônomo, é deslocado e prepotente.
O Planejamento participativo é a organização de uma comunidade para
descobrir crit icamente os problemas que a afetam, e formular, conjuntamente, as
135
estratégias de solução, despertando para a iniciativa própria e criando soluções
possíveis.
A Auto-sutentação funda o compromisso com a autodeterminação, que na
busca de suas metas, não dispensa o governo, mas em vez de entregar-se a ele,
utiliza-o com competência, negociando, não se submetendo, reivindicando, não
suplicando.
Quando valorizamos a construção do processo participativo, estamos
apontando para afirmação da conquista do movimento dos favelados em Volta
Redonda, no que diz respeito à tomada de consciência e por conseguinte à
descoberta da discriminação como injustiça e dessa forma parte para o
enfrentamento prático da questão através da organização política na busca do
Direito à sobrevivência material, onde estão inseridos os direitos de nutrição,
saneamento, locomoção, profissionalização e habitação como forma de garantir
as condições para o trabalho e a produção.
Por outro lado devemos, ressaltar a visão distorcida da função do Estado
como instrumento da sociedade civil, pois o serviço público é direito da
população, mas diante da pobreza política com a falta de uma visão crítica dos
deveres do Estado, criam-se manobras de manipulação por parte dos donos do
poder e a população passa a acreditar, o que deveria ser dever do Estado passa a
ser favores, chegando a aceitar como normal o mau serviço do Estado e de sua
burocracia e que só aos ricos cabe receber serviços estatais de qualidade e dele
se aproveitem.
Dentro dessa lógica, inerente aos donos do poder, de criar formas
representativas que perpetuassem a visão distorcida de suas obrigações, no caso
das favelas de Volta Redonda, a prefeitura fez a distribuição de títulos de uso da
terra, criando inclusive um panfleto denominado Cartilha do Posseiro que foi
distribuída, no sentido de orientar os favelados (denominado pelo poder público
de posseiros) das normas para terem seus títulos de posse, numa intenção de
caracterizar uma concessão por parte do Estado.
136
Este processo participativo dos favelados no movimento do direito à
moradia foi o fator decisivo de pressão para as autoridades locais no sentido de
reconhecer o problema como responsabilidade do Estado, demonstrado na
evolução deste trabalho e constatado nos depoimentos dos dois maiores atores
desse processo o prefeito Benevenuto dos Santos Neto e do bispo diocesano D.
Waldyr Calheiros, quando nos afirma que incontestavelmente, a luta dos
favelados de Volta Redonda foi uma conquista, através de suas lutas e
perseverança na busca do seu direito à cidadania.
Esta conquista, reflete-se nos anos subseqüentes, no movimento operário
que, na luta por melhoria salarial e melhoria das condições de trabalho, acaba
por enfrentar a força máxima da coerção de Estado (o exército), constituindo
uma ruptura da imagem do operário dócil e disciplinado que se propunha forjar
no projeto CSN.
E, mais especificamente no campo urbano, podemos, nos dias de hoje,
reconhecer o valor da luta participativa dos favelados de Volta Redonda quando
constatamos que dos cento e trinta e quatro Núcleos de Posse, cadastrados e
reconhecidos pela administração pública de Volta Redonda todos foram
urbanizados, sendo que os mais populosos e distantes do centro urbano, contam
com a presença de aparelhos urbanos como postos de saúde, escolas, praças e
vários com ginásios poliesportivos tendo atividades acompanhadas pela
Secretária de Esporte e Lazer.
Enfim, o movimento dos favelados de Volta Redonda nos deixam dois
legados importantes: a solidariedade entendendo que quando mobilizamos por
outrem é por nós mesmos que nos mobilizamos em primeiro lugar. Quando
somos solidários, os primeiros beneficiários somos nós, que assumimos nosso
lugar na história, deixamos de ser vítimas, os chorões, os queixosos, os
desesperançados. Na solidariedade resgatamos a grandeza e a dignidade em
busca de uma cidadania plena. A participação, caminhando de forma mais
consistente, sendo os responsáveis reais pelos avanços históricos na direção da
137
riqueza do bem-estar, descobrindo, que a forma de pressionar o estado a assumir
suas responsabilidades é assumirmos as nossas.
Nada se produz de significativo, nada se administra com eficácia e
eficiência, nada se distribui, sem permanente criatividade e participação popular.
Assim não abdicamos da sustentação do edifício democrático que é a
representação que o cidadão faz de si mesmo, fazendo sua parte, não esperando
pelas famigeradas elites, pelos poderosos, pelos que quase nunca chegam.
Neste trabalho tem por objetivo tratar o histórico do processo de
favelamento desta cidade sem a preocupação de uma narrativa rigidamente
histórica, escapando da linguagem temporal, mas buscando no desenvolvimento
das favelas uma interpretação dentro de uma visão da geografia humana,
observando na sua evolução a dialética espaço, tempo e ser social como Edward
Soja nos mostra de forma resumida numa seqüência de premissas interligadas:
“A espacialidade é um produto social consubstanciado e reconhecível,
parte de uma ‘segunda natureza’ que incorpora, ao socializá-los e transformá-
los, os espaços físicos e psicológicos. Como produto social a espacialidade é,
simultaneamente, o meio e o resultado, o pressuposto e a encarnação da ação e
da relações sociais. A estruturação espaço-temporal da vida social define o
modo, como a ação e a relação social (inclusive as relações de classe) são
materialmente constituídas, concretizadas. O processo de
constituição/concretização é problemático, repleto de contradição e de lutas
(em meio a muitas coisas recorrentes e rotineiras). As contradições decorrentes,
primordialmente, da dualidade do espaço produzido, como
resultado/encarnação/produto e meio/pressuposto/produto da atividade social.
A espacialidade concreta – a geografia humana efetiva – é pois, um terreno
competitivo da lutas pela produção e reprodução social, de práticas sociais que
visam, quer à manutenção e reforço da espacialidade existente, quer a uma
reestruturação significativa e/ou a uma transformação radical. A temporalidade
da vida social, desde as rotinas e eventos da atividade cotidiana até a
138
construção da história em prazo mais longo (événement e durée, para usarmos
a linguagem de Braudel), radica-se na contingência espacial, exatamente do
mesmo modo que a espacialidade da vida social se enraíza na contingência
temporal/histórica. A interpretação materialista da história e a interpretação
materialista da geografia são inseparavelmente entremeadas e teoricamente
concomitante, sem nenhuma priorização intrínseca de uma em relação à outra”.
A história de Volta Redonda é uma contribuição para a aceitação de uma
interpretação materialista da espacialidade e de um materialismo histórico
geográfico, para a compreensão e a mudança das espacializações capitalistas.
Pois o que parecia uma ação alternativa e até mesmo desesperada marcada
pela carência, na ocupação de encostas e de terras públicas, que para o capital
não representava prejuízo, acabou por criar o que Lefebvre denominou de
segunda natureza, que é a espacialidade transformada e socialmente
concretizada que emerge da aplicação do trabalho humano deliberado.
Estas populações distribuídas por várias partes da cidade, apesar da
aparente neutralidade e até indiferença em relação a seus conteúdos, constroem
através da solidariedade e da participação um espaço repleto de ideologias.
Através de sua organização política expressam as relações sociais mas, também
e/ao mesmo tempo reagem contra elas e assim estruturam no espaço-temporal da
vida social.
Redefinindo o modo de ação e relações de classe e até mesmo através de
suas contradições vão reafirmando a geografia humana efetiva no terreno
competitivo de lutas pela produção e reprodução das práticas sociais na busca da
manutenção e reforço da espacialidade existente em direção a transformações
radicais que garantam sua cidadania representada no direito de morar buscando
formalizar sua identidade a um lugar um ponto de referência física a sua
existência.
139
FONTES DOCUMENTAIS
Arquivos da CSN
Relatórios da Diretoria (1942-1967)
Estatuto da CSN
Relatórios de construção de habitações pela CECISA
Arquivos do IBAM
Pasta documental de Volta Redonda
Arquivos da COHAB e IPPU
Relatório estatístico da população favelada de Volta Redonda
Relatório da evolução das favelas de Volta Redonda
Arquivos da Cúria Diocesana
Atas de reuniões do Conselho Pastoral Regional (1970-1980)
Atas das Assembléias da regional Volta Redonda (1970-1980)
Arquivos da Câmara Municipal de Volta Redonda
Leis promulgadas entre 1982 e 1985.
ENTREVISTAS
Maria de Lurdes Lopes, liderança do movimento da Pastoral da Terra, da Igreja
local. Entrevista realizada em 06 de maio de 2001.
Benevenuto dos santos Neto, prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a
1985. Entrevista realizada em 25 de setembro de 2002.
Dom Waldyr Calheiros de Novaes, bispo aposentado da Diocese de Volta
Redonda e Barra do Piraí. Entrevista realizada em 11 de setembro de 2002.
140
Bibliografia AZEVEDO, Sergio de & ANDRADE, Luiz Aureliano Gama de. Habitação e poder: da fundação da casa popular ao Banco Nacional de Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. AMADO, Janaina. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: Marcos A. da SILVA. República em migalhas história regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. BAUMAN, Zigmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. BACZKO, Bonislaw. Imaginação social. In: EINAULDI. Enciclopédia Anthropos/Homem, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa: s/d. v. 5. BOBBIO, Norberto & MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UnB, 1999. v. 1 e 2. BOLETINS DIOCESANOS nº 28, 40, 54, 115, 161, 336. Cúria diocesana, Volta Redonda. BRUNO, Lucia & SACCARDO, Cleusa (coord.). Organização, trabalho e tecnologia. São Paulo: Atlas, 1986. CAMPOS, André Luiz V. A república do pica-pau amarelo: uma leitura de Monteiro Lobato. São Paulo: Martins Fontes, 1986. CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CASTRO, Maria Céres Pimenta S. O planejamento da educação que nos convém. UFMG, Belo Horizonte: 1982. Dissertação de Mestrado (mimeo). CHOAY, Françoise. Urbanismo: Utopias e realidades - uma antologia. 5. ed., São Paulo: Perspectiva, 2000.
COSTA, Alkindar. Volta Redonda ontem e hoje. 3. ed., Volta Redonda: Grêmio Literário de Autores Novos, 1992.
COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. São Paulo: Ciências Humanas, 1980.
DEMO, Pedro. Charme da exclusão social. Campinas/SP: Autores Associados, 1998.
141
______ Pobreza política. 3. ed., São Paulo: Cortez, 1991.
______ Cidadania menor: algumas indicações quantitativas da nossa pobreza política. Petrópolis: Vozes, 1991.
______ Participação é conquista. 2 ed., São Paulo: Cortez, 1993. DREIFUSS, René. 1964: A Conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe. Vozes, Petrópolis, 1981. DOIMO, Ana Maria. Movimento social urbano, igreja e participação popular. Petrópolis: Vozes, 1984. ECO, Humberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1991. ELIAS, Norberto. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. v. 1. FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: o capitalismo em construção (1906-1954). São Paulo: Brasiliense, 1989. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed., 18ª imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP. 1991. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e luta pela moradia. São Paulo: Loyola, 1991. GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o estado moderno. 4. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 9.ed. São Paulo: Loyola, 2000. HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
142
IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. JULIARD, Jacques. A política. In: História: novas abordagens. Direção de Jacques Le Goff e Pierre Nora. Tradução de Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. KAWAMURA, Lili Katsuco. Engenheiro: trabalho e ideologia . São Paulo: Ática, 1979. KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis. 2. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. LASK, Tomke Christiane. Ordem e Progresso: a estrutura de poder na “cidade operária” da Companhia siderúrgica Nacional em Volta Redonda (1941-1964). Rio de Janeiro; UFRJ/Museu Nacional, 1991. (Dissertação de Mestrado). LENHARO, Alcir. A sacralização da política. 2. ed., Campinas: Papirus, 1986. LINHARES, Maria Yedda Leite (org). 9. ed. ver. e atual., Rio de Janeiro: Campus, 1990. LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. 2. ed. São Paulo: Martins fontes, 1997. LOPES, Alberto Costa. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 1986. MILLS, C. Wright. A elite do poder. 2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1968. MINAYO, Maria Cecília de. Os homens ferro: estudo sobre os trabalhadores da indústria extrativa de minério de ferro da Companhia Vale do Rio Doce em Itabira, Minas Gerais . Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986. MOREL, Regina Lúcia de Moraes. A ferro e fogo: construção e crise da família siderúrgica: o caso de Volta Redonda (1941- 1968). São Paulo: USP, 1989. Tese de Doutorado. (mimeo)
143
MOREIRA, Regina da Luz. CSN: Um sonho feito de aço e ousadia. Rio de Janeiro: IARTE, 2000. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de (et. al.). As forças armadas no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987. O LINGOTE EM REVISTA – nºs 188, 217, 237. Rio de Janeiro. O LINGOTE. Rio de Janeiro: nº 195, Ano XII, ago, 1967. PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. ________ . Análise do Saber Histórico: Rio de Janeiro: Rio, 1975. PESSOA, Álvaro. Coordenação. Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981. PIMENTA, Solange Maria. A estratégia da gestão: fabricando aço e construindo homens – o caso da Companhia Siderúrgica Nacional. Belo Horizonte: UFMG, 1989. (Dissertação de Mestrado). PLANO DE DESENVOLVIMENTO LOCAL INTEGRADO. Volta Redonda: Abril/1969. POURTOIS, Jean-Pierre e DESMET, Huguette. A educação pós-moderna. São
Paulo: Loyola, 1999.
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890 -1930. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. RAMALHO, José Ricardo. Estado - patrão e lutas operárias: o caso de FNM. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. RELATÓRIO ANUAL DA DIRETORIA DA CSN. 1958. RD's (Resolução de Diretoria) nº 8.973 de 05/02/58 e nº 8.876 de 19/12/57. RELATÓRIO ANUAL DA DIRETORIA DA CSN. 1964. RD's (Resolução de Diretoria) nº 13.282 de 30/07/64. RELATÓRIO ANUAL DA DIRETORIA DA CSN. 1967.
144
RELATÓRIO DA COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO SIDERÚRGICO NACIONAL. Rio de Janeiro: 1942. SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Velhas novidades nos modos de urbanização brasileiros. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na modernidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1977. SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 4. ed., São Paulo: Nobel, 1998. ________. Por uma geografia nova . 4. ed. São Paulo: Nobel, 1998. ________. A urbanização desigual. Petrópolis: Vozes, 1980. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979. SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 19. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
SILVA, Maria Ozarina da Silva. Política habitacional brasileira: verso e reverso. São Paulo: Cortez, 2000. SOARES, Paulo Célio. CEB’s: a construção de uma nova maneira de ser
igreja. O nascimento e organização das comunidades eclesiais de base em Volta
Redonda (1967-1979).Vassouras: USS, 2000. (Dissertação de mestrado).
SOARES E SILVA, Edmundo de Macedo. A formação técnica do brasileiro. In:
Carta Mensal. Conselho Técnico da Confederação do Comércio . Rio de
Janeiro: Ano XXV. nº 293. s/d.
SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
145
SOUZA, Claudia Virgínia Cabral de. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano de Volta Redonda. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992. (Dissertação de Mestrado). SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Arigó, o pássaro que veio de longe. Volta Redonda, v. I, n. 1, p. 10-5, 1989. TAVARES, Maria Conceição, O grande salto para o caos: A economia política e a política econômica do regime autoritário. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. TOURRAINE, Alain. Crítica da modernidade. 6. ed., Petrópolis, Vozes, 1999. URÁN, Ana Maria Bidegain de. Nacionalismo, militarismo e dominação na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1987. VALLADARES, Licia do Prado (Org). Habitação em questão. 2. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1981. VIRÍLIO, Paul. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: 34, 1993. WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. 11. ed., São Paulo: Cultrix, 1999.
146
QUADRO I
Habitações construídas pela CECISA em Volta Redonda (1969-1982)
Empreendimento Unidades Ano Padrão
Siderópolis 390 69 Popular
Casa de Pedra 420 71 Popular
N. S. das Graças *24 71 Médio
Jardim Primavera 41 72 Médio
Laranjal 10 72 Superior
Ed. Sesqüicentenário e Sta. Cecília *24 73 Médio
Tangerinal e BelaVista 10 74 Superior
Fralda Norte Laranjal 21 75 Superior
Laranjal 2 75 Superior
Jardim Suíça 10 75 Superior
Ed. Bethovem *12 76 Médio
Ed. Vivaldi *12 76 Médio
Jardim Suíça 3 77 Superior
Ed. Vila Lobos *12 77 Médio
Jardim Veneza I 52 77 Médio
Siderópolis 5 77 Médio
Siderópolis 24 77 Popular
Vila Santa Cecília 5 78 Superior
Jardim Veneza III 20 78 Médio
Vivendas do Rosário 12 78 Médio
Jardim Veneza III 44 79 Médio
Jardim Veneza IV 51 80 Médio
Jardim Veneza V 36 80 Médio
Siderópolis / Casa de Pedra 45 80 Médio
Volta Grande PROHEMP/CSN 205 80 Médio
Jardim Esperança 56 81 Popular
Vivendas do Rosário 1 81 Médio
Jardim Esperança II 45 81 Médio
Jardim Tiradentes 1.732 82 Popular
Volta Grande III 826 82 Popular
TOTAL DE UNIDADES 4.150 - -
Fonte: CECISA - Quadro geral de produção, 1982.
• Apartamentos
147
Quadro II
Habitações construídas pela COHAB em Volta Redonda (1967-1985)
Empreendimento Unidades Ano Tipo BNH
Santo Agostinho 151 1967 Casa Habitacional
Vila Harmonia 105 1969 Casa Habitacional
São Carlos 46 1971 Casa Habitacional
Gleba I 212 1971/1976 * Lote PROFILURE
Açude I 630 1979 Lote PROFILURE
Mariana Torres 222 1980 Casa Habitacional
Coqueiros 249 1980 Casa Habitacional
Casas Brancas 236 1979/1980 * Lote PROFILURE
Lotes 71 1980 Lote PMVR
Vila Brasília 770 1980 Lote PROFILURE
Açude III 53 1981 Lote PROFILURE
Açude II 599 1982 Embrião PROFILURE
Morada do campo 38 1984 Embrião PROMORAR
Caieira I 326 1984 Embrião PROMORAR
Santa Cruz 2500 1985 Casa/ aptº Habitacional
Caieira II 51 1985 Casa FICAM
Número Total de Unidades : 6259
Fonte: COHAB/VR
* - Casos em que o 1º ano é o de conclusão do empreendimento e o 2º é aquele em que foi enquadrado em um
programa habitacional pelo BNH
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo