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Sergio Tadeu Bringel Dias Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1973-1985) Vassouras 2003

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Sergio Tadeu Bringel Dias

Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1973-1985)

Vassouras 2003

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Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1970 -1985)

Orientadora: Profª. Doutora Ana Maria Moura

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social do Trabalho da Universidade Severino Sombra, pelo mestrando Sergio Tadeu Bringel Dias, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Vassouras 2003

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Universidade Severino Sombra Coordenadoria Geral de Pós-Graduação Programa de Mestrado em História

Dissertação: Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de Volta Redonda (1970-1985)

Elaborada por Sergio Tadeu Bringel Dias e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo programa de Mestrado em História da USS,

como requisito para obtenção do título de

MESTRE EM HISTÓRIA

Banca Examinadora

_______________________________________________ Presidente - Profª. Drª. Ana Maria Moura (orientadora)

_____________________________________________ 1º Examinador

______________________________________________ 2º Examinador

Vassouras 2003

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D53e

DIAS, Sergio Tadeu Bringel, 1954- Espaço urbano: concessão ou conquista? Os núcleos de posse de

Volta Redonda (1970-1985) – Vassouras: USS, 2002. 137 p.

Inclui bibliografia e anexos

1 - Política Habitacional - Volta Redonda 2 - CSN 3 - Núcleos de Posse 4 - Espaço Urbano

I – MOURA, Ana Maria (orient.) II - Universidade Severino Sombra - CGPG - PMH CDD 363.55

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Dedicatória

À Inês – minha esposa - pelo seu amor. À Juliana e ao Julio Cezar - meus filhos - pela compreensão. Sem eles ao meu lado, pouca coisa na vida faria sentido. Ao Adyr e Julia, por terem compartilhado comigo a maior arte de todas, “a vida”.

Ao Paulo José, querido tio, o meu referencial de estímulo nos desafios da vida.

À Irene, querida amiga, minha profunda gratidão, pelo companheirismo

constante, com quem dividi muitas ansiedades, e a principal incentivadora deste

projeto. A Ionara, por ter me ensinado que a força do espírito depende do grau de

firmeza.

A Julio Bringel (in memoriam), o exemplo sempre presente em minha vida.

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Agradecimentos

Para conclusão deste trabalho, foi fundamental poder contar com pessoas que deram suporte ao projeto. Sem essa presença amiga nada disto teria sido possível. As dimensões de mais valor deste trabalho são dedicadas a todas elas na forma de agradecimento ao apoio constante e generosidade desta convivência.

Aos colegas do mestrado (Miguel, Daniel, Janaina, Marinho, Marilon, Edmilson, Paulo, Marta, Nuely, Alexsander), pelo apoio emocional e intelectual para a concretização deste trabalho

Aos professores José Augusto, Sonia Mendonça, Aluísio Alves, Maria Philomena, foram de grande importância pela seriedade e pela qualidade dos seus cursos, e ao mesmo tempo pela amizade solidária e alegre. O respeito infinito por aqueles que me ensinam.

Especialmente ao professor Lincoln de Abreu Penna, pelas suas palavras de estímulo e confiança, foi o meu maior incentivador, minha gratidão.

Maria de Lurdes Lopes (Lurdinha), meu reconhecimento pela acolhida em

sua casa, e o depoimento de suas experiências nas lutas populares em Volta Redonda.

Célia Zambeli de Araújo, pelos seus esclarecimentos e o fornecimento de documentos dos levantamentos dos Núcleos de Posse de Volta Redonda.

Benevenuto dos Santos Neto, pela forma gentil com que nos recebeu em

sua casa e a maneira franca e esclarecedora no seu depoimento sobre suas decisões à frente do executivo de Volta Redonda, no período de 1982 a 1985.

Dom Waldyr Calheiros, eterno bispo de Volta Redonda, pela gentileza como nos acolheu e pelo precioso depoimento de suas participações na formação e condução dos movimentos populares em busca de uma verdadeira cidadania.

A professora Ana Moura, pela competência, paciência, carinho e

incentivo com que conduziu a orientação deste trabalho, minha gratidão. Aos funcionários da USS, em especial a Ozana, pela forma atenciosa com

que sempre me atenderam.

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A professora Conceição, por sua valiosa colaboração na correção e revisão do trabalho.

A Beatriz e Tim, pela forma prestativa, com que atendeu minha

solicitação na tradução. A professora Ana Moura, pela competência, paciência, carinho r incentivo

com que conduziu a orientação deste trabalho. A todos a minha eterna gratidão.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo estabelecer uma discussão sobre a formação e a evolução do

espaço em Volta Redonda, relacionando-o com a implantação da CSN. Pretendemos demonstrar que a participação e a organização política e social dos trabalhadores foi um fator preponderante para o surgimento de uma consciência crítica voltada para a reivindicação de uma nova ordem na espacialidade urbana. A materialidade espacial que se consolidara até então, fazia parte de uma ideologia paternalista e autoritária da CSN e foi transformada a partir do rompimento com o processo de dominação. A nova coreografia urbana foi a conseqüência de um materialismo que organizou essa nova materialidade. Contrariando o pensamento dos que defendiam esse avanço como concessão do poder público, os núcleos de posse, no período de 1970 a 1985, foram uma conquista dos trabalhadores, como conseqüência de sua participação nos movimentos populares, tendo a Igreja um papel fundamental na formação dessa nova materialidade.

ABSTRACT

The present work has the objective to establish a discussion on the formation and evolution of space in

Volta Redonda, in relation to the inplantation of CSN. With the intention of demonstrating that the participation, political and social organization of the

workers was a preponderent factor in the initiation of a critical conscience in demanding a new order in urban context. The materialism space that was consolidated until that time, was part of a paternalistic and authoritarian ideology of CSN and was transformed from the time of the interruption of the dominate process. The new urban face was a consequence of a materialism that organized this new materiality. Contrary to the thought of those who defend this progress as a concession of public power, the nucleus of posession, in the 1970 through 1985 period, was a victory of the workers, as a consequence of their participation in the popular movements. The church had a fundamental role in the formation of this new context.

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“Memória é vida. Seus portadores sempre são grupos de pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manipulação. Às vezes fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é a sempre incompleta e problemática reconstrução do que já não existe. A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao eterno presente: a história é uma representação do passado.”

Pierre Nora

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Lista de Abreviaturas ADESG - Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra BIM - Batalhão de Infantaria Motorizada BNH - Banco Nacional de Habitação CECISA - Imobiliária Santa Cecília COHAB- VR - Companhia Habitacional de Volta Redonda CSN - Companhia Siderúrgica Nacional CEBs - Comunidade Eclesiais de Base FCP - Fundação Casa Popular FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço GSIS - Grupo Consultivo da Indústria Siderúrgica IPES - Instituto Pesquisas Especiais para a Sociedade IAPI - Instituto de Aposentadoria e Pensão da Indústria IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPPU - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano JOC - Juventude Operária Católica MDB - Movimento Democrático Brasileiro PDLI - Plano de Desenvolvimento Local Integrado PEDI - Plano de Desenvolvimento Integrado PND - Plano nacional de Desenvolvimento PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PDS - Partido Democrático Social PC - Partido Comunista PC do B - Partido Comunista do Brasil SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo

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Sumário pág.

Introdução 11

Capítulo I – Espaço e dominação urbana em Volta Redonda 24 1.1 – A construção do espaço: pequena abordagem histórica 24 1.2 – A nova história: questões conceituais 25 1.3 – Surge o “espaço vigiado” 32 Capítulo II – O espaço autoritário 39 2.1 – A formação de uma mão-de-obra controlada 39 2.2 – O espaço urbano e a sua história no regime militar 46 Capítulo III - A crise habitacional em Volta Redonda 56 3.1 – Historicidade e especificidade da crise habitacional de Volta Redonda 58 3.1.1 – Alternativas e mudanças 61 3.2 – Crise habitacional: um novo modelo de gestão 70 3.2.1 – A CECISA 72 3.2.2 – A COHAB-VR e as políticas habitacionais em Volta Redonda 73 3.2.3 – A política habitacional dos interventores em Volta Redonda 75 Capítulo IV - O processo de favelamento 81 4.1 – Movimento urbano pela moradia – breve histórico 81 4.2 – A concepção doutrinária do autoritarismo e o alinhamento das elites 84 4.3 – “O bolo tem que crescer” ou a gestão da exclusão 89 4.4 – Os movimentos sociais em busca de novos tempos 93 4.5 –A ação da Igreja no urbano de Volta Redonda 98 4.6 – A alternativa de morar em Volta Redonda 104 Capítulo V – Concessão ou Conquista? 109 Conclusão 121 Fontes 129 Bibliografia 130 Anexos 136

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Introdução

O presente trabalho tem como objetivo trazer à pauta a discussão sobre a

formação e evolução do espaço urbano de Volta Redonda considerando que,

através da construção e organização social da Companhia Siderúrgica Nacional,

o qual também se inseria, o projeto de construção político-ideológica da classe

operária brasileira e a sua conseqüente não-concretização, permite o

levantamento de indagações. Teria sido a impossibilidade financeira, em função

dos recursos necessários, uma das causas? Ou o desinteresse se deu, a partir da

formação de um exército industrial de reserva, que desobrigava funcionalmente

o investimento urbano? Haveria o interesse explícito de manipulação dessa

mesma classe? Não temos a pretensão de dar respostas acabadas ou definitivas a

estas questões, mas entendemos que Volta Redonda é uma cidade que expressa

com muita clareza os conceitos das Geografias pós-modernas, conforme os

pensamentos de Edward W. SOJA.1

Outros trabalhos foram feitos sobre Volta Redonda, enfatizando sua

construção e organização social. Pretendemos enfocar a feitura da história,

relacionado-a com produção social do espaço, ressaltando a construção e a

configuração das geografias humanas. Para tanto buscamos as possibilidades de

um materialismo simultaneamente histórico e geográfico, utilizando uma

dialética tríplice de espaço, tempo e ser social, em que se apresenta a história, a

geografia e a modernidade.

Para tal, buscamos um exercício ambicioso da descrição geográfica crítica,

procurando traduzir em palavras a espacialidade politizada da vida social.

Nesta geografia regional, verificamos as implicações da economia política

na reestruturação urbana das paisagens pós-fordistas contemporâneas no advento

de um novo regime de acumulação capitalista, tensamente baseado num arranjo

espacial ligado ao tecido cultural pós-moderno, estabelecendo um

1 Edward W. SOJA . Geografias pós-modernas a reafirmação do espaço na teoria social crítica. p. 8 – 12.

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desenvolvimento regional desigual dentro do Estado capitalista e das várias

formas de uma divisão espacial do trabalho.

Investigando as articulações existentes entre a base físico-geográfica e a

espacialidade de outras naturezas, situadas nas esferas econômica, sócio-política

e cultural, analisado o surgimento das favelas em Volta Redonda, buscando

apreender como se constituíram historicamente, avaliando a contribuição da

Igreja, na formação da consciência crítica e reivindicatória da espacialidade

urbana, e analisar a evolução do espaço urbano em Volta Redonda buscando

explicar como se constitui historicamente.

Pretendemos demonstrar que a espacialidade urbana transparece e se

constitui no quadro mais amplo das relações sociais, na cidade de Volta

Redonda e que a politização do espaço da cidade coloca o urbano em questão,

confirmando um processo em que o conflito conquista legitimidade social e a

participação dos trabalhadores na Igreja forma uma consciência política voltada

para a reivindicação de espacialidade urbana. Tendo como motivação um

contexto social marcado por múltiplos transtornos, em todos os aspectos na

cidade e no país. Crises, rupturas, desordens são as palavras que caracterizam a

sociedade contemporânea. Em contrapartida, nos deparamos com situações em

que a busca da excelência, da qualidade total, do desempenho são palavras de

ordem que norteiam a sociedade vigente.

Por isso, atualmente, as pessoas estão sendo submetidas a diversas e

intensas pressões, no que se refere à questão da sobrevivência. E sobreviver

significa, também, ter um lugar para morar. Portanto, falar da moradia torna-se

necessário, na medida em que o novo contexto social está paradoxalmente

marcado pelo aumento da pauperização e da exclusão e, por outro lado, pelo

crescimento da riqueza e do desempenho da sociedade global. O círculo de

marginalizados rodeia as ilhas de bem-estar. De fato, pensa-se que a lógica da

excelência produz a exclusão: a busca de vencedores gera muitos perdedores e a

pobreza anda de mãos dadas com a marginalização. A impressão de

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estigmatização, de inutilidade, de não-reconhecimento, o sentimento de viver em

condições vergonhosas e não ser cidadão por inteiro geram o isolamento e a

desfiliação. A questão simbólica é central para explicar a exclusão e a desilusão.

Com a instalação de uma quarta modernização induzida pela crise, começa

a alteração na tradição crítica moderna, surgindo movimentos alternativos

modernos para competir pelo controle dos perigos e das possibilidades

emergentes num mundo contemporâneo reestruturador. Embora ainda

controvertidos ou até mesmo confusos, com conotações díspares, parece-nos, ser

apropriada a aplicação dos termos pós-modernismo, pós-modernização e pós-

modernidade, para destacar a reafirmação do espaço, sendo apropriada uma

discussão da Modernidade x Pos-modernidade.

Não são poucos os autores que tratam desse assunto, sempre ligados aos

mais diversos assuntos de interesse da sociedade em geral.

Afirma-se, que a modernidade está em crise e que ingressamos

progressivamente na era da pós-modernidade.2 Para uns, 1968, para outros, a

queda do muro de Berlim, são os marcos dessa saída da modernidade, data a

partir da qual a ideologia modernista está sendo requestionada.

E o que vem a ser a modernidade? Giddens traduz-se por um conjunto de

descontinuidades em relação ao período anterior, em que predominavam as

tradições e as crenças irracionais. Por certo, existem continuidades entre esses

dois períodos, mas é evidente que a modernidade instituiu modos de vida

extremamente diferentes dos modelos anteriores. As mudanças devidas ao

mundo moderno, por sua amplidão e profundeza, são muito mais marcantes que

todas as que vieram antes.

De acordo com Giddens, essas descontinuidades são de várias ordens. Em

primeiro lugar, há velocidade na mudança, extrema rapidez, particularmente no

2 Chamamos de Pós-modernidade, embora muitos autores (Touraine – 1993 e Giddens – 1994) prefiram falar de uma reconstrução da modernidade, pois, de acordo com eles a crítica da modernidade não deve levar a uma posição antimoderna ou pós-moderna, mas, ao contrário, a uma redescoberta da modernidade com todas as duas dimensões reintegradas. Para eles, tratar-se-ia de falar de uma nova modernidade. Anthony GIDDENS. As conseqüências da modernidade. Alain TOURRAINE. Crítica da modernidade.

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campo tecnológico. Além disso, o alcance da mudança é enorme graças à

interconexão entre as diversas regiões do mundo: as transformações precipitam-

se sobre uma grande parte da superfície terrestre. Outra forma de

descontinuidade diz respeito à natureza intrínseca das instituições modernas que

permitem aos homens levar uma existência mais segura e gratificante.

Para Tourraine, não há modernização sem racionalização. Para o autor, a

modernidade é a difusão dos produtos da atividade racional, científica,

tecnológica, administrativa. Ela rejeita a idéia de organizar-se e agir conforme

uma relação divina, como antes. Portanto, rompe com o finalismo religioso. É o

triunfo da razão em todos os campos: a ciência e suas aplicações, a vida social, a

educação, a justiça, a economia..., por ser uma idéia de criar uma sociedade

racional.

Em outros termos, a modernidade se define por uma separação entre o

mundo objetivo, criado pela razão, e o mundo da subjetividade, centrado na

pessoa. Quer fazer da racionalização o único princípio da organização da vida

pessoal e coletiva, desconsiderando as crenças e as formas de organização que

não se baseiam em elementos científicos.

Assim espera libertar o homem das desigualdades sociais, dos temores

irracionais e da ignorância. Trata-se de eliminar os despotismos, e também os

obstáculos que atravancam o conhecimento e a comunicação. É a busca da

transparência, tanto no nível científico como no social, a fim de lutar contra o

arbitrário, a dependência e o conservadorismo.

Mediante o exposto, o que seria a pós-modernidade?

Diante da fragmentação da chamada modernidade, trata-se de interrogar-

nos sobre a possibilidade de reconstruir um universo social e cultural, coerente e

integrador que acolheria ao mesmo tempo a razão e o ser, a racionalidade e a

subjetivação.

O universo pós-moderno verá a perda do sentimento de certeza;

reconhecerá o caráter instável de todo conhecimento; estabelecerá mediações

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entre os fatos contraditórios; ao mesmo tempo que continuará a fazer descoberta,

integrará saberes; não rejeitará os progressos do período moderno, mas os

articulará.

Durante muito tempo, a modernidade se caracterizou por uma

racionalidade instrumental que colocava o homem sob o governo da ciência e da

técnica e rejeitava, assim, a noção de sujeito e de sua subjetividade. Sem dúvida,

é essa grande ruptura que melhor define a modernidade.

O interesse do mundo pós-moderno é a perspectiva de uma possível,

necessária e crescente interação entre o sujeito e a razão, a subjetividade e a

objetividade.

Enquanto a modernidade levava a procurar as diferenças, a marcar as

distâncias, a pós-modernidade tendeu a procurar as semelhanças, a tornar as

aparências mais complexas a fim de destacar melhor as aproximações. Novos

paradigmas, mais complexos, contendo os antigos, surgirão e mostrarão os

limites de sua validade.

Segundo Morin, os saberes deverão escapar do pensamento mutilado e

mutilante para alcançar paradigmas complexos, alimentados por ambigüidades,

contradições, incertezas. Um intermeio deverá desenvolver-se, afastando, a um

só tempo, os pólos distintos e os reaproximando, fazendo-os retroagir e entrar

em mediação, elaborando, enfim, laços entre elementos contraditórios. Os

paradoxos pedem a aplicação de uma dialética com mediação pois, sem a

mediação, restam apenas dois pólos justapostos e opostos, o que resulta numa

oscilação incessante entre a crença e seu contrário, ou seja, uma situação da

modernidade.

Para Lyotard, não se trata de querer inovar rompendo com o passado.

Ninguém pensa em destruir tudo para refazer tudo. Para o autor, já não há

modelo imposto de cima, mas, ao contrário, construções novas, imprevisíveis,

que nascem do diálogo, da confrontação, das múltiplas negociações.

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No entanto, essa visão de pós-modernidade não deixa de ser problemática.

A modernidade tinha como meta a procura da perfeição, da plenitude. Na pós-

modernidade continua-se a agir, procurar, negociar ou prever, mas parece, ao

contrário, que o processo está desprovido de finalidade e a incerteza passa a ser

o quinhão do homem da atualidade. O desenvolvimento prossegue, por certo,

mas sua meta já não pode ser definida. Nasce daí uma falha da qual emerge uma

angústia dificilmente dominável.

Portanto, o homem pós-moderno deve viver essa incerteza, essa angústia, e

encontrar em si mesmo seu próprio sentido. Deve aprender a assumir um mundo

contingente, indefinidamente aberto, indeterminável, pois excessivamente

complexo. Deve gerenciar as incertezas e a imprevisibilidade. O

desenvolvimento deste trabalho é inspirado na visão pós-moderna de análise do

espaço em que vivemos, com sua materialidade, no qual ocorre o desgaste de

nossa vida, nossa época e nossa história, que nos dilacera e corrói, e não apenas

a análise geográfica, pois não vivemos no vazio dentro do qual possamos situar

indivíduos e coisas, mas num conjunto de relações que declina localizações

irredutíveis umas às outras e absolutamente não superponíveis entre si.

Enfatizando o caráter central do espaço, no tocante ao momento

contemporâneo, Foucault tornou-se sumariamente explícito: “Seja como for,

creio que a angústia de nossa era está fundamentalmente relacionada com o

espaço, sem dúvida muito mais do que com o tempo. Provavelmente, o tempo se

nos afigura como sendo apenas uma das várias operações distributivas

possíveis dos elementos dispostos no espaço.”3

Assim colocamos o urbano como o palco principal dos conflitos sociais,

político e econômico no esboço histórico dessa cidade, sendo um exemplo claro

do que David Harvey denominou de crise de superacumulação iniciada no final

dos anos 60, e que chegou ao auge em 1973, gerando esse resultado: "A

experiência do tempo e do espaço se transformou, a confiança na associação

3 Apud Edward W. SOJA. Geografias pós-modernas . p . 27.

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entre juízos científico e morais ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco

primário de preocupação intelectual e social, as imagens dominaram as

narrativas, a efemeridade e a fragmentação assumiram precedência sobre

verdades eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o

âmbito dos fundamentos materiais e político-econômico e passaram para a

consideração de práticas políticas e culturais autônomas." 4

Tal proposta se enquadra nos meandros da história regional, que se

apresenta adequada aos propósitos desta pesquisa, pela possibilidade de abrir

pontos de discussão sobre questões fundamentais nesse campo da história, até

então, pouco exploradas. Para Janaina Amado, “a História Regional, oferece

novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional, lida com as diferenças, a

multiplicidade, possui a capacidade de lidar com o concreto, o cotidiano, e é a

única capaz de testar a validade de teorias elaboradas a partir de parâmetros

outros.5

Lidar com as diferenças e a multiplicidade do cotidiano parece ser o

aspecto mais importante na abordagem da formação e organização da classe

operária de Volta Redonda, percorrendo os caminhos situados na linha de

fronteira entre a história e a sociologia, conforme nos mostra Lynn Hunt: “o

estudo da sociologia histórica transformou-se no sub-campo mais importante da

Sociologia e conseqüentemente o que mais se desenvolveu e, para ela, a história

social superou a história Política.”6

Ao mesmo tempo trabalhar com a História Social é uma necessidade e um

desafio, principalmente no que tange ao empreendimento da construção da

cidade e à formação da classe operária, beirando os contornos da História

Política que, na concepção de Jacques Juliard "(...) é elitista, talvez biográfica, e

ignora a sociedade global e as massas que a compõem; é qualitativa e ignora as

4 David HARVEY. Condição pós-moderna. p. 293. 5 Janaina AMADO. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: Marcos A da SILVA. República em migalhas história regional e local . p. 30. 6 Lynn HUNT. A nova história cultural .p. 1.

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séries; o seu objetivo é particular e, portanto, ignora a comparação; é narrativa

e ignora a análise; é idealista e ignora o material; é ideológica e não tem

consciência de sê-lo; é parcial e não o sabe; prende-se ao consciente e ignora o

inconsciente; visa aos pontos precisos e ignora o longo prazo; em outras

palavras, uma vez que essa palavra tudo resume na linguagem dos

historiadores, é uma história factual." 7

E como entendemos ser um exercício ambicioso o de descrever a geografia

crítica, a espacialidade abrangente e politizada da vida social e urbana da cidade

em questão, no período que abrange o presente trabalho, buscamos em Edward

Soja que: "Uma Geografia Regional mais concreta é apresentada para

exemplificar o advento de um novo regime de acumulação capitalista ‘flexível’,

tensamente baseado num ‘arranjo’ espacial restaurador e instavelmente ligado

ao tecido cultural pós-moderno. Essa descrição sintomática é

seguida/precedida de uma formulação mais profunda da geografia histórica do

capitalismo, através de análise da evolução da forma urbana na cidade

capitalista, dos mosaicos mutáveis do desenvolvimento regional desigual dentro

do Estado capitalista e das várias reconfigurações de uma divisão espacial

internacional do trabalho." 8

A abordagem proposta torna a atuação do homem o elemento mais

importante na dinâmica dos processos de transformação na organização urbana,

nas relações sociais e trabalhistas com a CSN.

A abordagem do objeto se dará numa perspectiva histórica da construção

do espaço urbano quando, especificamente nesse caso, o homem não foi o centro

da organização do espaço urbano, mas a empresa CSN foi o elemento que

motivou todo o empreendimento, numa opção capitalista de mercado. A

construção de objeto de investigação se efetivará a partir da intervenção teórica

7 Jacques JULIARD. A política. In: História: novas abordagens . p. 181. 8 Edward W. SOJA . Geografias pós-modernas; a reafirmação do espaço na teoria social crítica. p. 9.

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do observador, recortando-o em conjuntos interpretativos, nos quais interagem

em relações situacionais.

A opção por um estudo de caso visa a permitir um aprofundamento na

análise das perspectivas conjunturais com a intensificação das transformações

estruturais no plano social. O processo de investigação orienta-se pelo conceito

apontado nas obras de Milton Santos, no conceito moderno da geografia não

como um espaço físico mas como um somatório de relações sociais, políticas e

econômicas na busca do direito à cidade, aos direitos territoriais.

Em Boaventura de Souza Santos, vamos aprofundar a discussão da

organização social e política na transição pós-moderna, na cidadania, na crise de

legitimação, a emancipação e utopia diante da Sociologia dos tribunais. E, por

fim, buscar em Edward W. Soja consubstanciar o processo de reafirmação do

espaço como campo de conflito na busca de socialização crítica e justa na vida

urbana de Volta Redonda.

No primeiro capítulo julgamos importante evidenciar em um breve

histórico as práticas do capitalismo do Estado no processo de formação da classe

operária através da organização espacial da Vila Operária.

A reafirmação do espaço refere-se a uma especificidade teórica do urbano

e tem um papel vital no desenvolvimento geograficamente desigual para a

sobrevivência do capitalismo. Neste caso específico de análise constatamos que,

ao invés de a empresa se instalar na cidade, é a cidade que se instala através da

empresa.

No capítulo II contemplamos, com a nova composição dos diretores e

como uma avant-premiére, o corte dos benefícios o que foi denominado por

esses mesmos diretores a queda do paternalismo, passando o ônus da

manutenção das casas aos próprios locatários.

A empresa já sentia a influência da recessão econômica do País e lembra

que "talvez nenhuma outra empresa congênere, no Brasil ou no Exterior, tenha

os seus custos onerados com tal sobrecarga, uma vez que, na respectiva

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composição, não há despesas semelhantes a computar, por não administrar uma

cidade (...) ‘diante de imperiosa necessidade de aplicação de vastos recursos na

operação e manutenção da Usina’. Mas reserva-se o direito de fiscalizar,

vistoriar os serviços de conservação e pintura, tendo em vista, principalmente, a

manutenção ‘da estética e do padrão estabelecido para a cidade’".9 Como

vemos no Relatório a nova política social empreendida pela empresa, do

liberalismo de mercado, é circunscrito por um forte componente dominador.

E, assim, a cada momento da história da cidade é possível identificar

movimentos de transformação, tendo a contradição como motor das mudanças

sociais: as contradições de classes, as oposições ao poder, a violação de

determinadas regras e idéias que as contestam.

Este quadro inscreve-se no ano de 1967 como, provavelmente, o mais

grave da vida da empresa, "ao se iniciar o exercício, a perspectiva era de

elevado ‘déficit’ financeiro, com repercussões negativas, facilmente avaliáveis,

nos diversos setores em que se desdobram as atividades operacionais e sociais

da CSN." 10

Neste momento observamos o processo de falência do modelo de

planejamento urbano dentro da ótica do capitalismo de produção em que as

representações e os artefatos espaciais atendem à dominação imposta pelo

Estado, no processo de industrialização do País.

No plano nacional, em 1968, inicia-se a era do chamado Milagre

Econômico como relata Maria Conceição Tavares: "Na manipulação dos fundos

de origem fiscal e parafiscal bem como de recursos oriundos de crédito público

através de agências de financiamento estatais, que o governo moldou

definitivamente o perfil da economia do "milagre", dependendo de fundos

públicos, de favores burocráticos e de crédito. O capitalismo brasileiro de

tradição patrimonial, encontrou um terreno extremamente fértil de

9 RELATÓRIO DA DIRETORIA . RD's nº 13.282 de 30/07/64. 10 RELATÓRIO da DIRETORIA, 1967. p. 3

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desenvolvimento, no qual o Estado autoritário concentra os recursos para

depois redistribuí-los discricionariamente, de acordo com o acesso pessoal à

intimidade do regime."11

Dentro desse modelo econômico interno e a facilidade do crédito

internacional, em 1969, o governo reafirma a política de expansão da Siderurgia

brasileira e a CSN se beneficia com empréstimos externos para sua expansão.

Volta Redonda experimenta novamente uma forte emigração, acampamentos de

trabalhadores da construção civil no centro da cidade, demolições de antigos

bairros operários para permitir a ampliação da área da usina, desordenamento do

trânsito causado pelo movimento de máquinas e equipamentos industriais, etc.

Na década de 70 o urbano torna-se palco dos conflitos sociais, políticos e

econômicos no esboço histórico dessa cidade, conforme David Harvey

denominou de crise da superacumulação iniciada no final dos anos 60, e que

chegou ao auge em 1973, gerando esse resultado: “A experiência do tempo e do

espaço se transformou, a confiança na associação entre juízo cientifico e morais

ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco primário de preocupação

intelectual e social, as imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e a

fragmentação assumiram precedência sobre verdades eternas e sobre a política

unificada e as explicações deixaram o âmbito dos fundamentos materiais e

político-econômico e passaram para a consideração de práticas políticas e

culturais autônomas.”12

Em 1975, em decorrência da crise do petróleo e o aumento dos juros

externos, a empresa se viu obrigada a reprogramar o plano de expansão, a fim de

executá-lo com recursos próprios.

No capitulo III, discutimos os reflexos na organização urbana decorrente

do processo de desaceleração que motivou a interrupção de contratos com

algumas empreiteiras, ocasionando demissões de um grande contingente de

11 Maria Conceição TAVARES. O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica da regime autoritário. p. 30. 12 David HARVEY. Condições pós-modernas . p. 293.

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trabalhadores, oriundos, na sua maioria, do campo, e sem condições de retorno.

A escassez de moradias gerou a especulação imobiliária, com uma super

valorização dos imóveis.

Este movimento em busca de moradia, contrapõe-se ao imaginário Estatal

da dominação, da submissão, da obediência a que esta cidade foi submetida, e é

desafiado nos anos de plena intervenção, através da Lei de Segurança Nacional.

Esta desobediência civil vai ser observada nos anos seguintes, com a

participação ativa da Igreja local, tornando-se o marco da redenção da

dominação espacial. Boaventura Santos nos diz que: (...) as promessas da

modernidade, depois que esta deixou reduzir suas possibilidades às do

capitalismo, não foram nem podem ser cumpridas; e, em segundo lugar, que

depois de dois séculos de promiscuidade entre modernismo e capitalismo, tais

promessas, muitas delas emancipatórias, não podem ser cumpridas em termos

modernos nem segundo os mecanismos desenhados pela modernidade. O que é

verdadeiramente característico do tempo presente é que pela primeira vez neste

século, a crise de regulação social corre de par com a crise de emancipação

social" 13

E é dessa crise de emancipação que nos ocuparemos, privilegiando o

urbano enquanto campo de conflito, através das transformações de

espacialidade, buscando entender a geografia humana crítica, o materialismo

histórico e geográfico, sintonizado com a ação política.

A politização do espaço da cidade, colocando o urbano em questão,

confirma um processo em que o conflito conquista legitimidade social.

No capítulo IV investigamos as articulações existentes entre a base físico-

geográfica e a espacialidade de outras naturezas, situadas nas esferas econômica,

sócio-política e cultural, para análise da expansão das favelas em Volta

Redonda, buscando apreender como se constituíram historicamente, avaliando a

contribuição da Igreja, na formação da consciência crítica e reivindicatória da

13 Boaventura de Souza SANTOS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade . p . 35 .

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espacialidade urbana; e analisar a evolução do espaço urbano em Volta Redonda

buscando explicar como se constitui historicamente.

No capítulo V, transcrevemos as entrevistas do prefeito de Volta

Redonda, no período do 1982 a 1985, e o Bispo D. Waldyr Calheiros, buscando,

nos seus depoimentos, por terem convivido de forma ativa e em lados opostos,

se o movimento dos favelados de Volta Redonda, resultou em um processo de

conquista ou concessão.

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CAPÍTULO I -Espaço e dominação urbana em Volta Redonda

1.1. A construção do espaço: pequena abordagem histórica

Por volta do ano de 1727, os jesuítas demarcaram a Fazenda Santa Cruz e

cruzaram a Serra do Mar abrindo caminho para a colonização do Médio Vale do

Paraíba. No ano seguinte, foi aberta uma estrada ligando Rio de Janeiro a São

Paulo mas, somente em 1744, é que os forasteiros chegaram às terras de Volta

Redonda. A presença ainda era tímida, sob o ponto de vista de fixação ou de

cultivo da terra e mais voltada à procura de metais e pedras preciosas.

A partir daí, observa-se uma forte migração de colonos e fazendeiros,

vindos de Minas Gerais, em decorrência do declínio da produção do ouro e dos

diamantes, trazendo uma imensa movimentação à região. Nas últimas décadas

do século XVIII, as terras do vale do Rio Paraíba, foram invadidas por levas de

mineiros que, com recursos oriundos da mineração, buscavam terras férteis para

a lavoura, especialmente a de café.

A terra de Volta Redonda, inserida bem no meio dessa bacia, não poderia

deixar de participar dessa fase histórica que sucedeu ao ouro, e que a partir da

segunda década do século XIX, tomou decisivo impulso. Paralela e

conjuntamente ao desenvolvimento do café, foi nascendo e crescendo o povoado

de Santo Antônio de Volta Redonda, 8º Distrito de Barra Mansa, com as

primeiras edificações comerciais e residenciais, onde hoje é o histórico bairro de

Niterói, que deu origem ao Distrito e à Cidade.

Um dos aspectos relevantes do desenvolvimento do povoado foi a

existência, à margem esquerda do Paraíba, de um porto fluvial (próximo à atual

ponte de Niterói), onde chegavam produtos agrícolas, notadamente o café,

procedentes da própria região e das demais freguesias. Desse local, a produção

era escoada até Barra do Piraí, de onde seguia, a partir de 1864, pela ferrovia até

a Corte, para exportação.

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Assim, Volta Redonda conjugou, pelo menos por um período, as atividades

produtivas com a de escoadouro comercial do café.

A ponte, concluída em 1864, ligou as duas margens do Paraíba, condição

que se tornou propícia também, para a construção da estação ferroviária.

Em 26 de dezembro de 1890, foi criado o Distrito de Paz de Volta

Redonda.

Tanto no Vale do Paraíba como nas demais regiões, o alto e crescente

custo da mão-de-obra escrava (resultante das restrições cada vez maiores do

tráfico negreiro a partir de 1850), as dificuldades de crédito, as pragas nos

cafezais, a diminuição de área fértil para plantação com o progressivo

desmatamento da Mata Atlântica e, finalmente, a Abolição da Escravatura,

vieram encerrar o predomínio do café no Vale do Paraíba do Sul, um dos mais

importantes suportes financeiros do Império Brasileiro.

Santo Antônio de Volta Redonda não fugiu à regra e a decadência aqui se

instalou. A principal atividade econômica da região passou a ser a pecuária,

seguida pela agricultura. Toda a região se degenerava, até que se decidiu

construir a usina da Companhia Siderúrgica Nacional.

1.2 - A nova história: questões conceituais

A Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional14, nomeada em

1940, para elaborar o projeto de criação da CSN, considerou o povoado de

Santo Antônio da Paz de Volta Redonda ideal para a localização da usina. Tal

consideração foi apoiada em critérios técnicos, tais como o baixo custo dos

fretes de transporte, a proximidade dos centros consumidores, a abundância de

14 No dia 4 de março de 1940, Vargas assinou o Decreto-Lei 2.054, criando a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, com o objetivo de organizar a indústria siderúrgica em bases definitivas, dentro do programa já adotado pelo Governo. A nona de uma longa série de comissões e conselhos que ao longo de dez anos foi incumbida de tratar a questão siderúrgica teria total autonomia e seria diretamente subordinada à Presidência da República. Para integrá-la, foram nomeados Guilherme Guinle (presidente), Oscar Weinschenck, Ari Torres, Heitor Freire de Carvalho, Adolfo Martins de Noronha Torrezão e Edmundo Macedo Soares e Silva. Regina da Luz MOREIRA. CSN, um sonho feito de aço e ousadia. p. 29.

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água doce, a disponibilidade de energia elétrica, a proximidade do porto do Rio

de Janeiro e os baixos salários regionais.

Para os militares, na sua preocupação com a segurança nacional, a região

era ideal, pois “colocada atrás da Serra do Mar, a usina necessitará apenas de

defesa antiaérea, ficando inteiramente ao abrigo da artilharia naval.”15

Com o decreto 237 de 25 de março de 1941, o Interventor do Estado,

Ernane do Amaral Peixoto desapropriava, em caráter de urgência, as Fazendas

Santa Cecília e Retiro (ou Três Poços), situadas em Volta Redonda, distrito de

Barra Mansa.

Essa região seria destinada à implantação da usina siderúrgica, da vila

operária, dos logradouros, edifícios públicos e das futuras expansões. As

propriedades totalizavam cerca de 2.300 hectares e pertenciam a Nelson Godoy

(parente de Ademar de Barros, Interventor Federal de São Paulo) e Carlos

Hassis. Inicia-se um discurso oficial que passou a defender, com veemência, a

localização da usina em Volta Redonda. Lopes nos lembra que “a opção pelo

Vale do Paraíba seria, finalmente, o cumprimento da premonição de antigos

estudiosos dos problemas siderúrgicos do país, como Cincinato Braga e João

Pandiá Calógeras. Braga referia-se ao Vale do Paraíba como o futuro vale do

Ruhr do Brasil, numa referência à próspera região industrial alemã. (...) Há

registro também de um projeto de indústrias inglesas para montagem de uma

usina no mesmo lugar da atual, em Volta Redonda. A lembrança dessas

antevisões vinha reforçar a imagem do projeto como a concretização épica de

um real factível que só agora se revelava..”16

Na década de 40, a Usina Siderúrgica de Volta Redonda tornou-se o

símbolo do progresso nacional, idealizado pela nova composição de forças no

poder, a partir de 1930. “O progresso era a superação de atraso, a

modernização da sociedade através do trabalho, realizado sob novas relações

15 Relatório da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. p. IX 16 Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 46-7.

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sociais. A industrialização redimiria economicamente o país, sobre a base do

trabalho eficaz, produtivo e eficiente.”17 Tanto na historiografia quanto no

imaginário do povo brasileiro, Volta Redonda e sua usina, tornaram-se símbolos

do progresso e da modernização nacional.

A partir destas constatações, destacamos a contribuição de alguns autores

que nos fornecem um quadro referencial de modernização e progresso. Norberto

Bobbio explica que “o progresso é precisamente o progresso da civilização e

que o seu fundamento está no desenvolvimento da razão e na aceitação da

mesma por parte do homem como guia do seu comportamento(...)porque

elimina a idéia da necessidade do melhoramento, substituindo-a pela idéia da

possibilidade, a que corresponde também a possibilidade contrária à do

retrocesso. A teoria assim formulada leva o homem a intervir no curso da

história, para que o progresso rumo à felicidade geral seja impulsionado e

acelerado”.18

A noção de progresso está vinculada à (...) interdependência das ciências

e à potenciação da racionalidade através da difusão da cultura, tanto como à

possibilidade de melhorar os costumes e o caráter dos homens por meio de

instituições e leis adequadas,(...).”19

Por outro lado, na tentativa de explicar a crise conceitual de Progresso,

Theodor W. Adorno, num artigo de 1964, salientou que “o conceito de

progresso não se resolve na sociedade, mas, nascido de uma raiz social,

reclama o confronto crítico com a sociedade que lhe serve de conteúdo; a

impossibilidade de o reduzirmos, tanto à fatualidade como à idéia, é um indício

da contradição que lhe é própria; na realidade, o Progresso não é uma

categoria de caráter conclusivo; quer impedir o triunfo do mal radical, não

triunfar em si mesmo; mais que entrega do homem ao processo do

17 André Luiz V. CAMPOS. A república do picapau amarelo: uma leitura de Monteiro Lobato. p. 65. O autor recupera o pensamento político de Monteiro Lobato, com base em sua crítica ao atraso do país e nas alternativas então propostas para o progresso da sociedade brasileira. 18 Norberto BOBBIO, Nicola MATTEUCCI & Gianfranco PASQUINO . Dicionário de política. p. 1011. 19 Norberto BOBBIO et. al. Op. cit p. 1011.

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desenvolvimento; é corretivo do perigo sempre presente de retrocesso, oposição

ao risco da recaída”.20

Quanto à modernização Gianfranco Pasquino explica que: “é um

fenômeno complexo, de amplo fôlego e multidimensional, que acontece em

períodos de tempo diferentes e em todos os setores do sistema social. Portanto,

para que a sua compreensão seja completa e exata, exige-se uma atenção

constante às interações entre os vários setores e o uso de métodos múltiplos e

abordagens interdisciplinares. Os dois temas que emergem no estudo da

modernização são: de um lado, a tentativa do homem em controlar a natureza e

sujeitá-la às suas necessidades, do outro, o esforço perene da ampliar o âmbito

das opções sociais e políticas para o maior número de pessoas. A Modernização

é a história destas tentativas e destes esforços”. 21

A Modernização não se fez apenas sob a ótica do trabalho, mas num

processo interativo multidirecionado do sistema social a fim de atender à

sociedade de forma mais abrangente e em maior número de pessoas. No caso de

Volta Redonda, tornava-se necessária a adoção de métodos saneadores e

disciplinares que educassem e controlassem os trabalhadores. Sob essa

inspiração, no início de 1942, começaram as obras da vila residencial e

comercial em Santo Antônio de Volta Redonda, projetadas pelo arquiteto Attílio

Correia Lima, obedecendo ambas a um mesmo plano urbanístico: loteamentos

bem cuidados, estrutura viária hierarquizada, amplos espaços abertos com áreas

ajardinadas, equipamentos urbanos centralizados, além de um cinturão verde de

preservação.

Nos bairros residenciais foram estabelecidas as diferenças quanto ao

tamanho dos lotes, às taxas de ocupação e aos tipos de residências, criando um

espaço estratificado por categorias profissionais e por faixas salariais. Este plano

urbanístico foi inspirado na Cidade-Industrial projetada por Tony Garnier.

20 Norberto BOBBIO et. al. Op. cit. p. 1014. 21 Idem, ibidem. p. 776.

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“Numa cidade dessa espécie, todas as fórmulas arquitetônicas podem

legitimamente ser postas em prática e examinadas.(...)Tivemos sempre em

mente o mesmo objetivo: manter-nos dentro de uma série de investigações de

ordem geral, que não poderiam ser motivadas pelo estudo de uma aldeia ou de

uma cidade muito grande.”22

A previsão era entregar 4.000 novas habitações, em área de patrimônio da

Companhia Siderúrgica Nacional, onde foi construída a usina, a Vila Operária23

e os bairros para seus operários e funcionários.

As chamadas vilas operárias foram a solução historicamente encontrada

para viabilizar o suprimento da força de trabalho necessária às indústrias, no

período de afirmação do modo de produção capitalista. Essa solução utilizada no

Brasil desde o final do século XIX, contribui para o rebaixamento do valor da

força de trabalho e para a dominação do capital, no espaço da reprodução da

mão-de-obra. Portanto, o sítio isolado era ideal para a construção da vila-cidade.

Para Rago, “a vila-cidade projetada pela arquitetura da vigilância oferece

a seus moradores a proteção e conforto de toda uma rede de equipamentos

coletivos e comercias, capazes de atender às suas mais simples necessidades:

lazer, educação, e saúde. Cria dispositivo estratégico de união familiar.”24

Jessie Jane afirma que “Volta Redonda foi projetada - política e

materialmente - para ser um grande laboratório industrial. Ali se pretendia

implantar um modelo de unidade produtiva e criar um novo trabalhador

industrial gerado a partir de novas propostas de dominação.”25

A importância política e econômica do empreendimento CSN refletiu-se

no cuidado com o planejamento em escala urbana, afinado ao que Lefebvre

denominou espaço capitalista tardio . “O capitalismo descobriu-se capaz de

atenuar (senão resolver) suas contradições internas(...). Não podemos calcular

22 Apud Françoise CHOAY. O urbanismo. p. 164. 23 Nos documentos oficias a CSN denomina vila operária ao núcleo urbano planejado e construído pela empresa, iniciada em 1941 e concluída durante a década de 50. 24 Luzia Margareth RAGO. Do cabaré ao lar: utopia da cidade disciplinada. p. 179. 25 Jessie Jane Vieira de SOUZA. Arigó, o pássaro que veio de longe. p.10.

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a que preço mas realmente sabemos por qual meio: ocupando o espaço,

produzindo um espaço.”26

O espaço urbano, enquanto categoria teórica de análise é percebido como

um fenômeno historicamente construído, expressando a organização social do

processo de reprodução do capital como o domínio da instância econômica

sobre a estrutura social. Ao mesmo tempo em que constitui uma expressão de

exigência do modo de vida capitalista, é também espaço de luta entre as classes

sociais que compõem a estrutura social desse modo de produção.

Maria Ozanira defende que“(...) a lógica de construção do urbano se

responsabiliza por criar uma realidade contraditória ao propiciar, de um lado,

através da produção, a agregação do trabalhador na fábrica e, de outro lado, a

concentração social segregativa da moradia no âmbito da esfera da

reprodução, gerando condições objetivas para construção da resistência

popular, tanto a partir do local do trabalho, como do local da moradia.”27

Attílio Corrêa Lima, em carta dirigida ao Prefeito de Barra Mansa (8 de

abril de 1943), percebeu uma realidade contraditória muito particular em Volta

Redonda e fez uma denúncia contundente sobre os rumos do processo de

urbanização. Lembrou inicialmente que o seu projeto para a cidade industrial de

Volta Redonda tinha o caráter de núcleo urbano racional. Advertiu, a seguir,

que: "por inércia ou má compreensão administrativa, foi tolerada e permitida a

construção e a especulação imobiliária fora do perímetro previamente

estudado. Formou-se um quisto, uma excrescência urbana sem método e sem a

elementar compreensão dos problemas da região. Assim, o comércio, indústria,

habitação com inúmeros cortiços foram amontoados em sítios onde

forçosamente obrigará, no futuro próximo, a desapropriações onerosas. Um

verdadeiro caos foi criado ao lado de uma cidade planificada, tudo após

assinatura do contrato para o plano regional." 28

26 Apud Edward W. SOJA. Geografias pós-modernas. p. 114. 27 Maria Ozanira SILVA E SILVA. Política habitacional brasileira: verso e reverso. p. 17. 28 Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 111.

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Corrêa Lima referiu-se ainda aos grandes interesses econômicos em jogo

e, depois, em menos de três meses, renovava suas denúncias, agora dirigidas ao

Major Hélio de Macedo Soares e Silva, Secretário de Viação e Obras Públicas

do Estado do Rio de Janeiro. Referindo-se à pressão dos proprietários de terras,

atingidos tanto pelo plano urbano de Volta Redonda quanto pelo plano regional

em elaboração, afirmou que: "(...) as dificuldades apresentadas pelo caso de

Volta Redonda são muito mais complexas do que o de Barra Mansa e Pinheiros,

pois estas duas cidades não sofreram as mutilações e a desenfreada

especulação imobiliária. Em Volta Redonda criaram-se situações desagradáveis

que não aparecerão, é claro, nos projetos apresentados, mas que representam

trabalho insano e delicado, tratando-se de ferir interesses, que levantam ódio e

entravam a boa marcha dos estudos. Sem falar aqui a responsabilidade que

pesa a interferência do plano com a Companhia Siderúrgica Nacional(...)."29

Com a conclusão das obras da usina, em 1946, parte dos trabalhadores

que participaram da execução das obras previstas pelo plano urbanístico foram

mantidos em seções da siderúrgica – “cerca de 7.000 trabalhadores tiveram que

receber treinamento especial, já que nunca haviam trabalhado com máquinas.

Entretanto, uma parcela significativa da mão-de-obra não aproveitada pela

CSN permaneceu na cidade, à margem do mercado de trabalho, defrontando-se

com sérias dificuldades para sobreviver. Desse processo de ocupação da cidade

surgiu a primeira favela: Morro de São Carlos.30

A gestão e o quadro de representações cumpriram a tarefa de pôr em

funcionamento o processo de produção e, ao mesmo tempo, emprestar-lhe um

sentido que foi transposto ao próprio trabalho e à vida do cidadão. Na visão de

Roberto Guião31, a cidade e a fábrica cresceram juntas e se integraram sob uma

mesma gestão e o processo de dominação se ampliou, através de investimentos

29 Alberto Costa LOPES. Op. cit. p. 112. 30 Idem. Ibidem. p. 112. 31 Roberto Guião de Souza LIMA é historiador e genealogista, pesquisador da História do café e de sua gente (famílias) no século XIX, prevalentemente no Vale do Rio Paraíba do Sul e subsidiariamente no Oeste paulista, e entusiasta da história e das artes no Brasil, entre os séculos XVI e XIX.

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na área social e controle dos equipamentos urbanos. Neste caso, os

investimentos se efetivaram nos diversos setores.

A descontinuidade desse processo foi explicitada em 1948, quando se deu

a primeira delimitação entre cidade e fábrica, quando foi colocada uma “cerca

de arame”32 farpado, fechando o perímetro da Usina. Até aquela época, cidade e

fábrica não tinham solução de continuidade.

1.3 – Surge o “espaço vigiado”

Na área da saúde, em janeiro de 1947, foi criado o Serviço Médico

Industrial, através do qual foi feita uma avaliação constante das condições de

saúde dos trabalhadores. Em 1951, foi implantado o serviço médico neuro-

psiquiátrico,33 em conexão com a Medicina Industrial, motivado pela incidência

cada vez maior de casos psiquiátricos. A assistência médica prestada à ‘família

siderúrgica’34 pelo Hospital da Companhia, contou com serviços especializados

(clínico, cirúrgico e odontológico).

Em 1953 foi inaugurado o novo prédio da unidade hospitalar, uma

sociedade formada por cotas, sendo a CSN a cotista majoritária. Mais tarde foi

totalmente incorporado, constituindo-se em departamento da empresa.

A divisão de Puericultura desenvolveu uma assistência à maternidade e à

infância, com distribuição de leite para os bebês, vacinação e assistência médica

para as mulheres e crianças até 14 anos.

Na área educacional a ação da empresa foi intensa, com a criação dos

cursos de alfabetização para os operários. O ensino industrial foi introduzido em

1943 e em 1949 foram inauguradas as instalações definitivas da Escola Técnica

Pandiá Calógeras, em convênio com o SENAI, considerado como um marco do

32 RD’s nº 917 de 27/4/48. 33 Atribuiu como justificativa que: “locais de trabalho e dos turnos sucessivos (...) modificando hábitos de vida, têm criado situações psicopáticas, reativas.” Resolução de diretoria nº 3.854 de 11/10/51. 34 Expressão utilizada por Regina Lúcia de Moraes MOREL.

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ensino profissionalizante no Brasil. A passagem pela escola representou a

reprodução social dos filhos dos operários pioneiros que tiveram sua iniciação

tecnológica no mundo industrial realizada sob forte fricção cultural.

O Colégio Macedo Soares foi incorporado à empresa, (antes pertencia ao

Clube dos Funcionários) e, em 1954, reuniu cerca de 600 alunos, dos quais 257

eram empregados da CSN freqüentando curso noturno. Entre outras atividades,

patrocinou a construção de vários prédios destinados ao funcionamento de

Grupos Escolares, subvencionou escolas particulares, além de fazer a

complementação de salários dos professores (da rede particular e pública). Foi

mantido um Ginásio Comercial, além de cursos de Corte e Costura e Prendas

Domésticas.

A assistência alimentar foi feita em duas frentes para os empregados:

seriam fornecidas as refeições a preços módicos; a criação dos postos de

abastecimento permitia que os alimentos fossem comercializados através dos

descontos em folha de pagamento, em convênio com o SESI.

Na área de transporte, a empresa fornecia ônibus de ligação entre os

bairros, entre estes e a Companhia, inclusive para Barra Mansa, em caráter

excepcional, isto porque o comércio de Volta Redonda era incipiente. Havia

uma linha regular, particular, que ligava Volta Redonda a Barra Mansa.

Na área de Lazer, no dia 02 de junho de 1946, foi criado o Círculo

Operário, contando na cerimônia oficial, com a participação do padre Leopoldo

Bretano, organizador dos Círculos Operários no Brasil35.

Jessie Jane de Souza destaca a importância deste movimento afirmando que:

“(...) esta entidade teve presença marcante na vida de um grande contingente de

trabalhadores, através de diferentes instrumentos políticos-pedagógicos que

objetivavam construir em colaboração com o Estado, o novo trabalhador

brasileiro. ”36

35 René DREIFUSS. 1964: a conquista do Estado. p. 309. 36 Jessie Jane de SOUZA. Op. cit. p. 4.

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Os Círculos Operários direcionavam a ação social da Igreja. Segundo

René Dreifuss, os Círculos Operários – ou Círculos de Trabalhadores Cristãos-

eram financiados pelo IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais- e pelo

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática - grupo político e ideológico

ligado a empresários e um dos principais articuladores do golpe militar de

1964.37

Para Dreifuss, os Círculos Operários tinham o claro objetivo de esvaziar

os combativos sindicatos esquerdistas: “(...) a ação política da elite orgânica

entre as classes trabalhadoras e os sindicatos desenvolvia-se grandemente

através de organizações ‘fantoches’ e movimentos orientados pelo clero, que

competiam com os sindicatos de esquerda pelo apoio das classes

trabalhadoras.”38 Na cidade de Volta Redonda, a primeira sede do Círculo foi

instalada em um barracão (bairro Conforto) cedido pela Companhia Siderúrgica

Nacional. As reuniões aconteciam nos finais de semana e giravam em torno de

questões trabalhistas. Na verdade, o Círculo Operário de Volta Redonda nasceu

de uma iniciativa da Diocese juntamente com a diretoria da Companhia

Siderúrgica Nacional, para promoção de lazer, cursos profissionalizantes e de

alfabetização. Isto se evidenciou no depoimento de um dirigente sindical do

período:“(...) o Círculo foi fundado por gente da CSN, envolvidos com a

empresa. Tinha reconhecimento da Igreja com apoio eclesiástico. O Dr. Paulo

Monteiro Mendes atuou com destaque na sua formação.”39

As festas, comemorações, jogos, campeonatos, eram subvencionados e

coordenados pela empresa. Nesse sentido foi construído o Recreio de

Trabalhador (lugar onde a família operária se reunia formando um grupo social),

cinemas e coretos nas praças para diversões e festividades. A CSN, ainda

subvencionou entidades e associações (de empregados ou não), que tivessem

37 René DREIFUSS. Op. cit. p. 309. 38 Idem, ibidem. p. 309. 39 Apud Paulo Célio SOARES. Entrevista com Waldir Bedê, realizada em 29/11/99. Neste período, Paulo

Monteiro Mendes era diretor social da Companhia Siderúrgica Nacional.

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condições de promover obras de assistência social ou de beneficência aos

empregados e suas famílias.

Pelo Regulamento de Pessoal de 1945, era dever do empregado “residir

no local onde exerce o cargo ou, mediante autorização, em localidade vizinha,

caso não haja inconveniência para o serviço”40

A presença da CSN no cotidiano das pessoas era total, pois ela detinha a

propriedade dos meios de produção e dos equipamentos urbanos, mantendo o

controle político, social, cultural e econômico da cidade. Tinha sob seu domínio

um corpo policial próprio que não estava circunscrito somente ao espaço da

Usina, pois abrangia também a esfera urbana, tendo à sua disposição uma

unidade do Exército (o Batalhão de Infantaria Blindado, posteriormente, 22º

Batalhão de Infantaria Motorizado).

Dentro desse espaço vigiado, não se possibilitou nenhuma espécie de

movimento popular, na esfera do público ou privado, que se desse fora do

controle da CSN, ou que pretendesse introduzir novos valores, idéias ou padrões

de conduta. Como exemplo, podemos citar a contribuição para a construção da

Igreja Santa Cecília, com subvenção regular para os serviços de assistência

espiritual e religiosa desenvolvida pela referida Igreja. Em paralelo, temos a

negativa aos pedidos de donativos e de materiais de construção, a preço de

custo, para a Igreja Metodista do Brasil, sob o protesto de que a população de

Volta Redonda era católica.

Quanto à legalização do padrão familiar católico, a CSN normatizava a

situação através do salário-família: “é reconhecida a companheira com certidão

de casamento passado por uma paróquia, ainda que não seja casada no civil.

Para os que não são católicos, aceita-se uma certidão passada no cartório, com

o empregado reconhecendo e assumindo a ligação. Mas não se reconhece a

40 Regulamento de Pessoal de 1/12/45.

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companheira, quando o empregado e a mulher forem solteiros e, como tal,

desimpedidos para casarem.”41

A assistência habitacional deu-se através da distribuição de casas

construídas pela CSN, que também fazia toda manutenção através de pequenas

taxas e de aluguéis abaixo dos preços de mercado. Com o crescimento da cidade

e do efetivo da empresa, o problema habitacional foi um fator que marcou toda a

sua trajetória.

Em 1948, a CSN entregou 3000 casas aos seus operários e, nesse ano, já

era o principal agente de gestão dos serviços públicos e instalação de novos

equipamentos sociais na cidade: conservação de ruas e estradas, manutenção e

conservação de parques e jardins, reflorestamento, limpeza urbana, água e

esgoto, energia elétrica, transportes, polícia, bombeiros e banda de música.

Na década de 50, a organização urbana dos dois núcleos originais

tornaram-se o eixo de ligação entre a Cidade Nova e os bairros surgidos nesse

processo de crescimento estimulado pela implantação da CSN (Retiro e São

Lucas).

Diante da crescente demanda de terras para habitação e comércio, os

grandes proprietários da região passaram à condição de loteadores e

especuladores de terrenos, pois em decorrência da presença da usina, a

população que no início da década de 40 era de 2782 habitantes (793

compunham o quadro urbano, 224 o quadro suburbano e 1765 o quadro rural),

no povoado e cercanias viviam 1017 pessoas.42 Em dez anos, a população

chegava a 35964 habitantes (89,4% urbana) demonstrando o enorme

crescimento demográfico, diante desses números é evidente que a crise

habitacional começa a emergir na cidade.

Em resposta a essa demanda, começou a ser elaborado pelo arquiteto

Hélio Modesto, um plano de urbanização das áreas disponíveis pertencentes à

41 Resolução de Diretoria nº 2.610 de 5/1/51 e 3.883 de 23/5/52. 42 Dados do IBGE.

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empresa, com 1532 habitações. O Serviço Social da CSN indicava que 1849

trabalhadores eram pretendentes da casa; 505 eram operários especializados e

mestres, 1310 eram operários não especializados e 34 eram dirigentes da

empresa. O mesmo relatório indicava também, carência de escolas e de

comércio dentro da área da empresa. Segundo Alberto Costa Lopes, “a ausência

de prédios comerciais dentro da área de empresa, ao que tudo indica, parecia

uma política deliberada para a instalação fora das áreas sob seu controle.”43

Por outro lado, os tributos arrecadados da CSN pela Prefeitura de Barra

Mansa não se destinavam a solucionar ou atenuar os graves problemas gerados

pelo rápido desenvolvimento da nova cidade. À medida que o núcleo original,

implantado pela CSN para servir de apoio à usina, extrapolava tal função,

configurava-se na cidade uma certa autonomia de expansão, quando os

comerciantes e os proprietários começaram a reivindicar a emancipação do

distrito, visando à aplicação dos tributos na própria cidade.

Em 1950, surgiu o movimento emancipacionista patrocinado pela

Sociedade Amigos de Volta Redonda que denunciava o abandono e a falta de

investimentos na cidade.

Tal entendimento ia ao encontro dos interesses da CSN, pois a entrada em

cena de uma administração local própria, empreendida pela prefeitura, tenderia a

reduzir as responsabilidades da empresa no tocante à manutenção das condições

de reprodução da força de trabalho por ela empregada, bem como diminuir seus

investimentos diretos em infra-estrutura para uma mais rápida circulação da sua

produção. Para Morel, “o movimento emancipacionista também seria apoiado

pelo Partido Social Democrático (PSD), proprietários rurais, comerciantes,

profissionais liberais e a Loja Maçônica Independência e Luz II.”44

Em decorrência do crescente processo migratório causado pelos

investimentos da implantação da CSN, o mercado imobiliário foi um enorme

43 Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 93. 44 Regina Lúcia de Moraes MOREL. Op. cit. p. 252.

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atrativo desde o início da década de 50, o que contribuiu para o fortalecimento

do movimento emancipatório.

Em 17 de Julho de 1954, através da Lei nº 2185 ocorreu a emancipação

política e administrativa de Volta Redonda, concomitante com a conclusão do

Plano B de expansão e das irresistíveis pressões políticas que levaram Vargas ao

suicídio, em agosto do mesmo ano. Em 6 de fevereiro de 1955, tomou posse o

prefeito Sávio Cotta de Almeida Gama. Da emancipação até 1964, as políticas

públicas e a própria CSN passaram por profundas mudanças, que ficaram

patentes no Plano C de expansão da CSN (1956-1960), não contemplando novos

investimentos na cidade operária.

Os primeiros atos legais promulgados no município explicitaram as

contradições, abrindo um panorama de problemas a enfrentar. A proibição de

passagem de gado pelo centro da cidade, das seis às vinte e quatro horas,

ilustrando o conflito da transição rural-urbano, isenção de impostos municipais

para as farmácias que se instalassem nos bairros, procurando suprir necessidades

básicas das áreas não controladas pela CSN, isenção para indústrias instaladas

até 1959 e que empregassem no mínimo cem operários.

Muitas foram as deliberações sobre loteamentos, casas populares, favelas,

barracos, construção de meia-água e outros temas ligados à habitação para os

mais pobres. A abertura de uma avenida serviu de penetração ao bairro Retiro,

em propriedade do então Prefeito (Sávio Gama) e que permitia o acesso aos

futuros bairros Açude, Vila Brasília, Coqueiros e Pau d'alho.

Nos primeiros anos da década de 60, a cidade conseguiu organizar-se e

atingiu um equilíbrio na sua estrutura urbana, atendendo a um maior número de

bairros com obras de infra-estrutura.

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CAPÍTULO II - O espaço autoritário

2.1. A formação de uma mão-de-obra controlada

A mão-de-obra necessária para a usina foi buscada em outros locais,

principalmente no interior de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.

"Supomos que a proposta fosse a de trazer para a construção da CSN um

camponês analfabeto e subnutrido, constituindo assim uma classe de

trabalhadores mais dócil, para ser transformada no novo trabalhador

industrial, objetivo do discurso varguista naquele momento."45

O recrutamento era feito por agenciadores, que recebiam comissão por

cada homem que chegasse. Em tempos de guerra, o trabalho era compulsório,

um meio de dispensa do serviço militar. Os tempos de guerra facilitaram para a

CSN a solução do problema de atrair e fixar a mão-de-obra pois as pessoas

empregadas em fábricas, consideradas de interesse militar, não poderiam largar

o serviço por mais de oito dias, sob pena de serem consideradas desertoras46. A

CSN estava incluída entre elas e ser seu empregado significava servir às forças

armadas e colaborar na defesa da pátria. Além da jornada de 10 horas,

justificada pelo estado de guerra, os trabalhadores de empresas civis

consideradas de segurança nacional tinham suspenso o seu direito de férias. Isso

conferia ao sistema de dominação, implantado na Companhia, traços de

militarização. Segundo Lenharo, “o Estado Novo levou a sério a existência da

luta de classes, assim como as possibilidades reais da classe operária no jogo

do poder.”47 O projeto de constituição da CSN é um exemplo pois, foi pensada

como modelo, uma empresa exemplar para o resto do país porém além de

toneladas de aço, ela deveria produzir um novo tipo de trabalhador: saudável,

capaz e disciplinado. Para garantir a boa ordem do acampamento foi criada uma

polícia interna. Parte desse corpo policial atuava no interior da Usina, enquanto

45 Jessie Jane Vieira de SOUZA. Revista Arigó. p. 13. 46 Decreto Lei 4937 de 9 de novembro de 1942. 47 Alcir LENHARO. A sacralização da política. p. 22.

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outro contingente era destinado a controlar os locais de moradia, vigiando os

trabalhadores mesmo em suas horas de folga.

Assim foi construída a CSN, dentro de uma visão extremamente

autoritária, onde a figura do trabalhador era vista apenas como uma peça a ser

burilada. A formação profissional era promovida no sentido de transformar esses

camponeses em trabalhadores industriais, dentro de uma visão que já vinha

sendo articulada pelo Estado, na qual o trabalho era o caminho da riqueza e da

obtenção da cidadania.

Na realidade, construir trabalhadores industriais nada mais era que

mecanizá-los, atrelá-los às máquinas. A máquina era um instrumento de

disciplina que permitia ver concretamente seus efeitos. Materialmente, no

espaço da usina, modificou o emprego do tempo; psiquicamente, no nível do

corpo do trabalhador, a máquina introduziu um novo tipo de disciplina no

trabalho.

O modelo da vila operária implantada em Volta Redonda diferenciou-se

das experiências anteriores pois, foi um modelo importado e teve como ponto

central seu caráter hierarquizado, porém harmonioso do ponto de vista do

planejamento urbano. Os bairros repetiam a hierarquização existente no mundo

da fábrica. Desta maneira, a CSN conseguiu fixar e mobilizar a mão-de-obra

necessária.

Em nome da “paz social”48, o Estado Novo intervinha também na

regulamentação da força de trabalho através da promulgação das leis

trabalhistas. O estabelecimento do salário mínimo permitiu um nivelamento do

salário para a força de trabalho urbana em nível de subsistência. Dada a relativa

escassez de mão-de-obra qualificada e semiqualificada, o estabelecimento do

salário mínimo impediu que as forças de mercado estabelecessem salários de

equilíbrio em níveis mais altos. Tal política traria um efeito importante: a

cooptação das classes trabalhadoras, mostrando assim, a face admissível do

48 Cf. René Armand DREIFUSS. 1964: a conquista do estado – ação política, poder e golpe de classe. p. 24-5.

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corporativismo. O Estado então foi projetado e percebido como protetor dos

pobres, tendo à frente a figura paternalista de Getúlio Vargas.

A característica de passividade, docilidade e conformismo, divisadas no

homem rural, interessavam ao Estado Varguista, pois tornariam mais fáceis a

execução de seu projeto de formação da cidadania brasileira, com controle do

Estado. É o que Santos denominou de cidadania regulada: "Por cidadania

regulada entendo o conceito da cidadania cujas raízes encontram-se, não em

um código de valores políticos, mas em um sistema de estratificação

ocupacional, e que ademais, tal sistema de estratificação ocupacional é definido

por normas legais. Em outras palavras, são cidadãos todos aqueles membros da

comunidade que se encontram localizados, em qualquer uma das ocupações

reconhecidas e definidas em Lei. (...) A cidadania está embutida na profissão e

os direitos de cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no espaço

produtivo, tal como reconhecido em lei."49

Imbuída da missão civilizatória, a CSN pretendia construir, através da

educação e do trabalho, o verdadeiro cidadão trabalhador. Para isso, a empresa

utilizou diversas estratégias visando a educar, vigiar e controlar o trabalhador,

dentro e fora da fábrica. Médicos, arquitetos, engenheiros e assistentes sociais

eram agentes fundamentais na montagem desse bem elaborado sistema de

dominação e disciplinamento; do traçado da cidade ao interior das casas,

passando pelos hábitos cotidianos do trabalhador e de sua família, tudo era

cuidadosamente planejado. Volta Redonda devia ser uma cidade-modelo,

habitada por trabalhadores-modelos.

A concepção de construção de um urbano planejado nos moldes industriais

do capitalismo americano pode ser constatada nas observações de Harvey, em

relação às transformações políticas, no final do século XX. "(...) São abundantes

os sinais e marcas de modificações radicais em processo de trabalho, hábitos de

consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do

49 Wanderlei Guilherme dos SANTOS. Cidadania e justiça. p. 75.

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Estado, etc. No ocidente, ainda vivemos uma sociedade em que a produção em

função de lucro permanece como princípio organizador básico da vida

econômica. Portanto, precisamos de alguma maneira representar todos os

grandes eventos ocorridos desde a primeira grande recessão do pós-guerra, de

maneira que não perca de vista o fato de as regras básicas do modo capitalista

de produção continuarem a operar como forças plasmadoras invariantes do

desenvolvimento histórico-geográfico.”50

Essa lógica capitalista esteve presente desde o início do projeto CSN,

concebido como processo de industrialização, da produção em massa e da

reprodução. Harvey em suas observações sobre o desenvolvimento da indústria

americana, nos mostra que: "(...) Taylor descrevia como a produtividade do

trabalho podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada

processo de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas

de trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do

movimento (...) A separação entre gerência, concepção, controle e execução (e

tudo o que isso significava em termos de relações sociais hierárquicas e de

desabilitação dentro do processo de trabalho). (...) O que havia de especial em

Ford, era sua visão, seu reconhecimento explícito de que a produção de massa,

um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova estética e uma

nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,

racionalizada e modernista.”51

Na medida que vamos libertando dos arquivos as informações e as

reflexões sobre experiências, vamos evidenciando um projeto de formação de

uma classe operária controlada e disciplinada, conforme o explicitado nas

observações de Harvey quando recorre a Gramsci, em seu relato sobre o

americanismo e o fordismo: "eqüivaliam ao maior esforço coletivo até para

criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de propósito

50 David HARVEY. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança social. p. 117. 51 David HARVEY. Op. cit. p. 121.

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sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem.

Os novos métodos de trabalho 'são inseparáveis de um modo especifico de viver

e de pensar e sentir a vida'. Questões de sexualidade, de família, de formas de

coerção moral, de consumismo e de ação do Estado estavam vinculadas, ao ver

de Gramsci, ao esforço de forjar um tipo particular de trabalhador."52

Entendemos classe operária como na concepção de Thompson, quando

afirma que a "classe operária não surgiu tal como o sol numa hora

determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se (...) classe e classes,

há uma diferença. 'Classe trabalhadora' é um termo descrito, tão esclarecedor,

quanto evasivo. Reúne vagamente um amontoado de fenômenos descontínuos

(...) por classe entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de

acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-

prima da experiência como da consciência." 53

No projeto de construção da CSN, a visão de classe foi totalmente

destoante desta linha de pensamento, o que fica claro na reprodução do discurso

de Edmundo Macedo Soares: "Os homens que vieram construir Volta Redonda,

espontaneamente ou recrutados em seus Estados, eram bisonhos, quase sempre

mal tratados, completamente ignorantes do que seria uma usina siderúrgica.

Vieram como teriam ido para um garimpo procurar trabalho, ganhando o que

eles julgavam ser uma boa remuneração. Em geral, só conheciam quatro

ferramentas: a foice, a enxada, o machado, e o facão. Como produtores de

energia, além deles sabiam que existiam o boi, o cavalo, e os muares; a

eletricidade era para eles uma força misteriosa, ignorada na maioria dos

lugares do interior do país."54

Diante desse quadro, Macedo Soares reiterou que o grande problema

estava em preparar "o povo sem formação para construir no país, os

52 David HARVEY. Op. cit. p. 121-2. 53 Edward W. THOMPSON. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. p. 9. 54 Edmundo de Macedo Soares e SILVA. A formação técnica do brasileiro. Carta mensal.. Nº 293. p. 3.

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instrumentos de grandeza com que sonhavam as elites que tinham passado pelas

escolas superiores."55

Visando solucionar o problema, foram consideradas três áreas de atuação:

1) O operário analfabeto, tinha que ser escolarizado, ainda que de forma

rudimentar para habilitá-los na aquisição de conhecimentos básicos. Para tal

foram criados os cursos de alfabetização denominados (baterias) que possuíam

dificuldades crescentes e sucessivas, divididas em A, B, e C, segundo um

esquema linear padrão. A bateria C era a alfabetização pura, a B introduzia

alguns conceitos e regras numa escala crescente até a bateria A, em que o nível

de conhecimento proposto era um pouco maior. Eram cursos estabelecidos de

acordo com as exigências básicas da função, exercida pelo operário, diretamente

voltada para aquisição de conhecimentos mínimos de matemática e português,

para facilitar a aprendizagem das tarefas. Os professores eram contratados da

rede oficial, com salários complementares pela empresa sob forma de

gratificação. Os conteúdos programáticos e sua aplicação eram controlados pela

CSN, eram ministrados nas dependências da usina com um sentido utilitário,

como o resto dos benefícios, para criar um corpo de trabalhadores que pudesse

atender às demandas da produção.

2) Para os operadores e auxiliares, pessoal envolvido na operação dos

equipamentos, o treinamento tinha um caráter pragmático, de aprendizagem

rápida dos mecanismos sumários da operação.

3) A área de treinamento era a aprendizagem dos engenheiros, que

começavam através dos manuais técnicos e iam se familiarizando com os

equipamentos, sendo que um certo número era mandado ao exterior em busca de

um conhecimento tecnológico mais profundo. No depoimento de um antigo

dirigente da empresa, era comum naquela época, "os chefes de departamento

fazerem a operação. Então a gente sabia operar o forno, operar uma máquina,

uma furadeira. Muitos dos equipamentos que, neste período foram introduzidos,

55 Regina Lucia de Moraes MOREL. Op. cit. p. 30.

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os primeiros operadores eram os próprios chefes que depois transmitiam aos

operadores, mas, só depois da aprendizagem que a gente tinha. Isto era bom,

porque assim a gente tinha condições de assumir o comando e controlar melhor

o operário, porque a gente sabia como ele estava operando a máquina, como

ele estava falhando na operação.(...) No princípio a empresa não podia ser

tecnicamente competente porque toda ela estava em processo de aprendizagem.

O pessoal teve que aprender a operar e foi na prática mesmo. Mas nós

estávamos lá presentes. Ficávamos de olho nos operários para não fazerem

bobagem, checando sempre. Nós mesmos operávamos, depois ensinávamos aos

operários.”56

O desenvolvimento e aperfeiçoamento da mão de obra, ficou a cargo da

Escola Técnica, sob a responsabilidade dos engenheiros da CSN, a partir da

montagem de oficinas e laboratórios, que deram aos alunos condições para

simularem práticas de operações a serem desenvolvidas na empresa,

constituindo-se na melhor escola de preparação de técnicos em metalurgia e

siderurgia do país.

Em 1946, Dutra assinou um decreto criando o Serviço Social da Indústria

(SESI), com o objetivo, a longo prazo, “de combater o reaparecimento de

organizações autônomas entre as classes trabalhadoras e de construir no seio

do operariado urbano uma base ideológica e de comportamento político em

consonância com uma sociedade industrial.”57

A ação profissional do engenheiro58 sempre esteve centrada nos setores de

obras públicas e construção civil, configuradas agora sob novo caráter, uma vez

que se orientavam para os interesses de expansão do mundo interno e, de forma

crescente, para a industrialização. O trabalho do engenheiro passou a constituir-

se basicamente de atividades urbanas, como foi o caso da instalação da Usina

56 Apud Solange Maria PIMENTA. A estratégia da gestão: fabricando aço e constrindo homens – o caso da Companhia Siderúrgica Nacional. p. 125. 57 René Armand DREIFUSS. 1964: a conquista do estado. p. 29. 58 Lili Katsuco KAWAMURA. Engenheiro: trabalho e ideologia. p. 15 e 19.

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Siderúrgica de Volta Redonda. E neste empreendimento, o engenheiro teve

papel relevante, na medida em que a formação profissional e sua atuação

estavam ligadas à tecnologia e ao processo de produção industrial. Seriam esses

profissionais que estavam ligados ao empreendimento CSN, sob a forma de

mandantes, ao mesmo tempo em que estavam ligados à arte militar, pois o seu

saber e seu conhecimento tecnológico se faziam interessantes, enquanto meio de

segurança e de repressão.

Em 1961 a usina siderúrgica foi batizada, com o nome do ex-presidente

Getúlio Vargas, em 1963 foi desencadeado um movimento para dar o nome de

Vargas ao município, porém sofreu veto na área militar, quando já se articulava

o golpe de 1964. Esse veto constituía o ato simbólico que prenunciava a

derrocada do trabalhismo sob a tutela do Estado.

2.2. O espaço urbano e a sua história no regime militar

“O governo militar é um parêntese entre dois governos constitucionais; o

elemento militar é a reserva permanente da ordem e do conservadorismo, é uma

força política que atua ‘publicamente’ quando a ‘legalidade’ está em perigo.”59

Em 31 março de 1964, com o golpe militar, Volta Redonda foi

imediatamente controlada pelo 22º Batalhão de Infantaria Motorizada (BIM),

sediado em Barra Mansa, e pela companhia da Academia Militar das Agulhas

Negras, sediada em Resende. O controle se processou com a invasão da usina e

os soldados distribuídos em vários pontos da usina. Os diretores do Sindicato

dos Metalúrgicos de Volta Redonda e Barra Mansa, foram presos e

encaminhados para as unidades militares mais próximas.

A esquerdização do país60 vinha se apresentando, desde 1935, como uma

das maiores preocupações políticas por parte das Forças Armadas. A

59 Antonio GRAMSCI. Maquiavel, a política e o estado moderno. p. 60. 60 Cf. Geraldo Lesbat Cavagnari FILHO. Autonomia militar e construção da potência. In: Eliézer Rizzo de OLIVEIRA [et al.]. As forças armadas no Brasil. P. 62.

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neutralização dessa ameaça exigia, por imposição doutrinária (doutrina de

segurança nacional), a posse pelas forças militares de um instrumento eficaz,

isto é, a manutenção da autonomia militar no Estado. Tal instrumento seria a

garantia para efetivação de qualquer projeto liberal-conservador, pelo potencial

de inibição que representava à configuração daquela ameaça, restringindo a

liberdade de ação das chamadas forças de esquerda, no espaço concedido a elas

no processo de transição.

Dentro dessa concepção, em 25 de Abril de 1964, a Assembléia Geral de

Acionistas da CSN elegeu a seguinte diretoria:

Presidente Eng. Oswaldo Pinto da Veiga

Vice-Presidente Eng. Antônio Carlos Gonçalves Penna

Diretor Industrial Eng. Mauro Mariano da Silva

Diretor de Matérias Primas Eng. Mauro Ramos

Diretor Comercial Eng. Arnaldo Claro São Thiago Filho

Diretor Tesoureiro Cmt. Benvindo Taques Horta, 26/04/65

Dir. de Pessoal e de Serviço Social Eng.Newton C. de Bittencourt Coutrim

Apesar do curto espaço de tempo, entre o golpe de 31 de março e a

Assembléia Geral dos Acionistas da CSN, em 24 de abril de 1964, a indicação

da diretoria tinha a aprovação dos militares, uma vez que o presidente foi

mantido pelo governo no período 1964/1966. Em 24 de abril de 1967 foi

nomeado para Presidente da CSN o General Alfredo Américo da Silva,

permanecendo até 1974, com modificações de alguns diretores durante o

período.61

Havia a crença, por parte dos técnicos e políticos locais de que o

desenvolvimento sem contradições e crise era possível e que o espaço urbano se

beneficiaria, mais uma vez, com grandes investimentos do governo federal.

61 Levantamento realizado pelo Gabinete Administrativo da Empresa, informando as suas diretorias, desde a sua fundação até 1991.

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O planejamento como processo, dava aos técnicos a ilusão de que a

cidade, uma vez concluídas as obras de expansão da empresa, seria bela,

moderna e harmoniosa. A existência de uma periferia com precariedades de suas

condições de vida, não trazia preocupações.

Com a emancipação do município, a prefeitura organizava uma estrutura

administrativa independente da CSN, visando a corrigir as diferenças de infra-

estrutura da cidade não operária, ou seja, administrando a cidade como um todo.

No entanto, com o golpe militar de 64, voltava a experimentar um

gerenciamento direto do Estado, com forte influência da CSN, e o forte interesse

dos seus dirigentes que entendiam a sua legitimidade de dominação.

Em 29 de março de 1973, através do Decreto-Lei n º 1273 o presidente

Emílio Garrastazu Médici declarava o Município de Interesse de Segurança

Nacional, e, mais uma vez, Volta Redonda experimentou uma incisiva

interferência do poder central, nomeando os prefeitos do município.

Buscando entender a legitimidade proclamada pelos dirigentes da CSN e

observando a política gerencial e administrativa praticada desde a sua

construção, recorremos a Weber quando diz que: "A legitimidade da dominação

não repousa exclusivamente sobre valores ideais, pois a dominação sempre está

ligada à legitimidade da propriedade. Além disso a dominação pode existir

também, quando a obediência não é voluntária, como entre os militares. A

legitimidade não precisa ser também a primeira razão da obediência numa

relação de dominação. A obediência pode vir do mesmo jeito de motivos

oportunistas ou de uma impotência que faz aceitar sem resistência a situação. A

dominação pode desistir de qualquer legitimidade, se ela dispõe de poder

suficientemente repressivo e de um quadro administrativo leal."62

Max Weber define 3 tipos puros de dominação: "A dominação legal que

se baseia na crença da legalidade da ordem que impõe o dominador. A

obediência ao dominador provém dessa crença a legalidade. A dominação

62 Max WEBER. Ciência e política: duas vocações. p. 57.

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tradicional que se baseia na crença de que a santidade das tradições dá ao

dominador a autoridade devido à sua vocação. Nesse caso a obediência se

deriva da piedade e a dominação carismática que se baseia na crença das

capacidades incomuns de uma pessoa e da ordem social por ela criada.

Obedece-se devido a crença ao carisma."63

O caso Volta Redonda (sua fundação e construção), vinculou-se ao que

Weber chamou de dominação legal porque os operários não duvidaram da

legitimidade de quem detinha o poder dentro da usina e fora dela. Quem ousaria

duvidar da legitimidade do próprio Estado ou dos seus representantes legais, os

altos dirigentes da empresa? Para que a dominação pudesse funcionar de

maneira racional, ela precisaria ter um aparelho burocrático, dividido em

competências setoriais bem definidas e com os poderes executivos adequados

em cada setor, assim como os meios de repressão bem delimitados. Além disso,

esse aparelho burocrático deve ter uma estrutura hierárquica. Cada burocrata

devia ser qualificado para sua tarefa, a de fazer obedecer às regras técnicas ou as

normas vigentes. Se o dominador pudesse contar com uma administração desse

tipo, o seu poder estaria bem assegurado, como afirma Weber64, a dominação no

dia-a-dia foi exercida pela administração.

A lei vigente em Volta Redonda era legal e racional, e tinha que ser

obedecida. Além disso, o dominador local, no caso os altos dirigentes da

empresa, também tinham que obedecer à ordem impessoal do Estado que os

comandava. Dessa maneira, os habitantes de Volta Redonda, obedecendo ao

dominador local, automaticamente obedeciam também à ordem impessoal do

Estado. Assim tudo corria dentro da legalidade.

Este quadro de dominação começou a sofrer algumas alterações nos anos

70. Tendo que adotar uma política austera de controle dos custos, a fim de

manter seus produtos mais competitivos no mercado, a CSN se deparou com

63 Max WEBER. Op. cit. p. 57. 64 Idem, ibidem. p. 57.

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uma enorme crise financeira, em decorrência da contenção nos preços do aço

pelo governo federal. No ano 1973, iniciou a venda das suas casas, completando

o processo de unificação espacial das duas cidades: a Vila Operária, construída e

mantida pela CSN, e a cidade de Volta Redonda, construída e mantida pelo

poder público municipal.

Encerrava-se o ciclo de gerenciamento direto da CSN, na vida urbana da

cidade e o poder público passava a ser o responsável pela manutenção e

elaboração do planejamento da cidade através de um plano diretor, conforme foi

explicitado por Lagôa: "A ordenação global do espaço urbano, considerada

como uma atividade consciente e voluntária do poder público, através de uma

planificação resultante de uma concepção total da comunidade (...) tem por

objetivo desenvolver certas e determinadas diretrizes sócio-econômicas e

administrativo-institucional, previamente escolhidas, e ao mesmo tempo

planejar apenas o estabelecimento de uma morfologia do espaço, isto é, de suas

características físico-espacial, visando a implementação das diretrizes para

tanto contidas no plano global de ocupação do referido espaço."65

O plano diretor tinha uma concepção voluntária do poder e ao mesmo

tempo observava as necessidades da comunidade como um todo para aplicação

de diretrizes sociais, econômicas e administrativas, visando à ocupação do

espaço. Ao examinarmos as diretrizes do Plano de Desenvolvimento Integrado

de Volta Redonda (PEDI-VR), deparamo-nos com um forte domínio da CSN

sobre a organização da cidade, pois o plano elaborado tinha a intenção de

adaptá-la aos seus próprios interesses de desenvolvimento, que pretendia

expandir, consideravelmente, sua capacidade de produção de 1,4 milhões de

toneladas para 4,5 milhões de toneladas de aço por ano.

De acordo com o PEDI-VR a usina e o desenvolvimento industrial foram

colocados em primeiro plano, sobrepondo-se aos interesses dos cidadãos, como

65 Paulo Francisco Rocha LAGOA. Ordenação de espaço urbano- considerações gerais. In: Alvaro PESSOA (Org). Direito do urbanismo: uma visão sócio-jurídica. p. 127.

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expressamente afirmado no diagnóstico: "Por outras palavras em Volta

Redonda quem merece viver é a usina; à cidade cumpre acomodar-se ou

retirar-se de sua proximidade. Para bem decidir, pois é importante reconhecer

este fato sociológico desde o início."66

A citação acima retrata o caráter autoritário e antidemocrático que se

desenvolveu na construção do espaço de Volta Redonda e que pode ser

representado naquilo que Marx chamou de estranhamento ou alienação. De

acordo com essa peculiaridade da alienação, "cada esfera me impõe uma regra

diferente e contrária à da outra; a moral me dita uma regra, a economia outra;

cada uma é uma determinada alienação humana; cada uma encarna um círculo

particular da atividade essencial alienada; cada uma se acha numa relação

alienada com as outras alienações."67

Marx chegou a comparar a produção das falsas representações ao

fenômeno físico que ocorria nas câmaras escuras, no trabalho dos fotógrafos,

onde se encontrava uma inversão de imagens. Sobre esse fato, Marx convidava

os companheiros à não se deixarem levar pelas falsas representações. E diz que

"As falsas representações são, nas sociedades classistas, mantidas pelas

classes dominantes, na medida em que ajudam a preservar os privilégios dos

detentores de poder, impedindo os dominados de se organizar conscientemente

em torno de um processo realista de revolucionamento da sociedade."68

Nos estudos realizados pelo PEDI, outros elementos foram de grande

importância para análise: a relação entre habitação e trabalho, a partir de dados

fornecidos pela CSN relativo ao local da residência de seus 13409 empregados.

"O primeiro aspecto que se observa ao analisar os dados, é que 94,6% dos

empregados da CSN trabalham e residem em Volta Redonda. Apenas 5,2%

66 Plano Estrutural de Desenvolvimento Integrado (elaborado por Harry Cole, dirigente da SERFHAU e homem das relações políticas de Roberto Campos, na fase da instituição do planejamento governamental pós-64). Prefeitura Municipal de Volta Redonda – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPPU), s/n. Um desafio. s.1. 67 Apud Leandro KONDER. O Futuro da filosofia da práxis. p. 32. 68 Idem, ibidem. p. 33.

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trabalham na cidade e residem fora dela, enquanto 0,2% tem residência em

Volta Redonda e outros municípios, onde, ao que tudo indica, passam aí o fim

de semana ou outros períodos do ano. Assim apenas 5,2% dos empregados da

CSN realizam diariamente migrações alternantes entre o local de trabalho e

suas residências."69

Em relação ao uso da terra o plano a urbanização da cidade foi

caracterizado pelos seguintes aspectos: "Vasta área da cidade possui uso da

terra industrial, e em torno dessa área estruturam-se outras áreas com usos

diferenciados. (...) A cidade possui várias áreas de uso predominante ligado ao

comércio e aos serviços. Algumas dessas áreas apresentam forma linear, e

constituem apenas 'áreas comerciais' visando atender à população próxima. (...)

Finalmente Volta Redonda possui duas 'áreas centrais': uma se localizando na

chamada Vila, em terrenos e prédios pertencentes a CSN, aí se localizando o

comércio fino; a outra apresentando-se mais dinâmica, possuindo maior

número de estabelecimentos varejistas e de serviços, sendo área bancária da

cidade. Convém ressaltar que essas duas 'áreas centrais' de certa forma se

complementam, e resultam da separação inicial existente entre a implantação

do núcleo urbano da CSN e o núcleo pré-existente. (...)As áreas de uso

residencial podem ser divididas em quatro categorias: residência de padrão

alto, situam-se na margem direita do Paraíba, especialmente na área da CSN,

que construiu boas residências destinadas aos seus quadros superiores e

médios. Nesta área também localizam-se residências de padrão médio e

regular. As residências proletárias localizam-se basicamente na parte da cidade

situada na margem esquerda do Paraíba, onde o equipamento de infra-

estrutura é precário. Finalmente convém notar a presença de pequenas áreas

ocupadas com sub-habitações localizadas sobretudo nesse mesmo setor norte

69 Plano de Desenvolvimento Local Integrado. Abril de 1969.(item 1.1.3). p.1.

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da cidade. (...) Inexistência de áreas verdes constituindo áreas de recreação

para a população citadina."70

No Plano diretor da cidade também constavam estudos sobre medidas

econômicas recomendáveis, dirigidas essencialmente à Prefeitura Municipal. As

medidas de caráter mais imediato, divididas em dois tipos: " Medidas destinadas

a adaptar o município às novas responsabilidades resultantes de um programa

de expansão que vai quase dobrar as dimensões atuais da Usina Presidente

Vargas, e as destinadas a encorajar uma diversificação do parque industrial do

município.[E apresentava recomendações para adaptação ao programa de

expansão] O programa de expansão da indústria terá dois impactos que

chamaremos de efeito de instalação e efeito de funcionamento (grifo nosso).

Resulta o primeiro dos pesados investimentos locais que deverão ser feitos, no

sentido de aumentar o capital fixo da empresa. Quanto ao segundo, liga-se ao

crescimento do fluxo de salários, impostos e outras despesas, resultante da

operação da empresa em nível mais elevado de produção."71

As projeções financeiras constantes no plano diretor, dos gastos prováveis

do plano de expansão, no que se refere ao efeito instalação, foram assim

demonstrados:

Primeiro estágio (fins de 1971)............. .: NcrS 37.000.000,00 Segundo estágio (fins de 1973)...............: NcrS 87.000.000,00 Terceiro estágio (fins de 1974)...............: NcrS 80.000.000,00 Quarto estágio (fins de 1975)...............: NcrS 60.000.000,00 TOTAL....................................................: NcrS 264.000.000,00

"No efeito de funcionamento pode ser medido essencialmente em termos

de emprego adicional oferecido pela CSN. Mantida a relação atual de 100

empregados por tonelada produzida, teríamos mão de obra adicionais de 11000

trabalhadores, mas a própria CSN informa que a expansão, com aplicação de

70 Plano de Desenvolvimento Local Integrado/69. (item 3.2.4). p. 1. 71 PDLI/69 . (item 1.2.2). p. 2.

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tecnologia moderna permitirá um aumento de produtividade calculando que

apenas 6.000 empregados adicionais serão necessários, tendo em vista que no

município tudo gira em torno da siderúrgica pode se prever uma ociosidade de

mão-de-obra, principalmente não especializada."72

Sobre os loteamentos, os estudos do (PDLI)73 evidenciaram a falta de um

planejamento urbano, quando considerou que os loteamentos aprovados de 1942

até 1969, cerca de sessenta atendiam à expansão populacional. A falta de

exigência de construção foi responsável por vários empreendimentos nos quais a

urbanização foi lenta e os novos loteamentos cerceados pela municipalidade,

agravando o custo da terra. Sugeria a criação de uma legislação específica e

atualizada, como meta prioritária do PDLI.

O autoritarismo inscrito na gênese da cidade, reaparece no planejamento

que se institui na década de 70, num quadro de dominação capitalista. Como

retrata SOJA, "(...) a crescente importância do capital monopolista, sua

expansão em escala global e sua dependência cada vez maior da administração

e planejamento estatal foram interpretados como havendo introduzido novas

condições históricas (e espaciais) nas formações sociais capitalistas

contemporâneas, e portanto, na política da luta de classes."74

A escolha do local para usina siderúrgica, entre outras razões, deu-se por

ser um sítio isolado, onde seria necessário construir uma cidade para abrigar os

trabalhadores. Foi projetada na intenção de ser a formadora da classe operária

brasileira merecendo um projeto de grandes dimensões, para qual não foram

poupados recursos na fase de concepção e implantação. No plano urbanístico,

procurava-se proporcionar elevado padrão de qualidade das habitações, da infra-

estrutura e serviços.

72 PDLI/69. (item 1.2.2). p. 2. 73 Estudo elaborado pelo escritório técnico Wit-Olaf Prochnik para o governo Sávio Cotta de Almeida Gama, tendo como Diretor do Escritório de Planejamento o Eng. Brenno de Castro e Coordenador do Plano o Arq. Carlos Alberto de Mesquita. 74 Edward W. SOJA. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. p.117.

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A cidade-operária, na concepção inicial teria 3700 domicílios, que

deveriam ser concluídos juntamente com a construção da usina. 75 Esse plano,

não se concretizou em sua totalidade e, mesmo com os acréscimos posteriores, a

Cidade Operária jamais atendeu à necessidade de moradia de todos os

trabalhadores envolvidos no empreendimento siderúrgico. Portanto, o déficit

habitacional originou-se juntamente com a Cidade Operária e manteve-se em

toda sua trajetória. A CSN nunca cumpriu a meta habitacional e a crise

habitacional se instalou na cidade, como veremos no capítulo seguinte.

75 A partir dos relatórios anuais da diretoria da CSN, de 1946, 1947 e 1948, deduz-se que foram projetadas 3.700 casas, embora, no relatório dos trabalhos feitos até abril de 1942, pelo escritório de Obras, constasse que a Cidade Operária deveria receber 4000 casas.

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CAPÍTULO III - A Crise Habitacional de Volta Redonda

Para iniciar esse capítulo, entendemos ser necessário fazer uma breve

digressão sobre a questão da moradia, visando compreender como a sociedade

age sobre si mesma diante de suas necessidades, como cria suas regras sociais e

extra-sociais, que se impõem aos atores da transformação social. Para essa

tarefa, buscamos em Spinoza que ‘a liberdade é a consciência da necessidade’ e

em Marx que ‘os homens é que fazem a história, mas não sabem disso’.76

O desenvolvimento urbano em Volta Redonda foi a confirmação

inequívoca destes pensamentos, pois, a necessidade de morar definiu o seu

processo de favelamento. Esse processo esteve aliado aos fenômenos mais

globais das contradições estruturais do capitalismo e ao processo político que o

país viveu durante o período. Aliás, nesse sistema, poderíamos até dizer que o

espaço não existe como uma dimensão social independente e individualizada,

estando sempre interligado ou embebido em valores, que serviram para a

orientação geral.

O espaço urbano caracterizou-se como um modelo de ocupação específico

que, a princípio, foi gerado pela industrialização produtora do urbanismo e que,

na atualidade passou a ser sua fonte geradora. O espaço confundiu-se com a

própria ordem social; logo sem entender a sociedade com sua rede de relações,

funções e valores não se pode interpretar sua concepção.

Nessa coreografia, imposta pelo sistema, pode-se perceber um movimento

discreto, cujo efeito, tal como uma pintura impressionista, somente se reconhece

à distância. Uma espécie de microfísica da resistência, ou da existência,

efetivou-se, em qualquer época, sob qualquer poder, por mais absoluto que

fosse. Nesse processo de organização, camuflando as diferentes heterotopias,77

os espaços culturalmente produzidos chocavam-se e completavam-se,

76 Apud Jean LOJKINE. O estado capitalista e a questão urbana. p. 13. 77 Foucault relata que ao fazer um estudo sobre espaço usou essa denominação para definir espaços singulares encontrados em determinados espaços sociais, cujas funções são diferentes ou até opostas à outra. Apud Edward W. SOJA. Geografias pós modernas: a reafirmação de espaço na teoria crítica. p. 28

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espelhando as experiências do cotidiano, em nome da idealização de um espaço

homogêneo e equilibrado. Em vários momentos da história de Volta Redonda, o

público e o privado uniram-se e separaram-se, num complexo jogo de ação e

reação.

Entendendo o espaço não apenas como um cenário mas, em sua

complementaridade dialética de concepção, apropriação, elaboração temporal e

cultural, refletindo pressupostos teóricos, formas de observação construídas no

cotidiano das pessoas de um modo geral, não se pode ver tempo nem espaço.

Essas categorias devem ser percebidas em suas múltiplas configurações, na

relação direta dos homens com a natureza e, principalmente, com o poder que os

conforma, explicita e define. “Impõe-se, portanto, uma nova visão geográfica

na qual há uma reafirmação do espaço na teoria social e crítica, na práxis

política.”78

Milton Santos pergunta79 se é possível comparar a urbanização dos países

subdesenvolvidos com o processo levado a cabo nos países industrializados no

início da revolução industrial. O próprio Milton Santos responde que “enquanto

as cidades dos países industrializados fazem parte integrante de um território

que mais ou menos a gerou e com a qual viveu, em constantes interrelações, a

mesma aventura, a cidade dos países subdesenvolvidos aparece muitas vezes

como um corpo estranho, alógeno, inserido em um meio com o qual estabelece

relações descontínuas no espaço e no tempo. (...) A cidade dos países

subdesenvolvidos se lança à conquista do espaço a partir de duas verdadeiras

alienações: a cidade mesma nasce para servir a interesses distantes e, por outro

lado, sua zona de influência é, muitas vezes, um desses ‘espaços derivados’,

cuja vida depende, em grande parte de fatores externos. Ademais, o território

com o qual a cidade é confrontada poderia ser qualificado como

‘superimposto’.” 80

78 Edward SOJA. Op. cit. p. 147. 79 Milton SANTOS. A urbanização desigual. p.11. 80 Milton SANTOS. A urbanização desigual . p. 97.

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3.1. Historicidade e especificidade da crise habitacional de Volta Redonda

Em 1948, no final da primeira fase do plano urbanístico da cidade81, a

CSN contava com 8916 empregados e 3003 habitações construídas (atendendo

aproximadamente 34% dos trabalhadores). Esse índice evidenciava o não

cumprimento do compromisso de fornecer habitação para todos.

A retomada na construção de moradias se estendeu de 1951 até 1966,

embora de forma tímida. Nesse período, observava-se um profundo

descompasso pois, o número de empregados chegava a 15009 para 5982

habitações construídas, representando o atendimento de 39,8% dos empregados

com moradia.

Em nível nacional, 82 a situação habitacional apresentava o mesmo

descompasso entre o crescimento populacional e produção de moradia nos

centros urbanos. Embora já tivesse sido apontado, desde o início do século,

como problema de competência nacional, (a partir de relatórios do Conselho de

Saúde do Distrito Federal, que deploravam as condições dos cortiços, indicavam

os riscos para a saúde pública e recomendava a remoção dos moradores para a

periferia da cidade), o problema foi se arrastando, ao longo dos anos.

No Rio de Janeiro, com a abertura de ruas e avenidas centrais na cidade

ocorreu a demolição de inúmeros cortiços, sem substituição por moradias de

baixo custo, com a inevitável elevação do valor de aluguéis. A favela passou a

ser a única alternativa dos mais pobres.

Essa preocupação foi observada em 1937, através do Código de Obras,

quando governo tentou limitar a expansão das favelas, substituindo-as por

núcleos de habitações do tipo mínimo, a serem vendidas às pessoas,

reconhecidamente pobres.

81 Cf. Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano de Volta Redonda. p. 103-104. 82 Cf. Maria Ozanira da Silva e SILVA. Política habitacional brasileira: verso e reverso. p. 33-44.

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Em 1942 através de forte intervenção nas relações de trabalho, Vargas

criou a Lei do Inquilinato e congelou os aluguéis. Essa medida foi um incentivo

à propriedade privada (classe média e os trabalhadores de melhor remuneração),

restando ao segmento carente, a moradia nas favelas pois, a casa própria era para

o trabalhador, a única alternativa de morar na cidade. O agravamento das

condições habitacionais era uma ameaça para a continuidade do processo

produtivo, através da superexploração da força de trabalho, sem maiores

interferências do Estado. Pela primeira vez, o Estado assumiu a responsabilidade

pela oferta de habitação ao segmento da população urbana mas, o atendimento

estava restrito aos associados dos institutos da previdência, constituindo-se num

programa fragmentário com pouca relevância quantitativa.

No período seguinte, Dutra adotou uma política de liberação da economia,

seguida de repressão ao trabalhador e ao seu salário, tendo no setor habitacional

uma atitude ambígua. A criação da FCP (Fundação Casa Popular) foi uma

dessas ambigüidades pois, foi o primeiro órgão federal que se destinava a tarefa

de promover habitação às populações de baixa renda. Desta forma, o governo

tentou angariar legitimidade e alcançar penetração junto aos trabalhadores

urbanos. Em 1947, a repressão às favelas do Distrito Federal chegou ao seu

ápice. Os dirigentes acreditavam que a questão seria resolvida, caso os

favelados retornassem ao seu Estado de origem, expulsando as famílias cujo

salário não atingisse um mínimo estipulado. Naturalmente, pela sua

ingenuidade, o plano não funcionou.

No segundo período de Vargas (1951-1954), restabeleceu-se um clima

político favorável para que favelados e os trabalhadores articulassem seus

interesses, e ao mesmo tempo houve um estímulo ao desenvolvimento

econômico. Apesar de serem vistas como um problema nacional, as favelas

deveriam ser consideradas em seu aspecto social, econômico e legal; assim, a

construção de moradias foi implementada através do Instituto de Aposentadoria

e Pensão. Porém, com a crescente inflação, a partir de 1950, a fragmentária e

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clientelista política habitacional entrou em colapso, evidenciando-se a pouca (ou

quase nenhuma) prioridade com a questão habitacional.

Esta pouca atenção dada à moradia popular no país denunciava uma das

facetas da superexploração da força de trabalho, pois sua dimensão estrutural foi

um fenômeno que se inseriu no desenvolvimento capitalista, criando no espaço

urbano o locus de concentração do capital e da força de trabalho.

Em Volta Redonda, a explicitação dessa faceta deu-se de forma ainda

mais contundente. As crescentes filas de operários candidatos às casas, já

chamavam a atenção de toda a população, obrigando a CSN a tomar uma

posição. A empresa tentou responder com um plano de desenvolvimento urbano,

sob a responsabilidade do arquiteto Hélio Modesto, utilizando as áreas

disponíveis de propriedade da CSN.

Inicialmente, o plano apontou a carência de escolas e de comércio dentro

das áreas da empresa. A seguir, constatou que o maior desenvolvimento se dava

fora dos seus domínios pois, nestes locais (ao redor da vila operária),

despontava, pelo menos, 15 novos estabelecimentos comerciais a cada ano.

O plano previa uma intervenção voltada para a melhoria das áreas já

urbanizadas, incluindo zoneamento de funções, sistema viário e padrões

arquitetônicos para equipamentos urbanos.

Entre as ruas 2, 4, 17 e 207, no bairro do Conforto, propôs-se a

erradicação de casas individuais e a construção de cerca de vinte blocos de

apartamentos com oito pavimentos. Para os bairros Laranjal, Eucaliptal, Bela

Vista, Jardim Paraíba e outros, indicava construção com edifícios de 2 e 4

pavimentos. Estendendo a área urbanizada da cidade sugeria a construção de

uma cidade satélite junto à mata da Cicuta. A descontinuidade da cidade satélite

em relação às áreas já urbanizadas foi induzida, em grande parte, pela posição

das propriedades da CSN entre os morros e os vales da topografia. Os atuais

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bairros Siderópolis, Casa de Pedra, Tiradentes e Vila Rica foram implantados

baseados nos estudos para a cidade satélite da Cicuta83.

Hélio Modesto idealizou uma série de processos espaciais que

provocaram o esgotamento progressivo do modelo paternalista de gestão

urbanística. Ao mesmo tempo, articulava-se a retirada progressiva dos

investimentos da empresa que não estivessem relacionados à expansão

industrial. Para tanto, visava promover a venda dos seus imóveis, passando à

Administração Municipal o encargo de manutenção e melhoramento dos

logradouros públicos, integrando a iniciativa privada à expansão da cidade.

O projeto de Hélio Modesto, com adoção da construção de prédios

comerciais e prédios residenciais, em relação aos traços arquitetônicos, seria

uma negação do projeto de Atílio Corrêa Lima.

De início não passou de um projeto, mas na evolução dos

empreendimentos administrados direta ou indiretamente, nos anos subseqüentes,

passou a ser o norteador do desenvolvimento urbanístico de Volta Redonda, nas

áreas pertencentes à CSN.

3.1.1. Alternativas e mudanças

Até então, o patrimônio fundiário da empresa incluía extensa área ainda

não urbanizada, ou mesmo urbanizada, com inúmeros lotes vagos. Esses

terrenos foram mantidos como uma espécie de "exército territorial de reserva"84

a fim de garantir-lhe uma posição estratégica no mercado imobiliário da cidade.

Buscando atender à demanda habitacional, o Sindicato dos Metalúrgicos

propõe, em 1956, um engenhoso plano de aquisição das casas. A fórmula

83 O presidente João Goulart, em 1963, tentou imp lantar essa cidade, não tendo sucesso diante de uma forte pressão dos sociedade local pois, a Cicuta, era uma reserva florestal importante para minimizar os efeitos poluentes da empresa. Cf. Alberto Costa LOPES. A aventura da cidade industrial de Tony Garnier em Volta Redonda. p. 126. 84 Com essa expressão, Milton Santos faz uma analogia com a expressão “exército industrial de reserva”, utilizada na teoria marxista para designar a disponibilidade da mão-de-obra capaz de ser mobilizada para as necessidades da produção. Apud Alberto Costa LOPES. Op. cit. p. 128.

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permitiria criar um fundo rotativo, com a participação do IAPI, destinado à

superação do déficit habitacional na cidade. Porém, não foi contemplado em

suas reivindicações.

Em 1961, foi criado o Grupo de Trabalho de Estudos das Vendas das

Casas, que culminou, em março de 1963, com a criação da Imobiliária Volta

Redonda que transformou-se, em fevereiro de 1964, na Imobiliária Santa Cecília

(CECISA), representando uma mudança inequívoca da sua política habitacional.

O Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, passa a ser a

fonte de recursos financeiros, deslocando a questão habitacional para uma

agência do nível nacional e afastando, definitivamente, a responsabilidade da

empresa.

Esta mudança de postura da CSN, constituir-se-ia numa espécie de traição

pois, durante muitos anos, alimentou, nos operários, a esperança de ter a

moradia concedida pela empresa. Essa prerrogativa significava um ganho

salarial indireto mas, ao mesmo tempo, criava uma forma de diferenciação entre

operários, na medida em que oferecia diferentes padrões de moradia, de acordo

com as diferentes faixas salariais.

Com a introdução da política liberal, a partir do golpe militar de 1964, a

questão da moradia em Volta Redonda, retornou às velhas práticas do

capitalismo e o acesso das classes populares à habitação nas cidades, tornou-se

cada vez mais difícil. Entender os limites que se colocavam ao acesso das

classes populares a uma moradia na cidade implica partir de um entendimento

do caráter estrutural da problemática da moradia. A problemática da moradia,

nas sociedades capitalistas, é estudada por Engels. No final do século XIX,

Engels já via a penúria aguda da habitação, na Alemanha, como sintoma da

Revolução Industrial, o que naquela época já se entendia por escassez de

habitação. Para ele “era o agravamento das más condições dos operários, em

conseqüência do fluxo repentino de população para as grandes cidades, sendo

que ‘a extensão das grandes cidades modernas dá aos terrenos, sobretudo nos

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bairros dos centros um valor artificial às vezes desmesuradamente elevado’. ‘O

resultado é que os operários vão sendo afastados do centro para periferia; que

as residências operárias e, em geral, as residências pequenas, são cada vez

mais escassas e mais caras’. A escassez de moradia é percebida como

manifestação da desigualdade implantada pelo capitalismo enquanto sistema de

produção. É um fenômeno que cresce paralelamente ao exército industrial de

reserva sendo ambos, benéficos para o processo de acumulação, na medida em

que o capitalismo cria, como condição necessária à sua expansão, a existência

de uma classe que não tenha outra coisa para vender a não ser a sua força de

trabalho”.85

A queda progressiva de preço dos insumos básicos para alimentar as

indústrias de bens de produção e de bens de consumo, levou a CSN a um

desequilíbrio financeiro. Esse desequilíbrio foi compensado, em parte, com a

queda progressiva dos salários e com os investimentos do Estado orientados

para a área produtiva, o que provocou o rompimento dos compromissos da CSN

com as políticas sociais que vinham sendo praticadas.

Em 1965, o governo contratou a firma de consultoria americana Booz,

Allen and Hamilton (HAHINT) para investigar a crise siderúrgica nacional, que

propôs medidas de contenção da produção. As propostas contidas no relatório,

(agosto de 1966), contrariavam as intenções governamentais de se empenhar

para obter financiamento externo visando a expansão do setor, considerado vital

para o desenvolvimento econômico. Em abril de 1967, foi designado um grupo

(GCIS) Grupo Consultivo da Indústria Siderúrgica, com a função de programar

a expansão da produção para o atendimento do mercado interno, a partir dos

recursos existentes, resultando no Plano Siderúrgico Nacional, de dezembro de

1967.

Diante da possibilidade de execução deste plano, a CSN iniciou estudos

para reformulação da estrutura organizacional, adotando novas diretrizes na

85 Maria Ozanira da SILVA E SILVA. Política habitacional brasileira: verso e reverso. p. 30-1.

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política social. A formação, o treinamento e a seleção da mão-de-obra ganharam

cuidados especiais e foi elaborado um anteprojeto para um novo Regulamento

de Pessoal. A empresa passou a aplicar métodos e padrões do setor privado,

(eficiência, produtividade e competitividade), inaugurando um novo modelo de

gestão da força de trabalho, “objetivando a mais racional e proveitosa utilização

do homem.”86

Em 1968, o Diretor de Pessoal e de Serviços Sociais (Mafra Filho)

sintetizou a nova política social e urbanística que seria empreendida pela

empresa, preconizando uma inversão do papel da CSN em relação à postura

anterior, quando afirmou que “o paternalismo (...) sem o querer, destrói a livre

iniciativa de cada um e do grupo social”, com uma defesa vigorosa e funcional

da “autodeterminação dos indivíduos e grupos”.87

Nesta nova diretriz não existia nenhuma garantia de cidadania senão o

livre exercício do consumo. As perdas econômicas pela falta de acesso aos

serviços da empresa seriam pré-legitimadas no discurso liberal, atribuindo o

insucesso econômico e a má posição na escala social à incapacidade de

iniciativa e à indolência dos trabalhadores. Assim, na ditadura Paternalista

prometia proteção aos mais pobres, na nova ditadura Liberal, empurrava-os à

sorte do mercado.

Mafra Filho, declara que a política social da CSN, que até o momento foi

de participação absoluta passaria a ser de “uma colaboração relativa(...)na

medida em que for sensibilizada, segundo seu julgamento, quanto à

responsabilidade própria na solução do assunto” 88

Os cálculos iniciais sobre as aplicações dessa política, projetava no

período de um ano uma redução imediata de 2,72% nos encargos sociais que

incidiam na folha de pagamento da empresa. Estava inaugurada uma lógica de

utilização na coleção de instalações da CSN nos setores sociais, alimentação,

86 RELATÓRIO DA DIRETORIA DA CSN.1967. p.12. 87 Apud Alberto Costa LOPES. Op. cit. p. 145. 88 Alberto Costa LOPES. Op. cit. p.145.

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educação e habitação. Progressivamente, perdeu-se o seu caráter de instituição

até então mantido pela CSN nas décadas de 40 e 50, passando para um caráter

empresarial baseado em retornos financeiros.

O primeiro passo dessas medidas foi o corte de atendimento dos serviços

da CSN, aos não-empregados da empresa. Posteriormente, foi criado um sistema

de pagamento pelos serviços, obedecendo a uma proporcionalidade do salário do

operário, variando entre 10 e 50% do valor do serviço prestado. Tais despesas

eram processadas através de descontos na folha de pagamento, não

ultrapassando a 10% do salário, até saldar o débito do empregado.

Essa perda do vínculo orgânico do operariado com a CSN implicou em

uma nova condição de apropriação da materialidade da cidade, ocorrendo uma

recodificação do espaço construído pois, público e privado assumem fronteiras

explícitas. As formas espaciais, mesmo sendo as mesmas, incorporaram novos

atributos decorrentes das mudanças na estrutura da organização social.

A organização urbana, em 1970, apresentava uma população de 126805,

com uma projeção de 135000 habitantes para o ano seguinte. O quadro

habitacional, mostrava “aproximadamente 6 mil domicílios construídos pela

CSN, 23 mil por empresas imobiliárias e pela produção autônoma.”89 A

projeção para 1980, demostrava a necessidade de se construir mais 8 mil

domicílios para os vinculados à CSN e 13 mil para o restante da população.

Em decorrência desses números, o processo de urbanização provocou o

desaparecimento quase total da atividade agropecuária no Município,

estabelecendo uma dependência do abastecimento de localidades vizinhas e de

São Paulo. A pequena área territorial que não era efetivamente urbanizada

passava a se constituir num espaço comprometido com o uso urbano.

O projeto inicial da cidade modelo, gradativamente foi desmoronando-se

e a urbanização da cidade foi se dando da mesma forma como em todas as

cidades brasileiras, ou seja, com a expulsão da população mais pobre para áreas

89 ADESG.1971. p. 43.

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mais distantes, que em geral, contavam com precário ou nenhum atendimento de

serviços públicos.

Em Volta Redonda, a expansão foi em direção a parte norte da cidade, na

margem esquerda do Rio Paraíba, constituindo-se numa oportunidade de morar

dos mais pobres. Essa oportunidade era representada pela distância dos centros

comerciais e pela má qualidade ambiental dos loteamentos. Para lá, o vento

levava a poluição das chaminés; lá também, estava o cemitério, garantindo

assim um baixo custo econômico para a moradia.

No plano nacional, completando profundas reformas institucionais

iniciadas em 64, vimos a edição de uma nova constituição, em 1967. Enquanto o

regime em tensão interna não se definia entre liberalismo e autoritarismo,

ainda se respeitava parte das liberdades democráticas. A organização sindical

era tolerada desde que fosse reivindicativa e não política.

Na política econômica esboçava-se, sob estímulo do Ministro do

planejamento Hélio Beltrão, uma tentativa de engajamento da classe política,

visando ao comprometimento desses agentes sociais com a legitimidade e a

eficiência proclamadas pelo regime.

O período recessivo de 64 a 67, ocasionou uma ociosidade industrial, que

estava pronta a reagir ao primeiro estímulo. Sobre as fontes financeiras da

estimulação, Tavares relata que: “este [estímulo financeiro] veio tanto pelo lado

da oferta, pela maior disponibilidade de linhas de financiamento externo e

interno para aumento da produção, quanto pelo lado da demanda, não obstante

o efeito deprimente sobre o mercado interno da política de arrocho salarial. O

sistema de intermediação financeira recém-montado começava a render seus

primeiros frutos, dentre os quais a rápida expansão do financiamento ao

consumo de bens duráveis. O Sistema financeiro de Habitação, criado em 1964

em torno do BNH, mas subsistindo embrionariamente até 1968, com parcas

fontes de recursos, ganhou finalmente um sólido pilar – o Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço (FGTS), com seu formidável poder de exação de

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poupança das empresas – e reforçou o outro, de poupança voluntária, com a

simplificação e popularização da caderneta de poupança. A produção de bens

de consumo duráveis e a retomada do mercado imobiliário renderam efeitos

multiplicadores sobre o conjunto da economia. Mesmo mantido baixos, os

salários pagos a um número crescente de trabalhadores estimulam a demanda

global; e, porque são baixos, favorecem a lucratividade das empresas e a

acumulação de capital, com maior vigor ainda quando a base de aumento da

produção é a capacidade ociosa previamente acumulada. Nessas condições,

tinha início o ‘milagre’.” 90

Em 1971, Geisel assumiu a presidência da República, em plena era do

“milagre” produzido sob o estímulo do estado, que avançava sobre os espaços

abertos pela repressão sindical e política. A disciplina imposta pelo Estado,

antes exercida para efeito exclusivo de controle social e político dos

trabalhadores e das classes médias inconformadas, deveria estender-se também

ao capital. A proposta do Governo Geisel, carregada de um forte aparato

autoritário e centralizador, utilizava uma retórica tranquilizadora da ideologia

das classes dominantes ao assegurar o compromisso formal com a economia de

mercado, num ambiente não-conflitivo entre capital e trabalho.

Em seu primeiro pronunciamento o presidente proclamou a mobilização

geral da sociedade em torno da estratégia de desenvolvimento e fixou as

posições dos diferentes segmentos sociais (no plano geral de batalha), para o

atendimento das ambiciosas metas econômicas que constituíam o II Plano

Nacional de Desenvolvimento (PND). Como meta, o plano pretendia,

simultaneamente, concluir o ciclo de instalação da indústria pesada, consolidar a

indústria de bens de capital e completar o parque de insumos básicos e de bens

intermediários. Visava a expansão dos serviços de infra-estrutura econômica a

90 Maria Conceição TAVARES . O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica do regime autoritário. p. 27.

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cargo das empresas e autarquias estatais, sobretudo nos setores de energia,

transporte e telecomunicações.

Em janeiro de 1971, durante visita do Presidente da República à usina, foi

divulgado um documento ministerial, intitulado Carta de Volta Redonda, que

redimensionava, numa perspectiva de 10 anos, os planos de expansão das três

maiores usinas siderúrgicas do país.91

Do Plano Siderúrgico, para a CSN, era previsto o “Plano D”92, que foi

dividido em três estágios de expansão, devendo a CSN, em 1980, atingir a

produção de 4,5 milhões de toneladas de lingote de aço/ano. Com essa

definição, Volta Redonda voltou a experimentar um fluxo intenso de máquinas e

operários a serviço das empreiteiras encarregadas das obras civis e da montagem

de dos novos equipamentos. O espaço urbano voltou a apresentar o contorno de

sua fundação. “O burburinho e a realização de obras em toda a extensão da

Usina trazem de volta a imagem da época da construção, então, uma

siderúrgica com capacidade inicial de 200 mil t/ano e para isso o espaço físico

era muito menos congestionado”.93

As obras iam (no início dos anos 70) a todo vapor transformando a cidade

num canteiro de obras. A usina avançava no espaço urbano com as demolições,

com o trânsito congestionado por carretas e máquinas e com a construção de

grandes alojamentos de madeira para instalar os trabalhadores que vinham

contratados pelas empreiteiras. A CSN retomou a construção de moradias para

transferência dos empregados que moravam nas áreas em que a expansão

ocuparia.

Em entrevista com uma das lideranças do movimento da Pastoral da

Terra, LURDINHA94 nos diz: “A CSN recebeu muito pião pobre, pau de arara,

91 O LINGOTE. n.º 217. p. 6-7. 92 O processo de construção e ampliação da CSN foi sempre denominado por letras. (Na implantação) Plano A. (Nas ampliações), Plano B e Plano C. O Plano D seria o mais ousado pois, visava o aumento da produção (com a instalação de equipamentos modernos para melhorar a qualidade dos produtos). 93 O LINGOTE EM REVISTA. n.º 237. p.12. 94 Maria de Lurdes Lopes. Fazia parte da liderança do movimento da Pastoral da Terra da Igreja local, tendo um papel importante na implantação de várias favelas em Volta Redonda.

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chegava cheio. A CSN, no planejamento urbano, não previu acomodação para

este povo de quinta categoria. Seu planejamento era para comportar o padrão

técnico (...). O pião foi terceirizado por diversas empreiteiras. Meu pai foi um

deles pois, veio com um grupo de pessoas, no final de 69, para as obras civis da

expansão da CSN. (sic)”

Até 1977, as obras de expansão, seguiam em ritmo normal dentro dos

prazos estabelecidos. Em decorrência do primeiro choque do petróleo, a

economia mundial começou a dar sinais de crise e os financiamentos externos

foram dificultados. Após esse período, observou-se uma desaceleração no ritmo

das obras, obrigando-se a fazer uma revisão nos cronogramas. Dos contratos

com empreiteiras alguns foram suspensos e outros revistos, o que acarretou uma

onda de demissões e, conseqüentemente, de desempregados jamais vislumbrada

na cidade.

A crise foi nacional e a desaceleração de obras ocorreu em todas as

estatais. Sem outra alternativa, os demitidos permaneceram na cidade, na

economia informal ou amparados por parentes.

Sobre esse assunto, LURDINHA relata: “Este povo descartado, para

onde ir? Eram desalojados dos alojamentos, outros morando em casa de

familiares ou de amigos, pois a maioria veio de Minas Gerais. Veja quantos

mineiros se acham nesta cidade... uma infinidade!!! A gente costuma brincar

que Volta Redonda é uma estância hidromineral – água por baixo e mineiro por

cima. Este povo vindo de um êxodo rural, (...)não tinha como voltar,

entendeu??? Então eles tinham que se acomodar de alguma forma, e eles

encontraram os piores lugares na cidade, de forma que o poder público não os

incomodasse tanto, era o mecanismo de sobrevivência. (sic)”95

A inexistência de uma política de moradia para as populações de baixa

renda, forçava o adensamento populacional nas encostas dos morros, na margem

esquerda do Rio Paraíba e as ocupações de terrenos públicos. Com o aumento

95 Entrevista realizada em 06/05/2001 com Maria de Lurdes Lopes.

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dos trabalhadores sem trabalho a utópica cidade modelo assistiu a um grandioso

processo de favelamento.

3.2 - Crise Habitacional: Um novo modelo de gestão

A questão habitacional em Volta Redonda pode ser analisada em dois

momentos: o primeiro, que começou com a criação da CSN e se desenvolveu até

1964; neste período coube, exclusivamente, à CSN, a construção institucional de

habitações, formando a Cidade Operária com uma longa e controvertida

trajetória. O segundo, que começou com a criação da CECISA e se prolongou

até a década de 80, quando se completava o processo de extinção da Cidade

Operária.

A criação da CECISA (que tinha a responsabilidade de manter, recuperar,

locar e construir imóveis), coincidiu com a criação do Banco Nacional de

Habitação (BNH) e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU),

que previa a venda das unidades residenciais dos institutos de aposentadorias e

pensões, das autarquias em geral e das sociedades de economia mista. A lei

previa "a aprovação do Presidente da República, por intermédio do Ministro

do Planejamento, no prazo de 90 dias, de sugestões e normas em consonância

com o Sistema Financeiro da Habitação referentes à alienação das unidades

residenciais de sua propriedade."96

Essa determinação, vinha ao encontro dos anseios dos operários que

moravam nas casas da CSN porem, levou quase dez anos para ser viabilizada em

Volta Redonda mas, desde já, demostrava o interesse do novo sistema polí tico

em mudar as relações sociais existentes nas empresas ligadas ao Estado.

Quanto à política habitacional da CSN, LURDINHA diz: “A CSN sempre

teve uma política habitacional, no ponto de vista dela, na ótica dela. Ela se

planejou o tempo inteiro, para abrigar aqueles que ela ia aproveitar nos seus

96 Maria Ozanira da SILVA E SILVA . Op. cit. p. 44.

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quadros. Ela nunca se responsabilizou pelo impacto que seus períodos de

expansão causaria na cidade. Então não era nenhuma doação dela... então vou

garantir a casa porque este me interessa de apropriação, o resto não me

interessa, o resto eu não preciso, o resto é rotativo, e é obvio que ela sabia que

este resto não tinha retorno. Só que ela [a CSN] se lixava para isto, porque até

então dava para ir administrando esta história. A gente tem um estoque de terra

considerável, vamos cuidar de um outro problema que é a industrialização, o

problema de fundo de quintal uma hora qualquer a gente resolve.(sic)”

Quando foi perguntado sobre a questão da CECISA, se esta propiciou

avanços para resolução da carência habitacional, LURDINHA declarou:

“Nenhum, ela não dava conta de trabalhar com quem ganhava menos de oito

salários mínimos, e um monte de gente na CSN, inclusive técnicos ganhava

menos de oito salários mínimos. Esse povo começou ir para bairros da periferia

que eram loteamentos irregulares, clandestinos como Vila Brasília, Belo

Horizonte, Belmonte e Santa Rita do Zarur. Não eram Áreas de Posse para a

prefeitura, mas a infra-estrutura era precária, ou seja, o cara estava incluído na

linha de produção mas lá na ponta da fila, ele não fazia parte da política

planejada. (sic)”

Em dezembro de 1964, foi criada, pelo Município, a Companhia de

Habitação de Volta Redonda (COHAB-VR)97, na forma de uma sociedade de

economia mista sob controle acionário do poder público local. Ao mesmo

tempo, acontecia as negociações da CSN com o BNH para credenciamento da

CECISA, como agente do Sistema Financeiro da Habitação.

3.2.1. A CECISA

97 A COHAB-VR foi criada pela deliberação nº 623, de 31 de dezembro de 1964.

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O credenciamento da imobiliária previa a construção de 4000 residências,

das quais 400 teriam início imediato.98 O financiamento do convênio ficaria

dividido entre o BNH (50%), a CSN (35%) e o adquirente (15%) do valor do

imóvel. Embora com atraso, o primeiro conjunto foi concluído no final de 1969,

com 390 casas. No período de 1969 a 1982 a CECISA construiu 3448 casas

populares (629 de padrão médio e 73 de padrão superior). Dessas 3448, (420

casas (populares) e 24 prédios (médios) de 3 pavimentos, com 12 apartamentos

cada um, totalizando 288 novas moradias) foram destinadas à substituição das

moradias demolidas no espaço reservado à expansão da CSN.

Dessa forma, a ação foi inexpressiva para o combate do déficit

habitacional para a classe operária, uma vez que levou 16 anos para concluir o

plano inicial de 4000 unidades. A construção de unidades de padrão popular só

foi expressiva no período entre 69 e 71, com 810 unidades e em 1982 com 2558

unidades. Na década de 70, o atendimento foi direcionado para a faixa de renda

média, que correspondia aos funcionários de funções técnicas (pela sua

importância no processo de expansão e modernização da CSN).

O atendimento do padrão popular da CECISA correspondia a uma renda

mínima de 5 salários enquanto a definição de baixa renda para o BNH era de 1 a

3 salários mínimos.

O enquadramento da CECISA como agente do BNH, foi necessário para

execução da venda das casas de propriedade da CSN. Foi elaborado um plano de

venda de 280 unidades, correspondente aos operários de mais baixa renda. No

início de 1967, começou a entrega das cartas-proposta aos moradores da área

selecionada, com as condições de financiamento pelo BNH.99

98 O convênio foi assinado durante solenidade pública com a presença do Ministro do Trabalho e do Presidente do BNH em Volta Redonda. O LINGOTE. Convênio firma solução para o problema de moradia. Ano XII, n.º 188. p. 8. 99 O LINGOTE. Carta-proposta: chave da casa própria. p. 2.

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A efetiva venda das casas foi iniciada em 1973, prolongando-se até o

início da década de 80, quando a CSN deixava de ser a proprietária da Cidade

Operária.

A CECISA era detentora de grande parte de terras com topografia

favorável (que anteriormente foram adquiridas para a expansão da usina e da

Cidade Operária). Ao analisarmos sua atuação na evolução urbana, encontramos

questões pontuais no que refere-se ao modo capitalista de administração do

espaço pois, a mesma atuou como agente privilegiado, retendo os terrenos no

centro da Cidade e promovendo construção dos conjuntos habitacionais isolados

da área urbana, com o claro objetivo de valorizar as terras intermediárias. Esse

procedimento contribuiu, decisivamente, para o amadurecimento das regras de

mercado na cidade.

A partir dos estudos da Comissão Especial de Desestatização foi proposto,

em 1984, a departamentalização da CECISA, que até então era subsidiária, com

a tarefa de cuidar da administração patrimonial.

3.2.2 – A COHAB-VR e as políticas habitacionais em Volta Redonda

A Companhia Habitacional de Volta Redonda, criada em dezembro de

1964, com a primeira diretoria empossada em junho de 1965, teve seu primeiro

projeto apresentado ao BNH somente em outubro de 1966. Neste período, foi

assinado um convênio com o Banco para construção de setenta casas. Na mesma

época foi assinado o convênio com a CSN, para a construção de 4000 casas. O

tratamento diferenciado caracterizou a centralidade da CSN quanto à

distribuição dos recursos do Sistema Financeiro de Habitação em Volta

Redonda.

Em sua primeira fase, a companhia teve sua atuação voltada para as

famílias de baixa renda. Mas, nos anos de 1990/91, com a eliminação de grande

parte dos arquivos da COHAB-VR restaram apenas lembranças esparsas de

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alguns projetos. Apoiado nos estudos de Claudia Virginia Cabral de Souza sobre

a evolução da COHAB-VR, encontramos um diagnóstico do desempenho da

COHAB-VR quanto ao número de unidades produzidas nas duas faixas do

mercado popular (0-3/3-5 salários), os programas utilizados e os níveis de

retorno dos financiamentos:

- de 1965 a 1971 – implantação e expansão;

- de 1972 a 1976 – crise;

- de 1977 a 1981 – experimentação;

- de 1982 a 1985 – gestão empresarial.100

No Plano de Desenvolvimento Local Integrado, já comentava-se sobre a

atuação da COHAB: “Este órgão da Prefeitura Municipal tem uma atuação

bastante dinâmica (...) Dos programas em execução destacam-se alguns pelos

aspectos pioneiros: 1) habitações transitórias para facilitar a adaptação dos

favelados; 2) construção por ajuda mútua, com o objetivo de diminuir o custo

da mão-de-obra; 3) uma solução muito interessante sobre o problema da

construção em encostas, na qual a COHAB fornece a estrutura (lajes planas e

pilares) cabendo aos moradores a execução das casas em si; trata-se, na

realidade, de uma recuperação da encostas íngreme para possibilitar a

implantação de casas e evitar os problemas de drenagem, deslizamentos e

outros.”101

No período de 1965 a 1971, a construção de casas da COHAB foi de 514

unidades. Em decorrência de determinação estatutária, abriu seu quadro

acionário à participação de outros municípios da região. Sua inadimplência junto

ao BNH, impediu sua operação nos anos de 1972 a 1976, significando uma total

paralisação de serviço de planejamento, com conseqüente dissolução da equipe

técnica que havia desenvolvido os trabalhos iniciais.

100 Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano em Volta Redonda p. 118. 101 Estudos preliminares para o Plano de Desenvolvimento Local Integrado. Cap. 3.2.3. p. 2.

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Quanto à ação da COHAB-VR, LURDINHA deu seu depoimento dizendo

que: “Ela foi a maior grileira de loteamentos irregulares que a gente tem na

região. Ela não grila e faz desmandos só em Volta Redonda. Ainda trabalha em

Resende, Paracambi e Nova Iguaçu, com loteamentos horríveis para pagar o

resto da vida. E mais, a COHAB não titula ninguém.(sic)”

No Plano Diretor, a COHAB-VR foi responsável pela solução dos problemas

das favelas. Quando foi perguntado se a COHAB atendeu, e de que forma,

LURDINHA respondeu que: “Atendeu aos interesses dos amigos do poder, da

seguinte forma: quando construía os loteamentos, estes eram distantes e

pagava-se o valor venal do terreno majorado pelos equipamentos públicos. Só

que em lugar distante. Eles têm aquele monte de terra, entre o centro da cidade

e a terra que a COHAB está construindo. Aquelas terras ali são todas de

lobistas, de amigos do poder; assim valorizava as terras intermediárias. E

quando cuidava das desapropriações de terras, por intermédio de decreto de

desapropriação ou seja, agente ocupava o valor era X, mas a avaliação se dava

após 10 anos aí aquela povo já tinha se organizado, e o poder público atendia

com água, esgoto, iluminação e às vezes até asfalto, assim era reavaliado com

todos os equipamentos colocados pela Prefeitura e ela paga o valor do dia pelo

terreno, é o que a gente chama de apropriação privada dos recursos públicos.

(sic)”

A partir deste depoimento, entendemos o porquê das ocupações que

ocorreram em Volta Redonda, e que na sua quase totalidade, não havia

processos de integração de posse por parte dos proprietários, sendo sempre

resolvidos por desapropriações pelo poder público.

3.2.3. A política habitacional dos Interventores em Volta Redonda

A repressão política também teve forte interferência na política habitacional.

Em 1968, na eleição para diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, foram eleitos

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elementos ligados à chamada “nova esquerda”, afinando-se com a conjuntura

nacional do ressurgimento do movimento sindical. Além do sindicato, a Igreja

era uma outra instituição fortemente visada pelos organismos incumbidos da

segurança nacional. Em 1967, foram presos um diácono e alguns jovens que

distribuíam panfletos. Em janeiro de 1969, um operário católico foi preso e

torturado nas instalações do Batalhão de Infantaria Blindada, unidade militar

sediada em Barra Mansa. Em 1970, foram presos um padre da diocese e um

grupo da JOC (Juventude Operária Católica) juntamente com militantes de

algumas organizações de esquerda. Apesar da forte repressão, as eleições de

1972 mostraram o crescimento da oposição ao regime representada pelo

Movimento Democrático Brasileiro. A mesma oposição foi verificada em Volta

Redonda, com a vitória, para prefeito, de Nelson dos Santos Gonçalves (MDB),

que no período de 60 a 63 havia ocupado o cargo, então afiliado ao PTB.

No seu primeiro mandato teve forte influência sobre o funcionalismo,

concedendo-lhe uma série de benefícios. Foi também de sua responsabilidade, a

extinção do convênio da municipalidade com a CSN, que se beneficiava com a

redução de impostos. Alkindar fala que, “os registros da expressiva votação e o

verdadeiro delírio da multidão entusiasmada em sua posse, no dia 31 de

Janeiro de 1973”102, não eram posturas desejadas ou mesmo aceitáveis naquele

tempo.

A resposta do regime não demorou, materializando-se através do AI-5. Volta

Redonda foi declarada área de Segurança Nacional, como medida preventiva

contra as mobilizações locais, criando o aparato legal para repressão política.

Esses fatos podem explicar o longo período de paralisação dos trabalhos

da COHAB-VR, pois em 1976 o BNH autorizou a COHAB-VR a operar sob

regime de excepcionalidade, por meio de concessão especial, renovável a cada

seis meses.

102 Alkindar Cândido COSTA . Volta Redonda ontem e hoje . p. 74-5.

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A CSN só volta a redefinir seu grupo de trabalho no ano seguinte com a

nomeação do primeiro interventor Eng. Georges Leonardos. Enquanto Diretor

Industrial da CSN, era apontado como um tecnocrata por excelência, possuidor

de extrema percepção política pois, visitava, freqüentemente, a periferia

buscando contatos com as lideranças e com as instituições atuantes no local. Em

sua agenda era reservado um dia da semana para receber as comissões de

bairros.

Neste novo período de produção, que vai até 1981, a orientação da CSN

seguia a conduta das outras companhias, privilegiando o atendimento à faixa de

renda de três a cinco salários, em detrimento da faixa inferior. Caracterizava-se

por construção de conjuntos habitacionais de grandes dimensões, com projetos e

obras contratadas externamente.

Ao mesmo tempo era o órgão do governo local responsável para o

tratamento das favelas, por ser considerado um grave problema urbano. Estava

em curso o terceiro estágio de expansão da CSN. A cidade recebia uma leva de

trabalhadores e as favelas cresciam, com condições sanitárias deficientes

constituindo-se num risco para a saúde pública.

Novas formas de solução foram empreendidas, sendo a mais relevante a

urbanização de Vila Brasília, favela situada em terras da Companhia de

Habitação, com projeto inovador em que era norteado na intervenção mínima

necessária para fazer chegar a infra–estrutura ao local e garantir o parcelamento

do solo. Esta prática, estranha ao Estado, foi fator de dificuldades na aprovação

do financiamento pelo BNH, só conseguido após longo período de

negociações.103

Em 1979, toma posse o segundo interventor o Coronel Aluízio Campos

Costa, e a relação com a periferia se torna agressiva e excludente, conforme

denúncia da associação de bairro: “Nós moradores do bairro Candelária

representados por uma comissão, estivemos, no dia 02 de agosto de 1979, às

103 Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Op. cit. p. 121-2.

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14:30 horas na Prefeitura Municipal em audiência com o Prefeito Coronel

Aluízio (...) Como resposta à nossa comissão, o Prefeito prometeu que

procuraria atender nossas reivindicações, mas sem definir um prazo, pois ao

prometer disse: ... vocês esperem com calma e paciência, pois irá demorar: não

será hoje, nem amanhã. Não espere em pé nem sentado, mas deitados.”104

Como desdobramento desta audiência, aconteceu no dia seguinte a

primeira reunião com representantes de várias unidades da administração, para

“analisarem os problemas de habitação, entendendo como problema

habitacional a ocupação através de invasão de áreas públicas e privadas.”105

O documento final deste grupo de trabalho contemplou sugestões

denominadas de apoio às sub-habitações já estabelecidas: urbanização de

favelas, remoção e construção de lotes urbanizados, considerados fundamentais

para a solução do controle de migração. Instalou-se em Volta Redonda um

controle rígido aos imigrantes, com vigília na rodoviária e nos principais pontos

de entradas da cidade. Os imigrantes, ao chegarem, eram encaminhados a um

centro de triagem; caso não tivessem trabalho acertado, eram encaminhados de

volta a seus locais de origem.

No caso da urbanização de Vila Brasília, onde o princípio norteador era o

intervenção mínima, tornou-se autoritária, prevalecendo a decisão técnica, sem a

mínima participação dos moradores. Essa decisão instaurou um descompasso

entre a inovação pretendida e a possibilidade de atuação social. Como não

bastasse a imposição de normas para o relacionamento com as comissões de

moradores, a administração transformava a guarda municipal num corpo armado

que agredia a população. Esta administração se afinou com o espírito militar da

administração e privilegiou investimentos considerados não prioritários. Esse

investimento foi destinado à construção de piscinas públicas, ginásios

esportivos, zoológico, etc. Além disso, foram tomadas medidas contra os

104 BOLETIM DIOCESANO. nº 161, p. 2-3. 105 Estudos para uma política e controle das migrações . PMVR (Ata de reunião).

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interesses da população, quando permitiu a instalação do pátio de escória da

CSN, no bairro Santo Agostinho. Apesar da mobilização dos moradores contra o

projeto, o governo se colocou a serviço dos interesses da CSN. A situação

tornava-se insustentável.

No entanto, em 20 de abril de 1982, surpreendendo a todos, o governo

federal exonerou o prefeito Aluízio de Campos Costa e nomeou William de

Freitas, então Presidente da Câmara Municipal. Apesar de sua rápida passagem,

William de Freitas desapropriou uma área de terra no Bairro Santo Agostinho,

resolvendo um antigo conflito entre posseiros e o proprietário. Em 27 de abril de

1982, a população conheceu, o novo prefeito Benevenuto dos Santos Neto.

De início, essa mudança no Executivo Municipal não diminuiu a tensão

entre os posseiros e o poder público mas, obrigou-o a repensar a prática de

violência, abrindo um novo momento na história do conflito.

A COHAB-VR, apesar dos primeiros sinais de crise do Sistema

Financeiro da Habitação, ingressou numa fase em que a meta era elevar o

desempenho visando a uma produção superior à do período anterior. Embora

não houvesse uma política definida no programa habitacional para as formas de

atendimento, áreas de atuação ou faixa de renda prioritária, foram utilizadas

todas as possibilidades de crédito que se abriram no BNH. A justificativa para

tal atitude era a existência de uma enorme demanda reprimida.

No quadro II, que apresenta a produção da COHAB-VR, constatamos que,

no período de 1982 a 1985, houve uma tentativa frenética de responder à

insuficiência de moradia que não correspondia às necessidades dos moradores

de periferia.

A administração pública adotou medidas que visavam o esfriamento das

lutas pela moradia. Uma das práticas consistiu em colocar a população contrária

ao movimento dos posseiros, sob alegação do seu péssimo empenho na

construção de conjuntos habitacionais. Contraditoriamente, o poder público não

atendia as camadas pobres e conseqüentemente não atendia aos anseios da

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periferia pobre. A outra tentativa de esfriar o movimento foi através de uma

tímida distribuição de títulos de propriedade de terras nas regiões detectadas

como as mais fortes do movimento. Um bom exemplo, foi o lançamento de uma

cartinha dirigida aos posseiros, orientando-os quanto às formas legais, para

obterem seus títulos de posseiros.

É inegável que, a partir de 1982, o movimento amparado pela Igreja

através da pastoral da terra, ganhou uma discussão séria e exigiu da

administração, através dos seus órgãos técnicos, responsabilidade e respeito no

trato da questão carencial da moradia em Volta Redonda.

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CAPÍTULO IV: O Processo de Favelamento

4.1. Movimento urbano pela moradia – breve histórico

O desenvolvimento das favelas é bastante antigo no Brasil. A primeira

grande fase ocorreu, paralelamente, ao velho movimento de bairros,

caracterizando-se mais como resistência do que como afrontamento. Na década

de 30, o processo de urbanização das áreas centrais das grandes cidades contou

com as constantes expulsões que eram feitas de forma violenta e os favelados

eram totalmente ignorados pelos órgãos públicos.

Em 1964, o movimento de favelização foi duramente reprimido. Na

década de 70, percebeu-se que as novas políticas estatais estavam voltadas não

mais para a desfavelização mas, para a reurbanização das favelas. Foi o

reconhecimento oficial da impossibilidade de extirpar as favelas do cenário

urbano, pois elas abrigavam parte significativa da mão-de-obra existente no país.

Essa nova postura deu-se, também, como resultado das lutas urbanas, das lutas

sindicais e com o esboço da articulação partidária.

A consciência transformadora que deu origem aos novos atores políticos,

(como têm sido denominados os protagonistas das lutas urbanas), não se

construiu espontaneamente, a partir meramente da existência do problema, mas,

como nos relata Virílio, principalmente “(..) pela abolição das distâncias de

tempo operada pelos diversos meios de comunicações e telecomunicações

resultou em uma confusão cujos efeitos (diretos e indiretos) são sofridos pela

imagem da cidade, efeito de torção e distorção iconológicas cujas referências

simbólicas e históricas, com o declínio da centralidade, da axialidade urbana;

referências arquitetônicas, com a perda de significado dos equipamentos

industriais, dos monumentos, mas, sobretudo, referências geométricas, com a

desvalorização do antigo recorte, da repartição das dimensões físicas”.106

106 Paul VIRILIO. O espaço crítico. p. 22.

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A mesma percepção foi encontrada nos estudos desenvolvidos por

Gohn107, mostrando que as práticas de luta pela moradia em São Paulo é tão

antiga quanto o próprio processo de urbanização da cidade. Também foi

formado com uma sucessão de atos de resistência e busca de condições mínimas

de sobrevivência, no cenário precário e espoliador do espaço, que foi se

tornando o eixo de acumulação capitalista do país. Expresso em um cenário de

cortiços, porões, casebres, barracos de favelas, casas precárias nas periferias,

acampamentos, invasões, conjunto-embriões construídos pelo poder público, e

várias outras formas com que nos acostumamos a conviver na paisagem urbana.

Nos anos 70, ocorrem, em São Paulo, duas formas de luta: a dos

moradores das favelas, resistindo à expulsão e lutando por água e luz; e a outra,

dos moradores de casas autoconstruídas na periferia, buscando condições de

infra-estrutura ou lutando pela propriedade da casa, construída em lotes

clandestinos ou grilados.

Nos anos 80, surgiram novas formas de lutas tais como as lutas pelo

acesso à terra e à habitação, pela posse da terra, no âmbito dos processos

construtivos e lutas dos inquilinos.

A luta pelo acesso à terra e à habitação foi comumente denominada (pela

imprensa e pelos governantes) de “invasões”. No entanto, essa denominação foi

duramente combatida pelos participantes dos movimentos que explicavam (e

explicam ainda) que esse ato não passa de “ocupação” ou “tomada de posse”,

tendo em 1982, seu ponto culminante. A partir de então, surgiu o movimento

organizado (retornando com bastante vigor em 1987), cujo representante típico é

o Movimento dos Sem-terra.

A luta pela posse da terra é uma das mais abrangentes na luta popular pela

moradia pois, a terra representa a parte mais pesada no custo da habitação.

Nos anos 70 tinha um caráter episódico restringindo-se aos favelados na

resistência pela posse temporária do solo até que fossem desalojados, ou através

107 Maria da Glória GOHN . Movimentos sociais e luta pela moradia. p. 61-67.

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da compra, pelo esforço familiar para pagamento das prestações dos terrenos

que, posteriormente, iam sendo autoconstruídos. Neste mesmo período, estas

lutas foram agravadas pelo número da população favelada e a diminuição de

áreas disponíveis para serem ocupadas espontaneamente. No caso das

populações autoconstrutoras a luta pela propriedade do solo no qual estava

assentada (e pensava já ser seu), foi contra os loteadores clandestinos.

A partir de uma explosão de crescimento as favelas organizaram-se e

deixaram de apenas resistir e passaram a atuar de forma reivindicatória, exigindo

água e luz. O atendimento a essas reivindicações gerou um novo problema: a

necessidade da posse da terra e do barraco.

Dessas reivindicações surgiram duas frentes básicas de organização

popular: o Movimento Unificado de Favelas (que lutava pela concessão real de

uso) e o Movimento do Conselho das Favelas (que desenvolveu a luta pela

compra subsidiada dos terrenos).

A luta cresceu e transformou-se, expandindo e diversificando seus

projetos, que resultaram em correntes significativas tais como: Movimento

Unificado de Favelas, Cortiços e Moradores de Promorar (apoiado por uma ala

do partido dos Trabalhadores e da Igreja), o Movimento do Conselho

Coordenador das Favelas (apoiado pelo PMDB, PC e PC do B), o Movimento

de Defesa do Favelado (apoiado pela Igreja e pela Frente Nacional do

Trabalhador) e o Movimento Comunitário das Favelas (o mais frágil e

desarticulado, apoiado pelo PTB e PDS).

Ainda nos anos 60 e 70 encontrávamos um contingente expressivo de

pessoas engajadas na luta dos proprietários pobres. Esses últimos tiveram acesso

à moradia através da compra do lote (e autoconstrução posterior) ou através da

compra de embriões fabricados pelo poder público. Esta forma de luta dividiu-se

em duas situações: a primeira, que lutava pela legalização da propriedade da

casa, pois era muito comum a existência de loteamentos clandestinos. Esta

forma foi expressiva nos anos 70 mas, a partir de uma série de atos de

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jurisprudência, firmados pelo poder público, entre 1979 e 1982, o movimento

teve a sua intensidade política diminuída, pois começavam a receber a

legalização dos loteamentos clandestinos. A segunda, era a dos Moradores dos

Conjuntos Habitacionais Populares que lutavam contra as empreiteiras (que

construíram os conjuntos) e o poder público, pelo cumprimento das cláusulas

constantes nos contratos de pagamento das dívidas.

Embora essa crise não tenha sido tanto a resultante de uma simples

deficiência do sistema econômico foi, muito mais uma conseqüência necessária

da lógica do desenvolvimento capitalista. No entanto, muitas vezes foi

conhecida pelas populações das grandes cidades como resultante da crescente

incapacidade da organização social capitalista para assegurar a produção, a

distribuição e a gestão dos meios de consumo coletivos necessários à vida

cotidiana tais como moradia, escola, transporte, saúde e áreas verdes.

4. 2. A concepção doutrinária do autoritarismo e o alinhamento das elites

Politicamente, no pós-64, o país experimentava a prática autoritária de

uma ditadura militar, fundamentada em posições conservadoras, apoiada pela

construção ideológica das correntes nacionalistas, tradicionalistas e autoritárias.

Este modelo contava com o conhecimento e a prática, principalmente, dos

setores tecnocráticos, com a participação de acadêmicos e de profissionais de

prestígio (muitas vezes com especialização nos Estados Unidos), como os

executivos ou os quadros gerenciais, em particular das grandes empresas

nacionais e/ou estrangeiras. Tinham uma confiança ilimitada na capacidade da

ciência e da tecnologia para resolver os problemas sociais, entendendo que só

aos técnicos competem as soluções, pois a participação popular seria mais uma

perturbação do que uma contribuição.

Dentro deste quadro político firmava-se um terreno fértil para a

implantação de um modelo de Estado que Urán denominou de Doutrina da

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Segurança Nacional: “Esta doutrina se apresenta como uma síntese de todas as

ciências humanas, capaz de oferecer um programa completo para a ação. É

uma síntese política, econômica, social e de estratégia militar. Ela cobre todas

as áreas de ação, desde o desenvolvimento econômico até a educação ou a

religião e nelas determina os critérios fundamentais que devem ser levados em

conta.”108

Urán explica que sua construção foi determinada pela visão geopolítica da

sociedade, pois seus conceitos coincidiam com os fundamentos da geopolítica e

da geoestratégia. Neste novo tipo de Estado os poderes (legislativo e judicial)

foram neutralizados porque, nas situações graves, seriam os organismos de

segurança que iriam julgar e sancionar. O poder executivo tradicional se reduzia

apenas à gestão de uma política definida pelo poder supremo que pertence ao

Conselho Nacional de Segurança, que designava o presidente e definia a política

da qual o Conselho era o guardião.

Nesta concepção, a geopolítica tinha como objetivo orientar as lutas dos

centros de poder pela dominação do espaço geográfico, sendo o Estado a

concepção exclusiva de centro do poder com vontade própria, constituindo-se

num organismo. A concepção de Estado subjacente em toda geopolítica, afirma

Golbery, “é uma síntese do organismo de Herder, do idealismo de Hegel, do

estatismo de Fichte e do nacionalismo econômico de List.”109

O Estado é território, população, soberania e poder; mas o poder é a

palavra mágica da geopolítica porque ela não é outra coisa senão a ciência da

luta de poderes pela dominação do espaço. Antes da Segunda Guerra, a

geopolítica nutria-se na perspectiva do espaço vital depois, procurava explicar a

guerra fria dividindo o mundo em dois blocos Este-Oeste (ocidente contra o

comunismo) passando a se preocupar com a segurança e não tanto com a

expansão; pretendia ser a visão científica das exigências e da razão de ser da

108 Ana Maria Bidegain de URÁN. Nacionalismo, militarismo e dominação na América Latina . p. 180. 109 Golbery do Couto e SILVA . Geopolítica do Brasil. p. 33.

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divisão do mundo em comunismo e mundo livre. Este antagonismo entre os dois

blocos dá à Segurança Nacional todo o seu conteúdo. A geoestratégia definiu-se

como estratégia total porque a estratégia é a ciência que regulava a conduta da

guerra. Assim como a geopolítica desempenhou um papel de filosofia, a

geoestratégia serviu de nova moral. Golbery110 afirma que, sendo ‘parte

eminente da política, a estratégia veio a ser toda a política de Segurança

Nacional’. Reitera que a estratégia deve ser total e que está baseada em três

sustentáculos: os projetos ou objetivos nacionais, a estratégia ou segurança

nacional e o poder nacional. Os objetivos nacionais podem ser permanentes ou

atuais.

No Brasil, os objetivos nacionais permanentes são as aspirações do grupo

nacional que procura sua própria sobrevivência como grupo, quer dizer, a

democracia, o reforço da unidade nacional, a incorporação efetiva de todo o

território nacional, o esforço do equilíbrio da estrutura econômica, a manutenção

do status quo territorial na América do Sul, o reforço da solidariedade e da

cooperação entre os povos da América e a consolidação do prestígio nacional no

exterior. A segurança nacional é o objeto indispensável e a base de todo projeto

nacional, o valor absoluto e incondicional sem restrições nem limitação, a norma

última de todas as atividades públicas ou privadas. A conceitualização do poder

nacional compreende quatro fatores: o psicossocial, o econômico, o político e o

militar.

Urán111 explica que o “Fator psicossocial refere-se aos fatores

demográficos (volume e composição da população), a estrutura e as dinâmicas

sociais (tradição, padrões culturais, atitudes, mobilidade, etc.).

O Fator econômico é a integração dos recursos de base, equipamentos de

produção e de circulação de bens, pela estrutura econômica, pelo

desenvolvimento econômico e suas modalidades.

110 Golbery do Couto e SILVA. Op. cit. p. 76. 111 Ana Maria Bidegain de URÁN. Nacionalismo, militarismo e dominação na América Latina . p.185.

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O Fator político refere-se à cultura política das elites e das massas, a

organização constitucional e administrativa, as instituições políticas e a

capacidade de ação política nacional.

O Fator militar está obviamente integrado pelas forças armadas com sua

estrutura e integração, pelo valor de direção, pelo desdobramento territorial das

forças logísticas, capacidade e ação militar.

Segundo Golbery112, ao mesmo tempo em que se verifica que o poder

nacional é essencialmente civil (porque cada fator não é senão um aspecto de

um todo integrado), por isso mesmo o poder militar não é autônomo por si, e,

para se conseguir o grau máximo (a segurança), deverá estar num grau superior

à satisfação das necessidades econômicas e das liberdades individuais. Portanto,

é melhor cometer um abuso em benefício da segurança do que permanecer

inativo por escrúpulos, justificando, dessa forma, o uso da tortura e o

avassalamento dos diretos humanos. No entanto, não convém restringir as

liberdades individuais ao ponto de os cidadãos chegarem a ter impressão de

serem escravos porque os escravos nunca são bons soldados, por isso é preciso

evitar essa impressão.

Para glorificar o papel da elite nacional afirmava-se que a massa estava

despreparada para pensar os problemas nacionais, não podendo definir objetivos

a perseguir, cabendo às elites o papel de assumirem lealmente sua função de

porta-voz dos interesses e das aspirações da comunidade orgânica. De acordo

com cada fator do poder dava-se a oportunidade de uma elite particular

manifestar-se. Figueiredo113 observa que, no decorrer dos anos, a submissão das

elites políticas caíram no formalismo da demagogia e na corrupção; houve o

abuso das elites psicossociais através dos meios de comunicação e até do ensino,

em prejuízo do povo; as elites econômicas buscaram o proveito próprio egoísta,

112 Golbery do Couto e SILVA. Op. cit. p. 15. 113 Poppe de FIGUEIREDO. Civilismo e segurança nacional. Apud Ana Maria Bidegain de URÁN. p. 186.

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cultivando os privilégios fiscais e outros, praticando o contrabando, os

monopólios e gerando, por isso mesmo, problemas sociais insolúveis.

Para um melhor entendimento do alinhamento das elites na construção da

doutrina de Segurança Nacional, nos reportamos a Mills 114, quando diz que: “A

elite que ocupa os postos de comando pode ser considerada como constituída de

possuidores do poder, da riqueza e da celebridade. Estes podem ser

considerados como membros do estrato superior de uma sociedade capitalista.

Podem também ser definidos em termos de critérios psicológicos e morais,

como certos tipos de indivíduos selecionados. Assim definida a elite, muito

simplesmente, é constituída de pessoas de caráter e energia superior. (...) Não

importa que sejam ricas ou pobres, que tenham altas posições ou não, que

sejam aclamadas ou desprezadas, são elite por serem como são. O resto da

população é a massa, que segundo esse conceito, apaticamente mergulha numa

mediocridade desconfortável”.

Em sua tese sobre a Elite do Poder, Mills observa três pontos principais:

1º. é a psicologia das várias elites e seus respectivos meios. Na medida em que

se compõe de homens de origens e educação semelhantes, na carreira e estilos

de vida, são semelhantes em sua unidade.

2º. é a estrutura e a mecânica das hierarquias institucionais pelo diretório

político, pelos ricos associados e pelos altos militares. Assim, quanto maior a

escala desses domínios burocráticos, maior o alcance de suas respectivas elites

de poder. Formam uma unidade não como um reflexo da unidade das

instituições, embora homens e instituições estejam sempre ligados. Dentro deste

conceito ocorre uma promoção econômica particular dentro de um vazio

político.

114 Wright MILLS . A elite do poder. p. 23 – 30.

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3º. Nas coincidências estruturais dos grupos de comando e dos interesses, sendo,

ela (a elite) uma unidade de uma coordenação mais explícita.

Na adoção de uma doutrina autoritária insere-se um modelo econômico

altamente excludente, como é relatado por Tavares115, ao descrever a

perversidade do ‘milagre’, defendido por Delfim Neto, para a fase de

acumulação acelerada do capital e da concentração de renda. Armado de uma

irreverência que beirava os limites do deboche, em sua defesa afirmava que “o

bolo tem de crescer para depois ser distribuído” ou “dêem-me um ano e não me

importo com as décadas” ou “só posso trabalhar para 60% da população, os 40%

restantes (os miseráveis) não são problema meu” ou “é preciso correr para ficar

onde está”, referindo-se à classe média. Esse pensamento retratava o descaso

total pela base da pirâmide social, o abandono da periferia e a construção de um

processo de exclusão.

4.3. “O bolo tem de crescer”ou a gestão de exclusão

Não temos a intenção de aprofundar a discussão econômica, mas é

necessário analisarmos o discurso expansionista e suas contradições,

empreendido pelo regime autoritário, que teve como resultado, a formação do

exército de excluídos. Tavares afirma que: “Nos Estados modernos, a gestão da

política econômica constitui a principal instância, nas relações entre governo e

sociedade civil, onde são propostas e arbitrados os conflitos de interesses das

classes e dos diferentes grupos sociais. Da sua direção dependem,

concretamente, a distribuição dos fluxos de renda dentro da economia e dela

para o exterior; a taxa de lucratividade das empresas e a remuneração real da

115 Maria Conceição TAVARES. O grande salto para o caos: a economia política e a política econômica do regime militar. p. 37- 8.

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classe trabalhadora; as formas de crédito e do financiamento privado e do setor

público.” 116

Em relação ao modelo desenvolvido pelo Estado brasileiro a autora diz

que: “O Estado-desenvolvimentista que daí surgiu tem se definido por um pacto

político de dominação que em geral se mostrou flexível para incorporar as

novas elites emergentes do desenvolvimento capitalista e estratos crescentes das

classes médias. A cooptação ou excludência de setores mais amplos da

população trabalhadora é que tem variado, com movimentos espasmódicos de

maior ou menor autoritarismo e pequenos interregnos de democratização,

quando as pressões populares se manifestam de modo mais ou menos

agudo.”117

Dentro desta lógica econômica os orientadores do modelo acharam que

apenas as grandes empresas nacionais, e principalmente as multinacionais, é que

estavam em condições de atender às exigências requeridas para reacender a

economia, por possuírem capitais suficientes para serem investidos em curto

prazo, capacidade gerencial, tecnologia adequada e abertura nos mercados

finais. O mercado interno passou para segundo plano e a política de preços

passou a ser regulada exclusivamente pelo livre jogo dos fatores no mercado,

resultando uma transferência em massa dos recursos dos setores de renda fixa

para setores proprietários ou meramente especulativos, maior enriquecimento

dos mais ricos e pauperização dos setores populares, fortalecimento da indústria

exportadora, particularmente dos produtos destinados aos setores de renda mais

elevada. Desta forma, o Estado estabeleceu leis com condições vantajosas para o

capital estrangeiro e, ao mesmo tempo, melhorou sua capacidade para orientar

as novas entradas de capital internacional.

Como conseqüência, assistimos às condições sociais cada vez mais

difíceis para os setores populares. Mas, de qualquer forma passamos o período

116 Maria Conceição TAVARES. Op. cit. p. 7. 117 Maria Conceição TAVARES. Op. cit. p. 7.

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do milagre às custas de uma propaganda forte do Estado, ressaltando que uma

vez atingidas as metas preconizadas no modelo de desenvolvimento brasileiro,

haveria a distribuição de renda e a justiça social seria alcançada.

Mas o resultados vivenciados na década de 70, com a crise do petróleo e a

restrição de créditos internacionais, acabou por aumentar na sociedade brasileira

a pobreza, que segundo Paugam, está dividida em três patamares:

“a) pobreza integrada; retém o sentido tradicional de pobreza, não indicando

propriamente o que se chama de exclusão social; seu nível de vida é baixo, mas

permanece fortemente integrado em seus espaços sociais organizados em trono

da família e do bairro ou da vila; mesmo quando desocupada, não se percebe

estigmatização mais forte;

b) pobreza marginal; na interseção entre pobreza tradicional e exclusão social;

c) pobreza desqualificada; ressalta a exclusão social propriamente dita; tais

pobres se tornam cada vez mais numerosos, alijados da esfera produtiva e

dependente das instituições sociais, passando a viver o sentimento de

‘inutilidade social’; também pessoas que não tiveram infância desfavorável

podem, cada vez mais, descambar para tal pobreza.”118

Para o caso de Volta Redonda esta análise é bem pertinente pois, com a

crise econômica deflagrada nos anos 70 e a nova política social praticada pela

CSN, (dentro dos moldes do modelo liberal, em que todas as formas de

atendimento sociais aos seus empregados deixavam de ser oferecidas pela CSN,

passando a acompanhar a lógica de mercado com os cortes de contratos de

empreiteiras e com a demissão de um grande contingente de trabalhadores)

foram fatores decisivos para a formação de uma população de excluídos. Sobre

esse quadro Castel afirma que: ‘A situação atual está marcada por um abalo

que recentemente tem afetado a condição salarial: o desemprego massivo e a

precarização das situações de trabalho, a inadequação dos sistemas clássicos

de proteção para cobrir tais situações, a multiplicação de indivíduos que

118 Apud Pedro DEMO. Charme da exclusão social . p. 29-30.

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ocupam na sociedade uma posição de sobrenumerários ‘inempregáveis’,

desempregados ou empregados de um modo precário, intermitente. De agora

em diante, para muitos, o futuro está marcado por um cenário de

aleatoriedade.’ 119

Segundo Schnapper, começaria a emergir um processo de desafiliação, ou

desligamento, que levaria, como imagina Paugam, da precariedade à exclusão. A

dubiedade é esclarecida quando afirma que: ‘Todos os levantamentos sobre

indivíduos desprovidos de emprego, desocupados, retirados e assistidos sob

títulos diversos, demonstram que, de fato, o trabalho restou, em todo caso até

hoje, o fundamento da dignidade dos homens.’120

Caberia questionar se estaríamos diante de algo novo ou apenas em uma

nova fase do sistema capitalista? Boaventura Santos nos mostra que é uma

conseqüência, quando diz que: (...)as promessas da modernidade, depois que

esta deixou reduzir suas possibilidades às do capitalismo, não foram nem

podem ser cumpridas; e, em segundo lugar, que depois de dois séculos de

promiscuidade entre modernismo e capitalismo tais promessas, muitas delas

emancipatórias, não podem ser cumpridas em termos modernos nem segundo os

mecanismos desenhados pela modernidade. O que é verdadeiramente

característico do tempo presente é que pela primeira vez neste século, a crise de

regulação social corre de par com a crise de emancipação social." 121

Diante do aparato coercivo montado pelo Estado, sobre a sociedade civil,

por quase duas décadas, a massa trabalhadora sem perspectivas se restringiu a

olhar ao seu redor procurando aprender através dos exemplos, de heróis e

histórias morais sobre a ambição, a luta, o sucesso e o fracasso. Aprender com o

exemplo é o destino das pessoas e a maneira de interiorizar as demandas e

dominar as rotinas de sua existência.

119 Apud Pedro DEMO. Op. cit. p. 81. 120 Apud Pedro DEMO. Op. cit. p. 20. 121 Boaventura de Souza SANTOS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade . p . 35 .

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4.4. Os movimentos sociais em busca de novos tempos

As experiências acumuladas a partir das repressões políticas, praticadas

pelo Estado, em 1979, é o primeiro momento de redenção dos movimentos

operários, saindo da clandestinidade do interior das fábricas e das reuniões nos

fundos das Igrejas reunindo pequenas multidões em espaços abertos, com

categorias profissionais passando a se manifestar, grupos tradicionais excluídos

da cena política ingressando nesta arena com discursos inéditos, dentre esses

grupos, os moradores de periferia participaram desta ruptura social,

proclamando e reclamando direitos, fazendo do espaço urbano, objeto de

mobilização, dando visibilidade pública a um sujeito coletivo em constituição

através de passeatas, concentrações em espaços públicos, greves de

trabalhadores, panfletos contendo reivindicações, documentos denunciando, às

autoridades, a segregação sócio-espacial.

Esta evolução política experimentada neste período vem de encontro

ao pensamento de Bauman, quando afirma que: “a liberdade individual só pode

ser produto do trabalho coletivo (só pode ser assegurada e garantida

coletivamente). Caminhamos, porém, hoje, rumo à privatização dos meios de

garantir/ assegurar/firmar a liberdade individual – e se isso é uma terapia para

os males atuais, é um tratamento fadado a produzir doenças iatrogênicas dos

tipos mais sinistros e atrozes (destacando-se a pobreza em massa, a

superfluidade social e o medo ambiente). (...) vivemos também uma época de

privatização da utopia e dos modelos do bem (com os modelos de ‘boa vida’

expulsos e eliminados do modelo de boa sociedade).”122

Nesta época, forçado pelas organizações internacionais de direitos

humanos e a necessidade de modernização da imagem do Brasil para o mundo, o

discurso do Estado, era de promessas para uma abertura política, rumo à

122 Zygmund BAUMAN. Em busca da política. p. 15

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democracia. Na prática, esta abertura ficou no plano do discurso por quase 10

anos, tendo durante este tempo uma práxis política nos moldes que retrata

Bauman.123

Para ele, a modernidade em seu último estágio, o Panóptico, o grande

instrumento para manter as pessoas juntas (no que veio a ser conhecido como

“sociedade”), foi gradualmente substituído pelo Sinóptico. A maioria não tem

outra opção senão vigiar; com as fontes de virtudes públicas quase inexistentes,

só se pode procurar uma razão para os esforços vitais nos exemplos disponíveis

de bravura pessoal e recompensas para tal bravura.

Ocultar a vida pessoal à vigilância pública já não é ‘do interesse público’.

Se o Panóptico representou a guerra de atrito contra o privado, o esforço de

dissolver o privado no público ou de pelo menos varrer para debaixo do tapete

todos os fragmentos de privado que resistiram a serem moldados de forma

publicamente aceitável, o Sinóptico refletiu o ato de desaparecimento do

público, a invasão da esfera pública pela privada, sua conquista, ocupação e

paulatina mas inexorável colonização, invertendo-se as pressões sobre a linha de

divisão/conexão entre o público e o privado.

Originalmente, o que os pensadores da modernidade emergente

prometiam era a liberdade ativa, em que o fazer coisas e refazê-las a fim de

adequarem à existência humana, seria a ‘liberdade de ser humano’. Para tal, essa

liberdade dava aos membros da espécie condições de agir de acordo com os

mais humanos dos seus dons naturais: o poder de fazer na capacidade humana

de agir, na capacidade coletiva da espécie de corrigir erros e descuidos da

natureza e os seus próprios erros e desleixos do passado que se esperava um

inabalável alicerce para a liberdade individual, liberdade de seguir o caminho da

razão.

A liberdade que se imaginava era o aspecto da condição humana a que

Isaiah Berlim124 deu o filosófico nome de ‘liberdade negativa’, aspecto que no 123 Zygmund BAUMAN. Op. cit. p. 77-79

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uso popular é tido como liberdade de escolha e na sua versão populista ‘menos

Estado e mais dinheiro no bolso’. A liberdade, de fato, é definida como ausência

de restrições impostas por uma autoridade política. Mas o que persiste são as

restrições impostas pela limitação coercitiva das opções individuais, através das

ambições reguladoras/legislativas do poder político, constituindo senão único o

principal inimigo da ‘liberdade negativa’.

A liberdade sonhada durante a modernidade foi limitada por dois

conjuntos de restrição: a primeira definida pela agenda de opções, o conjunto de

alternativas efetivamente disponíveis, teve como elemento regulador a

legislação que acima de tudo pré-seleciona, reduzindo o leque de opções,

algumas possíveis em teoria, são excluídas das possibilidades práticas ou

associadas a sanções severas tornando-as de difícil escolha. Enfim, a legislação

separa o reino da viabilidade prática do leque das possibilidades teóricas.

A segunda é definida pelo ‘código de escolha’, são as regras abalizadoras

da preferência de uma coisa ou outra, da escolha adequada ou não, cujo

instrumento regulador é a educação (num esforço institucionalizado para

instruir, treinar os indivíduos de usar sua liberdade de escolha dentro da agenda

estabelecida legislativamente). Visa promover aos optantes de sinais de

orientação e regras de conduta; cria valores que orientem a opção; capacita para

a distinção entre razões corretas e incorretas; induz a internalizar normas,

codificando e subdividindo do conjunto de opções disponíveis e permitidas entre

as que são desejáveis, recomendáveis, adequadas.

Através da educação dá-se a desconstrução política, pois a agenda não é

mais controlada pelos operadores políticos, uma vez que as pressões de mercado

estão substituindo a legislação política, dando lugar ao campo das opções de

consumo. Desta forma, experimentamos a supremacia do econômico sobre o

político.

124 Apud Zygmund BAUMAN. Op. cit. p. 78.

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Para o conjunto das forças populares, coloca-se assim uma tarefa de

amplo alcance: a luta para inverter essa tendência conservadora da política

brasileira e para eliminar suas conseqüências nas várias esferas do ser social

brasileiro. Para as correntes de esquerda a democracia política ganha uma

dimensão concreta, indo além do plano abstrato teórico, isto porque, quando

analisamos as vicissitudes da história política brasileira, verificaremos uma

tendência dominante do caráter elitista e autoritário que assinalou a evolução

política, econômica e cultural do Brasil, mesmo em breves períodos

‘democráticos’.

A participação popular era um fato novo na evolução política do Brasil.

Para Coutinho “As transformações políticas e a modernização econômica-social

foram sempre efetuadas pelas elites, através da conciliação entre frações das

classes dominantes, com medidas aplicadas de cima para baixo com traços

conservadores das relações de produção atrasadas (latifúndio) e com a

produção (ampliada) da dependência ao capital internacional. Essas

transformações ‘pelo alto’ tiveram como causa e efeito principal a permanente

tentativa de marginalização as massas populares não só de uma participação

ativa social em geral, mas sobretudo do processo de formação das grandes

decisões políticas nacionais.”125

No início da década de 80, a coreografia da organização da sociedade civil

começava a mostrar uma tendência de auto-organização, multiplicavam-se

organismos de democracia direta, sujeitos políticos coletivos de novo tipo

(comissões de fábricas, associações de moradores, comunidades religiosas de

base, etc.); desligavam-se da tutela do Estado, antigos organismos de massa,

como alguns dos principais sindicatos do País, e poderosos representantes da

sociedade civil, como OAB, a CNBB, a ABI. Assim desenhava-se a ampliação,

a organização e o fortalecimento da sociedade civil possibilitando

concretamente intensificar a luta pelo aprofundamento da democracia política no

125 Carlos Nelson COUTINHO. A democracia como valor universal . p. 32.

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sentido de buscar uma democracia com possibilidades da participação das massa

nas políticas públicas.

Havia um consenso em que a possibilidade da criação de um poderoso

bloco democrático e nacional-popular, não seria suficiente para extirpar

definitivamente os elementos do autoritarismo. Deveriam permanecer por um

longo período de transição mas, seria um passo decisivo para a criação de

pressupostos no aprofundamento de uma renovação democrática, em busca da

tão sonhada participação das massas nas decisões políticas.

Em Volta Redonda o reflexo desta desastrosa política econômica

evidenciava-se no plano urbano, com o aumento das favelas fazendo um

contraste com a organização imaginada quando de sua concepção. “O problema

da favela não pode ser explicado só pelas formas de segregação espacial e as

desigualdades face à habitação; é mister ver também um processo de

degradação das relações sociais no seio das cidades deserdadas e as

dificuldades crescentes da população de fazer face ao sentimento de solidão, de

enfado, de vazio da existência.”126

A resposta veio por meio dos movimentos de moradores de periferia,

organizando passeatas dos seus bairros até o centro urbano, proclamando e

reclamando direitos, promovendo concentrações em frente à prefeitura,

distribuído panfletos que denunciavam suas condições de moradia, a segregação

sócio-espacial e pressionando o poder público a ouvir e atender às suas

necessidades.

Com a gradativa politização do espaço da cidade, resultou a legitimação

do movimento (uma vez que foram reconhecidas as carências existentes) com a

adoção de um relacionamento negociado, submetido a regras, entre poder

público e população da periferia.

126 Pedro DEMO. Op. cit. p. 20.

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De 1977 a 1979, tinha tomado posse o prefeito nomeado pelo Estado que,

apesar de sua habilidade política, não coordenava suas ações de forma a se

tornarem suficientes diante do crescimento acelerado da cidade. No ano de

1979, o movimento social ganha as ruas e toma posse o segundo interventor,

abrindo assim, um período distinto pois, o prefeito hostiliza os moradores da

periferia com um trato agressivo e excludente. Coube à Igreja local ser a

mediadora do conflito e, ao mesmo tempo, fomentadora da participação dos

favelados nos movimentos reivindicatórios para melhoria das suas condições de

moradias.

4.5. A ação da Igreja no Urbano de Volta Redonda

Em dezembro de 1966, o Bispo Dom Waldyr Calheiros de Novaes, um

dos expoentes da Igreja progressista no Brasil, assume o comando da Diocese de

Barra do Piraí e Volta Redonda. Sua chegada operou uma grande mudança em

relação à sua prática anterior, convertendo-se numa das primeiras dioceses

brasileiras a adotar e implantar um novo projeto pastoral, assumido com muita

coragem pela quase totalidade do conjunto da Diocese. O resultado dessa opção

foi a estruturação de uma Igreja engajada, reconhecida pelos trabalhos que

desenvolveu no campo das lutas sociais 127, constituindo-se num pólo articulador

e mobilizador da sociedade, na luta pela recuperação dos espaços organizativos

das classes populares, sindicatos, movimentos populares e urbanos.

Com esta linha de conduta, a Igreja passava a ser o agente de denúncias da

repressão, das arbitrariedades e da violência militar que feriam a dignidade e o

respeito da pessoa humana. Ao mesmo tempo, no interior da Igreja havia uma

grande discussão entre padres e religiosas, para viabilizar numa prática pastoral,

127 Cf. Paulo HOTZZ. Perfil Sociológico da Diocese .In: Revista Diocese de VR/BP. p. 52

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as diretrizes das propostas do segundo Encontro Latino-Americano dos Bispos,

em Medellín na Colômbia em 1968, quando oficializaram as CEBs na América

Latina, com uma proposta pastoral voltada para a “opção preferencial pelos

pobres”.

Curiosamente, exatamente no bairro Retiro, o maior reduto operário fora

da vila operária (onde ocorreu a maior concentração das favelas durante o

período do seu crescimento), em decorrência da falta de padres, o Próprio Bispo

inicia uma experiência pioneira, em que assume diretamente todo trabalho de

campo, treinando leigos na organização de comunidades e na administração das

paróquias. Os rituais começaram a ser reformulados e assim modelaram novos

caminhos da ação pastoral. Dom Waldyr relata esta experiência: “Ali foi uma

pré-CEB. Eu queria ter um modelo de paróquia onde os leigos fossem atuando

(...) e por uma coincidência saiu o padre. Padre Antônio. O padre saiu para se

casar e eu não tinha padre solteiro para mandar.(...) Então eu fiquei

respondendo pelo Retiro. E ordenei um diácono, porque naquela época a gente

não podia dar licença ao leigo para ministrar os sacramentos, então tinha que

fazer um diácono. E foi o único diácono que eu ordenei na diocese. E lá não

tinha padre, então eu ficava com a celebração e comecei a montar grupos de

reflexão, que é o segredo do nascimento das CEBs.” 128

Os grupos de reflexão, por todas as comunidades da Diocese, relata Dom

Waldyr, teve seu momento culminante em 1973, com uma reunião que

congregava pela primeira vez todos os grupos da Diocese e com“uma assessoria

externa foi feita a‘primeira conceituação sobre CEBs com gente de várias

partes da Diocese’. Neste encontro, os leigos foram introduzidos na discussão

até então restrita aos agentes pastorais e começaram a ser formados na nova

128 Claudia Virginia Cabral de SOUZA. Pelo espaço da cidade: aspectos da vida e do conflito urbano em Volta Redonda. capítulo III. p. 148.

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teologia. Nos bairros os grupos de reflexão passam a se identificar como

comunidades eclesiais de base.”

Estando sempre presente nas comunidades, acompanhando a evolução dos

problemas e sensível às suas carências, em fevereiro de 1974, através do

Boletim Diocesano, Dom Waldyr faz uma convocação a essas comunidades no

sentido de desenvolverem um trabalho comum em uma pastoral urbana: “Há

quatro anos nos colocamos com o problema da Igreja na cidade de Volta

Redonda. Depois de vários encontros com sacerdotes e o Conselho da Pastoral

criou-se uma cidade paróquia, em vez de seis paróquias na mesma cidade. (...)

Mas ainda não se sente, em profundidade, a presença da Igreja na cidade. No

ano passado, 1973, não se deu nenhum passo para caminhar no sentido de uma

pastoral especifica para a cidade a não ser conservar o que já se tinha

conquistado. Vemos, porém, que o plano de expansão da CSN implica o

crescimento demográfico da cidade e com ele todas as suas conseqüências:

novos bairros, chegada de novos operários, presença de novos habitantes e

escassez de meios de comunicação, etc. Em suma, como fazer sentir a presença

da Igreja na cidade de Volta Redonda?”129

Nesta convocação, havia uma sugestão para que as comunidades

realizassem estudos de um texto Pastoral da Comunidade Urbana, publicada na

Revista Eclesiástica Brasileira, para realização de uma assembléia que foi

denominada Assembléia da Cidade, onde ocorreu a discussão do clero,

religiosas e leigos (os caminhos concretos para uma prática na montagem de

uma pastoral urbana para Volta Redonda).

Soares130 relata que: “Especialmente em Volta Redonda, esse movimento

rapidamente se converteu em pólo de organização e mobilização popular, que

129 Boletim Diocesano . nº 28. p. 6. 130 Apud Paulo Célio SOARES. CEBs: A construção de uma nova maneira de ser igreja: o nascimento e organização das comunidades eclesiais de base em Volta Redonda. p. 13.

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canalizou a indignação e a resistência popular ao autoritarismo imposto pela

ditadura, bem como a denúncia de um sistema econômico injusto e

extremamente excludente e desigual. (...) pois o fato desta cidade ser

fundamentalmente operária, e onde o poder estatal exerceu, desde sua

formação, uma forte presença e atuação, fornecem elementos elucidativos da

contribuição desse movimento para a história do movimento popular brasileiro

e da própria Igreja.”

Pesquisando nos Boletins Diocesanos131, podemos verificar que as

assembléias de 9 de agosto de 1974 em conjunto com o Conselho Paroquial da

Cidade definia as prioridades da ação pastoral: as CEBs, a Pastoral Operária e

a Ação Social e a de 3 a 6 de março de 1975, a 1º Assembléia Diocesana que

fixava as diretrizes para toda a Diocese (a criação de CEBs e a formação de

conselhos diocesanos -regional e paroquial-, que foram determinantes para a

formação de uma nova postura evangelizadora, e que abriam espaços de

participação da Igreja, cumprindo plenamente o seu papel evangélico e profético

de estar concretamente ao lado dos injustiçados de nossa sociedade). Esse

movimento vem recuperar, com bastante dinamismo, o discurso e a prática

libertária do cristianismo primitivo 132, que permaneceram obscurecidos por

séculos de alinhamento com o poder estabelecido.

Exatamente no Bairro Retiro, onde ocorreu o início do processo através

dos grupos de reflexão, sob a orientação de um padre operário francês e algumas

religiosas. Foi o primeiro referencial diocesano do trabalho das CEBs. Irmã

Olívia relata como se processava a atividade dos agentes pastorais e animadores

leigos e suas ramificações nos bairros periféricos: “Naquela época nós tínhamos

grupos. Nós éramos uma equipe, 32 grupos de diferentes bairros. Cada um de

nós (agentes pastorais) acompanhava 8, 9 bairros e todo sábado a gente se

131 Boletim Diocesano nº 40. p. 5. - Boletim Diocesano. nº 336. p. 3. 132 Rosa LUXEMBURGO. O Socialismo e as Igrejas . p. 16.

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reunia para fazer um subsídio, uma folha comum com os problemas para serem

discutidos durante a semana. Todo sábado reunião com os animadores dos

grupos. Era um trabalho mesmo de fôlego. Naquela época (...). a gente

preparava os animadores, eles faziam as reuniões durante a semana e a gente,

no sábado, fazia a revisão, conversava e tal. E nós também – que eu digo, os

agentes: os padres, as irmãs - a gente também visitava os grupos, à noite. Cada

um acompanhava uns tantos bairros. Então era no Açude, no Siderlândia, no

Cidade do Aço, em Vila Brasília, todos aqueles bairros lá do lado do Retiro

mesmo havia vários grupos. (...) A gente dava número: setor 10, setor 9, setor 8

(...) Depois veio o lado do Conforto porque o trabalho foi se estendendo pela

cidade toda.”133

No boletim nº 54134, encontramos as informações da primeira assembléia

geral das CEBs de Volta Redonda, realizada no dia 20 de abril de 1975, que

deliberou a necessidade de denunciar os problemas locais para as autoridades

responsáveis. Para tal, foram criadas dentro das CEBs, as comissões de bairros,

integradas por leigos, cuja função era de encaminhamento de reivindicações dos

moradores (dos problemas espaciais dos seus respectivos bairros). Completava-

se, no interior das CEBs, o ciclo de reflexão para uma atitude de ação concreta

em busca de melhorias na qualidade de vida dessas comunidades.

Na abertura da Campanha da Fraternidade135 de 1978, com o tema

‘Trabalho e Justiça para Todos’, reuniram-se 8000 pessoas no ginásio esportivo

que, através de representações teatrais, apresentaram os problemas enfrentados

pelos moradores da periferia. Em outubro de 1979, na 6º Assembléia Diocesana

decidiu-se pela solidariedade e participação nas organizações populares. A

materialização desta decisão foi motivada através das comissões de moradores

internos das CEBs (como forma de estimular a formação das associações de

133Claudia Virginia Cabral de SOUZA . Op cit. capítulo III. p. 151 134 Boletim Diocesano. nº 54. p. 4 135 Boletim Diocesano. Nº 115. p. 3.

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bairros, que poderiam atrair o interesse de outros moradores, independentemente

da religião. Aumentava, assim, o leque de participação das pessoas da

comunidade, católicos ou não, no processo associativo em busca de melhorias

nos seus bairros.

Em outro relato, Dom Waldyr136 demonstra sua sensibilidade diante da

evolução dos problemas e diz que ‘a CEB é um processo contínuo e sempre

renovador’ e ‘o bairro é mais amplo que um credo religioso’. Sobre a

importância das reflexões geradas nos diversos grupos, afirma: “Então aí já

desperta a consciência [da comunidade em geral] não só voltada para a própria

necessidade emergente dentro da comunidade geográfica, mas também para o

mundo do trabalho. Começa a ser dado um passo mais à frente de adesão na

solidariedade, na participação, nos sindicatos, na luta, nas manifestações (...) E

se chegou a um ponto mais alto, que é mais difícil para o católico: é o ponto

político, que muitas comunidades conseguiram alimentar, com muito conflito

interno e externo.”

Indiscutivelmente, a Igreja foi a responsável direta pela formação de

lideranças dos movimentos comunitários de Volta Redonda. De uma forma

pedagógica, durante 9 anos, organizou e motivou as CEBs para um engajamento

social, político e econômico, criando uma discussão profunda, com liberdade de

expressão, valorizando a participação das pessoas e, sem fórmulas prontas, os

problemas eram levados e as soluções eram encontradas pelos próprios pares.

Para Soares “As Cebs em Volta Redonda, como um movimento que possibilitou

a emergência de um novo modelo de Igreja, pautado pela descentralização do

poder, maior participação e valorização do leigo na esfera religiosa e pelo

caráter popular com grande inserção nas lutas sociais. (...) caracterizar as

Cebs como núcleos organizativos e mobilizadores das classes populares,

atuando na formação de novas lideranças e de uma renovada consciência

136 Idem, ibidem. capítulo III. p. 154.

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crítica que contribuiu decisivamente para a reorganização e ressurgimento do

movimento sindical e popular em Volta Redonda.” 137

Esta prática, desenvolvida pela Igreja local, procurava estimular a arte

política democrática que desmontava os limites à liberdade dos cidadãos; mas,

também, era a arte da autolimitação, libertando os indivíduos para capacitá-los a

traçar, individualmente e coletivamente, seus próprios limites individuais e

coletivos. O liberalismo reduziu-se ao mero credo de que ‘não há alternativa’

criando uma apatia política, louvando e promovendo o conformismo,

generalizado e criando uma insignificância da política resultando, no entanto,

num preço exorbitante, que foi pago na moeda gerada pela má política o do

‘sofrimento humano’.

Para tal era necessário um despertar da população em relação às práticas

políticas desenvolvidas no pós 64, com a instalação da ditadura militar

respaldada pelas elites que acabou gerando um autoritarismo ainda não

contemplado na história do país.

4.6. A alternativa do morar em Volta Redonda

O processo de favelamento de Volta Redonda começa a ser escamoteado,

principalmente na nomenclatura utilizada pelo poder público, denominando de

núcleos de posse (alegando que eram compostos por pequenos grupos de

famílias que ocuparam pequenas áreas de terra). No entanto, preferimos

denominá-las de favelas, utilizando o conceito não pela área ocupada ou número

de famílias, mas pela precariedade das construções e o local quase sempre

sedentário e afastado do centro.

137 Apud Paulo Célio SOARES. CEBs: A construção de uma nova maneira de ser igreja:o nascimento e organização das comunidades eclesiais de base em Volta Redonda. p. 14.

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Em 1948, aparece a primeira favela (do Morro São Carlos) mas,

chegamos em 1966, com apenas três favelas (com um número de 1158

habitações para uma população estimada em 5790 habitantes, representando

5.05% da população total da cidade).

Em decorrência dos fatores econômicos, políticos e sociais que a cidade (e

até mesmo o país) experimentou no período entre 1970 e 1985, verificamos que,

através de políticas públicas equivocadas e uma negligência total em políticas

habitacionais, foi surgindo em todas grandes cidades brasileiras, a alternativa da

sobrevivência que ia empurrando os pobres para as encostas ou para as

periferias, numa moradia sem as mínimas condições sanitárias e muitas vezes

sub-humanas.

Volta Redonda não poderia ser diferente do resto do país, principalmente,

se levarmos em conta a industrialização galgada dentro de uma práxis

econômica nos moldes do capital monopolista de Estado. Esse tipo de

industrialização produziu uma concentração econômica, social e espacial dos

meios de produção e das unidades de gestão, assim como a força de trabalho

necessária a seu funcionamento, gerando a interdependência crescente, no

conjunto de meios de consumo, que foram necessários ao seu desenvolvimento.

Essa interdependência foi crescente, em particular, no consumo coletivo onde se

insere o item moradia, não só em termos quantitativos mas, qualitativamente.

Visando reproduzir as características adequadas de cada tipo de força de

trabalho, uma vez que, o papel crescente dos meios de consumo coletivo decorre

também da importância estratégica do consumo no capitalismo avançado, da

necessidade, para o sistema, de estimular um consumo rentável que permita a

realização na venda das mercadorias produzidas.

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Quadro III

Volta Redonda – Evolução das favelas e da população – 1967 a 1985

FAVELAS MUNICÍPIO

ANO Nº de Núcleos Nº de habitação Pop. Estimada Pop. Total Favelados (%)

1966 3 10158 5.790 114.556 5.05

1977 - 3.108 15.540 168.709 9.21

1979 45 1.609 9.045 178.555 4.02

1982 49 2.093 10.465 200.000 5.23

1984 103 3.520 17.600 212.900 8.26

1985 105 4.007 20.035 219.300 9.13

Fontes:

COHAB - PMVR - IPPU/VR . Apud Cláudia Virgínia Cabral de SOUZA. p. 131 – Quadro V

Acompanhando a evolução das favelas, pelo quadro apresentado,

verificamos que, no período de 1966 a 1979, houve um aumento acumulado de

habitações na ordem de 14875. Este crescimento não foi valorizado pelas

autoridades locais, talvez até pelo fracionamento em pequenos grupos de

moradias, espalhados por vários pontos da cidade. Esta expansão [das favelas]

deu-se, mais precisamente, a partir de 1975, em decorrência da crise do petróleo

e do aumento dos juros externos. A empresa viu-se obrigada a reprogramar a

expansão. Nesta reprogramação, vários contratos não foram renovados com as

empreiteiras, ocasionando demissões de um grande contingente de trabalhadores

oriundos, na sua maioria do campo e sem condições de retorno. A escassez de

moradias, gerava a especulação imobiliária, com uma super valorização dos

imóveis. Assim sendo, forçava as populações pobres a buscar formas

alternativas de moradia. Milton Santos nos fala que: "(...) O espaço é a morada

do homem, é o seu lugar de vida e de trabalho. Por isso, o lugar é, antes de

tudo, uma porção da face da terra identificada por um nome." 138

Para Carlos Nelson Ferreira dos Santos os modos de urbanização

brasileiros que se consubstanciam nas favelas e nas periferias das grandes

cidades em decorrência da industrialização, assumem uma (...) forma de

138 Milton SANTOS. Por uma geografia nova. p . 31.

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estrutura espacial correspondente à implantação e ao desenvolvimento do

capitalismo no país.139

Este movimento em busca de moradia em Volta Redonda, contrapõe-se ao

imaginário estatal da dominação, da submissão, da obediência em que esta

cidade foi submetida durante três décadas e que é desafiado nos anos de plena

intervenção, através da Lei de Segurança Nacional, com prefeitos nomeados

pelo poder central. Esta desobediência civil foi observada nos anos seguintes,

com a partic ipação ativa da Igreja local, tornando-se o marco da redenção da

dominação espacial a que foi submetida esta cidade.

Essa crise de emancipação tem sido a tônica desse trabalho, privilegiando

o urbano enquanto campo de conflito, através das transformações de

espacialidade, buscando entender a geografia humana crítica, o materialismo

histórico e geográfico, sintonizado com a ação política.

A partir destas questões, ressaltamos que o controle sobre a formação da

classe operária foi “orientada por um projeto político de gestão de sua força de

trabalho que refletiu os caminhos tomados pelo Estado brasileiro, sobretudo,

depois de 37, enquanto princípio tutelar da sociedade e construtor da

nação,”140 através da construção da Cidade Operária.

O modelo de acumulação vigente não oferece alternativa ao trabalhador

de arcar com custos de aquisição ou locação de sua moradia, sabedor disto, a

procura de soluções alternativas. Enquanto foi possível autoconstruir em

terrenos clandestinos, à custa de enorme esforço familiar, ocupar áreas, levantar

barracos, alugar cortiços e pardieiros, a situação ‘ia se ajeitando’. Mas quando a

crise desacelerou as obras, houve mais demissões, promovendo um crescimento

brutal de trabalhadores na economia informal - criando um quadro de carência -,

139 Carlos Nelson Ferreira dos SANTOS. Velhas novidades nos modos de urbanização brasileiro. In: Licia do Prado VALLADARES (org). Habitação em questão. p. 23. 140 Apud Regina Lúcia de Moraes MOREL. A ferro e fogo: construção e crise da família siderúrgica: o caso de Volta Redonda. Cap. III . p. 77.

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e um sentimento de ausência que, de individual, que acaba por se elevar ao

plano coletivo.

Não restava outra alternativa a essa camada da população a não ser

adensar nas encostas, nas margens das estradas, dos rios, dos córregos, que

somando a indiferença por parte do poder público das necessidades destas

comunidades que ia se criando, foram os fatores motivadores na organização das

lutas reivindicatórias desenvolvidas por essas comunidades.

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Capítulo V: Concessão ou Conquista?

Para aprofundarmos tal discussão, buscamos em Aurélio, “concessão:

[Do lat. Concessione] 1. Ação de conceder; permissão, consentimento. 2. Ato de

ceder do seu direito, do seu ponto de vista, em favor de outrem. (...) 4. Econ

Privilégio concedido pelo Estado a uma empresa ou indivíduo para que explore,

mediante contrato, recursos naturais cuja propriedade, segundo a constituição,

não pode ser privada.(...) Conquistar:[Do lat. Vulg. Conquisitare, freqüentativo

de conquire] Submeter pela força de armas; vencer, subjugar: (...) 3. Adquirir à

força do trabalho; alcançar. 4. Granjear, adquirir, ganhar (amizade, amor,

simpatia). (...)7. Atrair, seduzir.”141

Torna-se imperativo, também, analisarmos o traço mais característico do

subdesenvolvimento, que é a dificuldade de produzir e manter postos de trabalho

na dimensão da mão-de-obra disponível, colocando-se dois pontos que são

funcionais ao capitalismo: o número de postos de trabalho e os níveis de renda

obtidos pelo trabalho, tendencialmente mínimos.

Para fazer frente a esta problemática extremamente complexa, o

crescimento econômico é condição fundamental para a vigência de políticas

sociais adequadas, ainda que crescimento não seja, automaticamente,

desenvolvimento. Esta lógica parecia ser a dos nossos governantes no período,

mas sem a preocupação de um planejamento sócio-econômico a médio e longo

prazo (uma vez que o processo se deu às custas de financiamentos externos com

juros flutuantes e, ao mesmo tempo, contemplando apenas a indústria,

provocando o êxodo rural).

No momento em que ocorreu a crise do petróleo e a conseqüente queda da

oferta de capital estrangeiro, o resultado desta política desenvolvimentista do

Estado, com a ótica da industrialização sem um planejamento no campo social,

criou um contingente de trabalhadores sem trabalho. Assim, a cidade sonhada na

141 Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA. Novo dicionário da Língua Portuguesa. p. 446 e 456.

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sua concepção, passa a ser o referencial de progresso e exemplo do operário

padrão, passa a ser a marca de nossa situação sócio-econômica do desemprego e,

sobretudo, do subemprego. Restava, enfim, as vias informais de inserção no

mercado de trabalho, o que significa a invenção diária da sobrevivência.

A CSN, inserida em uma política de modernização industrial exigida

pelos seus credores, foi obrigada a abandonar as suas práticas de políticas

compensatórias destinadas ao controle social e à desmobilização popular. Neste

contexto, os trabalhadores da CSN foram obrigados a buscar formas alternativas,

principalmente, em relação à moradia, através da aquisição de lotes ou casas em

loteamentos clandestinos.

Desta forma, ao analisarmos a face da política social, recorremos a

DEMO, quando afirma que: “Ao lado das carências materiais, temos a

precariedade da cidadania. Uma falta, não de quantidade, mas de qualidade.

Uma não é maior ou pior que a outra. Condicionam-se mutuamente, mas não se

reduz uma à outra. Ao mesmo tempo, permite colocar uma percepção essencial

da pobreza, como repressão, e não apenas como carência. O cerne da pobreza

não está em não ter simplesmente, mas em ser coibido de ter e de ser. Por isso

pobreza é injustiça, e esta consciência é decisiva para seu enfrentamento.”142

Era de se esperar que o sindicato fosse o canal natural de

representatividade dos trabalhadores mas, nesse período, a CSN tinha o

completo domínio da situação. Desta maneira, a Igreja foi a instituição

responsável pelo amparo e organização dos trabalhadores em suas

reivindicações, principalmente no tocante à moradia. “Entendemos por

organização da sociedade civil a capacidade histórica de a sociedade assumir

formas conscientes e políticas de organização.”143

Neste caso, entendemos sociedade civil em contraposição dialética à

organização do Estado, pois em tese, o Estado seria a organização da sociedade

142 Pedro DEMO. Participação é conquista: noções de políticas sociais participativas . p. 16 143 Pedro DEMO. Participação é conquista: noções de políticas sociais participativas. p. 27.

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civil em função dos interesses da sociedade civil, já que os detentores do poder

teriam um mandato de representação a partir da sociedade. Porém em Volta

Redonda, uma vez declarada Área de Segurança Nacional, a constatação foi

outra. O prefeito era indicado pelo Governo Federal tornando-se, muito mais,

representante da parte dominante da sociedade do que da parte dominada.

Para DEMO “(...) o desafio será motivar organização comunitária,

entendida tanto como aglutinação de interesses, como de espaço. A meta parece

clara: é preciso chegar a um tipo de sociedade, marcada pela constituição

democrática, tão bem tecida em suas malhas associativas, que a própria

democracia se torne oxigênio diário e seja capaz de reagir às intervenções

centralistas e autoritárias. Passar de objeto de manipulação, para sujeito de seu

próprio destino. Instaurar o Estado de direito, contra o Estado de impunidade,

de exceção, de privilégios. Institucionalizar o controle do poder de baixo para

cima, de tal sorte que o Estado sirva à sociedade, não o contrário. Garantindo

um nível mínimo de direitos iguais, abaixo do qual instalam-se a selvageria e a

violência incontrolável. Consolidar a cidadania organizada, aquela competente

em sua estratégia democrática de defesa dos interesses.”144

Em nossa cidade o estímulo não faltou, diante da crise instalada na área

urbana. Os desempregados se lançaram em ocupações de áreas públicas e

privadas para construir seus barracos. Os trabalhadores da própria CSN que, em

decorrência de uma grande especulação imobiliária, eram empurrados para

loteamentos periféricos, sem infra-estrutura, criando uma desigualdade, em

relação aos que eram assistidos com moradias nas áreas de propriedade da CSN.

Para melhor esclarecer a discussão, entrevistamos os dois maiores atores,

da questão urbana de Volta Redonda, o prefeito nomeado Benevenuto dos

Santos Neto e o Bispo Diocesano D. Waldyr Calheiros.

Perguntamos ao prefeito Benevenuto que obra era prioritária para sua

administração? Segundo ele, era a implantação do pólo industrial da cidade na

144 Pedro DEMO. Participação é conquista: noções de políticas sociais participativas. p . 33-4.

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fazenda Três Poços. Em seu relato, confirma que o problema habitacional da

cidade era grave e não se conhecia o número de posseiros. Nem havia dados

concretos em relação ao déficit habitacional da cidade.

Em relação às heranças deixadas por seu antecessor, em relações as

favelas relata: “O Aluízio, realizou uma militarização na guarda municipal. O

estranho era que só na fazenda três poços existiam guardas e foi lá que, em uma

discussão com um guarda um posseiro foi empurrado, caiu batendo com a

cabeça em uma pedra, vindo a falecer. Existiam denúncias de que os posseiros

estavam sendo roubados no material de construção dos barracos. Tirei os

guardas. Os indivíduos deveriam estar livres; caso errassem, deveriam ser

punidos.”145

Diante desses problemas quais as providências que o senhor tomou? “Era

necessário inventar alguma coisa. Então proibi a construção de barracos em

Volta Redonda, pois eles proliferavam da noite para o dia. Faziam uma

plataforma mas, essa plataforma não era para o sujeito morar; eles vendiam.

Assim formavam uma imobiliária de barracos. Coloquei dois jipes, que

circulavam um na margem esquerda e outro na margem direita do Rio Paraíba

do Sul, que foram apelidados pela população de trovão azul. Se o sujeito estava

retirando a terra para implantar o barraco, a guarda municipal prendia e

levava para a polícia pois, a guarda municipal é guarda patrimonial e não

polícia. Com isso acabou a história de construir barracos. Criei um núcleo de

controle, atrás do Colégio João XXIII, para começar a dar títulos e saber

quantos posseiros tínhamos em Volta Redonda, pois não tínhamos a mínima

idéia, da quantidade. Essa população realmente ficou abandonada após a

conclusão do estágio III da expansão da CSN. Esse problema era da sociedade

mas, entendíamos que a primeira providência era evitar a construção de mais

145 Entrevista com o Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência.

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barracos e procurar cadastrar o pessoal todo, e assim conseguimos controlar o

movimento.”146

Essas providências se deram no sentido de controlar o movimento que, segundo

o seu relato, foi conseguido. No sentido da busca de uma solução real para o

problema de moradia, qual foi à política da prefeitura?

“O meu objetivo inicial era a construção do pólo industrial, que está

fazendo falta até hoje já que os prefeitos posteriores abandonaram tudo. Estamos

vendo os municípios vizinhos levando indústrias e Volta Redonda ficando com

uma mão de obra cara. (...) Como eu tinha o problema habitacional, não ia fazer

barracos. Construí 3666 casas com aluguel barato. O Caeira o valor pago pelos

moradores é 10% do salário mínimo e além disso eu me orgulho porque é o

único construído em vale próximo ao rio, que não entra água, a partir do

deslocamento de pedras feito na sua construção”147

A propósito, seus opositores fazem uma acusação, de que os

empreendimentos executados pela COHAB, durante sua administração, eram

construídos longe da cidade, com a finalidade de valorização das terras

intermediárias atendendo aos interesses de especuladores imobiliários. Havia

essa pretensão? “Bom nenhum deles teve a coragem de trazer isso para mim.

Quando eu fui ver o local da construção do conjunto habitacional Santa Cruz,

achei muito bacana o projeto de construção, com edifícios altos e baixos

contrastando com as colinas, fazendo um jogo de imagem muito bonito e não

achei longe, porque o caminho anterior a gente entrava por trás da estação de

tratamento de água até o bairro Santa Rita para atingir o Santa Cruz. Eu abri

uma estrada que dava acesso direto e assim encurtou o caminho de forma

considerável. Desta forma eu fiz o maior projeto imobiliário do BNH, com

2.500 casas, que ainda não atendiam as nossas necessidades pois precisávamos

146 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 147 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência.

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de 5.000 casas. Mas o nosso povo é uma piada, pois quando as casas ficaram

prontas eu tive dificuldade para ocupar as casas. O valor da prestação na

moeda de hoje ficou em torno de 30 a 40 reais. No conjunto Caeira foi 10% do

salário mínimo, ou seja 20 reais na moeda de hoje. No Caeira, a partir do

cadastro, demos as primeiras casas aos moradores de barracos do São

Cristóvão que era do outro lado. Apesar deste selecionamento alguns

negociaram suas casas e voltaram às condições anteriores. E em relação à

distância dos loteamentos devemos lembrar que foi necessário viabilizar

economicamente o projeto e o valor do terreno que é um peso substancial no

valor do imóvel”.148

O Senhor reconhece que esses trabalhadores eram organizados nos seus

movimentos? “Não, tinha alguns líderes. Me lembro da Rosalice, que na

elaboração da lei do Desfavelamento utilizei várias idéias dela, porque eu

separava as coisas. Eu dizia à ela: esse negócio de piquete, eu não topo. Tanto

que, enquanto fui prefeito não houve invasão da prefeitura como aconteceu no

governo posterior, eu fazia questão do respeito à minha autoridade”149

Em relação aos líderes, temos que lembrar que a liderança maior dos

movimentos dos favelados foi o Bispo D. Waldyr. Como se deu a sua relação

com ele durante seu mandato? “No episódio do deslizamento de terra próximo

ao viaduto da Ponte Alta, deslocamos as dezoito famílias desalojadas para Ilha

São João e alojamos em barracas cedidas pelo exército. Me lembro, inclusive,

que em uma das inspeções feitas, foi encontrado embaixo das camas sacos de

arroz, feijão e fubá, o suficiente para alimentar uma família por uns três ou

quatro meses. Era o indivíduo se aproveitando da sua própria desgraça.

Propusemos vários locais para construção de suas casas e as famílias sempre

com a negativa. Esse episódio acabou provocando que, eu, sendo católico

148 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 149 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência.

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entrasse numa guerra aberta com o Bispo. A ponto de, nas missas, na hora da

palavra aberta, eu era atacado de toda a forma, mas também tinha um aliado: o

padre Inácio da paróquia Santa Cecília era meu amigo e depois dos ataques,

normalmente estava sentado na segunda ou terceira fila. Ele olhava para mim e

dizia: com a palavra o nosso prefeito. Eu levantava, ia até a frente, sentava a

pua, não havia razão de ter medo e sempre disse que não estava a serviço das

minorias insatisfeitas. Se alguém tem um projeto, que o leve até a prefeitura.

Estamos abertos a estudar”.150

O senhor chegaria a dizer que eles conquis taram ou que eles

influenciaram fortemente nas suas decisões na elaboração da lei de

desfavelamento da cidade? “Eu acho que conquistou; mesmo depois com

algumas deformações. Mas, isto é problema de pessoas, porque até agora ela

está prevalecendo. Olha, tem uma reportagem na revista da Fundação Getulio

Vargas de fevereiro de 86, menos de um ano depois do término do meu mandato

em que eles analisam os problemas urbanos e consideram as três melhores

soluções: as de Curitiba, Campinas e Volta Redonda, inclusive transcrevem a

nossa legislação integralmente”.151

A lei a que se refere o prefeito Benevenuto, é a lei nº 1885, de 11 de junho de

1984, que dispõe sobre a Política Municipal de Desfavelamento e Atuação em

Áreas Públicas Ocupadas. Em seu art. 1º, encontramos que: “A política

municipal de desfavelamento e atuação em áreas públicas tem como objetivo

reconhecer o direito do acesso à terra ou à moradia, por parte das famílias

carentes, observadas as condições técnico-jurídicas de cada caso”.152

Oficialmente, o poder público de Volta Redonda reconhecia as favelas na

cidade, e o mais importante, reconhecia o direito dos posseiros, que foram

ignorados por vários anos. E suas conquistas continuam, na promulgação da Lei

150 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 151 Entrevista do Prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a 1985. Benevenuto dos Santos Neto, realizada em 25 de setembro de 2002, em sua residência. 152 Lei nº 1885 de 11 de junho de 1984 disponível no arquivo da Câmara Municipal de Volta Redonda .

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nº 1892 que estabelece a disciplina, a utilização e o uso do imóvel denominado

Fazenda Três Poços. Foi justamente neste local onde ocorreram os maiores

embates entre os posseiros e as autoridades locais, pelo fato de ser uma área

destinada à implantação de um pólo industrial. Em 01 de agosto de 1984, através

de decreto nº 1766, o prefeito regulamenta a Lei nº 1885, que em suas

considerações diz: “ (...) é fundamental a instrumentação legal que permita o

acesso dessas famílias à propriedade da terra, acompanhada de acesso aos

serviços e equipamentos públicos e a infra-estrutura de saneamento básico para

que possam ser alcançados os objetivos preconizados; que o processo de

desfavelamento não deve ficar restrito tão somente às ações ou à atuação do

Poder Público mas se exercitará, ainda, no sentido de que as famílias realmente

possam ser integradas no processo de cidadania, em face da mobilização da

sociedade como um todo”.153

Entrevistamos o Bispo D. Waldyr Calheiros154 com objetivo de buscarmos

seu depoimento quanto ao relacionamento com as autoridades locais no período

e seus embates como líder dos movimentos sociais de nossa cidade. Sua chegada

se deu em 1966, vindo do Rio de Janeiro, tendo passado um período ao lado de

D. Helder Câmara, Arcebispo do Rio de Janeiro e grande mestre de uma pastoral

de conscientização do oprimido e adversário ferrenho do autoritarismo militar.

D. Waldyr logo que chega a diocese põe em prática uma pastoral em que os

leigos tenham uma participação ativa na Igreja, e isto começava a incomodar o

poder. Em seu relato nos diz: “O prefeito, quando cheguei, era o Sávio Gama

que caiu numa tolice de acreditar no comandante de BIB, dizendo que o

exército forçou a prefeitura a desapropriar a fazenda Três Poços. Essa fazenda

era de propriedade dos padres Beneditinos, onde eu me reunia para formação

dos guerrilheiros, que na verdade era um centro de treinamento de padres e

leigos para suas atividades pastorais, não só religiosa (porque a formação

153 Dom Waldyr Calheiros. Bispo aposentado da Diocese de Volta Redonda e Barra do Piraí, entrevista realizada em 11 de setembro de 2002, na Cúria diocesana de Volta Redonda. 154 Idem.

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religiosa não é só de atos piedosos) pois o Vaticano II já nos tinha dado uma

antropologia da formação da consciência humana da dignidade da pessoa. Isto

é que a Igreja tomou como base para uma nova concepção porque durante

muito tempo a Igreja foi ditadora dentro de suas práticas anteriores fazendo

com que as pessoas fossem submissas, necessitando um trabalho de mudança de

mentalidade dos próprios padres”.155

A propósito, segundo dados da minha pesquisa, o Coronel Aluisio foi

acusado de ter uma relação muito agressiva com as associações de Bairros,

instituiu uma militarização na guarda municipal e deu ênfase a obras sem cunho

social. Como foi sua relação com ele? “O Aluisio foi feito prefeito pela

ditadura. Ele tinha o modelo dele marcado. Eu não tive muito relacionamento

com ele. Só tive um embate quando levaram a escória do Alto Forno para o

bairro Santo Agostinho. A comunidade levantou-se. Naquela ocasião, eu estava

em Alagoas quando ele manda me telefonar. Mas era um ditador e imitava o

regime. Todos os que aderiram tinham essa prática”.156

E em relação ao Georges Leonardo, também tinha essa prática ditatorial,

ou se apresentava de forma mais politizada? “O Leonardo, no relacionamento

com o povo não me lembro de nenhum ato mais agressivo. Ele se apresentava

mais aberto ao diálogo. Inclusive, em algumas atitudes em que me apresentei

contrári,o ele recuou. Preferia o não-confronto mas, além disto, tem um outro

fato. Eu tenho um sobrinho arquiteto que foi cooptado pelo Leonardo e através

dele, ele achava que me pegava e eu, percebi perfeitamente, tanto que meu

sobrinho se afastou de mim e ficou do lado de lá”.157

D. Waldyr, o ponto crítico do movimento dos favelados de Volta Redonda

se deu em 1982, na administração do Benevenuto, com uma expansão

incontrolável das favelas em nossa cidade. Em 1979 tínhamos 49 favelas. Em

1985 passamos para 130 favelas e, nesse mesmo período ocorre a morte de dois

155 Idem. 156 Idem. 157 Idem.

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posseiros em três Poços, num embate com a guarda Municipal. A partir desse

momento, o senhor assume de forma mais aberta o comando do movimento, no

sentido de buscar junto às autoridades do município o reconhecimento do

problema e, ao mesmo tempo, soluções para melhoria da qualidade de

moradias dessa população excluída. O senhor confirma esses dados? “De fato a

parte da reação foi a partir dessas mortes em Três Poços. Era um terreno que

pertencia ao Estado e hoje tem uma comunidade que desenvolveu bastante. Em

todas essas ocupações,- é o tal negócio as pessoas diziam, vá se queixar ao

Bispo! E queira ou não queira, cai em cima da Igreja a reclamação, a queixa. E

houve, de fato, pancada forte com aqueles que governavam. Mesmo com o

Benevenuto, se dizendo de Igreja, tendo um irmão sacerdote, o embate foi sério.

Quando ele tirou o pessoal da Ponte Alta e levou para Ilha São João, pensava em

levá-los para Três Poços,lá no meio do mato, como forma de solucionar o

problema. Ali foi o clímax. Contestei. Ele me disse que não tinha outro lugar.

Então respondi: está bom, Benevenuto. Se o senhor quiser tem um terreno muito

grande no pátio da cúria. Eu vou construir para essas famílias desalojadas. Tem

facilidade de água e coloco uma placa: “OBRA DO PREFEITO

BENEVENUTO.” Então ele resolveu o problema: construir na União. Para os

que não quiseram ir, compramos um terreno no Retiro e alojamos o pessoal

completando a transferência. Esse foi o momento com autoridade, o memento

bastante forte da comunidade. O que tinha de bom é que a comunidade dava

completo apoio. O pessoal se mobilizava na questão de alimentação tendo uma

verdadeira presença das Comunidades de Base”.158

D. Waldyr, como um líder ativo do movimento dos favelados de Volta Redonda

o senhor entende que houve (por parte do movimento) conquistas ou se o poder

público fez concessão?

“Na minha visão, em Volta Redonda, havia no começo uma preocupação da

elite representada pela prefeitura de ter uma cidade arrumada, uma cidade

158 Idem.

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bonita, como estamos vendo hoje. Uma das coisas que enfeiava a cidade era

justamente essas favelas. Então, era uma conseqüência prática da concepção

dos governantes - pobres tem que se acabar e não dar espaço. Depois a

burguesia, a pressão que fazia nossos empresários em cima da prefeitura era

muito grande para que afastasse esse pessoal porque só dava o que: era fonte

de ladrão, de assalto, de miséria. Essa cultura que eles procuravam “alimentar

para arrepiar” dentro dessa miséria e não tomar consciência. Não queriam nem

saber. É que os pobres estão correndo do meio do mato porque não tem o que

comer na roça. Estão procurando as cidades, as indústrias. Eles não

acompanharam esse processo. Dessa transformação, achavam que era uma

coisa só. Tinha que cercar isso aqui mesmo. Aquela preocupação que, até

pouco tempo existia, o SOS era encarregado de pegar os pobres que vinham

para aqui para devolver ao lugar de onde vinham. Foi conquista, não houve

concessão! Era mesmo na raça e no peito! A gente usava a faca na mesa das

autoridades. Sabe lá o que é um trator que está pronto para derrubar casas? E

o bispo na frente do trator constrói um altar para celebrar missa”?159

Dentre os prefeitos municipais deste período, qual era o mais autoritário,

mais resistente ao diálogo, como o senhor mesmo diz, o mais “desgovernante”?

“Não excluo ninguém, mas não vou classificar mais ou menos esse ou

aquele. Mas no sentido de prática, todos eles mantinham a mesma prática, da

mesma maneira, autoritária e não participativa. Agora, confronto mesmo, só

quando eles avançavam demais”.160

As entrevistas aqui transcritas, mostram de forma clara que as

comunidades para terem voz e vez, precisam se organizar. Esse processo,

deveria ser uma preocupação diária das comunidades, com o qual aprenderiam

as formas possíveis de realização participativa ou criariam suas próprias formas.

Com esta prática estaríamos sintonizados, com a afirmação de Demo: “(...) o

159 Idem. 160 Idem.

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fenômeno básico da democracia é o controle do poder. Não, porém, um controle

feito somente pelo próprio poder, através de leis e decretos, mas

substancialmente um controle feito pela base”.161

O efetivo controle do poder, só acontece na rede de organização da

sociedade civil, sobretudo as ligadas à dimensão sócio-econômica e política,

como os sindicatos, os órgãos de classe, os partidos políticos, as igrejas e as

associações de bairros. Desta forma, o controle do poder assume uma forma

cristalizada numa consciência cultivada na cidadania.

Outra questão é o reconhecimento por parte do prefeito Benevenuto de

que as favelas eram um problema da sociedade local. Desta forma havia a

obrigatoriedade do poder público em, se não resolver, pelo menos amenizá-lo. E

nessa ótica, se dá a interferência do Bispo D. Waldyr, no sentido de garantir uma

negociação da divergência sobre o pressuposto das oportunidades eqüalizadas,

de igual para igual, pelo menos em tese, impedindo que as soluções se dessem,

sob o prisma de iniciativa autoritária, unilateral e parcial.

O resultado do movimento nos mostra um saldo importante, que resultou

em prática até hoje exercida por todas as associações de bairros de Volta

Redonda. A cultura da negociação, com um significado de convencer, mais do

que se impor, perder agora, para ganhar depois, chegar ao objetivo, ainda que

para tanto se façam curvas. Consolidar regras democráticas do jogo, aceitar o

outro como parceiro e não objeto de negócio ou exploração, saber valer seus

direitos, possibilitando a revisão de pactos sociais e de se proporem outros

pactos. Porque quando se decide o destino da sociedade à sua revelia, isto não

fica sem conseqüência. Perde-se a base de sustentação e entra-se num gargalo

incapaz de recuperar uma legitimidade que já não existe.

161 Pedro DEMO. Participação e conquista. p. 73.

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Conclusão

A cidade de Volta Redonda nasceu de uma forma singular, ocupando a

margem direita do Rio Paraíba do Sul, quando foi implantada a primeira

Siderúrgica do País, com postura autoritária e discriminatória, com a função de

forjar não só aço mas também o operário dócil, produtivo e disciplinado,

programado para obedecer sem contestar, ingrediente fundamental para a prática

capitalista.

Naquele momento não era possível ao operário fazer uma análise do

processo em que estava inserido pois, para ele, as condições que lhe foram

proporcionadas tinham uma qualidade melhor do que aquela advinda da sua

experiência anterior, do campo, do trabalho braçal, entregue à própria sorte, sem

nenhum amparo institucional. Tinha a sensação de estar agora no paraíso.

Por três décadas, a conduta do trabalhador parecia adequada, deixando

antever que o projeto posto em prática era vitorioso. O sítio isolado, pensado

como laboratório da formação de mão de obra, mostrava-se ordeiro e próspero e

o Estado, representado pela máquina burocrática da CSN controlava,

integralmente, a sua vida e a de seus familiares. Esse modelo foi fundamentado

na Doutrina da Segurança Nacional elaborada nos anos 50, pela Escola Superior

de Guerra, tendo o general Golbery como seu principal teórico, baseado nas

teses fundamentais da chamada “ideologia revolucionária”, que os militares

puseram em prática com o golpe militar de 64. O Estado foi concebido

exclusivamente como centro de poder com vontade própria e se constituiu num

organismo. O poder foi a palavra mágica da geopolítica que é a ciência que

estuda a influência dos fatores geográficos na vida e na evolução dos Estados

com a finalidade de tirar conclusões de caráter político, visando a dominação do

espaço.

Na formação desse trabalhador tornava-se indispensável uma educação

orientada para o trabalho, para sua utilização na indústria. Isto acabou

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despertando o valor do conhecimento, criando a preocupação da necessidade da

escolaridade dos filhos, e o aprimoramento dos seus próprios conhecimentos.

Aumentava a participação social desse trabalhador na escola, nos clubes, no

sindicato, nos partidos políticos, na igreja, nas associações de bairros e no

próprio trabalho. Acirra-se, assim, a discussão sobre os seus problemas de vida

comum, da empresa, da cidade, até mesmo do país.

Esses trabalhadores começaram a perceber o papel que a empresa exercia

era o da dominação paternalista. Esse trabalhador se via meio que prisioneiro,

dependente, sem possibilidades de lutar por melhores condições de vida e de

trabalho pois, embora os salários não fossem os melhores, as concessões, os

benefícios e a ajuda econômica funcionavam como ganho indireto.

No momento em que o Estado, representado pela CSN, mudou sua

política social optando pelo autoritarismo liberal e o mercado passou a ser o

norteador da organização urbana, instalou-se, na cidade, o caos habitacional. A

questão habitacional das camadas populares, que deveria ser plenamente

previsível, uma vez que a questão habitacional não tinha sido resolvida pelo

simples jogo do mercado ou pelas políticas públicas, não tinha sido tratada como

tal. Era, agora, uma questão estrutural, do modelo acumulador, que não oferecia

ao trabalhador, condições de arcar com os custos de aquisição ou locação de sua

moradia.

Ao trabalhador, restava apenas a alternativa de construir sua moradia em

terrenos clandestinos à custa de enorme esforço familiar, ocupar áreas, levantar

barracos, alugar cortiços e pardieiros.

Neste quadro, contava apenas com a solidariedade dos grupos populares,

o que levou esses grupos a um aprendizado de tristeza e revolta mas, também, a

uma maior consciência da realidade, de mobilização e organização, como forma

de negar as condições objetivas da sua existência. Como nos diz Spinoza: “a

liberdade é a consciência da necessidade” e Marx: “os homens é que fazem a

história, mas não sabem disso.”

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Baseados nos seus direitos de cidadãos, milhares de pessoas, até então,

sem vez e sem voz, mobilizam-se mas, suas conquistas, ainda podem ser

consideradas como conquistas dos direitos de cidadão de segunda categoria.

Instaura-se, nesse momento, em Volta Redonda, um novo padrão de urbanização

de segunda categoria e institucionaliza-se a segregação social já existente.

Ao incorporar uma categoria de trabalhadores paupérrimos no circuito das

camadas para a reprodução da força de trabalho ativo, aumenta a exploração da

mais-valia relativa. Assim, o resultado é perverso, pois a melhoria da qualidade

de vida na moradia corresponde a uma desvalorização da força de trabalho como

um todo.

Os idealizadores do projeto de construção da Vila Operária jamais

imaginariam que esse desarranjo urbano daria origem ao movimento norteador

de uma ruptura do processo dominador, até então predominante no cotidiano da

cidade e, que o mesmo, teria início na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul.

O salão paroquial seria o espaço em que ocorreram as reuniões de leigos,

orientados para a prática pastoral junto às comunidades carentes. A partir destas

reuniões nascem as CEBs. Naquele momento, a moradia constituir-se-ia no

problema mais grave para a população e, sensível aos reclamos dos seus

participantes percebeu-se a necessidade de organizar um movimento de amparo

a estas pessoas que estavam entregues à própria sorte. Através da Pastoral da

Terra, formaliza-se o apoio explícito da Igreja na questão habitacional. Desta

forma, a população de Volta Redonda foi percebendo diante de si o desafio de se

reconhecer como sujeito indispensável de seu projeto de emancipação e de

construir, nas gerações vindouras, as condições de uma democracia competente

pois, o pobre, que ainda não tinha consciência de sua injusta pobreza, não tinha

condição mínima de conceber e efetivar qualquer saída.

Até então, nossa população não fugia à regra reinante no país, de uma

sociedade miserável politicamente, trazendo a marca da senzala, pois a própria

alegação que somos um povo pacífico, que não compartilha da violência,

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esconde uma forma soturna e não menos gritante de violência, que no fundo é

nossa marca de subserviência.

À medida que as comunidades iam sendo provocadas a buscar suas

próprias soluções, foram sendo construídas as marcas qualitativas indispensáveis

para o fenômeno participativo que são: representatividade, legitimidade,

participação da base, planejamento participativo e auto-sustentado.

A Representatividade, que está centrada nas lideranças, nas várias

comunidades, nascia no próprio movimento sendo reconhecida e respeitada por

todos, contando com o apoio incondicional do bispo Diocesano D. Waldyr, que

trazia como marca de sua formação a atuação comunitária e o respeito às

soluções apresentadas pelas comunidades.

A Legitimidade que se construiu no processo participativo, fundado no

estado de direito, regulamentou de modo democrático a vida em comum, pois

nesta regra encontramos o compromisso primeiro da igualdade de oportunidade,

porque todos são iguais perante a lei. Mas a prepotência que tripudia sobre a

pobreza, sobre a modéstia do homem simples, na desorganização do povo, é a

ferramenta para a criação do estado de injustiça, provendo daí a indignidade,

pois mesmo que a desigualdade seja componente estrutural da história. A

qualidade política é a arte de construir uma sociedade que, na unidade de

contrários, não estabeleça extremos de exploração. Esta é a legitimidade que

entendemos ser um dos pilares da democracia e não aquela proclamada pela

administração da CSN, amparada nos pensamentos de Max Weber, que

institucionaliza uma dominação galgada na propriedade, na obediência, na

legalidade promulgada unilateralmente pela classe dominante.

A Participação da base é a essência do processo, porque é a participação

autêntica, é sua origem. A democracia só se faz, de baixo para cima. Na cúpula,

sendo delegada, o poder é de serviço, não é autônomo, é deslocado e prepotente.

O Planejamento participativo é a organização de uma comunidade para

descobrir crit icamente os problemas que a afetam, e formular, conjuntamente, as

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estratégias de solução, despertando para a iniciativa própria e criando soluções

possíveis.

A Auto-sutentação funda o compromisso com a autodeterminação, que na

busca de suas metas, não dispensa o governo, mas em vez de entregar-se a ele,

utiliza-o com competência, negociando, não se submetendo, reivindicando, não

suplicando.

Quando valorizamos a construção do processo participativo, estamos

apontando para afirmação da conquista do movimento dos favelados em Volta

Redonda, no que diz respeito à tomada de consciência e por conseguinte à

descoberta da discriminação como injustiça e dessa forma parte para o

enfrentamento prático da questão através da organização política na busca do

Direito à sobrevivência material, onde estão inseridos os direitos de nutrição,

saneamento, locomoção, profissionalização e habitação como forma de garantir

as condições para o trabalho e a produção.

Por outro lado devemos, ressaltar a visão distorcida da função do Estado

como instrumento da sociedade civil, pois o serviço público é direito da

população, mas diante da pobreza política com a falta de uma visão crítica dos

deveres do Estado, criam-se manobras de manipulação por parte dos donos do

poder e a população passa a acreditar, o que deveria ser dever do Estado passa a

ser favores, chegando a aceitar como normal o mau serviço do Estado e de sua

burocracia e que só aos ricos cabe receber serviços estatais de qualidade e dele

se aproveitem.

Dentro dessa lógica, inerente aos donos do poder, de criar formas

representativas que perpetuassem a visão distorcida de suas obrigações, no caso

das favelas de Volta Redonda, a prefeitura fez a distribuição de títulos de uso da

terra, criando inclusive um panfleto denominado Cartilha do Posseiro que foi

distribuída, no sentido de orientar os favelados (denominado pelo poder público

de posseiros) das normas para terem seus títulos de posse, numa intenção de

caracterizar uma concessão por parte do Estado.

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Este processo participativo dos favelados no movimento do direito à

moradia foi o fator decisivo de pressão para as autoridades locais no sentido de

reconhecer o problema como responsabilidade do Estado, demonstrado na

evolução deste trabalho e constatado nos depoimentos dos dois maiores atores

desse processo o prefeito Benevenuto dos Santos Neto e do bispo diocesano D.

Waldyr Calheiros, quando nos afirma que incontestavelmente, a luta dos

favelados de Volta Redonda foi uma conquista, através de suas lutas e

perseverança na busca do seu direito à cidadania.

Esta conquista, reflete-se nos anos subseqüentes, no movimento operário

que, na luta por melhoria salarial e melhoria das condições de trabalho, acaba

por enfrentar a força máxima da coerção de Estado (o exército), constituindo

uma ruptura da imagem do operário dócil e disciplinado que se propunha forjar

no projeto CSN.

E, mais especificamente no campo urbano, podemos, nos dias de hoje,

reconhecer o valor da luta participativa dos favelados de Volta Redonda quando

constatamos que dos cento e trinta e quatro Núcleos de Posse, cadastrados e

reconhecidos pela administração pública de Volta Redonda todos foram

urbanizados, sendo que os mais populosos e distantes do centro urbano, contam

com a presença de aparelhos urbanos como postos de saúde, escolas, praças e

vários com ginásios poliesportivos tendo atividades acompanhadas pela

Secretária de Esporte e Lazer.

Enfim, o movimento dos favelados de Volta Redonda nos deixam dois

legados importantes: a solidariedade entendendo que quando mobilizamos por

outrem é por nós mesmos que nos mobilizamos em primeiro lugar. Quando

somos solidários, os primeiros beneficiários somos nós, que assumimos nosso

lugar na história, deixamos de ser vítimas, os chorões, os queixosos, os

desesperançados. Na solidariedade resgatamos a grandeza e a dignidade em

busca de uma cidadania plena. A participação, caminhando de forma mais

consistente, sendo os responsáveis reais pelos avanços históricos na direção da

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riqueza do bem-estar, descobrindo, que a forma de pressionar o estado a assumir

suas responsabilidades é assumirmos as nossas.

Nada se produz de significativo, nada se administra com eficácia e

eficiência, nada se distribui, sem permanente criatividade e participação popular.

Assim não abdicamos da sustentação do edifício democrático que é a

representação que o cidadão faz de si mesmo, fazendo sua parte, não esperando

pelas famigeradas elites, pelos poderosos, pelos que quase nunca chegam.

Neste trabalho tem por objetivo tratar o histórico do processo de

favelamento desta cidade sem a preocupação de uma narrativa rigidamente

histórica, escapando da linguagem temporal, mas buscando no desenvolvimento

das favelas uma interpretação dentro de uma visão da geografia humana,

observando na sua evolução a dialética espaço, tempo e ser social como Edward

Soja nos mostra de forma resumida numa seqüência de premissas interligadas:

“A espacialidade é um produto social consubstanciado e reconhecível,

parte de uma ‘segunda natureza’ que incorpora, ao socializá-los e transformá-

los, os espaços físicos e psicológicos. Como produto social a espacialidade é,

simultaneamente, o meio e o resultado, o pressuposto e a encarnação da ação e

da relações sociais. A estruturação espaço-temporal da vida social define o

modo, como a ação e a relação social (inclusive as relações de classe) são

materialmente constituídas, concretizadas. O processo de

constituição/concretização é problemático, repleto de contradição e de lutas

(em meio a muitas coisas recorrentes e rotineiras). As contradições decorrentes,

primordialmente, da dualidade do espaço produzido, como

resultado/encarnação/produto e meio/pressuposto/produto da atividade social.

A espacialidade concreta – a geografia humana efetiva – é pois, um terreno

competitivo da lutas pela produção e reprodução social, de práticas sociais que

visam, quer à manutenção e reforço da espacialidade existente, quer a uma

reestruturação significativa e/ou a uma transformação radical. A temporalidade

da vida social, desde as rotinas e eventos da atividade cotidiana até a

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construção da história em prazo mais longo (événement e durée, para usarmos

a linguagem de Braudel), radica-se na contingência espacial, exatamente do

mesmo modo que a espacialidade da vida social se enraíza na contingência

temporal/histórica. A interpretação materialista da história e a interpretação

materialista da geografia são inseparavelmente entremeadas e teoricamente

concomitante, sem nenhuma priorização intrínseca de uma em relação à outra”.

A história de Volta Redonda é uma contribuição para a aceitação de uma

interpretação materialista da espacialidade e de um materialismo histórico

geográfico, para a compreensão e a mudança das espacializações capitalistas.

Pois o que parecia uma ação alternativa e até mesmo desesperada marcada

pela carência, na ocupação de encostas e de terras públicas, que para o capital

não representava prejuízo, acabou por criar o que Lefebvre denominou de

segunda natureza, que é a espacialidade transformada e socialmente

concretizada que emerge da aplicação do trabalho humano deliberado.

Estas populações distribuídas por várias partes da cidade, apesar da

aparente neutralidade e até indiferença em relação a seus conteúdos, constroem

através da solidariedade e da participação um espaço repleto de ideologias.

Através de sua organização política expressam as relações sociais mas, também

e/ao mesmo tempo reagem contra elas e assim estruturam no espaço-temporal da

vida social.

Redefinindo o modo de ação e relações de classe e até mesmo através de

suas contradições vão reafirmando a geografia humana efetiva no terreno

competitivo de lutas pela produção e reprodução das práticas sociais na busca da

manutenção e reforço da espacialidade existente em direção a transformações

radicais que garantam sua cidadania representada no direito de morar buscando

formalizar sua identidade a um lugar um ponto de referência física a sua

existência.

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FONTES DOCUMENTAIS

Arquivos da CSN

Relatórios da Diretoria (1942-1967)

Estatuto da CSN

Relatórios de construção de habitações pela CECISA

Arquivos do IBAM

Pasta documental de Volta Redonda

Arquivos da COHAB e IPPU

Relatório estatístico da população favelada de Volta Redonda

Relatório da evolução das favelas de Volta Redonda

Arquivos da Cúria Diocesana

Atas de reuniões do Conselho Pastoral Regional (1970-1980)

Atas das Assembléias da regional Volta Redonda (1970-1980)

Arquivos da Câmara Municipal de Volta Redonda

Leis promulgadas entre 1982 e 1985.

ENTREVISTAS

Maria de Lurdes Lopes, liderança do movimento da Pastoral da Terra, da Igreja

local. Entrevista realizada em 06 de maio de 2001.

Benevenuto dos santos Neto, prefeito de Volta Redonda no período de 1982 a

1985. Entrevista realizada em 25 de setembro de 2002.

Dom Waldyr Calheiros de Novaes, bispo aposentado da Diocese de Volta

Redonda e Barra do Piraí. Entrevista realizada em 11 de setembro de 2002.

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QUADRO I

Habitações construídas pela CECISA em Volta Redonda (1969-1982)

Empreendimento Unidades Ano Padrão

Siderópolis 390 69 Popular

Casa de Pedra 420 71 Popular

N. S. das Graças *24 71 Médio

Jardim Primavera 41 72 Médio

Laranjal 10 72 Superior

Ed. Sesqüicentenário e Sta. Cecília *24 73 Médio

Tangerinal e BelaVista 10 74 Superior

Fralda Norte Laranjal 21 75 Superior

Laranjal 2 75 Superior

Jardim Suíça 10 75 Superior

Ed. Bethovem *12 76 Médio

Ed. Vivaldi *12 76 Médio

Jardim Suíça 3 77 Superior

Ed. Vila Lobos *12 77 Médio

Jardim Veneza I 52 77 Médio

Siderópolis 5 77 Médio

Siderópolis 24 77 Popular

Vila Santa Cecília 5 78 Superior

Jardim Veneza III 20 78 Médio

Vivendas do Rosário 12 78 Médio

Jardim Veneza III 44 79 Médio

Jardim Veneza IV 51 80 Médio

Jardim Veneza V 36 80 Médio

Siderópolis / Casa de Pedra 45 80 Médio

Volta Grande PROHEMP/CSN 205 80 Médio

Jardim Esperança 56 81 Popular

Vivendas do Rosário 1 81 Médio

Jardim Esperança II 45 81 Médio

Jardim Tiradentes 1.732 82 Popular

Volta Grande III 826 82 Popular

TOTAL DE UNIDADES 4.150 - -

Fonte: CECISA - Quadro geral de produção, 1982.

• Apartamentos

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Quadro II

Habitações construídas pela COHAB em Volta Redonda (1967-1985)

Empreendimento Unidades Ano Tipo BNH

Santo Agostinho 151 1967 Casa Habitacional

Vila Harmonia 105 1969 Casa Habitacional

São Carlos 46 1971 Casa Habitacional

Gleba I 212 1971/1976 * Lote PROFILURE

Açude I 630 1979 Lote PROFILURE

Mariana Torres 222 1980 Casa Habitacional

Coqueiros 249 1980 Casa Habitacional

Casas Brancas 236 1979/1980 * Lote PROFILURE

Lotes 71 1980 Lote PMVR

Vila Brasília 770 1980 Lote PROFILURE

Açude III 53 1981 Lote PROFILURE

Açude II 599 1982 Embrião PROFILURE

Morada do campo 38 1984 Embrião PROMORAR

Caieira I 326 1984 Embrião PROMORAR

Santa Cruz 2500 1985 Casa/ aptº Habitacional

Caieira II 51 1985 Casa FICAM

Número Total de Unidades : 6259

Fonte: COHAB/VR

* - Casos em que o 1º ano é o de conclusão do empreendimento e o 2º é aquele em que foi enquadrado em um

programa habitacional pelo BNH

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