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FACULDADES DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA – FESP DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO
ESPECIALIZAÇÃO DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E SEGURANÇA PÚBLICA
SÉRGIO TIBURCIO NÓBREGA
DOS CRIMES QUE ADMITEM OU NÃO A PRISÃO EM FLAGRANTE
CABEDELO/PB 2018
2
SÉRGIO TIBURCIO NÓBREGA
DOS CRIMES QUE ADMITEM OU NÃO A PRISÃO EM FLAGRANTE
Monografia apresentada ao Departamento de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Especialista em Direito Penal, Processual Penal e Segurança Pública. Orientador: Prof. Markus Samuel Leite Norat Área: Direito Penal, Processual Penal e Segurança Pública
CABEDELO/PB 2018
3
N754d Nóbrega, Tiburcio Sérgio. Dos crimes que admitem ou não a prisão em flagrante / Tibúrcio Sérgio Nóbrega – Cabedelo, 2018. 65f Orientador: Profº Esp. Markus Samuel Leite Norat. Monografia (Especialização em de Direito Penal, Processo Penal e Segurança Pública) Faculdade de Ensino Superior da Paraiba. 1. Código de Processo Penal. 2. CPP. 3. Crime. 4. Prisão. Prisão em Flagrante. I. Título.
BC/Fesp CDU: 343.2
4
TERMO DE RESPONSABILIDADE
Eu, Sérgio Tibúrcio Nóbrega, responsabilizo-me integralmente pelo conteúdo deste trabalho monográfico, sob o título “DOS CRIMES QUE ADMITEM OU NÃO A PRISÃO EM FLAGRANTE”, apresentado ao Departamento de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da FESP Faculdades, como parte dos requisitos exigidos para a conclusão do Curso de Pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Segurança Pública, eximindo terceiros de eventuais responsabilidades sobre o que nela está escrito.
Cabedelo, 26 janeiro de 2018.
____________________________________ Sérgio Tibúrcio Nóbrega
RG 2647617 SSP/PB
5
SÉRGIO TIBURCIO NÓBREGA
DOS CRIMES QUE ADMITEM OU NÃO A PRISÃO EM FLAGRANTE
BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Gabriela Henrique da Nóbrega
________________________________________ Pablo Juan Nóbrega de Souza da Silveira
________________________________________ Susyara Medeiros de Souza
Atribuição de nota: ______________________
Cabedelo, _____ / _______________ / ______
CABEDELO/PB 2018
6
Dedico este trabalho à minha família, que esteve sempre comigo em todos os caminhos.
7
AGRADECIMENTOS
À Deus, primeiramente por tudo, pelo dom da vida, sem o qual não estaria aqui para poder escrever esta monografia. Aos meus familiares que sempre me apoiaram em minhas decisões, mesmo as mais difíceis, em que estes ficaram relutantes, porém sempre pondo sua confiança em minha pessoa acima de tudo. À minha esposa Amanda Lopes, principalmente a ela, por ser minha base de sustentação e carinho nos dias de estresse, quando, em várias vezes pensei em desistir, por causa dos problemas que a vida trás. Aos amigos, não menos importantes, pois estes apoiam de maneira diversa dos familiares, sempre com uma conversa, um ombro amigo na hora da precisão. Por fim, a todos aqueles que se fizeram, e fazem, importantes em minha vida, dando apoio, força para levantar a cada dia e seguir em frente.
8
“O Ontem é História; o Amanhã é um Mistério, mas o Hoje é uma Dádiva, por isso se chama Presente”.
Mestre Oogway - Kung Fu Panda
9
RESUMO
NOBREGA, Sérgio Tibúrcio. Dos Crimes que Admitem qu Não A Prisão em Flagrante. 2018. 50p. Monografia (Pós Graduação em Segurança Pública, Direito Penal E Processo Penal – Turma 2016), Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP FACULDADES, Cabedelo.
Este trabalho monográfico tem por objetivo o estudo dos aspectos jurídicos da prisão em flagrante, analisando as situações fáticas que admitem ou não a sua realização. O interesse em considerar este tema surgiu pelo fato de que nos dias atuais, com o aumento da criminalidade e a falta de total proteção por parte do Estado, muitas vezes nos deparamos com situações em que o cidadão comum pode vir a suprir esta falta e deter algum delito que esteja acontecendo ou que acabara de ocorrer. Através de uma pesquisa primordialmente bibliográfica verificamos os fatos típicos que admitem a efetivação da prisão em flagrante.
Palavras-chave: Código de Processo Penal. CPP. Crime. Prisão. Prisão em Flagrante.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................. 12
CAPÍTULO I DAS PRISÕES ............................................................. 14
1.1 Noções Gerais .......................................................................... 14
1.1.1 Prisão Pena ....................................................................................... 14 1.1.2 Prisão Cautelar ou Provisória ............................................................ 16
1.2 Prisão Preventiva ....................................................................... 18
1.2.1 Conceito ............................................................................................ 18 1.2.2 Pressupostos ..................................................................................... 18 1.2.3 Fundamentos que Admitem a Decretação ........................................ 20
1.2.3.1 Garantia da Ordem Pública .................................................. 20 1.2.3.2 Garantia da Ordem Econômica ............................................ 21 1.2.3.3 Conveniência da Instrução Criminal ..................................... 21 1.2.3.4 Garantia de Aplicação da Lei Penal ...................................... 21 1.2.3.5 Descumprimento de Qualquer das Obrigações Impostas
por Força de Outras Medidas Cautelares ............................................................ 21 1.2.4 Admissibilidade ou Crimes que Comportam a Preventiva ................. 22
CAPÍTULO II DA PRISÃO EM FLAGRANTE ................................... 24
2.1 Conceito .................................................................................... 24
2.2 Natureza Jurídica ..................................................................... 25
2.3 Sujeitos do Flagrante ............................................................... 27
2.3.1 Sujeito Ativo ...................................................................................... 27 2.3.2 Sujeito Passivo .................................................................................. 28 2.3.3 Autoridade Competente .................................................................... 33
2.4 Espécies de Flagrante .............................................................. 33
2.4.1 Flagrante Compulsório ou Obrigatório .............................................. 33 2.4.2 Flagrante Facultativo ......................................................................... 35 2.4.3 Flagrante Próprio (Propriamente Dito ou Real) ................................. 36 2.4.4 Flagrante Impróprio (Irreal ou Quase Flagrante) ............................... 38 2.4.5 Flagrante Presumido (Ficto ou Assimilado) ....................................... 41 2.4.6 Flagrante Esperado ........................................................................... 43 2.4.7 Flagrante Preparado ou Provocado .................................................. 44
11
2.4.8 Flagrante Prorrogado ........................................................................ 47 2.4.9 Flagrante Forjado .............................................................................. 48
CAPÍTULO III CRIMES QUE ADMITEM OU NÃO PRISÃO EM
FLAGRANTE ........................................................................... 50
3.1 Crime Permanente .................................................................... 50
3.2 Crime Habitual .......................................................................... 53
3.3 Crime de Ação Penal Privada ou de Ação Pública
Condicionada à Representação ............................................ 56
3.4 Crime Continuado .................................................................... 57
3.5 Infração de Menor Potencial Ofensivo .................................... 59
3.6 Algumas Situações Específicas .............................................. 62
3.5.1 Crime de Participação em Suicídio ................................................... 62 3.5.2 Crime de Receptação ........................................................................ 62 3.5.3 Homicídio e Lesão Culposa na Direção de Veículo Automotor ......... 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 64
REFERÊNCIAS ................................................................................. 65
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata sobre as situações em que o indivíduo que
vem a praticar atos tipificados como delito, dentro no nosso sistema penal,
possa ou não ser detidos em flagrante delito.
Sabemos que nos dias conturbados que vivemos, com o aumento da
criminalidade e a falta de total proteção por parte do Estado, seja por
ineficiência, seja pela falta de quantitativo pessoal para patrulhar as ruas,
muitas vezes nos deparamos com situações em que o cidadão comum pode vir
a suprir esta falta e deter algum delito que esteja acontecendo ou que acabara
de ocorrer.
Logo, o objetivo deste trabalho é analisar as nuances da prisão em
flagrante, analisando seus sujeitos, ativo ou passivo, as espécies de flagrante
que podem existir em várias situações distintas, bem como analisar as
situações ensejadoras de flagrante.
Em relação ao objetivo específico deste trabalho, sua principal
abordagem é na analise das situações diversas de determinados tipos penais
que admitem ou não a efetivação da prisão em flagrante.
A vertente metodológica utilizada é a qualitativa, o método de
procedimento é o monográfico; com abordagem hipotético-dedutivo, através de
pesquisa indireta através de livros, sites da internet, jurisprudências entre
outros.
No primeiro capítulo iremos abordar, de forma geral, os aspectos gerais
das prisões, onde traremos o conceito, alguns tipos de prisões, como também
analisaremos as prisões que não são o objeto principal de estudo desta
monografia. Lembrando que não iremos tratar da Prisão Temporária, pois está
disciplinada em lei específica.
Em um segundo momento, adentaremos nos pormenores da prisão em
flagrante, analisando seus conceitos, natureza jurídica, pessoas que compõem
a prisão em flagrante em si, aqueles que podem ser presos em flagrante delito
ou não e as espécies de flagrantes existentes em nosso ordenamento jurídico,
para, assim, termos um melhor entendimento sobre o tema desta monografia.
13
Na terceira parte do trabalho, traremos o tema específico deste trabalho.
Aqui, vislumbraremos algumas particularidades de certos tipos penais, os quais
podem vir a ser alvo de prisão em flagrante ou não. As divergências
doutrinárias sobre o tema, bem como jurisprudências de nossos tribunais, que
comprovam o ponto de vista dos doutrinadores.
14
CAPÍTULO I
Das Prisões
1.1 Noções Gerais
O conceito de prisão vem do ato de prender ou capturar aquele que
cometeu algum ato ilícito, fazendo-se, assim, com que o mesmo perca a sua
liberdade.
O site Wikipédia traz alguns esclarecimentos sobre o termo prisão:
A palavra tem origem no termo latino vulgar prensione, derivado do
termo latino clássico e popular prehensione - ato de prender - e
também da vulgar expressão latina presione para "ensinar, dar aula
escolar”, principalmente do latim assimilado pelas culturas anglo-
portuguesas. Por extensão, o conceito também abarca a pena em
que há privação completa da liberdade1.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues conceituam prisão como “o
cerceamento da liberdade de locomoção, é o encarceramento”2.
1.1.1 Prisão Pena
A doutrina costuma dividir a prisão em duas modalidades. A primeira é
a denominada prisão pena, que é aquela que advém de uma condenação
penal, regulada pelo Código Penal Brasileiro, em que o indivíduo que praticou
ato delituoso foi processado, e, ao final, condenado. É a resposta estatal ao
delito ocorrido.
Victor Gonçalves e Alexandre Reis conceituam essa espécie de pena
em sua obra, colocando da seguinte forma:
1 PRISÃO. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Wikipédia, 2018. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Pris%C3%A3o>. Acesso em: 20 jan. 2018. 2 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed. rev. e ampl., Salvador: Ed. JusPodivm, 2014. p. 701.
15
A primeira refere-se ao cumprimento de pena por parte de pessoa
definitivamente condenada a quem foi imposta pena privativa de
liberdade na sentença. Essa forma de prisão, denominada prisão
pena, é regulamentada na Parte Geral do Código Penal (arts. 32 a
42) e também pela Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84). Seu
cumprimento se dá em regime fechado, semiaberto ou aberto,
podendo o réu progredir de regime mais severo para os mais brandos
após o cumprimento de parte da pena e desde que tenha
demonstrado méritos para a progressão3.
Como dito acima, a prisão pena consiste na sanção específica
decorrente da transgressão das nossas regras penais. E esta modalidade de
pena pode vir a ser aplicada, de acordo com as regras do Código Penal, em
duas modalidades, a reclusão e a detenção, melhor explicadas por Victor
Eduardo Rios e André Estefam, sem sua obra:
No Código Penal, as modalidades de pena que privam o condenado
de seu direito de ir e vir subdividem-se em reclusão e detenção. A
reclusão é prevista para as infrações consideradas mais graves pelo
legislador, como, por exemplo, homicídio, lesão grave, furto, roubo,
estelionato, apropriação indébita, receptação, estupro, associação
criminosa, falsificação de documento, peculato, concussão, corrupção
passiva e ativa, denunciação caluniosa, falso testemunho, tráfico de
drogas, tortura etc. Já a detenção costuma ser prevista nas infrações
de menor gravidade, como, por exemplo, nas lesões corporais leves,
nos crimes contra a honra, constrangimento ilegal, ameaça, violação
de domicílio, dano, apropriação de coisa achada, ato obsceno,
prevaricação, desobediência, desacato, comunicação falsa de crime,
autoacusação falsa etc4.
A pena de reclusão, como visto, é mais severa, devendo ser cumprida
em regime fechado, semiaberto ou aberto. No primeiro caso, o condenado
3 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Processual
Penal Esquematizado. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p.449. [PDF File]. 4 ESTEFAM, André; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte
Geral. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 516. [PDF File].
16
deverá cumprir a pena em estabelecimento prisional de segurança máxima ou
média. No caso do semiaberto, a execução se dá em colônia penal agrícola,
industrial ou estabelecimento similar. No ultimo, o regime aberto, aquele que foi
condenado à este regime, deverá o cumprir em casa de albergado ou
estabelecimento adequado.
Já a pena de detenção, por ser mais branda, não pode ser iniciada no
regime fechado. Restando somente a possibilidade de o apenado começar o
cumprimento de sua pena em regime semiaberto ou aberto.
Por fim, como este trabalho está mais focado em analisar as prisões
processuais, principalmente a prisão em flagrante, deixamos para analisar as
nuances deste enfoque em Direito Penal em outra oportunidade.
1.1.2 Prisão Cautelar ou Provisória
O segundo tipo de prisão em nosso sistema, é a denominada prisão
processual, ou prisão sem pena, ou cautelar. Esta poderá ser decretada
quando houver a necessidade de segregação cautelar do autor do fato, durante
a fase investigativa ou, da própria ação penal. Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues ensinam a necessidade desta pena em sua obra, quando afirma
que:
No transcorrer da persecução penal, contudo, é possível que se faça
necessário o encarceramento do indiciado ou do réu, mesmo antes
do marco final do processo. Isto se deve a uma necessidade
premente devidamente motivada por hipóteses estritamente previstas
em lei, traduzidas no risco demonstrado de que a permanência em
liberdade do agente é um mal a ser evitado. Surge assim a
possibilidade da prisão sem pena, também conhecida por prisão
cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da
excepcionalidade5.
5 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P. 701.
17
Lembre-se que, entre nós, vige o princípio da presunção da inocência,
insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, segundo o qual
“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”. Porém, mesmo sendo regidos por este princípio
constitucional, nada impede que seja decretada a prisão processual daquele
que comete delito, uma vez que, a própria Constituição prevê a possibilidade
de que haja a prisão em flagrante daquele que é pego cometendo um ato
delituoso, como também, em caso de ordem escrita e fundamentada da
autoridade julgadora competente para tal.
Trata-se de medida excepcional, e somente poderá ser decretada
quando houver necessidade. Nessa linha de raciocínio, Victor Gonçalves e
Alexandre Reis assim explanam:
A prisão processual, entretanto, é medida excepcional, que só deve
ser decretada ou mantida quando houver efetiva necessidade (grande
periculosidade do réu, evidência de que irá fugir do país etc.). Além
disso, o tempo que o indiciado ou réu permanecer cautelarmente na
prisão será descontado de sua pena em caso de futura condenação
(detração penal)6.
Tem caráter auxiliar, sendo imposta para garantir que o processo atinja
sua finalidade. Não possui vínculo com a gravidade da acusação em si, mas
com a satisfação das necessidades cautelares da investigação criminal e do
respectivo processo.
Fernando Capez, em seu livro, disserta que é necessário o
preenchimento de alguns pressupostos para a efetivação dessa medida
cautelar:
Depende do preenchimento dos pressupostos do periculum in mora e
do fumus boni juris. Há casos em que não se pode aguardar o
término do processo para, somente então, privar o agente de sua
liberdade, pois existe o perigo de que tal demora permita que ele,
solto, continue a praticar crimes, atrapalhe a produção de provas ou
desapareça, impossibilitando a futura execução7.
6 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 449-450. 7 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 308
18
1.2 Prisão Preventiva
1.2.1 Conceito
Trata-se de prisão de natureza cautelar ou processual, decretada pela
autoridade judicial, quando presentes os pressupostos de sua aplicação.
Poderá ser aplicada tanto na fase inquisitorial quanto em fase processual.
Considera-se como a sanção máxima que o sujeito poderá receber antes do
julgamento definitivo da ação penal a qual responde. Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues a conceituam como sendo:
Prisão de natureza cautelar mais ampla, sendo uma eficiente
ferramenta de encarceramento durante toda a persecução penal, leia-
se, durante o inquérito policial e na fase processual. Até antes do
trânsito em julgado da sentença, admite-se a decretação prisional por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial competente,
desde que presentes os elementos que simbolizem a necessidade do
cárcere, pois a preventiva, por ser medida de natureza cautelar, só se
sustenta se presentes o lastro probatório mínimo legal que
fundamente a necessidade do encarceramento8.
Por estarmos diante de uma medida de exceção, de natureza cautelar,
para a sua decretação devem estar presentes os pressupostos de
demonstração de crime, indícios de autoria e a prova da materialidade. Além,
do mais, também se faz necessário a prova da necessidade de se separar o
suspeito da prática do delito da sociedade.
1.2.2 Pressupostos O artigo 312 do Código de Processo Penal trás, na parte final de seu
caput, os pressupostos de admissibilidade da aplicação da prisão preventiva.
Para a sua decretação, como afirmado anteriormente, é fundamental a
demonstração da existência do crime, revelando a sua materialidade, bem
8 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P. 732.
19
como os indícios suficientes de autoria. Estes pressupostos formam, o que a
doutrina chama de fumus commissi delicti.
Note-se que em relação aos indícios de autoria, como a própria
terminologia da palavra sugere, não se faz necessário que haja uma prova
robusta de sua participação no delito. Basta que existam vestígios de que o
mesmo participou da ação para que esteja configurado este pressuposto.
Ademais, a decisão que decreta a prisão preventiva deverá vir
fundamentava em uma das situações prevista em lei. A sua falta, poderá dar
causa à revogação da preventiva. Nestes termos, nos apegamos à lição de
Vitor Eduardo Rios e Alexandre Reis:
A decisão, ademais, deve ser suficientemente fundamentada em uma
das hipóteses legais, não bastando ao juiz, por exemplo, dizer,
genericamente, que aquele tipo de crime é grave. Deve, desse modo,
apreciar as circunstâncias específicas que tornam grave aquele crime
em apreciação no caso concreto e que tornam temerária a liberdade
do réu ou, ainda, justificar a medida em outra das hipóteses legais
(risco de fuga, ameaça a testemunhas etc.). A insuficiência da
fundamentação dará causa à revogação da prisão por meio de
habeas corpus interposto em prol do acusado9.
Corroborando com as palavras acima, extraímos de alguns julgados, a
posição de nossos tribunais. Nesse sentido:
A fundamentação da prisão preventiva — além da prova da existência
do crime e dos indícios de autoria —, há de indicar a adequação dos
fatos concretos à norma abstrata que a autoriza como garantia da
ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal (CPP, arts. 312 a 315). A
gravidade do crime imputado, um dos malsinados crimes hediondos
(Lei n. 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva que
tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do
resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar
necessária: não serve a prisão preventiva, e nem a Constituição
permitiria que pra isso fosse utilizada, a punir sem processo, em
9 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 478.
20
atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (CF, art. 5º, LVII) (STF — RHC 68.631 — 1ª Turma —
Rel. Min. Sepúlveda Pertence — DJ 23.08.1991 — p. 11.265).
1.2.3 Fundamentos que Admitem a Decretação Para que a preventiva seja decretada, além dos pressupostos de
materialidade e indícios de autoria, necessário se faz a comprovação, a
fundamentação, de que fique evidenciada a necessidade da prisão. É o que se
chama de periculum libertatis. Victor Eduardo Rios e Alexandre Reis, sobre o
tema, esclarecem-no da seguinte maneira:
Esse tópico refere-se aos motivos (às razões de fato) que autorizam o
juiz a decretar a prisão preventiva, sendo, portanto, aspecto
primordial do tema. De acordo com o art. 312 e seu parágrafo único,
pode ela ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a
aplicação da lei penal ou em caso de descumprimento das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares10.
1.2.3.1 Garantia da Ordem Pública Este fundamento tem por objetivo a proteção da sociedade, tirando o
acusado de seu seio, fazendo com o que mesmo não volte a delinquir no curso
da ação penal, ou do inquérito policial.
Havendo a possibilidade de que o infrator, ao permanecer em
liberdade, continuará delinquindo, é fundamento para a que seja decretada a
cautelar. É necessário que se comprove o risco deste fundamento, conforme
lecionam Nestor Távora e Rosmar Rodrigues:
As expressões usuais, porém evasivas, sem nenhuma demonstração
probatória, de que o indivíduo é um criminoso contumaz, possuidor
de uma personalidade voltada para o crime, etc., não se prestam,
sem verificação, a autorizar o encarceramento. A mera existência de
antecedentes criminais também, não seria, por si só, um fator de
10 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 481.
21
segurança [...]. Obriga-se, assim, ao magistrado contextualizar a
prisão e seu fundamento11.
1.2.3.2 Garantia da Ordem Econômica Tem como objetivo a frustração aos crimes à ordem econômica, ou
seja, impedir que o infrator, em caso de liberdade, continue a praticar novas
infrações que venham a afetar a ordem econômica. Assim é tratado o tema por
Victor Eduardo Rios e Alexandre Reis:
Trata-se de prisão decretada a fim de coibir graves crimes contra a
ordem tributária (arts. 1º a 3º da Lei n. 8.137/90), o sistema financeiro
(Lei n. 7.492/86), a ordem econômica (Lei n. 8.176/91; arts. 4º a 6º da
Lei n. 8.137/90) etc. São os crimes de “colarinho branco” de grande
repercussão que podem gerar prejuízos disseminados a investidores
de bolsa de valores, a instituições financeiras e até mesmo aos
órgãos do Governo12.
1.2.3.3 Conveniência da Instrução Criminal
Visa à proteção das provas, impedindo que o investigado venha a
atrapalhar o rumo da investigação criminal. Com o infrator preso, evita-se que
este possa destruir as provas, ameaçar testemunhas, vindo a comprometer a
busca da verdade.
1.2.3.4 Garantia de Aplicação da Lei Penal
Tem por objeto impedir que o agente infrator venha a se evadir do
local, ou mesmo do país. Impede-se, com sua prisão, possível fuga que tenha
como intuito se eximir de eventual condenação penal, não cumprindo a sansão
penal correspondente.
11 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P. 733. 12 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 483.
22
1.2.3.5 Descumprimento de Qualquer das Obrigações Impostas por
Força de Outras Medidas Cautelares
Nossa legislação prevê a aplicação de outras medidas cautelres menos
gravosas ao direito de liberdade do acusado, as quais devem ser aplicadas de
forma preferível à prisão preventiva. Assim, em caso de descumprimento da
medida imposta, deverá ser imposta a preventiva, uma vez que a mesma se
mostrou ineficaz. Assim esclarece Victor Eduardo Rios e Alexandre Reis:
Desde o advento da Lei n. 12.403/2011, o juiz pode optar pela
aplicação de medida cautelar diversa da prisão caso a entenda
adequada e suficiente diante do caso concreto. Suponha-se que o
juiz proíba o acusado de manter contato com determinada pessoa
relacionada ao fato criminoso (art. 319, III, do CPP) e ele, em
liberdade, descumpra a medida, ou que o juiz determine o
monitoramento eletrônico do réu e ele destrua a tornozeleira
eletrônica. Em tais casos, diz o art. 312, parágrafo único, do CPP que
o juiz pode decretar a prisão preventiva.
1.2.4 Admissibilidade ou Crimes que Comportam a Preventiva
Por fim, o Código de Processo Penal, em seu artigo 313, esclarece que
somente a presença de um dos fundamentos da prisão não se faz suficiente à
sua decretação. Ela só poderá ser decretada em determinados tipos penais.
Senão vejamos:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a
decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade
máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do
art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal;
23
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de
urgência;
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando
houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não
fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso
ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo
se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
São as chamadas condições de admissibilidade. Logo, para que seja
decretada a prisão preventiva, é necessária a presença de ambos os
pressupostos (fumus commissi delicti – artigo 312), bem como de um dos
fundamentos (periculum libertatis – artigo 312) e de uma das condições de
admissibilidade (crimes que suportam a prisão – artigo 313).
24
Capitulo 02
Da Prisão em Flagrante
2.1 Conceito
Os dicionários da língua portuguesa definem o flagrante como aquilo
que está acontecendo, ardendo, naquele exato momento, aquilo que não se
pode negar:
Adjetivo de dois gêneros: Que se viu ou se registrou no momento
exato de seu desenvolvimento (ocorrência): flagrante crime.
Que não se consegue negar nem contestar; incontestável.
Que está repleto de vigor ou entusiasmo; acalorado.
Que ficou corado pelo excesso de emoção, medo ou susto; corado.
Substantivo masculino. Aquilo que é visto ou registrado no exato
momento em que ocorre.
O que pode comprovar ou documentar essa ocorrência.
Etimologia (origem da palavra flagrante): do latim flagrans.antis13.
Logo, fragrante delito é o crime que está acontecendo naquele
momento, ardendo no calor do ato, sendo evidente e notório.
Por outro lado, a prisão em flagrante é aquela exercida contra quem é
surpreendido no instante de consumação ou que tenha acabado de cometer
uma infração penal, ou, ainda, em alguma situação prevista nos incisos III e IV
do art. 302 do CPP. De acordo com o artigo citado:
“Art.302. Considera-se em flagrante delito quem:
I. Está cometendo uma infração penal;
II. Acaba de cometê-la;
III. É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por
qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da
infração;
13 FLAGRANTE. In: Dicionário Online Português, 2018. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/flagrante>. Acesso em: 20 jan. 2018.
25
IV. É encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou
papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”
Tem como objetivo evitar que a infração penal se consume ou haja o
exaurimento da mesma, uma possível fuga do infrator, bem como,
assegurando-se a garantia e colheita dos elementos probatórios e informativos
de todo o acontecido.
2.2 Natureza jurídica
Como dito anteriormente, existem duas modalidades de prisões: a que
se denomina Prisão Pena, como sendo aquela que se refere à pena definitiva
que o condenado foi sentenciado em processo penal, regulamentada na parte
geral do Código de Processo Penal; e a Prisão Processual, ou Cautelar, em
que o agente do delito deve ser separado do convívio social, previamente a
uma sentença penal condenatória, em virtude da investigação ou andamento
da ação penal.
Logo, verifica-se que a prisão em flagrante se encaixa nas
características da prisão cautelar, tendo natureza administrativa, pois se
concretiza no momento em que a infração penal se desenvolve ou logo após
sua conclusão.
A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXI, autoriza
esta modalidade de prisão sem a necessidade de expedição de mandado
judicial, o que demonstra seu caráter administrativo. Senão, vejamos:
“Art. 5º. ...
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente...”
Tem como fundamento a constatação do delito que está a ocorrer de
maneira evidente, não sendo necessária a análise de um juiz de direito,
assegurando-se, assim, a colheita das provas da materialidade e da autoria.
26
Este é o pensamento de Guilherme Souza Nucci, quando assim
transcreve sobre a natureza penal da prisão em flagrante, em sua obra Código
de Processo Penal Comentado:
É medida cautelar de segregação provisória, com caráter
administrativo, do autor da infração penal. Assim, exige apenas a
aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a
ilicitude e a culpabilidade, outros requisitos para a configuração do
crime. É o fumus boni juris (fumaça do bom direito). Tem,
inicialmente, natureza administrativa, pois o auto de prisão em
flagrante, formalizador da detenção, é realizado pela Polícia
Judiciária, mas se torna jurisdicional, quando o juiz, tomando
conhecimento dela, ao invés de relaxá-la, prefere mantê-la, pois
considerada legal, convertendo-a em preventiva. (…). Quanto ao
periculum in mora (perigo na demora), típico das medidas cautelares,
é ele presumido quando se tratar de infração penal em pleno
desenvolvimento, pois ferida estão sendo a ordem pública e as leis.
Entretanto, cabe ao juiz, após a consolidação do auto de prisão em
flagrante, decidir, efetivamente, se o periculum existe, permitindo, ou
não, que o indiciado fique em liberdade14.
Concordando com o posicionamento acima, Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues Alencar, citando Tourinho filho, considera a natureza jurídica da
prisão em flagrante como um ato complexo:
Com duas fases bem distintas: a primeira, que diz respeito à prisão-
captura, de ordem administrativa, e a segunda, que se estabelece no
momento e que se faz a comunicação ao juiz, de natureza
processual, quando a homologação ou manutenção ou transformação
da prisão somente deve ocorrer se presente um dos fundamentos
para a decretação da prisão preventiva (seria assim, ato
administrativo na origem, sendo judicializado ao final)15.
14 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. – 15. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 432. [PDF File]. 15 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. Apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30ª ed. São Paulo: Saraiva: 2008, p. 456-457.
27
2.3 Sujeitos do Flagrante
Aqui, iremos tratar das pessoas relacionadas à prisão em flagrante,
aqueles que estão envolvidos no procedimento, que podem efetivar a prisão,
como também aqueles que podem vir a ser presos em situação de flagrante
delito.
2.3.1 Sujeito Ativo
É a pessoa que efetua a prisão. Está disciplinado no artigo 301 do
Código de Processo Penal, dispondo que qualquer do povo pode prender,
enquanto as autoridades policiais tem o dever de prender aqueles que se
encontrem em situação de flagrante delito.
Note-se que o sujeito ativo não se confunde com o condutor, que é
aquele que apresenta o preso à autoridade competente que irá presidir o
procedimento de lavratura, não sendo, necessariamente, aquele que efetuou a
prisão. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues exemplificam de forma brilhante a
situação, para que não haja confusão entre as figuras:
Imaginemos a possibilidade de populares realizarem a prisão, e
entregarem o preso ao destacamento da polícia militar, para
encaminhá-lo à delegacia. Neste caso, os policiais figurarão como
condutores, em que pese a prisão ter sido realizada por terceiros.16
Analisando o artigo 301, vimos que a lei confere a possibilidade de
qualquer do povo de prender aquele que está agindo de forma delituosa,
podendo, até mesmo, ser a vítima quem prende o criminoso. Aqui, estamos
diante do flagrante facultativo, posteriormente analisado.
Já em relação às autoridades, estes têm o dever de efetuar a prisão. É
o flagrante obrigatório, imposto pela lei. Aqui o a gente não pode deixar de
realizar a prisão, salvo em algumas situações que serão analisadas em
momento oportuno.
16 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.725
28
2.3.2 Sujeito Passivo
Qualquer pessoa que se encontre nas situações descritas no artigo 302
do Código de Processo Penal é considerado o sujeito passivo da prisão em
flagrante. É aquele que se encontra em flagrância, ou seja, o autor do fato
delituoso ou aquele que está concorrendo com o fato.
Via de regra, qualquer pessoa pode ser considerada o sujeito passivo.
Porém, existem exceções à realização da prisão em flagrante, de cunho
constitucional ou legal, uma vez que, em virtude do cargo, função, ou mesmo
do momento, não podem ser presas. Aqui, estamos diante das imunidades
prisionais.
a) Presidente da República: de acordo com o artigo 86, parágrafo 3º,
da Constituição Federal, o chefe do executivo federal somente poderá ser
preso após sentença condenatória transitada em julgado, não podendo ser
preso em nenhuma situação de flagrante delito, ou alguma outra forma de
prisão cautelar, por mais grave que seja o crime cometido.
Victor Eduardo Rios e Alexandre Reis, em sua obra, dissertam sobre
os outros membros do Executivo, Governadores dos Estados, do Distrito
Federal e dos Prefeitos Municipais, informando que tal imunidade não se
estende aos mesmos.
Por ausência de regra constitucional que estenda tal imunidade aos
Governadores dos Estados e do Distrito Federal e aos Prefeitos
Municipais, tais integrantes do Poder Executivo podem ser presos em
flagrante (ou preventivamente). O Supremo Tribunal Federal, aliás, já
decidiu, por diversas vezes, que são inconstitucionais os dispositivos
aprovados nas Constituições dos Estados que conferem aos
Governadores a mesma imunidade à prisão pela prática de crimes
comuns prevista para o Presidente da República17.
Nesse sentido, o nosso Supremo Tribunal Federal já tem se
posicionado:
17 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 461.
29
O Estado-membro, ainda que em norma constante de sua própria
Constituição, não dispõe de competência para outorgar ao
Governador a prerrogativa extraordinária da imunidade a prisão em
flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária, pois a
disciplinação dessas modalidades de prisão cautelar submete-se,
com exclusividade, ao poder normativo da União Federal, por efeito
de expressa reserva constitucional de competência definida pela
Carta da República. A norma constante da Constituição Estadual que
impede a prisão do Governador de Estado antes de sua condenação
penal definitiva não se reveste de validade jurídica e,
consequentemente, não pode subsistir em face de sua evidente
incompatibilidade com o texto da Constituição Federal. Prerrogativas
inerentes ao Presidente da República enquanto chefe de Estado. Os
Estados-membros não podem reproduzir em suas próprias
Constituições o conteúdo normativo dos preceitos inscritos no art. 86,
§§ 3º e 4º, da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas
nesses preceitos da Lei Fundamental por serem unicamente
compatíveis com a condição institucional de Chefe de Estado são
apenas extensíveis ao Presidente da República. Precedente: Adin
978-PB (STF — ADI 1.028/PE — Plenário — Rel. Min. Celso de Mello
— DJ 17.11.1995 — p. 958).
b) Diplomatas estrangeiros: estas pessoas possuem a prerrogativa de
não serem presos, uma vez que a regra imposta no artigo 1º, inciso I, do nosso
diploma processual penal, excepciona os tratados, convenções ou regras de
direito internacional, ratificados pelo Brasil, em se tratando de crimes
praticados em território nacional.
Mais uma vez, nos apropriamos das palavras de Victor Eduardo Rios e
Alexandre Reis, de forma a completar o estudo sobre o tema dos diplomatas
estrangeiros.
Assim, em razão da Convenção de Viena de 1961 sobre Relações
Diplomáticas, ratificada pelo Decreto n. 56.435/65, os agentes
diplomáticos, como os Embaixadores, não podem ser objeto de
nenhuma forma de prisão (art. 29 da Convenção). Já em relação aos
cônsules existe a Convenção de Viena de 1963, ratificada pelo
Decreto n. 61.078/67, que, em seu art. 41, caput, estabelece que os
30
funcionários consulares não poderão ser detidos ou presos
preventivamente, exceto em caso de crime grave e em decorrência
de decisão de autoridade judiciária competente. A imunidade dos
Cônsules, portanto, é mais restrita do que a dos demais agentes
diplomáticos18.
c) Membros do Congresso: estes, de acordo com o artigo 53, parágrafo
2º da Constituição Federal, somente podem ser presos em flagrante, caso o
crime cometido por eles seja considerado inafiançável. Assim determina o
referido diploma legal:
“Art. 53: ... § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de
crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da
maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”
Note-se que, os autos devem ser remetidos, dentro do prazo de 24
horas à respectiva casa (Câmara ou Senado), para que seja resolvida a
questão da prisão, podendo ser mantida ou até mesmo soltar o infrator.
Cabe ao Supremo Tribunal Federal converter a prisão em flagrante,
caso esta seja mantida, em preventiva, uma vez que estes possuem
prerrogativa de função.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues fazem uma observação bastante
oportuna sobre o tema quanto à manutenção do cargo ao qual o Senador ou
Deputado esteja investido.
Por oportuno, destacamos, com arrimo no art. 56 da CF, que o
Deputado ou Senador não perderá o mandato se investido no cargo
de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de
Estado, do DF, de Território, de Prefeitura de Capital ou de chefe de
missão diplomática temporário. Da mesma forma, se licenciado pela
respectiva casa por motivo de doença, ou para tratar sem
remuneração, de interesse particular, sendo que nesta ultima
hipótese, o afastamento não pode ultrapassar 120 dias por sessão
18 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 463.
31
legislativa. Com muita razão, se não há a perda do mandado, o
parlamentar continuará fazendo jus à imunidade, mesmo que
desempenhando as funções relatadas, ou licenciado pelas hipóteses
constitucionais19.
Porém, o STF, em entendimento diverso o autor supra, manifesta-se
pela perda da imunidade, de acordo com o Informativo nº 135:
IMUNIDADE PARLAMENTAR: INAPLICABILIDADE. O deputado
afastado de suas funções para exercer cargo no Poder Executivo não
tem imunidade parlamentar. Com esse entendimento, a Turma
indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento da ação
penal instaurada contra deputado estadual que, à época dos fatos
narrados na denúncia, encontrava-se investido no cargo de secretário
de estado. Precedente citado: Inquérito 104-RS (RTJ 99/477). HC
78.093-AM, rel. Min. Octávio Gallotti, 11.12.98.
Por fim, quanto aos deputados Estaduais, o art. 27, § 1º, da
Constituição Federal determina que sejam aplicadas as mesmas regras
relativas aos Deputados Federais, relacionadas às imunidades, aos primeiros.
Ou seja, os Deputados Estaduais, somente podem ser presos em
flagrante delito por crime inafiançável, devendo os autos ser encaminhados,
dentro de 24 horas, à Assembleia Legislativa do respectivo Estado, para que
seja decidida sobre sua prisão.
d) Membros do MP e do Poder Judiciário: estes, por terem legislação
própria, LONMP no caso dos primeiros, e LOMAN no caso dos magistrados,
possuem regras diferenciadas quanto às demais pessoas.
No caso do Ministério Público, o artigo 40, inciso III da LONMP,
assegura a estes que, só poderão ser presos em flagrante delito de crimes
inafiançáveis, devendo a autoridade fazer a comunicação e apresentação do
membro do MP ao respectivo Procurador-Geral, no prazo de 24 horas.
Em se tratando dos membros da magistratura, o artigo 33, inciso II da
LOMAN, estes também só podem ser presos em flagrante, nos casos de
19 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.725
32
crimes inafiançáveis, devendo ser apresentados imediatamente ao presidente
de seu respectivo Tribunal.
e) Advogados: estes estão amparados por legislação própria, em se
tratando de crimes cometidos no exercício da profissão. O artigo 7º, parágrafo
3º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994) assegura que “o advogado
somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão,
em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo”.
Note-se que o inciso IV, referido no § 3º não fala sobre a necessidade de o
crime ser afiançável ou não:
IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em
flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura
do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a
comunicação expressa à seccional da OAB.
Nesta situação, de flagrante de crime afiançável no exercício da
profissão, deve ser instaurado inquérito, mediante portaria, pela autoridade
policial.
Por fim, como os referidos diplomas legais não mencionam a situação
de o crime cometido não ter relação com a atividade desempenhada pelo
advogado, estamos diante de um caso em que se aplicam as regras comuns a
todos, elencadas no Código de Processo Penal.
f) Menores de 18 anos: de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em
flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente. Segundo Vitor Eduardo Rios Gonçalves:
Os menores de 18 anos são inimputáveis nos termos dos arts. 228 da
Constituição Federal e 27 do Código Penal. Por isso, não se sujeitam
às regras prisionais do Código de Processo Penal. Caso se trate de
adolescente — pessoa com 12 anos ou mais e menor de 18 — será
possível a apreensão em flagrante pela prática de ato infracional,
para posterior apresentação à Vara da Infância e da Juventude, nos
33
termos dos arts. 171 e seguintes da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente)20.
2.3.3 Autoridade Competente
Aqui, estamos diante daquele que irá presidir a lavratura do auto de
prisão em flagrante. De acordo com o artigo 290 do Código de Processo Penal,
a autoridade policial da circunscrição onde foi efetuada a prisão é, via de regra,
a que possui atribuição para presidir a lavratura do auto. Via de regra, uma vez
que essa regra não é absoluta. O artigo 4º, paragrafo único, do mesmo diploma
legal, enfatiza que a “competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”.
Nesta linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula
397, com o seguinte teor:
“O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o
regimento, a prisão em flagrante e a realização do inquérito.”
2.4 Espécies de Flagrante
As espécies de flagrante delito estão disciplinadas no Código de
Processo Penal, na legislação especial, como também em situações trazidas
pela doutrina e pela jurisprudência.
2.4.1 Flagrante Compulsório ou Obrigatório
Este tipo de flagrante, tanto quanto o Flagrante Facultativo, diz respeito
ao sujeito ativo que efetua a prisão do infrator. Está insculpido na segunda
parte do artigo 301 do CPP, quando fala que as autoridades policiais e seus
20 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 463.
34
agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em situação de
flagrante delito.
Também conhecido como compulsório, significando, conforme seu
conceito, que aqueles descritos na segunda parte do artigo 301, têm a
obrigação de efetuar a prisão quando presenciarem a prática de qualquer
infração penal.
Em artigo científico, postado em site nacional, Irving Marc Shikasho
Nagima, explica que não é absoluta a obrigatoriedade trazida pelo diploma
legal em comento. Existem situações em que o agente deve ponderar sobre a
possiblidade de se efetuar ou não a prisão.
É evidente que tal obrigação pressupõe a possibilidade de fazê-lo. Se
um policial está sozinho no interior de um distrito policial e um bando
de dez bandidos fortemente armados entra no local para resgatar um
comparsa que ali está preso, não se pode imaginar que o policial,
sozinho, deva apontar sua arma aos criminosos e dar-lhes voz de
prisão21.
Porém, agindo com desleixo, interesse pessoal ou qualquer outra
situação, em que fosse possível a efetivação da prisão, o agente estará
incorrendo em possível crime de prevaricação, podendo responder
criminalmente ou na esfera administrativa por sua omissão.
Ainda sobre a obrigatoriedade ou não dos agentes de segurança
pública, entende-se que esta desaparece quando os mesmos não estão em
serviço. Este é o entendimento de Nestor Tavora e Rosmar Rodrigues, quando
discorrem que “... esta obrigatoriedade perdura enquanto os integrantes
estiverem em serviço. Durante as férias, licenças, folgas, os policiais atuam
como qualquer cidadão, e a obrigatoriedade cede espaço à mera faculdade.”22
21 NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Das espécies de prisão em flagrante. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/29437/das-especies-de-prisao-em-flagrante> - acessado em 09 de janeiro de 2018.
22 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.716
35
2.4.2 Flagrante Facultativo
Diz respeito à primeira parte do artigo 301 do Código de Processo
Penal, em que qualquer do povo poderá prender quem esteja em situação de
flagrante delito.
Note-se que aqui, diferentemente da segunda parte, não temos a
obrigatoriedade da efetivação da prisão, mas sim, uma faculdade, uma
possibilidade de qualquer do povo, seja vítima, transeunte, ou até mesmo o
agente público que não esteja em serviço, tem de escolher qual ação deve
tomar.
Aquele que assim opera, segundo Guilherme de Souza Nucci, “está
agindo sob a excludente de ilicitude denominada exercício regular de direito
(art. 23, III, CP.)”23. Nesta mesma esteira de raciocínio, ensina Renato
Brasileiro de Lima:
Extrai-se do art. 301 do CPP que qualquer do povo poderá prender
quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Percebe-se, pois,
que o particular (inclusive a própria vítima) tem a faculdade de
prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Para o
particular, portanto, a prisão em flagrante configura exercício regular
de direito24.
Por fim, deve-se analisar a questão dos guardas civis municipais, os
quais tem por atribuição primária a proteção dos bens públicos pertencentes ao
município ao qual estão vinculados. Porém, nossos tribunais não possuem
qualquer dúvida acerca dessa legitimidade ativa, uma vez que, qualquer do
povo pode prender aquele que se encontre em flagrante delito. Assim, é o
posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao proferir o seguinte
julgamento:
23 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. P. 432. 24 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. São Paulo: Impetus, 2011. Vol. 1.
P. 1276.
36
Habeas Corpus. Tráfico de entorpecentes. Pedido de concessão da
liberdade provisória. Pretensão de ilegalidade na prisão em flagrante,
eis que o paciente fora abordado por guardas municipais. Paciente
alega ser usuário de drogas. Presença dos pressupostos da prisão
processual previstos no art. 312, do CPP. Imprescindibilidade da
custódia cautelar para a garantia da ordem pública. Prisão do
paciente se refere a flagrante facultativo, deferido a qualquer do povo.
Legitimidade da prisão pelos Guardas Municipais. Não comprovada
atividade lícita remunerada e forma de acondicionamento da droga.
Afastada, por ora, hipótese de ser o paciente mero usuário. Ordem
denegada. (TJ-SP - HC: 2073610720118260000 SP 0207361-
07.2011.8.26.0000, Relator: José Damião Pinheiro Machado Cogan,
Data de Julgamento: 27/10/2011, 5ª Câmara de Direito Criminal, Data
de Publicação: 09/11/2011).
Este também é o entendimento do STJ ao dispor sobre o tema, quando
de uma prisão efetuada pela guarda municipal:
A guarda municipal, a teor do disposto no § 8º do art. 144 da CF, tem
como tarefa precípua a proteção do patrimônio do município,
limitação que não exclui nem retira de seus integrantes as condições
de agentes da autoridade, legitimados, dentro do princípio de
autodefesa da sociedade, a fazer cessar eventual prática criminosa,
prendendo quem se encontre em flagrante delito, como de resto
facultado a qualquer do povo pela norma do art. 301, do CPP (STJ —
RHC 7.916 — 6ª Turma — Rel. Min. Fernando Gonçalves — DJU
09.11.1998 — p. 175).
2.4.3 Flagrante Próprio (Propriamente Dito ou Real)
As hipóteses do chamado flagrante próprio, ou real, são aquelas
demonstradas nos incisos I e II do art. 302 do Código de Processo Penal.
Na primeira hipótese, inciso I, o agente esta cometendo a infração
penal naquele exato momento. Ou seja, ele é surpreendido quando está
37
cometendo a infração penal, “ocorre quando o agente está em pleno
desenvolvimento dos atos executórios da infração penal”25.
É o que ensinam Vitor Eduardo Rios Gonçalves e Alexandre Reis,
quando definem essa primeira hipótese de flagrante próprio:
Trata-se de situação em que o sujeito é visto durante a realização dos
atos executórios da infração penal ou colaborando para sua
concretização. Assim, pode ser preso em flagrante, por exemplo,
aquele que for visto efetuando os disparos contra a vítima do
homicídio ou apontando a arma para a vítima do roubo26.
Situação interessante, trazida pelos autores acima, diz respeito à
prisão em flagrante daqueles que são partícipes e que não estejam em
situação de flagrante delito. O mesmo exemplifica a seguinte circunstância:
Em um dia João incentiva Paulo a matar Antônio. Dias depois, Paulo
é preso matando a vítima. O envolvimento de João é punível, mas
sua participação ocorreu dias antes e ele não pode ser preso em
flagrante. Ao contrário, se o partícipe estivesse no próprio local do
crime incentivando o assassino a desferir as facadas mortais na
vítima e ambos fossem flagrados nesse momento, a prisão em
flagrante envolveria o autor do crime e o partícipe27.
Renato Brasileiro de Lima faz salutar observação, ressaltado que
mesmo que haja atipicidade material da conduta a prisão deve ser realizada,
vejamos:
Ainda que, posteriormente, seja reconhecida a atipicidade material de sua conduta (v.g., por força do princípio da insignificância), isso não tem o condão de afastar a legalidade da ordem de prisão em flagrante, porquanto a análise que se faz, no momento da captura do agente, restringe-se à análise da tipicidade formal28.
25 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. P. 433. 26 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 451. 27 Ibidem. P. 451. 28 LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011. P.185
38
Já a segunda hipótese de flagrante próprio é a insculpida no inciso II do
mesmo diploma legal. É o caso daquele que acaba de cometer a infração
penal, ainda no local dos fatos.
Ocorre nas situações em que o mesmo é detido no local do crime, sem
se desvencilhar da cena, ficando evidente a sua participação, uma vez que
acabou de produzir os atos executórios do mesmo. Assim ensina Nestor
Távora e Rosmar Rodrigues Alencar: “Quem é preso quando acaba de cometer
a infração, ou seja, sequer se desvencilhou do local do delito ou dos elementos
que o vinculem ao fato quando vem a ser preso”29.
São aqueles casos de homicídio em que o mesmo após consumar o
intento homicida é preso em flagrante pela polícia, ainda no local do crime.
Exatamente o exemplo trazido por Vitor Eduardo Rios Gonçalves, ao descrever
uma cena de homicídio:
“É o que ocorre quando vizinhos acionam a polícia por ouvir disparos
dentro de uma residência e os policiais, lá chegando, encontram a
vítima morta e o homicida ao lado. É evidente, todavia, a necessidade
de indícios veementes de que a pessoa encontrada no local é a
autora do delito, já que pode se tratar de pessoa que chegou à casa
após o assassinato e a fuga do criminoso”.
2.4.4 Flagrante Impróprio (Irreal ou Quase Flagrante)
Figura trazida pelo inciso III do artigo 302, em comento. Segundo o
referido diploma, “considera-se em flagrante delito quem, é perseguido, logo
após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que
faça presumir ser autor da infração.”
Neste tipo de flagrante o agente já não está mais praticando a infração
penal, uma vez que a mesma já fora concluída ou, em caso de ser considerada
uma tentativa, foi interrompido. Porém, conseguiu empreender fuga, sendo
29 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.715
39
perseguido posteriormente ao fato. Entendimento esse, mostrado em
jurisprudência do STJ.
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ROUBO
CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO EM FLAGRANTE EM 02.12.08.
FLAGRANTE IMPRÓPRIO. CARACTERIZAÇÃO. PACIENTE
LOCALIZADO LOGO APÓS OS FATOS. DELATADO PELOS
DEMAIS SUSPEITOS PERSEGUIDOS ININTERRUPTAMENTE.
PRESO EM ATO CONTÍNUO. PARECER DO MPF PELA
DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Muito embora o
paciente não tenha sido apreendido em pleno desenvolvimento dos
atos executórios do crime de roubo, nem tampouco no local da
infração, foi perseguido, logo após o fato, sendo localizado e preso
poucas horas após o delito, trata-se, portanto, do flagrante impróprio,
previsto no art. 302, III do CPP. 2. Ordem denegada, em consonância
com o parecer ministerial. (STJ - HC: 126980 GO 2009/0013900-7,
Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de
Julgamento: 06/08/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação:
--> DJe. 08/09/2009).
Brilhante observação é feita por Guilherme de Souza Nucci, ao definir o
instituto do flagrante impróprio, senão vejamos:
Ocorre quando o agente conclui a infração penal – ou é interrompido
pela chegada de terceiros – mas sem ser preso no local do delito,
pois consegue fugir, fazendo com que haja perseguição por parte da
polícia, da vítima ou de qualquer pessoa do povo. Note-se que a lei
faz uso da expressão “em situação que faça presumir ser autor da
infração”, demonstrando, com isso, a impropriedade do flagrante, já
que não foi surpreendido em plena cena do crime30.
O próprio autor, após a definição, exemplifica um caso para um melhor
entendimento. Segundo ele:
Exemplo disso é o do agente que, dando vários tiros na vítima, sai da
casa desta com a arma na mão, sendo perseguido por vizinhos do
ofendido. Não foi detido no exato instante em que terminou de dar os
30 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. P. 433.
40
disparos, mas a situação é tão clara que autoriza a perseguição e
prisão do autor. A hipótese é denominada pela doutrina de quase
flagrante31.
De acordo com os conceitos trazidos, tanto pela doutrina,
jurisprudência e pela própria lei, temos que, para a configuração deste tipo de
flagrante, é necessário o preenchimento de dois requisitos: - haja perseguição
do agente logo após a prática do delito; - esteja em situação que faça presumir
sua autoria.
O último requisito, presunção de autoria, pode ser visto no exemplo
acima colocado por Guilherme de Souza Nucci. Quanto ao primeiro requisito, é
de importância a definição da expressão “logo após”. Segundo o pensamento
de Renato Brasileiro de Lima: “Por logo após compreende-se o lapso temporal
que permeia entre o acionamento da autoridade policial, seu comparecimento
ao local e a colheita de elementos necessários para que dê início à
perseguição do autor”32. Este é o entendimento de nosso Superior Tribunal de
Justiça:
Observa-se que logo após a prática infracional a vítima acionou a
polícia através do Copom, que obviamente logrou passar as
informações a toda sua equipe com vistas à colheita de informações
que levassem à identificação dos supostos autores, desencadeando
uma rápida investigação policial que resultou na prisão do paciente e
do coautor. Nota-se que mesmo tendo o encarceramento se efetivado
algumas horas após a infração, o ato se deu em razoável espaço
temporal, aliás, em tempo suficiente para o desdobramento das
informações obtidas em conjunto pelo aparato policial. Desta maneira
a situação se amolda à categoria do denominado flagrante em
sentido impróprio, ou quase flagrante, previsto no art. 302, inciso III
da Lei Adjetiva (STJ - HC 126.980/GO - 5ª Turma - Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 08.09.2009).
Porém, deve ser desmitificado o entendimento popular de que o prazo
para a prisão em flagrante é de 24 horas após o cometimento da infração penal
31 Ibidem 32 LIMA, Renato Brasileiro de. Op.Cit. P. 1278-1279.
41
e a referida prisão. O inciso que disciplina a matéria não fala em prazo
específico para a efetuação da prisão. Este prazo, muitas vezes é confundido
com o trazido pelo artigo 306, § 1º, que trata sobre a lavratura do auto após
esta ter sido efetivada, que é de 24 horas.
Para a configuração do flagrante impróprio, o que se faz necessário,
efetivamente, é que haja a perseguição e que esta seja ininterrupta. Uma vez
iniciada, não existe prazo para a sua efetivação, basta que esta não cesse.
Afirmando este entendimento, eis as lições de Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues Alencar sobre o assunto:
A crença popular de que é de 24 horas o prazo entre a prática do
crime e a prisão em flagrante não te o menor sentido, eis que, não
existe um limite temporal para o encerramento da perseguição. Não
havendo solução de continuidade, isto é, se a perseguição não for
interrompida, mesmo que dure dias ou até mesmo semanas, havendo
êxito na captura do perseguido, estaremos diante de flagrante
delito33.
Por fim, sobre a perseguição, o próprio CPP, em seu artigo 290, traz o
conceito legal de perseguição, em que se entende que o executor: a) tendo-o
avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de
vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha
passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure,
for ao seu encalço.
2.4.5 Flagrante Presumido (Ficto ou Assimilado)
Última espécie de flagrante delito trazida pelo artigo 302. Segundo o
inciso IV deste artigo, considera-se em flagrante delito aquele que é
encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que
façam presumir ser ele autor da infração.
33 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.716
42
Note-se que o diploma legal não fala, aqui, em perseguição, bastando
que a pessoa se encontre em situação que seja presumido seu envolvimento
com a infração investigada.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que para
caracterização desta espécie de flagrante, não há necessidade que fique
configurado que houve perseguição imediatamente após a ocorrência do delito.
Vejamos julgado nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL. FLAGRANTE PRESUMIDO.
PERSEGUIÇÃO. PERDA DOS MOTIVOS DA CUSTÓDIA. 1. Não há
falar em ausência de flagrante quando a perseguição ao autor do
delito se deu imediatamente ao fato e se fez ininterrupta até a sua
prisão (artigo 302, inciso III, do Código de Processo Penal). 2. Para a
caracterização do flagrante presumido, não há a necessidade de se
demonstrar a perseguição imediatamente após a ocorrência do fato-
crime, mas, sim, o encontro do autor, "logo depois", em condições de
se presumir sua ação (artigo 302, inciso IV, do Código de Processo
Penal). 3. Transcorridos vários anos desde o relaxamento da prisão
em flagrante e não tendo sido decretada a prisão preventiva contra o
réu, o restabelecimento da custódia subordina-se à demonstração da
necessidade atual da medida cautelar. 4. Recurso conhecido, mas
improvido. (REsp 147839/PR, Rel. Ministro HAMILTON
CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2001, DJ
13/08/2001, p. 294).
No entendimento de Guilherme de Souza Nucci, ao conceituar o
flagrante delito trazido pelo inciso IV do artigo 302, este:
Não deixa de ser igualmente impróprio ou imperfeito. Constitui-se na
situação do agente que, logo depois da prática do crime, embora não
tenha sido perseguido, é encontrado portando instrumentos, armas,
objetos ou papéis que demonstrem, por presunção, ser ele o autor da
infração penal. É o que comumente ocorre nos crimes patrimoniais,
quando a vítima comunica à polícia a ocorrência de um roubo e a
viatura sai pelas ruas do bairro à procura do carro subtraído, por
43
exemplo. Visualiza o autor do crime algumas horas depois, em poder
do veículo, dando-lhe voz de prisão34.
2.4.6 Flagrante Esperado
Aqui estamos diante de uma situação na qual o sujeito ativo, sabendo
da conduta delituosa do infrator, espera que o mesmo inicie a execução do
delito, para que se possa efetuar a prisão em flagrante, não havendo, aqui,
qualquer simulação, farsa ou induzimento do agente em produzir a infração, e
sim há a espera da prática do delito por parte daquele que irá efetuar a prisão
em flagrante.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, quando explicando esta
espécie de flagrante, assim o descreve:
No flagrante esperado temos o tratamento da atividade pretérita da
autoridade policial que antecede o início da execução delitiva, e que a
polícia antecipa-se ao criminoso, e, tendo ciência de que a infração
ocorrerá, sai na frente, fazendo campana (tocaia), e realizando a
prisão quando os atos executórios são deflagrados. EX: sabendo o
agente policial, pelas investigações, que o delito vai ocorrer, aguarda
no local adequado, e, na hora “H”, realiza a prisão em flagrante35.
Este tipo de prisão não está disciplinado na nossa legislação, sendo
uma forma da doutrina e da jurisprudência, justificarem este tipo de conduta por
parte do sujeito ativo. Aqui, realizada a prisão, mesmo que esperada, estamos
diante da figura do flagrante próprio, uma vez que o sujeito é preso no ato em
que está cometendo a infração.
Observe-se que, diante de toda a preparação para a efetuação da
prisão em flagrante, esperando-se o início da execução do delito, poderá
ocorrer a transformação do delito em crime impossível, pois o sujeito ativo, ao
proteger o bem jurídico, não permitiu a consumação do mesmo. Melhor explica
essa situação o professor Guilherme de Souza Nucci, quando afirma que:
34 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. P. 434. 35 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.717
44
Cabe mencionar, no entanto, ser possível uma hipótese de flagrante
esperado transformar-se em crime impossível. Caso a polícia obtenha
a notícia de que um delito vai ser cometido em algum lugar e consiga
armar um esquema tático infalível de proteção ao bem jurídico, de
modo a não permitir a consumação da infração de modo nenhum,
trata-se de tentativa inútil e não punível, tal como prevista no art. 17
do Código Penal36.
Por fim, vale a pena analisar jurisprudência de nossos tribunais
superiores, quando, em julgamento de Habeas Corpus, diferiu a figura do
flagrante esperado do flagrante preparado, próximo tópico de estudo:
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE
EXTORSÃO. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO.
INOCORRÊNCIA. NÃO HÁ QUE SE CONFUNDIR FLAGRANTE
PREPARADO COM FLAGRANTE ESPERADO. VIOLAÇÃO DE
DOMICÍLIO. INEXISTÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA INCABÍVEL NA VIA ELEITA.
AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DE RECURSO
ESPECIAL. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO. 1. Não se deve
confundir flagrante preparado com esperado - em que a atividade
policial é apenas de alerta, sem instigar qualquer mecanismo causal
da infração. 2. A "campana" realizada pelos policiais a espera dos
fatos não se amolda à figura do flagrante preparado, porquanto não
houve a instigação e tampouco a preparação do ato, mas apenas o
exercício pelos milicianos de vigilância na conduta do agente
criminoso tão-somente a espera da prática da infração penal. [...]
(HC40436/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado
em 16/03/2006, DJ 02/05/2006, p. 343).”
2.4.7 Flagrante Preparado ou Provocado
Aqui, estamos diante de uma “armadilha” preparada pelo agente ativo
da prisão. Neste, o agente provocador, instiga aquele que irá cometer o delito a
cometê-lo, prendendo-o logo em seguida, tornando, assim, impossível a
36 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. P. 435-436.
45
consumação do crime. Sobre o tema, Victor Eduardo Rios Gonçalves e
Alexandre Reis, assim lecionam, como também, trazem brilhante exemplo
deste tipo de flagrante.
Nessa espécie de flagrante, agentes provocadores (que podem ser
da autoridade, vítima etc.) induzem, convencem alguém a praticar um
suposto delito, tomando, ao mesmo tempo, providências para que se
torne impossível sua consumação. Suponha-se que um grupo de
policiais, não conseguindo fazer prova de que determinada pessoa
atua como assaltante de bancos, faça com que um deles,
disfarçadamente, passe a frequentar os mesmos lugares do
investigado (bares, por exemplo) para com ele estabelecer uma
amizade. Quando mantém o contato, o policial disfarçado mente que
é assaltante e convence o investigado a cometerem um roubo em
conjunto em determinado estabelecimento bancário, contudo, no
instante em que entram no banco e anunciam o roubo, diversos
policiais, que estão também à paisana no local aguardando o crime,
dão voz de prisão ao investigado37.
Com este tipo de procedimento, teríamos uma ferramenta bastante
eficiente contra aqueles que são conhecidos criminosos das autoridades
policiais, uma vez que, basta um estímulo do agente provocador, aqui, um
policial disfarçado, para que o provocado venha a cometer o delito, sendo
surpreendido e preso em flagrante.
Justamente para coibir este tipo de conduta por parte do Estado, ou
mesmo da própria vítima ou particulares, em que estes instigam terceiro ao
cometimento de delitos, o STF entende, através da edição da Súmula 145 que
“Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a
sua consumação.”
Entende o STF que, neste tipo de flagrante, em que há a preparação e
posterior prisão do agente, estamos diante de um crime somente em seu
aspecto, na sua aparência, uma vez que se torna impossível a consumação do
mesmo, tornando, assim, crime impossível, como também há a figura da prisão
37 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 455-456.
46
ilegal, não gerando responsabilidade penal daquele que foi provocado a agir de
forma delituosa.
Por fim, algumas situações em que, mesmo havendo a provocação do
agente público ou privado, não há que se falar em flagrante preparado, pois
poderemos estar diante de uma situação em que o crime já foi consumado,
devido ao tipo.
É a situação clássica do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, em
que o delito em si possui várias formas de condutas que podem gerar sua
prisão. Entendimento este, exemplificado e explicado por Nucci.
O art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, possui dezoito formas
alternativas de conduta. Assim, caso o policial se passe por viciado,
desejoso de comprar drogas, o traficante ao ser detido, no ato da
venda, não será autuado por vender, mas porque trazia consigo ou
tinha em depósito substância entorpecente. Afinal, as condutas
anteriores configuram crime permanente38.
Senão vejamos o que diz o STJ acerca do tema:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO.
FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. DELITO JÁ
CONSUMADO ANTERIORMENTE. ORDEM DENEGADA. 1. Não há
falar em flagrante preparado se o comportamento policial não induziu
à prática do delito, já consumado em momento anterior. 2. Hipótese
em que o crime de tráfico de drogas estava consumado desde o
armazenamento do entorpecente, o qual não foi induzido pelos
policiais, perdendo relevância a indução da venda pelos agentes. 3.
Writ denegado. (STJ - HC: 245515 SC 2012/0120560-7, Relator:
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento:
16/08/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
27/08/2012).
38 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. Cit. P. 435.
47
2.4.8 Flagrante Prorrogado
Também chamado de retardado, protelado, diferido, estratégico ou
ação controlada, consiste no retardamento da prisão em flagrante no meio da
intervenção policial, com a finalidade de que esta ocorra no momento mais
oportuno. Segundo Nestor Távora e Rosmar Rodrigues:
É um flagrante de feição estratégica, pois a autoridade policial tem a
faculdade de aguardar, do ponto de vista da investigação criminal, o
momento mais adequado para realizar a prisão, ainda que sua atitude
implique na postergação da intervenção. Mesmo diante da ocorrência
da infração, pode-se deixar de atuar, no intuito da captura do maior
número de infratores, ou da captação de um maior manancial
probatório39.
Foi instituído pela Lei 9.034/95, hoje revogada, em seu artigo 2º, inciso
II, com a finalidade de que se permitisse à policia o retardo da prisão em crimes
praticados por organizações criminosas. Segundo o referido diploma, são
permitidas, em qualquer fase da persecução penal:
“II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial
do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela
vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento
para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do
ponto de vista da formação de provas e fornecimento de
informações;”
Note-se, que, somente em se mantendo sob observação e
acompanhamento que é possível este tipo de retardo. Atualmente está
regulamentado no art. 8º da Lei n. 12.850/2013.
Não pode ser confundido com o flagrante esperado, pois, neste,
estamos diante de uma situação em que o sujeito ativo espera que se inicie a
execução, efetuando a prisão após este momento. Já no flagrante prorrogado,
não há a prisão, mesmo que haja início da ação delituosa, uma vez que, do
ponto de vista estratégico, esta é a melhor opção.
39 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.719.
48
O art. 53, II, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas) prevê a mesma
situação de prorrogação do flagrante, que permite a “não atuação policial sobre
os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos
utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a
finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de
operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Mesmo sendo situações parecidas, ambas possuem exigências
diversas. No caso da nova lei de Organização Criminosa, não há necessidade
de autorização judicial, tampouco oitiva do MP, cabendo à autoridade policial
administrar a conveniência ou não da postergação. Já no caso da Lei de
Drogas, exige-se autorização judicial, prévia oitiva do MP, além do
conhecimento do provável itinerário da droga e dos eventuais agentes do delito
ou colaboradores.
2.4.9 Flagrante Forjado
Forjar significa adulterar ou falsificar, logo, estamos diante de um tipo
de flagrante em que a situação delituosa foi fabricada, adulterada, falsificada,
pelo agente ativo ou terceiro, com a finalidade de incriminar pessoa inocente.
Nas palavras de Távora e Alencar o flagrante forjado é “a lídima expressão do
arbítrio, onde a situação de flagrância é maquinada para ocasionar a prisão
daquele que não tem conhecimento do ardil”40.
Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves e Alexandre Reis, trata-se de
hipótese de flagrante nulo, que deve ser relaxado, porque foram criadas provas
de um delito inexistente exatamente para viabilizar a prisão. Segundo ele:
O autor da farsa deve responder por crime de denunciação caluniosa
e também por abuso de autoridade se for funcionário público. Exs.: a)
policiais colocam droga no carro de alguém para prendê-lo por crime
de tráfico; b) pessoa coloca pertences na bolsa de outrem e aciona a
polícia dizendo que foi furtada e convence os policiais a revistar todos
os presentes, de tal forma que os policiais encontram os bens e dão
voz de prisão ao inocente. No primeiro exemplo os autores da farsa
40 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.720.
49
foram os policiais, enquanto no segundo eles foram manipulados.
Nos dois casos, todavia, foram criadas provas de um crime
inexistente, tratando-se de flagrante forjado41.
41 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 457.
50
Capitulo III
CRIMES QUE ADMITEM OU NÃO PRISÃO EM FLAGRANTE
Em tese, todas as infrações penais podem ser alvo de prisão em
flagrante. Porém, em alguns crimes, suas peculiaridades devem ser
analisadas.
Existem situações em que não será possível a efetivação do flagrante,
devido a falta de alguns requisitos específicos de determinado tipo delituoso.
3.1 Crime Permanente
Crime permanente é aquele que sua consumação tem como um dos
fatores o tempo, ou seja, esta se prolonga pelo tempo e depende da atividade
que o agente empregue no mesmo.
De acordo com o artigo 303 do Código de Processo Penal, “nas
infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não
cessar a permanência”. Ou seja, a prisão em flagrante poderá ser realizada a
qualquer tempo, permitindo-se, inclusive, a invasão domiciliar, sem qualquer
autorização de seu proprietário.
Sobre o tema, trazemos a lição de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues,
quanto à invasão de propriedade particular:
Como a Carta Magna, no art. 5º, inciso XI, admite a violação
domiciliar para a realização do flagrante, a qualquer hora do dia ou da
coite, em havendo o desenvolvimento de crime permanente no
interior do domicílio, atendido está o requisito constitucional. Se o
traficante tem substancia entorpecente estocada em casa, o crime de
tráfico estará caracterizado em situação de permanência, admitindo-
se o ingresso para a realização da prisão.42
42 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.722.
51
Ao finalizar esta explanação, o mesmo autor questiona sobre a
situação de não ser encontrada a substância entorpecente nas buscas
realizadas dentro da residência, e quais seriam as consequências de tal
diligencia frustrada. O mesmo responde que “em havendo dolo, resta a
caracterização do crime de abuso de autoridade (art. 3º, “b”, da Lei
4.898/1965)”43.
Sobre o tema, temos vários julgados de nossos Tribunais, que
corroboram a flagrância em crimes permanentes, como também a invasão
domiciliar sem a autorização de seus proprietários.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO
ILÍCITO DE DROGAS. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
APRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL.
IMPOSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. APREENSÃO DA
DROGA SEM MANDADO JUDICIAL. FLAGRANTE EM CRIME
PERMANENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não
cabe ao Superior Tribunal de Justiça apreciar na via especial suposta
violação à matéria constitucional, sob pena de usurpação da
competência do Supremo Tribunal Federal 2. Em relação à alegada
violação da Súmula 126, do STJ, verifico tratar de inovação da
matéria em sede de agravo regimental, não podendo ser acolhida
nesta fase recursal. 3. Esta Corte possui entendimento jurisprudencial
no sentido de que, no caso de flagrante em crime de tráfico ilícito de
drogas, as buscas e apreensões domiciliares prescindem de
autorização judicial, dada a natureza permanente do delito. 4. Agravo
regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1398920 RS
2013/0295472-3, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de
Julgamento: 11/02/2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 17/02/2014).
Note-se que, mesmo que haja o ingresso em residência, através de
mandado de busca e apreensão destinado à outra espécie de crime, em
estando o agente delitivo em situação de crime permanente diferente daquele
que é objeto do mandado não estamos diante de nulidade de prova, uma vez
43 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.722.
52
que há a permanência de uma atividade delituosa, mesmo que diversa daquela
perseguida pelas autoridades policiais.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. POSSE
IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ARTIGO
12 DA LEI N.º 10.826/2003). ALEGADA NULIDADE DA PROVA
OBTIDA COM A BUSCA E APREENSÃO REALIZADA. MANDADO
REFERENTE DELITO DIVERSO. FLAGRANTE DE CRIME
PERMANENTE. EIVA NÃO CARACTERIZADA. 1. Apesar de o
mandado de busca e apreensão se referir somente a delito de fraude
supostamente praticado contra o INSS, tal fato é insuficiente para
macular a prova obtida por ocasião do ingresso dos policiais na
residência do recorrente, que foi preso em flagrante pela prática de
crime de natureza permanente, qual seja, o previsto no artigo 12 da
Lei n.º 10.826/2003. 2. É dispensável o mandado de busca e
apreensão quando se trata de flagrante de crime permanente,
podendo-se realizar as medidas sem que se fale em ilicitude das
provas obtidas. Doutrina e jurisprudência. APONTADA OFENSA À
INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO E AO DIREITO À PRIVACIDADE
E À INTIMIDADE. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO.
POSSIBILIDADE DE APREENSÃO AINDA QUE SEM ORDEM
JUDICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
RECURSO IMPROVIDO. 1. Na hipótese em apreço, os policiais
possuíam autorização judicial para a realização de buscas na
residência do recorrente, não havendo nos autos notícia de aqueles
tenham extrapolado a ordem que lhes foi dada no respectivo
mandado. 2. Ainda que assim não fosse, não se pode olvidar que nos
casos de flagrante de crimes permanentes, como o tratado no
presente writ, é permitido o ingresso na residência do acusado sem
ordem judicial, com ou sem o seu consentimento, não se
vislumbrando, com tal procedimento, ofensa às normas
constitucionais e infraconstitucionais pertinentes. 3. Recurso
improvido. (STJ - RHC: 39530 PR 2013/0236392-6, Relator: Ministro
JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 10/09/2013, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2013).
53
3.2 Crime Habitual
Esta espécie delitiva se caracteriza pela reiteração de condutas, as
quais, para que se possa falar em consumação do delito, caracterizam a
ocorrência da infração. A realização de somente uma conduta de forma isolada
a torna atípica.
No que tange a este tipo de conduta, existem algumas divergências
doutrinárias, alguns entendendo ser possível a realização do flagrante delito
em crime habitual, outros defendendo a atipicidade da conduta, não sendo
possível, assim, sua prisão em flagrante.
Na linha de raciocínio contrária a qual se filia este que vos escreve,
estão Nestor Távora, Rosmar Rodrigues, Tourinho Filho, entre outros. Estes
alegam a dificuldade de se aferir o momento exato de reiteração do crime, o
que configuraria a habitualidade. Nesta esteira, vejamos a posição de Nestor
Távora e Rosmar Rodrigues:
Pela dificuldade no caso concreto de aferir a reiteração dos atos,
somos partidários do entendimento de que não cabe prisão em
flagrante nas infrações habituais, afinal, colocando-se como
expectador, objetivamente o delegado não teria como precisar, no
momento em que surpreende o infrator, se existe ou não a
habitualidade. Lembramos que o crime habitual só existe pela
reiteração de condutas, e a prática isolada de um ato é, em regra,
fato atípico.44
Nesta mesma linha de raciocínio, Tourinho Filho assim defende seu
ponto de vista, quanto à prisão em flagrante, nos crimes habituais:
Não concebemos o flagrante no crime habitual. Este ocorre quando a
conduta típica se integra com a prática de várias ações que,
isoladamente, são indiferentes legais. Ora, quando a polícia efetua a
prisão em flagrante, na hipótese de crime habitual, está
surpreendendo o agente na prática de um ato só. O auto de prisão vai
44 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.722.
54
apenas e tão-somente retratar aquele ato isolado. Não os demais.
Aquele ato isolado constitui um indiferente legal45.
Não apoiamos esse entendimento, pois, dependendo do crime, é
possível que se verifique a sua habitualidade através de diversas formas
possíveis, e não, unicamente pela sua conduta principal. Como exemplo, o
crime de exercício ilegal da medicina, artigo 208 do Código Penal, somente
pelo fato do agente que atua como médico estar em seu local de atendimento,
não configuraria, necessariamente, habitualidade, mas as autoridades policiais
podem a constatar analisando os documentos existentes ali, onde se pode
verificar: - quantidade de pacientes atendidos; - existência de contabilidade; -
agendamento de consultas já realizadas; - bem como as que estão por vir, etc.
Assim, notar-se-á uma verdadeira habitualidade do agente na prática dos atos,
configurando-se, portanto, o crime.
Em sintonia com este entendimento, Victor Eduardo Rios e Alexandre
Reis entendem ser possível a prisão em crimes habituais.
Estamos, entretanto, com aqueles que pensam ser possível tal tipo
de prisão nos delitos habituais. Com efeito, os que disto discordam
provavelmente imaginam atos distantes no tempo, o que não ocorre
necessariamente. Imagine-se que as autoridades tenham obtido
informação de que em certo endereço uma pessoa tem realizado atos
de curandeirismo, que é crime habitual. Chegam à paisana no local e
visualizam o curandeiro atendendo em sequência diversas pessoas,
bem como as diagnosticando e prescrevendo substâncias. Ora, os
policiais flagraram vários atos que compõem o crime habitual e, em
tal caso, nos parece evidente a possibilidade de darem voz de prisão
ao criminoso46.
Como os autores acima, Mirabete também entende que há a
possibilidade de se efetuar a prisão nos crimes habituais.
45 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. V.3. p.457. 46 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 466-467.
55
Não é incabível a prisão em flagrante em ilícitos habituais se for
possível, no ato, comprovar-se a habitualidade. Não se negaria a
situação de flagrância no caso da prisão de responsável por bordel
onde se encontram inúmeros casais para fim libidinoso, de pessoa
que exerce ilegalmente a medicina quando se encontra atendendo
vários pacientes47.
Por fim, alguns julgados de nossos tribunais, em suas ementas, trazem
a possibilidade de efetivação de prisão em flagrante, em casos de crime
habitual, mesmo estes sendo cometidos com outros tipos penais, o que não
impede a sua concretização.
PROCESSUAL PENAL. "HABEAS CORPUS". PRISÃO EM
FLAGRANTE. EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA. FALSIFICAÇÃO
DE DOCUMENTO PÚBLICO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE
DOCUMENTO FALSO. ART. 302, II, DO CPP. ATENDIMENTO AOS
REQUISITOS LEGAIS. DECISÃO FUNDAMENTADA. ORDEM
DENEGADA. 1. Paciente preso em flagrante no dia 3 de fevereiro de
2006, pela suposta prática dos crimes tipificados nos artigos 282
(exercício ilegal da medicina), 297 (falsificação de documento
público), 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso),
todos do Código Penal. 2. Legalidade da prisão em flagrante, que
atendeu aos pressupostos previstos no art. 302, II, do Código de
Processo Penal; além do mais o Paciente confessou a prática dos
crimes. Comprovação, ao menos em tese, da materialidade dos
delitos imputados ao Paciente, havendo indícios suficientes da
autoria. 3. Decisão que indeferiu o pedido de relaxamento de prisão
devidamente fundamentada. Medida liminar ratificada. Ordem
denegada. (TRF-5 - HC: 2370 PB 0004940-22.2006.4.05.0000,
Relator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Data de
Julgamento: 09/03/2006, Terceira Turma, Data de Publicação: Fonte:
Diário da Justiça - Data: 31/03/2006 - Página: 645 - Nº: 63 - Ano:
2006).
PRISÃO EM FLAGRANTE - INDICIAMENTO DO RECORRIDO EM
DELITO DE EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA (ART. 282 CP)-
ACUSADO QUE AFIRMA POSSUIR CURSO DE PSICANÁLISE
CLÍNICA - INQUÉRITO POLICIAL RETARDADO NO
CUMPRIMENTO DE DILIGÊNCIAS - JUÍZO QUE RECONHECE
47 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2004. P.378
56
TRATAR-SE DE CONTRAVENÇÃO DO EXERCÍCIO ILEGAL DE
PROFISSÃO (ART. 47 LCP), COM DETERMINAÇÃO DA REMESSA
DO CADERNO INVESTIGATÓRIO AO JUIZADO ESPECIAL
CRIMINAL - IRRESIGNAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA
INCOMPETÊNCIA DECLARADA SEM PRÉVIO ENQUADRAMENTO
EFETIVADO PELO 'PARQUET' - PERDA DO OBJETO DO
INCIDENTE NO TOCANTE À DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA -
INFRAÇÃO PENAL DE QUALQUER MODO PRESCRITA -
DECLARAÇÃO DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE - RECURSO
ESTRITO CONSIDERADO PREJUDICADO. Fluído lapso temporal
superior a 4 (quatro) anos, sem cumprimento de diligências policiais
necessárias ao encerramento do inquérito, nem ofertada ou recebida
a denúncia respectiva, a definir-se o enquadramento da infração
penal investigada, quer como delito de exercício ilegal da medicina
(art. 282 CP) ou de contravenção do exercício ilegal de profissão (art.
47 LCP), resta prejudicada a divergência, posto operada no
interregno, sem causa interruptiva, a prescrição da pretensão punitiva
do delito, que açambarca a da contravenção, ensejando, de qualquer
forma, a declaração da extinção da punibilidade do acusado. (TJ-PR -
RC: 1370927 PR Recurso Crime Ex Off e em Sent Estrito - 0137092-
7, Relator: Ronald Juarez Moro, Data de Julgamento: 11/04/2000,
Terceira Câmara Criminal (extinto TA), Data de Publicação:
05/05/2000 DJ: 5627).
3.3 Crime de Ação Penal Privada ou de Ação Pública
Condicionada à Representação
Ambos admitem que haja a prisão em flagrante nos casos de
cometimento de crime sujeito a ação privada ou pública condicionada. Porém,
o respectivo auto de prisão somente poderá ser lavrado, caso seja expressa a
manifestação de vontade daquele que é legitimado para a propositura de tal
ação.
Tal requisito é necessário, uma vez que é com a lavratura do auto de
prisão, que se dá início ao inquérito policial. Logo, de acordo com o Código de
Processo Penal, artigo 5º, § 4º e § 5º, somente com a autorização do detentor
do direito de ação que se dá início à instauração do mesmo.
Nestor Távora e Rosmar Rodrigues, em sua obra, assim entendem:
57
Ora, se nessas infrações toda a persecução penal está a depender
de autorização do interessado, seja a vítima, seu representante legal,
ou o próprio Ministro da Justiça nos crimes de ação pública delas
dependentes, para que o auto seja lavrado, é condição essencial esta
aquiescência. Por sua vez, se a vítima não puder imediatamente ir à
delegacia para se manifestar, por ter sido conduzida ao hospital ou
qualquer outro motivo relevante, poderá fazê-lo no prazo de entrega
da nota de culpa48.
3.4 Crime continuado
O conceito de crime continuado está transcrito no artigo 71 do Código
Penal com a seguinte redação:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de
tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os
subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-
lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
O crime continuado é considerado por excelência em nossa doutrina
como uma ficção jurídica, na qual, em fase da sentença, haverá a aplicação da
pena de um só crime, aumentada de um sexto a dois terços. Renato Marcão ao
explicar o crime continuado, assim disserta:
O crime continuado é uma ficção jurídica; uma opção político-
jurídica de natureza criminal que tem por escopo minimizar a pena
daquele que cometeu dois ou mais delitos da mesma espécie que,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras
semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como
continuação do primeiro.49
Estamos diante de várias condutas independentes que configuram
ação delituosa, e que cada uma delas constitui crime, havendo a possibilidade
48 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Op. Cit. P.723. 49 MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, liberdade provisória e medidas cautelares restritivas – 2. ed. rev. E ampl., São Paulo : Saraiva, 2012. p. 137
58
de se efetuar a prisão em flagrante do agente ao realizá-las. À medida que os
delitos que compõem o crime continuado guardam autonomia entre si, cada um
dele autoriza, de forma independente, no tocante aos demais, a efetivação da
prisão, desde que presente uma das hipóteses do artigo 302 do Código de
Processo Penal. É exatamente o que se chama, na doutrina, de flagrante
fracionado ou parcelado.
Segundo Victor Eduardo Rios e Alexandre Reis, devido ao fato de a
jurisprudência entender que pode ser considerada a continuidade delitiva
dentro de um lapso de 30 (trinta) dias, o infrator pode ser preso em flagrante
duas ou mais vezes, pelos mesmos crimes que compõem a continuação.
Senão vejamos.
Como a jurisprudência fixou entendimento possibilitando a
continuidade delitiva quando as ações ocorrerem dentro de um lapso
de trinta dias, pode o infrator acabar sendo preso em flagrante duas
vezes ou mais por condutas criminosas que compõem a continuação.
Ex.: João entra em um supermercado e é preso em flagrante por
tentativa de furto, sendo, contudo, libertado no mesmo dia pelo
delegado após prestar fiança. No dia seguinte, retorna ao mercado
onde novamente tenta subtrair mercadorias, sendo igualmente preso
em flagrante50.
Por fim, vale registrar a jurisprudência de nossos tribunais no tocante à
prisão em caso de crimes continuados. No caso em tela, crime de furto em
sequencia:
APELAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. NULIDADE AFASTADA. A
avaliação não é complexa, mas mera atribuição do valor de mercado
aos bens, e a ausência de menção quanto à escolaridade dos peritos
não retira a imparcialidade da prova. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. Ausentes os requisitos
necessários para o reconhecimento do princípio da insignificância.
Rés reincidentes, que praticaram a subtração contra 04 vítimas, em
sequência. PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO.
Comprovada a pratica dos furtos continuados em concurso de
50 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 466.
59
agentes pelas rés. Confissão corroborada pela prisão em flagrante,
na posse do produto do crime, e pela prova testemunhal.
QUALIFICADORA DE FRAUDE. AFASTADA. Não demonstrado o
uso de qualquer ação com intuito de enganar as vítimas e reduzir sua
vigilância sobre os bens, facilitando a subtração. Por conseguinte, a
pena privativa de liberdade vai redimensionada. REINCIDÊNCIA E
COCULPABILIDADE. 1. A utilização da reincidência como
circunstância agravante não se revela dupla punição, pois decorre de
texto expresso da lei e objetiva a individualização da pena.
Constitucionalidade do artigo 61, I, do CP reconhecida pelo STF, com
repercussão geral à matéria. 2. Não há indícios que demonstrem a
coculpabilidade da sociedade e do Estado. CRIME CONTINUADO.
QUANTUM DE AUMENTO REDUZIDO. Na continuidade delitiva a
dosagem do aumento deve considerar o número de infrações, o que
conduz à redução da fração aplicada ao caso. Preliminar rejeitada e
recurso da defesa parcialmente provido. (Apelação Crime Nº
70060095189, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em
28/08/2014) (TJ-RS - ACR: 70060095189 RS, Relator: Jucelana
Lurdes Pereira dos Santos, Data de Julgamento: 28/08/2014, Sétima
Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
18/09/2014)
3.5 Infração de Menor Potencial Ofensivo
O artigo 61 da Lei dos Juizados Especiais e Criminais (Lei nº
9.099/1995) traz a definição do que vem a ser considerada infração de menor
potencial ofensivo. Nela, consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima
não superior a 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
A prisão em flagrante nestas infrações é completamente possível.
Porém, devem ser respeitadas algumas regras que diferenciam o procedimento
normal de lavratura de prisão em flagrante, do aqui estudado.
Analisando a Lei dos Juizados, em havendo o cometimento da infração
penal de menor potencial ofensivo, diferentemente do procedimento usual
adotado nos crimes comuns, deve-se observar a seguinte sequência de atos:
60
a) lavratura do termo circunstanciado, nos moldes do art. 69, segundo
o qual, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará
termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor
do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais
necessários. Note-se que é uma obrigação imposta por lei este procedimento,
podendo incorrer em crime de prevaricação ou infração disciplinar a autoridade
policial que se furtar da prática de tal ato;
b) segundo o paragrafo único do artigo 69 da lei em comento, o autor
do fato deve ser imediatamente encaminhado ao juizado especial competente,
assumir o compromisso de comparecer quando devidamente notificado para tal
ou prestar fiança, sob pena de ser imposta a prisão em flagrante ocorrida;
c) é na audiência preliminar, após tentativa frustrada de composição
civil dos danos, que será dada ao ofendido a oportunidade de exercer o direito
de representação verbal, sendo esta a condição de procedibilidade. Segundo o
paragrafo único do artigo 75 da Lei 9.099/99, “o não oferecimento da
representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que
poderá ser exercido no prazo previsto em lei”.
Assim explica, de forma mais simples e didática, os autores Victor
Eduardo Reis e Alexandre Reis:
Sendo o autor da infração conduzido ao distrito policial, não será
lavrado o auto de prisão, mas mero termo circunstanciado, quando o
autor da infração for encaminhado de imediato ao Juizado Especial
Criminal ou assumir o compromisso de fazê-lo logo que possível.
Assim, não ficará encarcerado, sendo liberado logo após a lavratura
do termo circunstanciado. Suponha-se, pois, que uma pessoa dirija
palavras de baixo calão a um policial que a esteja abordando na rua.
O policial deve dar voz de prisão em flagrante a ela por crime de
desacato e levá-la à delegacia de polícia. Lá será lavrado o termo
circunstanciado e o autor da infração será libertado51.
Por fim, corroborando o que foi visto sobre o tema, deve-se analisar os
seguintes julgados que afastam quaisquer dúvidas quanto à possibilidade de
prisão em flagrante de crimes de menor potencial ofensivo:
51 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 465-466.
61
PROCESSUAL PENAL. PETIÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE.
LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA MEDIANTE FIANÇA.
VALOR EXORBITANTE. ART. 310, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP.
AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
ESVAZIAMENTO DO INSTITUTO DA FIANÇA. PETIÇÃO
CONHECIDA COMO HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. [...]
5. A Lei 9.099/95, modificada pela Lei 10.259/01, estabeleceu nova
sistemática nos casos das infrações definidas como de menor
potencial ofensivo: não se lavrará auto de prisão em flagrante e não
se exigirá fiança sempre que o agente for encaminhado
imediatamente ao Juizado ou quando assumir o compromisso de
fazê-lo. [...] 8. Petição conhecida como habeas corpus para,
concedendo a ordem, fixar a fiança em R$ 2.500,00, nos termos da
liminar anteriormente deferida. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Pet 6906/SC. 5ª Turma. Requerente: Fábio Lourenço Gelak.
Requerido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima. Brasília, 23 de março de 2010. DJe 26/04/10).
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO.
PENSÃO POR MORTE. PARCELAS DEVIDAS APÓS O TRÂNSITO
EM JULGADO DO ACÓRDÃO QUE RECONHECE O DIREITO À
INTEGRALIDADE. PRECATÓRIO. DESNECESSIDADE. DECISÃO
DE CARÁTER MANDAMENTAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.
SUJEITO ATIVO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. ADMISSIBILIDADE.
CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. PRISÃO EM
FLAGRANTE. IMPOSSIBILIDADE. LEI 9.099/95. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 3. Nos
crimes de menor potencial ofensivo, tal como o delito de
desobediência, desde que o autor do fato, após a lavratura do termo
circunstanciado, compareça ou assuma o compromisso de
comparecer ao Juizado, não será possível a prisão em flagrante nem
a exigência de fiança. Inteligência do art. 69, parágrafo único, da Lei
9.099/95. 4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 556814/RS. 5ª Turma.
Recorrente: Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul
– Ipergs. Recorrido: Terezinha Lima Pereira. Rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima. Brasília, 07 de novembro de 2006. DJ 27/11/06).
62
3.6 Algumas Situações Específicas
3.6.1 Crime de Participação em Suicídio
Neste crime, descrito no artigo 122 do Código Penal Brasileiro, a
consumação ocorre no momento em que o suicida realiza seu ato, induzido ou
instigado pelo autor, tirando, assim, sua vida ou sofrendo uma lesão grave.
Em caso de não haver falecimento da vítima, tampouco sofrer algum
tipo de lesão grave, estaremos diante de uma conduta atípica. Mesmo em caso
de haver lesão leve, não se configura a tipicidade do crime em comento, uma
vez que somente se fala em lesão grave.
Portanto, é incabível a prisão em flagrante daquele que incentiva a
vítima a pular do prédio, caso esta não o faça. Se o fato é atípico a prisão
obviamente é incabível. Interessante é que, se a vítima pular, vir a morrer ou
então sofrer alguma lesão de natureza grave, a prisão em flagrante será
perfeitamente possível.
3.6.2 Crime de Receptação
O artigo 180 do Código Penal Brasileiro estabelece como o crime de
receptação, aquele que “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em
proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para
que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”.
Porém, em uma situação específica, em caso de prisão em flagrante,
esta deve ser relaxada uma vez que não se está presente um dos verbos que
tipificam o crime em estudo. Imagine a situação de alguém que tem um carro
roubado em sua garagem. Tal pessoa o comprou de procedência ilícita muito
tempo atrás e, no dia em que os policiais o localizaram em sua casa, ele não
estava realizando qualquer dos atos executórios do art. 180 do Código Penal
— adquirir, receber, ocultar, conduzir ou transportar. Lembre-se que guardar o
carro na própria garagem não constitui ocultação. Victor Eduardo Rios
Goncalves, ao comentar sobre esta situação, assim esclarece:
63
A prisão em flagrante neste caso é equivocada e deve ser relaxada
porque a conduta “adquirir” não constitui crime permanente e o mero
ato de estar na posse do carro, em si, não constitui ato executório da
receptação. Ao contrário, a prisão seria considerada correta se o
agente tivesse sido flagrado dirigindo o carro roubado, pois uma das
condutas típicas previstas é exatamente a de “conduzir” veículo de
origem ilícita52.
3.6.3 Homicídio e Lesão Culposa na Direção de Veículo Automotor
Determina o artigo 301 da Lei n. 9.503/97 que “ao condutor de veículo,
nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a
prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro
àquela”.
Logo, o agente causador de acidente de trânsito, em caso de ser o
condutor, e vindo a vítima a morrer ou sofrer lesão e este fato seja considerado
culposo, em havendo socorro por parte daquele, não deverá ser preso em
flagrante delito, nem poderá ser exigida fiança, devido à imposição legal
específica.
52 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Op. Cit. P. 451.
64
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvivento do presente estudo possibilitou uma melhor análise
sobre um tema bastante amplo dentro do nosso sistema processual penal,
enfocando pricipalmente nos aspectos gerais da prisão em flagrante, como
também em situações específicas que geram dúvidas e divergencias entre os
maiores nomes do mundo academico.
É um tema bastante agradável de se falar, e bastante importante para
a sociedade em que vivemos, pois, como dito na introdução deste trabalho
acadêmico, nem sempre poderemos contar com a proteção estatal, por vários
fatores. Uma melhor abordagem sobre o tema facilita um possivel
entendimento do cidadão comum para que este, na falta do Estado, possa vir a
deter alguem em flagrante delito, quando possivel, sem que, com isso venha a
cometer alguma infração, achando que está fazendo o bem.
Quanto aos objetivos, os mesmos foram alcançados, uma vez que
restou claro quem são as pessoas que compõem toda a situação de flagrante
delito, as espécies de crime que o comportam, como também as divergências
existentes dentro do mundo acadêmico em que estamos inseridos.
Por fim, como o ramo do Direito Penal é algo que muda constantemente,
não podemos dar por encerrado este assunto, uma vez que existem vários
crimes que podem ser analizados em suas caracteristicas mais intimas,
gerando um aumento do conhecimento em relação ao tema. Porém que ficará
para um outro trabalho, quem sabe em tempos próximos.
65
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ESTEFAM, André; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. [PDF File]. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. São Paulo: Impetus, 2011. Vol. 1. LIMA, Renato Brasileiro de. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011. MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas – 2. ed. rev. e ampl., São Paulo : Saraiva, 2012. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2004. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. – 15. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. [PDF File]. REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016. [PDF File]. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed. rev. e ampl., Salvador: Ed. JusPodivm, 2014.
66