Série DRS vol 10 - Gestao Social dos Territorios

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    SRIE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTVEL

    Gesto Social dos Territrios

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    Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura (IICA). 2009

    O IICA promove o uso justo deste material, pelo que se solicita sua respectiva citao

    Esta pubicao tambm est disponvel em formato eletrnico (PDF) no stio Webinstitucional http://www.iica.org.br

    Coordenao editorial: Fernanda Tallarico

    Correo de estilo: Knia Santos

    Capa e diagramao: Joo Del Negro

    Foto da capa: Gustavo Stephan/Arquivo IICA

    Brasilia, Brasil2009

    Bacelar, Tnia

    Gesto social dos territrios / Tnia Bacelar...[et.al] Brasilia: IICA, 2009.(Srie

    Desenvolvimiento Rural Sustentvel:v.10)227 p.; 15 cm x 21 cm.

    ISBN13: 978-92-9248-132-2

    1. Comunidades rurais 2. Desenvolvimento rural 3. Sociologia Rural 4.

    Estrutura social I. Echeverri, Rafael II. Favareto, Arilson III. Furtado, Ribamar IV.

    Furtado, Eliane V Sachs, Ignacy VI. Leite, Srgio VII. Kato, Karina VIII. IICA IX. Ttulo

    AGRIS DEWEY

    E50 307.72

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    PREFCIO

    Ao apoiar a criao do Frum de Desenvolvimento Rural Sustentvel (FrumDRS), com o imprescindvel apoio de vrios parceiros institucionais, a Representaodo IICA no Brasil buscou assegurar um espao democrtico para o debate tcnicoem torno de temas palpitantes relacionados com o futuro das comunidades rurais.

    Esse papel vem sendo desenvolvido com afinco h mais de cinco anos. Os debatesvirtuais, as jornadas temticas, os congressos internacionais e as publicaes emsrie deram oportunidades para o debate como fonte e possibilidade mpar deaperfeioamento ou construo de idias. Nisso consiste o grande e permanentedesafio do Frum, ou seja, acolher e dar espao construo de idias sobre odesenvolvimento rural sustentvel.

    Escrever um livro sempre um grande desafio, pois ele sempre se tornauma fonte de consulta, um espao de aprendizagem ou um caminho para acontraposio ou a construo de conhecimentos e saberes. No caso do IICA, este

    livro transforma-se tambm num instrumento de materializao da cooperaotcnica.

    Ao tratar da gesto social dos territrios esta publicao traz a lume um dosmaiores desafios no mbito da governabilidade no que tange ao desenvolvimentocom enfoque territorial. Em verdade, esta publicao traduz um conjunto de vises,propostas e abordagens que buscam dinamizar o debate sobre um enfoquecomplexo e singular do desenvolvimento territorial. Os artigos apresentadossinalizam uma nova fronteira do conhecimento e buscam estimular o debateem torno das perspectivas de consolidao e de continuidade da poltica de

    desenvolvimento territorial no Brasil.

    Esta publicao deve ser entendida e utilizada como instrumento para oaperfeioamento de idias, pois se coaduna com a filosofia da cooperao tcnicainternacional defendida pelo Governo brasileiro e com a misso institucional daRepresentao do IICA no Brasil que contribuir para o desenvolvimento ruralsustentvel, mediante o aporte tcnico inovador formulao e execuo depolticas pblicas.

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    Como disse Nietzsche, o autor tem direito ao prefcio, mas ao leitor pertenceo posfcio. com esta idia que esperamos que esta publicao, ao se defrontarcom a realidade se transforme num instrumento de aperfeioamento de conceitos

    e assim ter cumprido o seu objetivo.

    Carlos Amrico BascoRepresentante do IICA no Brasil

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    APRESENTAO

    O IICA Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura apresen-ta o Volume 10 da Srie Desenvolvimento Rural Sustentvel. A iniciativa integratambm o conjunto de aes realizadas pelo Frum DRS Frum Permanente deDesenvolvimento Rural Sustentvel, promovido pelo Instituto.

    O livro aborda a temtica modelos e instrumentos para gesto social dos ter-ritrios definida a partir da constatao de que um nmero cada vez maior de

    entidades dos pases latino-americanos, em especial no Brasil, incorpora concep-es de territorialidade nas suas aes de desenvolvimento rural. Essa concepode territorialidade entendida como um mecanismo de articulao e integraoentre as organizaes da sociedade civil, os movimentos sociais e o poder pblicona promoo do desenvolvimento.

    Essa tendncia coincide com a emergncia de uma nova institucionalidade.Com efeito, no mbito dos processos de redemocratizao vivenciados na regioocorreu o surgimento e fortalecimento de novas institucionalidades, ou seja, novas

    formas de organizaes da sociedade civil que no so governamentais, porm,executam variadas e mltiplas atividades de natureza poltica, cultural e socioeco-nmica de carter pblico. Por outro lado, importante destacar que o tema danova institucionalidade atinge tambm a prpria esfera pblica em um sentidomais amplo, que inclui, necessariamente, rgo e agncias do setor pblico estatalda administrao direta e indireta, assim como as arenas mistas de debates, con-certao e deliberao de polticas pblicas.

    Na prtica, o que se observa o surgimento e a proliferao de organizaesde base e colegiados (conselhos, fruns, associaes comunitrias e outras), nos

    mbitos municipais, territoriais e estaduais, que se constituem em instncias degovernana e gesto social, no necessariamente embasadas em normas jurdi-cas, porm, legitimadas pelas organizaes da sociedade civil e atores sociais.

    Nesta mesma perspectiva, encontramos no Brasil uma gama significativa depolticas territoriais executadas por diferentes ministrios e organismos de fomen-to, como sejam: Ministrios da Integrao Nacional, Desenvolvimento Agrrio,Agricultura, Desenvolvimento Social, das Cidades, Meio Ambiente, Desenvolvi-mento, Indstria e Comrcio Exterior e Trabalho, Emprego e Renda. Somam-se aessas entidades os Bancos de Fomento BNDES, o do Brasil e o do Nordeste.

    Para o perodo 2008-2011, o governo federal prioriza trs macroprogramas: oPrograma de Acelerao do Crescimento PAC, o Programa de Desenvolvimento

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    da Educao PDE e a Agenda Social. No contexto desta, foi criado o ProgramaTerritrios da Cidadania PTC, principal ao de promoo do desenvolvimentode segmentos sociais situados em regies rurais de grande desigualdade e inci-

    dncia de pobreza.

    Trata-se de uma iniciativa que coordena as aes de 19 ministrios, atingindocerca de dois mil municpios em 2008/2009 e uma populao de quatro milhesde famlias. Sua execuo se realiza por meio da implantao de cerca de 130 dife-rentes aes pblicas federais, em parceria com os governos estaduais e munici-pais e as organizaes da sociedade civil. Para isso foram focalizados os territriosde identidade, constitudos a partir do programa administrado pela Secretaria deDesenvolvimento Territorial.

    Um dos grandes desafios do programa conseguir uma harmoniosa convi-vncia e interao das distintas esferas de governana, pblicas e privadas, que,em muitos territrios, do lugar a diferentes modelos de gesto compartilhada,nos quais se redefinem papis do Estado e das organizaes da sociedade e seconstroem novas formas institucionais para a gesto social.

    Para viabilizar tecnicamente a convivncia e a interao mencionada, torna-seimprescindvel a sistematizao de conhecimentos gerados a partir de iniciativasem gesto social dos territrios, com o propsito de aperfeioar o desenho demodelos e instrumentos que facilitem a formao de capacidades das instnciaspblicas e no governamentais nos territrios selecionados para o programa.

    Neste sentido, um importante primeiro passo a organizao de um acervotcnico estruturado para incentivar o intercmbio de experincias, percepes epropostas entre os agentes pblicos e atores sociais. Esta publicao se insere nes-se processo.

    Este livro que colocamos disposio dos interessados na gesto social dosterritrios contm uma coletnea de artigos dividida em trs partes: a primeiraapresenta dois textos contextualizando a temtica no plano internacional; a se-

    gunda trata especificamente dos desafios enfrentados para a adoo de processosefetivos de gesto social dos territrios no Brasil; a ltima parte est dedicada auma reflexo sobre as questes centrais inerentes aos processos de gesto socialdos territrios e explicita um conjunto de proposies de poltica.

    Dois anexos acompanham a publicao: (i) relatoria e memria do III FrumInternacional de desenvolvimento territorial; e (ii) um DVD contendo todas as in-tervenes ocorridas no evento.

    Carlos Miranda e Breno TiburcioOrganizadores da Srie DRS

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    RESUMO

    O IICA Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura, por meiodo Frum DRS, apresenta o volume 10 da Srie de Desenvolvimento Rural Susten-tvel. O livro aborda a temtica modelos e instrumentos para gesto social dosterritrios escolhida a partir da constatao de que um nmero cada vez maior de

    entidades dos pases latino-americanos, em especial o Brasil, incorpora concep-es de territorialidade nas suas aes de desenvolvimento rural. Essa concepode territorialidade entendida como um mecanismo de articulao e integraoentre as organizaes da sociedade civil, os movimentos sociais e o poder pblicona promoo do desenvolvimento.

    Um dos grandes desafios dessas iniciativas conseguir uma harmoniosa con-vivncia e interao das distintas esferas de governana, pblicas e privadas, que,em muitos territrios, do lugar a diferentes modelos de gesto compartilhada,nos quais se redefinem papis do Estado e das organizaes da sociedade e se

    constroem novas formas institucionais para a gesto social.Nesse sentido, torna-se muito importante organizar um acervo tcnico estru-

    turado com vistas a incentivar o intercmbio de experincias, percepes e pro-postas entre os agentes pblicos e atores sociais. Esta publicao se insere nesseprocesso. Contm uma coletnea de artigos e est dividida em trs partes: a pri-meira apresenta dois textos contextualizando a temtica no plano internacional; asegunda trata especificamente dos desafios enfrentados para a adoo de proces-sos efetivos de gesto social dos territrios no Brasil; a ltima parte est dedicadaa uma reflexo sobre as questes centrais inerentes aos processos de gesto social

    dos territrios e explicita um conjunto de proposies de poltica.

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    RESUMEN

    El Instituto Interamericano de Cooperacin para la Agricultura IICA, a travsdel Foro DRS, presenta el volumen 10 de la Serie de Desarrollo Rural Sostenible. Ellibro trata el tema modelos e instrumentos para gestin social de los territoriosescogido con base en la constatacin de que cada vez ms un nmero mayor de

    instituciones de pases latino-americanos, especialmente en Brasil, incorpora con-cepciones de territorialidad en sus acciones de desarrollo rural. Se entiende dichaconcepcin de territorialidad como un mecanismo de articulacin e integracinentre las organizaciones de la sociedad civil, los movimientos sociales y el poderpblico en la promocin del desarrollo. Uno de los grandes desafos de esas inicia-tivas es conseguir una convivencia armoniosa e interaccin de las distintas esferasde gobernabilidad, pblicas y privadas, que en muchos territorios abren camino adiferentes modelos de gestin compartida en los que se redefinen roles del Esta-do, as como de las organizaciones de la sociedad, y se construyen nuevas formasinstitucionales para la gestin social.

    En tal sentido, es muy importante organizar un acervo tcnico estructuradocon miras a incentivar el intercambio de experiencias, percepciones y propues-tas entre los agentes pblicos y actores sociales. Esta publicacin se insiere enel proceso. Contiene una serie de artculos que se divide en tres partes: la pri-mera presenta dos textos contextualizando el tema en el plano internacional; lasegunda trata especficamente de los desafos enfrentados para la adopcin deprocedimientos efectivos de gestin social de los territorios en Brasil y la ltimaparte est dedicada a una reflexin sobre los asuntos centrales inherentes a los

    procedimientos de gestin social de los territorios y explicita un conjunto de pro-posiciones de poltica.

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    SUMMARY

    The Inter American Institute for Cooperation on Agriculture IICA, through theSRD Forum, launches volume 10 of the Sustainable Rural Development Series. Thebook focus the subject about models and tools for social management of territo-ries, topic that was chosen due to the fact that an increasing number of countries

    from Latin American institutions, especially in Brazil, every time more incorporatesconcepts on territoriality in their rural development actions. For the developmentpromotion, it is understood the concept on territoriality as a mechanism of articu-lation and integration among civil society organizations, social movements andfederal government. One of the major challenges of these initiatives is to achieve aharmonious coexistence and interaction of the different spheres of public and pri-vate governance, in which are redefined the roles of the State and the society or-ganizations as well as to build new institutional methods for social management.

    In this regard, it is very important to organize a technical asset structured to en-

    courage the exchange of experiences, perceptions and proposals between publicagents and social actors. This publication is inserted under this context. It containsa series of articles, divided into three parts: the first includes two texts about the is-sue at an international level; the second one deals specifically with the challengesfaced for the adoption of effective social management procedures of the Brazilianterritories and the last part welcomes for a reflection on the main issues inherentto the social management procedures of the territories and explains a set of policyproposals.

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    PARTE I

    1. GESTO SOCIAL PARA

    DESENVOLVIMENTO

    SUSTENTVEL E

    DEMOCRTICO DOS

    TERRITRIOS.

    Ignacy Sachs professor da Escola de

    Altos Estudos em Cincias Sociais de Paris.

    Economista, especialista nos temas sobre

    Desenvolvimento, Desenvolvimento Susten-

    tvel e Ecodesenvolvimento. consultor de

    vrias agncias internacionais com ampla

    experincia na anlise do caso brasileiro.

    Senhoras e senhores, para falar sobre Gesto Social para Desenvolvimento Sus-tentvel e Democrtico dos Territrios, com a palavra, o Professor Doutor Ignacy Sa-chs:

    Muito obrigado. Boa noite a todos. Parabns pela organizao desse importan-te evento sobre um tema crucial como o da Gesto Social dos Territrios.

    Estamos num momento de acelerao da histria. A crise que abalou Wall Stre-et e se espalhou pelo mundo afora representa relao aos trinta anos de neolibe-

    ralismo extremado, baseado no mito dos mercados que se autorregulam, o que foia queda do Muro de Berlim para o socialismo real.

    Como o presidente Smith1disse antes, acho que uma hipoteca, da qual es-tamos nos liberando. Mas isso significa que estamos sentados em cima de para-digmas falidos: tanto o socialismo real quanto o neoliberalismo. Acredito aindaque vrios setores da social democracia europeia tambm pecaram nestes ltimostrinta anos e, sob a presso do neoliberalismo, foram longe demais ao dizer sim economia de mercado, no sociedade de mercado. Essa uma contradio nos

    1 Roberto Smith, presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

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    cosmticos. Ou seja, um mundo de recursos baseados no trinmio biodiversidade,biomassas e biotecnologias, estas ltimas aplicadas nas duas pontas do processo,para aumentar a produtividade da biomassa e abrir cada vez mais o leque dos

    produtos dela derivados.

    No conheo outro pas que tenha condies melhores para caminhar nestadireo, assumindo inclusive uma liderana mundial: a maior biodiversidade domundo, climas propcios para produo da biomassa e o sol que e sempre sernosso, independentemente das vicissitudes da poltica.

    Eu morei no Brasil durante a campanha O Petrleo Nosso. Para os que no selembram dessa poca, como dinossauro de servio, posso dizer que assistimos aum fenmeno extraordinrio, porque o primeiro projeto da Petrobras continha em

    mdia 150 ou 170 lacunas e cada uma delas permitia s grandes multinacionais dopetrleo de voltar pela porta traseira. O desembargador Osni Duarte Pereira escre-veu um livro no qual apontou as lacunas. Estas foram eliminadas, uma a uma, peloCongresso Brasileiro num debate que durou mais de um ano e se realizou debaixoda presso poltica de uma ampla frente nacional, que ia desde o presidente dedireita, Arthur Bernardes, at o partido comunista, na poca ilegal.

    No precisamos de tudo isso para continuar a beneficiar do sol, isso umagrande virtude. Aproveito para dizer que fui criado na ideia de que o trpico umobstculo ao desenvolvimento. O que vai acontecer agora uma desforrados tr-picos, o trpico como uma vantagem comparativa permanente, a condio quevocs saibam potencializar esta vantagem comparativa pela pesquisa e pela orga-nizao social apropriada da produo.

    Estamos entrando nesta era que vai, provavelmente, nos levar a reenfatizar aimportncia do desenvolvimento rural. verdade que podemos produzir algumabiomassa no meio urbano e at acredito que seja importante refletir sobre o po-tencial da agricultura urbana por razes sociais. Em vrios lugares do mundo, aagricultura urbana uma fonte de alimentao importante para as populaes

    pobres. Mas a produo de biomassa nos remete essencialmente s florestas, aoscampos, agricultura e a um novo ciclo de desenvolvimento rural.

    No estou de acordo com o teor de alguns relatrios recentes das Naes Uni-das que comemoram o fato de que a metade da humanidade j esteja urbanizada,e insinuam que no exista outro progresso possvel, a no ser atravs da urbani-zao. Recuso-me a aceitar a ideia de que os milhes que vivem nas favelas pelomundo afora sejam realmente urbanizados. No melhor dos casos, eles vivem numpurgatrio e constituem uma enorme massa de pessoas que espera ainda por serurbanizada. Porque a urbanizao significa um teto decente, uma oportunidade

    de trabalho decente e a possibilidade de exercer a cidadania. Enquanto estas trscoisas no ocorrem, no podemos falar da urbanizao.

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    Um livro do pesquisador americano Mike Davis sobre o Planeta Favela3foi tra-duzido em francs com o titulo O pior dos mundos possveis. Uma urbanizao pre-coce, precipitada e mal conduzida sinnimo de mau desenvolvimento e no de

    desenvolvimento, portanto, acho que o problema de um novo ciclo de desen-volvimento rural, socialmente includente e ambientalmente sustentvel, est naordem do dia. que, neste comeo do sculo XXI, estamos enfrentando simulta-neamente dois desafios: o desafio da mudana climtica e um dficit de oportu-nidades de trabalho decente.

    Na definio usada pela Organizao Internacional do Trabalho, trabalho de-cente no qualquer meio de sobrevivncia, um trabalho razoavelmente remu-nerado dentro do padro de desenvolvimento do pas em questo, realizado em

    condies razoveis do ponto de vista da sade e dando lugar a relaes de traba-lho que no atentem dignidade do trabalhador. Temos que nos habituar a falarde oportunidades de trabalho decente e no de oportunidades de sobrevivnciase quisermos realmente falar do desenvolvimento.

    O problema que se coloca de que maneira ser possvel atacar, simultanea-mente, estes desafios: reduzir os gases de efeito estufa, parar de desmatar, conser-var a biodiversidade, gerando ao mesmo tempo em nmero suficiente oportuni-dades de trabalho e de renda.

    O primeiro desafio nos remete ecologia e ao que eu chamaria de postuladotico de solidariedade diacrnica com as geraes futuras. Ecologia isso, temosque legar aos nossos filhos, netos e bisnetos, um planeta razoavelmente preparadopara que a espcie humana continue a habit-lo. O segundo desafio nos remete auma solidariedade sincrnica com as geraes presentes, o problema social aoqual o presidente Smith se referiu na sua fala inicial. Os dois desafios desembocamsobre a questo do territrio, por causa da imensa diversidade biolgica, social ecultural dos diferentes territrios.

    Devemos voltar, do ponto de vista metodolgico, Geografia da Fomede Jo-

    su de Castro. Este livro foi o que talvez mais marcasse a minha gerao, porquenos mostrou exatamente que todos os problemas sociais, a comear pela fome,podem e devem ser mapeados. Por outro lado, Josu foi um dos pioneiros da eco-logia. Porque precisamos mapear ao mesmo tempo os problemas e os recursoslatentes potenciais, suscetveis de serem bem utilizados. Quando falo do bom usoda natureza, refiro-me ao uso que obedece aos preceitos da sustentabilidade eco-lgica, mas para mim a sustentabilidade ecolgica e a sustentabilidade social soindissolveis. bom que se diga isso porque neste momento h uma tendnciapara discutir a sustentabilidade ambiental como a bola da vez.

    3 Mike Davis, Planet of Slums, (Verso Books, Londres, 2006).

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    Da reunio de Estocolmo, em 1972, que foi a primeira grande reunio das Na-es Unidas sobre o problema ambiental, samos com um conceito onde o so-cial e o ambiental estavam indissoluvelmente ligados de uma forma simtrica. Os

    objetivos do desenvolvimento so sempre sociais, existe uma condicionalidadeambiental; e para que as coisas aconteam preciso que a gente lhes d umaviabilidade econmica. Porm, a viabilidade econmica no um fim em si, uminstrumento para lograr os objetivos sociais, respeitando as limitaes ou as con-dicionalidades ecolgicas.

    H diferentes maneiras de definirmos desenvolvimento. bom olhar do ladodo Amartya Sen, o Prmio Nobel Indiano de economia, do desenvolvimento comoliberdade e redefinir o desenvolvimento como a universalizao do conjunto dos

    direitos humanos. Primeira gerao: direitos polticos, cvicos, e civis. Segunda ge-rao: direitos econmicos, sociais e culturais, incluindo como um direito extrema-mente importante, o direito ao trabalho decente. Terceira gerao: os diretos cole-tivos, o direito a um ambiente saudvel, direito cidade, direito infncia, etc.

    No que diz respeito ao bom uso da natureza, temos que buscar uma simbioseentre as atividades humanas e a natureza, abandonando a ideia de que devemosconquist-la.

    Quanto aos direitos sociais, acho que a questo central continua a ser a dopleno emprego e/ou de oportunidades de autoemprego. O nosso desafio cons-truir, a partir destes conceitos, projetos concretos. Celso Furtado sempre enfatizavaessa noo de projeto nacional, projeto e no utopia. Obviamente, os projetoscomportam um grau de voluntarismo, porm de voluntarismo responsvel. Asutopias no acontecem e no existem em lugar nenhum. Cabe-nos reabilitar oconceito de planejamento, que foi uma das vtimas da contra-reforma neoliberaldos ltimos trinta anos que apregoava a fantstica capacidade dos mercados dese autorregularem, como se eles no fossem mopes e insensveis dimenso so-cial e ambiental.

    Em boa hora o Brasil unificou os diferentes programas assistenciais, dando-lhesa forma do Bolsa Famliae est dando agora mais um passo em direo da luta es-trutural contra a pobreza, passando de polticas de alvio da pobreza que tinham,obviamente, impactos sociais e ambientais que iam alm deste alvio, mas queno tinham a capacidade de emancipar os seus beneficirios ao lhes oferecer aincluso social pelo trabalho. Esta um dos pontos centrais dos Territrios da Ci-dadania e a dimenso territorial absolutamente fundamental para atender di-versidade das configuraes socioculturais e dos potenciais dos recursos latentes.

    Por isso, no podemos nos contentar com solues padronizadas, impostas

    de cima para baixo. Tampouco me convence uma utopia generosa de inspiraoanarquista, ou seja, um arquiplago de projetos locais, autrquicos e desligados oupouco ligados uns aos outros. No podemos nos omitir de polticas que articulam

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    entre si os diferentes espaos de desenvolvimento do local ao transnacional. Esta uma das funes do Estado desenvolvimentista. Com a crise econmica atual eo descrdito do modelo neoliberal extremado, baseado no mito dos mercados

    que se autoregulam, pela terceira vez em menos de um sculo, somos obrigadosa responder a mesma questo: Qual Estado para qual desenvolvimento?.

    A crise de 1929 provocou trs grandes respostas. Havia, j em marcha, o socia-lismo real, os primeiros planos quinquenais da Unio Sovitica, mas tambm, osprocessos de Moscou, ou seja, certamente faltou quela experincia a democracia.Lembro que Amartya Sen sempre insistiu sobre o fato que a democracia umvalor fundamental. Ele usa uma palavra inglesa mais forte, foundational value, que um alicerce de tudo.

    Houve tambm a resposta dada pelo nazismo. Saiu recentemente um livro deum historiador britnico que examina a questo de onde vinha a popularidade deHitler, na Alemanha. E a resposta muito simples, ele gerou emprego. No curtoprazo, tirou os trabalhadores alemes da crise de 1929, gerando emprego. S queele gerou este emprego por meio de obras pblicas as estradas alems foramconstrudas naquela poca mas essencialmente atravs de uma corrida arma-mentista que nos levou Segunda Guerra Mundial e ao holocausto.

    Houve por fim, a terceira resposta, o New Dealrooseveltiano. Paul Krugman,ltimo Prmio Nobel de economia norte-americano, publicou na vspera das elei-es americanas um livro intitulado AAmrica que queremos. O livro se resumeassim: o que queremos um novo New Deal. Esperemos que Barack Obama cami-nhe nesta direo.

    A mesma questo se recolocou imediatamente depois da Segunda GuerraMundial. Observou-se um consenso sobre as trs ideias seguintes:

    o pleno emprego o objetivo central da atividade econmica como advoga-va Keynes;

    no basta um Estado pr-ativo em matria econmica, precisamos tambmde um Estado pr-ativo ao nvel social, capaz de construir um Estado provi-dncia (Welfare State) nas linhas propostas por Beveridge;

    por m, para evitar o desperdcio dos recursos, temos que planejar. QuandoVon Hayek escreveu, em 1944, em Londres, o seu panfleto contra o planeja-mento, O Caminho da Servido,ele era o dissidente, todos os outros ao redorestavam planejando. Monet estava preparando o planejamento francs eSpaak um plano para Blgica. No Instituto Real de Relaes Internacionais(Chatham House) funcionava um importante grupo de economistas oriun-

    dos de pases da Europa do Sul, Central e de Leste e coordenados por PaulRosenstein Rodan, um nome que todos os economistas do desenvolvimentoconhecem.

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    Os dois blocos o capitalista e o socialista entrariam em conflito frontal sobreas maneiras de realizar essas trs ideias, mas elas eram compartilhadas dos doislados do que viria a ser a cortina de ferro.

    No Ocidente, elas foram instrumentais para assegurar trs dcadas de um cres-cimento, que Steven Marglin chamou nos Estados Unidos de Idade de Ouro doCapitalismoe que um conhecido economista francs, Jean Fourasti, batizou deTrinta Anos Gloriosos.

    Keynes saiu da moda, ou melhor, comeou a ser fortemente contestado assimque o socialismo real entrou em decadncia. A data fundamental 1968, marcadapela invaso da Checoslovquia por foras soviticas, colocando um fim abrupto ltima chance de construir um socialismo com rosto humano na Europa de Leste.

    No por acaso que na dcada seguinte aparecem Margaret Thatcher, seguidade Ronald Reagan, dando incio a uma contra-reforma neoliberal, voltada contra ocapitalismo reformado pelos trinta anos do keynesianismo e do Welfare State.

    Estamos, portanto, pela terceira vez, frente ao mesmo desafio: redefinir o papeldo Estado desenvolvimentista capaz de levar para frente estratgias de desenvol-vimento socialmente includentes e ambientalmente sustentveis.

    Neste contexto coloca-se a construo de parcerias entre todos os protagonis-tas importantes do processo de desenvolvimento. O futuro pertence a um desen-

    volvimento pactuado numa negociao quadripartite, no tripartite como aquelaque presidiu a criao da OIT: o Estado, os empresrios, os trabalhadores e aindaum quarto componente esta uma novidade das ltimas dcadas a sociedadecivil organizada.

    Precisamos de um feixe de polticas pblicas convergentes e complementriasde discriminao positiva dos pobres, dando-lhes acesso terra, capacitao, assistncia tcnica permanente, a crditos preferenciais o PRONAF um smbolodesta poltica ao mercado, (pelo menos aos mercados institucionais) e tambmao hospital, escola, etc. Sem essas polticas, ao jogar os pequenos produtores no

    mercado, vamos acionar um processo de darwinismo social que vai certamente setraduzir por uma dispario de um grande nmero destes pequenos produtores.

    Alis, o SEBRAE tem estas estatsticas: quantas microempresas desaparecema cada ano? O Estado desenvolvimentista deve, portanto, ter regras de jogo as-simtricas para pobres e menos pobres. Este princpio foi enunciado no fim dosanos quarenta do sculo passado por Gunnar Myrdal, Prmio Nobel de economiaSueco, no seu livro sobre a economia internacional: a equidade nas relaes entreparceiros de foras diferentes exige regras de jogo viesadas em favor dos parceirosmais fracos.

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    Nos tempos difceis, nos quais nos estamos entrando, convm lembrar o con-ceito do economista chileno, Osvaldo Sunkel, sobre o desenvolvimento a partir dedentro que transcende a polmica estril entre os partidrios de desenvolvimento

    para fora e para dentro e nos remete mais uma vez ao problema do territrio.Temos que definir estratgias de desenvolvimento, partindo do territrio, apren-dendo a ultrapassar as perspectivas setoriais.

    Isto vale, sobretudo, para a agronomia. H quem diga que os biocombustveisesto competindo com os alimentos por terras e guas escassas e a sua produovai, portanto, esfomear o mundo. Estou citando, entre outros, Jean Ziegler, que nomomento em que disse isso era o porta-voz da Comisso dos Direitos Humanosdas Naes Unidas para o direito aos alimentos. Respondo que no bem assim.

    Devemos aprender a raciocinar em termos de sistemas integrados de produode alimentos e energia adaptados aos diferentes biomas, aproveitando as comple-mentaridades, usando os resduos de uma produo para a outra.

    Um exemplo: a pecuria e o biodiesel podem ser casados, porque ao extrairleo para o biodiesel se produz montanhas de tortas. Na medida em que se sou-ber evitar que essas tortas sejam txicas, ser possvel alimentar o gado com elas.Portanto, d para aumentar o nmero de reses por hectare, liberando assim pasta-gens para outras atividades agrcolas.

    Passo a outro tema. Como articular a atuao dos trs nveis do poder, os progra-mas federais, os programas estaduais e as aes municipais, frente a um territrio?

    A articulao s por cima no suficiente. Para promover o desenvolvimentoterritorial, no podemos nos omitir de criar nos territrios uma capacidade de pla-nejamento participativo local, crucial para iniciar uma interao entre o nvel locale os demais nveis do poder, e isto por trs razes.

    Primeiro, porque em cada territrio necessrio identificar as foras vivas a nvellocal, os futuros parceiros do processo de desenvolvimento negociado. Segundo,porque vamos precisar de um bom diagnstico das mazelas, dos problemas, das

    crises que existem naquele local. Terceiro, porque no convm ficar unicamentenuma relao do que di e falta, compilando um cahier de dolances, e sim incluirtambm no diagnstico uma anlise dos potenciais locais latentes em termos derecursos naturais e projetos que no iro para frente se no forem removidos cer-tos gargalos.

    O primeiro passo para este planejamento consiste na organizao de um diag-nstico participativo. Posso citar aqui uma experincia bem-sucedida no Estado deKerala, na ndia. Ao formularem planos quinquenais a nvel municipal, os Indianossempre comeavam por um diagnstico participativo, mesmo quando tinham mo todos os dados, por causa das virtudes pedaggicas do diagnstico.

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    No acredito, j disse, num desenvolvimento autrquico do territrio, desliga-do do resto do pas. Porm, dou muito valor ao conceito do desenvolvimento en-dgeno, ou seja, pensado localmente.

    Estou falando daquilo que na conceituao dos Territrios da Cidadania cabeaos colegiados. A minha diferena, talvez, seria esta: a capacidade de pensar o de-senvolvimento endgeno no se decreta. Ela deve ser construda por um processopedaggico que em certos casos vai levar pouco tempo, em outros, durar mais.

    Por isso, trabalho com a ideia de que devemos comear por organizar um f-rum de desenvolvimento local. medida que este frum cria corpo, coragem eidentifica os participantes ativos, possvel passar para a criao de um conselhoconsultivo. Este com o tempo poder se transformar num conselho deliberativo.

    Agora, eu no colocaria datas nem tentaria uniformizar o processo, por causa dadiversidade das configuraes ecolgicas e culturais e dos diferentes graus de ma-turao do processo poltico.

    Agora vou listar algumas questes em aberto, sem que se trate de um inven-trio exaustivo.

    Que tipo de acompanhamento tcnico permanente se faz necessrio no terri-trio para agilizar o planejamento local? Temos no Brasil pelo menos uma experi-ncia negativa no passado. o que, a meu ver, faltou precisamente aos programas

    DELIS: um agente local escolhido na sociedade local e devidamente capacitado.Que ajuda poderiam dar os estudantes de universidades? Como articular em

    geral os projetos de desenvolvimento territorial com as escolas superiores existen-tes nos arredores? um recurso importante que o Brasil no usa plenamente. For-mei na hoje Cndido Mendes, em 1951. Naquela poca, ramos trinta ou quarentamil estudantes do superior no Brasil inteiro. Hoje so vrios milhes.

    Tenho discutido essa questo vrias vezes no Brasil, recentemente, na USPZona Leste, que para mim poderia ser um excelente observatrio daquele mons-

    tro urbano com quatro milhes de pessoas, poucas trabalham localmente.Na Universidade de Amsterd, h muitos anos funcionava um guich de aten-

    dimento sociedade civil, que tinha uma lista de professores e alunos dispostos atrabalhar, voluntariamente, com as organizaes sociais.

    Por outro lado, deveramos nos esforar para influir mais fortemente sobre a es-colha de temas de pesquisa. Concursos e bolsas so instrumentos razoavelmentesimples para aproximar a pesquisa das urgncias da prtica social. Sem falar queentre os milhes de estudantes do ensino superior no Brasil, deve haver algunsmilhares dispostos a fazer a experincia de trabalho de terreno em projetos dedesenvolvimento, se no por outras razes, por engajamento ideolgico.

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    Outro problema como criar sinergias entre os diferentes programas levados aefeito por vrios ministrios e instituies, inclusive, programas de responsabilida-de social de instituies pblicas como o Programa de Desenvolvimento Regional

    do Banco do Brasil. Como fazer para que haja construo de sinergias e no cho-que, embate, competio, concorrncia ou redundncia?

    No caso de projetos locais bem-sucedidos, como, por um lado, evitar sua pa-dronizao excessiva e, por outro lado, assegurar a escala? Como colocar os ze-ros? Estou acompanhando h certo tempo um projeto da Rede das TecnologiasSociais da Fundao Banco do Brasil, conhecido pela sigla PAIS so os projetosagroecolgicos integrados sustentveis: meio hectare, galinheiro no centro, vrioscrculos de plantas comestveis, uma irrigao razoavelmente simples com um kit

    de implantao que custa sete mil reais, assegurando certamente a alimentaoda famlia e ainda gerando sobras para o mercado.

    Em meus clculos, funcionam atualmente no Brasil de mil a dois mil PAIS, nagrande maioria bem-sucedidos. Daria para colocar quantos zeros?

    Penso que a implantao de PAIS nas parcelas individuais faria um projeto idealpara a primeira fase dos assentamentos de reforma agrria, emancipando o assen-tado da cesta bsica. Os PAIS se aplicam tambm s periferias das cidades.

    Como encarar a interface entre os Territrios da Cidadania e os grandes proje-

    tos infraestruturais do PAC? Neste contexto, preciso reexaminar talvez o conceitode cooperativas de trabalho.

    Qual o potencial para obras pblicas de pequeno porte de carter local queos Territrios da Cidadania no contemplaram de uma maneira explcita e que po-dem ser pensados tambm no contexto urbano? Esses irmos gmeos do grandePAC podem gerar um nmero aprecivel de empregos. A ttulo de comparao,vale a pena mencionar o programa indiano Employment Guarantee Scheme (es-quema de garantia de empregos): em cada famlia abaixo da linha da pobreza umadulto passa a ter o direito de ser empregado durante cem dias por ano em obras

    pblicas de carter local, remunerado pelo salrio mnimo local.

    Como estimular as inovaes a nvel local? No Rio Grande do Norte esto sen-do criados em todos os municpios centros de incluso digital e cvica. Outra vez,vale a pena mencionar um exemplo indiano. Para comemorar os sessenta anos daindependncia da ndia, o governo indiano partiu para um projeto extremamenteambicioso, no sei at onde foi bem-sucedido, com a instalao de um centrocomputadorizado de inovao em cada uma das mais de 600 mil aldeias.

    A originalidade do projeto consiste em ter treinado para cada aldeia um mo-

    nitor e uma monitora encarregados de ajudar as populaes locais a aprenderemcomo se acessa, atravs do computador, as informaes meteorolgicas, merca-

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    dolgicas, como se faz perguntas aos agrnomos que no esto no local, aos m-dicos, etc. Um programa bem na linha do pensamento de Paulo Freire.

    Concluindo, segundo tudo indica, estaremos, nos prximos anos, navegandoem guas conturbadas, o que aumentar a nossa responsabilidade de organizarprogramas de luta estrutural contra a pobreza. Frente a este desafio, me permitoconcluir usando as palavras utilizadas ontem pelo presidente recm eleito dos Es-tados Unidos, Barack Obama, Yes we can. Sim, ns podemos. Obrigado.

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    PARTE I

    2. A GESTO SOCIAL DOS

    TERRITRIOS:

    O DESAFIO DA

    MULTIDIMENSIONALIDADE.

    Artigo de Rafael Echeverri Perico

    Consultor internacional em

    Desenvolvimento Territorial

    Texto apresentado no III Frum

    Internacional Desenvolvimento Rural

    Sustentvel: Modelos e Gesto Social dos

    Territrios, acontecido em Fortaleza,

    de 5 a 7 de novembro de 2008.

    No centro da reflexo territorial

    H alguns anos vem se discutindo a questo territorial no Brasil. A primeira vez

    que se refletiu de maneira mais intensa o projeto de territrios de identidade foiem um seminrio, em Fortaleza, em 2005. O tempo passou e, hoje, podemos dizerque muito avanamos nesse tema. Aprendemos, porm, muito ainda temos o quefazer.

    Neste texto, quero compartilhar algumas das reflexes que muitos pases vmfazendo no momento, acerca do conceito de gesto social do territrio, comouma verdadeira inovao, uma viso paradigmtica da gesto dos territriose da gesto da poltica, como uma nova construo. Quero mencionar, nesta

    abordagem das dimenses mais importantes, nas quais esto ocorrendo mudanasimportantes na forma como se est assumindo a poltica de desenvolvimento nomarco que, em termos muito genricos, denominamos o enfoque territorial dodesenvolvimento.

    Inicialmente, vou discutir os aspectos de carter tcnico da gesto social. Numsegundo momento, os aspectos de carter econmico e suas implicaes nasdinmicas prprias deste conceito de gesto. Como terceiro aspecto, introduzoos elementos de carter poltico-institucional, onde estamos presenciandomudanas importantes nas estruturas da forma como a sociedade civil e o Estado

    encaram o desenvolvimento no mundo rural. Um quarto elemento o aspectode carter cultural, particularmente, um dos temas que mais aprendemos com as

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    experincias do Brasil, que a questo da identidade. Finalmente, gostaria de falarsobre as alternativas de desenvolvimento e suas implicaes.

    Gostaria de fazer uma reflexo sobre o conceito de gesto como tal. Creio queas ideias sobre o desenvolvimento vm passando por distintas fases, e, as duasltimas, diramos que so determinadas por modelos de carter mais tecnocrtico,quando se deu uma grande nfase no planejamento, na programao e naaplicao de instrumentos tcnicos para a gesto do territrio. H dcadas, tudoo que se referia institucionalidade, ao planejamento e gesto, era proscrito,porque havia a crena, e se imps dramaticamente a ideia de que as dinmicaseconmicas e sociais amparadas nas regras do mercado podiam realmentesolucionar os processos de desenvolvimento.

    A palavra gesto implica, em um novo conceito, a coletivizao dos processosde desenvolvimento. Refiro-me, insistentemente, ideia sobre o desenvolvimentono como a soma dos indivduos, o que seria uma resposta clara a este mundo demitificao, sacralizao do mercado e das energias individuais que se somavampara o desenvolvimento, o que no deu certo e no foi verdade. O que aconteceu que enfrentamos uma enorme crise de resultados em nossos modelos dedesenvolvimento.

    O ciclo da gesto social do territrioO primeiro tema, com referncia aos aspectos mais tcnicos, leva a falar de

    procedimentos da gesto social do territrio. Creio que aqui houve um aportemuito importante, que no caso do Brasil foi denominado o ciclo da gestosocial do territrio, que tem algumas caractersticas particulares e no qual foramdesenvolvidos mecanismos, elementos, metodologias para o processo de gestoterritorial. Este caso implica componentes nitidamente diferenciados. Poderia dizerque os casos guatemalteco e mexicano, neste sentido, so muito similares, porm,no caso brasileiro foi posto sobre a mesa de forma muito explcita.

    No ciclo de gesto social, os processos de gesto territorial implicam ereconhecem o valor, primeiro da organizao, da representao, da participaodas comunidades, da sociedade organizada, para um dilogo entre a sociedade e oEstado nos processos de desenvolvimento. A instrumentalizao vista no modelodos Territrios de Identidade e nos Territrios da Cidadania implica em processosde diagnsticos consensuais, onde h uma combinao de elementos objetivosde diagnsticos, elementos tcnicos, mas onde o elemento importante no o diagnstico objetivo como havamos conhecido tradicionalmente, mas sim oconsenso sobre os elementos da problematizao do territrio e das condiesque favorecem ou limitam o desenvolvimento nos territrios, passa a ser o pontocentral da discusso.

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    Os processos de planejamento, os processos de viso, de definio de eixosestratgicos, definio de enfoques de ao e prtica das mesmas, definiode solues, definio de projetos, formam parte de um processo estruturado,

    utilizado no caso do Brasil, e que determina finalmente uma forma de trabalho nosterritrios. Nas documentaes da Secretaria de Desenvolvimento Territorial sepode ver, genericamente, o conjunto de materiais de enorme interesse sobre estaparte do processo, que chamaria o processo tcnico de apoio. Foi consolidada umanova forma que no substitui ou elimina os elementos tcnicos da gesto, mas oscomplementa de uma maneira que permite que tanto a parte tcnica quanto oscomponentes polticos desta gesto social, alcancem resultados eficientes.

    Deste ciclo de gesto social, com uma srie de componentes, quero destacar um,

    que tem uma enorme implicao de ordem conceitual, de inverso e de manejo: oconceito de projetos estratgicos territoriais. O processo de planejamento e o ciclode gesto social no territrio, que tem esse elemento de coletivizao, comeama aparecer com uma caracterstica distinta e passa pelos projetos particulares,individuais, especficos, que caracterizam todo esse modelo empresarialista queacompanhou toda a viso mais neoliberal do mercado, chegando a projetos decobertura territorial, onde se trata de responder perguntas do empresrio e doempreendedor. Qual a proposta do territrio? Qual o motor que dinamizao territrio? Quais so as perguntas fundamentais do territrio? Estas surgemno como a soma das perguntas individuais dos seus cidados ou de seusempresrios.

    O projeto estratgico territorial tem uma condio clara de multidimensionalidade,de integrao, no a cobertura total, no exaustivo, mas tem a capacidade deincidir sobre todos os diferentes componentes do territrio. Esta uma luta, umaluta difcil, um processo de mdio a longo prazo, mas que comeamos a verem todos os pases. No incio desse processo, o Mxico fez uma avaliao muitodetalhada da questo. A avaliao que se fez dos projetos que surgem do processode gesto social territorial, por meio dos colegiados, que no deixaram de ser

    projetos setoriais, individuais. Com o tempo passaram a ser projetos estratgicosterritoriais.

    O projeto estratgico territorial gera um enorme desafio para as polticas pblicas,porque no estamos acostumados a eles. Ns temos fundos de investimento,temos mecanismos de acesso a estes fundos, que esto centrados em visessetorialistas, com regulamentos, objetivos, metas e tcnicas de carter setorial. Osprojetos estratgicos territoriais mudam de forma substantiva a maneira como segerencia e como se alocam os recursos no processo de desenvolvimento.

    Vejo em muitos cenrios uma grande satisfao pelos avanos que temos nestecomponente, onde h muito tempo falamos de participao e agora encontramos

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    mecanismos por meio dos colegiados, por meio desses processos do ciclo social,onde conseguimos canalizar e encontrar melhores resultados de algo que estavamuito difuso: o tema da participao na gesto e no planejamento. O balano deste

    momento nos convida a ter um bom inventrio de ferramentas de gesto territorial,de carter tcnico, para o planejamento, diagnstico, formulao e avaliao dosprojetos, para ter indicadores compartilhados, para ter controle social, para terseguimento, que um elemento fundamental, que daria uma palestra completae onde, realmente temos avanado. importante ter presente este componentee o que foi conseguido e obtido, bem como os enormes desafios que implicamesta forma de gesto e de trabalho com os territrios, e, por fim, seus avanos deordem metodolgica.

    A responsabilidade social da economia

    O segundo elemento que quero destacar na gesto social dos territrios apossibilidade que se abre de ter outra viso do problema econmico territorial.Produto tambm de polticas muito claramente enfocadas no mercado, e, nessesentido, habilita as unidades produtivas nos territrios. A adoo que fizemosda definio famosa de que a competitividade de um territrio era a suma dacompetitividade das empresas que estavam no territrio no deu realmente osresultados esperados. Surge, ento, um tema que conduz a uma viso da economiado territrio, onde aparecem conceitos que superam a viso individual, por umaviso coletiva do territrio.

    Nessa perspectiva, refiro-me especificamente a um tema, que tem estado sobrea mesa de discusso, com muitos debates, trata-se do conceito de competitividadeterritorial. No modelo clssico de competitividade, nos modelos capitalistas deeconomia e nos modelos de mercado, a competitividade um eixo, no algonem bom, nem ruim, esses modelos funcionam atravs de competitividade,que requerem empresas eficientes e que tenham rentabilidades relativas que

    estimulem e dinamizem a economia. Isto um fato. Porm, qual o problema dacompetitividade? que temos limitado a competitividade a uma expresso derendas privadas. competitiva aquela empresa que maximiza suas rendas frentea outras empresas.

    Na viso mais coletiva, onde se supera a viso individual da empresa, apareceum modelo que aponta para a incorporao da sua dimenso territorial. Emtermos muito esquemticos, levaria a pensar que, para que um territrio consigaque a economia seja suporte de seu prprio desenvolvimento necessrio que asempresas, independentemente do tamanho, tenham condies de produtividade

    aceitveis, tenham eficincia econmica e consigam a rentabilidade necessriapara se manter. Essa atividade econmica tem implicaes de ordem endgena empresa, condies internas empresa, que tem a ver com a acumulao que faz

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    o empresrio, com sua viso, sua dotao de ativos produtivos, sua percepo esua incorporao no mercado, vistas de forma individual.

    No entanto, esta empresa no est alheia a seu entorno e, primeiramente,o que se reconhece so as externalidades. A competitividade de uma empresadepende de sua gesto, porm, tambm depende do ambiente econmicono qual est inserida. As externalidades favorveis, que a empresa recebe, vmdesse ambiente. Quando olhamos um ranking de competitividade dos territrios,a competitividade dos pases, a competitividade dos estados, normalmenteverificamos que os indicadores consignados falam de dotao de infraestrutura,desenvolvimento do mercado laboral, institucionalidade, condies de operao,etc. Isto : tudo aquilo que o territrio oferece empresa para que ela possa ser

    competitiva.Avanamos at este ponto e levamos em considerao que grande parte da

    poltica pblica est centrada em criar condies externas para que as empresassejam eficientes. At a vai a conscincia coletiva, sempre vemos os empresriosquando se renem dizendo: como somos competitivos se o governo no d asrodovias necessrias? Se no d sistemas de comunicao? Se no h capacitaopara a mo de obra?

    H, alm disso, outro passo, que no tem sido suficientemente considerado, aempresa no gera somente rentabilidade para o empresrio, gera tambm produtoe emprego, assim como outras externalidades. o que tem se chamado com muitaclaridade na Europa, justificando seus famosos subsdios, de multifuncionalidadeda economia. H impactos maiores, como por exemplo, a economia de plantacin,a economia que gera pouco emprego, a economia que protege o ambiente, aeconomia que desloca a produo, a que gera choques culturais em seu entorno,a que absorve as culturas do entorno. Essa multifuncionalidade faz com que aempresa no s tenha uma responsabilidade em si mesma, em outras palavras,no certo que se os empresrios enriquecem, o territrio tambm enriquece.

    Poderamos citar o pior dos exemplos do mundo, o tema das economias ilegais.Estas so altamente rentveis, altamente eficientes, no entanto, seu impacto noentorno monumental. Isto significa que h custos sociais na atividade econmica.H que se otimizar o modelo, empresas que no so rentveis morrem. Porm, nonos servem s empresas rentveis. Necessitamos de empresas rentveis com altosimpactos sociais positivos, pode-se dizer que necessitamos de empresas geremrentabilidade privada e se traduza em rendas sociais. Em um modelo de visoradicalmente individualista, exclusivamente de mercado, isto desaparece, o quens no conseguimos ver.

    Nesse sentido, outro exemplo, o caso colombiano, onde se pretende instalaruma grande economia baseada no azeite de dend para solucionar problemas deconflito social no territrio. Ainda que o azeite de dend seja um modelo altamente

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    rentvel para a Colmbia, com condies de competitividade altssimas, gerandoaltas rendas, inovador tecnologicamente: porm, gera conflito social e territorial,gera pouco emprego, impactos de carter ambiental, e no gera rendas sociais.

    Agora se falamos de um modelo desta natureza, com um territrio competitivo, aquele que tem empresas eficientes, rentveis, competitivas, que maximizamseus impactos sociais positivos. Estamos falando da coletivizao da anlise daeconomia.

    Isso no funciona com vises individuais e de mercado e nos leva a pensarnas formas de administr-lo, um processo que no se d espontaneamente.H que estabelecer mecanismos para garantir que o agente pblico tenha claroque quando h uma interveno ou subveno ou um apoio, est fazendo com

    o propsito de maximizar a renda social, no somente maximizar a renda privada.O que acontece que a renda privada e as empresas so um meio para conseguiressa rentabilidade social. Nesta dimenso econmica, este conceito de gestono o conceito de planejamento, nem de mercado eficiente, nem de superaras distores ou imperfeies dos mercados. Este feito nos conduz ao segundoelemento que quero destacar como um dos pontos de enorme importncia, quetemos conseguido avanar como modelo de gesto social.

    A institucionalidade territorial

    Um terceiro elemento, que para mim um dos elementos cruciais, nosomente enquanto resultado do modelo de gesto, mas que, finalmente, acausa pela qual estamos falando de modelos de gesto, refere-se dimensopoltica, talvez a mais importante. Porque realmente estamos falando de modelosde poltica pblica, de modelos de ao dessa poltica em nossa sociedade, queno so produtos de um modelo tcnico, acadmico, seno produto, e isso temque ser fortemente enfatizado, dos processos polticos de nossas sociedades.Temos chegado a modelos como estes porque ocorreram processos polticos que

    os impulsionaram.Chama poderosamente a ateno que estes modelos de gesto territorial,

    que desbordam do mundo rural, esto nascendo principalmente dos cenriosda gesto rural. Quando falamos de territrio, o rural e o urbano se diluem, emque daria outra reflexo completa. Essa segmentao tradicional do rural e dourbano desaparece e surgem as polticas denominadas desenvolvimento rural,aquelas que no momento esto evoluindo para modelos de gesto territorial,no urbanas, nem regionais que foram pioneiras na montagem de muito doselementos que hoje estamos vivenciando, e por qu? Porque as sociedades rurais

    e, em geral, nossas sociedades latino americanas, tem mudado. Nosso mundo ruralbuclico, isolado, atrasado, marginal, analfabeto, sem comunicao, desinformado,manipulvel, no existe mais.

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    Hoje, nossas sociedades rurais em todo o continente, incluindo as mais pobres,tm mais educao, mais informao, mais comunicao, mais acesso ao mundoexterior ao territrio e, portanto, mais organizao, mais capacidade de mobilizao,

    de ao coletiva, de presso e de mais reivindicaes. E no exigncias simples quese cumprem com todos os mecanismos clientelistas que temos desenvolvido, massim exigncias que no se satisfazem com um assistencialismo fracassado durantedcadas, so sociedades que fazem presso por novos cenrios.

    Nesse sentido, a histria do Brasil muito interessante, na histria polticainstitucional, de mobilizaes sociais que reivindicaram, por exemplo, a criao deum Ministrio de Desenvolvimento Agrrio, de um CONDRAF (Conselho Nacionalde Desenvolvimento Rural Sustentvel), de uma Secretaria de Desenvolvimento

    Territorial; neste cenrio que surge a dimenso poltica da gesto social. complexo tentar explicar que este modelo territorial parte de um Ministrio

    chamado Desenvolvimento Agrrio, que se desmembrou do Ministrio daAgricultura. Porm, no Brasil existe tambm um Ministrio da Integrao. Por qu?Porque um processo poltico. No foram os tcnicos que desenharam o modelo,mas ele fruto de uma enorme presso poltica.

    Quando olhamos o Salo dos Territrios, os encontros dos territrios, comtodas as dificuldades tcnicas, com todos os problemas no planejamento, todosos desafios complexos para adotar as metodologias de planificao, de elaborarprojetos, o que em verdade estamos vendo a gesto de um processo poltico deenorme magnitude. Algum com um enorme sentido poltico, o presidente Lula,percebeu no momento exato. Apostou por ele e agregou um elemento de carterpoltico radical, o projeto Territrios da Cidadania. No falemos das metodologias,das tcnicas e do processo, que tem enormes complexidades, porm, falemos dosentido poltico que isto implica.

    Em ltima instncia, significa que o mundo atual, em suas grandes transformaespolticas, tem dois eixos fundamentais de transformao. Por um lado, um

    novo relacionamento do Estado com a sociedade civil e onde o Estado j no onipotente, onipresente, que soluciona tudo. O Estado tem que gerar mecanismosde trabalho com a sociedade civil, que est transformando tudo, por meio de suasorganizaes. Agora tudo deve ser participativo. H uma grande transformaonisso, um processo em ebulio. A outra transformao vai do local ao global, ondese tem diferenciado as responsabilidades, o Estado nacional tem cada vez menordiscricionariedade para sua ao. No mundo de transformaes, este conceito degesto territorial e estes modelos de gesto so uma enorme inovao de carterpoltico. So uma sada ou uma tentativa de soluo civilizada e democrtica para

    os processos de gesto poltica que estamos vivendo nos territrios.Por isso, no hesitaria em qualificar que o mais importante se chama o

    aspecto poltico que permeia a gesto social do territrio. uma nova forma

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    de manejo do poder, uma nova forma de manejo das decises, uma novaforma de participao no demaggica, uma nova forma de criar mecanismo deconcertao, de negociao, de consenso. , em ltima instncia, uma nova forma

    de gesto da essncia do territrio, o conflito. Nesse sentido, uma contribuiode enorme importncia para o futuro. A essncia das grandes transformaespassa pela conquista da democracia e um dos elementos importantes o temada gesto social do territrio.

    A identidade, elemento de coeso na diferena

    A dimenso seguinte a cultural, como um elemento resultante de umprocesso histrico. O territrio uma construo histrica e social. O territrio a expresso poltica do espao, o que o faz consuetudinrio, a estrutura deuma sociedade relacionada com seu ambiente, que cria instituies, economias,relacionamentos, redes. Esse elemento envolvente, reflexo da histria, reflexo dosinteresses, com seus conflitos, o que chamaramos a cultura. A cultura o que unee tem dimenses polticas, econmicas, sociais, estticas, folclricas, entre muitasoutras. Por esse elemento, uma das coisas que mais nos tem interessado no Brasil,foi por onde comeou o tema dos territrios na Secretaria de DesenvolvimentoTerritorial, o planejamento dos territrios de identidade.

    Foi, na verdade, uma audcia introduzir o tema. Muitas vezes se apresentavauma tautologia com Territrios e Identidade, porque definitivamente, territrio identidade. Porm, quero somente destacar um elemento nisto, o reconhecimentoque faz este modelo de territrios que o fator fundamental de coeso, demobilizao, de ao coletiva, energia social e que est ligado estritamente identidade. No somente o reconhecimento da diversidade, sendo oreconhecimento de que as foras de coeso que tem os movimentos sociais sechamam identidade. Identidade no poltico, no econmico, no religioso, no tico,na sua relao com o ambiente. Assim como a cultura o que nos une, a identidade

    o que nos diferencia e essa possibilidade de diferenciao se converte em umaenergia social de enorme importncia.

    Nos estudos que temos feito, para tratar de indagar um pouco sobreidentidade, temos encontrado elementos poderosssimos, que explicam muitosdos fracassos passados dos processos de planejamento, onde nunca conseguimosdiferenciar. Cremos em polticas diferenciadas, na focalizao, em modelos demediao de heterogeneidade, quando o que necessitvamos era um modelode reconhecimento do territrio. Reconhecer um territrio ler sua identidade.O que tenta fazer este modelo de gesto social nos territrios, com os territrios

    de identidade ir, criar, delimitar territrios por identidade, no por variveisecolgicas, nem produtividade, mas por algo difcil de entender, muitas vezes

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    intangvel, porm, claramente expressado na realidade dos territrios, porque uma histria convertida na cultura e na identidade.

    Este um dos elementos de maior importncia nesta forma de gesto dosterritrios. Os territrios no se criam, assim como a identidade, se reconhecem.Eles j existem e so reconhecidos em relao a algo; a identidade aflora comrelao a algo. De um ponto de vista filosfico, uma pessoa tem identidade comreferncia outra com quem se relaciona. Estando na Colmbia, por exemplo, hmuitas coisas que no me so relevantes para reconhecer a minha identidade, aoestar fora, aparecem muitos elementos que consigo caracterizar como contraste.Este elemento da identidade se converte, ento, num elemento caracterstico eem uma das dimenses mais importantes deste modelo de gesto social.

    Um cenrio de alternativas de desenvolvimento

    Por fim, gostaria de concluir com algo alm de um elemento de anlise,uma reflexo muito importante, que tem a ver com modelos alternativos dedesenvolvimento. Penso que a busca de modelos alternativos de desenvolvimento,e agora que est muito na moda a crise financeira global, no simplesmente olharcomo ns pretendemos melhorar nossa competitividade, superar o problemafinanceiro, superar o problema de emprego, superar o problema da inflao que

    acaba vindo junto. Temos um problema de alternativas de desenvolvimento, noqual traria outra vez discusso nunca ultrapassada, nem tampouco enfrentadacabalmente e que iniciou muito antes, no Rio em 1992. O desenvolvimentosustentvel muito mais do que temos feito. Ns seguimos sob a cultura de queo petrleo continua sendo um problema importante, pois seguimos sob absurdoda sociedade do automvel.

    Na declarao do Rio, h uma frase pouco mencionada. De tudo o que se disse,h uma afirmao: O desenvolvimento sustentvel implica uma cultura novada produo e do consumo. Ns continuamos a manter a ideia de que h um

    nico desenvolvimento, que h somente um modelo de desenvolvimento, queo desenvolvimento est em Massachusetts, na Espanha mais rica, na Europa rica,que o desenvolvimento est em So Paulo, o resto subdesenvolvimento e huma curva em que todos esto subindo.

    Esse modelo vendido pela televiso, pela educao, vendido por ns. Todosns queremos ter um carro, mesmo sabendo do caos veicular que acontece emcidades onde somente 40% possuem automveis. O que aconteceria se 100%tivessem automveis? Mas desta forma que trabalhamos, no h mudana nacultura da produo. Necessitamos de modelos alternativos de desenvolvimento,os objetivos do desenvolvimento devem mudar. Desenvolvimento no um PIBalto, no uma entrada de capitais elevada, no uma alta acumulao. De fato

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    Parte I O Contexto Internacional da Gesto Social

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    eu no sei o que . Mas neste ponto onde considero que aparece a gesto socialdo territrio como algo promissor. Os modelos alternativos de desenvolvimentoesto nos territrios, em si mesmos, na sua identidade.

    Ns estvamos tentando introduzir, no modelo da avaliao do processo degesto dos territrios no Brasil, um conceito da medida do desenvolvimento.Normalmente quando avaliamos uma poltica de interesse pblico, ns prestamosateno ao aumento da renda, ao aumento dos anos de instruo, das condiesde vida, se h eletricidade, automveis, televiso, refrigerador, ar condicionado,para medir se a poltica foi eficaz. Estamos tentando introduzir um novo conceito dedesenvolvimento, que o que subjetivamente algum considera como plenitude,quais so as curvas da satisfao seno coletivas e territoriais. Em resumo, o que

    o desenvolvimento visto do ponto de vista de cada um.Os nmeros indicam que no Panam, onde tem uma importante populao

    indgena, os 99,5% dessa populao pobre, que no final das pesquisastradicionais, significa que tm uma receita menor que US$ 2 ao dia. Perguntamosaos indgenas o que significa desenvolvimento para eles, quando esse territrioestava considerado desenvolvido e quando consideram que tem estes pontosiniciais.

    Em sntese, a gesto social do territrio , mais do que um conceito, trata-se de um processo com implicaes enormes, do carter tcnico, econmico,poltico, cultural e de esperana para modelos novos, ou ainda, de vises novas dasociedade, de futuro e de satisfao.

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    PARTE II

    1. GESTO SOCIAL E

    DESENVOLVIMENTO

    SUSTENTVEL DOS

    TERRITRIOS: OS

    DESAFIOS DA MULTI

    DIMENSIONALIDADE.

    VISO A PARTIR DO BRASIL.

    Doutora Tnia Bacelar de Araujo

    Professora da Universidade Federal de

    Pernambuco e Consultora em Planejamento

    do Desenvolvimento Regional.1

    Introduo

    A reflexo aqui realizada comea pelas bases conceituais e metodolgicasprincipais adotadas para, em seguida, focar o ambiente brasileiro, e terminar coma indicao de alguns desafios a enfrentar, antes de fazer algumas consideraesfinais.

    Bases Conceituais e Metodolgicas

    Cabe, desde logo, destacar que estamos tratando aqui de outro conceito dedesenvolvimento: o conceito de desenvolvimento sustentvelque, normalmente,

    representado com trs crculos para indicar as dimenses econmica, social eambiental, supondo que o cultural est considerado dentro do social. Como estouaqui dando nfase a essa dimenso proponho um quarto crculo. Lembre-se que oRafael Echeverri tambm deu essa nfase importante dimenso cultural.

    Estamos tratando de um conceito novo, e no do conceito com o qualtrabalhamos no sculo XX. Uma mudana que a dimenso ambiental se impsno debate, assim como a dimenso social e cultural. O debate ficou mais complexo,mas este o desafio que temos em mos. Ento, por definio, estamos tratando

    1 Este texto resulta de transcrio de conferncia proferida pela autora, em Fortaleza, na sede do Banco doNordeste.

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    Parte II Os Desafios do Contexto Nacional da Gesto social

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    de multidimensionalidade, porque o conceito que estamos trabalhando implica,de sada, na abordagem multidimensional.

    A multidimensionalidade da natureza do conceito de desenvolvimentosustentvel. No basta mais a presena de brilhantes economistas no debate, poistemos que recorrer aos especialistas na dinmica da natureza, aos que entendemda dinmica social, aos etnlogos, aos estudiosos da cultura, entre outros.Portanto, estamos obrigados a adotar a multidimensionalidade no nosso debate,em decorrncia do conceito com o qual estamos trabalhando.

    Por outro lado, estamos trabalhando com a abordagem territorial.Alm detrabalhar o conceito que orienta para onde se quer chegar construir um processode desenvolvimento sustentvel , a opo metodolgica que temos tomado a

    de tentar fazer isso a partir de uma abordagem territorial.

    Por incrvel que possa parecer, no mundo da globalizao avanada aabordagem territorial ganhou destaque. Isso at poderia parecer um absurdo: agoraque a globalizao se firmou e ela remete, em grande parte, desterritorializao,estamos a propor a relevncia da abordagem territorial.

    Ela , de certa forma, um contraponto a uma das macrotendncias associadas globalizao (a da desterritorializao). Por outro lado, o importante que como avano da globalizao se amplie a interdependncia entre os lugares, por isso,

    o Prof. Ignacy Sachs falou que quando trabalhamos esses conceitos, no estamosfalando em desenvolvimento territorial autnomo (isso no existe mais na era daglobalizao), pois em qualquer diagnstico, se descobre nos territrios a presenade processos e padres que vm de fora do territrio.

    Percebe-se, portanto, o impacto do movimento de globalizao. Isso porquea globalizao interconecta os diversos lugares do mundo, aumenta o graude conectividade e mais do que isso, estabelece um processo simultneo dehomogeneizao. Faz parte do movimento de globalizao difundir padreshegemnicos e tentar impor tais padres. Ento, inexoravelmente, vamos ter que

    dialogar, nos territrios, com a tendncia homogeneizao.

    Mas, o conceito de globalizao com o qual trabalho o de Massey, paraquem:

    GLOBALIZAO PROCESSO CONTRADITRIO E NO UMA TENDNCIAUNIDIRECIONAL E FATAL (MASSEY, 1997).

    Esse autor destaca que a globalizao um processo contraditrio, no umafatalidade (logo, no uma tendncia unidirecional e fatal). Como todo processosocial ela um processo contraditrio. Portanto, dissecar a relao entre cadaregio e o movimento de globalizao um dos nossos desafios.

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    Parte II Os Desafios do Contexto Nacional da Gesto social

    O avano da globalizao aumenta a tenso entre o movimento geral daglobalizao e os processos internos de cada regio do mundo. Pois, como disseo Rafael Echeverria, um territrio, uma regio, uma construo social. Cada

    territrio tem sua histria, abriga pessoas que ali construram alguma coisa emcomum. Um territrio no mera plataforma de operao de conglomeradomultinacional. Alguns at so, com muita fora, mas, alm disso, eles so produtode uma construo social.

    E muito interessante que se esteja cada vez mais discutindo regio, discutindoterritrio, discutindo a abordagem territorial, na era da globalizao. Exatamenteporque a globalizao nos desafia a provar que naquele lugar existe algo que possadialogar com o movimento de globalizao, com as tendncias hegemnicas que

    vem de fora e ser base para se construir uma trajetria especfica.E se a trajetria no est pr-definida, o movimento de globalizao no

    uma fatalidade. A nova trajetria construda, tambm uma construo social. uma nova etapa da vida social daquele lugar. Dialogar com o movimento deglobalizao e construir o seu futuro a partir desse dilogo o novo desafiopara cada lugar. Ento, essa noo muito importante para se trabalhar nos diasatuais.

    Quais seriam, ento, os procedimentos essenciais para trabalhar? Tentei listarquatro. Primeiro, considerar a realidade concreta, onde se aplicam as concepestericas que nos apoiam. No adianta chegar com conceitos muito bem elaboradosna Academia se no refletir se aquilo que proposto cabe naquela realidade: esse o esforo que se est fazendo aqui. Vamos trazer o debate do desenvolvimentoterritorial e ver se, no Brasil, ele tem consistncia. Que realidade essa que se esttratando? Essa a segunda parte da minha interveno.

    Mas no se pode deixar de ler o ambiente externo. Eis a o segundoprocedimento importante. Quanto mais a globalizao avana, mais importante fazer a leitura do que est se passando fora dos territrios onde se atua. E essa

    leitura permite identificar quais so os traos gerais que devem ser considerados:o que tendncia comum, que no se pode deixar de considerar. E buscar sabercomo essa macrotendncia interage com o territrio que nos interessa: paraidentificar se ela ameaao que se quer construir ou se pode ser tratada comooportunidadeao que se quer implementar. Em um caso ou outro essa leitura temque ser feita.

    Terceiro, adotar a abordagem a partir do territrio, como o Prof. Ignacy Sachstambm definiu muito bem. A novidade e o desafio fazer isso a partir de cadaterritrio. Porque, como cada territrio uma construo social, cada territrio tem

    suas especificidades. A capacidade de dilogo com o movimento de globalizao,

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    por exemplo, no a mesma: alguns territrios tm mais capacidade, outros temmenos, por isso que a resultante no pr-definida.

    Por fim, adotar o tratamento multidimensional, pelo conceito ao qual nosreferimos no incio, ajuda a compreender uma realidade cada vez mais complexae poder atuar para transform-la.

    O ambiente brasileiro atual e os desafios a enfrentar

    Passemos dos conceitos para o Brasil. De sada, ressalte-se que o debate sobreo novo conceito de desenvolvimento surpreende um pas que, no sculo XX, foiexemplo da ntida hegemonia da dimenso econmica.

    O Brasil era uma nao primria exportadora do comeo do sculo XX econseguiu ser a oitava maior e mais diversificada economia industrial do mundo,na dcada de 1980. Hoje no somos mais a oitava, mas estamos perto desselugar. Ento, a mudana de grande profundidade que o Brasil foi capaz de fazer,priorizando nitidamente a dimenso econmica, exemplo no debate mundial.Era disso que se tratava: desenvolvimento econmico a qualquer custo ambiental, aqualquer custo social. No interessavam as outras dimenses: essa era a proposta.

    Ento, somos herdeiros da hegemonia do econmico, e rediscutir isso no

    Brasil no simples, porque a sociedade brasileira patrocinou aquela concepocom muita fora, com muito engajamento. Ainda hoje, o ex-Presidente JuscelinoKubtschek considerado um dos mais brilhantes estadistas brasileiros e ningummais representativo dessa hegemonia do que ele. Ainda hoje, todo governantequer ser Juscelino: FHC queria ser Juscelino, Lula quer ser Juscelino... Ento, quandoo debate sobre desenvolvimento sustentvel se instala, com fora vinda de fora, interessante perceber que no Brasil a prevalncia da discusso da dimensosocial.

    Quando a ECO 92 veio para o Brasil, estimulou o debate sobre esse novo

    conceito de desenvolvimento, mas quando ele se aplicou ao Brasil, a dimensosocial se destacou mais que a dimenso ambiental, tambm por razes bvias.Isso se explica porque, ao mesmo tempo em que o pas chegou a ser a oitavapotncia econmica do mundo, conseguiu construir uma das sociedades maisdesiguais do mundo. Qualquer diagnstico que se faa sobre o Brasil, qual aprincipal marca negativa que aparece?

    Os dados sobre a dimenso social: a vergonha social que o pas consegueexibir ao mundo. Quando nos colocam na dimenso econmica, estamos ao lado

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    Parte II Os Desafios do Contexto Nacional da Gesto social

    dos pases mais poderosos do mundo, quando nos colocam na dimenso social,estamos ao lado dos pases mais pobres do mundo: e o mesmo pas. Da tertomado mais fora o debate da dimenso social; e a dimenso ambiental vem

    tomando crescentemente importncia no debate nacional. Mas no partiu da,at porque h certa iluso na sociedade brasileira: ensinam-nos, desde pequenos,que o pas excepcionalmente rico em recursos naturais. Diante disso, o brasileirosempre acha que tem uma margem de folga para continuar no padro anterior,o que um grande equvoco. Mas, gradualmente, o pas vai saindo dessaarmadilha.

    O que estou querendo destacar que ntido que a dimenso social prevaleceuno debate brasileiro e no esforo que o pas est fazendo para construir uma

    trajetria na direo de um outro modelo de desenvolvimento.A outra marca importante do Brasil a diversidade regional. A diversidade

    brasileira um elemento fundamental do nosso pas, e o novo conceito dedesenvolvimento est estimulando a sociedade brasileira a redescobrir essadiversidade. O outro conceito nos estimulava a pensar no econmico e dentrodo econmico na indstria: ele era muito restritivo. O novo conceito, quandodesembarca no Brasil, estimula a sociedade a revisitar o Brasil e a redescobri-lo: aa diversidade brasileira aparece, porque ela muito forte.

    Primeiro, a diversidade ambiental. Um pas continental, com seis biomas,cada um com diferenciaes internas o que permite ao IBAMA trabalhar com49 ecorregies. Quantos pases do mundo tm tal multiplicidade de ambientesnaturais? Ento, se a diversidade ambiental evidente, no d para trabalhar oBrasil sem assumir o conceito de diversidade ambiental. E essa diversidade podeser observada em vrias escalas. No s com o mapa do Brasil que se precisatrabalhar: deve-se fazer anlises com o mapa dos ecossistemas, e nele identificardetalhes que vo revelando as diferenas internas.

    O bioma da caatinga (para falar dele, j que estamos aqui, na capital do

    semirido), no homogneo. Ele guarda uma diversidade dentro dele muitoimportante: basta subir uma serra e a realidade ambiental no tem nada a ver como que est abaixo da serra. O semirido so muitos, embora existam elementos deunidade, mas a diversidade muito importante tambm no bioma da caatinga,como em todos os demais.

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    Nessa diversidade ambiental, o Brasil produto da construo de um processosocioeconmico e cultural, tambm de grande diversidade. que, sobre esse lastronatural diverso, a sociedade brasileira foi montando bases produtivas regionaisespecficas e, depois, em meados do sc. XX, as integrou numa dinmica nica.Nesse momento, transformamos uma economia que operava em bases regionaisem uma economia que opera em bases nacionais, mas regionalmente diversa.

    Francisco de Oliveira diz que passamos de um pas com economias regionaispara um pas de economia nacional regionalmente localizada. Integramos adinmica, mas no anulamos a diversidade. Ser herdeiro da regio da cana diferente de ser herdeiro da regio do gado-algodo. Ser herdeiro do caf diferente de ser herdeiro das minas de ouro. Foram processos histricos quegeraram marcas diferentes, regionalmente.

    Como se no bastasse, miscigenamos vrios povos para dar o brasileiro, maso mixno foi o mesmo. A dose de africanos maior no Nordeste do que no Sul.A dose europeia maior no Sul que no Centro-Oeste. A dose indgena muitomais forte no Norte do que no Sul. Da a riqueza cultural do Brasil, que tambmaparece a olhos vistos. E essa diversidade cultural gera diferentes vises de mundo,diferentes formas de comportamento, ricas e diferentes manifestaes culturais.E isso faz parte do nosso tema porque a cultura faz parte do nosso conceito dedesenvolvimento.

    LEGENDA

    AMAZNIA (VERDE ABACATE)CAATINGA (AMARELO CLARO)CERRADOS (ROSA)

    MATA ATLNTICA (VERDE CLARO)PANTANAL (LILS)CAMPOS SULINOS ( CREME)

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    Assim, no d para trabalhar o Brasil sem o conceito de diversidade. Ele fundamental porque a realidade concreta brasileira diversa em qualquer escalageogrfica que se trabalhe.

    A outra herana forte do Brasil a desigualdade.Por cima da diversidade, opas plasmou a desigualdade, aprofundando-a no sculo XX, e deixou isso comouma marca profunda. Isso faz com que na abordagem territorial no baste trabalharcom a diversidade: temos que trabalhar tambm com a desigualdade, pois vamosreencontr-la a cada passo.

    A primeira grande desigualdade est no mapa que espacializa a densidade deocupao humana do territrio nacional

    Um pas continental ocupa uma poro do seu territrio de uma forma muito

    intensa (o litoral) e completamente diferente da intensidade de ocupao do seuinterior. Por isso, se pode fazer aquela linha que aparece no mapa, e afirmar queestar num territrio ali perto do litoral diferente de estar num territrio mais paradentro. A concentrao demogrfica acompanha a concentrao da infraestruturaeconmica, a concentrao de investimentos produtivos, etc.

    Num pequeno estado, como o de Sergipe, uma coisa atuar em Aracaju eoutra atuar em regies que esto longe de Aracaju.

    A segunda linha demarcatria do Brasil uma linha na horizontal, j que ademogrfica uma linha na vertical.

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    O mapa, agora, destaca duas grandes realidades, dois padres distintos,separados por uma linha (que agora uma linha da horizontal). E posso colocar unscinquenta mapas aqui para vocs, com a mesma configurao (trouxe o do IDH,mas, qualquer indicador social que se mapeia no Brasil, revela esses dois Brasis).

    Esse o mapa do IDH, e nele, quanto mais vermelho, mais baixo o IDH, quantomais azul, mais alto o IDH. V-se, nitidamente, um Brasil de Belo Horizonte paracima e um Brasil de Belo Horizonte para baixo. Ento, se um territrio est de BeloHorizonte para cima uma coisa, se um territrio de Belo Horizonte para baixo,

    1.204,1

    3.849,4

    6.358,6

    9.166,6

    13.017,0

    13.017,0

    18.533,9

    27.576,6

    43.392,5

    67.084,9

    10.6502,7

    LEGENDA

    PIB PER CAPITA

    Fonte: IBGE PIB Municipal

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    outra. Ambos podem ser territrios rurais, mas ser trabalhado em um e no outropara se ver como o desafio no primeiro maior do que no segundo.

    Eu trouxe outro mapa, mas poderia ter trazido dez. Ele retrata a desigualdadeurbana, importante porque o Brasil se transformou numa sociedade que mora emcidades. Em qualquer lugar que voc desembarca no Brasil, em qualquer escala,est l a marca da desigualdade. Ento, deixemos a escala macrorregional e vamospara a intraurbana. Nela est, de novo, presente a forte desigualdade. Trouxe fotosda minha cidade (Recife), para ilustrar a desigualdade da qual estou falando.

    As fotos da parte de cima so de Boa Viagem e do Recife Antigo, e as duas debaixo tambm so Recife, uma ( esquerda) o Morro de Casa Amarela, e a outra( direita) so palafitas situadas nas margens do rio Capibaribe.

    Essa a realidade resultante da desigualdade: estamos trabalhando o conceitode desenvolvimento sustentvel neste pas, no no Canad. E essa marca dadesigualdade tambm se reproduz quando fazemos o corte rural/urbano. Adesigualdade entre os territrios rurais e os territrios urbanos se ampliou muitoquando o pas resolveu ser industrial, j que a indstria se concentra nas cidades.

    Os investimentos se concentraram nas cidades. Para elas foram a infraestruturaeconmica, a infraestrutura educacional e de cincia e tecnologia, entre outrosativos.

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    Eu gosto de dar o exemplo de Pernambuco, tambm para no dar exemplodo estado dos outros. Tnhamos duas universidades federais, e colocamos asduas no Recife. A Universidade Federal de Pernambuco e a Rural de Pernambuco

    esto onde? No Recife. Muito recentemente que Petrolina tem a sua prpriaUniversidade, e agora, no sculo XXI, que Caruaru est tendo um Campus daUniversidade Federal. Ento, isso uma marca muito profunda do longo momentoem que o urbano foi privilegiado. Isso porque o nosso projeto era ser um pasurbano industrial. A oferta de servios em geral, tambm se concentrou perto dasbases industriais.

    Quando a gente trabalha num territrio que est perto de uma cidadeestruturada uma coisa, e trabalhar um territrio sem ter onde botar o p, outra,

    pois o apoio da cidade para o desenvolvimento rural cada vez mais importante.Assim, no Brasil, esse desafio da concentrao urbana uma herana a sertrabalhada. Estudo recente coordenado pelo CGEE (Centro de Gesto e EstudosEstratgico) para o MPOG (Ministrio do Planejamento Oramento e Gesto)defende um pas mais policntrico (com centros urbanos estrategicamenteestruturados e valorizados nas diversas reas do pas).

    Nesse contexto, importante refletir sobre onde est nascendo essa experinciae isso estamos discutindo nesse seminrio, que no chamado Brasil Rural. Poiseste Brasil Rural foi desvalorizado. No somente porque a sociedade brasileira

    privilegiou o urbano, mais grave ainda, que tambm desvalorizou o rural. Ruralpassou a ser sinnimo de atraso. Vocs escutam os nomes que os polticos usam?Chamam o Brasil rural de fundo, de grotes. Querem nomes mais grosseiros doque esses, para definir um territrio? Afirma-se com frequncia: aquilo ali cresceuno fundo do Brasil.

    Ao ver no mapa o que eles esto chamando de fundo do Brasil, percebe-se quese trata do Brasil que foi esquecido, desprezado, desvalorizado, economicamentee culturalmente. As pessoas que nasciam ali tambm queriam sair dali, porquequem quer ficar num lugar que no tem futuro? Que chamado de groto?

    Portanto, essa marca muito importante, porque o que est nascendo eque estamos aqui discutindo est vindo de um lugar que no est no mapa doslugares hegemnicos no pas. E isso tem consequncias importantes para nossadiscusso.

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    Esse um mapa sntese disso que eu estou falando.

    Trata-se de cartograma elaborado em um trabalho que vai ser apresentadona prxima semana, em Braslia, e que foi coordenado pelo CGEE,