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SÉRIES WORKING PAPER BNDES/ANPEC PROGRAMA DE FOMENTO À PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - PDE Produtividade e preservação ambiental: um estudo exploratório para a pecuária do estado de Rondônia Petterson Molina Vale Daniel Caixeta Andrade Working Paper n o . 21 BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL Avenida República do Chile, 100 – Centro 20031-917 -Rio de Janeiro, RJ ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA Rua Tiradentes, 17 – Ingá 24210-510 - Niterói, RJ Novembro/2011 Esse paper foi financiado com recursos do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio desse fundo o BNDES financia, na modalidade não-reembolsável, a execução de pesquisas científicas, sempre consoante ao seu objetivo de fomento a projetos de pesquisa voltados para a ampliação do conhecimento científico sobre o processo de desenvolvimento econômico e social. Para maiores informações sobre essa modalidade de financiamento, acesse o site http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Progra mas_e_Fundos/fep.html . O conteúdo do paper é de exclusiva responsabilidade do(s) autore(s), não refletindo necessariamente, a opinião do BNDES e/ou da ANPEC.

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SÉRIES WORKING PAPER BNDES/ANPEC PROGRAMA DE FOMENTO À PESQUISA EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - PDE

Produtividade e preservação ambiental: um estudo exploratório para a pecuária do estado de Rondônia

Petterson Molina Vale

Daniel Caixeta Andrade

Working Paper no. 21

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL Avenida República do Chile, 100 – Centro

20031-917 -Rio de Janeiro, RJ

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA Rua Tiradentes, 17 – Ingá

24210-510 - Niterói, RJ

Novembro/2011

Esse paper foi financiado com recursos do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio desse fundo o BNDES financia, na modalidade não-reembolsável, a execução de pesquisas científicas, sempre consoante ao seu objetivo de fomento a projetos de pesquisa voltados para a ampliação do conhecimento científico sobre o processo de desenvolvimento econômico e social. Para maiores informações sobre essa modalidade de financiamento, acesse o site http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/fep.html.

O conteúdo do paper é de exclusiva responsabilidade do(s) autore(s), não refletindo necessariamente, a opinião do BNDES e/ou da ANPEC.

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Produtividade e preservação ambiental: um estudo exploratório para a pecuária do estado de Rondônia Petterson Molina Vale, Daniel Caixeta Andrade Série Working Paper BNDES/ANPEC No. 21 (Novembro/2011) RESUMO O substancial crescimento do rebanho bovino na Amazônia se deu a despeito de desmatamento 75% inferior ao nível de 2004. O maior avanço aconteceu em Rondônia, onde a pecuária de regiões de colonização antiga se moderniza rapidamente. Argumentamos que esse cenário se explica por uma dinâmica espacial e socioeconômica que leva a pecuária tradicional a se deslocar a regiões de fronteira e a pecuária intensiva a se concentrar em áreas rurais consolidadas, onde a fertilidade natural das pastagens se exauriu e os pecuaristas tiveram de optar entre intensificar ou deixar a atividade. Fundamentamos empiricamente quatro novas hipóteses sobre a pecuarização na Amazônia. Utilizamos, para isso, a análise de narrativas, a triangulação com dados primários de pesquisa amostral e o confronto das implicações das hipóteses com dados secundários disponibilizados pela Agência de Defesa Agrosilvopastoril de Rondônia (IDARON). Os principais resultados são que o mercado de arrendamento de terras é fator crucial para explicar a relação entre desmatamento e pecuária, que a disseminação tecnológica se dá antes intra-porteiras e depois inter-porteiras, em processo governado pela estrutura das redes sociais, e que a pecuária de maior intensidade pode estar liderando um novo dinamismo econômico no estado de Rondônia. Palavras-Chave: pecuária, desmatamento, tecnologia, Amazônia, Rondônia. ABSTRACT The cattle herd has grown substantially in Amazonia despite deforestation having felt by 75% since 2004. The biggest advance took place in the state of Rondônia, where livestock systems in regions of older colonization are modernizing rapidly. We argue that this scenario is related to a spatial and socioeconomic dynamics that leads traditional cattle systems to move to areas of agricultural frontier, while intensive cattle ranching becomes concentrated in consolidated rural areas, where the natural fertility of pastures has exhausted and producers have had to opt between intensifying and leaving the activity. We empirically substantiate four new hypotheses on “cattelization” in Amazonia. For that we use narrative analysis, triangulation with survey data collected for this study, and confrontation between the implications of the hypotheses and secondary data that has been made available to us by the Agency of Sanitation Control at the state of Rondônia (IDARON). The main results are that land rental markets are a crucial factor in explaining the relation between deforestation and cattle ranching, that technological dissemination is governed by an intra-farm then inter-farm process that is highly dependent on the structure of social networks, and that livestock systems of higher productivity may be stimulating a new economic dynamics in the state of Rondônia. Keywords: livestock, deforestation, technology, Amazon, Rondônia. PETTERSON MOLINA VALE Filiação: Aluno de Doutorado, departamento de International Development, London School of Economics and Political Science. E-mail: [email protected] Endereço: 7th floor Connaught house, Houghton Street, Londres, Reino Unido (WC2A 2AE). DANIEL CAIXETA ANDRADE Filiação: Professor Doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected] Endereço: Avenida João Naves de Ávila, 2121, bloco J, sala 1J241, bairro Santa Mônica, Uberlândia-MG, CEP: 38.408-100.

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Agradecimentos Aos doze pecuaristas que gentilmente aceitaram conversar conosco e nos forneceram preciosas informações sobre a pecuária de corte de Rondônia. A Cláudio Townsend, Inaldo Alves, Ricardo Gomes e Vinícius Paiva, que dedicaram horas de seu tempo a nos ajudar a compreender a história da pecuarização do estado e algumas das minúcias zootécnicas e agronômicas envolvidas no assunto. A Amauri, Giocondo e Giovani Vale, e a Vilma Alves dos Santos, que nos deram acesso aos meios político e acadêmico do estado. A Marcelo Borges, Augusto Fernandes e Fabiano Alexandre, dirigentes da Agência de Defesa Agrosilvopastoril do estado de Rondônia, Diego Ferreira, técnico da secretaria de informática, e Anildo Neves, José Milton e Ivo Bulhões, técnicos da agência de Machadinho do Oeste, que disponibilizaram para esta pesquisa parte do banco de dados do instituto. A Cléber Nogueira, Gleison GR, Jucilene Cavalcante e Reginaldo dos Santos, que disponibilizaram as suas listas de contatos para as nossas entrevistas. A Ademar Romeiro, Anthony Hall, Diana Weinhold, Fadi Hassan, João Alfredo Mangabeira, José Eli da Veiga, José Maria da Silveira, Mélanie Fusaro, Samuel Magalhães Oliveira, Stephen Vosti, Tim Laing, e Zander Navarro, que nos ajudaram de diferentes maneiras a desenvolver os argumentos e métodos analíticos deste trabalho. À ANPEC e ao BNDES, pela organização e financiamento deste programa de pesquisa, e à CAPES, pelo financiamento parcial do trabalho de Petterson Molina Vale.

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Introdução Neste artigo abordaremos o tema da produtividade da pecuária na Amazônia e a sua relação com o desmatamento. Em particular, realizaremos duas análises empíricas sobre a pecuária de corte no estado de Rondônia: uma de escala microeconômica, em que detalharemos o rápido processo de intensificação1 que está se verificando em um corte das propriedades do estado; e outra mais ampla, no sentido de identificar e descrever as diferentes dinâmicas produtivas que caracterizam áreas rurais de fronteira versus áreas consolidadas.

A pecuária de corte é provavelmente a atividade que mais causa desmatamento em todo o país. Dados recentes da pesquisa Terra Class do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostraram que em torno de dois terços da área aberta na Amazônia até 2007 haviam se transformado em pastagens2. E a situação não é muito diferente no resto do Brasil. É claro que, em um primeiro momento, a maior parte das terras desmatadas não é destinada à pecuária. Com fertilidade elevada devido à alta carga de nutrientes deixados pela(s) queimada(s), os colonos comumente “amansam a terra” (tornam-na física e quimicamente agricultável) com culturas agrícolas como o arroz e o milho, que são substituídas por pastagens quando a fertilidade deixa de ser suficiente para esse tipo de cultura sem o uso de fertilizantes. Além disso, a pecuária não é o fim da história. Depois dela vêm com frequência a soja ou outras culturas agrícolas exploradas de forma mecanizada.

Rondônia é um estado que sintetiza bem as diversas facetas da Amazônia. Ao mesmo tempo em que possui ainda dois terços de sua área completamente florestados, com a dinâmica socioeconômica correspondente a esse tipo de realidade (povos da floresta, agricultura de subsistência, pesca), sedia uma das áreas de economia mais dinâmica da região, com municípios mais antigos, mais desmatados e com elevado desenvolvimento humano, tanto com relação à região quanto ao Brasil. E, principalmente, é o estado onde a pecuária mais se expandiu relativamente a outras partes da Amazônia e onde houve o melhor ganho na relação rebanho / desmatamento. É, portanto, um lugar ideal para se estudar a intensificação dessa atividade. Além do mais, há no estado regiões caracterizadas por propriedades de tamanho médio / alto, onde os projetos de colonização favoreceram as empresas rurais, e regiões onde os projetos de reforma agrária deixaram uma estrutura fundiária muito mais baseada em pequenas e médias propriedades.

Que conjuntos de tecnologias caracterizam o processo de intensificação que tem se verificado na pecuária de Rondônia? O que levou os pecuaristas a optarem por intensificar a produção?

A primeira contribuição deste trabalho é uma análise descritiva, no nível do pecuarista, das estratégias de gestão (técnicas adotadas e resultados obtidos) e decisões de uso da terra em nove municípios rondonienses (ver mapa no Anexo 1), englobando propriedades com adoção de tecnologias3 acima da média – principalmente fazendas grandes, com mais de

1 Os termos “intensificação” e “aumento de produtividade” aludem ao mesmo processo: um aumento no ganho de peso médio por hectare por ano. Interessa-nos apenas a produtividade da terra, sendo irrelevante a maior ou menor eficiência com que o pecuarista transforma outros insumos (capital e trabalho) em produto final. 2 INPE (2011). 3 Os termos “tecnologia” e “técnicas” serão empregados indistintamente. Um vocabulário mais preciso, porém, trataria técnicas como um subconjunto de tecnologias, sendo que estas últimas

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1.000 hectares, onde novas tecnologias tendem a ser inicialmente testadas. Optamos por estudar apenas a pecuária de corte, por ser a que ocupa a maior parte da área desmatada. A pecuária leiteira tem crescido fortemente em Rondônia nos últimos anos (representou 31% do rebanho total em 2010, segundo dados da Agência de Defesa Agrosilvopastorial de Rondônia, IDARON), e certamente será um caso relevante a ser abordado em outros estudos, principalmente por estar mais ligada à dinâmica da agricultura familiar e, portanto, ter maior impacto sobre a redução da pobreza. No entanto, em função do foco na pecuária de corte, passaremos ao largo dessa análise. Adotamos uma amostra de doze propriedades, cujos responsáveis entrevistamos aprofundadamente em abril de 2011. O questionário, que possui questões fechadas e abertas, foi validado previamente com técnicos locais da Empresa Brasileira de Tecnologia Agropecuária (Embrapa) e do IDARON, além de consultores privados da área de zootecnia. As conversas com os pecuaristas duraram 45 minutos em média.

Os resultados de destaque foram quatro. Em primeiro lugar, observamos um processo de diversificação das fontes de renda do pecuarista que parece ser uma tendência recente, porém robusta, da pecuária mais avançada do estado. Trata-se, por exemplo, de importantes investimentos em piscicultura (uma forte tendência em Rondônia nos últimos anos para abastecer o mercado manauara), agricultura mecanizada (tanto para consumo próprio em sistemas de confinamento quanto para comercialização) e arrendamento de parte das próprias terras, sem abandonar a atividade. Ligado a este último fator está o segundo resultado, que inicialmente se apresentou como um paradoxo, mas que foi resolvido à medida que entendemos a dinâmica desflorestamento / pecuária no estado. Os produtores relatam que não fazem desmatamento há mais de uma década, em média; mas se eles já não desmatam, então quem desmata? A resposta simples é que são os produtores menores e menos consolidados, principalmente nos municípios que constituem as novas fronteiras agropecuárias do estado.

Se é assim, a maior parte da responsabilidade pelo desmatamento passou a ser dos pequenos? Não exatamente. A hipótese que construímos, e que foi parcialmente corroborada pela análise descritiva, é que o mercado de terras arrendadas se desenvolve à medida que o setor rural se consolida, pois produtores menos preparados para o novo momento migram para outras atividades e indivíduos capitalizados de outras atividades migram para a pecuária intensiva. Essa extensão do mercado de terras tem como consequência imediata o aumento da eficiência alocativa, mas também faz crescer a demanda por terra, já que indivíduos que antes não dispunham de capital suficiente para adquirir terras agora podem arrendá-las. Isto, por sua vez, tem efeito ambíguo sobre o desmatamento. Se por um lado aquele que arrenda as suas terras pode se deslocar a outra localidade, onde a terra custa menos, para continuar praticando pecuária de baixa intensidade, por outro, indivíduos que antes tinham de comprar terras em áreas marginais, agora podem arrendá-las em áreas consolidadas e praticar uma pecuária mais intensiva, de forma que o efeito líquido do mercado de arrendamento sobre o desmatamento pode ser reduzido. Todavia, foge ao escopo deste trabalho a mensuração desse impacto.

incluiriam também artefatos. Já um “pacote tecnológico” é uma combinação particular de técnicas e artefatos que leva a um ganho de produtividade. Por exemplo, o pacote tecnológico “suplementação alimentar” envolve o conhecimento sobre o quê, quando e como alimentar os animais, além de artefatos como cocheiras.

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Em terceiro lugar, verificamos que não há grandes segredos quando se trata de intensificação. Os produtores conhecem razoavelmente bem as diferentes combinações de quatro tipologias de tecnologias que podem adotar: manejo de pastagens, melhoramento genético, correção de solo e melhoria da alimentação. O aprendizado acontece principalmente por meio das redes sociais: conversas, encontros em palestras e seminários, visitas às propriedades vizinhas. É um aprendizado inter-porteiras. Já a experimentação se dá dentro das propriedades mais capitalizadas, que são as com maior disposição a assumir riscos. Há, portanto, um processo de difusão tecnológica em duas etapas: intra e inter-porteiras.

O quarto e último resultado é a confirmação de uma hipótese que já está presente na literatura desde a obra seminal de Ester Boserup (1965). O pecuarista só intensifica quando já não pode abrir novas terras. A sequência de decisões que é persistentemente confirmada pela literatura4, e que foi confirmada em nossa pesquisa de campo, é a seguinte: inicialmente o colono maximiza a quantidade de terras, independente do lucro esperado no curto prazo, pois avalia que a terra é um investimento seguro e com retorno garantido no longo prazo. Uma vez consolidada a propriedade de tamanho máximo possível, ele desmatará, formará a pastagem (investimento alto no início) e colocará a máxima quantidade possível de gado. Quando a fazenda estiver cheia, o pecuarista passa a ser um maximizador de lucro, inicialmente recuperando o investimento feito, para em seguida começar a acumular. No entanto, em certo momento a capacidade de lotação das pastagens começa a cair, junto com a taxa de lucro. Nesse ponto, o pecuarista tenderia a expandir a produção em novas terras, exceto se isso não for possível, como é o caso em Rondônia hoje, pelo menos para aqueles com custo de oportunidade médio ou alto. A única saída, então, é a intensificação. Se o indivíduo possui capital e conhecimento suficientes, ele segue esse caminho, caso contrário arrenda ou vende as suas terras e segue para uma fronteira mais recente ou para a zona urbana.

O primeiro passo será justificarmos rapidamente o porquê de desmatamento, Rondônia e pecuária. Nesse item, mostraremos que Rondônia teve o maior avanço do país em termos de sustentabilidade na pecuária, pelo menos com relação ao desflorestamento. Em seguida, na segunda seção, apresentaremos as ideias fundamentais de bovinocultura e forrajicultura que permitem avaliar os dados coletados em campo. O detalhamento da pesquisa de campo será então feito na terceira seção, de forma descritiva, com foco nas diferentes combinações de tecnologias que vêm sendo adotadas. A quarta seção traz os resultados do trabalho, que são apresentados na forma de quatro hipóteses a serem testadas em trabalhos futuros e que, acreditamos, poderão vir a fundamentar modificações na teoria convencional sobre fronteiras agropecuárias. A quinta seção conclui o trabalho.

1. O contexto: por que desmatamento, por que Rondônia, por que pecuária?

Iniciamos esta seção justificando a escolha, que permeia a literatura, de desmatamento como variável síntese para os diversos tipos de degradação da floresta. Em seguida, descrevemos a evolução do desmatamento em Rondônia e na Amazônia Legal,

4 Ver Bourne (1978) para a Transamazônica dos anos 1970, e Castro, Monteiro & Castro (2002) para o Centro e Sul do Pará no fim dos anos 1990.

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argumentando que, se por um lado o estado está na dianteira em redução do desmatamento – queda de 88,7% desde o pico em 2004 frente a 74,8% da Amazônia Legal; participação no desmatamento total da região 55,2% inferior a 2004 –, é o terceiro com a maior extensão de desflorestamento relativamente à área total do estado (39,93%, frente a 18,16% na Amazônia Legal)5. O que se nota, ademais, é que Rondônia e Mato Grosso apresentam tendências paralelas à da Amazônia de redução drástica do desmatamento, ao passo que o Pará apresenta a tendência inversa.

As tendências que se observam com relação ao desmatamento não são independentes da forma como se implementaram os projetos de colonização a partir dos anos 1970. Da mesma forma, o processo de pecuarização da região amazônica tem raízes em diretrizes muito explícitas do governo militar, que previa a abertura de uma janela de oportunidades representada pela crescente demanda mundial por leite e proteína animal (as ofertas destes dois produtos são conjuntamente determinadas, de forma que maior demanda por um implica em maior oferta de outro). Um movimento que, ao contrário do que se poderia crer, está levando à rápida modernização de uma região que até meio século atrás não tinha grandes perspectivas de desenvolvimento. Observa-se, por exemplo, uma tendência à diversificação das fontes de renda dos pecuaristas que vai de encontro às implicações de teorias como a da “fronteira vazia”, mas que se encaixa na teoria da modernização agrícola apresentada por José Graziano (1996).

Argumentamos que esse novo dinamismo do setor rural é capturado pela evolução da produtividade da pecuária em Rondônia, que chegava a 1,67 cabeças por hectare em 2007, frente 1,53 na Amazônia Legal6. Apenas onze anos antes esses valores eram mais do que 50% inferiores7. Além do mais, o crescimento do rebanho bovino no estado tem sido mais acentuado do que em qualquer outro estado da Amazônia, indicando que Rondônia lidera a dinâmica de pecuarização. Este fato, associado à excepcional redução do desmatamento, sugere que o estado possui hoje uma pecuária bem mais sustentável, em termos do trade-

off produção / preservação, do que há alguns anos. Se isso for verdade e se parte do setor rural estiver de fato entrando em uma nova dinâmica, poderemos capturar essas tendências nas bases de dados de que dispomos. É o que fazemos a seguir.

*

Diversos indicadores de degradação ambiental podem ser computados para uma floresta tropical, sendo os mais importantes os de liberação de carbono, perda de biodiversidade e mudanças no regime hidrológico (Fearnside, 2005). Porque todos eles – assim como outros menos populares como degradação florestal e erosão do solo – têm alta correlação com desmatamento, e a maior parte dos estudos tem utilizado a perda de florestas como proxy para degradação ambiental. Nós fazemos o mesmo e ignoramos eventuais relações com

5 INPE. 6 INPE (2011) e Pesquisa Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 7 Os dados de rebanho da Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE são confiáveis, pois se aproximam dos dados da agência agropecuária estadual (IDARON). Já os dados de área de pastagem dos Censos Agropecuários não são confiáveis. Inclusive, ao contrário do que se poderia pensar, que fossem subdeclarados, o INPE mostrou que é o contrário. A área total de pastagens em Rondônia em 2007, medida de forma precisa pela pesquisa Terra Class, era de aproximadamente 6,6 milhões de hectares, dependendo de que percentual das áreas não observadas e daquilo que eles chamaram de “mosaicos de ocupações” são pastagens. Já segundo o IBGE, essa área teria sido de 8,3 milhões em 2006. Portanto, a estimativa de produtividade da pecuária em 1995 baseada em dados do IBGE, de 0,44 cabeças por hectare para Rondônia e 0,92 para a Amazônia Legal, deve estar subestimada.

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outras variáveis ambientais (ver Chew, 2001 para uma perspectiva de longo prazo sobre o poder explicativo do desmatamento).

A região amazônica possui hoje um modelo de desenvolvimento muito mais sustentável do que há apenas sete anos. Ao mesmo tempo em que o PIB per capita continua a se aproximar da média nacional (cresceu 47,7% no município médio amazônico entre 2000 e 2007, frente a 31,6% no município médio brasileiro)8, o desmatamento é de apenas um quarto do que foi em 2004 (Gráfico 1), o que indica que, em média, a redução do desflorestamento não levou os municípios a se desviarem de uma trajetória de convergência econômica ao resto do país.

Gráfico 1. Desmatamento bruto anual, 1988 – 2010. Fonte: INPE.

A partir disto surgem interessantes questões (àqueles que buscam sugestões de temas de pesquisa, aqui vão algumas): o que exatamente causou essa nítida inversão de trajetórias?; em que regiões do Pará se verificou o maior desmatamento relativo?; como essas tendências se conectam com a realidade agropecuária desses estados? É interessante notar, todavia, que quase 40% das áreas originalmente cobertas com floresta amazônica em Mato Grosso e Rondônia estão hoje desmatadas, enquanto no Pará esse número é de apenas 21,9% (Gráfico 3). São justamente os estados do arco do desmatamento que superam a região amazônica em desmatamento relativo à área originalmente florestada. Mantendo-se a tendência apontada no Gráfico 2, o estado de Rondônia convergirá para algo próximo dos 50% de preservação – com floresta nativa – do seu território originalmente coberto por floresta Amazônica.

Os dados do Gráfico 1 ajudam a compreender a magnitude do avanço que se obteve, mas não esclarecem quais foram as contribuições relativas de cada estado. É possível que alguns estados tenham passado a desmatar mais relativamente ao total da região do que outros. De fato, como se observa no Gráfico 2, as contribuições relativas dos principais estados ficaram bastante estáveis entre 1996 e 2004, com Mato Grosso quase sempre na dianteira e pouco acima do Pará, mas sofreram alterações importantes a partir de 2005: o estado do Pará aumentou a sua participação no desmatamento da região em 68,6%, ao passo que Mato Grosso a reduziu em 70,7%. A tendência de Rondônia, como já dissemos, vai na mesma direção que a de Mato Grosso.

8 Produto Interno Bruto dos Municípios, Censo 2000 e Contagem 2007, IBGE.

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Gráfico 2. Distribuição por estado do desmatamento da Amazônia Legal, 1988 – 2010. Fonte: INPE.

Gráfico 3. Distribuição entre florestas e áreas abertas das áreas originalmente cobertas por floresta amazônica, 2010.

Fonte: INPE.

Dois tipos de projeto de reforma agrária foram implementados em Rondônia: aqueles baseados na agricultura familiar, que distribuíam lotes de aproximadamente 100 hectares e estimulavam a produção de diversas culturas agrícolas (a grande maioria dos assentamentos), e os que eram baseados na produção de grande escala, distribuindo lotes de mais de 1.000 hectares a empresas rurais do Centro-Sul (principalmente na região sul do estado), e visando diretamente à pecuária, com a concessão de subsídios por parte do governo Federal que eliminavam a quase totalidade do risco do investidor (Bourne, 1978; Costa, 2000). Em ambos os casos, deve-se falar em reforma agrária, pois houve o desmantelamento da bem mais regressiva estrutura fundiária dos seringais (Oliveira, 2010).

A expansão da pecuária para a Amazônia foi um projeto consciente do governo militar, que além de abafar potenciais borbulhas de movimentos sociais no Sul e Nordeste por meio da imigração, de lidar com a questão geopolítica ocupando a região, e de abrir caminho para o nivelamento do desenvolvimento do Norte do país, pretendeu aproveitar uma oportunidade

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econômica que se delineava muito claramente para os observadores contemporâneos: a rápida expansão da demanda mundial por carne9.

Como mostra o Gráfico 4, o objetivo foi claramente cumprido: a Amazônia Legal tem hoje quase 40% do rebanho nacional, frente a apenas 8% em 1977. Além do mais, dentro desse impressionante crescimento, o estado de Rondônia se destaca como o único a ter ganhado participação quase invariavelmente nos últimos trinta anos, tendo saído de menos de 1% do rebanho da Amazônia Legal em 1977 e chegando a mais de 15% hoje. Apenas Amapá e Amazonas também tiveram ganhos relativamente à região, mas bem menores do que Rondônia e de escala insignificante, o que confirma a posição diferenciada de Rondônia como estado pecuarista.

Gráfico 4. Distribuição por estado do rebanho bovino e bubalino da Amazônia Legal, 1977 – 2009.

Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal, IBGE.

A transição da lavoura de subsistência com geração de baixo excedente para a pecuária é nítida nos municípios de colonização mais antiga. Gasques et. al.(2010) mostram que a pecuária passou a representar 48,3% do valor total bruto da produção de Rondônia em 2006, frente a 27,2% em 1995, ao passo que o café recuou de 16,2% para 11,9%. Dados de painel sintetizados por diferentes estudos, para distintos períodos e diferentes grupos de municípios, apontam a tendência de crescimento da área dedicada às pastagens (Tabela 1). Há, portanto, um processo claro de colonização “pelas patas do boi”, tanto nos objetivos iniciais do governo militar quanto na dinâmica observada em anos recentes.

9 Para se entenderem os acontecimentos da época a partir da visão contemporânea, ver Bourne (1978), que fez excelente exposição sobre o barril de pólvora que era a região Nordeste à época, principalmente depois da seca de 1970; Soares (1967), que apresentou a perspectiva oficial da ditadura sobre a questão geopolítica e sobre a necessidade de redução das desigualdades regionais; Neto (1970), que delineou a tese de que a pecuária era um oportunidade econômica de longo prazo a ser capturada, já que à medida que aumenta a renda per capita os consumidores tendem a substituir a ingestão de cereais pela ingestão de carne e derivados; e Corry (1980), que substanciou empiricamente a ideia de que países industrializados e em vias de industrialização tendem a aumentar a ingestão de carne relativamente a cereais, o que faz aumentar o preço da primeira.

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Tabela 1. Variação da produtividade da pecuária de acordo com dados em painel no estado de Rondônia.

Estudo Amostra / Período Resultado

Caviglia-Harris (2005)

Ouro Preto do Oeste, Nova União, Mirante da Serra, Teixeirópolis e Urupá, 1996 - 2000

Área de pastagem diminuiu de 43,5 ha para 39,8 ha (-8,4%). Produtividade aumentou de 1,59 para 2,49 cabeças por hectare (+56,6%)

Browder et. al. (2008)

Nova União, Alto Paraíso e Rolim de Moura, 1992 - 2002

Área de pastagem aumentou de 19,1 ha para 47,6 ha (+149%). Produtividade aumentou de 1,21 para 1,85 cabeças por hectare (+52,9%)

Mangabeira (2010)

Agricultura familiar, Machadinho do Oeste, 1996 - 2008

Área de pastagem aumentou de 21,6 ha para 24,7 (+14,3%). Produtividade aumentou de 0,89 para 3,72 cabeças por hectare (+ 318%)

O tipo de (re)povoamento que se deu na Amazônia não é novidade na história brasileira. A ideia de agricultura itinerante, explorada por Cano (2002), é a de uma fronteira em movimento em que a agricultura moderna, como a que se implantou no Centro-Oeste a partir dos anos 1970, empurra para cada vez mais longe modos rudimentares de subsistência, numa interação que, inicialmente, gera violência, pobreza e exclusão. Foi com base nesse tipo de ocupação que se deu o povoamento do estado de Goiás num primeiro momento, seguido pela ocupação do Mato Grosso do Sul e, numa terceira etapa, pelo avanço sobre a fronteira agropecuária nos biomas Amazônia e Cerrado. Apesar de haver produção agrícola em zonas de fronteira, é inegável que o povoamento do Brasil se deu, desde a ocupação do Semiárido, pelas patas do boi. Foi, portanto, a pecuária extensiva o fator que exerceu e exerce maior pressão para o deslocamento da fronteira agrícola.

Observa-se na agropecuária rondoniense contemporânea um processo de diversificação e de inserção em cadeias produtivas agroindustriais (isto será melhor explorado na próxima seção). O foco deste estudo é a pecuária de corte, mas poder-se-ia falar da pecuária leiteira, da piscicultura, do café, e do ecoturismo. Dinâmica que foi definida por Graziano, Del Grossi & Campanhola (2002) como parte de um “novo rural”, caracterizado tanto pela ampliação das potenciais fontes de renda dos residentes de áreas rurais (incluindo atividades não agrícolas), quanto por um setor agropecuário com elos cada vez mais sólidos com a indústria. Tem-se, portanto, que a dinâmica da indústria passa a ser determinante para a dinâmica da pecuária, coisa que, em Rondônia, se reflete na demanda generalizada pela criação de uma indústria local de processamento de calcário, o que tornaria viável a correção de solos para uma parcela bem maior dos pecuaristas do estado.

A análise dos gráficos 2 e 4 permite que se ensaie, com bastante segurança, a conclusão de que a pecuária em Rondônia deu um salto de sustentabilidade maior do que em qualquer outro estado da Amazônia: elevadíssimo ganho de participação no rebanho regional (que, por sua vez, ganhou participação nacionalmente), somados a uma perda acentuada de participação no desmatamento regional. Essas informações são sintetizadas no Gráfico 5, em que fica nítido o ganho de eficiência do estado no trade-off preservação / pecuária.

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Gráfico 5. Índices de desmatamento, rebanho bovino e peso total das carcaças no abate (ano base = 1998), 1998 – 2009.

Fontes: INPE; Pesquisa Pecuária Municipal e Pesquisa Trimestral do Abate de Animais, IBGE.

A evolução do peso total de carcaças, quando confrontada com a evolução do rebanho, atesta que houve também um salto de produtividade, pois enquanto o rebanho cresceu pouco mais de duas vezes, o peso total de carcaças cresceu mais que sete vezes (deve-se considerar, todavia, que uma parcela dos abates é de animais com origem em outros estados). De fato, segundo cálculos de Gasques et. al. (2010), o produto da agropecuária de Rondônia cresceu 113% entre 1995 e 2006, ao passo que o uso de insumos cresceu apenas 30%, enquanto a produtividade total dos fatores aumentou 65% (frente a 25% no Brasil e 51% em Mato Grosso). Essas observações são confirmadas pelos estudos apresentados na Tabela 1, que apontam para expressivos ganhos de produtividade na pecuária.

Em decorrência dessa nova dinâmica, o estado passa a ter um grau de heterogeneidade regional bem maior do que dez anos atrás. Há municípios onde a economia tradicional (produtos da floresta) ainda é forte e representativa – por exemplo, a região do rio Guaporé, que tem sido vista cada vez mais como potencial para atividades de ecoturismo; uma região de fronteira agropecuária que está sendo renovada pela construção das usinas no Rio Madeira, que geram um importante fluxo de imigrantes ao velho estilo da corrida ao ouro10; um conjunto de municípios em transição, onde a crise se instalou, principalmente com a drástica retração da indústria ilegal de madeira; e um grupo de municípios consolidados, com infraestrutura razoavelmente boa e bem conectados ao resto do país.

Está se construindo no Brasil um consenso em torno da ideia de que a intensificação da pecuária é a solução possível e necessária para o problema do desmatamento. Seria uma estratégia ganha-ganha, na medida em que permitiria o aumento da produção em consórcio com a redução do desmatamento. Organizações tão distintas quanto a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), 10 A relevância deste fenômeno nos foi inicialmente apontada por Cláudio Townsend, pesquisador da Embrapa Rondônia, e em seguida confirmada por pessoas do governo e por outros observadores da realidade estadual. Tudo indica que a construção das usinas está abrindo uma interessante oportunidade de estudo de novas fronteiras agropecuárias em Rondônia.

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e as mais diversas ONGs de meio ambiente, bem como o governo Federal por meio de seu Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), e o governo do estado de Rondônia com seu projeto de recuperação de pastagens no município de Rio Crespo, todos se posicionam dessa forma. Mas será a intensificação da pecuária realmente uma panaceia?11 As três seções que se seguem estão desenhadas para iluminar esta questão.

2. A intensificação: aspectos teóricos

Nesta seção apresentamos as ideias fundamentais de bovinocultura e forrajicultura que dão suporte à análise da intensificação. Com base em um conjunto de trabalhos das áreas de agronomia e zootecnia, principalmente de pesquisadores da Embrapa, desenvolvemos o ferramental teórico básico que permitirá aos leitores não familiarizados compreenderem a dinâmica tecnológica da pecuária. Descrevemos, para isso, os quatro grandes pacotes tecnológicos que podem ser adotados na pecuária de corte: manejo, genética, solo e alimentação, e apresentamos uma sucinta discussão dos diferentes indicadores de produtividade da pecuária e de suas respectivas vantagens. Os dados coletados em campo são apresentados na seção 3 e sua análise é feita na seção 4.

O ciclo tradicional de uso da terra na Amazônia, após a derrubada, começa pelo plantio de arroz por um ou dois anos, que ajuda a diminuir a acidez do solo e incorporar-lhe nutrientes essenciais; é seguido pela cultura do milho, que recicla nutrientes e aumenta a porosidade do solo, mas consome fósforo; pela pastagem; e, eventualmente, pela soja. Quando o processo não é gerido de forma a manter a adequada ciclagem dos nutrientes (fósforo, nitrogênio e potássio, principalmente), como é frequentemente o caso, a fertilidade do solo declina até tornar a pastagem inviável. A evolução desse processo depende das características físico-químicas de cada local e do tipo de manejo que se faz, mas estima-se que, em média, pastagens de sistema tradicional suportem de 250 a 300 Kg de peso vivo por hectare nos primeiros 6 a 7 anos, passando a ter capacidade de lotação declinante depois disso, chegando a atingir 100 kg de peso vivo por hectare no estágio máximo de degradação, após 25 anos, com alta taxa de invasão de ervas daninhas e de insetos (Serrão & Homma, 1993).

Por outro lado,

“[w]ith technological intensification and the consequent improvement in the

sustainability of forest-replacing pastures, (…) productivity from cattle raising

operations in the Amazon can be doubled or tripled (…) [it] depends to a large extent

on the sustainability of the pastures. In general, it is agreed that zootechnical (animal

component) sustainability is much less limiting than agronomic (pasture)

sustainability is” (Serrão & Homma, 1993: 316-319).

O tipo padrão de pecuária que descrevemos aqui, e que chamamos de “tradicional”, é o de monocultura de gramínea sem fertilização do solo. Devido à baixa dotação de capital dos colonos em áreas de fronteira agropecuária e aos custos fixos relativamente elevados de

11 Ver Cohn et. al. (2011) para uma excelente qualificação deste debate.

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formação da propriedade (cercas, curral, cocheiras), o sistema padrão tende a ser praticado até o momento em que a lotação da propriedade começa a declinar de forma perceptível – e com ela a lucratividade do empreendimento. Quando isso acontece, o pecuarista que deseja permanecer na atividade tem a opção de migrar para uma nova área de fronteira e recomeçar o processo, ou de passar a administrar o sistema solo-planta-animal de forma agronomicamente racional, o que implica no monitoramento do pH do solo, na reposição de nutrientes via processos químicos ou biológicos, e na diversificação de espécies de forrageiras, além da utilização de técnicas de gestão que maximizem o ganho de peso vivo por hectare por ano. Há, portanto, um ponto no tempo quando o pecuarista é forçado a escolher entre ingressar num sistema de produção intensivo, migrar para outra região, ou mudar de atividade após vender ou arrendar as pastagens degradadas.

A produtividade da pecuária, no que se refere ao fator terra, pode ser medida por diversos indicadores, entre os quais estão o comumente utilizado cabeças por hectare, e uma versão um pouco melhorada que é a de Unidades Animal (UA, 450 Kg de peso vivo) por hectare. Já a taxa de desfrute (número de animais enviados para abate dividido pelo rebanho total, exceto bezerros em aleitamento) é um indicador zootécnico que tem relação inversamente proporcional com essas medidas de produtividade da terra: permanecendo constante a oferta nutricional da pastagem, um aumento na velocidade de ganho de peso do rebanho tem de ser compensado pela diminuição do tamanho do rebanho, pelo menos no caso em que se estiver operando na lotação máxima. Assim, uma melhor taxa de desfrute não implica necessariamente em redução da demanda por pastagens, a menos que a oferta nutricional também cresça e com ela a taxa de lotação. Assim, a variável relevante para a diminuição do desmatamento é uma combinação entre a produtividade da terra e a taxa de desfrute: o peso vivo produzido por área e unidade de tempo.

A vantagem deste último indicador está na contabilização do fato de que uma propriedade com baixa produção por hectare pode ter elevada eficiência temporal, o que pode levá-la a utilizar menos terra para um dado montante de carne produzida por unidade de tempo do que uma propriedade que possui maior lotação mas leva muito mais tempo para engordar o seu rebanho. Assim, por exemplo, uma das propriedades estudadas possui lotação de 4 cabeças por hectare, produzindo 480 Kg de peso vivo por hectare por ano, enquanto uma outra propriedade, com lotação de 2,5 cabeças por hectare, produz 600 Kg/ha/ano. Tipicamente, produtores que investem em sistemas de confinamento tendem a ter maior lotação, ao passo que produtores que priorizam correção de solo, manejo e genética, terão menor lotação e maior ganho de peso por unidade de tempo, já que associação melhores taxas de conversão alimentar a pastagens de melhor qualidade.

Em qualquer das hipóteses, todavia, há que se ter clareza de que todas as medidas acima representam pisos de produtividade (Knight, 1971). No caso daquelas que possuem área como denominador, o problema é que pastagens raramente são ocupadas apenas por bovinos, podendo haver outros gêneros de bovídeos, além de uma diversidade de outras atividades agropecuárias cujos produtos não são contabilizados nos indicadores mencionados. Com isso, a medida subestimará a produtividade. Já a estimativa da taxa de desfrute, que possui rebanho no denominador, só será igual ao valor verdadeiro se o rebanho for constante, pois o numerador (número de animais prontos para abate) é

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determinado pelo rebanho de dois ou três anos antes. Portanto, qualquer medida de produtividade da pecuária subestimará o valor verdadeiro12.

A capacidade de lotação estimada dos sistemas tradicional e intensivo é apresentada na Tabela 2. A produtividade natural média das pastagens em áreas recém desflorestadas chega ao máximo de 300 Kg/ha/ano, sendo o custo médio de manutenção do sistema tradicional de 45 Kg/ha/ano. Essa produtividade cairia com o passar do tempo, até atingir o mínimo de aproximadamente 90 Kg/ha/ano. Já no sistema intensivo, a produtividade média chegaria a 500 Kg/ha/ano, com custo de 120 Kg/ha/ano. O investimento inicial para se manter um sistema tradicional é elevado, principalmente para colonos com baixa dotação de capital, de forma que esse sistema tende a predominar enquanto a produtividade natural fica estável. O upgrade para o sistema intensivo exige uma nova rodada de investimentos, que tende a acontecer quando os produtores já estão mais capitalizados.

Tabela 2. Estimativas de produtividade (Kg/ha/ano) e custos variáveis (Kg/ha/ano) da pecuária para diferentes sistemas produtivos e níveis de fertilidade do solo.

Sistema de pastejo e fertilidade do solo

Sul de Rondônia1 Rondônia2 Amazônia3

Custo variável, sul de Rondônia1

Tradicional e fertilidade máxima - - 250 a 300 -

Tradicional e fertilidade média 120 - - 45

Tradicional e fertilidade exaurida - 90 100 -

Intensivo e fertilidade administrada 420 500 - 120 1. Estimativas de Vinícius Paiva, Mestre, professor de Zootecnia e consultor em Vilhena (RO). 2. Townsend, Costa & Pereira (2009). 3. Homma & Serrão (1993).

Para aqueles que decidem intensificar, os principais pacotes tecnológicos disponíveis são os que descrevemos a seguir13.

1. Ajuste de manejo de pastagens. Trata-se de determinar o tipo adequado de forrageira, definir o sistema de pastejo, e controlar a lotação da pastagem. Outras intervenções que podem fazer parte deste pacote são: destocamento de pastagem, irrigação, utilização de cercas elétricas, roçado e uso de herbicidas para limpeza de pastos, e utilização de fungo Metarizhium anisopilae para controle biológico da cigarrinha.

12 Uma boa estimativa da produtividade da pecuária, portanto, deve se basear em valor da produção. Como a maior parte das propriedades não pratica puramente a pecuária, o mais adequado é estimar a produtividade dos sistemas preponderantemente pecuaristas. Assim, por exemplo, pode-se estabelecer um valor crítico do percentual de pastagens sobre o total de terras abertas (e.g.: 70%) acima do qual as propriedades são consideradas preponderantemente de pecuária. Divide-se, então, o valor da produção pela área total, e obtém-se a estimativa desejada. Para um procedimento semelhante a este, porém mais sofisticado, utilizando análise fatorial para distinguir os diferentes sistemas produtivos, ver Costa (2009). 13 Estamos nos baseando em Serrão & Homma (1993), Costa (2004), e Townsend, Costa & Pereira (2009).

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A escolha das espécies de forrageira é feita de acordo com as condições edafoclimáticas locais, e com o princípio de que a diversidade de gramíneas aumenta a proteção biológica contra agentes invasores. As espécies pioneiras da Amazônia (Panicum Maximum, ou Tanzânia, Brachiaria decumbens, ou braquiarinha, e Hyparrhenia rufa, ou capim-vermelho) requerem elevadas quantidades de nutrientes, e esgotam rapidamente (3 a 4 anos) a capacidade do solo. Já as que se disseminaram a partir dos anos 1990, B. humidicola (braquiarão), B. brizantha cultivar Marandu (brizantão), e Andropogon gayanus cultivar Planaltina, causaram um salto de produtividade, mas devido ao monocultivo, tornaram-se vulneráveis a pragas. Mais recentemente, para enfrentar principalmente a cigarrinha, a Embrapa introduziu novas espécies que incluem Paspalum atratum cultivar Pojuca, Panicum maximum e P. infestum cultivar Massai, e B. brizantha cultivares Xaraés e Piatã (Townsend, Gomes & Pereira, 2009).

O sistema de pastejo pode ser de lotação contínua, em que o rebanho tem acesso a toda a área de pastagem, ou de lotação rotativa, em que o rebanho é movimentado entre diferentes subdivisões da pastagem (o diferimento, em que parte da pastagem é vedada no final da estação chuvosa para ser utilizada no período da seca, pode ser entendido como pastejo rotacionado). Atente-se para não confundir lotação contínua com pecuária extensiva, pois esta última se refere a sistemas de pastejo com gramínea natural, podendo ser tanto de lotação contínua quanto rotativa (Abreu & Lopes, 2005). De acordo com Voisin & Lecomte (1975), sistemas de lotação contínua são irracionais tanto do ponto de vista agronômico quanto do ponto de vista zootécnico. Para mostrar isso, esses autores definiram as “quatro leis universais do pastoreio”: lei do repouso: o pasto deve ser posto em descanso quando atingir o tamanho mínimo ideal que maximiza a sua taxa de ganho de massa verde; lei da ocupação: o pasto deve ser cortado uma única vez pelo dente do animal antes de ser posto em repouso; lei da ajuda: deve-se ajudar os animais com maior eficiência de conversão alimentar a receberem mais e melhor alimento; lei dos rendimentos regulares: os animais não devem permanecer mais do que três dias no mesmo piquete para que tenham rendimento máximo e regular.

Desconsiderando-se a estrutura de custos dos diferentes sistemas, tem-se que o ganho de peso por animal é maior em pastejo contínuo até o ponto em que se atinge a lotação limite suportada pelo pasto. A partir desse ponto, o pastejo rotacionado é sempre superior. Mas é claro que o custo da mão-de-obra (e outros custos variáveis relevantes) que se requer para o pastejo rotacionado pode alterar esse cenário, pois o custo aumenta exponencialmente com o número de piquetes (já que cada piquete deve ter oferta de água, além de toda a infraestrutura necessária para a alimentação do rebanho). Pode-se supor que a lotação da pastagem seja definida a partir de um cálculo de maximização do lucro no curto prazo: a equalização de custos e receitas marginais. Essa regra de decisão explicaria uma interessante hipótese levantada por Muchagata & Brown (2003), de que a queda da fertilidade natural se dá, em parte, devido às baixas lotações praticadas nos sistemas tradicionais. Segundo esse raciocínio, o sobre-acúmulo de matéria seca reduziria a taxa de germinação e a velocidade de brotamento das gramíneas, estimulando o pecuarista a utilizar o fogo como método de rebrota, o que tem repercussões negativas no longo prazo, pois seleciona plantas invasoras resistentes ao fogo, tornando a recuperação do pasto muito mais difícil.

Esquematicamente, é possível analisar o processo de intensificação como na Figura 1.

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Figura 1. Visão esquemática do processo de intensificação da pecuária.

Nota: no sistema produtivo tradicional, a lotação é dada pela fertilidade natural do solo, enquanto no intensivo o produtor é quem determina a lotação; no sistema de pastejo contínuo não há subdivisões, ao passo que no rotacionado há (o manejo “Voisin” é o benchmark do sistema rotacionado).

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O pecuarista começa investindo na formação da propriedade, com sistema de produção tradicional e pastejo contínuo, já que o seu rebanho é inferior à capacidade de lotação natural. À medida que passa o tempo, uma de duas coisas acontece: a capacidade de lotação natural máxima é atingida, obrigando o pecuarista a passar para um sistema rotacionado antes mesmo de ter de intensificar; ou a fertilidade do solo se exaure, obrigando o pecuarista a intensificar, ainda que mantendo o pastejo contínuo. No primeiro caso, trata-se tipicamente de um produtor mais capitalizado, que consegue lotar a propriedade nos primeiros 6 a 7 anos, ao passo que no segundo o pecuarista só consegue lotar a propriedade em algum momento após o sétimo ano, quando se vê obrigado a adotar pastejo rotacionado. Em ambos os casos, a tendência é que se chegue a um sistema intensivo de pastejo rotacionado, em que a produtividade é máxima, assim como o requerimento de mão-de-obra, capital, capital humano e tecnologia.

2. Correção e adubação de solos. O primeiro passo é determinar o nível de acidez e a oferta dos principais minerais, além da exigência nutricional das forrageiras. Em seguida, desenha-se a estratégia de correção e adubação, que deve ser repetida todos os anos: para pHs baixos procede-se com a calagem e se houver deficiências de sais minerais deve-se repô-los (adubação fostatada ou potássica). Deve-se considerar, ademais, que a maior concentração de animais aumenta a adubação natural do solo, por excrementos. É indicada também a introdução de leguminosas para fixação biológica de nitrogênio e para a oferta de proteína para o animal. A variedade depende do tipo de gramínea com que se irá consorciar, sendo as mais promissoras a Pueraria phaseoloides e as diversas Estilosantes. Pastagens consorciadas bem manejadas têm sucesso em reciclar as quantidades relativamente baixas de nutrientes que permanecem no ecossistema alterado. Neste pacote entra também a descompactação do solo, extremamente importante para melhorar a infiltração e evitar a erosão.

3. Melhoramento genético. O objetivo é obter animais com maior taxa de conversão alimento / peso vivo. A monta por touro é o método mais barato – com desembolsos diluídos no tempo – e, portanto, largamente o mais utilizado. Por ser uma estratégia relativamente simples de se implementar e por haver pouco conhecimento sobre as limitações da fertilidade natural das pastagens, os pecuaristas tendem a investir em genética antes mesmo de corrigirem o solo e ajustarem o método de manejo, o que não é necessariamente correto, já que o animal mais produtivo é também mais delicado e quando submetido à alimentação e tratamento excessivamente rústicos produz menos do que o animal de genética inferior. Ou seja, a variância da taxa de conversão do animal geneticamente superior é maior e para que o rebanho se mantenha na parcela superior da distribuição de ganho de peso, ele requer boas condições de pastagem e manejo. As raças observadas na pecuária de corte do estado são majoritariamente as de matriz zebuína, com predomínio do Nelore, que ainda apresenta o melhor compromisso entre rusticidade, tolerância ao calor e conversão alimentar.

Criadores mais avançados têm adotado também inseminação artificial. Os métodos de transferência de embrião, inseminação por tempo fixo e fertilização in vitro são restritos a um número muito pequeno de criadores. Já as propriedades que não fazem cria14 podem manter a qualidade genética adquirindo bezerros de criadores que investem em genética.

14 A pecuária de corte pode ser dividida em três sistemas produtivos particulares: cria, recria e engorda. Na cria, os insumos fundamentais são vacas e touros e o produto final são bezerros desmamados, geralmente com menos de um ano de idade. É a fase que exige maior dedicação do

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4. Alimentação animal. Tanto a eficiência com que a pecuária de corte entrega o seu produto quanto a própria qualidade do produto dependem da forma como se administra a alimentação animal. Devido ao baixo custo dos insumos terra e pastagens relativamente a outras formas de alimentação, como suplementações vegetais e minerais, a estratégia economicamente mais viável é a da alimentação via pastagens. No entanto, a existência de uma estação seca (junho a setembro), em que a oferta de massa forrageira diminui drasticamente em relação à estação chuvosa, exige do pecuarista planejamento para garantir uma oferta mínima de alimento durante os quatro meses de seca, sob o risco de ver o seu rebanho perder peso nessa temporada.

A estratégia mais simples é a da suplementação alimentar em cocheiras distribuídas pela pastagem, feita principalmente na estação seca, mas podendo ser estendida para todo o ano. Podem-se utilizar os seguintes tipos de alimento:

• sais proteinados (mistura de sal, ureia, minerais, vitaminas e farelos ou grãos moídos), geralmente adquiridos em casas agropecuárias;

• suplementação vegetal de milho, cana ou sorgo, entre outros, produzidos intra-porteiras;

• feno ou silagem – conservação de massa alimentar (forragem ou culturas agrícolas) por meio de processo de fermentação em ambiente fechado, que exige infraestrutura própria e é geralmente adotado em propriedades com agricultura mecanizada;

• resíduos agrícolas (casca de café, entre outros).

Os produtores que trabalham com terminação podem se valer de sistema de confinamento, em que os animais são retirados da pastagem e fechados em locais onde há oferta constante de água e de alimento, geralmente feno. O consultor, pecuarista e presidente da Cooperativa Agrorural de Jaru, Inaldo Alves, trabalha com uma oferta média de 15 Kg de silagem por animal por dia para garantir um ganho de peso de 1,5 kg/dia. Segundo ele, na estação seca o ganho de peso em situação de pastagem é nulo ou até negativo, e o custo de produção da silagem é parcialmente compensado pelos benefícios do consórcio lavoura-pecuária para o sistema solo-forragem15.

Os custos dos diversos pacotes tecnológicos variam de acordo com as condições edafoclimáticas locais e distância dos grandes centros. Se em certos contextos a pecuária deixa de ser viável quando chega o momento da intensificação, devido à relação desfavorável entre preço da arroba e preço dos insumos, descontados os custos de transporte, em outros a introdução de sistemas como o de consórcio pastagem-lavoura parece ser completamente viável. Segundo informações sintetizadas por Townsend, Costa & Pereira (2009), o custo médio de recuperação de uma pastagem em estágio inicial de produtor, pois inclui processos delicados como acasalamento e desmame. Na recria, o insumo é o bezerro desmamado e o produto é o novilho pronto para terminação, ou a novilha pronta para acasalamento. Na engorda, ou terminação, o insumo são machos ou fêmeas com estrutura física de adultos, podendo ser tanto animais de fim de recria quanto vacas de descarte ou touros, e o produto são animais prontos para o abate. 15 Ainda segundo Inaldo, o milho, por exemplo, ocupa o solo por 80 dias, deixando em seguida a terra disponível. À produtividade de 35 t/ha, menos de 3 hectares são suficientes para alimentar 100 animais durante 60 dias. Os principais sistemas de consórcio pastagem-lavoura são o Barreirão, em que se integram arroz, milho e gramínea, e o Santa Fé, em que essas culturas se sucedem (Townsend & Salman, 2011).

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degradação (capacidade de suporte superior a 1 UA por hectare) varia entre R$ 350 e R$ 850 por hectare, de uma pastagem em estágio médio de degradação (suporte entre 0,5 e 0,9 UA/ha) é de entre R$ 850 e R$ 1.850 por hectare, e no caso de uma pastagem em estágio avançado de degradação (menos de 0,5 UA/ha) esse custo é de até R$ 2.250 por hectare.

Considerando-se que a receita bruta de um pecuarista com sistema tradicional fica na casa dos R$ 270 a R$ 670 por hectare (com dados da Tabela 2 e tomando o preço da arroba adotado por Townsend e colegas, de R$ 67), é fácil concluir que a intensificação só possa ser implementada por proprietários capitalizados ou com acesso a crédito. O consórcio lavoura-pastagem é uma possível solução para esse problema, pois os custos do investimento pode ser cobertos com a comercialização dos produtos agrícolas (arroz, milho, sorgo, soja, entre outros): Townsend e colegas estimam que a cultura do arroz é a que tem melhor potencial, diminuindo os custos líquidos por hectare para R$ 295.

O confinamento na Amazônia, no entanto, é visto com restrições por muitos praticantes. Para Vinícius Paiva, não há lógica biológica em converter grãos em carne à taxa de 10%. Defende que a alimentação com grão é válida para a suinocultura ou para a avicultura, mas não para a bovinocultura. Segundo ele, há muitos estágios anteriores à etapa do confinamento que dão retorno elevado e barato, e quando todas essas etapas são respeitadas, passa a não fazer sentido confinar. O confinamento seria rentável apenas com grande diferencial entre preço de safra e entressafra. Para outros pecuaristas, o confinamento é utilizado como estratégia contingencial, para animais com problemas (desmama, por exemplo).

Seja como for, o que importa é salientar que existe uma trajetória socioeconômica, tecnológica e ambiental que conduz a pecuária de corte, cedo ou tarde, à intensificação. Não se trata de tentar impor uma visão determinística (ou teleológica) da relação entre pecuarização e produtividade da terra; é perfeitamente possível que apenas uma elite do setor pecuarista venha a fazer esse upgrade para a etapa intensiva. Nesse caso, todavia, aqueles que permanecerem na pecuária tradicional terão, no longo prazo, que encontrar fontes de renda alternativas, pois a relação entre o produto marginal e o custo marginal da carne se tornará cada vez mais desfavorável. Mas isto significaria que parte desses produtores migraria para outras atividades econômicas, o que, na prática, tornaria a elite que intensificou mais representativa do todo.

A próxima seção nos permitirá entender a dinâmica tecnológica dessa elite e com isso formular hipóteses para a dinâmica global da pecuária de corte em Rondônia.

3. A dinâmica tecnológica na escala do produtor: novas hipóteses sobre a pecuarização na Amazônia

Nesta seção analisamos um conjunto de doze entrevistas que realizamos com pecuaristas no mês de abril de 2011 em nove municípios de Rondônia. Os dados coletados descrevem as estratégias que os produtores tecnicamente mais avançados adotam para a intensificação: as principais tecnologias, o grau de adoção, o histórico de desmatamento por

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propriedade e o grau de titulação16. O objetivo é fornecer um retrato do processo de intensificação que permita entender as decisões que levam o pecuarista a intensificar, bem como as potenciais consequências de tal processo.

A população para a qual fazemos inferências são os produtores que efetivamente transitaram de uma pecuária tradicional, onde a capacidade de lotação é determinada pela fertilidade natural do solo, para um sistema produtivo intensivo, onde o pecuarista toma medidas para que a oferta de nutrientes seja suficiente para manter constante uma dada lotação, que é fixada de acordo com o custo dos insumos e o preço esperado da arroba do boi. A amostragem, portanto, foi direcionada a um grupo específico de produtores, que está geograficamente localizado nas regiões de colonização mais antiga do estado (ver mapa no Anexo 1), já que em áreas de fronteira a elevada fertilidade natural do solo estimula a pecuária a permanecer no sistema não intensivo.

Amostra

As doze propriedades que entrevistamos fazem parte da elite da pecuária de corte de Rondônia. O rebanho bovino mediano é de 1.600 cabeças, 10,9% das quais são gado voltado à produção leiteira. O número mediano de sazonais no período de um ano é de 4,5, e de funcionários fixos 3, com taxa média de formalização de 78%. Trata-se de uma atividade altamente poupadora de mão-de-obra, o que constitui, justamente, um dos principais atrativos da pecuária. Por outro lado, a pecuária tem papel fundamental na cadeia da carne, que gera emprego em zonas urbanas do estado de Rondônia principalmente em frigoríficos (retornaremos a este tema mais tarde).

O grupo possui maior índice de capitalização do que a média (45% afirmaram possuir elevada disponibilidade de capital próprio para investimento frente aos demais pecuaristas da região), propriedades relativamente consolidadas no tempo (média de 17 anos desde a aquisição do primeiro lote) e escala de operação acima da média: oito se encaixam na categoria grande pecuária (mediana de 2.300 ha, variando de 1.150 a 21.000 ha), duas na categoria média pecuária (ambas com 500 ha) e duas na categoria pequena produção (ambas com 150 ha), das quais uma familiar. Com relação aos proprietários, possuem muito mais disponibilidade de conhecimento (83% utilizam assistência técnica de algum tipo e a média de anos de educação formal é de doze, o que correspondia a 4% da população rural economicamente ativa em 2009, segundo a PNAD), residem majoritariamente em áreas urbanas (90,9%) e são originários de áreas rurais (91,6%), em primeiro lugar do Paraná e em segundo do Rio Grande do Sul.

Segundo o mais simples índice de produtividade da terra ponderado por rebanho17, as doze propriedades amostradas possuem uma lotação média de 4,01 cabeças por hectare, o que se compara com 2,61 para o estado como um todo – 1,94 para propriedades com mais de 500 hectares, e 1,78 para propriedades com mais de 1.000 hectares, segundo dados do IDARON. Fica claro, portanto, que a amostra atinge o topo da escala de intensidade no estado de Rondônia. Já o indicador mais completo de produtividade aponta três 16 O questionário completo com a síntese de todas as respostas está disponível no Anexo 2. 17 Para se obter uma média mais representativa, pode-se ponderá-la por rebanho ou por área de pastagem. Esta última, no entanto, é subdeclarada pelos produtores, devido à legislação ambiental, o que faz com que rebanho seja o melhor fator de ponderação.

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propriedades com pecuária de alta intensidade produtiva (> 480 Kg/ha/ano), das quais duas de grande escala e uma de pequena; seis com pecuária de média intensidade (> 204 Kg/ha/ano), das quais quatro de grande escala, uma média e uma pequena; e três com pecuária de baixa intensidade (< 180 Kg/ha/ano).

Esses números, idealmente, deveriam ser comparados entre sistemas que realizam o mesmo tipo de produção, pois o ganho de peso na cria é normalmente superior ao ganho da recria, que é superior ao ganho da engorda. Mas como entrevistamos produtores com atuam em diferentes segmentos, tivemos que adotar uma estratégia alternativa para contornar esse problema: utilizamos um índice que pondera o ganho de peso por hectare pelo número de meses médio que o animal permanece em cada fase. Fazendo isso, obtivemos um índice médio de 1.111 Kg/ha/ano, indicando claramente que as propriedades entrevistadas ultrapassam em muito aquilo que é considerado uma pecuária intensiva padrão (Tabela 2).

Com relação ao uso da terra, as pastagens ocupam 50% da área total das 12 propriedades entrevistadas. Esse valor é bem parecido à participação do total das pastagens no total das propriedades declaradas ao IDARON: 47,75%. O mais provável, no entanto, é que ambos os dados estejam subdeclarados. Utilizando cálculos precisos do Terra Class (INPE) e estimativas do Censo Agropecuário do IBGE, chega-se a uma estimativa de 78,58% das propriedades privadas rurais agropecuárias (excluindo-se, portanto, áreas urbanas e mineração) ocupadas por pastagens. De forma que os valores declarados estariam subestimados em até 37% – ou seja, grosso modo, um terço. Ademais, os proprietários declaram possuir um terço de suas propriedades florestadas, dos quais 1,4% de silvicultura18.

Os três pacotes tecnológicos

A elite da pecuária de corte de Rondônia está completando a fase inicial de modernização tecnológica e transitando para uma etapa bem mais intensiva de inserção na cadeia agroindustrial da carne (Figura 2). A análise dos dados coletados mostra que há três grupos de tecnologias que se distinguem por conteúdo tecnológico e grau de adoção: um pacote básico da modernização agropecuária, que é largamente adotado e engloba produtos tradicionais da agroindústria como tratores, herbicidas e rações industrializadas; um pacote intermediário que contém produtos e serviços de maior conteúdo tecnológico como inseminação artificial, adubos de diversos tipos e controle biológico de pragas, e é crescentemente adotado; e um conjunto de tecnologias que são conhecidas dos produtores, mas pouco utilizadas: técnicas mais complexas de fertilização animal, irrigação, descompactação de solo, entre outras.

A medida do grau de utilização variou com o tipo de tecnologia. Assim, a adoção de itens diretamente relacionados aos animais foi estimada relativamente ao rebanho, ao passo que itens relacionados à pastagem tiveram a área de pastagem como denominador. A partir disso, três grupos se tornaram nítidos: itens altamente disseminados, cuja utilização varia 18 Estes valores são praticamente iguais aos que foram declarados por produtores rurais de Rondônia no Censo Agropecuário de 2006, mas, como explicado acima, supõe-se que estejam sobre-declarados. As espécies utilizadas na silvicultura são: castanheira, eucalipto, teca, ingazinho, ipê, nim, tamarindo, sumaúma, mogno, aroeira e cerejeira.

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entre 100% e 54%, itens com grau de adoção médio ou baixo, entre 23% e 9%, e itens com adoção inferior a 1,6%. Como mostra a Tabela 3, a dispersão dentro de cada grupo é relativamente uniforme, indicando que a categorização é robusta.

Figura 2. Pacotes tecnológicos em propriedades de pecuária de corte de maior produtividade, Rondônia.

Os resultados da Tabela 3 podem ser interpretados como a sequência cronológica de adoção de tecnologias na propriedade média da pecuária de corte de maior produtividade de Rondônia. Assim, a primeira medida é a oferta de sal proteinado em cocheira, algo que é disseminada mesmo na pecuária tradicional. Em um segundo momento, quando o pecuarista já está melhor capitalizado, vêm a aquisição de diferentes tipos de maquinário, a limpeza dos pastos, que começam a sofrer a invasão de ervas daninhas, o melhoramento genético do rebanho, o controle das infestações de moscas e o redimensionamento de piquetes. Na sequência, ao ter novamente disponibilidade de capital para investimento, o pecuarista contrata mão-de-obra para uma gestão mais eficiente do sistema rotacionado, com estratégia de diferimento, e começa a destocar as pastagens, o que tem as vantagens de melhorar o trânsito dos animais, permitir a mecanização e gerar receita pela venda do madeiramento.

Dada a ausência de medidas de administração da fertilidade do solo, o que se pratica nesse primeiro momento ainda é uma pecuária tradicional com sistema rotacionado, como na Figura 1. Isso pode acontecer, inclusive, na presença de fertilidade declinante, pois nessa fase inicial de degradação ainda é possível manter a lotação constante simplesmente pela melhoria dos métodos de manejo.

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Tabela 3. Grau de adoção das tecnologias utilizadas na pecuária de corte de maior produtividade, Rondônia.

Pacote básico: tecnologias mais adotadas

Item Grau de adoção

Sal proteinado em cocheira 100% do rebanho Aquisição de maquinário 77,8% das propriedades Limpeza de pastagens via roçada 75,4% da área de pastagem Monta por touro de qualidade 75,25% do rebanho Limpeza de pastagens via herbicidas 68% da área de pastagem Redimensionamento de piquetes 63,3% das propriedades Gado com brinco mosquicida 54,55% do rebanho Destocamento de pastagens 44,45% da área de pastagem Diferimento de pastagens 44,36% da área de pastagem

Pacote intermediário: tecnologias que começam a ser adotadas

Item Grau de adoção

Adubação do solo 23,1% da área de pastagem

Calagem do solo 18,9% da área de pastagem

Integração lavoura-pecuária 18,2% das propriedades Confinamento: rações vegetais fora do pasto 17,33% do rebanho

Diversificação de gramíneas 16,9% da área de pastagem

Cerca elétrica 12,8% do total de cercas

Inseminação artificial 12,75% do rebanho

Rações vegetais em cocheiras 10% do rebanho

Consórcio gramínea x leguminosa 9,7% da área de pastagem Fungo Metarizhium para controle de cigarrinha

9,1% da área de pastagens

Pacote de tecnologias pouquíssimo adotadas

Item Grau de adoção

Descompactação do solo 1,6% da área de pastagens Fertilização in vitro 0,71% do rebanho Inseminação por tempo fixo 0,64% do rebanho Transferência de embrião 0,43% do rebanho Irrigação 0% Alimentação com resíduo agrícola 0%

Nota: a síntese completa das respostas às questões é disponibilizada no Anexo 2.

A etapa seguinte exige que o produtor passe para um sistema intensivo, em que a fertilidade do solo é administrada. Com isso, as ações tomadas, paulatinamente devido aos custos elevados, são aquelas relativas ao solo e às forrageiras: adubação, calagem, diversificação de gramíneas, e ciclagem natural dos nutrientes via consórcio entre pastagem e lavoura. Neste novo momento os investimentos precisam ser feitos em bloco, pois uma tecnologia passa a depender de outra. Assim, por exemplo, uma solução menos cara para a recomposição do solo é a introdução de culturas anuais, que produzem alimento, que, por sua vez pode ser ensilado e estocado para a terminação do rebanho em sistema de

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confinamento (ou ser fornecido diretamente em cocheira), exigindo então investimento em infraestrutura de ensilagem e armazenamento. A esse ponto, o pecuarista passa administrar a fertilidade do solo e consegue ter uma oferta de massa verde superior em quantidade e qualidade àquela que teve nos primeiros anos da pastagem. Com isso, o melhoramento genético via inseminação artificial passa a figurar como opção rentável. Ao mesmo tempo, a cigarrinha se instala como problema recorrente, o que tem levado os proprietários a tentarem o controle biológico via fungo Metarizhium, mas sem muito sucesso. Ingressa-se, portanto, em uma etapa de maior integração com indústrias de fertilizantes, maquinário, fertilização, entre outras.

Dentre os itens que são apenas marginalmente utilizados, a descompactação do solo é o único visto pelos produtores como uma possibilidade para o futuro, sendo os demais excessivamente caros ou sem retorno suficientemente elevado para serem considerados.

Se por um lado estes resultados mostram que ainda há muito a se avançar mesmo em tecnologias relativamente simples, como o consórcio entre gramínea e leguminosas, eles também indicam que níveis substancialmente mais elevados de produtividade do que a média do estado podem ser obtidos com um esforço de intensificação que não é extraordinário. Percepção que é dividida pelos entrevistados, que estiveram 50% de acordo com a afirmação de que “a minha propriedade é a mais avançada da região em termos de tecnologia”. Ou seja, reconhecem que avançaram, mas sabem que há ainda um longo caminho pela frente.

Mas o que leva o pecuarista a intensificar?

Dentre os produtores entrevistados, 84% estiveram de acordo com a afirmação de que “a intensificação é inevitável”, mas apenas 27% de acordo com que “quem não intensificar será expulso do mercado em três anos”. Demonstraram, com isso, uma robusta compreensão de que, ao mesmo tempo em que não se poderá ficar para sempre na pecuária sem intensificar, esse processo não é necessariamente de curto prazo. Se é assim, por que então esses entrevistados decidiram desde já trilhar o caminho da intensificação? A explicação está na maneira como avaliaram duas outras afirmações: 82% estiveram de acordo com que “a intensificação aumenta a rentabilidade”, novamente um largo consenso, e avaliaram que a intensificação se paga em 4,7 anos, em média. Em decorrência disso, 91,7% dos entrevistados escolheram a segunda opção quando indagados se “no seu caso, faz mais sentido econômico expandir a produção abrindo nova área ou intensificando?” – uma absoluta maioria que entende que nos seus casos particulares a opção de intensificar é a melhor desde já. Por outro lado, quando questionados sobre os demais pecuaristas, os entrevistados se dividiram entre metade que esteve totalmente de acordo com que “ainda é possível expandir a produção abrindo nova área”, e metade que entendeu que isso já não é possível, para ninguém, desde 2004.

Um dos motivos para esse consenso de que a intensificação é inevitável é a exigência de qualidade por parte dos frigoríficos: os produtores estiveram 79% de acordo com que “o mercado (frigoríficos) está exigindo qualidade do produto”. Porém, a definição de qualidade não é consensual entre os produtores, o que se explica pelo fato de os frigoríficos utilizarem a exigência de qualidade muito mais como um mecanismo de regulação de oferta do que como um conjunto de padrões preestabelecidos e fixos. É claro que existem critérios de exclusão: ausência de resíduos de medicamentos, não utilização de resíduos de origem animal ou cama de aviários para alimentação, ausência de berne e de moscas. Mas o principal critério, o “estado geral do animal”, pode eventualmente garantir ao produtor um

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pequeno prêmio no preço da arroba, principalmente em épocas de falta de produto no mercado. Esse indicador de qualidade possui obviamente um componente subjetivo, mas pode também ser julgado objetivamente: o melhor animal é o que mais se aproxima de 255 Kg de peso de carcaça, 2 dentes, e 6 mm de capa de gordura. Já o rastreamento, que tem sido apontado como parte importante da solução para o desmatamento, não garante nenhum prêmio no preço nem é utilizado como critério de exclusão, motivo por que é completamente ignorado.

Qual é a principal barreira para a adoção de tecnologias?

O item mais mencionado pelos produtores é capital, seguido de crédito, e de uma forma específica de crédito – o de longo prazo. A falta de conhecimento foi pouco mencionada. De fato, 86% dos produtores estiveram de acordo com a afirmação de que “eu teria intensificado a produção muito mais se tivesse maior disponibilidade de capital”. Assim, para avaliar o potencial da oferta de crédito para a adoção de tecnologias, pedimos aos pecuaristas que avaliem a afirmação “entre crédito e capital próprio, utilizo a opção com menor custo”, com o que estiveram 66% de acordo, indicando que há, da parte de muitos produtores, preferência pelo investimento com capital próprio, independente do custo do crédito. Talvez por isso, ou talvez pela simples impossibilidade de tomarem crédito (a maior parte vê titulação e licença ambiental como as maiores barreiras), os entrevistados tenham feito, em média, 79% do investimento dos últimos dez anos com capital próprio.

A questão da preferência do pecuarista pelo capital próprio merece ser estudada de maneira mais aprofundada, pois caso seja realmente uma condição estrutural, a política pública deverá se adequar, dando preferência à redução dos preços dos insumos. Por outro lado, sem uma solução para o profundo problema das barreiras da titulação e da licença ambiental, não haverá a possibilidade de crédito rural em Rondônia, de forma que tanto a formalização agrária precisa avançar quanto o debate do Código Florestal precisa chegar a uma solução que tenha a mínima racionalidade do ponto de vista do produtor. Caso contrário, antes de obter a licença ambiental a absoluta maioria dos pecuaristas do estado irá à falência.

Quais são as implicações de tudo isso?

4. Novas hipóteses sobre a pecuarização na Amazônia

Nesta seção integramos os resultados acima à análise das narrativas dos pecuaristas para formular hipóteses sobre tendências que caracterizam a atual dinâmica da pecuária de corte no estado.

Hipótese 1: diversificação das fontes de renda dos pecuaristas

Dos doze produtores que entrevistamos, três estavam diretamente envolvidos com piscicultura, sendo um deles especializado na cria de alevinos, inclusive de camarão, e dois atuavam na engorda. Devido à crescente demanda no mercado de Manaus, a atividade está crescendo rapidamente em Rondônia, inclusive com incentivos dos governos estadual e Federal. Três possuíam agricultura mecanizada (tanto para consumo próprio em sistemas de confinamento quanto para comercialização no mercado), dois arrendavam parte de suas pastagens e quatro possuíam plano de manejo florestal em 23% da área total de suas

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propriedades. Essas atividades apresentam uma série de vantagens para os produtores: agregam fontes de renda relativamente seguras aos seus portfólios de investimento, ocupam pouca ou nenhuma terra e requerem pouca mão-de-obra.

Tais constatações poderiam parecer contraditórias com os resultados de Gasques et. al.

(2010), de que os sistemas agropecuários do estado sofreram uma forte especialização em pecuária entre os censos de 1995 e 2006 – o que fica evidente no Gráfico 4 acima –, mas não são. Em primeiro lugar, o movimento que verificamos é possivelmente mais recente do que 2006, e mesmo que não fosse, ele se dá dentro da pecuária de corte, de forma que pode coexistir com uma maior especialização dos sistemas agropecuários como um todo. Se essa hipótese vier a ser corroborada, ter-se-á que a pecuarização, em sua fase mais avançada, pode, em certa medida, atuar como fator dinamizador da economia rural.

Hipótese 2: os grandes pecuaristas não estão mais desmatando e mesmo assim estimulam o desflorestamento

Como? Empurrando a fronteira agropecuária via mercado de terras. Ao mesmo tempo em que o mercado de arrendamento de terras cresce em regiões consolidadas – principalmente em razão de maior segurança jurídica, mas também devido ao preço da terra –, com um dos entrevistados trabalhando apenas em terras de propriedade de terceiros, e dois arrendando parte de suas terras a terceiros, os entrevistados afirmaram que não abrem novas áreas desde 1998 e que dois terços da área atualmente aberta já haviam sido desflorestados quando adquiriram as propriedades. Esse tipo de declaração tem algum grau de viés para baixo, pois há uma impressão generalizada de que a fiscalização da legislação ambiental acontece por meio de métodos cada vez mais inovadores, inclusive, segundo um dos entrevistados, “com agentes da Polícia Federal disfarçados”. Apesar dessa ressalva, verificamos que a narrativa do fim do desmatamento na grande pecuária é consistentemente relatada por acadêmicos, políticos, consultores da área, entre outros.

Uma forma de testar essa hipótese é verificar as suas implicações. Suponhamos por um instante que os grandes pecuaristas de corte do estado realmente não tenham desmatado desde 1998. Nesse caso, o desmatamento verificado tem de ser atribuído à produção de menor escala. Como tipicamente a consolidação das propriedades pecuaristas se dá ainda na fase de fronteira agropecuária, bem antes da exaustão da fertilidade do solo, o desmatamento teria que estar concentrado em regiões de novas fronteiras agropecuárias. Para verificar se isso aconteceu, plotamos os dados do sistema PRODES (INPE) no mapa do estado de Rondônia, como na Figura 3. As áreas em rosa claro já estavam desmatadas em 1997, enquanto as áreas em vermelho escuro são desmatamentos recentes. Fica claro que o desmatamento esteve concentrado em alguns clusters, que correspondem a parte dos municípios de Costa Marques, Porto Velho, Nova Mamoré, Buritis, Campo Novo, Candeias, Cujubim e Machadinho do Oeste. Cada uma dessas localidades está ou esteve nos últimos dez anos em fase de fronteira agropecuária, quando há influxo de colonos pouco capitalizados e com baixa educação em busca de terras.

A vasta literatura na área de uso da terra na Amazônia tem se concentrado na primeira fase do processo de colonização de novas áreas: a fronteira agropecuária propriamente dita, também chamada de “fronteira especulativa” (Margulis, 2003). Essa categoria espaço-temporal seria constituída por municípios onde o processo de colonização está em sua fase inicial, de entrada líquida de imigrantes, consolidação de propriedades, e transição de lavoura para pecuária. No entanto, as áreas consolidadas são hoje uma importantíssima realidade da Amazônia, respeitada a heterogeneidade de situações tão distintas como, por

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exemplo, Ouro Preto (RO) e São Félix do Xingu (PA). Possuem uma dinâmica socioeconômica que se aproxima rapidamente daquela observada em localidades de médio / alto desenvolvimento do interior do país, seja em termos de infraestrutura, conectividade, ou desenvolvimento humano. No que concerne às áreas rurais, possuem particularidades que as distinguem claramente de regiões de colonização recente: uma agropecuária mais tecnificada, uma estrutura fundiária mais concentrada, e um maior grau de titulação de terras.

Figura 3. Mapa do desmatamento em Rondônia, 1997 e 2000 a 2010. Fonte: PRODES, INPE, com elaboração dos autores.

Os trabalhos mais influentes nesta área são o de Margulis (2003), que lançou as sementes da idéia de “fronteira consolidada”, e o de Rodrigues et. al. (2009), que identificaram sete categorias de municípios na Amazônia Legal que vão desde o estágio pré-fronteira até o pós-fronteira. A nosso ver, todavia, o ciclo de fronteira possui três fases, sendo que a primeira, mais parecida com a ideia tradicional de fronteira, se caracteriza por elevadas taxas de desmatamento. Nessa fase estão os agentes pioneiros, e é nela que se dá a consolidação fundiária. Na segunda fase chega a crise (possivelmente devido ao início da exaustão dos solos) e verificam-se taxas de desmatamento menores do que antes, porém ainda na média do estado. Trata-se, de qualquer forma, de um momento completamente novo, que ainda não foi abordado explicitamente na literatura. Esta fase está relacionada à ideia de crise de Rodrigues et. al., que não está presente em Margulis, mas que é fundamental para explicar a dinâmica socioeconômica da Amazônia. E a terceira etapa, que seria parecida com a fronteira consolidada de Margulis, ao menos quanto ao tipo de agente, caracteriza-se, na verdade, por baixo e decrescente desmatamento.

Mas qual seria a dinâmica do mercado de terras nas regiões de agropecuária consolidada?

No momento pós-fronteira estariam as propriedades que foram analisadas neste trabalho. O que se espera é que propriedades desse tipo venham a pressionar o mercado de terras por duas vias: adquirindo (arrendando) as terras de seus vizinhos menos eficientes, que

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poderão migrar a uma região de fronteira para começar novamente, ou vendendo (arrendando) as suas terras a um vizinho mais eficiente e migrando a uma região de nova fronteira. Em ambos os casos há uma clara interligação entre a dinâmica da região consolidada e a da região pioneira. Com isso, os grandes proprietários passariam a estimular o desmatamento indiretamente, via mercado de terras.

Por que não haveria uma terceira opção, de realizar novo desmatamento na área de pós-fronteira? Primeiro, porque a disponibilidade de florestas é relativamente baixa. Segundo, porque se trata de produtores capitalizados, com custo de oportunidade elevado, os quais, portanto, tendem a evitar o risco da fiscalização ambiental. Finalmente, em terceiro lugar, porque a infraestrutura de fiscalização do estado – comarca da justiça Federal, diferentes polícias, veículos, estradas transitáveis, etc – é muito superior em áreas consolidadas.

As diversas narrativas que registramos nas entrevistas corroboram essa dinâmica. Em trabalho posterior, aprofundaremos esta hipótese e testaremos as suas implicações de forma mais sistemática frente às diversas fontes de dados secundários disponíveis.

Hipótese 3: o processo de difusão tecnológica se dá em duas etapas: intra e inter-porteiras

Os produtores têm bom conhecimento sobre a lista de tecnologias que apresentamos na Tabela 3, apesar de não necessariamente estarem preparados para aplicá-las da forma adequada e no momento correto. Nunca se está 100% seguro de que o investimento em determinada tecnologia será a melhor opção, mesmo havendo evidência dos campos de experimentação da Embrapa de que o retorno é garantido. Sempre haverá, portanto, um elemento de incerteza quando se adota uma nova tecnologia, especialmente quando se trata de novidades.

Esse processo de tentativa e erro, que se dá necessariamente dentro da propriedade, é mais propenso a ter lugar em propriedades grandes e capitalizadas, com maior disposição a assumir riscos. Trata-se de um aprendizado intra-porteiras, que acontece no dia-a-dia da propriedade. Uma vez que um dado produtor passa a dominar certa tecnologia, essa informação é disseminada por meio de conversas, encontros em palestras e seminários, visitas às propriedades vizinhas. A dispersão do conhecimento gerado intra-porteiras é feita via redes sociais, num processo inter-porteiras.

A proposição que decorre desta hipótese é que as redes sociais são fatores cruciais para a disseminação tecnológica, de forma que a política pública deve incluir mecanismos de aproximação entre agentes heterogêneos.

Hipótese 4: o produtor só começa a intensificar quando não pode mais aumentar o tamanho da propriedade e quanto a produtividade começa a cair

Quais são as motivações dos entrevistados para estarem na atividade pecuária? É apenas o lucro? Dentre os entrevistados, 41% estiveram de acordo com a afirmação de que “estão na atividade pecuária apenas pelo retorno financeiro”. Quando indagados sobre as motivações não econômicas, mencionaram paixão, vocação, realização, prazer e afinidade (segundo um deles, “é ‘bão’ ver os bichinhos gordinhos”). Dentre os fatores econômicos, mencionaram o baixo risco do investimento, o fato de que funciona como uma poupança, e a baixa exigência de mão-de-obra. Note-se que a ideia de poupança é a de reserva de valor

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(estática), que não necessariamente se confunde com especulação (dinâmica). Além disso, os entrevistados estiveram 41% de acordo com a afirmação de que “estão na atividade pecuária apenas pelo retorno financeiro”, o que indica que fatores não econômicos têm papel importante (9 dos 12 entrevistados são filhos de agricultores).

No contexto de motivações que extrapolam a maximização do lucro, procuramos entender qual é a sequência de decisões que leva o pecuarista a intensificar a produção. Fazendo isso, chegamos à conclusão de que a hipótese de Boserup (1965) se aplica perfeitamente à história da colonização em Rondônia. Em um primeiro momento, a regra de decisão do colono é simplesmente a maximização da quantidade de terras, independente do lucro esperado no curto prazo: dada a ausência de investimentos alternativos, a única forma de acumular riqueza é investir em terra, e o colono acredita que, no longo prazo, isso sempre dá retorno. Uma vez que acumula uma quantidade de terras tal que a sua capacidade futura de cultivo fica completamente comprometida, ele passa a investir na formação da propriedade. No caso da pecuária, isso significa a derrubada da floresta, plantação da pastagem, cercamento e construção de curral. Para uma maioria de colonos com baixíssima dotação de capital, esse é um processo lento e caro.

Para ter um fluxo de renda, o colono deve investir na aquisição de rebanho ao mesmo temo em que forma a propriedade. À medida que os investimentos fixos diminuem, ele começa a aumentar rapidamente o rebanho, até o limite dado pela capacidade natural de lotação de suas pastagens. Nesse ponto, ele adota um sistema de pastejo rotacionado e continua a aumentar o rebanho.

Atingida novamente a capacidade máxima de lotação, e havendo uma taxa de lucro razoável, o pecuarista cessa os investimentos e passa a realizar lucros para pagar o investimento feito inicialmente. Quando a maior parte das propriedades está neste ponto, está terminando a fase da fronteira agropecuária. Normalmente, a etapa seguinte seria uma nova rodada de aquisição de terras, mas antes que isso possa acontecer a lotação começa a cair e o pecuarista se vê obrigado a intensificar a produção se quiser permanecer nessas terras, ou a migrar para uma nova área de fronteira. É o momento da crise, ou da transição. Os proprietários que decidem permanecer e intensificar se encontrarão, em alguns anos, em uma região de agropecuária consolidada. Os demais arrendarão ou venderão as suas terras e migrarão para outras atividades ou regiões.

A consequência desta dinâmica é que o mercado de terras em áreas de transição e consolidadas irá forçar o desmatamento na fronteira, que tende a acontecer com mais facilidade devido à dificuldade de fiscalização e ao baixo custo de oportunidade dos agentes. O que se deve fazer para frear o avanço da fronteira, portanto, é (1) desestimular o surgimento de regiões de fronteira (que geralmente sucedem projetos de reforma agrária), (2) estimular a criação de empregos em áreas consolidadas, e (3) aumentar a fiscalização em áreas de fronteira para desestimular o desmatamento onde ele de fato acontece.

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5. Conclusões

Este estudo analisou a pecuária de corte em Rondônia, as suas trajetórias tecnológicas e sua relação com o desmatamento. O estado é campeão na Amazônia e no Brasil tanto em pecuarização quanto em redução de desflorestamento: a relação rebanho/desmatamento cresceu mais do em que qualquer outro estado. Se supusermos que a parcela do desmatamento que se transforma em pastagens ficou relativamente constante na última década, teremos que a sustentabilidade da pecuária de Rondônia avançou consideravelmente desde aproximadamente 2004.

Com relação à produtividade, apesar de problemas de mensuração, notadamente da área de pastagens, é possível dizer que houve um ganho de pelo menos 50% em dez anos, até 2006/2007. Os dados do IBGE indicam isso e os dados precisos de uso da terra do INPE mostram que o IBGE superestima a área de pastagem, de forma que a produtividade é maior do que o que apontam as estatísticas do Censo Agropecuário. Além do mais, as principais estimativas de produtividade tendem a subestimar o verdadeiro valor. As medidas zootécnicas, que têm rebanho no denominador, permanecerão consistentemente abaixo do valor verdadeiro se o rebanho não for constante no tempo. Já as medidas que possuem área de pastagem no denominador dificilmente conseguem captar, em seus numeradores, a totalidade da produção que tem lugar nas pastagens – criação de outras espécies de bovídeos e outras atividades econômicas.

Com base nas observações acima, pode-se sugerir que o ganho em sustentabilidade tenha decorrido do aumento da produtividade da pecuária. Para fundamentar essa asserção, estudamos os aspectos microeconômicos da intensificação produtiva na elite da pecuária de corte do estado. Realizamos, para isso, entrevistas aprofundadas com doze pecuaristas em nove municípios e com seis técnicos e acadêmicos da área.

Identificamos dois padrões tecnológicos que vêm sendo adotados e um terceiro que é conhecido, porém pouquíssimo utilizado, em parte devido aos custos elevados e em parte devido ao retorno incerto. O primeiro pacote é composto de tecnologias que permitem ao pecuarista passar de um sistema de pastejo contínuo a um rotacionado: tratores, herbicidas, sais proteinados, e melhoramento genético via monta por touro. O segundo conjunto de tecnologias é o que leva o pecuarista a um sistema intensivo, em que a fertilidade do solo passa a ser administrada. Para isso, utilizam-se calagem, adubação, diversificação de gramíneas, consórcio com leguminosas, inseminação artificial, confinamento, entre outras. Já as tecnologias que são apenas marginalmente utilizadas, com exceção de produtores altamente capitalizados, incluem métodos avançados de fertilização animal, irrigação, e descompactação do solo.

Em geral, a transição de um sistema tradicional para um sistema intensivo acontece quando o pecuarista já não tem outras opções para continuar na pecuária de corte. Inicialmente, a intensificação visa apenas a manter a lotação constante, pois a exaustão dos nutrientes do solo a faz declinar. Num segundo momento, a pecuária se torna realmente intensiva e o pecuarista passar a determinar a lotação ótima de acordo com a relação entre custos e benefícios marginais.

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A pecuária em regiões consolidadas, de colonização antiga, pouco desmata. Isso se deve à menor oferta de áreas florestadas, ao maior custo de oportunidade dos pecuaristas, cujas propriedades já possuem muitas benfeitorias, e à existência de melhor infraestrutura de policiamento e fiscalização. No entanto, a pecuária nessas localidades estimula o desmatamento em outras regiões via mercado de terras: por serem menores os custos de transação (maior segurança jurídica), cresce o mercado de arrendamento, o que pode aumentar a demanda por pastagens. Com isso, pecuaristas com menor custo de oportunidade tendem a migrar à fronteira, onde há mais florestas e menos fiscalização, e desmatar.

Em paralelo ao crescimento do mercado de arrendamento, há indícios de que pode estar havendo um movimento de diversificação das fontes de renda dentro do setor pecuarista, por exemplo, com piscicultura e manejos florestais sustentáveis. Assim, se houve especialização em pecuária na economia do campo entre os dois últimos Censos Agropecuários, pode estar havendo uma nova dinamização do setor rural, com raízes dentro da pecuária. Será útil que se reúnam mais evidências para testar esta hipótese.

Tem-se, portanto, que à medida que a fronteira agropecuária se consolida, a pecuária tende a se modernizar. Esse movimento, junto com o surgimento de novas fronteiras, devido a programas de reforma agrária do INCRA – e, possivelmente, à mão-de-obra que migra às usinas do Rio Madeira –, produz diferentes dinâmicas espaço-temporais no interior dos movimentos maiores de pecuarização e de aumento da sustentabilidade. Em áreas de fronteira, o processo é conhecido: chegada de colonos com baixo custo de oportunidade, elevado desmatamento, pecuária tradicional. Em seguida, há um momento de transição, quando o pecuarista deve optar entre intensificar, migrar para nova fronteira ou sair da atividade. Há novamente redução do desflorestamento, pois aumentam o custo de oportunidade e a fiscalização. Finalmente, a etapa pós-fronteira é de reduzido desmatamento, pecuária intensiva e mercado de terras mais dinâmico.

No que se refere à análise do estado como um todo, feita na seção 2, as conclusões deste trabalho derivam dos melhores dados agregados disponíveis e de um banco de dados de toda a pecuária do estado que nos foi disponibilizado pela Agência de Defesa Agrosilvopastoril de Rondônia. Estão, portanto, menos sujeitos a vieses. Já as conclusões relativas às dinâmicas tecnológica e espaço-temporal da pecuária de corte derivam de estatísticas descritivas e da análise das narrativas de uma amostra de doze pecuaristas do estado. Neste caso, apesar da possibilidade de se checar a robustez dos resultados quantitativos por meio da análise qualitativa (que se presta melhor ao estudo aprofundado de um número menor de observações), o reduzido tamanho da amostra faz com que as conclusões devam ser tomadas como preliminares apenas.

Caso estes resultados preliminares venham a ser confirmados em estudos subsequentes, as implicações serão as seguintes. Em primeiro lugar, a clássica teoria da fronteira agropecuária precisará ser revista para incorporar a dinâmica do pós-fronteira. Em segundo lugar, os mecanismos que levam a pecuária em áreas consolidadas a diversificarem as suas fontes de renda, gerando uma nova dinâmica agropecuária, precisarão ser elucidados. No que tange à política pública, as barreiras à capitalização dos produtores, que impedem a aceleração do processo de intensificação, precisarão ser removidas; as duas mais importantes são a baixa titulação e as dificuldades de adaptação ao código florestal. Além do mais, as redes sociais precisarão assumir lugar de maior destaque na política de

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disseminação tecnológica para que a intensificação venha a ser adotada por produtores com menor disposição à tomada de risco.

Finalmente, há dois assuntos que não abordamos aqui e que podem vir a ter repercussões sobre os resultados reportados. O primeiro e mais importante é o papel da pecuária leiteira na procura por pastagens. A demanda por leite estimula o crescimento do rebanho de vacas, que por sua vez faz crescer a oferta de animais para a pecuária de corte. A inter-relação entre esses sistemas é certamente fator relevante para explicar tanto a dinâmica tecnológica dos sistemas animal-pastagem quanto o desmatamento. Por último, o papel do fator “conhecimento”, ou de seu componente aplicado, “capacitações”, deverá ser melhor explorado. Apesar de os pecuaristas pouco terem mencionado este assunto, os técnicos e acadêmicos o enfatizaram como um dos principais determinantes da intensificação (ou falta dela), mostrando que há um gap de percepção sobre o papel que tem o domínio correto das técnicas e tecnologias.

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Referências bibliográficas

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Anexos

1. Municípios amostrados na pesquisa de campo

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2. Estatísticas de síntese dos dados coletados

Item Unidade

Medida de

síntese Valor

Características Arrendada? 0 / 1 média 8,33% gerais da

propriedade Ano de aquisição do primeiro lote

média 1994

Área total Hectare mediana 1453

Área pastagem Hectare mediana 1125,00875

Área pastagem % da área total média 69,67%

Área pastagem degradada % da área de pastagem média 1,87%

Área pastagem afetada por cigarrinha % da área de pastagem média 40,86%

Área plano de manejo % da área total média 9,33%

Área total mata % da área total média 33,73%

Área silvicultura % da área total média 0,47%

Espécies

Castanheira, eucalipto, teca, Ingazinho, Ipês, Nim, Tamarindo, Sumaúma, Mogno, Aroeira, Cerejeira

Área silagem % da área total média 0,69%

Culturas Cana, sorgo, milho

Área lavoura % da área total média 0,76%

Culturas Cana, lapiê verde e roxo – para ração vegetal do animal sem silagem

Rebanho bovino total Cabeças mediana 5932

Rebanho voltado para leite % do rebanho total média 10,91%

Tecnologia Calagem % da área de pastagem média 18,89% correção de

solos

Adubação (fósforo, nitrogênio, potássio, magnésio? Análise de solo?) % da área de pastagem média 23,06%

Descompactação do solo % da área de pastagem média 1,61%

Fixação de nitrogênio com leguminosas: consórcio gramínea x leguminosa % da área de pastagem média 9,70%

Comentario Leguminosa: Estilosante, variedade Campo Grande; aduba a pastagem inteira a cada 2 anos.

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Item Unidade

Medida de

síntese Valor

Manejo de

pastagem Redimensionamento de piquetes? 0 / 1 média 63,64%

Numero atual de piquetes unidades média 32,40

Tamanho médio dos piquetes Hectare média 55,56

Voisin 0 / 1 média 0,00%

Destocamento de pastagens % da área de pastagem média 44,45%

Irrigação % da área de pastagem média 0,00%

Diferimento: vedamento de pastagem no final da estação de crescimento para uso na seca % da área de pastagem média 44,36%

Cerca elétrica % das cercas média 12,82%

Comentario Sobra de capim, pois a terra é de excelente qualidade, na fazenda de Edgar do Boi, em PVH

Recuperação Rotacionamento pastagem x lavoura % da área de pastagem média 0,61% de pastagem

degradada Fungo Metarrizo para controle biológico da cigarrinha % da área de pastagem média 9,09%

Diversificação da pastagem com espécies variadas de gramíneas % da área de pastagem média 16,91%

Espécies Tifton, B. humidicola, B. Brizantha e Mombassa ou Colonião (Panicun maximum)

Roçada para limpeza de pastos % da área de pastagem média 75,42%

Uso de herbicidas para limpeza de pastos % da área de pastagem média 68,00%

Suplementação

alimentar Semi-confinamento: sais minerais em cocheiras no pasto % do rebanho média 100,00%

Semi-confinamento: rações vegetais no pasto % do rebanho média 10,00%

Confinamento: rações vegetais fora do pasto % do rebanho média 17,33%

Alimentação com resíduo agrícola (casca de café, entre outras) % do rebanho média 0,00%

Melhoramento genético Inseminação artificial % do rebanho média 12,75%

Monta por touro % do rebanho média 75,25%

Transferência de embrião (TE) % do rebanho média 0,43%

Inseminação por tempo fixo (IATF) % do rebanho média 0,64%

Fertilização in vitro (FIV) % do rebanho média 0,71%

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Item Unidade Medida de síntese Valor

Macro-gestão Plano de manejo 0 / 1 média 36,36%

da propriedade Silvicultura 0 / 1 média 27,27%

Sistema de integração lavoura-pecuária 0 / 1 média 18,18%

Outros tipos de criame Carneiros, búfalos, galinhas, suínos, piscicultura

Aquisição de maquinário 0 / 1 média 77,78%

Contratação de consultoria 0 / 1 média 83,33%

De que tipo? veterinário, zootécnico, agrônomo. Frequência? Técnicos revendedores da indústria agropecuária, agrônomos, veterinários e zootecnistas privados, Embrapa

Gado com brinco 0 / 1 média 54,55%

De que tipo? Rastreamento? Mosca ou contabilidade

Perguntas para

discussão

Avalie a seguinte afirmação: a minha propriedade é a mais avançada da região em termos de tecnologia. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 5,00

Entre expandir a produção intensificando e abrindo nova área, avalia que ainda é possível optar pela segunda opção? 0 / 1 média 45,45%

Se não, desde quando isso não é mais possível? ano média 2004

No seu caso, faz mais sentido econômico optar pela primeira ou pela segunda opção? Intensificando = 1 média 91,67%

Qual das tecnologias acima avalia que tem maior resultado econômico? Sequência, manejo, genética, alimentação

Qual tem o pior retorno? Inseminação artificial, fungo Mettarizhium, confinamento

Qual é a maior barreira para a adoção de tecnologias?

Capital, crédito, crédito de longo prazo, conhecimento

De que forma aprende sobre novas tecnologias? Redes sociais, palestras de associações, estudo, contratação de técnicos

A intensificação aumenta a rentabilidade? 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 8,21

Em quanto tempo a intensificação se paga? Anos média 4,72

Titulação Escritura pública Número de lotes média 91,11%

Características Reside em área urbana ou rural? Urbana = 1 média 90,91%

do proprietário De que estado veio? PR, RS

Veio de área urbana ou rural?

Apenas 1 de área urbana

Por que e para quê veio a RO? Começar a vida, adquirir terras

Grau de escolaridade Anos de estudo média 12,00

Atividades econômicas atuais Número média 1,83

Atividades econômicas dos pais 9 eram agricultores

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Item Unidade

Medida de

síntese Valor

Crédito e

capitalização

Avalie a seguinte afirmação: o crédito rural é de fundamental importância para a minha propriedade. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 6,36

Qual é a maior barreira para a obtenção de crédito rural?

Titulação, licença ambiental

Em relação aos proprietários que conheço, tenho elevada disponibilidade de capital próprio para investimento. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 4,55

Só faço investimento rural com capital próprio. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 5,23 Entre crédito e capital próprio, utilizo a opção com melhor retorno (menor custo). 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 6,59 Nos últimos dez anos, que % do investimento foi feito com recursos próprios?

% do investimento média 79,09%

Eu teria intensificado a produção muito mais se tivesse maior disponibilidade de capital (próprio ou crédito). 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 8,61

Perguntas

para discussão

Estou na atividade pecuária apenas pelo retorno financeiro que me dá. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 4,09

Se não é apenas por isso, por que outros motivos? Paixão, vocação, realização, prazer, afinidade (é bão ver os bichinhos gordinhos)

O mercado (frigoríficos) está exigindo qualidade do produto. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 7,95

Como define qualidade? 255 Kg carcaça, 2 dentes, 6 mm gordura, ausência de resíduos de medicamento, não uso de resíduos origem animal, não uso cama de frango, capão, sem moscas, sem berne

A intensificação é inevitável. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 8,41 Quem não intensificar será expulso do mercado nos próximos 3 anos. 0, 2.5, 5, 7.5, 10 média 2,73

Comentário Fatores econômicos relevantes são: segurança (poupança), dá retorno com pouca demanda de mão-de-obra e de tempo, baixo risco

Funcionários Número de funcionários fixos na fazenda unidades mediana 13,30

Número de funcionários fixos na fazenda com carteira assinada unidades mediana 12,80

Número de funcionários sazonais no período de um ano unidades mediana 16,50