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Sermões Por João Calvino

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Sumário

Breve Apresentação ............................................................................................. 3

1º Sermão sobre a Paixão de Cristo: Jesus no Getsêmani ...................................... 4

2º Sermão sobre a Paixão de Cristo: A Oração e Prisão de Jesus no Getsêmani ... 16

3º Sermão sobre a Paixão de Cristo: A Condenação de Jesus Cristo ..................... 28

4º Sermão sobre a Paixão de Cristo: Pedro e Judas............................................. 40

5º Sermão sobre a Paixão de Cristo: O Julgamento de Jesus ............................... 52

6º Sermão sobre a Paixão de Cristo: A Crucificação............................................. 64

7º Sermão sobre a Paixão de Cristo: A Suficiência da Morte de Cristo Para Nossa

Salvação ............................................................................................................ 75

8º Sermão sobre a Paixão de Cristo: Sepultamento e Ressurreição de Jesus Cristo

......................................................................................................................... 87

A Ressurreição de Jesus Cristo ........................................................................... 99

A Doutrina da Eleição ....................................................................................... 109

O Mistério da Piedade ...................................................................................... 119

Gloriando-Se Somente na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo ............................ 128

A Pura Pregação da Palavra de Deus ................................................................ 141

A Palavra de Deus, Nossa Única Regra.............................................................. 149

Referências dos Textos deste Volume: .............................................................. 157

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Breve Apresentação

João Calvino (1509 – 1564) além de ser um dos mais importantes teólogos reformados de todos

os tempos, é um dos maiores representantes da Reforma Protestante do século XVI, tendo

sistematizado o Protestantismo Reformado em suas Institutas da Religião Cristã, sua principal

obra teológica. Nas Institutas, Calvino esboçou os fundamentos da Fé Protestante e apresentou

os padrões doutrinais da Reforma. Surpreendentemente, começou esta obra aos vinte e cinco

anos, apenas um ano depois de sua conversão; tendo sido publicada pela primeira vez quando

ele tinha vinte e seis anos. Sua vida, desde a sua conversão, até a sua morte, embora estivesse

constantemente enfermo, foi de intenso labor como pastor, pregador, administrador, professor

e escritor; no que demonstrava ardor pelo avanço do Evangelho, buscando oferecer a Deus um

coração “pronto e sincero”.

Sobre este valente Reformador C. H. Spurgeon diz: “Ele propôs a verdade com mais clareza

do que qualquer outro homem que já existiu, teve mais conhecimento da Escritura, e a explanou

de forma mais nítida”.

“Também vos notifico, irmãos, o evangelho que já vos tenho anunciado; o qual também rece-

bestes, e no qual também permaneceis. Pelo qual também sois salvos se o retiverdes tal como

vo-lo tenho anunciado; se não é que crestes em vão. Porque primeiramente vos entreguei o

que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi

sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1 Coríntios 15:1-4). Estes

Sermões de Calvino tratam exatamente da Essência do Evangelho de nossa Salvação: Cristo,

Sua morte, Paixão, os frutos de Seu amor derramado na Cruz por Seu amado povo eleito, Seu

sepultamento e Sua ressurreição bendita; afirmam a centralidade e suficiência das Escrituras

para a vida dos Cristãos e na Pregação; e nos conclamam a nos gloriarmos somente na Cruz

de Jesus Cristo! Quando tal instrumento nas mãos do Senhor se propõe a tratar do tema mais

sublime, é nossa sabedoria atentarmos para suas considerações.

Somos gratos a Deus por este presente volume que contém todos os Sermões pela pena deste

estimado Reformador que Deus já nos concedeu traduzir. Esperamos que Deus abençoe a

leitura destes escritos, e que um dos seus efeitos seja aquele constantemente anelado pelo

autor, a saber, que “prostremo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus”.

A Deus seja todo o louvor pelo que Ele fez por nós!

Sola Gratia! Solus Christus! Soli Deo Gloria!

William Teixeira e Camila Almeida

EC, 17 de outubro 2015

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1º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

Jesus no Getsêmani

“Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus

discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. E, levando consigo Pedro e

os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito. Então

lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui, e velai

comigo. E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando

e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como

eu quero, mas como tu queres.” (Mateus 26:36-39)

Quando a Escritura nos fala sobre a nossa salvação, ela nos propõe três objetivos. Um

deles é que nós reconheçamos o amor inestimável que Deus demostrou por nós, para que

Ele seja glorificado por nós como Ele merece. Outro objetivo é que tenhamos tal abomi-

nação por nosso pecado como é apropriado, e que tenhamos vergonha o suficiente para

nos humilhar diante da majestade do nosso Deus. O terceiro objetivo é que valorizemos a

nossa salvação, de tal maneira que nos faça abandonar o mundo e tudo que diz respeito a

esta vida frágil, e que sejamos muito felizes com essa herança que foi adquirida para nós

a tal preço.

Sobre isso é que devemos fixar a nossa atenção e aplicar às nossas mentes quando for

mencionado para nós como o Filho de Deus nos redimiu da morte eterna e adquiriu para

nós a vida celestial. Devemos, então, em primeiro lugar aprender a dar a Deus o louvor que

Ele merece. De fato, Ele era bem capaz de nos resgatar das profundezas insondáveis da

morte de outra maneira, mas Ele quis mostrar os tesouros da Sua infinita bondade, quando

Ele não poupou Seu único Filho. E nosso Senhor Jesus, nesta questão, quis nos dar uma

garantia segura do cuidado que Ele tem por nós, quando Ele ofereceu-Se voluntariamente

à morte. Pois, nós nunca seremos profundamente tocados nem estimulados para louvar

nosso Deus, a menos que, por outro lado, examinamos a nossa condição, e vejamos que

estamos tão afundados no inferno, e saibamos o que é ter provocado a ira de Deus e tê-lO

como inimigo mortal e um juiz tão terrível e espantoso que seria muito melhor se o céu e a

terra e todas as criaturas conspirassem contra nós do que nos aproximarmos de Sua

majestade enquanto Ele não está favorável a nós. Por isso, é muito necessário que os

pecadores estejam com o coração partido com um sentimento e uma compreensão de suas

faltas, e que eles necessariamente saibam que são piores do que miseráveis, para que eles

possam ter um horror de sua condição, a fim de que desta maneira eles possam saber o

quanto eles estão endividados e obrigados a Deus, que Ele teve compaixão deles, que Ele

os vê em desespero, e que Ele foi gentil o suficiente para ajudá-los; não porque Ele vê neles

qualquer dignidade, mas apenas porque Ele olha para sua miséria. Agora, o fato é que

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também (como já dissemos), estamos rodeados por muitas coisas aqui em baixo e que,

quando Deus nos chamou a Si mesmo fomos segurados por nossas afeições e cobiça, por

isso é necessário valorizar a vida celestial como ela merece, para que saibamos a quão

grande custo ela foi comprada para nós.

E é por isso que está aqui narrado para nós que o nosso Senhor Jesus Cristo não só esteve

disposto a sofrer a morte e ofereceu a Si mesmo como sacrifício para apaziguar a ira de

Deus, Seu Pai, mas, a fim de que Ele seja real e totalmente nossa garantia, Ele não Se re-

cusou a arcar com as agonias que estão preparadas para todos aqueles cujas consciências

os desaprovam e que sentem-se culpados de morte eterna e condenação diante de Deus.

Notemos bem, então, que o Filho de Deus não Se contentou apenas em oferecer a Sua

carne e sangue, e submetê-los à morte, mas Ele quis em medida completa comparecer pe-

rante o tribunal de Deus, Seu Pai, em nome e pessoa de [...] pecadores, estando, então,

pronto para ser condenado, na medida em que Ele carregou o nosso fardo. E não precisa-

mos mais ter vergonha, uma vez que o Filho de Deus Se expôs a tal humilhação. Não é

sem motivo que São Paulo nos exorta ao seu exemplo de não ter vergonha da pregação

da cruz; por mais tolo que possa ser para alguns e uma pedra de tropeço para muitos. Pois,

quanto mais nosso Senhor Jesus Se humilhou, mais nós vemos que as ofensas com as

quais estamos em dívida para com Deus não poderiam ser abolidas a menos que Ele fosse

humilhado até o último grau. E, de fato, sabemos que Ele foi feito fraco, a fim de que fôsse-

mos fortalecidos pela Sua virtude, e que Ele está disposto a arcar com todos os nossos so-

frimentos, exceto o pecado, para que hoje Ele possa estar pronto para nos ajudar. Pois se

Ele não tivesse sentido em Sua Pessoa os medos, as dúvidas e os tormentos que sofremos,

Ele não seria tão inclinado a ser misericordioso para conosco, como Ele é. Diz-se que um

homem que não sabe o que é fome nem sede não será movido pela compaixão ou humani-

dade para com aqueles que passam por isso, pois ele sempre teve a vida fácil e viveu em

seus prazeres. Agora, é verdade que Deus, embora em Sua natureza não carregue nenhu-

ma das nossas paixões, não deixa de ser humano em relação a nós, porque Ele é a fonte

de toda bondade e misericórdia. No entanto, a fim de que possamos ter a certeza de que o

nosso Senhor Jesus conhece nossas fraquezas, a fim de aliviar-nos delas, e que possamos

chegar muito mais corajosamente a Ele e possamos falar com Ele mais familiarmente, o

Apóstolo diz que por causa disso Ele estava disposto a ser tentado como nós.

Assim, então, temos que perceber no texto que lemos que, quando o Senhor Jesus veio a

este vilarejo do Getsêmani, e até mesmo no monte das oliveiras, que isso era para oferecer

a Si mesmo como um sacrifício voluntário. E em que Ele quis cumprir o ofício e a carga que

estavam destinados a Ele. Pois, por que Ele assumiu nossa carne e natureza, a não ser

para reparar toda a nossa revolta por meio de Sua obediência, adquirir para nós a justiça

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plena e perfeita diante de Deus, Seu Pai? E ainda Ele chegou a apresentar-Se para a morte,

porque não podemos ser reconciliados nem podemos apaziguar a ira de Deus, que tinha

sido provocada pelo pecado, a não ser por Sua obediência.

Esta, então, é a razão pela qual o Filho de Deus veio corajosamente para o lugar onde Ele

sabia que Judas iria encontrá-lo. E, assim, nós sabemos que era necessário, uma vez que

o nosso pai Adão, por sua rebelião, arruinou a todos nós, que o Filho de Deus, que tem o

controle soberano sobre todas as criaturas, deve submeter-Se e assumir a condição de

servo, como também Ele é chamado tanto um Servo de Deus e de todos os Seus. E é

também por isso que São Paulo, mostrando que devemos ter algum apoio para invocá-lO

em plena confiança de que seremos ouvidos como Seus filhos, diz que pela obediência de

nosso Senhor Jesus Cristo, somos reconhecidos como justos. Pois, isso é como um manto

que cobre todos os nossos pecados e ofensas, de modo que algo que poderia nos impedir

de obter a graça não é levado em conta diante de Deus.

Mas, por outro lado, vemos que o preço de nossa redenção foi muito caro, quando o nosso

Senhor Jesus Cristo está em tal agonia que Ele sofre os terrores da morte, de fato, até que

o suor seja como gotas de sangue pela qual Ele está, por assim dizer, fora de si, orando,

que se fosse possível que Ele pudesse escapar de tal aflição. Quando vemos isso, é o

suficiente para nos trazer ao conhecimento de nossos pecados. Não há possibilidade de

embalar-nos para dormir aqui por lisonja quando vemos que o Filho de Deus está

mergulhado em tal extremidade que parece que Ele está na profundidade do abismo. Se

isso tivesse acontecido apenas para um homem justo, poderíamos ser tocados, é claro,

porque era necessário que um pobre inocente padecesse por nosso resgate como aconte-

ceu com o Filho de Deus. Mas aqui está Aquele que é a Fonte da Vida, Quem Se sujeita à

morte. Aqui está Aquele que sustenta todo o mundo pelo Seu poder, Quem foi feito fraco a

este ponto. Aqui está Aquele que livra as criaturas de todo o medo, Quem tem que passar

por tal horror. Quando, então, é declarado para nós que seria algo tolo, se cada um de nós

não meditarmos sobre isso, e, não revoltássemos contra nossas falhas e iniquidades, não

tivéssemos vergonha diante de Deus, suspirando e gemendo, e até mesmo se por esses

meios não fôssemos levados a Deus com arrependimento verdadeiro.

Agora é impossível que os homens tornem-se retamente convertidos a Deus a menos que

eles estejam condenados em si mesmos e que tenham reconhecido o terror e a agonia da

maldição que está preparada para eles, a menos que eles sejam restaurados pela graça de

Deus. Mas, novamente, para melhor compreender o todo, é dito que o nosso Senhor Jesus

levou apenas três dos seus discípulos e deixou a companhia dos outros apóstolos há uma

boa distância, e novamente, Ele não levou os três por todo o caminho com Ele, mas orou a

Deus, Seu Pai, em segredo.

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Quando vemos isso, devemos notar que o nosso Senhor Jesus não tinha companheiro

quando ofereceu a Si mesmo como um sacrifício por nós, mas sozinho Ele completou e

cumpriu o que foi necessário para a nossa salvação. E mesmo que seja novamente melhor

indicado para nós, quando os discípulos dormem, e nem sequer podem ser despertados,

ainda que já houvessem sido avisados tantas vezes que a hora se aproximava em que nos-

so Senhor Jesus teria de sofrer pela redenção da humanidade, e que Ele lhes havia exorta-

do por três ou quatro horas, nunca deixando de declarar-lhes que a Sua morte se aproxima-

va. Por mais verdadeiro que tudo fosse, eles não deixam de dormir. Nisto é mostrado para

nós como em um retrato vívido de que era necessário que o Filho de Deus suportasse nos-

sos fardos, pois Ele não poderia esperar outra coisa. E isso é a fim de que nossa atenção

seja fixada de forma a não vaguear em pensamentos, como vemos os pobres incrédulos

que não podem fixar a sua atenção sobre o nosso Senhor Jesus Cristo, mas que imaginam

que eles devem ter protetores e defensores, como se houvesse muitos redentores. E nós

vemos até mesmo as blasfêmias que são a regra neste perverso Papado, que os méritos

dos santos são invocados para ajudar a morte e a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo,

para que, desta forma, sejamos libertados e absolvidos diante de Deus. Mesmo se houves-

se, dizem eles, a remissão geral, tanto quanto a culpa do pecado original, bem como de

nossos próprios pecados; ainda assim deve haver uma mistura e o sangue de Jesus Cristo,

não é suficiente se não for complementado com o sangue dos mártires, e nós devemos ter

o nosso refúgio neles, a fim de ter o favor de Deus. Quando o Diabo tem, assim, se soltado

devemos muito mais estar vigilantes para que nos apeguemos ao nosso Senhor Jesus

Cristo, sabendo que somente nEle encontraremos a plena perfeição da salvação. E é por

isso que é dito, nomeadamente, pelo profeta Isaías que Deus ficou maravilhado, vendo que

não havia nenhuma ajuda em qualquer outro lugar.

Agora, é verdade que Deus bem sabia que somente Ele deveria aperfeiçoar a nossa salva-

ção, mas é para que possamos nos envergonhar, e que não sejamos hipócritas como se

nós trouxéssemos alguma coisa para ajudar na remissão dos nossos pecados e fazer com

que Deus nos receba em Sua graça e amor, para que não corramos de um lado para o

outro para encontrar mediadores. Então, que tal ideia possa ser banida, diz-se que Deus

tem usado o seu próprio braço, e que Ele já completou tudo por Sua justiça, e Ele não

encontrou ninguém para ajudá-lo. Ora, isso é declarado para nós com extrema clareza

quando se diz que três dos discípulos, aqueles que eram a flor entre todos, estavam dor-

mindo lá como pobres feras e que não havia nada mais do que a estupidez brutal neles, o

que é uma monstruosidade contra a natureza ver que eles dormiam em um momento tão

fatal. Em seguida, a fim de que a nossa confiança seja afastada de todas as criaturas e que

seja totalmente centrada em nosso Senhor Jesus Cristo, se diz que Ele avançou para o

combate. Além de se dirigir a Deus, Seu Pai, Ele também nos mostra o remédio para nosso

alívio de todas as nossos agonias, para amenizar nossas dores, e até mesmo para nos

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elevar acima delas, mesmo que estejamos, por assim dizer, afundados sob elas. Pois se

estamos perturbados e em agonia, sabemos que Deus não é chamado em vão de Pai da

Consolação. Se, então, nós estamos separados de Deus, onde vamos encontrar a força, a

menos que seja nEle? Vemos, no entanto, que Ele não quis Se poupar quando precisamos

dEle. Por isso, é o Filho de Deus que nos conduz por Seu exemplo ao verdadeiro refúgio

quando estamos em sofrimento e agonia.

Entretanto, observemos também a forma de oração que Ele usa: “Pai, se é possível, afasta

de mim esse cálice”, ou esta bebida, pois é uma figura de linguagem quer Ele fale de uma

taça ou de um copo, porque a Escritura chama as aflições de bebidas amargas, a fim de

que possamos saber que nada acontece por acaso, mas que Deus como um pai de família

distribui a cada um de seus filhos a sua parte, ou como um mestre aos seus servos, assim,

Deus mostra que é dEle e por Sua mão que eles são açoitados e aflitos, e também quando

recebemos as coisas boas, que elas procedem de Sua imerecida bondade amorosa e Ele

nos dá o tanto quanto Ele quer nos dar. Agora de acordo com esta forma de proceder,

nosso Senhor Jesus diz que a morte é para Ele uma bebida tão amarga que Ele preferiria

que fosse tirada dele, isto é, “se fosse possível”. É verdade que se poderiam levantar aqui

muitas perguntas, pois isso poderia parecer que por um instante Jesus Cristo esquecera a

nossa salvação, ou, ainda pior, que abandonando a luta Ele quis nos entregar a um estado

de perdição por conta do terror que Ele sentiu.

Agora, isso não estaria de acordo com o que dissemos. E até mesmo o amor que Ele nos

mostrou seria muito obscurecido. Mas não temos de entrar em qualquer disputa tão sutil,

porque sabemos que o sofrimento, por vezes, arrebata tanto o espírito de um homem que

ele não pensa em nada; mas ele está tão pesaroso pelo sofrimento presente que ele deixa

isso derrubá-lo e não se importa com os meios para poder restaurar a si mesmo. Quando,

então, estamos, temporariamente fora de nós mesmos isso não quer dizer que todo o resto

é completamente apagado de nossos corações e que não temos afeto. Como, por exemplo,

aquele que vai pensar em alguma aflição da Igreja, especialmente uma aflição particular,

vai orar a Deus como se o resto do mundo fosse para ele como nada. Agora isso quer dizer

que ele se tornou desumano e que ele não se preocupa com seus irmãos que também têm

necessidade de que ele ore por eles? Não por isso, mas é que esse sentimento arrebata-o

com tal veemência que ele se esquece de todo o mais por um tempo.

Até mesmo Moisés pediu para ser retirado do livro da vida. Se quiséssemos criar polêmicas

sobre isso diríamos que Moisés está blasfemado contra Deus por falar como se Ele fosse

mutável. Pois aqueles a quem Deus escolheu para a vida eterna nunca podem perecer.

Assim, parece que Moisés luta aqui contra Deus e que ele quer fazer dEle alguém à nossa

semelhança, cujo conselho e fala muda com frequência. E então que honra ele dá a Deus

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quando ele sabe que é um de Seus eleitos, e ele sabe que Deus o havia marcado desde a

infância a ser comprometido com uma carga tão excelente como ser um líder de Seu povo

e ainda assim ele pede para ser, por assim dizer, rejeitado e exterminado por Deus? E a

que isso leva? Pode-se, então, discutir muito. Mas a solução é fácil, em que Moisés, com

um zelo tão ardente pela salvação das pessoas, vendo também a ameaça terrível que Deus

havia pronunciado com a boca, esquece a si mesmo por um pouco de tempo e por um mi-

nuto, apenas pede que ele possa ajudar seu povo. Para este estado de espírito, nosso Se-

nhor Jesus tinha sido levado. Pois, se tivesse sido necessário que Ele sofresse uma cente-

na de mortes, até mesmo um milhão, é certo que Ele teria sido preparado ante-riormente.

Mas porque que Ele quis, não tanto por Si como por nós, suportar as agonias que O

mergulharam até aquele ponto, como vemos.

Agora para complementar. Se alguém perguntar como Jesus Cristo, que é inteiramente jus-

to, que foi o Cordeiro sem mancha, e quem tem sido ainda a regra e espelho de toda a justi-

ça, santidade e perfeição, tem uma vontade contraditória à de Deus; a resposta para isso

é que Deus tem em Si mesmo toda a perfeição da retidão, enquanto que os anjos, por mais

que estejam em conformidade com a vontade de Deus e sejam totalmente obedientes a

Ele, no entanto, têm uma vontade independente. Pois, por mais que sejam criaturas, eles

podem ter afeições que não pertencem por direito a Deus. Quanto a nós, que estamos

cercados por essa massa de pecado, estamos tão sobrecarregados que estamos longe da

vontade de Deus, pois em todos as nossas afeições há algum excesso, há ainda a rebelião

manifesta muitas vezes. Mas se considerarmos o homem na sua integridade, ou seja, sem

esta corrupção do pecado, mais uma vez, é certo que ele terá suas afeições à parte de

Deus, e ainda assim eles não vão por conta disso ser viciosos. Como quando Adão ainda

não havia se pervertido, mas permanecia na propriedade e condição em que ele havia sido

criado, aconteceu que ele sentia tanto o quente quanto e frio, e ele teve de suportar tanto

ansiedades quanto medos e coisas semelhantes.

Foi assim que aconteceu com o nosso Senhor Jesus Cristo. Sabemos que em todos os

seus sentimentos Ele não tinha nem mancha e nem defeito, que em tudo Ele foi governado

por obediência a Deus, mas ainda assim Ele não estava impedido (porque Ele tomou a

nossa natureza) de ser exposto tanto ao temor, e este horror de que é agora falado, quanto

a ansiedades, e coisas semelhantes. Nós não somos capazes de perceber isso em nós

mesmos, como que em águas turbulentas, alguém não consegue distinguir nada. Assim,

os afetos humanos nos fazem ir de um lado para o outro para nos dar essas emoções que

precisam ser contidas por Deus. Mas, como os homens, sendo descendentes de Adão, são

como um lamaçal, onde há mais e mais infecção misturada a ponto de não podermos

contemplar o que esta paixão do nosso Senhor Jesus Cristo deve ter sido, se a julgarmos

pela nossa própria pessoa. Pois, mesmo se tivermos um bom objetivo e uma afeição

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correta, em si, e aprovada por Deus, ainda assim, sempre falta algo. Não é uma coisa boa

e santa, quando um pai ama seus filhos? E aí pecamos novamente. Pois não há nisto regra

ou moderação, como é exigido. Pois, quaisquer virtudes que haja em nós, Deus nos mostra

vícios nelas a fim de que todo o orgulho possa ser mais humilhado e que tenhamos ainda

mais ocasião para inclinar nossas cabeças, até estarmos constrangidos com vergonha, já

que até mesmo o bem é corrompido pelo o pecado que habita em nós e do qual estamos

excessivamente cheios.

Além disso, na medida em que nosso Senhor Jesus Cristo está em causa (como já disse-

mos) não devemos nos surpreender se Ele tinha (na medida em que Ele era homem) uma

vontade diferente da de Deus Pai, mas por conta disso não devemos julgar que aqui houve

qualquer vício ou transgressão nEle. E mesmo nisso (como já observamos) vamos ver o

amor inestimável que Ele carregava por nós quando a morte era para Ele tão terrível e, no

entanto, Ele se submeteu a ela por Seu próprio prazer. E mesmo que Ele não tivesse tido

qualquer repugnância a ela, e mesmo que sem relutância Ele provasse do cálice, sem sentir

qualquer amargura, que tipo de redenção teria sido essa? Pareceria como se tivesse sido

apenas uma brincadeira, mas quando aconteceu que o nosso Senhor Jesus Cristo suportou

tais agonias foi um sinal de que Ele nos amou a tal ponto que Ele esqueceu até de Si próprio

e sofreu toda a tempestade que caiu sobre Sua cabeça, a fim de que pudéssemos ser

libertos da ira de Deus.

Agora ainda falta notar que quando o Filho de Deus agonizava de tal maneira, isso não era

porque Ele teve que deixar o mundo. Pois, se tivesse sido apenas a separação do corpo da

alma, com os tormentos que ele teve que suportar em Seu corpo, isso não O teria levado a

tal ponto. Mas é preciso observar a qualidade da sua morte e até mesmo rastrear sua ori-

gem. Pois a morte não é apenas para dissolver o homem, mas para fazê-lo sentir a maldição

de Deus. Além do fato de que Deus nos leva para fora deste mundo e que somos aniquila-

dos no que diz respeito a esta vida, a morte é para nós uma entrada, por assim dizer, para

o abismo do inferno. Nós estaríamos alienados de Deus e destituídos de toda a esperança

de salvação, quando é falado de morte para nós, a menos que tenhamos esse remédio, a

saber, que o nosso Senhor Jesus Cristo a suportou por nossa causa, a fim de que agora, a

ferida que estava ali não será fatal. Pois, sem Ele nós estaríamos tão assustados com a

morte que não haveria mais esperança de salvação para nós, mas agora o aguilhão dela é

quebrado. Mesmo o veneno é tão purificado que a morte ao nos humilhar, serve hoje como

remédio e não é mais fatal, agora que Jesus Cristo bebeu todo o veneno que estava nela.

Isto, então, é o que devemos ter em mente, que o Filho de Deus ao clamar: “Meu Pai, se é

possível, passe de mim este cálice”, considera não apenas o que Ele tinha que sofrer em

Seu corpo, nem a desgraça dos homens, nem o fato de deixar a terra (pois isso foi fácil

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para Ele), mas Ele considerou que estava diante de Deus e diante do Seu trono judicial

para responder por todos os nossos pecados, para ver ali todas as maldições de Deus que

estão prontas para cair sobre nós. Pois, mesmo que haja apenas um único pecador, o que

seria a ira de Deus? Quando se diz que Deus é contra nós, que Ele quer mostrar o Seu

poder para nos destruir, ai! onde estamos, então? Ora, era necessário que Jesus Cristo

lutasse não somente contra tal terror, mas contra todas as crueldades que alguém poderia

infligir. Quando, então, vemos que Deus convoca todos aqueles que têm merecido a conde-

nação eterna e que são culpados de pecado e que Ele está lá para pronunciar a sentença,

como eles têm merecido, quem não conceberia em plena medida todas as mortes, dúvidas

e terrores que poderiam estar em cada um? E que profundidade haverá nisso! Agora era

necessário que o nosso Senhor Jesus Cristo, por Si mesmo, sem ajuda sustentasse tal

fardo. Então, julguemos o sofrimento do Filho de Deus por sua verdadeira causa. Voltemos

agora ao que nós já discutimos, isto é, que em um aspecto, podemos perceber o quão cara

a nossa salvação foi para Ele e quão preciosas eram as nossas almas para Ele, quando

Ele esteve disposto a ir a tal extremo por amor de nós; e sabendo o que merecíamos

olhemos para o que teria sido a nossa condição se não tivéssemos sido resgatados por Ele.

E ainda nos alegremos pelo fato de a morte não tem mais poder sobre nós que possa nos

ferir. É verdade que sempre estamos naturalmente temendo a morte e fugindo dela, mas

ela nos faz pensar nesse benefício inestimável que foi adquirido para nós pela morte do

Filho de Deus. Isto é, a fim de fazer-nos sempre considerar o que é a morte em si mesma,

como ela envolve a ira de Deus, e é, por assim dizer, o abismo do inferno. Além disso,

quando temos que lutar contra esse medo devemos saber que nosso Senhor Jesus Cristo

proveu por todos aqueles medos para que, em meio à morte, possamos estar diante de

Deus com as cabeças erguidas.

É verdade que nós temos que nos humilhar diante de todas as coisas, como já disse, isso

é muito necessário, a fim de que odiemos os nossos pecados e estejamos descontentes

conosco mesmos para sermos tocado pelo juízo de Deus, para nos assombrarmos com

ele. Contudo, temos de levantar a cabeça quando Deus nos chama para Si mesmo. E esta

é também a coragem que é dada a todos os crentes! Assim, vemos que São Paulo diz,

Jesus Cristo preparou uma coroa para todos aqueles que esperam por Sua vinda [veja 2

Timóteo 4:8]. Se, então, não temos mais esperança de vida ao vir perante o Juiz celestial,

é certo que seremos rejeitados por Ele e que Ele não nos conhecerá, até mesmo nos

negará, por mais que professemos o Cristianismo.

Agora, não podemos realmente esperar por nosso Senhor Jesus Cristo, a menos que

tenhamos entendido e estivermos convencidos de que Ele assim lutou contra os terrores

da morte, e que, no entanto, estamos libertos deles e que a vitória foi obtida para nós. E

mesmo que nós tenhamos que lutar para nos fazer sentir a nossa enfermidade, para nos

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fazer procurar refúgio em Deus, sempre, para nos conduzir a uma verdadeira confissão de

nossos pecados, para que apenas o próprio Deus seja justo, ora, é verdade que temos a

certeza que Jesus Cristo tanto combateu que conquistou a vitória não para Si mesmo, mas

para nós, e não devemos duvidar de que por meio dEle podemos agora superar todas as

ansiedades, todos os medos, todas os desânimos e que podemos invocar a Deus, sendo

assegurados que sempre Ele tem Seus braços estendidos para nos receber para Si mesmo.

Isto, então, é o que devemos considerar: para que saibamos que não é um ensinamento

especulativo que o nosso Senhor Jesus suportou os terrores horríveis da morte, porquanto

Ele sentiu que estava lá diante do nosso Juiz e Ele era a nossa Garantia, de modo que hoje

podemos em virtude de Sua luta, vencer sobre toda a nossa enfermidade e persistir

constantemente invocando o nome de Deus, não duvidando em nenhum momento que Ele

nos ouve, e que em Sua bondade Ele está sempre pronta para nos receber para Si mesmo

e que, por isso significa que vamos passar por ambas, a vida e a morte, através da água e

do fogo, e vamos sentir que não é em vão que o nosso Senhor Jesus lutou para conquistar

essa vitória para todos aqueles que vêm a Ele pela fé. Isso é, então, em uma palavra, o

que temos que ter em mente.

Entretanto, agora, vemos como devemos lutar contra nossas paixões, e se não o fizermos,

é impossível para nós movermos um dedo pelo que não provocaremos em plena medida a

ira de Deus. Pois, contemplem o nosso Senhor Jesus Cristo, que é puro e íntegro, como já

declarado. Se alguém perguntar qual era a Sua vontade, é verdade que era fraca como a

vontade de um homem, mas não era viciosa como a vontade daqueles que estão corrom-

pidos em Adão, pois não havia uma única mancha de pecado nEle. Eis, então, um homem

que está isento de todos os vícios. Mas, por mais que seja assim, ainda é necessário que

Ele esvazie a Si mesmo e que Ele se esforce ao limite e que, finalmente, renuncie a Si

mesmo, e que Ele coloque tudo isso sob os pés, para render obediência a Deus, Seu Pai.

Vejamos agora o que será de nós. Quais são as nossas paixões? E os nossos pensamen-

tos? Todos esses são inimigos que lutam contra Deus, como diz São Paulo. Aqui Deus

declara que somos totalmente perversos e que tudo o que o homem pode imaginar, é ape-

nas falsidade e vaidade. Mesmo a partir de nossa infância, mostramos que estamos envol-

tos na infecção completa do pecado. Filhinhos vindos ao mundo, embora tragam malícia

aparente, nem sempre deixam de ser pequenas serpentes cheias de veneno, malícia e

desprezo. Nisto nós realmente percebemos o que está em nossa natureza, mesmo desde

o início. E quando nos tornamos de idade, o que somos, então? Somos (como já disse) tão

maus que nós não sabemos como conceber um único pensamento que não é maldoso, e

ao mesmo al que se rebela contra Deus, de modo que não sabemos se nos aplicamos a

isto ou aquilo, uma vez que sempre nos desviamos da verdadeira norma, mesmo se não

chegarmos a um confronto com Deus de uma forma provocativa. Que luta, então, é neces-

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sária para atrair-nos de volta para o bem! Quando vemos que o nosso Senhor Jesus, em

quem não havia nada além de sinceridade e retidão, teve que ser sujeito a Deus Seu Pai,

até mesmo a renunciar a Si mesmo, não é importante que nós devamos nos entregar intei-

ramente a Ele?

Então, aprendamos a lutar mais bravamente. Entretanto, vendo que não somos capazes —

e que todos os nossos poderes e faculdades tendem para o mal e que não temos uma única

partícula de bem em nossa natureza e que há uma tal fraqueza que seríamos vencidos uma

centena de vezes a cada minuto — venhamos Àquele que Se fez fraco para que possamos

ser preenchidos com o Seu poder, como diz São Paulo. Em seguida, assim é que, então, o

nosso Senhor Jesus Cristo renunciou a Si mesmo, para que possamos aprender a fazer o

mesmo, se quisermos ser Seus discípulos. Vendo que não somos capazes por si mesmos

para termos sucesso nisso, mas que sempre tendemos a ir pelo caminho errado, oremos

para que pela virtude do Seu Espírito Santo Ele possa nos governar e nos fazer fortes.

Como se diz, Ele sofreu na fraqueza de Sua carne, mas em virtude do Seu Espírito Ele foi

ressuscitado dentre os mortos, a fim de que sejamos participantes da luta que Ele sofreu e

que nós possamos perceber o efeito e a excelência de Seu poder em nós. Este, então, em

resumo, é o que temos que lembrar quando se diz que Cristo renunciou toda a Sua vontade,

a fim de submeter-Se totalmente a Deus, Seu Pai.

Outrossim, temos sempre que lembrar que o Filho de Deus não veio aqui propor a Si mesmo

para ser apenas um exemplo e um espelho, mas Ele quer nos mostrar quão cara a nossa

salvação Lhe custou. Pois, o Diabo, desejando obscurecer a infinita graça de Deus que foi

mostrada a nós em nossa redenção, disse que Jesus Cristo foi apenas, por assim dizer, o

modelo de todas as virtudes. Contemplem como os fingidos lamuriosos em toda a visão

Papal o balbuciam. Não somente eles não sabem como deduzir o que a obediência é, nem

o que é autorrenúncia, mas eles dizem, o que o escritor do Evangelho diz de Jesus Cristo

é a fim de que possamos imitá-lO e para que sejamos conformados com Ele. Agora isso é,

com certeza, alguma coisa, mas não é tudo, nem mesmo a coisa principal. Pois, um anjo

poderia muito bem ter sido enviado para que pudéssemos tê-lo imitado, enquanto Jesus

Cristo foi o Redentor do mundo, e submeteu-se, e foi objeto por Sua livre e espontânea

vontade dessa condição tão miserável, como vemos aqui. Devemos sempre reconhecer

que não encontramos nada em nós que possa nos dar esperança de salvação. E, portanto,

devemos buscar nEle o que nos falta. Pois nós nunca podemos obter a graça de Deus, nem

nos aproximarmos dEle a menos que chegamos a Jesus Cristo como pobres mendigos, o

que não pode ser feito até que tenhamos reconhecido a nossa pobreza e a nossa misera-

bilidade, em resumo, que nos falta tudo.

Isto, então, é o que temos que ter em mente a fim de que, depois de ter ouvido que toda a

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perfeição da nossa vida é tornar-nos obedientes a Deus, e depois renunciar nossas afei-

ções e pensamentos e toda a nossa natureza para estarmos de acordo com Ele, também

depois de ter ouvido que devemos pedir a Deus o que nós não possuímos, saibamos que

o nosso Senhor Jesus Cristo nos é dado não apenas como um exemplo, mas Ele plenamen-

te declarou-nos que se estamos separados dEle nossa vida necessariamente é maldita e

quando na morte vemos a profundidade de miséria, que veremos o poço da ira de Deus

pronto a nos engolir e que não seremos apreendidos com um único terror, mas com um

milhão, e que todas as criaturas clamam por vingança contra nós. Portanto, temos de sentir

tudo isso, então, a fim de reconhecermos os pecados, e gemermos, e sermos constrangidos

em nós mesmos, e que tenhamos um desejo e a coragem de vir a Deus com uma verdadei-

ra humildade e arrependimento, e que devemos apreciar a bondade e a misericórdia de

nosso Deus, como está visto aqui e que devemos abrir a boca para dar-Lhe um sacrifício

de louvor, e que devemos nos afastar das artimanhas de Satanás, que tem suas redes

espalhadas para nos manter no mundo, e que nós também deixemos nossas conveniências

e nossos confortos, a fim de aspirar a essa herança que foi comprada para nós a tal preço.

E desde que no próximo Dia do Senhor receberemos a Santa Ceia, e porque Deus, depois

de ter aberto para nós o Reino dos Céus, apresenta-nos aqui um banquete espiritual para

que sejamos ainda mais tocados por este ensinamento: De fato, quando nós comemos e

bebemos diariamente para reestabelecermos nossas forças, Deus declara suficientemente

para nós que Ele é o nosso Pai e que Ele cuida de nossos frágeis corpos terrestres, de mo-

do que não se pode comer um pedaço de pão sem ter o testemunho de que Deus cuida de

nós, mas, na Ceia do Senhor há uma razão especial. Porque Deus não enche nossos estô-

magos nela, mas Ele nos transporta para o Reino dos Céus. Ele coloca diante de nós o

nosso Senhor Jesus, seu Filho por comida e bebida. Jesus Cristo não está satisfeito apenas

em receber-nos em Sua mesa, mas Ele quer ser em todos os aspectos a nossa comida.

Ele nos faz sentir pelo efeito que Seu corpo é verdadeiramente carne para nós e Seu san-

gue, bebida. Quando, então, vemos que o nosso Senhor Jesus nos convida tão gentilmente

a Ele, não devemos ser o pior dos vilões, se não nos afastarmos daquilo que nos afasta

dEle? E mesmo que nós venhamos arrastando os pés, não fiquemos tristes por causa de

nossos vícios, a fim de nos aproximarmos de Deus e nos comprometermos na medida em

que será possível para nós, a nos separarmos deste mundo e aspirarmos ao Reino dos

Céus.

Então, que cada um observe que benefício a Santa Ceia deve conferir a nós. Pois vemos

que o nosso Senhor Jesus nos chama a Ele para participar da Sua morte e paixão, que

devemos desfrutar do benefício que Ele adquiriu para nós e, por isso, significa que devemos

estar totalmente certos de que Deus declara que somos Seus filhos e que nós podemos

reivindicá-lO abertamente como nosso Pai. Tragamos uma fé verdadeira sabendo por quê

nosso Senhor Jesus foi enviado por Deus Pai, e o que o Seu oficio é, e como Ele ainda

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hoje é o nosso Mediador como Ele sempre foi. Além disso, vamos buscar nos aproximar

tanto dEle, que isso possa ser dito não apenas para cada um de nós, mas para todos em

geral. Tenhamos concordância mútua e fraternidade entre nós, uma vez que Ele sofreu e

suportou a condenação que foi pronunciada por Deus Pai sobre todos nós. Por isso, vamos

apontar para isso, e deixar que cada um venha aqui não só por si mesmo (como já

dissemos), mas tente chamar a nossos companheiros para Ele, e deixe-nos assim exortar

uns aos outros sobre como caminhar firmemente, observando sempre que a nossa vida é

como uma estrada que deve ser trilhada até o fim, e que não devemos nos cansar no meio

do caminho, antes vamos nos aproveitar muito em nosso no dia a dia, e vamos nos dar ao

trabalho de nos aproximar daqueles que estão fora da estrada; que esta seja toda a nossa

alegria, a nossa vida, a nossa glória e contentamento, e deixe-nos ajudar uns aos outros

assim até que Deus nos congregue totalmente para Si mesmo.

Agora, prostremo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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2º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

A Oração e Prisão de Jesus no Getsêmani

“E, voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos; e disse a Pedro:

Então nem uma hora pudeste velar comigo? Vigiai e orai, para que não entreis em

tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca. E, indo segunda

vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber,

faça-se a tua vontade. E, voltando, achou-os outra vez adormecidos; porque os

seus olhos estavam pesados. E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira vez,

dizendo as mesmas palavras. Então chegou junto dos seus discípulos, e disse-lhes:

Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será

entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, partamos; eis que é chegado o

que me trai. E, estando ele ainda a falar, eis que chegou Judas, um dos doze, e com

ele grande multidão com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos

sacerdotes e pelos anciãos do povo. E o que o traía tinha-lhes dado um sinal,

dizendo: O que eu beijar é esse; prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, disse:

Eu te saúdo, Rabi; e beijou-o. Jesus, porém, lhe disse: Amigo, a que vieste? Então,

aproximando-se eles, lançaram mão de Jesus, e o prenderam.” (Mateus 26:40-50)

Vimos nesta manhã como o Filho de Deus, tendo que sustentar uma luta tão difícil quanto

o comparecer perante o tribunal de Deus Seu Pai para receber sentença de condenação

como a nossa segurança, foi fortalecido pela oração. Pois, era necessário que a fraqueza

humana aparecesse nEle, e Ele não retirou nada de Sua Divina majestade, quando Ele

teve, tão abatido até ao pó, realiza a nossa salvação. Agora, temos que observar que não

foi apenas uma vez que Ele orou. Por meio disso vemos que, por Seu exemplo Ele nos

exortou a não desfalecermos se não somos ouvidos tão logo quanto desejamos. Assim,

aqueles que perdem a coragem quando o nosso Deus não responde ao seu primeiro anelo

mostram que eles não sabem o que é orar. Pois, a regra certa para encontrar o nosso refú-

gio em Deus envolve perseverança. Assim é que o principal exercício de nossa fé é a ora-

ção. Ora, a fé não pode existir sem espera. Não é possível para Deus ceder-nos logo que

abrimos nossas bocas e formamos o nosso pedido. Mas é preciso que Ele demore e que

Ele nos deixe definhar, muitas vezes, para que possamos saber o que é invocá-lO com sin-

ceridade e sem pretensão, para que possamos declarar que a nossa fé é tão fundamentada

sobre a Palavra de Deus que ela nos verifica como uma rédea para que possamos ter

paciência para suportar até o momento oportuno para que nos venha a ajuda. Notemos

bem, então, que o nosso Senhor Jesus Cristo não orou a Deus Pai uma única vez, mas que

Ele retornou a isso uma segunda vez.

Além disso, temos que considerar o que já observamos, ou seja, saber que o nosso Senhor

Jesus não formou aqui qualquer oração trivial, mas Ele esteve, por assim dizer, disposto a

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deixar de lado todas as considerações egoístas. Aquele que é o poder de Deus Pai, por

Quem o mundo inteiro é sustentado, no entanto, porquanto Ele teve de mostrar-Se um ho-

mem fraco, tomando o nosso lugar, estando ali em nosso lugar; Ele declarou, quando Ele

assim reiterou a Sua oração que não era como um espetáculo que a fez (assim muitas pes-

soas profanas imaginam que, quando Jesus Cristo apareceu, Ele não sofreu nada), mas foi

para que pudéssemos ser ensinados, que não podemos escapar da mão de Deus e de Sua

maldição, exceto por este meio. Agora, aqui é declarado a nós (como foi esta manhã) que

o nosso Senhor Jesus foi esmagado até o limite, até mesmo na medida em que o fardo que

Ele havia recebido seria insuportável, a menos que o poder invencível do Espírito de Deus

houvesse operado nEle. Não devemos pensar que a linguagem foi supérflua quando Ele

repetiu as mesmas palavras. Pois, é dito em outro trecho, que em oração a Deus, não de-

vemos usar um longo murmúrio, como aqueles que acreditam que por muito falar recebem

muito mais, o que não implica que não devemos continuar em nossas orações, mas isto é

tributar a hipocrisia e superstição dos que creem em romper os tímpanos de Deus (usando

uma maneira de falar) para convencê-lO do que eles querem. Assim podemos ver, como

essa tolice tem prevalecido no mundo! Mais uma vez, quantos existem entre nós que usam

essa magia, como muitos que não dizem mais do que a sua Ave Maria, a quem parece que

eles ganharam um grande acordo cada vez que eles dizem Oração do seu Senhor, e que

Deus considerará todas as suas palavras em que eles se envolvem quando oram! Agora,

eu chamo isso de uma verdadeira feitiçaria. Pois, eles miseravelmente profanam a oração

que nos foi dada por nosso Senhor Jesus Cristo, na qual Ele incluiu em um breve resumo

tudo o que podemos pedir a Deus e o que é lícito que desejemos ou peçamos.

No entanto, isso não implica que se um homem está esmagado em agonia, ele não deve

retornar muitas vezes a Deus, e que quando ele estiver suspirando não deve recomeçar, e

repetir a oração de novo imediatamente. Supondo que nós chegamos a ela, sem ambição

e sem exibição e, em seguida, não temos nenhuma ideia de termos ganhado nada pelo

nosso balbuciar, mas um querido sentimento nos impele, então nós temos a verdadeira per-

severança, semelhante à de nosso Senhor Jesus Cristo. Agora há este artigo a notar, como

já dissemos, que a principal coisa em todas as nossas orações é que Deus deve controlar-

nos a tal ponto que há um acordo de nossa parte para estarmos de acordo com a Sua boa

vontade. Isso certamente é necessário para nós. Eis que o nosso Senhor Jesus Cristo, ape-

sar de que todas as suas afeições eram justas, santas e conformadas com a justiça, no en-

tanto, na medida em que Ele era homem natural, ainda assim, Ele teve que lutar contra a

agonia e tristeza que poderiam tê-lO esmagado e Ele teve que manter-Se cativo sob a obe-

diência a Deus Seu Pai. Como será conosco, que não temos nada, senão malícia e rebelião

e que somos tão corrompidos que não sabemos como aplicar os nossos sentidos ao que

quer que seja? Será que Deus não será totalmente ofendido? Desde que é assim, aprenda-

mos a orar a Deus para que nos mantenhamos em constante autoexame para que ninguém

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possa conceder a si mesmo como aquele que está acostumado a seguir seus próprios

apetites. Mas deixe-nos saber que lucraremos muito, sendo capazes de manter-nos cativos,

a fim de que Deus seja completamente o nosso Mestre.

É também uma frase notável quando nosso Senhor Jesus diz aos Seus discípulos, “Vigiai

e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é

fraca” [Mateus 26:41]. Ele mostrou aqui, então, que o principal estímulo que deve nos incitar

a clamar a Deus é que temos que lutar, que nossos inimigos estão perto, e que eles são

fortes, e que não seremos capazes de resistir a eles sem que sejamos ajudados e socorri-

dos a partir do alto, e que Deus peleje por nós. Ora, nós sabemos que quando o homem

está seguro, ele pede apenas para que sejam concedidos todos os seus confortos e para

dormir em paz. Pois, nós não aceitamos voluntariamente a ansiedade ou a melancolia, a

menos que a necessidade as faça vir sobre nós. Pois, ter certeza é um bem soberano para

ter descanso, ou então estaríamos sempre cansados. No entanto, é muito necessário que

a necessidade nos pressione a sermos vigilantes. Nosso Senhor Jesus, então, não sem

motivo, declara que temos que suportar muitas agitações. Pois, o que é dito apenas uma

vez aos Seus discípulos pertence a todos nós, em geral, uma vez que em nossa vida deve-

mos estar sempre prontos para encontrar muitas tentações. Porque o Diabo é o nosso ini-

migo perpétuo, se nós somos membros de nosso Senhor Jesus Cristo. Haverá, então, uma

guerra aberta, sem findar e sem cessar.

Então, observemos com que tipo de inimigo nós temos que lidar. Não é apenas um, mas o

número é infinito. Além disso, o Diabo tem um grande número de meios para fazer-nos cair;

agora ele ataca abertamente, agora ele planeja em secreto, e por astúcia ele terá nos sur-

preendido cem mil vezes antes que tenhamos pensado sobre isso. Quando é somente, co-

mo diz São Paulo, que nossos inimigos são poderes que habitam no ar sobre as nossas

cabeças, e que somos aqui como pobres minhocas que apenas rastejam abaixo, isso certa-

mente deve nos levar a estarmos preocupados. Como também São Pedro alega esta razão,

que o nosso inimigo é como um leão que ruge, procurando a quem possa devorar, e que

nunca descansa. Isso é o que devemos observar na palavra de nosso Senhor Jesus, que

devemos estar atentos para que não entremos em tentação. Além disso, apesar de estar-

mos vigilantes, embora tenhamos muito cuidado, contudo podemos não estar livres do Dia-

bo levantar-se contra nós ou de sermos assaltados por ele em muitas e de diversas manei-

ras. Não conseguimos, portanto, repelir os golpes para longe. Porém antes de entrarmos

em combate, devemos estar atentos para que não sejamos mergulhados em tentação.

Aprendamos, então, que embora os crentes e filhos de Deus desejem ter descanso, não

devemos desejar estar à vontade aqui. Mas, que seja suficiente para eles que Deus aper-

feiçoa o Seu poder em sua fraqueza, como também São Paulo diz que ele teve que passar

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por isso. Esta é, eu digo, a condição de todos os filhos de Deus: batalhar neste mundo, por-

que eles não podem servir a Deus sem oposição. Mas, apesar de que eles são fracos, em-

bora eles possam ser impedidos, até mesmo muitas vezes abatidos, eles podem se con-

tentar em ser ajudados e socorridos pela mão de Deus, e eles podem sempre se apoiar

nesta promessa, a saber, que a nossa fé será vitoriosa sobre todo o mundo. Mas também,

a solução proposta para nós é que lutemos. Estejam certos de que Satanás está sempre

produzindo novos meios para nos atacar, mas Jesus Cristo também nos ordena a vigiar.

Além disso, Ele mostra que aqueles que presumem de sua própria força serão conquistados

por Satanás cem mil vezes antes de que obtenham uma única vitória. O que é necessário,

então? Que, confessando com toda a humildade que não podemos fazer nada, nos ache-

guemos ao nosso Deus.

Aqui, então, estão as nossas armas reais. É Ele quem nos tira todo o medo e terror. É Ele

quem pode conceder-nos segurança e determinação, para que até o fim permaneçamos

sãos e salvos, ou seja, quando clamamos a Deus. Como Salomão diz: “Torre forte é o nome

do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio” (Provérbios 18:10).

Também diz o profeta Joel: “O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que

venha o grande e terrível dia do Senhor. E há de ser que todo aquele que invocar o nome

do Senhor será salvo” [Joel 2:31-32]. Isso é especialmente aplicado ao reino de nosso Se-

nhor Jesus Cristo, a fim de que possamos estar totalmente convencidos de que, embora a

nossa salvação possa estar, por assim dizer, em suspenso, e, ainda assim possamos ver,

por assim dizer, mil perigos, contudo Deus sempre nos manterá em Sua proteção, e sinta-

mos que Seu poder está sempre perto de nós, e pronto para nos ajudar, desde que o procu-

remos, pela oração da boca e do coração. Isso, então, em resumo é o que temos que

lembrar. A fim de que possamos ser melhor confirmados nesta doutrina, notemos que o

nosso Senhor Jesus ao orar não apenas invocou a Deus por Si mesmo e para seu próprio

benefício, mas Ele dedicou todos os nossos pedidos e orações para que eles sejam santos

e que Deus os aprove e os considere aceitáveis. Como diz no capítulo 17 de São João, Ele

santifica Si mesmo, a fim de que todos nós sejamos santificados nEle. Certamente também

devemos concluir que Ele orou para que Sua oração pudesse nos beneficiar hoje, e para

que ela pudesse ter sua força máxima, e que por esse meio nós todos pudéssemos ser

ouvidos.

Esta consideração é muito valiosa quando Ele acrescenta: “O Espírito está pronto, mas a

carne é fraca”. Pois, isso deve mostrar que todos têm necessidade do conselho que Ele

aqui impeliu aos Seus discípulos. Pois, muitos pensam que eles obtiveram tudo, se eles

têm algum bom desejo. Isso os torna indiferentes. Logo depois, eles são apreendidos com

tanta preguiça e frieza que recuam de Deus e desprezam a Sua ajuda. Essa também é a

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razão por que Deus muitas vezes retira-Se e esconde o Seu poder. Pois é uma coisa boa

que os homens que confiam demais em si mesmos encontrem-se frustrados e Deus zomba

de sua arrogância e tola imaginação. De forma, então, que grandes e pequenos possam

conhecer que eles não podem dispensar a ajuda de Deus, e seja qual for a graça que rece-

beram, Deus ainda deve manter neles o que Ele colocou ali e até mesmo aumentá-lo para

que eles sejam fortalecidos, está dito aqui: “O Espírito está pronto, mas a carne é fraca”.

Ou seja, uma vez que sentimos em nós alguma boa vontade, e Deus já nos colocou no ca-

minho, e estendeu a nós a Sua mão, que possamos experimentar que Ele realmente nos

governa pelo Seu Espírito Santo. Embora, então, possamos ter tudo isso, ainda assim, não

podemos ser lentos para orar. E por que não? Consideremos se há em nós somente o

Espírito. Certamente nós encontraremos muitas fraquezas remanescentes. Embora Deus

possa já ter trabalhado de tal maneira pelo que tenhamos que agradecer a Ele e magnificar

a Sua bondade; ainda assim, há razão para inclinar nossas cabeças e ver que se Ele nos

deixar, nós estaríamos, muito em breve, eu não digo enfraquecidos, mas completamente

desfalecidos.

Em uma palavra, o nosso Senhor Jesus aqui desejou mostrar que aqueles que são os mais

perfeitos, os mais avançados, e sobre quem Deus derramou as graças e poderes do Seu

Espírito Santo, ainda devem ser humildes, e devem andar com temor e cautela, devem

clamar a Deus a cada hora, sabendo que não é o suficiente que Ele tenha começado se

Ele não terminar. Certamente todo bem deve vir dEle. Quando Ele concedeu a boa vontade

Ele deve continuar a executar plenamente, uma vez que a perseverança é o dom mais sin-

gular e mais raro que existe. Este é o motivo pelo qual o nosso Senhor Jesus quis nos exor-

tar. Agora, se aqueles que podem ser chamados espirituais, isto é, os que têm um zelo ar-

dente de servir a Deus, são totalmente acostumados a recorrer a Ele, para que sejam exer-

citados na oração da boca e do coração a Deus, ainda assim, são tão fracos que, em um

único momento isso pode ser arruinado, a menos que eles estejam apelando a Deus; o que

acontecerá com aqueles que ainda são tão carnais e tão deploravelmente inclinados para

baixo que não conseguem arrastar as pernas e eles quase não têm um bom impulso ou um

único bom pensamento? Como eles precisam lutar pelo prêmio! Então, que cada um de

nós examine a si mesmo, e encontraremos que somos tão relaxados e tão monótonos na

questão da oração a Deus, de modo que, por vezes, há mais cerimônia do que sentimento.

Considerando isso, aprendamos a estar insatisfeitos consigo mesmos por tal vício e tal

frouxidão. Que possamos até mesmo detestar tal corrupção, que possamos agonizar para

clamar a Deus, e levantar nossos espíritos ao alto e buscarmos o remédio que está aqui

proposto para nós. Isso, então, em uma palavra, é o que temos que lembrar.

Agora, quando é dito que os discípulos dormiram, pela terceira vez, apesar de terem sido

estimulados tão drasticamente (além do que discutimos nesta manhã, ou seja, que nós

vemos como Jesus Cristo para aperfeiçoar a nossa salvação não procurou por nenhuma

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outra companhia), contemplemos também quão lentos nós somos. Pois é certo que não

temos mais capacidade do que os três que são aqui mencionados, e ainda assim eles eram

os mais excelentes da companhia, e aqueles a quem Jesus Cristo havia assinalado como

a flor dos doze que deviam anunciar o Evangelho a todo o mundo. Embora, então, já havia

tal bom começo, ainda vemos como eles enfraqueceram. Agora, isso é a fim de que nós

tenhamos provisão apenas no Filho de Deus e que possamos buscar nEle tudo o que está

faltando em nós, e que nós não percamos a coragem quando sentimos uma tal fraqueza

em nós. É verdade que o exemplo dos apóstolos não nos dá nenhuma ocasião para nos

bajularmos de modo algum (quantos dirão que eles têm tanto direito a dormir como Pedro,

João e Tiago!), mas, sim, para nos tornar insatisfeitos com nossos vícios, para que possa-

mos sempre saber que o nosso Senhor Jesus está pronto para nos receber, desde que

venhamos a Ele. Além disso, há sempre esta razão especial que declaramos, esta manhã,

que era necessário que tudo o que há no homem deva ser removido a fim de que saibamos

que a realização da nossa salvação está nAquele que foi designado por Deus como nosso

Mediador. Devemos também notar quando estamos perto de nosso Senhor Jesus Cristo, é

que, então, devemos ser mais vigilantes. Para os mundanos e aqueles a quem Deus cortou

inteiramente como membros podres e a quem Ele abandona, não há grande luta. Pois, o

Diabo já tem domínio sobre eles. E é por isso que eles podem dormir à vontade. Mas, con-

forme o nosso Senhor Jesus exerce em relação a nós a graça de nos chamar para Si mes-

mo, e de Se aproximar de nós familiarmente, as batalhas também são instigadas por Sata-

nás, porque ele quer nos fazer recuar da obediência ao Filho de Deus. Quando (digo eu)

ele vê que estamos no caminho certo, então temos todos os mais rudes ataques. Assim,

cada um pode preparar-se, sabendo para que ele foi chamado por Deus, e qual é o seu

fardo. Isto é, então, em resumo, o que temos que lembrar.

Além disso, quando se diz: “Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora”, isto é, por

assim dizer, uma declaração de que logo seriam surpreendidos a menos que Deus vigiasse

sobre eles. No entanto, Ele os repreendeu, dizendo: “Como agora? Vejam onde vocês es-

tão. Pois o Diabo está fazendo todos os esforços para a perdição da humanidade, e na mi-

nha Pessoa, o Reino de Deus deve ser recuperado, ou todas as criaturas perecerão e, no

entanto, vocês estão aqui dormindo”. Agora, esta admoestação dificilmente serviu naquela

época. Mas como o tempo passou, os discípulos sabiam que deveriam atribuir todo o louvor

da sua salvação a Deus, em vista de sua ingratidão, que foi exibida em tal covardia brutal.

Então agora, somos admoestados (como já mencionado) que o Filho de Deus teve que ser

mostrado ser o nosso Redentor por Si mesmo, sozinho, e sem ajuda. Além disso, apren-

damos também que é absolutamente necessário que Deus cuide de nós mesmo enquanto

dormimos. Por quantas vezes isso acontecerá, que o Diabo teria nos oprimidos cem mil

vezes? Contudo, o que significa que temos que resistir a ele, a menos que Deus tenha

piedade de nós, embora Ele nos veja, por assim dizer, reduzidos à insensibilidade. De modo

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que não devemos dar-nos a oportunidade de errar e parar de nos dirigirmos a Deus em

oração. Mas, ainda devemos sempre nos lembrar desta frase do Salmo: “Eis que não tos-

quenejará nem dormirá o guarda de Israel” (Salmos 121:4).

Assim, de nossa parte, estejamos vigilantes, assim como nós somos encorajados por esta

exortação. Mas, reconheçamos que embora nós mesmos sejamos vigilantes, Deus ainda

deve manter uma vigilância cuidadosa. Caso contrário, nossos inimigos em breve prevale-

ceriam contra nós.

Segue-se que Jesus Cristo diz aos Seus discípulos: “Levantai-vos, partamos; eis que é

chegado o que me trai”. Ele não deseja que eles lhe façam companhia (como já declarado),

exceto que eles vejam como Ele não poupa a Si mesmo por causa deles, nem por causa

da raça humana. Pois, Ele Se apresentou para receber todos os golpes e para livrar seus

discípulos de tais golpes, como se fosse necessário que esta palavra pudesse ser cum-

prida. “Ele não permitiu com que nenhum perecesse dos que o Pai celestial lhe havia dado

e comissionado a Ele como a sua carga e proteção”. Mas, por meio disso Ele declara que

foi voluntariamente à morte, seguindo o que tratamos esta manhã, que o sacrifício da obe-

diência tinha que responder de forma a lançar fora todas as nossas rebeliões. Se Jesus

Cristo, a partir de Sua livre vontade não houvesse sido oferecido para aplacar a ira de Deus

Seu Pai, Sua morte e paixão não teriam sido de nenhuma utilidade para nós. Mas Ele man-

tém-se a isso e declara que como Ele se revestiu de nossa natureza, a fim de realizar a

nossa redenção, agora no ato supremo, Ele não queria falhar em Seu ofício.

De acordo com a narrativa: “E o que o traía [Judas] tinha-lhes dado um sinal, dizendo: O

que eu beijar é esse; prendei-o. E logo, aproximando-se de Jesus, disse: Eu te saúdo, Rabi

e beijou-o”. Agora, observemos que esta era uma forma de saudação. Como em algumas

nações eles abraçam, em outras nações eles apertam as mãos. Os judeus eram totalmente

acostumados a esse ósculo, como se vê pela Sagrada Escritura. Além disso, alguém pode-

ria achar estranho que Judas, tendo estado na companhia de Jesus Cristo um pouco antes,

ou seja, ainda na mesma noite, voltasse e o beijasse como se ele viesse de uma viagem

distante. Mas ele usa essa cerimônia, porque ele vai ali como um homem amedrontado. E

é por isso que outro escritor do Evangelho diz: “Rabi, Rabi” [Marcos 14:45]. Ele faz acreditar,

então, que ele está muito triste que seu mestre seja assim assaltado. Quando ele vê uma

dessas companhias vindo para surpreendê-lO, ele se aproxima e beija Jesus Cristo, como

se quisesse dizer: “Oh, meu Senhor, eles estão buscando por Você, aqui estão os Seus

inimigos que o cercam, eles buscam exterminar Você, Você será cortado do meio dos

homens, uma vez que eles puserem as suas mãos sobre Você”. Isso, então, é um sinal de

piedade e compaixão que Judas busca simular.

Além disso, é dito que Jesus Cristo o repreende: “Amigo, a que vieste?”, que é como se Ele

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dissesse: “Você vilão, você que esteve coMigo à Minha mesa, você foi, por assim dizer, de

Meu sangue, quando nós estávamos unidos como filhos de Deus (pois, eu sendo seu Cabe-

ça, então eu o reconheci como um de Meus membros) e ainda assim, você vem a trair-Me,

mesmo com um beijo”. Ao que, notemos, o Filho de Deus teve que ser marcado, a fim de

que a Escritura fosse muito melhor provada, e para que fosse conhecido que foi Ele a quem

Deus elegera como nosso Redentor. Pois, tudo isso havia sido tipificado na pessoa de Davi,

que era, por assim dizer, um espelho e a imagem do Filho de Deus. Agora é dito que não

são desconhecidos nem aqueles que se declararam abertamente os seus inimigos que O

aborreceram e atormentaram, mas “O que (Ele diz) come o pão comigo, levantou contra

mim o seu calcanhar” [João 13:18]. Na verdade, mesmo ele (como ele diz em outra passa-

gem) “que me acompanhou para irmos juntos à casa do Senhor”. Como se Deus dissesse

que não era apenas uma amizade particular e humana, como se esta se situasse entre

aqueles que vivem em comum, mas que ali havia fraternidade dedicada ao nome de Deus.

Isso, então, é o que o Espírito Santo quis nos mostrar: que nada aconteceu com o Filho de

Deus, que não fora testemunhado anteriormente e que não havia sido tipificado, a fim de

que possamos estar ainda mais certos de que Ele é Aquele, desde todos os tempos, esta-

belecido por Deus, já que Ele carrega essas marcas infalíveis.

Além disso, na pessoa de Judas, nós vemos que a Igreja de Deus sempre estará sujeita a

muitas traições. Estejam certos, é algo a se acautelar o ter Satanás com todas as suas pa-

rafernálias como um inimigo, e tudo o que já declaramos, e ter também aqueles que lutam

abertamente contra Deus e buscam apenas a confusão de Sua Igreja. É algo (digo eu) que

tenhamos de lutar contra esses inimigos, mas Deus ainda quer provar nossa paciência a

este respeito, que em nosso meio sempre pode haver inimigos internos, que são cheios de

traição e deslealdade. Embora esta praga seja detestável, ainda assim a Igreja nunca será

purgada disso. Certamente temos que vigiar contra isso, e cada um deve tentar, tanto

quanto está em seu poder, retirar tal odor e infecção. Mas quando tivermos feito tudo, ainda

Deus sempre permite que haja um Judas. Pois, uma vez que isso foi tipificado em Davi, e

uma vez que foi cumprido em nosso Senhor Jesus Cristo, devemos ser conformados a Ele

(como diz São Paulo), pois Ele carrega, por assim dizer, o brasão da casa de Deus, sendo

o Primogênito entre todos os crentes. Devemos, então, ter essa condição em comum com

Ele. Mas, podemos ver aqui que isso advém de uma consciência assustada, quando Deus

colocou ali o espírito de perturbação, frenesi ou estupidez, como Ele sempre falou disso por

Seus profetas. Judas, então, mostra-nos a penalidade daqueles que lutam conscientemen-

te contra Deus, que eles devem estar tão perdidos que já não têm senso de razão. No en-

tanto, eles tentam esconder tudo por meio de hipocrisia, mesmo ao dizer que Deus os obri-

ga e que Ele os leva à sua condenação final. À primeira vista, certamente parece que essas

duas coisas são opostas: (1) que um homem vem a atirar-se como um touro selvagem

contra Deus, pois ele se esqueceu de que não o fará qualquer bem o cuspir para o sol, de

forma que muitas vezes ele deseja odiar a natureza, e (2) ainda assim, tenta esconder-se

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por subterfúgios, e achar que ganha algo por sua hipocrisia. Alguém dirá que essas duas

coisas são incompatíveis. Mas elas são vistas em Judas. Pois ele tinha experimentado o

poder celestial de nosso Senhor Jesus Cristo, ele tinha visto tantos milagres, e em sua parte

ele os havia feito, mesmo em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Tendo conhecido, então,

que o Filho de Deus tem todo o poder, tanto sobre a vida quanto sobre a morte, ele O trai,

e diz que ele o fez justamente. De outro modo, ele teria imediatamente fugido. Judas, então,

é totalmente depravado do sentido e razão, e é, por assim dizer, desvairado. Assim, é ape-

nas por um beijo e por essas doces palavras, dizendo: “Ai meu Mestre”, ele ainda não se

permite ter subterfúgios, pensando que ele será absolvido por este meio. Mas é assim que

Satanás deslumbra seus lacaios.

Aprendamos, pois, em primeiro lugar, a nos humilharmos para que ninguém se atire contra

esta rocha, que é muito dura. Ou seja, nós não podemos travar uma guerra contra nosso

Senhor Jesus Cristo. Observemos com cuidado, então, para que não permaneçamos nessa

fúria diabólica, para que nós não lutamos contra a verdade, e para que não lutemos contra

a nossa consciência, de forma que conscientemente provoquemos a ira de Deus, como se

quiséssemos desafiá-lO. Protejamo-nos contra isso. Então, não nos lisonjeemos em nossa

hipocrisia e em nossas ficções, de forma que sejamos finalmente iludidos e enganados por

elas. Pois, nós vemos o que aconteceu com Judas (como é mencionado no relato), que não

foi necessário que um juiz o condenasse, que não foi necessário obrigá-lo a retratar-se.

Mas ele confessou que tinha vendido e traído sangue justo. No entanto, ele não pediu per-

dão pelo seu delito, mas retirou-se em desespero para se enforcar e ele se arrebentou. Es-

tejamos bem advertidos, então, para não demos esse acesso a Satanás, para que ele dila-

cere os nossos olhos enquanto estamos dormindo em nossos pecados, e não esperemos

por esses meios para a mão de Deus. Mas, removamos todo esse faz-de-conta.

Além disso, reconheçamos que é certamente ordenado que nós beijemos o Filho de Deus

em Salmos 2:12, mas isso é para prestar-Lhe homenagem, como o nosso Rei e como Aque-

le que tem domínio soberano sobre todas as criaturas. Porque a palavra “beijo” implica so-

mente reverência e uma declaração solene que somos Seus. Como Ele disse: “Vós me

chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou” [João 13:13]. Mas ao vir a Ele,

estejamos advertidos a não chamá-lO de Mestre da ponta da língua, enquanto ainda somos

inimigos dEle, não para praticarmos para com Ele uma falsa reverência, de forma a chutar

e recalcitrar contra Ele. Ou seja, que não sejamos obstinados e impertinentes pela nossa

deslealdade, mas que possamos mostrar que temos buscado nos manter em Sua Igreja, a

fim de servir o nosso Deus. Estejamos, então, advertidos de tudo isso. Além disso, embora

a palavra de nosso Senhor Jesus Cristo não teve efeito imediatamente sobre Judas, final-

mente, pela virtude desta palavra, ele teve que enforcar-se, sem esperar pela outra conde-

nação.

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De fato, São João nos diz como o nosso Senhor Jesus atinge como um raio, embora ele

tenha usado apenas uma única palavra contra todos aqueles que vieram buscá-lO, dizendo:

“Sou Eu”. Ali está um bando enviado por Pilatos. Há uma força de homens reunidos pelos

sacerdotes. Eles vêm munidos com varapaus, espadas e outras lâminas. Jesus Cristo está

sozinho. Ele é como um cordeiro levado ao matadouro, como diz Isaías. E que palavra ele

usa? “Sou Eu”. E todos são lançados por terra. Todos caem imediatamente. E como ocorre

esta queda? Por isso, nós vemos que o nosso Senhor Jesus, embora Ele seja humilhado

por um tempo, mesmo esvaziado de tudo, nunca deixou de reter, quando parecia bom para

Ele, Seu poder celestial, de forma a derrubar todos os Seus inimigos, se Ele quisesse. Com-

paremos nossos tempos com o que foi feito em seguida. Jesus Cristo teve que ser amarrado

e preso (como veremos mais adiante). Ele teve que permitir que Seus inimigos o dominas-

sem. Pois, Satanás havia desencadeado o freio para forçá-los com toda a raiva e crueldade.

Isto é o que é dito por São Lucas: “esta é a vossa hora e o poder das trevas” [Lucas 22:53].

Seja como for, quando disse: “Sou Eu”, Seus inimigos foram confundidos. O que ocorrerá,

então, quando Ele vier em Sua majestade com todos os Seus anjos? Quando Ele vier para

fazer de todos aqueles que Lhe resistiram o escabelo de Seus pés? Quando Ele vier com

uma face terrível e uma ira incompreensível? Como diz São Paulo em 2 Tessalonicenses

1:8. Então como os ímpios desprezadores da majestade de Deus e da Palavra de nosso

Senhor Jesus Cristo podem subsistir diante de Sua face? Quando Ele, assim, lançou por

terra os Seus inimigos, então Ele estava pronto para sofrer e Ele não usou qualquer defesa.

Eu digo, mesmo aquela de Deus Seu Pai. Como Ele disse, Ele poderia pedir que uma miría-

de de anjos fosse enviada em seu favor. Mas Ele Se absteve, no entanto, Ele certamente

quis mostrar que, somente por Sua voz, Ele poderia derrubar todos que estavam contra

Ele, se Ele quisesse.

Por meio disto, somos ensinados a temer a Palavra de nosso Senhor Jesus. Embora Ele

não fale aqui de forma visível em nosso meio, todavia, uma vez que o Evangelho é pregado

por Sua autoridade e Ele diz: “Quem vos ouve a vós, a mim me ouve” [Lucas 10:16], apren-

damos a receber o que é pregado para nós em Seu nome com toda a reverência e nos su-

jeitemos a ela. Encontraremos que esta palavra, que tanto fez cair os guardas e os que

vieram contra Ele, será o nosso único fundamento e esteio. Pois, como podemos nos ale-

grar, exceto quando o Filho de Deus aparece para nós, e nós vemos que Ele está perto de

nós, e Ele nos mostra quem Ele é, e por que Ele foi enviado a nós por Deus, o Pai? Então,

é nessa palavra “Sou Eu” que podemos saber, quando agradar ao nosso Senhor Jesus o

manifestar-Se como Ele o faz para todos os Seus crentes, que nesta palavra Ele nos de-

clara por que Ele nos chama para Si mesmo, por que Ele desceu por nós, e por que Ele ha-

bita em nós pelo poder do Seu Espírito Santo, e é nisso que consiste todo o nosso bem e

todo o nosso descanso. Mas se queremos ser obstinados e desprezarmos a Palavra de

Deus, como muitas pessoas profanas, nos asseguremos que Ele será um raio a lançar-nos

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para dentro da profundidade do inferno. Por isso, temamos, e contudo, que o nosso Senhor

Jesus abra-nos a porta, e que Ele possa dizer-nos de outra forma: “Eis-me aqui”, como Ele

não o fez para aqueles que já eram Seus inimigos declarados. Aprendamos a vir até Ele.

Além disso, aprendamos também assim a suportar com paciência as traições que vemos

hoje na Igreja, não importa quão ultrajantes elas sejam para nós, de modo que mostremos

que nós realmente nos apegamos ao Filho de Deus, pois Ele é a nossa Cabeça. Então, que

possamos ter a Sua verdade. Que possamos, então, falar uns com os outros, para que es-

tejamos unidos em verdadeira concórdia e fraternidade, juntos. Isso é o que temos que

lembrar.

Porém, o que mais possa haver, que nós possamos aceitar o principal artigo da instrução

que devemos nos lembrar a partir dessa passagem: a saber, que o Filho de Deus Se fez

obediente em tudo e por tudo, a fim de reparar as nossas rebeliões. É verdade (como eu já

disse) que todos os membros do Seu corpo devem ser governados por Seu exemplo. Há

uma boa razão, uma vez que Aquele que tem todo o domínio e superioridade, ser tão hu-

milde, que estejamos prontos para obedecer ao nosso Deus para a vida e para a morte.

Ainda assim, reconheçamos que a obediência de nosso Senhor Jesus Cristo neste lugar é

especial, isto é, por causa do fruto e o efeito que procedeu dela. Os apóstolos bem esco-

lheram a morte de Jesus Cristo como um exemplo. Pois eles foram fortalecidos em suas

necessidades quando eles tiveram que lutar pelo testemunho do Evangelho. Eles não esta-

vam, então, dormindo. Vemos a vigilância que estava neles e que eles estavam prontos pa-

ra seguir seu chamado. Eles nem mesmo tinham medo de tormentos, nem da morte, que

lhes foram apresentados, quando Deus os chamou para a glória do Seu nome, e para a

confissão de nosso Senhor Jesus Cristo. No entanto, eles insistiram principalmente em

mostrar que por meio do derramamento do sangue de nosso Redentor somos lavados e

purificados de todas as nossas máculas, que Ele fez o pagamento a Deus Pai por todas as

nossas dívidas, a que estávamos obrigados, que Ele adquiriu para nós perfeita justiça.

Reconheçamos, então, a diferença entre a Cabeça e os membros. Aprendamos que, ape-

sar de que por natureza somos inteiramente inclinados para o mal, e embora Deus tenha

nos regenerado em parte, a nossa carne ainda não deixa de se irritar contra Deus. No en-

tanto, pela virtude da obediência que vemos em nosso Senhor Jesus Cristo, nós não cessa-

mos de ser aceitáveis para o nosso Deus. Se ainda não faço o bem que quero, contudo o

mal muitas vezes nos impulsiona, e pode haver muitas falhas, ou talvez nós podemos ser

muito lentos para fazer o bem, olhemos então para o que o Filho de Deus sofreu, a fim de

reparar todos os nossos defeitos. Observemos como Ele lutou de tal forma que não havia

contradição nEle quando os nossos crimes e pecados foram imputados a Ele, como foi ex-

plicado mais longamente nesta manhã. Vejamos, então, como o nosso Senhor Jesus fez

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satisfação em tudo e por tudo, mas hoje em dia, apesar de termos tido o cuidado de obede-

cer a Deus, não somos capazes de ter sucesso, mas sempre abaixamos as nossas asas,

devemos constantemente repetir isso: que nós sabemos que não deixamos de ser aceita-

veis a Deus e que nossas imperfeições sempre serão abolidas pela obediência de nosso

Senhor Jesus Cristo, de modo que elas não entrarão em conta diante de Deus. Além disso,

que cada um de acordo com a medida da sua fé e da graça que recebeu, possa esforçar-

se para lutar até que cheguemos ao descanso celestial. Percebendo que nossas fraquezas

ainda são tão grandes, sendo convencidos de que não devemos sequer saber como ter um

único pensamento bom, e que, tendo tropeçado não seríamos capazes de erguer a nós

mesmos, a menos que Deus estendesse a Sua mão para nós e nos fortalecesse a cada

minuto, podemos ser aconselhados a orar para que Ele possa aumentar em nós as graças

de Seu Espírito Santo; como Ele nos prometeu, e nos propõe Jesus Cristo como a nossa

Cabeça e Capitão, a fim de que depois sejamos capazes de chegar à vitória que Ele adqui-

riu para nós, da qual agora nós já experimentamos o fruto, mas, então, nós a experimen-

taremos em perfeição.

Agora, curvemo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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3º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

A Condenação de Jesus Cristo

“E eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou a espada e,

ferindo o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe uma orelha. Então Jesus disse-lhe:

Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada

morrerão. Ou pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e que Ele não me

daria mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, que

dizem que assim convém que aconteça? Então disse Jesus à multidão: Saístes,

como para um salteador, com espadas e varapaus para me prender? Todos os dias

me assentava junto de vós, ensinando no templo, e não me prendestes. Mas tudo

isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos profetas. Então, todos os

discípulos, deixando-o, fugiram. E os que prenderam a Jesus o conduziram à casa

do sumo sacerdote Caifás, onde os escribas e os anciãos estavam reunidos. E Pe-

dro o seguiu de longe, até ao pátio do sumo sacerdote e, entrando, assentou-se

entre os criados, para ver o fim. Ora, os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos, e

todo o conselho, buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a

morte; E não o achavam; apesar de se apresentarem muitas testemunhas falsas,

não o achavam. Mas, por fim chegaram duas testemunhas falsas, e disseram: ‘Este

disse: Eu posso derrubar o templo de Deus, e reedificá-lo em três dias’. E,

levantando-se o sumo sacerdote, disse-lhe: Não respondes coisa alguma ao que

estes depõem contra ti? Jesus, porém, guardava silêncio. E, insistindo o sumo

sacerdote, disse-lhe: Conjuro-te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o

Filho de Deus. Disse-lhe Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em

breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do

céu. Então o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou; para que

precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia.

Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte.” (Mateus 26:51-66)

Se quiséssemos julgar superficialmente, de acordo com nossos sentidos naturais, a captura

de nosso Senhor Jesus Cristo, estaríamos preocupados com o fato de que Ele não ofereceu

resistência. Não parece consistente com a Sua majestade que Ele sofrera tal vergonha e

desgraça, sem oferecer resistência. Por outro lado, premiaríamos o zelo de Pedro, uma vez

que ele se expôs à morte. Pois, ele viu a grande multidão de inimigos. Ele estava sozinho,

e era um homem inábil para manusear armas. No entanto, ele puxa a espada por causa do

amor que ele tem para com o seu Mestre, e prefere morrer no campo, em vez de permitir

que tal injúria seja feita a Ele. Mas por isso, vemos que devemos vir a conhecer, com toda

a humildade e modéstia, aonde tudo o que o Filho de Deus fez e sofreu estava conduzindo,

e que o que parece bom para nós não vale de nada, mas devemos orar a Deus para que

Ele nos conduza e nos guie pela Sua Palavra e que não julguemos, exceto de acordo com

o que Ele tem nos mostrado, pois quando isso ocorre o Evangelho torna-se um escândalo

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para muitas pessoas; outros fazem do Evangelho um divertimento, e tudo isso para a sua

perdição. É que eles estão inchados com a presunção e são juízes precipitados. Mas, para

que não sejamos enganados, devemos sempre, em primeiro lugar voltar ao que o nosso

Senhor Jesus declara. Esta é a vontade de Deus, Seu Pai. Esse é um ponto. Depois, nós

temos que considerar a finalidade daquilo que pode parecer estranho para nós. Quando,

então, tivermos estas duas considerações, em seguida, haverá ocasião para adorarmos a

Deus e conhecermos que o que parece ser loucura de acordo com os homens é uma

sabedoria admirável mesmo para os anjos.

Mas, para chegar a isso, consideremos o que é dito aqui sobre Pedro. Diz-se: “estendendo

a mão, puxou da espada e, ferindo o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe uma orelha”. A-

qui vemos como os homens são muito ousados, quando eles seguem a sua tola opinião.

Em seguida, eles são tão cegos que não se poupam sob quaisquer condições. Mas, quando

eles deveriam obedecer a Deus, eles são tão covardes que é uma pena. Eles até esque-

cem-se de si mesmos de tal forma que não os faz recuar. É assim que sempre teremos

cem vezes mais coragem de seguir nossas tolas imaginações do que fazer o que Deus nos

ordena e cumprir o que o nosso chamado implica. Nós vemos muito disso no exemplo de

Pedro. Pois, depois que ele mostrou que confessou e testemunhou de nosso Senhor Jesus,

ele blasfema para seu próprio dano. Ainda assim, ele está contente em morrer, mesmo

quando ele não é ordenado para isso. O que o move a puxar a sua espada? Ele faz isso

como que cheio de rancor. Pois, ele não recebera tal instrução de seu Mestre. E quando

ele renuncia a Jesus Cristo, ele já conhecia o dito: “Mas qualquer que me negar diante dos

homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus” [Mateus 10:33]. Mas

(como eu disse), ele é impulsivo. Este tolo desejo de apoiar o nosso Senhor Jesus, à sua

maneira e de acordo com sua imaginação. Agora com o seu exemplo, aprendamos a nos

esforçar para irmos onde Deus nos chama e que nada que Ele nos ordena é muito difícil

para nós. Mas, que não possamos tentar nada, nem mesmo mover o nosso dedo mínimo,

a menos que Deus aprove isso e tenhamos o testemunho de que é Ele Quem nos guia.

Esse é um ponto.

De fato, em primeiro lugar, nosso Senhor Jesus mostra-lhe que ele ofendeu gravemente,

porque ele não era ignorante da lei, onde se diz: “Quem derramar o sangue do homem, pe-

lo homem o seu sangue será derramado” [Gênesis 9:6]. São Pedro, em seguida, bem lem-

braria esta lição, que Deus não quer que força ou violência sejam usadas. E (o que é mais),

em que escola ele havia sido alimentado durante mais de três anos? O nosso Senhor Jesus

não havia se mantido, tanto quanto fora possível para Ele, em humanidade e gentileza?

Onde, então, ele espera obter a aprovação por sua ousadia? Devemos observar além do

que já dissemos. Ou seja, se o nosso zelo é valorizado por homens e é aplaudido, nessa

medida, não deixará de ser condenado diante de Deus, se transgredirmos a Sua Palavra

sempre tão futilmente. Não há, então, nenhum louvor, exceto em andar como Deus nos

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mostra através da Sua Palavra. Pois, assim que um homem vai para além desta linha, todas

as suas virtudes somente fedem. Isso é o que acontece com todas as nossas devoções.

Assim, se temos trabalhado para fazer o que nós imaginamos em nosso cérebro, Deus

condenará tudo, a menos que tenhamos ouvido a Sua Palavra. Pois, à parte dela não há

verdade que Ele aprove e que seja legítima diante dEle.

Mas, como para a consideração que estamos tratando agora, a segunda razão que o nosso

Senhor Jesus alega é mais notável. O que já mencionamos acima é geral. Mas aqui há uma

frase que é peculiar à morte e à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele diz: “Ou

pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e que Ele não me daria mais de doze

legiões de anjos?”. Agora, uma legião nesse tempo habitualmente era composta de quatro

ou cinco mil homens. “Há, então, um exército celestial que eu posso ter”, diz Ele, “e ainda

assim, eu ajo sem ele. E por que, então, você veio aqui para usurpar mais do que Deus

quis ou autorizou?”. Agora é certamente admissível clamar a Deus e orar a Ele para que

Ele possa estar disposto a sustentar a nossa vida, e como Ele as considera preciosas, que

Ele a possa manter em Sua proteção. Nosso Senhor Jesus declara que Ele não deseja isso

agora e que Ele não deveria fazê-lo. Como, então, Pedro usará a violência, visto que isso

está fora da ordem que Deus permitiu e estabeleceu por meio de Sua Palavra? Se um meio

que é admissível em si não deve ser utilizado, como distinguir o que Deus tem defendido e

o que Ele declarou digno de punição? Aqui (como já mencionado), vemos como o Filho de

Deus Se sujeitou a essas vergonhas e que Ele preferiu deixar-se preso e amarrado como

um malfeitor e um criminoso a ser um desleal por meio de milagre e que Deus empregasse

Seu braço para protegê-lO. Pelo que temos que reconhecer como Ele valorizava a nossa

salvação. Aqui é um ponto que já referi: a saber, que Ele nos remete à vontade e ao decreto

de Deus, Seu pai. Pois, à parte disso, se poderia achar estranho que Ele não implorasse a

Sua ajuda, como Ele certamente sabia que Ele poderia fazê-lo. Parece que Ele tenta a

Deus quando Ele não clama a Ele em absoluto. Temos a promessa de que anjos cercarão

aqueles que temem a Deus, até mesmo que eles os seguirão para impedi-los de se ma-

chucarem, e para que eles não encontrem nenhum mal em seus caminhos. Agora, quando

Deus nos promete algo, Ele quer que isso nos convide à oração. Ainda assim, quando

estamos em necessidade devemos voltar para Ele, a fim de que Ele possa usar Seus anjos

para nos servir, por que Ele lhes deu este ofício. Vemos também que isto foi praticado pelos

santos patriarcas e pais. “O Senhor, em cuja presença tenho andado, enviará o seu anjo

contigo, e prosperará o teu caminho” [Gênesis 24:40], disse Abraão. Assim, então, os san-

tos Pais o tem feito. Por que, então, Jesus Cristo não deseja ter os anjos? Pois Ele já havia

sido confortado (como São Lucas menciona) e anjos O serviram, para adoçar a angústia

em que Ele estava.

Parece, então, que Ele despreza a necessária ajuda de Deus. Porém, Ele leva isso em

consideração quando Ele acrescenta: “Como, pois, se cumpririam as Escrituras?” Como se

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Ele dissesse: “Se nós duvidamos de algo, podemos, então, e devemos orar a Deus para

que Ele possa olhar para nós com piedade e que por todos os meios Ele nos faça sentir o

Seu poder. Mas quando estamos convencidos de que Ele deve passar por alguma necessi-

dade, e que a vontade de Deus é conhecida por nós, então já não há uma questão de fazer-

Lhe outro pedido, a não ser que Ele possa nos fortalecer no poder e na constância inven-

cível, e que nós não façamos nenhuma reclamação, ou que não sejamos guiados por nos-

sas afeições; mas que possamos seguir com uma coragem pronta, através de tudo aquilo

a que Ele nos chama”. Por exemplo, se somos perseguidos por nossos inimigos, e não

sabemos o que Deus tem reservado para nós, ou qual seria o resultado, temos que orar a

Ele como se nossa vida fosse preciosa para Ele, e uma vez que Ele Se mantém em Sua

guarda, que Ele demonstre isso pelo resultado e que Ele nos liberte. Mas quando estamos

persuadidos de que Deus quer nos chamar a Si mesmo e que não há mais nenhum remé-

dio, então devemos cortar toda disputa e totalmente resignar-nos, de modo que nada per-

maneça por mais tempo, mas que obedeçamos ao decreto de Deus, que é imutável.

Esta, então, é a intenção de nosso Senhor Jesus. Pois Ele certamente orou durante toda a

sua vida, e mesmo anteriormente deste grande combate que Ele travou, Ele ora a Deus

que, se fosse possível este cálice fosse afastado dEle. Mas agora, Ele assumiu Sua con-

clusão, porque Ele foi assim ordenado por Deus Pai e Ele viu que Ele deveria levar o fardo

ao qual Ele estava comissionado, ou seja, oferecer o sacrifício perpétuo para apagar os

pecados do mundo. Desde então, Ele se viu chamado àquele lugar, e o assunto terminara,

essa é a razão pela qual Ele se abstém de orar a Deus para fazer o contrário. Ele não dese-

ja, então, ser ajudado nem por anjos, nem pelos homens. Ele não deseja que Deus O faça

sentir o Seu poder ao livrá-lO da morte. Apenas foi o suficiente para Ele ter esse espírito de

constância, para que fosse capaz de ir, por Sua livre vontade, a realizar o Seu ofício. Isso

é o que O satisfaz.

Agora, vejamos, em primeiro lugar, que a vontade de Deus deve parar-nos e manter-nos

sob controle, de modo que, quando as coisas parecem-nos hostis e contra toda a razão,

que possamos valorizar mais o que Deus ordenou do que o que nosso cérebro pode com-

preender. Nossa imaginação, então, deve ser espezinhada quando sentimos que Deus pro-

vou o contrário. Faz parte da obediência de nossa fé quando consideramos Deus ser sábio,

de forma que Ele tem autoridade para fazer tudo o que Lhe agrada. Se nós temos razões

para fazer o contrário, podemos saber que isso é apenas fumaça e vaidade e que Deus

sabe tudo e que nada está escondido dEle, e mesmo que a Sua vontade é a regra de toda

a sabedoria e de toda retidão. Além disso, o que nosso espírito argumenta contra, provém

de nossa rudeza. Porque sabemos que a sabedoria de Deus é infinita, e quase não temos

três gotas de sentido. Não precisamos, então, ser surpreendidos se os homens ficam receo-

sos quando Deus não governa a Si mesmo de acordo com os apetites deles. E por que

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não? Porque nós somos tolos miseráveis. Na verdade, há apenas brutalidade em nós, por

mais que o nosso senso e razão governem. Mas desde que não compreendemos a intensa

profundeza dos juízos de Deus, aprendamos a adorar o que está oculto, para adorá-lO (digo

eu) em humildade e reverência, confessando que tudo o que Deus faz é justo e correto,

embora ainda possamos não perceber o quanto. Esse é um ponto.

Segue-se a isso, já que é assim que Deus quis, que Seu Filho fosse, portanto, exposto à

morte, nós não podemos ter vergonha do que Ele suportou. Não podemos pensar que os

homens ímpios estavam no controle e que o Filho de Deus não tinha os meios para Se

defender. Pois, tudo começou a partir da vontade de Deus, e do decreto imutável que havia

feito. É também por isso o Senhor Jesus diz em Lucas: “mas esta é a vossa hora e o poder

das trevas” [Lucas 22:53], como se Ele dissesse: “Não se gloriem em nada do que vocês

estão fazendo; porque o Diabo é o vosso mestre”. No entanto, Ele mostra que isso ocorre

por meio da permissão que Deus lhes deu. Embora o Diabo os possuía, ainda assim, nem

eles, nem ele poderiam tentar qualquer coisa a menos que Deus lhes permitisse. Isso,

então, em resumo, é a forma como devemos ter os nossos olhos e todos os nossos sentidos

fixos sobre a vontade de Deus, e em Seu plano eterno, quando a morte e a paixão de Nosso

Senhor Jesus Cristo são contadas para nós. Agora, Ele declara que tal é a vontade de

Deus, porque está escrito. Pois, se Jesus Cristo não tivesse tido testemunho do que foi

ordenado por Deus, Seu Pai, Ele ainda poderia ter estado em dúvida. Mas Ele conhecia o

Seu ofício. Deus não O enviou aqui em baixo de forma que Ele não tivesse totalmente

expressado a Ele a Sua incumbência. Isto é verdade, na medida em que o nosso Senhor

Jesus é o Deus eterno, Ele não precisa ser ensinado por qualquer Escritura; mas na medida

em que Ele é o nosso Redentor e que Se vestiu em nossa natureza para ter uma verdadeira

fraternidade conosco, Ele teve que ser ensinado pela Sagrada Escritura, como vemos,

acima de tudo, que Ele não recusou tal instrução.

Então, uma vez que Deus mostrou a Ele a que Ele foi chamado, isto é sobre o que Ele

confia. É por isso que Ele é tomado como um cativo, a fim de não retornar quando Ele sabia

que devia alcançar a incumbência a que Ele estava comprometido, ou seja, oferecer-Se em

sacrifício para a redenção de todos nós. Assim, então, temos que aprender que, na medida

em que esta vontade de Deus é secreta e incompreensível, é preciso recorrer à Sagrada

Escritura. É verdade que Deus não deixa de ter Seu conselho ordenado por coisas que nós

imaginamos ser por acaso. Mas isso não é declarado para nós. Não teremos sempre uma

revelação especial para dizer que Deus determinou isto ou aquilo. Então, devemos conter

o julgamento. É por isso que oramos a Deus para que Ele possa nos curar de uma doença

ou que Ele nos livre de alguma outra aflição quando caímos nela. E por quê? Nós não sabe-

mos o que Ele quer fazer. Estejam certos, não devemos impor uma lei sobre Ele. Esta con-

dição deve sempre ser adicionada: que a Sua vontade seja feita. Mas todas as nossas ora-

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ções devem nos conduzir para cá: pedir a Ele para que Ele possa nos conhecer sermos

necessários e úteis, e que nós possamos, entrementes, referir tudo a Ele em Seu conselho

secreto, a fim de que Ele faça o que bem Lhe parecer. Mas quando temos o testemunho

através da Sagrada Escritura de que Deus quer algo, então não é adequado oferecer uma

réplica, como eu já disse.

Aqui nós somos ainda mais assegurados quanto à Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo,

que Ele fora aflito e cruelmente tratado com tanta vergonha e arrogância, desprezível abu-

so, e não apenas de acordo com o desejo dos homens ímpios e sem lei, mas, uma vez que

Deus o havia assim decretado. E como sabemos? Por meio da Sagrada Escritura. Pois, os

sacrifícios não foram ordenados na Lei dois mil anos antes de Jesus Cristo nascer? E antes

que a Lei fosse dada ou escrita, Deus já não havia inspirado e ensinado os antigos Pais

quanto ao sacrifício? E sangue de animais irracionais poderia adquirir a remissão dos pe-

cados? Os homens poderiam se tornar agradáveis a Deus? Não em absoluto, mas existiu

para mostrar que Deus Se reconciliaria pelo o sangue do Redentor a quem Ele havia esta-

belecido. Então, Ele dá testemunho explícito e declaração através das Escrituras. Vemos,

de fato, que os profetas falaram sobre Ele, e Ele também se refere especialmente a eles.

Quando Isaías disse que Aquele que deveria ser o Redentor, seria desfigurado, que Ele

seria tomado em desprezo, que Ele não teria nenhuma beleza ou não mais formosura do

que uma cobra, que ele seria espancado e golpeado pela mão de Deus, que Ele seria uma

coisa terrível de se ver, em resumo, que eles tirariam a Sua vida, por meio de que poder

ele profetizou isso? Será que Deus não pode resistir a Satanás ou a todos os homens

ímpios? Não é isso, mas Ele pronunciou pela boca de Isaías o que Ele havia ordenado an-

teriormente. Em Daniel, há uma expressão ainda mais grandiosa. Desde que é assim, en-

tão, Deus havia declarado que Seu único Filho seria sacrificado para a nossa redenção e

salvação, agora estamos mais bem assegurados do que eu disse, isto é, que devemos

sempre contemplar a mão de Deus, Quem governa, quando vemos que o nosso Senhor

Jesus é sujeito a essas coisas vergonhosas nas mãos dos homens. É também por isso que

São Pedro diz em Atos 4:27 que Judas e todos os judeus, e os guardas e Pilatos não agiram

exceto quando o conselho e a mão de Deus o havia determinado, como será ainda mais

declarado a seguir. Aqui, então, é o lugar onde devemos olhar, se não desejamos ser inco-

modados pelas nossas tolas imaginações. Isso é, que Deus enviou aqui abaixo o Seu Filho

unigênito, a fim de aceitar a obediência quando Ele Se ofereceu a Ele em Sua morte e

paixão, de modo a abolir todas as nossas falhas e iniquidades.

Agora, o segundo ponto que eu mencionei é o benefício que retorna para nós a partir do

que nosso Senhor Jesus sofreu. Porque, se nós não soubéssemos o motivo, isso retiraria

o sabor do que é narrado aqui para nós. Mas quando se diz que Ele foi preso e amarrado

para nossa libertação, então, de fato, vemos a nossa condição, por natureza, isto é, que

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Satanás nos mantém sob a tirania do pecado e da morte, que somos escravos, de modo

que, apesar de sermos criados à imagem de Deus, há em nós somente completa corrupção,

que somos amaldiçoados, e que somos arrastados como pobres animais a este maldito

cativeiro. Quando, então, sabemos e vemos isso, por outro lado, que o Filho de Deus não

se recusou a ser vergonhosamente preso a fim de que os laços espirituais do pecado e da

morte, que nos mantêm sob a servidão de Satanás, fossem quebrados, então nós temos

que glorificar a Deus, temos que triunfar com plena voz na morte e paixão de Nosso Senhor

Jesus Cristo e na captura que é aqui mencionada. Então é isso que devemos nos lembrar

a partir dessa passagem.

Então, o escritor do Evangelho diz que o nosso Senhor Jesus curou o servo que havia sido

ferido por Pedro. Não que ele fosse digno disso, mas para que a ofensa fosse removida.

Pois, teria difamado a doutrina do Evangelho e a redenção de nosso Senhor Jesus Cristo,

se esta ferida permanecesse (eu chamo de “redenção de nosso Senhor Jesus Cristo” o que

ele adquiriu para nós), assim, poderia ser dito que Ele havia resistido ao governador do país

e a todos os sacerdotes e que Ele cometera, por assim dizer, crime naquele lugar isolado.

Isso, então, poderia ter obscurecido toda a glória do Filho de Deus e colocaria o Evangelho

em vergonha perpétua. Também vejamos que essa ação de Pedro ocorreu por zelo de

Satanás. Pois o Diabo planejou fazer com que Jesus Cristo fosse infamado, com toda a

Sua doutrina. Essa é também a tendência de todas as nossas belas devoções quando que-

remos servir a Deus de acordo com nosso desejo e a cada um é dada a licença para fazer

o que ele imagina ser bom. Jesus Cristo, então, quis abolir tal escândalo, a fim de que Sua

doutrina não fosse difamada em absoluto.

No entanto, vemos aqui uma ingratidão detestável naqueles que não foram movidos por tal

milagre. Há os guardas que vem para prender o nosso Senhor Jesus Cristo. Eles veem

aquele poder do Espírito de Deus que está operando nEle, de muitas formas. Ele os fez

cair para trás um pouco antes por uma única palavra. Agora, Ele cura um homem que tem

sua orelha cortada. Tudo isso não é nada para eles. Vemos, então, quando o Diabo uma

vez seduziu os homens e ele os tem deslumbrado os olhos, que nem as graças de Deus,

nem todos os Seus poderes podem tocá-los para que eles não sigam e andam sempre em

suas obras, e eles têm, como se fosse, o focinho de um porco, que se intromete em todos

os lugares. Apesar de tudo o que Deus faz, de tudo o que Ele diz, eles sempre permanecem

em sua obstinação, que é uma coisa horrível. No entanto, nós certamente temos que orar

a Deus para que Ele possa nos dar prudência, de forma que nos beneficiemos com todas

as Suas graças, a fim de que sejamos atraídos por Seu amor e também para nos tocar

quando Ele levanta a Sua mão para nos mostrar que Ele é o nosso Juiz, de tal forma que

nós, então, temamos, voltemos para Ele em verdadeiro arrependimento. Isso é, então, em

resumo, o que temos que lembrar.

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Independentemente do que isso possa significar, as bocas dos ímpios estavam fechadas

quando Jesus Cristo curou o servo de Caifás. Então, diz-se que “os que prenderam a Jesus

o conduziram à casa do sumo sacerdote Caifás” onde Ele foi questionado, etc. Para abre-

viarmos, omitimos o que São João diz sobre Anás, que era o sogro de Caifás, e talvez

Jesus Cristo é conduzido para lá por respeito, ou talvez isso fosse ao longo do caminho,

enquanto eles estavam esperando para que todos fossem reunidos. Jesus, então, é levado

até a casa de Caifás e ali é questionado. Especialmente é dito: “Ora, os príncipes dos sacer-

dotes, e os anciãos, e todo o conselho, buscavam por falsos testemunhos contra Jesus, pa-

ra poderem dar-lhe a morte; porém não encontravam. Mas, por fim chegaram duas teste-

munhas falsas, E disseram: Este disse: Eu posso derrubar o templo de Deus, e reedificá-lo

em três dias”. Aqui vemos como Jesus Cristo foi acusado. Não que os sacerdotes estives-

sem movidos por algum zelo santo. Muitas vezes, aqueles que perseguem os inocentes

imaginam que eles estão realizando um serviço agradável a Deus, como de fato, vemos

que São Paulo estava possuído por uma raiva tal, que, sendo, por assim dizer, um salteador

(pois assim ele é chamado), ele estragou e destruiu mais. Mesmo assim, ele imaginou sobre

si mesmo, ser um bom partidário (zeloso). Mas isso não foi assim com Caifás e todo o seu

bando. Pois, o que eles procuravam, exceto que Jesus Cristo fosse oprimido injustamente?

Assim, vemos que a sua ambição os levou a lutar abertamente contra Deus, o que é uma

coisa terrível. Porque, quanto a Caifás e todo o seu bando, eles são filhos de Levi, a linha-

gem santa que Deus escolhera. Isso não era por homens que eles haviam escolhido, mas

Deus assim havia ordenado por meio de Sua lei. É verdade que houve uma corrupção vil e

enorme, na medida em que o ofício do sacerdote foi vendido naquele tempo, e em vez de

serem obrigados por toda a vida (assim Deus havia ordenado), cada um trazia o seu com-

panheiro e aquele que trazia mais dinheiro, tomava essa dignidade. Tratava-se, então, de

uma vil e detestável corrupção que trama e dissimula práticas que foram usadas em tão

santa e honrosa condição. No entanto, o sacerdote sempre permaneceu nesta linhagem de

Levi, a qual Deus dedicou ao Seu serviço. No entanto, olhem para eles! Todos inimigos de

Deus, olhem para eles! Todos intoxicados por Satanás, de fato enfurecidos contra o Reden-

tor do mundo, que era o propósito final da Lei.

Assim, notemos que aqueles que estão em elevada condição e dignidade nem sempre per-

manecem tão fielmente que não seja necessário manter vigilância sobre eles, como sobre

aqueles que podem ser inimigos de Deus. Pelo que alguém pode ver a mui obtusa insen-

satez dos Papistas, quando eles adotam o título e a condição do sacerdote. Suponham que

Deus houvesse ordenado que houvesse um papa (o que Ele nunca fez). Suponham que

Ele tivesse o seu trono em Roma (isso ainda menos). Mesmo que tudo isso fosse verdade,

ainda assim na pessoa de Caifás e de sua espécie, é visto que todos aqueles que têm sido

levantados à honra podem abusar do seu poder. Então nós não podemos ser tão tolos a

ponto de nos entretermos com máscaras. E quando há algum título honroso, que Deus não

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perca a Sua autoridade sobre ele, como podemos ver os Papistas, que renunciam a toda a

Sagrada Escritura e fazem homenagem aos seus ídolos. Aprendamos, então, que sob a

sombra de alguma dignidade humana Deus não deve ser diminuído, mas Ele deve manter

o Seu domínio soberano. Esse é um ponto. Quanto ao escândalo, que poderíamos conce-

ber aqui de acordo com a nossa imaginação, observemos o que é dito no Salmo 118 (como

também nosso Senhor Jesus havia alegado anteriormente), que Ele é a rocha que seria

rejeitada pelos construtores. E quem eram os construtores da casa de Deus e de Sua Igre-

ja? Os sacerdotes. Pelo menos eles deveriam permanecer naquele ofício. No entanto, eles

rejeitaram a pedra que Deus estabeleceu como a pedra angular. E esta pedra, embora pu-

desse ter sido rejeitada, no entanto, tem sido estabelecida no lugar principal do edifício, ou

seja, Deus não deixará de cumprir o que Ele havia ordenado por meio de Seu conselho,

quando Ele ressuscitou dos mortos Seu único Filho e elevou-O mais do que Ele era antes

de ser esvaziado. Para que todo joelho se dobre diante dEle.

Quando é dito aqui que os sacerdotes buscavam falso testemunho, isso não era simples-

mente inventar um crime, mas ter algum pretexto e disfarce para sobrecarregar e oprimir o

Senhor Jesus. Na verdade, Ele havia pronunciado estas palavras: “Derribai este templo, e

em três dias o levantarei” [João 2:19]. Essas, então, são as palavras de nosso Senhor Jesus

Cristo, exatamente como elas saíram de Sua boca. As testemunhas, que são falsas, recitam-

nas. Alguém poderia dizer que elas são testemunhas boas e fiéis. No entanto, o Espírito

Santo chama-lhes falsas, uma vez que elas perversamente perverteram esta observação.

Pois, nosso Senhor Jesus falou de Seu corpo, que é o verdadeiro templo da Divina majes-

tade. O templo material que foi construído em Jerusalém não era nada além de uma figura;

era apenas uma sombra, como se sabe. Mas em nosso Senhor Jesus toda a plenitude da

Divindade fez Sua habitação, como diz São Paulo, de fato, corporalmente e em verdadeira

substância. Então, observemos que temos que olhar não apenas as palavras de uma teste-

munha, mas a intenção de quem fala. Esta é uma boa e útil instrução para nós, porque ve-

mos que os homens são tão dados às suas más ações e mentiras que, quando eles têm

alguma cobertura, isso é suficiente para que eles, e lhes parece que são absolvidos diante

de Deus quando eles, por estes meios, acusam falsamente um homem. Não podemos, en-

tão, ser parados simplesmente com as palavras ou formalidade ou cerimônia, mas que pos-

samos olhar para a verdadeira natureza da causa. Para aqueles que sempre sustentam

que eles não dão nenhuma evidência, exceto a que existia, não deixarão de ser conside-

radas falsas testemunhas diante de Deus, como podemos ver.

Ao que se refere que Caifás disse a Jesus Cristo: “Não respondes coisa alguma ao que es-

tes depõem contra ti? Jesus, porém, guardava silêncio”. No entanto, Jesus continua total-

mente silencioso e recebe todas aquelas palavras caluniosas em silêncio. Alguém pode

achar estranho que Jesus Cristo, que teve uma justa ocasião suficiente para repelir tal falsi-

dade, não contradiz. Mas (como já mencionamos, como veremos ainda mais plenamente)

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Jesus Cristo não estava ali para manter a Sua doutrina como anteriormente. Devemos,

portanto, distinguir prudentemente entre todas as circunstâncias. Pois Jesus Cristo, depois

de ter jejuado no deserto, foi enviado por Deus Pai para anunciar a doutrina do Evangelho.

Durante todo esse tempo, vemos com o que magnanimidade Ele sempre defendeu a

doutrina da qual Ele era Ministro. Nós vemos como Ele se opunha a todas as contradições.

Isso, então, é como Ele mesmo desempenhou o Seu ofício, uma vez que Ele fora enviado

como ministro da Palavra. Mas aqui há uma consideração especial. É que Ele deve ser o

Redentor do mundo. Ele deve ser condenado, de fato, não por ter pregado o Evangelho,

mas para nós, Ele deve ser oprimido, por assim dizer, às mais baixas profundezas e sus-

tentar a nossa causa, uma vez que Ele estava ali, por assim dizer, na pessoa de todos os

amaldiçoados e de todos os transgressores, e daqueles que mereciam a morte eterna. As-

sim, então, Jesus Cristo tem esse cargo, e Ele suporta o fardo daqueles que haviam ofendi-

do a Deus mortalmente, é por isso que Ele mantém silêncio. Então, observemos também

que, quando havia necessidade de que Jesus Cristo mantivesse a doutrina do Evangelho,

e que Seu ofício e sua vocação o exigiam, Ele guardou isso. Todavia, quando, pelo silêncio

Ele realizou o ofício de Redentor, como se Ele aceitasse a voluntária condenação, não foi

pela ausência de consideração por Si mesmo que manteve a Sua boca fechada, pois Ele

estava lá (como eu já disse) em nosso nome. É verdade que Ele fala (como veremos), mas

não é para Sua defesa; não é sem inflamar ainda mais a raiva e fúria dos homens ímpios

contra Ele. Isso, então, é porque Ele não quis escapar da morte, mas entregou-Se volunta-

riamente para ser oprimido, a fim de que pudesse mostrar que Ele esqueceu-se de Si mes-

mo, a fim de nos absolver diante de Deus, Seu Pai. Desta forma, Ele não teve consideração

por Si mesmo, nem pela Sua própria vida, nem mesmo por Sua honra. Era tudo um a sofrer

as vergonhas e desgraças do mundo, desde que os nossos pecados fossem abolidos e

fôssemos absolvidos de nossa condenação.

Quando então se diz: “E, insistindo o sumo sacerdote, disse-lhe: Conjuro-te pelo Deus vivo

que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Disse-lhe Jesus: Tu o disseste; digo-vos,

porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder”, quando for

tarde demais, ou seja, para eles, desde que isso será para a confusão deles. Aqui o nosso

Senhor Jesus fala, mas não é para prostrar-se como um ser humano ao sumo sacerdote e

todo o seu bando. Ao contrário, Ele usa ameaças para atingir-lhes ainda mais. Se antes ele

estava cheio de malícia e crueldade, isto deve acender ainda mais o fogo. Mas, já decla-

ramos que Jesus Cristo não teve consideração por Si mesmo e que, antes, Ele coloca-Se

no dever, o qual Ele tomou a responsabilidade, ou seja, ser nosso Redentor.

Além disso, aqui temos, em primeiro lugar, por assim dizer, inimigos de Deus, que são total-

mente possuídos por Satanás, que ainda abusarão de algum tipo de disfarce de religião,

pois, alguém poderia dizer que este grande sacerdote ainda executa bem o seu ofício,

quando ele conjura a Jesus Cristo pelo Nome do Deus vivo. Mas, é aí que os homens estão

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mergulhados uma vez que Satanás cega os seus olhos. Ele os lança em tal desfaçatez que

eles não têm reverência a Deus, não mais do que eles têm vergonha diante dos homens.

Nesta resposta de nosso Senhor Jesus, temos que observar que Ele deseja declarar tanto

a Caifás e a todo o restante que se Ele está, por assim dizer, desta forma esmagado por

um pouco de tempo, isso não diminuirá a Sua majestade, que Ele pode ser sempre consi-

derado e reputado o Filho Único de Deus. Mas Ele tinha aqui uma consideração ainda mais

elevada. Isso é: que podemos estar certos de que, tendo, assim, humilhado a Si mesmo

por nossa salvação, nada foi perdido de Sua majestade celestial, mas que diante dos ho-

mens Ele estava disposto a ser tão oprimido, a fim de que estejamos totalmente seguros

de que seremos encontrados honrosos diante de Deus, porque todas as vergonhas que

teríamos merecido serão abolidas. Desde, então, o nosso Senhor Jesus manteve silêncio

e Ele não Se defendeu em Sua boa causa; agora nós temos nossas as bocas abertas para

invocar a Deus como se fôssemos justos. Ele ainda é o nosso Advogado, que intercede por

nós. Quando, então, nosso Senhor Jesus suportou, foi no sentido de que agora, em plena

liberdade Ele intercede por nós diante de Deus Pai, embora nós não sejamos nada, senão

vermes miseráveis. Há em nós apenas toda a miséria. No entanto, temos acesso a Deus

para que O invoquemos em particular e para clamar abertamente por Ele, como nosso Pai.

Isto é o que Ele deseja mostrar quando Ele disse: “digo-vos, porém, que vereis em breve o

Filho do homem assentado à direita do Poder”. Nós devemos, então, nos afastar de todos

os aspectos que poderiam nos trazer escândalo, quando vemos que o nosso Senhor Jesus

foi assim humilhado. Então, olhemos para o que foi a finalidade de tudo. Ele quis, então,

ser condenado sem qualquer resistência, a fim de que possamos ser capazes de compa-

recer perante o tribunal de Deus, e que cheguemos ali livremente, sem qualquer medo.

Aprendamos, então, em resumo, cada vez que a história da Paixão é recitada para nós, a

gemer e suspirar vendo que o Filho de Deus teve que sofrer tanto por nós, que nós trema-

mos diante de Sua Majestade até que ele nos apareça. Que estejamos tão resolvidos que

quando Ele vier, isso seja para nos fazer experimentar o efeito do fruto que Ele adquiriu pa-

ra nós por meio de Sua morte e paixão. Além disso, que possamos temer que sejamos con-

tados com aqueles a quem Ele ameaça, dizendo. “Vós vereis em breve” Pois, isso será que

os ímpios e réprobos sentirão o quão terrível é o tribunal de Deus e quão grande é o Seu

poder para lançá-los para baixo quando Ele Se levantar contra eles. Quando São Paulo

também quer falar da condenação que os ímpios e os que são amaldiçoados por Deus su-

portarão, ele diz que eles estarão diante de Sua infinita majestade trêmulos e assustados

diante de Seu olhar.

Desde que é assim, aprendamos a nos humilhar diante do Senhor Jesus. Não esperemos

para ver o olhar da majestade, que Ele mostrará em Sua segunda vinda, mas pela fé con-

templemos a Ele hoje como nosso Rei, e Cabeça dos anjos e de todas as criaturas, e O

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recebamos como o nosso soberano Príncipe. Atribuamos a Ele a honra que Lhe pertence,

sabendo que, como Ele nos é dado por sabedoria, por redenção, por justiça e santidade de

Deus Seu Pai, devemos atribuir a Ele todo louvor, e que é de Sua plenitude que devemos

extrair para que estejamos satisfeitos. Estejamos aconselhados, então, a fazer esta home-

nagem ao nosso Senhor Jesus Cristo, apesar de que hoje nós ainda não vemos o Seu

tribunal preparado. Mas O contemplemos com os olhos da fé e oremos a Deus para que

Ele possa iluminar-nos por Seu Espírito Santo, para que Ele possa nos fortalecer para que

O invoquemos no tempo da angústia, e que isso possa conduzir-nos acima do mundo,

acima de todos os nossos sentidos e de todas as nossas apreensões, de tal forma que o

nosso Senhor Jesus pode ser magnificado hoje por nós como Ele merece. Isso, então, em

resumo, é o que temos que lembrar.

Quanto à declaração que Caifás e os sacerdotes O condenaram à morte, que possamos

aprender a não ser surpreendidos com a obstinação dos ímpios e dos inimigos da verdade.

Hoje, essa doutrina é muito necessária para nós. Pois vemos os grandes deste mundo blas-

femando abertamente contra o Evangelho. Vemos até mesmo em nosso meio que aqueles

que fazem profissão do Evangelho e desejam ser consideradas pessoas reformadas e em

quem parece que há somente o Evangelho, ainda assim condenam como diabos encarna-

dos, ou mesmo como animais furiosos possuídos por Satanás, a doutrina da Evangelho.

Alguém não necessita ir muito longe para ver todas essas coisas. Assim, que possamos

estar seguros contra tais escândalos, e que possamos aprender a sempre glorificar o nosso

Deus. Apesar de Caifás e toda a sua espécie cuspiu suas blasfêmias, tanto quanto eles

queiram, e embora eles digam que Jesus Cristo merece a morte, é necessário que nos

mantenhamos em silêncio sobre tal artigo, embora seja ruim. Embora, então, eles assim

infectem o ar por meio de suas blasfêmias vis e execráveis, ainda assim, nos apeguemos

a essa voz do nosso Senhor Jesus Cristo. Se hoje a Sua verdade é tão falsamente con-

denada pelos homens, e é posta em dúvida, é falsificada, é pervertida, e as pessoas delibe-

radamente viram as costas para ela, ela é forte e poderosa o suficiente para se manter.

Esperemos com paciência até que Ele apareça para a nossa redenção. No entanto, que

todos nós aprendamos a nos humilhar, e dar a Ele toda a glória, pois Ele esteve tão disposto

a inclinar-Se, de fato, a esvaziar-Se de tudo por nossa salvação.

Agora, prostremo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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4º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

Pedro e Judas

“Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros o esbofeteavam,

Dizendo: Profetiza-nos, Cristo, quem é o que te bateu? Ora, Pedro estava assentado

fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: Tu também estavas com

Jesus, o galileu. Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes. E,

saindo para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este

também estava com Jesus, o Nazareno. E ele negou outra vez com juramento: Não

conheço tal homem. E, daí a pouco, aproximando-se os que ali estavam, disseram a

Pedro: Verdadeiramente também tu és deles, pois a tua fala te denuncia. Então

começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem. E

imediatamente o galo cantou. E lembrou-se Pedro das palavras de Jesus, que lhe

dissera: Antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou

amargamente. E, chegando a manhã, todos os príncipes dos sacerdotes, e os

anciãos do povo, formavam juntamente conselho contra Jesus, para o matarem; E

maniatando-o, o levaram e entregaram ao presidente Pôncio Pilatos. Então Judas, o

que o traíra, vendo que fora condenado, trouxe, arrependido, as trinta moedas de

prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, Dizendo: Pequei, traindo o

sangue inocente. Eles, porém, disseram: Que nos importa? Isso é contigo. E ele,

atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar. E os

príncipes dos sacerdotes, tomando as moedas de prata, disseram: Não é lícito

colocá-las no cofre das ofertas, porque são preço de sangue. E, tendo deliberado

em conselho, compraram com elas o campo de um oleiro, para sepultura dos

estrangeiros. Por isso foi chamado aquele campo, até ao dia de hoje, Campo de

Sangue. Então se realizou o que vaticinara o profeta Jeremias: Tomaram as trinta

moedas de prata, preço do que foi avaliado, que certos filhos de Israel avaliaram, E

deram-nas pelo campo do oleiro, segundo o que o Senhor me determinou.” (Mateus

26:67-75, 27:1-10)

Como São Paulo diz que a pregação do Evangelho é cheiro de vida para aqueles a quem

Deus chama à salvação e cheiro de morte para todos os réprobos que perecem, também

temos dois exemplos notáveis que estão aqui propostos para nos mostrar que a morte e

paixão do Filho de Deus promoveu a salvação de um e lançou o outro em condenação.

Pois, na queda de Pedro é visto a necessidade que ele tinha de ser retirado da cova em

que ele fora preso. Por enquanto ele estava lá, ele fora banido do reino dos céus, ele se

alienou de toda a esperança de salvação e apartou-se da Igreja, como um membro podre.

No entanto, a morte de nosso Senhor Jesus não deixou de beneficiá-lo, embora ele não

fosse digno dela. Quanto a Judas, é dito que, vendo que Jesus Cristo é condenado, ele é

tomado pelo desespero. Agora, nesta condenação de nosso Senhor Jesus (como já disse-

mos) é preciso ter coragem para esperar em Deus. Pois, nós somos absolvidos em virtude

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do fato de que o nosso Senhor Jesus foi condenado. Mas, foi necessário que nós tivésse-

mos aqui estes dois espelhos, a fim de que sejamos tanto melhor capazes de saber que

sem que sejamos chamados pela graça especial para compartilharmos do fruto da paixão

e morte do Filho de Deus, isso será inútil para nós. Não basta, portanto, que o nosso Senhor

Jesus Cristo tenha sofrido, mas que o bem que Ele adquiriu para nós seja comunicado, e

nós sejamos colocados em posse disso. Isso é feito quando somos atraídos a Ele pela fé.

Mas, para entender melhor tudo isso, sigamos o fio da história que é aqui narrada para nós.

Diz-se que o nosso Senhor Jesus foi tratado com toda a desonra na casa de Caifás, que

eles cuspiram em Seu rosto, que Ele foi insultado e zombado, chamaram-nO de “Profeta”,

de fato, em desgraça. Agora isso, a fim de que possamos saber que o que Ele sofreu em

Sua pessoa era para libertar-nos diante de Deus e diante dos Seus anjos. Pois, ninguém

precisa cuspir em nossa face para que suportemos muitas máculas e manchas diante de

Deus. Todos nós não somos apenas desfigurados por nossos pecados, mas cheios de in-

fecção e abominação. Além disso, aqui está o Filho de Deus, que é a Sua imagem viva, on-

de a Sua glória e majestade brilham, que sofreu tais vergonhas, a fim de que em Seu nome

agora possamos comparecer diante de Deus para obter graça e para que Ele nos conheça

e nos tenha como Seus filhos, e que todas as nossas manchas e máculas sejam apagadas.

Isso, eu digo, é o que temos que considerar em primeiro lugar.

Agora chegamos à queda de Pedro. Está escrito: “aproximando-se dele uma criada, disse:

Tu também estavas com Jesus, o galileu. Mas ele negou diante de todos”. Outra criada o

viu, e ele negou outra vez. Então, o pressionam mais e fazem disso um completo dilema.

Então ele começa a jurar, e até mesmo a xingar e a usar a forma de execração. Como se

ele dissesse: “Talvez eu seja condenado, posso perecer, a terra pode devorar-me se eu co-

nhecê-lO”. Aqui, então, está a queda de São Pedro, e não uma, mas três, que são tão pesa-

das e tão enormes que certamente devemos temer ao ler esta história. Agora, nós sabemos

o zelo que estava nele. Além disso, ele havia sido elogiado por nosso Senhor Jesus Cristo,

e o nome de Pedro fora dado a ele para assinalar a firmeza e constância de sua fé; ele ha-

via sido ensinado em uma tão boa escola. Ele tinha ouvido esta doutrina: “Mas qualquer

que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos

céus” [Mateus 10:33]. No entanto, vemos como ele cambaleia. Cada um, então, aqui deve

certamente tremer. Pois, sem que sejamos sustentados do alto, a fraqueza de Pedro não

era maior do que a nossa. Então, em primeiro lugar, vemos como os homens são frágeis,

tão logo Deus solte a Sua mão. Pois isso não é dito de algum escarnecedor, de algum ho-

mem profano, de alguém que nunca ouvira falar minimamente do Evangelho, que não temia

a Deus, e que não prestava nenhuma reverência ao nosso Senhor Jesus Cristo. É total-

mente o contrário. Pois, já havia alguns excelentes dons em Pedro. Havia sido dito a ele,

desde a boca do Filho de Deus, “porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai,

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que está nos céus” [Mateus 16:17]. Isso é, o Espírito de Deus que habitava em Pedro. No

entanto, quão pouco ele resiste a renunciar ao nosso Senhor Jesus diante de uma criada!

Se um homem o houvesse repreendido, ou se fosse alguma pessoa honrada que o tivesse

atacado, haveria alguma desculpa. Mas vemos que foi necessário apenas uma criada para

fazê-lo desistir da esperança de vida e da salvação.

Contemplemos, então, na pessoa de Pedro, que é muito necessário que Deus nos fortaleça

a cada minuto. Porque, do contrário, é impossível perseverar. Embora possamos ser tenta-

dos a nos aproximar de Deus, e embora possamos ter praticado muitos atos virtuosos, mes-

mo tudo, ao mínimo movimento, nós seremos totalmente desvirtuados, a menos que Deus

continue a nos conceder constância invencível. Aprendamos, então, a praticar a admoes-

tação de São Paulo: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia” [1 Coríntios 10:12].

É verdade que não podemos preservar-nos. Mas vamos recorrer Àquele que tem os meios.

De qualquer maneira, caminhemos com toda a humildade. São Paulo diz em outra passa-

gem: “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua

boa vontade” “De sorte que (diz ele), operai a vossa salvação com temor e tremor” (Filipen-

ses 2:13, 12b).

Como se ele dissesse que toda presunção certamente deve ser abatida, e de fato toda indi-

ferença. Quando nós vemos que temos necessidade de ser ajudados por Deus, e de tantas

maneiras, não é correto que estejamos vigilantes e que não presumamos nada de nossa

própria força, mas que sejamos solícitos para clamar a Deus noite e dia, e esperarmos que

Ele nos guarde e guie?

Isso, então, é o que temos que observar, em primeiro lugar. É ainda muito necessário que

nós assumamos que as tentações, embora possam não ser grandes, terão rapidamente

nos oprimido, a menos que Deus pela Sua graça opere nisso e o remedei. E aqueles que

imaginam ser os mais resistentes, quando eles estão longe de golpes, encontram-se, por

assim dizer, perdidos se houver apenas um pouco de vento que sopra. É verdade que, se

Deus nos ajuda, perseveraremos, embora surjam grandes tempestades. Porque conhece-

mos a figura de linguagem que o nosso Senhor Jesus Cristo evocou: que uma casa bem

alicerçada e construída de material bom, embora venha sobre ela uma grande torrente, ela

sempre permanece; mas a que é edificada sobre a areia em breve desmorona e vem a

arruinar-se. Então, quando nós formos edificados sobre o nosso Deus e Ele estender a Sua

forte mão, certamente seremos capazes de suportar grandes e mui árduos alarmes. Mas,

apesar de não haver qualquer inimigo que nos combata, ainda assim, seremos imediata-

mente vencidos quando Deus Se retira de nós ou solta a nossa mão, como vemos em

Pedro.

Mas, ainda pior é que ele não somente nega o Senhor Jesus uma vez. Mas ele repete quan-

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tas vezes ele é questionado. Vemos que não importava nada para ele que estivesse indo

de mal a pior, mesmo até acrescenta execração, por assim dizer, pedindo que Deus o amal-

diçoe e o consumisse. Quando vemos isso, saibamos que aquele que caiu, em vez de que-

rer ser logo restaurado, mergulhará cada vez mais profundamente em ruínas, até que ele

completamente pereça nela, a menos que Deus o impeça. Esta é a condição dos homens.

Desde o início eles imaginam que eles são maravilhosos em seu próprio poder. No entanto,

nosso Senhor mostra por experiência que isso não é nada, e que basta apenas um pequeni-

no vento sopre, e eles são abatidos. Ainda assim, eles estão convencidos de que podem

levantarem-se novamente. Mas, pelo contrário, apenas aumentam o seu mal, acrescentan-

do culpa sobre culpa, transbordando ainda mais com ações absurdas. Se São Pedro fosse

tentado cem vezes em um dia, ele teria renunciado a Jesus Cristo uma centena de vezes,

talvez mil ou mais e isso é o que ele teria desejado a menos que Deus tivesse piedade dele.

E Deus o poupou, e não queria prová-lo ainda mais. No entanto, as três quedas aqui menci-

onadas são o suficiente para mostrar um exemplo terrível, e que deveria fazer-nos estre-

mecer, por fim quando vemos que, pela terceira vez Pedro, então, esqueceu de si mesmo

e que ele estava tão sem sentido quanto um bruto ao renunciar a sua salvação. Além disso,

devemos sempre observar que, se ainda outras tentações viessem sobre ele, ele não lhes

teria resistido melhor e ele teria sido colocado em profundezas mais intensas a menos que

Deus o poupasse disto.

Isso, então, é como nós devemos aproveitar desta doutrina. Agora nós não ouvimos essas

coisas, a fim de julgar Pedro e condenar sua covardia. Pois, tenham certeza, não podemos

fazê-lo com justiça, mas se for necessário em primeiro lugar receber instrução, que possa-

mos conhecer a nossa fraqueza, que possamos até mesmo saber que não podemos fazer

absolutamente nada, de forma que não sejamos inchados com orgulho, atribuindo a nós

mesmos alguma virtude, por meio de tola opinião. Entretanto, que também saibamos, desde

que o Diabo tem tantos meios para promover nossa ruína, que ele logo colocaria um fim

em nós, já que São Pedro caiu sem que ele fizesse qualquer aparição. Então, finalmente,

saibamos que o nosso Senhor Jesus tem piedade de nós, quando Ele não permite que

sejamos tentados além do limite. Pois é certo que sempre muitíssimo mal seria descoberto,

e isso não teria fim, a menos que fôssemos preservados por Sua bondade. Estas são todas

as coisas que temos para observar aqui.

No entanto, é dito: “cantou o galo (como São Lucas relata). E, virando-se o Senhor, olhou

para Pedro, e Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe havia dito: Antes que o

galo cante hoje, me negarás três vezes. E, saindo Pedro para fora, chorou amargamente”

[Lucas 22:60-62]. Por esta conclusão é-nos mostrado (como já mencionei) que a morte e a

paixão de Nosso Senhor Jesus já produziram o seu efeito e o seu poder naquele Pedro que

foi levantado a partir de uma queda tão horrível. Pois, não é um milagre que Deus teve

piedade dele e que ele ainda alcançou misericórdia depois de ter cometido um erro tão

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detestável? Nós declaramos que não ele não poderia ter a desculpa da ignorância, como

se a culpa por ter renunciado a Jesus Cristo fosse pequena. Pois havia sido dito e pronun-

ciado para ele que se ele não fizesse a confissão de sua fé e desse testemunho diante dos

homens, ele mereceria ser totalmente negado diante dos anjos de Deus e que seu nome

seria riscado do livro da vida. No entanto, não importa a ele trocar esta vida miserável e frá-

gil por tão vil e tão estranha renúncia. Na verdade, ele nem ainda sequer é levado perante

os juízes. Ele não é questionado ao limite. Há apenas uma criada que lhe fala. Embora eles

houvessem sido rudes com ele suficientemente, ainda assim ele teria lutado apenas como

uma pobre criatura malfadada. No entanto, ele não se esqueceu todo o temor de Deus.

Quando, então, nós observamos isso, pensemos quanto mais necessário foi para nós que

Deus tenha demonstrado os tesouros infinitos de Sua bondade, quando Ele ainda fez Pedro

participante do fruto da paixão e morte de Seu Filho.

Isso é, então, um milagre que deve nos encantar, que Pedro obteve remissão por uma tão

grande ofensa, de fato, como parece, por seu arrependimento. Pois é certo que, se um

homem é tocado rapidamente, depois de ter falhado, e ele geme e clama diante de Deus

para obter o perdão, é um sinal de que Deus já o recebeu, e que Ele o reconciliou conSigo

mesmo. Pois também o arrependimento é um dom peculiar do Espírito Santo, que nos mos-

tra que Deus tem piedade de nós e que Ele não quer que pereçamos. Mas, Ele nos atrai a

Si mesmo. Agora nós vemos isso em Pedro. Segue-se, então, que a morte e a paixão de

Nosso Senhor Jesus Cristo já fora proveitosa para ele, de fato, de uma forma maravilhosa,

como eu já disse. Mas, em primeiro lugar, devemos observar que São Pedro sempre perma-

neceu sonolento e estúpido até que ele recebeu o sinal de que o nosso Senhor Jesus Cristo

o alertara, isto é, que o galo não cantaria até que ele O renunciasse por três vezes, ou me-

lhor, que o galo não cantaria pela segunda vez, sem que Pedro fizesse suas renúncias. Já

que é assim, então, que se ele não fosse advertido por nosso Senhor Jesus Cristo, ele teria

permanecido ali no seu pecado e ele estaria eternamente mergulhado em perdição, saiba-

mos que precisamos ser solícitos depois de termos cometido alguma falha. Porque, se

formos privados da graça de Deus e Ele não nos exortar a voltar para Ele, é certo que esta-

ríamos enredados por Satanás e todos os nossos sentidos estariam brutalizados de modo

que não teríamos nem qualquer escrúpulo nem bom movimento para voltar ao caminho da

salvação.

Isso, então, é o que devemos contemplar ainda mais na pessoa de Pedro. Mas quando São

Lucas diz que Jesus Cristo olhou para ele, através disso somos muito melhor ensinados

que não é suficiente que sejamos aferroados e que alguém puxe nossas orelhas para nos

fazer voltar para Deus, mas Jesus Cristo deve lançar Seu olhar sobre nós. Agora, é verdade

que aqui se fala apenas quanto aos olhos. No entanto, nosso Senhor Jesus não conversa

conosco de forma visível. No entanto, é certo que até que Ele lance Seu olhar sobre nós,

seremos sempre insensatos e teimosos em nossas falhas e nunca pensaremos em gemer

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e lamentar, embora possamos ter provocado a ira de Deus. Embora Ele tenha retesado o

Seu arco e Sua espada seja desembainhada, permaneceremos sempre em nossa indife-

rença até que nosso Senhor Jesus nos faça sentir que Ele não Se esqueceu de nós e que

Ele não quer que nós pereçamos, mas deseja chamar-nos de volta para Si mesmo. E isso

pode ser assim, nós ouvimos sermões diários, pelo qual somos exortados ao arrependi-

mento. E como somos tocados por eles? Existem tantas advertências quantas poderiam

haver. Toda a criação não nos estimula a vir a Deus? Se os nossos sentidos estão bem go-

vernados, de modo a ter alguma partícula de prudência, quando o sol nasce de manhã, isso

não nos chama para adorar o nosso Deus? Depois disso, se observarmos como a terra e

todos os elementos realizam seus ofícios, os animais e as árvores, que nos mostram que

devemos nos preparar para o nosso Deus, a fim de que Ele seja glorificado em nós, e que

nós não pensemos em fazer o contrário. O galo, então, cantou bem, e não somente o galo,

mas Deus faz com que todas as Suas criaturas acima e abaixo cantem para nos exortar a

vir a Ele. Além disso, Ele certamente Se digna a abrir Sua boca sagrada por meio da Lei,

através de Seus profetas, e através do Evangelho, para dizer: “Voltem para Mim”. No

entanto, é visto, por assim dizer, que nós somos tolos. Tal tolice é vista em nós que somos,

por assim dizer, monstros. É muito necessário, então, que o nosso Senhor Jesus nos consi-

dere em compaixão, como fez a Pedro, a fim de extrair de nós verdadeiros lamentos a dar

testemunho de nossa penitência. Pois, quando se diz que Pedro chorou amargamente, é

notada a tristeza de que São Paulo fala em 2 Coríntios, quando ele diz que ela opera para

a salvação (2 Coríntios 7:9-10), e não devemos fugir deste tipo de tristeza, mas antes deve-

mos até mesmo procurá-la. Embora, naturalmente, desejemos nos divertir e não sentir qual-

quer incômodo, ainda temos que ter alguma melancolia. Como quando Deus nos toca com

a angústia, temos que ser atormentados em nossos corações, depois de termos Lhe ofen-

dido. Pois, tal agitação deve conduzir-nos ao real descanso e tal tristeza deve fazer-nos

alegrar diante de Deus e diante dos anjos.

Logo bem veremos que Judas se arrependeu, mas este arrependimento é de outro tipo

bem diferente. Mas Pedro chorou para mostrar que ele estava muito insatisfeito em seu pe-

cado e ele completamente voltara para Jesus Cristo. Notemos também que “saindo dali,

chorou amargamente”. É verdade que isso ainda procedeu de sua fraqueza, de forma que

temia mostrar seu arrependimento diante da multidão. Mas, embora isso possa ser, quando

ele chora sozinho, ele também mostra que ele está tocado por sua culpa e ofensa. Porque

não procura homens para que testemunhem o seu arrependimento, mas está sozinho, ele

chora diante de Deus. Essa é também a forma como devemos fazê-lo. Porque, se nós

choramos somente diante dos homens, por meio disso mostraremos a nossa hipocrisia.

Mas quando cada um tem recolhido os seus pensamentos, e ele examina suas faltas e

pecados, se ele é, então, afetado com a angústia, é um sinal de que não existe falsidade

nele, e que ele conhecia o seu Juiz, e que ele está ali para pedir perdão, e ele sabia muito

bem que é o ofício de Deus chamar de volta das profundezas aqueles que já estão, por as-

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sim dizer, condenados e perdidos. Isso, então, em resumo, é o que temos que lembrar a

partir do relato aqui dado sobre a queda de Pedro, e sobre estas três renúncias, que ele

merecia ser cortado do Reino de Deus, a não ser que Jesus Cristo já houvesse mostrado

o poder de Sua morte e paixão, a fim de atraí-lo ao arrependimento, como vemos que a-

conteceu.

Em seguida, é dito: “todos os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos do povo, formavam

juntamente conselho contra Jesus, para o matarem”. Mas porque isso não estava em seu

poder, O levaram amarrado e preso ao governador que tinha jurisdição sobre o país, isto é,

Pôncio Pilatos. Depois o Evangelho diz que Judas arrependeu-se, vendo que Jesus Cristo

fora condenado, e jogou o dinheiro que ele havia recebido como preço e pagamento por

sua traição e completamente confessou sua culpa. No entanto, os sacerdotes não estavam

dispostos a receberem o dinheiro, antes com este compraram o campo do oleiro, onde

deveria ter havido alguma olaria de forma que o campo era inútil e não poderia ser cultivado

nem semeado. Eles compram, então, este campo para sepultar estrangeiros. Na verdade,

eles fizeram isso sob a aparência de alguma devoção. Pois, eles disseram que não era

lícito que esse dinheiro fosse colocado com as ofertas do Templo. Diante disso, o escritor

do Evangelho diz que o que foi dito pelo profeta, foi cumprido, que os trinta denários, pelos

quais Deus fora avaliado pelo povo de Israel, seria arrojado ao campo do oleiro. Temos que

considerar aqui o que já foi iniciado, ou seja, que a morte e a paixão de nosso Senhor Jesus

não concede fruto a todos os homens, porque é uma graça especial que Deus dá aos Seus

eleitos quando Ele os toca pelo Seu Espírito Santo. Embora tenham caído, Ele os levanta.

Embora eles tenham se desviado, como ovelhas errantes, Ele os corrige e estende a eles

a Sua mão a fim de trazê-los de volta para o Seu aprisco. Porque há um Judas que está

totalmente fora do número de filhos de Deus. É necessário que a sua condenação apareça

diante dos homens e que seja totalmente óbvia.

Por isso, aprendamos (seguindo o que já mencionei) a conhecer em tudo e por meio de

tudo, a bondade inestimável do nosso Deus. Porque, assim como Ele declarou Seu amor

para com a humanidade quando Ele não poupou Seu Filho Único, mas O entregou à morte

pelos pecadores, Ele declara também um amor que Ele tem para conosco, especialmente

quando pelo Seu Espírito Santo Ele nos toca pelo conhecimento de nossos pecados e Ele

nos faz clamar e nos atrai a Si com arrependimento. A entrada, então, que nós temos que

vir para o nosso Senhor Jesus Cristo não procede de nós, mas é na medida em que Deus

nos governa e que agradou a Ele mostrar a Sua eleição. E essas circunstâncias são dignas

de nota. Contemplem Judas, que tinha sido um discípulo de nosso Senhor Jesus Cristo.

Ele fez milagres em Seu Nome. No entanto, qual é a questão disso? Que possamos, então,

aprender a temer e andar em solicitude para com Deus, lançando-nos inteiramente sobre

o nosso Deus; e que possamos orar para que Ele não nos permita cair em tal confusão,

como este miserável. E mesmo quando caímos, que Ele nos levante de novo pelo Seu po-

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der, e para que voltemos a Ele; não com tal arrependimento como o de Judas, mas com

uma verdadeira e justa confissão. Pois, os ímpios zombam de Deus tanto quanto puderem.

Eles estão satisfeitos em seus pecados. Eles até mesmo gloriam-se neles, e, no fim, eles

se tornam tão sem vergonha como prostitutas, como é dito pelos profetas Jeremias e Eze-

quiel. Além disso, no fim, Deus faz-lhes sentir os seus pecados, e eles ficam em tal temor

que se preocupam e clamam “ai de mim!” Mas, isso não é a fim de conceber alguma espe-

rança e apresentarem-se a Deus. Pelo contrário, é uma fúria que os impulsiona. Eles fogem,

tanto quanto possível e eles gostariam de derrubar Deus de Seu trono. É apenas uma

questão de choro e ranger os dentes em rebelião completa contra Ele.

Agora, nós viemos a outro tipo de arrependimento; isto é, não aquele em que temos medo,

visto que não podemos escapar do julgamento e da mão de Deus; mas aquele em que nós

confessamos nossos pecados, e os odiamos; e que não nos impedirá de nos aproximarmos

de Deus, de fato, sendo convocados perante Ele sem sermos atraídos a Ele pela força; mas

de nossa própria boa vontade, vamos a Ele para prestar-Lhe homenagem, e confessar que

nós merecemos perecer; no entanto, a certeza de que embora nós mereçamos cem mil

mortes, Ele não deixará, contudo, se apiedará de nós. Esse foi o arrependimento de Pedro.

Mas esse de Judas deve nos mostrar que não é suficiente ter algum sentimento de nossas

faltas e alguns escrúpulos, mas temos que ser totalmente convertidos a Deus. Isso é muito

notável, porque nós vemos como muitos, e quase todos, se gabam. Quando eles fizeram

confissão em uma palavra de suas falhas, embora sejam graves, parece-lhes que eles es-

tão livres e puros, como se tudo o que tivessem a fazer fosse limpar a boca. E mesmo que

alguma instância seja mencionada a eles, eles imaginam que eles repararam um grande

erro. “Por quê?”, dizem, “Eu já não reconheci minha culpa? Eu não fiz penitência?”. Isso é

todo o pagamento que eles fazem, como se Deus fosse uma criancinha que foi apaziguada

por algumas risadas, ou até mesmo um riso falso, que é cheio de hipocrisia e mentira. [...].

Temamos, pois, quando Deus nos admoesta e Ele nos faz sentir nossas falhas, não venha-

mos a ficar estagnados de modo nenhum, por que isso não é devidamente arrependimento.

Mas aqui está o teste pelo qual podemos saber se estamos verdadeiramente arrependidos

ou não. É quando de nossa própria livre vontade nós buscamos completo acordo com Deus

e não fugimos, quando julgados por Ele, de fato, desde que Ele nos receba em misericórdia.

Isto é o que Ele fará depois que nos declaramos culpados. Pois, quem julgar a si mesmo,

a fim de declarar-se culpado diante de Deus, diante de anjos, e diante dos homens, será

justificado e absolvido, desde que ele somente clame a Deus para que Ele lhe seja favo-

rável. Isso então, em resumo, é o que temos que observar.

Agora, esta confissão de Judas teve que ser feita para tornar os sacerdotes totalmente mui

indesculpáveis. Também o escritor do Evangelho faz este relato para que possamos con-

templar tanto melhor a cegueira que Satanás havia colocado em todos esses réprobos, e

que cada um possa refletir sobre si mesmo. Quando Deus nos propõe exemplos de Sua ira

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e de Sua vingança e Ele mostra que os homens são, por assim dizer, loucos, que eles são

depravados de senso e de razão, que eles são (fugazmente) brutais ao arremessarem-se

em uma fúria infernal; é para que cada um de nós abaixe a cabeça e que cada um de nós

saiba que muitas vezes poderia chegar a esse ponto, a não ser que seja preservado pela

bondade e graça de nosso Deus. No entanto, sejamos aconselhados a não lutar contra nos-

sas próprias consciências como os sacerdotes fizeram. Pois, todos aqueles que assim se

endurecem contra Deus, no final, cairão em tal condição reprovável que eles não terão mais

qualquer razão em si mesmo. Mesmo depois de serem assim arruinados diante de Deus,

eles também deixarão de estarem de todo envergonhados diante dos homens. Pois é uma

coisa boa que a baixeza deles seja mostrada para todos e que eles sejam colocados em

tal desgraça que todos fiquem horrorizados com a sua vilania.

Esse é, então, o motivo pelo qual o escritor do Evangelho aqui nos relatou que quando Ju-

das chegou a devolver o dinheiro, os sacerdotes de modo algum foram comovidos por isso.

É verdade que eles disseram que não é lícito colocá-lo na arca do tesouro, pois este é preço

de sangue. É assim que os hipócritas sempre cultivam as aparências, para produzirem uma

sombra e uma cobertura para as suas iniquidades. Mas isso é apenas para zombar de

Deus. Pois, eles nunca vêm em integridade e transparência a Ele. Pois o que é dito aqui?

“Oh, não é lícito colocá-las no cofre das ofertas, porque são preço de sangue”. Então, esse

dinheiro, havia sido roubado? Sabe-se que os sacerdotes viviam das ofertas do Templo.

Como hoje no Papado, aqueles que são chamados prelados e pessoas da Igreja devoram

as oblações e não se importam com que finalidade eles as aplicam. Embora os sacerdotes

tivessem retirado das ofertas do Templo o dinheiro que haviam dado a Judas, isso não im-

portou a eles; eles não têm nenhum respeito. Agora eles questionam-se se devem colocar

esse dinheiro de volta no cofre das ofertas; e por estes meios eles repelem Judas, por assim

dizer, por zombaria, como se dissessem: “Talvez este homem mau traiu seu mestre. Temos

apenas que determinar se fez bem ou mal. No entanto, a fim de que não sejamos partici-

pantes da sua ofensa, e para que mantenhamos nossas mãos limpas (uma vez que eles

haviam usado esse dinheiro para tal finalidade) compremos com ele um campo para o se-

pultamento dos estrangeiros”. Na verdade, para dizer que eles haviam certamente agrada-

do a Deus e que Ele pode não saberia como requerer mais, embora houvesse alguma falha

no que eles fizeram.

É assim que os hipócritas sempre terão as suas satisfações, pensando em comprar o seu

escape, mas isso é apenas meninice. No entanto, deixe-nos saber que isso é recitado para

nós, a fim de que possamos aprender, quando caímos, a reconhecermos as nossas falhas,

em verdade, e não para que façamos voltas de um lado ou de outro, mas em tudo e por tu-

do francamente suportemos a condenação. Isso é, então, o que é mostrado para nós. En-

quanto isso, oremos a Deus para que Ele remova de nós a venda que Satanás está tentan-

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do colocar, a fim de que não murmuremos em nossas lisonjas, querendo desculpar-nos do

mal, mas que cada vez mais possamos nos dar ao trabalho de examinar bem todos os nos-

sos vícios, a fim de condená-los e fazermos uma correta confissão deles. Além disso, tam-

bém vemos como Deus abate a opinião de hipócritas, que, por final, eles permanecem

frustrados com o que tinham fingido. Porquanto os sacerdotes certamente quiseram apagar

sua culpa e que ninguém jamais mencionasse isso, e por isso eles fingiram comprar um

campo para o enterro de estrangeiros, mas Deus torna isso inteiramente ao contrário da

intenção deles. Pois, este campo veio a ser chamado de “campo de sangue” ou “campo de

assassinato”. Esse memorial deve ser perpétuo e permanece para sempre na boca dos

homens, mulheres e crianças, de modo que este crime detestável que fora assim cometido

pelos sacerdotes é diariamente conhecido e manifesto, e eles dizem: “Contemplem, o cam-

po de sangue, ou seja, o campo que foi comprado com o preço da traição. E quem fez isso?

Os sacerdotes e os principais de todo o povo”. Então, nós vemos, quando hipócritas tentam

esconder-se em seus crimes e dissimulam, que Deus revela a vilania deles ainda mais e

faz com que a sua vergonha seja conhecida por todos os homens e que todos os mante-

nham em repulsa. É por isso que eu disse ser totalmente necessário que sejamos aconse-

lhados a ir a Deus e ali, confessar todos os nossos pecados, a fim de que possamos agradá-

lO, para sepultá-los diante dEle, diante dos Seus anjos, e diante de todo o mundo, após tê-

los reconhecido.

Por fim, o escritor do Evangelho cita uma passagem do profeta para mostrar que isso não

é relatado apenas por causa do pecado de Judas, ou por causa da obstinação diabólica

dos sacerdotes, mas por causa da condenação de todas as pessoas em geral. Ele diz,

então, “se realizou o que vaticinara o profeta: Tomaram as trinta moedas de prata, preço

do que foi avaliado, que certos filhos de Israel avaliaram, E deram-nas pelo campo do oleiro,

segundo o que o Senhor me determinou”. Agora Zacarias, de quem esta passagem é extraí-

da, compara nosso Senhor Jesus Cristo a um Pastor, e diz que desejando governar o povo

judeu, Ele tinha tomado a Sua vara, ou Seu cajado de pastor, que foi chamado de “Graça”,

para dizer que Ele tinha uma condição tão bem ordenada que era possível dentre aquele

povo, de fato, que Ele fosse permitido conduzir pela mão de Deus. Pois, há alguma coisa

mais desejável? E que isso seja assim, onde está a nossa soberana alegria e bem-aventu-

rança, a menos que Deus se preocupe com a nossa salvação e Ele execute o ofício de

Pastor em nosso meio? Isso, então, era um governo de Deus naquele povo, quando se fala

desta vara, não de um cajado que existe para atacar e quebrar tudo, mas para liderar e go-

vernar pacificamente as ovelhas que se tornam dóceis. Agora, diz-se que mais uma vez

que Ele tomou uma segunda vara. Como de fato, quando as pessoas foram trazidas do

cativeiro da Babilônia, Deus, em seguida, voltou para Sua posição como Pastor. Depois de

uma dissipação tão horrível quanto a que existiu anteriormente, Ele reúne o povo para

governá-los pacificamente sob a Sua mão. Mas por final, havia tal vil ingratidão que Deus

desfez-se de tudo [Zacarias 11:11]. Então, Ele diz: “Oh, vejo o que é isso; eu não preciso

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perder Meu tempo ou Minha preocupação com vocês”. Ele fala aqui da maneira comum dos

homens. “Dai-me o meu salário e, se não, deixai-o”. Diante disso, eles trouxeram-Lhe trinta

moedas de prata. “O quê?”, Ele diz, “Esta é a recompensa ou salário que recebo de vocês?”.

Pois, quando Ele fala de trinta moedas de prata, Ele considera as oblações que eles fizeram

no Templo. Elas eram (desde que eles as usaram em hipocrisia, sem fé e sem arrepen-

dimento) apenas cerimônias vãs, que, no entanto, os sacerdotes e os judeus valorizavam

altamente. Como hoje os Papistas, quando eles têm feito muitas “santas” e todas as suas

belas devoções, lhes parecem que Deus está quase em débito para com eles. Agora Deus

diz que tudo isso é apenas lixo. “Como”, diz Ele, “lucrei por vocês terem passado por isso?

Talvez este seja o pagamento de um pastor, estou-lhes muito grato. Oh, não, não! Não te-

nho nada a ver com isso. Vão, arrojem isto ao campo do oleiro, e que vocês decorem as

bocas e cabos de suas vasilhas com isso! Vão! Eu estou deixando vocês. Usem isso na

sua olaria”. Como se Ele dissesse: “Se chove em vosso Templo, corrijam isso vocês mes-

mos. Quanto a Mim, Eu já não tenho qualquer parte ou porção com vocês. Eu queria que

vocês fossem embora. E não pensem em Me apaziguaram aqui, trazendo-Me, por assim

dizer, o pagamento de um miserável. Eu não aprovo nada disso”. Isso, então, é o que o

profeta, em resumo, intencionou.

Agora, conhecemos que o que foi previsto sobre o nosso Deus, assim foi cumprido na Pes-

soa de nosso Senhor Jesus Cristo, que é o nosso verdadeiro Deus manifestado em carne.

Por isso, foi necessário que de forma visível essa passagem fosse verificada, e que Jesus

Cristo fosse avaliado em apenas trinta moedas de prata, isto é, que o povo mostrasse tal

vil ingratidão para com Ele, que era o Eterno Pastor, a Quem Deus estabelecera sobre o

Seu povo. O certo é que desde que o povo deixara de ser governado por Deus, também

nosso Senhor Jesus sempre realizou o cargo de Mediador, de fato, embora Ele ainda não

houvesse aparecido em carne humana. Devemos lembrar bem disso bem, a fim de que

possamos aprender de nossa parte que se Deus tem exercido a graça de receber-nos, por

assim dizer, sob a Sua mão, e nós somos o Seu rebanho, e Ele nos dá o nosso Senhor

Jesus Cristo, por um Pastor, não O firam, de forma que Seu Espírito seja entristecido e can-

sado por nossos atos de rebeldia e ingratidão. Também, não joguemos nEle quaisquer bu-

quês de flores (como se diz no provérbio comum), mas, desde que Ele se oferece a nós,

que possamos nos apegar a Ele como nosso Deus e Rei, que possamos dedicar toda a

nossa vida a Ele, e que não possamos trazer-Lhe um pagamento que Ele rejeita; mas nos

apresentar a Ele, tanto as nossas almas e os nossos corpos. Pois, também é mui certo que

Ele deve ter preeminência sobre todos nós e que Ele nos possua totalmente, quando

consideramos que Ele busca apenas a nossa salvação.

Agora, para finalizar e chegar à conclusão, é dito: “E foi Jesus apresentado ao presidente,

e o presidente o interrogou, dizendo: És tu o Rei dos Judeus? E disse-lhe Jesus: Tu o dizes.

E, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. Disse-

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lhe então Pilatos: Não ouves quanto testificam contra ti? E nem uma palavra lhe respondeu,

de sorte que o presidente estava muito maravilhado” [Mateus 27:11-14]. Em primeiro lugar

temos que manter em memória, quando o nosso Senhor Jesus Cristo é julgado diante de

um juiz terreno, que isso ocorreu a fim de que possamos ser isentos e absolvidos da conde-

nação que nós merecemos perante o Juiz celestial. Sabemos que não podemos fugir do

que está escrito pelo profeta Isaías, que todo joelho deve se dobrar diante de Deus (Isaías

45:23). Desde que Deus é o Juiz do mundo, como podemos subsistir diante de Sua face e

diante de Sua Majestade? Não há um de nós que não seja obrigado a condenar-se cem mil

vezes. Quando vivemos apenas um ano no mundo, já existem centenas de milhares de pe-

cados, pelos quais merecemos ser condenados. Não há ninguém que não tenha este teste-

munho gravado em seu coração, e que não esteja convencido disso. Ora, Deus vê muito

mais claramente do que nós, como é que Ele não nos condena, quando cada um é obrigado

a condenar-se, em verdade, de muitas maneiras? Mas aqui o nosso Senhor Jesus é subme-

tido a esse extremo de ser acusado perante um juiz terreno, mesmo diante de um homem

profano, diante de um homem que era impulsionado apenas por sua ganância e sua ambi-

ção. Quando, pois, o Filho de Deus é humilhado a esse ponto, saibamos que isso é para

que sejamos capazes de chegar de cabeças erguidas diante de Deus, e para que Ele possa

nos receber, e que o medo já não possa nos fazer recuar a partir de Seu tribunal, mas que

nós ousemos nos aproximar com coragem, sabendo que seremos recebidos ali em miseri-

córdia. Sabemos mesmo que Jesus Cristo adquiriu autoridade, poder e domínio soberano

de ser Juiz do mundo. E quando Ele é, portanto, condenado por Pilatos, é no sentido de

que hoje podemos chegar com confiança a Ele, na verdade, sabendo que o poder é dado

a Ele para nos julgar. Uma vez que Ele esteve ali, podemos saber que Ele quis carregar a

nossa condenação e que Ele não intencionou um julgamento para justificar-Se, também

sabendo que Ele tinha que ser condenado, de fato, em nossa pessoa. Pois, embora Ele

fosse sem mancha ou defeito, Ele levou todos os nossos pecados sobre Si. Não precisamos

estar surpreendidos, então, que Ele permaneceu ali como se Ele fosse condenado. Pois,

de outro modo, Ele não poderia ter realizado o cargo de Mediador, exceto aceitando a

sentença e confessando que em nossas pessoas Ele merecia ser condenado. Isso, então,

é o que o silêncio de nosso Senhor Jesus Cristo implica, de forma que hoje possamos

clamar a Deus com plena voz, e que possamos pedir-Lhe o perdão para todos os vícios e

crimes.

Agora, curvemo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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5º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

O Julgamento de Jesus

“E foi Jesus apresentado ao presidente, e o presidente o interrogou, dizendo: És tu

o Rei dos Judeus? E disse-lhe Jesus: Tu o dizes. E, sendo acusado pelos príncipes

dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. Disse-lhe então Pilatos: Não

ouves quanto testificam contra ti? E nem uma palavra lhe respondeu, de sorte que

o presidente estava muito maravilhado. Ora, por ocasião da festa, costumava o

presidente soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. E tinham

então um preso bem conhecido, chamado Barrabás. Portanto, estando eles

reunidos, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus,

chamado Cristo? Porque sabia que por inveja o haviam entregado. E, estando ele

assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse

justo, porque num sonho muito sofri por causa dele. Mas os príncipes dos

sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse

Jesus. E, respondendo o presidente, disse-lhes: Qual desses dois quereis vós que

eu solte? E eles disseram: Barrabás. Disse-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus,

chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado. O presidente, porém, disse:

Mas que mal fez ele? E eles mais clamavam, dizendo: Seja crucificado. Então

Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou

as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo.

Considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e

sobre nossos filhos. Então soltou-lhes Barrabás, e, tendo mandado açoitar a Jesus,

entregou-o para ser crucificado.” (Mateus 27:11-26)

Nós já vimos pelos versículos anteriores que o nosso Senhor Jesus assim ofereceu-Se de

Sua própria vontade como sacrifício de reparação por todas as nossas iniquidades por meio

de Sua obediência, e Ele estava disposto a ser condenado para limpá-los. É por isso que

se diz que Ele não respondeu a todas as acusações que foram levantadas contra Ele. Ele

tinha o suficiente com o que responder, mas Ele ficou em silêncio, como também é mencio-

nado pelo profeta Isaías. Isso não foi apenas para mostrar a Sua paciência, mas, a fim de

adquirir para nós a liberdade para estarmos hoje habilitados para a glória, em Seu Ser justo

e inocente diante de Deus (de fato, apesar de que a nossa consciência nos acuse e nos

condene), sabendo que Deus nos recebeu em misericórdia, e que todas as nossas faltas

são abolidas pela perfeição que foi encontrada em nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, en-

tão, foi como o Filho de Deus adquiriu para nós a liberdade de sermos capacitados para a

glória corajosamente, de forma que somos os filhos de Deus e considerados justos diante

dEle, isto é, quando Ele não quis oferecer nenhuma resposta para mostrar Sua integridade.

Além disso, pode-se num primeiro momento achar estranho que Ele seja, assim, capturado

e, no entanto, responde que Ele é o Rei dos Judeus. Pois, essas coisas parecem contradito-

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rias; mas São João prossegue ainda mais longe, e diz que Ele declarou que Seu reino não

era deste mundo, e então Ele também declarou que Ele era o Filho de Deus; de fato, Ele

protestou que tinha vindo ao mundo para dar testemunho da verdade. Mas tudo isso con-

corda com facilidade. Pois nosso Senhor Jesus certamente tinha que declarar-Se ser o Rei

dos judeus, a não ser que Ele desejasse rejeitar as profecias.

Além disso, Ele teve que ser declarado Filho de Deus. Mas isso não levou à Sua absolvição.

Isso foi, antes, para que não houvesse um julgamento prolongado, mas que Ele pudesse

ser condenado. Notemos bem, então, quando o silêncio de Jesus Cristo é citado, que era

na medida em que Ele não deseja oferecer qualquer desculpa. Quanto à Sua pessoa, Ele

manteve a Sua boca fechada. No entanto, Ele não deixou de fazer tal confissão como Ele

tinha que fazer. É também por isso que São Paulo diz que Ele fez uma boa confissão diante

de Pôncio Pilatos (1 Timóteo 6:13). Pois, se essa fosse uma questão de Jesus Cristo entrar

em Sua própria autodefesa, o juiz já teria sido convencido de Sua integridade. Ele poderia,

então, facilmente ter vencido o Seu caso com um discurso. Isso é o que maravilha Pilatos.

No entanto, nosso Senhor Jesus Cristo não deixou de prestar esse testemunho como Deus

havia confiado a Ele — não intencionando a instrução (pois aquele não era o lugar), mas

para confirmar e ratificar a doutrina da qual Ele já havia dado testemunho.

No entanto, temos de observar, por um lado, que o crime que mais perturbou os judeus foi

que Ele despertou problemas e impediu-os de pagar tributos ao imperador de Roma. Isso

também era para irritar o governador, um homem pagão que foi enviado para lá pelo Impe-

rador. Agora é muito certo que o nosso Senhor Jesus havia declarado ser Ele mesmo rei,

mas não um rei terreno. Como, de fato, vemos que quando os judeus desejam coroá-lO,

Ele retira-Se e esconde-Se no monte. Ainda mais, Ele embota o fio daquela calúnia, porque

teria sido uma calúnia contra o Evangelho, se Ele tivesse pervertido a ordem e a aplicação

da lei do mundo. Pois Aquele que veio para nos chamar para o reino celeste e fazer-nos

participantes dele não desejava abolir os reinos terrenos, uma vez que até mesmo eles são

sustentados por Ele e por Seu poder. O Evangelho, então, não precisa ser acusado, a me-

nos que Jesus Cristo viesse para usurpar qualquer poder ou autoridade terrenos. É por isso

que Ele disse a Pilatos especificamente que o Seu reino não é deste lugar.

Na verdade, o que aconteceria se o Reino de nosso Senhor Jesus Cristo estivesse na terra?

O que ganhamos com a esperança nEle, uma vez que a nossa condição é tão miserável

no mundo? Os incrédulos têm uma porção muito melhor do que nós, em relação às aflições

que temos que suportar. Verdade é que os castigos de Deus têm efeito em todos os lugares

e que aqueles que o desejam tanto quanto possivelmente não podem deixar de estarem

sujeitos a muitas misérias e aflições. Mas, mesmo assim, estejamos sempre prontos para

a disciplina mais rígida. Porque Deus deve começar Seus castigos em Sua casa e em Sua

Igreja. Se, então, nosso Senhor Jesus fosse um rei terreno, parece que estaríamos comple-

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tamente alienado dEle. Além disso, suponham que só tivéssemos facilidades neste mundo,

e que por meio do Filho de Deus tivéssemos aqui, por assim dizer, um paraíso, porém, a

nossa vida é apenas uma sombra. Nossa felicidade, então, seria muito breve e frágil. Então,

nós certamente devemos saber e estar inteiramente convencidos de que o reino de nosso

Senhor Jesus é celestial, a fim de que possamos alcançar a vida eterna para a qual somos

chamados. Isso, então, é como o reino de Jesus Cristo é eterno, porque não consiste em

nada que é deste mundo, aqui onde tudo é corruptível.

Aprendamos, portanto, a suportar pacientemente nossas adversidades, sabendo que elas

não diminuem nem prejudicam de modo algum a graça que foi adquirida para nós por nosso

Senhor Jesus Cristo. Porque, na verdade, essas são ajudas para a nossa salvação, como

São Paulo mostra em Romanos 8:28. Quando somos desprezados e ridicularizados pelo

mundo, temos que sofrer muitas injúrias, estamos com fome e com sede, nossas asas são

cortadas, somos perseguidos por todos os lados; devemos considerar: “Assim é que Deus

nos aceita”. É como se Ele nos dissesse: “Olhe para o alto. Não coloque sua mente sobre

o que está neste mundo”. Isso, em resumo, é o que temos de observar.

Na verdade, não é sem motivo que o nosso Senhor Jesus quis adicionar como uma confir-

mação de que Ele nasceu e veio ao mundo para falar a verdade. [...]. Por isso vemos que

é uma doutrina importante saber que o reino de nosso Senhor Jesus Cristo não é deste

mundo. Pois se fosse uma frase trivial, Ele a mencionaria brevemente. Mas quando Ele

declarou que Ele veio ao mundo para falar a verdade, é como se quisesse tornar-nos aten-

tos, e que cada um deveria meditar em seu coração, e aplicar bem o seu estudo nesta dou-

trina. Isto é, que nos retiremos do mundo e de todas as criaturas, a fim de chegar a este

Rei celestial, e buscar nEle os benefícios espirituais que nos são aqui comunicados, de

forma que possamos apreciá-los de acordo com a medida que Ele sabe ser útil para nós,

para a nossa salvação. Na verdade, de tudo o que vemos ser o resumo do Evangelho, ob-

servemos particularmente esta palavra: que Jesus Cristo veio ao mundo para falar a verda-

de, a fim de que possamos chegar à convicção de que, quando somos atentos à Sua dou-

trina, de maneira alguma seremos desapontados, uma vez que é uma coisa totalmente

segura e certa que o que Ele prometeu Ele fará acontecer. Quando Davi anela estar seguro

contra todas as tentações, ele diz que a Palavra de Deus é como prata purificada sete vezes

e que tem sido bem provada pelo fogo. Assim tão frequentemente como nós entramos em

dúvida sobre as promessas de nosso Senhor Jesus Cristo, e como seremos incomodados

e molestados (como o Diabo também usa tais artimanhas para nos desanimar e nos fazer

perder a coragem), voltemos a este testemunho, que, em qualquer caso, nosso Senhor

Jesus apareceu no mundo, a fim de ser para nós uma testemunha fiel. Esperemos hoje que

Ele mostre na prática que não é em vão que Ele nos deu todas estas promessas, porque

elas são infalíveis. Isso, então, em resumo, é o que temos que lembrar.

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Além disso, quando Pilatos diz: “Que é a verdade?”. Notemos que não era, por assim dizer,

por meio de um desejo de aprender que ele fez tal pergunta, mas era, por assim dizer, por

despeito e em zombaria, como hoje esse vício é visto em muitos. Quando falamos da verda-

de de Deus, estamos nos referindo à doutrina do Evangelho. São Paulo (em Efésios 1) lhe

atribui este título, a fim de que possamos ser capazes de distingui-lo de todos os outros

conhecimentos. Pois tenham certeza, se alguém nos oferece todo o relato de algo que

aconteceu, isso é verdade; mas quando Deus nos chama para Si mesmo, e Ele quer nos

retirar do mundo, a fim de que possamos chegar à vida celestial, esta é uma verdade que

deve ser colocada na posição soberana e por comparação todo o restante deve ser como

nada.

Agora, observemos como o mundo presta reverência para com a doutrina do Evangelho.

Os homens mais sábios do mundo (que são considerados como tal) são tão cegos pela

presunção que quando isso é falado a eles: “Como agora?”, eles dizem, “nós temos vivido

tanto tempo no mundo, e nós conheceríamos apenas o Evangelho e nada mais que

existe?”. Todos eles, em seguida, serão escandalizados quando for dito a eles que a verda-

de de Deus foi ocultada e que agora é necessário guardá-la mais zelosamente. Ouvimos

como eles zombam da ideia. Assim foi com Pilatos. Pois, na medida em que ele foi enviado

pelo Imperador para ser seu representante na terra da Judéia, pareceu-lhe que um grande

erro foi feito a ele quando uma verdade foi dita ser desconhecida para ele. “E como assim?

Devemos, então, agir como tolos? Não há nada, senão mentiras em nós? Será que não

podemos discernir entre o bem e o mal? E eu que estou nomeado para o oficio, que tomo

o lugar do Imperador, que represento a sua pessoa, você deve me afrontar exatamente

porque eu não conheci o que é a verdade?”. Esta, então, é a intenção de Pilatos. Ele está

inflado com orgulho como um sapo e ele não deseja ter a reputação de não conhecer a

diferença entre o bem e o mal. Na verdade, não vemos que ele espera pela resposta de

nosso Senhor Jesus, mas ele lança esta palavra como que em despeito, e deixa o lugar.

Já que é assim, então, estejamos avisados. Se hoje há muitos Pilatos que recusam-se a

serem ensinados na escola de Deus e tornarem-se dóceis, como se eles já fossem sábios

o suficiente, que não sejamos impedidos de colocar-nos sob a obediência da fé, a fim de

aceitar o que nosso Senhor demonstrou e propôs a nós, isto é, reconhecendo que a verdade

não cresce em nossas mentes, na medida em que só há vaidade e falsidade ali, e estamos

mergulhados em escuridão até que o Senhor nos chame para fora dela. Reconheçamos,

então, que a verdade supera todos os nossos sentidos e faculdades, e Deus certamente

deve ser o nosso Mestre a fim de nos manter nela; também que somos pequenos para

receber o que Ele nos mostra. Que possamos guardar essa verdade tão preciosa para que,

quando nos voltarmos para o céu e terra, e parecer que aprendemos tudo, que saibamos

que isso é apenas fumaça e que se provará efêmero até que estejamos firmados nesta

Palavra, que é certa e imutável. Isso, então, em resumo, é o que temos que lembrar.

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Agora é dito: “E, estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não en-

tres na questão desse justo, porque num sonho muito sofri por causa dele”. Não há dúvida

de que Deus desejou dar testemunho da inocência de Jesus Cristo, de muitas maneiras;

como até mesmo pela boca de Pilatos (como já mencionamos e como veremos ainda mais

plenamente), não que Deus já não tivesse designado o que seria feito por Seu Filho Unigê-

nito. Assim, desde que Ele quis que Ele fosse o Sacrifício para pagar pelos pecados do

mundo, as Escrituras tinham que ser cumpridas. No entanto, também nosso Senhor Jesus

tinha que ser mostrado justo e inocente, a fim de que nós pudéssemos conhecer tanto me-

lhor que Ele sofreu a condenação que era devida a nós e que merecemos e que podemos

sempre olhar para nossas falhas e pecados em tudo que está aqui nos relatado sobre a

morte e a paixão de nosso Senhor Jesus Cristo.

Sobre isso se diz: “Pilatos deseja ser capaz de absolver o nosso Senhor Jesus”. Pois, embo-

ra ele tivesse autoridade soberana além de recurso, ele ainda permanecia em um país es-

trangeiro e com um povo amotinado, embora tivesse uma guarnição na cidade, a sedição

o perturbou. É por isso que ele queria prosseguir por meio sutis e amáveis, a fim de que o

povo fosse apaziguado. Em seguida, é dito que ele apresenta o que era seu costume: “Ora,

por ocasião da festa, costumava o presidente soltar um preso, escolhendo o povo aquele

que quisesse”. Ele lhes permite escolher entre Jesus Cristo ou Barrabás, que era (como diz

São João) um ladrão. Os outros escritores dos Evangelhos dizem que ele era um malfeitor

conhecido, que até tinha sido um assassino, e havia instigado sedição e problemas na cida-

de. Ele é uma praga, e deveria ser detestável a todos. Ainda assim, não obstante, as pes-

soas clamam: “Queremos Barrabás, e deixem-no ser perdoado, e que Jesus Cristo seja

crucificado”.

Quanto a este costume de soltar um prisioneiro na Páscoa, vemos que os homens são guia-

dos por suas tolas devoções. Pois certamente parecia que a festa era muito melhor conser-

vada por libertar um prisioneiro, e que esse era um serviço a Deus. No entanto, tudo aquilo

era apenas uma abominação. Pois diz-se que aquele que justifica o malfeitor é tão condená-

vel diante de Deus, como aquele que pune os inocentes. Deve haver, portanto, um senti-

mento de equidade naqueles a quem Deus enviou e estabeleceu no trono da justiça. Pois

ao armá-los com Sua espada, Ele não lhes disse: “Façam o que parecer bem aos vossos

olhos”. Ele certamente deseja que eles tenham um cuidado paternal sobre o povo e que

eles vigiem bem contra o aumento da crueldade e de fazer o mal aos outros por abusar de

seu crédito e autoridade, mas sim que eles sejam humanos e compassivos. No entanto, os

malfeitores devem ser castigados, e assim Deus ordena. Mas, o que os homens fazem?

Eles imaginam que estão mantendo a festa da Páscoa, quando eles estão ofendendo a

Deus e estão transgredindo abertamente a Sua Palavra. Por meio disso, devemos ser ad-

vertidos a não seguirmos as nossas fantasias, quando se é uma questão de honrar a Deus,

mas agradar a Sua vontade em tudo e por meio de tudo. Então, não conjuremos qualquer

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devoção de acordo com o que parece bom para nós, mas estejamos satisfeitos em fazer o

que Deus nos ordena a fazer e o que Ele aprova. Nós até mesmo vemos o que este costume

é, o que os homens fazem da lei hoje, que tudo o que é recebido como um estatuto comum

parece ser lícito. Embora isso possa existir, Deus não deixa de condená-lo. Nós vemos o

abuso que ocorreu, que esta corrupção provocou, a saber, que Barrabás foi preferido ao

Filho de Deus.

Também a princípio, pode-se achar estranho que o nosso Senhor Jesus seja, portanto, es-

carnecido e que um ladrão e assassino seja mais privilegiado do que Ele, que ele encontre

mais favor entre os homens, e que Jesus Cristo recebeu tal vergonha e desgraça. Pois, não

foi o suficiente que o Filho de Deus fosse crucificado e que Ele suportasse uma espécie de

morte cheia de opróbrio e que, além disso, houve grandes tormentos? Pois a morte pela

cruz era, por assim dizer, a punição de ladrões. Não era apenas como a forca seria hoje,

mas como a roda. Não teria sido suficiente, então, que Jesus Cristo, depois de ter sido açoi-

tado e cuspido na face, fosse mergulhado nas profundezas, com que fosse necessário por

comparação mostrar que Ele é execrável a todo o mundo? Pois, se julgarmos pelos nossos

sentidos e não olharmos para além da aparência, certamente seremos confundidos, mas

temos de elevar os olhos pela fé e chegar ao que temos mencionado anteriormente, a sa-

ber, que Deus governa tudo isso por Seu conselho. Não paremos, então, com o que o povo

fez com Pilatos, mas contemplem este decreto imutável de Deus: que para melhor humilhar-

nos, Ele quis que Seu Filho fosse mergulhado em completa confusão e que Ele mesmo

fosse posto abaixo de todos os malfeitores do mundo, à medida em que Ele foi crucificado

entre dois ladrões, como veremos mais tarde. Isso, então, é o que temos que observar

quando é dito aqui que Barrabás tinha que ser libertado e Jesus Cristo castigado em seu

lugar, como se fosse o homem mais detestável do mundo.

Pilatos, mesmo depois de tudo isso, tenta fazer com que o nosso Senhor Jesus escape,

mas por meios diabólicos, ou seja, ele chicoteia-O (o que era então chamado de “castigar”)

e queria soltá-lO depois de tê-lO, assim, castigado, como a quem tivesse cometido alguma

falha. Pelo que ele fingiu para acalmar as pessoas. Agora, se o nosso Senhor Jesus, assim,

escapasse, o que teria acontecido com o Evangelho, o que teria acontecido com a salvação

do mundo? Pois esta “correção” como Pilatos chamou, poderia para sempre ter sido uma

marca de vergonha, como se o Evangelho fosse uma doutrina perversa, uma vez que o juiz

do país a condenou, e nosso Senhor Jesus em Sua Pessoa fora totalmente rejeitado. En-

quanto isso, nós teríamos perecido, pois não havia nenhum outro meio para nos reconciliar

com Deus, a não ser pela morte de Seu Único Filho.

Esta, então, é a oferta da vida: a morte de nosso Senhor Jesus. Assim, vemos que o Diabo

esforçou-se mui fortemente para que, de modo algum, o nosso Senhor Jesus morresse. No

entanto, quem levou os sacerdotes e seus companheiros a perseguir a Jesus Cristo à

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morte, a não ser o Diabo? Isso é verdade, pois ele trabalha, por assim dizer, como um lou-

co. De acordo como nós vemos que Deus envia um espírito de perturbação e de frenesi

sobre todos os homens maus para que eles se contradigam e sejam como ondas do mar

que batem um sobre o outro, deste modo o Diabo foi conduzido quando tentou abolir a

memória de nosso Senhor Jesus por um lado e, em seguida, no entanto, queria impedir a

redenção da humanidade. Mas Deus assim operou aquilo que Ele quis, de forma que a

inocência de Seu Filho fosse testemunhada através da própria boca do juiz; entretanto,

mesmo assim, Ele também quis que Ele morresse, a fim de fazer o sacrifício para a nossa

salvação e redenção. Deus tem apenas uma vontade única e simples, mas ela é admirável

para nós, e Ele tem tantas formas singulares de proceder, que devemos curvar nossas

cabeças em reverência e ainda reconhecer que o nosso Senhor Jesus sofreu, não de acor-

do com o desejo dos homens, mas porque nós tínhamos que ter uma tal medida do infinito

amor de nosso Deus, que Jesus Cristo teve que declarar isso a nós para mostrar quão

preciosas as nossas almas são a Ele, e quão cara é a salvação delas a Ele. Consideremos,

então todas essas coisas.

Além disso, é dito no final por São João, apesar de Jesus Cristo ter sido chicoteado, as pes-

soas ainda se esforçam mais por clamar que Ele fosse morto. Então Pilatos O questiona

novamente; sim, porque ele soube que Jesus fez de Si mesmo o Filho de Deus, e esta

palavra o afeta, e ele está mais assustado com Ele do que antes. É por isso que ele lhe

pergunta: “De onde és tu?”. Quando Jesus Cristo não responde: “Não me falas a mim? Não

sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?” [João 19:9-10].

Agora, aqui vemos por que os judeus trazem tal acusação contra o nosso Senhor Jesus

Cristo. É verdade que o crime que poderia melhor mobilizar o governador do país foi ter a-

tribuído a Ele mesmo o reino e o domínio; mas quando veem que a sua malícia é descoberta,

e que Pilatos também entende que eles são apenas mentirosos, por isso eles dizem: “Nós

temos a lei pela qual Ele deve morrer”. Pois esse privilégio tinha sido reservado a eles, a

fim de que eles não tivessem quaisquer disputas religiosas. Pois os Romanos, que eram

um povo profano e que serviam aos seus ídolos apenas através de cerimônia, queriam

manter seu império por meio de deixar cada um fazer de acordo com sua religião.

Diante disso, eles dizem: “Ele se fez o Filho de Deus e, assim, Ele blasfemou”. É verdade

que se o nosso Senhor Jesus não tivesse sido o Redentor do mundo, isso lhe teria rendido

sujeição à pena de morte, fazer-Se o Filho Unigênito de Deus. Pois, nós todos somos filhos

de Deus quando Ele nos adotou por Sua graça. Essa é a maneira comum de falar disso na

Sagrada Escritura. Aqueles que receberam alguma graça especial são chamados de “filhos

de Deus” ainda em outra forma, como príncipes e magistrados. Com maior razão, então,

Jesus Cristo, que foi supremamente ungido com graças e poderes pelo Espírito Santo, pode

muito bem ser chamado de “Filho de Deus”. Mas se Ele não tivesse sido Redentor do

mundo, e chamasse a Si mesmo “Filho Unigênito de Deus” por excelência, este teria sido

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realmente um crime mortal. Mas como é que os judeus O acusam disso? Isso é antes de

tudo, pela ignorância da Escritura, na medida em que eles não conhecem que Aquele que

deve ser o Redentor deve ser o Deus vivo manifesto. Desde que, então, eles não têm a real

compreensão das Escrituras, e eles não foram exercitados nela, mas foram feitos brutais

por sua indiferença, é por isso que eles são tão ousados ao condenar Jesus Cristo. Agora,

vemos semelhante temeridade em todas as pessoas ignorantes. Hoje, quando elas cla-

mam: “Herege!”. Não é que as provas estejam à disposição, mas as pessoas com mentes

mais fechadas são movidas por uma tal raiva que eles desejam ser fanáticos para honrar a

Deus, e eles não sabem nem por que e nem como. Além disso, era necessário investigar

se Jesus Cristo era o Messias ou não. Mas os judeus O rejeitaram, sem fazer qualquer in-

vestigação. Aprendamos com isso, se quisermos ter um zelo que Deus aprova: devemos

ser governados por verdadeiro conhecimento e ser ensinados por Sua Palavra. Pois nós

podemos ser capazes de tocar de leve a superfície, mas isso será apenas por argumentos

hostis de Satanás, se não falamos como estudiosos da verdade de Deus; porque Ele é o

único Juiz competente, e Ele reserva para Si o ofício de nos mostrar qual é a Sua vontade.

Já que é assim, então, sigamos a Palavra de Deus com simplicidade, e também sejamos

pacíficos. Em seguida, que o nosso zelo seja governado por isso. Isso é o que devemos

observar, em primeiro lugar.

Mas, quando se diz que Pilatos temeu mais do que nunca ouvir o citado Filho de Deus, aqui

vemos na pessoa de um pobre pagão alguma aparência de religião que o comove, e o

incomoda, e fala à sua consciência, de modo que ele não sabe que caminho tomar. Ali está

Jesus Cristo completamente desfigurado e com as marcas de espancamento ainda sobre

Ele. Ele já havia sofrido tanto opróbrio e ignomínia, tantas gotas de saliva, tantos golpes na

cabeça que tinham sido dados a ele na casa de Caifás. Resumidamente, aqui está um

homem que é desprezado e rejeitado por todos. Ainda assim, no entanto, o nome de Deus

comove Pôncio Pilatos e desperta nele medo e espanto. E sobre nós, então, quando nos

comportamos como animais selvagens? E quando alguém desejar falar-nos sobre Deus,

se não formos mantidos sob controle, o exemplo de Pilatos não nos condena até o último

dia? Nós vemos escarnecedores hoje, pessoas cheias de maldade. Se alguém lhes propõe:

“Olhe o que Deus nos mostra”, se alguém fala a eles sobre Sua Palavra, se alguém deseja

provar o que eles rejeitam; uma coisa é tão boa quanto a outra para eles. Eles tapam os

seus ouvidos para nós, eles cerram os seus olhos, eles são totalmente preocupados em

seus sentidos naturais, e eles são tão orgulhosos que nem sequer consideram dar qualquer

audiência. Por que estão satisfeitos como eles são. “Nós já resolvemos isso”, eles dizem,

“e assim deve ser feito”. É mesmo? No entanto, aqui está Pilatos, que nunca tinha ouvido

uma única palavra sobre a doutrina de Deus, mesmo a lei era para ele um desdém, de mo-

do que tudo o que os judeus fazem, ele considera ser uma invenção, e ele adora os seus

ídolos. No entanto, o nome de “Deus” o afeta, e ele é retido quando isto é falado. Isso é em

consideração de alguma majestade ou alguma pompa que ele vê em Jesus Cristo? Nem

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um pouco. É apenas o nome de “Deus”, o que o inclina à reverência. Quantas pessoas, en-

tão, serão condenadas por esse temor de Pilatos, quando elas seguem o seu caminho e

nenhum progresso pode ser feito dentre eles, embora o nome “Deus” seja falado para eles,

e não apenas como uma palavra passageira, mas oferecendo-se para ensiná-los e mostrar-

lhes com o dedo os testemunhos das Escrituras! Se eles não condescendem nem a pensar,

nem a aplicar-se a qualquer diligência, o Diabo não deve possuí-los totalmente? Não devem

eles saber que eles são como que monstros, que aboliram todas as sementes da Religião,

na medida em que se fizeram obstinados contra Deus, por assim dizer, desafiando toda a

natureza? Isso é, então, o que temos que lembrar.

Embora isso possa ocorrer, no contrário, vemos também que todos os temores que os

homens têm, e todo sentimento e apreensão que eles têm ao honrar a Deus, serão, por as-

sim dizer, apenas um raio de luz que passa diante de seus olhos e imediatamente desapa-

rece. Pois, como Pilatos teme a Deus? Nós vemos que isso absolutamente não o impede,

que ele apenas demonstra um grande orgulho tal, que lhe parece que Deus não é nada

mais. Isso, então, acontece com todos aqueles que não são regidos pelo Espírito de Deus

que terão de um lado alguns medos pelos quais ficam apreensivos, de modo que eles se

humilham por um tempo diante de Deus, mas eles não deixam de levantar seus chifres,

depois de esquecerem-se, e embotarem as suas consciências para fazer o mal. Como

vemos em Faraó, que às vezes ele é bastante assombrado. “E ore a Deus por mim”, ele

diz. E quando ele vê o poder de Deus, de modo aparente: “Oh, isto é o dedo de Deus”, diz

ele, “é preciso estar sujeito a Ele”. Mas logo depois ele torna-se pior do que nunca. Assim,

então, foi com Pilatos. Isso nos adverte para que não tenhamos qualquer temor de Deus,

como rajadas de vento, mas para que tenhamos uma boa raiz que permanece firme em

nossos corações. Pois, como é que Pilatos temia a Deus? Isso é somente para torná-lo

mais indesculpável.

É por isso que Deus desperta as consciências dormentes, que desejam rejeitar todo o jugo,

e Ele as traz de volta e incita-as a pensarem de si mesmas mais seriamente, de modo que,

apesar de si mesmas, elas devem reconhecer sua pobreza e sentir seus vícios, embora

elas desejem dormir neles. Todos os escrúpulos, então, que os condenadores de Deus e

todos os homens ímpios têm, devem ser considerados como intimações que Deus questi-

ona a fim de retirar deles todas as desculpas de ignorância. Mas então eles afrouxam as

rédeas, eles se atiram ao abandono, e por isso eles não são de modo algum retidos, como

vemos em Pilatos. No início, ele fica bastante surpreso, mas logo em seguida ele volta ao

seu eu natural. “Não sabes tu”, ele diz a Jesus, “que tenho poder para te crucificar e tenho

poder para te soltar?” [João 19:10]. Aqui observemos em primeiro lugar, se Ele fosse um

ladrão, não obstante, ele [Pilatos] não teria sido capaz de mover um dedo a menos que

Deus lhe desse o poder. Como é, então, que Pilatos se atreve a assumir tal licença ilimitada

como para condenar e libertar de acordo com seu desejo e em virtude de sua posição?

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Pois, seria melhor que a averiguação fosse liberada de todos os assaltantes e que eles

tivessem liberdade para exercer sua crueldade nos bosques do que para as pessoas

sentarem-se em um trono tão honrado, pessoas que têm prazer no poder sem pensar em

suas consciências, enquanto isso, lançam o mundo em total confusão. Aqui vemos (como

tenho mostrado) que não havia raiz viva em Pilatos, mas apenas uma rajada de vento.

Então, aprendamos a temer a Deus de modo que haja uma constância firme em nós para

caminharmos em Sua obediência, e que possamos lutar virtuosamente contra tudo o que

poderia nos desviar, e que esta verificação sempre possa nos impedir de retroceder: não é

apropriado provocar a ira dAquele que tem todo o poder sobre nós. Isso é, em resumo, o

que temos que lembrar.

No entanto, também aqui consideramos como a glória que Pilatos atribui a si mesmo é, no

entanto, uma grande vergonha para ele. Pois os seus inimigos não o poderiam ter repre-

endido pior do que isso: a saber, que ele deseja sustentar e reputar a si não ter qualquer

discriminação entre o bem e o mal. No entanto, ele se orgulha disso. Vemos, então, na me-

dida em que os inimigos do Deus imaginam-se ser elevados, eles devem sempre se sentir

lançados em maior confusão. Deus coloca neles um tal sentimento de desaprovação que

eles se vangloriam de suas iniquidades, a fim de tornarem-se detestáveis tanto no céu e na

terra. O que, então, deve ser feito? Aprendamos a nos gloriarmos no bem, e consideremos

o que é lícito para nós. Pois, quanto àqueles que se gloriam em sua grandeza, é certo que

eles provocam a Deus, na medida em que muitas vezes adquiriram as suas riquezas e seu

crédito por meios ilícitos, pelo excesso, pela crueldade, e todos os tipos de extorsões.

Quando, então, eles se gloriam naquilo que, por assim dizer, desafia a Deus. Aquele que

tem saqueado de todas as partes dirão: “Eu tenho feito bem”. E ali há o sangue de pessoas

pobres que ele tem sugado. Ele dirá: “Eu o adquiri”. E como? Por fraudes, práticas iníquas,

saqueando um, devorando outro, e tendo pervertido toda a ordem. O outro, através de am-

bição e meios ilícitos terá chegado a alguma dignidade. Pelo que ele deseja ser tido em

reverência. Isto é desafiar a Deus abertamente.

Aprendamos, então, (como já disse) a nos gloriarmos no que Deus aprova. É verdade que,

embora possa haver algo de bom em nós, não é lícito usurpar o louvor que Deus reserva

para Si, e por conta do que devemos prestar-Lhe honra, na medida em que Ele nos deu

tudo. Não é apropriado, então, aqui nos gloriarmos em nós mesmos, como se o que Deus

nos concede nos pertencesse. Mas eu digo que devemos nos gloriar apenas em que aprou-

ve a Deus nos adotar por Seus filhos, e na medida em que Ele nos dá a graça de andar

com temor dEle, na medida em que Ele nos dá o poder de nos abstermos do mal. Nisto

devemos nos gloriar. Então, se somos pequenos e desprezíveis de acordo com o mundo,

oremos para que Ele possa nos dar paciência, e que possamos preferir estar em tal condi-

ção em vez de sermos elevados e entrementes a nos divertirmos como as pessoas do

mundo fazem, os quais se fazem alegres, de modo que nada pode contê-los. Esta, em resu-

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mo, é a forma como temos que nos gloriar, ou seja, que não desejemos ser mais do que

Deus nos permite, e que nós possamos desprezar tudo o que Ele desaprova, embora o

mundo possa aplaudir aqueles que exercem a tirania e que praticam todo o mal em exces-

so. Abandonemos, então, facilmente e de bom grado todas essas glórias, não buscando

nada, exceto ser reconhecidos e confessados diante de Deus como Seus filhos. Isso é, em

resumo, o que ainda temos que lembrar.

Em conclusão, é dito: “Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia,

tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste

justo”. Nós já declaramos que a inocência de nosso Senhor Jesus teve que ser provada e

foi testemunhada pela boca do próprio juiz. Pois, quando se diz que Jesus Cristo padeceu

sob Pôncio Pilatos e que Ele foi condenado, não é o suficiente ter ouvido o relato, mas de-

vemos estar plenamente conscientes de que Jesus Cristo não somente é inocente, mas

que Ele é a fonte de toda santidade e perfeição. Por que, então, Ele é condenado? Há aqui

duas coisas diferentes, ao que parece. Diz-se que Ele é o Cordeiro de Deus sem mácula.

Uma vez que Ele é o Cordeiro de Deus, Ele deve ser condenado ao sacrifício. A palavra

“Cordeiro” implica que Ele deve ser oferecido. E o que a Lei pronuncia sobre os sacrifícios?

Que eles representam os pecados e maldições. É por isso que se diz que nosso Senhor

Jesus foi amaldiçoado por nossa causa, isto é, que Ele recebeu a maldição que era devida

por nossos pecados. Esta, então, é a qualidade e condição sob a qual Ele é condenado,

uma vez que Deus o constituiu como um Cordeiro que deveria ser oferecido em sacrifício.

Mas também Ele teve que ser reconhecido sem qualquer mácula, e Sua pureza tinha que

vir diante de nossos olhos, a fim de que possamos compreender os nossos pecados, na

medida em que sabemos que Jesus Cristo é o espelho de toda a perfeição; e para que pos-

samos examinar nossas culpas para estarmos descontentes com elas e atravessarmos a

condenação, que foi preparada para nós, se não fôssemos libertados por Ele.

Agora, quando Pilatos tomou a bacia e a água para lavar as mãos, essa foi uma cerimônia

muito frívola, como se ele pudesse ser absolvido diante de Deus por isso. Mas isso não era

para desculpar-se diante de Deus, quando ele tentou apaziguar a fúria do povo. Pois ele

não protestou diante de Deus que ele era inocente, mas ele somente disse ao povo: “Estou

inocente do sangue deste justo. Considerai isso”. Como se ele dissesse: “Vocês me força-

ram a isso”. Mas, tudo isso (como eu já disse) não é para desculpá-lo. Além disso, ele não

está desenvolvendo absolutamente o ofício de juiz. Pois, ele deveria antes morrer cem ve-

zes do que desviar-se de seu ofício. Quando ele viu todos os problemas do mundo, ele

deveria ter esta magnanimidade de fazer o que ele sabia ser bom e justo. Mas quando ele

vê que as pessoas estão tão exaltadas, ele se deixa levar. No entanto, isso tinha que ser,

maldito como era, que ele atestasse a inocência de nosso Senhor Jesus Cristo, e que a

partir de sua própria boca, ele O justificasse. No entanto, isso não o desculpa da condena-

ção, mas nisto repousa a nossa consolação. Pois sabemos que, se devemos ser levados

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diante de Deus hoje para aparecermos diante de Seu trono, isso não seria para recebermos

condenação; mas o sangue de nosso Senhor Jesus foi derramado e é o verdadeiro purifica-

dor de nossas almas, Ele nos recebe como puros e limpos.

Aqui, então, é onde nós devemos ter o nosso recurso. No entanto, vemos a palavra que é

pronunciada pelos judeus. Pois eles são arremessados de cabeça de tal forma por Satanás

que eles dizem: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”. Agora, eles eram a

herança de Deus, o povo eleito e escolhido dentre todas as nações da terra. No entanto,

eles renunciam a esta dignidade, e a todas as promessas de salvação, desta aliança sagra-

da que Deus estabeleceu com a linhagem deles. Eles são, então, privados de todos os

benefícios que Deus tinha distribuído anteriormente a eles, na medida em que eram des-

cendentes da raça de Abraão. E o sangue de nosso Senhor Jesus teve que cair sobre eles,

de fato, para a confusão deles e de todos os seus descendentes. Como também Ele já

havia declarado a eles: “A sua iniquidade virá completamente, e o sangue dos Mártires,

desde Abel, o justo, mesmo de Zacarias, filho de Baraquias, que foi assassinado há pouco

tempo, deve ser lançado sobre vocês, e vocês verão que sempre assassinaram os profetas

é por isso vocês têm lutado contra Deus e contra a Sua Palavra” (Mateus 23:34-36, Lucas

11:49-51, 2 Crônicas 36:15-16).

[...] Agora aprendamos a olhar profundamente dentro de nós mesmos, e a orarmos a Deus

para que Ele venha sobre nós de outra maneira, tanto sobre nós, e em particular, sobre os

nossos filhos; ou seja, que sejamos lavados e purificados, vendo que somos abomináveis

diante de Deus por causa de nossos pecados, até que sejamos lavados e experimentemos

que o sangue que já foi derramado para a nossa redenção venha sobre nós e que, assim,

sejamos aspergidos pelo poder do Espírito Santo (1 Pedro 1:2 — assim diz São Pedro em

sua Carta Canônica) e que possamos ter o cuidado para não rejeitar a graça que nos é

oferecida por Deus, da qual os judeus foram privados por causa de sua ingratidão, e não

fizeram nada, senão provocar mais e mais a Sua vingança. Que possamos, então, hoje

estar dispostos a receber a purificação de nosso Senhor Jesus Cristo, que não pode ser

apreendida, exceto pela fé. Oremos a Deus para que não tenhamos recebido esta lavagem

em vão, mas que no dia a dia, sejamos purificados de todos os nossos defeitos. Que agrade

ao nosso Deus produzir muito da pureza que foi adquirida por nosso Senhor Jesus Cristo,

até que cheguemos em Seu reino, onde seremos libertos de toda corrupção dos nossos

vícios.

Agora, curvemo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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6º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

A Crucificação

“E logo os soldados do presidente, conduzindo Jesus à audiência, reuniram junto

dele toda a coorte. E, despindo-o, o cobriram com uma capa de escarlate; e,

tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e em sua mão direita uma

cana; e, ajoelhando diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, Rei dos judeus. E,

cuspindo nele, tiraram-lhe a cana, e batiam-lhe com ela na cabeça. E, depois de o

haverem escarnecido, tiraram-lhe a capa, vestiram-lhe as suas vestes e o levaram

para ser crucificado. E, quando saíam, encontraram um homem cireneu, chamado

Simão, a quem constrangeram a levar a sua cruz. E, chegando ao lugar chamado

Gólgota, que se diz: Lugar da Caveira, deram-lhe a beber vinagre misturado com fel;

mas ele, provando-o, não quis beber. E, havendo-o crucificado, repartiram as suas

vestes, lançando sortes, para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta:

Repartiram entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sortes. E,

assentados, o guardavam ali. E por cima da sua cabeça puseram escrita a sua

acusação: ESTE E JESUS, O REI DOS JUDEUS. E foram crucificados com ele dois

salteadores, um à direita, e outro à esquerda. E os que passavam blasfemavam

dele, meneando as cabeças, E dizendo: Tu, que destróis o templo, e em três dias o

reedificas, salva-te a ti mesmo. Se és Filho de Deus, desce da cruz. E da mesma

maneira também os príncipes dos sacerdotes, com os escribas, e anciãos, e

fariseus, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, e a si mesmo não pode salvar-se.

Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; livre-o

agora, se o ama; porque disse: Sou Filho de Deus. E o mesmo lhe lançaram também

em rosto os salteadores que com ele estavam crucificados.” (Mateus 27:27-44)

Seguindo o que já dissemos sobre isso antes, é preciso considerar ainda mais que o Reino

de nosso Senhor Jesus Cristo não é deste mundo. Pois nós vemos como Ele estava em

desgraça, zombavam dEle, e em vez de um diadema real Ele usou uma coroa de espinhos.

Em vez de um cetro Ele possuía uma cana. Então, tudo o que poderia ser imaginado como

vergonhoso para um homem, foi lançado sobre Ele. Se limitarmos a nossa atenção para o

que está aqui narrado, será como se fosse um objeto de escândalo para nos afastar de

nosso Senhor Jesus Cristo, e, consequentemente, de toda a esperança de salvação. Mas

temos que contemplar pela fé o Reino espiritual que foi mencionado acima. Então, podemos

concluir que embora os homens zombem do Reino de nosso Senhor Jesus Cristo, que Ele

nunca deixou de ser apreciado de acordo com Sua excelência, tanto diante de Deus quanto

dos Seus anjos. Na verdade, temos que lembrar que o Filho de Deus foi assim tratado em

Sua Pessoa, a fim de receber sobre Si toda a vergonha que nós merecemos. Pois como é

que podemos estar diante de Deus, enquanto estamos corrompidos em nossas iniquida-

des? Mas desde que o nosso Senhor Jesus foi cuspido na face, e se dispôs a ser fustigado

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na cabeça; Ele recebeu todos os insultos, e é por isso que hoje somos reconhecidos e de-

clarados como filhos de Deus e é aí que está a nossa confiança. Na verdade, também te-

mos sempre que considerar que Deus quer nos induzir a sermos mais profundamente toca-

dos por nossas faltas, para que as vejamos com horror e repulsa, ao vermos que foi neces-

sário que o Filho de Deus suportasse as nossas falhas para fazer reparação por elas para

adquirir graça e absolvição para nós, e nisto o Pai celeste não O poupou de modo algum.

Havendo, pois, os nossos pecados causados tal confusão na Pessoa do Filho de Deus, nós

certamente temos que nos humilhar e ser totalmente confundidos em nós mesmos. No en-

tanto, quando viermos diante de Deus, nós também devemos ter coragem e nos fundamen-

tarmos em tal confiança a ponto de nos livrarmos de toda dúvida, que o nosso Senhor Jesus

Cristo adquiriu graça para nós quando Ele sofreu em Si mesmo e foi tão difamado por nossa

causa. Pois, por este meio Ele adquiriu para nós glória e dignidade diante de Deus e Seus

anjos.

Agora é dito aqui que o nosso Senhor Jesus foi levado ao lugar que é chamado de “Gól-

gota”, isto é “o lugar da Caveira”. A palavra hebraica da qual esta é derivada significa “rolar”,

esta palavra foi usada porque quando um corpo decai, eles encontravam o crânio seco que

é como uma bola. Chamaram, então, este lugar “Gólgota”, porque muitos malfeitores foram

punidos lá, e suas cabeças foram vistas ali. Aqui nós temos que lembrar o que diz o apóstolo

na Epístola aos Hebreus, que o nosso Senhor Jesus Cristo foi levado para fora da cidade,

como era costume com os sacrifícios, isto é, aqueles que tinham sido queimados, e do qual

o sangue foi levado ao santuário para limpar as manchas do povo (Hebreus 13:11-12). Dizia-

se que tal sacrifício era como se fosse uma maldição. Deviam, portanto, ser expelidos longe

da cidade. Eis que o Filho de Deus estava disposto a receber esta condição sobre Si, para

que soubéssemos que de fato estamos agora libertos e absolvidos diante de Deus. Pois

merecemos a rejeição de Deus, sim, que Ele derrame Sua vingança terrível sobre nós, en-

quanto Ele olha para nós como nós somos em nós mesmos. Não existe então nenhum ou-

tro meio para adquirir graça, exceto que nos acheguemos ao nosso Senhor Jesus Cristo,

em Quem nós temos todo o nosso refúgio, uma vez que ficamos aliviados da carga quando

Ele se dispôs a ser amaldiçoado e abominável por nossa causa, a fim de que possamos

encontrar graça diante de Deus e que possamos ser aceitáveis para Ele. Pois, embora Pi-

latos, Seu juiz, O tenha justificado várias vezes, Ele teve que receber em Sua Pessoa tudo

o que era necessário para nos redimir. Pois Ele era o nosso penhor, e em tudo e por tudo

Ele tinha que responder por nós. Então, depois de conhecer que o nosso Senhor Jesus foi,

assim, rejeitado, como não sendo digno de estar entre os homens, até mesmo, por assim

dizer, como tendo uma infecção de tal forma que Ele não poderia ser suportado; vendo, eu

digo, que nós devemos aprender a segui-lO e a renunciar ao mundo, como somos exorta-

dos nesta passagem. E se temos que ser ridicularizados, cortados como membros podres,

e nos odiarem, que nós suportarmos tudo pacientemente, rendendo-nos submissamente,

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até chegar o dia em que os nossos sofrimentos serão convertidos em alegria, quando Deus

enxugará dos nossos olhos toda a lágrima e, de fato, o que hoje julgamos ser nossa ver-

gonha será convertido em nossa glória. Pois, é certo que tudo o que sofrermos por nosso

Senhor Jesus Cristo é mais honroso diante de Deus do que toda a pompa deste mundo.

Isso, então, é o que temos que lembrar neste ponto.

Agora, o escritor do Evangelho acrescenta que o nosso Senhor Jesus foi ridicularizado por

todos aqueles que por ali passava, e acima de tudo por sacerdotes, escribas e pelos de seu

tipo. E qual foi a ocasião disto? “Salvou os outros, e a si mesmo não pode salvar-se”. Disse-

ram-Lhe eles, “desça agora da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; livre-o agora, se o

ama; porque disse: Sou Filho de Deus”. Aqui vemos uma terrível cegueira nessas pessoas

miseráveis, que estavam possuídas por Satanás, pelo fato de não possuírem mais nenhu-

ma sensibilidade ou percepção. Eis que os sacerdotes que deveriam ser os mensageiros

de Deus, pelo fato de que Ele lhes havia ordenado a esta função, a fim de que a Sua Palavra

e Sua vontade pudessem ser conhecidas através de sua boca. Eis que os escribas que são

versados na Lei, e, no entanto, supõem que podem esmagar nosso Senhor Jesus, mostram

que eles pisam sob os pés toda as Sagradas Escrituras e toda a religião da qual se gaba-

vam. Quando o Messias foi anteriormente anunciado a eles, eles certamente responderam

que Ele havia de nascer em Belém. Eles também deveriam ter sido avisados e informados

de que o Redentor que foi prometido a eles deveria provar a morte, isto não era algo obs-

curo. A passagem de Isaías (Isaías 53) foi tão clara ao recitar o que nosso Senhor Jesus

Cristo suportou. Eles deviam, então, saber que era impossível ter uma visão mais clara das

coisas do que a do profeta, embora ele tivesse falado dEle há tanto tempo antes. Depois,

há tanto em Zacarias assim como em Daniel as declarações que Deus deve reunir o Seu

povo, e exaltar a Sua Igreja (Daniel 12:1-3; Zacarias 2:11), ou seja, que o Redentor do mun-

do deve sofrer cada reprovação e maldição perante o mundo. Como é, então, que eles de-

safiaram o Filho de Deus quando Ele exercia o Seu ofício, uma vez que isto havia sido sufi-

cientemente declarado pelos profetas? Assim, vemos que Satanás os enredou, quando e-

les esqueceram tudo o que haviam conhecido anteriormente.

Por isso, sejamos advertidos e andemos no temor de Deus, para que depois de termos pro-

vado a Sua Palavra, possamos recebê-la com reverência e obedeçamos ao nosso Senhor

Jesus Cristo, o qual nos é apresentado ali. Pois, é também nEle verdadeiramente que en-

contraremos toda a perfeição das virtudes, se nos achegarmos a Ele em humildade. Por-

que, se nós presumimos e brincamos com Deus, nossa audácia deve receber tal recompen-

sa, como lemos aqui desses homens miseráveis que foram tão conduzidos por sua fúria.

No entanto, devemos tirar algum proveito destas blasfêmias ao aprender com elas a fazer

o oposto. Pois o nosso Senhor Jesus quis ser o nosso Rei e nosso Cabeça, por isso Ele

não salvou a Si mesmo. Os inimigos da verdade disseram: “Salvou os outros, e a si mesmo

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não pode salvar-se. Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz”. Mas Ele teve de suportar

isto em Sua Pessoa para adquirir a salvação para nós. Por que, então, nosso Senhor Jesus

não poupou a Si mesmo? Por que Ele suportaria uma morte tão amarga e tão vergonhosa,

a menos que fosse necessário a fim de que pudéssemos ser libertos através de um tal

resgate? Temos, então, desafiado todos os agentes de Satanás, e todos os seus vilões que

vomitaram tais blasfêmias como as que o escritor do Evangelho descreve, e estamos ainda

mais seguros de que realmente temos um Rei que preferiu a nossa salvação do que a Sua

própria vida, e sofreu tudo o que era necessário para a nossa redenção, e não considerava

outra coisa, exceto resgatar o que se havia perdido. Nós teríamos sido destituídos de toda

a esperança, se o Filho de Deus nos houvesse deixado em nosso estado e condição. Mas

quando Ele estava tão absorvido pela morte, que é onde reside a nossa libertação; quando

Ele suportou tudo com tanta paciência, que é a causa pela qual Deus agora estende a Sua

mão e Seu poder para nos ajudar em tempo de necessidade, nosso Senhor Jesus, então,

tinha que estar ali, por assim dizer, abandonado por Deus, a fim de que hoje pudéssemos

sentir que Ele cuida da nossa salvação, e Ele estará sempre pronto para nos ajudar quando

as nossas necessidades o exigem. No entanto, vamos também aprender a nos precaver

contra todas as tentações, quando o Diabo vem para nos assaltar, querendo nos fazer acre-

ditar que Deus nos abandonou, que Ele virou as costas para nós, e que é uma coisa decep-

cionante esperar nEle. Saibamos, então, quando Jesus Cristo é o verdadeiro padrão de to-

dos os crentes e que Ele nos mostrou o caminho que devemos percorrer, e isso é razão

suficiente para que possamos ser conformados a Ele. Ele sofreu tais blasfêmias que foram

proferidas contra Ele, e ainda assim constantemente resistiu a elas de tal forma que por

meio delas a vitória foi adquirida para nós. Lutemos, pois, hoje, quando o Diabo vem nos

sitiar, por assim dizer, para derrubar a nossa fé e para fechar a porta contra nós, para que

não sejamos capazes de termos acesso a Deus, como se Ele tivesse completamente es-

quecido de nós. Sigamos o nosso Senhor Jesus Cristo e esperemos pela hora em que Deus

estende Seu braço para mostrar que Ele é misericordioso e um Pai para nós, embora por

um tempo Ele suporte nos ver assim abatidos.

Muitos eram, então, estes insultos e escárnios que foram amontoadas sobre nosso Senhor

Jesus. Há ainda outros: “Confiou em Deus; livre-o agora, se o ama”. Isso já havia sido tipifi-

cado na pessoa de Davi, pois estas mesmas palavras (Salmo 22:8) são recitadas quando

ele se queixa que seus inimigos têm tido a oportunidade de usar suas línguas contra ele,

(Salmo 22:7) e eles quase colocaram os pés em seu pescoço, ao repreendê-lo pela confi-

ança que ele tinha em Deus. Agora é certo que esta é a praga mais fatal que Satanás pode

conceber contra nós. Pois, a vida dos homens consiste na fé e no refúgio que temos em

Deus, firmando-nos sobre Suas promessas. Se somos roubados destes estaremos comple-

tamente perdidos e arruinados. É também por isso que Satanás tentou destruir a confiança

que o Senhor Jesus tinha em Deus, Seu Pai. É verdade que Jesus Cristo lutou com um po-

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der maior do que nós somos capazes de fazer, pois Ele não estava sujeito a qualquer incre-

dulidade. Embora seja assim, ainda sentia tal fúria que havia nessas tentações. Porque,

assim como o Diabo já havia traçado essas coisas, agora ele também dobra seus esforços.

Dizendo-lhe: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães, e co-

ma-as, pois você é um pobre homem faminto (Mateus 4:3), [...] agora, quando isso aconte-

ceu Jesus Cristo não era insensível, não mais do que quando O reprovaram pela confiança

que Ele teve aqui em Deus. Logo, agora, embora nós não tenhamos o mesmo poder para

resistir, de modo a evitar sermos afligidos, ainda assim devemos nos fortalecer nEle, saben-

do que é para nós e para o nosso proveito que Ele venceu esses assaltos e prevaleceu

sobre eles.

Há também aqueles que dizem: “Salvou os outros, e a si mesmo não pode salvar-se”. Nós

vemos mais uma vez como eles estavam confundidos. Pois não foi o fato de que Ele salvou

os outros um certo e infalível sinal de Seu poder Divino? Jesus Cristo havia ressuscitado

os mortos e isso não era desconhecido para eles. Ele havia dado vista aos cegos; Ele curou

paralíticos, coxos, endemoninhados. Eis, então, que Jesus Cristo demonstrou os grandes

tesouros de Sua bondade e poder em todos os milagres que foram operados por Ele. No

entanto, isso ainda é uma objeção contra Ele. Vemos, então, como esses pobres loucos, a

menos que alguém os restrinja, são os seus próprios juízes privando-se de todas as descul-

pas; de modo que, quando eles estiverem perante o grande tribunal de nosso Senhor Jesus

Cristo, eles não poderão alegar qualquer escusa; pois ali eles serão, condenados por suas

próprias bocas. Se nosso Senhor salvou os outros, é certo que ele poderia ter salvado a Si

mesmo, a menos que Ele preferisse os outros a Si mesmo. O que pode ser percebido nisto,

exceto uma bondade admirável, visto que Ele desejou se lançar no abismo que os homens

estavam, a fim de nos tirar da profundidade deste abismo, que Ele estava disposto a sofrer

tudo o que era devido, a fim de nos livrar dele, resumidamente, pelo que Ele renunciou a

toda salvação física, ou seja, Ele em nada considerou a Sua própria vida, Ele não quis em

nada poupar a Sua pessoa, a fim de que possamos ter essa promessa e um tal resgate.

No demais, então, devemos ser confirmados em nossa fé. Vendo que em cada coisa o Dia-

bo trama para nos incomodar e nos impedir de nos achegar ao nosso Senhor Jesus, isso

deveria servir para nos fazer ainda mais seguros, devemos saber como tirar proveito de

tudo isso. Agora é certo que o Diabo emprega todos os seus esforços para impedir-nos

neste ponto: saber em que repousa a nossa salvação, e então ele aplica todos os meios, a

fim de ser capaz de nos privar disso. Pois ele sabe que se puder nos induzir a nos escanda-

lizarmos na Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, ele terá nos vencido. E nós experimen-

tamos muito da parte dele. Além disso, todos os escândalos que o Diabo cria e põe diante

de nossos olhos para nos fazer desviar do Filho de Deus, deve nos servir como confirma-

ção, pois, quando se diz que Jesus Cristo salvou a outros e não salvou a Si mesmo, esta é

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uma proposição que de acordo com o nosso julgamento humano, deve nos fazer conceber

algum desdém contra a Pessoa do Filho de Deus, para que O rejeitemos e não coloquemos

a nossa esperança nEle, mas muito pelo contrário, saibamos que o Filho de Deus não tinha

nenhuma consideração por Si mesmo e que Ele não tinha nenhuma preocupação para com

a Sua própria vida, isso para assegurar a salvação das almas tão queridas e tão preciosas,

de forma que Ele desejou empregar tudo para esse fim. Já que é assim devemos corajosa-

mente nos firmar nEle e estejamos completamente certos de que não foi em vão que Ele

sofreu isso por nossa causa.

Quanto eles disseram: “Tu, que destróis o templo, e em três dias o reedificas”, havia tam-

bém uma vil malícia em distorcer o que Jesus havia dito em relação a destruir o templo, o

que Ele disse foi: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei” [João 2:19]. Não era,

portanto, referindo-se à destruição do templo, exceto por seus inimigos. E quando o crucifi-

caram, não deveriam ter sabido que isso já começado a ter cumprimento? Pois eles não

ignoravam o fato de que Jesus Cristo havia declarado que Ele mesmo era o verdadeiro

templo de Deus, referindo ao Seu corpo humano. Pois uma vez que Ele é Deus manifestado

em carne e Sua essência Divina está unida à Sua natureza humana que Ele tomou, assim,

eu digo, toda a plenitude da Divindade habita nEle, é bem certo de que Seu corpo merece

ser chamado “Templo”, mais do que o de Jerusalém e mais do que todos os céus. Agora

eles O derrubaram, enquanto Ele estava entre eles, e Ele o reedificou ao fim de três dias.

Eles também não se esqueceram disto; pois, mais tarde, sabiam bem o que dizer a Pilatos

(Mateus 27:63). Mas pelo que vemos o Diabo possui homens e os torna tão estúpidos a

ponto deles não poderem mais discernir entre o bem e o mal. Eles estão cheios de tanta

fúria a ponto de oporem-se a Deus, como se quisessem plenamente desafiá-lO e com pro-

pósito deliberado. Observemos isto, para que possamos ser admoestados a andar ainda

mais no temor de Deus, quando nós entendemos como Ele trabalhou pelo Seu poder admi-

rável para declarar que não foi em vão que Jesus Cristo havia pronunciado: “Derribai este

templo, e em três dias o levantarei”. Nós vemos confusão em Sua morte somente quando

olhamos para as aparências e de acordo com o senso comum dos homens. Mas Jesus

Cristo restaurou cada coisa por Sua ressurreição. Já que é assim, então, em tudo convém

nos firmarmos na fé, e resistir a Satanás em tudo que ele possa fazer para nos abalar e nos

fazer duvidar.

Quanto disseram: “deram-lhe a beber vinagre misturado com fel”, é apropriado supor que

isso foi feito de acordo com o costume da época para apressar a morte dos malfeitores.

Jesus Cristo, depois de ter provado, não quis beber, porque Ele sabia que Sua hora ainda

não havia chegado. Eles estavam acostumados a dar-lhes esta bebida antes que os malfei-

tores fossem pregados na cruz, a fim de que o sangue fosse agitado para cima e eles entre-

gassem os seus espíritos mais cedo. Pois este tipo de morte era bastante cruel, e eles pre-

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cisavam ser ajudados por isso. Na verdade, veremos mais tarde como os ladrões tiveram

seus ossos quebrados a fim de que eles não definhassem ainda mais. Embora seja assim,

o nosso Senhor Jesus não queria beber essa bebida, para declarar que Ele estava pronto

para receber, em obediência, a condição a qual seu Pai, Deus, O comprometeu. É verdade

que essa morte foi muito difícil para Ele, pois além do fato de ser terrível, Ele tinha em Si

tormentos espirituais, dos quais trataremos amanhã, se Deus quiser. Tudo isso, então, po-

deria muito bem ter induzido nosso Senhor Jesus Cristo a se aproximar da morte, logo que

fosse possível para Ele, mas Ele quis colocar-se com toda a obediência e suportar até que

Ele pudesse ser entregue sem quaisquer meios humanos. Isso, então, em resumo, é o que

temos que lembrar. Mas nestes versos, quando Sua veste foi dividida entre eles e lançaram

sortes sobre ela, para que se cumprisse a Escritura: Davi, um tipo de nosso Senhor Jesus

Cristo, faz tais reclamações. É verdade que isso é uma figura de linguagem, quando ele diz

que eles colocaram em sua bebida fel e vinagre, e eles dividiram as suas vestes, e que, em

sua aflição eles ainda lhe acrescentaram mais agonia, (Salmo 69:20-21; Salmo 22:18) Quão

cruéis e desumanas eram estas pessoas que ainda gostariam de molestar sua pobre vítima

que não podia oferecer nenhuma resistência. Davi, então, usa uma tal figura de linguagem

quando ele diz que sua veste foi dividida entre eles. (Salmo 22:18). Sob essa palavra, ele

fala de sua esposa, de sua casa, de todos os seus bens, e de toda a sua propriedade. Mas

na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo isso tinha que ser literal. Deram-Lhe, então, vina-

gre e fel, a fim de que fosse conhecido que Davi era realmente o antítipo dEle, e que Ele

era o verdadeiro Redentor quem fora prometido desde sempre. Pois, por que foi o Reino

suscitado na casa de Davi, a não ser com a promessa de que Ele permaneceria mais do

que o sol ou a lua? Houve, então, este reino eterno que hoje foi estabelecido na pessoa do

Redentor. Por essas coisas que eram, por assim dizer, uma sombra e tipo na pessoa de

Davi, foram aperfeiçoadas em Jesus Cristo, como podemos ver aqui.

Além disso, o escritor do Evangelho acrescentou que até mesmo os ladrões que estavam

com o nosso Senhor Jesus zombavam dEle, isto foi dito somente por um, como mostra São

Lucas, que declara essas coisas mais pormenorizadamente. E uma forma bastante comum

de falar, como quando alguém diz: “Fulano fala até mesmo com crianças pequenas”, embo-

ra possa haver apenas um, aquele que fala usa o número plural. “Deve haver mulheres en-

tre eles”. No entanto, não necessariamente haverá somente uma. Desta forma, então, diz-

se que o nosso Senhor Jesus foi cuspido, escarnecido e blasfemado por todos, mesmo pe-

los malfeitores. Ele foi identificado com os dois ladrões a fim de agravar ainda mais a

vergonha de Sua morte. É verdade que este era o lugar onde eles estavam acostumados

com a execução de malfeitores. Ao mesmo tempo, eles não estão satisfeitos com esta ver-

gonha, antes Ele teve que ser considerado pior e mais detestável do que todos os ladrões

do mundo, quando eles colocam um em cada um dos seus dois lados, para dizer que Ele

é o chefe de todos eles. E nisso, como diz São Marcos, foi confirmado o que foi dito pelo

profeta: “foi contado com os transgressores” (Marcos 15:28, Isaías 53:12). Agora, se isso

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não acontecesse, hoje, em que lugar e condição estaríamos diante de Deus? Visto que não

podemos obter a graça sem justiça, Deus deve nos odiar e nos rejeitar até que sejamos

justos e purgados de todas as nossas machas e ofensas diante dEle. E se assim, Deus

poderia renunciar a Si mesmo? Ele pode privar-se da Sua santidade, justiça e integridade?

Desde que isso não pode ser, à medida que trouxermos as nossas manchas diante dEle,

devemos ser abomináveis a Deus. Agora, como seremos justificados diante de Deus, a não

ser na medida em que nosso Senhor Jesus Cristo foi contado entre os transgressores? Es-

tando, pois, isentos deste pecado Deus nos recebe, e nós somos tão aceitáveis a Ele como

se estivéssemos totalmente puros e inocentes, na medida em que o nosso Senhor Jesus

suportou passar por tal vergonha e desgraça diante dos homens. Isso, em suma, é o que

temos que lembrar a respeito dos salteadores.

Mas devemos insistir no objetivo do relato de São Lucas, isto é, que um dos ladrões repre-

ende seu companheiro quando o vê tão obstinado. “Como é agora?”, diz ele: “Nunca haverá

um momento em que você se humilhará? Pois a condenação e o castigo que você suporta

são devidos aos seus malefícios e crimes. Você é um homem mergulhado em toda maldi-

ção, e embora durante toda a sua vida você tenha sido tão brutal tendo prazer em suas fal-

tas, agora você deve começar a gemer”. Pois um homem não importando quão arruinado

ele possa estar, embora ele se alegre durante toda a sua vida, e pense que ele nunca virá

a dar conta de tudo, ele zomba da justiça, e até mesmo o desafia, na medida em que ele

confia que ele ficará impune, mas quando ele é capturado, ele deve largar o seu cantarolar.

“Agora você está aqui”, diz ele, “em grande tormento. Você vê que Deus e os homens agora

estão trazendo-lhe a conta. Também a sua consciência lhe reprova e isso pelos seus pró-

prios crimes que você deve agora suportar. E você ainda desafiará a Deus?”, aqui está uma

frase que mostra bem que este ladrão tinha sido ensinado pelo Espírito de Deus. Embora

logo veremos isso incomparavelmente mais e já nesta palavra podemos julgar que tipo de

professor o Espírito de Deus é, quando Ele dá instrução para aqueles que foram totalmente

desviados, de fato, embrutecidos; de forma que eles não somente reconhecem as suas

culpas e se preparam assim, com a obter graça, mas podem falar apenas como os doutores

eruditos, e como pessoas que por muito tempo foram treinadas na Sagrada Escritura. Pois

o principal protesto que podemos fazer contra um homem tão endurecido e que ainda assim

não cessa de atacar a Deus, é que ele deve prostrar-se e arrepender-se, e não foi isto que

este pobre ladrão fez? Porém, apesar desta advertência ter sido feita, de nada aproveitou,

exceto para tornar imperdoável aquele que estava tão possuído por Satanás. Mesmo que

esta advertência não tenha servido para nada em relação àquele a quem foi dirigida

originalmente, certamente deve ser útil para nós hoje.

Portanto, aprendamos a temer a Deus, embora Ele nos poupe. Mas acima de tudo, se so-

mos fustigados por Sua vara, e Ele nos faz sentir que Ele está ofendido por nós, então po-

demos ser ainda mais incitados a gemer, e que também tenhamos constância e suportemos

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pacientemente as nossas aflições, assim como podemos ver que este pobre ladrão fez, e

de modo algum sejamos orgulhosos e furiosos como o outro. Além disso, nestes dois ve-

mos, por assim dizer, espelhos de toda a humanidade, pois vemos as misérias que nos cer-

cam. Esta vida é, por assim dizer, uma profundidade de todas as privações, e estas são os

frutos de nossos pecados. Porque temos sido privados da bênção de Deus na Queda de

Adão. É verdade que, apesar de Deus por Sua bondade inestimável ultrapassar esta maldi-

ção, quando Ele declara nosso próprio Pai de muitas maneiras e nos faz sentir Sua bondade

e amor que Ele tem por nós e pelo cuidado com que Ele nos trata, mas temos muitas marcas

de nossos pecados de cima a baixo, devemos perceber que estamos debaixo da maldição

de Deus. A morte finalmente será o fim comum de todos. Quando teremos definhado neste

mundo, quando seremos todos foram sujeitos a muitas doenças, ao calor e ao frio, quando

devemos ter sido atormentados de uma forma e de outra, brevemente, quando tivermos

sofrido misérias infinitas, qual será o decreto disso? Devemos voltar à corrupção e cinzas.

No entanto, vemos aqueles que são tocados por Deus de tal maneira que as aflições pelas

quais eles passam contribuem para a sua salvação e tornam-se seu auxílio, como São

Paulo fala no capítulo 8 de Romanos. Outros tornam-se cada vez piores, e em vez de se

humilharem e serem levados a qualquer arrependimento, apenas se corrompem ainda

mais, e cada vez mais provocam a ira de Deus e inflamam ainda mais o fogo em que serão

consumidos. Sejamos advertidos por isto. Então, lancemos os nossos olhos sobre estes

dois ladrões como sobre os espelhos de todo o mundo, embora desde o maior ao menor

todos nós somos dignos de culpa diante de Deus. E se todos juntos devemos sofrer, quem

se orgulhará de sua inocência? Quem será capaz de absolver-se? Estando nós mergulha-

dos na condenação nós suportaremos justamente a punição por nossos pecados. Entre-

tanto nem todos confessam seus pecados igualmente, pois há aqueles que vão de mal a

pior, e sua rebelião, contra Deus se manifesta. Eles rangem os dentes, espumam pela boca,

em sua fúria e crueldade. E eles não querem de forma alguma ser condenados; ou talvez

eles se riem e mostram um desprezo intencional ao dizer que Deus não obterá nada deles

e que não terão nenhum dominador sobre eles.

E para concluirmos, quando os pobres pecadores reconhecem quem de fato são, quando

se humilham, quando eles confessam sua dívida, quando eles dão glória a Deus, declaran-

do que Ele os trata com toda a equidade e retidão, e que há uma boa razão para que eles

sofram e sejam castigados, quando, eu digo, pobres pecadores são atraídos para tal razoa-

bilidade, estejamos certos de que Deus colocou a mão sobre eles, que Ele os tocou pelo

Seu Espírito Santo e que, nisto se pode observar uma bondade infinita, quando Ele então

livra da perdição e do inferno, aqueles que estavam, por assim dizer, desprovidos de toda

a esperança. Agora, em resumo, vemos na pessoa deste pobre ladrão um exemplo de fé

que é tão bom quanto qualquer outro que já existiu. Portanto, muito mais devemos ser leva-

dos a admirar o tal milagre que Deus realizou, pois, em que circunstância ele estava? Ele

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estava perto da morte, ele sentia tormentos horríveis, ele estava esperando alguém vir e

quebrar suas pernas, perder seus membros, ele estava em um tormento tão amargo e terrí-

vel que seria suficiente para fazê-lo perder o sentido e a memória, ele vê o nosso Senhor

Jesus, que também está na mesma situação de desespero, de fato, com vergonha maior

ainda, e como é que ele fala? Ele não somente reconhece seus defeitos e se humilha diante

de Deus, ele não somente exerce o ofício de um mestre buscando converter seu compa-

nheiro e levá-lo de volta ao bom caminho, mas ele faz uma confissão melhor do que todas

as outras, se considerarmos bem tais circunstâncias. “Lembra-te de mim”, diz ele, “quando

entrares no Teu Reino”. Como é que ele é capaz de perceber o Reino de Jesus Cristo? Ele

estava perecendo na cruz, Ele era maldiçoado tanto por Deus quanto pelos homens, pois

esta sentença da lei havia sido pronunciada pela boca de Deus: “porquanto o pendurado é

maldito de Deus” (Deuteronômio 21:23).

E isso não foi feito por acaso, mas Deus colocou o Seu único Filho ali. Quando, então, ele

vê Jesus Cristo estar sob a maldição, diante de Deus e diante dos homens, de fato nas pro-

fundezas do desespero, do ponto de vista humano, ele não pode reunir seus pensamentos

para dizer que Jesus Cristo é o Rei, a não ser na fé e no espírito. Então, ele vê ali as coisas

que poderiam leva-lo para longe do Filho de Deus e que poderiam fazê-lo concluir que seria

apenas um abuso e um escárnio confiar nEle, no entanto, ele o chama de Rei, vendo-O em

Sua morte. “Salva-me”, diz ele, “Dá-me vida. Porque, toda a minha felicidade consiste em

que Te lembres de mim”. Agora, quando consideramos bem todas essas circunstâncias, é

certo que a fé deste ladrão era tão excelente quanto a de qualquer homem que já viveu,

portanto, não nos envergonhemos de sermos Seus discípulos, pois, de fato, a morte de

nosso Senhor Jesus Cristo de nada nos aproveitará, se não estamos, por assim dizer, con-

denados em nós mesmos, a fim de obter a salvação nEle. E nós não podemos ser absolvid-

os diante de Deus, a menos que tenhamos confessado que em nós há somente a iniquidade

e imundície. Posto que de fato somos condenáveis diante de Deus, e que os juízos de nos-

sas próprias consciências nos condenam, não nos envergonhemos de seguir este ladrão,

vendo que ele pode ser um bom professor para nós.

E mesmo agora que o nosso Senhor Jesus subiu ao céu, que Ele tomou posse da glória

que foi dada a Ele por Deus Pai, a fim de que todo o joelho se dobre diante dEle, não duvi-

demos de que estamos totalmente restaurados e sustentados por Ele, concluamos pois que

aqui está toda a toda a nossa felicidade, a saber, que Jesus Cristo nos mantêm em Sua

lembrança e nos governa. Na medida em que Ele tem sido ordenado o nosso Pastor, Ele

cuida de nossa salvação, a fim de que possamos estar seguros sob Sua mão e sob Sua

proteção. Além disso, podemos aprender a suportar com paciência as misérias da vida pre-

sente, e a não nos privarmos de nos achegarmos ao nosso Senhor Jesus Cristo. Como pu-

demos ver, o ladrão foi ouvido, no entanto, ele não escapou da morte que foi muito cruel e

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terrível. Então, que possamos estimar a graça espiritual que nos é dada em nosso Senhor

Jesus Cristo, e que nos é oferecida todos os dias pela pregação do Evangelho, para que

estejamos acima de todas as angústias, contendas, cuidados, problemas e ataques que ve-

nhamos a experimentar. Que todas as nossas aflições sejam adoçadas, na medida em que

sabemos que tudo contribuirá para o nosso bem e salvação, pela graça de nosso Senhor

Jesus Cristo.

Isso, então, é o que temos que observar. Além disso, vamos adicionar-lhe a resposta de

nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele promete ao ladrão que no mesmo que ele estará

com Ele no Paraíso. Embora, então, nosso Senhor Jesus ainda não estivesse ressuscitado

dentre os mortos, e Ele ainda não tivesse cumprido tudo o que foi necessário para a nossa

redenção e salvação, Ele já demonstrou o poder e o fruto da Sua morte e paixão. É verdade

que o cumprimento desta promessa aconteceu na ressurreição, mas já que é unida à Sua

morte e paixão, e posto que sabemos, como Ele sofreu na fraqueza da Sua carne, por isso,

Ele é ressuscitado no poder do Seu Espírito; assim como Ele sofreu por nossos pecados a

fim de nos fazer aceitáveis diante de Deus, também Ele ressuscitou para nossa justifi-

cação. Quando, eu digo, nós sabemos de tudo isso, com quanto maior coragem podemos

vir livremente a Ele. Não podemos duvidar de nada, quando a Ele agrada lembrar-Se de

nós e nos esconder debaixo da sombra Suas asas, assim podemos resistir a Satanás, à

morte e todas as misérias, e nos gloriamos em nossa fraqueza. Embora de acordo com o

mundo nós sejamos pobres criaturas malfadadas, nunca deixemos de nos regozijar em

Deus, a partir da antecipação da glória celestial que Ele nos dá pela fé, e desta herança

que Ele adquiriu por tal preço e da esperança de que nunca seremos enganados.

Agora, nos curvemos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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7º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

A Suficiência da Morte de Cristo Para Nossa Salvação

“E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona. E perto da

hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é,

Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? E alguns dos que ali estavam,

ouvindo isto, diziam: Este chama por Elias, e logo um deles, correndo, tomou uma

esponja, e embebeu-a em vinagre, e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber. Os

outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias vem livrá-lo. E Jesus, clamando

outra vez com grande voz, rendeu o espírito. E eis que o véu do templo se rasgou

em dois, de alto a baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras; E abriram-se os

sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados; E, saindo

dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e

apareceram a muitos. E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o

terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram:

Verdadeiramente este era o Filho de Deus.” (Mateus 27:45-54)

Vimos ontem que as zombarias e blasfêmias dos inimigos de Deus não impediram a morte

e a paixão de nosso Senhor Jesus de produzir e mostrar o Seu poder em meio a tanto des-

prezo e ingratidão do mundo. Por aqui vemos todos aqueles que eram de alguma reputação

e dignidade entre os judeus, que abertamente zombaram do Filho de Deus, mas isso não

O impediu de ter compaixão de um pobre ladrão e recebê-lo para a vida eterna; todavia, de

modo algum, é necessário que alguém obscureça ou diminua a glória do Filho de Deus. Se

é argumentado que um pobre ladrão não é de modo algum comparável com aqueles que

governam a Igreja, que eram mestres da lei; não é apropriado, quando falamos da salvação

que foi adquirida por nós através da bondade gratuita de Deus; para buscar excelência em

qualquer de nossas pessoas, antes devemos voltar para o que São Paulo diz: “Esta é uma

palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os

pecadores” (1 Timóteo 1:15).

Então, quando viermos a considerar o fruto da paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo,

todos os homens têm que ser humilhados, e ali terão que ser encontradas neles apenas a

pobreza e vergonha, a fim de que Deus possa por este meio derramar sobre eles os tesou-

ros da Sua misericórdia, não tendo outra consideração para fornecer para nós, a não ser

na medida em que Ele vê que estamos laçados nas profundezas de todas as misérias. Des-

de então, esse ladrão era um homem desaprovado por todos, e Deus o chamou assim re-

pentinamente, quando o nosso Senhor tornou eficaz a Sua morte e paixão que Ele sofreu

e suportou [...], isso deve muitíssimo nos confirmar. Isso não é em absoluto, então, uma

questão da demonstração de Deus como Ele estende a mão para aqueles que parecem

ser dignos dela e que têm algum mérito em si, ou que eram respeitáveis e de boa reputação

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entre os homens, mas quando Ele retira pobres almas condenadas das profundezas do in-

ferno, quando Ele se compadece daqueles de quem toda a esperança de vida havia sido

perdida, aqui é onde a Sua bondade resplandece. Isso também é o que deve nos dar a en-

trada para a salvação. Pois os hipócritas, embora professem ser de alguma forma limitados

pela graça de Deus, mas fecham a porta contra si mesmos, por sua arrogância. Pois eles

são tão inflados com orgulho que não podem conformar-se ao nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, primeiro, nós podemos estar muito certos de que Jesus Cristo chama a Si mesmo

os miseráveis pecadores que têm apenas confusão em suas pessoas, e que Ele estende

os braços para recebê-los. Porque, se não temos certeza, nunca seremos capazes de tomar

coragem para vir a Ele. Mas quando nós estamos bem convencidos de que é para aqueles

que são os mais miseráveis que Ele envia a salvação que Ele adquiriu, desde que eles se

reconheçam como tais, e se humilhem, e estejam completamente confundidos, fazendo-se

censuráveis (como eles de fato o são), perante o julgamento de Deus; é assim que devemos

ser assegurados, é assim que teremos fácil participação na justiça que aqui nos é oferecida,

e pela qual nós obtemos a graça e favor diante de Deus.

Ao que se diz, “E desde a hora sexta houve trevas sobre toda a terra, até à hora nona”; em

nossa língua comum diríamos das doze horas até às quinze horas. Mas o escritor do Evan-

gelho seguiu a maneira comum de falar daquele tempo. Pois, quando diz a terceira hora,

não está querendo dizer três horas, mas que essa é a primeira parte do dia. Em resumo,

há aqui duas coisas a observar. Uma delas é que eles contavam as horas de forma diferente

do que fazemos hoje, pois eles contavam o dia de sol a sol, e havia as doze horas do dia,

ao passo que nós medimos o dia por 24 horas, calculando a partir da meia-noite à meia-

noite seguinte. Os relógios tiveram que ser feitos de forma diferente, de modo que as horas

eram mais longas no verão do que no inverno, e de acordo com isso os dias eram mais lon-

gos ou mais curtos, por isso, as horas eram longas ou curtas. O outro ponto é que eles divi-

diam o dia em quatro quartos de três horas, e cada parte foi nomeada pela primeira hora

do quarto. Então, desde o raiar do sol até à segunda parte do dia foi chamado de a primeira

hora. A segunda parte do dia começava às nove horas e se estendia até ao meio-dia, esta

era por eles chamada de a terceira hora. E a hora sexta, começava a partir do meio dia e

ia até às quinze horas. A última, durava até o pôr do sol e o dia estava terminado. É por

isso que é dito por um dos escritores do Evangelho que Jesus Cristo foi crucificado por volta

da terceira hora. E aqui é dito que isto aconteceu na sexta hora. O escritor do Evangelho

quis dizer que a partir da sexta hora até a hora nona, houve trevas. Pois nosso Senhor

Jesus foi crucificado entre às nove horas e meio dia, Ele havia sido condenado acerca de

nove horas por Pilatos. E São Marcos que dizer o fim da terceira hora, não o começo,

quando ele descreveu o tempo em que Jesus Cristo foi levado ao Gólgota. Agora, Ele ficou

na cruz até a hora nona, quando já o final do dia estava se aproximando. Por isso, é mais

provável que o nosso Senhor Jesus não permaneceu em agonia na cruz por mais de três

horas.

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Durante esse tempo, é dito que houve trevas sobre toda a terra, isto é, a Judéia. Pois o

eclipse não foi geral por todo o mundo. Na verdade, isto teria obscurecido o milagre que

Deus quis mostrar. Porque eles, então, poderiam ter atribuído este eclipse às forças da na-

tureza. Por outro lado, não há muitas pessoas que falaram dele no sentido de que isso a-

conteceu em outros países. Na verdade, aqueles que fazem menção disso são justamente

conjecturados. Mas eis que a terra da Judéia é que foi coberta pela escuridão. E a que ho-

ras? Por cerca de três horas depois do meio-dia, quando o sol ainda não estava prestes a

se pôr, como se costuma dizer. Mas, para além das forças comuns da natureza devia haver

escuridão para causar medo e espanto a todos. Muitos consideram que isso foi feito, como

sinal de repulsa, como se Deus quisesse chamar os judeus a prestarem contas, a fim de

que eles pudessem ter algum sentimento em relação ao crime tão hediondo que eles havi-

am cometido, e como se Ele significasse para eles por este sinal visível que até mesmo to-

das as criaturas deveriam, como que esconderem-se de uma coisa tão horrível, quando

Jesus Cristo foi, assim, entregue à morte. Mas temos que observar que de uma maneira a

morte de nosso Senhor Jesus Cristo teve que ser realizada como um crime terrível, isto é,

no que diz respeito aos judeus. Deus detestou também sua iniquidade e demasiada vilania,

pois estas superaram a todos os outros. Na verdade, se nós odiamos o assassinato e essas

coisas, o que isso será quando chegamos à pessoa do Filho de Deus? Em relação a Quem

os homens foram tão loucos a ponto de quererem aniquilar Aquele que era a Fonte da Vida,

de modo que eles se levantaram para destruir a memória dAquele por Quem fomos criados,

e no poder de Quem nós subsistimos!

No entanto, a morte de nosso Senhor Jesus não permaneceu meramente como um sacrifí-

cio de cheiro suave. Pois devemos sempre lembrar que [esta ocorreu para] a reconciliação

do mundo, como já declarado anteriormente. Além disso, a escuridão veio a fim de que o

sol desse testemunho da majestade Divina e celestial de nosso Senhor Jesus. Embora,

então, por esse minuto Ele não foi apenas humilhado e se tornou desprezível diante dos

homens, até mesmo esvaziando-Se de tudo, como diz São Paulo; ainda assim, mesmo o

sol O homenageia, e como um sinal disso ele permaneceu escondido. Já que é assim, en-

tão, saibamos que Deus, para tornar o perverso ainda mais indesculpável, quis que Jesus

Cristo em Sua morte fosse declarado Rei soberano de todas as criaturas, e que este triunfo

do qual fala São Paulo no segundo capítulo de Colossenses já começou, quando ele diz

que Jesus Cristo triunfou na cruz (Colossenses 2:14-15). É verdade que Ele aplica isso ao

fato de que Ele riscou a cédula que nos era contrária, e que Ele nos absolveu diante de

Deus, e por causa disso Satanás foi derrotado; o que foi mostrado por este eclipse do sol.

No entanto, os judeus estavam convencidos de sua ignorância, mesmo de sua ignorância

maliciosa e fanática, como se tivesse sido visto com seus olhos que Satanás os possuía, e

que eles haviam, por assim dizer, se tornado monstros contrários à natureza. Isso, em resu-

mo, é o que temos que lembrar quando se fala da escuridão que ocorreu.

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É verdade que hoje estamos iluminados pela morte e paixão de nosso Senhor Jesus Cristo.

Pois, como é que o Evangelho nos mostra o caminho para a salvação? Como somos ilumi-

nados para chegar a Deus, a não ser uma vez que o Filho de Deus nos é apresentado com

o fruto e do poder da Sua morte? Jesus Cristo é realmente o Sol da Justiça, porque Ele ad-

quiriu para nós a vida, por Sua morte. Mas os judeus foram privados de tal benefício. E, em

que o sol foi obscurecido, eles foram convencidos que de todas as pessoas, eles eram re-

provados, e a doutrina não mais lhes seria proveitosa, nem lhes seria útil para a salvação,

uma vez que por sua malícia haviam tentado extinguir e abolir tudo o que podia dar-lhes

esperança, pois esta esperança estava inteiramente na Pessoa do Mediador, a quem

tentaram destruir por sua malícia e ingratidão. Era certo, então, que eles estavam completa-

mente destituídos de toda a luz da salvação, a fim de que a ira de Deus se declarasse de

forma visível sobre eles.

Segue-se que o nosso Senhor Jesus clamou, dizendo: “Deus meu, Deus meu, por que me

desamparaste?”. São Mateus e São Marcos recitam em língua Siríaca estas palavras de

nosso Senhor Jesus, que são extraídas de Salmo 22. E as palavras não são assim pronun-

ciadas por todos os escritores dos Evangelhos como o texto do Salmo apresenta. Mesmo

nesta palavra “Eli”, que é “Meu Deus”, vemos que São Marcos diz: “Eloí” (Marcos 15:34).

Mas isso é uma distorção da linguagem, como vimos antes; pois os judeus que retornaram

da Babilônia nunca tiveram uma língua totalmente pura, como antes. Ademais esta excla-

mação é tirada do Salmo 22:1. Deus quis especialmente que isto fosse recitado em duas

línguas, para mostrar que era algo importante, e para o qual devemos atentar. Na verdade,

a menos que queiramos imaginar (como fazem muitas pessoas irracionais) que o nosso

Senhor Jesus falou de acordo com a opinião de homens e não de acordo com Seu sentido

e Seu sentimento, nós certamente devemos ser movidos por isto, e os nossos sentidos

devem maravilharem-se, quando Jesus Cristo queixa-se de ser desamparado e abandona-

do por Deus Seu Pai. Pois é uma coisa muito sem graça e muito tola, dizer que o nosso

Senhor Jesus não foi de todo tocado com a angústia e ansiedade em Seu coração, mas

que Ele houvesse simplesmente dito: “Eles dizem que estou abandonado”. Isso mostra que

aqueles que olham para tais glosas, não são apenas ignorantes, mas são totalmente zom-

badores. Além disso, eles nunca deixam de blasfemar, como cães mastim, contra Deus. E

todos aqueles que falam assim, é certo que eles não têm mais religião do que os cães e os

animais irracionais, pois eles não sabem o quanto a sua salvação custou ao Filho de Deus.

E o que é pior, eles zombam dEle apenas como os vilões que são.

Então, temos que manter como um fato conclusivo que o nosso Senhor Jesus, que está

sendo trazido para tal extremo e angústia, clamou com grande voz: (sim, como aqueles que

são atormentados ao extremo), “Deus meu, Deus meu, por que que me desamparaste?”

Na verdade, nós já dissemos que seria uma declaração fria a partir da história de Sua morte,

se não considerarmos a obediência que Ele prestou a Deus, o Pai. Esta, então, é a principal

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coisa que temos que considerar se quisermos ter certeza de nossa salvação. É que, se co-

metemos muitas faltas e rebeliões e iniquidades contra Deus, tudo isso será enterrado, na

medida em que o nosso Senhor Jesus por Sua obediência nos justificou e nos tornou acei-

táveis a Deus, Seu Pai. Agora esta obediência, no que consiste, a menos que Jesus Cristo,

embora a morte fora difícil e terrível a Ele, ainda assim, não recusou estar sujeito a ela?

Pois se Ele não tivesse experimentado nisto nenhuma dificuldade ou contradição, isto não

teria sido obediência. Mas, apesar de que nosso Senhor Jesus, por natureza, morreu em

horror, de fato foi um fardo terrível para Ele o ser encontrado diante do tribunal de Deus,

em nome [...] dos miseráveis pecadores (pois Ele estava ali, como se tivesse que sustentar

todos os nossos fardos), no entanto, Ele não deixou de humilhar-Se a tal condenação por

nossa causa, nós sabemos que houve nEle uma obediência perfeita, e nisto nós temos

boas razões para glorificá-lO, como diz o Apóstolo na Epístola aos Hebreus: “Nosso Senhor

Jesus foi ouvido quanto ao que temia” (Hebreus 5:7).

Embora isto tenha sido assim, ainda que Ele teve que suportar algo tão duro e penoso, de

fato, totalmente contrário a todo o afeto humano, isto era necessário, pois: “Ainda que era

Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Hebreus 5:8).

Vemos, então, o Apóstolo, que especifica particularmente que o nosso Senhor Jesus teve

que ser assombrado pelo medo; pois, sem isto nós não saberíamos quão precioso foi esse

sacrifício pelo qual fomos reconciliados. Na verdade, São Pedro também mostra que o nos-

so Senhor Jesus sofreu não só em Seu corpo, mas na alma, quando Ele diz que Ele lutou

contra as dores da morte.

É verdade que a Escritura muitas vezes diz que nós somos redimidos pelo sangue de Jesus

Cristo, na medida em que Ele ofereceu Seu corpo como um sacrifício. É também por isso

que se diz que a Sua carne é para nós comida e Seu sangue é para nós bebida espiritual.

Mas isso é dito concernente à nossa insensatez. Porque somos rudes, o Espírito Santo nos

traz de volta ao que é visível na morte de Jesus Cristo, a fim de que possamos ter uma cer-

teza absoluta do penhor de nossa salvação. No entanto, não devemos rejeitar o que é mos-

trado em todas as outras passagens, para não invalidarmos o fato de que a morte e a paixão

de nosso Senhor Jesus não serviriam para tirar as iniquidades do mundo, exceto na medida

em que Ele obedeceu verdadeiramente humilhando-Se até uma morte assustadora. E Ele

obedeceu, e não em tudo o que Seus sentidos foram levados, mas, apesar de que Ele tives-

se que sofrer terrores e extremos terrores, ainda assim Ele colocou a nossa salvação acima

de qualquer outra consideração. Isso, então, é o que temos que observar nesta passagem,

isto é, que o Filho de Deus não somente suportou em Seu corpo uma morte tão cruel, mas

que Ele foi comovido imediatamente, tendo que suportar terríveis assombros como se Deus

O tivesse abandonado. Pois, na verdade, Ele também sofreu por nossa causa, e teve que

experimentar a condenação que era devida aos pobres pecadores.

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Por nossos pecados nós estamos, por assim dizer, alienados de Deus, e Ele deve apartar-

Se de nós, e nós temos que saber que Ele tem, por assim dizer, nos rejeitado. Essa é a coi-

sa certa para os pecadores. É certo que Jesus Cristo nunca foi rejeitado por Deus, Seu Pai.

No entanto, Ele teve de sofrer essas angústias e Ele teve que lutar bravamente para repeli-

las, a fim de que hoje o fruto da vitória pudesse ser nosso. Portanto, devemos lembrar que,

quando o Senhor Jesus foi colocado em tal situação, como se Deus Seu Pai tivesse tirado

dEle toda a esperança de vida, na medida em que Ele estava ali em nossa pessoa, supor-

tando a maldição de nossos pecados que nos separavam de Deus. Pois onde repousa a

nossa felicidade, a não ser no fato de que somos vivificados pela graça de Deus e ilumi-

nados pela Sua luz? Ele é a fonte da vida e de todo o bem, e os nossos pecados colocam,

por assim dizer, uma longa distância entre Ele e nós. Jesus Cristo, então, teve que experi-

mentar isso. Vejamos agora o que alguém poderia dizer. “É possível que Jesus Cristo tenha

experimentado esses terrores, uma vez que nEle há somente perfeição completa? Pois

parece que isso afasta a fé de que Ele deveria ter e de tudo o que nós devemos crer sobre

Ele. Isto é, Ele era totalmente imaculado. Ora, a resposta para isso é muito fácil, pois quan-

do Ele foi tentado por Satanás, é certo que Ele tinha que ter essa apreensão de que Ele

estava, por assim dizer, em cima de uma torre e que Ele estava sujeito a tal ilusão de acordo

com a Sua natureza humana. No entanto, isso não tirou nada de Seu poder Divino. Em vez

disso, temos a oportunidade de magnificar Sua bondade para conosco, na medida em que

Ele assim humilhou-se a Si mesmo por nossa salvação.

Agora, é dito que clamou: “Deus meu, por que me desamparaste?”. Em primeiro lugar, é

muito certo que Jesus Cristo, na medida em que Ele era Deus, não poderia ter tal apreen-

são. Não, não. Mas quando Ele sofria, Sua Divindade teve que dar lugar à Sua morte e pai-

xão, as quais Ele teve que suportar. Isso, então, é o poder de nosso Senhor Jesus que foi

mantido, por assim dizer, oculto por um tempo, até que Ele tivesse obtido tudo o que era

necessário para a nossa redenção. Ainda de acordo com o homem, notemos que esta quei-

xa, e esse sentimento de terror dos quais falamos agora, de maneira nenhuma prejudicaram

a fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois uma vez que Ele era homem Ele tinha toda a Sua

confiança em Deus, como já vimos, e ontem isso foi suficientemente tratado. Isto foi então

um o verdadeiro padrão de verdade, perfeição e inteira confiança. Diz-se agora que Ele

estava em tal angústia que Ele parecia estar abandonado por Deus, Seu Pai. No entanto

Sua fé sempre foi perfeita, não foi nem abatida nem abalada de qualquer forma que seja.

Como, então, Ele diz: “Por que me desamparaste?”. Isso foi por apreensão natural. Eis, en-

tão, o nosso Senhor Jesus Cristo, que de acordo com a fraqueza da Sua carne, foi, por as-

sim dizer, abandonado por Deus, e ainda assim não deixou de confiar nEle. Como, de fato,

vemos duas partes nestas palavras que são superficialmente contrárias, ainda que, de fato,

concordem muito bem. Quando Ele diz: “Deus meu, Deus meu”, e Ele repete a palavra de

tal forma a demonstrar a constância de Sua fé. Ele não diz: “Onde está Deus? Como é que

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Ele pode ter me deixado?”, Mas se dirige a Ele. Ele devia estar inteiramente persuadido e

certo de que Ele sempre encontraria acesso favorável, a Deus Seu Pai. Eis aqui (digo eu)

um certo e infalível testemunho da fé de nosso Senhor Jesus Cristo. Quando no meio da

calamidade e angústia em que Ele se encontrava, Ele não deixou de clamar a Deus seu

Pai, e não de forma presunçosa, mas porque Ele estava certo de que iria encontrá-lO propí-

cio ao invoca-lO. Eis no que (digo eu) a fé de nosso Senhor Jesus Cristo é suficientemente

declarada. No entanto, Ele repete a palavra, porque esta luta é difícil, como se Ele desa-

fiasse todas as tentações que Satanás preparou para Ele, e Ele procurou a confirmação da

fé para que Ele pudesse sempre persistir clamando a Deus.

Agora Ele disse ainda: “Por que me desamparaste?”, Claro que isto estava de acordo com

o que Ele poderia conceber como homem. Porque Ele deveria passar por esta experiência,

sem, contudo, ser vencido por ela. Pois São Pedro diz: “Soltas as ânsias da morte, pois não

era possível que fosse retido por ela” (Atos 2:24).

Ou seja, que Ele fosse apreendido como um homem pobre que foi totalmente entregue e

esmagado, “Era impossível”, diz São Pedro. E assim, a vitória estava no meio da luta. E is-

so é para glorificar ainda mais o nosso Senhor Jesus Cristo. Davi tinha experimentado isso

em parte. Pois é certo que, no meio de suas aflições, por maiores que fossem, ele insistiu

em clamar a Deus, de fato esperando nEle. Mas desde que ele era um homem frágil, a sua

fé foi abalada, muitas vezes, como ele confessa. Mas em nosso Senhor Jesus, houve uma

consideração especial (que foi tratada no último Dia do Senhor), isto é, que Ele tinha todas

as Suas emoções bem controladas, por causa da integridade que havia nEle e por que não

havia nEle nenhuma corrupção natural. Como às vezes acontecerá conosco que nossas

dores prosseguirão a partir de um motivo justo, na verdade, os nossos medos e nossas an-

siedades. Mas, mesmo assim sempre haverá vícios misturados nisso, uma vez que a cor-

rupção está em todas as nossas paixões. Mas em nosso Senhor Jesus não havia nada de

problemático ou desordenado. Segue-se, então, que Ele não estava tão tomado de angus-

tia, que Ele sempre teve sua esperança posta corretamente em Deus, que Ele clamou ape-

nas por Ele e permaneceu firme e constante nisso, sabendo muito bem que Ele seria o

Salvador até o fim.

Ao que se diz que alguns dos que estavam perto dEle O zombavam. “Ele chama por Elias,

deixa, vejamos se Elias vem livrá-lo”. Alguém supôs que os guardas, como ignorantes da

Lei, falaram assim. Mas isso é muito abuso e tolice, pois eles não sabiam quem era Elias.

Não há dúvida, portanto, que esta blasfêmia foi pronunciada por nenhuns outros além dos

sacerdotes que eram versados na Lei. E eles mesmos não estavam enganados no que

Jesus disse? Nem um pouco. Pois o profeta a quem chamavam de Elias não é assim pro-

nunciado. O nome, então, não os havia enganado. Pois não há dúvida implícita, uma vez

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que a palavra “Elias” é pronunciada de forma completamente diferente da palavra “Eli”, isto

é, “Meu Deus”. Isso não pode causar qualquer ambiguidade. Isso ocorreu, então, por certa

malícia e ousadia por meio da acusação de que “Ele chama Elias” fora colocada sobre o

nosso Senhor Jesus Cristo. E se nós achamos isso estranho, quisera Deus que não hou-

vesse tais exemplos hoje. Pois alguém verá hoje os Papistas que pervertem e depravam,

por meio de suas calúnias, o que nós ensinamos, isto é, o que é extraído da pura verdade

de Deus, e eles conscientemente blasfemam para tornar nossa doutrina odiosa para muitas

pessoas ignorantes e pessoas que não ouvem o que pregamos todos os dias. Eles depra-

vam, então, falsamente aquilo que dizemos e o levam totalmente para o lado errado, a fim

de dar plausibilidade à sua mentira e entreter as pobres pessoas ignorantes com isso. É

assim foi que os inimigos de Deus, possuídos por Satanás, perverteram por malícia as pala-

vras de nosso Senhor Jesus Cristo, e hoje entre os Papistas se vê a mesma coisa. E isso

não apenas é percebido no Papado, mas mesmo entre nós há beligerantes que dirão que

queremos fazer crer que Jesus Cristo foi desprovido de toda a esperança quando vemos

que Ele sofreu a angústia da morte, como se Ele tivesse sido lançado para as profundezas,

na medida em que Ele estava ali em nosso nome e Ele sofreu o peso de nossos pecados.

Mas isso de maneira alguma tira a constância da Sua fé, que esta possa não ter perma-

necido sempre em sua totalidade. E esses tratantes que fazem profissão do Evangelho,

nunca deixam de blasfemar com conhecimento de causa, por que eles mostram que eles

são piores do que aqueles de quem se fala aqui.

Havendo, pois, o Diabo hoje aguçado as línguas dos seus agentes, e que cada um por tal

atrevimento brutal trata de vomitar seu veneno contra a pureza da doutrina, não achemos

estranho que o nosso Senhor Jesus tenha sido caluniado assim. Mas podemos suportar

com paciência essas blasfêmias, orando a Deus (como se diz no décimo segundo Salmo)

para que Ele possa destruir essas línguas lisonjeiras (Salmos 12:3), que são tão cheias de

vilania e de execração, e as quais tendem a blasfemar do Seu Nome e obscurecer a Sua

verdade.

Diante disso, os registros do escritor do Evangelho dizem que havia ali um vaso cheio de

vinagre (de fato, como já vimos, que foi misturado com fel), e que eles levaram uma cana,

ou melhor, (como diz São João) um hissopo, a fim ter uma longa vara, e no fim de tudo isso

eles colocaram uma esponja para fazê-la chegar à boca do nosso Senhor Jesus. São João

fala aqui mais claramente, pois ele diz que Jesus Cristo, sabendo que todas as coisas foram

cumpridas, disse que ele estava com sede, e por isso Ele declarou mais uma vez, “Está

consumado”. Isso, então, é o que temos que observar aqui, quando esta bebida foi dada

ao Filho de Deus, a saber, que Ele não pediu para beber porque Ele estava com sede, pois

Ele se recusou, como já vimos acima. Então, por quê? Por que esta bebida foi dada a fim

de encurtar a vida. Ora, nosso Senhor Jesus desejou em tudo e por tudo esperar pela hora

de Deus Seu Pai em paciência e descanso. Isso, então, é o motivo pelo que Ele não queria

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apressar a Sua morte, mas tornara-Se pacífico e obediente, até que tudo fosse cumprido

— embora, de fato, Ele ainda não houvesse entregado o espírito e nem ressuscitado dentre

os mortos. Pois Ele quer dizer que até esta hora Ele tinha mostrado uma obediência com-

pleta, de modo que nada agora O impedia de entregar a Sua alma a Deus, Seu Pai. Isso,

então, é como devemos abordar esta passagem: É que o nosso Senhor Jesus declarou

que nada mais faltava para a nossa redenção, exceto o afastar-Se do mundo, o que Ele es-

tava pronto e preparado para fazer, e entregar a Sua alma a Deus. Vendo, então, que Ele

mesmo havia cumprido todo o Seu dever como Mediador, e que Ele havia feito tudo o que

era necessário para apaziguar a ira de Deus em relação a nós, e que a satisfação pelos

nossos pecados fora cumprida, Ele estava disposto a pedir por esta bebida.

Agora temos aqui uma frase muito notável e excelente, quando se diz: “Está consumado”.

Pois é certo que o Senhor Jesus não fala em absoluto de quaisquer coisas pequenas ou

comuns. Mas Ele intenciona que pela Sua morte, temos tudo o que precisamos para ter

acesso a Deus e obter a graça dEle. Não que Sua ressurreição seja excluída por isso, mas

é como se Ele dissesse que Ele realizou Seu ofício fielmente, e que Ele não veio a ser um

Salvador parcial, mas que até o último momento Ele executou o fardo que Lhe fora comis-

sionado, e que Ele não havia omitido nada de acordo com a vontade de Deus, Seu Pai.

Desde que é assim, nós somos instruídos a fixar totalmente a nossa confiança em nosso

Senhor Jesus Cristo, sabendo que todas as partes da nossa salvação são cumpridas no

que Ele fez e sofreu por amor a nós. É também por isso que a Sua morte é chamada de

sacrifício perpétuo, pelo qual os crentes e os eleitos de Deus são santificados. Não que-

remos, então, ter certeza de que Deus é um Pai para nós? Não queremos ter liberdade de

clamar por Ele? Não queremos ter descanso em nossas consciências? Não queremos ser

mais totalmente seguros de que somos considerados justos, a fim de sermos aceitáveis a

Deus? Permaneçamos em Jesus Cristo e não andemos aqui ou ali, e reconheçamos que é

nEle que repousa toda a perfeição. Aqueles, pois, que desejam outros adereços, e quem

olham de um lado para o outro para suprir o que deve faltar na morte e paixão de nosso

Senhor Jesus Cristo, renunciam inteiramente o poder de que estamos falando agora. Resu-

midamente eles pisoteiam o sangue de Jesus Cristo, pois eles O desonram. Agora, em todo

o Papado, o que há ali exceto a renúncia da morte e paixão de nosso Senhor Jesus Cristo?

Por que eles pensam em fazer boas obras, porque eles as chamam de méritos, pelo que

eles confiam adquirir graça diante de Deus, é certo que eles repudiam o que foi declarado

por nosso Senhor Jesus Cristo: “Está consumado”. E uma vez que é assim, quando eles

pensam obter a salvação diante de Deus, e eles desejam ter a remissão dos seus pecados,

para onde vão, a não ser para as suas tolas devoções? Pois cada um realizará o seu peque-

no dever em seu posto, de modo que todas as chamadas devoções no Papado tanto blasfe-

mam quanto anulam o que foi pronunciado quando o nosso Senhor Jesus disse: “Está con-

sumado”. O que se segue, então? Que saibamos que não há uma única partícula de virtude

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ou mérito em nós, a menos que nos apossemos desta Fonte onde está toda a plenitude

dos méritos.

Assim, então, é como a nossa fé deve ser fixada em nosso Senhor Jesus Cristo. Além dis-

so, que conheçamos acima de tudo, quando Ele foi oferecido como um sacrifício isso foi

para nos absolver para sempre e para nos santificar perpetuamente, como diz a Escritura

(Apocalipse 13:8). Que possamos, então, não ter outro sacrifício além deste. É verdade

que, no Papado, essa abominação diabólica da missa é chamada de sacrifício diário; e eles

dizem que Jesus Cristo certamente uma vez Se ofereceu como sacrifício para obter para

nós a remissão de nossos pecados, mas que ainda é necessário que Ele seja oferecido di-

ariamente, o que é blasfêmia plenamente manifesta, na medida em que usurpa o ofício que

foi dado ao nosso Senhor Jesus Cristo, quando Ele foi ordenado único Sacrifício eterno, de

fato, com um juramento que Deus jura que seria perpétuo. Quando, então, os homens mor-

tais encarregam-se ainda de vir a apresentar e oferecer Jesus Cristo a Deus, será que eles

não roubam a honra que Deus reserva para Si mesmo, e que não pode ser atribuída a

qualquer criatura? Já que é assim, então, vemos como estes pobres cegos, supondo man-

terem a designação de Deus, provocam a Sua ira e Sua vingança, renunciando a morte e

a paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. E muito mais nos convém ampliar a graça de Deus,

pela qual Ele nos retirou de tal abismo, que quando afirmamos nos aproximarmos dEle, é

para desafiá-lO abertamente. Pois, nos privamos dEle e do fruto de Sua morte e paixão

quando buscamos outro sacrifício além daquele que Ele ofereceu em Sua pessoa. Isso,

então, é o que temos que lembrar.

Agora é dito: “E Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o espírito”. E este grito

foi: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” [Lucas 23:46]. Nisto nós vemos como o

nosso Senhor Jesus Cristo tanto lutou contra as dores da morte, e que a partir de então Ele

foi vencedor sobre ela e Ele poderia ganhar Seus triunfos como tendo superado o que era

o mais difícil. E isso diz respeito a nós, ou seja, devemos aplicá-lo para o nosso uso. Pois

temos a certeza não somente que o Filho de Deus lutou por nós, mas que a vitória que Ele

adquiriu para nós nos pertence, e que hoje não devemos estar em qualquer juízo assus-

tados com a morte, sabendo que a maldição de Deus, que era terrível para nós, é abolida,

e que a morte, em vez de ser capaz de ferir-nos como uma praga fatal, nos serve como

remédio para nos dar passagem para a vida. Agora, como anteriormente com o exemplo

de Davi, Ele disse: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Salmo 22:1). As-

sim, agora, Ele toma a oração feita por Davi, no trigésimo primeiro Salmo: “Nas tuas mãos

encomendo o meu espírito” (Salmo 31:5).

É verdade que Davi disse isso estando em meio a perigos. Como se ele dissesse: “Senhor,

sustenta-me na Tua proteção; pois a minha alma é como se estivesse entre as minhas

mãos; ela está ali como que trêmula. Pois eu me vejo exposto a todos os perigos; minha

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vida é como se estivesse pendurada em um fio. Ela não permanecerá, então, a menos que

Tu me tomes em Tua proteção”. É assim que Davi, por esta oração, constituiu a Deus como

o seu protetor. No entanto, ele não a usa para clamar a Deus até [chegar o momento de

Sua] própria morte, e para ter certeza de que Deus sempre é o Salvador dos Seus eleitos,

não somente ao mantê-los e guardá-los neste mundo, mas também quando Ele os toma

para Si mesmo. Pois, a principal proteção que Deus mantém sobre nós é que, sendo retira-

dos deste mundo, somos escondidos debaixo das Suas asas para nos alegrarmos em Sua

presença, como São Paulo fala disto em 2 Coríntios 4:3. E o nosso Senhor Jesus também

pronunciando esta oração declara que Ele morre pacificamente, tendo conquistado em to-

dos os combates o que Ele teve de sustentar para nós, e já alcança Seus triunfos em nosso

nome e para nosso proveito e salvação. Ele declara totalmente por este mesmo meio que

Deus é o Seu Salvador e que Ele guarda a Sua alma com uma firme confiança. A isso é

que implica este pedido que Ele faz a Ele, quando Ele diz: “Meu Deus, sê Tu o guardião da

Minha alma, mesmo após a morte”.

Quando nosso Senhor Jesus fala assim, é como se Ele assegurasse a nós todos que não

podemos deixar de nos comprometer com o nosso Deus, pois Ele certamente condescende

em Se encarregar conosco, a fim de sustentar-nos, e que nós jamais pereceremos, estando

assim sob a Sua mão. Agora, especialmente devemos notar que Jesus Cristo ao dizer:

“Meu Deus, nas tuas mãos encomendo o meu espírito”, adquiriu o privilégio que é atribuído

a Ele por São Estevão em Atos 7. Isso é que Ele foi constituído Guardião de todas as nos-

sas almas. Pois como é que São Estêvão fala em sua morte? “Senhor Jesus, recebe o meu

espírito” (Atos 7:59). Assim, então, é como são Estevão mostra o fruto desse pedido que

foi feito por Jesus Cristo: a saber, que agora podemos nos dirigir a Ele, e devemos fazê-lo,

declarando que uma vez que Ele nos foi dado como Pastor por Deus Pai, nós não

precisamos ter dúvidas, mas, sim, estarmos em paz, tanto na vida como na morte, sabendo

que tudo nos beneficiará e será voltado para nosso proveito. Como diz São Paulo, que com

Jesus Cristo, ele encontrará ganho em tudo, que ele não carecerá de nada na vida ou na

morte, pois tudo será útil para ele (Filipenses 1:20-24).

Então, aprendamos agora, quando formos assediados pela morte, que Jesus Cristo tirou o

ferrão que poderia nos ferir fatalmente no coração, e que a morte não será mais prejudicial

para nós, e que quando o nosso Senhor Jesus entregou a Sua alma a Deus, Seu Pai, isso

não foi apenas para ser preservado em Sua Pessoa, mas, a fim de adquirir esse privilégio

que é inteiramente preservado para nós em virtude deste pedido; na verdade, quando nós

teremos os nossos recursos nEle, como Aquele sob a proteção de Quem não podemos

perecer, pois Ele o declara. Há ainda este triunfo do que fizemos menção, que já nos bene-

ficia. Pois nosso Senhor Jesus mostra quão preciosa é a Sua morte, quando Ele parte com

tanta confiança para Deus, Seu Pai, para nos conduzir a Ele e para nos mostrar o caminho

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para Ele. Mas a coisa principal é que podemos saber que o fruto disso vem até nós, na

medida em que Ele riscou a cédula que nos era contrária, enquanto Ele adquiriu para nós

a plena satisfação pelos nossos pecados, para que possamos comparecer diante de Deus,

Seu Pai, de tal forma que até mesmo a morte já não mais fará qualquer mal ou dano a nós.

Embora ainda vemos em nós muitas coisas que podem nos assombrar, e nós experimen-

tamos a nossa pobreza e miséria, ainda assim, não deixemos de nos gloriar nAquele que

foi assim humilhado por nós, a fim de elevar-nos com Ele.

Na verdade, embora do lado humano só exista a completa vergonha, no entanto, quando

Jesus Cristo foi pendurado ali na cruz, Deus já desejava naquele momento, pela boca de

Pilatos que Ele fosse declarado Rei. Assim, embora o reino de nosso Senhor Jesus Cristo

seja difamado perante o mundo, nós não podemos, contudo, deixar de mantê-lo como a

base de toda a nossa glória, e que possamos saber que estando em opróbrio sob Sua dire-

ção, temos, no entanto, do que nos alegrar; posto que a que a nossa condição sempre será

abençoada, porque todas as misérias, aflições e ignomínias que nós suportamos são mais

honrosas e preciosas diante de Deus do que são todos os cetros, toda a pompa e coisas

honrosas, com que os homens estão viciados. Assim, então, é como devemos chegar ao

nosso Senhor Jesus Cristo, e nos apegar de tal modo a Ele que possamos conhecer que a

riqueza que Ele traz para nós é preciosa, e acima de tudo, quando Ele nos conduz por Seu

Evangelho, que nós possamos rejeitar todas as conveniências e confortos deste mundo; de

fato, que os mantenhamos em ódio quando eles nos desviam do bom caminho.

Resumidamente, que o nosso Senhor Jesus obtenha a honra que Ele merece, e de nossa

parte que não sejamos como canas agitadas por cada vento, mas que estejamos funda-

mentados nEle, que clamemos a Deus, e na vida e na morte que a vitória seja dada a nós

visto que Ele já triunfou. E enquanto nós ainda estamos aqui abaixo que possamos dar-Lhe

honra ao reconhecer que é Ele Quem nos sustenta. Isto é o que Ele fará quando realmente

tivermos o nosso refúgio nEle: Ele fará isso, eu digo, não de uma forma comum, mas mila-

grosamente. Pois, quando formos lançados até o fundo do abismo da morte, é o Seu ofício

retirar-nos dali e nos levar à herança celestial que Ele adquiriu com tanta afeição para nós.

Agora, prostremo-nos em reverência humilde diante da majestade do nosso Deus.

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8º Sermão sobre a Paixão de Cristo:

Sepultamento e Ressurreição de Jesus Cristo

“E estavam ali, olhando de longe, muitas mulheres que tinham seguido Jesus

desde a Galiléia, para o servir; Entre as quais estavam Maria Madalena, e Maria, mãe

de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu. E, vinda já a tarde, chegou um

homem rico, de Arimatéia, por nome José, que também era discípulo de Jesus. Este

foi ter com Pilatos, e pediu-lhe o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que o corpo

lhe fosse dado. E José, tomando o corpo, envolveu-o num fino e limpo lençol, E o

pôs no seu sepulcro novo, que havia aberto em rocha, e, rodando uma grande

pedra para a porta do sepulcro, retirou-se.” (Mateus 27:55-60)

Vimos acima como o nosso Senhor Jesus declarou o fruto e o poder da Sua morte ao pobre

ladrão, que certamente parecia ser, por assim dizer, uma alma condenada e perdida. Agora,

se todos aqueles que anteriormente foram ensinados no Evangelho, e que tenham tido

alguma prova deste, fossem alienados de ver o Filho de Deus morrer, parece que a prega-

ção do Evangelho teria sido vã e inútil. Além disso, sabemos que os Apóstolos haviam sido

eleitos para a condição de serem, por assim dizer, as primícias da Igreja. Alguém poderia,

então, ter pensado que esta eleição fora uma coisa decepcionante, o fato deles terem sido

escolhidos para tal ofício e condição. Por esta razão, é aqui declarado para nós que, embora

os Apóstolos tenham fugido e que nisto mostraram uma vil covardia, São Pedro tinha até

negado ao nosso Senhor Jesus e foi, por assim dizer, afastado de toda a esperança de sal-

vação, de fato, sendo digno de ser reputado como um membro podre; contudo, Deus não

permitiu que a doutrina que haviam recebido anteriormente fosse extinta e totalmente aboli-

da. É verdade que São Mateus coloca mais fé na constância de mulheres do que de ho-

mens. Isso é para que possamos aprender a magnificar ainda mais a bondade de Deus,

que aperfeiçoa o seu poder em nossa fraqueza. Isso é também o que São Paulo diz, que

Deus escolheu as coisas fracas deste mundo, a fim de que aqueles que imaginam-se fortes

possam abaixar a cabeça e não gloriarem-se em absolutamente nada (1 Coríntios 1:19-31)

Se fosse aqui falado de homens e de sua magnanimidade, e que eles tinham seguido o

nosso Senhor Jesus Cristo à morte, alguém poderia considerar isso como uma coisa natu-

ral. Mas quando mulheres são guiadas pelo Espírito de Deus, e há nelas mais ousadia do

que nos homens, na verdade, do que naqueles que foram eleitos para anunciar o Evangelho

para todo o mundo, nisto nós reconhecemos que Deus estava operando e que é a Ele que

o louvor deve ser atribuído.

Agora diz-se especialmente: “E estavam ali [...] muitas mulheres que tinham seguido Jesus

[...] para o servir”. O que é para melhor declarar a inclinação que elas tinham ao se

beneficiar por meio do Evangelho. Pois não era pouca excelência que elas tenham deixado

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as suas casas para caminhar aqui e ali, de fato, com grande esforço e mesmo com vergo-

nha. Porque sabemos qual foi a condição de nosso Senhor Jesus Cristo enquanto Ele

andou no mundo. Ele diz que as raposas têm covis e pequenos pássaros são capazes de

construir seus ninhos, mas Ele não tem onde reclinar a cabeça (Mateus 8:20, Lucas 9:58).

Vemos, por outro lado, que estas mulheres tinham os meios para alimentarem-se pacifica-

mente e em seu conforto. Quando, então, elas caminham assim, sem serem capazes de

encontrar alojamento, exceto com dificuldade, elas têm que prosseguir sem comida e bebi-

da, elas são sujeitas a muitas zombarias, elas são levadas para longe e injuriadas por toda

parte, e ainda assim elas elevam-se acima de tudo isso e suportam isso em paciência, nós

podemos facilmente julgar como Deus lhes havia fortalecido. No entanto, com a morte elas

ainda declaram a esperança que elas tinham em nosso Senhor Jesus Cristo. Pois, embora

elas estejam confusas, contudo se elas tivessem suposto que nosso Senhor havia perecido

definitivamente, elas poderiam ter julgado que Ele falhara completamente. Pois Ele tinha

falado com elas sobre o reino de Deus, que deveria ser restaurado por Seus meios. Ele ha-

via falado com elas sobre a perfeita bem-aventurança e sobre a salvação que Ele realizaria.

E onde estão todas essas coisas? Vemos, então, como essas pobres mulheres apesar de

terem ficado perplexas e por mais que elas estivessem preocupadas, sem saber qual seria

o resultado da vida de Nosso Senhor, no entanto, foram sustentadas por Sua autoridade.

E mesmo assim Ele faz com que, no final, elas reconheçam e julguem que Ele não prome-

tera nada em vão. Elas, então, esperaram aquela promessa da ressurreição, embora de a-

cordo com os homens elas poderiam ter julgado de forma totalmente contrária. No entanto,

vemos como a fé delas foi exercitada, a fim de que não sejamos incomodados além da

medida, se na aparência, parece que somos abandonados por Deus, e que todas as pro-

messas do Evangelho estão, por assim dizer, abolidas, isso acontece para que nós persis-

tamos. Pois estas mulheres dão testemunho contra nós, e para nossa grande condenação,

se falharmos em tais combates. Será que desejamos um exemplo mais rude do que o que

elas sofreram? No entanto, elas foram verdadeiramente vitoriosas por meio da fé.

Então, armemo-nos quando somos alertados sobre os ataques que Satanás faz contra nós,

para que estejamos armados para resistir ao golpe, e mostremos que somos tão apoiados

pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo que, embora não possamos perceber à primeira

vista o cumprimento do que é dito a nós, não podemos deixar de descansar nEle, e trazer

a Ele esta homenagem e reverência, que Ele mostrar-se-á fiel por fim. E nós precisamos

ser assim provados ao limite. Pois caso contrário, seríamos muito delicados, e até mesmo

a nossa fé seria amortecida, ou talvez pudéssemos imaginar um paraíso terrestre, e nós

não poderíamos elevar os nossos sentidos alto o suficiente para renunciar a este mundo.

Como também nós podemos ver isso melhor na pessoa da mãe de João e Tiago. Sabemos

que anteriormente ela havia sido impulsionada por tal ambição que desejava que nosso

Senhor estivesse sentado em Seu trono real, e que Ele tivesse ali somente pompa e bra-

vura, e que seus dois filhos estivessem ali como dois oficiais de Nosso Senhor. “Dize”, disse

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ela, “que estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita e outro à tua esquerda, no

teu reino” [Mateus 20:21]. Oh, que mulher tola! Que está atenta apenas à glória e que dese-

java ver um triunfo terreno em seus filhos. Agora, aqui há outra e mui diferente experiência.

Pois ela vê nosso Senhor Jesus pendurado na cruz, em tal vergonha e desgraça quando

todo o mundo se opõe a Ele, e Ele está mesmo ali, por assim dizer, amaldiçoado por Deus.

Assim, nós vemos isso, quando seremos levados em tal confusão que nossos espíritos

ficarão surpresos com o terror e angústia, mas isto significa que Deus nos retira de todos

os afetos terrenos, a fim de que nada possa nos impedir de sermos erguidos ao céu e à

vida espiritual a que devemos aspirar. E nós não podemos fazê-lo, a menos que sejamos

expurgados de tudo o que nos impede nesta terra. Isso, então, em resumo, é o que temos

que lembrar a respeito dessas mulheres.

No entanto, isso não quer dizer que ali não havia também homens, mas a intenção do

Espírito Santo foi colocar diante de nossos olhos aqui tal espelho, a fim de que possamos

saber que é Deus quem conduziu essas mulheres pelo poder do Espírito Santo, e Ele quis

declarar o Seu poder e Sua graça, escolhendo instrumentos tão fracos de acordo com o

mundo. Semelhante também é visto em Nicodemos e José. É verdade que São Mateus,

São Marcos e São Lucas apenas falam de José, que veio a Pilatos e Nicodemos, tomou

coragem, vendo que ele tinha tal líder. É verdade que Nicodemos era um mestre de gran-

de estima. José era um homem rico em bens materiais, na verdade, também um membro

do conselho. No entanto, olhemos para ver se havia neles um tal zelo, a ponto de se

exporem à morte por nosso Senhor Jesus, e de fato se durante a Sua vida eles deixaram

as suas casas para segui-lO. Não absolutamente. Mas quando se trata da morte Deus, isso

os move e os incita para além de toda a expectativa humana. Vemos, então, que Deus

operou aqui uma mudança estranha e admirável, quando concedeu tal ousadia para José

e Nicodemos, que não temiam a ira de todas as pessoas, quando eles vieram sepultar o

nosso Senhor Jesus. Anteriormente Nicodemos havia vindo de noite, com medo de ser es-

tigmatizado com infâmia. Agora, ele enterra o nosso Senhor Jesus, de fato, quando Ele

chegou ao extremo. Deus, então, teve que lhe dar um novo ânimo, pois ele mesmo havia

escondido, e, de fato, nenhumas sombras haviam sido suficientemente escuras para ele,

vendo sua timidez e covardia, a menos que Deus houvesse corrigido esse defeito nele. Em

resumo, vemos como a morte de nosso Senhor Jesus o beneficiou, e que Ele já, nesta

ocasião, mostrou as graças de Seu Espírito Santo sobre essas pobres pessoas que ante-

riormente nunca tinham ousado fazer uma declaração de sua fé. Agora, eles não somente

falam pela boca, mas o que eles fazem mostra que eles preferem ser tidos por execráveis

diante de todo o mundo e ainda serem discípulos de Jesus Cristo, do que perder o que

haviam obtido; ou seja, a salvação gratuita que tinha sido oferecida a eles.

É também por isso que se diz que José esperava o Reino de Deus. Por esta palavra é

declarado a nós que estamos separados de Deus e banidos de Seu reino, até que Ele nos

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reúna para Si mesmo por Seu povo. Vemos, então, quão miserável é a condição dos ho-

mens, até que o Senhor Jesus os chame para Si, para dedicá-los ao Seu Pai. E se estamos

separados deste bem, miséria e confusão estão sobre nós! Foi uma grande virtude, então,

esperar o Reino de Deus, porque os judeus haviam corrompido isso, e as ocasiões disso

estavam em grande acordo com o mundo. Pois os profetas haviam declarado, quando o

povo voltou da Babilônia, que Deus seria de tal modo o Seu Redentor que haveria um reino

florescente em toda a dignidade, que o templo seria construído em maior glória do que an-

tes, que, em seguida, eles desfrutariam de todos os benefícios, e que esta seria uma vida

feliz, que todos teriam descanso e que a única preocupação seria a de fruir a Deus, e

bendizer o Seu nome, e dar-Lhe louvor. Isso é o que os profetas haviam prometido. Mas,

qual é a condição do povo? Eles são consumidos e devorados por seus vizinhos, eles são

aferroados, eles são injuriados. Às vezes, há tanta tirania que o sangue inocente é derrama-

do por toda a cidade, o livro da Lei é queimado, e eles são proibidos de ter uma única leitura

do mesmo, sob pena de morte. Tais grandes crueldades são praticadas, de forma que é

horrível pensar sobre isso. O templo está cheio de contaminação. A casa de Davi, o que

aconteceu com ela? Foi totalmente abatida e a condição das coisas vai continuamente de

mal a pior. Então, alguém não estaria surpreendido, se em um povo tão rude e dado aos

seus apetites e afetos, eram pouquíssimos os que mantiveram a verdadeira religião e que

não haviam perdido a coragem; como podemos ver também que o número de pessoas que

suportaram com paciência e que eram firmes na fé era muito pequeno e raríssimo. Isso é

dito sobre Simeão, dito sobre Ana, a profetisa, dito de José. Mas por quê? Em uma multidão

tão grande, entre os judeus, em um país tão populoso, o Espírito Santo coloca diante de

nós quatro ou cinco como algo que não era nada habitual, e dá testemunho de que essas

pessoas estavam esperando o Reino de Deus. Isso aconteceu para que possamos apren-

der, quando tudo estiver e nos momentos de desespero, a mantermos os olhos fixos em

Deus. E na medida em que a Sua verdade é infalível e imutável, permaneçamos firmes até

o fim, e superaremos todas as dificuldades, escândalos e perplexidades do mundo, e ainda

que gemamos, não deixemos de aspirar ao que o nosso Senhor nos chamou, isto é, a

esperar pacientemente que o Seu Reino seja estabelecido em nós, e que ainda possa nos

bastar ter o penhor que Ele nos concede, o Seu Espírito Santo, por Quem nos sustentamos

o testemunho da adoção gratuita pela qual Ele nos fez um. Quando Deus declara que Ele

nos segura e nos considera como Seus filhos, e quando isso está gravado em nossos co-

rações pelo Espírito Santo, quando temos diariamente a doutrina do Evangelho que ressoa

e soa em nossos ouvidos, sejamos confirmados na fé e não falhemos de modo algum, mes-

mo que as coisas sejam tão confusas que não se possa imaginar como poderia ser pior.

Isso, então, em resumo, é o que temos que lembrar a partir dessa passagem.

Agora também é necessário notar o que São João registra antes que o nosso Senhor Jesus

fosse retirado da cruz: a saber, que eles traspassaram o Seu lado para ver se Ele já havia

entregado o espírito. Pois eles não haviam apressado a Sua morte como eles fizeram com

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os dois ladrões. Mas vendo que parecia que Ele já havia falecido, chegaram a sondá-lO

com um golpe de lança, e, em seguida, eles sabiam que Ele morrera, e assim, os guardas

se deram por satisfeitos. Agora, é verdade que esta, se o testemunho da lei não foi adicio-

nado, parece-nos uma declaração um tanto fria. Mas São João quis nos conceder uma

prova de que o nosso Senhor Jesus era o verdadeiro Cordeiro pascal, já que pela provi-

dência e conselho admirável de Deus, Ele fora preservado de todas as mutilações. Por isso

se diz no capítulo 12 de Êxodo que eles deveriam comer o cordeiro pascal, mas que os

ossos não deveriam ser quebrados, e que eles deveriam permanecer todos íntegros (Êxodo

12:8, 9, 46). Por que era importante que Jesus Cristo não tivesse os Seus ossos quebra-

dos? Pois este era o costume comum, como vemos. Eles não queriam poupá-lO, e Ele

estava no meio dos ladrões, para ser tido, por assim dizer, como o mais detestável, para

ser reputado o principal entre os homens e os criminosos ímpios. Vemos, então, que Deus

estava aqui em operação quando Ele reteve as mãos dos guardas, e até que Seu Filho

expirasse, a fim de ser preservado, e para que tenhamos aqui um sinal evidente que era

nEle que a verdade desta antiga figura tinha que ser cumprida. Assim, então, é preciso

notar que o Filho de Deus foi preservado de toda quebra de Seus ossos, a fim de que

possamos nos apegar a Ele como nosso cordeiro pascal, Quem nos preserva da ira de

Deus, quando somos marcados com o Seu sangue. Pois devemos concluir que, se Ele é a

nossa Páscoa devemos ser aspergidos pelo Seu sangue, pois sem isso, não nos aproveita

nada que ele tenha sido derramado. Mas quando O aceitamos com este sacrifício, também

encontramos ali a remissão dos nossos pecados, sabendo que até que Ele nos lave e nos

purifique, somos cheios de contaminação. Então, nós somos aspergidos pelo Seu sangue,

por meio dessa aspersão que é feita em nossas almas pelo Espírito Santo. Então somos

purificados e Deus nos aceita por Seu povo, e estamos seguros; embora a Sua ira e Sua

vingança esteja sobre todo o mundo, contudo Ele nos considera em piedade e nos têm

como Seus filhos. Isso, então, é o que temos que lembrar a partir dessa passagem, quando

se diz que os ossos de nosso Senhor Jesus não foram quebrados, a fim de que possamos

conhecer que o que foi declarado por uma figura na Lei, foi ratificado em Sua Pessoa.

No entanto, é dito também: “e logo saiu sangue e água. E aquele que o viu testificou, e o

seu testemunho é verdadeiro” [João 19:34-35]. Quando vemos que a água e sangue assim

saíram, isso deve lembrar-nos de nossa purificação e o acordo para limpar os nossos

pecados, de fato, por Seu sacrifício, como São João fala em sua Carta Canônica (1 João

1:7). É verdade que o sangue será capaz de coagular após a morte, isso ocorre por nature-

za, e com o sangue, a água pode vir, isto é, a maior parte do fluido, uma vez que a cor e a

parte mais grossa do sangue terá coagulado. Mas São João declarou que embora isso

ocorra, Deus quis mostrar nisso que a morte de Seu Filho nos beneficia: a saber, em primei-

ro lugar, que pelo derramamento de sangue Ele é satisfeito conosco, como é dito que ne-

nhuma remissão dos pecados é possível sem derramamento de sangue. Por isso é que

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desde o princípio do mundo sacrifícios foram oferecidos. Deus certamente declarou que Ele

seria propício a todos os pobres pecadores que tivessem esperança nEle; mas Ele desejou

que os sacrifícios fossem adicionados, como se Ele dissesse que a remissão dos pecados

seria dada gratuitamente aos homens, porque eles de si mesmos não poderiam trazer nada

de si próprios, mas que haveria o Mediador para solucionar este problema. Assim é como

o sangue que fluiu do lado de nosso Senhor Jesus Cristo é o testemunho de que o sacrifício

que Ele ofereceu é a recompensa por todas as nossas iniquidades, para que sejamos ab-

solvidos diante de Deus. É verdade que devemos sempre nos sentir culpados daquele san-

gue, ou seja, que nos humilhemos e que sejamos conduzidos a um verdadeiro arrependi-

mento, e que retiremos de nós toda presunção. Mas, possa isso ocorrer, somos assegura-

dos de que Deus nos considera inocentados e absolvidos pelo nome de Seu Filho, quando

chegamos a reconhecer nossas falhas e ofensas. E por quê? Na medida em que o sacrifício

de Sua morte é suficiente para apagar a memória de todas as nossas transgressões. Ora,

não é a água que implica purificação. Para que, então, sejamos lavados de todas as nossas

máculas, reconheçamos que o nosso Senhor Jesus desejou que a água fluísse de Seu lado

para declarar que realmente Ele é a nossa pureza e que não devemos buscar qualquer

outro remédio para lavar qualquer de nossas manchas. Isso, então, é como Ele veio com

água e com sangue, e por este meio, significa que temos toda a perfeição da salvação nEle,

e não devemos vagar aqui ou ali, para que sejamos ajudados de um lado e outro.

Na verdade, quando olhamos mais de perto, veremos que há uma notável semelhança

entre o sangue e a água que fluiu do lado de nosso Senhor Jesus Cristo, e os sacramentos

da Igreja, pelo que nós temos a prova e selo do que foi feito em Sua morte. Por ter suportado

o que era necessário para a nossa salvação, tendo plenamente satisfeito Deus Seu Pai,

tendo nos santificado, tendo adquirido para nós a justiça plena, Ele desejava que tudo isso

fosse testemunhado nos dois sacramentos que Ele instituiu; os dois sacramentos. Pois,

nenhuns outros são instituídos em Sua Palavra, a saber, além do Batismo e da Ceia do

Senhor. Todo o restante é apenas imaginação frívola que veio da audácia e ousadia dos

homens. Contemplem, então, o nosso Senhor Jesus Cristo, que mostra o poder da Sua

morte e paixão, tanto no Batismo como na Sua Santa Ceia. Pois no Batismo, temos o teste-

munho de que Ele lavou e nos purificou de toda a nossa contaminação, de forma que Deus

nos recebeu em graça, como se viéssemos diante dEle puros e limpos. Agora reconhe-

çamos que a água do Batismo não tem esse efeito. Como pode um elemento corruptível

ser suficiente para a lavagem e purificação de nossas almas? Mas isso acontece na medida

em que a água fluiu a partir do lado de nosso Senhor Jesus Cristo. Passemos, então, para

Aquele que foi crucificado por nós, se quisermos que o Batismo seja útil para nós, se

quisermos experimentar o fruto dele, que a nossa fé seja dirigida ao nosso Senhor Jesus

Cristo, que deseja que busquemos todos os elementos de nossa salvação nEle, sem diva-

garmos e nos inclinarmos aqui e ali. E, em seguida, na Santa Ceia, temos o testemunho de

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que Jesus Cristo é o nosso alimento. E sob o pão, Ele nos representa o Seu corpo, sob o

vinho Seu sangue. Esta, então, é a perfeição completa da salvação, quando estamos assim

purificados, e Deus nos aceita como se tivéssemos apenas integridade e justiça em nós e

por isso somos absolvidos diante dEle de sermos por mais tempo condenáveis, uma vez

que nosso Senhor Jesus Cristo fez plenamente a satisfação por nós. Assim, então, é como

devemos nos beneficiar com os sacramentos, aplicar-nos com toda a nossa fé em nosso

Senhor Jesus Cristo, e não nos voltando para qualquer criatura em absoluto. Essa também

é a forma como devemos ter a certeza do que foi feito na morte e a paixão de nosso Senhor

Jesus, e que a nossa memória seja diariamente atualizada ao nos mostrar o quanto Deus

valoriza o fato de que do lado de nosso Senhor Jesus Cristo procedeu sangue e água.

Portanto, isto é, em síntese, o que temos que lembrar sobre o relato de que o lado de nosso

Senhor Jesus Cristo foi traspassado. Na verdade, também nesta palavra, quando se diz

que a Escritura foi cumprida, que possamos reconhecer o que foi já dito mais longamente,

isto é, que todos foram governados pelo conselho secreto de Deus, e, apesar de que os

guardas não soubessem o que estavam fazendo, mas Deus colocou em vigor e execução

o que Ele havia pronunciado tanto por Moisés quanto por Seu Profeta Zacarias. Nós já

vimos o testemunho de Êxodo. São João acrescenta também o do profeta Zacarias: “olha-

rão para mim, a quem traspassaram” [Zacarias 12:10].

É verdade que Deus usa isso por força de expressão, pois Ele despreza os condenadores

de Sua Palavra que foram endurecidos em cada rebelião e malícia. Ou talvez, Ele diz: “Pa-

rece que eles fazem a guerra contra os homens que pregam a Minha Palavra, e que podem

impedi-los por estes meios. Agora é contra Mim que eles pelejam quando assim desprezam

e rejeitam a Minha Palavra, isso é como se eles me ferissem por golpes de punhal; e assim

eles verão Aquele a quem traspassaram”. Mas isso foi realmente cumprido na Pessoa de

nosso Senhor Jesus Cristo; pois mesmo em Seu corpo humano Ele foi traspassado. Assim,

então, é como Ele foi declarado o Deus vivo, que tinha falado em todos os tempos pelos

Seus profetas, já que em Sua Pessoa tudo o que havia sido prometido é visto.

Agora é dito, consequentemente, que José, tendo obtido a permissão de Pilatos para que

o corpo de Jesus Cristo fosse retirado da cruz, e que fosse dado a ele para o sepultamen-

to, tinha uma mortalha limpa e havia comprado também alguns unguentos aromáticos (de

fato, por uma grande soma de dinheiro, como é dito por São João) de mirra e aloés, e que

ele O sepultou em um sepulcro novo, que tinha feito para si mesmo, que fora escavado em

rocha. Neste sepulcro, nosso Senhor Jesus Cristo já começou a mostrar o resultado de Sua

morte, ou seja, Ele logo havia de vir na glória de Sua ressurreição, e Deus quis manifestá-

lO completamente. Este, então, é ainda um testemunho infalível, que, entre tantas confu-

sões do que lemos na narrativa que poderiam nos perturbar e agitar a nossa fé, percebemos

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que Deus sempre cuidou de Seu único Filho como a Cabeça da Igreja, e o Seu Bem-Amado,

não somente a fim de que sejamos capazes de esperar nEle, mas para que esperemos

confiantemente, pois somos membros do Seu corpo, de forma que o cuidado paternal de

Deus também certamente será estendido para nós e para cada um daqueles que esperam

nEle.

No entanto, pode-se perguntar por que o nosso Senhor Jesus Cristo desejava ser sepultado

com tanto cuidado. Pois certamente parece que tal suntuosidade, como aloés, mirra, e tais

coisas eram supérfluos. Na verdade, que bem é para uma pessoa morta que seja lavada

ou ungida ou uma grande ostentação seja feita em homenagem a ela? Parece, então, que

isso não estava em harmonia com o ensinamento do Evangelho, onde se diz que nós

ressuscitaremos no último dia através do poder inestimável do nosso Deus. Assim, parece

que toda essa pompa deveria ser rejeitada e esquecida. Consequentemente, pode-se julgar

que José tinha uma devoção tola, o que tenderia a obscurecer a esperança da ressurreição.

Mas temos que observar que os judeus tinham tais cerimônias até que o nosso Senhor

Jesus Cristo realizasse o que era necessário para a nossa salvação. Dentre os quais esta-

vam o sepulcro, os sacrifícios, e lavagens, e as luzes do Templo, e todas as coisas seme-

lhantes. Pois aquelas pessoas, como se fossem incultas, tinha que ser tratadas como crian-

ças. É verdade que, por todo o mundo, o túmulo é considerado sagrado, e Deus quis que

isso fosse gravado no coração dos homens, mesmo dos pagãos, a fim de que não houvesse

nenhuma desculpa a todos os homens a se tornarem como brutos, não tendo nenhuma

esperança de uma vida melhor. Os pagãos têm abusado disso. Mas, seja como for, eles

serão reprovados por isso para o último dia, que eles tinham um grande cuidado em enterrar

os mortos, de forma que não havia nenhuma nação tão bárbara de modo que eles negligen-

ciassem o sepultar dos seus mortos. Eles não sabiam o motivo disso mais do que qualquer

dos seus sacrifícios, mas foi uma condenação suficiente, quando permaneceram afastados

da verdade de Deus e corromperam o testemunho que Ele lhes deu, a fim de atraí-los para

a fé na vida celestial. Seja como for, o túmulo em si sempre foi, por assim dizer, um espelho

da ressurreição. Porque os corpos são colocados na terra como que para jazerem por um

tempo. Se não houvesse ressurreição de modo algum, seria muito bom jogá-los fora, a fim

de que eles fossem comidos por cães ou por animais selvagens. Mas eles foram enterrados

honrosamente, para mostrar que eles não pereceriam absolutamente, embora eles entras-

sem em decadência. Especialmente os Judeus tinham algumas cerimônias. É verdade que

os Egípcios os superaram de várias maneiras, mas estas eram apenas fanfarras ao fazerem

uma grande festa de luto, ao lamentarem-se, cortando o seu cabelo. Os egípcios, então,

fizeram isso, mas o diabo os tinha enfeitiçado para que eles pervertessem toda a ordem.

Quanto aos judeus, que fizeram uso da sepultura, isso foi para confirmá-los na fé da res-

surreição.

Então, seguindo o que eu comecei a dizer, nosso Senhor Jesus estava disposto a ser sepul-

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tado de acordo com o costume antigo, porque Ele ainda não tinha cumprido toda a nossa

salvação com respeito à ressurreição. É verdade que o véu do Templo rasgou-se em Sua

morte. E por meio disso, Deus mostrou que era chegado o fim e perfeição de todas as coi-

sas, e que as figuras e as sombras da Lei já não permaneciam. No entanto, isso ainda não

era evidente para o mundo, e não havia ninguém que fosse capaz de reconhecer que, em

Jesus Cristo, todas as figuras da Lei haviam chegado ao fim. Por esta causa, então, Ele

ainda desejava ser sepultado. Agora nós sabemos que na ressurreição de nosso Senhor

Jesus Cristo a vida foi adquirida para nós, de modo que devemos ir direto a Ele, não procu-

rando outros meios para nos conduzir além daqueles que Ele nos designou. Já dissemos

que Ele nos deu dois sacramentos para nos servir como confirmação completa. Se a forma

de sepultamento que os judeus observavam fosse necessária para nós, não há dúvida em

absoluto que Jesus Cristo desejaria somente que isso se mantivesse permanente em Sua

Igreja. Mas já não é necessário que a nossa atenção esteja presa por estes elementos

terrenos e pueris. É-nos suficiente, então, que tenhamos uma forma simples de sepulta-

mento, deixando estes unguentos aromáticos, que não tipificam a ressurreição, que foi ma-

nifestada em nosso Senhor Jesus Cristo. Nós apenas nos separaríamos dEle, se quisés-

semos ter tal instrução inferior. Pois vemos que São Paulo diz: “Portanto, se já ressusci-

tastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra

de Deus” (Colossenses 3:1), e devemos estar unidos ao nosso Senhor Jesus (1 Coríntios

6:17). Cheguemos até Ele, não estejamos envolvidos em qualquer coisa que possa distrair-

nos, impedir-nos, ou retardar-nos de estarmos unidos a Ele como a nossa Cabeça, pois é

dito que o Seu corpo era o Templo de Deus. Isso, então, em resumo, é o que temos que

lembrar sobre a sepultura.

Há ainda a considerar que Ele foi colocado em um sepulcro novo, isto não foi feito à parte

da providência especial de Deus, pois Ele bem poderia ter sido colocado em um sepulcro

que tinha servido por muito tempo. Também José de Arimatéia tinha seus antepassados,

e, geralmente, em tais casas ricas e opulentas há um sepulcro comum. Mas Deus previu

isso a partir de outro ponto de vista, e quis que o nosso Senhor Jesus fosse colocado em

um sepulcro novo, no qual nenhuma pessoa ainda havia sido posta. Pois, absolutamente,

também não foi sem motivo que Ele é chamado de as primícias da ressurreição e o

primogênito dentre os mortos. No entanto, pode-se dizer que muitos morreram e foram

feitos participantes da vida antes de nosso Senhor Jesus Cristo. Lázaro tinha sido ressus-

citado. E também sabemos que Enoque e Elias foram levados sem morte natural, e foram

reunidos em vida incorruptível. Mas tudo isso dependia da ressurreição de nosso Senhor

Jesus Cristo. Devemos, então, nos apegarmos a Ele como as primícias. Na Lei os frutos de

um ano eram dedicados e consagrados a Deus, quando eles traziam apenas um punhado

de trigo no altar, e um cacho de uvas. Quando, então, isso era oferecido a Deus, era uma

consagração geral de todos os frutos do ano. E quando também os primogênitos eram

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dedicados a Deus, isso declarava a santidade da linhagem de Israel, e que Deus o aceitou

por Sua herança, pois Ele reservou em Si mesmo estar satisfeito com aquele povo, como

um homem se contenta em seu patrimônio. Além disso, quando chegarmos ao nosso Se-

nhor Jesus Cristo, reconheçamos que em Sua pessoa todos nós somos dedicados e ofere-

cidos, a fim de que Sua morte possa nos dar a vida hoje, e que não sejamos mais mortais,

como anteriormente. Isso, então, é o que temos que observar com relação ao sepulcro no-

vo, que o sepulcro de nosso Senhor Jesus Cristo deve conduzir-nos à Sua ressurreição.

No entanto, olhemos para nós mesmos. Pois, embora tudo que deve ajudar a nossa fé foi

cumprido na pessoa do Filho de Deus, embora tenhamos testemunho daquilo que deve ser

suficiente para nós, ainda em nossa rudeza e fraqueza permanecemos muito longe de

chegar ao nosso Senhor Jesus Cristo. E por esta razão que cada um de nós deve reconhe-

cer os seus defeitos, para que alcancemos os remédios, e não percamos a coragem. Nós

vemos o que Nicodemos e José fizeram. Agora, temos de considerar duas coisas para o

nosso exemplo. A primeira é que eles ainda não estão claramente iluminados sobre o fruto

da paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Há, então, alguma crueza e sua fé ainda

é muito pequena. A outra, que, no entanto, em tal extremo eles lutaram contra todas as

tentações, e eles vieram buscar o nosso Senhor Jesus morto para colocá-lO no sepulcro,

protestando que eles estavam esperando a bendita ressurreição que havia sido prometida

a eles, e eles aspiravam por isso. Já que é assim, então, quando nós experimentamos algu-

ma fraqueza em nós, que ainda não sejamos impedidos de tomar coragem. É verdade que

somos fracos, e Deus poderia nos rejeitar, se Ele nos tratasse em rigor. Mas quando experi-

mentamos essas falhas, deixe-nos saber que Ele aceitará o nosso desejo, embora seja

imperfeito. Além disso, hoje, uma vez que o nosso Senhor Jesus ressuscitou em glória, em-

bora ainda tenhamos que suportar aqui muitas privações e misérias, e embora pareça que

diariamente Ele é crucificado em Seus membros, como verdadeiramente ímpio, tanto quan-

to está em seu poder, O crucifica; não desfaleçamos por conta disso, sabendo que não se-

remos decepcionados com o que nos é prometido no ensino do Evangelho, e, embora nós

passemos por muitas aflições, contudo olhemos sempre para a nossa Cabeça. José e Nico-

demos não tinham esta vantagem que nós temos hoje, em absoluto, ou seja, o contemplar

do poder do Espírito de Deus, que se manifestou na ressurreição de nosso Senhor Jesus

Cristo. Ainda assim, nesta consideração, a fé deles não foi completamente amortecida.

Agora, uma vez que o nosso Senhor Jesus nos chama para Si mesmo, e com grande voz

Ele declara-nos que Ele subiu ao céu, a fim de que todos nós nos reunamos ali, vamos

persistir constantemente em buscá-lO e segui-lO, e não consideremos como uma coisa má

o morrer com Ele para que sejamos partícipes da Sua glória. Agora São Paulo nos exorta

a conformar-nos com Jesus Cristo, não somente no que diz respeito à Sua morte, mas

também em relação ao seu sepultamento (Romanos 6:4, Colossenses 2:12). Porque há

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alguns que se contentam em morrer com o nosso Senhor Jesus por um minuto, mas com

o tempo eles se cansam. Por esta razão, eu disse que nós devemos morrer, não somente

uma vez, mas devemos sofrer pacientemente que sejamos sepultados continuamente, até

o fim. Eu chamo de morte, quando Deus quer que nós resistamos assim por Seu nome.

Porque, embora não estejamos, a princípio, arrastados para o fogo ou condenados pelo

mundo, mas, quando somos aflitos, já é uma espécie de morte que tenhamos que suportar

com paciência. Mas, porque não somos tão logo humilhados, temos que ser espancados

por um longo tempo, e nisto devemos perseverar e persistir em paciência. Porque, assim

como o diabo nunca deixa de planejar o que é possível para distrair-nos e corromper-nos,

assim, durante toda a nossa vida não devemos deixar de lutar contra ele. Embora esta

condição seja difícil e enfadonha, esperemos pelo tempo que virá quando Deus nos chama

para Si mesmo, e nunca deixemos de fazer a confissão de nossa fé, e nisto sigamos a

Nicodemos, mas não em sua timidez. Quando ele veio anteriormente ao Senhor Jesus

Cristo, ele ocultou-se, e ele não se atreveu a mostrar-se um verdadeiro discípulo, mas

quando ele veio para sepultar o nosso Senhor Jesus, ele declarou e protestou que ele era

do número e da comunidade dos crentes. Já que é assim, sigamos hoje tal constância. E,

apesar de nosso Senhor Jesus, com a doutrina de Seu Evangelho, ser odiado pelo mundo,

na verdade eles O seguiram em ódio, não deixemos de aderir a Ele. Reconheçamos mesmo

que Ele sempre será toda a nossa felicidade e satisfação, quando Deus aceitará nosso

serviço, e nos deixar saber que, se devemos definhar neste mundo, o fato de que o nosso

Senhor Jesus veio na glória de Sua ressurreição não é absolutamente a fim de estar

separado de nós, mas que na hora certa Ele nos reunirá para Si mesmo.

Além disso, alguém não deve ser surpreendido que o nosso Senhor Jesus ressuscitou dos

mortos ao terceiro dia. Pois é muito apropriado que Ele tivesse algum privilégio acima da

ordem comum da Igreja. Nisto também se cumpriu o que é dito no Salmo 16: “Pois não dei-

xarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” (Salmos

16:10). O corpo de nosso Senhor Jesus Cristo, então, teve que permanecer incorruptível

até o terceiro dia. Mas Seu tempo foi definido e estabelecido pelo conselho de Deus, Seu

Pai. De nossa parte, não temos tempo determinado, com exceção do último dia. Por isso,

esperemos até que tenhamos definhado enquanto isso agradar a Deus. No final, sabere-

mos que na hora certa Ele encontrará meios para nos restaurar, depois que tenhamos sido

totalmente aniquilados. Como também São Paulo nos exorta a isso, quando ele diz que

Jesus Cristo é as primícias (1 Coríntios 15:20, 23). Isso é para retardar o zelo ardente com

que às vezes somos fortemente tomados. Pois queremos voar sem asas, e nós nos ofende-

mos se Deus nos deixa neste mundo, e por que ao primeiro sinal de luta Ele não nos retire

ao céu. Queremos ser levados para lá em uma carruagem de fogo, como Elias. Em resumo,

queremos triunfar antes de ter lutado. Agora, para resistirmos a tal cupidez e esses desejos

tolos, São Paulo diz que Jesus Cristo é as primícias, e temos que estar convencidos de que

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em Sua morte temos uma garantia segura da ressurreição. Assim é, uma vez que Ele está

sentado à direita de Deus Pai, exercitando todo o domínio tanto acima como abaixo; contu-

do Sua majestade ainda não apareceu, e nossa vida deve estar escondida nEle, para que

estejamos ali como pobres pessoas mortas, e que, enquanto vivermos neste mundo seja-

mos como pobres pessoas perdidas. No entanto, é adequado para nós sofrermos tudo isso

até que o nosso Senhor Jesus venha. Pois, em seguida, a nossa vida será manifestada

nEle, ou seja, no momento adequado.

Isso, então, é o que temos que observar com relação ao sepulcro de nosso Senhor Jesus

Cristo, até que cheguemos ao fim, que nos mostrará que Ele não somente fez propiciação

por todos os nossos pecados, mas também tendo obtido a vitória, Ele adquiriu para nós a

perfeição de toda a justiça, pela qual somos hoje aceitáveis a Deus, para que tenhamos

acesso a Ele, e para invocá-lO em nome de Cristo. E nessa confiança que nos curvemos

em humilde reverência diante de Sua Majestade Santa, oremos a Ele para que Ele possa

nos receber em misericórdia; que embora sejamos pobres e miseráveis, nós não deixemos

de ter o nosso refúgio em Sua misericórdia. Apesar de que dia a dia provoquemos a Sua

ira contra nós, e embora justamente mereçamos a ser rejeitados por Ele, possamos espe-

rar, no entanto, que Ele mostre o fruto e o poder da morte e paixão que Seu único Filho

sofreu, por que nós fomos reconciliados, e que não duvidemos que Ele é sempre Pai para

nós, principalmente quando Ele nos fará o favor de mostrar que somos verdadeiramente

Seus filhos. Que possamos a declarar isso em verdade, de tal forma que não pedimos nada,

exceto que sejamos completamente Seus, como também Ele nos comprou por tal preço, e

com razão que sejamos totalmente reformados para o Seu serviço. Na medida em que nós

somos tão fracos que não sabemos como realizar a centésima parte do nosso dever, que

Ele ainda opere em nós pelo Seu Espírito Santo, porque sempre a fraqueza da nossa carne

carrega consigo tantas pelejas e lutas que apenas podemos arrastar-nos para frente, em

vez de andarmos corretamente.

Que possa agradar-Lhe retirar-nos de tudo isso, e que possamos ser unidos a Ele.

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A Ressurreição de Jesus Cristo

“E, no fim do sábado, quando já despontava o primeiro dia da semana, Maria

Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. E eis que houvera um grande

terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do céu, chegou, removendo a

pedra da porta, e sentou-se sobre ela. E o seu aspecto era como um relâmpago, e

as suas vestes brancas como neve. E os guardas, com medo dele, ficaram muito

assombrados, e como mortos. Mas o anjo, respondendo, disse às mulheres: Não

tenhais medo; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Ele não está

aqui, porque já ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar onde o Senhor

jazia. Ide pois, imediatamente, e dizei aos seus discípulos que já ressuscitou dentre

os mortos. E eis que ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis. Eis que eu

vo-lo tenho dito. E, saindo elas pressurosamente do sepulcro, com temor e grande

alegria, correram a anunciá-lo aos seus discípulos. E, indo elas a dar as novas aos

seus discípulos, eis que Jesus lhes sai ao encontro, dizendo: Eu vos saúdo. E elas,

chegando, abraçaram os seus pés, e o adoraram. Então Jesus disse-lhes: Não

temais; ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia, e lá me verão.” (Mateus 28:1-10)

Alguém pode achar estranho, à primeira vista que o nosso Senhor Jesus, desejando dar e-

vidência de Sua ressurreição, apareceu antes às mulheres do que aos Seus discípulos.

Mas nisto temos que considerar que Ele queria provar a humildade de nossa fé. Pois nós

não devemos ser fundamentados em sabedoria humana, antes devemos receber em obedi-

ência absoluta o que sabemos proceder dEle. Por outro lado, não há dúvida de que Ele

desejava punir os discípulos, quando Ele lhes enviou as mulheres para instruí-los, porque

a instrução que tinham recebido de Sua boca não fora de nenhum proveito para eles quando

foram provados por este teste. Pois, olhem como eles se espalharam. Eles abandonaram

o seu Mestre; eles estão confundidos pelo medo. E que bem tem feito a eles que estivessem

por mais de três anos na escola do Filho de Deus? Essa covardia, então, mereceu grande

castigo, a ponto deles haverem sido totalmente privados do conhecimento que tinham rece-

bido antes, na medida em que eles o haviam, por assim dizer, pisoteado sob os pés e o en-

terrado. Ora, nosso Senhor Jesus não queria puni-los severamente, mas para mostrar-lhes

a sua culpa por meio de uma correção suave, Ele nomeou mulheres para serem seus mes-

tres. Eles foram escolhidos de antemão para anunciar o Evangelho a todo o mundo (eles

são realmente os primeiros mestres da Igreja), mas posto que eles se mostraram tão covar-

des e ficaram tão desnorteados, ao ponto de que a sua fé estava, por assim dizer, amorte-

cida. É inteiramente apropriado que deveriam saber que eles não são dignos de ouvir qual-

quer ensinamento da boca de nosso Senhor Jesus Cristo. Observe, então, por que eles são

enviados de volta para as mulheres até que tenham melhor reconhecido seus erros, e Jesus

Cristo os restaurasse à sua posição e privilégio, contudo, pela graça. Além disso, como já

disse, todos nós, em geral, somos convidados a receber o testemunho, que é enviado a

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nós por Deus, mesmo que as pessoas que nos falam sejam de pouca importância ou se

elas não têm crédito ou reputação aos olhos do mundo. Como de fato, quando um homem

é eleito ou nomeado para ser um oficial público ou um funcionário público, o que ele faz se-

rá recebido como autêntico. Alguém não diria isso ou aquilo para contradizê-lo, pois, o ofício

dá a ele o respeito entre os homens. E será que Deus tem menos proeminência do que os

príncipes da terra, se Ele ordena somente aqueles a quem Ele quiser para serem Suas tes-

temunhas, não devemos receber tudo o que Ele diga, sem contradição ou réplica? Certa-

mente deve ser assim, a menos que nós queiramos ser rebeldes até mesmo contra o pró-

prio Deus. Isso é, então, o que temos que lembrar, em primeiro lugar.

Além disso, observemos também — apesar de nosso Senhor Jesus Cristo ter aparecido

para as mulheres e que mantiveram o primeiro grau de honra — que Ele mesmo deu

testemunho suficiente da Sua ressurreição, de modo que, se não fecharmos os olhos, tapar-

mos os ouvidos e por certa malícia nos endurecermos e nos fizermos insensatos, temos

uma certeza abundante deste artigo de fé, como também este é de grande importância;

pois, quando São Paulo refuta a incredulidade de quem ainda duvidava que Jesus Cristo

foi ressuscitado, ele menciona não somente as mulheres, mas ele menciona Pedro e Tiago,

em seguida, os doze apóstolos, então, mais de quinhentos discípulos a quem nosso Senhor

Jesus apareceu. Como, então, podemos desculpar a nossa maldade e rebelião se não

dermos crédito a mais de quinhentas testemunhas que foram escolhidas para isso, não da

parte do homem, mas da majestade soberana de Deus. E não foi apenas uma vez que o

nosso Senhor Jesus declarou-lhes que Ele vivia, mas muitas vezes.

Posto que os apóstolos duvidaram, sua incredulidade deve nos servir para uma maior con-

firmação. Pois, se na primeira aparição houvessem crido na ressurreição de nosso Senhor

Jesus Cristo, pode-se alegar que isso teria sido algo muito simples. Mas eles são tão lentos

que Jesus Cristo tem que confrontá-los por serem pessoas obstinadas, sem fé, por ter men-

tes tão pesadas e rudes, de modo que eles não compreendem nada. Quando, então, os

apóstolos estavam tão despreparados para receber este artigo de fé, isso deve fazer-nos

todos ainda mais crentes nele. Pois, se isso foi assim levado para eles, como pela força, é

uma boa razão agora para nós prosseguirmos. Como se isso dissesse: “Porque me viste,

Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram” [João 20:29]. Agora, então,

quando é assim falado, que o nosso Senhor Jesus apareceu a duas mulheres, pensemos

no que é dito em outra passagem por São Paulo, para que saibamos que não precisamos

tropeçar diante daqueles que falam, por darmos crédito ao que eles dizem de acordo com

a importância ou a condição de suas pessoas, mas, sim, que devemos elevar os nossos

olhos e os nossos sentidos ao alto, para nos sujeitarmos a Deus, que bem merece ter toda

a superioridade sobre nós e que estejamos presos à Sua Palavra. Porque, se nós não so-

mos dóceis, é certo que nunca lucraremos com o ensinamento do Evangelho. E não deve

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ser tido como tolice quando recebemos o que Deus declara e atesta a nós. Pois, quando

tivermos aprendido, pela obediência, a nos beneficiarmos em Sua escola e na fé, conhe-

ceremos que a perfeição de toda a sabedoria é que sejamos assim obedientes a Ele.

Agora vamos a esta história que aqui é narrada. Diz-se que “no fim do sábado, quando já

despontava o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepul-

cro”, ou seja, o primeiro dia da semana. Pois os Judeus guardam o Sábado, que eles cha-

mam de Sabath, como o dia de descanso, como também a palavra significa, e então nome-

iam os dias seguintes em toda a semana, primeiro dia após o Sabath, segundo dia, etc.

Agora, porque eles consideram o início do dia ao entardecer, é dito que as Marias compra-

ram unguentos aromáticos depois que o Sabath terminou e fizeram os preparativos para vir

no dia seguinte ao sepulcro. E não haviam apenas duas. É verdade que São João nomeia

apenas Maria Madalena. São Mateus nomeias duas delas, e nós vemos por São Lucas que

havia um grande número ali. Mas tudo isso concorda muito bem. Pois, Maria Madalena lide-

rou, e a outra Maria é aqui chamada explicitamente porque ela seguiu mais de perto. En-

quanto isso, várias outras vieram para ungir o corpo de nosso Senhor Jesus, mas sobretudo

é aqui dito que viam o sepulcro para saber se haveria acesso e entrada. É por isso que

aquelas duas são aqui especialmente marcadas.

São Mateus acrescenta que o anjo apareceu a elas, enquanto as duas estavam ali. Mas

porque somente uma falava a palavra, é o motivo pelo que ela é, assim, especialmente no-

meada. Finalmente, quando elas vão embora, encontram o nosso Senhor Jesus, que as

envia aos Seus discípulos, a fim de que todos possam ser reunidos na Galiléia, querendo

mostrar-lhes a Sua ressurreição, e isso, porque a cidade de Jerusalém havia se privado

disso por sua maldade em relação a tal testemunho. Verdade é que a Fonte da Vida ainda

estava ali, pois dEle procedeu a Lei e a Palavra de Deus, mas enquanto isso, nosso Senhor

Jesus não quis revelar-Se aos Seus discípulos naquela cidade, quando a maldade ainda

estava tão recente ali. Por outro lado, Ele também desejou estar de acordo com a dureza

de coração deles. Pois eles estavam, por assim dizer, tomados de espanto, de modo que

o sentido da visão não teria sido suficiente, a menos que Ele lhes tomasse à parte, e Se

mostrasse de tal forma que eles seriam totalmente convencidos.

Agora, vemos novamente aqui como as mulheres que são nomeadas ainda não estavam

autorizadas a adorar o nosso Senhor Jesus Cristo como seu Mestre, apesar de terem sido

afetadas por Sua morte. Consequentemente, podemos também julgar que a Palavra de

Deus já havia sido inscrita em seus corações. Pois, embora a sua fé fosse fraca, elas bus-

caram nosso Senhor Jesus no sepulcro. Também há nelas uma certa ignorância, que não

pode ser desculpada. Pois elas já deveriam ter elevado os seus espíritos ao alto, à espera

da ressurreição que havia sido prometida a elas, pois o terceiro dia foi especialmente desig-

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nado. Elas estavam, então, tão ocupadas que não entenderam a coisa principal, a saber,

que o nosso Senhor Jesus teve que obter vitória sobre a morte para adquirir para nós vida

e salvação. Eu digo que é a coisa principal, porque sem isso o Evangelho não seria nada

(como diz São Paulo) e nossa fé seria totalmente aniquilada. Assim, essas pobres mulhe-

res, por mais que reconhecessem o Evangelho que fora pregado a elas como sendo pura

verdade, no entanto, estavam tão perturbadas e confusas que não entenderam que Ele de-

veria ressuscitar, e, assim, elas vêm ao sepulcro com os unguentos aromáticos. Há, então,

uma falha que deve ser condenada. Mas o serviço delas é, contudo, agradável a Deus, pois

Ele desculpa o espanto delas e corrige. Nisto vejamos que quando o nosso Senhor aprova

o que fazemos, ainda assim, não coloquemos isso em nosso crédito, a ponto de dizer que

merecemos isso, quando que ocorre é completamente o contrário, pois se Ele recebe aquilo

que não foi digno de ser oferecido a Ele, isto acontece por Sua graça abundante. Pois sem-

pre haverá ocasião para condenar as nossas obras, quando Deus as examina estritamente,

porquanto elas sempre estarão contaminadas com alguma mancha. Mas Deus nos poupa

e não recusa o que Lhe oferecemos, qualquer que seja a fraqueza ou falha que haja, vendo

que tudo é purificado pela fé e sabemos que não é sem motivo que são aceitáveis a Ele em

Jesus Cristo. Isso é, então, o temos que observar.

No entanto, reconheçamos também que ali no sepulcro de nosso Senhor Jesus Cristo cer-

tamente deve ter havido outra fragrância, muito melhor, muito mais forte, do que a daqueles

unguentos cuja menção é feita. Já mencionamos que os judeus estavam acostumados a

ungir o corpo, a fim de serem confirmados na esperança da ressurreição e da vida celestial.

Isso era para mostrar que os corpos não se deterioram a tal ponto de não serem preserva-

dos até ao último dia, e de modo que Deus possa restaurá-los. Mas o corpo de nosso Se-

nhor Jesus Cristo teve que ser isento de toda essa decadência. Agora, as especiarias não

efetuariam isso, mas, por ter sido declarado que Deus não consentia que Seu Santo e

Divino Ser visse a corrupção, é por isso que por um milagre, nosso Senhor Jesus foi

preservado de toda corrupção. Além disso, porque Ele ficou livre de corrupção, agora esta-

mos certos e seguros da glória da ressurreição, que já nos foi manifestada em Sua Pessoa.

Vemos, então, agora, que a fragrância do sepulcro e da ressurreição de nosso Senhor

Jesus Cristo tem até mesmo nos envolvido, para que possamos ser vivificados por meio

disso. Agora, o que se segue? Que já não podemos ir tão longe quanto aquelas mulheres

a olhar para o sepulcro, devido à ignorância e fraqueza em que nos encontramos, mas que

elevemos nossos olhos ao alto, uma vez que Ele nos chama e nos convida para ali, visto

que Ele nos mostrou o caminho, e nos declarou que Ele entrou em posse de Seu reino

celestial para nos preparar um aposento e um lugar ali, quando pela fé ali O encontraremos.

Mas nós também devemos notar que São Mateus acrescenta: O anjo, diz ele, que apare-

ceu, assustou os guardas de forma que eles ficaram como mortos. As mulheres foram se-

melhantemente assustadas, mas o anjo depois disso, administrou o remédio. “Quanto a

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vós”, disse ele, “Não tenhais medo; pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Ele

não está aqui, porque já ressuscitou, como havia dito”. Aqui vemos como Deus aceita o

afeto e o zelo dessas mulheres, de forma que Ele corrige, no entanto, o que Ele não aprova.

Quero dizer que Ele corrige através da boca do anjo que está ali em Seu nome. Já dissemos

que é por bondade singular que Deus recebe nosso serviço quando é imperfeito embora

Ele possa tê-lo em aversão. Ele recebe de nós, então, o que não tem valor como um pai

receberá de seus filhos o que de outra forma seria considerado como lixo e gracejo. Eis

que eu digo, como Deus é generoso para conosco. Mas, por outro lado, é verdade que Ele

não deseja que os homens minimizem e tenham prazer nas suas faltas. Portanto, o anjo

corrige esta falha da parte das mulheres. Apesar de sua intenção ser boa, ainda assim, elas

são condenadas por sua culpa particular. Por isso, São Lucas registra que foram mais

duramente repreendidas. “Por que buscais o vivente entre os mortos?” [Lucas 24:5]. Mas

aqui nós temos que observar que os guardas, como homens que são incrédulos e perver-

sos, que não tinham temor de Deus ou da religião, foram assaltados pelo medo, possivel-

mente, até mesmo, por assim dizer, entraram em pânico.

As mulheres, com certeza, estavam com medo, mas elas imediatamente receberam conso-

lo. Contemplem, então, o quão terrível a majestade de Deus é para aqueles a quem isso

aparece. É por isso que nós sentimos nossa fraqueza quando Deus declara-Se a nós, e en-

quanto a princípio, estávamos inchados com presunção e éramos tão ousados que já não

pensávamos ser homens mortais quando Deus nos dá qualquer sinal de Sua presença,

temos necessariamente de ser esmagados, e saber o que a nossa condição é, ou seja, que

somos apenas pó e cinzas, que todas as nossas virtudes são apenas fumaça que esvoaça

para longe e desaparece. Isto, então, é comum a todos, sejam bons ou maus. Além disso,

quando Deus aterroriza assim os incrédulos, Ele os deixa ali como homens réprobos, por-

que eles não são dignos de experimentar a Sua bondade de forma alguma. Por isso, tam-

bém, eles fogem de Sua presença, eles ficam com raiva e rangem de dentes e ficam tão

enfurecidos que eles perdem todo o sentido e razão, tornando-se homens totalmente bru-

tais. Os fiéis, depois de terem sido atemorizados, levantam-se e tomam coragem, porque

Deus os consola e dá-lhes alegria. Este temor, então, que os fiéis sentem na presença da

majestade de Deus não é outro senão um primeiro passo em humildade, a fim de que eles

possam prestar-lhe a homenagem que Lhe é devida, e para que eles se submetam a Ele,

sabendo que eles não são nada, a fim de buscarem todo o seu bem somente nEle.

Então, é por isso que o anjo diz: “Não tenhais medo”. Esta palavra é digna de nota. Pois

isto é mesmo como se ele tivesse dito: “Eu deixo esta gente em sua confusão, pois eles

não são dignos de qualquer misericórdia, mas agora eu volto para vocês e lhes trago uma

mensagem de alegria. Sejam, então, libertas desse medo, porque buscais a Jesus Cristo”.

Posto que isso é verdade, aprendamos a buscar o nosso Senhor Jesus, e não (como já dis-

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se) em tal dureza de coração como essas mulheres de quem é aqui falado (como também

não há mais qualquer ocasião para ir procurá-lO no sepulcro), entremos pela fé diretamente

a Ele, sem simulação. E ao assim fazê-lo, tenhamos a certeza de que esta mensagem nos

pertence e é dirigida a nós. Precisamos chegar com confiança e sem medo, mas não sem

respeito (pois devemos ir com temor a fim de adorarmos a majestade de Deus). Mas, de

qualquer maneira, não tenhamos medo como se estivéssemos completamente subjugados

pela desconfiança. Deixe-nos saber, então, que o Filho de Deus Se adequará às nossas

limitações quando vamos a Ele com fé, e mesmo, encontraremos nEle motivo de consolo

e alegria, na medida em que é para nosso proveito e salvação que Ele tenha adquirido o

senhorio e domínio da vida celestial.

Contudo, as mulheres foram embora com grande alegria e um grande medo. Aqui, nova-

mente, a sinceridade de sua fé é evidenciada. Eu já disse que o propósito pelo qual elas

aspiravam era bom, mas elas não tomaram o caminho correto, como podemos aprender

com o fato de que elas são covardes, e que elas não podem fazer com que as suas mentes

creiam ou não crerem na Ressurreição. Apesar de terem ouvido isso sendo falado muitas

vezes, ainda assim, elas não conseguem dominar os seus sentimentos para chegarem a

uma conclusão final que já não era necessário visitar o nosso Senhor Jesus no sepulcro.

Note-se, então, a origem desse medo. Assim, vemos que é um sentimento equivocado. É

verdade (como sugeri) que devemos temer a Deus para render reverência à Sua majestade,

para obedecê-lO e sermos totalmente humilhados, para que Ele possa ser exaltado em Sua

glória; para manter cada boca fechada, de modo que somente Ele seja reconhecido como

justo, sábio e todo-poderoso. Mas esse medo mencionado aqui é, em segundo lugar, algum

ruim e deve ser condenado, pois é causado pela confusão dessas pobres mulheres. Ainda

assim, embora elas possam ver e ouvir o anjo falar, isso lhes parece quase como um sonho.

Agora, por meio disso somos advertidos de que Deus, muitas vezes opera em nós mesmo

quando não percebemos se temos sido beneficiados ou não. Porque há tanta ignorância

em nós que, por assim dizer, nuvens nos impedem de chegar a aperfeiçoar a clareza, e

estamos envolvidos em muitas imaginações. Em resumo, parece que todo o ensinamento

de Deus é quase inútil. No entanto, encontramos alguma apreensão misturada com isso,

que nos faz sentir que Deus tem trabalhado em nossos corações. Mesmo que tenhamos

apenas uma pequena centelha de graça, não percamos a coragem. Em vez disso, oremos

a Deus para que Ele possa aumentar esta pequena que Ele começou, e que Ele nos faça

crer e que Ele possa nos confirmar, até que sejamos trazidos à perfeição, da qual ainda

estamos mui longe. Apesar do fato de que as mulheres estivessem assim afetadas por seu

medo e alegria foram considerados como uma falha, vemos que Deus sempre as governa

pelo Seu Espírito Santo e que esta mensagem que foi entregue a elas pelo anjo não foi

totalmente inútil.

Agora, temos que avançar. Nosso Senhor Jesus apareceu para elas no caminho, e disse-

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lhes: “Não temais; ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia, e lá me verão”. Nós vemos

ainda melhor nesta passagem como o Filho de Deus nos atrai a Si gradualmente, até que

sejamos totalmente confirmados, como é necessário para nós. Era certamente o suficiente

que as mulheres ouvissem a mensagem da boca do anjo, pois ele tinha marcas de que fora

enviado por Deus. Seu aspecto era como um relâmpago. É verdade que a brancura da

veste e coisas semelhantes não expressam vividamente a majestade de Deus. No entanto,

essas mulheres tiveram um testemunho muito seguro de que não era um homem mortal,

que falou, mas um anjo celestial. Este testemunho, então, poderia muito bem ter sido sufici-

ente para elas, mas, mesmo assim, a certeza foi muito maior quando viram o nosso Senhor

Jesus, a quem primeiro reconheceram ser o Filho de Deus e a Sua verdade imutável. Isso,

então, é para ratificar mais claramente o que tinham ouvido anteriormente boca do anjo. E

essa é também a forma como nós crescemos na fé. Pois, de início, não conhecemos nem

o poder nem a eficácia que há na Palavra de Deus, mas se alguém nos ensina, e bem, nós

aprendemos algo, e ainda assim é quase nada. Mas pouco a pouco Deus imprime estes

aprendizados em nós pelo Seu Espírito Santo e por fim Ele nos mostra que é Ele Quem

fala. Então, nos tornamos conscientes de que não só temos algum conhecimento, mas

estamos convencidos de tal forma que as ciladas do Diabo, qualquer que ele trame, não

são capazes de abalar a nossa fé, na medida em que temos essa convicção: de que o Filho

de Deus é o nosso Mestre e nos apoiamos sobre Ele, sabendo que Ele tem o domínio

completo sobre nós e que Ele é digno de toda autoridade soberana.

Nós vemos isso nessas mulheres. É verdade, que Deus não opera em todos da mesma

maneira. Alguns, desde o princípio serão tão atraídos que eles perceberão que Deus tem

exercido um poder extraordinário sobre eles, e não eles mesmos. Porém, muitas vezes nós

devemos ser ensinados de tal forma que a nossa rudeza e fraqueza serão claramente vis-

tas, para que por meio disso, sejamos muito mais admoestados a glorificarmos a Deus e a

reconhecermos que é dEle que temos tudo.

Consideremos agora a palavra que nós citamos: “ide dizer a meus irmãos que vão à

Galiléia, e lá me verão”. Nós vemos que o Filho de Deus apareceu aqui para Maria e sua

companhia não somente para revelar-Se a sete ou oito [pessoas], mas Ele desejou que

esta mensagem que seria publicada aos Apóstolos, fosse agora comunicada a nós, para

que participemos dela. De fato, sem isso, que proveito para nós haveria na história da Res-

surreição? Mas quando é dito que o Filho de Deus assim Se manifestou, e que Ele desejou

que o fruto disso fosse comunicado a todo o mundo, assim é como nós obtemos muito

melhor concepção. Assim, então, temos a certeza de que o nosso Senhor Jesus desejou

que fôssemos assegurados da Sua ressurreição, porque nisto também repousa toda a

esperança de nossa salvação e da nossa justiça, quando realmente sabemos que o nosso

Senhor Jesus ressuscitou. Ele não somente nos purgou de toda a nossa imundície por meio

de Sua morte e paixão, mas Ele não permaneceria em tal estado de fraqueza. Ele tinha que

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mostrar o poder do Seu Espírito Santo e Ele tinha que ser declarado Filho de Deus pela

ressurreição dos mortos, como diz São Paulo, tanto no primeiro capítulo de Romanos,

quanto em outras passagens. Assim é que agora temos que ter a certeza de que o nosso

Senhor Jesus, sendo ressuscitado, quer que venhamos a Ele e que o caminho esteja aberto

para nós. E Ele não nos espera olhar para Ele, mas Ele providenciou que nós pudéssemos

ser chamados pela pregação do Evangelho e que esta mensagem fosse falada pela boca

de Seus arautos que Ele escolheu e elegeu. Sendo assim, reconheçamos que hoje partilha-

mos a justiça que temos em nosso Senhor Jesus Cristo, para alcançar a glória celeste, uma

vez que Ele não deseja estar separado de nós.

E é por isso que Ele chama Seus discípulos de Seus irmãos. Certamente este é um título

honroso. E assim, este foi reservado para aqueles a quem o Senhor Jesus havia se compro-

metido como Seus servos. E não há dúvida de que Ele usou esta palavra para mostrar a

relação fraternal que Ele queria manter em relação a eles. E assim Ele também está unido

a nós, como é melhor declarado por São João. Na verdade, somos levados ao que é dito

no Salmo 22, a partir do qual esta passagem é tomada: “Então declararei o teu nome aos

meus irmãos” [v. 22], cuja passagem o Apóstolo, aplicando à pessoa de nosso Senhor

Jesus Cristo, incluí não somente os doze apóstolos, ao chamá-los de irmãos de Jesus

Cristo, mas confere o título a todos nós, em geral, que seguimos o Filho de Deus, e Ele

quer que nós compartilhemos tal grande honra. É isso o porquê, também quando o Senhor

Jesus diz: “eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” [João 20:17], não

é falado para um pequeno número de pessoas, mas isso é dirigido a toda a multidão dos

crentes.

Ora, nosso Senhor Jesus, embora seja o nosso Deus eterno, não faz menos na Sua quali-

dade de Mediador, que humilha-Se para estar perto de nós, e ter tudo em comum conosco,

isso no que diz respeito à Sua natureza humana. Pois, embora seja, por natureza, o Filho

de Deus e nós sejamos apenas adotados, e isso pela graça, ainda assim, essa comunhão

é permanente, de modo que Aquele que é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio

dEle é também o nosso, isso é certo, embora em diferentes aspectos. Pois, não precisamos

ser levantados tão alto como nossa Cabeça. Não deve haver qualquer confusão aqui. Se

em um corpo humano a cabeça não estivesse acima de todos os membros, seria uma aber-

ração, isso seria uma massa confusa. É razoável também que o nosso Senhor Jesus man-

tenha a Sua posição soberana, uma vez que Ele é o único Filho de Deus, isto é, por nature-

za. Mas isso não impede que estejamos unidos a Ele em fraternidade, de forma que pode-

mos clamar a Deus com ousadia, em plena confiança de sermos respondidos por Ele, uma

vez que temos acesso pessoal e familiar a Ele.

Vemos, então, o significado desta palavra, quando nosso Senhor Jesus chama os discí-

pulos de irmãos, de modo que hoje nós temos esse privilégio em comum com eles, isto é,

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por meio da fé. E isso não subtrai o poder e majestade do Filho de Deus, quando Ele se

une com criaturas tão miseráveis como nós somos, e Ele está disposto a ser, por assim di-

zer, unido a nós. Pois, devemos ser ainda mais plenos de alegria, enquanto nós vemos que

no erguer-Se da morte, Ele adquiriu para nós a glória celeste, para adquirir aquilo para nós

pelo que Ele também havia Se humilhado, sim, estava mesmo disposto a se tornar como

nada. Agora, uma vez que o nosso Senhor Jesus condescende a reconhecer-nos como Se-

us irmãos, de forma que podemos ter acesso a Deus, vamos buscá-lO, e vir a Ele com total

confiança, sendo assim cordialmente convidados [...].

Então, percebamos a unidade que temos com o nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, Ele está

disposto a ter uma vida em comum conosco, e que aquilo que Ele tem pode ser nosso, até

mesmo que Ele deseja habitar em nós, não em imaginação, mas, em verdade; não de um

modo terrenal, mas espiritual; e, em qualquer caso, Ele assim opera pelo poder do Seu

Espírito Santo, de forma que estamos unidos a Ele mais do que estão os membros de um

corpo. E assim como a raiz de uma árvore envia a sua substância e seu poder através de

todos os ramos, assim extraímos a substância e a vida a partir de nosso Senhor Jesus

Cristo. E é também por isso que São Paulo diz que o nosso Cordeiro Pascal foi crucificado

e sacrificado, portanto, nada mais resta, senão que façamos a festa e participemos do sacri-

fício [1 Coríntios 5:7-8]. E, como nos dias antigos, na Lei, quando o sacrifício era oferecido,

eles comiam, agora também temos que vir e tomar a nossa carne e alimento espiritual neste

sacrifício que foi oferecido para a nossa redenção. É verdade que nós não devoramos a

Jesus Cristo na Sua carne, Ele não adentra em nós sob nossos dentes, como os Papistas

têm imaginado, mas nós recebemos o pão como um símbolo certo e infalível que o nosso

Senhor Jesus nos alimenta espiritualmente com o Seu corpo; recebemos uma gota de vinho

para mostrar que somos espiritualmente sustentados pelo sangue de nosso Senhor Jesus

Cristo. Mas observemos bem o que São Paulo acrescenta, que, assim como sob as figuras

da Lei, não foi permitido comer o pão que foi fermentado e cuja massa era amarga, agora

que não estamos mais sob tais sombras, devemos retirar o fermento da malícia, da maldade

e de toda a nossa corrupção, e ter pão ou ázimo (ele diz) que não tenha amargura em si. E

como? Em sinceridade e verdade. Quando, então, nos aproximarmos desta Mesa Santa,

pela qual o Filho de Deus nos mostra que Ele é a nossa comida, que Ele entrega-Se a nós

como alimento completo e inteiro, e Ele deseja que agora participemos no sacrifício que Ele

de uma vez por todas ofereceu para a nossa salvação, devemos cuidar para que não traga-

mos a ela a nossa corrupção e contaminação, mas que renunciemos a estas, e busquemos

apenas estar totalmente purificados, para que o nosso Senhor Jesus nos possua como

membros de Seu corpo, e que por meio disso, também signifique que somos participantes

da Sua vida. É assim que hoje devemos fazer uso desta Santa Ceia que está preparada

para nós. Ou seja, que esta nos direcione à morte e à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo,

e depois à Sua ressurreição, e que possamos estar tão seguros da vida e salvação, como

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pela vitória que Ele obteve ao ressuscitar dos mortos, a justiça nos é dada, e o portão do

Paraíso foi aberto para nós, para que possamos nos aproximar corajosamente de nosso

Deus, e oferecer-nos a nós mesmo em Sua presença, sabendo que Ele sempre nos

receberá como Seus filhos.

Agora, prostremo-nos em humilde reverência diante da majestade do nosso Deus.

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A Doutrina da Eleição

“Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas

obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo

Jesus antes dos tempos dos séculos; e que é manifesta agora pela aparição de

nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a morte, e trouxe à luz a vida e a

incorrupção pelo Evangelho.” (2 Timóteo 1:9-10)

Nós mostramos nesta manhã, de acordo com o texto de São Paulo, que se nós quisermos

conhecer a livre misericórdia de nosso Deus em nos salvar, devemos nos achegar ao Seu

conselho eterno pelo qual Ele nos escolheu antes da fundação do mundo. Pois aqui pode-

mos ver que Ele não tinha nenhuma estima às nossas pessoas, nem à nossa dignidade,

nem a quaisquer méritos que poderiam haver em nós. Antes de nascermos, estávamos

inscritos em Seu registro; Ele já havia nos adotado por Seus filhos. Portanto, vamos atribuir

tudo à Sua misericórdia, sabendo que não podemos nos orgulhar de nós mesmos, a não

ser que roubemos a honra que pertence a Ele.

Os homens têm se esforçado para inventar sofismas, para obscurecer a graça de Deus.

Pois eles têm dito: embora Deus escolheu homens antes da fundação do mundo, no en-

tanto, foi de acordo com a Sua previsão de que um seria diferente do outro. A Escritura

demonstra claramente que Deus não esperou para ver se os homens eram dignos ou não,

quando Ele os escolheu, mas os sofistas achavam que poderiam denegrir a graça de Deus,

dizendo: embora Ele não considerava os méritos do passado, Ele olhava para aqueles que

estavam por vir. Pois, dizem que, apesar de que Jacó e seu irmão Esaú não tivessem feito

nem bem nem mal, e Deus escolheu um e reprovou a outro, isso se deu porque Deus previu,

(como todas as coisas estão presentes com Ele) que Esaú seria um homem ímpio, e que

Jacó seria como ele mais tarde se mostrou.

Mas estas são especulações tolas, pois claramente fazem de São Paulo um mentiroso, pois

este diz: Deus não retribuiu nenhuma recompensa às nossas obras quando Ele nos

escolheu, porque Ele fez isso antes que o mundo viesse a existir. Mas, se porventura, a

autoridade de São Paulo fosse abolida, a questão ainda seria muito simples e clara, não

somente na Sagrada Escritura, mas na razão; de modo que aqueles que gostariam de

escapar desta ordem, mostram-se homens vazios de todas as habilidades. Porque, se nós

investigarmos a fundo, que bem podemos encontrar? Não são todos os homens malditos?

O que trazemos do ventre da nossa mãe, exceto o pecado?

Portanto, nós não diferimos nem um pouco uns dos outros; mas agrada a Deus escolher

aqueles a quem Ele próprio deseja. E por isso, São Paulo usa estas palavras em outro

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lugar, quando ele diz: os homens não têm do que se alegrar, pois nenhum homem se acha

numa condição melhor do que os seus companheiros, a não ser porque Deus os diferencia

[1 Coríntios 4:7]. Então, se nós confessamos que Deus nos escolheu antes dos tempos

eternos, segue-se necessariamente que Deus nos preparou para receber a Sua graça; que

Ele derramou sobre nós esta bondade, de forma que ela não estava em nós antes; que Ele

não somente nos escolheu para sermos herdeiros do reino dos céus, mas Ele também nos

justifica e nos governa pelo Seu Espírito Santo. O Cristão deve ser tão bem resolvido nesta

doutrina, que ela esteja acima de qualquer dúvida para ele.

Há alguns homens neste dia, que ficariam felizes se a verdade de Deus fosse destruída.

Tais homens lutam contra o Espírito Santo, como animais furiosos, e esforçam-se para

abolir a Sagrada Escritura. Há mais honestidade nos Papistas, do que nestes homens: pois

a doutrina dos Papistas é muito melhor, mais santa e mais agradável para com a Sagrada

Escritura, do que a doutrina desses homens vis e malvados, que desprezam a santa eleição

de Deus; estes cães que latem diante disso, e porcos que a arrancam pela raiz.

No entanto, retenhamos o que nos é aqui ensinado: Deus nos escolheu antes que o mundo

iniciasse seu curso, devemos atribuir a causa da nossa salvação à Sua bondade gratuita;

devemos confessar que Ele não nos toma para sermos Seus filhos por quaisquer de nossos

méritos; pois não tínhamos nada para nos recomendar ao Seu favor. Por isso, devemos

colocar a causa e a fonte da nossa salvação em Deus somente. Este deve ser nosso único

fundamento, caso contrário, tudo o que construímos e da forma como construirmos, acabar-

se-á em nada.

Devemos observar o que São Paulo aqui une; a saber, a graça de Jesus Cristo, com o con-

selho eterno de Deus, o Pai, e, em seguida, ele nos traz a nossa vocação, para que possa-

mos ter a certeza da bondade de Deus, e da Sua vontade, que teria permanecido escondida

de nós, a menos que tivéssemos uma testemunha disso. São Paulo diz, em primeiro lugar,

que a graça que estava sobre o propósito de Deus, e é compreendida nEle, é dada a nós

em nosso Senhor Jesus Cristo. Como se dissesse: vendo que merecíamos ser lançados

fora, e odiados como inimigos mortais de Deus, era necessário que fôssemos enxertados,

por assim dizer, em Jesus Cristo; para que Deus pudesse nos reconhecer, e nos aceitar

como Seus filhos. De outra forma, Deus não poderia olhar para nós, apenas nos odiar; por-

que não há nada mais do que miséria em nós; estamos cheios de pecado, e como que

mergulhados em todos os tipos de iniquidades.

Deus, que é a própria justiça, não pode ter acordo conosco, enquanto considerar a nossa

natureza pecaminosa. Portanto, como Ele nos adotou antes que o mundo existisse, era

necessário que Jesus Cristo ficasse entre nós e Ele; que nós fossemos escolhidos em Sua

Pessoa, pois Ele é o mui amado Filho: quando Deus nos uniu a Ele, Ele nos fez agradáveis

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a Si mesmo. Vamos aprender a vir diretamente a Jesus Cristo, caso possamos duvidar da

eleição de Deus, pois Ele é o espelho verdadeiro, no qual devemos contemplar nossa

adoção.

Se Jesus Cristo for tirado de nós, então Deus é juiz dos pecadores, de modo que não pode-

mos esperar por qualquer bondade ou favor em Suas mãos, mas somente por vingança,

por estarmos sem o testemunho de Cristo. Sua majestade será sempre terrível e temível

para nós. Se ouvirmos menção de Seu propósito eterno, não podemos deixar de temer,

como se Ele já estivesse armado para nos mergulhar na miséria. Mas quando sabemos

que toda a graça repousa em Jesus Cristo, então podemos estar certos de que Deus nos

ama, apesar de sermos indignos.

Em segundo lugar, é preciso observar que São Paulo não fala simplesmente da eleição de

Deus, por que esta não nos tiraria a dúvida; mas antes, permaneceríamos na perplexidade

e angústia, porém ele acrescenta, a vocação; pela qual Deus abriu Seu conselho, que antes

era desconhecido para nós, e que não poderíamos compreender. Como saberíamos então

que Deus nos elegeu, para que possamos nos alegrar nEle, e nos gloriarmos na bondade

que Ele nos concedeu? Os que falam contra a eleição de Deus, partindo do Evangelho

sozinho [e negligenciam os meios]; deixam tudo o que Deus espalha diante de nós, para

nos conduzir a Ele, todos os meios que Ele tem determinado para nós, e sabe serem

adequados para nosso uso. Não podemos continuar assim; mas de acordo com a regra de

São Paulo, devemos juntar a vocação com a eleição eterna de Deus.

Está dito que somos chamados; e, portanto, temos esta segunda palavra, vocação. Portan-

to Deus nos chama; mas como? Certamente, quando agrada a Ele e para nos certificar de

nossa eleição; a qual nós não poderíamos por nenhum outro meio discernir, pois quem

pode entrar no conselho de Deus? Como diz o profeta Isaías; e também o apóstolo Paulo.

Mas quando agrada a Deus revelar-Se a nós familiarmente, então vamos receber aquilo

que ultrapassa o conhecimento de todos os homens, porque temos uma boa e fiel teste-

munha, que é o Espírito Santo; que nos faz ascender acima do mundo, e nos revela os

maravilhosos segredos de Deus.

Não devemos falar precipitadamente da eleição de Deus, e dizer, que somos predestinados;

mas se vamos estar seguros da nossa salvação, não devemos falar levianamente dela; se

Deus nos tomou por Seus filhos ou não. Que faremos então? Olhemos para o que está

estabelecido no Evangelho. Ali Deus nos mostra que Ele é nosso Pai; e que Ele vai nos

levar para a herança da vida, depois de ter-nos selado com o selo do Espírito Santo em

nossos corações, que é um testemunho incontestável de nossa salvação, se nós a rece-

bermos pela fé.

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O Evangelho é pregado a um grande número de pessoas, as quais, não obstante, são re-

provadas; sim, e Deus desnuda e mostra que Ele lhes amaldiçoou, que eles não têm parte

nem porção em Seu reino, pois eles resistem ao Evangelho, e rejeitam a graça que lhes é

oferecida. Mas quando recebemos a doutrina de Deus, com obediência e fé, e descan-

samos em Suas promessas, e aceitamos a oferta que Ele faz de tornar-nos Seus filhos,

isso, eu digo, é uma certeza de nossa eleição. Mas temos aqui a observação, que, quando

temos conhecimento da nossa salvação, quando Deus nos tem chamado e iluminado na fé

de Seu Evangelho, não é para invalidar a predestinação eterna que foi feita antes.

Há muitos nestes dias que dirão: quem são aqueles a quem Deus escolheu, senão apenas

os fiéis? Eu admito isto; mas eles fazem um mau uso disso; e dizem que a fé é a causa,

sim, e a primeira causa de nossa salvação. Se eles chamam de uma causa mediadora, se-

ria de fato verdadeiro; porque a Escritura diz: “Pela graça sois salvos, mediante a fé” (Efé-

sios 2:8). Mas devemos ir mais acima; pois se eles atribuem a fé ao livre-arbítrio do homem,

eles blasfemam contra Deus perversamente e cometem sacrilégio. Devemos vir ao que

mostra Escritura; a saber, quando Deus nos dá a fé, devemos saber que não somos capazes

de receber o Evangelho, senão só quando Ele tem operado em nós pelo Espírito Santo.

Não é o suficiente que nós ouçamos a voz do homem, a menos que Deus opere em nós

interiormente e nos fale de uma forma secreta pelo Espírito Santo e assim, consequente-

mente, vem a fé. Mas, qual é a causa disso? Por que a fé é dada para um e não para ou-

tro? São Lucas mostra-nos, dizendo: “e creram todos quantos estavam ordenados para a

vida eterna” (Atos 13: 48). Havia um grande número de ouvintes, e ainda assim apenas al-

guns deles receberam a promessa de salvação. E quem eram esses poucos? Aqueles que

foram nomeados para a salvação. Mais uma vez, São Paulo fala tão amplamente sobre

este assunto, em sua Epístola aos Efésios, que os inimigos da predestinação de Deus não

podem ser senão estúpidos e ignorantes, e que o Diabo lhes tenha arrancado os olhos; e

que eles tornaram-se destituídos de toda a razão, se eles não podem ver uma coisa tão

simples e evidente.

São Paulo diz: Deus nos chamou, e nos fez participantes dos Seus tesouros e riquezas

infinitas, que nos foram dadas através do nosso Senhor Jesus Cristo, assim como Ele nos

escolheu antes da fundação do mundo. Quando dizemos que somos chamados à salvação

porque Deus deu-nos a fé, isto não é porque não existe uma causa superior; e todo aquele

que não pode vir à eleição eterna de Deus, tira algo dEle, e diminui Sua honra. Isto é encon-

trado em quase todas as partes da Sagrada Escritura.

Para que possamos fazer uma breve conclusão sobre este assunto, vejamos de que ma-

neira devemos nos portar. Quando nos perguntam sobre nossa salvação, nós não devemos

começar a dizer, somos escolhidos? Não, nós nunca podemos subir tão alto; seremos con-

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fundidos mil vezes, e teremos os nossos olhos ofuscados, antes que possamos vir ao

conselho de Deus. O que faremos então? Vamos ouvir o que é dito no Evangelho: quando

Deus tem sido tão gracioso para fazer-nos alcançar a promessa oferecida, nós conhecemos

que é tanto como se Ele tivesse aberto todo o Seu coração para nós, e houvesse registrado

nossa eleição em nossas consciências!

Devemos nos certificar que Deus nos tem tomado como Seus filhos, e que o reino dos céus

é nosso; porque somos chamados em Jesus Cristo. Como podemos saber isso? Como

vamos permanecer sobre a doutrina que Deus pôs diante de nós? Precisamos magnificar

a graça de Deus, e saber que não podemos trazer nada para nos recomendar ao Seu favor;

devemos nos tornar como nada aos nossos próprios olhos, para que nós não possamos

reivindicar qualquer louvor; mas saibamos que Deus nos chamou para o Evangelho, tendo

nos escolhido antes que o mundo viesse a existir. Esta eleição de Deus é, por assim dizer,

uma carta selada; porque ela é consistente em si, e em sua própria natureza, mas podemos

lê-la, pois Deus deu um testemunho: quando Ele nos chamou para Si mesmo por meio do

Evangelho e pela fé.

Pois, assim como o original ou cópia primeira não tira nada da letra ou escrita que é lida,

semelhantemente devemos estar sem dúvidas da nossa salvação. Quando Deus nos certifi-

cou pelo Evangelho que Ele nos toma por Seus filhos, este testemunho traz paz consigo;

sendo assinado pelo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e selado pelo Espírito Santo.

Quando temos este testemunho, nós não temos o suficiente para contentarmos nossas

mentes? Portanto, a eleição de Deus está muito longe de ser contra isso, pois confirma o

testemunho que temos no Evangelho. Não devemos duvidar que Deus tem registrado os

nossos nomes, antes que o mundo fosse feito, entre Seus filhos escolhidos, porém o

conhecimento certo disso Ele reservou para Si mesmo.

Devemos sempre vir para o nosso Senhor Jesus Cristo, quando nós falamos da nossa

eleição; pois sem Ele (como já foi mostrado), não podemos nos aproximar de Deus. Quando

falamos de Seu decreto, bem podemos ser surpreendidos, como homens dignos de morte.

Mas se Jesus Cristo for o nosso guia, podemos com alegria depender dEle; sabendo que

há mérito suficiente nEle para fazer de todos os Seus membros amados de Deus Pai; sendo

suficiente para nós que sejamos enxertados em Seu corpo, e feitos um com Ele. Assim,

devemos meditar sobre esta doutrina, se quisermos desfrutar dela corretamente, como está

previsto por São Paulo; quando diz que, esta graça da salvação nos foi dada antes que o

mundo começasse. Precisamos ir além da ordem da natureza, se quisermos saber como

seremos salvos, e por que causa, e de onde vem a nossa salvação.

Deus não nos deixaria em dúvida, nem Ele esconde Seu conselho, a ponto de nós não po-

dermos saber como a nossa salvação foi assegurada; antes nos chamou a Ele por Seu

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Evangelho, e selou o testemunho de Sua bondade e amor paterno em nossos corações.

Então, tendo tal certeza, glorifiquemos a Deus, pois Ele nos tem chamado por Sua livre

misericórdia. Descansemos em nosso Senhor Jesus Cristo, sabendo que Ele não nos tem

enganado, quando Ele fez com que fosse pregado que Ele deu a Si mesmo por nós, e

testemunhou isto pelo Espírito Santo. Pois a fé é um sinal indubitável de que Deus nos toma

por Seus filhos; e, assim, somos levados à eleição eterna, segundo Ele de antemão nos

escolheu.

Ele não diz que Deus nos escolheu porque ouvimos o Evangelho, mas, por outro lado, ele

atribui a fé que nos é dada a uma maior causa, a saber, porque Deus tem preordenado que

Ele nos salvaria; vendo que estávamos perdidos e extraviados em Adão. Há certos tolos,

que, para cegar os olhos dos símplices, tais como o são eles mesmos, dizem que a graça

da salvação nos foi dada, porque Deus ordenou que Seu filho deveria redimir a humanidade

e, portanto, ela é comum a todos.

Mas São Paulo falou de outra forma; e os homens não podem por tais argumentos infantis

estragar a doutrina do Evangelho, porque é dito claramente, que Deus nos salvou. Isto se

refere a todos, sem exceção? Não; ele fala somente dos fiéis. Mais uma vez, São Paulo

inclui todo o mundo? Alguns foram chamados pela pregação, e ainda assim eles se fizeram

indignos da salvação que foi oferecida a eles, por isso eles foram reprovados. Deus deixou

outros em sua incredulidade, os quais nunca ouviram a pregação do Evangelho.

Portanto São Paulo dirigiu-se de forma clara e precisa àqueles a quem Deus tinha escolhido

e reservado para Si mesmo. A bondade de Deus nunca será vista em sua verdadeira luz,

nem honrada como merece, a menos que saibamos que Ele não quer nos fazer permanecer

na destruição geral da humanidade; na qual Ele deixou aqueles que são semelhantes a

nós, de quem nós não diferimos, pois não somos melhores do que eles, mas assim aprouve

a Deus. Portanto, todas as bocas devem ser silenciadas; os homens não devem presumir

tomar nada para si mesmos, a não ser louvar a Deus, ao confessarem-se devedores a Ele

por toda a sua salvação.

Façamos agora algumas observações sobre as outras palavras utilizadas por São Paulo

nesta passagem. É verdade que a eleição de Deus jamais poderia ser proveitosa para nós,

nem ela poderia vir até nós, a não ser que nós tomássemos conhecimento dela por meio

do Evangelho; por esta causa aprouve a Deus revelar o que Ele tinha mantido em segredo

antes dos tempos dos séculos. Mas, para declarar seu significado mais claramente, acres-

centa que esta graça nos é revelada agora. E como? “Pela aparição de nosso Salvador

Jesus Cristo”. Quando ele diz que esta graça nos é revelada pela aparição de Jesus Cristo,

Ele mostra que devemos ser mui ingratos, se não conseguimos nos contentar e descansar

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na graça do Filho de Deus. O que podemos procurar mais? Se pudéssemos subir além das

nuvens, e procurar os segredos de Deus, qual seria o resultado disso? Não seria para veri-

ficar que somos Seus filhos e herdeiros?

Ora, conhecemos essas coisas, porque são claramente trazidas à luz em Jesus Cristo. Por

que se diz que todos os que nEle creem gozam o privilégio de serem filhos de Deus. Por-

tanto, não devemos desviar destas coisas nem um jota, se quisermos nos certificar de nos-

sa eleição. São Paulo já nos mostrou, que Deus nunca nos amou, nem nos escolheu, senão

apenas na pessoa de Seu Filho amado. Quando Jesus Cristo apareceu Ele revelou-nos a

vida, caso contrário, nunca poderíamos ter sido participantes da mesma. Ele nos fez conhe-

cer o conselho eterno de Deus. Mas é presunção que os homens tentem saber mais do que

Deus quer que eles saibam.

Se andarmos com sobriedade e reverentemente em obediência a Deus, dando ouvidos e

recebendo o que Ele diz na Sagrada Escritura, o caminho será aplainado diante de nós.

São Paulo diz que quando o Filho de Deus apareceu no mundo, Ele abriu os nossos olhos,

para que pudéssemos saber que Ele foi gracioso para conosco, antes da fundação do

mundo. Fomos recebidos como Seus filhos, e contados como justos; de modo que não

precisamos duvidar de que o reino dos céus está preparado para nós. Não que nós o te-

nhamos ganhado pelos nossos próprios méritos, mas porque ele pertence a Jesus Cristo,

que nos torna participantes com Ele mesmo.

Quando São Paulo fala da revelação de Jesus Cristo, diz: “trouxe à luz a vida e a incorrup-

ção pelo Evangelho” (2 Timóteo 1:10). Aqui não só é dito que Jesus Cristo é o nosso

salvador, mas que Ele é enviado para ser um mediador, para nos reconciliar com o sacrifício

da Sua morte; Ele é enviado para nós, como um Cordeiro sem mácula; para nos purificar e

fazer satisfação por todas as nossas transgressões; Ele é o nosso penhor, para nos livrar

da condenação da morte; Ele é a nossa justiça; Ele é o nosso advogado, que intercede

junto a Deus para que Ele ouça nossas orações. Devemos reconhecer que, todas essas

qualidades pertencem a Jesus Cristo, se quisermos compreender corretamente por que Ele

apareceu. Temos de olhar para a substância contida no Evangelho. Devemos saber que

Jesus Cristo apareceu como nosso salvador, e que Ele sofreu para a nossa salvação; e

que fomos reconciliados com Deus Pai através de Seus meios; que fomos purificados de

todos os nossos defeitos, e libertos da morte eterna. Se nós não soubermos que Ele é o

nosso advogado, que Ele nos ouve quando oramos a Deus, a fim de que nossas orações

possam ser respondidas, o que será de nós, que confiança podemos ter ao recorrer ao

nome Deus, que é a fonte da nossa salvação? Mas São Paulo, diz: Jesus Cristo tem cum-

prido todas as coisas que eram necessárias para a redenção dos homens.

Se o Evangelho for rejeitado, de que vantagem seria para nós que o Filho de Deus sofreu

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a morte e ressuscitou ao terceiro dia para nossa justificação? Tudo isso seria inútil para

nós. Portanto, o Evangelho nos põe na posse dos benefícios que Jesus Cristo comprou pa-

ra nós. E, por isso, ainda que esteja ausente de nós no corpo, e não esteja familiarizado

conosco aqui na terra, isto não significa que Ele se retirou, como se não fosse possível

encontrá-lO, pois o sol que brilha não ilumina mais o mundo do que Jesus Cristo revela-Se

abertamente para aqueles que têm os olhos da fé para olhar para Ele, quando o Evangelho

é pregado. Por isso São Paulo fala daqueles a quem Jesus Cristo trouxe à luz da vida, sim,

à vida eterna.

Ele diz, o Filho de Deus aboliu a morte. E como Ele a aboliu? Se Ele não tivesse oferecido

um sacrifício eterno para apaziguar a ira de Deus, se Ele não tivesse entrado no abismo

para nos tirar de lá; se Ele não tivesse tomado a nossa maldição sobre Si mesmo, se Ele

não tivesse tirado o fardo com o qual fomos esmagados debaixo, o que teria sido de nós?

Será que a morte teria sido destruída? Não, o pecado reinaria em nós, e a morte também.

E, de fato, que cada um examine a si mesmo, e veremos que somos escravos de Satanás,

que é o príncipe da morte. Assim nós permaneceremos encerrados nesta escravidão

miserável, a menos que Deus destrua o Diabo, o pecado e a morte. E isso é feito, mas

como? Ele aboliu os nossos pecados pelo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, embora sejamos pobres pecadores, e em perigo do julgamento de Deus, entre-

tanto o pecado não pode nos ferir; a picada, que é venenosa, está tão embotada que não

pode ferir-nos, pois Jesus Cristo trinfou vitoriosamente sobre ele. Ele não sofreu o derrama-

mento do Seu sangue em vão; mas foi uma lavagem com que fomos lavados através do

Espírito Santo, como é mostrado por São Pedro. E assim vemos claramente que quando

São Paulo fala do Evangelho, no qual Jesus Cristo apareceu, e aparece diariamente para

nós, ele não se esquece de Sua morte e paixão, nem das coisas que dizem respeito à

salvação [...].

Podemos estar seguros de que na Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, temos tudo o que

podemos desejar; temos confiança total e perfeita na bondade de Deus, e amor que Ele

nos dá. Mas vemos que os nossos pecados nos separam de Deus, e causam uma guerra

em nossos membros; embora tenhamos uma expiação por meio de nosso Senhor Jesus

Cristo. E por que isso? Porquanto derramou Seu sangue para lavar os nossos pecados; Ele

ofereceu um sacrifício pelo qual Deus reconciliou-se conosco; para ser breve: Ele tomou a

maldição, para que sejamos abençoados por Deus. Além disso, Ele venceu a morte, e

triunfou sobre ela; para que Ele possa nos livrar da tirania dela; que de outra forma total-

mente nos subjugaria.

Assim, vemos que todas as coisas que pertencem à nossa salvação são realizadas em

nosso Senhor Jesus Cristo. E para que possamos entrar em plena posse de todos esses

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benefícios nós devemos reconhecer que Ele se revela a nós diariamente por Seu Evan-

gelho. Embora Ele habite em Sua glória celestial, se abrirmos os olhos da nossa fé iremos

contemplá-lO. Devemos aprender a não separar o que o Espírito Santo tem unido. Obser-

vemos o que São Paulo quis dizer com a comparação para magnificar a graça que Deus

mostrou para o mundo depois da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; como se dissesse,

os antigos pais não tinham essa vantagem, de ter Jesus Cristo revelado a eles, como Ele

apareceu para nós.

É verdade, eles tinham a mesmíssima fé; e a herança do céu é deles, assim como nossa;

Deus revelou Sua graça para eles, assim como para nós, mas não em semelhante medida,

pois eles viram Jesus Cristo ao longe, sob as figuras da lei, como São Paulo diz aos Corín-

tios. O véu do templo estava ainda estendido, pelo que os judeus não podiam aproximar-

se do santuário, isto é, o santuário material. Mas agora, o véu do templo sendo removido,

nós nos aproximamos à majestade do nosso Deus, chegamos mais familiarmente a Ele,

em Quem habita toda a perfeição e glória. Em suma, temos a substância, ao passo que

eles tinham, somente a sombra (Colossenses 2:17).

Os antigos pais submeteram-se inteiramente a suportar a aflição de Jesus Cristo; como é

dito no capítulo 11 de Hebreus; por isso não é dito que Moisés suportou a vergonha de

Abraão, mas de Jesus Cristo. Assim, os antigos pais, embora tenham vivido sob a lei, ofere-

ceram-se a Deus em sacrifício, por suportar mais pacientemente as aflições de Cristo. E

agora, Jesus Cristo tendo ressuscitado dos mortos, é quem trouxe à luz a vida. Se somos

tão delicados que não podemos suportar as aflições do Evangelho, não somos dignos de

sermos riscados do livro de Deus, e rejeitados? Portanto, devemos ser constantes na fé, e

prontos para sofrer pelo nome de Jesus Cristo, tudo o que a Deus aprouver; porque a vida

é colocada diante de nós, e nós temos um conhecimento mais familiar do que do que os

antigos pais tiveram.

Nós sabemos como os antigos pais eram atormentados por tiranos e inimigos da verdade,

e como eles sofriam constantemente. A condição da Igreja não é mais grave nestes dias,

do que era então. Pois, agora Jesus Cristo trouxe a vida e a imortalidade à luz, através do

Evangelho. Todas as vezes que a graça de Deus é pregada para nós, é tanto como se o

reino dos céus se abrisse para nós; como se Deus estendesse a mão, e nos assegurasse

de que a vida está próxima; e que Ele nos fará participantes de Sua herança celestial. Mas

quando olhamos para esta vida, que foi comprada por nosso Senhor Jesus Cristo, não de-

vemos hesitar em abandonar tudo o que temos neste mundo, para alcançarmos o tesouro

de cima, que está nos Céus.

Portanto, não sejamos cegos voluntariamente; vendo Jesus Cristo expressando diariamen-

te diante de nós a vida e a imortalidade mencionadas aqui. Quando São Paulo fala da vida,

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e acrescenta a imortalidade, é como se ele dissesse, nós já entramos no reino do Céu, pela

fé. Apesar de sermos tão estranhos aqui abaixo, à vida e à graça de que somos feitos

participantes por nosso Senhor Jesus Cristo, devemos dar o seu fruto no tempo conve-

niente; a saber, quando Ele for enviado de Deus Pai para nos mostrar o efeito das coisas

que são diariamente pregadas, que foram cumpridas em Sua Pessoa quando Ele estava

revestido de humanidade.

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O Mistério da Piedade

“E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se

manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado

aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória.” (1 Timóteo 3:16)

São Paulo exortou Timóteo a comportar-se em seu ofício; mostrando-lhe que honra Deus

lhe tinha concedido, em que Ele o estabeleceu para governar a Sua casa. Mostrou-lhe tam-

bém que o próprio ofício era honroso; porque a igreja sustenta a verdade de Deus neste

mundo, e que não há nada mais precioso, ou que mais deve ser buscado do que conhecer

a Deus, e adorá-lO e servi-lO, e ser irrepreensível em Sua verdade, para que possamos,

assim, alcançar a salvação. Tudo isso é mantido seguro para nós: e assim, tão grande te-

souro é entregue ao nosso cuidado, por meio da igreja; de acordo com as palavras de São

Paulo. Esta verdade é mui digna de ser mais altamente estimada do que é.

Que coisa misteriosa é essa, e quão maravilhosa é a questão: que Deus manifestou-Se em

carne, e tornou-Se homem! Será que isso até agora não ultrapassa o nosso entendimento,

de forma que quando somos informados disso, ficamos assombrados? No entanto, não

obstante, temos uma prova plena e suficiente, que Jesus Cristo sendo feito homem, e su-

jeito à morte, é também o Deus verdadeiro, que fez o mundo e vive para sempre. Disso, o

Seu poder celestial nos dá testemunho. Mais uma vez, temos outras provas: a saber, Ele

foi pregado aos gentios; que antes estavam banidos do reino de Deus, e esta fé teve o seu

curso em todo o mundo, a qual naquele tempo estava limitada entre os judeus; e da mesma

forma Cristo Jesus foi elevado às alturas, e entrou na glória, e está assentado à destra de

Deus Pai.

Se os homens desprezam estas coisas, sua ingratidão será condenada, porque os próprios

anjos por isso chegaram ao pleno conhecimento daquilo que antes eles não conheciam.

Porque aprouve a Deus esconder deles os meios de nossa redenção, a fim de que a Sua

bondade seja maravilhosíssima a todas as criaturas: assim, percebemos o sentido do que

escreve São Paulo. Ele chama a igreja de Deus de o baluarte da Sua verdade; ele também

demonstra que esta verdade é como um tesouro, devendo ser altamente estimada por nós.

E por que isso? Observemos o conteúdo do Evangelho; Deus humilhou-Se, de tal maneira,

que Ele tomou sobre Si nossa carne; para que nós nos tornássemos Seus irmãos. Quem é

o Senhor da glória, para que Ele tanto humilhasse a Si mesmo como a juntar-se a nós, e

tomar sobre Si a forma de servo, até mesmo a sofrer a maldição que era devida a nós? São

Paulo compreendeu todas as coisas que Jesus Cristo recebeu em Sua pessoa; a saber,

que Ele esteve sujeito a todas as nossas fraquezas, mas, sem pecado.

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É verdade que não há nenhum defeito nEle, antes toda pureza e perfeição. Ainda assim é:

Ele tornou-Se fraco como nós somos, para que Ele pudesse ter compaixão e ajudar a nossa

fraqueza; como está estabelecido na epístola aos Hebreus (4:15). Aquele que não tinha

pecado sofreu a punição a nós devida; e foi, por assim dizer, maldito de Deus o Pai, quando

Ele Se ofereceu em sacrifício: de modo que através de Seus meios nós fôssemos bem-

aventurados; e que Sua graça, antes oculta a nós, fosse derramada sobre nós. Quando

consideramos essas coisas, não temos ocasião para estar maravilhados? Nós conside-

ramos que Ser Deus é? Nós podemos, em nenhuma sabedoria alcançar a Sua majestade,

que contém todas as coisas em Si; a qual mesmo os anjos adoram.

O que há em nós? Se lançarmos os nossos olhos sobre Deus, e, em seguida, adentramos

em uma comparação, ai de mim! Chegaremos perto dessa altura que sobrepuja os céus?

Não, antes podemos ter qualquer familiaridade com isso? Pois não há nada senão podridão

em nós; nada, a não ser o pecado e a morte. Então deixem vir o Deus vivo, a fonte da vida,

de glória eterna, e de poder infinito; e não apenas aproximar-se de nós, de nossas misérias,

nossa desventura, nossa fragilidade, e este abismo sem fundo de toda iniquidade, que há

nos homens; deixem que não somente a majestade de Deus se aproxime disso, mas que

Ele Se una a isso, e faça-Se um com isso, na Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo! O que

é Jesus Cristo? Deus e Homem! Mas como Deus e Homem? Que diferença há entre Deus

e o Homem? Sabemos que não há nada em nossa natureza, senão miséria e desventura;

nada senão um abismo sem fundo de odor fétido e infecção; e ainda assim, na Pessoa de

nosso Senhor Jesus Cristo, nós vemos a glória de Deus que é adorada pelos anjos, e tam-

bém a fraqueza do homem; e que Ele é Deus e Homem. Não é isto algo secreto e oculto,

digno de ser estabelecido em palavras, e da mesma forma suficiente para arrebatar os

nossos corações! Os próprios anjos nunca poderiam ter pensado sobre isso, como aqui é

observado por São Paulo. Considerando isso, aprouve ao Espírito Santo expressar a bon-

dade de Deus, e mostrar-nos que devemos estimar isso como tão preciosa joia, cuidemos

de nossa parte para que não sejamos ingratos, e tenhamos as nossas mentes caladas, de

tal maneira que não provaremos disso, se não pudermos completa e perfeitamente com-

preendê-lo.

É o suficiente para nós para termos algum pouco conhecimento sobre este assunto; cada

um deve contentar-se com a luz que lhe é dada, considerando a fraqueza de nosso julga-

mento; e anelando pelo dia em que o que agora vemos em parte, será total e perfeitamente

revelado a nós. Ainda assim, não obstante, nós devemos empregar nossas mentes e os

estudos neste caminho. Por que São Paulo chama isso de um mistério de fé, que Jesus

Cristo, que é Deus eterno, manifestou-Se em carne? É como se ele dissesse, quando so-

mos unidos a Deus, e feitos um só corpo com o Senhor Jesus Cristo, devemos contemplar

o fim para o qual fomos criados; a saber, que possamos conhecer que Deus está unido e

feito um conosco na Pessoa de Seu Filho.

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Assim, devemos concluir que nenhum homem pode ser um Cristão, a menos que ele co-

nheça este segredo que é descrito por São Paulo. Devemos agora examinar, e questionar

homens e mulheres se eles conhecem o que significam essas palavras, que Deus foi mani-

festado em carne, malmente um a cada dez poderia produzir tão boa resposta quanto a

que seria esperada de uma criança. E, no entanto, não precisamos nos maravilhar com is-

so; pois vemos que negligência e desprezo há na maior parte da humanidade. Nós mostra-

mos e ensinamos diariamente em nossos sermões, que Deus tomou sobre Si a nossa

natureza; mas como os homens de fato nos ouvem? Quem há aqui que se aflija sobre-

maneira para ler a Escritura? Há pouquíssimos que observam essas coisas; cada homem

está ocupado com seu próprio negócio.

Se há um dia da semana reservado para a instrução religiosa, quando eles passaram seis

dias em seu próprio negócio, eles estão aptos para passar o dia que é separado para o cul-

to, em jogo e passatempo; alguns vagueiam ao redor dos campos, outros vão para as taber-

nas para beber em grandes tragos; e há, sem dúvida, neste momento, muitos como os últi-

mos mencionados aqui enquanto eles estão reunidos em nome de Deus. Portanto, quando

vemos tantos evitando e fugindo dessa doutrina, podemos nos maravilhar que haja tal bru-

talidade, de modo que não conheçamos os rudimentos do Cristianismo? Estamos aptos a

considerar como uma língua estranha, quando os homens nos dizem que Deus Se mani-

festou em carne.

Todavia esta sentença não pode ser retirada do registro de Deus. Nós não temos nenhuma

fé, se não sabemos que o nosso Senhor Jesus Cristo está unido a nós, para que nos torne-

mos Seus membros. Parece que Deus nos compele a pensar sobre este mistério, vendo

que somos tão sonolentos e apáticos. Vemos como o Diabo incitou aqueles antigos rixosos

para que negassem a humanidade de Jesus Cristo e Sua Divindade, e, por vezes, mistura-

ram a ambos; para que não percebêssemos as duas naturezas distintas nEle, ou então

para nos levar a crer que Ele não é o Homem que cumpriu as promessas da Lei; e, conse-

quentemente, descendeu da linhagem de Abraão e Davi.

É realmente o caso, que tais erros e heresias como havia na igreja de Cristo, no início, es-

tão estabelecidas nestes dias? Observemos bem as palavras que são utilizadas aqui por

São Paulo: Deus se manifestou em carne. Quando ele chama Jesus Cristo de Deus, ele

admite esta natureza que Ele tinha antes que o mundo existisse. É verdade, há somente

um Deus, mas nesta única essência devemos compreender o Pai, e uma sabedoria que

não pode ser separada dEle, e uma virtude eterna, que sempre esteve, e sempre será dEle.

Assim, Jesus Cristo era verdadeiramente Deus! Como Ele era a sabedoria de Deus antes

que o mundo fosse feito, e antes da eternidade. Diz-se que Ele se manifestou em carne.

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Pela palavra carne, São Paulo nos dá a entender que Ele era verdadeiro Homem, e tomou

sobre Si a nossa natureza. Pela palavra manifesto, Ele mostra que nEle havia duas natu-

rezas. Mas não devemos pensar que há um Jesus Cristo que seja Deus, e um outro Jesus

Cristo, que seja Homem! Mas devemos somente compreendê-lO como Deus e Homem.

Distingamos, então, as duas naturezas que há nEle, para que saibamos que o Filho de

Deus é nosso Irmão. Deus suporta as antigas heresias, que em tempos passados conturba-

ram a igreja, para produzir mais uma vez um movimento, em nossos dias, para estimular-

nos à diligência. O Diabo prossegue prestes a destruir este artigo de nossa crença, sabendo

que esse é o principal suporte e esteio de nossa salvação.

Se não tivermos esse conhecimento que São Paulo fala, o que será de nós? Estamos todos

no abismo da morte. Não há nada além de morte e condenação em nós, até que saibamos

que Deus desceu para buscar-nos e salvar-nos. Até que sejamos assim ensinados, somos

fracos e miseráveis. Portanto, o Diabo andou fazendo tudo que pôde para abolir este

conhecimento, para estraga-lo e misturá-lo com mentiras, para que ele pudesse arruinar

isso completamente. Quando nós vemos tal majestade em Deus, como ousamos presumir

nos aproximar dEle, vendo que somos cheios de miséria! Devemos recorrer a esta conexão

da majestade de Deus, e do estado de natureza do homem, juntamente.

Façamos o que pudermos, nós nunca teremos qualquer esperança, ou seremos capazes

de lançar mão da generosidade e bondade de Deus, de forma a retornar a Ele, e invocá-

lO, até que conheçamos a majestade de Deus que está em Jesus Cristo; e também a fra-

queza da natureza humana, que Ele recebeu de nós. Estamos totalmente desprovidos do

reino dos céus, o portão está fechado contra nós, de modo que não podemos entrar nele.

O Diabo tem aplicado toda a sua astúcia para perverter esta doutrina; vendo que a nossa

salvação está fundamentada nela. Devemos, portanto, estar tanto mais confirmados e for-

talecidos na mesma; para que nunca sejamos abalados, mas permaneçamos firmes na fé,

que está contida no evangelho.

Antes de tudo, temos esta observação, que nunca conheceremos que Jesus Cristo é nosso

Salvador, até que saibamos que Ele era Deus desde a eternidade. Aquilo que foi escrito ao

Seu respeito por meio de Jeremias, o profeta, necessita ser cumprido: “Mas o que se gloriar,

glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor” (Jeremias 9:24). São

Paulo demonstra que isto deve ser aplicado à Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, e por

isso ele protesta que não se propôs a saber qualquer doutrina ou conhecimento, apenas

para conhecer a Jesus Cristo.

Novamente, como é possível que tenhamos a nossa vida nEle, a menos que Ele seja o

nosso Deus, e nós sejamos mantidos e preservados pela Sua virtude? Como podemos co-

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locar a nossa confiança nEle? Porque está escrito: “Assim diz o Senhor: Maldito o homem

que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!” (Je-

remias 17:5). Mais uma vez, como podemos ser preservados da morte, exceto pelo poder

infinito de Deus? Mesmo que a Escritura não desse nenhum testemunho da Divindade de

Jesus Cristo, é impossível que nós O reconheçamos como nosso Salvador, a não ser que

admitamos que Ele possui toda a majestade de Deus; a não ser que nós reconheçamos

que Ele é o verdadeiro Deus; porque Ele é a sabedoria do Pai através do qual o mundo foi

feito, preservado e mantido em sua existência. Portanto, estejamos completamente resol-

vidos neste momento, sempre que falamos de Jesus Cristo, para que elevemos nossos

pensamentos ao alto, e adoraremos essa majestade que Ele tinha desde a eternidade, e

esta essência infinita que Ele desfrutou antes que Ele Se vestisse em humanidade.

Cristo foi manifestado em carne, isto é, tornou-se homem; semelhante a nós em tudo, mas

sem pecado (Hebreus 4:15). Onde ele diz, mas sem pecado, ele quer dizer que o nosso

Senhor Jesus era sem culpa ou defeito. No entanto, não obstante, Ele não se recusou a

carregar os nossos pecados: Ele tomou esse fardo sobre Si, para que nós, por Sua graça,

fôssemos aliviados. Não podemos conhecer a Jesus Cristo como sendo um Mediador entre

Deus e o homem, a não ser que O contemplemos como Homem. Quando São Paulo anelou

encorajar-nos a clamar por Deus em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, ele expressa-

mente Lhe chama de homem. São Paulo diz: “Há um só Deus e um só Mediador entre Deus

e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Timóteo 2:5). Sob esta consideração, podemos, em

Seu nome, e por Suas mediações vir familiarmente a Deus, sabendo que somos Seus

irmãos, e Ele é o Filho de Deus. Vendo que não há nada, senão pecado na humanidade,

precisamos também encontrar justiça e vida em nossa carne. Portanto, se Cristo não Se

tornou verdadeiramente o nosso Irmão, se Ele não foi feito homem semelhante a nós, em

que condições estamos? Consideremos agora a Sua vida e paixão.

Diz-se (falando de Cristo), “Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou,

para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hebreus 9:26). E por que isso? São

Paulo nos mostra a razão em Romanos 5:18: “Pois assim como por uma só ofensa veio o

juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio

a graça sobre todos os homens para justificação de vida”. Se não conhecemos isso, que o

pecado que foi cometido em nossa natureza, foi reparado em própria idêntica natureza, em

que situação nós estamos? Sobre que fundamento nós mesmos podemos permanecer?

Portanto, a morte de nosso Senhor Jesus Cristo não poderia beneficiar-nos minimamente,

a menos que Ele fosse feito Homem, semelhante a nós.

Novamente, se Jesus Cristo fosse apenas Deus, poderíamos ter alguma certeza ou pro-

messa em Sua ressurreição, de que devemos um dia ressuscitar novamente? É verdade

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que o Filho de Deus ressuscitou; quando ouvimos dizer, que o Filho de Deus tomou sobre

Si um corpo semelhante ao nosso, veio da geração de Davi, que Ele ressuscitou (vendo

que a nossa natureza é por si só corruptível), e é elevado nas alturas à glória, na Pessoa

de nosso Senhor Jesus Cristo “somos levados a assentar nos lugares celestiais em Cristo

Jesus” (Efésios 2:6). Por isso, aqueles que procuraram reduzir a nada a natureza do Ho-

mem, na Pessoa do Filho de Deus, devem ser os mais abominados. Pois, o Diabo levantou-

se nos tempos antigos alguns indivíduos que declararam que Jesus Cristo manifestou-Se

em forma de homem, mas não tinha a verdadeira natureza de homem; esforçando-se, as-

sim, para abolir a misericórdia de Deus para conosco, e destruir completamente a nossa fé.

Outros imaginaram que Ele trouxe um corpo com Ele do céu; como se Ele não participasse

de nossa natureza. Declarou-se que Jesus Cristo tinha um corpo desde a eternidade; com-

posto por quatro elementos; de forma que a Deidade estava, naquele tempo, em uma forma

visível, e que sempre que os anjos apareceram, era o Seu corpo. Que insensatez é fazer

tal alquimia, para formar um corpo para o Filho de Deus! O que devemos fazer com aquela

passagem que diz: “Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descen-

dência de Abraão. Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser

misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do

povo” (Hebreus 2: 16-17).

Diz-se. Ele tomou sobre Si a nossa carne, e tornou-se nosso Irmão. Sim, e que Ele foi feito

semelhante a nós, para que pudesse compadecer-Se de nós, e ajudar as nossas fraquezas.

Ele foi feito a descendência de Davi, para que pudesse ser conhecido como o Redentor

que foi prometido, a quem os pais esperaram em todas as épocas. Lembremo-nos do que

está escrito: o Filho de Deus Se manifestou em carne; ou seja, Ele tornou-Se de fato Ho-

mem, e nos fez um com Ele; de modo que agora podemos chamar Deus de nosso Pai. E

por que isso? Porque somos do corpo de Seu Filho Único. Mas, como somos de Seu corpo?

Porque Ele Se agradou em juntar-Se a nós, para que fôssemos participantes de Sua

substância.

Nisto vemos que não é uma vã especulação, quando os homens dizem-nos que Jesus

Cristo revestiu-Se de nossa carne; para mais perto devemos chegar, se queremos ter um

verdadeiro conhecimento da fé. É impossível que confiemos nEle corretamente, a menos

que compreendamos Sua humanidade; devemos também conhecer a Sua majestade, an-

tes que possamos confiar nEle para a salvação. Devemos saber, ainda, que Jesus Cristo é

Deus e Homem, e semelhantemente que Ele é apenas uma Pessoa.

Aqui, novamente, o Diabo tenta atiçar as brasas da contenda, ao perverter ou dissimular a

doutrina que São Paulo nos ensina. Pois tem havido hereges que têm se esforçado para

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sustentar que a majestade e Divindade de Jesus Cristo, a Sua essência celeste, foram ime-

diatamente transformadas em carne e humanidade. Assim alguns dizem, com muitas outras

blasfêmias malditas, que Jesus Cristo tornou-Se Homem. O que se seguirá neste ponto?

Deus deve renunciar a Sua natureza, e Sua essência espiritual deve ser transformada em

carne. Eles vão mais longe e dizem que Jesus Cristo já não é mais Homem, mas Sua carne

tornou-se Deus.

Estes são maravilhosos alquimistas, para produzir tantas novas naturezas de Jesus Cristo.

Assim, o Diabo levantou esses sonhadores em tempos passados, para perturbar a fé da

Igreja; os quais são agora renovados em nosso tempo. Por isso, observemos bem o que

São Paulo nos ensina nesta passagem; pois ele nos oferece uma boa armadura, para que

possamos nos defender contra tais erros. Se quisermos contemplar a Jesus Cristo em Seu

verdadeiro caráter, vejamos nEle essa glória celestial, que Ele tinha desde a eternidade, e

em seguida, venhamos à Sua humanidade, que foi descrita até aqui; para que possamos

distinguir as Suas duas naturezas. Isso é necessário para nutrir a nossa fé.

Se buscamos obter vida em Jesus Cristo, devemos entender que Ele tem toda a Divinda-

de nEle; porque está escrito: “Porque em ti está o manancial da vida; na tua luz veremos a

luz” (Salmos 36:9). Se quisermos estar guardados contra o Diabo, e resistir às tentações

de nossos inimigos, devemos saber que Jesus Cristo é Deus. Para ser breve, se quiser-

mos colocar toda a nossa confiança nEle, devemos saber que Ele possui todo o poder, o

qual Ele não poderia ter, a menos que Ele fosse Deus. Quem é Aquele que tem todo o

poder? É Aquele que Se tornou o frágil e fraco; Filho da virgem Maria; Aquele que esteve

sujeito à morte; Aquele que levou os nossos pecados: Ele é este que é a fonte da vida.

Nós temos dois olhos na nossa cabeça, cada um desempenhando a sua função, mas quan-

do olhamos firmemente sobre algo, a nossa visão, que é separada em si mesma, une-se,

e torna-se uma; e é totalmente ocupada em contemplar o que está diante de nós, desta for-

ma, existem duas diferentes naturezas em Jesus Cristo. Há algo no mundo mais diferente

do que o corpo e alma do homem? Sua alma é um espírito invisível que não pode ser visto

ou tocado; que não tem nenhuma dessas paixões carnais. O corpo é uma massa informe

corruptível, sujeito à podridão; uma coisa visível que pode ser tocada: o corpo tem as suas

propriedades, as quais são totalmente diferentes daquelas da alma. E, assim, questiona-

mos: o que é o homem? Uma criatura, formada de corpo e alma. Se Deus usou de tal feitura

em nós, quando Ele nos fez de duas naturezas diversas, por que deveríamos achar estra-

nho, que Ele empreendeu um milagre muito maior em Jesus Cristo? São Paulo usa essas

palavras: “se manifestou”, para que possamos distinguir Sua Divindade de Sua humanida-

de; para que possamos recebê-lO como Deus manifestado em carne; isto é, Aquele que é

verdadeiramente Deus, e ainda assim fez-Se um conosco: portanto, somos os filhos de

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Deus; sendo Ele nossa justificação, somos libertos do fardo de nossos pecados. Conside-

rando que Ele nos purificou de toda a nossa miséria, nós temos riquezas perfeitas nEle; em

suma, considerando que Ele submeteu-Se à morte, estamos agora assegurados da vida.

São Paulo acrescenta: “Foi justificado no espírito”. A palavra “justificado” é muitas vezes

utilizada na Escritura, como aprovado. Quando se diz, “Ele foi justificado”, não é que Ele

tornou-se justo, não é que Ele foi absolvido pelos homens, como se fossem Seus juízes, e

que Ele se obrigou a dar-lhes uma explicação; não, não; não existe tal coisa; mas isto é

quando a glória é dada a Ele, a qual Ele merece, e nós O confessamos ser o que realmente

Ele é. O que é dito é isso: o evangelho é justificado quando os homens o recebem, em

obediência, e por meio da fé, submetendo-se à doutrina que Deus ensina; assim neste

lugar, diz-se que Jesus Cristo foi justificado no espírito.

Não devemos nos contentar, olhando para a presença corporal de Jesus Cristo, que era

visível, mas temos de olhar mais alto. São João diz que Deus Se fez carne; ou a Palavra

de Deus, que é o mesmo. A Palavra de Deus, que era Deus antes da criação do mundo,

Se fez carne; isto é, Se uniu à nossa natureza; de modo que o Filho da virgem Maria é

Deus; sim, o Deus eterno! Seu infinito poder foi ali manifestado; que é um seguro teste-

munho de que Ele é verdadeiro Deus! São Paulo diz: Jesus Cristo, nosso Senhor nasceu

da descendência de Davi; Ele também acrescenta: Ele foi declarado ser o Filho de Deus

(Romanos 1).

Não é o suficiente para nós que O contemplemos com nossos olhos naturais; pois, neste

caso, nós não subiremos mais alto do que o homem, mas quando vemos, que por meio de

milagres e prodígios, Ele mostra a Si mesmo como sendo o Filho de Deus, isto é um selo

e prova que, humilhando a Si mesmo, Ele não excluiu a Sua majestade celestial! Portanto,

podemos ir a Ele como nosso Irmão, e ao mesmo tempo adorá-lO como o Deus eterno; por

meio de quem fomos feitos, e por quem somos preservados.

Se não fosse por isso, não poderíamos ter nenhuma igreja; se não fosse isso, não podería-

mos ter nenhuma religião; se não fosse isso, não teríamos nenhuma salvação. Seria melhor

para nós que fôssemos animais irracionais, sem razão e compreensão, do que estivés-

semos destituídos desse conhecimento: a saber, que Jesus veio e uniu a Sua Divindade à

nossa natureza, que era tão desventurada e miserável. São Paulo declara que isso é um

mistério; para que não possamos ir a ele com orgulho e arrogância, como muitos fazem, os

quais desejam ser julgados sábios; isto tem produzido o aparecimento de muitas heresias.

E, de fato, o orgulho sempre foi a mãe das heresias.

Quando ouvimos esta palavra: “mistério”, lembremo-nos de duas coisas: em primeiro lugar,

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que nós aprendamos a nos manter sob os nossos sentidos, e não nos gloriemos de possuir-

mos conhecimento e capacidade suficientes para compreender tão vasto assunto. Em se-

gundo lugar, aprendamos a ir além de nós mesmos, e a reverenciar esta majestade que

excede todo o nosso entendimento. Não devemos ser lentos nem sonolentos; mas con-

siderar essa doutrina, e nos esforçarmos para que nos tornemos instruídos nela. Quando

adquirirmos algum pouco conhecimento sobre ela, devemos nos esforçar para beneficiar-

nos com isso, todos os dias de nossa vida.

Quando nós obtivermos esse conhecimento, de forma que o Filho de Deus esteja unido a

nós, deveríamos lançar nossos olhos naquilo que é tão altamente estabelecido nEle; isto é,

a virtude e o poder do Espírito Santo. Então, Jesus Cristo não apenas evidenciou-Se como

homem, mas mostrou-Se de fato que Ele era o Deus Todo-Poderoso, visto que toda a ple-

nitude da Divindade habitou nEle. Se uma vez conhecermos isso, bem podemos perceber

que não é sem razão que São Paulo diz que todos os tesouros da sabedoria estão escon-

didos em nosso Senhor Jesus Cristo.

Quando uma vez lançarmos mão das promessas deste Mediador, e conheceremos a altura

e profundidade, o comprimento e a largura, sim, e tudo que é necessário para nossa salva-

ção, para que possamos firmar a nossa fé nEle, como sobre o único verdadeiro Deus; e

também contemplá-lO como nosso Irmão; que não somente aproximou-Se de nós, mas

uniu-Se e juntou-Se a nós de tal maneira, que Ele Se tornou de mesma substância. Se vier-

mos a isso, saibamos que chegamos à perfeição da sabedoria, que é falada por São Paulo

em outro lugar; de modo que podemos nos alegrar plenamente na bondade de Deus; pois,

aprouve a Ele nos iluminar com o brilho de Seu Evangelho e nos atrair para o Seu reino

celestial.

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Gloriando-Se Somente na Cruz

de Nosso Senhor Jesus Cristo

“Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus

Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Porque em

Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o

ser uma nova criatura. E a todos quantos andarem conforme esta regra, paz e

misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus. Desde agora ninguém me inquiete;

porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus. A graça de nosso Senhor

Jesus Cristo seja, irmãos, com o vosso espírito! Amém.” (Gálatas 6:14-18)

Nós vimos anteriormente que Paulo condenou aqueles cujo único desejo era o de estar as-

sentados sobre o muro, a fim de agradar ao mundo, e escapar da perseguição. Pois, isso fê-

los torcer o Evangelho, e vemos inúmeros exemplos disso hoje. Considerando que a doutri-

na pura e a verdade de Deus são inaceitáveis para o mundo, mas estes homens ímpios

são indignados contra ele, essas pessoas, eu digo, buscam encontrar alguma maneira de

evitar o surgimento de um sentimento ruim e incorrer em ódio. Sendo assim, se tivéssemos

hoje que entrevistar pessoas com pelo menos algum bom senso, nós dificilmente encontra-

ríamos uma em cem delas que admitiriam que havia erros no Papado. A maioria diria que

não devemos forçá-los a abandonar tudo e que seria suficiente que se livrassem de algu-

mas de suas superstições mais descabidas e absurdas, mesmo que eles continuassem a

nutrir muitas outras corrupções. Por quê? Porque, como já dissemos, eles desejam ser esti-

mados e altamente creditados, e porque é tudo a mesma coisa para eles, visto que traem

a pureza do evangelho, desde que possam permanecer isentos de perseguição. O que é

que os motiva, senão o fato de que eles desejam ser valorizados e adquirir uma boa repu-

tação? Agora, o Diabo, que tem estimulado esse tipo de conflito desde os dias de Paulo,

continua até hoje, e, portanto, precisamos nos armar com esta doutrina. O melhor remédio

é o que Paulo propõe aqui: que rejeitemos toda glória, salvo a que há na cruz de nosso

Senhor Jesus Cristo.

Para compreender isso claramente, devemos, em primeiro lugar, nos lembrar do que está

escrito em Jeremias, e confirmado aqui por Paulo. Em outras palavras, que toda a glória do

homem seja humilhada a fim de que Deus seja exaltado como Ele é digno (Jeremias 9:23-

24). Na verdade, da mesma forma, está escrito que toda a sabedoria que os homens creem

possuir não é nada, e não será tida em consideração; ela deve ser extinta, para que possa-

mos recorrer a Deus, como Aquele que tem toda a abundância de coisas boas em Si mesmo

(Isaías 29:14; 1 Coríntios 1:19). Reconheçamos, eu digo, que toda a sabedoria procede de

Sua livre graça, de modo que somos iluminados pelo Espírito Santo, e, estando fracos,

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fortalecidos pela Sua força. Estando cheios de contaminação e de iniquidade, a justiça pode

ser restaurada em nós de acordo com o Seu dom.

Agora, vamos para os meios. Não é o suficiente que saibamos que Deus é a nossa luz, que

é a nossa justiça, que Ele é a nossa sabedoria, e que Ele é a nossa força; em outras pala-

vras, que em Sua Pessoa há perfeitas vida, alegria e felicidade. Isso é insuficiente, pois ain-

da é muito grande a distância entre Ele e nós. No entanto, precisamos saber como e por

que meios podemos obter todas as graças que buscamos em Deus. Sabemos que todas

elas são comunicadas a nós em Jesus Cristo, pois Ele veio aqui abaixo, anulou a Si mesmo,

e foi crucificado por nós voluntariamente. Portanto, visto que temos que extrair tudo o que

nos falta a partir do Senhor Jesus Cristo, podemos entender por que Paulo diz que ele ape-

nas buscou gloriar-se na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Por quê? Porque Ele sofreu

uma morte cruel e amarga, e até mesmo se expôs ao julgamento de Deus em nosso favor,

recebendo toda a nossa maldição, e desta forma foi dado a nós como a nossa sabedoria,

justiça, santidade, força e tudo o que nós carecemos.

Portanto, em primeiro lugar, precisamos saber quem somos, para que possamos evitar toda

jactância e permanecer, nós mesmos, no Senhor Jesus Cristo. Pois vemos muitas pessoas

transbordando de orgulho que não têm quaisquer motivos para isso. Tudo o que elas

imaginam ser verdade sobre si mesmas não é mais do que vento e fumaça. No entanto,

porque eles não têm se examinado adequadamente para ver com o que eles realmente se

assemelham, eles não têm buscado por Jesus Cristo; tais são esses hipócritas e falsifica-

dos, que estão inchados de presunção por causa de seus “méritos”. Portanto, como já disse,

devemos considerar a nossa condição e ver a extensão desta miséria, até que o Senhor

Jesus tenha piedade de nós. Isto é como nós podemos nos preparar para ir até Ele. Este é

o primeiro ponto.

No entanto, isto não é tudo. Pois, há alguns que confessam que são pecadores, e que eles

não são cheios de nada, a não ser vaidade, e ainda assim continuam a chafurdar na sua

sujeira. Por quê? Porque eles não antecipam o juízo de Deus, e as suas mentes foram em-

baladas para dormir com o mundo. Todas essas pessoas buscadoras de prazer, que se en-

tregam à embriaguez ou obscenidade, e similares, não podem desculpar a sua maldade e,

de fato, elas deveriam ter vergonha disso, e ainda assim elas parecem ter prazer em peca-

dos e continuam neles como que endurecidos. Por quê? Eles foram intoxicados pelo mun-

do, e cegados pelo diabo, de modo que eles não conseguem ver que um dia eles prestarão

contas de si mesmos. Eles têm estupidamente crido que sempre permanecerão como

estão, buscando as coisas más, e que eles nunca terão que suspirar e tremer, mas somente

rir, como se buscassem deliberadamente mostrar desprezo por Deus. Assim, podemos ver

como é que alguns são impedidos (na verdade, eles estão totalmente incapacitados) de

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chegar a Jesus Cristo, seja porque eles presumem ter a sua própria sabedoria, ou porque

eles estão buscando uma falsa concepção que Satanás colocou em suas mentes, ou por-

que acham que eles são sábios o suficiente sem Jesus Cristo. Estas são as razões por que

eles O desprezam. Outros, entre os quais há um número infinito, sabem que são pobres

pecadores, e ainda assim não procuram um remédio. Por quê? Porque este mundo os tem

em seu poder, e eles estão tão envolvidos com ele que não conseguem levantar os seus

olhos ou suas mentes para o alto, a fim de buscar o remédio que foi providenciado em

Jesus Cristo.

Devemos todos, portanto, estar mais preparados para meditar sobre o que eu disse, isto é,

livrar-nos de todo o orgulho e presunção, e sentir tanta vergonha, de forma que não tenha-

mos descanso, até que encontremos alívio no Senhor Jesus Cristo. Que possamos abrir

nossos olhos para ver a nossa depravação e sentir vergonha dela, e não somente isso, mas

também reconhecer que esta vida não é nada, e que Deus nos colocou aqui como em uma

peregrinação, para que Ele possa testar se estamos ou não seguindo-O. Que cada um de

nós, pois, venha, de manhã e à noite, a considerar os nossos pecados, e que eles possam

ser como aguilhões a nos aferroar e encorajar a nos achegarmos a Deus. Não podemos

ser como os animais irracionais, amarrados a este mundo, mas que nossa necessidade nos

conduza a vir ao Senhor Jesus Cristo. Isto é o que significa gloriar-se na cruz do Senhor

Jesus Cristo.

Paulo fala especificamente da cruz aqui, porque ele procura derrubar e pisotear toda altivez

no homem. Pois, nós sempre queremos ser “alguém” e por nós mesmos, e manter certa

dignidade. Portanto, a fim de nos livrar de um tão perverso desejo, Paulo nos mostra que

Jesus Cristo, o Filho de Deus, deve ser a nossa única causa de glória, porque Ele foi cruci-

ficado por nós. Na sequência desta ação, acrescenta que estaremos crucificados para o

mundo e o mundo para nós, quando tivermos aprendido a nos gloriar somente na graça

que o nosso Senhor Jesus Cristo nos proporcionou. Como? Aqueles que não estão crucifi-

cados para o mundo, isto é, aqueles que desejam ter uma posição de alguma autoridade,

e serem importantes, e que solicitam ser tidos em honra e ser promovidos, em outras pala-

vras, aqueles que estão distraídos aqui, ali e em todos os lugares por seus desejos, certa-

mente ainda não conhecem o que é gloriar-se na cruz de Jesus Cristo, pois eles começam

no ponto errado. Eles estão confusos dentro de si mesmos.

Portanto, Paulo pode dizer com confiança que, quando sua glória foi firmada sobre a cruz

do Senhor Jesus Cristo, ele abandonou e deixou o mundo. Por 'mundo' ele quer dizer tudo

o que agrada a nossa carne, para os homens que não pensam sobre Deus nem sobre a

vida eterna, mas são dados à avareza ou ambição. Cada um é controlado por seus próprios

instintos naturais, e nenhum olha para além deste mundo. Quando os homens seguem suas

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inclinações e quando Deus não lhes tocou pelo seu Espírito Santo ou os inclinou para Si

mesmo, é verdadeiro dizer que, embora todos eles se extraviavam e vagueavam, ainda há

uma grande variação em seus desejos, de modo que, quando examinamos o assunto, des-

cobrimos que alguém está indo em uma certa direção, enquanto outro está puxando em

direção completamente oposta. Assim, parece que os homens são muito diferentes uns dos

outros. No entanto, eles são todos iguais em uma área, a saber, que eles querem ser impor-

tantes aos olhos do mundo, e estão entregues ao seu proveito pessoal ou prazer. Em outras

palavras, eles estão tão enredados nas coisas daqui debaixo que não se importam de estar

separados de Deus. Mas Paulo diz que, se toda a nossa glória está em Jesus Cristo, e

conhecendo-a por meio de Sua cruz, Ele nos encaminhou a Deus, o Pai, e garantiu o reino

dos céus para nós, então será fácil para nós nos retirarmos do mundo e nos desligarmos

dele, por assim dizer. Por quê? Quem quer que tenha sido duramente atingido e sobrecar-

regado com um senso de seu próprio pecado certamente buscará a graça que lhe é ofere-

cida em Jesus Cristo, e o mundo será considerado nada para ele.

De fato, nós tratamos todas as riquezas espirituais que Deus nos ofereceu e nos convida a

compartilhar como se fossem nada, porque, em comparação com os enganos e tentações

de Satanás nós não as valorizamos de modo algum. O que é este mundo, quando o con-

templamos como ele é? Nem um de nós vê o quão frágeis nossas vidas são, que elas são

apenas vapor que passa e, em seguida, desaparece. Os homens ainda ardem com luxúria

e são arrebatados e sobrecarregados assim. Quanto a Deus, Ele clama: “Miseráveis pes-

soas! Vocês têm menos senso do que crianças pequenas, em que vocês mesmos se

ocupam com feixes de palha, lixo sem sentido, e todos os tipos de absurdo, e vinculam-se

de todo o coração a estas coisas. No entanto, quando Eu lhes ofereço esta que é a

felicidade perfeita, vocês a ignoram; para vocês não é importante”. Por isso, a razão pela

qual somos tão frios e tão lentos para aceitar as riquezas que Deus nos oferece é que esta-

mos preocupados com as coisas deste mundo. Na verdade, nós valorizamos este mundo

mui altamente. O que nos leva a fazer isso? É porque nós não conhecemos as riquezas

inestimáveis que Deus está nos oferecendo.

Portanto, vamos unir essas duas coisas: ou seja, estejamos crucificados para o mundo e o

mundo para nós, gloriando-nos somente em Jesus Cristo crucificado. Agora isso é mais

fácil de dizer do que fazer, e mesmo assim cada um de nós, onde quer que estejamos, de-

vemos nos esforçar para fazê-lo; uma vez que ouvimos esta doutrina, devemos colocá-la

em prática. Porque, se nós queremos ser estimados e considerados Cristãos diante de

Deus e de Seus anjos, temos que estar de acordo com o que Paulo nos diz aqui; de fato,

se nós não fôssemos de disposição contrária, encontraríamos muitas oportunidades para

agir assim, como eu já disse. Pois, todos aqueles que simplesmente olham para dentro de

si mesmos e consideram o que eles realmente são, e em que condição eles estão enquanto

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ainda separados de Jesus Cristo, estarão atemorizados com a percepção da ira de Deus,

que eles merecem. Eles sentirão que estão arruinados por seu estado maldito, e que seria

melhor se a Terra os engolisse uma centena de vezes, ao invés de viver sob essa maldição

por um único dia, como inimigos de Deus, que não podem escapar de Sua mão. Vamos,

portanto, aprender a examinar a nós mesmos. Aqueles que desejam adornar-se de acordo

com este mundo, especialmente as mulheres, olharão para um espelho com grande curiosi-

dade e preocupação. Ainda assim, a nossa miséria e imundície não estarão refletidas ali,

de modo a verdadeiramente nos humilhar diante de Deus, ou fazer-nos considerar em que

nos gloriamos. Aquele que reconhece a sua vergonha e ignomínia, certamente, procura

remediá-las, se é que o Espírito de Deus está operando dentro dele, e ele não está (como

eu já disse) intoxicado por Satanás. Vamos, portanto, aprender a examinar a nós mesmos

com sinceridade, sem lisonja, e quando reconhecermos nossa pobreza e miséria, venha-

mos ao Senhor Jesus Cristo. Uma vez que, por meio da cruz, toda arrogância, autoestima

e jactância é abatida, estejamos verdadeiramente crucificados para o mundo e que ele não

signifique nada para nós.

Agora, ao dizer que o mundo foi crucificado para ele e ele para o mundo, é certo que Paulo

quer dizer a mesma coisa, mas ele quer reforçar que podemos de fato renunciar a este

mundo e estar separados dele, por estarmos crucificados para nós mesmos no que diz res-

peito ao mundo. Isto significa que todos os nossos desejos repugnantes (que são muito for-

tes em nós e nos consomem como uma chama ardente, nos empurrando em uma direção,

depois para outra), devem estar mortificados, pois sabemos que o Filho de Deus teve de

sofrer tal morte vergonhosa em nosso lugar. Quem é aquele que procura ter seus triunfos

e realizar seus corajosos feitos neste mundo, quando ele sabe que Aquele que é o chefe

dos anjos, a Quem pertence toda a glória, majestade e autoridade, foi pendurado em um

madeiro e foi amaldiçoado e odiado por nossa causa? Desta forma, todos os nossos dese-

jos devem ser mortificados; portanto, que a paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo

sejam tão eficazes em nossos corações, de forma que os nossos desejos não tremam impa-

cientemente dentro de nós como uma vez que eles fizeram. Este é o primeiro ponto.

Além disso, o mundo deve estar crucificado para nós. Como é isso? Em comparação com

as riquezas espirituais que Jesus Cristo nos traz e que nós fruímos por meio dEle, podemos

estimar as coisas deste mundo como palha e corrupção, uma vez que são todas corrup-

tíveis. Ademais, tudo o que os homens cobiçam tão intensamente e com tanta determina-

ção, de forma que eles se tornam completamente prejudicados por isso, nada mais são do

que os laços que Satanás espalhou, a fim de capturá-los. Não são estas ilusões e enganos?

Sim, isso é certíssimo. Sendo assim, aprendamos que o mundo não deveria ser nada para

nós, e assim estejamos completamente persuadidos e seguros do fato que Deus é miseri-

cordioso para conosco, e nos reconhece como Seus filhos e herdeiros; Ele nos abençoou

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e sem a Sua bênção nós seríamos mui miseráveis. Por isso, nós devemos passar ligeira-

mente por este mundo e não estar ligados a ele ou retidos por qualquer coisa; este deve

ser sempre o nosso objetivo. Sabemos que temos de nos apressar para o lugar ao qual

Deus nos chamou, e se nos enredarmos por amor deste mundo, nos desviaremos de nosso

Deus. Isto é o que devemos lembrar a partir desta passagem.

Neste ponto, Paulo acrescenta que “em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircunci-

são tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura”. É como se ele estivesse nos

dizendo que aqueles que perturbavam a igreja em sua época foram motivados apenas por

ambição. Porque, se a igreja não crescia, e ninguém recebia qualquer proveito de qualquer

forma, como resultado do grande problema que eles despertaram, isso certamente prova

que eles estavam apenas tentando substituir o Senhor Jesus Cristo. Pois, qual deve ser o

nosso objetivo, senão ver o Filho de Deus reinando em nosso meio, e que sejamos gover-

nados pela Palavra de Seu Evangelho, e conheçamos o Seu poder, a fim de que todos nós,

grandes e pequenos, coloquemos toda a nossa confiança nEle? Consequentemente, nós

pretendemos ter toda a nossa vida transformada, para que possamos viver em obediência

a Deus e nos submetamos à Sua Palavra, pois o templo espiritual de Deus é edificado

sobre a fé e uma nova vida; a fé nos leva a prestar honra a Deus por todas as Suas riquezas,

e recorrer a Ele, e anunciar os Seus louvores, a invocar Seu santo nome quando nos reu-

nimos. É assim somos edificados para que nos tornemos o templo de Deus.

No entanto, nós devemos também nos renovar em nosso estilo de vida, e pacientemente

aprender a negar a nós mesmos e dedicar nossas vidas a Deus. Esta deve ser a mensagem

daqueles que têm a responsabilidade de ensinar. Aqueles que não visam estas coisas reve-

lam que não têm intenção de servir ao Senhor Jesus Cristo. Assim, Paulo declara que a

única coisa importante é ser uma nova criatura em Jesus Cristo. Em outras palavras, deve-

mos chegar ao ponto em que, como vimos em 2 Coríntios, sejamos novas criaturas, se qui-

sermos ser considerados “em Jesus Cristo” (2 Coríntios 5:17). Porque, se alguém se gloria

de que ele é mais eloquente, e outro que ele é muito inteligente, e outro que ele é um grande

estudioso, e outro que tem boas maneiras, tudo isso não passa de vaidade. Aprendamos,

portanto, a renunciar a nós e a este mundo, e a dedicar-nos Àquele que nos comprou para

que pudéssemos ser livres. Pois é justo que Jesus Cristo, que nos comprou a tal preço

deve nos possuir e regozijar-Se grandemente sobre nós. Isso não pode ser alcançado a

menos que cada um de nós negue a si mesmo e rejeite tudo o que poderia lhe embaraçar

entre os homens. Isso é o que precisamos observar.

Paulo fala aqui de circuncisão e incircuncisão, porque a disputa e o argumento que ele tinha

(como vimos anteriormente) diz respeito à lei cerimonial, à qual aqui ele se refere através

do exemplo da circuncisão. Pois os judeus procuravam reter todos os tipos e sombras que

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foram destinados apenas para durar por um tempo. Assim, Paulo, ridicularizando tudo isso,

diz que o nosso Senhor Jesus Cristo veio, não para encorajar-nos a manter essas antigas

figuras, mas, porque o véu do templo se rasgou em dois, e porque Ele é em si mesmo o

corpo e a substância da todas as sombras que existiam sob a lei, agora devemos nos

contentar com Ele, não sendo mais a circuncisão de qualquer valor.

Derivaremos maior proveito desta passagem se a aplicarmos ao que vemos hoje. Pois, no

Papado, há muitos rituais sem sentido em que eles colocam toda a sua confiança, a fim de

serem santos. Quando perguntamos aos Papistas como eles podem merecer a graça de

Deus e obter a remissão de seus pecados, eles se gabam de que eles têm a sua água ben-

ta, suas velas, seu incenso, seus órgãos e coros, suas peregrinações e isso e aquilo. Além

disso, eles têm suas devoções tolas, que envolvem trotar de altar a altar e de capela a ca-

pela. Em seguida, eles devem, é claro, comprar um bom número de missas. Em suma, tudo

o que os Papistas se referem como o serviço de Deus não é nada mais do que um labirinto,

ou um abismo de superstições que forjaram em suas próprias cabeças. Passemos agora a

considerar de que estas coisas são dignas: Deus não fez nenhuma menção a elas; mas

elas foram inventadas por homens, em cujos ouvidos Satanás sussurrou, a fim de corrom-

per o verdadeiro serviço a Deus. No entanto, os Papistas consideram que não pode haver

nenhuma religião, nem fé, nem serviço a Deus, nem zelo, a menos que também sejam

conduzidos por todo o seu disparate. Contudo, Paulo, falando das cerimônias que Deus

havia ordenado na lei, diz que elas nada são. Por quê? Porque agradamos a Deus se O

servimos com uma consciência pura, e O invocamos, tendo colocado nossa confiança nEle,

sabendo que todas as coisas boas vêm dEle. Sim, vivamos reta e honestamente um ao

outro, sabendo que o amor é o vínculo da perfeição, e o fim da lei; e dediquemo-nos também

ao nosso Deus, de forma que vivamos de maneira pura e em toda a santidade, aguardando

a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, como se diz em Tito (Tito 2:12-13). Este é o ponto

inicial de santidade e perfeição, como declarado por Deus em Sua Palavra.

Entretanto, os Papistas dirão, por outro lado: 'O quê!? E que aniquilação em nossas adorá-

veis devoções? Serão todas elas abolidas? Seria melhor retirar Deus do céu!’. Isso revela

a insensatez do Papista. Vimos que Paulo expôs aqui, que, mesmo que os homens estejam

tão equivocados sobre suas próprias invenções, de modo que acham que oferecem a Deus

coisas maravilhosas, e estejam enredados por essas ninharias sem sentido, tudo é inútil.

Quem declarou isso? Deus, pela boca de Paulo. O que, então, devemos ser? Novas cria-

turas. O que é uma nova criatura? Devemos começar por examinar nossas vidas e nos ver-

mos como nada em e de nós mesmos. Então devemos oferecer a Deus os sacrifícios espiri-

tuais que devemos a Ele, apresentando-nos a Ele para que Ele possa ter piedade e miseri-

córdia de nossa miséria, e nos socorra e ajude. Que possamos estar prontos para segui-lO

como Ele nos chama, não tendo outra fonte de sabedoria, senão a Sua Palavra somente,

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sabendo que Ele não deseja ser servido com pompa ou com aparências exteriores refina-

das e brilhantes que atraem o mundo. Ele Se agrada se dedicamos nossos pensamentos

e afeições a Ele com sinceridade. Além disso, é nossa responsabilidade entender o que

Paulo está dizendo aqui, e aplicar os seus ensinamentos; pois é certo que aqueles que se

recusam a deleitarem-se em seus pecados, e que olham para Deus, sabendo que eles

devem comparecer diante de Seu trono de Juiz, abandonarão todo gloriar-se em si mes-

mos.

Além disso, eles reconhecerão o que Deus exige em Sua Palavra, e como Ele deseja ser

servido, e no que Ele se deleita, de modo que eles não correrão o risco de serem enganados

pelas bobagens sem sentido que os hipócritas buscam. Pois é mui certo que quando os

Papistas atormentam-se, a fim de servir a Deus (como vemos), é apenas para que Ele os

considere inocentes, e para que eles possam escapar de Sua mão, e não sejam obrigados

a servi-lO como Ele ordenou; pois eles desprezam toda a lei. Ainda assim, há muitas coisas

que eles de fato consideram vital, e que eles desejam que Deus aceite. Mas (como já disse)

o seu objetivo principal é crer que seu dever para com Deus foi cumprido, de modo que Ele

não os oprimirá demais. Enquanto isso, eles seguem o seu próprio caminho, concedem a

si mesmos uma grande licenciosidade e a absolvição de todos os seus pecados. Eles

pensam que, desde que eles tragam algo a Deus (isto é, uma mera sombra), que Ele não

ousaria falar uma palavra contra eles e tem que permanecer em silêncio. Agora vimos a

intenção de Paulo aqui.

Finalmente, ele acrescenta: “E a todos quantos andarem conforme esta regra, paz e miseri-

córdia sobre eles e sobre o Israel de Deus”. Ao falar desta “regra”, ele indica que os homens

podem acreditar no que quiserem, e, contudo, Deus não cederá a eles, pois Ele é imutável

e não cede à tolice ou é dado a retroceder. Paulo nos diz que tal alteração é impossível.

Seja o que for que aconteça, a regra que Deus estabeleceu permanece como é, imutável.

Isso é algo que todos nós aceitamos na exterioridade das coisas. Por que não seria pronta-

mente aceito o fato de que Deus é superior a nós? Nós ainda sentimos que dizer o contrário

é blasfemar. Assim, todos temos a certeza de que Deus deve reinar, e que Sua Lei deve

ser nossa regra para viver; no entanto, ao mesmo tempo, vejam como os homens se permi-

tem viver sem moderação! Cada pessoa inventa isso e aquilo, e logo depois espera que

todos os outros apoiem as suas invenções. Todo mundo quer ter as suas próprias regras

distintas. Embora possa ser verdade que nem todos no Papado seguem a regra de São

Francisco, ou de São Domingos, ainda assim, não há uma única velha tola ou fanático no

Papado que não tenha a sua própria regra. Assim como não há um único jovem que

também não tenha a sua própria regra para viver. Pois todos dirão: “Esta é a maneira que

eu faço minhas devoções”. E quando eles usam a palavra ‘devoção’, eles praticamente

empurram a Deus para segundo plano, porque eles estão realmente dizendo: “eu devo ter

a liberdade de fazer o que eu acho é bom, e Deus deve contentar-se com isso”.

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Que diabólica audácia os homens têm! Eles comprometem-se aqui e ali, eles falam descon-

troladamente, eles desviam-se para um lado e para o outro. É como se eles fizessem para

si caminhos tortuosos e errantes, na esperança de que Deus torcerá as Suas regras e será

flexível o suficiente a ponto de curvar-se para atender às suas próprias opiniões. Portanto,

temos mais uma razão para observar com atenção o que é dito aqui, a saber, que todos os

homens podem atormentar-se como quiserem, mas o governo de Deus permanece e se-

guirá o Seu próprio rumo e direção.

Qual é a regra? É que busquemos a perfeição que o nosso Senhor Jesus revela no Evange-

lho; não que possamos alcança-la durante a nossa vida, mas sim que não devemos nos

afastar de uma forma ou de outra, para a direita ou para a esquerda, mas visar sempre o

alvo que Deus nos revelou. É assim podemos ser novas criaturas, negando a nós mesmos

e nos dedicando totalmente a Deus. Uma vez que este é o caso, tomemos a decisão de

nos submeter a esta regra, e de conformar as nossas vidas a ela. Pois cada um de nós

imediatamente dirige seus pés e pernas a correr aqui e ali; mas para não errar, é preciso

aprender a se apegar a tudo o que Deus nos revela e nos ensina em Sua Palavra. Agora,

quando Paulo pede que a paz e a misericórdia estejam sobre essas pessoas, é para

declarar que, mesmo se tudo no mundo estupidamente nos condenasse, podemos ignorar

isso e nos recusarmos a deixar que isso nos incomode, prosseguindo em nosso próprio

curso. Se Deus é por nós, isto deve ser o suficiente. Porque, se nós somos abalados pelos

tolos julgamentos deste mundo, e pelas opiniões que eles espalham sobre nós, não esta-

mos prestando a Deus a honra que Lhe é devida. Se as pessoas dizem sobre nós: “Essas

pessoas não estão vivendo uma boa vida”, e ficamos aborrecidos e procuramos estar de

acordo com os seus gostos, certamente estaremos nos afastando de Deus.

Portanto, tomemos boa nota do que Paulo diz aqui, isto é, que se os homens nos condenam

e encontram coisas para criticar-nos naquilo que fazemos (e é óbvio que o mundo nunca

estará em harmonia com Deus), isso não deve significar nada para nós. Deveria nos bastar

o fato de que Deus tem nos abençoado, e nos oferece a felicidade completa nesta palavra

“paz”, mostrando que Ele terá piedade de nós, embora possamos ser miseráveis, e por ma-

is que os outros possam cuspir em nosso rosto. Apesar de que não temos todas as virtudes

que de nós são requeridas, ainda assim se o nosso objetivo é seguir a Deus, encontraremos

que Ele é sempre misericordioso. Ele nos sustenta em nossa fraqueza e nos ajuda em

nossa miséria. Se temos tudo isso, deveríamos estas satisfeitos. Por outro lado, embora o

Espírito Santo abençoe aqueles que se submetem ao governo de Deus, nós também sabe-

mos que Ele amaldiçoa, detesta e odeia todos aqueles que se desviam, e que fazem de

suas próprias imaginações a sua lei. Eles buscam ter liberdade para seguir o que parece

correto para eles, e endurecem-se contra a Palavra de Deus. Contudo, eles são valorizados

pelo mundo, e por mais que eles estejam intoxicados com orgulho e presunção, pensando

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que são muito importantes, podemos ver que Deus ainda os considera detestáveis. Isso é

o que precisamos lembrar: só há uma regra pela qual devemos viver e esta está contida no

Evangelho.

Onde é que esta regra nos conduz? Ela assegurará que nós não ofereçamos a Deus o que

parece correto para nós, ou o que temos forjado em nossas próprias cabeças. Em vez

disso, apresentemo-nos inteiramente a Ele e à Sua Palavra. Reconheçamos que em Jesus

Cristo temos toda a perfeição. Assim, nos contentemos com Ele somente, especialmente

porque sabemos que Ele é misericordioso o suficiente para nos mostrar piedade, e nossas

vidas serão abençoadas e felizes por meio dEle, se nós O seguirmos para onde ele nos

chama. Por outro lado, seremos amaldiçoados se não seguirmos a regra que Paulo fala a-

qui, não importa que opinião o mundo tenha a nosso respeito, ou o quanto ele nos elogia.

Agora ele acrescenta “o Israel de Deus”, para provar que aqueles que servem a Deus espi-

ritualmente, Ele sempre terá o prazer de reconhecer como o Seu povo. Pois os inimigos de

Paulo, contra quem ele tem uma desavença em toda esta Epístola, queriam manter todas

as cerimônias, pois lhes parecia que estas eram as marcas da verdadeira igreja, assim co-

mo os Papistas atualmente querem manter o óleo sagrado e isso e aquilo. Mas os inimigos

de Paulo tinham razões muito mais fortes do que os Papistas, e o seu caso era relativamen-

te mais importante. Ainda assim, Paulo continua a rejeitar tudo, e diz que Deus não se preo-

cupa com nada disso. Se é verdade que Ele havia ordenado as sombras da Lei por um tem-

po, e elas tiveram a sua função, que era conduzir as pessoas para o Senhor Jesus Cristo,

agora que temos a substância e a verdade nEle, devemos abandonar tudo. Nós temos uma

razão ainda mais forte, portanto, para dizer que “o Israel de Deus” não são os que aparecem

em grande esplendor diante dos olhos dos homens, mas os que têm a verdadeira marca

de Deus. Pois, quando os Papistas nos falam da igreja, que deve incluir o Papa com suas

três coroas, e os bispos, que se disfarçam para dissimular a sua farsa, assim como todo o

seu esplendor, eles são como animais com chifres; os sacerdotes e os monges estão entre

eles e eles também deslumbram os olhos dos símplices. Isto é no que a igreja de Deus

consiste, de acordo com os Papistas: em pompa e inutilidade frívola, absurda. Qual dos

sacramentos? Não, eles precisam desta ou daquela coisa extra; em suma, eles têm as suas

próprias marcas que parecem bastante aceitáveis para eles.

No entanto, nós devemos olhar para o Evangelho e o que encontramos ali? Toda simplici-

dade. Deus não quer que aqueles que pregam a Sua Palavra e administram os Seus sacra-

mentos usem trajes ou façam tantas fanfarras. Ele também não quer que os sacramentos

sejam contaminados por invenções humanas, pois todas estas são inúteis para Deus.

Mantenhamos, portanto, a definição que Paulo oferece aqui sobre a verdadeira igreja, de

modo que não nos deixemos abalar quando as pessoas nos dizem: “Olhem, nós temos

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muitas coisas bonitas aqui”. É verdade, se julgarmos de acordo com nossos sentidos natu-

rais, pois somos carnais e terrenos, e, portanto, somos mais inclinados a seguir o que pare-

ce belo aos nossos sentidos, todavia não devemos decidir por nós mesmos como servir a

Deus; devemos nos apegar ao que Ele tem declarado, porque Seu decreto é irrevogável, e

é aqui que nós devemos encontrar toda a nossa sabedoria, a saber, em Jesus Cristo. Isto

só pode acontecer se nós O obedecermos, mas não antes disso. Assim, devemos reconhe-

cer que devemos nos desligar das coisas exteriores que Ele ordenou na época da lei; mas

antes nos contentar com Jesus Cristo e com a perfeição que está nEle.

Tenhamos a certeza de que percebemos outra coisa, diz ele, neste momento: “A graça de

nosso Senhor Jesus Cristo seja, irmãos, com o vosso espírito”! Ele expõe aqui que o mun-

do, devido à sua ingratidão, não tem nenhuma ideia das riquezas que são oferecidas em

Jesus Cristo. O Evangelho é pregado com frequência suficiente, e ainda assim todos nós

nos retiramos dele e nos afastamos, como se nós decidíssemos deixar o bom caminho que

conduz à salvação e atirar-nos de cabeça na ruína e perdição. Qual é a razão para isso? É

porque nossos espíritos estão vazios, e o Diabo sempre ganha terreno; ele nos seduz, nos

incomoda e nos faz exultar em vaidades. De fato, até que a graça de nosso Senhor Jesus

esteja em nosso espírito, nós somos como canas agitadas, sem estabilidade ou firmeza.

Isto é o que nós precisamos almejar, que Deus não somente derrame a Sua graça sobre

nós, mas que nós também a recebamos em nosso espírito e coração; o nosso espírito deve

tornar-se o seu trono, e o lugar onde ela se enraíza, de modo que não estejamos ligados a

esta terra, mas levantemos as nossas afeições e mentes a Deus.

Agora, porque nunca haverá um momento em que esta doutrina dissolva a contradição,

Paulo aqui desafia aqueles que se levantam contra ele, e diz: “Desde agora ninguém me

inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus”. Quando ele fala das mar-

cas de Jesus Cristo, ele as coloca em contraste com todos os arsenais dos príncipes, com

todos os seus diademas e cetros, e tudo o que eles possuem para conceder-lhes importân-

cia, e para obter a adoração e reverência de todos. Quando um príncipe quer ser visto como

estando no controle de sua propriedade, ele deve estar vestido de tal maneira que ninguém

se atreva a olhar para ele com medo de ser fascinado. Eles fazem isso com mais frequência

do que nunca, porque não há nada sobre eles digno de nota, e por isso precisam contar

com estes meios emprestados; o mesmo é verdade para as pessoas do mundo que se

dedicam à pompa e galhardia, e usam isso e aquilo para adquirir uma boa reputação. Em

suma, o mundano usará todos os meios para fazer-se notável, embora estas coisas sejam

vaidade em e de si mesmas. Porém, Paulo mostra que as marcas de nosso Senhor Jesus

Cristo são, como sabemos, muito mais valiosas, e muito mais preciosas, tendo mais beleza

em si mesmas do que tudo o que é valorizado pelo mundo.

No entanto, é preciso considerar o que se entende por “marcas”. Ele nos explicou isso ante-

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riormente, quando disse que ele fora espancado várias vezes. Ele havia sido apedrejado

em um lugar, preso em outro, e havia sofrido fome e sede (2 Coríntios 11:23-27). Em outras

palavras, ele tinha sido considerado como repugnante e, portanto, fora rejeitado. De acordo

com o mundo, devemos fugir de tal ignomínia. No entanto, Paulo diz que essas marcas va-

lem mais do que toda a honra e esplendor que poderíamos desfrutar. Visto que ele carrega

estas marcas, outros não devem “inquieta-lo”, impedindo-o de seguir seu curso e cumprir o

seu dever.

Agora a intenção de Paulo nesta passagem foi, em primeiro lugar, mostrar que, se somos

Cristãos e parte da verdadeira igreja de Deus, devemos obedecer a ordem de estarmos

unidos uns aos outros. Como? Não com cada pessoa seguindo a sua própria imaginação;

pois há de fato muitos que têm um espírito perverso que fazem com que seja impossível

que eles cooperem com os outros. Essas pessoas procuram manter-se separadas de todos

os outros, como cavalos selvagens, e é de se esperar que haja mosteiros e claustros para

essas pessoas que se recusam a unir-se com outros de acordo com a prescrição dada à

igreja. Assim, tendo-se separado em seu orgulho da companhia dos crentes, eles apenas

podem realmente tornarem-se monges do Diabo! Seja qual for o caso, sabemos por que

eles se escondem: é porque o Diabo os tem em suas garras e os possui. Ele simplesmente

tenta convencê-los a viver separadamente dos outros, para que ele possa, eventualmente,

desvia-los para longe de Deus por completo.

Em segundo lugar, Paulo nos mostra aqui que devemos procurar manter essa “regra”; o

Senhor Jesus deve ser o nosso exemplo, e devemos procurar nos conformar à Sua ima-

gem. Quando Ele fala, que possamos nos submeter ao Seu ensino, de modo que cada um

de nós guarde as Suas ordens. Além disso, ajudemos uns aos outros. Pois nós podemos

nos gabar da perseguição, ou isso ou aquilo, todos nós gostamos, mas a menos que nós

procuremos ajudar outros e contribuir para o progresso da edificação do templo espiritual,

é certo que ainda estamos servindo a Satanás e somos como escravos que servem sob

seu governo tirânico. Aprendamos a ter o mesmo sentimento uns para com os outros, à

medida que nos submetemos ao nosso Senhor Jesus Cristo. Além disso, aqueles que são

altruístas e fiéis em sua caminhada com Deus podem desprezar todas essas pessoas pom-

posas que querem elevar-se em seu orgulho, introduzindo isto ou aquilo; pois Jesus Cristo

sempre reconhece suas marcas. Em outras palavras, embora possamos ser desprezíveis

aos olhos do mundo, seremos sempre reconhecidos pelo Filho de Deus. Portanto, continue-

mos a caminhar, e deixem que aqueles que procuram nos prejudicar saibam que Deus os

abaterá, como vimos anteriormente (Gálatas 5:12). É justo que Deus envie para a sua ruína

que perturbam a unidade da igreja e se recusam-se a servir de acordo com a sua capaci-

dade para o avanço do reino de nosso Senhor Jesus Cristo, por causa de seu orgulho e

presunção. Isto é o que nós precisamos lembrar dessa passagem, se quisermos perseverar

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no gozo das riquezas que possuímos, que foram compradas por nós por tão alto preço,

através da morte e paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, e que são oferecidas para nós,

diariamente através do Evangelho.

Agora prostremo-nos diante da majestade de nosso grande Deus, reconhecendo os nossos

pecados, e orando para que eles nos entristeçam de modo que tremamos e busquemos o

Seu perdão. Então, sejamos transformados através de verdadeiro arrependimento e habili-

tados para a batalha contra todos os nossos vícios e todas as corrupções de nossa carne,

até que Ele tenha nos libertado de todos eles, então, Ele nos vestirá em Sua justiça. Assim,

todos nós digamos: “Todo-Poderoso Deus e nosso Pai celestial” e etc.

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A Pura Pregação da Palavra de Deus

“Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade.

E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto;

os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita,

e perverteram a fé de alguns.” (2 Timóteo 2:16-18)

Já mostramos que São Paulo, não sem motivo, tem exortado de forma diligente a Timóteo

a seguir a pura simplicidade da Palavra de Deus, sem dissimulá-la. A doutrina que é apre-

sentada a nós em nome de Deus, para ser o alimento de nossas almas, será corrompida

pelo Diabo, se ele puder; mas, quando ele não pode destruí-la, ele mistura algo com ela, a

fim de levá-la a ser desprezada, e destruir o nosso conhecimento da vontade de Deus. Há

muitos neste dia que se apresentam para ensinar; e qual é a causa disso? Ambição os mo-

ve; eles torcem a Palavra de Deus, e, portanto, Satanás vai a ponto de nos privar-nos da

vida espiritual.

Mas isso ele não é capaz de fazer, a não ser que por alguns meios a doutrina de Deus seja

corrompida. São Paulo renova a exortação: a de que devemos evitar todo falatório vão, e

que permaneçamos no claro ensino, o qual é efetivo. Ele não apenas condena os erros, su-

perstição e mentiras manifestos, mas ele condena as distorções da Palavra de Deus: como

quando os homens inventam sutilezas, para os ouvidos dos homens extravagantes. Não

trazendo nenhum verdadeiro alimento para a alma, nem edificação na fé e no temor de

Deus, aos que a ouvem.

Quando São Paulo fala de falatórios vãos, ele se refere aos que satisfazem homens curio-

sos; como vemos muitos que têm um grande prazer em questões vãs, com as quais eles

parecem ser arrebatados. Eles não falam abertamente contra a verdade, mas eles a des-

prezam como uma coisa muito comum e sem valor; como uma coisa para crianças e tolos;

quanto a eles, querem conhecer algo mais elevado e mais profundo assunto. Assim, eles

estão em desacordo com o que seria proveitoso para eles. Portanto, pensemos bem nas

palavras de São Paulo: falatórios vãos; é como se ele dissesse: se não há nada, senão a

retórica refinada e palavras requintadas para ganhar seu crédito quando falada, e para mos-

trar que ele é erudito, nada disso deve ser recebido na igreja; tudo deve ser banido.

Porque Deus quer que Seu povo seja edificado; e Ele tem determinado a Sua Palavra para

essa finalidade. Portanto, se nós não falamos acerca da salvação das pessoas, para que

possam receber nutrição pela doutrina que lhes for ensinada, isto é sacrilégio; pois perver-

tem o puro uso da Palavra de Deus. Estas palavras profanas são contra o que é santo e

dedicado a Deus. Tudo o que pertença à magnificência de Deus, e aumenta o nosso conhe-

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cimento da Sua majestade, pelo qual podemos adorá-lO; qualquer coisa que nos atraia

para o reino dos céus, ou tire nossas afeições do mundo e nos conduza a Jesus Cristo, pa-

ra que possamos ser enxertados em Seu corpo, é chamado de santo.

Por outro lado, quando não sentimos a glória de Deus; quando nos sentimos insubmissos

a Ele; quando não conhecemos as riquezas do reino dos céus; quando não somos atraídos

para o Seu serviço, a viver em pureza de consciência; quando não conhecemos o que signi-

fica a salvação que foi comprada por nosso Senhor Jesus Cristo, nós pertencemos ao mun-

do, e somos profanos. A doutrina que serve para nos enganar nessas coisas, é também

chamada de profana. Assim, vemos que o significado do que São Paulo quis nos dizer é o

seguinte: quando nos reunimos em nome de Deus, não é para ouvir músicas alegres, e ali-

mentar-nos com vento, ou seja, com uma curiosidade vã e inútil, mas para recebermos ali-

mento espiritual. Porque Deus não deseja que nada seja pregado em Seu nome, senão o

que beneficiará e edificará os ouvintes, nada, a não ser aquilo que contenha bons assuntos.

Mas é verdade, a nossa natureza é tal, que têm um grande prazer em novidade, e em espe-

culações que parecem ser sutis. Portanto, vamos tomar cuidado e pensar como convém,

para que não profanemos a santa Palavra de Deus. Busquemos o que edifica, e não abu-

semos de nós mesmos, recebendo aquilo que não tem substância. É difícil retirar os ho-

mens de tal vaidade, porque eles estão inclinados a participar delas. Mas São Paulo de-

monstra que não há nada mais triste do que tal vã curiosidade: “Porque produzirão maior

impiedade”. Como se ele tivesse dito, meus amigos, vocês não sabem à primeira vista, que

prejuízo advém desses enganadores; que quase ganham crédito e estima entre vocês, e

com brinquedos agradáveis esforçam-se para agradá-los, mas acreditem em mim, eles são

instrumentos de Satanás e, de modo algum servem a Deus, mas produzem maior impie-

dade, isto é, se forem deixados sozinhos estragarão a religião Cristã, não vão deixar nem

um jota são e salvo, portanto, cuidem para que vocês fujam destas pragas, embora à primei-

ra vista, o veneno que eles trazem não ser percebido.

Cada um de nós deve suspeitar de si mesmo, quando temos que julgar essa doutrina. E

por que isso? Porque (como eu disse antes), todos nós somos fracos; nossas mentes estão

alterando e mudando e, além disso, nós temos um desejo tolo de buscarmos coisas que

são vãs. E, portanto, vamos tomar cuidado para que não satisfaçamos os nossos próprios

desejos. Embora esta doutrina não possa parecer ruim para nós num primeiro momento,

todavia, se não tem uma tendência a levar-nos a Deus e fortalecer-nos em Seu serviço, a

nos confirmar na fé e esperança que nos é dada de vida eterna, ela nos enganará por fim;

e revelar-se-á como nada, senão uma mistura que não serve a nenhum propósito, a não

ser para tirar o bem que nós tínhamos recebido antes.

Para ser breve, aqueles que não têm isto em vista: atrair o mundo a Deus, e edificar o reino

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de nosso Senhor Jesus Cristo, para que Ele possa governar sobre todos, arruína tudo. Todo

o trabalho e as dores deles somente produzem impiedade; e se for suportado que eles con-

tinuem desta forma, um portão é aberto para Satanás, pelo qual ele pode reduzir a nada

tudo o que é de Deus. Embora isso não seja feito no primeiro golpe, finalmente nós veremos

tal acontecer. Para expressar isto melhor, São Paulo acrescenta: “E a palavra desses roerá

como gangrena”.

A palavra “roer”, aqui mencionada, não é comumente entendida, é o que os cirurgiões cha-

mam, uma ferida roedora, e o que também é chamado, fogo de santo António: isto é, quan-

do há uma tal inflamação em qualquer parte do corpo, que a ferida não come só a carne e

tendões, mas também os ossos. Em suma, é um fogo que consome tudo: a mão fará com

que o braço seja perdido, e pé fará com que a perna se perca, assim a menos que a parte

que começou a ser afetada seja cortada, o homem está em perigo de perder seus membros,

a menos que haja remédios adequados ministrados para isto, neste caso nós não devemos

poupar esforços, mas cortar a parte afetada, para que o resto não seja totalmente destruído.

Assim, vemos aqui espiritualmente, porque São Paulo nos mostra que embora possamos

ter sido bem instruídos na sã doutrina, tudo será prejudicado, se dermos lugar para essas

perguntas inúteis, e apenas nos esforçarmos para agradar os ouvintes, e alimentar os seus

desejos. Se procurarmos entender o que São Paulo quis dizer, nos esforcemos para colocar

essa exortação em prática. Quando vemos os homens ao nosso redor tentando nos desviar

da verdadeira doutrina, vamos evitá-los, e fechemos a porta contra eles. A menos que te-

nhamos isto à mão ao princípio, e inteiramente o cortemos, ele pode ser tão difícil de con-

trolar como a doença da qual temos falado.

Portanto, não durmamos; pois esta é uma questão importante; isto provará ser uma doença

mortal, a menos que seja visto a tempo. Se esta exortação houvesse sido observada, as

coisas estariam em uma condição melhor no dia de hoje na Cristandade. Pois esta estu-

pidez de papismo consiste apenas em falatórios vãos aos quais Paulo se refere. Mesmo

aqueles que são contados como os maiores doutores entre eles, os quais têm permanecido

por muitos anos, sim, e passaram toda a sua vida nele, nada pensam sobre a tola tagarelice;

que não serve para nenhum outro propósito senão o de levar os homens ao erro, posto que

ninguém conhece o que eles dizem. Eu vejo que o demônio lhes forjou essa linguagem por

uma sutileza miraculosa, a fim de que ele pudesse trazer toda a doutrina à confusão.

É claramente visto que eles conspiraram para contrariar o que São Paulo tem, em nome de

Deus, proibido. Porque os que assim transformam a Palavra de Deus em uma linguagem

profana de palavras bárbaras e desconhecidas devem ser muito menos capazes de descul-

parem-se. Existem muitos que ficariam felizes em ter coisas agradáveis ensinadas; eles

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fariam da Palavra de Deus um passatempo, e recrear-se-iam assim; desta forma, eles bus-

cam o ensino vão e inútil. Eles trariam erro, discórdia e debate para dentro da igreja, e se

esforçariam para trazer a religião que temos à dúvida, e obscureceriam a Palavra de Deus.

Portanto, devemos estar muito mais sinceramente servindo a Deus e permanecendo cons-

tantemente na pureza do Evangelho. Se temos um desejo de obedecer nosso Deus como

convém, devemos praticar o que nos é ordenado, e rogar-Lhe para limpar a igreja destas

pragas, pois são instrumentos do Diabo. Isso pode ser aplicado a todas as corrupções e

tropeços inventados pelo Diabo; porém se fala aqui sobre a doutrina pela qual somos vivi-

ficados, que é o verdadeiro alimento da alma.

Vamos chegar a essa parte do assunto, em que São Paulo nos informa quem são os deste

número. Ele diz: “Entre os quais são Himeneu e Fileto; os quais se desviaram da verdade,

dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns”. Quando ele profere

Himeneu e Fileto, mostra que não devemos poupá-los, que, como ovelhas sarnentas, po-

dem infectar o rebanho, mas devemos sim dizer a cada um, os que são deste tipo de ho-

mens, para que possam tomar cuidado com eles. Nós não somos como vis traidores de

nossos próximos quando os vemos em perigo de serem desviados de Deus, e não lhes

informamos sobre isso? Um homem mau que anda procurando estabelecer a doutrina

perversa, e causar ofensas na igreja, o que ele é, senão um impostor? Se eu dissimulo

quando o vejo, não é como se eu estivesse vendo o meu próximo em perigo, e não o

alertasse?

Se a vida do corpo é tão preciosa para nós de modo que faríamos tudo que estivesse ao

nosso alcance para preservá-la, de quanto maior importância é a vida da alma! Os que se

esforçam para colocar todas as coisas de cabeça para baixo, irão semear sua doutrina falsa

entre o povo, a fim de atraí-los para um desprezo de Deus. Estes cães latindo, estes bodes

vis, esses lobos vorazes, são os que se extraviaram, e se esforçam para destruir a fé da

Igreja, e nós ainda os suportamos. Os homens costumam dizer, que devemos resistir a e-

les? Devemos lançá-los fora para que possam cair no desespero? Isto é dito por aqueles

que pensam que devemos usar de gentileza; mas que misericórdia é poupar um homem, e

nesse meio tempo perder milhares de almas, ao invés de preservá-las? Não devemos su-

portar que ervas daninhas cresçam entre nós, para que não se fortaleçam, e sufoquem

qualquer boa semente, ou totalmente a destrua.

Satanás vem com o seu veneno e pragas que podem destruir tudo. Nós vemos o rebanho

de Deus perturbado e atormentado com lobos vorazes, que devoram e destroem tudo o

que podem. Devemos estar comovidos de misericórdia para com um lobo, e nesse meio

tempo deixar as pobres ovelhas e cordeiros de nosso Senhor, com as quais Ele tem tão

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especial cuidado, a perecer? Quando vemos um homem perverso perturbando a igreja?

Devemos impedir ofensas ou falsa doutrina tanto quanto estiver ao nosso alcance; é preciso

alertar o simples, para que não se deixe enganar e enredar. Isto, eu digo, é o nosso dever.

O Senhor deseja que o ímpio seja conhecido, para que o mundo possa discerni-los, para

que sua impiedade seja manifesta a todos. São Paulo fala de alguns que são curiosos, ócio-

sos e etc. Estes devem ser apontados também, para que possam ser evitados, isto deve

ser feito por aqueles que têm a espada na mão. Quanto aos que tornaram-se verdadeiros

demônios, quem pode de algum modo viver em paz e concórdia, senão empurrar eles mes-

mos à frente, para reduzi-los a nada? Quando os vemos assim, devemos manter a nossa

paz? Vamos aprender a reconhecê-los como o problema da igreja de Deus, e mantê-los

fora, e nos esforçarmos para impedi-los de fazer dano. Nisto vemos quão poucos há quem

tenham um zelo pela igreja de Deus.

Falamos não só de inimigos declarados (pois nós confessamos que temos nos referido aos

Papistas, pois nós não estamos envolvidos com seu erro e superstição), mas vemos outros

que procuram nos afastar da simplicidade do Evangelho: eles se esforçam para levar todas

as coisas à desordem; semeiam joio, para que possam levar esta doutrina ao ódio, e fazer

com que os homens se entristeçam com ela; outros desejam uma liberdade licenciosa para

fazer a maldade que escolherem, e assim se libertar do jugo de nosso Senhor Jesus Cristo.

Vemos outros, que nada buscam, senão encher o mundo com maldade, blasfêmias e vileza,

e, portanto, esforçam-se para pisotear a reverência de Deus. Nós, igualmente, vemos bêba-

dos e bebedores de bebida forte, que se esforçam para levar os homens à confusão.

E, no entanto, quem há entre nós que se oponha contra essas coisas? Quem é que diz: va-

mos tomar cuidado e estejamos atentos? Pelo contrário, aqueles que deveriam reprovar tal

maldade severamente não só a dissimulam, e a deixam passar, mas a defendem e dão-lhe

o seu apoio. Vemos a maldade que se expande sobre a terra; vemos aqueles que se esfor-

çam para perverter e reduzir a nada a nossa salvação, e conduzir a igreja de Deus à dúvida;

e devemos dissimular, e fazer como se nós não estivéssemos vendo nenhuma dessas coi-

sas? Podemos nos gabar de sermos Cristãos tanto quanto quisermos, mas há mais demô-

nios entre nós do que Cristãos, se nós toleramos tais coisas.

Portanto, atentemos bem para a doutrina que aqui nos é dada; e se vemos pessoas más

tentando infectar a igreja de Deus, para distorcer a boa doutrina, ou destruí-la, vamos nos

esforçar para trazer suas obras à luz, para que cada um as contemple e, assim, possam

evitá-las. Se não atendermos a essas coisas, somos traidores de Deus, e não temos zelo

por Sua honra, nem pela salvação da Igreja. Devemos ser inimigos declarados da impieda-

de, se quisermos servir a Deus. Não é o suficiente para nós simplesmente nos abstenhamos

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de cometer o pecado, mas devemos condená-lo, tanto quanto possível, para que ele não

possa ter qualquer influência, ou obter vantagem sobre nós.

Depois de São Paulo se referido a estes dois indivíduos, ele nos informa que eles se afasta-

ram da fé, de modo que eles disseram que a ressurreição era já feita. Assim, vemos que

sua queda foi horrível. Himeneu e Fileto não eram homens ignorantes; pois São Paulo faz

menção deles, apesar de serem de longe, Timóteo esta neste momento em Éfeso. Portanto,

é evidente que eles eram homens afamados. Eles tinham estado por algum tempo em gran-

de reputação, entre os principais pilares na igreja. Mas nós vemos o quão longe eles caíram;

até mesmo a ponto de renunciar à salvação eterna que foi comprada por nosso Senhor

Jesus Cristo. Se nós não buscarmos a ressurreição, de que serve para nos ensinar que há

um Redentor que nos salvou da escravidão da morte? Que proveito tem a morte e a paixão

de nosso Senhor Jesus Cristo para nós, a menos que esperemos pelo resultado que nos

foi prometido, no último dia, na Sua vinda?

Não obstante estes homens tinham estado por um tempo entre os fiéis, mas eles caíram,

por assim dizer, no abismo sem fundo do inferno. Assim, Deus declarou Sua vingança para

com os que abusam de Seu Evangelho. Ele viu que esses homens estavam embriagados

com ambição tola, eles não procuravam outra coisa, senão renome; eles distorceram a sim-

plicidade da Palavra de Deus, e se esforçaram para se mostrarem maiores do que os ou-

tros. Mas Deus estima a Sua Palavra muito mais do que Ele estima o homem; pois se ho-

mens a desprezam e a ridicularizam, Ele não vai deixá-los sem culpa. Assim, vemos que

aqueles que eram como anjos tornaram-se verdadeiros demônios: eles estavam cegos, e

ainda assim eles se tornariam grandes mestres.

A capacidade dessas pessoas, de quem fala São Paulo, não eram do tipo comum; eles não

eram ignorantes, mas de alta posição em todas as igrejas, e ainda eles tenham caído em

tal cegueira, a ponto de negar a ressurreição dos mortos, ou seja, eles engaram o artigo

principal de nossa religião e privaram a si mesmos de toda a esperança de salvação. Como

isso é possível! Isto parece estranho, que tais homens foram capazes de ensinar a outros

para levá-los a tal ignorância grosseira e bestial. Assim, vemos como Deus vinga os escar-

necedores e zombadores que abusam de Sua Palavra, pois isto não pode acontecer. Ele

os deixará em um estado de reprovação; do qual nunca possam ser capazes de discernir

novamente, e tornem-se totalmente destituídos de toda razão.

Portanto, se no dia de hoje, vemos homens tornarem irracionais, depois de terem conhecido

a verdade de Deus, e se tornarem destituídos de razão, devemos saber que Deus estará,

assim, magnificando a Sua Palavra, e nos levando a sentirmos a majestade da mesma. E

por que isso? Porque Ele puniu o desprezo deles, entregando tais pessoas ao Diabo, e

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dando-lhe liberdade total sobre eles. Portanto, não devemos nos ofender quando vemos

aqueles que provaram o Evangelho, se rebelaram contra a obediência de Deus; mas antes,

que isto seja uma confirmação de nossa fé, pois Deus nos mostra claramente que a Sua

Palavra é de tal importância que Ele não pode, de forma alguma, suportar que os homens

abusem dela, nem a tomem em vão, nem a distorçam ou a profanem.

Temos que aprender a tomar cuidado, e andar em temor e cuidado. Vejamos estas coisas

como um espelho colocado diante de nossos olhos, para que possamos ver quem parecia

estar se passando por bons Cristãos, e caíram; tendo em si nada mais do que maldade,

usando discursos detestáveis, não tendo nada, senão imundícia em todas as suas vidas.

Vendo que Deus colocou essas coisas diante de nós, vamos tomar aviso, e sobriamente

andar na simplicidade do Evangelho, para que nós não nos tornemos uma presa para

Satanás.

É verdade, que esses homens criaram uma ressurreição fantástica como alguns fazem nos

dias de hoje; e eles desejam fazer-nos acreditar que tornarem-se Cristãos foi ressuscitar

novamente; mas a Bíblia nos alerta para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, para que

estejamos sempre prontos e preparados, para quando Ele aparecer; e até esse momento

a nossa vida está escondida, e nós estamos, por assim dizer, à sombra da morte. Quando

a Escritura nos chama ao nosso Senhor Jesus, esses fanáticos dizem, que não temos que

olhar para nenhuma outra ressurreição, exceto a que acontece quando somos iluminados

pelo Evangelho.

Observemos aqui que o nosso velho homem deve ser crucificado, se quisermos participar

da glória do nosso Senhor Jesus Cristo, e com Ele ressuscitar. São Paulo nos mostra que,

se quisermos participar do reino de nosso Senhor Jesus Cristo, devemos ser participantes

da Sua cruz; devemos caminhar em morte antes de podermos chegar à vida. Quanto tempo

esta morte durará? Enquanto estivermos neste mundo. Portanto São Pedro diz: o batismo

é, por assim dizer, uma figura da arca de Noé (1 Pedro 3:20-21). Pois nós devemos ser

enclausurados, por assim dizer, em uma cova; mortos para o mundo, se nós quisermos ser

vivificados por [...] nosso Senhor Jesus Cristo.

Eles queriam ter uma ressurreição no meio do caminho, eles não pervertem a natureza do

batismo, e, consequentemente, toda a ordem que Deus estabeleceu em nosso meio? Va-

mos aprender que até que Deus nos tire deste mundo, devemos ser como peregrinos em

um país estranho, e que a nossa salvação não nos será revelada até a vinda de nosso Se-

nhor Jesus Cristo, pois Ele tornou-se as primícias dos que dormem (1 Coríntios 15). E da

mesma forma: “E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre

os mortos, para que em tudo tenha a preeminência” (Colossenses 1:18). É verdade que

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Jesus Cristo ressuscitou; mas Ele julgou necessário aparecer para nós, e Sua vida e glória

deve ser revelada em nós antes que possamos ir para Ele.

São João diz que temos a certeza de que somos filhos de Deus, que O veremos como Ele

é, quando nós seremos feitos semelhantes a Ele. É verdade que Deus se revela a nós

quando Ele nos transforma à Sua imagem; mas o que nós concebemos pela fé, ainda não

é visto, nós devemos esperar por isto na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Não obstante

o grande absurdo deste erro, São Paulo nos informa que os dois indivíduos aqui mencio-

nados, têm pervertido a fé de alguns. Isso é uma coisa que deve fazer-nos tremer; pensar

que uma doutrina que deveria ter sido rejeitada à primeira vista, perverta a fé de alguns.

Vemos como os filhos de Deus são afligidos neste mundo; sim, muitas vezes é lamentável

ver a sua situação; enquanto os incrédulos que desprezam a Deus, estão à vontade, e vivem

em prazeres. Eles têm seu triunfo, ao passo que os santos são como a escória do mundo

(1 Coríntios 4:13). Como é possível para homens conceber esta heresia, isto é, dizer que a

ressurreição já é feita? E, no entanto, vemos que esta doutrina era bem vista por alguns;

sim, na igreja primitiva, no tempo dos apóstolos. Quando aqueles a quem Jesus Cristo tinha

escolhido para pregar Sua verdade em todo o mundo ainda viviam, alguns caíram da fé.

Quando vemos tal exemplo, não demos ocasião para sermos surpreendidos, e andemos

em temor! Não que devemos duvidar que Deus nos ajudará e nos guiará, mas nos convém

armar-nos com a oração, e confiar nas promessas de nosso Deus. Bem, podemos ser sur-

preendidos, quando pensamos sobre a atrocidade desse erro; pelo qual Deus permitiu que

alguns se desviassem da fé. Se os apóstolos, que exerceram todo o poder que lhes foi dado

do alto para manter a verdade de Deus, não puderam impedir que os homens fossem indu-

zidos ao erro, o que devemos esperar dos dias atuais! Sejamos diligentes na oração, e fuja-

mos para Deus, pois Ele pode preservar-nos através do Seu Espírito Santo. Que possamos

nos esvaziar da presunção e nos considerarmos como nada, pois poderíamos ser rapida-

mente abatidos, se não formos confirmados pelo Ser Supremo.

Estas lições não nos foram dadas sem propósito. Apesar de Himeneu e Fileto não estarem

vivos neste dia, ainda assim em suas pessoas o Espírito Santo ilustra a degradação os ím-

pios, que buscam perverter nossa fé; que nós não sejamos afligidos com tudo o que acon-

tece; que não nos afastemos do bom caminho, mas que sejamos protegidos contra todas

as ofensas. Não estejamos tão inchados de orgulho, a ponto de nos desviarmos seguindo

as nossas próprias imaginações tolas; mas devemos tomar cuidado e nos mantermos em

obediência à Palavra de Deus. Então seremos cada dia mais e mais confirmados, até que

o nosso bom Deus nos leve para Seu descanso eterno, para a qual somos chamados.

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A Palavra de Deus, Nossa Única Regra

“Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados

e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados. Confessam

que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e

desobedientes, e reprovados para toda a boa obra.” (Tito 1:15-16)

São Paulo mostrou-nos que devemos ser governados pela Palavra de Deus, e considerar

os mandamentos de homens como vãos e tolos; pois, a santidade e a perfeição da vida

não pertencem a eles. Ele condena alguns de seus mandamentos, como quando eles proí-

bem certos alimentos, e não permitem que usemos aquela liberdade que Deus concede

aos fiéis. Aqueles que perturbavam a igreja no tempo de São Paulo, por estabelecerem tais

tradições, usavam os mandamentos da lei como um escudo. Estas eram apenas invenções

dos homens; porque o templo devia ser abolido pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.

Aqueles na Igreja de Cristo, que sustentam esta superstição, de ter certos alimentos proibi-

dos, não têm a autoridade de Deus, pois era contra a Sua mente e propósito que o Cristão

estivesse sujeito a tais cerimônias.

Para ser breve, São Paulo nos informa neste lugar que nestes dias temos liberdade para

comer de todos os tipos de alimento, sem exceção. Quanto à saúde do corpo, disto não se

fala aqui; mas o assunto aqui expresso é que os homens não devem se estabelecer como

mestres, para fazer leis para nós contrárias à Palavra de Deus. Percebendo-o assim, que

Deus não põe nenhuma diferença entre carnes, é permitido então desfrutá-las; e nunca

investigar o que os homens gostam, ou o que eles pensam ser bom. Não obstante, temos

de usar os benefícios que Deus nos tem concedido, com sobriedade e moderação. Deve-

mos lembrar que Deus fez os alimentos para nós, não que devemos empanturrar-nos como

porcos, mas que devemos usá-los para o sustento da vida: por isso, nos contentemos com

esta medida, a qual Deus tem nos mostrado por meio de Sua Palavra.

Se nós não temos tal estoque de alimentação como gostaríamos, suportemos a nossa po-

breza, pacientemente, e pratiquemos a doutrina de São Paulo; e saibamos tão bem suportar

tanto a pobreza quanto a riqueza. Se o Senhor nos conceder mais do que poderíamos ter

desejado, ainda assim devemos refrear nossos apetites. Por outro lado, se agradar-Lhe

cortar a nossa porção, e nos alimentar apenas pobremente, devemos nos contentar com

isso, e rogar-Lhe que nos dê paciência quando não temos o que nossos apetites anseiam.

Para ser breve, devemos recorrer ao que é dito em Romanos 13: “Mas revesti-vos do Se-

nhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências”. Nos conten-

temos em ter o que precisamos, e aquilo que Deus sabe ser adequado para nós; assim,

todas as coisas serão puras para nós, se assim formos puros.

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Ainda assim, é verdade que apesar de estarmos sempre tão imundos, os alimentos que

Deus fez são bons; mas a questão que temos que considerar é o uso deles. Quando São

Paulo diz tudo é puro, ele não quer dizer que eles são assim de si mesmos, mas como rela-

cionados àqueles que os recebem; como notamos antes, onde ele diz a Timóteo que todas

as coisas são santificadas a nós pela fé e ação de graças. Deus encheu o mundo com tal

abundância que podemos nos maravilhar ao ver que cuidado paternal Ele tem por nós, pois,

para que fim ou propósito são todas as riquezas aqui na terra, senão para mostrar quão

liberal Ele é em relação ao homem!

Se não sabemos que Ele é nosso Pai, e age como um protetor para nós, se não recebemos

de Sua mão o que Ele nos dá, de modo que quando comemos, sejamos convencidos de

que é Deus que nos nutre, Ele não pode ser glorificado como Ele merece; nem podemos

comer um pedaço de pão sem cometer sacrilégio; pelo que devemos prestar contas. Para

que possamos legalmente usufruir destes benefícios, que foram concedidos a nós, deve-

mos estar resolvidos sobre este ponto (como eu disse antes), que é Deus quem nos nutre

e nos alimenta.

Esta é a pureza aqui falada pelo apóstolo; quando diz que todas as coisas são puras, espe-

cialmente quando temos tal retidão em nós, de forma que não desprezamos os benefícios

concedidos a outros, mas anelamos nosso pão de cada dia da mão de Deus, estando con-

vencidos de que não temos o direito a isso, somente o recebemos como a misericórdia de

Deus. Agora vejamos de onde vem essa pureza. Não vamos encontrá-la em nós mesmos,

pois nos é dada pela fé. Diz São Pedro, os corações dos antigos pais foram purificados por

este meio; a saber, quando Deus lhes deu fé (Atos 15).

É verdade que aqui ele considera a salvação eterna; porque éramos totalmente imundos

até que Deus se revelou a nós, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; que, sendo feito

nosso Redentor, pagou o preço e o resgate de nossas almas. Mas esta doutrina pode, e

deve ser aplicada ao que concerne à vida presente; pois até que saibamos que, sendo ado-

tados em Jesus Cristo, somos filhos de Deus e, consequentemente, que a herança deste

mundo é nossa, se tocarmos em um pedaço de carne, somos ladrões; pois fomos privados

e banidos de todas as bênçãos que Deus fez, por causa do pecado de Adão até que obte-

nhamos a posse delas em nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, é a fé que deve nos purificar. Assim, todos os alimentos serão puros para nós;

isto é, podemos usá-los livremente, sem hesitação. Se os homens impõem leis espirituais

sobre nós, não precisamos observá-las, assegurados de que tal obediência não pode agra-

dar a Deus, pois ao fazê-lo, estabelecemos governantes para nos regular, tornando-os

iguais a Deus, que reserva todo o poder para Si mesmo. Assim, o governo da alma deve

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ser mantido são e salvo nas mãos de Deus. Portanto, se nós permitirmos tanta superiorida-

de aos homens a ponto de permitimos que eles embrulhem nossas almas com as suas pró-

prias faixas, nós mui diminuímos e rebaixamos o poder e o império que Deus tem sobre

nós.

E, assim, a humildade que podemos ter ao obedecer as tradições dos homens seria pior do

que toda a rebelião no mundo; porque isso está roubando a Deus de Sua honra, e conce-

dendo, como que um despojo, para os homens mortais. São Paulo fala da superstição de

alguns dos judeus, que gostariam que os homens ainda observassem as sombras e figuras

da lei; mas o Espírito Santo pronunciou uma sentença que deve ser observada até o fim do

mundo: que Deus não nos obrigou, neste dia, a um fardo como foi carregado pelos antigos

pais; mas ab-rogou a parte que Ele havia ordenado, em relação à abstenção de alimentos;

pois era uma lei apena por um período.

Percebendo que Deus tem, assim, nos colocado em liberdade, que temeridade é que os

vermes da terra façam novas leis; como se Deus não fosse sábio o suficiente. Quando nós

alegamos isso contra os Papistas, eles respondem que São Paulo falou dos judeus, e de

carnes que foram proibidas por lei. Isso é verdade, mas vejamos se essa resposta é para

qualquer propósito, ou digna de aceitação. São Paulo não apenas diz que é lícito para nós

usarmos o que era proibido, mas ele fala em termos gerais, dizendo que todas as coisas

são puras. Assim, vemos que Deus aqui nos deu a liberdade, sobre a utilização de alimen-

tos; de forma que Ele não nos manterá em sujeição, como eram os antigos pais.

Portanto, vendo que Deus revogou essa lei, que foi feita por Ele, e não a tem em vigor por

mais tempo, o que devemos pensar quando vemos homens inventando tradições de si mes-

mos; e não se contentando com o que Deus tem revelado a eles? Em primeiro lugar, eles

ainda se esforçam para manter a igreja de Cristo sob as restrições do Antigo Testamento.

Mas Deus tem nos governado como homens maduros e prudentes, que não têm necessi-

dade de instrução apropriada para crianças. Eles estabeleceram dispositivos humanos, e

dizem que nós devemos mantê-los sob pena de pecado mortal; enquanto que Deus não

terá a Sua própria lei a ser observada entre nós no dia de hoje, em relação aos tipos e

sombras, porque isso tudo foi consumado na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.

Será que, então, é lícito observar o que os homens têm enquadrado em sua própria sabedo-

ria? Não vemos que esta é uma questão que vai diretamente contra Deus? São Paulo põe-

se contra esses enganadores: contra os que gostariam de vincular os Cristãos à abstinência

de alimentos que Deus havia ordenado em Sua lei. Se alguém diz: é apenas uma pequena

questão de se abster de carne na Sexta-feira, ou na Quaresma, consideraremos se é uma

questão pequena corromper e degradar o serviço de Deus! Porque, certamente, aqueles

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que prosseguem a promover e estabelecer a tradição dos homens se posicionam contra

aquilo Deus determinou em Sua Palavra, e, portanto, cometem sacrilégio.

Percebendo que Deus deseja ser servido com obediência, tomemos cuidado de nos man-

termos dentro daqueles limites que Deus estabeleceu; e não permitamos que os homens

adicionem qualquer coisa deles mesmos a isso. Há algo pior nisso do que tudo isso: pois

eles imaginam que a abstenção de comer alimentos é um serviço que merece algo de Deus.

Eles pensam que isso é uma grande santidade; e, portanto, o serviço de Deus, que deveria

ser espiritual, é banido, por assim dizer, enquanto os homens ocupam-se com ninharias

tolas. É como expressa o ditado comum: eles deixam a maçã pelas cascas.

Devemos ser fiéis e firmes em nossa liberdade; devemos seguir a regra que nos é dada na

Palavra de Deus, e não permitir que as nossas almas sejam trazidas coma escravas a no-

vas leis forjadas por homens. Pois, é uma tirania infernal, que reduz a autoridade de Deus

e mistura a verdade do Evangelho com as figuras da Lei; perverte e corrompe o verdadeiro

serviço de Deus, que deve ser espiritual. Portanto, consideremos quão precioso privilégio

é dar graças a Deus, com tranquilidade de consciência, com a certeza que é a Sua vontade

e deleite que devamos usufruir de Suas bênçãos, e para que possamos fazê-lo, não nos

enredemos pelas superstições dos homens, mas nos contentemos com o que está contido

na pura simplicidade do Evangelho. Então, como temos demonstrado sobre a primeira parte

do nosso texto, para os que são puros, todas as coisas serão puras.

Quando recebemos o Senhor Jesus Cristo, sabemos que seremos purificados de nossa i-

mundícia e máculas; pela Sua graça somos feitos participantes dos benefícios de Deus, e

somos tomados por Seus filhos, embora não haja nada, senão vaidade em nós. “Mas nada

é puro para os contaminados e infiéis”. Por isso São Paulo quer dizer que tudo quanto pro-

cede daqueles que são corrompidos e incrédulos não é aceitável a Deus, mas está cheio

de contaminação. Enquanto eles são incrédulos, eles são sujos e imundos; e enquanto eles

têm essa imundícia neles, tudo o que tocam se torna poluído com sua infâmia.

Portanto, todas as regras e leis que eles possam fazer nada serão, senão vaidade, porque

Deus Se desagrada de tudo o que eles fazem; sim, Ele absolutamente odeia isso. Embora

os homens possam se atormentar com cerimônias e atos exteriores, ainda assim todas es-

sas coisas são vãs até que eles se tornem retos de coração; pois, nisto inicia-se o real servi-

ço a Deus. Então, enquanto somos infiéis, somos imundos diante de Deus. Essas coisas

deveriam ser evidentes para nós; mas a hipocrisia está tão enraizada dentro de nós que

estamos aptos a negligenciá-las. Será prontamente confessado que não podemos a-gradar

a Deus ao servi-lO até que os nossos corações livrem-se da impiedade.

Deus se esforçou com o povo antigo sobre a mesma doutrina; como podemos perceber es-

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pecialmente no segundo capítulo do profeta Ageu, onde Ele questiona aos sacerdotes: se

um homem tocar uma coisa sagrada, se ele deve ser santificado ou não, os sacerdotes res-

ponderam: não. Pelo contrário, se um homem imundo tocar algo, se isso se tornará impuro

ou não, os sacerdotes responderam: será imundo; assim é esta nação, diz o Senhor, e as-

sim são as obras das suas mãos. Agora observemos o que está contido nas figuras e som-

bras da lei. Se um homem imundo houvesse manejado qualquer coisa, isso se tornaria i-

mundo, e, portanto, deveria ser purificado. Nosso Senhor disse, considere o que sois, por-

que vós não tendes nada, senão imundícia e sujeira; ainda, não obstante, vós quereis con-

tentar-Me com os vossos sacrifícios, ofertas e outras coisas semelhantes. Mas Ele diz, en-

quanto suas mentes estiverem enredadas com concupiscências ímpias, enquanto alguns

de vós sois impuros e adúlteros, blasfemos, e perjuros, enquanto estais cheios de malícia,

crueldade e maldade, vossas vidas são totalmente desregradas e cheias de toda a imun-

dícia; não posso tolerar isso, muito embora quão justo possa parecer diante dos homens.

Vemos, então, que todos os serviços que podem ser realizados, até que sejamos verdadei-

ramente transformados em nossos corações, são apenas zombarias; e Deus condena e

rejeita cada partícula deles. Mas quem crê que essas coisas são assim? Quando os ímpios,

que são apanhados em sua maldade, sentem qualquer remorso de consciência, eles se

esforçarão de uma maneira ou outra para ajustar-se com engano, através da realização de

algumas cerimônias: eles pensam que isso é suficiente para satisfazer as mentes dos ho-

mens, acreditando que Deus deve também ser satisfeito com os mesmos. Este é um costu-

me que tem prevalecido em todas as eras.

Não é apenas neste texto do profeta Ageu que Deus repreende os homens por sua hipo-

crisia, e por pensar que eles podem obter Seu favor com ninharias, mas esta foi uma luta

contínua que todos os profetas tiveram com os judeus. Diz-se em Isaías 1:13-15: “Não con-

tinueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sába-

dos, e a convocação das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo a reu-

nião solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me

são pesadas; já estou cansado de as sofrer. Por isso, quando estendeis as vossas mãos,

escondo de vós os meus olhos; e ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei,

porque as vossas mãos estão cheias de sangue”.

E mais uma vez, é dito: “E ainda que me ofereçais holocaustos, ofertas de alimentos, não

me agradarei delas; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos”

(Amós 5:22). Deus aqui nos mostra que as coisas que Ele mesmo ordenara eram imundas

e impuras, quando fossem observadas e mal usadas por hipócritas. Portanto, aprendamos

que quando os homens servem a Deus à sua maneira, eles iludem e enganam a si mesmos.

Diz-se em outro texto, em Isaías: “quem requereu isto de vossas mãos?” [Isaías 1:12]. No

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qual é manifestado que, se queremos que Deus aprove as nossas obras, elas devem estar

de acordo com a Sua Divina Palavra.

Assim, vemos o que São Paulo indica quando diz que não há nada puro para os que são

impuros. E por quê? Pois, mesmo o seu entendimento e consciência estão contaminados.

Por isso ele mostra (como eu antes observei) que até tais tempos em que aprendemos a

servir a Deus corretamente, de forma adequada, não faremos nada de bom em absoluto,

por meio de nossas próprias obras; embora possamos congratular-nos de que elas são de

grande importância, e por esses meios embalar-nos para dormir.

Vejamos quais são as tradições do papado. A finalidade principal delas é fazer um acordo

com Deus, por suas obras de super-rogação, como eles as chamam; isto é, as suas obras

excedentes; que são, quando eles fazem mais do que Deus os ordena. De acordo com su-

as próprias noções, eles executam seu dever para com Ele e contentam-nO com tal paga-

mento que advém de suas obras, e por isso prestam a sua conta. Quando eles jejuaram na

noite de seus santos, quando eles se abstêm de comer carne nas sextas-feiras, quando

eles assistiam à missa com devoção, quando eles tomam água benta, eles pensam que

Deus não deve exigir mais nada deles e que não há nada errado neles.

Mas nesse meio tempo, eles não cessam de satisfazerem-se em lascívia, prostituição, falso

testemunho, blasfêmia e etc. Cada um deles entrega-se aos vícios; ainda assim, não obs-

tante, eles acham que Deus deve considera-Se bem pago, com as obras que Lhe oferece-

ram; como por exemplo, quando eles tomaram água benta, adoraram imagens, perambula-

vam de altar para altar, e outras coisas semelhantes, eles imaginam que efetuaram o paga-

mento e recompensa suficientes por seus pecados. Mas ouvimos a doutrina do Espírito

Santo a respeito de como eles são contaminados; que é: não há nada puro nem limpo em

todas as suas obras.

Mas, colocaremos o caso supondo que todas as abominações dos romanistas não fossem

más em sua própria natureza; ainda assim, não obstante, de acordo com esta doutrina de

São Paulo, não pode haver nada além de impureza neles, pois eles mesmos são pecadores

e impuros. A santidade desses homens consiste em quinquilharias e bugigangas. Eles se

esforçam para servir a Deus nas coisas que Ele não exige deles, e ao mesmo tempo deixam

por fazer as coisas que Ele ordenou em Sua Lei.

Este foi o caso em todas as épocas, de modo que os homens rejeitaram a Lei de Deus por

causa de suas próprias tradições. Nosso Senhor Jesus Cristo censurou os fariseus, quando

Ele diz: “Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição?”

(Mateus 15:3). Assim, foi em tempos antigos, nos dias dos profetas. Isaías exclamou: “Por-

que o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os

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seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para

comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído; Portanto eis que

continuarei a fazer uma obra maravilhosa no meio deste povo, uma obra maravilhosa e um

assombro; porque a sabedoria dos seus sábios perecerá, e o entendimento dos seus

prudentes se esconderá” (capítulo 29:13-14). Enquanto os homens se ocupam com tradi-

ções, eles ignoram as coisas que Deus ordenou em Sua Palavra.

Isso é que fez com que Isaías clamasse contra os tais ao estabelecerem tradições de ho-

mens; dizendo-lhes claramente que Deus ameaçou cegar o mais sábio deles, porque eles

se afastaram da pura regra de Sua Palavra para seguir suas próprias invenções tolas. São

Paulo também faz alusão à mesma coisa, quando diz que eles não têm temor de Deus

diante de seus olhos. Não enganemos a nós mesmos; pois sabemos que Deus requer que

os homens vivam retamente, e abstenham-se de toda a violência, crueldade, malícia e

engano; de forma que nenhuma dessas coisas deve aparecer em nossa vida. Mas àqueles

que não têm temor de Deus diante de seus olhos, é evidente que eles são desenfreados, e

que não há nada, senão impureza em toda a sua vida.

Se quisermos saber como nossa vida deve ser regulamentada, examinemos o conteúdo da

Palavra de Deus; pois não podemos ser santificados pela aparência exterior e pompa, em-

bora sejam tão altamente estimadas entre os homens. Devemos clamar a Deus com since-

ridade, e colocar toda a nossa confiança nEle; devemos desistir do orgulho e presunção, e

recorrer a Ele com verdadeira humildade de espírito para que não sejamos dados a paixões

carnais. Nós devemos nos esforçar para nos manter em reverência, em sujeição a Deus, e

fugir da gula, prostituição, excesso, roubo, blasfêmia e outros males. Assim, nós vemos o

que Deus quer que façamos, a fim de ter nossa vida bem regulada.

Quando os homens querem se justificar por meio de obras exteriores, isto é como cobrir

um monte de sujeira com um pano de linho limpo. Portanto, retiremos a imundície que está

escondida em nossos corações; eu digo, afastemos o mal de nós, e então o Senhor aceitará

a nossa vida: assim podemos ver no que consiste o verdadeiro conhecimento de Deus!

Quando entendemos isso corretamente, isso nos levará a viver em obediência à Sua von-

tade. Os homens não se tornaram tão bestiais, como a não ter nenhuma compreensão de

que existe um Deus que os criou. Mas esse conhecimento, se eles não submetem às Suas

exigências, serve como uma condenação para eles, porque seus olhos estão vendados por

Satanás; de modo que, embora o Evangelho seja pregado a eles, estes não entendem;

vemos muitos nos dias de hoje nesta situação. Quantos há no mundo que foram ensinados

pela doutrina do Evangelho, e ainda continuam em ignorância brutal!

Isto ocorre porque Satanás tem inclinado tanto as mentes dos homens com afeições ímpias

que, embora a luz brilhe sempre tão resplandecente, eles ainda permanecem cegos, e não

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veem nada em absoluto. Aprendamos, então, que o verdadeiro conhecimento de Deus é

de tal natureza que isto se evidencia, e produz fruto através de toda a nossa vida. Portanto,

para conhecer a Deus, como São Paulo disse aos Coríntios, devemos ser transformados à

Sua imagem. Porque, se nós fingimos conhecê-lO, e, entretanto, a nossa vida encontra-se

perdida e ímpia, não é necessária nenhuma testemunha que nos aponte como mentirosos;

nossa própria vida dá testemunho suficiente de que somos zombadores e falsificadores, e

que abusamos do nome de Deus.

São Paulo disse em outro lugar: se vos conheceis a Jesus Cristo, deveis vos despir do ve-

lho homem [Efésios 4:22]; como se ele dissesse: não podemos declarar que conhecemos

a Jesus Cristo, apenas por reconhecê-lO em nossa cabeça, e por Seu receber-nos como

Seus membros, o que não pode ser feito até que tenhamos lançado fora o velho homem, e

nos tornado novas criaturas. O mundo, em todas as épocas, abusou impiamente do nome

de Deus, como ainda o faz atualmente; portanto, tenhamos uma visão do verdadeiro conhe-

cimento da Palavra de Deus, do qual São Paulo fala.

Finalmente, não coloquemos nossas próprias obras na balança, e digamos que elas são

boas, e para que pensemos bem delas; mas compreendamos que as boas obras são aque-

las que Deus ordenou em Sua Lei e que tudo o que nós podemos fazer ao lado destas, não

são nada. Portanto, aprendamos a moldar nossas vidas de acordo com o que Deus orde-

nou; coloquemos nossa confiança nEle, O invoquemos e Lhe demos graças, suportemos

pacientemente tudo o que Lhe agrada nos conceder; lidemos retamente com os nossos

próximos, e vivamos honestamente diante de todos os homens. Estas são as obras que

Deus requer de nossas mãos.

Se não fôssemos tão perversos em nossa natureza, não haveria nenhum de nós, senão o

que pudesse discernir estas coisas; mesmo as crianças teriam habilidade suficiente para

discerni-las. As obras que Deus não ordenou são apenas tolice e uma abominação; pelo

que o puro serviço a Deus é desfigurado. Se nós quisermos saber em que se constituem

as boas obras de que fala São Paulo, devemos deixar de lado todas as invenções dos ho-

mens, e simplesmente seguir as instruções contidas na Palavra de Deus; pois não temos

nenhuma outra regra além daquela que é dada por Ele; que é a que Ele aceitará, quando

prestaremos as nossas contas no Último Dia, quando somente Ele será o Juiz de toda a

humanidade.

Agora, prostremo-nos diante da face de nosso bom Deus, reconhecendo nossas faltas,

orando para que Ele nos faça percebê-las mais claramente, e para que nos conceda tal

confiança no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, para que venhamos a Ele e tenhamos a

certeza do perdão de nossos pecados; e que Ele nos fará participantes da santa fé, pela

qual toda a nossa imundícia é lavada.

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Referências dos Textos deste Volume:

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altere o seu conteúdo nem o utilize para quaisquer fins comerciais.

Salvo indicação em contrário, as citações bíblicas usadas nesta tradução são da versão Almeida

Corrigida Fiel | ACF • Copyright © 1994, 1995, 2007, 2011 Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil.

Jesus no Getsêmani – João Calvino

Via: Monergism.com • Título em Inglês: First Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por Amanda Ramalho • Revisão por William Teixeira.

A Oração e Prisão de Jesus no Getsêmani – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Second Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por Camila Almeida • Revisão por William Teixeira.

A Condenação de Jesus Cristo – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Third Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por Camila Almeida • Revisão por Amanda Ramalho.

Pedro e Judas – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Fourth Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por Camila Almeida • Revisão por William Teixeira.

O Julgamento de Jesus – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Fifth Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por Camila Almeida • Revisão por Amanda Ramalho.

A Crucificação – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Sixth Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por William Teixeira • Revisão por Camila Almeida.

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A Suficiência da Morte de Cristo para a nossa Salvação – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Seventh Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ •

Tradução por Camila Almeida • Revisão por William Teixeira.

O Sepultamento e a Ressurreição de Jesus Cristo – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: Eighth Sermon on the Passion of Our Lord Jesus Christ • Tradução

por Camila Almeida • Revisão por William Teixeira.

Ressurreição – João Calvino

Via: Monergism.com • Título Original: The Resurrection of Jesus Christ • Tradução por Camila Almeida

• Revisão por William Teixeira.

A Doutrina da Eleição – João Calvino

Via: ReformedSermonArchives.com • Título Original: The Doctrine of Election • Tradução por William

Teixeira • Revisão por Camila Almeida.

O Mistério da Piedade – João Calvino

Via: ReformedSermonArchives.com • Título Original: The Mystery of Godliness • Tradução por Camila

Almeida • Revisão por William Teixeira.

Gloriando-se Somente na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo – João Calvino

Via: ReformedSermonArchives.com • Título Original: On Glorying Only in the Cross of Our Lord Jesus

Christ • Tradução por Camila Almeida • Revisão por William Teixeira.

A Pura Pregação da Palavra de Deus – João Calvino

Via: ReformedSermonArchives.com • Título Original: Pure Preaching of the Word • Tradução por William

Teixeira • Revisão por Camila Almeida.

A Palavra de Deus, Nossa Única Regra – João Calvino

Via: ReformedSermonArchives.com • Título Original: The Word Our Only Rule • Tradução por Camila

Almeida • Revisão por William Teixeira.

ORE PARA QUE O ESPÍRITO SANTO os sermões deste volume para trazer muitos

Ao conhecimento salvífico de JESUS CRISTO.

Sola Scriptura!

Sola Gratia!

Sola Fide!

Solus Christus!

Soli Deo Gloria!

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10 Sermões — R. M. M’Cheyne

Adoração — A. W. Pink

Agonia de Cristo — J. Edwards

Batismo, O — John Gill

Batismo de Crentes por Imersão, Um Distintivo

Neotestamentário e Batista — William R. Downing

Bênçãos do Pacto — C. H. Spurgeon

Biografia de A. W. Pink, Uma — Erroll Hulse

Carta de George Whitefield a John Wesley Sobre a

Doutrina da Eleição

Cessacionismo, Provando que os Dons Carismáticos

Cessaram — Peter Masters

Como Saber se Sou um Eleito? ou A Percepção da

Eleição — A. W. Pink

Como Ser uma Mulher de Deus? — Paul Washer

Como Toda a Doutrina da Predestinação é corrompida

pelos Arminianos — J. Owen

Confissão de Fé Batista de 1689

Conversão — John Gill

Cristo É Tudo Em Todos — Jeremiah Burroughs

Cristo, Totalmente Desejável — John Flavel

Defesa do Calvinismo, Uma — C. H. Spurgeon

Deus Salva Quem Ele Quer! — J. Edwards

Discipulado no T empo dos Puritanos, O — W. Bevins

Doutrina da Eleição, A — A. W. Pink

Eleição & Vocação — R. M. M’Cheyne

Eleição Particular — C. H. Spurgeon

Especial Origem da Instituição da Igreja Evangélica, A —

J. Owen

Evangelismo Moderno — A. W. Pink

Excelência de Cristo, A — J. Edwards

Gloriosa Predestinação, A — C. H. Spurgeon

Guia Para a Oração Fervorosa, Um — A. W. Pink

Igrejas do Novo Testamento — A. W. Pink

In Memoriam, a Canção dos Suspiros — Susannah

Spurgeon

Incomparável Excelência e Santidade de Deus, A —

Jeremiah Burroughs

Infinita Sabedoria de Deus Demonstrada na Salvação

dos Pecadores, A — A. W. Pink

Jesus! – C. H. Spurgeon

Justificação, Propiciação e Declaração — C. H. Spurgeon

Livre Graça, A — C. H. Spurgeon

Marcas de Uma Verdadeira Conversão — G. Whitefield

Mito do Livre-Arbítrio, O — Walter J. Chantry

Natureza da Igreja Evangélica, A — John Gill

OUTRAS LEITURAS QUE RECOMENDAMOS Baixe estes e outros e-books gratuitamente no site oEstandarteDeCristo.com.

— Sola Scriptura • Sola Gratia • Sola Fide • Solus Christus • Soli Deo Gloria —

Natureza e a Necessidade da Nova Criatura, Sobre a —

John Flavel

Necessário Vos é Nascer de Novo — Thomas Boston

Necessidade de Decidir-se Pela Verdade, A — C. H.

Spurgeon

Objeções à Soberania de Deus Respondidas — A. W.

Pink

Oração — Thomas Watson

Pacto da Graça, O — Mike Renihan

Paixão de Cristo, A — Thomas Adams

Pecadores nas Mãos de Um Deus Irado — J. Edwards

Pecaminosidade do Homem em Seu Estado Natural —

Thomas Boston

Plenitude do Mediador, A — John Gill

Porção do Ímpios, A — J. Edwards

Pregação Chocante — Paul Washer

Prerrogativa Real, A — C. H. Spurgeon

Queda, a Depravação Total do Homem em seu Estado

Natural..., A, Edição Comemorativa de Nº 200

Quem Deve Ser Batizado? — C. H. Spurgeon

Quem São Os Eleitos? — C. H. Spurgeon

Reformação Pessoal & na Oração Secreta — R. M.

M'Cheyne

Regeneração ou Decisionismo? — Paul Washer

Salvação Pertence Ao Senhor, A — C. H. Spurgeon

Sangue, O — C. H. Spurgeon

Semper Idem — Thomas Adams

Sermões de Páscoa — Adams, Pink, Spurgeon, Gill,

Owen e Charnock

Sermões Graciosos (15 Sermões sobre a Graça de

Deus) — C. H. Spurgeon

Soberania da Deus na Salvação dos Homens, A — J.

Edwards

Sobre a Nossa Conversão a Deus e Como Essa Doutrina

é Totalmente Corrompida Pelos Arminianos — J. Owen

Somente as Igrejas Congregacionais se Adequam aos

Propósitos de Cristo na Instituição de Sua Igreja — J.

Owen

Supremacia e o Poder de Deus, A — A. W. Pink

Teologia Pactual e Dispensacionalismo — William R.

Downing

Tratado Sobre a Oração, Um — John Bunyan

Tratado Sobre o Amor de Deus, Um — Bernardo de

Claraval

Um Cordão de Pérolas Soltas, Uma Jornada Teológica

no Batismo de Crentes — Fred Malone

Page 161: Sermões - O ESTANDARTE DE CRISTOoestandartedecristo.com/data/SermCIesporJoCeoCalvino.pdf · 6º Sermão sobre a Paixão de Cristo: A Crucificação ... de Jesus Cristo ... São Paulo

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2 Coríntios 4

1 Por isso, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos;

2 Antes, rejeitamos as coisas que por vergonha se ocultam, não andando com astúcia nem

falsificando a palavra de Deus; e assim nos recomendamos à consciência de todo o homem,

na presença de Deus, pela manifestação da verdade. 3 Mas, se ainda o nosso evangelho está

encoberto, para os que se perdem está encoberto. 4 Nos quais o deus deste século cegou os

entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória

de Cristo, que é a imagem de Deus. 5 Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo

Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus. 6 Porque Deus,

que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações,

para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. 7 Temos, porém,

este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. 8 Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados.

9 Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos;

10 Trazendo sempre

por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus

se manifeste também nos nossos corpos; 11

E assim nós, que vivemos, estamos sempre

entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na

nossa carne mortal. 12

De maneira que em nós opera a morte, mas em vós a vida. 13

E temos

portanto o mesmo espírito de fé, como está escrito: Cri, por isso falei; nós cremos também,

por isso também falamos. 14

Sabendo que o que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará

também por Jesus, e nos apresentará convosco. 15

Porque tudo isto é por amor de vós, para

que a graça, multiplicada por meio de muitos, faça abundar a ação de graças para glória de

Deus. 16

Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o

interior, contudo, se renova de dia em dia. 17

Porque a nossa leve e momentânea tribulação

produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; 18

Não atentando nós nas coisas

que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se

não veem são eternas.