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SERVIÇO SOCIAL GIANE FRANCIELE NEGRI A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS: ELEMENTOS DA POLÍTICA DE SAÚDE EM TOLEDO-PR TOLEDO-PR 2016

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SERVIÇO SOCIAL

GIANE FRANCIELE NEGRI

A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS:

ELEMENTOS DA POLÍTICA DE SAÚDE EM TOLEDO-PR

TOLEDO-PR

2016

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GIANE FRANCIELE NEGRI

A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS:

ELEMENTOS DA POLÍTICA DE SAÚDE EM TOLEDO-PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Serviço Social, Centro de

Ciências Sociais Aplicadas da Universidade

Estadual do Oeste do Paraná, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Serviço Social.

Orientadora: Profa: Dra. Rosana Mirales

TOLEDO-PR

2016

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GIANE FRANCIELE NEGRI

A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS:

ELEMENTOS DA POLÍTICA DE SAÚDE EM TOLEDO-PR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Curso de Serviço Social, Centro de Ciências

Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do

Oeste do Paraná, como requisito parcial à

obtenção do grau de Bacharel em Serviço

Social.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profa. Dra. Rosana Mirales

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

________________________________________

Profa. Ms. Ineiva Terezinha Kreutz

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

________________________________________

Profa. Dra. Manoela de Carvalho

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 16 de fevereiro de 2016.

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Dedico este trabalho a minha Mãe, que

aguerridamente me ensinou a lutar pelos meus

sonhos! Também, às mulheres que lutam por

uma sociedade livre das mazelas do

machismo, do capitalismo e do patriarcado.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, e de importância imensurável, agradeço a minha MÃE, pelo seu zelo,

pela sua bravura e por não ter desistido de acreditar nos momentos mais difíceis; por levantar

todos os dias e enfrentar os obstáculos e pedras no caminho; por me ajudar, cotidianamente, a

concretizar esse processo de formação profissional, mas também político. Sem ela nada disto

seria possível.

As minhas irmãs, Gisele e Glaucia, pelas partilhas da vida; por sempre estarem

presentes, nas alegrias e tristezas. Ao meu pequeno amor, Anthony, poço de doçura e graça,

que veio ao mundo para encantar nossos corações e despertar os melhores sorrisos.

Ao meu amor de longa trajetória, César, que me acompanhou neste processo e que não

mediu esforços para contribuir sempre que precisei. Aos carinhos trocados, aos beijos

roubados, às experiências vividas. “Difícil precisar, quanto preciso”.

A minha família querida que, de forma contundente, sempre dispôs de seus esforços

para me ajudar: Tias Ivete, Ivanda, Ivanete, Ivone, e Tios Ivar, Ivaldir e Valcir. A minha

amada Avó materna, pelo seu zelo, ao meu avô materno, pelos seus risos. À minha sogra e

sogro pelo carinho.

Alegremente, aos melhores, o “Hepteto fantástico”: Sérgio, Natália, Fernanda, Isabel,

Sandy, Lilian. Amigxs na diversidade. Um grande amor por vocês, por partilharmos risos,

tristezas, alegrias e vivências.

Pelas experiências no movimento estudantil de Serviço Social, Centro Acadêmico de

Serviço Social (2012, 2013 e 2014), Encontro Local de Estudantes de Serviço Social (2015),

Encontros Regionais de Estudantes de Serviço Social (2014 e 2015), Seminário Regional de

Formação Profissional e Movimento Estudantil de Serviço Social (2014), Encontro Nacional

de Estudantes de Serviço Social (2015) e pelas pessoas incríveis de luta que estiveram

presentes nestes espaços. Aos movimentos sociais que compuseram minha trajetória, Marcha

Mundial das Mulheres: “Seguiremos em Marcha, até que todas sejamos livres”.

Agradeço à Profa. Dra. Rosana Mirales pelo processo de conhecimento que me

possibilitou construir, desde 2013, com o primeiro projeto de iniciação científica até a

elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso em 2016. Obrigada pela dedicação e pelos

ensinamentos.

Agradeço à banca examinadora, Ineiva Terezinha Kreutz e Manoela de Carvalho, por

ter aceito o meu convite e que, com certeza, contribuirá nesta etapa de formação acadêmica.

Agradeço também a todas/os as/os docentes do Curso de Serviço Social que fizeram parte dos

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quatro anos de graduação. Tenham certeza que deixarão boas sementes. Sou grata pela

oportunidade de ingressar numa universidade pública estadual como a UNIOESTE, com

docentes e demais funcionários/as comprometidos/as com uma educação de qualidade,

mesmo em meio à precariedade do ensino e de condições de trabalho. Em meio às

dificuldades de permanecer, sem nenhum tipo de assistência aos/as estudantes espero

concretizar esse sonho!

À turma de 2012 de Serviço Social, obrigada pelas trocas e alegrias.

Agradeço às participantes da pesquisa pelas contribuições na realização deste trabalho.

Agradeço a todas as mulheres que lutam, cotidianamente, pelos seus sonhos e conquista de

direitos.

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Sempre que penso nas mulheres, me vem a

imagem de um rio enorme e caudaloso que

temos que atravessar. Umas apenas molham os

pés e desistem, outras nadam até a metade e

voltam, temendo que lhe faltem forças. Mas há

aquelas que resolvem alcançar a outra margem

custe o que custar. Da travessia, vão largando

pedaços de carne, pedaços delas mesmas. E

pode parecer aos outros que do lado de lá vai

chegar um trapo humano, uma mulher

estraçalhada. Mas o que ficou pelo caminho é

tão somente a pele velha. Na outra margem

chega uma nova mulher...

(Zuleika Alambert)

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NEGRI, Giane Franciele. A construção sócio-histórica dos direitos reprodutivos:

elementos da Política de Saúde em Toledo-PR. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado

em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Estadual do Oeste do

Paraná – Campus de Toledo-PR, 2016.

RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem como objeto de estudos os direitos

reprodutivos, com especial atenção à situação das mulheres. O objetivo geral foi refletir sobre

a construção sócio-histórica dos direitos reprodutivos e apresentar elementos da Política de

Saúde no Município de Toledo/PR. Como justificativa da pesquisa foram contextualizados: 1)

a Política Nacional de Saúde, tomando como ponto de referência o Movimento de Reforma

Sanitária e a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), no contexto da Constituição

Federal, em fins da década de 1980 e a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde das

Mulheres - PNAISM, iniciada com o Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher -

PAISM em 1983; 2) os direitos reprodutivos, quando foi considerado o seu reconhecimento

como direito formal a partir da realização da Conferência Internacional sobre População e

Desenvolvimento, que ocorreu no Cairo, Egito em 1994, o que o torna parte dos direitos

sexuais e humanos; 3) o debate de gênero e a proposição de políticas de igualdade entre

homens e mulheres. Como forma de apropriação dos debates de gênero, realizamos alguns

apontamentos, a partir da compreensão de que homens e mulheres sofrem distintamente as

consequências das relações sociais (compreendidas como uma totalidade que contempla as

dimensões de classe, gênero, raça-etnia). A metodologia adotada na pesquisa para coleta de

informações foi subsidiada pelo que vários autores consideram “estudo de caso”, no entanto, o

que se buscou foi fazer aproximações sucessivas da singularidade. Para realizar as três

entrevistas foi adotado o formulário semiestruturado, mediante a utilização de gravador,

autorizado pelas entrevistadas respaldadas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE). Verificou-se que um dos principais direitos conquistados pelas mulheres nas últimas

décadas foram os direitos sexuais e reprodutivos, na esfera dos direitos humanos, facilitado

pela ampliação da perspectiva de gênero nos documentos legais. Esses avanços não

significaram mudanças reais na vida das mulheres, uma vez que, segundo as entrevistadas

apresentam-se mais consolidados os atendimentos voltados aos aspectos da maternidade e da

criança, estando distante de serem consideradas as demais necessidades nos aspectos da saúde

reprodutiva. As profissionais entrevistadas são militantes das políticas sociais, sendo exercido

por parte delas grande empenho também nos espaços de controle social e na organização de

conferências.

Palavras-chave: Direitos reprodutivos; Mulher; Gênero.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APADA Associação de Pais, Amigos, Deficientes Auditivos e Surdos

CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CIPD Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo

CNPM

CNPQ

CNS

DSTs

Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Conselho Nacional de Saúde

Doenças Sexualmente Transmissíveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

MS Ministério da Saúde

ONG Organização não-governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAISM

PR

Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher

Paraná

PMS Plano Municipal de Saúde

PNAISM Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher

PNPM Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

PSF Programa Saúde da Família

PSMI Programa de Saúde Materno Infantil

SPM Secretaria de Políticas para as Mulheres

SUS Sistema Único de Saúde

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE ...................... 18

1.1 POLÍTICAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO CAPITALISMO .................................. 18

1.2 DO MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

(SUS) ................................................................................................................................... 20

1.3 PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER (PAISM) E

POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER

(PNAISM) ........................................................................................................................... 27

2 DIREITOS HUMANOS, GÊNERO E DIREITOS REPRODUTIVOS: RUMO ÀS

POLÍTICAS DE IGUALDADE DE GÊNERO .............................................................. 35

2.1 A CONQUISTA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS ................................................ 35

2.2 RELAÇÕES DE GÊNERO E A SAÚDE DAS MULHERES ...................................... 46

3 OS DIREITOS REPRODUTIVOS EM ÂMBITO LOCAL ....................................... 53

3.2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO-PR NOS ASPECTOS DE

SAÚDE E SAÚDE DA MULHER ..................................................................................... 53

3.3 ELEMENTOS DA POLÍTICA DE SAÚDE NA PERSPECTIVA DAS

ENTREVISTADAS ............................................................................................................ 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 79

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 83

APÊNDICES ...................................................................................................................... 88

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INTRODUÇÃO

Foi inaugurado internacionalmente a partir da realização da Conferência Internacional

sobre População e Desenvolvimento no Cairo (CIPD) em 1994, o reconhecimento dos direitos

sexuais e reprodutivos, entendidos para além do simples exercício da reprodução humana, em

um sentido mais amplo, interligado aos demais direitos, como os sociais, os políticos e os

culturais. Ademais, essa Conferência se destacou decisivamente ao colocar em questão a

qualidade das políticas sociais que vinham sendo desenvolvidas no campo da vida sexual e

reprodutiva de mulheres e homens, mostrando a importância de – para além da concepção –

considerar a necessidade de políticas sociais mais amplas e formuladas sob uma perspectiva

de gênero. Nesse sentido, na medida em que houver, por parte dos mecanismos legais, dos

governos, um esforço em incorporar nas políticas sociais à equidade de gênero, observaremos

avanços ainda maiores no campo dos direitos sociais, entre estes os sexuais e reprodutivos,

econômicos, políticos, culturais.

Para a realização desta pesquisa realizamos um recorte teórico para estudar os direitos

reprodutivos. Compreendemos que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos possuem

imbricações e se constituem enquanto parte dos direitos humanos de homens e mulheres,

sendo fundamentais e essenciais para a vida humana. Todavia, não podem ser reduzidos a

uma mesma definição, pois possuem especificidades e significados próprios. A aproximação

com a temática vem se dando desde o desenvolvimento de projetos de iniciação científica e

também na disciplina de Pesquisa em Serviço Social II, no Curso de Serviço Social. A

delimitação do objeto de estudo para os direitos reprodutivos se deu por entendermos que os

direitos sexuais e os direitos reprodutivos são discussões amplas, sendo viável e possível nesta

pesquisa fazer o recorte teórico para estudar os direitos reprodutivos e posteriormente

prosseguir com os estudos mais aprofundados das duas noções: direitos sexuais e

reprodutivos.

O interesse pela temática é resultado de reflexões e estudos realizados em pesquisas de

iniciação científica na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de

Toledo-PR. Foram desenvolvidos dois projetos de iniciação científica, que estiveram

vinculados às atividades do Projeto de Pesquisa Relações de Gênero e Agricultura Familiar:

estudo na Linha Cerro da Lola – Toledo-PR1, que teve como um de seus objetivos

1 O Projeto de pesquisa: Relações de Gênero e Agricultura Familiar: estudo na linha Cerro da Lola – Toledo-PR

é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Chamada

MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 32/2012 e teve vigência de fevereiro de 2012 a fevereiro de 2015. A equipe do

projeto de pesquisa era composta por duas docentes do Curso de Serviço Social, sendo uma coordenadora do

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específicos: observar aspectos relacionados à raça/etnia, sexualidade, saúde e violência

doméstica no campo. O primeiro projeto de iniciação científica (MIRALES; NEGRI, 2014)

foi executado de agosto de 2013 a julho de 2014, intitulado Metamorfoses da “questão

social”, diversidade humana e os direitos à saúde sexual e reprodutiva e contou com o

financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Este projeto significou um primeiro contato com a temática saúde sexual e reprodutiva numa

perspectiva de gênero, tendo como referência o contexto que permeia as desigualdades de

gênero; e o segundo projeto (MIRALES; NEGRI, 2015), foi executado de agosto de 2014 até

julho de 2015, intitulado Saúde sexual e saúde reprodutiva: uma abordagem de gênero em

âmbito rural, contando com o financiamento da Fundação Araucária de Apoio ao

Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná. Este segundo projeto

significou a continuidade dos estudos sobre saúde sexual e saúde reprodutiva a partir de uma

perspectiva de gênero, voltada aos aspectos em âmbito rural, devido ao vínculo com às

atividades que estavam sendo desenvolvidas pelo projeto Relações de Gênero e Agricultura

Familiar: estudo na Linha Cerro da Lola – Toledo-PR. Buscou-se observar neste segundo

projeto como se manifestam os aspectos de saúde das mulheres que residem na localidade

rural.

Nesse sentido, foi possível observar a partir de tais estudos que as relações de gênero

têm reflexos nos aspectos que envolvem os direitos reprodutivos. Esses aspectos se

manifestam no cotidiano das mulheres, mas também estão presentes no dia a dia dos homens,

seja nas relações entre mãe e filho, esposo e esposa, irmã e irmão, seja em qualquer outra

situação em que o sexo masculino e o feminino ou orientação sexual se manifestam. Ademais,

os reflexos das relações de gênero fazem parte das práticas e serviços de saúde desenvolvidos

pela Política de Saúde, que envolve diferentes profissionais em práticas especializadas e

interdisciplinares.

A compreensão dos direitos reprodutivos se pauta no entendimento de que esses

direitos são constituídos por princípios dos direitos humanos. Isto significa que, na trajetória

de luta pelos direitos humanos e, consequentemente, pelos direitos sexuais e reprodutivos,

entendemos que são inerentes à vida humana as questões relacionadas ao direito de decidir

pelo exercício da maternidade/paternidade, bem como sobre o número e o espaçamento entre

os/as filhos/as, com acesso a informações, à educação sexual e acesso aos serviços de saúde

de planejamento familiar e, também, de saúde sexual. O reconhecimento dos direitos

projeto e outra colaboradora, além de duas assistentes sociais voluntárias e duas bolsistas graduandas do Curso

de Serviço Social.

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reprodutivos, enquanto direitos humanos permitiu que fossem levadas em consideração as

desigualdades de gênero, raça/etnia, classe, ao mesmo tempo em que fossem consideradas as

especificidades dos grupos sociais.

As relações de gênero permeiam o debate sobre a conquista dos direitos reprodutivos e

sobre como essas relações sociais de gênero refletem na saúde de homens e mulheres na

sociedade. Compreendidas como as relações entre homens e mulheres, meninos e meninas e

construídas social e culturalmente pela sociedade, as relações de gênero devem ser observadas

na sua totalidade, pois se configuram de determinada forma em cada modo econômico de

produção, ligadas a questões de raça/etnia, classe social e orientação sexual, entre outros

fatores. A partir da construção social e cultural de gênero, distintos lugares e papéis sociais

foram definidos para que as categorias de sexo desempenhassem na sociedade, bem como as

formas de sociabilidade de cada um/a. Nesse contexto, como um caso específico das relações

de gênero, tem-se o patriarcado, que está pautado em uma relação de dominação-exploração

das mulheres. No patriarcado as relações sociais são hierarquizadas entre seres socialmente

desiguais, já as relações de gênero compreendem também relações igualitárias (SAFFIOTI,

2015). Estas relações devem ser compreendidas e articuladas às questões do racismo, do

machismo, do sexismo e do capitalismo.

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Serviço Social tem como problema:

como vem se dando a implantação das políticas que consolidam os direitos reprodutivos na

Política de Saúde, com base em revisões bibliográficas e em estudos da situação de Toledo-

PR. A fim de responder ao problema, elencamos como objetivo geral: refletir sobre a

construção sócio-histórica dos direitos reprodutivos e apresentar elementos da Política de

Saúde no Município de Toledo-PR. Para tanto, buscamos conhecer como se deu a construção

da noção de direitos reprodutivos, se esta pode ser entendida como um direito humano, bem

como, como se deu a sua incorporação na CIPD, compreendendo a trajetória de construção

desse direito como uma conquista, efetivada por meio de lutas de movimentos sociais;

movimento de mulheres; profissionais de saúde; e estudiosas da temática que buscaram, a

partir da construção da coletividade, alterar, nos serviços e ações de saúde, a visão materno-

infantil com que a mulher era concebida nos programas e políticas. Nesse sentido, a partir da

formulação do PAISM e da PNAISM avanços formais foram obtidos.

Como objetivos específicos, elencamos os seguintes pontos: a) Contextualizar a

Política Nacional de Saúde a partir dos anos de 1980 até a Política Nacional de Atenção

Integral a Saúde da Mulher (PNAISM); b) Apreender elementos dos debates sobre as relações

de gênero; c) Relatar a situação da Política de Saúde no Município de Toledo-PR, com base

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nos levantamentos realizados na pesquisa; e d) Caracterizar o Município de Toledo-PR nos

aspectos de saúde e saúde da mulher.

Para melhor especificar os conteúdos deste trabalho, de acordo com os objetivos

especificados, apresentaremos os três capítulos que o estruturam. No primeiro, realizamos

uma breve contextualização da Política Nacional de Saúde brasileira enquanto política social,

a partir dos anos de 1980, com o protagonismo político e social do Movimento de Reforma

Sanitária, bem como o processo de democratização pelo qual o país estava passando, tendo

em vista que, desde 1964, estava sob autoridade de um regime político ditatorial. Destacamos

a importância da promulgação da Constituição Federal de 1988, como mecanismo

fundamental para a garantia dos direitos aos/às cidadãos/ãs – expressão de muita luta e

reivindicação por parte da sociedade civil e dos movimentos sociais. Ademais, buscamos

apresentar como a Política de Saúde foi incorporando ações e serviços para o atendimento à

saúde das mulheres, a exemplo dos programas de Atenção Materno Infantil, de Atenção

Integral à Saúde da Mulher e, recentemente, a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde

da Mulher. Ao final, contextualizamos, brevemente, como as políticas sociais,

consequentemente a Política de Saúde, foram afetadas pela dinâmica das políticas de ajuste

neoliberal.

No segundo capítulo, buscamos apresentar aproximações acerca do debate sobre a

trajetória sócio-histórica dos direitos reprodutivos, apresentando, como marco para a

conquista desse direito, a realização, em 1994, da CIPD, que inaugura, no plano internacional,

a adoção do termo, reconhecendo-o como parte fundamental dos direitos humanos.

Procuramos, também, refletir sobre as relações de gênero na sociedade e quais seus impactos

nas questões de saúde, tendo em vista que homens e mulheres sofrem, distintamente, as

desigualdades ocasionadas pela construção social e cultural feita em cima dos sexos. Em

seguida, apontamos a importância do debate e da incorporação da equidade de gênero nos

serviços de saúde, para garantir o empoderamento de homens e mulheres, sobretudo das

mulheres; e, brevemente, contextualizamos alguns avanços no campo das políticas sociais

para mulheres, a exemplo dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres.

No terceiro, e último capítulo, apresentamos os conteúdos e a análise da pesquisa de

campo, realizada com três mulheres do Município de Toledo-PR, que têm vivência tanto em

relação aos serviços de saúde, como na trajetória de mobilização e luta das mulheres. Por

meio das entrevistas foi possível observar que as políticas de saúde avançaram no país; que o

processo de controle social e participação popular é fundamental para conquista das políticas

sociais; que há muitas coisas ainda que precisam avançar nos serviços de saúde. As

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entrevistadas destacaram que a equidade de gênero carece de ações mais decisivas; e que os

serviços de saúde no Município de Toledo, voltados aos direitos reprodutivos estão melhor

consolidados em relação às ações de planejamento familiar e gestação, colocando em

evidência que ações que concebem e responsabilizam as mulheres a partir do binômio mãe-

filho/a estão presente no campo das práticas profissionais, dos serviços de saúde. Finalizamos

o trabalho com as considerações, a partir da análise dos conteúdos das entrevistas, com base

no referencial que se adotou neste trabalho, destacando a importância do Serviço Social.

A metodologia da pesquisa será especificada na introdução devido à apresentação das

entrevistas no terceiro capítulo deste trabalho. Para realização da pesquisa, recorremos à

metodologia exploratória, subsidiada por uma abordagem qualitativa e quantitativa,

viabilizada por meio de levantamentos bibliográficos, pesquisas documentais e de entrevistas,

que geraram elementos para o que, convencionalmente, considera-se “estudo de caso”, uma

vez que a pesquisa se situa espacial e temporalmente em Toledo, município de médio porte do

Paraná.

Como aponta Minayo (2014), a experiência de trabalhos com abordagens quantitativas

e qualitativas demonstra que elas não são compatíveis, mas podem ser integradas num mesmo

projeto de pesquisa. As abordagens qualitativas melhor se adequam a estudos de situações

particulares e universos simbólicos, mas todo o conhecimento, quantitativo (dados

estatísticos, tabelas, gráficos, tabulação) ou qualitativo (percepções, opiniões, crenças), será

sempre um recorte ou uma aproximação.

Foram realizados levantamentos bibliográficos tanto na biblioteca da UNIOESTE, por

meio do sistema Pergamum, como também na internet, em sites como Scielo, Revista Estudos

Feministas, Serviço Social em Revista, Ser Social, Cadernos de Saúde Pública, Revista

Katálysis, entre outras, com o objetivo de selecionar livros e textos que abordassem a

temática: gênero, direitos reprodutivos, direitos humanos, saúde, saúde reprodutiva.

Como aponta Gil (2008), os levantamentos bibliográficos constituem-se enquanto uma

pesquisa em material já elaborado, como livros e artigos científicos sobre a temática a que ser

quer investigar, e subsidiam teoricamente os estudos e a reflexão sobre o objeto de estudo no

desenvolvimento da pesquisa. Também foram realizados os levantamentos de documentos, na

Secretaria Municipal de Saúde, como o Plano Municipal de Saúde (PMS), período de 2014-

2017, bem como aqueles de âmbito federal, como o PAISM, PNAISM e PNPM 2013-2015 e

internacional, como da Organização das Nações Unidas (ONU). A pesquisa documental é

muito semelhante à pesquisa bibliográfica, diferenciando-se somente na natureza das fontes,

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pois tem como fontes, materiais que ainda não receberam um tratamento analítico (GIL,

2008).

Com o objetivo de recuperar elementos da construção da Política de Saúde no

Município de Toledo-PR, evidenciando os aspectos dos direitos reprodutivos, foram

selecionadas três entrevistadas para contribuir no resgate de elementos a respeito dos direitos

reprodutivos no Município, bem como da trajetória de luta das mulheres. As entrevistas foram

realizadas com uma (1) assistente social de Toledo-PR que teve/tem seu exercício profissional

relacionado aos serviços de saúde, uma (1) socióloga que possui em sua trajetória de vida a

experiência de acompanhar as lutas das mulheres e feministas e uma (1) enfermeira do

Município de Toledo-PR. A escolha das três entrevistadas pautou-se no entendimento de que

estas poderiam ter elementos para contribuir com esta temática, devido às suas vivências, e

no caso da assistente social, fazer aproximações com a profissão e sua inserção nos serviços

de saúde. Por meio das entrevistas, buscamos refletir sobre como vem se estruturando os

serviços de saúde no Município de Toledo-PR, atentando para os relatos e vivências que

pudessem contribuir para se verificar as formas como as mulheres vêm sendo concebidas nas

políticas de saúde do Município e como a igualdade de gênero vem se efetivando nas ações e

nos serviços.

“A amostra é um subconjunto do universo ou da população que permite estabelecer ou

estimar as características do universo ou população” (GIL, 2008, p. 90). Decidiu-se definir

para o desenvolvimento desta pesquisa, a amostra não probabilística, que não necessita

apresentar fundamentação matemática ou estatística, dependendo somente de critérios do (a)

pesquisador (a). O tipo de amostragem não probabilística que será utilizada refere-se a

amostragem por acessibilidade ou por conveniência, que como aponta Gil (2008, p. 94) “o

pesquisador seleciona elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma

forma, representar o universo”. Os critérios para escolha da amostra da pesquisa são resultado

de reflexões a respeito das contribuições que as participantes poderão apresentar no que diz

respeito a construção da Política de Saúde no Município, bem como nos processos de

mobilização e reivindicação pelos direitos das mulheres, com vistas a garantia da igualdade de

gênero na sociedade.

O projeto foi cadastrado na Plataforma Brasil e obteve o Parecer favorável do Comitê

de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIOESTE, seguindo as suas prerrogativas.

A pesquisa de campo, como aponta Gil (2008) é um tipo de pesquisa que se

caracteriza pela interrogação direta das pessoas, cuja realidade se quer conhecer. Neste

trabalho, nos utilizamos do que os autores denominam de estudo de caso, ressaltando que

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buscamos fazer aproximações sucessivas das singularidades. Para Chizzotti (2001) o estudo

de caso é uma caracterização abrangente para designar uma diversidade de pesquisas que

coletam e registram dados de um caso particular, ou de vários casos. Para André e Ludke

(1986), “O estudo de caso é o estudo de um caso, seja ele simples ou específico [...]” (p. 17,

grifo do autor). Essa metodologia não pretende partir de uma visão predeterminada da

realidade, mas apreender os aspectos ricos e os imprevistos que envolvem determinada

situação. É de suma importância determinar os focos da investigação e estabelecer os

contornos do estudo, pois nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno num

tempo razoavelmente limitado. A seleção de aspectos mais relevantes e a determinação do

recorte são cruciais para atingir os propósitos do estudo de caso e para chegar a uma

compreensão mais completa da situação estudada (ANDRÉ; LUDKE, 1986).

Na pesquisa de campo, foi realizada a coleta de informações por meio de formulário

de entrevista semiestruturado, mediante a obtenção de relatos das entrevistadas, de modo que

as mesmas tiveram a possibilidade de discorrer sobre os temas. “A entrevista semiestruturada,

obedece a um formulário que é apropriado fisicamente e utilizado pelo/a pesquisador/a”

(MINAYO, 2014, p. 267). O roteiro de entrevista foi elaborado de acordo com as

especificidades de cada entrevistada, conforme consta em apêndice (I, II e III). Isto significa

que, algumas questões se assemelham, como por exemplo, a concepção de saúde, saúde

reprodutiva e direitos reprodutivos, porém outras são mais especificas, como a atuação

profissional, tendo em vista que as três entrevistadas possuem atuações diversas. Destaca-se

que o roteiro de entrevista foi elaborado para captar as diferentes vivências que as

entrevistadas possuem, e que estas vivências estão relacionadas tanto aos serviços de saúde,

como da trajetória de luta das mulheres para a conquista dos direitos. Neste sentido, irão

aparecer no trabalho concepções e categorias utilizadas pelas entrevistadas na sua

compreensão dos direitos reprodutivos e da organização política das mulheres, como

exemplo, equidade de gênero e empoderamento, sendo estas categorias incorporadas ao

trabalho.

Para realizar as entrevistas, realizamos contato telefônico e via e-mail com as

selecionadas, para apresentar a proposta de pesquisa, convidando-as a contribuir com a

pesquisa e agendando dia e horário para realização da entrevista. Após o aceite das mesmas,

no local, data e horário marcados, realizamos a leitura do Termo de Consentimento Livre

Esclarecido (TCLE) que consta em apêndice (IV), garantindo o resguardo do sigilo e a

confidencialidade das informações coletadas após entrevista, de acordo com a Resolução

Nº466/2012 Conselho Nacional de Saúde(CNS)/Ministério da Saúde (MS) e suas

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complementares. No decorrer das entrevistas utilizamos o gravador mediante o consentimento

das entrevistadas, para auxiliar na fase de transcrição das falas e também auxiliando na

organização do material para sua análise. Após esta etapa, adotou-se a transcrição das falas e

seus conteúdos estarão identificados em itálico nas transcrições, fiel ao conteúdo gravado.

Conforme Minayo (2014) a ordenação das informações coletadas requer algumas

etapas sendo elas, a transcrição das entrevistas; a releitura do material; a organização dos

relatos, em uma determinada ordem, já supondo uma prévia classificação; a organização das

informações de acordo com a proposta de análise. Ou seja, a transcrição deve ser tal e qual

como foi obtida, priorizando sempre a releitura daquilo que foi escrito. As informações

relatadas devem ser organizadas por ordem, indicando com isso o início do processo de

classificação e os dados que serão observados também devem ser organizados por ordem,

neste caso as informações sobre a construção da política de saúde e saúde da mulher e os

processos de mobilização e reivindicação pelos direitos das mulheres. Deste modo, é possível

que o/a pesquisador/a adquira um mapa horizontal de suas descobertas do trabalho em campo

(MINAYO, 2014).

Após a etapa de transcrição das entrevistas, realizou-se a leitura das transcrições para

dar início ao processo de análise de seus conteúdos. A partir disto, observou-se pontos

semelhantes, divergentes e aspectos peculiares de cada entrevistada sobre a temática. Neste

sentido, a estruturação das falas está organizada da seguinte maneira: os conteúdos que se

assemelham ou divergem estão em sequência, já os aspectos peculiares de cada atuação e

vivência das entrevistadas complementam o desenvolvimento do capítulo, considerando igual

importância para seus conteúdos. Por meio da categoria diretos reprodutivos, foi possível

classificar os dados, podendo reunir trechos, conteúdos, vivências semelhantes das

entrevistadas.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE

1.1 POLÍTICAS SOCIAIS NO CONTEXTO DO CAPITALISMO

Este capítulo tem como objetivo contextualizar a Política Nacional de Saúde no Brasil,

a partir da década de 1980, apresentando a trajetória de construção do Sistema Único de

Saúde (SUS) com a atuação do Movimento de Reforma Sanitária. Além disto, apresentamos

como a Política de Saúde foi incorporando ações e serviços para o atendimento à saúde das

mulheres, como os programas de Saúde Materno Infantil, de Atenção Integral à Saúde da

Mulher e, recentemente, a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher.

Compreender a política de saúde no Brasil, a partir do Movimento de Reforma

Sanitária – seus avanços, desafios, retrocessos – perpassa pela compreensão do significado da

política social no contexto das relações capitalistas. Nesse contexto, o Estado intervém na

“questão social” por intermédio das políticas sociais, garantindo, assim, tanto a manutenção

da ordem burguesa, como a contensão das tensões sociais.

A política social consiste em uma estratégia do Estado voltada ao desenvolvimento

econômico dos países, com atuação na correlação de forças sociais, seguindo as

determinações do desenvolvimento econômico vigente. Vieira (2011) afirma que qualquer

política social aplicada pelo governo representa as relações entre o Estado e a economia e

revelam as transformações ocorridas nas relações de apropriação econômica e de exercício de

dominação política. Por comporem uma unidade – distinguindo-se formalmente –, tanto a

política social quanto a política econômica podem expressar mudanças nas relações entre as

classes sociais ou as relações entre distintos grupos sociais, existentes no interior de uma só

classe. Por meio das políticas sociais se evidencia a atuação do Estado no sentido de

incentivar e ampliar o capitalismo no Brasil:

Quando falam em „políticas‟ (política social, política econômica, política

fiscal, política tributária, política de saúde, política habitacional, política de

assistência, política previdenciária, política educacional, etc), estão falando

de estratégias governamentais. As estratégias governamentais pretendem

intervir nas relações de produção (no caso da política econômica) ou intervir

no campo dos serviços sociais (no caso da política social). A distinção entre

política social e política econômica só é sustentável do ponto de vista

didático, porque não existe nada mais econômico que o social e não existe

nada mais social que o econômico [...] (VIEIRA, 2011, p. 18).

Construída no capitalismo, a partir das mobilizações operárias sucedidas ao longo das

primeiras revoluções industriais e, compreendida como estratégia governamental de

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intervenção nas relações sociais, a política social unicamente pôde existir com o surgimento

dos movimentos populares (VIEIRA, 2009).

Assim, como apontam Carvalho e Iamamoto (2011), a existência das políticas sociais

está relacionada às reivindicações da classe trabalhadora pela intervenção do Estado diante

das expressões da “questão social”, sendo esta compreendida como expressão do processo de

formação de desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da

sociedade, que passa a exigir seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do

Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre proletariado e

burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, além da caridade e da repressão.

Dessa forma, a intervenção do Estado nas relações entre o empresariado e a classe

trabalhadora, além de se apresentar por meio de uma regulamentação jurídica do mercado de

trabalho, com a legislação social e trabalhista especifica, passou a se efetivar na organização e

prestação de serviços sociais, como um novo tipo de enfrentamento da “questão social”

(CARVALHO; IAMAMOTO, 2011).

A expressão “questão social” surgiu para dar conta do fenômeno do pauperismo2. A

pauperização massiva da população trabalhadora constitui o aspecto mais imediato da

instauração do capitalismo em seu estágio industrial-concorrencial. Na medida em que a

pobreza aumentava, crescia a capacidade social de produzir riquezas. A Revolução de 1848

trouxe à tona o caráter divergente dos interesses das classes fundamentais (burguesia e

proletariado), sendo que, nesse momento, o proletariado passou da condição de classe em si a

classe para si3. Acendeu então, à consciência política dos trabalhadores, de que a “questão

social” está necessariamente inerente à sociedade burguesa, sendo que, somente a supressão

da sociedade capitalista possibilitará a supressão da “questão social” (NETTO, 2001).

Conforme Carvalho e Iamamoto (2011), historicamente, passou-se da caridade

tradicional, por meio de diversas manifestações filantrópicas promovidas pelas classes

dominantes para a atividade assistencial e a prestação de serviços pelo Estado, resultante da

ampliação do contingente da classe trabalhadora e de sua presença política na sociedade.

Dessa forma, o Estado passou a atuar sistematicamente nas sequelas da exploração do

trabalho expressas nas condições de vida do conjunto da classe trabalhadora.

2 Conforme Netto (2001), o pauperismo diz respeito à pobreza acentuada e generalizada da população.

3 “Convivendo com situações adversas diariamente, os trabalhadores e seus familiares começaram a dar vazão

aos seus propósitos de classe em si e para si. O germe da contradição, o proletariado industrial começou a se

movimentar. Se num primeiro momento atearam fogo, quebraram ou roubaram máquinas, agora iniciam uma

nova forma de manifestar-se. Organizados em associações, agremiações, sindicatos e, posteriormente, em

partidos políticos, registraram na história da classe trabalhadora a forma madura de enfrentar o projeto burguês,

fonte cêntrica responsável pela sua negação em sujeito historia individual e coletivo” (BATISTA, 2014, p. 229).

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No Brasil, o debate sobre as políticas sociais na perspectiva de sua democratização se

intensifica no quadro político dos anos 1980, com a emergência das lutas contra a ditadura

militar e os esforços pela construção democrática do Estado e da sociedade civil. Em um

cenário de crise do Estado autoritário, com o agravamento da “questão social” decorrente do

aumento da miséria e da pobreza e diante do protagonismo de diversos movimentos sociais

para construção e consolidação da Constituição Federal de 1988, o debate sobre a necessidade

de políticas sociais foi intensificado. Esse protagonismo social e político dos mais diversos

movimentos colocou em discussão não apenas o padrão histórico que caracteriza a realização

das políticas sociais, na maioria das vezes seletivas, fragmentadas e setorizadas, mas também

a necessidade de democratizar os processos que definem prioridades e modos de gestão das

políticas e dos programas sociais (RAICHELIS, 2009).

Nesse período, os movimentos sociais foram se rearticulando e as denúncias sobre a

situação precária da saúde pública e dos serviços previdenciários de atenção médica se

tornaram frequentes, concomitante com a ampliação das reivindicações por soluções

imediatas aos problemas criados pelo modelo de saúde vigente. Nesse cenário, sindicatos de

diversas categorias de profissionais da saúde, principalmente médicos, acadêmicos/as4 e

cientistas, debateram em seminários e congressos as epidemias, endemias e a degradação da

qualidade de vida da população. Esse processo de organização política resultou na articulação

de um movimento pela transformação do setor de saúde que teve sua atuação pautada na

articulação com outros movimentos sociais, que tinham em comum a luta por direitos civis e

sociais, entendidos como fundamentais para a consolidação da democracia (EDLER;

ESCOREL; NASCIMENTO, 2005).

1.2 DO MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

(SUS)

É desse contexto de debates e de organização que em 1980 foi criado o projeto de

Reforma Sanitária. Esse projeto teve como uma de suas estratégias o (SUS) e foi resultado de

lutas e de mobilização popular. Compuseram o movimento sanitário, profissionais da saúde,

acadêmicos/as ligados/as à saúde pública, bem como diversos setores da sociedade articulados

aos movimentos populares. A preocupação central desse projeto foi a de assegurar que o papel

4 Neste trabalho buscamos enfatizar o “[...] reconhecimento da linguagem de gênero, adotando-se em todo o

texto a forma masculina e feminina, simultaneamente. Essa última expressa, para além de uma mudança formal,

um posicionamento político, tendo em vista contribuir para negação do machismo na linguagem, principalmente

por ser a categoria de assistentes sociais formada majoritariamente por mulheres” (BRASIL. 2012, p. 13).

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do Estado seja atuar em prol da sociedade, pautado na concepção de Estado democrático e de

direito, responsável pelas políticas sociais, e, consequentemente, a de saúde. Destacam-se

como fundamentos da concepção de saúde do movimento de reforma sanitária, a melhor

explicitação do interesse público, a democratização do Estado e a criação de uma esfera

pública de controle social. A premissa básica desse projeto consistiu na saúde como direito de

todos e dever do Estado (BRAVO; MATOS, 2001).

Edler, Escorel e Nascimento (2005) apontam que o movimento sanitário buscou

conciliar a produção do conhecimento e a prática política, ao mesmo tempo em que

ampliaram sua atuação, envolvendo-se com organizações da sociedade civil nas suas

demandas pela democratização do país. Esse movimento, atuou sob forte pressão do regime

autoritário e se caracterizou gradualmente como uma força política construída a partir da

articulação de uma série de propostas que contestavam o regime.

Na década de 1980 a sociedade brasileira vivenciou tanto um processo de

democratização política, com o fim do regime militar ditatorial instaurado em 1964, bem

como uma profunda crise econômica, que persiste até os dias atuais, com alguns períodos que

apresentam, circunstancialmente, diferenças. A saúde nesse período contou com a

participação de novos sujeitos sociais nas discussões das condições de vida da população

brasileira e das propostas de governo apresentadas para o setor, possibilitando um debate que

perpassou toda a sociedade civil (BRAVO, 2006).

Os personagens que têm destaque nesse cenário são: os profissionais de saúde, que

defendiam a melhoria da situação da saúde e o fortalecimento do setor público; o movimento

sanitário, por meio do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) que difundiu e

ampliou o debate em torno do setor de saúde e democracia; os partidos políticos de oposição,

que começaram a dar visibilidade sobre a temática, viabilizando debates no Congresso; e os

movimentos sociais urbanos, que organizaram eventos em articulação com outras entidades

da sociedade civil para dar visibilidade à temática (BRAVO, 2006).

Bravo (2006) assinala que esses sujeitos coletivos tiveram como principais propostas

para o debate: a universalização do acesso à saúde; a concepção de saúde como direito social

e dever do Estado; a descentralização do processo de decisão para as esferas estadual e

municipal; o financiamento efetivo; e a democratização do poder local, por meio de novos

mecanismos de gestão, como os Conselhos de Saúde. “[...] Saúde deixou de ser interesse

apenas dos técnicos, para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à

democracia”.

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A preparação e a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 17 e

21 de março de 1986, em Brasília, Distrito Federal, marcou, fundamentalmente, a discussão

da saúde no Brasil, sendo expressiva por conter uma importante participação da sociedade.

Seus resultados serviram de referência para os integrantes que participaram. Nessa

Conferência, a questão da saúde ultrapassou a análise setorial, referindo-se à sociedade como

um todo, propondo o Sistema Único e a Reforma Sanitária, formulada a partir dos princípios

da saúde – enquanto direito e dever do Estado – e do acesso universal e igualitário aos

serviços de saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde (BRAVO, 2006).

O atual modelo do Sistema Único de Saúde (SUS) – enquanto um sistema público de

saúde, universal, íntegro e gratuito – começou a ser construído a partir do processo de

democratização do Brasil e antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Destacamos, dessa forma, a importância da 8ª Conferência Nacional de Saúde no processo de

construção do SUS (BRASIL, 2002).

A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou, no plano jurídico, a uma

promessa de afirmação e ampliação dos direitos sociais, perante a crise econômica e os altos

índices de desigualdade social. A Constituição apresentou avanços que buscaram corrigir as

históricas injustiças sociais, porém foi incapaz de universalizar direitos, devido à longa

tradição de privatizar o que era público por meio das classes dominantes (BRAVO, 2006).

Rizzoto (2012) aponta que a Constituição de 1988 se consolidou na contramão do

movimento neoliberal, já iniciado pelos governos conservadores de países centrais, e registrou

em forma de texto as pressões feitas pelos movimentos sociais que reivindicavam o resgate de

uma dívida social acumulada:

Na Constituição Federal de 1988, pela primeira vez, atribui-se ao Estado

brasileiro o dever de proporcionar, a todos os cidadãos, condições e serviços

gratuitos, que dessem conta dos problemas de saúde em toda a sua

complexidade (RIZZOTO, 2012, p. 171).

A visão de saúde como direito social e dever do Estado elaborada pelo projeto de

Reforma Sanitária foi incorporada à Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, que

explicita que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo por meio de políticas

sociais e econômicas a redução do risco de doença e agravos e o acesso universal e igualitário

às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Entretanto, como aponta

Rizzoto (2012), esse padrão redistributivo e mais igualitário não chegou a se efetivar

concretamente no Brasil.

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O SUS, integrante da Seguridade Social5, foi regulamentado em 1990 por meio da

edição de duas leis: a Lei Orgânica da Saúde, n. 8.080, de 19 de setembro, que dispõe sobre as

condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o

funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências; e a Lei n. 8.142, de 28

de dezembro, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as

transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras

providências (BRASIL, 2002).

Na década de 1990, como aponta Levcovitz et al. (2001), a concretização dos

princípios do SUS, criados na Constituição Federal de 1988, encontrou grandes obstáculos,

tanto econômicos quanto políticos. A desigualdade social, traço marcante do país, as

características do federalismo brasileiro e permanência de aspectos do modelo médico-

assistencial privatista prevaleceram. As ideias neoliberais foram fortalecidas, com impacto

nas políticas de abertura econômica, na privatização de empresas estatais, na adoção de

reformas institucionais, direcionando as ações do Estado para uma menor intervenção,

aumento do trabalho informal e do desemprego e a fragilização do movimento sindical. Além

disto, as forças progressistas que estavam comprometidas com o projeto de Reforma Sanitária

passaram, a partir de 1988, a perder espaços na coalizão governante e no interior dos órgãos

estatais (BRAVO, 2006).

Nos anos de 1990, o papel do Estado foi redirecionado, influenciado pela política de

ajuste neoliberal6. Nesse contexto, mesmo com os avanços propostos pelo texto

constitucional, a contrarreforma do Estado é uma estratégia que tem como pressuposto que o

Estado desviou de suas funções básicas (BRAVO, 2006).

5 De acordo com o artigo 194 da Constituição Federal de 1988, “[...] a seguridade social compreende um

conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social. [...] Compete ao Poder Público, organizar a seguridade

social, com base nos seguintes objetivos: universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e

equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na

prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação

no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da administração,

mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do

Governo nos órgãos colegiados.” (BRASIL, 1988, s.p). 6 Conforme Soares (2002), o ajuste neoliberal faz parte de uma redefinição global do campo político-

institucional e das relações sociais. Passa a existir um outro projeto de “reintegração social” [...]. Os pobres

passam a ser uma nova „categoria classificatória‟, alvo das políticas focalizadas de assistência, mantendo sua

condição de „pobre‟ por uma lógica coerente com o individualismo que dá sustentação ideológica a esse modelo

de acumulação: no domínio do mercado existem, „naturalmente‟, ganhadores e perdedores, fortes e fracos [...].

Esse novo modelo de acumulação implica na perda da identidade dos direitos sociais e a restrição da concepção

de cidadania. Há o aprofundamento da separação público-privado e a legislação trabalhista é marcada por uma

maior mercantilização, portanto, cria-se uma desproteção da força de trabalho (p. 12-13).

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Behring e Boschetti (2008) apontam que o desenvolvimento das políticas sociais

historicamente estiveram impregnadas de um espirito reformista, ante a pressão do

movimento dos trabalhadores e trabalhadoras. O termo reforma ganhou sentido no debate do

movimento operário socialista e de suas estratégias revolucionárias, indicando a perspectiva

de melhores condições de vida e de trabalho. Sendo assim, no ponto de vista da autora, o

termo reforma é um patrimônio da esquerda.

Ao longo dos anos de 1990, os problemas no âmbito do Estado brasileiro foram

apontados como causas centrais da crise econômica e social que o país enfrentava desde o

início dos anos de 1980 (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). O Plano Diretor da contrarreforma

do Estado considera que há um esgotamento da estratégia estatizante, havendo a necessidade

de superação do estilo de administração pública burocrática, a favor de um modelo gerencial,

que tem como principais características a descentralização, a eficiência e o controle dos

resultados, a redução de custos e a produtividade, transferindo para o setor privado a execução

das atividades (BRAVO, 2006).

No Brasil, do ponto de vista da reforma democrática anunciada na

Constituição de 1988, em alguns aspectos da estratégia social-democrata e

do espírito welfariano – em especial no capítulo da ordem-social - pode-se

falar de uma contrarreforma em curso entre nós, solapando a possibilidade

política, ainda que limitada, de reformas mais profundas no país, que muito

possivelmente poderiam ultrapassar os próprios limites da social-

democracia, realizando tarefas democrático-burguesas inacabadas em

combinação com outras de natureza socialista (BEHRING; BOSCHETTI,

2008, p. 150).

Nesse contexto, a proposta de Política de Saúde, construída na década de 1980, com o

movimento de reforma sanitária e expressa na Constituição de 1988, foi desconstruída,

ficando a saúde vinculada ao mercado, enfatizando as parcerias com a sociedade civil, na

medida em que transferiu a responsabilidade dos custos da crise para esta. A refilantropização

com o objetivo de reduzir os custos permitiu que agentes comunitários e cuidadores

realizassem as atividades profissionais. A afirmação da hegemonia neoliberal no Brasil teve

como resultado a redução dos direitos sociais e trabalhistas, o desemprego estrutural, a

precarização do trabalho, o desmonte da previdência pública e o sucateamento da educação e

da saúde (BRAVO, 2006).

Nesses processos, os agentes econômicos internacionais assumem papel de

protagonistas, formulando políticas, diretrizes e argumentos econômicos e

financeiros que corroboram o conceito de que o sistema de seguridade

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social, assim como o próprio modelo de Estado regulador e provedor dos

direitos sociais, sofrem de graves defeitos geradores de déficits letais ao

crescimento econômico e ao desenvolvimento dos países (FERREIRA;

ROCHA, 2005, p. 63).

O projeto da saúde articulado ao mercado ou à reatualização do modelo médico

assistencial privatista, pautado na política de ajuste neoliberal, tem como principais

tendências: a contenção dos gastos com racionalização da oferta e a descentralização com

isenção de responsabilidade do poder central. A tarefa do Estado, nesse projeto, consiste em

garantir um mínimo aos que não podem pagar, ficando para o setor privado o atendimento aos

que têm acesso ao mercado (BRAVO, 2006). Suas principais proposições são: caráter

focalizado para atender as populações vulneráveis por meio do pacote básico para a saúde,

ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado (CFESS, 2010).

Rizzoto (2012) explicita que a reforma necessária para o setor de saúde defendida na

década de 1980 pelo movimento de reforma sanitária, foi interrompida e substituída por uma

reforma administrativa e gerencial do Estado. Esta reforma não modificou o caráter

patrimonialista e cartorial do Estado brasileiro, todavia, impediu a concretização do SUS.

Constituindo-se como uma contrarreforma que teve por objetivo desmontar o arcabouço legal

do SUS e impedir sua implementação.

Ainda, de acordo com Rizzoto (2012), a implementação da reforma do Estado

permitiu a focalização do Estado no atendimento das necessidades sociais básicas, reduzindo

a área de atuação, mediante três mecanismos: a privatização, a publicização e a terceirização.

Respectivamente, a primeira, efetivou-se por meio da venda de ativos públicos, que não

deveriam mais permanecer no setor público; a segunda, por meio da transformação de órgãos

estatais em entidades públicas não estatais, de direito privado e sem fins lucrativos; e a

terceira, mediante a contratação de serviços prestados por terceiros.

A contrarreforma do Estado atingiu a saúde por meio das proposições de

restrição do financiamento público; da dicotomia entre ações curativas e

preventivas, rompendo com a concepção de integralidade por meio da

criação de dois subsistemas: o subsistema de entrada e controle, ou seja, de

atendimento básico, de responsabilidade do Estado (uma vez que esse

atendimento não é de interesse do setor privado) e o subsistema de referência

ambulatorial e especializada, formado por unidades de maior complexidade

que seriam transformadas em Organizações Sociais (CFESS, 2010, p. 20).

A contrarreforma do Estado impôs rígidas políticas de ajuste no orçamento público,

acarretando em cortes drásticos no âmbito das políticas sociais, principalmente na área da

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saúde, da educação, das aposentadorias e do seguro-desemprego, substituindo políticas

abrangentes por políticas compensatórias, ou seja, políticas direcionadas a setores específicos

da população, geralmente os mais empobrecidos (FERREIRA; ROCHA, 2005).

No início da década de 2000, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, manteve-se

a política macroeconômica do antigo governo e as políticas sociais permaneceram

fragmentadas e subordinadas a lógica econômica. Houve, nesse período, a expectativa de que

esse governo fortalecesse o projeto de reforma sanitária e não o projeto de saúde articulado ao

mercado e privatista. No entanto, as ações mantiveram a polarização entre os dois projetos,

sendo que em algumas proposições procurou fortalecer o primeiro e, em outras, manteve o

segundo projeto, pautando-se na focalização e na precariedade do financiamento, ou seja,

esperava-se que as políticas sociais adquirissem caráter universalista. Na saúde, a pretensão

era de retorno do projeto da Reforma Sanitária. Entretanto, essa expectativa não se

concretizou e a política de saúde continuou prioritariamente focalizada e sem financiamento

efetivo (BRAVO, 2006).

Nesse sentido, as grandes questões do SUS – como a universalização das ações, o

financiamento efetivo, a política de recursos e a política nacional de medicamentos – não

foram enfrentadas (BRAVO, 2006).

A partir dessa conjuntura da política de saúde, Bravo (2006) assinala que o SUS

constitucional se manifesta muito longe do SUS real. Há uma enorme distância entre o que

propôs o movimento sanitário e a prática social do sistema público de saúde vigente. Além

disto, o Projeto de Reforma Sanitária vem constantemente perdendo a disputa para o projeto

com interesses voltados ao mercado, à lucratividade. Os valores solidários, coletivos e

universais foram sendo substituídos pelos valores individualistas, corporativos e focalistas

que fragmentam o SUS. A superação das profundas desigualdades sociais existentes no país

está estritamente relacionada ao fortalecimento do projeto de Reforma Sanitária, colocando-se

enquanto um grande desafio para os/as profissionais da saúde, os movimentos sociais

populares e demais órgãos e entidades comprometidas com essa proposta de saúde.

A defesa do SUS está pautada na defesa do Estado democrático de direito, sendo

necessário, cotidianamente, efetivar um posicionamento crítico contrário à contrarreforma do

Estado, que transforma os direitos sociais em mercadoria sob a lógica da acumulação de

capital. É fundamental que a sociedade civil, por meio das mais variadas formas de

organização, fortaleça sua atuação social e política em defesa da proposição do SUS,

construída pelos movimentos sociais no cenário das políticas sociais brasileiras.

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1.3 PROGRAMA DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER (PAISM) E

POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DA MULHER (PNAISM)

No contexto das lutas por direitos no Brasil e no mundo, o movimento feminista e de

mulheres desempenhou papel fundamental para dar visibilidade e reconhecimento às

reivindicações e às conquistas sociais das mulheres. Na busca pela superação do entendimento

e do reconhecimento das mulheres a partir de uma visão materno-infantil, isto é, valorizando e

ressaltando as qualidades apenas das mulheres enquanto mães, esses movimentos tiveram – e

tem – sua atuação pautada em bandeiras de luta pela autonomia do corpo das mulheres; pela

liberdade sexual e reprodutiva; pelo direito ao abortamento seguro; pela equidade de gênero

em postos de trabalho e na política; por práticas de saúde de caráter emancipatório e

igualitário; e pela qualidade dos serviços de saúde, que atendam as especificidades da

população. “Como sujeitos, as mulheres não se colocam mais o dever de reproduzir, e sim o

direito de exercer essa potencialidade dos seus corpos [...]” (MONTEIRO; VILLELA, 2005,

p. 17, grifo da autora).

As questões reprodutivas começaram a ser discutidas no Brasil no final dos anos 70 e

início dos anos 80, no contexto amplo de uma luta pela retomada de direitos políticos básicos,

os quais haviam sido apreendidos pela ditadura militar. A luta pelos direitos gerais associada

com a luta pelos direitos específicos foi (e ainda é) marca primordial do feminismo latino-

americano, que tem suas reivindicações associadas a um projeto de sociedade democrático e

igualitário, que, todavia, está em construção em alguns países da América Latina

(SCAVONE, 1999).

Conforme Costa (2009), desde os anos de 1960, as brasileiras buscaram efetivar a

ruptura com o papel social que lhes era atribuído, isto é, o papel de mães destinadas aos

espaços domésticos. Isto foi se efetivando por meio da inserção das mulheres no mercado de

trabalho e na ampliação das suas aspirações de cidadania. A aspiração das mulheres por

controlar a fecundidade e praticar a anticoncepção finalmente passou a ser viável, onde o

exercício da sexualidade e os novos padrões de comportamento sexual desvinculam a

maternidade do desejo e da vida sexual. Esse cenário implicou a necessidade de políticas de

acesso aos métodos contraceptivos (COSTA, 2009).

No Brasil, desde a década de 1960 e até meados dos anos de 1980, a atenção a saúde

da mulher foi atendida por meio do Programa de Saúde Materno Infantil (PSMI) do

Ministério da Saúde (MS). O PSMI no âmbito formal ofereceu apenas ações para o cuidado

da gravidez, voltado, mais precisamente, para o atendimento ao pré-natal e o controle do

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puerpério das mulheres que não tinham acesso a quaisquer das modalidades de atenção à

saúde vigentes. Este programa foi definido e planejado de forma centralizada pelo MS, isto é,

sem a participação das mulheres da sociedade e dependeu de um conjunto de ações dispostas

em metas para serem executadas pelas secretarias estaduais de Saúde em todo o país

(COSTA, 2012).

Nesse contexto, o movimento de mulheres contribuiu para colocar no cenário da

política nacional, questões referentes à sexualidade e ao corpo (BRASIL, 2004).

As mulheres organizadas argumentavam que as desigualdades nas relações

sociais entre homens e mulheres se traduziam também em problemas de

saúde que afetavam particularmente a população feminina. Por isso, fazia-se

necessário criticá-los, buscando identificar e propor processos políticos que

promovessem mudanças na sociedade e consequentemente na qualidade de

vida da população (BRASIL, 2004, p. 16).

A partir disto, construiu-se um questionamento por parte dos movimentos organizados

de mulheres, sobre a necessidade de mudanças na visão sobre as mulheres e sua capacidade

de procriar, e se intensificaram as reivindicações sobre a necessidade de considerar as

mulheres enquanto sujeitos, capazes de decidir quando, como e com quem teriam filhos,

considerando as relações sociais que envolvem mulheres e homens e exigem políticas mais

amplas que a oferta de programas de saúde materno-infantis e de contracepção. Assim, por

meio da compreensão de que reprodução e sexualidade são relações intrínsecas, para que a

reprodução pudesse ser um direito, a sexualidade também o deveria ser. Nesse sentido, a

proposição direitos sexuais e direitos reprodutivos7 assumiu, na década de 1990, o caráter de

diretriz das políticas e práticas de saúde destinadas às mulheres (MONTEIRO; VILLELA,

2005).

Foi a partir da organização das mulheres e de seu questionamento em relação a visão

sobre as mulheres nos aspectos de saúde, que, em 1983, o Programa de Atenção Integral a

Saúde da Mulher (PAISM) foi formulado. O texto do PAISM incorporou princípios e

diretrizes de integralidade e equidade na atenção em saúde e foi formulado como um novo

pensar e agir sobre a questão da saúde da mulher, entendendo a integralidade como um

conjunto de ações que preconizam a assistência clínica-ginecológica, o pré-natal, o parto, o

câncer de colo de útero e de mama, as doenças sexualmente transmissíveis, o planejamento

7 No segundo capítulo deste trabalho, que tratará da trajetória de construção dos direitos reprodutivos,

discutiremos mais detalhadamente os conceitos e a realização da Conferência Internacional sobre População e

Desenvolvimento no Cairo (CIPD) em 1994.

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familiar, etc. Além disto, a integralidade incorporada no Programa deveria se efetivar por

meio da articulação dos diferentes níveis de gestão e de administração, pela forma de

atendimento e pela ligação entre os serviços e o modo de ensino e controle da saúde

(GUARESCHI; MEDEIROS, 2009).

Villela (2000) explicita que a proposta de atenção à saúde integral da mulher

apresentada pelo movimento de mulheres apontava para uma ampla gama de necessidades na

área da saúde, além das necessidades em relação às questões reprodutivas, que pretendiam

situar a mulher como sujeito e não simplesmente como objeto reprodutor. As mulheres

organizadas buscaram também problematizar as condições sociais de desigualdade que

configuram o seu cotidiano como determinantes no processo de produção das suas queixas,

patologias, mal-estares e modos como se relacionam com estas questões de sua saúde. Além

disso, fazem uma crítica ao modelo de oferta de ações em saúde que reproduz os esquemas de

dominação sobre as mulheres e as mantém alienadas dos seus corpos e das suas necessidades

como sujeitos, associando à mulheres aos cuidados com a maternidade e ao espaço doméstico.

As ações do PAISM deveriam incluir o reconhecimento do impacto da subordinação

das mulheres sobre a saúde, propondo modos de romper com esta situação de subordinação

das mulheres. Enfatiza-se às práticas educativas que possibilitam o autoconhecimento. Às

questões de saúde mental deveriam ser consideradas, a partir do reconhecimento de que

grande parte do sofrimento psíquico feminino está relacionado às pressões que a cultura

desigual de gênero exerce sobre as mulheres. A ideia de atenção integral à saúde se pauta na

articulação entre os diferentes setores e níveis de assistência, o que, efetivamente, tem sido

um dos grandes obstáculos à sua operacionalização na política de saúde. (VILLELA, 2000).

A integralidade pressupõe reconhecer a condição de sujeito social da mulher, em que o

bem-estar, o adoecimento e a morte estão vinculados não apenas pelos fatores biológicos,

mas, fundamentalmente, pelas condições sociais, econômicas, culturais e subjetivas que

influenciam a vida cotidiana. Além disto, a integralidade envolve desconstruir as relações de

poder com os serviços e profissionais, garantindo a autonomia das mulheres nos processos de

decisão sobre seus corpos. Essas relações de poder entre as mulheres usuárias dos serviços de

saúde e os/as profissionais estão sustentadas no conhecimento científico, onde quem detém o

poder é a autoridade médica e os serviços de saúde, que muitas das vezes determinam quais

devem ser as escolhas destas (COSTA, 2012).

Dessa forma, a década de 1980 no Brasil representou um grande avanço no que diz

respeito aos direitos reprodutivos das mulheres, traduzido no PAISM, que passa a conceber a

mulher em todas as fases de seu ciclo vital (BERQUÓ, 1993).

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O processo de implantação do PAISM apresenta especificidades no período

de 84 a 89 e na década de 90, sendo influenciado, a partir da proposição do

SUS, pelas características da nova política de saúde, pelo processo de

municipalização e principalmente pela reorganização da atenção básica, por

meio da estratégia do Programa Saúde da Família [...] (BRASIL, 2004, p,

17).

Isto posto, o processo de construção do SUS tem grande influência sobre a

implementação do PAISM, a partir da ótica de uma nova Política de Saúde (BRASIL, 2004,

p. 17). Como apontam Monteiro e Villela (2005), ao mesmo tempo em que o movimento

organizado de mulheres e alguns setores do governo buscaram formas e tecnologias para

responder às demandas das mulheres referentes à saúde, sexualidade e reprodução, o SUS foi

sendo formulado e implementado.

O conceito de saúde reprodutiva emergiu nos anos de 1990 e a perspectiva dos

direitos humanos foi incorporada às ações de saúde sexual e saúde reprodutiva como a

consolidação da noção de direitos sexuais e reprodutivos. Esses acontecimentos geraram

alguns avanços, mas não, necessariamente, implicaram efetivamente na mudança do modo

como as mulheres foram incorporadas às práticas e os serviços de saúde. Como descrevem

Monteiro e Villela (2005), a saúde reprodutiva inclui a possibilidade de a mulher reproduzir

ou não reproduzir de modo seguro e integra a dimensão da sexualidade como algo

desvinculado da reprodução, ou seja, o exercício da sexualidade pode ser realizado sem que

mulheres e homens tenham pretensão na reprodução.

A estruturação do SUS nos anos de 1990 enfrentou desafios, seja na dificuldade de

garantir o acesso universal aos serviços de saúde devido à demanda, sem infraestrutura

adequada – equipamentos, insumos e recursos humanos –, seja na não capacidade de

gestores/as e gerentes para tratar das questões de saúde sexual e reprodutiva das mulheres, a

partir do processo de descentralização do repasse de verbas e de responsabilidade para os

municípios e estados. Consequência disto, foi a desarticulação do pouco que já havia sido

implementado pelo PAISM em nível local, com dificuldades de implementação das ações de

saúde sexual e reprodutiva (MONTEIRO; VILELLA, 2005).

Portanto, ainda conforme Monteiro e Villela (2005) em função dos diferentes fatores

políticos e econômicos do período – incluindo a simultaneidade entre as tarefas de mudar a

dinâmica e a organização do sistema –, a proposta de atenção integral à saúde das mulheres,

ou mesmo a perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos, foi incorporada de modo

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descontinuo, fragmentado e heterogêneo nos serviços de saúde. O resultado disto no PAISM

foi que:

[...] os primeiros anos da década de 90 assistem ao seu desaquecimento e

asfixia, parcialmente decorrentes de turbulência provocada pela eleição e

posterior impeachment do novo presidente civil, após o final da ditadura

militar, os sucessivos choques na economia com o propósito de conter a

inflação e os esforços de reorganização do sistema visando operacionalizar o

SUS, cuja regulamentação havia sido promulgada em 1988 (MONTEIRO;

VILLELA, 2005, p. 8).

Segundo as autoras Monteiro e Villela (2005), a partir de 1995, como reflexo das

recomendações da CIPD (1994), as ações de saúde da mulher começam a ser rearticuladas no

âmbito do governo federal. Essa tarefa foi definida com a reorganização da proposta de saúde

das mulheres, de acordo com os caminhos da reforma sanitária. Ainda, entre 1995 e 2000 tem

início a implantação do Programa Saúde da Família (PSF). Esse Programa, no entanto, teve

seu foco sobre a família, com ações fragmentadas voltadas às mulheres, com a capacitação

das agentes comunitárias voltada ao desempenho técnico e priorizando as ações de saúde

materno-infantil, fazendo com que o ideário feminista sobre as ações de saúde voltadas às

mulheres se diluísse e reproduzindo a subordinação das mulheres.

Contraditoriamente, houve avanços formais, em especial no que diz respeito à

retomada do PAISM e à construção de marcos institucionais, técnicos e políticos para

incorporar as atividades de saúde da mulher na expansão do SUS. Resultado desse processo

remete à implantação, em 2004, da PNAISM, que vai retomar as proposições do SUS, com

adequações às necessidades que se tornaram visíveis nos últimos vinte anos e com o momento

atual em que se realiza o SUS (MONTEIRO; VILLELA, 2005).

Das vitórias do movimento sanitário, no que se refere à consagração da

saúde como direito universal e dever do Estado e do movimento feminista

em ver respeitada uma plataforma mínima de mudanças nas concepções

sobre o papel da mulher, decorreram mudanças radicais, ainda que no plano

formal, nas acepções sobre saúde e sobre saúde da mulher. A ampliação do

conceito de saúde para além do acesso à assistência médico-hospitalar

subjacente à criação do Sistema de Seguridade Social e da extensão das

fronteiras da saúde da mulher para latitudes e longitudes, nas quais o

confinamento da mulher à condição de reprodutora torna-se superado,

instalam uma nova ordem nas relações entre Estado, governo e sociedade

(COSTA, 2009, p. 1078).

A PNAISM foi elaborada pelo Ministério da Saúde, em parceira com diversos setores

da sociedade, em especial com o movimento de mulheres, o movimento negro e o de

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trabalhadoras rurais, sociedades científicas, pesquisadores/as e estudiosos/as da área,

organizações não governamentais, gestores do SUS e agências de cooperação internacional.

Sua elaboração no plano formal, é reflexo do compromisso com a implementação de ações de

saúde que contribuam para garantir os direitos humanos das mulheres, bem como para reduzir

a morbimortalidade por causas que podem ser prevenidas e evitadas. O documento da política

incorpora em seu texto a perspectiva de gênero, bem como a integralidade e a promoção da

saúde como princípios norteadores, buscando consolidar os direitos sexuais e reprodutivos,

com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao

abortamento inseguro e no combate a violência doméstica e sexual. A PNAISM incorpora

também a prevenção e o tratamento de mulheres vivendo com HIV/aids e as portadoras de

doenças crônicas não transmissíveis e de câncer ginecológico (BRASIL, 2004).

Além disso, a PNAISM chamou atenção para a existência de desigualdades em saúde,

identificando as especificidades de demandas dos grupos de mulheres negras, indígenas,

lésbicas, transexuais e moradoras do campo e da floresta. No entanto, a implantação e

consolidação dessa política esteve (e está) atravessada por complexas questões políticas.

(COSTA, 2012).

Costa (2012) explicita que a análise das políticas de saúde para as mulheres precisa estar

associada a própria análise da implantação do SUS, tendo como desafio a sua transformação

em política de Estado, para que os problemas de financiamento – como a escassez de recursos

– e gestão do sistema – com a descentralização com isenção de responsabilidade do poder

central – possam ser solucionados, de modo que se possa garantir acesso universal, gratuito e

de qualidade. Assim, para a implantação de uma Política de Saúde dos direitos reprodutivos é

preciso analisar e compreender os valores sociais e as relações de gênero associados à saúde

feminina, buscando mecanismos para fortalecer novas correlações de forças. Sendo assim, são

necessárias mudanças que requerem a mobilização e a ação articulada dos setores de governo

e da sociedade, em um modelo de intervenção intersetorial, com o objetivo de promover a

saúde das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos (COSTA, 2012).

Destaca-se, ainda, que as chances de sucesso da PNAISM estão relacionadas a sua

possibilidade em superar três desafios. O primeiro diz respeito a identificação das ações no

âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, que podem, e devem, estar contempladas na

proposta de saúde. Esse desafio parte da constatação de que a conquista dos direitos sexuais e

reprodutivos envolve ações mais amplas que as ações possíveis de serem realizadas pelo setor

de saúde, mas sem prescindir as atividades desse setor. O segundo desafio se refere à

importância da compatibilização entre alguns princípios da reforma sanitária – saúde

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enquanto direito e dever do Estado, acesso universal e igualitário aos serviços de saúde – e as

propostas de saúde integral das mulheres. Já o terceiro e último desafio diz respeito a

concretização da proposta de integralidade, eixo central da proposição feminista em relação a

saúde das mulheres e também do SUS (VILLELA; MONTEIRO, 2005).

Monteiro e Villela (2005) explicitam que no Brasil, muitas mulheres adoecem e

morrem por causas evitáveis, decorrentes da falta de informação e de problemas de acesso aos

serviços e a qualidade destes. Há, segundo as autoras um descaso e inoperância dos serviços

com algumas condições que afetam a vida e a saúde das mulheres, como o exercício de sua

sexualidade, que se traduz em gestações indesejadas ou na altíssima prevalência de DST, ou

como o exercício da sua condição de cidadania, cuja restrição aparece como forma de

violência doméstica e sexual ou dos inúmeros e diferentes quadros depressivos.

Oliveira (1995) afirma que apesar de todos os avanços feitos, a situação das mulheres

no país ainda não foi resolvida. Em relação à CIPD, o autor compreende que os resultados

foram surpreendentes, todavia, infere que a sexualidade das mulheres encontra-se ameaçada

de grandes retrocessos, pois a sociedade se fez mais conservadora e acrescenta “[...] o

neoliberalismo não é apenas uma doutrina econômica, mas um integrismo, do tipo

fundamentalista [...] (p. 12). Sem uma cobertura ampla que atenda os direitos reprodutivos, no

Brasil parte das mulheres em idade reprodutiva, é submetida à esterilização cirúrgica como

estratégia de contracepção. Esse procedimento não seria necessário se houvesse uma

cobertura de meios contraceptivos igualmente seguros e a disposição de todas as mulheres que

quisessem fazer uso. “Uma política de saúde reprodutiva que esteja ao compasso dos direitos

não pretende retornar ao padrão de alta fecundidade, mas assegurar a livre opção das mulheres

e dos casais, sem mutilações que certamente geram efeitos psicológicos [...]” (p. 12-13).

A mudança na situação social das mulheres é um processo longo, que inclui diferentes

movimentos sociais e instituições, inclusive os serviços e profissionais de saúde, sendo

necessária a efetivação de serviços e políticas de saúde capazes de atender, com qualidade, as

queixas e os agravos à saúde das mulheres e os prevenir, não apenas no âmbito da saúde, mas

social e culturalmente (MONTEIRO; VILLELA, 2005).

Cabe, assim, ressaltar a importância dos processos de organização e mobilização dos

movimentos de mulheres e feministas que refletiram – e refletem – em significativas

mudanças no contexto das relações de poder, pois expressam, cotidianamente, os interesses

em disputa e o antagonismo entre as classes na sociedade burguesa capitalista. Nesse sentido,

o avanço e as conquistas dos movimentos populares manifestam um anseio pela

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transformação da sociedade e a exigência de um Estado que garanta políticas sociais

universais, de qualidade e com igualdade de gênero.

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2 DIREITOS HUMANOS, GÊNERO E DIREITOS REPRODUTIVOS: RUMO ÀS

POLÍTICAS DE IGUALDADE DE GÊNERO

2.1 A CONQUISTA DOS DIREITOS REPRODUTIVOS

No segundo capítulo deste trabalho, nos propusemos a realizar apontamentos acerca da

trajetória de construção dos direitos reprodutivos. O debate sobre os direitos sexuais e

reprodutivos tem como marco a realização da Conferência Internacional sobre População e

Desenvolvimento (CIPD), ocorrida em Cairo-Egito, no ano de 1994, sendo que a partir da

realização desta conferência, compreendeu-se que os direitos sexuais e reprodutivos são

constituídos por princípios dos direitos humanos que garantem o exercício individual, livre e

responsável, da sexualidade e da reprodução humana. Além disso, faz-se necessário

compreender que o debate dos direitos sexuais e reprodutivos perpassa pela construção das

relações sociais de gênero na sociedade, relações que se apresentam desiguais para homens e

mulheres e consequentemente, tem desdobramentos específicos na saúde cada um/a.

Oliveira (1995) afirma que as mulheres constituem o grupo social que mais avançou

na construção de sua identidade própria. Nas últimas décadas os temas dos direitos das

mulheres avançaram notadamente, da liberação sexual até o reconhecimento dos direitos

reprodutivos em Cairo. “Isto é, liberdade em relação ao próprio corpo, o direito de ser tratada

não como um apêndice do homem [...] (p. 11-12).

Em 1948, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este documento deveria ter a mais ampla

divulgação e cumprimento por parte dos Estados Membros pelo seu caráter de compromisso

aos princípios mínimos de respeito à vida humana. Apesar de essa Declaração fazer referência

explícita à igualdade de direitos entre homens e mulheres, durante muitos anos, a avaliação

sobre o cumprimento dos direitos humanos não tratou especificamente das violações aos

direitos humanos das mulheres (BARSTED, 2001).

[...] os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos

direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na

igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o

progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla

(ONU, 1948, p. 3).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 por um lado inaugurou o

direito internacional dos direitos humanos, pois até então não havia nenhum documento

internacional que se dedicasse ao assunto com tamanha abrangência e importância, e por

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outro lado, fundou a concepção contemporânea de direitos humanos, que visa integrar os

direitos civis e políticos, aos direitos econômicos, sociais e culturais (TRINDADE, 2011, p.

193).

Partindo da concepção de Ventura (2009, p. 35), os direitos humanos são direitos

históricos que atendem às diferentes necessidades de cada época, sendo concebidos de forma

a incluir as reivindicações éticas e políticas que, todo ser humano deve ter na sociedade.

Nesse sentido, a concepção de direitos humanos gera novas categorias de direitos legais e de

políticas sociais, que foram sendo formalizados por meio de acordos e do consenso da

comunidade política. Neste sentido, o reconhecimento dos direitos reprodutivos enquanto

direitos humanos permitiu que as desigualdades de gênero, raça/etnia, classe, cultura, entre

outras, pudessem ser consideradas, ao mesmo tempo em que se reconheceu as necessidades

sociais específicas da população.

A noção de direitos reprodutivos no entendimento de Ávila (1993, p. 382) se construiu

a partir da prática política das mulheres em torno de sua demanda na esfera reprodutiva. No

século XIX e na primeira metade do século XX, tomam a cena pública os movimentos de

mulheres por direitos, que reivindicavam acesso à educação e ao voto, centrados na busca da

igualdade. É também desse período a movimentação das mulheres pelo direito à regulação da

fecundidade, entendida como um assunto de ordem política, constituindo-se, assim, em um

novo campo de enfrentamento no processo histórico de construção da cidadania. “A

formalização da ideia em termos de direitos reprodutivos é bastante recente e considero que

pode ser entendida como uma redefinição do pensamento feminista sobre a liberdade

reprodutiva” (Ávila, 1993, p. 382).

Nesta nova perspectiva, a concepção, o parto, a contracepção e o aborto são

percebidos como fatos interligados onde a impossibilidade de acesso a

qualquer um deles remete a mulher para um lugar de submissão. Desta

forma, emerge também uma série de interrogações que, dentro de um

processo crítico permanente, implica a ampliação dos direitos para além da

área da saúde da mulher, sem com isto desconsiderar sua importância na

efetivação destes direitos (ÁVILA, 1993, p. 383).

Os direitos reprodutivos na concepção de Ventura (2009, p. 19), constituídos por

princípios dos direitos humanos, que garantem o exercício individual, livre e responsável da

sexualidade e da reprodução humana, dizem respeito ao direito subjetivo de toda pessoa em

decidir sobre o número de filhos/as e os intervalos entre seus nascimentos, e ter acesso aos

meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer

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discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza. A efetivação desses

direitos envolve assegurar direitos de dimensão social, como aqueles relativos à saúde,

educação, segurança, que têm como finalidade proporcionar as condições e os meios

necessários para a prática livre, saudável e segura das funções reprodutivas e da sexualidade.

Para esta autora, a atual concepção dos direitos reprodutivos não se limita à simples proteção

da procriação humana, como preservação da espécie, envolvendo os direitos individuais e

sociais. A efetivação destes direitos está relacionado com a garantia da autonomia e

autodeterminação das funções reprodutivas, que se referem às liberdades individuais

reconhecidas nos Pactos e Convenções de direitos humanos e na Constituição de 1988.

Para Arilha e Berquó (2009), os direitos reprodutivos, estão intimamente associados

ao universo da sexualidade e da saúde reprodutiva, e permitem redefinir políticas e condições

sociais, culturais e econômicas, favorecendo a articulação entre corpo, subjetividade, cultura,

política e economia. Traduzem a autodeterminação reprodutiva de todas as mulheres e suas

possibilidades de ser, de pensar, de sentir, de viver, e ampliam o discurso político da denúncia

das questões pessoais para um discurso sobre o social e que é responsabilidade de todos/as.

“Os direitos reprodutivos, ao exigir respostas do Executivo, Legislativo e Judiciário, são

altamente transformadores da ordem cultural vigente, porque retiram as mulheres do campo

do natural e instituem novos lugares de cidadania [...]” (ARILHA; BERQUÓ, 2009, p. 109).

A introdução de uma perspectiva de gênero na legislação internacional, iniciada em

fins da década de 1970, consolidou-se no bojo do chamado Ciclo das Conferências de Direitos

Humanos das Nações Unidas na década de 1990. De fato, nessa década, as Conferências de

Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, no Rio de Janeiro, de Direitos Humanos, de

1993, em Viena, de População e Desenvolvimento, de 1994, no Cairo, e a IV Conferência

Mundial da Mulher, de 1995, em Beijing, contribuíram decisivamente para firmar conceitos

fundamentais para os direitos humanos que contemplasse as mulheres (BARSTED, 2001, p.

4-5).

O governo brasileiro, sendo signatário dos acordos internacionais que asseguram os

direitos humanos das mulheres, teve de incorporar ao longo dos anos, nas políticas de saúde, a

visão dos direitos sexuais e direitos reprodutivos como parte integrante dos direitos humanos.

Isso também foi fruto da organização e da presença do movimento feminista e de mulheres, a

exemplo da implementação do PAISM que foi impulsionada pelo movimento organizado de

mulheres. Com forte atuação no campo da saúde, o movimento de mulheres contribuiu para

introduzir na agenda política nacional questões até então relegadas ao segundo plano, por

serem consideradas restritas ao espaço e às relações privadas (BRASIL, 2013, p. 30).

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Além disso, o movimento de mulheres revelou as desigualdades nas condições de vida

e nas relações entre os homens e as mulheres, os problemas associados à sexualidade e à

reprodução, as dificuldades relacionadas à anticoncepção e à prevenção de doenças

sexualmente transmissíveis e a sobrecarga de trabalho das mulheres, responsáveis pelo

trabalho doméstico e de criação dos filhos. “As mulheres organizadas argumentavam que as

desigualdades nas relações sociais entre mulheres e homens se traduziam também em

problemas de saúde que afetavam particularmente a população feminina” (BRASIL, 2013, p.

30).

Os movimentos feministas, como explicita Oliveira (1995) foram fundamentais para

problematizar o papel de subordinação das mulheres, tendo contribuído decisivamente no

processo de democratização da sociedade e na tomada de consciência do Estado sobre seus

deveres.

As questões defendidas pelas mulheres, como já apontadas neste trabalho, como a

reivindicação pela autonomia de seus corpos, pelo exercício livre da sexualidade e pelo

controle da fecundidade, entre outras demandas, ganharam espaço na CIPD, em Cairo-Egito,

no ano de 1994. O documento do Cairo é o primeiro texto de adoção universal a acolher e

explicitar a expressão “direitos reprodutivos”, contemplando o direito à liberdade de escolha

do número de filhos e seu espaçamento (BRASIL, 2013, p. 30-31).

De acordo com Arilha e Berquó (2009), a CIPD colocou em questão a qualidade das

políticas sociais existentes no campo da vida sexual e reprodutiva de mulheres e homens,

mostrando a importância de, para além da concepção, considerar a necessidade de políticas

sociais mais amplas e formuladas sob uma perspectiva de gênero, especialmente nos campos

da saúde e educação. Entretanto, o processo de organização da CIPD foi marcado por tensões

entre a defesa dos direitos individuais e perspectivas ideológicas alinhadas a crenças

religiosas de católicos/as, islâmicos/as, e sua influência sobre os Estados.

No término da CIPD, foi elaborada uma plataforma de ação consensual, mas não

unânime, pois houveram reservas de alguns países na aprovação de determinados assuntos do

Programa de Ação da CIPD, a exemplo do posicionamento de alguns países como Argentina,

Chile, Honduras, Líbia, Guatemala, Santa Sé em defesa da vida desde a concepção; da família

composta exclusivamente por homem e mulher pelo Chile, Honduras, Nicarágua, Egito,

Guatemala (ONU, 1994). Os desacordos expressos por vinte Estados, em sua maioria

islâmicos e católicos alinhados a Santa Sé estiveram pautados em torno da concepção de

direitos reprodutivos, particularmente o que envolvia a discussão sobre o direito ao aborto

(ARILHA; BERQUÓ, 2009).

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O documento do Cairo reconheceu que os direitos reprodutivos abrangem certos

direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais e/ou documentos internacionais sobre

direitos humanos8. Todos esses Pactos e Convenções Internacionais foram ratificados e

promulgados pelo Brasil, portanto, essas leis internacionais vigoram no país (VENTURA,

2009).

Berquó (1998) explicita que o documento do Cairo reflete com bastante clareza a

agenda de prioridades que as mulheres de todo o mundo, por meio de suas redes de

lideranças, foram construindo durante os anos de preparação da Conferência. São as mulheres

que reorientaram o eixo da questão populacional, colocando a regulação da fecundidade no

plano dos direitos individuais. Como consequência, surge no Cairo a consagração dos direitos

reprodutivos.

A Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento

(CIPD), realizada no Cairo, em 1994, conferiu papel primordial à saúde e

aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, ultrapassando os objetivos

puramente demográficos, focalizando-se no desenvolvimento do ser

humano. A CIPD provocou transformação profunda no debate populacional

ao dar prioridade às questões dos direitos humanos (BRASIL, 2005).

O Programa de Ação do Cairo, em seu capítulo segundo, princípio primeiro,

estabelece que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sendo

que toda pessoa é titular de todos os direitos e liberdades, conforme estabelecido na

Declaração Universal dos Direitos Humanos, sem distinção de qualquer natureza, como raça,

cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, propriedade,

nascimento, entre outras condições. Todos/as tem direito à vida, à liberdade e à segurança

pessoal (ONU, 1994).

Ainda no capítulo segundo, princípio quarto, o documento estabelece aos/as

participantes que o progresso na igualdade e equidade dos sexos, a emancipação da mulher, a

eliminação de toda espécie de violência contra ela, a garantia de poder por ela própria

controlar sua fecundidade são fundamentais para programas de população e desenvolvimento

e acrescenta que os direitos humanos da mulher e da menina são parte inalienável, integral e

indivisível dos direitos humanos universais. Acrescenta que “A plena e igual participação da

8 Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as

Formas de Discriminação Racial (1965); Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(1966); I Conferência Mundial de Direitos Humanos (1968); Convenção Internacional sobre Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979); II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos

(1993), entre outras (VENTURA, 2002, p. 23-25).

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mulher na vida civil, cultural, econômica, política e social [...] e a erradicação de todas as

formas de discriminação com base no sexo são objetivos prioritários da comunidade

internacional [...]” (ONU, 1994, p. 43).

A reivindicação dos direitos reprodutivos foi construída a partir do entendimento de

que controlar a fecundidade seria uma condição essencial na luta pela igualdade de gênero na

sociedade, onde a esfera privada, da família, foi feminilizada e desvalorizada, enquanto os

valores dominantes eram referidos à atuação do mundo público. Na luta pelos direitos

reprodutivos foram enfatizadas as necessidades de controle da fecundidade: o direito à

contracepção e ao aborto legal. “Foram reivindicadas, em primeiro plano, condições de

controlar o corpo para evitar a reprodução, recusando a definição hegemônica da identidade

feminina e sua redução à maternidade” (GIFFIN, 2002, p. 104).

Conforme Ventura (2009), um aspecto importante no Programa de Ação de Cairo foi à

relação estabelecida entre direitos reprodutivos e os direitos das mulheres. O Programa de

Ação ao afirmar o direito das nações ao desenvolvimento sustentável o fez sob a perspectiva

de relações equitativas de gênero e sob o prisma dos direitos humanos. Estabeleceu objetivos

e metas que envolvem o crescimento econômico sustentado no contexto de um

desenvolvimento sustentável; educação especialmente para moças; equidade9 e igualdade dos

sexos; redução da mortalidade materna, infantil e neonatal e acesso universal aos serviços de

saúde reprodutiva, inclusive de planejamento familiar e saúde sexual (ONU, 1994).

A reivindicação da equidade nas relações de gênero de acordo com Ventura (2009)

exige uma intervenção que não considere simplesmente a igualdade perante a lei, a igualdade

formal, mas sim uma igualdade de fato (material), que seja construída socialmente, ou até

mesmo, por meio da lei. Para o alcance desta equidade nas relações, devem ser identificadas

as desigualdades e vulnerabilidades que influenciam, dificultam ou até mesmo impedem a

efetivação dos direitos de determinada pessoa ou segmento, e adotadas medidas legais,

judiciais e administrativas que promovam a igualdade e a liberdade de forma justa e

equitativa.

No capítulo quatro do Programa de Ação da CIPD, que trata da igualdade dos sexos,

equidade e empoderamento10

da mulher, se estabelece que o empoderamento e a autonomia

9 “A equidade de gênero se refere à distribuição justa de direitos, oportunidades, recursos, responsabilidades,

tarefas entre os gêneros respeitando as diferenças entre homens e mulheres. Pressupõe, ainda, ações para dotar as

mulheres dos instrumentos, recursos e mecanismos necessários para participar e deixá-las preparadas para

exercer cargos, propor e participar das decisões que lhe dizem respeito [...]” (LISBOA, 2010, p. 73). 10

“Cumpre destacar que o significado da categoria “empowerment” ou empoderamento como tem sido traduzida

no Brasil, não tem um caráter universal. Tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e práticas

destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no sentido de seu crescimento, autonomia, melhora

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da mulher e a melhoria do seu status político, social e econômico são um fim de alta

importância, além de ser essencial para a realização de um desenvolvimento sustentável.

Explicita ainda que a plena participação e parceria tanto da mulher quanto do homem são

necessárias à vida produtiva e reprodutiva, inclusive a partilha das responsabilidades no

cuidado e alimentação dos filhos/as e na manutenção da família.

De acordo com o documento da CIPD:

[...] Em todas as partes do mundo, as mulheres sofrem ameaças a sua vida, a

sua saúde e a seu bem-estar em consequência de sua sobrecarga de trabalho e

por carecerem de poder e influência. Na maior parte do mundo, as mulheres

recebem menos educação formal que os homens e, ao mesmo tempo, sua

capacidade, saber e mecanismos de luta muitas vezes não são reconhecidos.

As relações de poder que impedem a mulher de alcançar uma vida sadia e

plena operam em muitos níveis da sociedade, desde os mais pessoais até os

mais altamente públicos (ONU, 1994, p. 50).

Como estratégia para alterar essa realidade, o documento enfatiza a necessidade de

políticas e programas que melhorem o acesso da mulher a meios de vida seguros e a recursos

econômicos, que aliviem sua excessiva responsabilidade com os encargos domésticos, que

removam impedimentos legais a sua participação na vida pública e promovam a

conscientização social por meio de eficientes programas de educação e comunicação de

massa. Ademais, essas ações segundo o documento, reforçam a capacidade da mulher em

tomar decisões em todos os níveis da vida, especialmente na área da sexualidade e da

reprodução (ONU, 1944).

A partir da realização da CIPD em 1994 as políticas e os programas de população

deixaram de centrar- se no controle do crescimento populacional como condição para a

melhoria da situação econômica e social dos países, passando a reconhecer o pleno exercício

dos direitos humanos e a ampliação dos meios de ação da mulher como fatores determinantes

da qualidade de vida dos indivíduos. Neste sentindo, delegados/as de todas as regiões e

culturas concordaram que a saúde reprodutiva é um direito humano e um elemento

fundamental da igualdade de gênero (ONU, 1994).

O Programa de Ação de Cairo, em seu capítulo 2, princípio oitavo assim descreve o

direito a saúde, inclusive a saúde reprodutiva:

gradual e progressiva de suas vidas (material e como seres humanos dotados de uma visão crítica da realidade

social); como poderá referir-se a ações destinadas a promover simplesmente a pura integração dos excluídos,

carentes e demandatários de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal etc., em

sistemas precários, que não contribuem para organizá-los – porque os atendem individualmente, numa ciranda

interminável de projetos de ações sociais assistenciais” (GOHN, 2004, p. 23).

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Toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física

e mental. Os estados devem tomar todas as devidas providências para

assegurar, na base da igualdade de homens e mulheres, o acesso universal

aos serviços de assistência médica, inclusive os relacionados com saúde

reprodutiva, que inclui planejamento familiar e saúde sexual. Programas de

assistência à saúde reprodutiva devem prestar a mais ampla variedade de

serviços sem qualquer forma de coerção. Todo casal e indivíduo têm o

direito básico de decidir livre e responsavelmente sobre o número e o

espaçamento de seus filhos e ter informação, educação e meios de o fazer

(ONU, 1994, p. 43).

De acordo com o capítulo VII do Programa de Ação da CIPD, que trata dos direitos de

reprodução e saúde reprodutiva, a saúde reprodutiva é definida como:

[...] um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a simples

ausência de doença ou enfermidade, em todas as matérias concernentes ao

sistema reprodutivo e a suas funções e processos. A saúde reprodutiva

implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e

satisfatória, tenha a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre

quando, e quantas vezes o deve fazer (ONU, 1994, p. 62).

Essa noção de saúde reprodutiva passa a ver as pessoas como sujeitas e não como

objeto, englobando homens e mulheres ao se referir a pessoas, de todas as faixas etárias, do

nascimento até a morte, e não apenas na idade reprodutiva. Considera também o exercício da

sexualidade com satisfação, como sendo parte integrante da saúde; preconiza a garantia do

pré-natal, parto e puerpério seguros e recém-nascidos saudáveis. E por fim, assegura a

homens e mulheres o direito a informação e o acesso a métodos seguros e eficazes para

regulação da fecundidade (BERQUÓ, 1998).

Em síntese, direitos humanos, crescimento sustentado, desenvolvimento

sustentável, solidariedade entre as gerações e superação das desigualdades

de classe, raça e gênero marcaram as recomendações do Plano de Ação do

Cairo. As ações dele derivadas e a serem tomadas pelos governos deveriam

ser vistas como parte de uma nova parceria global entre povos e países

(BERQUÓ, 1998, p. 27).

O conceito de saúde reprodutiva estabelecido pelo Programa de Ação foi sendo aceito

por um crescente número de países e medidas foram sendo tomadas para ofertar serviços de

saúde reprodutiva em vários países (Berquó, 1998). Segundo Arilha e Berquó (2009) houve o

aumento no uso de contraceptivos, que revelou um maior acesso ao planejamento familiar,

permitindo que mais casais e indivíduos pudessem decidir pelo número e espaçamento de

filhos/as. Além disso, o documento apontou que muitas organizações da sociedade civil têm

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contribuido na formulação e implementação de políticas, programas e projetos próprios ou em

parcerias com organizações governamentais e não-governamentais, bem como o setor

privado.

Por outro lado, em alguns países e regiões, os progressos foram limitados, havendo até

mesmo retrocessos, como o fato de mulheres adultas e meninas continuarem a sofrer

discriminação, a morbimortalidade materna permanecer elevada, a vulnerabilidade aos riscos

sexuais e reprodutivos, a falta de acesso a informações e serviços de saúde reprodutiva e a

pandemia do HIV/Aids (ARILHA; BERQUÓ, 2009).

Neste sentido, a saúde reprodutiva ainda é motivo de frustração de diversos povos do

mundo, ocasionada por fatores como: níveis inadequados de conhecimento da sexualidade

humana e informação e serviços inadequados ou de pouca qualidade na área da saúde

reprodutiva; práticas sociais discriminatórias; atitudes negativas com relação à mulher e à

jovem; o limitado poder que muitas mulheres tem sobre suas próprias vidas sexuais e

reprodutivas (ONU, 1994).

No que se refere ao Brasil, formalmente, pode-se afirmar que, no início do século

XXI, o país não só assinou todos os documentos relativos ao reconhecimento e às proteções

aos direitos humanos das mulheres, como apresenta um quadro legislativo bastante avançado

no que se refere à igualdade de direitos entre homens e mulheres. Na realidade, esse quadro

legislativo favorável foi fruto de um longo processo de luta das mulheres pela ampliação de

sua cidadania e direitos. O movimento feminista brasileiro foi fundamental nesse processo e

tem lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, defendendo a

eliminação de todas as formas de discriminação, tanto nas leis como nas práticas sociais

(BARSTED, 2001).

Como exemplo desses avanços no Brasil, a partir dos anos 2000 tem-se a criação de

políticas sociais voltadas às mulheres. A partir de 2003 por meio da Secretaria de Políticas

para as Mulheres (SPM), do governo federal, as políticas para as mulheres têm avançado na

perspectiva do diálogo e da construção coletiva com os movimentos de mulheres, feministas e

demais movimentos sociais, com o objetivo de reverter lógicas desiguais presentes há séculos

em nossa sociedade. A partir da criação da SPM o processo de mobilização e construção de

políticas sociais para as mulheres tem ganhado espaço na sociedade brasileira (BRASIL,

2013).

Como resultado desse processo de mobilização da sociedade, em 2004 foi realizada a

1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (1ª CNPM), que contou com a

participação de 1.787 delegadas e cujo resultado foi a aprovação do I Plano Nacional de

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Políticas para as Mulheres (PNPM). O processo como um todo, desde as conferências

municipais, estaduais até a realização da conferência nacional contou com a participação de

mais de 120 mil mulheres em todo o país. A 2ª CNPM foi realizada em 2007 contou com a

participação de 200 mil mulheres, sendo delegadas 2.800 mulheres. A partir das resoluções da

2ª CNPM, foi elaborado o II PNPM. Em 2011 foi realizada a 3ª CNPM, com a participação de

200 mil mulheres, sendo 2.125 delegadas. Como resultado, foi elaborado o (III) PNPM 2013-

2015, ainda com maior inserção das temáticas de gênero em diversas frentes do governo

(BRASIL, 2013).

A 4ª CNPM será realizada em março de 2016, tendo como tema “Mais Direitos,

participação e poder para as mulheres”. Em nota, a Comissão Organizadora da 4ª CNPM

afirma que a sociedade brasileira está atravessando uma grande onda conservadora, sendo

necessário que as mulheres resistam, pois a solução será construída a partir da intensificação

do diálogo com os movimentos sociais, com os movimentos feministas e de mulheres, enfim,

com as mulheres brasileiras, que são exemplos de resistência e superação em cada canto e

recanto do território brasileiro (BRASIL, 2015).

O (III) PNPM de 2013-2015 reafirma os princípios orientadores da Política Nacional

para as Mulheres: autonomia das mulheres em todas as dimensões da vida; busca da igualdade

efetiva entre mulheres e homens, em todos os âmbitos; respeito à diversidade e combate a

todas as formas de discriminação; caráter laico do Estado; universalidade dos serviços e

benefícios ofertados pelo Estado; participação ativa das mulheres em todas as fases das

políticas sociais; e transversalidade como princípio orientador de todas as políticas sociais

(BRASIL, 2013, p. 9). O capítulo três do PNPM 2013-2015 vai tratar da saúde integral das

mulheres, dos direitos sexuais e os direitos reprodutivos, visando promover a melhoria das

condições de vida e de saúde das mulheres em todas as fases do seu ciclo vital. Apresenta

objetivos, metas, linhas de ação e plano de ação com vistas a efetivar a implementação de

políticas sociais integrais, específicas e transversais para as mulheres (BRASIL, 2013, 30-40).

O PNPM 2013-2015 apresenta como objetivo geral no capítulo que trata da saúde das

mulheres o seguinte:

Promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres em todas

as fases do seu ciclo vital, garantindo os direitos sexuais e os direitos

reprodutivos, bem como os demais direitos legalmente constituídos; e

ampliar o acesso aos meios e serviços de promoção, prevenção e assistência

da saúde integral da mulher em todo o território brasileiro, sem

discriminação de qualquer espécie, resguardadas as identidades e

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especificidades de gênero, raça, etnia, geração, classe social, orientação

sexual e mulheres com deficiência (BRASIL, 2013, p. 31).

Em relação à PNAISM, elaborada pelo MS, sua construção é também reflexo do da

implementação pelo governo de ações de saúde que visam contribuir para a garantia dos

direitos humanos das mulheres. Considerando a diversidade dos 5.561 municípios, dos 26

estados e do Distrito Federal, se apresenta como uma proposta de construção conjunta e de

respeito à autonomia dos diversos setores para a concretização da política de saúde,

enfatizando a importância do empoderamento das usuárias do SUS e sua participação no

controle social (BRASIL, 2004).

A atenção integral à saúde da mulher na PNAISM é pautada em três objetivos gerais:

a) promover a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres brasileiras, por meio de

direitos legais e a ampliação do acesso a meios e serviços de promoção, prevenção,

assistência e recuperação da saúde em todo o território brasileira; b) contribuir para a redução

da morbidade e mortalidade feminina no Brasil, especialmente por causas evitáveis, em todos

os ciclos de vida e nos diversos grupos populacionais, sem discriminação de qualquer espécie

e c) ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral a saúde da mulher no SUS.

Arilha e Berquó (2009) apontam que as ações na área da saúde reprodutiva e direitos

reprodutivos, associadas às transformações gerais da sociedade brasileira, trouxeram um novo

cenário para ação de pesquisadores/as, ativistas e gestores/as de políticas sociais. Embora os

resultados não sejam totalmente satisfatórios, é inegável, ao mesmo tempo um avanço

notável. “Podemos afirmar que os últimos 15 anos no Brasil registraram um contínuo e

consistente processo de priorização do campo da saúde associado à busca da realização dos

direitos reprodutivos [...]” (ARILHA; BERQUÓ, 2009, p. 111).

Entretanto Barsted (2001) traz a reflexão de que mesmo com os notáveis avanços

legislativos e as efetivas mudanças ocorridas, em menor ou maior escala, na vida das

mulheres, em vários Estados membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil, estas ainda

sofrem discriminações de diversas ordens, flagradas pelas estatísticas sociais que revelam a

feminilização da pobreza, a baixa representatividade nos espaços de poder do Estado e da

sociedade e apontam, portanto, para uma enorme distância entre os instrumentos

internacionais de proteção aos direitos humanos e as práticas sociais. De fato, as políticas e os

programas econômicos mundiais e nacionais, caracterizados pelos processos de ajustes

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estruturais11

, acarretam consequências perversas para os homens, mas incidem de forma ainda

mais penosa sobre as mulheres.

Assim, como explicita Barsted (2001) é importante que o Estado brasileiro possa dar

amplo conhecimento aos mecanismos nacionais e internacionais de proteção aos direitos

humanos além, evidentemente, de cumprir com os compromissos assumidos. Por outro lado,

todos os cidadãos e cidadãs devem conhecer e debater o conteúdo dos tratados e convenções

assinados e, particularmente, atuar de forma a influenciar o Estado a adotar posições mais

avançadas no que se refere, principalmente, ao respeito aos direitos humanos e ao

desenvolvimento econômico e social baseado em critérios de equidade.

2.2 RELAÇÕES DE GÊNERO E A SAÚDE DAS MULHERES

As mulheres constituem a maioria da população brasileira, totalizando 97.348.809

(51%) milhões de habitantes de acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), e são as principais usuárias do SUS. Compõe um segmento

social fundamental para as políticas de saúde, especialmente porque as históricas

desigualdades de poder entre mulheres e homens implicam em um forte impacto nas

condições de saúde das mulheres. Associadas às questões referentes às relações de gênero12

,

outras variáveis como raça, etnia, situação de pobreza, orientação sexual, idade, aprofundam

ainda mais as desigualdades vividas pelas mulheres, exigindo do SUS cada vez mais o olhar

para este segmento da população (BRASIL, 2013).

Para que possamos compreender a saúde das mulheres, faz-se necessário

problematizar quais os desdobramentos das relações desiguais de gênero na vida das mulheres

e dos homens, ou seja, de que forma mulheres e homens são afetados por estas relações

sociais em seu cotidiano.

“[...] o gênero, enquanto um dos eixos estruturantes das identidades humanas define

para mulheres e para homens padrões diferenciados nos „modos de andar a vida‟, marcados

11

“São políticas de caráter focalizado e fragmentadas centradas nos papeis tradicionais da mulher dentro do lar e

da família. A grande maioria das políticas, programas e projetos dirigidos às mulheres no mundo inteiro,

enfocam seus papeis de esposas e mães dentro da divisão sexual do trabalho e buscam enfrentar necessidades

voltadas à esfera doméstica, mas que, na verdade pouco contribui para a conquista do empoderamento e

autonomia das mulheres. O enfoque prioritário é o papel das mulheres na esfera doméstica relacionado

fundamentalmente a maternidade. Assim as mulheres são tratadas como receptoras passivas mais que

participantes ativas sendo a criação dos filhos seu papel mais efetivo [...]” (CARLOTO, 2002, s.p). 12

Neste subitem do trabalho, apresentaremos elementos das relações de gênero a partir dos estudos das autoras

que trabalham ora com a categoria gênero, ora com o conceito de gênero. Entende-se que gênero é a construção

social do masculino e do feminino e constitui-se uma categoria histórica de análise das relações entre homens e

mulheres.

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pela supremacia masculina em várias esferas da vida social, como o acesso ao poder e a

riquezas” (VILLELA, 2009, p. 26). A vida, o adoecimento e a morte de mulheres e homens

são organizados a partir das desigualdades de gênero, que contribuem para um perfil

específico de morbimortalidade, distinto para mulheres e para homens, todavia é igualmente

injusto (VILLELA, 2009).

A identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída por meio da

atribuição de distintos papéis sociais, que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes

categorias de sexo. Com isto, a sociedade delimita os campos em que as mulheres e os

homens podem atuar. Exemplo dessa delimitação de papéis sociais, diz respeito à socialização

dos filhos/as, tarefa esta atribuída as mulheres. Mesmo que desempenhem uma função

remunerada fora do lar, a responsabilidade pela tarefa de cuidar dos filhos/as é atribuída às

mulheres. Além desta tarefa, a responsabilidade pela casa também é imputada ao elemento

feminino, tornando evidente a atribuição por parte da sociedade, do espaço doméstico à

mulher (SAFFIOTI, 1987).

[...] Trabalhando em troca de salário ou não, na fábrica, no escritório, na

escola, no comércio, ou a domicilio, como é o caso de muitas mulheres que

costuram, fazem crochê, tricô, doces e salgados, a mulher é socialmente

responsável pela manutenção da ordem na residência e pela criação e

educação dos filhos. Assim, por maiores que sejam as diferenças de renda

encontradas no seio do contingente feminino, permanece esta identidade

básica entre todas as mulheres (SAFFIOTI, 1987, p. 9).

Há na sociedade uma naturalização deste processo, ou seja, um empenho em fazer crer

que a atribuição da mulher ao espaço doméstico, é resultado da sua capacidade de ser mãe.

Nesta perspectiva, é natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos, compreendendo

também a socialização dos filhos/as, tanto quanto é natural, a capacidade da mulher de

conceber e dar a luz (SAFFIOTI, 1987).

Complementando o exposto acima, como apontam Faria e Nobre (2003) atribuem-se

papéis femininos e masculinos a mulheres e homens, cabendo às mulheres a esfera privada,

doméstica, da subjetividade, do cuidado e aos homens, a esfera pública, espaço dos iguais, do

direito, da liberdade. A atribuição de papéis feminino e masculino para mulheres e homens

estabelece a maternidade como a principal atribuição da mulher, e consequentemente, o

cuidado da casa e dos filhos/as, guardiã do afeto e da moral da família. No entanto, cabe ao

homem, o papel de provedor do lar, ou seja, que trabalha fora, que traz o sustento para

família, realizando-se fora de casa, nos espaços públicos.

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Via de regra, este modelo de vida, em que homens trabalham fora de casa e mulheres

só fazem o trabalho doméstico nunca existiu desse jeito, visto que a grande maioria das

mulheres trabalha fora de casa. Como exemplo, para as mulheres camponesas, o trabalho de

casa esconde o trabalho da roça, a produção de artesanato, o cultivo da horta e a criação de

animais, trabalhos que produzem mercadoria e quando vendidos, contribuem para o sustento

da família (FARIA; NOBRE, 2003).

No entanto, o trabalho exercido pelas mulheres fora do lar é visto como um trabalho

sem valor. Conforme Viezzer (2013):

[...] ao longo da história à qual temos fácil acesso, ao invés de cultivar a

diversidade natural existente entre mulheres e homens, a esfera da produção

de bens e serviços ficou a cargo dos homens, levando-os a ocupar, e definir

como masculinos os espaços e poder constituído na economia, na

administração, na política e religião. A esfera da reprodução da vida –

biológica, dos seres humanos e da sociedade – ficou reservada as mulheres.

Mas enquanto se atribuía „valor‟ às atividades realizadas pelos homens fora

do lar, as funções exercidas no „lócus‟ da unidade doméstica como cozinhar,

lavar, cuidar das crianças, dos idosos e enfermos além de atender ao marido

e administrar a economia do lar não eram reconhecidas como trabalho; como

consequência, eram consideradas „sem valor‟ (VIEZZER, 2013, p. 174).

Como afirma Saffioti (2004), gênero é uma categoria histórica, uma construção social

do masculino e do feminino. O conceito de gênero não expressa necessariamente a

desigualdade entre homens e mulheres, pois também compreende relações igualitárias. As

desigualdades entre homens e mulheres são construídas pela sociedade e não determinadas

pela diferença biológica que existe entre os sexos, no entanto, compreende-se que há uma

estreita imbricação entre o social e o biológico. Desta forma, mulheres e homens imprimem

em seus corpos, gestos e posturas, que demarcam as relações de poder vivenciadas a partir das

relações de gênero (FARIA; NOBRE, 2003).

Cisne (2012) explicita que os estudos de gênero têm como objetivo desnaturalizar e

historicizar as desigualdades entre homens e mulheres, sendo estas desigualdades, construções

sociais determinadas pelas e nas relações sociais. O conceito de gênero também busca analisar

de maneira relacional a subordinação da mulher ao homem e incide contrariamente às

vertentes generalizantes e supostamente neutras, como o positivismo, que naturaliza papéis a

que se subordinam mulheres e se utiliza dessa naturalização para alcançar o “equilíbrio” e a

“harmonia” sociais pela responsabilização social da mulher e desresponsabilização do Estado

(CISNE, 2012).

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Complementando essa ideia, para Faria e Nobre (2003) o conceito de gênero busca

explicar as relações entre mulheres e homens, tendo surgido após muitos anos de luta

feminista e de formulação de várias tentativas de explicações teóricas sobre a opressão das

mulheres. Desta forma, o conceito de gênero coloca o ser mulher e o ser homem como uma

construção social, a partir do que é estabelecido como feminino e masculino e dos papéis

destinados a cada um. Por isto, “[...] gênero foi a palavra escolhida para diferenciar a

construção social do masculino e do feminino do sexo13

biológico [...]” (FARIA, NOBRE,

2003, p. 40).

A categoria gênero na compreensão de Cisne (2012) deve ser analisada no bojo da

contradição entre capital e trabalho e das forças sociais conflitantes das classes fundamentais

que determinam essa contradição. Se a contradição é o foco das desigualdades sociais, o

conflito e a luta entre as classes é imprescindível relacionar a luta das mulheres como um

movimento legítimo contra as desigualdades, na e com a luta da classe trabalhadora.

Corroborando com esta ideia, Villela (2009, p. 26-27) explicita que gênero não atua de

forma isolada, pois existe uma complexa sinergia entre gênero, classe social e etnia na

produção das desigualdades sociais. Não se pode pensar em desigualdades de gênero sem

situar o sujeito também em relação à sua classe social e ao seu pertencimento étnico, e deve-

se considerar que o peso de cada um destes determinantes varia em função de cada sujeito e

da sua história particular.

Campos (2011) aponta que o conceito de gênero têm se consolidado como um

instrumento analítico de suma importância para tornar visível o caráter histórico e

sociocultural dos papéis e dos espaços masculinos e femininos, de modo que este se apresenta

como fundamental para desnaturalizar e revelar a opressão que as mulheres sofrem e as bases

materiais e simbólicas das desigualdades que existem entre homens e mulheres. Além disso,

sabe-se que apesar das transformações ocorridas na sociedade, as mulheres particularmente

são discriminadas, tanto na esfera pública quanto privada, ou seja:

[...] a desigualdade nas relações de gênero é uma realidade que se materializa

na vida das mulheres, dentre outras formas, através da reduzida participação

política, do menor controle sobre bens materiais, na menor remuneração do

seu trabalho em todas as partes do mundo, nas diversas formas de violência

13

“O gênero independe do sexo apenas no sentido de que não se apoia necessariamente no sexo para proceder à

formatação do agente social. Há, no entanto, um vínculo orgânico entre gênero e sexo, ou seja, o vínculo

orgânico que torna as três esferas ontológicas uma só unidade, ainda que cada uma delas não possa ser reduzida

à outra. Obviamente, o gênero não se reduz ao sexo, da mesma forma como é impensável o sexo como fenômeno

puramente biológico.” (SAFFIOTI, 2015, p. 144).

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50

que marcam o cotidiano de milhares de mulheres em todos os países

(CAMPOS, 2011, p. 29).

Como caso especifico das relações de gênero, tem-se o patriarcado, nele como

descreve Saffioti (2004) as relações são hierarquizadas entre seres socialmente desiguais. Ele

é o regime em que há dominação-exploração das mulheres pelos homens e está sempre em

transformação. Saffioti (1987) aponta que há cerca de seis milênios o homem tenha

estabelecido seu domínio sobre a mulher. Exemplo significativo deste fenômeno diz respeito

ao poder político. Isto quer dizer que os homens tomam as grandes decisões que afetam a vida

de um povo.

No regime patriarcal, as mulheres são objetos da satisfação sexual dos homens,

reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e novas reprodutoras. A sujeição das mulheres

aos homens envolve prestação de serviços sexuais a seus dominadores. Esta soma e mescla de

dominação exploração é entendida como uma forma de opressão. Ou seja, o patriarcado

refere-se a uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina e atravessa

todas as instituições. Na medida em que se constrói socialmente uma supremacia masculina,

se exige a construção da subordinação feminina (SAFFIOTI, 2004).

A dominação/exploração não se constitui enquanto um único fenômeno, mas apresenta

duas faces. A primeira face apresenta uma base econômica em que ocorre a intensa

discriminação salarial das trabalhadoras, a segregação ocupacional e a marginalização de

importantes papéis econômicos e políticos, e a segunda face, se expressa no controle da

sexualidade, bem como, de sua capacidade reprodutiva (SAFFIOTI, 2004, p. 106).

Neste sentido, é necessário incorporar a perspectiva de gênero na análise das questões

de saúde/doença, com vistas a promover a melhoria das condições de vida, a igualdade e os

direitos da cidadania das mulheres. “A partir da perspectiva de gênero torna-se possível

analisar a integralidade no campo da saúde da mulher, tendo como referência os modos como

se relacionam homens e mulheres no seu cotidiano” (SOUTO, 2008, p. 165). Todavia, como

aponta Villela (2009) no SUS, o processo de incorporação da perspectiva de gênero nas

políticas, planos e programas tem sido mais lento, dado que uma categoria de interpretação da

realidade não se traduz facilmente em ações programáticas.

O conceito de gênero é fundamental para a interpretação e compreensão dos

indicadores sociais que apontam, por exemplo, para a pequena presença das

mulheres nos postos de poder do Estado e da sociedade e para as diferenças

salariais de até 40% menor para as mulheres em comparação com os

homens. Tal conceito possibilita a compreensão do quanto as leis, até

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recentemente, e muitas decisões judiciais, ainda hoje, têm legitimado a

subordinação das mulheres na sociedade brasileira (BARSTED, 2001, p. 3).

Assim como aponta Giffin (2002, p. 108), a desigualdade nas relações de gênero tem

reflexos direto na vida das mulheres, expressos na dificuldade de acesso aos serviços de saúde

e que podem estar relacionadas à sobrecarga de trabalho e falta de tempo para se cuidar

reforçadas ideologicamente pela definição da mulher como “cuidadora de outros”; na

discriminação e preconceito no que diz respeito à sexualidade feminina, que dificulta tanto o

acesso quanto à adequada atenção e prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis

(DST‟s); na exclusão das mulheres em posições hierarquicamente superiores de decisão

política; no inadequado desenvolvimento de métodos de controle da fecundidade masculina e

de métodos femininos de proteção às DST‟s e nas questões da qualidade dos serviços que

envolvem deficiências quantitativas e qualitativas.

Outro elemento, relacionado à desigualdade de gênero e a saúde das mulheres diz

respeito ao foco na família nos programas de saúde destinados a atenção básica. Esses

programas baseiam-se fundamentalmente nos princípios da focalização e transferência dos

cuidados de saúde para os núcleos familiares, o que tem impacto significativo sobre as

mulheres, historicamente responsabilizadas pelo cuidado com a saúde da família. Esse modelo

não supera a divisão sexual do trabalho existente no âmbito doméstico, ou seja, não leva em

conta o tempo e o trabalho das mulheres e reafirma o lugar das mulheres na reprodução social

(FERREIRA; ROCHA, 2005).

Carloto (2002) numa análise sobre as políticas públicas, gênero e família afirma que a

principal estratégia com relação aos programas com foco na família, diz respeito a chamada

privatização da família ou a privatização da sobrevivência da família, propondo

explicitamente a transferência de responsabilidades que deveriam ser assumidas pelo Estado

às unidades familiares. Com isto, há uma valorização da família como lócus privilegiado de

superação das sequelas da “questão social” por um Estado que pouco tem priorizado os gastos

com o social e, pouco tem implementado em termos de política social, estratégias de

superação das desigualdades sociais. Há um reforço as ideias próprias do senso comum nas

quais a culpada é sempre a família. É, portanto, necessário investir na família, lógica de um

Estado, no caso brasileiro, que ignorando a proposta de Seguridade Social conquistada na

Constituição de 1988 é marcado pela refilantropização das políticas sociais e a privatização da

assistência social.

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O grande desafio que se coloca, a partir do quadro legislativo favorável, nacional e

internacional, é como atuar para que o reconhecimento dos direitos humanos das mulheres

sejam capazes e eficazes na geração de políticas sociais e ações que concretamente

contribuam para o empoderamento das mulheres e a mudança dos graves indicadores sociais.

Pois muitas vezes, as decisões tomadas em fóruns internacionais, mesmo quando aprovadas

por unanimidade, tornam-se apenas argumentos nos territórios nacionais. Isso porque, além

dos obstáculos culturais, esbarram na dificuldade de compatibilizar ações na área dos direitos

humanos com modelos de desenvolvimento econômico e político excludentes e, portanto,

incompatíveis com esses mesmos direitos (BARSTED, 2001).

Conforme Barsted (2001, p. 8), historicamente, os tratados e convenções

internacionais e as declarações que resultaram das Conferências das Nações Unidas têm

gerado uma espécie de "cultura" jurídica que fortalece os movimentos sociais organizados na

luta pela equidade de gênero na lei e na vida.

A história das mulheres na busca pelos serviços de saúde apresenta expressões de

discriminação, frustações e violações dos direitos e aparecem como fonte de tensão e mal-

estar psíquico e físico. Nesse sentido, a humanização14

e a qualidade da atenção em saúde são

condições essenciais para que as ações de saúde possam ser traduzidas na resolução dos

problemas, na satisfação das mulheres atendidas, no fortalecimento da capacidade das

mulheres frente à identificação de suas demandas, bem como no reconhecimento e

reivindicação de seus direitos e na promoção do autocuidado. A humanização e a qualidade da

atenção implicam, tanto na promoção como no reconhecimento e respeito aos direitos

humanos das mulheres, dentro de um marco ético que garante a saúde integral e o bem estar

das mulheres (BRASIL, 2004).

14

“Humanizar e qualificar a atenção em saúde é aprender a compartilhar saberes e reconhecer direitos. A atenção

humanizada e de boa qualidade implica no estabelecimento de relações entre sujeito, seres semelhantes, ainda

que possam apresentar-se muito distintos conforme suas condições sociais, raciais, étnicas, culturais e de gênero.

A humanização e a qualidade da atenção são indissociáveis.” (BRASIL, 2004, p. 59-60).

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53

3 OS DIREITOS REPRODUTIVOS EM ÂMBITO LOCAL

Neste capítulo do trabalho, iremos apresentar a caracterização do Município de

Toledo-PR nos aspectos de saúde e saúde da mulher e o conteúdo e análise das três entrevistas

realizadas, que tiveram como objetivo geral refletir sobre a construção sócio-histórica dos

direitos reprodutivos, apresentando elementos da Política de Saúde no Município de Toledo-

PR.

3.2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TOLEDO-PR NOS ASPECTOS DE

SAÚDE E SAÚDE DA MULHER

Brevemente situando, Toledo foi desmembrado do município de Foz do Iguaçu-PR em

1952 e sua área territorial consiste em 1.198,607 Km². O Município está localizado na Região

Oeste do Paraná. Na direção Oeste faz fronteira com o Paraguai e com a Argentina. Pela sua

localização geográfica, constitui-se em uma área geopolítica estratégica e de relevância para a

integração dos povos do Cone Sul da América (IPARDES, 2016). De acordo com o Censo

Demográfico de 2010 do IBGE Toledo possui uma população de 119.313 mil habitantes,

sendo a estimativa para 2015 de 132.077 mil habitantes. A população masculina totaliza

58.337 mil habitantes e a feminina 60.976 mil habitantes, população urbana e rural (IBGE,

2010).

A divisão administrativa do Município é composta por dez (10) distritos

administrativos ao total, sendo eles: Toledo, Concórdia do Oeste, Dez de Maio, Dois Irmãos,

Novo Sarandi, São Luiz do Oeste, São Miguel, Vila Ipiranga, Vila Nova e Novo Sobradinho

(IPARDES, 2016).

A economia de Toledo-PR, como aponta Engelbrecht (2012) se caracteriza por ter

uma agropecuária bastante diversa, fundada nas culturas de soja, trigo e milho e também na

criação de suínos, bovinos de leite, aves e piscicultura, além de experiências em fruticultura

(uva, maça, goiaba e abacaxi). No ano de 2014, milho, soja e trigo tiveram uma área colhida

de 61.000, 69.000 e 8.000 hectares respectivamente. Totalizando uma produção em toneladas

de 346.200 para o milho, 239.800 para a soja e 19.200 para o trigo, com valores de 106.696

mil reais para o milho, 266.744 para a soja e 10.608 para o trigo. Em relação à pecuária e o

cultivo de aves, em 2014 o rebanho de bovinos totalizou 48.813, galináceos 6.298.766 e

suínos 710.512, vacas ordenhadas 19.260. O Município de Toledo-PR apresentou de acordo

com dados do IPARDES em 2013, um Produto Interno Bruto (PIB) per capita equivalente à

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R$ 30,826 mil, acima do PIB per capita do Estado do Paraná, que equivale a R$ 30.265,00

mil (IPARDES, 2016).

Nos aspectos de saúde, o Plano Municipal de Saúde (PMS) de Toledo-PR estabelece

por objetivo a busca pela solução de problemas da população toledana, e define as

intervenções que possam mudar a realidade visando alcançar uma nova situação em que haja

melhor qualidade de vida, maiores níveis de saúde e bem-estar e que propicie um maior

desenvolvimento social desta população, referindo-se ao período de 2014-2017 (TOLEDO,

2013).

Buscou-se observar no PMS, a existência e/ou a indicação dos termos/categorias:

gênero, saúde reprodutiva, direitos reprodutivos, direitos humanos. Gênero apareceu no

texto do PMS apenas uma vez, contextualizada nos índices de violência doméstica, em que o

PMS indica uma necessidade de se trabalhar as questões de comportamento e gênero. Saúde

reprodutiva e direitos reprodutivos não aparecem em nenhum momento no texto do PMS

(TOLEDO, 2013).

Em relação aos direitos humanos, o PMS o menciona uma vez na especificação das

ações desenvolvidas pela Associação de Pais, Amigos, Deficientes Auditivos e Surdos –

APADA, [...] presta serviços educacionais, e promove a assistência social, cultura, prestação

de serviços à saúde, ética, paz, cidadania, direitos humanos, democracia [...] (p. 43) e não diz

respeito a nenhuma ação que deverá ser desenvolvida em consonância com os direitos

humanos. Ou seja, em nenhum outro momento houve a indicação dos direitos humanos, para

a compreensão das políticas sociais, principalmente, dos direitos reprodutivos, compreendidos

enquanto constitutivos dos direitos humanos no PMS (TOLEDO, 2013).

Em anexo ao PMS, tem-se o documento do Plano de Governo, que faz menção a

gênero, direitos sexuais e reprodutivos e direitos humanos. Gênero está expresso uma vez no

Plano de Governo no eixo que trata da saúde, no objetivo que buscará desenvolver ações

concretas em políticas de saúde para a juventude, na iniciativa que prevê o combate às

diversas formas de violências contra as populações discriminadas em razão de orientação

sexual e identidade de gênero. Direitos reprodutivos está expresso uma vez no objetivo que

busca desenvolver ações para a política de saúde da juventude: “Respeitar os direitos sexuais

e reprodutivos de jovens que vivem com HIV/AIDS, por meio de atendimento humanizado

prestado por profissionais qualificados [...]” (TOLEDO, 2013, p. 212). E em relação aos

direitos humanos, este aparece uma vez: no eixo que trata da saúde, no objetivo que diz

respeito à adesão à Política Nacional de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, na

iniciativa que visa integrar e articular as políticas e ações de saúde, assistência social,

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segurança pública, cultura, lazer, direitos humanos, entre outras áreas, para a prevenção do

uso, tratamento e reinserção social de usuários de crack e outras drogas.

Neste sentido, pode-se verificar que o PMS em nenhum momento faz menção à

igualdade de gênero nas políticas de saúde, o que denota um obstáculo na efetivação plena

dos direitos sexuais e reprodutivos da população, com suas especificidades, sejam as mulheres

lésbicas, transexuais, vítima de violência, em situação de abortamento, dentre outras

situações. O que se quer dizer, é que os serviços de saúde precisam incorporar não somente no

plano formal (o que não chega a ser nem o caso do PMS de Toledo-PR) a igualdade de

gênero, mas precisam propor efetivamente ações e serviços que caminhem para que mulheres

e homens tenham acesso aos serviços, levando em consideração às especificidades de cada

um/a, como também a desigualdade nas relações de gênero, garantindo a efetividade dos

direitos humanos, dos direitos reprodutivos.

3.3 ELEMENTOS DA POLÍTICA DE SAÚDE NA PERSPECTIVA DAS

ENTREVISTADAS

Para a exposição e análise dos conteúdos das entrevistas conforme os preceitos éticos

da pesquisa com seres humanos realizou-se a identificação das falas das três entrevistadas da

seguinte forma: M1, M2 e M3 e destacando-as em itálico, com vistas a manter o sigilo.

Com o objetivo de recuperar elementos da Política de Saúde no Município de Toledo-

PR, direcionando para a conquista dos direitos reprodutivos, entendeu-se como fundamental

buscar conhecer a perspectiva das entrevistadas sobre alguns elementos como: o papel do

Estado com as políticas sociais, o controle social e a participação popular, as concepções de

saúde, saúde reprodutiva, direitos reprodutivos, os avanços e desafios do SUS, as concepções

de integralidade e equidade de gênero, a incorporação da categoria gênero nas ações e

serviços de saúde e sua efetividade ou não. As questões do roteiro de entrevista que não

expressem diretamente a categoria central deste trabalho, os direitos reprodutivos, não deixam

de conter implicitamente aspectos que remetem a esses direitos, a exemplo, dos avanços e

desafios de implementação do SUS.

As três entrevistadas possuem Ensino Superior Completo, possuem filhos/as e residem

no Município de Toledo-PR. A entrevistada M1 é separada e as entrevistadas M2 e M3 são

casadas. Em relação às profissões, M1 é assistente social, M2 enfermeira e M3 socióloga, que

presta serviços de assessoria e consultoria.

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Buscou-se conhecer quais as concepções de saúde, saúde reprodutiva e direitos

reprodutivos que as entrevistadas possuem, de modo que obtivemos as seguintes

contribuições das entrevistadas M1, M2 e M3 na compreensão de saúde:

[...] São espaços que estão ali à disposição da comunidade para trabalhar

promoção e prevenção da saúde, para evitar o adoecimento da comunidade

ou das pessoas, então eu vejo a saúde desta forma, como uma política que

deve trabalhar primeiramente as questões de prevenção e promoção e te

digo que é muito mais difícil do que tratar a doença [...] (M1, 2015).

Saúde tem que ser uma associação de coisas. A saúde ela tem que ser física,

tem que ser emocional, ela tem que ser financeira. É um circulo, e se alguma

coisa não vai bem, desestabiliza tanto a pessoa muitas vezes, como a

família, então é um bem-estar. É um conjunto de coisas e fatores que acaba

trazendo a saúde (M2, 2015).

[...] a saúde é estar bem, a gente sabe né que não só fisicamente, mas

também psicologicamente, mas também mentalmente, mas também

espiritualmente, e hoje em dia a gente vê né que essa questão mental e

espiritual influencia demais, se você consegue dar conta dessa

complexidade que virou ser uma pessoa saudável nesse momento (M3,

2016).

Verificou-se que a partir da concepção de saúde das três entrevistadas que há

semelhanças entre M2 e M3, sendo que a contribuição da M1 vai estar ligada diretamente à

articulação daquilo que as demais compreenderam por saúde, ou seja, saúde é uma associação

de coisas, um conjunto de fatores, seja físico, emocional, espiritual, financeiro. Para que todos

estes fatores sejam parte da realidade da população, é também necessário que se faça um

trabalho de promoção e prevenção de saúde efetivo, a fim de se evitar as doenças e garantir

que a Política de Saúde seja efetiva.

Em relação à concepção de saúde reprodutiva e direitos reprodutivos, às

entrevistadas relataram entender como:

[...] em relação a essa, a esses direitos reprodutivos, é no sentido de que as

pessoas façam a opção que seja adequada a sua realidade de vida, a mais

saudável para si. [...]. E ai entender que as pessoas tem que ter acesso aos

serviços de garantia, tanto de ter como não ter filhos, é importante e

fundamental tá. Então eu entendo essa política dos direitos reprodutivos, ela

precisa ser trabalhada muito nesse enfoque, mesmo de abrir o horizonte das

pessoas, pras questões de opção pessoal de cada um (M1, 2015).

A saúde reprodutiva hoje é, eu acho que a gente tem, entre planejamento

mesmo, planejamento familiar dos casais, a gente tem muito pouco, porque

quando a gente inicia o pré-natal, a gente tem até uma pergunta que faz

parte do protocolo. Gravidez planejada. Em 80% dos casos nunca essa

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gravidez é planejada né, então ela aconteceu e agora tudo bem né. Então

essa saúde reprodutiva, ela não tem planejamento dentro duma vida de um

casal, né. [...]. E as coisas não podem ser assim, para que a saúde deles vá

bem, a saúde da gente vá bem, porque tem que ser uma opção do casal, em

ter ou não ter filhos ou qual o método anticoncepcional que se usa, tem que

ser bom para os dois. Não pode ser confortável só para a mulher ou só para

o homem né, então tem que, já começa por aí a saúde né (M2, 2015).

Direitos reprodutivos é o direito da pessoa de ter ou de não ter filho ou de

muitas vezes até as pessoas com HIV, elas tem, se a pessoa desejar tem um

filho, é um direito dela né, e esse direito deve se mantido dentro de todas as

condições, dentro de todos os cuidados que se deve ter em relação ao bebê

[...] ela tem o direito de gerar, mas ela também tem o dever de zelar para

que esse bebê nasça com saúde né [...] (M2, 2015).

Então quando a gente fala em direitos reprodutivos, alguns também acham

que é só com relação ao direito de abortar ou não o que é muito limitado, é

toda a questão da produção e da reprodução da vida em toda a sua

amplitude, que inclui desde, né, tudo, o trabalho doméstico, a questão toda

que eu falo, do afeto, a questão da reprodução da vida como ela se dá,

porque biologicamente você é homem ou você é mulher (M3, 2016).

Em relação às concepções de saúde reprodutiva e/ou direitos reprodutivos, destaca-se

que não é somente aquilo que está voltado ao planejamento familiar, ou seja, para além das

questões de planejamento familiar, está contemplado nos direitos reprodutivos, na saúde

reprodutiva o acesso aos serviços de saúde, à informação, à educação sexual, o exercício

seguro, prazeroso e satisfatório da vida sexual. Neste sentido, as entrevistadas M1 e M3

relataram de forma mais ampla que os direitos reprodutivos devem ser compreendidos para

além do planejamento familiar, abarcando a amplitude da vida tanto das mulheres, como dos

homens, haja vista, que os direitos reprodutivos são exercidos por ambas as categorias de

sexo. O relato da entrevistada M2, ficou pautado nas questões de gravidez, métodos

anticoncepcionais, cuidados com a gestação e a criança, associando esses direitos ao campo

somente da reprodução.

Contribui no contexto do acesso a informação a fala da entrevistada M1, que diz o

seguinte: “Uma das causas de óbito das mulheres em idade reprodutiva é a falta de acesso

aos serviços de planejamento e contracepção segura. Então grande parte das mulheres

morrem ou adoecem por isso”. Observou-se esse relato da entrevistada M1, mensurando a

importância do acesso à informação para garantia dos direitos reprodutivos. Todavia, como

aponta a entrevistada M3 em relação ao acesso à informação: “[...] porque que tem tanta

pílula, tanta camisinha e tanta menina grávida? A questão da educação não é só informação

[...]”. Ou seja, é preciso criar formas de transmitir informação, de proporcionar educação

sexual, pois não basta que se tenha informação por si só, é necessário que se compreenda essa

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informação, que se tenha esclarecimentos quanto ao seu significado e possibilidades de

intervenção na realidade.

Quando perguntadas sobre sua inserção em comissões, fóruns, conferências e o

entendimento sobre a participação popular e o controle social obtivemos as seguintes

contribuições: a entrevistada M1 relatou ter participado de todas as Conferências Municipais

de Saúde em Toledo, sempre ocupando uma função na organização da Conferência, com

exceção da última realizada. Também participou de outras Conferências, como de Assistência

Social e Drogas. Em relação à importância do controle social e da participação popular a

mesma afirmou:

Se você não discutir com a comunidade o que você deseja, o que a

comunidade deseja, não o que você deseja criar, mas estruturar juntos,

construir os serviços de saúde, você não terá nada efetivo [...], como é que

as pessoas vão participar daquilo que não lhes pertence, então se a

comunidade constrói junto essa discussão, participa disso tudo, com certeza

o envolvimento e o sentimento de pertencimento será muito maior e o

compromisso em garantir aquilo tudo (M1, 2015).

Com relação ao processo de organização e mobilização, tanto das mulheres como

da sociedade civil para conquistar a saúde reprodutiva e os direitos reprodutivos nas

políticas de saúde a entrevistada M1 diz o seguinte:

Geralmente quando você tem uma demanda que nasce da comunidade que

ela vai num crescente, ela se faz valer e se transformar numa política

pública né, então a participação dessa organização da sociedade, das

mulheres ela é muito forte, mas em determinado momento da história,

mesmo aqui em Toledo, a gente teve essa discussão muito mais forte, da

participação das mulheres nas políticas públicas, tá. Isso hoje está um

pouquinho mais esvaziado né [...] mas se você pensar na história assim, na

década de 80,90, 80 principalmente foi muito rica, na organização dos

movimentos sociais né e hoje a gente vê um certo, uma certa acomodação

das pessoas. [...]. Eu acho que nós precisamos retomar essas questões

mesmo, mas pensando sempre na articulação de uma forma democrática,

das pessoas lutando pelos seus espaços e a política voltada a necessidade

das pessoas no seu conjunto (M1, 2015).

A partir dos relatos sobre participação popular, controle social, observou-se que, a fala

da entrevistada M1 enfatiza a importância de se discutir com a comunidade suas

necessidades, e a partir da participação da sociedade na construção das políticas sociais, cria-

se um sentimento de pertencimento àquele espaço, um compromisso em efetivar os direitos e

as políticas sociais.

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A entrevistada M2 disse ter participado várias vezes do Conselho Municipal de Saúde,

como representante da área dos trabalhadores da saúde. Participou também de Conferências

da Assistência Social, de Políticas para Mulheres, Conferência do Idoso. A respeito do

controle social, dos conselhos, das conferências relatou que vê: “Muita pouca ação, a gente

tem discutido sempre as mesmas coisas e isso não anda [...] não se encontra solução tão

fácil”. Com relação ao processo de organização e mobilização, tanto das mulheres como

da sociedade civil para conquistar a saúde reprodutiva e os direitos reprodutivos nas

políticas de saúde, a entrevistada M2 afirma: “Eu acho que a participação é muito pequena,

muito pequena”. Acrescenta a respeito dos direitos das mulheres em ter acesso a métodos

anticoncepcionais:

[...] porque assim, às vezes até, elas não tem o conhecimento das coisas que

a gente tem nas unidades, por exemplo, tem médico que prescreve

anticoncepcional que não tem na unidade e daí olhando pra cara da pessoa

você já, tem um pouquinho mais de dinheiro, você pode até comprar

anticoncepcional melhor. Por isso que eu falo né, os anticoncepcionais que

a gente tem, os orais, eles não tem uma qualidade tão, uma ação hormonal

menor né, do que esses que eles muitas vezes indicam e isso não é legal,

porque, porque o direito que ela tem de usar como usuária do SUS, de usar

medicamento que tenha na rede né, então e aí acaba ali já não, o direito

dela não ser preservado (M2, 2015).

A partir desse relato, perguntou-se à M2 se essa realidade das mulheres em relação ao

desconhecimento do que existe na unidade de saúde seria resultado até mesmo de uma

fragilidade das equipes em passar informações as usuárias do serviço de saúde e ela

acrescenta: “Eu acho que sim, fragilidade e as vezes até por, é uma indicação do médico e ele

acha que é melhor esse anticoncepcional, mas ninguém não se mexe, não se move pra mudar

essa realidade, pra mudar esses anticoncepcionais por exemplo né” (M2, 2015).

Nesse sentido, a entrevistada M2 em seu relato, aponta para uma pequena participação

da sociedade, trazendo o debate para o seu ambiente de trabalho ao afirmar que muitas vezes

as usuárias não tem conhecimento de seus direitos. Isto porque as mulheres têm direito à

adquirir os métodos anticoncepcionais disponíveis na rede pública de medicamentos do

Município, no entanto, na prescrição médica, os médicos indicam anticoncepcionais com uma

qualidade melhor do que daqueles disponíveis e que muitas mulheres não tem condições

financeiras de adquirir. Assim, há um impasse no que diz respeito ao direito de acessar o

medicamento gratuito e a indicação de outro medicamento pelo médico, medicamento este

que possui uma qualidade melhor segundo M2, mas que vai à contramão da realidade

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financeira daquela usuária do serviço de saúde. E assim, o direito das usuárias acaba não

sendo preservado. Isso pode ser resultado de uma fragilidade das equipes, que desconhecem a

realidade da população atendida e que não passam informações o suficiente para que a

população possa estar munida da informação necessária para acessar seus direitos. Na medida

que ninguém faz nada para mudar essa realidade, para que possam ser disponibilizados outros

métodos anticoncepcionais com uma qualidade melhor, torna-se mais difícil garantir

efetivamente o direito das usuárias em acessar esse direito.

A respeito da inserção em comissões, fóruns, conferências e o entendimento sobre

a participação popular e o controle social a entrevistada M3, participou do Conselho de

Políticas para Mulheres. Também contribuiu na formulação do texto da Constituinte de 1988.

Trabalhou em programas relacionados à equidade de gênero e contribuiu no processo de

criação da Secretaria de Atendimento à Mulher, que atualmente é Secretaria de Política para

as Mulheres em Toledo-PR. Também foi Conselheira Estadual do Conselho da Mulher em

São Paulo. Participa do Conselho Municipal do Meio Ambiente, e também participou do

Conselho Municipal da Cultura. Tem atuação em redes, ONG‟s e Conselhos sobre meio

ambiente, educação e gênero.

Em relação às Conferências Nacionais de Políticas para Mulheres, participou da

primeira, segunda e terceira. Da Conferência Estadual participou de duas, sendo convidada

em uma delas para fazer fala. E em relação às Conferências Municipais em Toledo, participou

de todas.

A respeito do controle social e do processo de mobilização tanto das mulheres

como da sociedade civil para conquistar a saúde reprodutiva e os direitos reprodutivos

nas políticas de saúde, a entrevistada M3 afirma:

[...] Agora eu dou muita importância pro jeito que as políticas, as

conferências foram feitas, porque de fato, elas foram realmente um espaço

de mobilização bastante grande da sociedade civil, aonde se participou, eu

vejo que o Paraná tá meio limitado nessa participação sabe, precisaria ter

muito mais [...] (M3, 2016).

Foram conquistas muito grandes sabe, que a gente teve, se a gente fica

analisando pelo menos de 1975, quando aconteceu a conferência

[Conferência Mundial sobre as Mulheres] pra cá, o que a gente conseguiu

só quem participou pode ver o tamanho, porque era muito complicado

conversar sobre esses assuntos, principalmente, e os outros também sabe, o

direito de todas as mulheres a estudar, o direito de todas as mulheres a

trabalharem, tudo, tudo era problema, e quando podia trabalhar, ai pegava

outros problemas, por exemplo, fiz algumas pesquisas em sindicatos, então

as mulheres que trabalhavam em algumas indústrias, tinha aquele problema

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de não poder engravidar, porque indústria química, indústria química e

farmacêutica, então todas as reivindicações que foram se colocando ,

quantas mulheres que foram despedidas do trabalho por conta disso,

também né, então isso tudo é parte de uma história que ainda é pouco

contada né [...] (M3, 2016).

A entrevistada M3 tem uma trajetória longa no que diz respeito à participação em

Conferências que estão relacionadas aos direitos das mulheres, ao debate sobre gênero e meio

ambiente, educação popular feminista. E compreende o processo de controle social e da

mobilização popular como importantes e como grandes conquistas. No que diz respeito aos

direitos das mulheres, a entrevistada M3 afirma que toda a mobilização das mulheres na busca

pela garantia de seus direitos é uma história pouco contada ainda.

Em relação ao princípio da integralidade nos serviços de saúde, obteve-se as

seguintes contribuições: a entrevistada M1 compreende a integralidade:

[...] onde o paciente vai entrar ou o usuário vai entrar, o cidadão vai entrar

e vai se utilizar daquele serviço na sua complexidade e essa garantia da

integralidade se dá, não apenas dentro do seu ambiente municipal ou

mesmo regional, é macrorregião, é estadual e às vezes até em alguns

serviços nacional. Por exemplo, transplante, transplante de pulmão, nossa

referência é Porto Alegre, então nós temos que garantir o acesso do

paciente a esses serviços na sua integralidade né (M1, 2015).

A respeito da integralidade na saúde da mulher afirma:

Quando você fala de saúde da mulher, você vai pensar, por exemplo, nas

linhas de cuidado onde a mulher tem que ser vista no seu todo, pensando

não somente num aspecto da saúde da mulher. Nós trabalhamos muito essa

questão da linha de cuidado, então você tem que cuidar a mulher nessa

linha integralizada que ela desde criança até o seu último suspiro né. Aí é

responsabilidade da saúde pensando no ciclo de vida, criança, adolescente,

a mulher na sua idade reprodutiva, a mulher na sua faixa pós-idade

reprodutiva, quando entra nos ciclos da menopausa, [...] na velhice. Então

tudo isso tem que ser pensando tá e com relação a essas questões dos

direitos reprodutivos, eles tem que ser trabalhados nesse conjunto ai, nesse

ciclo, é claro que com a criança trabalha de um jeito, com idosos de outro

[...] (M1, 2015).

A entrevistada M2, ao relatar seu entendimento sobre o princípio da integralidade

traz o debate para a realidade do seu ambiente de trabalho dizendo assim:

Eu acho que a gente não tá tendo em relação a isso, a gente não tá tendo

problema, porque se ela precisa né, de alguma especialidade, dependendo a

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histerectomia15

por exemplo, aí a gente tem alguma dificuldade. Mas em

relação ao câncer, por exemplo, porta aberta a gente não tem dificuldade,

não tem demora de atendimento, se elas são atendidas hoje, se eu encontro

nódulo de mama hoje, eu encaminho ela hoje ainda para ser atendida na

unidade de referência, agora se tiver uma paciente que necessite

histerectomia por alguma razão que não seja câncer, ai a gente tem

dificuldade, porque existe uma demora, então é dependendo da área que

precisa, a gente tem uma maior rapidez como uma maior demora, então

acho que [...] em relação a isso, essa integralidade, a gente tem dificuldade,

um pouco de dificuldade (M2, 2015).

A entrevistada M3 refere-se à integralidade da seguinte forma:

Eu entendo assim, não ficar só no pontual, a questão, por exemplo, do, eu

vou pegar a questão do aborto, imagina a gente dar uma resposta aborto

sim, aborto não, sabe, já tem todo uma gama de porque sim, porque não,

quem decida, e não esperar sete meses para resolver quando já não dá mais

de jeito nenhum pra abortar, e a mulher já não quer mais de jeito nenhum

né, por mais que tenha sido filho de um estuprador né, mas eu acho assim, é

uma forma nova, de se analisar a realidade dos fatos que tem, que acontece

pra começar né, então com relação a essa questão do aborto , muitas vezes,

ai também tem que entrar a questão da polícia, muitas vezes tem que entrar

a questão hospitalar, e ai você tem a mentalidade de tal médico, sabe, não

existe a questão sozinha, e não é uma lei que diz que sim ou que não, que vai

resolver, é todo um entorno em torno dessa questão né (M3, 2016).

A compreensão das entrevistadas a respeito da integralidade nos serviços de saúde tem

semelhanças. No caso da entrevistada M1, a mesma compreende a integralidade no SUS

como a garantia de atendimento aos/as usuários/as dos serviços de saúde na sua

complexidade, isto é, Atenção Primária, Média Complexidade e Alta Complexidade em nível

macrorregião. Já em relação à integralidade no atendimento a saúde da mulher, a fala da

entrevistada M1 explicita que o atendimento deve se dar a partir da compreensão da mulher

como um todo, serviços de saúde estruturados para atendê-las em todos dos ciclos da vida,

seja na infância, na adolescência, na idade reprodutiva, na velhice, sendo que o atendimento

relacionado aos direitos reprodutivos se dará de forma especifica para cada ciclo da vida das

mulheres. A entrevistada M2 ao falar em integralidade faz associação ao atendimento

prestado às usuárias e o seu acesso a determinados serviços, como por exemplo, no caso do

procedimento da histerectomia, que ainda existe uma demora e dificuldade no atendimento. Já

em relação, por exemplo, ao câncer de mama, a entrevistada M2, afirma que o

encaminhamento das usuárias é rápido. Nesse sentido, pode-se observar que o principio da

integralidade para a entrevistada M2 está relacionado às formas como as mulheres acessam os

15

Diz respeito ao procedimento de retirada do útero.

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serviços e a rapidez/demora com que estas são encaminhadas para resolução de suas

especificidades. A entrevistada M3 refere-se à integralidade a partir dos serviços que não só

atendem pontualmente, e cita o exemplo da questão do aborto, pois não se trata de dizer sim

ao aborto, não ao aborto. Existem uma série de outras questões que permeiam essa realidade,

sendo que não diz respeito a uma questão isolada, está envolta por questões morais, políticas,

religiosas e por diversos setores das políticas, como o setor de segurança, hospitalar.

Conforme Villela (2009) é integral aquele serviço que oferece alternativas terapêuticas

para doenças, mas que também é capaz de oferecer alternativas para os problemas de saúde

das mulheres, como a sobrecarga de trabalho, a violência, as dificuldades em lidar com a

própria sexualidade, e tantas outras situações que perturbam o seu bem-estar. É integral

também o serviço que considera o sujeito a partir da sua história, e não o fragmenta como

apenas um corpo ou um sintoma. Ao serem reconhecidas como sujeitos, as mulheres passam a

interagir como tal.

Com relação à equidade nos serviços de saúde a entrevistada M1 afirma que:

O principio da equidade, é um principio assim que se você olhar nos

princípios, esse termo não é um termo que ele tá muito claro tá, [...]

equitativo, quando eu tratar diferente os diferentes né, ai se você for colocar

a questão da universalidade não é, todos tem acesso, é um principio que

ainda suscita um grande debate entre os teóricos do Sistema Único (M1,

2015).

Acrescenta como um exemplo, uma experiência de sua atuação profissional:

[...] Quando até alguns anos atrás a Secretaria de Saúde fez uma avaliação

dos municípios do Paraná, onde foi discutido e pactuado quais seriam os

municípios que mais necessitavam em termos de recursos, de apoio né, e foi

dado, foi definido os critérios e dado pesos. Então a gente tem uma

avaliação onde eu coloco lá que aquele município é o mais carente de

apoio, de políticas, de recursos, tá e aí o que tem mais condições, então

IDH, índice de mortalidade, entram vários fatores né (M1,2015).

A compreensão da entrevistada M1 sobre equidade diz respeito à garantia de

atendimento diferente para os diferentes, isto é, garantir o atendimento às especificidades da

população. No entanto, a mesma afirma que é necessário melhor debater sobre o conceito de

equidade, pois, se os direitos são universais, todos devem ter o mesmo acesso. Acrescenta

como exemplo a atuação nos municípios mais carentes no Paraná, afirmando que para avaliar

a realidade de cada município elencaram-se critérios a fim de subsidiar a avaliação para

garantir a equidade na provisão de recursos, políticas, apoio.

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Em relação à equidade de gênero na política de saúde, a entrevistada M2 afirma

que:

Muitas vezes eu acho que isso é no plano formal porque muitas vezes mesmo

a gente é, quando você pega o resultado de uma gardnerella, por exemplo,

ou uma, alguma bactéria que tem que o casal fazer o tratamento né, muitas

vezes elas falam, eu vou chamar ele pra você falar porque se eu falar pra

ele, ele vai dizer que não precisa, que eu tô inventando coisa, então assim, a

submissão da mulher ainda é muito grande em relação a isso né [...] (M2,

2015).

A partir desse relato, observou-se que, os apontamentos feitos pela entrevistada M2 a

respeito da equidade de gênero, nesta situação, esteve relacionada a forma como homens e

mulheres compreendem a sua saúde, e a forma como as mulheres acabam sendo

responsabilizadas pelos cuidados com a sua saúde e de seus companheiros, colocando-as

assim num lugar de submissão em relação aos companheiros, tanto pelo medo de falar sobre

as doenças, como pode acontecer das mesmas serem culpabilizadas por terem transmitido

alguma doença. Ademais, culturalmente os homens têm deixado os cuidados com sua saúde

de lado, o que faz parte da própria construção social que a sociedade faz em relação aos

papéis sociais que homens e mulheres devem desempenhar na sociedade. Tem-se uma ideia

de que as mulheres são mais frágeis e necessitam de maiores cuidados pelos serviços de

saúde, em contrapartida, os homens são mais fortes e corajosos, e o reconhecimento do

adoecimento coloca esse papel social ao qual eles também são estão submetidos, em xeque.

Já a entrevistada M3, compreende a equidade de gênero da seguinte forma:

[...] a equidade de gênero eu digo, pra mim é a questão da partilha né,

assim, como, eu visualizo uma sociedade onde é possível mulheres e homens

partilhando o poder, o saber, o prazer, o bem querer, né, fazendo isso eu

acho que a gente também naturalmente tem uma outra relação, e tem uma

outra relação com a natureza também, porque assim existem muitos saberes

das mulheres, mas o saber instituído é que ficou na mão dos homens e o

poder também. Existe muita capacidade de poder das mulheres e tem

também o poder que se exerce sobretudo no âmbito das relações familiares,

mas todo esse outro poder instituído é um poder que ficou na mão dos

homens , nós não queremos esse, por isso que é tão diferente, difícil também

de chegar lá. E o prazer, é que teve um tempo que as mulheres não tinham

direito de ter prazer, tinha direito só de responder que sim né, e quantas né,

tem tanto livro escrito sobre isso né, fingindo orgasmo e tudo, quando não

eram violentadas, a partilha do prazer é uma coisa também grande, uma

revolução mesmo dos direitos reprodutivos, e quando eu digo a questão do

bem querer, sempre ficou só na mão das mulheres o cuidado de velhos, das

crianças [...] (M3, 2016).

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Para a entrevistada M3, a equidade de gênero diz respeito à partilha do poder, do

saber, do prazer e do bem-querer entre homens e mulheres. Uma partilha do poder que sempre

foi exercido pelos homens, uma partilha do saber, que sempre foi renegado o saber das

mulheres para dar espaço ao saber dominante dos homens, a partilha do prazer, em que as

mulheres possam vivenciar sua sexualidade e a partilha do bem-querer que diz respeito

divisão na responsabilidade com o cuidado dos/as filhos/as, dos doentes, das crianças, dos

mais velhos/as.

Perguntou-se as entrevistadas qual a perspectiva em relação a incorporação de

gênero nos serviços de saúde, obtendo-se as seguintes contribuições das entrevistadas M1 e

M3:

[...] não é um setor onde você tem preparo de recursos humanos para

discutir e fazer esse debate. [...] então realmente é uma situação que

demanda um novo olhar para os serviços de saúde [...] porque a questão de

gênero, homem e mulher, como se vê, como se sente, ou quem é essa pessoa,

ela não é só uma questão de opção né, é muito mais uma questão de ser e

isso as pessoas não sabem muito respeitar isso ou entender isso, por isso

que é fundamental o preparo dos profissionais e eu vejo ai, um grande vazio

ainda tá (M1, 2015).

Não tá acontecendo ainda né, porque eu vejo assim, primeiro que acho que

a rede de saúde né, de fato ainda não funciona como uma rede, né, rede de

médicos, de medicamentos, a rede de saúde, eu acho que precisava ter esse

outro aspecto que eu falei, um trabalho muito maior com relação a

prevenção, e acho que é quase ausente no sistema ainda, talvez não por má

vontade, mas porque é o sistema é assim, e também por causa de tanta coisa

que vem acontecendo (M3, 2016).

Em relação à incorporação da perspectiva de gênero nos serviços de saúde, a

entrevistada M1 relatou que realmente os serviços de saúde demandam um novo olhar, que

compreendam as pessoas, às respeitem, por meio de qualificação profissional. Todavia isso

ainda não foi resolvido. Já a entrevistada M3 afirma que isso ainda não está acontecendo, que

os serviços de saúde ainda não funcionam como uma rede e aponta um desafio “[...] como é

que a gente faz com que as políticas públicas que nós conseguimos sejam realmente

aplicadas nesse sentido mais integral né.” (M3, 2016).

Perguntou-se à entrevistada M2 se os/as profissionais contribuem para autonomia e

empoderamento dos/as usuários/as dos serviços ou se muitas vezes esses profissionais acabam

dificultando ou inviabilizando direitos, sendo que a mesma afirmou o seguinte: “Eu acho que

isso tem muito do perfil profissional também né, do comprometimento que a gente tem,

também tem isso né e comprometimento profissional, o perfil profissional”. Dentro de um

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contexto geral, se questiona se há um esforço por parte dos/as profissionais em prestar um

atendimento mais humanizado: “Eu acredito que sim, porque a gente tem, só se fala nisso a

quantos anos né, então a tendência é realmente de haver mudanças né, mas quando e como”.

Corroborando com esse debate, Villela (2009, p. 29-30) afirma que durante a

formação, os/as profissionais de saúde têm pouquíssimo contato com discussões que os

capacitem a lidar com os determinantes sociais do processo saúde-doença e com as

desigualdades de gênero. Ademais, a formação do/a profissional de saúde tem assumido cada

vez mais um caráter tecnicista, descolado da dimensão pedagógica inerente ao trabalho em

saúde e da abordagem do sujeito na sua singularidade humana. O aprendizado do profissional

de saúde toma como referente um corpo biológico, sem história, sem subjetividade, e sem

considerar as especificidades de homens e mulheres.

Neste contexto, observa-se que o papel que os/as profissionais de saúde têm no seu

cotidiano de trabalho é decisivo no que se refere ao empoderamento de homens e mulheres

que se utilizam dos serviços de saúde, pois, na medida em que se realiza um atendimento mais

humanizado, que respeite as especificidades das populações, que se estimule a participação

social, que se garanta o acesso à informação, que não se culpabilize e nem se emita juízo de

valor sobre a realidade social dos/as usuários/as dos serviços, estes/as profissionais estarão

contribuindo na transformação e emancipação social dos sujeitos/as.

Questionou-se às entrevistadas sobre os serviços de saúde voltado às mulheres, se os

serviços de saúde atualmente estão estruturados para além do enfoque materno-infantil, ao

contrário de como estavam constituídos formalmente até a elaboração do PAISM, mas

também nas práticas profissionais, sendo que as entrevistadas relataram que:

Olha eu lembro muito bem que quando eu comecei trabalhar, logo nos

primeiros anos, [...] se 86, por aí, nós tínhamos a formação do PAISM, que

era um programa integral de saúde da mulher, né, e tinha o programa

integral de saúde da criança, [...] até se você analisar estatisticamente, 70%

dos frequentadores de unidades de saúde são mulheres tá, 30% são homens,

então não é que os homens não adoecem, é que o homem tem uma outra

lógica de organização, ele vai procurar o serviço quando ele tá morrendo de

dor, a mulher já foi acostumada, até por essa lógica que tinha que cuidar da

gestante frágil, da criança frágil, pra preservação da vida, etc e tal né.

Então nesse sentido, as políticas foram realmente constituídas dentro desse

enfoque binômio mãe-filho né. Hoje você tem que pensar os direitos

reprodutivos, direitos da sexualidade, essas coisas, direitos reprodutivos e

sexuais, eles estão mais, tem uma outra lógica mesmo, então se você pensar

na evolução da história, hoje tá organizado de uma forma diferente [...]

(M1, 2015).

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A entrevistada M1 diz o seguinte a respeito das mulheres que negam a maternidade:

Aquela coisa doce, angelical, linda, maravilhosa da maternidade né, mas

realmente muitas vezes o que está por trás disso né, você deseja que as

mulheres continuem reproduzindo dentro de um certo patamar, que seja

aceito pela sociedade, usando pra isso, toda aquela idealização, daquele

ideal materno, como uma missão mesmo da mulher, e o ser humano, aquela

pessoa em si, o que ela pensa disso tudo, não é respeitado e preservado. A

opção dela e isso você transfere para todas as outras questões do mundo. É

difícil isso porque geralmente a gente tem aquela questão do pré-conceito, e

eu já falei antes, você julga pelos seus próprios valores né, e é um exercício

que nós profissionais da saúde precisamos fazer, porque nós não podemos

ficar emitindo juízo de valor sobre o que as pessoas fazem ou deixam de

fazer (M1, 2015).

No que diz respeito ao atendimento das mulheres para além do enfoque materno

infantil nos serviços de saúde, a entrevistada M2 afirma que acredita que no seu local de

trabalho isso esteja acontecendo. “Eu acho que sim, a gente luta pelo menos aqui na minha

realidade, a gente não tá tendo muito problema não.”. Todavia, perguntou-se a respeito da

responsabilidade dos filhos/as, e a existência da partilha no cuidado entre homens e

mulheres e a entrevistada M2 afirma: “É mais as mulheres que vem”. Acrescentou-se se seria

um desinteresse dos companheiros, e a resposta foi: “Não, eu acho que isso é cultural mesmo,

que isso é, os filhos é coisa de mulher, tem um e outro casal que vem, muitas vezes o pai traz

pra fazer vacina, mas a grande maioria é a mulher que traz pra fazer acompanhamento na

saúde”.

A partir desses relatos sobre as práticas, os serviços de saúde e a forma como estão

estruturados para o atendimento a saúde das mulheres, verificou-se que as entrevistadas M1 e

M2, afirmaram que hoje os serviços estão dentro de uma outra lógica, que não há problemas

quanto isso, ou seja, os serviços de saúde não estão pautados no enfoque mãe-filho/a. No

entanto, como pode-se observar nos relatos delas, às mulheres continuam sendo

responsabilizadas pelo cuidado com a saúde dos/as filhos/as, tendo em vista que a

participação dos companheiros na partilha dessa responsabilidade não é expressiva nas

relações, ocorrendo em casos isolados. Além disso, às mulheres que negam à maternidade ou

que não condizem com o ideal materno almejado pela sociedade são julgadas a partir de

valores individuais dos/as profissionais. Infere-se a partir deste recorte, que infelizmente,

muitos dos serviços de saúde e profissionais ainda concebem as mulheres baseados no

binômio mãe-filho/a, como também os serviços de saúde para gestantes estão melhor

estruturados que os demais.

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A entrevistada M2 relatou que em seu ambiente de trabalho há um atendimento

expressivo à população idosa. Neste sentido, questionou-se quem realiza o cuidado dessas

pessoas em suas casas, e a entrevistada relatou que:

[...] quando eles são independentes ainda e autônomos como a gente fala,

quando eles, eles vem sozinhos e é uma dificuldade grande porque o

entendimento deles muitas vezes, eles entendem o que eles querem e

repassam pros filhos também o que eles querem, então acima de 60 anos o

ideal seria eles virem acompanhados de um filho né, mas como você vai

exigir a presença de um filho, tem algumas situações que a gente só atende

com a presença do filho porque não tem como (M2, 2015).

Como os papéis sociais de gênero atribuem culturalmente às mulheres o cuidado com

os filhos/as, com as pessoas doentes e as pessoas idosas, a entrevistada M2 afirmou sobre

esses cuidados, “Geralmente [...] se escolhe alguém na família né e geralmente é a mulher

[...]”. A entrevistada M3 neste sentido aponta: “[...] e muito sobretudo onde tem famílias

extensas, fica na mão das mulheres, o cuidado das crianças, dos velhos, dos doentes, quando

pode ser partilhado né [...]”. A partir destes relatos, questionou-se isso acaba afetando

diretamente à saúde das mulheres e como afirma M2:

Afeta, porque muitas e muitas vem falando, ah eu cuidei de fulano. As vezes

vai fazer uma mamografia, nossa já faz uns dez anos que não faço mais,

preventivo mais uns cinco anos. Mas porque não? Ah porque eu tava com o

meu pai doente, com a minha mãe doente, a minha sogra doente, eu tive que

cuidar. Isso é a coisa mais comum que tem (M2, 2015).

Esta produção de símbolos e signos que delimitam os lugares sociais de homens e de

mulheres contribuiu para a reprodução das desigualdades de gênero no âmbito das relações

pessoais. Exemplo disto é a organização das práticas de atenção básica, que privilegia as

mulheres e o cuidado com a reprodução, reforçando de modo simbólico a redução do sujeito

mulher a uma função social e possibilitando que seja também entendido que a casa é lócus de

reprodução social e é fundamentalmente um espaço de responsabilidade das mulheres

(VILLELA, 2009).

Em relação aos avanços, desafios do SUS as entrevistadas M1 e M2 relataram que:

O Sistema Único de Saúde é uma construção longa né, ele nunca estará

pronto e acabado, [...] porque se você analisar a história, desde quando foi

aprovada a Constituição em 88, levou dois anos para você efetivar as leis

que regulamentaram o SUS. Após essa publicação das leis, pra você colocar

em prática já foi uma dificuldade, garantir a participação social, as

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questões de financiamento, então teve toda uma mobilização social e

política pra que isso se garantisse na lei do SUS né. [...] Então a luta pela

manutenção do Sistema Único de Saúde ela se dá não só por normas né,

mas por uma contínua prática onde você vai garantir o respeito a essa

política, tá, então teve momentos da história em que a mobilização teve que

ser grande, no sentido de garantir que o Sistema Único de Saúde se

mantivesse e se fortalecesse cada vez mais (M1, 2015).

[...] a gente mudou, a gente melhorou muito de uns anos pra cá, [...] mas é

nesse sentido que já são vitórias que a gente vem conseguindo de anos né,

que se vai solicitando, que você vai se exigindo né. As mulheres [...] estão

mais esclarecidas, elas estão mais no mercado de trabalho, então acho que

uma coisa assim, que é natural de acontecer e muito se melhorou na saúde.

Nossa, nesse último ano, isso a gente não pode negar que foi muito, a gente

ganhou muitas coisas boas em relação ao pré-natal, em relação aos direitos

reprodutivos, em relação ao próprio planejamento familiar, coisas que a

gente não tinha mesmo, que tavam paradas esse ano, era uma necessidade e

acho que nesse sentido melhorou bastante (M2, 2015).

Sobre os avanços e desafios do SUS, as entrevistadas M1 e M2 indicam que houve

avanços na política de saúde, nos direitos reprodutivos, resultado de uma longa trajetória de

lutas, de mobilização social e política da sociedade. Acrescenta que hoje as mulheres estão

mais esclarecidas e inseridas no mercado de trabalho.

A respeito da presença do Estado e o financiamento das políticas sociais, da

política de saúde, observou-se o seguinte, a entrevistada M1 relata sobre a presença do

Estado e os desafios e obstáculos para a efetividade da qualidade da política de saúde:

A presença do Estado, ele deve se ater muito ao que diz a legislação, ao que

diz o Sistema Único de Saúde, o que diz toda essa legislação atual, que está

em relação a isso, o que diz esses organismos internacionais, Organização

Mundial da Saúde, essas outras entidades com relação a essa questão do

apoio a proteção a vida tá. Então, acho que o Estado tem que estar presente

nesses momentos, principalmente com relação ao preparo das equipes [...]

(M1, 2015).

[...] E hoje umas das grandes questões que interferem na qualidade dessa

política, é a questão de recursos humanos e a questão do financiamento,

acho que são as duas, as duas grandes áreas do SUS que precisam e

merecem um cuidado especial. Então tem muito a avançar ainda, mas até

porque ele é uma lei universal né, para o país, e difícil é você colocar em

pratica com todas as suas garantias né (M1, 2015).

As duas questões levantadas pela entrevistada M1, que interferem na qualidade da

política de saúde são então: a questão dos recursos humanos e a questão do financiamento. A

primeira segundo ela, diz respeito à sobrecarga que está caindo nos municípios, pois décadas

atrás o Ministério da Saúde era o maior empregador de profissionais da área da saúde e hoje,

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através da municipalização dos serviços, isso está se revertendo e o menor empregador é o

Ministério da Saúde. O maior empregador passou a ser o município, onde as coisas

acontecem, entretanto, a lógica de transferência de recursos financeiros ainda se concentra na

União e a menor parcela no Município.

[...] Então hoje eu tenho um orçamento mínimo que não atende a

necessidade dos serviços, é só ver a lógica, por exemplo, do financiamento

hospitalar, que apesar de que a gente deve [...] investir mais em promoção e

prevenção, e menos na área hospitalar, mas quando o paciente necessita de

um serviço referenciado, pro hospital ele tem que ter acesso também e tem

que ser de acordo com a realidade econômica atual (M1, 2015).

No que diz respeito ao financiamento da política de Saúde e a presença do Estado, a

entrevistada M1 afirma que o Estado precisa ter sua atuação pautada naquilo que a legislação

determina, em âmbito nacional, mas também pelos organismos internacionais de saúde. Em

relação ao financiamento, afirma que o município tem ficado com a sobrecarga das funções,

tanto no que diz respeito aos recursos humanos, como no que se refere aos recursos

financeiros, haja vista que é na União que eles se concentram mais, restando um orçamento

mínimo para a provisão dos serviços de saúde no âmbito municipal.

Já a entrevistada M3, compreende a presença do Estado na política de saúde da

seguinte forma: “Eu ainda vejo que, como é a base, quem governa é a base econômica, o

Estado não dá conta de pensar a saúde, o Estado pensa a doença”. Ou seja, o Estado tem sua

atuação pautada naquilo que o grande capital determina, neste sentido está subsidiado pelas

políticas de ajuste neoliberal, que visam à contensão dos gastos sociais para injetar mais

recursos no setor privado.

Em relação ao financiamento da política de saúde, as entrevistadas M2 e M3

afirmam:

Então, o que a gente sabe é que o maior investimento é o município que faz

né, porque o estado [do Paraná] e o governo federal a gente tem tido pouco

retorno. Então o que a gente sabe, o que eu sei é que o município tem dado

essa maior parcela, essa maior contribuição e esse ano que passou a gente

não, assim, não teve muito problema com falta de medicação, que o

município acabou custeando (M2, 2015).

Eu vejo que são assim, aqueles no começo que são atrapalhados, e isso faz

parte de todo um esquema do neoliberalismo, a primeira coisa que se fez foi

diminuir diminuir diminuir aquilo que a gente considerava que poderiam ser

parte das políticas sociais, porque, porque as mulheres se encarregam,

creche, tudo isso, não as mães fazem, então deixem que as mães se juntem e

põe lá na casa de uma , tudo tudo que tá relacionado com a reprodução da

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vida é uma coisa que tá dando passos lentos na minha opinião, porque estão

sendo dados passos gigantes no mesmo modelo econômico que sempre

vingou (M3, 2016).

Nesse sentindo, a interpretação da entrevista M1 e M2 a respeito do financiamento das

políticas de saúde se relacionam, pois segundo as mesmas fica a cargo do município grande

parcela da responsabilidade, da contribuição para provisão dos serviços de saúde. Já a

entrevistada M3 afirma que a lógica de financiamento da política de saúde está pautada no

esquema do neoliberalismo, que visa diminuir, reduzir os gastos com às políticas sociais e

ainda acrescenta, que fica a cargo das mulheres na precariedade das políticas sociais, a

exemplo dos cuidado com as crianças pela falta de creches. Para o desenvolvimento do

capitalismo grandes passos têm sido dados, em detrimento das políticas sociais.

Buscou-se conhecer também elementos da trajetória de atuação das entrevistadas

em serviços voltados direta ou indiretamente aos direitos reprodutivos. As contribuições

foram as seguintes, das entrevistadas M1 e M2:

Dentro da Secretaria de Saúde assim, participação em alguma comissão

não, a gente enquanto profissional, nós trabalhávamos no planejamento das

ações, no desenvolvimento das ações como um todo tá, então a minha

atuação enquanto assistente social, ela foi mais voltada a alguns

programas, mas como eu estava inserida numa Secretaria onde as

discussões eram em conjunto, a gente sempre estava integrada nesse

processo de discussão e avaliação tá, agora enquanto gestora, daí a

discussão da programação do Plano Municipal de Saúde, da programação

anual, de avaliação dos serviços, de pactuação de ações relacionadas a

isso, aí nós sempre participamos. Então na época tinha o Comitê Municipal

né de, [...] mas era um Comitê em que ele trabalhava mais essas questões

relacionadas à prevenção da morte materna e infantil, tá, ou ações

relacionadas aí com o planejamento familiar. Eu lembro até numa época em

que isso tava muito forte, a interferência, a interface com outros organismos

que trabalhavam essa questão aí dos direitos reprodutivas, mais com

relação aos métodos anticoncepcionais (M1, 2015).

Eu faço a coordenação da unidade, eu faço assistência de enfermagem, faço

supervisão [...], eu inicio todos os pré-natais eu inicio, e todas as gestantes

eu acompanho uma vez por mês, todas, então enquanto elas vem na

consulta, elas retornam e elas passam comigo também (M2, 2015).

A entrevistada M3, a partir de seu trabalho com educação popular feminista relata que

no início de sua atuação realizou trabalho:

Era muito assim trabalho de alfabetização, trabalho social mesmo, trabalho

de saúde com visitadoras sanitárias em regiões bem pobres do sul da Bahia,

sul do Maranhão e interior de Pernambuco, sul do Mato Grosso foi depois.

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No tempo que começaram as comunidades de base, a teologia da libertação,

foi muito muito nessa linha (M3, 2016).

Eu lembro muito sabe, no tempo da Assembleia Nacional Constituinte, por

estarmos fazendo o trabalho que a gente fazia, de educação popular que

reunia mulheres, muitas mulheres assim de periferia e do campo que não

era uma coisa assim de costume como agora, nós temos esses movimentos

grandes das mulheres rurais, as margaridas, as mulheres camponesas, o

movimento das mulheres camponesas, era realmente uma população

completamente deixada de lado e a Rede Mulher de Educação que eu criei

em 1980, comecei né, e depois em 83 ela ficou como uma ONG estabelecida,

fez esse trabalho de levar muito dessas ideias de educação popular e de

feminismo pra esses lugares Amazônia e assim eu vejo que o que a gente

investiu na Assembleia Nacional Constituinte foi uma coisa muito grande,

inclusive eu coordenei a iniciativa popular Direitos da Mulher né, e foi

praticamente aceita toda ela (M3, 2016).

Atualmente a entrevistada M3, tem uma empresa de assessoria e consultoria onde

desenvolve ações como organização de eventos, animação de grupos, mas principalmente

desenvolve um trabalho em processos educativos, em oficinas, verificando o que existe de

sabedoria em determinado grupo, ou de questões sobre o tema que se quer levantar a exemplo

das questões ambientais e de gênero, e estabelece um diálogo com o grupo, e do grupo entre o

grupo para emergir um novo conhecimento e uma nova aproximação sobre a temática. Sua

atuação não é de coordenação propriamente de projetos, mas presta consultoria pra ir

montando a concepção, por exemplo, da educação ambiental. Faz oficinas que envolvam os

vários atores sociais, os/as gestores/as, as comunidades, as universidades, enfim todos/as

aqueles que interferem na qualidade do meio ambiente, com o objetivo de juntar os

movimentos, as ONG‟s, os gestores/as.

Tendo em vista que a entrevistada M2 tem atuação direta com as mulheres gestantes,

perguntou-se se nas consultas de pré-natal há a participação dos companheiros, e

obtivemos a seguinte resposta:

Sim. A gente tem, muito difícil para nós aqui, no Jardim, é muito difícil que

não venha o parceiro. Agora a gente sabe que essa realidade não é toda no

município né, porque tem umas regiões onde o parceiro não vai. Por isso

que tá sendo assim em alguns locais, tem dificuldade para o tratamento da

sífilis né, porque as vezes nem elas mesmas não sabem quem é o parceiro

que transmitiu a sífilis pra elas né (M2, 2015).

Já a entrevistada M1 relatou em relação à participação dos homens no

acompanhamento das companheiras às unidades de saúde:

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E nós tínhamos, as unidades tinham um grupo de planejamento familiar tá,

então onde é claro a mulher deveria vir acompanhada do seu companheiro

de preferência né, pra discutir em conjunto, mas isso na prática é difícil

fazer acontecer, então geralmente a mulher vai sozinha tá, ou ia sozinha,

hoje em dia até nem sei se tem os grupos de planejamento familiar (M1,

2015).

Infere-se sobre esta situação de participação dos companheiros nas questões de saúde

reprodutiva e direitos reprodutivos que ainda há muito o que se avançar nas políticas de saúde

para viabilizar e garantir a participação dos mesmos nesta etapa da vida, garantindo a partilha

da responsabilidade entre homens e mulheres, bem como o acesso à esses direitos. Como já

afirmou a entrevistada M3 e compartilhando-se de seu entendimento, a equidade de gênero

está relacionada à partilha do poder, do saber, do prazer e do bem-querer, garantindo-se assim

a saúde a homens e mulheres.

Em relação a atuação da entrevistada M2 voltada à questão dos direitos reprodutivos,

há também a participação no Comitê de Mobilização pela Redução da Mortalidade

Materna e Infantil 16

do Município de Toledo-PR:

Desde quando é, foi instituído o Comitê de Mortalidade Materna no

município eu participo e uns dois anos pra cá, que eu estou como presidente

da comissão. [...] No início ele era, era representado pela ACIT, pelas

universidades, tinha um pessoal do Conselho Tutelar, a Secretaria de

Assistência, a Secretaria da Mulher participavam, né, e hoje ele tá

praticamente reduzido, tinha médico, tinha obstetra, tinha pediatra e hoje

ele tá praticamente reduzido aos enfermeiros e tem uma pessoa da

Secretaria da Mulher que acaba participando né. A educação também nas

últimas reuniões não veio mais e então por isso acho que a gente seguiu

mais nessas ações em relação mesmo ao, aonde a gente atua, em cima da

nossa atuação (M2, 2015).

A respeito do ano de fundação do Comitê, a entrevistada M2 disse “Eu não me

recordo mais direito, acho que 2009 foi instituído”. Sendo que a atuação do Comitê

atualmente consiste em:

É tentar controlar a infecção urinária pra ela não desenvolver o trabalho de

parto prematuro né e a gente tem conversado com o pessoal da Regional,

porque grande maioria dos enfermeiros é, não teve na faculdade ou até teve,

mas assim muito superficial, essa questão do pré-natal, então tem muitos

16

“[...] Comitê de Mobilização pela Redução da Mortalidade Materna e Infantil, formado por médicos da família

e pediatra, enfermeiros obstetras e outros profissionais, e que desenvolve ações para subsidiar a rede pública

municipal em relação ao pré-natal e ao diagnóstico precoce e tratamento da infecção urinária, problema

diretamente ligado aos partos prematuros, transmissão da infecção para o bebê e risco de mortalidade materna,

fetal e infantil, além de outros trabalhos de atenção às gestantes.” (TOLEDO, 2015, s.p).

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que não sabem fazer pré-natal porque não tinha isso na grade curricular

deles e a gente tá junto com o estado, e junto com a Secretaria de Saúde

enquanto Comitê tentando trazer, o projeto já tá pronto, e ele vai começar,

possivelmente em andamento antes da metade do ano pra o pré-natal ser

uma consulta médica e uma consulta de enfermagem. Então um mês passa

por médico, outro mês passa por enfermeiro. Para eles aprenderem a fazer

o pré-natal, saberem o que eles vão olhar no pré-natal né, a questão dos

exames, a questão da altura uterina, os batimentos cardíacos, da posição do

bebê. Então esse é um treinamento que a gente vai desenvolver pela

Regional de Saúde e o estado que vai passar para os enfermeiros (M2,

2015).

Como ação, o Comitê institui junto com a Secretaria de Saúde uma notificação de

infecção urinária e um acompanhamento dessa infecção pelo agente de saúde e pelo

enfermeiro da unidade. A partir de dezembro segundo a entrevistada M2, essa ação passou

para a Secretaria de Saúde do Município, saindo do Comitê, em função da possibilidade de

monitoramento de uma pessoa específica na Secretaria, pois o Comitê não tinha tempo hábil

para desenvolver essa ação.

[...] Nós tínhamos 27 óbitos, desses 27, era maios ou menos uns 70% de

infecção materna e o restante de má formação, que a gente tem um grande

número de má formação na nossa região aqui né. E esse ano a gente, eu,

não tenho bem certo como fechou esse ano, mas acho que fechou em 14 a

última vez, que eu verifiquei, [...] mas a gente tinha 14 óbitos e desses 14,

oito eram de má formação. Então mais da metade é á formação esse ano né.

E a redução da infecção urinária foi bem importante, e o município de

Toledo é o único que tem instituído o controle de monocultura, após o

término do tratamento da infecção urinária. Então não existe outro

município no Paraná que tenha instituído isso como rotina, então as

mulheres terminam de tomar o antibiótico no quinto ou sexto dia depois do

término, elas fazem a monocultura de controle pra verse ele realmente

eliminou a bactéria (M2, 2015).

Buscou-se conhecer a partir do entendimento das entrevistadas, qual a perspectiva

delas em relação à estruturação da política saúde da mulher e os serviços e ações de

atendimento às questões dos direitos reprodutivos no Município de Toledo-PR, obtendo as

seguintes contribuições:

Ele tem que estar integrado a todas as atividades da unidade básica de

saúde, tá, então dentro do município de Toledo não há um setor especifico

pra lidar com isso. A unidade dessaúde por mais distante que seja, ela tem

que trabalhar com essas questões. Por isso que se você pensar assim na

organização dos serviços na estratégia Saúde da Família, no trabalho

integrado, isso acontece né. Tá. Porque esse acompanhamento tanto das

questões de opção por métodos de contracepção, como nas questões de

entender o planejamento da sua família tem que ser discutido lá, onde a

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pessoa está. Então é lá que você tem que discutir isso. E a equipe tem que

estar preparada para isso, para esse enfrentamento, pra esse diálogo, até

essa oferta de serviços (M1, 2015).

Em relação à gestante, acho que não tem rede melhor estruturada. Assim

tem algumas coisas falhas ainda, em relação ao pré-natal de risco. Hoje a

porta é aberta pro hospital. As gestantes podem ir direito pro hospital, não

tem mas que passar pela UPA né, isso é uma vantagem grande que elas tem,

elas podem ir direito pro Bom Jesus. É mas em relação à saúde da mulher

em si, eu acho que tá um pouco falha, tá começando a caminhar agora,

algumas coisas, como planejamento familiar né, então hoje, a gente tinha

uma fila de não sei quantas mil pessoas, que tinham mulheres que queriam

fazer laqueadura e homens que estavam esperando pra fazer vasectomia e

essa fila, eles conseguiram fazer andar agora né, então já estão fazendo. Já

tem algumas laqueaduras programadas, tem algumas coisas que já foram

feitas. O pré-natal de alto risco, quando a gestante tem de risco, eles tem

feito já no hospital, a puérpera nem sai do hospital sem ter feito a

laqueadura. A implantação do DIU, a gente tá tendo aqui, na unidade da

Pioneira agora tem médico que tá colocando DIU, então as mulheres que

tem interesse em fazer, de colocar o DIU, elas tem conseguido. Então tá

andando um pouquinho em relação a saúde né, algumas coisas que estavam

realmente paradas. Anticoncepcionais a gente tem alguns, mais poderia tá

melhor, a gente podia ter, porque a gente sabe que já tem anticoncepcionais

de uma qualidade melhor, mas por enquanto a gente não conseguiu esses

ainda, porque isso quem determina é o estado e o estado ainda não repassou

os anticoncepcionais para o município (M2, 2015).

No que diz respeito à estruturação dos serviços de saúde para a promoção dos direitos

reprodutivos e da política de saúde das mulheres, a entrevistada M1 afirma que não há um

setor específico para tratar dessas questões, e que as unidades de saúde, por mais distantes que

sejam, precisam prestar esse atendimento. Acrescenta que por meio da Estratégia Saúde da

Família e do trabalho integrado esse atendimento está acontecendo e que as questões

relacionadas ao planejamento familiar tem que ser discutidas, tendo os/as profissionais que

estarem qualificados para oferta desses serviços. A entrevistada M2 relata que em relação à

saúde da gestante, não existe serviço melhor estruturado. E que em relação a saúde da mulher

num contexto mais amplo ainda existem falhas, mas que aos poucos algumas coisas estão

caminhando, como o planejamento familiar, a laqueadura, a vasectomia, o DIU17

, o pré-natal

de alto risco e com relação aos métodos anticoncepcionais poderiam ser de uma qualidade um

pouco melhor. Sobre estas questões, pode-se inferir a partir do entendimento de que, por mais

que seja fundamental, que os serviços que atendam às gestantes devam ser bem estruturados

para garantir qualidade do acesso aos serviços, tanto pela gestante, quanto pela criança e que

os avanços são necessários e importantes, é necessário pensar que a saúde da mulher vai para

17

O dispositivo intra-uterino (DIU) é um método anticoncepcional constituído por um aparelho pequeno e

flexível que é colocado dentro do útero, onde exerce ações de prevenção a gravidez.

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além da gestação, sempre permeada por diversas outras questões, como a violência contra a

mulher18

, a sobrecarga de tarefas, o envelhecimento, sendo que estas questões estão ligadas

aos direitos reprodutivos, ao exercício da saúde reprodutiva, do pleno gozo do bem estar

físico e mental.

Nesse sentido, verifica-se a necessidade de se pautar, seja nos espaços de Controle

Social, seja nos espaços no âmbito dos governos, a urgência em se pensar a saúde de homens

e mulheres a partir de ações que promovam a equidade de gênero, que coíbam a violência,

que compartilhem as responsabilidades e garantam a promoção, a prevenção e a recuperação

da saúde.

Em relação à efetividade dos direitos (humanos, das mulheres) a entrevistada M3

esclarece e exemplifica com a situação da violência contra as mulheres “[...] entre o direito de

poder falar e o direito de ser protegida, e a efetividade, tamo longe né [...]”:

A relação entre o direito e a efetividade. Uma coisa é você chegar a

estabelecer um direito, sempre ele vem a partir de muitos costumes que são

questionados, o direito não vem assim do que é o melhor, ele vem a partir de

muita coisa que acontecesse antes de que ele chegue , pra dizer não, porque

isso é melhor. [...] o Brasil é um dos países que tem as melhores leis do

mundo (M3, 2016).

[...] Antigamente era por lei, pelo direito romano, a mulher era propriedade

do homem, foi só no direito napoleônico que a mulher deixou de ser

propriedade do homem para ser subordinada ao homem, e no nosso direito

atual, de 1988, que homens e mulheres perante a lei, são iguais, perante a

lei, agora do direito a efetividade é um trabalho que nós temos que fazer

(M3, 2016).

Sobre a questão das mulheres ocupando os espaços políticos a entrevistada M3

acredita que: “Eu acho importante, só que eu acho que a gente tá fazendo de uma maneira

meio errada, a gente quer ocupar os espaços políticos, mas não tá mudando o jeito de estar

no espaço político”. Observa-se que a entrevistada M3 ao referir-se às mulheres nos espaços

políticos compreende ser importante essa presença das mulheres, todavia, aponta para a

necessidade das mulheres em ocupar esses espaços de uma forma diferente da qual os homens

vem exercendo, pois só assim, as poucas mulheres que estão inseridas nos espaços políticas

vão conseguir intervir na alteração da realidade.

18

De acordo com dados do PMS de Toledo, no ano de 2012, 76,24% dos casos de violência doméstica se

referiram à vítimas mulheres, o equivalente à 154 casos (TOLEDO, 2013, p. 63).

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77

Sobre as relações de gênero, e como se constrói culturalmente o que é ser homem e

ser mulher na sociedade a entrevistada M3 contribui:

[...] A gente fala muito na questão da educação, muito na questão da saúde,

mas o que significa pensar na vida a partir do fato de ser homem ou ser

mulher. É uma coisa muito grande e tamo longe de conseguir que isso seja

algo sabe, que transpareça na mídia, assim tem coisas bem pontuais , mas

essa nova forma de ser , de se pensar enquanto seres humanos ainda tá pra

acontecer, eu acho. Existem pessoas, existem grupos, mas nós somos uma

minoria, ainda que realmente pensamos que o mundo pode ser diferente né.

Pode ser pensado muito mais em função disso que eu falo, da humanização

mesmo, da humanidade nesse novo processo civilizatório, em vez de você

pensar em função do mercado, e você pode ver também só analisar os fatos

que toda essa questão da esfera reprodutiva, é terrível quando você pensa

na questão de como o corpo da mulher se tornou objeto de mercado [...].

(M3, 2016).

Sobre a mudança nas relações de gênero, sobre uma nova forma de ser, a entrevistada

M3 afirma que é necessário pensar a humanidade fora da lógica mercadológica, em que os

corpos das mulheres são reconhecidos como objetos. Neste sentido, é preciso se pensar novas

formas de sociabilidade, livres da exploração do trabalho, do racismo, do sexismo19

e da

desigualdade de gênero.

Como aponta Farah (2004) o eixo de uma ação governamental que se orienta pela

perspectiva de gênero consiste na redução das desigualdades de gênero, isto é, das

desigualdades entre homens e mulheres (e entre meninos e meninas). Quando se fala em

reduzir desigualdades de gênero não significa negar a diversidade, mas trata-se de reconhecer

a diversidade e a diferença entre homens e mulheres, atribuindo a ambos igual valor,

reconhecendo, suas necessidades específicas, que nem sempre são iguais e que devem ser

igualmente contempladas pela sociedade e pelo Estado.

Sobre esse novo pensar, a autora esclarece:

É preciso um novo olhar para se poder perceber que a „desigualdade‟ entre

homens e mulheres em nossa sociedade se reflete em pequenas (e grandes)

discriminações, em pequenas (e grandes) dificuldades enfrentadas pelas

mulheres em seu cotidiano, em dificuldades de inserção no mercado de

19

“Recortando a sociedade em suas diferentes esferas de sociabilidade, o sexismo, machismo ou androgenismo,

como se queira chamar, é um padrão cultural que associa ao masculino um valor superior e desvaloriza tudo

aquilo que é ligado ao feminino, em particular às mulheres. Esse valor cultural não seria superado com a mera

justiça distributiva. A violência doméstica, o assédio sexual, a baixa participação das mulheres na esfera político-

institucional etc. não são apenas consequências das desigualdades econômicas. Pelo contrário, mereceriam um

reconhecimento específico, como expressões da dominação de gênero, e consequentemente teriam de ser

tratados de maneira diferenciada.” (SORJ, 2004, p. 144).

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78

trabalho, em dificuldades de acesso a serviços, em um cotidiano penoso na

esfera doméstica (FARAH, 2004, p. 128).

Situou-se neste capítulo os conteúdos das entrevistadas realizadas com três mulheres

que tem em sua trajetória relação com os serviços de saúde, e/ou com as lutas das mulheres.

Buscou-se apresentar como estão estruturados os serviços de saúde no Município de Toledo-

PR, em relação aos direitos reprodutivos e a saúde das mulheres a partir de suas contribuições.

Ademais, destacou-se às contribuições a respeito da incorporação da categoria gênero nos

serviços de saúde, sua existência ou não, bem como à implementação da equidade de gênero

nas ações e serviços, entendendo que este processo é resultado da construção social e política

dos movimentos sociais, movimentos de mulheres, bem como dos governos. Destaca-se a

importância do SUS, gratuito e de qualidade para a efetivação da promoção e prevenção da

saúde da população, bem como a importância de todo o processo de sua construção, com as

mobilizações e reivindicações da sociedade.

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79

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infere-se por meio desta pesquisa (leituras e entrevistas) que, por mais que tenham

sido realizados avanços formais nos textos dos documentos que respaldam as políticas sociais,

por exemplo a Política de Saúde, concretamente as ações e serviços de saúde não tem

garantindo a plena efetividade, nem dos direitos reprodutivos e nem da incorporação de

gênero no atendimento à população. As leituras realizadas, bem como as informações

empíricas desta pesquisa demonstram que os serviços e ações de saúde ainda são marcados

pela presença da atenção à saúde embasada no enfoque mãe-filho, isto é, práticas profissionais

e a estrutura dos serviços de saúde têm dado atenção especial aos cuidados com a gravidez,

pré-natal e puerpério. Neste cenário, são garantidos e efetivados serviços que atendem

gestantes e crianças, em detrimento da precariedade de atendimento de outras demandas,

como no caso do abortamento. A realidade de saúde das mulheres deve ser compreender os

aspectos voltados à reprodução, mas, sobretudo, deve compreender todos os aspectos que

dizem respeito à uma vida saudável para estas, considerando que a maternidade não define a

saúde de uma mulher. A realidade de saúde e dos direitos humanos das mulheres está longe

do que prevê os avanços formais no campo das políticas sociais.

A conquista dos direitos reprodutivos, incisivamente foi resultado das lutas das

mulheres, nas suas reivindicações pela autonomia e controle sobre seus corpos. Sendo assim,

os direitos reprodutivos precisam ser compreendidos dentro de um contexto amplo, que não

diz respeito somente à reprodução da vida humana, mas também pela sexualidade que está

presente nos corpos, seja de homens e mulheres. Enfatiza-se que estes direitos estão

permeados por condições sociais, culturais, econômicas e que, sua conquista reflete a

necessidade de transformação da sociedade, em que seja garantido o exercício livre e saudável

tanto da saúde reprodutiva, como da sexualidade, haja vista, que estas dimensões não estão

dissociadas na concreticidade da vida humana.

Ao falarmos em saúde, e em especial a saúde das mulheres, necessitamos considerar

que a realidade da saúde destas é demarcada pelas consequências das relações desiguais de

gênero. Estas relações, construídas socialmente, delimitam papéis sociais para que homens e

mulheres desempenhem na sociedade. Esta construção social em cima dos sexos delimitou os

espaços que as mulheres deveriam ocupar, assim como os homens: ficou a cargo das mulheres

o espaço doméstico, privado, do cuidado, da maternidade; ao homem, destinou-se o espaço

público, do poder, da política.

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80

Nessa relação, em que mulheres são submetidas ao espaço e as relações domésticas, a

dimensão do cuidado tanto com a casa, com os/as filhos/as, com os idosos ficou de sua inteira

responsabilidade. A maternidade foi concebida como função social das mulheres, sendo que a

sociedade se organizou para isto, a exemplo dos programas de saúde elaborados a partir do

enfoque materno-infantil, que por mais que não tenham essa nomenclatura atualmente, ainda

em determinados espaços, continuam a efetivar essa visão. A questão da maternidade como

função social das mulheres é algo recorrente na sociedade brasileira, e neste sentido, por mais

que avanços tenham sido efetivados no plano formal, esta realidade ainda não foi

completamente transformada. Como exemplo disto, situa-se que às mulheres que negam à

maternidade são julgadas por profissionais e pela sociedade como um todo, muitas vezes

constrangidas por não aceitarem esse papel como sua obrigação.

Atualmente, por mais que as mulheres tenham conquistados seus espaços no mercado

de trabalho, estas responsabilidades do âmbito doméstico continuam a ser desempenhadas por

elas, com raras exceções em que companheiros, filhos, irmãos têm auxiliado nessas tarefas.

Na medida em que se luta e almeja uma nova sociabilidade, livre do machismo, do

patriarcado, necessita-se uma transformação dessas relações desiguais de gênero, que colocam

às mulheres num lugar de submissão e inferioridade, sem poder sobre seus corpos e suas

escolhas.

Desta forma, os serviços e ações de saúde precisam garantir a efetividade da política

de saúde, incorporar efetivamente a perspectiva de gênero no atendimento à população,

compreendendo que, homens e mulheres possuem especificidades que precisam ser

consideradas e atendidas. Para além, das questões de gestação e planejamento familiar, é

preciso considerar que mulheres e homens sofrem impactos distintos nas questões de saúde a

partir da desigualdade de gênero. Ademais, é fundamental que as pessoas possam explorar sua

sexualidade e sua saúde reprodutiva, sem coerção, sem violência, sem preconceitos,

enfatizando a ideia de que as mulheres ainda tem seus direitos humanos violados e longe de

ser plenamente efetivados.

A partir das contribuições das entrevistadas para a construção dessa pesquisa, muitos

elementos foram fundamentais para captar suas opiniões, suas críticas. Neste sentido, toda

informação coletada por meio da pesquisa empírica foi de suma importância para o

desenvolvimento deste trabalho. Observou-se que para as entrevistadas a saúde está associada

à um conjunto de fatores – sociais, econômicos, físicos, emocionais, psicológicos – e deve ser

garantida por meio de espaços que trabalhem a promoção e a prevenção da saúde, isto é,

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compreender os determinantes que impactam no adoecimento da população, propondo ações

de saúde que previnam as doenças, e que atuem de forma mais ampla nessas questões.

A respeito da saúde reprodutiva e dos direitos reprodutivos evidenciou-se na pesquisa

que, há a compreensão de que os direitos reprodutivos envolvem as questões não apenas de

reprodução da vida, mas questões mais amplas como o trabalho doméstico, o afeto. Todavia,

como observou-se na pesquisa empírica com uma das entrevistadas ainda é recorrente o

entendimento da saúde reprodutiva como algo voltado às questões de planejamento familiar,

gravidez, pré-natal, cuidados com o bebê.

No que diz respeito ao acesso à informação, observou-se que é fundamental que os/as

profissionais e serviços de saúde busquem formas e estratégias para garantir processos

educativos, a exemplo da educação sexual, que orientem à população para buscar seus direitos

e acessar às políticas sociais. Os espaços de controle social são fundamentais para construir os

serviços de saúde, como conselhos, conferências e fóruns, pois através destes, é possível

trazer a população para o debate, garantindo o envolvimento desta nos rumos das políticas

sociais. Neste contexto, a organização e mobilização das mulheres foram fundamentais para a

conquista dos direitos, sendo despendido um grande esforço por parte das mulheres.

Em relação à integralidade, tanto diz respeito ao atendimento integral aos usuários na

complexidade dos serviços de saúde, que não atendem pontualmente, bem como no

atendimento à saúde da mulher em todo seu ciclo de vida, desde a infância até a velhice.

Também em relação à integralidade, relaciona-se as formas como as mulheres acessam os

serviços e a agilidade/demora par resolução de suas especificidades. Sobre a equidade, refere-

se tanto ao atendimento diferente aos diferentes, garantindo o atendimento das especificidades

de cada grupo da população, como em relação à equidade de gênero, que está associada às

formas como homens e mulheres acessam os serviços de saúde, e a partilha de

responsabilidades, dos cuidados, do poder, dos saberes, dos prazeres entre homens e

mulheres.

Ponto fundamental, diz respeito à incorporação da perspectiva de gênero nos serviços

e práticas de saúde e foi decisivo para a compreensão deste trabalho, pois evidenciou-se que, é

necessário um novo olhar sobre os serviços de saúde, bem como, práticas profissionais que

possibilitem que a população tenha autonomia em suas escolhas, sem coerções, juízos de

valor. Ademais, as relações desiguais de gênero precisam ser consideradas, pois as mulheres

continuam a ser responsabilizadas pelos cuidados com os filhos(as), com a saúde da

população idosa, em detrimento dos cuidados com sua saúde. Os homens, em algumas

situações tem participado das questões de saúde reprodutiva das parceiras, acompanhando o

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pré-natal por exemplo, mas esta situação não é uma realidade recorrente na sociedade, até

mesmo, porque na construção social de gênero, os homens estão relacionados a um

estereótipo de valente, forte, que não adoece e que não tem que se envolver nessas questões

de saúde das mulheres, o que impacta também as questões da sua saúde.

Por mais que, estas dificuldades estejam presentes nos serviços de saúde, explicita-se

que o SUS é uma conquista, resultado de lutas, de mobilização da sociedade. Muito se

avançou na Política de Saúde, todavia, há muito que se avançar, à exemplo das questões

relacionados aos direitos reprodutivos, aos recursos humanos e financeiros. O Estado tem

papel fundamental nesse processo de ampliação das políticas sociais, todavia, este responde à

um lógica de desenvolvimento econômica, com prioridade de investimento no setor privado,

resultado das políticas neoliberais e que tem impactado decisivamente os orçamentos das

políticas sociais.

Concluindo, espera-se que esta pesquisa contribua com a mudança nas práticas

profissionais e serviços de saúde que permanecem subjugando à mulher ao espaço doméstico,

associando aos cuidados com o lar, os filhos(as), e remetendo os cuidados à saúde somente às

questões da maternidade. Ademais, almeja-se que para além do plano formal, os serviços e

práticas de saúde possam concretizar a incorporação de gênero nos atendimentos.

Para com as mulheres e com toda a sociedade, espera-se ter se evidenciado a

necessidade de se efetivar cotidianamente processos emancipatórios da população, que

garantem alternativas para se pensar um novo projeto de sociedade, livre da opressão, do

machismo, do racismo, do patriarcado. Para isto, mobilizar-se, organizar-se politicamente é

requisito fundamental.

Para o Serviço Social comprometido com a luta das trabalhadoras e trabalhadores,

explorados pela lógica de produção do capitalismo. Que os(as) profissionais Assistentes

Sociais, busquem no seu exercício profissional, capacitação profissional crítica, para

possibilitar a autonomia e o empoderamento dos diversos setores da sociedade, que sofrem

decisivamente, à opressão de gênero, de raça/etnia, de orientação sexual, de origem, classe

social. Reiterando-se o posicionamento da profissão na defesa intransigente dos direitos

humanos.

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APÊNDICES

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APÊNDICE I - FORMULÁRIO DE ENTREVISTA A

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CURSO: SERVIÇO SOCIAL – 4º ANO

PROFESSORA ORIENTADORA DE TCC: Rosana Mirales

ACADÊMICO (A): Giane Franciele Negri

OBJETIVO GERAL DA PESQUISA: Refletir sobre a construção sócio-histórica dos

direitos reprodutivos e apresentar elementos da Política de Saúde no Município de

Toledo/PR.

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: Formulário de entrevista semi-

estruturada

SUJEITOS DA PESQUISA: Assistente Social da 20ª Regional de Saúde

DATA DA ENTREVISTA: ____/____/2015

Nº DA ENTREVISTA:___________

1. Perfil da entrevistada: nome, endereço, telefone, estado civil, número de filhos,

instituição que representa.

2. Formação profissional (completa), trajetória de atuação profissional (completa).

3. Atuação na Política de Saúde (como ingressou, contrato de trabalho, relato dos

setores em que atuou, cargo e tempo de permanência nos locais (Conselhos,

Comissões, Conferências), atuação nos direitos reprodutivos, o que sabe dos

setores que são responsáveis pelos direitos reprodutivos – trajetória de criação,

mudanças que passaram, perspectivas).

4. Concepção de saúde, saúde/doença e saúde/direitos reprodutiva (organização e

mobilização para a conquista do direito à saúde reprodutiva).

5. Participação popular, controle social e financiamentos para efetivação dos

direitos reprodutivos (reflexos nas políticas sociais e na conquista de direitos).

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APÊNDICE II - FORMULÁRIO DE ENTREVISTA B

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CURSO: SERVIÇO SOCIAL – 4º ANO

PROFESSORA ORIENTADORA DE TCC: Rosana Mirales

ACADÊMICO (A): Giane Franciele Negri

OBJETIVO GERAL DA PESQUISA: Refletir sobre a construção sócio-histórica dos

direitos reprodutivos e apresentar elementos da Política de Saúde no Município de

Toledo/PR.

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: Formulário de entrevista semi-

estruturada

SUJEITOS DA PESQUISA: Enfermeira do Município de Toledo/PR

DATA DA ENTREVISTA: ____/____/2015

Nº DA ENTREVISTA:___________

1. Perfil da entrevistada: nome, endereço, telefone, estado civil, número de filhos,

instituição que representa.

2. Formação profissional (completa), trajetória de atuação profissional (completa).

3. Atuação na Política de Saúde (como ingressou, contrato de trabalho, relato dos

setores em que atuou, cargo e tempo de permanência nos locais (Conselhos,

Comissões, Conferências), atuação nos direitos reprodutivos, o que sabe dos

setores que são responsáveis pelos direitos reprodutivos – trajetória de criação,

mudanças que passaram, perspectivas).

4. Participação popular, controle social e financiamentos para efetivação dos

direitos reprodutivos (reflexos nas políticas sociais e na conquista de direitos).

5. Concepção de saúde, saúde/doença e saúde/direitos reprodutiva (organização e

mobilização para a conquista do direito à saúde reprodutiva.

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APÊNDICE III - FORMULÁRIO DE ENTREVISTA C

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CURSO: SERVIÇO SOCIAL – 4º ANO

PROFESSORA ORIENTADORA DE TCC: Rosana Mirales

ACADÊMICO (A): Giane Franciele Negri

OBJETIVO GERAL DA PESQUISA: Refletir sobre a construção sócio-histórica dos

direitos reprodutivos e apresentar elementos da Política de Saúde no Município de

Toledo/PR.

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: Formulário de entrevista semi-

estruturada

SUJEITOS DA PESQUISA: Socióloga que possui em sua trajetória de vida a

experiência de acompanhar as lutas das mulheres e feminista

DATA DA ENTREVISTA: ____/____/2016

Nº DA ENTREVISTA:___________

1. Perfil da entrevistada: nome, endereço, telefone, estado civil, número de filhos,

instituição que representa.

2. Formação profissional (completa), trajetória de atuação profissional (ex:

assessoria)(completa).

3 Concepção de saúde, saúde/doença e saúde/direitos reprodutiva (organização e

mobilização para a conquista do direito à saúde reprodutiva).

4 Relação entre direito e sua efetividade (a necessidade e a realização do direito e

das políticas sociais).

5 A trajetória de organização das mulheres para a conquista do direito reprodutivo

em âmbito local, regional, nacional e internacional.

6 Participação popular, controle social e financiamentos para efetivação dos

direitos reprodutivos (reflexos nas políticas sociais e na conquista de direitos).

7 Participação em Conselhos, Conferências, Comissões, Fóruns.

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APÊNDICE IV - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

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APÊNDICE V - TERMO DE CIÊNCIA DO/A RESPONSÁVEL DE CAMPO 20ª

REGIONAL DE SAÚDE

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APÊNDICE VI - TERMO DE CIÊNCIA DO/A RESPONSÁVEL DE CAMPO DE ESTUDO

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE TOLEDO-PR