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Sessão “Mãos limpas e Lava Jato, relações de força e limites” Mediadora: Denise Frossard Senhoras e senhores boa tarde, boa tarde aos palestrantes, vou fazer apenas um introito aqui para que nós possamos analisar bem o que vai dito aqui. Há exatos 24 anos atrás, quase o período sacro de bodas de prata, começava na Itália a operação mãos limpas, e no Brasil o Ministério Público, numa atitude inédita no Rio de Janeiro, conseguiu denunciar quatorze criminosos, por estarem associados para o cometimento de crimes. Na verdade, era uma associação criminosa, era um crime organizado do tipo mafioso. Os quatorze acabaram condenados, recorreram, foram presos, cumpriram as penas. E seja como for, após isto, a sociedade ficou perplexa diante das ligações, que estes senhores tinham com os políticos. Quase toda a classe política do Rio de Janeiro. Além de segmentos mais cultos da sociedade, por incrível que pareça. E também transformaram seu principal predador em aliado, que era a polícia. Por isso, é que não se conseguia investigar. Mas, foram presos, condenados, cumpriram a pena e ai se verificou que não dispúnhamos de qualquer arsenal legislativo para enfrentar aquela novidade para nós. Novidade que a Itália enfrentava ao mesmo tempo. Este foi o lado bom, porque como não tínhamos nenhum arsenal, eles foram condenados pelo vetusto artigo de quadrilho bam, lá de 1940. Era a única coisa que se tinha, associaram-se mais de 3 pessoas para o cometimento de crimes. Era só isso que tinha. Não tinha meios e modos se investigar nada! Era um deserto. E ai é que surge a boa nova, porque as boas leis elas sempre se originam dos maus hábitos. E por isso segmentos da sociedade do Brasil inteiro, juristas, professores, juízes, promotores, todos se uniram e conseguiram formar o arsenal legislativo, que eu diria, de primeira linha no Brasil. Conseguiram acordos de muito assistencial com outros países, que tinham os mesmos problemas. Foi um avanço fantástico. Durante esses 22 anos, pelo menos, isso ficou hibernando. E as leis começaram a crescer, você via a polícia federal tomando um novo corpo, os juízes criminais, Ministério Público, as polícias estaduais, todos cresceram. Mas só veio assim a investigar novamente agora com a Lava Jato, que dispõe de todo esse arsenal, que foi construído ao longo de 24 anos. É isso que vamos discutir aqui. O exemplo da Itália, que sofreu o revés na sua legislação, o mesmo que eles querem impor aqui ao Brasil agora.

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Sessão “Mãos limpas e Lava Jato, relações de força e limites”

Mediadora: Denise Frossard

Senhoras e senhores boa tarde, boa tarde aos palestrantes, vou fazer apenas um

introito aqui para que nós possamos analisar bem o que vai dito aqui. Há exatos 24 anos

atrás, quase o período sacro de bodas de prata, começava na Itália a operação mãos

limpas, e no Brasil o Ministério Público, numa atitude inédita no Rio de Janeiro,

conseguiu denunciar quatorze criminosos, por estarem associados para o cometimento

de crimes. Na verdade, era uma associação criminosa, era um crime organizado do tipo

mafioso. Os quatorze acabaram condenados, recorreram, foram presos, cumpriram as

penas. E seja como for, após isto, a sociedade ficou perplexa diante das ligações, que

estes senhores tinham com os políticos. Quase toda a classe política do Rio de Janeiro.

Além de segmentos mais cultos da sociedade, por incrível que pareça. E também

transformaram seu principal predador em aliado, que era a polícia. Por isso, é que não se

conseguia investigar. Mas, foram presos, condenados, cumpriram a pena e ai se

verificou que não dispúnhamos de qualquer arsenal legislativo para enfrentar aquela

novidade para nós. Novidade que a Itália enfrentava ao mesmo tempo. Este foi o lado

bom, porque como não tínhamos nenhum arsenal, eles foram condenados pelo vetusto

artigo de quadrilho bam, lá de 1940. Era a única coisa que se tinha, associaram-se mais

de 3 pessoas para o cometimento de crimes. Era só isso que tinha. Não tinha meios e

modos se investigar nada! Era um deserto.

E ai é que surge a boa nova, porque as boas leis elas sempre se originam dos

maus hábitos. E por isso segmentos da sociedade do Brasil inteiro, juristas, professores,

juízes, promotores, todos se uniram e conseguiram formar o arsenal legislativo, que eu

diria, de primeira linha no Brasil. Conseguiram acordos de muito assistencial com

outros países, que tinham os mesmos problemas. Foi um avanço fantástico. Durante

esses 22 anos, pelo menos, isso ficou hibernando. E as leis começaram a crescer, você

via a polícia federal tomando um novo corpo, os juízes criminais, Ministério Público, as

polícias estaduais, todos cresceram. Mas só veio assim a investigar novamente agora

com a Lava Jato, que dispõe de todo esse arsenal, que foi construído ao longo de 24

anos. É isso que vamos discutir aqui. O exemplo da Itália, que sofreu o revés na sua

legislação, o mesmo que eles querem impor aqui ao Brasil agora.

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Esta é a importância desta discussão e, para isso, temos aqui, eu diria os mais

importantes autoridades neste assunto. A começar pelo Jornalista Gianni Barbacetto, da

Itália, que escreve para Il Fatto Cotidiano. É diretor do Omicron, o observatório

milanês sobre a criminalidade organizada no Norte da Itália. Tem passagem por

diversos veículos de comunicação; entre outras obras, escreveu Milano degli scandali,

Tutte Le carte Del Presidente, Il guastafeste, Entrevista com Antônio Di Pietro, Ponte

alle Grazie e Operação Mãos Limpas em português. O embaixador André Amado diz

que será lançado aqui às 17h15 o livro do Barbacetto, com prefácio do Sergio Moro.

Temos, a seguir, Marcelo Muscogliati, que apesar do nome é brasileiro.

Subprocurador geral da república, coordenador da câmara de combate à corrupção do

Ministério Público federal, é autor de vários artigos em várias revistas estrangeiras,

revistas de lei. Entre seus livros, destacam-se Demanda e Oferta de decisões

judiciais, Liberdade de expressão e violência. E Pensadores da liberdade volume I.

Oscar Vilhena Vieira, que me dá o prazer de reencontrar, é Pós-Doutor pela

Universidade de Oxford, Doutor e Mestre em Ciência Política pela USP; Mestre em

Direito pela Universidade de Columbia; Graduado em Direito pela PUC São Paulo; e

Diretor da FGV DIREITO SP, onde leciona nas áreas de Direito Constitucional,

Direitos Humanos e Direito e Desenvolvimento. Foi Procurador do Estado em São

Paulo, Diretor Executivo do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para

Prevenção do Crime (ILANUD), e fundador e Diretor da organização Conectas Direitos

Humanos. É colunista do jornal Folha de São Paulo e membro de diversos conselhos de

organizações da sociedade civil, entre os quais Instituto Para os Bono e Open Society

Foundations (OSF).

Rodrigo Chemim, doutor em Direito do estado, é professor em Direito

Processual Penal no Centro Universitário Curitiba. Rodrigo é da Republica de Curitiba.

E no Centro Universitário Franciscano em Pitiba, Procurador do Ministério Público do

Paraná há 24 anos. Atuou por mais de 15 anos na investigação de crimes do Colarinho

Branco. E é também autor da obra Mãos Limpas e Lava-Jato.

Com a palavra nosso convidado Gianni Barbacetto.

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Gianni Babacetto

Muito obrigado pelo convite, muito obrigado por sua gentil introdução. Eu

gostaria de pedir desculpas por não falar o Português, há a tradução simultânea, mas

mesmo assim, obrigado por tentar me manter dentro dos 15 minutos que me foram

dados.

Há 25 anos, com a Operação Mãos Limpas, muito se falou a respeito do que vem

acontecendo no Brasil. A Operação Mãos Limpas é uma coisa do passado, mas nos traz

algumas memorias daqueles dias, quando vemos o que está acontecendo hoje aqui no

Brasil. Há momentos na historia de todo país onde há um boom de transformação

radical. Algo aconteceu em 1992 com a Operação Mãos Limpas e seus efeitos podem

ser vistos aqui no Brasil. Vocês chamam de Operação Lava Jato. Eu vou fazer alguns

comentários a respeito da experiência italiana e aí vocês verão o que poderá ser aplicado

também ao Brasil para entender bem o que está acontecendo por aqui.

O que aconteceu na Itália naquela época? Em alguns meses, o sistema judiciário

descobriu um esquema de corrupção que permearia toda a sociedade italiana. Partidos

políticos estavam sendo financiados por meio da cobrança de propinas. Todo tipo, toda

licitação tinha recursos de financiamento ilegal conectado. Entre 1992 e 93, o sistema

político por inteiro desmoronou, cinco partidos desapareceram em questão de meses,

alguns desses partidos tinham mais de cem anos de idade, simplesmente sumiram,

desapareceram. Os Cristãos Socialistas, o Social Democratas, o Partido Republicano e o

Partido Liberal, partidos muito tradicionais que desapareceram em questão de meses. A

primeira república chega assim ao fim e agora o que nós achamos, o que nós chamamos

de Segunda República, passa a ser estabelecido na Itália. Mas porque vemos tantas

mudanças repentinas na Itália? Há algumas variáveis: geopolíticas, econômicas,

judiciais, políticas e culturais. Todas implicações desse tipo aconteceram.

Nós não temos muito tempo, mas eu vou tentar ser breve. Temos um novo

cenário geopolítico, a Itália está bem ali na borda do Leste e do Oeste, então tivemos a

experiência em primeira mão de uma Guerra Fria, temos a democracia cristã e os cinco

partidos que formaram uma aliança liderado pelos socialistas. Estes cinco partidos, não

havia alternativas a esses cinco partidos. O partido de oposição era o Partido Comunista,

o maior partido comunista no Ocidente. Ele não podia formar parte do governo, não

teria sido tolerado no equilíbrio geopolítico nem na arena internacional.

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Houve investigações nos anos de 1970 e 80 que foram os primeiros sinais que

indicaram que havia corrupção naqueles partidos, mas aquelas investigações foram

interrompidas. Na época, o sistema não pôde se aprofundar nessas investigações.

Depois da queda do Muro de Berlim, a situação não é mais a mesma, o judiciário, na

Itália, agora é livre para realizar mais investigações mais aprofundadas. Os partidos

estão enfraquecidos e as investigações que tinham sido, digamos, congeladas, agora

estão sendo retomadas. Há também um novo cenário econômico. Um de nossos juízes

diz que acabou o dinheiro, não havia base econômica para manter um sistema tão caro.

Eu vou tentar explicar: os partidos eram muito poderosos na nossa primeira república, o

Estado controlava a indústria do petróleo, o setor químico, o setor siderúrgico,

construção civil, os partidos controlavam não só a política, mas também uma parte

muito importante da economia e havia recursos econômicos, nós não tínhamos o Euro.

A Itália pôde se envolver sem limites em despesas públicas, portanto, essas condições

permitiram um esquema de corrupção muito aprofundada e os partidos políticos se

aproveitaram plenamente dessa situação. O poder estava centralizado, era centralizado

naqueles partidos, por isso, a corrupção corria solta, sem problemas.

Toda licitação era acompanhada por uma parte da verba que era enviada para

financiar os partidos políticos, inclusive os de oposição. Não tinha a necessidade de

negociar propina cada vez, o sistema era livremente esquematizado, é um sistema muito

científico. Por exemplo, o metrô, em Milão é muito bom hoje. Mas durante a sua

construção, as propinas eram alocadas X liras de propina iam pra tal partido, Social

Democratas recebiam tanto, o outro tanto, tanto e assim por diante, não havia

necessidade de acordos, era um sistema já automatizado e ouso dizer, era bem científico

e o Partido Comunista de oposição também entrou na roda. O Partido Comunista

participou também, compartilhou as propinas para construir o metrô de Milão, assim

como qualquer outro partido, assim como os ladrões de Pisa. Eles lutam de manhã e à

noite vão lá e participam os lucros. Geopolítica, economia e agora o pilar judicial.

Temos agora um novo Código Penal que dá aos procuradores ou a Procuradoria,

o Ministério Público agora tem mais autonomia porque antes disso era muito pouco

provável que essas investigações fossem levadas adiante para descobrirem qualquer tipo

de transgressão uma vez que a polícia judiciária é parte do Ministério Público e

independente da política, dos partidos, ficou mais fácil descobrir todos esses crimes. Ao

mesmo tempo, a sociedade estava mais crítica e reclamou, reclamava muito dos

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superpoderes atribuídos aos partidos políticos estavam em todos os lugares e até certo

ponto, havia piadas, socialistas que haviam sido descobertos em escândalos de

corrupção. Foi algo que todo mundo começou a perceber. Os esquemas de corrupção,

claro, começaram a causar danos na economia e na política.

Eu vou lhes dar alguns exemplos de quanto tempo levaria para construir

qualquer coisa e quanto custaria: 192 bilhões de liras ou 45 bilhões seria o preço do

sistema de metrô era o preço do sistema de metrô em Hamburgo. O estádio de futebol, a

expansão ocorreu em dois anos a um custo de 180 bilhões de liras. Em Barcelona, um

projeto semelhante custava 45 bilhões. Esses são, portanto, custos muitos altos.

Portanto, vemos que isso era praticamente um caso de falência, 60% era a diferença

entre o PIB e o orçamento, 97% naquela época.

Em 1992, isso foi de 118%, então ficou insustentável, a Itália simplesmente

ficou sem dinheiro ficou falida, houve consequências políticas e houve também

consequências para as empresas, não havia livre mercado, não havia mais concorrências

entre as empresas, mas sim, os quarteis, quartéis estavam sendo formados para que eles

fossem ganhar todas as licitações. As empresas tentaram se proteger do livre mercado,

era muito mais confortável continuar fazendo os negócios como sempre sem tentar

inovar. Quando chegou a concorrência estrangeira, eles terminaram por tomar tudo,

dominar tudo. Houve efeitos políticos, aqueles que não faziam parte do esquema, não

poderiam entrar à esfera política, era muito caro administrar uma campanha porque eles

tinham acesso a recursos intermináveis de dinheiro. Os líderes políticos eram escolhidos

de acordo com sua capacidade de angariar fundos, de captar fundos, aqueles que

conseguiam subornos e propinas de empresas. Sob estas circunstâncias, a Operação

Mãos Limpas começou. Novos partidos foram criados, os cinco partidos tradicionais

simplesmente sumiram, o Lebanon Fisrt Italia e o EID são os novos partidos que

criaram nesse novo sistema político. Em 1994 esse novo sistema foi consolidado depois

da vitória de Silvio Berlusconi, a vitória de Berlusconi foi um paradoxo, ele derrotou a

oposição dizendo “eu sou um novo empresário, não tenho nada a ver com a velha

política, não sou ladrão e eu sou bom”. Ele era o homem mais rico e ele apoiava o

Bettino Craxi, que era o principal defensor da Operação Mãos Limpas.

É a mesma coisa comparado com o que está acontecendo aqui hoje? Sim, até um

certo ponto. Os partidos políticos têm muito poder e o desejo de renovar, rejuvenescer a

política, os brasileiros e os italianos são muito apaixonados por futebol e política, é

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claro que há diferenças e aqueles que vão falar depois de mim sabem mais, claro, sobre

a Operação Lava Jato e conseguirão detectar as semelhanças e diferenças. Na Itália,

mesmo no início, nos primeiros meses da Operação Mãos Limpas, tanto à direita quanto

à esquerda juntaram forças nas ruas para darem apoio aos juízes da Operação Mãos

Limpas. Eu acho que no Brasil há uma distinção muito clara, quem apoia a Lava Jato e

aqueles que acreditam que seja um golpe. Houve uma divisão política na Itália depois

sim, mas não no início. Viva Di Pietro e haviam aqueles que pensavam que as pessoas

estavam implementando um golpe de Estado através do Judiciário.

Eu acho que outra diferença é que as mudanças lá foram muito rápidas. Na

Itália, tudo aconteceu mais ou menos em dois anos. Foi quando começamos a ter um

novo sistema político. No Brasil, me parece que esse fenômeno vai durar por mais

tempo. Agora, se vocês quiserem descobrir como tudo se sucedeu na Itália, eu vou falar

muito rapidamente, porque meu tempo está quase acabando. Os partidos antigos

desapareceram, muitos dos antigos políticos voltaram para nós através de novos

partidos, esse é o primeiro ponto. Agora, o segundo ponto: a corrupção não acabou e

talvez passássemos a ter mais corrupção do que antes, talvez hoje não vejamos mais

essa termologia científica de suborno e corrupção, mas isso não acabou, não temos um

sistema único.

Atualmente, se você conseguir o mercado livre da corrupção, você consegue

construir pequenos sistemas, pequenos círculos, é assim que há corrupção. Então, não

temos menos corrução, mas temos um sistema corrupto mais amplo. Na Itália também,

nós tínhamos política sobre a economia, agora no segundo ciclo, temos a economia

mandando na política. Eu não tenho tempo suficiente para explicar isso, mas na

Primeira República, nós dizíamos que nós roubávamos pra fazer política, atualmente, na

Itália, dizemos que fazemos política e entramos na política para roubar. Então as coisas

meio que se inverteram e vocês conhecem a situação brasileira, claro, o cenário todo no

Brasil. Nós temos a meta de trabalhar isso e a nossa meta é sairmos melhor do que na

Itália. Muito obrigado.

Marcelo Muscogliati

Obrigado pelo convite, obrigado pela oportunidade de estar aqui e falar com os

senhores. Cumprimento André Amado pela organização e os congressistas que

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prestigiam este evento, o senador Buarque, o senador José Aníbal, o deputado Freire, o

deputado Rubens Bueno. E, por favor, me desculpem se por um acaso eu deixei de citar

algum congressista aqui presente. Mas, sempre que participo de algum evento onde

encontro congressistas, faço questão de registrar que o Legislativo é o meu Poder

preferido. Não é o Judiciário, onde eu trabalho, e muito menos o Executivo. Isso porque

entendo que o Legislativo traz soluções perenes para os grandes problemas que temos. E

é lá no Legislativo onde se “parla” muito e se forma um consenso para as soluções

dos nossos problemas.

Além de agradecer, também devo fazer um disclaimer. Aqui, comigo ninguém

gastou dinheiro. Não vou receber qualquer remuneração por estar aqui e não gerei

despesa para ninguém. Nem para o Ministério Público.

Quanto à nossa conversa, nossa primeira grande pergunta é: por que

combater a corrupção?

Essa é uma grande questão posta a todos nós. A respeito, inclusive, um dos meus

ex-colegas, na mídia e, quando teve oportunidade de ser ministro da justiça, questionou:

Até onde combater a corrupção?

Em todos os lugares e a qualquer tempo. Porque a corrupção gera distorção na

locação eficiente dos recursos dentro da economia, facilita a formação de cartéis e o

enriquecimento indevido de agentes que não competem, combinam. O corruptor e o

corrupto são muito inteligentes e não podem ser menosprezados.

Aqui, enquanto falamos, enquanto trabalhamos combatendo a corrupção,

discutindo corrupção, não tenho a menor dúvida que a corrupção

prossegue acontecendo no Brasil. Os fatos denunciados pelo Procurador-Geral da

República contra o Presidente, contra congressistas, contra um membro do

MPF, aconteceram no curso deste mesmo ano. Não ocorreram no ano passado nem no

ano anterior. Com isto, quero relembrar que, quando os fatos do escândalo

do Mensalão foram julgados no âmbito do Supremo Tribunal Federal aqui no Brasil,

nós do Ministério Público acreditamos que as coisas tinham melhorado. Porém, ao

mesmo tempo em que o Mensalão punha na prisão autoridades e dirigentes partidários

de alto calibre, empresários, presidente de banco, como por exemplo, Kátia Rebello do

Banco Rural de Minas, ou mesmo um grande publicitário como Marcos Valério;

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ficamos com a percepção, diante dos fatos que sabemos hoje, que este esforço

institucional não serviu de mensagem.

Porque ao mesmo tempo em que o Mensalão condenava e

punia, o Petrolão, o Eletrolão e outros desvios em Fundos de Pensões de empresas

estatais, por exemplo, aconteciam em paralelo. E não pararam. Com isso, o que se

observa é que há uma série de desafios postos na nossa realidade. Parece que, neste país,

se decidiu fazer uma corrida para o fundo do poço, para o fundo do buraco.

Pois o Ministério Público não faz parte desta corrida. No Ministério Público, só

fazemos nosso trabalho. E um dia desses, questionado por um congressista sobre

quando o Ministério Público vai parar, eu lhe respondi de forma muito simples e

singela: nós não vamos parar, quem tem que parar são vocês.

Eu não compreendo, eu tenho que confessar que para mim é muito difícil

entender como é possível, depois de tanta coisa acontecendo neste país para combater a

corrupção, com resultados como o Mensalão, o Petrolão, o Eletrolão, a CPI dos Fundos

de Pensão das estatais, tudo nestes últimos 10 anos, ainda temos casos recentes com

a apreensão de milhões de reais em malas, em dinheiro, no domicilio de

pessoas politicamente expostas e com depósitos indevidos, recursos desviados

e problemas relacionados à corrupção.

Esta semana o Petros – fundo de pensão, informou que os petroleiros vão

recolher 14 bilhões durante o período de 12 anos para cobrir um furo na sua gestão.

Uma gestão que, de fato, deixou sem respostas questões a respeito

da sua competência administrativa, mas também envolveu questões relacionadas

ao desvio de recursos por corrupção.

Estes problemas da vida real, são desafios para nossa sociedade

e nosso Parlamento. É no Parlamento que se tem que dar a resposta para isso. Fazemos

nossa parte, mas cabe ao Parlamento encontrar, debater e formular soluções para a

redução da corrupção no Brasil. E quando se fala que o Ministério Público quer resolver

tudo, entendo esta afirmação como maldade, porque o papel do Ministério Público em

qualquer sociedade é muito pequeno, é restrito e, para exemplificar, eu quero citar uma

frase de um colega procurador da Coroa britânica.

Quando ele esteve no Brasil, em 2013, para discutir segurança na Copa do

Mundo, num grupo de trabalho especial sobre segurança em grandes eventos, ele me fez

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uma série de perguntas a respeito da segurança no Brasil e a respeito de notícias que

começavam a surgir sobre um escândalo na Petrobras. Eu lhe disse que naquele ano o

Ministério Público tinha trabalhado com sucesso no Mensalão e que poderíamos ter

grande repercussão no caso da Petrobras, mas que eu tinha esperança em uma redução

da corrupção como resultado das condenações. Ele me disse de uma forma muito

clara: You won’t prosecute your way out of this problem.

Hoje, concordo plenamente com ele. Nós fazemos nossa parte, para combater e

colocar corruptos e corruptores na prisão, para recuperar ativos e obter

reparações. Fazemos nossa parte, como se espera em sociedades democráticas.

Mas nossa parte é pequena. O Ministério Público não tem uma resposta objetiva

para isso, para explicar o motivo pelo qual, no Brasil, mesmo combatendo fortemente e

com sucesso a corrupção, ela prossegue em altos escalões. Cumprimos nosso papel. A

Constituição e a Lei nos obrigam a processar, investigar, dar respostas e apresentar as

provas perante o Judiciário. O Judiciário, num processo dialético, vai condenar ou

absolver e vai estabelecer os limites no caso concreto.

Mas, para a corrida ao fundo do poço, para explicá-la e lhe colocar um fim? Só

os políticos e, dentre eles, principalmente, os parlamentares podem apontar o caminho;

a solução.

O que devemos fazer a mais para evitar a corrida para o fundo do poço? Uma

campanha e sugestões legislativas foram apresentadas: As 10 Medidas Contra a

Corrupção. Como representante do PGR, tive oportunidade de falar sobre isso no

Congresso Nacional. Obviamente, elas eram insuficientes ao problema, mas

constituíram uma tentativa de discussão parlamentar a respeito dos mecanismos

disponíveis e seu aprimoramento. Muitas outras medidas tinham de ser discutidas.

Dentro do Congresso, sempre que fui chamado, apontei algumas outras medidas,

além das 10. Por exemplo, diminuir o tamanho e o número de nossas estatais é uma

grande medida anticorrupção no Brasil.

Há alguma experiência registrada neste pais a respeito da corrupção dentro das

estatais, dos contratos fraudados, dos cartéis, dos desvios? Até quando vamos

esperar que o mundo ideal se compatibilize com o mundo real, para que as estatais

funcionem de forma eficiente e sem corrupção?

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Ou não será mais inteligente, diante da nossa experiência, desistirmos deste

modelo de negócio e começarmos a tratá-las, as estatais, como empresas que são e que

devem ser eficientes, lucrativas, pagar impostos? Que tal dar resposta clara à realidade

no sentido de que uma empresa corrupta vai à falência? Para ela não há salvamento. E,

em casos de corrupção diagnosticados, com transparência, o mercado vai, sim, penalizá-

las e dizer o que elas têm de fazer para sobreviver. Mas não o Tesouro.

Há empresas estatais que, por corrupção neste pais, se fossem abertas em Bolsa e

sem o aval do Tesouro, já teriam ido à quebra, já estariam em processo de falência. Elas

não estão, não foram e não irão à falência, porque o Tesouro é o garantidor final. E

quem é o Tesouro? Nada mais é do que o próprio Contribuinte. É o resultado da

contribuição do trabalho de todos nós. Eu acredito que devemos pensar muito a respeito

disto quando tratamos do combate à corrupção.

A privatização de empresas e negócios estatais é uma grande medida anti-

corrupção anunciada por este governo nos últimos dias. Agora, é preciso saber qual será

a extensão da privatização das estatais e como é que isso irá acontecer.

Porque a privatização pode se dar por dois caminhos. Um público, aberto e

claramente discutido e precificado. O outro, também já conhecido no Brasil, pode ser

restrito, sem publicidade, com cartéis e máfias fatiando os negócios e desviando os

recursos e os resultados esperados.

Num outro ponto para este debate, é dever lembrar que 1992 foi um ano terrível

na Itália, quando se compara a operação Mãos Limpas e a Lava Jato no Brasil. Isso

porque, em 1992, antes das notícias das Mãos Limpas, dois magistrados do Ministério

Público, Falcone e Borsellino, foram assassinados pela Máfia na Itália. Como resultado

destes atentados, uma grande operação, com mais de 9 mil policiais foi enviada para a

Sicília. Depois, por alguns anos, aproximadamente 150 mil oficiais foram envolvidos

numa grande investigação antimáfia na Itália. Neste cenário, no norte da

Itália teve início a Operação Mãos Limpas.

Já no Brasil, o que aconteceu em 1992?

Quando comparamos a Lava-jato com a Operação Mãos Limpas, não podemos

esquecer que 1992 foi um ano muito importante no Brasil e, também, terrível.

Isso porque, em 1992, tivemos o início do escândalo e do processo

de impeachment do presidente Collor. Tivemos processos criminais de grande monta

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para combater a corrupção, como por exemplo: o caso dos Anões do Orçamento; o

financiamento das campanhas na Operação Pau Brasil; as Importações de Israel. Na

época, foram grandes casos e envolveram altos escalões do governo. Mas, hoje, quando

comparamos valores e desvios em dinheiro, estes casos significam muito pouco

Diante do montante de dinheiro já recuperado nos últimos anos, só pela Lava

Jato. Por exemplo: de 1992 para cá, a corrupção aumentou, cresceu muito no Brasil; já

na Itália, nem tanto.

Em 1992, o Brasil tinha suas operações anticorrupção, tinha seus esforços

anticorrupção naquele momento da sua história. Eu trabalho no Ministério Público

desde 1989, trabalho com processo anticorrupção há quase 3 décadas. E

minha experiência me revela que o combate está, sempre, em processo de evolução.

Portanto, uma outra pergunta ainda aguarda resposta: considerando os estágios

em que estavam em 1992, o ano terrível para o Brasil e para a Itália, como evoluíram os

sistemas de combate à corrupção nos dois países até hoje?

Evidentemente, o Brasil evoluiu pouco em 25 anos, porque chegamos em 2017

combatendo e tornando evidentes os maiores escândalos de corrupção da nossa história,

se não do planeta. A Lava Jato ganhou mídia, ganhou expressão pela eficiência dos

resultados obtidos num outro momento distinto de 1992, mas não é um ponto isolado.

Ela é o resultado da evolução de um longo processo de esforço institucional, dentro do

Ministério Público, do Judiciário, da Polícia e do Parlamento para reduzir os níveis de

corrupção que identificamos, que vivemos e com os quais não concordamos. Como um

dos resultados da CPI dos Fundos de Pensão no Congresso, uma operação muito maior

do que a Lava Jato está em curso, a que investiga e processa os desvios dos Fundos de

Pensão.

Tudo para tentarmos baixar os custos de transação dos negócios, para

melhorarmos a distribuição da riqueza e para tentarmos afetar, de alguma forma, a nossa

taxa de homicídios.

Neste ponto, faço uma pausa para os homicídios no Brasil. Se alguém me

perguntar qual é seu preço? Sou muito claro: quero que o Brasil tenha só 5 mil

homicídios por ano; porque o Brasil tem, hoje, aproximadamente 60 mil homicídios por

ano. É um escândalo! Mesmo com o controle de armamentos e munições, ainda assim,

nós temos aproximadamente 60 mil homicídios por ano neste pais. Há alguma coisa

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errada no Brasil e sugiro que dividam 60.000 por dias e horas; vocês vão ver que a cada

hora mais de 5 brasileiros são assassinados. Não estamos falando de acidente de

trânsito ou de homicídio culposo. Estamos falando de homicídio, onde um ser humano

decidiu dolosamente matar o outro. Isto tem que ser pensado, estudado, trabalhado, isto

é uma questão institucional, isto é um problema de política pública.

Mas, voltando ao nosso tema, o que há de novo nestes últimos anos?

Depois do Mensalão há novidade no sistema jurídico. O Mensalão foi um

processo de grande repercussão na comunidade. Ele durou aproximadamente 7 anos,

desde a investigação até o final do julgamento no Supremo Tribunal Federal em 2012.

No início de 2013, no mesmo tribunal, foram decididas questões a respeito do início da

execução das penas ou não. Isto tudo acontece entre fevereiro e março de 2013.

Já em junho de 2013 acontecem as grandes manifestações de rua. Elas pegaram

todos de surpresa. O que foi aquilo? Até hoje não sabemos ao certo. Mas, a verdade é

que, como ressonância, em agosto e setembro de 2013, o Congresso aprovou e a

Presidência sancionou a legislação que regula a Delação Premiada e a Leniência. Além

disso, também é daquele período a rejeição à PEC 137 pela qual se vedaria ao

Ministério Público a investigação de crimes e infrações. No conjunto, isto

configurou uma resposta às ruas e foi o Congresso quem elaborou esta resposta.

Foi um enorme avanço institucional que abriu oportunidade a novos

instrumentos de investigação para o sistema jurídico composto pelo Ministério

Público, Judiciário Advogados, para aprofundar as investigações. O resultado deste

avanço é o que assistimos hoje nos processos públicos, especialmente a partir

da liberação de dados e informações no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Outra novidade sistêmica também ocorreu quando incrementamos a

cooperação internacional para combater a criminalidade, sendo o terrorismo uma faceta

dela. Não é o Brasil quem faz isso. É o planeta. Todas as grandes

democracias, hoje, colaboram com seus sistemas jurídicos, com seus Ministérios

Públicos, com suas Polícias, para tentar reduzir a criminalidade organizada. E crime

organizado nada mais é do que “máfia”. O apelido famoso de crime organizado é este.

Estamos falando de máfia e máfias dentro do governo e é nisso que

devemos pensar. Diante dos fatos revelados nas grandes operações em curso perante o

Judiciário e diante dos elementos que apontam para uma grande criminalidade

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organizada, estruturada, tanto na iniciativa privada quanto no governo, torna-se uma

realidade observar uma “máfia” ou várias, em atuação coordenada. Este é um dado de

realidade.

Ainda sobre 1992 no Brasil e na Itália, é importante lembrar que, como já

ressaltou a Dra. Denise Frossard, não tínhamos os instrumentos que temos hoje.

Por exemplo, em 1992, fiz um pedido judicial para uma escuta telefônica.

A Telesp existia e não tinha sido privatizada. O Juiz Federal Criminal, aqui na Praça da

República em São Paulo, deferiu meu pedido, confirmando a necessidade da prova a

respeito de uma fraude em concurso público da receita federal no Porto de Santos.

A máfia em Santos tinha decidido que ia fraudar um concurso público para colocar seus

fiscais no Porto de Santos. E precisávamos de escuta telefônica para comprovar os fatos,

cuja investigação inicial tínhamos deflagrado. Pois bem, o Juiz expediu a ordem, peguei

os mandados e apresentei para a Telesp. A escuta não foi feita. A Telesp nos disse o

seguinte: nós não fazemos escutas, nós não temos escutas e nem equipamentos de

escuta para cumprir essa ordem judicial. Isto era 1992 no Brasil.

Mas o que também é interessante no Brasil de 1992 é que nós não tínhamos

equipamentos ou possibilidade de fazer escutas, mas naquele mesmo período um

procurador da república foi gravado ilegalmente, durante 3 meses, e as fitas com as

conversas que ele teve com a mulher, com o filho, com o juiz, com o presidente do

tribunal, todas elas foram mandadas pelo correio para o superintendente da polícia

federal, para o juiz federal com quem ele trabalhava, o Dr. João Carlos da Rocha

Mattos, famoso em São Paulo, para o Presidente TRF3, etc. Porém, em 1992,

legalmente, não conseguimos fazer a escuta telefônica para investigar a máfia de

Santos, mas outros conseguiram fazer isso de forma criminosa contra um investigador.

O cenário de 1992 era muito difícil. 1992 tanto na Itália quanto no Brasil, é um ano

muito importante.

Tivemos grandes avanços em 1992. Eu me lembro que vivíamos sob

hiperinflação, com governo frágil e investigado. Naquele momento da história, tivemos

o final do governo Sarney, a metade do governo Collor e seu planos econômicos, um

Congresso com anões do orçamento, etc. O Brasil estava em ebulição, vivendo a

hiperinflação, a economia estava estagnada e desafiada, sem perspectiva de futuro para

uma geração. A única coisa boa daquele período ocorreu em 1994, quando nós

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ganhamos a Copa do Mundo nos Estados Unidos. E parece mais que foi por “default”,

vocês se lembram disso?

Acho que foi um momento muito mais difícil do que o que vivemos hoje.

Hoje, temos muito mais informação. E ao notarmos isto, é certo afirmar que o

tempo passou para alguns políticos. Isto precisa ficar claro na nossa sociedade. Na

política, há novidade e, se as pessoas ainda não entenderam o que

significatwitter, facebook, whatsapp, telegram, e o fato de que todo telefone é um

microcomputador que possibilita a documentação de todo tipo de conversa e imagem,

que todo compartilhamento disso é muito fácil com acesso a dados e informações. Se o

político não entendeu o significado disto tudo para a vida democrática e honesta, é hora

de ir embora; é hora de parar.

Um exemplo: hoje o dinheiro é digital e deixa registros contábeis eletrônicos

por onde passa. Portanto, quando se encontram alguns milhões de reais dentro de malas,

isto é totalmente anormal. Não é normal gente! Eu não tenho mil reais guardados em

casa e, agora, eu tenho 250 reais no bolso. Todo o restante do meu dinheiro é

constituído por dado digital no banco e rastreá-lo nessa realidade digital é muito fácil.

Ainda quando se comparam as operações Lava Jato e Mãos Limpas, nós

devemos considerar alguns dados e informações muito relevantes para, num exercício

de imaginação, tentar pensar o que seriam as Mãos Limpas na Itália de hoje, com todo

esse instrumental investigatório disponível no mundo digital e com a cooperação

internacional avançada e em tempo real, com toda esta capacidade de investigação,

interlocução e interação.

Um exemplo, hoje em dia, se as autoridades brasileiras, num processo

formal, perguntarem a um banco suíço sobre operações financeiras de um brasileiro sob

investigação, o banco suíço responderá e, além de responder, se encontrar uma conta

corrente, poderá mandar cópia do passaporte que foi usado para abrir a referida conta.

Em 1992, quando a Operação Mãos Limpas era muito ativa na Itália, se a

partir do Brasil qualquer autoridade perguntasse a qualquer banqueiro suíço, a qualquer

autoridade suíça, a respeito de contas de um investigado, nem a resposta negativa vinha;

não havia cooperação ou preocupação com isso.

Em conclusão, quero rememorar que o ano da Operação Mãos Limpas na Itália,

o grande e longo ano de 1992 fu un anno drammatico. E foi um ano dramático no Brasil

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também, como já registrei acima. E se em 1992 a Itália era melhor e mais eficiente do

que o Brasil, assim prossegue em 2017, melhor e mais eficiente do que o Brasil, onde

ainda imperam a máfia e a corrupção em escala “nunca antes” vista no mundo.

O mundo mudou de 1992 para cá. Por exemplo, tivemos processos contra

vários bancos suíços em Nova Iorque, por conta das vítimas do nazismo, tivemos o

incremento da cooperação internacional para combater as máfias e o terrorismo, tivemos

muitas convenções internacionais para o combate à corrupção. Como exemplo a

convenção da OCDE para o combate da corrupção de autoridade estrangeira.

Admirável Mundo Novo!

E neste Admirável Mundo Novo que devemos reconhecer que o nosso dia-a-dia

confirma que a Democracia brasileira está em pé e bem. Temos um presidente

processado que governa, temos um Congresso aberto, com deputados e senadores que

trabalham, debatem e produzem legislação. As pessoas viajam e falam o que pensam,

não há restrição à liberdade. O cidadão paga os seus impostos, faz negócios e, por

exemplo, neste momento, a Bolsa de Valores de São Paulo bate um novo recorde ao

passar dos 75 mil pontos.

O que é isso? Democracia em ação.

Eu penso que isto é um grande ganho geracional, um fato pelo qual todos nós

lutamos e, agora, vivemos: este pais é uma Democracia!

Eu nasci em 1964, me graduei em Direito em 1985, sou do Ministério Público

desde 1989 e continuo trabalhando, com perseverança. Estou Coordenador da

Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal até o próximo

domingo, quando serei exonerado a pedido, para sair juntamente com o Rodrigo Janot.

Na segunda-feira, prosseguirei somente com os meus processos criminais no STJ, na

minha rotina e com a minha experiência criminal no Brasil.

Oscar Vilhena Vieira.

Enorme prazer estar aqui. Convite muito gentil que me foi feito. E a única

dificuldade é que depois do André, todos os planos que eu tinha feito, fui tentando

escapar, mas ele já falou quase tudo, e em grande medida eu concordo com ele. Então

eu vou me permitir talvez tomar menos tempo de vocês do que eu tinha previamente

Page 16: Sessão “Mãos limpas e Lava Jato, relações de força e limites”€¦ · Sessão “Mãos limpas e Lava Jato, relações de força e limites” Mediadora: Denise Frossard Senhoras

imaginado. É um prazer estar aqui com todos os colegas, querida doutora Denise

Frossard, a quem eu tanto admiro.

Bom, a primeira coisa que eu gostaria de dizer, também concordando com o

Marcelo, não vou falar isso muitas vezes para não aborrecer vocês ou deixá-los

constrangido. É o seguinte, a Operação Lava-jato, como muitas pessoas às vezes acham,

ela não é fruto de um grupo de jovens heroicos, não é fruto de um grupo de pessoas que

transcendem a coragem moral, que normalmente se tem. Muito embora devam ser muito

corajosos, não os conheço pessoalmente. E ela também não é um Tsunami, não é um

acidente da natureza, não é fruto do acaso. A Lava-jato é uma consequência de um

processo de aperfeiçoamento institucional que começou em 1988. E que foi sendo

qualificado ao longo dessas duas décadas. Eu acho que a Doutora Denise Frossard já

mencionou isso. E que foi profundamente impactado, como também o Marcelo já disse

por 2013.

Aí eu vou entrar um pouco no detalhe de 2013. Então de um lado a operação

ocorre porque nós tivemos esse conjunto, seja de escolhas institucionais que permitiram

as agências de aplicação da lei, Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia, um grau

de autonomia que nós não tínhamos experimentado no Brasil.

A pergunta é: porque será que esse grau de autonomia que foi adquirido em

1988, não reverteram necessariamente, imediatamente, fora algumas exceções, numa

percepção sistêmica de corrupção que já havia no sistema público brasileiro. É

evidente que há um aprendizado cultural, um aprendizado institucional, me perdoem.

Evidente que há uma mudança geracional, não é simples que um juiz tivesse 60 anos,

sentado no novo STJ ou no Supremo Tribunal Federal, pudesse olhar com a lente nova

que a constituição de 1988 dava. Que um procurador da República, que ate então era

uma figura de um advogado da União, às vezes, advogado privado e procurador da

república compreendesse que o seu papel tinha sido absolutamente transformado. Que

os procuradores de justiça, os promotores estaduais tinham uma trajetória de ser um

braço do executivo, onde seu chefe era escolhido arbitrariamente, vamos dizer assim,

discricionariamente, e que a promoção, a manutenção numa determinada comarca,

dependiam exclusivamente da força do governador. Que, de repente, eles se

transformassem em El defensor do poder, como nós imaginávamos.

Isso tudo tomou muito tempo e isso tudo é fruto de um aprendizado

institucional, que certamente essa geração que é mais nova do que a nossa, que

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chegamos talvez ao mesmo tempo na vida pública, pelo que eu vi da sua entrada no

Ministério Público, que eles aprendessem com os erros que nós fizemos, com as paredes

que nós encontramos e fossem superando. Então é uma nova geração que tem uma

qualificação e uma cultura institucional e que sem dúvida nenhuma, muitos que estão

sentados aqui nessa sala, ajudaram a contribuir. Mas nós não fomos formados nessa

mesma cultura.

Então é da associação entre a garantia da autonomia, da estabilidade

institucional, do fortalecimento, inclusive de qualificação dessa instituição e de uma

nova cultura que esses jovens passam a processar, a pertencer. É que você tem a

possibilidade de uma operação Lava-jato, de um lado, ou seja, desenho institucional

provocando um comportamento virtuoso, esse é um lado. Independentemente da virtude

daqueles que lá estão, de modo como às instituições são desenhadas para que a ambição,

a vaidade, qualquer que sejam as qualidades das pessoas que lá estão; elas canalizam

essa energia para que eles gerem algum tipo de bem público, isso de um lado. Agora de

um outro lado se a constituição contribuir enormemente para que nós tivéssemos os

resultados positivos do lado das agências de aplicação da lei, nós também temos

escolhas muito desafortunadas do ponto de vista do modo como organizamos nosso

sistema representativo. Então infelizmente também a corrupção que se tornou cada vez

mais visível e sistêmica, ela também é resultado de escolhas institucionais. Eu também

não acho que pelo fato, e aqui não falo só porque estou na presença de várias pessoas

que eu admiro e confio, pelo fato de você estar no parlamento lhe é moralmente

negativo contrário.

Mas o fato é que um sistema proporcional sem limitação de construção de

partidos, o contrário onde uma série de escolhas foram feitas através do fundo

partidário, através do fundo de televisão, através de um erro, um equívoco da pior

decisão do Supremo Tribunal Federal ao longo desses 30 anos de não permitir que a

cláusula de barreira que havia sido desenhada gerasse seus efeitos. Evidente que nós

criamos um sistema político, onde a criação de partidos passou a ser um negócio. Onde

a política passou a ser um meio para a corrupção. E nós temos então uma competição.

Inclusive aqueles partidos que não estavam nesse jogo passam a perceber que se não

entrarem nesse jogo, também serão derrotados. Então perverte os que não eram do

espaço para aqueles que vão usar a política como meio de corrupção.

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Eu não tenho nenhum complexo de vira-lata, eu acho que isso é inerente ao

brasileiro que nascemos nesse ponto do mundo etc., mas por um conjunto de escolhas

institucionais nós temos um sistema político que tem, que gera, que leva, que induz a

corrupção partidária do sistema político. Evidente que isso pode ser minorado, majorado

em face da petição com o modelo econômico. Então se você se propõe a um capitalismo

de estado onde a capacidade de intervenção, ou seja, nos empréstimos públicos, na

redução de juros, juros subsidiados, isenções fiscais e contratação pública em grande

escala. Então você associa a esse presidencialismo de colisão que nós criamos um

enorme incentivo para corrupção.

Eu acho que nós temos um problema de natureza institucional, e em alguma

medida alguma solução que surgiu também a partir do resultado de um modelo

institucional. O Marcelo mencionou e eu acho que ele tem toda razão, que esse sistema

ele vinha encontrando um certo equilíbrio, ainda que tenha sido um jogo extremamente

perverso, havia um certo equilíbrio, o que se pode chamar de lulopetismo, onde em face

dos ganhos conquistados também por aqueles que são os mais excluídos e assegurado

um certo equilíbrio ao sistema político, resultado do sistema político. Mas em 2013 esse

equilíbrio começa a entrar, vamos dizer, em crise. E veja, também não vou fazer uma

análise aqui de 2013. Cada um certamente terá melhor que a minha para fazer, mas

2013 é uma espécie de revolução tuquibiliana. Como diz a minha querida amiga Maria

Hermínia Tavares de Almeida Tuquibiliana: aquela garotada inicial ela estava ali para

reivindicar determinados direitos que lhe haviam sido prometidos, que eles tinham

experimentado e que eles percebiam não mais a frustação das expectativas que haviam

sido criadas, e experimentadas, estavam no horizonte. Então eu brinco sempre que era

um movimento até muito conservador, queremos escola boa, queremos saúde de

qualidade, padrão Fifa. Ninguém falou quero acabar com o capitalismo, era uma

bobagem assim era a garotada pedindo olha quero ônibus direito para ir para escola.

Você pode concordar ou não concordar com os termos, mas eles exigiam os direitos que

a democracia lhe havia prometido. E em alguma medida começado a conceder, e que

eles viam que a crise fiscal começava a colocar em risco esses direitos.

Mas as outras duas vertentes, que são as que eu vou falar aqui,

ininteligível(1h3min) ninguém sabia o que era aquilo, mas a garotada levava o cartaz,

ou seja, eles exigiam que o sistema jurídico não capitulasse e que não houvesse uma

possibilidade de restrição, desse avanço institucional, que era a capacidade do sistema

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jurídico, autônomo, de enquadrar as condutas que fossem desconfortantes com a lei.

Isso tá muito claro, se vocês forem pegar em todo o processo de 2013. Por fim há uma

alegação ao sistema político e isto é evidente, os partidos mais à esquerda, que nunca se

corromperam, até porque não tiveram oportunidade, eram tão pequenininhos. Mesmo

esse pessoal só não conseguia entrar. Então há também um ato profundamente anti-

político, mas que exige toqueverianamente que o cuidado com a coisa pública se dê

maneira íntegra. São movimentos por direitos, pelo estado direito e uma democracia

republicana.

Veja a consequência à resposta que a presidenta Dilma da e o parlamento da,

então vamos dar algumas coisas. Quer dizer é natural que se faça isso, e nessas coisas

você tem um fortalecimento de mecanismos penais de combate à corrupção, que não

haviam sido experimentados no Brasil. Quando eu brinco também com um colega meu

do Ministério Público, nós tínhamos autonomia, bom salário, e uma série de coisas que

são boas também, privilégios coorporativos e etc., foi à delação premiada que fez a

diferença. Ou seja, evidente que a delação premiada sem autonomia não é nada. Você

tem que ter as duas coisas, mas ela é um mecanismo de combate ao crime organizado,

que nenhum outro oferece. Quer dizer o velo Direito Penal que a senhora teve que lidar

ele é insuficiente porque a corrupção tem uma natureza muito específica, que o

corruptor e o corrupto, ambos estão em conúbio, quer dizer a vítima está em conúbio, a

vítima entre aspas está em conúbio com o autor. Não há como pegá-lo a não ser por

algumas ferramentas mais novas. Então a introdução disso no sistema jurídico

brasileiro, associado a algumas outras coisas como a lei de acesso à formação, a própria

tecnologia que gerou uma capacidade de os investigadores capturarem informação

inimagináveis no passado.

Uma terceira coisa que parece absolutamente relevante foi é a adoção da

legislação sobre corrupção empresarial. Que também permitiu que as empresas não mais

se escondessem através do chamado véu coorporativo entregando eventualmente um

executivo para salvar a empresa. A empresa passou a sentir que ela podia ser punida,

nada mais comum na Justiça do Trabalho, pegava um caso de corrupção, manda embora

o executivo e reseta aquele executivo. Mas aquilo com a política da empresa, isso acaba.

Então pelo menos esses 3 elementos e muitos outros – a cooperação internacional –

fizeram com o que o velho sistema político do presidencialismo equalizasse e sua

cultura patrimonialista, e tudo que nós podemos usar, todos os jargões que a teoria

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social brasileira para descrevera vida política brasileira. Eles entraram em choque num

novo modelo de comportamento das instituições de aplicações de direito, que tem suas

deficiências, mas que se modernizaram num padrão que o sistema político não foi capaz

de perceber. Ainda que ele tenha permitido todas as reformas, que levaram a essa

mudança.

O que me choca muito é a incapacidade de o sistema político perceber que tinha

terminado em pouco tempo aquele tipo de conduta. O choque desaguou na chamada

operação Lava-Jato.

Gostaria de terminar dizendo duas coisas. Em primeiro lugar, é absolutamente

natural e esperado que a reação à operação Lava-Jato seja muito forte. E, na medida em

que a operação Lava-Jato esteve na sua fase onde se atribuía a ela a noção de seletiva,

de escolher apenas o PT, todos os partidos de centro a direita ajudaram a empurrar,

baterão palma ao Moro. Viam-no como o cara mais formidável do mundo. Quando a

operação avançou sobre esses mesmos partidos, ela passa a ser objeto de execração

pública. É natural, é compreensivo. E evidentemente isso coloca em risco, sem dúvida

nenhuma, não só a operação, como os seus frutos.

Se nós pegarmos, na experiência comparada países onde o judiciário ousou esse

tipo de movimento como no Brasil, a Itália é um exemplo clássico do Brasil, mas eu

diria, na Rússia, onde simplesmente o judiciário foi destroçado. Na África do Sul o

judiciário está sendo destroçado. A Colômbia onde o judiciário foi sem dúvida nenhuma

reprimido. Os Estados Unidos onde as operações, especialmente dos promotores, dos

juízes federais da polícia federal da Sec*, que hoje tem um belo artigo da Crhistina

Hernandes falando disso. mas há um artigo também esplendoroso de um membro do

Ministério público Federal dizendo de que forma, a partir da operação de 2008 a

henroway's*, você começou a desmontar e reduzir também a capacidade do judiciário

norte-americano de combater a corrupção. Então não é um acidente que, na última crise,

ninguém tenha sido preso.

Vamos sofrer isso, e é um braço de ferro, que nós não sabemos onde ele vai dar.

É obvio que capitular não é a solução. Capitular vai fazer, mesmo para aqueles que

dizem ah é muito importante à governabilidade do sistema econômica etc. etc... , isso

vai nos lançar na talvez espiral, não sei se é isso que vocês chamam de fundo do poço,

mas eu entendo como espiral, o fracasso eterno quanto nação.

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Nós temos a possibilidade de um salto civilizatório, podemos não dar e cair

nesse buraco. Ou dar e tem um custo em dar, mas certamente os benefícios em termos

de desenvolvimento da democracia, estado de direito e da própria economia, haverão de

ser muito frutíferos.

Por fim me calo para esse braço de ferro, que esta sendo travado entre

o velho patrimonialismo e o novo patrimonialismo, novo populismo e a corrupção, que

perpassa todos eles. E esse futuro é a necessidade... o que me surpreende é a ausência de

uma espécie de concertação entre aqueles que, dentro do sistema político e fora dele,

não se conformam com essa realidade. Isso é o que surpreende, que, em momentos

dramáticos, não só da nossa história, mas de outros países, as pessoas não sejam capazes

de articular ou propor uma alternativa. E infelizmente não surgiu ainda no Brasil. Urge

que pessoas como os senhores, como nós, como todos que estamos aqui, tenhamos

capacidade de construir uma solução que supere as deficiências desse sistema político.

Obrigado.

Rodrigo Chemim

Boa tarde, eu queria agradecer o gentil convite do embaixador, em nome de

quem eu saúdo a todos os integrantes aqui da sala, essa bancada, os ilustres senadores,

deputados, as demais autoridades presentes. Para mim é uma satisfação poder participar

de um debate como esse, na presença de pessoas com a capacidade do conhecimento

que tem. E eu tentar trazer de novo um paralelo entre as Mãos Limpas italiana e a Lava

Jato brasileira.

Iniciando por explicar porque me interessei por estudar esse assunto. Coisa de

um ano atrás, eu encontrei pela primeira vez o Gianni Barbacetto, e uma das perguntas

que ele me fez, não sei ele recorda, porque você resolveu estudar a Mãos Limpas. Essa

pergunta pode ser respondida de várias formas, mas uma das questões que me tocou,

enfim que me motivou a aprofundar o estudo foi o fato de que, como sou professor de

direito e participo de alguns encontros que discutem questões jurídicas – em alguns

desses encontros ao longo da Lava Jato, do inicio da Lava Jato primeiro ano ainda –

ouvi muitos discursos, de certa forma alarmistas, no sentido de que nós tivemos uma

Operação parecida com a Lava Jato há 25 anos atrás, na Itália, chamada Operação Mãos

Limpas, e aquilo era vendido por quem falava do sistema, e eu estava na plateia

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assistindo, era vendido como olha nós tivemos esse exemplo e foi um fracasso na Itália,

foi um fracasso só produziu mortes, suicídios.

Sempre se pega o lado negativo do que os italianos viveram. E se vendia a

plateia à ideia de que talvez fosse melhor que a Lava Jato não tivesse acontecido. E

aquilo me incomodava de forma, significativa. Como assim fosse melhor que não

tivesse acontecido? Como assim seria melhor que não se soubesse, não se desvelasse

toda a mecânica corrupta que envolve financiamento político partidário, enfim que não

soubéssemos tudo que sabemos hoje como as coisas funcionam? Aquilo me motivou a

estudar, a ir atrás e me aprofundar na análise.

Hoje posso dizer que eu sei por que não deu certo, porque que é vendida a ideia,

não deu certo, não é exatamente a expressão, mas porque é vendida a ideia de que a

operação Mãos Limpas na Itália teria sido um fracasso. E eu diria o contrário. Eu diria

que primeiro não foi um fracasso. Em termos de investigação, de capacidade

investigativa foi um grande sucesso, foram mais de 4.500 pessoas investigadas em 3

anos. Se nós compararmos com a Lava Jato aqui não chegamos a 300 pessoas em 3

anos.

Acontece que o que desencadeou certa neutralização do sucesso dos efeitos da

investigação na Itália foi reação da classe política que promoveu uma série de alterações

legislativas, que fizeram com que, aos poucos, fosse se apagando e se neutralizando

tudo aquilo que havia produzido em termos de alcance jurídico e punitivo dos desvios

de comportamento. E, ao aprofundar o estudo, eu me deparei com inúmeras situações de

similitude entre o que os italianos viveram há 25 anos atrás, e o que nós estamos

vivendo aqui hoje. E aí por conta disso eu cheguei a escrever primeiro um artigo e

depois fui convidado por uma editora para aprofundar e escrever um livro, identificando

esse paralelismo, o que realmente e extremamente preocupante justamente porque é

muito, muito parecido com o que eles viveram lá e o que nós estamos vivendo aqui.

A iniciar pela origem do dinheiro desviado, em parte ele provinha da

Internacional de Hidrocarbonetos, a Petrobrás Italiana, desviado para partir dos

políticos. Em outra parte, provinha de grandes empreiteiras em superfaturamento de

obras públicas, com o pagamento de propinas para conseguir contratos. A Itália

celebrou a Copa do Mundo em 1990, e o Gianni referiu aqui que os a construção e a

reforma dos estádios foram superfaturadas, além do estádio de San Siro, que chama

também Estádio de Turin, que foi construído para 60, 70 mil pessoas. Depois de 5

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jogos, o Estádio foi demolido e, em seu lugar, construído o estádio de eventos. E o

estado Italiano continua pagando a dívida do primeiro estádio.

O cenário é muito parecido com o nosso aqui, quer dizer, o dinheiro nosso aqui

também vem dos mesmos mecanismos, das mesmas fontes, e a coisa também é muito

parecida com nossos estádios, na Copa do mundo de 2014. Foram superfaturados de

maneira assim assustadora, a ponto de custarem o dobro do preço inicial. Foram

construídos estádios em lugares absolutamente inóspitos, sem a menor tradição de

futebol, no meio da Amazônia, nenhum demérito ao povo que lá reside, mas ao custo

muito elevado para a manutenção, sem qualquer sentido de referência futebolística. Há

também grande similitude nas reações que não foram apenas iguais no campo político,

mas também no jurídico. As teses que os advogados sustentaram lá na Itália em 1992

em diante são exatamente as mesmas teses que os advogados sustentam aqui: excesso

de prisão preventiva, abuso da prisão preventiva para forçar acordo de colaboração

premiada. O que os italianos rebatiam lá do mesmo jeito que os procuradores da

república rebatem aqui, dizendo isto não é verdade, tanto não é verdade que, em mais

de 80% dos acordos de colaboração, o réu continuava solto.

Construíram-se muitas narrativas de reação que é natural, mas são reações

exatamente idênticas àquelas que foram concluídas na Itália: reações políticas num

primeiro momento, antes de falar do plano legislativo, elas se deram no sentido de dizer

que se estaria vivendo um momento, lá na Itália, de criminalização da política. Essa

expressão, usada na Itália, é exatamente a mesma expressão que se usa aqui, até de parte

de um ministro da Suprema Corte.

Se falava lá na Itália que enfim os investigadores estavam atuando por uma

motivação política. Os juízes, quem não eram juízes, eram colaboradores da República,

quem lá na Itália pertence à magistratura, por isso muitas vezes se fala Juízes das Mãos

Limpas, mas o que seria para nós aqui o equivalente a Procuradores da República. O

Ministério italiano integra a magistratura. Se falava lá que os magistrados, os

procuradores da república, seriam magistrados de rosso toga, em italiano significa togas

vermelhas, dando a entender que agiam pautados por uma ideologia esquerda, porque

quem dominava a cena política era um partido mais à direita do que a esquerda. Aqui é

exatamente o mesmo discurso só que às avessas. Enquanto no começo a investigação

olhava para o PT, o partido que estava no poder, ela foi quem construiu aquela situação

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toda. Diziam que prevalecia uma ideologia de direita e tal. Quando as investigações

alcançaram os outros partidos, a narrativa passou a ser da criminalização da política.

Em discurso famoso no Parlamento, Bettino Craxi, então o primeiro-ministro

Italiano, anuncia a todos ali presente que se faziam as mesmas coisas de que estava

sendo acusado. Ninguém o desmentiu, o silencio geral aceitou se todos fazemos assim,

quem sabe nos damos à mão para achar uma solução política para resolver essa

questão?

Foi o mesmo cenário que prevaleceu não apenas na Lava- Jato mas na época do

Mensalão, Em uma famosa entrevista a uma televisão francesa, Lula ele disse que isso

que não é só o PT que faz, mas que todos fazem. O discurso de que todos fazem é um

decurso muito forte e mais até, ele é vendido no sentido que inclusive a própria

população faz assim. Diz-se muito que os políticos são apenas o reflexo do que é a

população. Esse é um discurso que interessa há muito, porque se todos somos assim

então qual é o problema? vamos tocando o barco desse jeito. A coisa vai se

desenvolvendo assim e escolhemos o menos pior. Se vende isso para que se tenha a

ideia de que o menos pior então seria uma solução, quanto na realidade não é por esse

caminho que nós devemos trilhar uma solução para melhoria das condições políticas do

país.

Bom, tivemos além dessas técnicas, que esse tipo de criminalidade usa e a

criminologia explica, são técnicas de neutralização dos próprios comportamentos, que

resignificam os conceitos, visível na declaração do ex-ministro Palocci, recentemente no

seu interrogatório. Disse ao juiz Sergio Moro que, desculpe, eu estou há 30 anos sendo

treinado a mudar o significado dos comportamentos e dos atos, na verdade era de

propina, de que se tratava, não era uma mera colaboração ou auxilio, então agora eu

uso a palavra correta. É muito próprio de quem trabalha de nesses nichos de

criminalidade mais elitizada fazer uma ressignificação até para poder se auto- anistiar,

em termos de conseguir viver com aquilo que realiza.

O discurso do golpe também foi usado na Itália. Quando Craxi percebe que as

investigações vão enfim alcançá-lo e que ele perderá a imunidade parlamentar e poderá

ser preso, foge para Tunísia, e fica na cidade de Hammamet, de onde escreveu duas

famosas cartas. Nelas, ele procura construir, a partir do seu olhar, uma justifica para

tudo aquilo que lhe estava acontecendo. Lerei apenas um trechinho, para que os

senhores possam verificar a semelhança com alguns discursos proferidos no Brasil.

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Dizia o então ex-primeiro ministro italiano Bettino Craxi, (golpe pós-moderno,

que, aliás ainda está em curso, não é somente o trabalho da seita de juízes, de seus

apoiadores mediáticos e políticos internos e internacionais, o golpe pós-moderno

agrediu, em seu caminho, os valores democráticos os direitos dos cidadãos, princípios

constitucionais que foram ao fundo do poço. O golpe pressupõe a existência dos

golpistas que são e foram de vários tipos, categorias e natureza). Só para ilustrar, se eu

lesse esse mesmo discurso, e dissesse que esse discurso não era do Bettino Craxi e sim

uma outra personalidade brasileira, os senhores diriam, sim, é verdade. Porque é

exatamente o mesmo discurso, as mesmas palavras que se encaixam.

Por tão parecido me é que me assusta. Porque nós ainda não neutralizamos os

efeitos da investigação da Lava-Jato, ela ainda está em curso. Os italianos neutralizaram

esses efeitos, não de uma única vez, não numa única tacada, mas através de uma

sucessão de mudanças legislativas, que praticamente inviabilizaram o combate à

corrupção na Itália. Vou rapidamente pontuar, o que eles fizeram:

- Já em 1993 foi editado decreto chamado decreto de Cous* que

descriminalizava o financiamento ilícito dos partidos. O que era crime deixou de sê-lo,

reintroduzia-se o sigilo nas investigações, pois na era de Silvio Berlusconi, talvez o

grande patrono desse modelo de desmantelamento de resultados das investigações, o

decreto Biond* conhecido na Itália como Salapadre*, acho que nem precisa traduzir.

Detalhe curioso esse decreto foi publicado no dia 13 de julho de 1994, essa era a data

em que a Itália julgava com a Bulgária a semifinal da Copa do mundo dos Estados

Unidos, e sabia que já jogaria a final aqui com o Brasil. O que os italianos estavam

fazendo nesse momento? O mesmo que nós estaríamos fazendo se o Brasil tivesse

jogando a semifinal, estavam em frente da televisão. Os italianos são tão fanáticos

quanto nós, senão mais até por futebol. Esse decreto proibiu a prisão preventiva para

crimes contra a administração pública e o sistema financeiro. Na ocasião 2.764 pessoas

que estavam presas por crimes dessa natureza foram colocadas em liberdade, das quais

350 delas eram da Operação Mãos Limpas.

- Depois, em 1995, reformou-se a prisão cautelar suspendeu-se o processo por

delito de falso testemunho, que havia sido uma conquista decorrente de Antonio Di

Pietro, conquista que lograra para permitir prisão em flagrante de falso testemunho,

outros crimes de máfia. Essa lei havia sido aprovada em razão disso e ela deixou de

valer no curso da investigação da Mãos Limpas de 95.

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- Em 97, há a pretensão de subornar o Ministério Público por poder político, mas

esse é um tema que ainda não encerrou na Itália, e em inúmeras ocasiões, os italianos

tentaram tirar o ministério público de dentro da estrutura do poder judiciário, onde ele lá

na Itália ele se encontra. Não para dar a autonomia que o ministério público brasileiro

tem, porque ele é desvinculado do poder judiciário, mas porque somos uma instituição

autônoma. Mas para subordiná-lo ao chefe do poder executivo, como era o ministério

público brasileiro, antes da constituição de 88. Para algo equivalente a aprovação da

PEC 37, que foi referida aqui também. Se tivesse sido aprovada a PEC-37 como era o

que se desenhava no congresso nacional, eu participei de vários debates na ocasião, com

inúmeros deputados federais tive a oportunidade de conversar muito, eu disse, olha o

clima no congresso é de aprovação da PEC 37, vai ser aprovada. Só não foi por uma

conjunção de astros que fez com que a população que foi a rua, naquelas manifestações

de junho de 2013 e que não tinha uma bandeira muito definida, ela iniciou como uma

discussão por 0,20 (centavos) entendeu-se que se passasse a PEC 37 aqui, o ministério

público não poderia mais investigar, só a polícia poderia investigar. E qual seria o

reflexo direto disso, a polícia ela é subordinada no Brasil ao chefe do poder executivo,

ela não é subordinada ao ministério público do Brasil. E sendo subordinada ao chefe do

poder executivo, por melhor que seja o delegado, por mais bem- intencionado que seja,

e a grande maioria deles estão bem intencionados, faria com que ele não conseguisse

investigar a que detém poder, porque eu não consigo investigar chefe. Então o

significado da não aprovação da PEC 37 no Brasil equivale a não aprovação das

tentativas inúmeras na Itália de subordinar o ministério público ao poder executivo.

Coisa que ainda não encerrou lá na Itália como discurso.

- Em 1997, atenuou-se o crime de abuso de officcio, crime de prevaricação que

foi muito usado para criminalizar as condutas na Itália. Acrescentaram mais um

elemento para caracterização do delito, e, com isso também reduziram a pena, proibiram

a prisão preventiva, por tabela, porque diminuíram a pena não cabia mais a prisão

preventiva. E não permitiram mais adoção de provas obtidas mediante intercepção de

comunicação telefônica. Além disso, ainda diminuíram o prazo prescricional, que é o

tempo que o estado tem para punir, que era de 15 anos caiu para 7 anos e meio.

Resultado prático, muitos crimes prescreveram. Depois alteraram regras de prescrição

da prova, as provas eram feitas de um jeito, passou-se a exigir que fossem feitas de

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outro jeito. E a nova regra, dizia tem que ser repetida em juízo e não dá tempo de repetir

sem que ocorra a prescrição, ah!, que pena, não deu tempo.

- Em 1988-99, novas leis ampliaram a possibilidade de colaboração, porque os

processos estavam encerrando já nessa época. Alguns réus condenados não tinham feito

acordo de colaboração, e a lei italiana não permitia que o acordo fosse feito depois da

condenação. Então para salvar estes que foram condenados, eles mudaram as leis. Eram

leis de encomenda para ajustar as situações.

- Em 2001, fizeram o reingresso, repatriação de dinheiro italiano escondido no

exterior, coisa que nós já fizemos aqui também.

- Depois em 2001 descriminalizaram algumas condutas, diminuíram penas de

outras, de novo proibiram a prisão preventiva, proibiram a obtenção de prova e

interceptação e convocação telefônica obtida de políticos de forma indireta. É o que

aconteceu com a Dilma e com o Lula. A Dilma foi gravada na sua conversa com o Lula

sem querer entre aspas, no sentido de que o Lula está com os telefones judicialmente

interceptado, de forma legal. E conversando com a Dilma ela então é gravada numa

situação fortuita, não haveria telefone dela sendo gravado. Se isto ocorresse de novo de

acordo com essa lei que foi aprovada na Itália, esta prova não poderia ser usada porque

foi obtida de forma fortuita.

- Anularam as provas obtidas no exterior por cartas legatórias de 2001. Todo

esse trabalho enfim de trânsito internacional de provas, obtenção de provas, na Itália, foi

repactuado pela legislação porque faltava um carimbo, literalmente. O documento sem

um carimbo não vale mais, antes valia e agora não vale mais. Depois os tribunais até

consideraram que isso não era correto e essa lei perdeu força. Mas a ideia era anular

todas as provas.

- Em 2005, criaram uma lei para punir abusos de juízes e promotores,

que persigam fins diversos daqueles de justiça. Sabe-se lá o que seja isso, é a lei de

abuso de autoridade.

- Em 2005, diminuíram prazos prescricionais por uma lei que ficou conhecida

como Salva Corrotta, salva corruptos. De novo caiu à prescrição pela metade, resultado

imediato dessa lei. Em 2005, cem mil processos prescreveram na Itália. E, em 2006, 135

mil processos foram jogados no lixo pela prescrição.

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Em 2006, proibiram o ministério público de recorrer decisões de absolvição, a

lei era tão escancaradamente inconstitucional, que a corte italiana considerou

inconstitucional. Mas aqui no Brasil tem vários doutrinadores que sustentam essa ideia,

de forma absolutamente equivocada, claro. Piercamillo Davigo foi um dos

investigadores na Itália. Teve aqui também no Brasil o ano passado, também tive a

oportunidade de participar do debate com ele aqui em São Paulo. Ele conta um episódio

em que, na Itália, depois da mudança do código do processo penal italiano em 89, uns

procuradores e juízes americanos foram participar de um evento na Itália. E estavam

então discutindo o novo código, o Piercamillo Davigo fez uma palestra, e disse, olha

nós tivemos um problema com leis de anistia e tal. Ai como os senhores estão assistindo

aqui o magistrado norte-americano levanta a mão e diz, desculpe eu interrompi a fala,

mas é que a tradução simultânea traduziu acho que está errado, e eu não queria perder

isso, porque eu acho muito importante entender isso daqui, então, desculpe mais essa

interromperão, mas eu gostaria que o tradutor pudesse repetir a tradução para

compreender bem. E o intérprete traduziu exatamente o que ele dissera, que houve a lei

de anistia. Os americanos se entreolham na plateia e dizem... começaram a dar risadas.

Porque só podia ser uma piada, não era possível que os italianos aprovassem leis para

anistiar aqueles que desviaram dinheiro dos cofres públicos. Isso para os americanos

soava como uma piada, para os italianos não, e para nós não? Já tivemos no Brasil leis

de anistia de senadores para senadores, naquele episódio da impressão de santinhos para

propaganda política eleitoral, quando o tribunal superior eleitoral condenou vários

integrantes do senado. E foi feita uma lei de anistia para anistiar aqueles que usaram a

gráfica do senado para imprimir santinhos.

E por aí vai. Em 2007, foi a vez da lei da mordaça, proibição de noticiar

intercepções de comunicação telefônica, reforma judiciaria que hierarquizou o

ministério público e italiano, tirando da autonomia inclusive de alguns membros do

ministério público italiano.

- Em 2009, nova lei de repatriação de bens que suspende por 6 meses, renovável

por mais 6 meses, ao sabor da vontade do réu – e Berlusconi, era primeiro-ministro à

época e potencial réu - o tramite dos processos. O réu tem o poder de suspender o

processo.

- Em 2012, altera-se a lei anticorrupção que resulta em diminuição do prazo

prescricional que beneficia várias autoridades.

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- Em 2014, despenaliza-se o crime de sonegação.

Enfim o cenário é esse. Que caminhos nós vamos trilhar aqui no Brasil? Estamos

vivendo exatamente o ponto de divisão de momento, para lá ou para cá. São senhores

senadores, deputados, em quem o povo brasileiro confia, quem vai decidir que caminho

o Brasil vai trilhar. Que país nós seremos daqui a 25 anos. Que país seremos daqui a 25

anos, porque os italianos, hoje passados 25 anos, têm índice de corrupção tão elevados

quanto lá trás. Nós daqui a 25 anos olharemos para trás e diremos o quê? Nós, daqui a

25 anos, diremos o que a nossos filhos e nossos netos? Pai, avô, o que você fez lá em

2017, porque que você não contribuiu para que não ocorresse isso que ocorreu, ou Pai

que bom que você estava lá no congresso e impediu que o Brasil continuasse nessa sina

de ser um eterno país de terceira categoria.

Precisamos investir em educação, para que nossas crianças construam valores

cívicos morais, não no sentido da moralidade torta, mas uma moral cívica de

compreender que o trato da coisa pública tem que ser feito, e observado, de forma

diferenciada do que vimos fazendo historicamente em 500 anos. E temos também que

ter o cuidado de não apenas não aprovar leis dessa natureza, que descaracterizam a

possibilidade de se responsabilizar a quem desvia, quem destrata a coisa pública, mas,

ao contrário, criar leis que melhorem o sistema de punição brasileiro. Temos hoje um

sistema de impunidade no Brasil inclusive, em grande medida, com baixas penas e

lapsos prescricionais curtos. Prescrição retroativa, que é uma coisa que só existe no

Brasil, a Jabuticaba. Este cenário está na mão dos senhores congressistas, em quem a

nação brasileira deposita todas as esperanças.

Encerro deixando uma mensagem, se queremos um mundo melhor para nossos

filhos, também precisamos saber que filhos vamos deixar para o nosso mundo. É uma

via de mão dupla, congresso nacional e educação, são os caminhos para que a gente sai

desse atoleiro. E para que possamos ser “Outro país daqui a 25 anos”, obrigado.

Mediadora: Muito obrigada Rodrigo Chemim. Segundo o embaixador Amado,

não haverá intervalo. Podemos, então, começar com as perguntas. De início, vamos

receber três.

(Elizabeth)- Vou dirigir minha primeira pergunta a Marcelo. Sonho em um dia

encontrar, talvez até em Brasília, um equipamento no modelo que tem aqui,

impostômetro com um corruptômetro. Acho que falta isso, até para dar transparência à

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somatória daquilo que muita gente não tem noção. Sei que ainda está longe de nós

termos esse mecanismo, mas seria muito interessante. A pergunta ao ao senhor é a

seguinte: como vamos pensar numa solução e num encaminhamento dando

transparência, agilidade e eficiência à restituição dos valores desviados?

(Elvis)- Gostaria de perguntar: a Lava Jato pegou o legislativo, pegou o

executivo, ela vai avançar para o judiciário?

(Marcelo)- obrigado pela pergunta Elvis. Primeiro é preciso ter clareza que nem

todo dinheiro desviado fruto de corrupção vai ser recuperado na íntegra. O dinheiro que

vem fácil vai embora fácil, muita coisa desviada, muito custo é utilizado na lavagem, no

processo de lavagem. Há um grande esforço de recuperação do máximo possível de

recursos, extensivo, registrado e divulgado nos relatórios anuais da procuradoria geral

da república. Lava Jato tem um site que aponta os valores já recuperados. O mesmo

ocorre com o combate a fraudes decorrentes em fundos de pensões, operação greenfield.

E a força tarefa dos fundos de pensões que fez a mesma coisa, os acordos de leniência

foram homologados pela 5ª câmara, porém estão à disposição, são todos públicos. E a

forma em mecanismo de recuperação e devolução de recursos também estão

disponíveis. Tudo isso em meio eletrônico. A possibilidade de acesso acredito que

precisamos fazer é só tornar essa informação mais palatável, porque os valores e o

volume muitas vezes é inacreditável, são inacreditáveis. O que são dez bilhões de reais,

eu fiz essa conta outro dia, numa aula eu tive que explicar o que são dez bilhões de

reais. Alguém sabe? É um milhão e quatrocentos mil reais por hora durante um ano sem

sábado, domingo e feriado. É isso! São cifras que desafiam a inteligência e a

compreensão. Quando se diz que o sistema brasileiro de fundo de pensão das estatais

deu desvio e prejuízos na ordem de 77 bilhões de reais, o que se está dizendo é que a

operação de Fundo de Pensão, que está no início, é maior que Lava Jato em termos

financeiros e em termos de escândalo. Atravessa várias obras e estruturas que vai de

óleo, gás, energia, construção, transporte, trem de alta velocidade que nem chegou a

existir, refinaria do Maranhão que só ficou na terraplanagem e por ai afora. São valores

e cifras estrondosos, é assustador. É material de pesquisa para economista, cientistas

políticos e curiosos em geral. Agora isso vai resultar daqui a 50 anos em grandes livros

de história e muita matéria, muito material de pesquisa. Com relação ao processo contra

juízes e contra membros do legislativo e executivo, não há um direcionamento

especifico com relação a uma categoria de profissionais ou pessoas. Lembro a vocês que

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a operação desse ano implicou a prisão de um dos meus colegas que atuava na força

tarefa de fundos de pensão. Ele era membro da força tarefa que eu ajudei a criar na 5ª

câmara, e os fatos que resultaram na prisão do Ângelo ocorreram de 7 de março deste

ano a 18 de maio. Não há seletividade com relação a quem quer que seja. O que estamos

fazendo é buscando provas e apresentando-as ao judiciário, tentando evoluir na

repressão ou desencorajar as pessoas a prosseguirem com a corrupção. E lembro para

vocês que como o estudo é um processo em evolução, combate a corrupção é um

caminhar. Eu não vejo fim, eu não vejo chegada, vejo um caminho longo, constante,

perseverante, contínuo. Aqui em São Paulo, de 2000 a 2005, o tribunal regional federal

da 3ª região atua em processos criminais contra juízes, afastou um por ano em processos

criminais, por abuso de autoridade e processos criminais por corrupção. E o que nós

percebemos naquele período de 2000 a 2005 foi que, se o juiz manda prender outro juiz,

ele manda prender qualquer um. Isso é uma realidade temos processo em curso contra

subprocurador geral da república no STJ, temos processos em cursos contra ministros

do STJ. Não é contra membros de tribunais de contas. Não é essa atividade, porque às

vezes não chama atenção das pessoas é que são dados e informações publicados a partir

das decisões dos tribunais que fica difícil você ter um quadro completo da situação. É

essa a grande complexidade dessa situação toda em que vivemos. Mas não há nenhum

obstáculo, nenhum tipo de preferência para investigar fulano, beltrano, cicrano, a única

coisa que tem nos pautado é prova robusta, de possível sustentação perante o tribunal. É

possível obter do juiz uma medida em que o tribunal acredite naquilo que lhe é

apresentado e possa resultar tecnicamente em uma decisão compreensível e justa ou

compatível com a corte constituição do sistema legal brasileiro? Essa é a nossa grande

preocupação, é um compromisso com a democracia.

(Luiz)- eu tenho uma pergunta que é uma provocação para o Marcelo. Você

citou, Marcelo, que no caso das estatais, até quando a gente vai esperar por um mundo

ideal? E sugerindo que a estrutura das estatais é uma questão que favorece a corrupção

e, portanto vejo como solução eliminar as estatais e tratar ai essas empresas como

empresas como as outras, de modo que o mercado, de certa forma, consegue regular

isso? Eu projeto essa mesma reflexão para a questão da estrutura democrática. A gente

que tem uma estrutura hoje que ela é totalmente favorável à corrupção, as pessoas

escolhem aqueles candidatos que são oferecidos a ela. Mas, por trás disso, até o

candidato chegar lá como candidato existe um processo que favorece, que é o

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financiamento das campanhas, que é muito alto. Na política, as coisas funcionam muito

em termos de trocas de favores, é o modelo que existe, e é muito favorável à corrupção,

e o interesse pelo poder é muito mais que o interesse ideológico, ele é muito interesse

dos benefícios pessoais, o que gera distorções. Não seria uma questão a gente começar a

estudar uma reformulação da estrutura ao invés de ficar apenas tentando combater a

corrupção dentro de uma estrutura que já favorece ela por si só?

(Marcelo)- Eu não fico feliz quando vejo um processo de corrupção na minha

frente, Atuo na operação Zelotes perante o STJ, Operação Recomeço das questões do

Rio de Janeiro, Lava Jato do Rio de Janeiro, no Meu Prato* perante o STJ, eu não tenho

alegria nenhuma em trabalhar nesses casos, porque você vê uma destruição de riqueza e

valores muito grande em todos eles. Muita mentira, muitos desvios. O que observo

concretamente na prática é a realidade da operação Lava Jato, da greenfield, da do

Fundo de Pensão. Um conterrâneo meu do Paraná, Belmiro Castor, escreveu um livro,

cujo o título é O Brasil não é para Amadores. Tratou de vários aspectos éticos e de

comportamento com relação à realidade. Uma das coisas com que me identifico no

livro, publicado em 2002, é justamente a dificuldade de abandonar o formalismo, a

aparência da realidade, como se formalmente estivesse tudo bem. Na realidade, você

tem um subterrâneo de destruição de riquezas e valores sem precedentes. Vou dar um

exemplo, citado pelo Dallagnol. Quando ele começa na Lava Jato (final de 2013, início

de 2014), vai até a Petrobrás no Rio de Janeiro como parte do time de Curitiba, senta

com alguns dos diretores e conversa com o corpo técnico da Petrobrás. A grande

pergunta é, Estamos encontrando estes problemas que foram delatados pelo Alberto

Youssef, sua contadora e seu advogado, e parece que tem tudo a ver aqui com a estatal.

A resposta que os técnicos dão foi pedir aquele material, passar alguns dias, algumas

semanas, estudando-o e, numa segunda reunião, dizerem: Está tudo dentro do padrão,

dentro da conformidade, isso daqui é padrão de mercado, é o que seguimos. Não

estamos identificando nenhum sobrepreço, a estatal não sofreu prejuízo, não

conseguimos identificar nada de errado. Ele pega aquele material, agradece e continua

investigando. Na sequência vem a delação premiada de Paulo Roberto Costa, uma

bomba atômica dentro da Petrobrás. Porque mostrou exatamente onde estavam todos os

problemas relacionados com aqueles contratos, que a estatal formalmente reconhecia

como atividades normais e comuns do mercado sem prejuízo a seus negócios. Isso está

presente em todos os casos de contratos investigados. Só que o subterrâneo, o

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subterfujo, o que não é aparente, é justamente o negócio escuso, e, cá entre nós, talvez

até seja uma intuição pessoal, não sei se isso se sustenta, mas uma coisa que eu

observei: os casos de corrupção em que a 5ª Câmara atua, a corrupção só se propaga em

meios onde há grande confiança entre corruptores e corrompidos. Há um pressuposto

reacional muito grande. Só há corrupção quando os envolvidos na corrupção confiam

uns nos outros. E uma coisa que aconteceu aqui no Brasil é que muitas das pessoas

envolvidas em processo de corrupção ficaram assustadas com o tamanho do volume de

recursos, e se sentiram, quando investigadas, enganadas, tapeadas. Eu confiei nesse

sujeito ele me disse que recebeu um milhão e na conta dele tem 70, como isso é

possível. Em todas nossas cláusulas de acordo de leniência, há a possibilidade de que as

empresas que assinam leniência, e dos réus que assinam colaboração premiada,

complementarem a qualquer tempo dados e informações que descobrirem. O que

aconteceu com uma das grandes empresas que assinaram acordo de leniência com o

ministério público federal foi que eles, empresários, descobriram que eram vítimas da

sua própria estrutura. Não era raro encontrar um gerente um administrador de uma

empresa que fazia contratos com a administração pública, dizendo que tinha que pagar

X para o administrador público e, desse X, teria desconto de 50% que ia para lá, e o

resto ficava com o intermediário. Que também é outra surpresa, então talvez eles não

consigam avançar e chega a um consenso, a respeito de qual é o próximo passo, porque

entre eles há muita mágoa, desconfiança, e aquilo que gerou o ambiente de corrupção

estável desapareceu. Que é aquela confiança típica entre corruptos e corruptores, talvez.

Não sei se você se lembra que, em volta de 97/98, quebrou o banco inglês chamado

Barings. Levou um prejuízo, uma fraude gigante na Inglaterra, um bilhão de dólares

naquele período. Aqui houve uma operação de resgate do Banco do Brasil 7 bilhões de

dólares, a Cacique quase quebrou o fundo de pensão do Banco do Brasil quase foi para

os espaços em 1997/98. Operação Salva Vidas. Vivíamos processo de hiperinflação. O

Banco do Brasil hoje tem todas as suas ações ordinárias do estado em bolsas. Acho que

se o mercado ajudar, a iniciativa privada ajudar, se ficar mais transparente, se os

mecanismos ficarem mais simples, se o custo de transação empresarial diminuir, se a

competência aumentar, se a eficiência econômica brasileira crescer, vai melhorar para

todo mundo, e egoisticamente falando vai melhorar para mim também, vai diminuir

meu trabalho.

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(Eduardo)- boa tarde, a minha pergunta vou dirigir ao Marcelo para

complementar aquilo que ele acaba de responder. A sensação que fica é de que a Lava

Jato vai continuar por muito tempo ainda mudando de nome, porque agora vamos ter os

fundos de pensão, e na investigação vai se descobrir outras áreas outras coisas e tal. E

para combater essa sensação não seria o caso de, por exemplo, descer a investigação a,

por exemplo, mecanismos de controle que existem. Existem nos tribunais de contas,

existem as auditorias internas nas empresas, nos órgãos estatais, as auditorias externas,

os conselhos da administração. E como o senhor mencionou, houve um técnico que

disse, isso tá legal, bom! Aí descobriu que não estava. E o que aconteceu com esse

técnico?, ele teve má fé, não teve, ele participa do conluio. Porque a sensação que dá é

que os leões e os tigres estão sendo capturados, mas as hienas, e o pessoal que tá ali

embaixo, que pode ser que seja por falha técnica ou por má fé, estejam usufruindo de

todo esse lamaçal de corrupção. Não seria o caso também de se mudarem as leis de

como são feitos esses controles. Hoje se fala em melhorarem as licitações, por exemplo,

para evitar fraude. Se fala em mudar a lei 8666, mas há muitos anos se fala isso, mas

não se faz nada. Não tem um exemplo, não tem um conselheiro do tribunal de contas

sendo pego e sendo punido, ou um contador de uma empresa sendo pego e e

exemplarmente sendo punido. Dá uma certa sensação de que está faltando ainda chegar

nesse nível também, até para levar que quem trabalha nessa área pensar duas vezes

antes de compactuar com uma falcatrua. Obrigado

(Marcelo)- Obrigado pela pergunta, isso é economia, teoria dos incentivos.

Vamos imaginar o seguinte, o ser humano faz cálculo de custo benefício, se ele for

minimamente inteligente antes de cometer uma infração. Se você torna o custo viável,

você incentiva. Na nossa realidade, apesar de tudo que aconteceu no Mensalão e tudo o

que aconteceu com Lava Jato e Fundo de Pensão, os incentivos ainda permanecem

porque há novas operações surgindo para fazer. Com relação ao combate à corrupção,

lembre-se que o Mensalão teve começo meio e fim, Lava Jato começo, meio e terá fim.

Fundos de pensão começo, meio e terão fim também. Todas elas terão fim. Porque

processo não existe para ficar em modo contínuo e indefinido na realidade, até porque

manda uma mensagem, as pessoas mudam o comportamento. O que a gente observa é

que, do jeito que caminhamos, a tendência é uma sofisticação nos mecanismos de

corrupção. Uma reconfiguração nesses mecanismos se tornando mais complexos, ou

mais transparentes ou quem sabe até com valores mais baixos. Sem ser uma corrida para

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o fundo do poço, os valores em que vimos eles são... é claro a nossa realidade hoje.

Com relação a escala e fiscalização, o que o Belmiro Castor coloca é muito interessante,

que é o seguinte: um observador da realidade brasileira se ele não estiver totalmente

confuso, só significa que está mal informado. Porque o que temos formalmente em

ordem, não significa honestidade, não significa clareza, não significa transparência, não

significa estabilidade ou eficiência. Toda fiscalização é feita por amostragem, a Receita

Federal não olha imposto de renda de todo mundo, porque não tem gente suficiente para

isso. Usa mecanismos de informática, computação avanço etc., mas é por amostragem.

A representação criminal também é por amostragem, não são todos os crimes que são

punidos ou que são investigados. Nenhuma sociedade no planeta tem recursos

suficientes para resolver esses problemas só com fiscalização e controle, seja ele pré ou

pós. O que você tem é uma atuação eficiente mandando mensagens elevando custos

para criminalidade. Se temos os números de homicídios que temos no Brasil, 60 mil por

ano é que, como mamíferos, todos nós temos que compreender que há incentivo à

violência homicida neste país. Porque somos únicos nas 3 Américas com os nossos

números de homicídios. Isso vale para homicídio, isso vale para corrupção, isso vale

para estupro, isso vale para abuso, isso vale para o estelionato e vários outros crimes.

Alguma coisa está errada aqui dentro e tem a ver com nós brasileiros. É isso. Se

investirmos só em mecanismos de prevenção ou mecanismos de repressão para

fiscalização, esquecendo do custo disso tudo, nós vamos ter ou podemos chegar a ter

alguma forma de conforto formal incompatível com a realidade. É mais ou menos como

a mãe que finge que o filho não fuma para ver se ele fuma menos. Ela sente o cheiro

quando lava a roupa, quando abraça e dá beijinho, mas faz de conta que aquilo não

existe, quem sabe ele fuma menos dentro de casa e perto dela pelo menos não vai fumar.

Muitas vezes na nossa realidade fazemos de conta que somos surpreendidos quando

topamos com grandes escândalos de corrupção. Eu fiz uma listinha para vocês para falar

de corrupção, é o seguinte: essa minha experiência quando eu entrei no Ministério

público e vim para cá em São Paulo assumir a procuradoria da república em fevereiro

de 91. Trabalhei no caso das importações de Israel, no caso pau Brasil, ajudei no caso

Collor/PC, por sinal o PC fugiu para Tailândia e ninguém sabia onde ele estava. Mas a

situação atual é a seguinte, quando um réu brasileiro contra ele dá uma ordem de prisão,

e ele está no exterior, por incrível que pareça ele volta para cá, salvo algumas pequenas

exceções. Não é mais possível se esconder no mundo. O sujeito tem que ir para Coreia

do Norte, ele pode ir para Venezuela, ele escolhe algum outro lugar legal, um lugar

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mentalmente mais simples, com menos energia, com menos conforto, mas aí tem a

natureza. Porque onde há democracia e desenvolvimento econômico, não está dando

mais certo se esconder. Tivemos casos de ordens já expedida no Brasil para prender um

réu. O réu foi monitorado em Nova Iorque, o FBI avisou, vocês querem que prenda ele

aqui ou querem que a gente só acompanhe, ele vai entrar no avião, a hora que girar a

porta do avião a gente avisa e vocês pegam no Rio de Janeiro, beleza! Mais simples. É o

que foi feito. Hoje quando um juiz brasileiro expede uma ordem de prisão contra

alguém, com quem o Brasil tem cooperação, a tendência desse sujeito e voltar para casa.

Vocês se lembram do juiz Nicolau, fugiu se escondeu, vocês lembram do PC Farias que

fugiu e se escondeu, e toda aquela dificuldade daquele período. Fora isso além do caso

Nicolau, juiz do TRT, os Anões do orçamento, o caso das Gautama construtoras do Rio

de Janeiro, Castelo de Areia que começa de uma forma muito curiosa, o Mensalão é

outro caso que começa de forma curiosa, Lava Jato começa com uma forma muito

simples para investigar lavagem de dinheiro proveniente de drogas e deu no que deu. E

o greenfield, fundo de pensão, os beneficiários de fundo de pensão começam a reclamar

identificando que a gestão dos fundos que está errada. E, nesse caso dos fundos de

pensão, é fundamental a CPI feita dentro congresso nacional nos fundos de pensão, a

CPI colhe as informações que é a principal parceira para operação greenfield. Uma CPI

que já se encerrou e dá resultados concretos e efetivos, muitas vezes, dentro do

congresso as pessoas esquecem que uma CPI de Fundo Pensão foi feita com resultados

fenomenais. Obrigado.

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