93

Sete Vezes Campeão

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro-reportagem sobre os sete títulos mundiais dos clubes de futebol de São Paulo: Palmeiras, Santos, São Paulo e Corinthians. Produto utilizado como Trabalho de Conclusão de Curso de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero.

Citation preview

Page 1: Sete Vezes Campeão
Page 2: Sete Vezes Campeão

FACULDADE CÁSPER LÍBERO

SETE VEZES CAMPEÃO DO MUNDO Histórias e personagens dos títulos mundiais dos clubes de futebol de São Paulo

Aluno: Bruno Moraes BonsantiCurso: Jornalismo (3JoD) Orientador: Celso Unzelte

Page 3: Sete Vezes Campeão

BRUNO MORAES BONSANTI

SETE VEZES CAMPEÃOHistórias e personagens dos títulos mundiais dos clubes de futebol de

São Paulo

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para obtenção do título de

Bacharel em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero - FCL

.Orientador: Prof. Celso Unzelte

SÃO PAULO/2012

Page 4: Sete Vezes Campeão

AGRADECIMENTOS

Nada teria sido possível sem a educação dos meus pais, o carinho da família, especial

mente do irmão Rafael, o apoio dos amigos e o amor da namorada. A todos eles, o meu muito obrigado.

Page 5: Sete Vezes Campeão

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

Um título não tem porquê ............................................................................................................................................05

2. O DEUS DO ESTÁDIO, O FAQUIR E OS ARRUACEIROS

A ideia ............................................................................................................................................................................06Não vieram os campeões ..............................................................................................................................................09Tenha dó, seu Mário! ...................................................................................................................................................15O Deus do Estádio, o faquir e os arruaceiros ...............................................................................................................18Campeão do mundo? ....................................................................................................................................................25

3. CONTRA O SANTOS, NEM O DIABO

Contra o Santos, nem o diabo ....................................................................................................................................28A discussão, a alteração e a aposta ................................................................................................................................32O técnico que não quis marcar Pelé ........................................................................................................................... 35Amarildo: Pelé sono io! ..................................................................................................................................................38O outro possesso ..........................................................................................................................................................41Jogador de chuva ............................................................................................................................................................44

4. O MESTRE E O MITO

O mestre ........................................................................................................................................................................47Os aprendizes .................................................................................................................................................................50O búlgaro .......................................................................................................................................................................53O veterano ......................................................................................................................................................................56O garçom ........................................................................................................................................................................60O artilheiro .....................................................................................................................................................................63O gaúcho .........................................................................................................................................................................66O mito ..............................................................................................................................................................................68

5. O “MUNDIALITO” OFICIAL

Tudo Começou no Egito .................................................................................................................................................71A bola que não entrou ...................................................................................................................................................74Rolinho ............................................................................................................................................................................77O pegador de pênaltis ..................................................................................................................................................79“Mundialito” ....................................................................................................................................................................82

6. ANEXOS

Fichas técnicas ................................................................................................................................................................85Bibliografia ....................................................................................................................................................................92

Page 6: Sete Vezes Campeão

Um título não tem porquê Mundial de Clubes da Fifa. Torneio Intercontinental. Copa Toyota. Copa Rio. O nome do torneio pouco importa para o torcedor quando seu time acaba de se sagrar o melhor do mundo. Na hora que o ár-bitro apita o fim do jogo, ele não pensa na repercussão dos jornais, na opinião dos rivais ou na homologa-ção de entidades oficiais. Vibra, explode, grita e bate no peito com orgulho de ter assistido ao triunfo do clube que acompanha desde pequenininho contra rivais, apenas na teoria, mais fortes e poderosos. Con-tra os europeus da Juventus, do Benfica, do Milan, do Real Madrid, do Liverpool e do Barcelona.

Um dos haikais - poema conciso, de poucas palavras - do poeta Paulo Leminski diz que “a única razão de ser da poesia é que ela faz parte daquelas coisas inúteis da vida que não precisam de justificativa porque elas são a própria razão de ser da vida”. Querer que a poesia tenha um porquê, que esteja a serviço de alguma coisa é a mesma coisa que querer que um gol do Zico tenha uma razão de ser, além da alegria da multidão. É a mesma coisa que querer que um orgasmo tenha um porquê, que a alegria da amizade e do afeto tenham um porquê. Pra que porquê?”. Como a amizade, o orgasmo e um gol do Zico, um título também não precisa de um porquê ou de uma justificativa. Serve apenas para deixar o torcedor alegre até o início do próximo campeonato.

O objetivo deste livro não é coletar dados para homologar títulos. Não é um dossiê. É uma reunião de histórias sobre torneios que foram comemorados como títulos mundiais por torcedores de Palmeiras, Santos, São Paulo e Corinthians, os quatro principais clubes do Estado de São Paulo, o mais rico do Brasil. Se comparadas com países ao redor do mundo, essas sete conquistas ficam atrás apenas de Argentina e Itália, com nove, e à frente de potências como Espanha (seis), Alemanha (três), Holanda (três) e Inglaterra (duas). Os paulistas são responsáveis por sete dos 11 títulos mundiais do Brasil, considerando Taça Rio, Torneio Intercontinental e Mundial de Clubes da FIFA.

Essa história foi construída por personagens dos mais interessantes. Como Jair Rosa Pinto, um “faquir” jogando bola, segundo a imprensa da época, em uma Copa Rio marcada pela confusão dos or-ganizadores e pela presença da figura ímpar de Yeso Amalfi, um brasileiro que conquistou a França com futebol elegante e opiniões fortes. Ou Fernando Riera, técnico chileno que decidiu não marcar Pelé em 1962. Na ausência do craque, no ano seguinte, contra o Milan, Pepe teve que tomar as rédeas do Santos e quase não atuou na partida que ele descreve como a mais importante da sua vida.

Na “era moderna” dos Mundiais, um time comandado por um treinador de princípios fortes e irredutíveis repetiu o feito do Santos de Pelé, considerado uma das melhores equipes da história. Sob a fi-losofia ofensiva do mestre Telê Santana, o São Paulo derrubou o Barcelona de Johan Cruyff. O menino Ro-gério Ceni assistiu do banco de reservas à vitória do tricolor paulista, liderado em campo pela experiência de Toninho Cerezo, sobre o Milan de Fabio Capello em 1993. Doze anos depois, o mesmo Rogério parava os “imbatíveis” do Liverpool, com a ajuda de um alagoano de Atalaia e um gaúcho que entrou para a história com o apelido de Mineiro.

O Corinthians precisou vencer o cansaço de uma temporada estendida, o desdém dos europeus, o calor de janeiro e um Vasco com Romário e Edmundo no ataque para consagrar uma geração que havia sido bicampeã brasileira. Conseguiu isso na irreverência do baiano Edílson, o Capetinha que há anos as-sombra os sonhos de um certo francês chamado Christian Karembeu.

O torcedor desses clubes pode, aqui, reviver esses momentos. Pode também, se for afeito a com-parações, conhecer a história dos seus rivais para argumentar na mesa do bar que o seu título foi mais importante, mais legal, mais difícil. O futebol, afinal de contas, não seria nada sem personagens, histórias e mesas de bares.

5

Page 7: Sete Vezes Campeão

O DEUS DO ESTÁDIO, O FAQUIR E OS ARRUACEIROS

Os jornais trataram o torneio como campeonato mundial de clubes (Foto: Reprodução)

A ideia

“Não, meus amigos, não se repetiu o 16 de julho de 1950. Desta vez, a sorte não foi madrasta para o futebol do Brasil. Vencemos a Taça Rio, com honras e méritos. Fomos direitinho a ela, e o Palmeiras, hoje, é o clube campeão do mundo. Somente pode ser digno de orgulho de todos os torcedores brasileiros”.

O início da matéria do jornalista Thomas Mazzoni, de A Gazeta Esportiva, sobre o empate por 2 a 2 entre Palmeiras e Juventus, da Itália, em 22 de julho de 1951, no Maracanã, dá o tom da expectativa que havia em torno do Torneio Mundial dos Campeões, a Taça Rio, disputada no Brasil no mês de julho daquele ano. A partida valeu ao alviverde o título da competição, a primeira intercontinental da história entre clubes de fute-bol, com o apoio da FIFA.

Pouco mais de um ano depois do gol de Gigghia calar milhões de torcedores na decisão da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, o Brasil sediou outra competição internacional. O futebol verde e amarelo, que teve o orgulho ferido pela derrota da Seleção Brasileira para o Uruguai, ganhou mais uma chance de se provar o melhor do mundo, apostando na base daquele time, o Vasco da Gama, e no ascendente Palmeiras, campeão dos últimos quatro títulos que disputou.

A escolha pelo Rio de Janeiro para ser a sede principal do torneio foi natural, uma vez que o lendário presidente da FIFA, Jules Rimet, ficou muito impressionado com a estrutura do Estádio do Maracanã, à época o maior do mundo, com capacidade para 200 mil pessoas, construído especialmente para o Mundial de 1950.O comportamento da torcida brasileira também contribuiu para o francês atribuir importância à competição, destacando o vice-presidente da FIFA, o italiano Ottorino Barassi, para ajudar a Confederação Brasileira de Desportos na organização.

Italiano, como seu nome evidencia, Barassi foi um dos principais homens da FIFA na primeira metade do século passado. O engenheiro e ex-árbitro nasceu em Nápoles, em 10 de maio de 1898, e integrou o quadro de arbitragem da Itália em 1913, mantendo-se ativo por sete anos.

6

Page 8: Sete Vezes Campeão

Sua experiência como dirigente começou em 1925, quando assumiu a vice-presidência da Associação de Árbitros da Itália. Oito anos depois, tornou-se secretário-geral da Federação Italiana de Futebol e presidiu o Comitê Organizador da Copa do Mundo de 1934.

Ao lado de Jules Rimet, pensou no primeiro Campeonato Mundial de Clubes em 1939, mas os planos tiveram que ser adiados com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Durante o conflito, Barassi guardou com cuidado a Copa do Mundo em uma caixa de sapatos embaixo de sua cama, mantendo-a longe das mãos de saqueadores.

Anos depois, a taça Jules Rimet, assim batizada antes do Mundial de 1950 e esculpida pelo francês Abel Lafleur, ao custo de 50 mil francos suíços, foi roubada da sede da Confederação Brasileira de Futebol, no Rio de Janeiro, e derretida pelos ladrões.

Quando Barassi foi eleito presidente da Federação Italiana pela primeira vez, em 1946, os aliados já haviam desembarcado na Normandia para o famoso Dia D, os nazistas estavam derrotados e os Estados Uni-dos bombardearam duas cidades japonesas com armas nucleares, em represália ao ataque à base naval de Pearl Harbor. Dois anos depois, Barassi ganhou a reeleição e ocupou o cargo até 1958.

Sua importância para o futebol mundial é ainda mais ampla. Em 1954, fundou a União das Federações Europeias de Futebol, a UEFA, e deu início à Copa dos Campeões da Europa, que adotaria os moldes da Taça Rio, pois envolveria apenas os vencedores dos campeonatos nacionais europeus. O torneio hoje recebe o nome de Liga dos Campeões e é a competição de clubes mais lucrativa do planeta. Essencial para a participação das seleções europeias na Copa do Mundo do Brasil, Barassi foi também o elo entre o comitê organizador do Tor-neio Mundial dos Campeões e os clubes estrangeiros.

Ao seu lado, na comissão diretora do I Torneio Internacional de Futebol, estavam Mário Pollo, presi-dente da Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da atual CBF; Roberto Gomes Pedrosa, presidente da Federação Paulista de Futebol; Alberto Borghetti, presidente da Federação Metropolitana de Futebol, atual Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro; José Maria Castelo Branco, presidente do Conselho Técnico da CBD; e o sueco Ivo Schricker, supervisor técnico da FIFA.

O comitê executivo ainda tinha os uruguaios Manuel Caballero e Francisco Del Campo, ambos mem-bros da Associação Uruguaia de Futebol, e Stanley Rous, mandatário da Associação de Futebol da Inglaterra, embora o britânico não tenha nem vindo ao Brasil por causa de problemas pessoais.

A ideia inicial, formulada ainda durante o Mundial de 1950, era montar o torneio com os campeões nacionais da Itália, Inglaterra, Portugual, Áustria e Escócia ou Espanha, além dos representantes do país sede.

O primeiro problema era que o Brasil não tinha um campeonato nacional de clubes. A organização ai-nda esbarrou na falta de datas. Chegou a se cogitar, segundo A Gazeta Esportiva, uma competição envolvendo os vencedores dos estaduais de Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, mas a proposta também foi colocada de lado por causa do calendário apertado.

Por não haver nenhuma equipe verdadeiramente campeã brasileira, Castelo Branco propôs a realização de uma disputa em melhor de três partidas entre o primeiro e o segundo colocado dos estaduais do Rio de Ja-neiro e de São Paulo. A ideia, que beira o absurdo, já que abriria a possibilidade de os representantes brasileiros não terem vencido nem estes torneios, encontrou resistência dentro da entidade e não foi levada em frente.

Em um cenário extramamente polarizado entre São Paulo e Rio de Janeiro, ficou decidido que os campeões carioca e paulista representariam o país-sede.

7

Page 9: Sete Vezes Campeão

Repentinamente alertados do atraso brasileiro em relação aos outros países, os dirigentes começaram a se movimentar para organizar um campeonato nacional. O ex-presidente da Federação Metropolitana de Futebol, entidade que dirigia o esporte no Rio de Janeiro, Antonio Avelar, levou a Castelo Branco, à frente do futebol brasileiro durante as férias de Mário Polo, uma proposta de certame com 12 clubes, disputado em turno e returno. Para não desagradar demais as federações locais, ele seria alternado anualmente com os estaduais. O presidente do Conselho Técnico prometeu encaminhar a ideia a Polo, quando este voltasse de férias, mas o primeiro campeonato com essas características seria a Taça Brasil, que começou a ser disputada apenas em 1959.

Para minimizar a reclamação dos clubes em torno das datas, a Taça Rio foi marcada para a mesma época da Copa do Mundo, entre junho e julho.

8

Page 10: Sete Vezes Campeão

Os times que ao lado do Palmeiras disputaram a Copa Rio em 1951 (Foto: Reprodução/Palmeiras campeão do mundo)Não vieram os campeões

A competição patrocinada exclusivamente pela CBD – a única influência administrativa da FIFA foi a permissão para as partidas internacionais ocorrerem -, levaria o nome de Torneio Mundial dos Campeões, pois só seriam chamados clubes campeões de suas ligas nacionais.

A organização queria, a princípio, reunir 16 clubes, pretensão abandonada assim que percebeu que o Comitê Organizador Local da Copa do Mundo de 1950 havia conseguido trazer ao Brasil apenas 13 seleções. Com uma rara dose de bom senso, o torneio passou a contar com apenas oito agremiações.

Barassi teve a ajuda providencial do jornalista francês Gabriel Hanot, do jornal L’Equipe e da revista France Football. Ele foi um dos principais promotores do torneio na Europa, e seu relacionamento próximo com Jules Rimet ajudou a dar credibilidade ao projeto, e decisivamente influenciou no comprometimento das federações nacionais.

Foi Hanot quem propôs à recém-fundada UEFA a criação de um torneio europeu de clubes, a futura Liga dos Campeões da Europa. O ex-jogador francês no início do século XX e seu jornal L’Equipe planejaram as regras da competição, que começou sem exigir que os participantes fossem campeões nacionais.

Das 16 equipes, apenas o Anderlecth, da Bélgica, o AGF Aarhus, da Dinamarca, o Djurgardens, da Suécia, o Milan, da Itália, o Real Madrid, da Espanha, o Stade de Reims, da França, e o Rot-Weiss Essen, da Ale-manha, eram vencedores das ligas de seus países. A Inglaterra não teve representante, pois o Wolverhampton Wanderers recusou o convite por já se considerar o melhor time do mundo, após uma série de amistosos vito-riosa, que envolveu um triunfo sobre a geração de ouro do húngaro Honved, comandada por Ferenc Puskas.

Ele também deu a ideia à revista France Football de eleger o melhor jogador europeu de cada tem-porada. A Bola de Ouro recolhia votos dos colegas jornalistas de Hanot, e até 1994 premiava apenas atletas nascidos na Europa. Por esse motivo, nomes como Pelé, Mané Garrincha e Diego Maradona nunca ganharam a honraria.

9

Page 11: Sete Vezes Campeão

Em 1995, a revista abriu a votação para jogadores de qualquer nacionalidade atuando na Europa, possi-bilitando a vitória do liberiano George Weah, do Milan, naquele mesmo ano. Em 2007, ela passou a considerar todos os jogadores do mundo. Três anos depois, fundiu-se com o prêmio de Melhor do Mundo da FIFA.

Mesmo com o poderoso lobby de Hanot, os escoceses recusaram prontamente o chamado, abrindo espaço para o Estrela Vermelha, da Iugoslávia. A FIFA considerava a participação deste clube de extrema im-portância, pois, em meio à guerra fria entre os países capitalistas liderados pelos Estados Unidos e os comunis-tas da União Soviética, a presença de um representante da Cortina de Ferro em um torneio brasileiro mostrava que a entidade poderia contar com os integrantes do bloco soviético em seus torneios posteriores.

Com a ajuda do vice-presidente da FIFA, o belga Rodolphe William Seeldrayers, futuro mandatário máximo da entidade, o Estrela Vermelha aceitou o convite, e trouxe às terras brasileiras a base da seleção iugo-slava medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. O time foi campeão nacional em 1951 e tri da Copa Marechal Tito, em 1950.

O elenco contava com seis jogadores que estiveram no Brasil com a seleção do país na Copa do Mun-do de 1950: o zagueiro Stankovic; os médios Palfi e Jovanovic; e os atacantes Ognajinov, Tomasevic e Mitic. Stankovic, Mitic e Palfi, ao lado do médio Djaic, participaram do amistoso do time nacional contra a Itália, em Milão, em 6 de maio de 1951. O placar foi 0 a 0.

O futebol profissional era proíbido no governo do marechal Tito, que emprestava seu nome à copa na-cional do país. Por causa dos serviços prestados ao esporte, os jogadores comandados pelo treinador iugoslavo Bane Likulic ganhavam vantagens nos cartões de pontos, para adquirir alimentos, vestes, etc.

Um adversário de peso, portanto, que quase cancelou a sua vinda porque a CBD esqueceu de enviar o convite oficial. Em 6 de junho, a menos de um mês do início da competição, o representante do Estrela Ver-melha e da Federação Iugoslava de Futebol, Stevan Kadojerovic, avisou que, se nada chegasse a Belgrado nos próximos dias, aceitariam outras propostas. Assustada, a entidade brasileira prometeu enviar a comunicação oficial em breve.

Barassi chegou a confirmar a presença do Tottenham, campeão inglês da temporada 1950/51, com uma ótima ala esquerda de ataque formada por Bally e Medley, mas a Associação de Futebol comandada por Stanley Rous, futuro presidente da FIFA, entre 1961 e 1974, acabou não enviando clube para o Brasil.

Os britânicos justificaram a ausência argumentando que o pouco tempo entre a definição do Campe-onato Inglês e o início do torneio impossibilitava o planejamento logístico. Era, também, impossível aos clubes que brigam pelo título recusar todos os convites para partidas internacionais, na expectativa de ganhar a liga e se qualificar a jogar no Brasil. De acordo com A Gazeta Esportiva, a Inglaterra não veio para não colocar em risco o seu prestígio de reis do futebol e por causa de pendências financeiras da Copa do Mundo.

A vaga inglesa passou à Áustria, mas a CBD demonstrou falta de conhecimento em relação ao campe-onato daquele país ao endereçar erroneamente o convite ao Áustria Vienna, terceiro colocado da temporada 1950/51, e não ao Rapid Viena, campeão nacional. O Áustria havia vencido a liga no ano anterior.

O erro foi corrigido, mas o Rapid não aceitou a solicitação por causa de uma série de resultados ruins em terras brasileiras. Foram 11 jogos entre junho e julho de 1949: seis derrotas, três vitórias e dois empates. Os europeus perderam do Vasco, por 5 a 0, e do Palmeiras, por 2 a 0.

Por diversas vezes, a organização desmentiu a vinda do time, justamente por não ser o atual campeão, embora a CBD tenha ponderado chamar o vice-campeão Wacker Wien SC, pois o considerava um time melhor que o Rapid.

10

Page 12: Sete Vezes Campeão

O Áustria tinha oito jogadores regularmente convocados à seleção nacional. O esquema de jogo armado pelo treinador Weid Muller consistia nos dois médios recuando para marcar os ponteiros, e os meias austríacos marcando os meias adversários. Em 18 de abril, a equipe perdeu por 2 a 1 para o combinado São Paulo-Bangu, em excursão dos brasileiros pela Europa.

No começo de junho, o primeiro esboço de tabela já confirmava a presença do Áustria, embora o tenha colocado no grupo de Barcelona e Milan, duas equipes que não vieram ao Brasil.

Os mais cotados para representar a Espanha eram o Atlético de Madrid, atual campeão nacional, e o Sevilla, segundo colocado e vencedor do certame de 1949/50. O Barcelona foi a terceira alternativa, creden-ciado pelo título da Copa do Generalíssimo, em homenagem ao chefe de estado espanhol, Francisco Franco, governante entre 1939 e 1975.

A ausência espanhola foi explicada por A Gazeta Esportiva pela presença da Portuguesa naquele país para uma série de amistosos. Mais fraca tecnicamente que Vasco e Palmeiras, a Lusa venceu o campeão Atlé-tico de Madrid. “O receio de novas e espetaculares derrotas determinará a ausência dos ibéricos”, decretou o jornal, em sua edição de 24 de maio de 1951.

Sem a Espanha, a organização voltou-se à França, para irritação dos jornais brasileiros, uma vez que os franceses, assim como os austríacos, haviam recusado-se a participar da Copa do Mundo de 1950, cau-sando prejuízo técnico e financeiro à competição.

A identidade do representante francês demorou a ser conhecida. Houve uma batalha ferrenha pelo título nacional até a última rodada. O Nice sagrou-se campeão com 41 pontos, mesmo número do Lille. O terceiro colocado Le Havre, o quarto Nimes e o quinto Stade de Reims ficaram apenas um ponto atrás na tabela de classificação. O Racing de Paris, que chegou a ser cogitado, terminou na 13ª posição.

Restavam três vagas para o Torneio Mundial dos Campeões. Uma delas indiscutivelmente seria da Itália, país de Ottorino Barassi. O representante sairia dos três gigantes Milan, Inter de Milão e Juventus. Qualquer que fosse a equipe enviada à América do Sul, os jornais da época consideravam-na a principal can-didata a tirar o título dos brasileiros.

O Milan foi campeão nacional e, em certo momento da organização, era o único clube confirmado por Barassi. A diretoria rossonera chegou até a especular dois amistosos de preparação, contra o Atlético de Madrid e o Racing, de Paris, e prometeu 50 mil cruzeiros a cada jogador pelo título da Taça Rio, valor sufici-ente para comprar cerca de 25 rádios para um carro da Renault, modelo 1949/51, sem antena e supressores.

O time de Milão acabou sendo substituído pela Juventus por causa de dois fatores. O Milan tinha pre-sença confirmada na Copa Latina, cuja final, vencida pelos italianos contra o Lille por 5 a 0, aconteceu em 24 de julho, seis dias antes do início da Taça Rio. Além disso, os três principais jogadores da equipe recusaram-se a viajar. Os suecos Gunnar Gren, Nils Liedholm e Gunnar Nordahl, por conta de uma cláusula em seus contratos, tinham a liberdade de desistir de qualquer viagem internacional.

Gren era um meio-campista dotado de grande inteligência tática, e com uma veia artilheira. Marcou 38 gols em 137 apresentações pelo Milan, e jogaria contra a seleção brasileira na decisão da Copa do Mundo de 1958. Liedholm também estaria em campo no 5 a 2 de Estocolmo, e marcaria o primeiro gol da partida, aos 3 minutos. Famoso por passes precisos e inteligentes, balançou as redes 81 vezes em 359 partidas pelo Milan, conquistando quatro títulos nacionais, em 1951, 55, 57 e 59. Aposentou-se em 1961, mas voltou ao clube em três oportunidades como treinador. Na segunda, em 1978/79, ganhou o Campeonato Italiano. Nordahl era o artilheiro do time. Com uma média incrível de 0,82 gols por partida (221 em 268 jogos), foi cinco vezes o maior goleador do Campeonato Italiano vestindo a camisa do Milan: em 1950, 51, 53, 54 e 55.

11

Page 13: Sete Vezes Campeão

O trio Gre-No-Li, como era chamado, foi essencial na conquista da Suécia nos Jogos Olímpicos de 1948, em Londres. Sem ele, o Milan seria presa fácil no Brasil.

A vaga acabou caindo no colo da Juventus, terceira colocada da temporada 1950/51, também liderada por um trio de estrangeiros: o meia esquerda John Hansen, o meia direita Karl Hansen, avaliado em 3,5 mil-hões de cruzeiros (ou 10 mil pilhas Everead, com duração de mil horas), e o ponta esquerda Karl Praest, todos dinamarqueses.

Segundo A Gazeta Esportiva, “o meia esquerda John Hansen é um jogador extraordinário e forma com Praest uma ala esquerda de grande profundidade”. O ataque era complementado por dois jogadores da seleção italiana, Boniperti e Mucinelli.

A defesa também era de se destacar, com o goleiro Viola, os defensores Bertucelli, Parola e Manente, e os médios Mari e Picinnini. “Não conhecia ninguém da Juventus. A gente só via a escalação pelo jornal. Eu conhecia o Torino, que era muito melhor que a Juventus”, analisa hoje o ex-goleiro Oberdan Cattani, de 92 anos.

A equipe era comandada pelo técnico inglês Jesse Carver. Ex-zagueiro do Blackburn e do Newcastle, ambos do seu país, após o sucesso na Juventus, ele comandaria outras equipes italianas, como Lazio, Torino, Roma e Inter de Milão.

Sete jogadores bianconeri faziam parte da seleção nacional: Bertuccelli, Manente, Mari, Parola, Picci-nini, Muccinelli e Boniperti, embora apenas este último tenha entrado em campo no último amistoso da Itália antes da Taça Rio, em 3 de junho: goleada por 4 a 1 sobre a França, em Gênova.

O Sporting, de Portugal, completou a ala europeia da competição. Os Leões sempre fizeram parte das relações de equipes convidadas e poucas vezes tiveram sua participação colocada em dúvida.

Analisando a equipe campeã portuguesa de 1951, A Gazeta Esportiva destacava o médio Canário, “grande orientador e verdadeira mola de todo o conjunto”. A defesa era formada pelo goleiro Azevedo e os zagueiros Passos, Caldeira e Juvenal. O último foi classificado como “muito fraco, um corredor aberto por onde o perigo se torna imediato”. O ataque era liderado pelos meias Vasques e Travassos, “dois futebolistas de verdadeira classe”. A equipe treinada pelo inglês Randolph Galloway foi soberana em Portugal, terminando o campeonato com 11 pontos de vantagem para o segundo colocado, o Futebol Clube do Porto. Foram 91 gols em 26 partidas, média altíssima de 3,5 gols por jogo, mesmo para aquela época. Vasques, sozinho, anotou 28, e foi o artilheiro do certame. Ele, Travassos, Canário, os ponteiros Jesus Corrêa e Albano faziam parte da seleção portuguesa.

O clube restante viria da América do Sul. Barassi chegou a convidar o Racing, da Argentina, durante sua passagem pelo país para tratar da Liga Pirata colombiana, que contratava os grandes jogadores da época, como o argentino Alfredo Di Stefano e o brasileiro Heleno de Freitas, sem respeitar as leis da FIFA.

A Associação de Futebol da Argentina, porém, tinha dois amistosos marcados com Inglaterra e Irlanda, e já teria que paralisar o campeonato nacional. Outra interrupção, por causa da Taça Rio, atrasaria demais o desenvolvimento do torneio.

Outra questão pertinente para a ausência de um time argentino era a briga entre a Confederação Brasileira de Desportos e a AFA. À época do Torneio Mundial dos Campeões, as duas entidades tinham acaba-do de reatar relações. Em 1946, as duas seleções disputaram a Copa Roca, com partidas em Buenos Aires e no Rio de Janeiromanos, quacusaram o atacante Ademir de Menezes de deslealdade em um lance que feriu o argentino Battagliero.

12

Page 14: Sete Vezes Campeão

Duas semanas depois da decisão da Copa Roca, a delegação brasileira foi a Buenos Aires para a disputa do Campeonato Sul-Americano. Antes da partida decisiva contra os donos da casa, membros da equipe desfi-laram pelo gramado carregando Battagliero em uma maca, instigando um clima de hostilidade entre a torcida argentina e os jogadores brasileiros.

Quando o argentino Salomon sofreu uma fratura em lance com Jair, a situação saiu de controle. Torce-dores locais invadiram o gramado para agredir os brasileiros. A seleção de Flávio Costa perdeu o jogo por 2 a 0, o título do campeonato, e as ligações com a AFA, rompidas pela CBD. A Argentina não disputou o Sul-Americano de 1949 e a Copa do Mundo de 1950, ambos realizados pelo Brasil.

Após um congresso da FIFA em Petrópolis, no ano do Mundial, o brasileiro Luiz Aranha, novo vice-presidente da entidade máxima do futebol, recebeu mensagem do embaixador brasileiro em Buenos Aires, João Batista Luzardo. A AFA desejava retomar um relacionamento cordial com a CBD. O presidente da asso-ciação argentina, Valentin Suarez, veio ao Brasil e formalizou a reconciliação.

O resto da América do Sul foi representado pelo Nacional, do Uruguai. Campeão de seu país em 1950 e 1952, o clube perdeu o título de 1951 para o Peñarol, base da seleção campeã mundial no Maracanã no ano anterior, embora Júlio Pérez, do Nacional, tenha feito parte da equipe titular.

Confirmado, o Nacional criou uma celeuma para a CBD, a menos de um mês do início da competição. Manoel Caballero, representante da federação uruguaia e membro da comissão organizadora da Taça Rio, pediu à entidade que garantisse a ida de clubes brasileiros ao país para manter os outros times uruguaios em atividade. Ele também pediu adiantamento das cotas, de 200 mil cruzeiros por partida, como garantia, caso os amistosos dessem prejuízo.

A contragosto, a CBD financiou as viagens de Corinthians e Bangu para uma série de amistosos em solo uruguaio. Aproveitando o embalo, o Fluminense e o América, do Rio de Janeiro, também pediram à CBD a garantia de 60 mil cruzeiros por partida para excursionar nos vizinhos. O presidente Mário Pollo, visivelmente irritado, recusou.

Definidos os oito clubes, a competição passou a enfrentar um problema nominal. Apenas metade dos participantes do Torneio Mundial dos Campeões havia vencido a última liga nacional dos seus países: Nacio-nal, Sporting, Nice e Estrela Vermelha. Isso motivou a CBD a anunciar que, a partir da próxima edição, seria realizado apenas um torneio internacional, e não mais um “torneio de campeões”.

A entidade argumentou que às vezes o campeão nacional, à época do certame, está em inferioridade técnica em relação a outros clubes do país, e que os compromissos dos vencedores os impedem de aceitar os convites. Sem essa obrigação, a CBD poderia chamar quem quisesse.

A A Gazeta Esportiva também parou de chamar a competição de Torneio Mundial dos Campeões e adotou “Taça Rio”, nome do troféu oferecido ao vencedor.

A Taça Rio sofreu um baque no começo de abril, quando a agência de notícias France Press informou que Jules Rimet havia anunciado que o Torneio Mundial dos Campeões não seria mais realizado por motivos técnicos. O presidente da CBD, Mário Pollo, desmentiu as palavras do presidente da FIFA, e prometeu mais informações quando falasse com Ottorino Barassi.

Três dias depois, em 9 de abril, a CBD enviou uma carta ao italiano cobrando a confirmação dos clubes participantes. Ele deu sinal de vida, e solicitou a reserva das passagens para as delegações europeias. Enquanto

A Gazeta Esportiva dava o cancelamento como certo, Mário Pollo foi tranquilizado por um telefonema de Ottorino Barassi, em 10 de maio.

13

Page 15: Sete Vezes Campeão

Dois dias antes, a entidade reuniu-se com dirigentes do Vasco e jogou a responsabilidade do torneio no colo dos clubes, que se tornaram os verdadeiros patrocinadores do torneio, “naturalmente auxiliados pela CBD”. Eles aceitaram a incumbência, já que pedir dinheiro à FIFA estava fora de questão.

Enrolada por causa da Copa do Mundo de 1950, a entidade vivia de um empréstimo realizado pelo próprio Barassi, de 16 mil francos suíços. Todo o dinheiro havia sido gasto adiantando as despesas do Mundial.

Os austríacos do Áustria Viena, primeira delegação estrangeira a chegar no Brasil, desembarcariam apenas em 23 de junho, mas, extra-oficialmente, os grupos já estavam divididos. O Áustria foi colocado em São Paulo, ao lado de Palmeiras, Milan e Barcelona, que, à época, estavam cotados como presenças certas. Em seus lugares entraram, respectivamente, Juventus e Nice. No Rio de Janeiro, o Vasco recebeu o Sporting, o Estrela Vermelha e o Nacional.

Para alavancar público e renda, a organização decidiu explorar a grande colônia italiana da capital pau-lista com a Juventus, e os diversos portugueses que moravam no Rio de Janeiro com o Sporting.

A boa ideia encontrou resistência na diretoria do Vasco da Gama. Os cariocas estreariam contra os campeões portugueses, e reivindicavam um adversário mais fácil na primeira partida. Exigiram um sorteio, possibilidade imediatamente afastada por Castelo Branco, que prometeu ouvir as considerações dos clubes, mas avisou que as chaves seriam escolhidas “a dedo”.

Mário Pollo, por sua vez, prontificou-se a negar a veracidade da tabela divulgada, sem muita veemência e com discurso muito político. “Oficialmente, não há nada a respeito. Aliás, seria uma indelicadeza tratar-se deste ponto sem a presença dos interessados. Somente depois da chegada de todos é que se abordará este ponto. Por ora, tudo não passa de conjecturas, conjecturas estas, porém, que podem vir a se confirmar”, declarou o presidente da CBD a A Gazeta Esportiva.

O Palmeiras não reclamou. Apenas pediu para enfrentar a Juventus, principal adversária da chave, por último. E foi atendido. Em 25 de junho a tabela foi confirmada, com apenas uma mudança em relação ao que era especulado: o Estrela Vermelha jogaria em São Paulo, e o Áustria no Rio de Janeiro. O Vasco ainda estrearia contra o Sporting.

14

Page 16: Sete Vezes Campeão

Circulado em vermelho, o presidente do Palmeiras, Mário Frugiuelle (Foto: Reprodução/Dossië)

Tenha dó, seu Mário!

Choveu muito no Estádio Municipal do Pacaembu, em 28 de janeiro de 1951. O campo, sem os mod-ernos sistemas de drenagem de hoje em dia, estava pesado, cheio de poças d’água e lama. Ignorando todos os problemas climáticos, 22 pessoas corriam atrás de uma bola.

Uma delas era Jair Rosa Pinto, natural de Quatis, no Vale do Paraíba do Rio de Janeiro, região sul do Estado, cujas principais cidades são Volta Redonda e Resende. Recusado pelo Vasco, deu seus primeiros chutes profissionais no Madureira. Em 1943, finalmente acertou com o time de São Januário.

Antes de entrar no lamacento Pacaembu para enfrentar o São Paulo com a camisa do Palmeiras, va-lendo o título do Campeonato Paulista de 1951, Jair passou pelo Flamengo e foi vice-campeão mundial com a seleção brasileira, em 1950.

O tricolor chegou a abrir cinco pontos de vantagem na tabela, mas um empate com o Guarani e der-rotas para Ypiranga e Santos, somados às vitórias alviverdes sobre XV de Piracicaba e Portuguesa Santista, permitiram ao antigo Palestra Itália jogar pelo empate no Choque-Rei decisivo.

No primeiro tempo, Jair viu o adversário abrir o placar, logo aos 4 minutos, com Teixeirinha. Ele es-perou até o intervalo, gritou com os companheiros, pediu garra e chamou o jogo para si. Participou de quase todos os lances ofensivos. Em um deles, driblou os médios do São Paulo, a água do Pacaembu, e armou o lance que deixaria a bola presa em uma poça, perfeita para o meia direita Aquiles estufar a rede e garantir o empate por 1 a 1.

O Jogo da Lama, como foi eternizado pela historiografia palmeirense, deu início à caminhada palmei-rense na Taça Rio de 1951, já que o Brasil seria representado pelos campeões paulista e carioca.

O time do técnico Ventura Cambon chegou ao começo de julho esgotado, mas com quatro títulos no bolso. Quatro “coroas”, como se dizia à época: a Taça Cidade de São Paulo de 1950 e 1951; o Campeonato Pau-lista e o Torneio Rio-São Paulo também de 1951.

15

Page 17: Sete Vezes Campeão

Antes de ajudar a decidir o Estadual, Jair esteve próximo de ser dispensado, ao lado do ponta esquerda Rodrigues e do ponta direita Nestor. O título, porém, salvou o emprego dos três, já que o presidente Ferrucio Sandoli animou-se em manter todos os jogadores que pudesse, pensando no bicampeonato paulista. Em mar-ço, o cargo máximo do clube seria assumido por Mário Frugiuelle, que deu sequência ao plano de não perder peças.

Por 440 mil cruzeiros, o equivalente a cerca de 730 fogões, o Palmeiras adquiriu o passe do médio Luiz Villa, que estava emprestado pelo Estudiantes de La Plata, da Argentina. Para renovar seu contrato, Jair recebeu 300 mil cruzeiros de luvas, mas poderia ter ganhado 90 dormitórios da Fábrica de Móveis Takser.

No século XXI, poucos profissionais ganham tanto quanto jogadores de futebol da primeira divisão do Brasil, mas, em 1951, Lima, Canhotinho e Waldemar Fiume renovaram por dois anos pelo valor de 3,8 mil cruzeiros, o mesmo salário oferecido aos que se formavam na Escola de Especialistas de Aeronáutica, a antiga Escola Técnica de Aviação.

O goleiro Oberdan Cattani também estava com seu vínculo no final, mas, como sempre fez enquanto defendeu a camisa do Palmeiras, assinou um papel em branco e assegurou sua permanência. A recente mu-dança na diretoria não o fez ser mais cuidadoso.

“Sempre assinei em branco, desde quando eu cheguei, em 1940. Fui o jogador que menos recebeu em luvas. Comprei minhas casas com dinheiro da Seleção (brasileira e paulista). No Palmeiras, quando ganháva-mos campeonatos, tinha quele bicho especial. O Jair ganhava uma fábula. Nosso bicho era 100 e o dele era 200. O Rodrigues também”, conta.

O zagueiro Sarno pediu um ordenado de 10 mil cruzeiros mensais, aceitou a contraproposta e também firmou um novo acordo de dois anos, mas o defensor Turcão não teve tanta sorte com a nova diretoria. Se-gundo A Gazeta Esportiva, ele chegou a pedir 12,5 mil de salário, valor considerado muito alto pelo presidente Mário Frugiuelle.

“Eu gostava dele até o dia em que fez sujeira comigo”, comenta Turcão, hoje com 86 anos. “Estávamos discutindo contrato, e ele achou que pedi muito. Ele tinha oferecido muito mais a Jair, Nestor, os que vieram do Rio de Janeiro. Ofereceu 20 mil por mês ao Jair e, para mim, queria dar 8. Eu falei: ‘Tenha dó, seu Mário, me dá um pouco mais. Dá 10 pelo menos’. Ele respondeu: ‘Você, como meu filho, vá para casa que conversamos amanhã’. Naquela mesma noite, ele me vendeu ao Guarani. E eu era ‘filho’ dele. Imagina se não fosse? Diretor de futebol é muito problemático”.

O seu substituto já estava no elenco. Por 400 mil cruzeiros, ou 500 liquidificadores, o clube contratou o zagueiro Juvenal, do Flamengo e da seleção brasileira. Podemos dizer que ele estreou no Palmeiras com o pé esquerdo. Durante um empate por 0 a 0 com o Peñarol, Salvador foi atingido pelo ponta esquerda Romero.Embora não tenha reclamado, Juvenal assumiu suas dores e tentou defender o companheiro. Fez-se a confusão no gramado. Juvenal acertou o rival Hober e acabou expulso pelo árbitro uruguaio Esteban Marino.

“Eu tinha acabado de ser campeão. Merecia ser vendido? Só faltou a Taça Rio para as cinco coroas. Ajudei a ganhar quatro. Os palmeirenses não sabem por que eu saí. Eu não saí, mas me mandaram embora. Um jogador que só ajudou o Palmeiras. Com 16 anos já estava lá. Fui campeão juvenil, amador, profissional, e me mandaram embora sem mais nem menos. Isso não se faz. Guardo mágoa do Mário Frugiuelle, não do Palmeiras. O que interessa é que hoje sou feliz”, garante.

“Mandaram Turcão embora para ficar com Juvenal”, critica Oberdan Cattani. “Uma lástima mandar embora um jogador criado dentro de casa. Nós jogadores até reclamamos. Contrataram o Juvenal, lá do Rio, e ele não era essas coisas como jogador e como pessoa. Esse foi o pior beque que apareceu dentro do Palmeiras. Jogador que vinha do Rio jogar aqui não jogava com aquele amor”, exagera. Para ele, Jair era exceção: “Ele era o tipíco carioca sossegado, não dava muita pelota para diretor e nem abria a boca”.

16

Page 18: Sete Vezes Campeão

O Palmeiras fez mais contratações. A mais importante delas foi o atacante Liminha, do Ypiranga. Em um acordo de cavalheiros com a diretoria do Corinthians, o alviverde ficou com o avante, e não fez força para impedir que o zagueiro Homero fosse para o Parque São Jorge. Foram desembolsados 400 mil cruzeiros na negociação. Os dois jogadores também interessavam a Vasco, Fluminense, Portuguesa e São Paulo. “Ele era baixinho, mas não tinha medo de beque violento porque não levava desaforo para casa”, recorda Oberdan.

Ganhando 7 mil cruzeiros mensais, o médio Dema também deixou o Ypiranga para jogar no Palestra Itália. A Portuguesa chegou a igualar a proposta de 300 mil cruzeiros, mas o jogador preferiu assinar com o Verdão. Do São Paulo, veio o atacante Ponce de León.

O Vasco também mexeu em seu elenco, de forma bem mais radical que o Palmeiras. Com jogadores como o goleiro Barbosa, o atacante Ademir de Menezes e o ponta Tesourinha, o time contava com a base da Seleção Brasileira de 1950, e com seu técnico, Flávio Costa.

Pouco antes da Taça Rio, o técnico Flavio Costa deixou o Vasco da Gama e deu lugar a Oto Glória, que promoveu uma verdadeira reformulação. O zagueiro Clarel e o atacante Cabano vieram do sul do país. O time ainda contratou outros jogadores, como o atacante Vavá, os meias Adésio e Bira, e os pontas direita Celio e Friaça, este último vendido ao São Paulo por 300 mil cruzeiros e depois recontratado por 400 mil.

Às vésperas da competição, as pretensões cruzmaltinas sofreraram um baque decisivo. Em 27 de junho, o atacante Ademir de Menezes machucou o tornozelo em uma goleada por 5 a 1 sobre o América de Pernam-buco durante uma excursão pelo Recife. A primeira estimativa dos médicos previa 15 dias de recuperação, mas havia suspeita de fratura, o que o deixaria afastado de toda a Taça Rio.

Uma chapa radiográfica não constatou a fratura, e Ademir poderia voltar em 10 dias, provavelmente para enfrentar o Áustria, em 5 de julho, pela segunda rodada da primeira fase. Embora a contratação do craque Zizinho, do Bangu, tenha sido especulada, Oto Glória confiou em Ipojucan para formar a linha ofensiva. “Está em boa forma e poderá substituí-lo, de forma a não se sentir muito a ausência de Ademir”, justificou a A Gazeta Esportiva.

No entanto, um parecer médico do Hospital Getúlio Vargas, no qual ele fez exames, estimou 20 dias de recuperação para o atacante, que acabou ficando de fora de toda a Taça Rio. “Ele corria muito, e batia bem com as duas pernas. Era um ponta de lança extraordinário, mas, contra nós, pegava o Waldemar Fiume e não passava”, garante Oberdan.

17

Page 19: Sete Vezes Campeão

Yeso Amalfi com Jair antes do duelo entre Olympique de Nice e Palmeiras (Foto: Reprodução/Palmeiras campeão do mundo)

O Deus do Estádio, o faquir e os arruaceiros

“A minha responsabilidade foi enorme, porque eu deveria provar que o desastre do Maracanã, em 1950 fora apenas um acidente de percurso. Alcancei grande sucesso no exterior devido não somente aos meus recursos como futebolista nato, mas também por outras circunstâncias, oriundas quem sabe da minha person-alidade original, de minha maneira fidalga dentro e fora do gramado e talvez, segundo a opinião das mulheres, pela minha postura de atleta galã. Aliás, dizem que o público feminino começou a frequentar estádios para admirar minhas belas pernas”, escreveu o ex-jogador brasileiro Yeso Amalfi em sua autobiografia Yeso Amalfi – O Futebolista Que Conquistou O Mundo.

Em 1951, ele era o principal nome do Nice. Descendente de franceses e italianos, Yeso Noce Cardoso Amalfi nasceu em São Paulo e morou boa parte da sua infância na Rua Treze de Maio, número 60, no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo.

Começou a jogar futebol pelo time de várzea Éden Liberdade, e foi descoberto pelo São Paulo. Inteli-gente, Yeso aproximou-se de diretores e se envolveu na vida política do clube, o que causaria grandes transtor-nos quando Cícero Pompeu de Toledo venceu as eleições de 1947 e se tornou presidente. O jogador apoiava a outra chave, do doutor Décio Pacheco Pedroso.

Foram 72 jogos pelo clube entre 1946 e 1948. Apesar de afirmar não ter tido nenhum vício, Yeso gos-tava da noite e das mulheres. Em Santos para enfrentar o time da casa pelo Campeonato Paulista, marcou um encontro com uma de suas namoradas, mas o técnico Vicente Feola, futuro campeão mundial com a Seleção Brasileira em 1958, ficou sabendo, escondeu suas calças e sugeriu que ele ficasse na janela, de paletó, camisa, gravata e calções, que ele ia “chamar a moça”.

18

Page 20: Sete Vezes Campeão

Por divergências com o presidente do São Paulo, e indicado pelo companheiro de equipe Antonio Sastre, foi para o Boca Juniors, da Argentina, e teve a companhia no clube do compatriota Heleno de Freitas, contratado com o seu aval.

O tiro saiu pela culatra. Segundo o livro Nunca Houve Homem como Heleno, de Marcos Eduardo Neves, Yeso foi negociado por causa da incompatibilidade de gênios com o compatriota, apesar de ter participado dos dois primeiros gols de Heleno com a camisa do Boca, na vitória por 3 a 0 sobre o Banfield, em 6 de junho de 1948.

Em 24 de outubro daquele ano, o clube de Buenos Aires perdeu para o San Lorenzo por 1 a 0. Heleno quase foi expulso por ter discutido com Yeso, que pediu a rescisão do seu próprio contrato. Em resposta, a di-retoria afastou o ex-jogador do Botafogo até as últimas rodadas do Campeonato Argentino.

Heleno, porém, voltou e marcou três gols em quatro partidas, motivando o Boca Juniors a negociar seus desafetos, entre eles Yeso. Heleno saiu do clube mesmo assim, por não acreditar no repentino voto de confiança que recebeu da diretoria.

O paulistano tem outra versão. Em sua autobiografia, conta que, ao lado de Heleno, aderiu à greve con-tra a intervenção do governo do general Juan Domingo Perón no futebol argentino.

O presidente do país decidiu designar um diretor de sua confiança nos principais clubes da liga. Foi formada uma comissão de jogadores para negociar, mas algumas exigências não foram aceitas. Juntos, os atle-tas fizeram um minuto de silêncio ao início de cada jogo, após o apito do árbitro, e foram banidos do futebol argentino.

Como muitos outros que saíram do país, Yeso teve rápida passagem pela Liga Pirata da Colômbia, no Milionários, mas rapidamente rumou ao Peñarol. Em fevereiro de 1950, fez sua primeira partida com a camisa do Palmeiras, mas, desta vez, não ficou muito tempo em São Paulo.

Foram 14 jogos, apenas três oficiais, pelo Torneio Rio-São Paulo e Quadrangular Prefeito Lineu Prestes, e 11 amistosos. Sua estreia foi na derrota por 3 a 2 para o Vasco, em 12 de fevereiro, e seu último jogo aconteceu em primeiro de junho, no revés por 3 a 1 para a Portuguesa.

Nesse período, Yeso disputou 10 dos 16 jogos do Palmeiras como titular, e quatro como reserva. Mar-cou três gols: contra Portuguesa Santista, Ararense e Corinthians. “Eu o conhecia desde os aspirantes do São Paulo. Era um grande amigo e bom jogador”, lembra hoje o ex-goleiro Oberdan Cattani, de 92 anos.

Em 16 de julho, foi para a França assinar com o Nice, mas descobriu que primeiro deveria passar por um período de testes. Na véspera do primeiro amistoso programado, aceitou participar da festa de abertura de um hotel e jogou sem dormir.

“Depois de alguns minutos de minha chegada ao hotel, já tendo amanhecido o dia, encontrei Elie Rous (técnico), que me avisou do primeiro teste, contra um time amador da região, no Estádio Saint Agoustin, den-tro de algumas horas, e me felicitou por estar de pé em boa hora (mas, pelo seu tom de voz irônico, ele bem sabia que eu chegara naquele momento, porém eu sabia que isso não me afetaria em nada, pois já havia perdido a conta das vezes que treinara sem dormir)”, escreveu em sua autobiografia, confirmando seu estilo de vida boemio.

A contratação de Yeso demorou para ser concretizada, pois o Peñarol ainda detinha seu passe e não o havia liberado. Mesmo com as questões burocráticas resolvidas, ele foi preterido na equipe titular pelo téc-nico Rous, com quem tinha desavenças. Em uma quinta-feira, antes de enfrentar o Strasburgo, ele conta que treinava entre os reservas quando driblou o time titular inteiro e fez um gol de letra. Em seguida, pegou a bola com as mãos, tirou a camisa e jogou ambas no rosto do treinador.

19

Page 21: Sete Vezes Campeão

Com Yeso titular, o Nice venceu três jogos seguidos, e o jogador considerou aquela uma boa hora para tomar uma posição firme. Convocou uma reunião no vestiário e deu um ultimato ao presidente. “Pedi a pala-vra, repeti várias vezes que estava na França para jogar futebol e mostrar a arte e beleza do futebol brasileiro. Depois de explicar minhas razões, afirmei categoricamente que a diretoria iria escolher entre mim e o treina-dor”, lembrou.

A diretoria ficou com ele, e promoveu o técnico dos amadores Numa Andoirre, um ex-jogador da seleção francesa que jogou a primeira Copa do Mundo e disse a A Gazeta Esportiva que quase morreu na Se-gunda Guerra Mundial.

“Em 1945, quando retornei da Guerra, impossibilitado de continuar minha carreira esportiva, dediquei-me à profissão de treinador. Consegui naquela época dirigir as equipes secundárias do Nice. Houve um desen-tendimento entre os dirigentes do clube e o aludido treinador, tudo por causa de Yeso Amalfi. O técnico não o queria no time, e os dirigentes opinavam ao contrário. Rous teve que sair e, em consequência, eu assumi. Sou técnico e campeão francês por causa de Yeso”, contou.

Campeão francês pelo Nice, Yeso veio ao Brasil para a Taça Rio com moral e a braçadeira de capitão. Alegando estar feliz na França, refutou as especulações de que estaria interessado em retornar ao futebol do País, embora tenha admitido estar com saudades da sua pátria. Avisou que estava incumbido da tarefa de voltar com cinco ou seis jogadores contratados, garantindo que três deles seriam “dos mais famosos”. Trouxe até din-heiro no bolso para os adiantamentos.

Ao fim da primeira fase do torneio, uma reviravolta. Yeso anunciou que não voltaria à França e estava dando por terminada a sua carreira no futebol. “Ficarei para sempre nesta grande terra que é o meu Brasil. Vou dirigir os negócios do meu ‘velho’, e não quero mais saber de bola. Agora sou negociante. O meu último jogo foi este que acabamos de ganhar (2 a 1 sobre o Estrela Vermelha)”, disse a A Gazeta Esportiva de 9 de julho de 1951.

Yeso mudou de ideia muito rápido e planejava renovar seu contrato com o clube francês. Antes de as-sinar seu primeiro vínculo com os europeus, realizou treinos secretos no Torino, da Itália, e chegou a recusar uma excelente proposta. Às vésperas de a delegação embarcar para o Brasil por causa da Taça Rio o presidente do Nice declarou que dificilmente conseguiria segurá-lo. O próprio jogador, em uma de suas primeiras entrev-istas em solo brasileiro, avisou que tinha uma proposta do time de Turim.

As circunstâncias da transferência o magoaram bastante. Após a Taça Rio, ele passou algumas semanas de férias no Brasil, mas retornou antecipadamente no fim de agosto para resolver a renovação contratual. Foi recebido com festa em Nice e ficou emocionado. Uma reunião estava marcada para o dia seguinte.

O encontro foi inútil. O presidente alegou que já havia recebido o dinheiro do Torino por seu passe e nada poderia fazer. Quando Yeso mandou que ele devolvesse, enfim soube a verdade: o clube admitiu ter per-dido autoridade sobre ele e que os outros jogadores estavam pedindo salários da mesma importância.

Contrariado, o brasileiro deixou tudo para trás, inclusive sua namorada Luly, “meu grande amor”, e começou sua passagem pelo Torino, que durou de 1951 a 1952. Ele retornaria à França para jogar por Mônaco, Racing de Paris– quando foi chamado pelo artista francês Jean Cocteau de “O Deus do Estádio” em um texto publicado em abril de 1954 no jornal France Soir- e Red Star, antes de encerrar a carreira, desta vez de verdade, no Olympique de Marselha, em 1959.

Em terras galesas, Yeso continuou rendendo lendas, que nunca poderão ser comprovadas. Ele conta que foi o responsável por apresentar a atriz norte-americana Grace Kelly ao príncipe Rainier III, de Mônaco, e jura de pés juntos ter sido amigo do irmão de Evita Perón, primeira-dama do general Juan Domingo Perón, presidente da Argentina entre 1946 e 1955, e novamente de 1973 a 1974.

19 20

Page 22: Sete Vezes Campeão

A categoria de Yeso não foi suficiente para o Nice parar o Palmeiras, mesmo com a ausência do cen-troavante Liminha, que contraiu uma gastrite e teve que passar por cirurgia. Após dieta reforçada e repouso, saiu do hospital em 27 de junho e só retornaria aos treinamentos em 3 de julho.

No último dia de junho, o Palmeiras venceu por 3 a 0, com gols de Aquiles, de pênalti, Ponce de León, substituto de Liminha, e Richard. Em jogada caracterizada por A Gazeta Esportiva como “própria de um fa-quir”, Jair, cercado por todos os lados por adversários, colocou a sola sobre a bola, avançou um metro, se muito, e se esquivou da marcação. Ponce de León recebeu e marcou o segundo gol do jogo, sem interferência dos adversários, “já que todos estão encantados”.

“Quando Jair pegava a bola, sabia o que fazer com ela. Quando fazia um lançamento, era meio gol feito”, comenta Oberdan Cattani.

Segundo Yeso, o time entrou em campo em um sistema de jogo 2-6-2, semelhante ao do técnico suíço Karl Rappan, e utilizado pelo país no empate por 2 a 2 com o Brasil na Copa de 1950. O primeiro tempo ter-minou empatado. Animado, o técnico Andoirre decidiu afrouxar a marcação no segundo, e os gols saíram.

Ainda em São Paulo, a Juventus bateu o Estrela Vermelha por 3 a 2. No Rio de Janeiro, o Vasco começou arrasador, impondo uma goleada por 5 a 1 sobre o Sporting, e o Áustria Viena bateu o Nacional por 4 a 0.

O torneio já estava em andamento, mas as regras ainda não haviam sido totalmente definidas. Logo após a primeira rodada, foi introduzida a prorrogação nos jogos finais, pois a organização não queria arriscar a hipótese de dois campeões. Em caso de resultados iguais nos dois jogos, haveria um tempo extra de 30 minutos, seguido por quantos fossem necessários de 15 minutos, até que um único vencedor fosse definido.

E o flash estava proibido em São Paulo, após um acordo estranho entre a CBD e os clubes estrangeiros. Os fotógrafos estranharam a determinação e, por meio da associação dos Repórteres Fotográficos do Estado de São Paulo, procuraram o presidente da Federação Paulista de Futebol, Roberto Gomes Pedrosa. Ele simpatizou com a causa dos profissionais, mas não tinha poder para reverter a decisão.

“Como é natural, estranharam os profissionais da fotografia essa determinação, uma vez que sempre tiveram ação livre em nossos campos, quer durante o dia, quer durante a noite. Nem mesmo nas partidas mais importantes de campeonatos, jamais os clubes se lembraram de tomar essa atitude”, escreveu A Gazeta Esportiva de 5 de julho de 1951.

A CBD estava preocupada com a renda, principalmente por causa das ausências de clubes de Espanha, Inglaterra, e do Milan, da Itália. A falta de apelo dos participantes poderia causar prejuízos financeiros. A pri-meira rodada tranquilizou bastante os dirigentes: os quatro jogos apresentaram renda de 4,786 milhões de cru-zeiros. O jogo mais rentável foi Vasco x Sporting, arrecadando 2,574 milhões. Mantendo esse nível, a previsão de 21 milhões de cruzeiros seria alcançada com sobras.

Palmeiras e Estrela Vermelha disputariam a segunda rodada da Taça Rio no Pacaembu, em 4 de julho, uma quarta-feira, mas o jogo foi adiado para o dia seguinte por causa do mau tempo. No Rio de Janeiro, a partida entre Vasco e Áustria também passou para a quinta. Os austríacos foram à sede da CBD reclamar da mudança, pois tinham encontro marcado com o Sporting para sábado. A sugestão era mover o duelo contra os cariocas para a outra semana, na terça ou na quarta, mas Mário Pollo negou.

Os paulistas venceram em um lamacento Pacaembu, por 2 a 1, gols de Aquiles e do recuperado Lim-inha. Ognjanov descontou em falha de Juvenal. O resultado não satisfez a crítica da época, principalmente ao ser comparado à nova goleada do Vasco, novamente por 5 a 1, desta vez sobre o Áustria Viena.

“Enquanto o Vasco se agiganta, o alvi-verde decresce assustadoramente de produção, de jogo a jogo, quaisquer que eles sejam. Qualquer que seja a categoria do adversário. Vimo-lo trabalhar imperfeitamente contra o Co-

21

Page 23: Sete Vezes Campeão

mercial (3 a 0, em 3 de junho), na abertura do Campeonato Paulista. E se a modéstia do alvi-rubro justificava sua baixa e possivelmente desinteressada realização, que se dizer da obscura jornada com o Portsmouth (da Inglaterra, 0 a 0, em 20 de junho, em amistoso internacional)? E depois, apenas um segundo tempo simples-mente regular contra o Nice, e o quase nada a que se reduziu sua produção diante do Estrela Vermelha”, criticou o editorial de A Gazeta Esportiva em 7 de julho de 1951.

O diagnóstico era que o Palmeiras demorava muito para matar os seus jogos. Apesar das falhas, o time do técnico Cambon estava com 100% de aproveitamento e com vaga garantida nas semifinais. O próximo duelo, contra a difícil Juventus, serviria para decidir quem lideraria a chave e escaparia do Vasco. Em caso de vitória alviverde, o sonho da organização de ter uma final brasileira poderia ser concretizado.

Tudo foi por água abaixo no Estádio Municipal do Pacaembu quando Boniperti, duas vezes, Praest e Karl Hansen, de pênalti, fizeram os gols da goleada por 4 a 0, e empurraram o Palmeiras para o caminho do Vasco. A defesa entrou em campo modificada, com Sarno no lugar de Salvador, e Túlio na vaga de Villa. Jair também foi poupado, substituído por Canhotinho.

“(A mudança)Não atrapalhou porque o Túlio (médio) foi um senhor quarto zagueiro. O futebol é coisa que a gente não espera. Tem dia que você está inspirado e faz defesas espetaculares, e outras vezes parece que não dá nada certo. A Juventus veio e deu tanta sorte que ganhou o primeiro jogo”, avalia hoje Oberdan Cattani. O goleiro foi responsabilizado pela derrota. A mídia da época creditou dois gols a falhas suas. O pri-meiro, em um cruzamento, e o terceiro, quando a bola passou por baixo do seu corpo. “Nossa defesa ficou indecisa em muitas bolas. Eles entraram sozinhos e fizeram os gols. Acontece de a bola passar por baixo do nosso corpo, dependendo de onde ele chutou. A Juventus foi feliz de ganhar da gente de quatro. Eu não acho que falhei”, avalia, 61 anos depois.

Cattani também lembrou que chegou a defender um pênalti, mas a zaga ficou de braços cruzados e per-mitiu que o juventino completasse às redes. As suas desculpas não foram suficientes para convencer o técnico Cambon. As cinco coroas conquistadas pelo treinador também não foram suficientes para convencer Cattani de que o seu comandante era um bom profissional. “Ele não falava nada. Como treinador, para mim, foi de altos e baixo. Deu sorte, porque tinha um bom elenco”, critica.

Não foram as primeiras falhas de Oberdan. Em 4 de março, ele havia errado duas vezes na derrota por 6 a 4 para o América, do Rio de Janeiro, em partida válida pelo Torneio Rio-São Paulo. A reincidência fez com que Fábio Crippa chegasse ao posto de titular.

A imprensa especulava outras alterações. Aquiles e Rodrigues seriam barrados por deficiência técnica. Entrariam, respectivamente, Richard e Brandãozinho. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, porém, Cambon rapidamente confirmou a linha ofensiva com Richard, Aquiles, Liminha, Jair e Rodrigues. A única mudança foi Richard no lugar de Lima.

Mesmo sem Ademir, o Vasco tinha um time de qualidade. Contra o Palmeiras, Oto Glória mandou a campo quatro jogadores que perderam para o Uruguai no Maracanã havia um ano: Barbosa, Augusto, Danilo e Friaça. “O Vasco era o melhor time do Brasil, a Seleção Brasileira. Tinha um belo time, mas não ganhava da gente aqui, não. O Vasco era freguês nosso”, provoca Oberdan.

O Palmeiras havia vencido o último jogo entre as equipes por 4 a 1, no Torneio Rio-São Paulo, no pri-meiro dia de abril daquele ano. Liminha e Aquiles marcaram duas vezes cada um. No geral, o duelo era equili-bradíssimo: 30 jogos, nove vitórias para cada lado e 12 empates.

Com a anuência da diretoria alviverde e a pedido da CBD, as duas partidas foram realizadas no Ma-racanã, um estádio muito maior que o Pacaembu e que, naturalmente, arrecadaria mais renda para pagar as contas do torneio.

22

Page 24: Sete Vezes Campeão

Para o azar de Oberdan, a decisão de Cambon mostrou-se acertada. Fábio Crippa fechou o gol nos dois duelos contra o Vasco da Gama. A vitória por 2 a 1 no primeiro jogo, gols de Richard e Liminha, e o empate por 0 a 0 garantiram a equipe alviverde na decisão da Taça Rio.

A nota triste foi a séria lesão de Aquiles, que fraturou o terço médio da tíbia em um choque com o goleiro Barbosa. “Foi um lance desafortunado no qual levei a pior. Não houve, porém, a mínima intenção malévola por parte de Barbosa que, devo dizer, também poderia ter se contundido seriamente diante das cir-cunstâncias em que se desenvolveu a jogada”, explicou o meia direita a A Gazeta Esportiva.

“Ficou todo mundo abatido. Ele chegou a quebrar três vezes a perna. E nas três vezes eu o carreguei para fora do campo. Quebrou três vezes e teimava em voltar a jogar”, lembra Oberdan. Pelo restante da Taça Rio, Ponce de León assumiu a posição.

O adversário da decisão seria a mesma Juventus da primeira fase. No jogo de ida contra o Áustria, em-pate por 3 a 3, o árbitro brasileiro Alberto da Gama Malcher apitou um pênalti para os austríacos nos minutos finais. Os italianos perderam a cabeça e partiram para cima do juiz e do delegado da partida. Acabaram presos.

Os pivôs da polêmica, que chegou até a Itália, foram o goleiro Viola e o atacante Muccinelli. O jornal italiano Corriere dello Sport pediu a desclassificação de ambos. O El Messaggero exigiu da Federação Italiana uma punição rigorosa à equipe e aos jogadores, “se o episódio do Pacaembu teve o caráter violento descrito pelas informações da imprensa”.

Satisfeita com a repercussão internacional, A Gazeta Esportiva também atacou o time de Turim. “Não é bonito ver uma cena como aquela, especialmente por parte de um quadro que, dias antes, derrotou ampla-mente o campeão local e foi cercado de todas as simpatias. Os jogadores juventinos em dois minutos perderam toda a simpatia que conquistaram em três partidas, quando venceram e acharam que estava tudo bem”, publi-cou a edição de 14 de julho de 1951.

A lógica mandava que pelo menos uma das partidas finais fosse realizada no Pacaembu, já que o rep-resentante brasileiro que restava na Taça Rio era o Palmeiras, de São Paulo. Além disso, os “cavalheiros” de Palestra Itália já haviam aceitado disputar os dois jogos contra o Vasco no Maracanã e seriam prejudicados novamente se as duas finais fossem em solo carioca, longe da sua torcida.

Houve dois empecilhos. O primeiro, o regulamento, que previa os duelos derradeiros no Maracanã, uma vez que a expectativa da organização era que Vasco e Palmeiras decidissem o título. O segundo foi a ex-igência da Juventus em jogar no Rio de Janeiro.

O presidente do Palmeiras, Mário Frugiuelle, tentou interceder junto à CBD para que uma das partidas fosse no Pacaembu. Alegando problemas no gramado, e não querendo reviver os incidentes da semifinal contra o Áustria, os italianos recusaram.

A Federação Paulista de Futebol ficou possessa e enviou uma comissão ao Rio de Janeiro para exigir que São Paulo recebesse um dos jogos. Ameaçou até retirar o Palmeiras da competição.

Mário Pollo rebateu as insinuações paulistas de que a CBD não estava defendendo os interesses brasileiros. Lembrou que o país já teve mais representantes que as outras nações, e que o primeiro regulamento previa apenas um classificado em cada grupo, o que teria excluído o Palmeiras, segundo colocado da chave de São Paulo. Mesmo assim, Pollo tentou convencer a Juventus e fracassou.

De certa forma, os jogadores concordaram com os estrangeiros. Lima assegurou que o gramado do Maracanã, de fato, estava bem superior ao do Pacaembu, e Jair lembrou que as melhores partidas do Palmeiras na Taça Rio haviam sido no então maior estádio do mundo.

23

Page 25: Sete Vezes Campeão

“A gente queria jogar aqui, no Pacaembu, na nossa casa. Eles queriam jogar lá porque pensavam que a torcida seria contra, mas foi ao contrário. O Palmeiras tem muito torcedor no Rio, e os cariocas torceriam por um time brasileiro. Era uma questão política. Os estrangeiros vêm aqui e querem mandar? Não pode”, explica Oberdan.

Com lobby da Federação Metropolitana de Futebol, a torcida carioca comprou a causa do Palmeiras. A Gazeta Esportiva ilustrou esse apoio entrevistando o Seu Manoel, dono de um café na Lapa, no centro do Rio de Janeiro: “Diga-me cá uma coisa. Esse tal Palmeiras não usa a cor verde? Pois se usa a cor da bandeira do Brasil, das matas e dos arvoredos do Brasil, não há dúvida: eu tenho é que torcer para ele. Que diabo!”.

Enquanto isso, os italianos continuavam com seu comportamento errático. Repórteres de A Gazeta Esportiva foram ao Hotel Paisandu entrevistar os jogadores da Juventus. Talvez insatisfeitos pelas críticas por causa do incidente das semifinais, o zagueiro Bertucelli tentou agredir o jornalista Julio Gamaro e foi impedido por dois hóspedes. De O Globo, o repórter Geraldo Romualdo da Silva também esteve perto de apanhar.

Graças aos incidentes, e por terem se dirigido de forma inconveniente a uma senhora no elevador, a delegação de Turim foi expulsa do local, e se dirigiu ao Hotel Riviera. O presidente da Federação Italiana, Ot-torino Barassi alegou que a mudança foi realizada porque eles estavam mal alojados.

Antes do jogo, a Juventus foi fazer um treino no Maracanã, e tentou trabalhar sem calção e camiseta, apenas com as roupas de baixo. Após ignorar a primeira advertência, os italianos só passaram a se comportar bem quando foram ameaçados de expulsão. “Depois das suas atitudes em campo e fora dele, os jogadores ju-ventinos já são campeões...campeões da grosseria”, escreveu A Gazeta Esportiva.

24

Page 26: Sete Vezes Campeão

Os jornais não perdoaram os “arruaceiros” da Juventus após a final (Foto: Reprodução/Gazeta Esportiva)

Campeão do mundo?

Até 18 de julho de 1951, o Palmeiras havia disputado apenas quatro jogos contra equipes italianas, contando o da primeira fase contra a Juventus, e não vencera nenhum. Os primeiros amistosos, em 1929, ter-minaram empatados, apesar de o time contar com o atacante Heitor, ainda hoje o maior artilheiro da história do Palmeiras: 4 a 4 com o Bologna, e 0 a 0 com o Torino. Em 1948, o Verdão de Oberdan, Túlio, Waldemar Fiume, Lima e Canhotinho conseguiu nova igualdade com o Torino, também jogando em São Paulo: 1 a 1. A equipe entrou no gramado do Maracanã com as bandeiras do Brasil, de São Paulo e do Distrito Fed-eral, e deu a volta olímpica. O jogo teve um gol solitário de Rodrigues garantindo a vitória alviverde. De volta ao time titular, Lima fez jogada pela ponta direita e centrou na cabeça de Rodrigues, que pulou alto e venceu o goleiro Viola, responsável por evitar um placar mais desfavorável para a Juventus, embora o regulamento não previsse saldo de gols. Empate em pontos nas duas partidas levaria à prorrogação. Ao fim do confronto, Fábio Crippa dirigiu-se ao arqueiro rival e o parabenizou: “Você foi o melhor em campo”.

Os italianos colocaram a culpa da derrota nos refletores do Maracanã, já que a primeira final foi real-izada à noite. Eles estavam esperançosos para a volta, à luz do dia 22 daquele mês, mas o sol não brilhou para a Juventus. Com renda de 2,783 milhões de cruzeiros, e com cerca de 100 mil pessoas no Maracanã, segundo os jornais da época, o Palmeiras empatou por 2 a 2 e se sagrou campeão.

Ironicamente, Fábio falhou nos dois gols dos adversários. Muccinelli lançou Praest, o goleiro saiu em falso e foi vencido aos 18 minutos do primeiro tempo. Rodrigues empatou, mas a Juventus voltaria a ficar à frente no início da segunda etapa, quando Muccinelli arrematou, Fábio rebateu, e Boniperti, esperto, fez no rebote.

25

Page 27: Sete Vezes Campeão

O Palmeiras, porém, tinha Liminha. Redimindo-se dos erros, Fábio fez uma perigosa defesa e passou a bola a Luiz Villa, que a endereçou a Túlio. Liminha recebeu o passe, driblou quatro adversários, entrou na pequena área, e marcou o gol do título, aos 32 minutos.

Coerente com seu comportamento durante toda a competição, o time italiano perdeu a pose. O goleiro Viola agrediu Liminha assim que o gol foi anotado. Na saída de bola, Johan Hansen deu um soco na barriga de Salvador. Com a cabeça bem longe do jogo de bola, os estrangeiros não conseguiram reagir.

Jair foi eleito o melhor jogador do torneio. Nos vestiários, o zagueiro Juvenal encontrou com Flavio Costa, técnico da seleção brasileira na Copa de 1950. Na ocasião, ele acusou o defensor de ter falhado no gol de Gigghia. O jogador esboçou uma resistência, mas acabou aceitando o abraço do treinador.

A manchete de A Gazeta Esportiva do dia seguinte decretava: Palmeiras campeão do mundo. O jornal de 24 de julho de 1951 lembrou outros “milagres” do time naquele ano, como o título paulista, “completamente perdido a três rodadas do fim”, e a conquista do Torneio Rio-São Paulo, após estar “liquidado, 100 possibili-dades contra uma a favor, salvo um milagre”.

“Somente um clube com os recursos espirituais e internos como o Palmeiras poderia três vezes segui-das, no prazo de seis meses, realizar três gigantescas reações, cada qual mais difícil que a anterior. Quando reputamos que uma só dessas façanhas é possível somente uma vez em 20 ou 30 anos”, disse a matéria.

E o Brasil estava vingado. “Quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai, há um ano, no mesmo estádio, todos os jogadores foram crucificados. Alguns mais, alguns menos, mas todos, de um jeito ou de outro, pagaram um preço alto pela derrota. Deus me ajudou e, pouco depois, em 1951, eu tive a chance de fazer o que não consegui em 1950: ser campeão do mundo. De alguma forma, a Taça Rio foi Mundial de Clubes”, disse Jair ao dossiê preparado pelo jornalista Arnaldo Branco Filho e utilizado pela diretoria palmei-rense, já no século XXI, para tentar a oficialização do título junto à FIFA.

“A Copa Rio reuniu as maiores equipes de futebol do mundo e merece ser reconhecida como primeiro Mundial Interclubes”, corroborou Boniperti, da Juventus. “Foi, na verdade, um encontro de clubes campeões. Eram muito mais do que campeões. Cada equipe tinha no mínimo cinco ou seis jogadores de seleção. Foi, sim, o primeiro Mundial de Clubes da história do futebol”, acrescentou Yeso Amalfi.

A Gazeta Esportiva exagerou na festa de recepção da delegação alviverde em seu retorno a São Paulo. Calculou um milhão de pessoas nas festividades, e garantiu que “São Paulo inteiro esteve nas ruas, todos os torcedores paulistas, palmeirenses, sampaulinos, corintianos, lusos, ipiranguistas”.

Financeiramente, o torneio foi um sucesso. O Maracanã rendeu cerca de 15,613 milhões de cruzeiros, e o Pacaembu, em torno de 4,349 milhões. No total, foram 19,963 milhões de cruzeiros arrecadados com renda, um pouco abaixo do esperado, mas suficiente para pagar a conta e engordar os cofres.

A CBD, organizadora, ficou com 4 milhões; foram gastos 4,8 milhões com despesas; 200 mil foram cedidos às federações Paulista e Metropolitana; Palmeiras e Juventus reforçaram seus bolsos com 1,4 milhão cada; Vasco e Áustria receberam 1 milhão, e os demais clubes ficaram com 600 mil.

O título também rendeu ao Palmeiras um gentil empréstimo de 5 milhões de cruzeiros do governador Lucas Nogueira Garcez como prêmio pelo título, que resultou na famosa piscina do Palestra Itália, destino in-evitável de inúmeros chutes tortos de alguns jogadores de qualidade duvidosa da história do clube.

“Foi um gesto bastante nobre do nosso governador, que mostra estar perfeitamente integrado com a finalidade do esporte. O Palmeiras dará o destino mais de acordo com o interesse coletivo, ou seja, o desen-volvimento da educação física do clube, empregando este dinheiro na construção da piscina, empreendimento almejado por toda a família palmeirense”, disse o presidente palmeirense Frugiuelle a A Gazeta Esportiva.

26

Page 28: Sete Vezes Campeão

A Taça Rio teve outra edição, no ano seguinte. Ela seria realizada em 1953, mas foi antecipada para cele-brar os 50 anos do Fluminense. Além do tricolor carioca, participaram Peñarol (Uruguai), Sporting (Portugal) e Grasshopers (Suíça) no Rio de Janeiro; e Corinthians, Áustria, Libertad (Paraguai) e Saarbucken (Alemanha) em São Paulo.

A tão sonhada final brasileira de 1951 concretizou-se em 1952. O Flu eliminou o Áustria, e o Corinthi-ans passou pelo Peñarol. Na decisão, o Fluminense comemorou seus 50 anos com uma vitória por 2 a 1 e um empate por 2 a 2, levantando a última Taça Rio.

“Deveria ter acontecido todos os anos, mas acho que as despesas eram muito grandes. Foi gratificante, porque é difícil disputar entre clubes, que são mais entrosados. A gente tinha que lutar bastante para ganhar, era difícil. Somos campeões mundiais de clubes, lógico que sim”, encerra a discussão Oberdan Cattani.

27

Page 29: Sete Vezes Campeão

CONTRA O SANTOS, NEM O DIABO

Em pé: Lima, Zito, Dalmo, Calvet, Gilmar e Mauro; agachados: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe (Foto: Reprodução)

Contra o Santos, nem o diabo

O primeiro brasileiro a levantar a Copa Libertadores da América, que no fim do século XX se tornaria a obsessão de todos os clubes do País, nasceu em 8 de agosto de 1932, em Roseira, distrito da cidade paulista de Aparecida, no Vale do Paraíba. José Ely de Miranda, Zezito, o Zito, não gostava de perder nem a pelada no recreio da escola. Imagine uma final de Copa do Mundo.

Em 1958, Zito virou titular da Seleção Brasileira no Mundial da Suécia após substituir Dino Sani, pou-pado na terceira partida da primeira fase, contra a União Soviética. Permaneceu até a final. Estreou junto com Pelé e Garrincha, que também entraram no time naquele jogo. Quatro anos depois, na campanha do bi, no Chile, era incontestável na escalação de Aymoré Moreira e, assim como fazia no Santos, comandava os com-panheiros dentro de campo. Foi com a cabeça, de onde saíam ordens e broncas durante a carreira iniciada profissionalmente em 1951, no Taubaté, que Zito marcou o gol da virada do Brasil contra a Tchecoslováquia, na final da Copa do Mundo de 1962. Vavá fecharia o placar de 3 a 1 a favor dos bicampeões mundiais. Na Seleção e no Santos, Pelé era o craque. Mas Zito era o chefe, o Gerente, como foi apelidado pela imprensa da época.

O calendário já era cruel nos anos 1960. Menos de dois meses depois do gol mais importante de sua vida, Zito estava envolvido em outra decisão de campeonato. A Copa Libertadores da América não era tão de-sejada como atualmente, mas a edição de 1962, apenas a terceira da história da competição, ganhou importân-cia moral para o Santos pelos acontecimentos da segunda partida da decisão contra o Peñarol, do Uruguai.

Mesmo sem Pelé, ainda recuperando-se da contusão que sofreu na Copa do Chile, o clube de São Paulo venceu os uruguaios, campeões das últimas duas edições do torneio, em Montevidéu, por 2 a 1, e jogaria por um empate na Vila Belmiro.

28

Page 30: Sete Vezes Campeão

Em casa, o Santos desceu aos vestiários vencendo por 2 a 1, mas o craque dos adversários, o atacante Alberto Spencer, empatou com quatro minutos do segundo tempo e a primeira confusão começou. O goleiro Gilmar reclamou que José Sasía havia jogado areia em seus olhos no lance anterior e o jogo foi paralisado.

O próprio Sasía fez o terceiro do Peñarol e mais uma vez a partida foi interrompida para que o árbitro Carlos Robles pudesse acalmar os ânimos. Quando a bola voltou a rolar, Pagão empatou e definiu o título san-tista. Pelo menos foi isso que os jogadores pensaram na hora. Enquanto comemoravam nos vestiários, ficaram sabendo que o jogo, na verdade, havia terminado 3 a 2 para os uruguaios. Na súmula, o árbitro alegou que ha-via terminado a partida com a vitória do Peñarol, e deixou a bola correr até o Santos empatar por uma questão de segurança, apenas para amenizar a raiva da torcida.

O clube tentou protestar na Confederação Sul-Americana de Futebol, mas não conseguiu nada. Em 30 de agosto, um recuperado Pelé juntou-se aos companheiros no campo neutro do Monumental de Núñez, em Buenos Aires, para o duelo decisivo da Libertadores de 1962. Diante de 60 mil pessoas, e com a “faca nos dentes” pelo que considerou uma injustiça no jogo da Vila Belmiro, o Santos venceu por 3 a 0, com dois do Rei do Futebol. O capitão Zito levantou a Copa Libertadores da América e o Peixe garantiu vaga no Copa Inter-continental, o confronto entre os campeões da América do Sul e da Europa, considerado, à época, o Mundial de Clubes.

“Eu era um pouco mais velho e exigente também. Era a voz com a diretoria e estava sempre fazendo com que os diretores observassem os jogadores, pagassem melhor”, explica Zito, aos 80 anos. “Eu resolvia os problemas deles e com isso ganhei força. Alguém tem que comandar lá dentro (do campo), senão fica uma bagunça só. E eu exigia muito, corria muito, então com isso dava certo.”

Zito defendia e apoiava na frente. Era um dos jogadores do time que mais se desgastavam em uma partida. Segundo A Gazeta Esportiva, perdeu três quilos e meio durante o primeiro jogo do Mundial de 1962, contra o Benfica. Taticamente, era considerado pelos companheiros o sexto atacante do time, ajudando o meia Mengálvio e a linha ofensiva mais famosa da história: Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. “Além de ser um grande líder, ele jogava muito. Nós já tínhamos um ataque forte e ainda contávamos com o Zito chegando”, lembra hoje o ex-ponta esquerda Pepe, aos 77 anos.

Zito chegou ao Santos antes de Edison Arantes do Nascimento, o Pelé, e jogou no bicampeonato pau-lista de 1955/56. Campeão também em 1935, o time da cidade litorânea de São Paulo já era um dos principais do Estado, mas mudou definitivamente de patamar depois que Pelé estreou no time, em 7 de setembro de 1956, marcando um dos gols da vitória por 7 a 1 sobre o Corinthians de Santo André, em um amistoso.

Desde que o Rei do Futebol se firmou no time principal, em 1957, até sua saída, em 1974, o clube con-quistou 24 títulos de primeira importância: dez Campeonatos Paulistas, quatro Torneios Rio-São Paulo, seis Campeonatos Brasileiros (sendo cinco Taças Brasil e um Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Robertão), duas Libertadores da América e dois Mundiais Interclubes. Destaque da Seleção Brasileira na conquista de sua pri-meira Copa do Mundo, em 1958, e autor de 1.283 gols na carreira, Pelé motivava os organizadores a chamarem o Santos para excursões pela Europa no final dos anos 1950 e início dos 1960.

E os resultados eram impressionantes. Antes de enfrentar o Benfica na primeira partida do Mundial de Clubes de 1962, no Maracanã, o Santos já colecionava conquistas internacionais em diversos países. Para vencer o Torneio de Valência, derrotou a Inter de Milão por 7 a 1. Rumo ao título do Torneio Itália 1961, passou por Juventus (2 a 0), Roma (5 a 0) e novamente Internazionale (4 a 1).

Um dos resultados mais expressivos aconteceu justamente em 1962, contra o campeão argentino do ano anterior, o Racing Club, de Avellaneda: 8 a 3, com três gols de Coutinho, três de Pepe, um de Pelé e outro contra, de Cielinkski. A imprensa argentina ficou encantada. Segundo o livro Donos da Terra, os jornais estam-param manchetes como “O Santos é o próprio futebol”, “Não é possível exigir mais” e “Contra o Santos, nem o Diabo”.

29

Page 31: Sete Vezes Campeão

O Benfica sabia bem disso. Foi vítima do Santos na campanha do bicampeonato do Torneio de Paris, em 1961, quando um jovem Eusébio, então com 19 anos, fez uma de suas primeiras partidas e marcou três vezes, mas Pelé (2), Pepe (2), Coutinho e Lima definiram a goleada por 6 a 3. “Ele entrou no intervalo e apron-tou uma correria tremenda. O jogo em velocidade era o forte dele. Jogou muito bem”, lembra Lima, hoje com 70 anos e trabalhando nas categorias de base do próprio Santos.

Em Lourenço Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique, nasceu Eusébio da Silva Ferreira, que se tornaria o maior jogador da história de Portugal. Sem muita afinidade com os estudos, partiu para o futebol e aos 16 anos já era campeão nacional com o Sporting de Lourenço Marques. Em 1960, fez uma excursão às Ilhas Maurício e chamou a atenção de Porto, Sporting e Benfica, os três grandes clubes da metrópole portuguesa.

Eusébio estreou com gol na vitória por 4 a 0 dos Encarnados, como os benfiquistas são chamados, so-bre o Belenenses, em 10 de junho de 1961. Ganhou o coração da torcida e se firmou como um dos grandes do futebol mundial na decisão da Copa dos Campeões da temporada seguinte, ao marcar duas vezes no assustador Real Madrid de Ferenc Puskas e Alfredo Di Stéfano, na vitória do time português por 5 a 3.

Seu momento de maior notoriedade aconteceu em 1966, na Copa do Mundo da Inglaterra. Com nove gols, Eusébio foi o artilheiro da competição e levou Portugal ao terceiro lugar, melhor colocação na história do país. Teve propostas para jogar no Real Madrid e na Juventus, mas foi impedido pelo ditador luso Antonio de Oliveira Salazar, por ser considerado “patrimônio do Estado”.

Eusébio terminou a carreira competitiva no Benfica, em 1975, com 638 gols em 614 jogos pelo clube, 11 títulos portugueses e quatro finais de Copa dos Campeões da Europa, embora tenha conquistado apenas uma. Ainda jogou nos Estados Unidos, no México, no Canadá e na segunda divisão de Portugal. Despediu-se oficialmente em fevereiro de 1979. “Ele era o grande jogador de Portugal. Era rápido, driblava para a frente, muito forte e era goleador”, analisa Zito.

O Benfica tinha outros grandes valores. O meio-campo era comandado pelo moçambicano Coluna, um dos quatro jogadores africanos do time, ao lado de Eusébio, Costa Pereira e Santana. Liderava a parte tática dentro de campo e intimidava os adversários para “proteger os jovens”. Era o Zito de Portugal. “Era o melhor time da Europa”, conta Pepe. “O Benfica era freguês de cardeneta do Santos, ganhávamos sempre deles. Não davam pontapé. Sabiam perder.”

O técnico Fernando Riera adotou um discurso cauteloso antes da primeira partida, no Maracanã. Con-siderava o Santos o melhor time do mundo, mas confiava que o seu poderia sair com o título. A imprensa portuguesa também mantinha o otimismo, principalmente porque o segundo e o possível terceiro jogo, para o caso de um desempate, seriam no Estádio da Luz, em Lisboa.

O jornal Record foi mais longe e apelou para a superstição. Lembrou que todos os adversários venci-dos pelo Benfica na Copa dos Campeões de 1962 (Austria Vienna, Nuremberg, da Alemanha, Tottenham, da Inglaterra, e Real Madrid) vestiam branco, a mesma cor do uniforme do Santos. “A manter-se a tradição, e quem dera assim fosse, o Benfica deverá ser de novo vencedor no seu encontro contra o Santos”, escreveu. Ao publicar a notícia, produzida pela agência France Press, a A Gazeta Esportiva provocou os lusos: “O jornal não se recorda dos 6 a 3 de Paris, quando o Santos, por certo, não jogou de camisa amarela ou azul”.

O Santos vinha em grande forma no Campeonato Paulista. Líder, invicto, venceu a Ferroviária por 7 a 2 cinco dias antes da partida no Maracanã e motivou sua torcida a se interessar pela propaganda da Viação Aérea São Paulo (VASP), que oferecia um pacote com passagem de ida e volta em um avião quadrimotor e ônibus do aeroporto para o estádio e vice-versa. O ingresso de arquibancada, cadeira numerada ou sem número também estaria garantido.

Em 19 de setembro de 1962, o chileno Fernando Riera escalou o Benfica em um 4-4-2, com Cavém, Santana, Coluna e Simões no meio-campo e apenas Eusébio e José Augusto mais avançados. O esquema foi

30

Page 32: Sete Vezes Campeão

considerado “retranqueiro” por A Gazeta Esportiva e responsável por anular 70% das “infiltrações de Pelé e seus companheiros”. O jornal também atestou que o time português utilizou de jogo violento contra o Santos.

“Foi um jogo bem difícil, muito duro”, lembra Pepe. “Ele (Riera) jogou com alguma cautela defensiva, coisa que não fazia em Portugal porque a própria torcida mandava atacar. Escolhemos o Maracanã porque era um campo muito bom, grande, e a torcida nos apoiava.”

O placar da primeira partida da final do Mundial de Clubes de 1962, entre o campeão europeu Benfica e o campeão sul-americano Santos, foi alterado pela primeira vez aos 31 minutos do primeiro tempo, com um gol do craque brasileiro Pelé, que pegou o rebote de uma falta cobrada por Pepe, em um Maracanã com 85 mil torcedores pagantes.

Perdendo, o Benfica voltou para o segundo tempo com Coluna, Santana e Simões mais avançados e conseguiu o empate. O clube alvinegro perdeu a bola na intermediária para Simões, que lançou Santana em profundidade. Ele ganhou de todo mundo na corrida e tocou na saída de Gilmar.

Pepe aproveitou que o time rival recuou e acertou a trave, um prenúncio do que viria a seguir: aos 19, Coutinho marcou para o Santos em uma pintura de gol. Dominou a bola no peito dentro da área, deu um “chapéu” no marcador português e estufou a rede do goleiro reserva Rita, já que o titular Costa Pereira não pode atuar por lesão. “Foi um cruzamento, não lembro se foi do Dorval ou do Mengálvio”, descreve Lima. “E ele dominou no peito, tinha uma facilidade incrível para isso, deu um chapeuzinho bem curto e pegou a bola sem deixar cair e meteu a bola na rede.”

Aos 40, Pelé fez o terceiro, em um lance característico com Coutinho. Após três trocas de passes entre os dois, o Rei viu o companheiro driblar o arqueiro e recebeu livre para ampliar. Santana ainda descontou para 3 a 2, aproveitando lançamento de Simões e “corta-luz” de Coluna.

“Foi um jogo complicado”, avalia Lima. “Eles vieram muito fechados. Não nos preocupamos porque não jogamos mal. Eles apresentaram muitas dificuldades com essa forma de jogar. Normalmente não faziam isso. Lá a coisa ficou muito mais fácil. Vieram jogar de igual para igual.”

O jogo rendeu 21.473.791 cruzeiros, suficientes para dar entrada em cerca de 53 casas na região de Santo Amaro, em São Paulo, com dois bons dormitórios, sala, cozinha e banheiro. Cada jogador recebeu 200 mil cruzeiros de premiação, aproximadamente, na época, 8,6 salários de um assistente técnico de máquina de escrever.

31

Page 33: Sete Vezes Campeão

O Santos enfrentou o Benfica, responsável por encerrar a hegemonia do Real Madrid na Europa (Foto: Reprodução)

A discussão, a alteração e a aposta

Antes de viajar para Portugual e encarar a segunda partida do Mundial contra o Benfica, o Santos per-deu sua invencibilidade no Campeonato Paulista. A nona colocada Portuguesa conseguiu transformar uma derrota parcial por 2 a 0 em vitória por 3 a 2 no Pacaembu e estremeceu o bom ambiente do campeão sul-americano.

O resultado negativo fez com que Pelé e Dorval discutissem após a partida, apesar de serem colegas de quarto. “Tinha discussão, mas dentro do normal, nada que deixasse algum jogador com mais raiva”, garante Zito. Pepe não se lembra dessa briga específica, mas acredita que ela aconteceu, pois o Rei do Futebol era muito exigente com os companheiros. “Ele queria que fizéssemos o que ele fazia, então confesso que não era fácil. Pelé deve ter dado uma bronca no Dorval e ele respondeu, mas coisa passageira. São amigos até hoje”, diz. A Gazeta Esportiva analisou que os defensores Mauro e Calvet estavam “lentos”, Pelé ficou “isolado”, Zito “nunca jogou tão mal” e Dorval “fez o certo, mas concluiu errado”. O único que se salvou foi Lima, na lateral direita. “Às vezes, com 100 mil pessoas no estádio, não tem como falar ‘querido, você poderia ter dado um passe melhor’”, explica Lima. “Não foi uma discussão. Era a forma de cobrar e isso sempre existiu dentro do Santos. Acontecia sempre. Aconteceu contra o Benfica no Maracanã, na final. O objetivo era era apenas um: ganhar.” A delegação brasileira viajou para Lisboa um dia depois da partida, com 17 jogadores, a comissão téc-nica, o presidente Athiê Jorge Cury, os diretores Modesto Roma e Vasco Faé e outros dirigentes. O prefeito de Santos, José Gomes, foi como presidente de honra. Antes do embarque, Pelé culpou o meio-campo pela derrota para a Portuguesa. O capitão Zito afirmou que o Santos é “um grande time”, mas não é invencível. Os clubes brasileiros levavam repórteres em suas excursões e desta vez não foi diferente. Profissionais de A Gazeta Esportiva, A Tribuna, O Globo e Última Hora acompanharam os jogadores. Como a televisão ainda não estava tão popularizada no Brasil, os jogos de futebol eram acompanhados majoritariamente pelo rádio. A Panamericana, atual Jovem Pan, enviou o narrador Fiori Giglioti e o comentarista Leônidas da Silva, ex-jogador do São Paulo e artilheiro da Copa do Mundo de 1938. A Bandeirantes designou a dupla Pedro Luiz e Mário Moraes para a cobertura da partida.

32

Page 34: Sete Vezes Campeão

O presidente João Goulart até autorizou que o programa radiofônico obrigatório A Voz do Brasil não fosse veiculado, para que a partida pudesse ser transmitida. Criado em 25 de julho de 1936 pelo ex-presidente Getúlio Vargas com o nome de Programa Nacional, em 1962 o noticiário oficial do governo executivo passou a ter informações do Senado e da Câmara dos Deputados e adotou o nome que tem até os dias atuais. Como ia ao ar entre as 17 e as 20 horas, atrapalharia a cobertura da final.

O dia da decisão também foi marcado pelo segundo Coincílio Vaticano, o primeiro em 92 anos. Com a presença de 2.500 bispos, a Igreja Católica discutiu formas de modernizar suas estruturas. Acabou com as missas em latim, por exemplo.

Três dias depois, começou a crise dos mísseis entre Estados Unidos e União Soviética, o momento mais tenso da Guerra Fria. Ao descobrir que os americanos haviam instalado mísseis na Turquia, os socialistas re-sponderam na mesma moeda, colocando torpedos nucleares em Cuba, a cerca de 300 quilômetros de Miami. Foram 13 dias de medo até os dois países decidirem abaixar as armas.

Na capital portuguesa, o Santos ficou no Hotel Príncipe. Uma barraquinha à frente do estabelecimento já vendia ingressos para a terceira partida, que aconteceria apenas se o Benfica vencesse o jogo de 11 de outu-bro. Assim como na edição anterior, o terceiro duelo não estava previsto para um campo neutro. Em 1961, o próprio time português aceitou que a partida de desempate contra o Peñarol fosse disputada em Montevidéu.

Precavido, o Benfica pediu à Confederação Brasileira de Desportos que enviasse um telegrama à UEFA reforçando o requerimento para adiar um duelo pela Taça de Portugal, contra o Lusitano de Évora ou o Por-talegrense, marcado para o dia 14, data da partida decisiva, se ela fosse necessária.

A barraca estava a cerca de 50 metros do hotel, na avaliação de Lima. O curinga ficou curioso e foi bus-car mais informações com a mulher que cuidava da banca. Ouviu que os ingressos eram de fato para o terceiro jogo, que até então ele ainda achava que seria na França, e respondeu: “Escuta, para fazer esse terceiro jogo vocês precisam ganhar da gente”. E ela falou: “Mas o Benfica nunca perdeu no Estádio da Luz”. “Brinquei que para tudo tem uma primeira vez”, conta Lima.

O porteiro do hotel ouviu a conversa e decidiu apostar com Lima. O Santos levava pacotes de café, “pouco menos de meio quilo”, para entregar aos adversários. Em caso de vitória portuguesa, o funcionário ganharia dois sacos. Se o time brasileiro vencesse, o jogador ganharia duas garrafas de vinho. “Depois do jogo, quando chegamos ao hotel, ele veio pagar o que devia”, afirma.

Pepe compreende a decisão de vender os ingressos antecipadamente, mas conta que o técnico Lula uti-lizou esse fato para motivar os jogadores do Santos. “Foi uma injeção de ânimo. Talvez tenha sido uma dose de otimismo exagerada”, pondera, sobre a atitude dos portugueses.

O Estádio da Luz, com capacidade para 85 mil torcedores e inaugurado no primeiro dia de dezembro de 1954, estaria lotado. Os ingressos normais se esgotaram em 25 de setembro. A partir dessa data, apenas só-cios do Benfica poderiam comprar. Segundo a agência France Press, mais de 200 novas propostas de sociedade foram enviadas à secretaria do clube, que precisou aumentar seu expediente para lidar com a demanda. O técnico Lula tinha um dilema para resolver. Em 26 de agosto, o meia Mengálvio machucou o torno-zelo no empate por 1 a 1 com o Guarani, em Campinas, e ficou seis jogos afastado. Voltou contra a Portuguesa e admitiu não ter jogado bem.

A primeira opção era colocar Ismael na lateral direita e deslocar Lima para o meio. Ismael, de 24 anos, começou bem no Santos, com atuações convincentes contra Corinthians e Noroeste, mas contraiu uma lesão na coxa contra o Comercial e ficou no Brasil fazendo tratamento.

33

Page 35: Sete Vezes Campeão

A solução foi promover o veterano Olavo, de 34 anos e com uma história rica atrelada ao rival Corin- A solução foi promover o veterano Olavo, de 34 anos e com uma história rica atrelada ao rival Corinthians. Em 1952, veio da Portuguesa Santista para disputar a Copa Rio. Virou capitão do time do Parque São Jorge seis anos depois, com a saída do artilheiro Cláudio. No total, fez 514 jogos e marcou 17 gols. Acabou negociado com o Santos em 1961.

“Foi um negócio incrível”, lembra Lima. “Aqui no Brasil, eu joguei de lateral direito marcando o Simões. O Mengálvio e o Zito fizeram o meio-de-campo, mas lá em Lisboa ninguém sabia qual era o time que ia jogar. Houve um treinamento e nós treinamos comigo na meia-direita e o Olavo jogando de lateral. Em um determi-nando momento eu achei que estivesse fora. Na preleção, ele (Lula) deu a escalação e aí é que nós percebemos que o Mengálvio estava fora. Foi mais uma opção tática. Ele quis surpreender e conseguiu.”

Outra dúvida era em relação a Coutinho, que não jogou contra a Portuguesa, mas mostrou boas condições físicas nos treinamentos. Riera fez duas alterações no Benfica: o goleiro Costa Pereira voltou na vaga de Rita e Jacinto ocupou a lateral direita no lugar de Ângelo.

Enquanto A Gazeta Esportiva alertava que “tem gente, talvez tão interessada quanto os próprios portu-gueses não em ver o Santos, e sim o futebol brasileiro perder a Taça Intercontinental”, sem especificar quem, o jornal A Bola, de Portugal, comemorava o inusitado fato de que o campeão “falaria português”.

34

Page 36: Sete Vezes Campeão

Pelé não recebeu marcação individual e fez grande partida contra o Benfica (Foto: Reprodução)

O técnico que não quis marcar Pelé

Fernando Riera era conhecido dos portugueses quando assumiu o Benfica no lugar de Bela Guttmann, duas vezes campeão da Europa. O clube luso não conseguiu renovar o contrato de Guttmann, que teria pedido um salário fora da realidade, e apostou no chileno que havia treinado o Belenenses entre 1954 e 1957, e estava credenciado por ter levado o Chile ao terceiro lugar no Mundial de 1962, em casa.

O Chile sediou o sétimo mundial da história por causa da insistência do ex-presidente da Conmebol Carlos Dittborn, nascido no Rio de Janeiro, filho do cônsul-geral chileno no Brasil, Eugênio Dittborn. Na con-venção da Fifa em 1954, convenceu os principais dirigentes de que o país conseguiria sediar o evento com o argumento “porque nada temos, faremos tudo”.

Em 1960, foi registrado na região de Valdivia o maior terremoto comprovado cientificamente. Foram 9,5 pontos na Escala Richter, que vai até 10. Dois anos antes, em Las Melosas, outro forte terremoto, de 7,3, já havia avariado cidades que receberiam os jogos e atrasado obras. Dittborn precisou do apoio financeiro da Fifa e das outras federações para manter a Copa do Mundo no Chile.

Com a ajuda do mexicano Emilio Azcarga, conseguiu importar toda a infraestrutura necessária para realizar a transmissão televisiva e assim amenizou uma das principais preocupações da FIFA. Reformou o Estádio Nacional, principal palco do torneio, reconstruiu o estádio Sausalito, em Viña Del Mar, e levantou, no norte do país, o estádio de Arica, que acabou levando seu nome. Em parceria com a iniciativa privada, fez um estádio em Rancagua, para 25 mil pessoas.

Infelizmente, Dittborn não conseguiu assistir à rodada inaugural, em 30 de maio, pois morreu 32 dias antes por causa de uma pancreatite. Além de batizar o estádio de Arica, ganhou um torneio com seu nome, disputado entre 1962 e 1976 pelas seleções do Chile e da Argentina, que venceu oito das nove edições.

35

Page 37: Sete Vezes Campeão

Sob o comando de Riera, o Chile venceu a estreia contra a Suíça por 3 a 1. Levou 51.800 pessoas ao Estádio Nacional e ganhou da bicampeã mundial Itália por 2 a 0.

Perdeu da Alemanha na última rodada da fase de grupos, por 2 a 0, mas já estava classificado. Nas quartas de final, viu o goleiro Lev Yashin fechar o gol antes de fazer 2 a 1 na União Soviética e avançar à próx-ima fase.

A semifinal seria mais difícil, contra o Brasil de Garrincha, Amarildo e Vavá. Neste jogo, Garrincha marcou os dois primeiros gols do campeão mundial de 1958, mas, irritado com a marcação de Rojas, acabou expulso pelo árbitro peruano Yamamura. Pouco antes do intervalo, o meia direita Toro descontou para 2 a 1. Vavá voltou do vestiário marcando o terceiro gol da Seleção Brasileira. Sanchez deu esperanças ao Chile, mas o Peito de Aço definiu: 4 a 2. Na disputa do terceiro lugar, o time de Riera venceu a Iugoslávia, com um gol solitário de Rojas, no final do segundo tempo.

“O Riera foi o melhor técnico que eu tive. Disse: ‘Vou marcar Pelé por quê? Cem mil pessoas vêm aqui para ver o Pelé’. E ainda tinha Pepe, Zito, Coutinho, Dorval. O Santos era extraordinário”, lembra o lateral di-reito Fernando Cruz, de acordo com o livro Donos da Terra. “O Benfica não marcava individualmente, mas isso custou caro para eles. Acho que ele se preocupou em jogar. Muitas vezes, Pelé tinha dificuldades, e abria o jogo no Dorval, no Pepe, no Coutinho. Tínhamos a solução para tudo”, assegura Pepe.

Riera deveria ter marcado Pelé. Um pulsante Estádio da Luz, lotado de benfiquistas, teve apenas 17 minutos de esperança. O camisa 10 do Santos e da Seleção Brasileira apareceu na segunda trave de Costa Pereira com a perna esticada para completar um chute cruzado de Pepe, que passou batido pelo goleiro.

O Benfica tentou, mas não conseguiu impedir o segundo gol. Cavém sofreu um drible de corpo, o zagueiro Humberto foi iludido e o defensor Raul ficou para trás. Pelé bateu cruzado com a perna esquerda e tirou do arqueiro.

No segundo tempo, o artilheiro virou garçom. Mauro desarmou o ponta Simões e passou para Lima, que deu a Pelé. O trajeto foi parecido: drible em Cavém, em Humberto e, desta vez, uma meia-lua em Fernando Cruz. O centro rasteiro encontrou Coutinho livre para ampliar.

Aos 19 minutos, Pelé arrancou com a bola dominada, deu mais um baile em Humberto, e também em Raul, e finalizou com a canhota. Costa Pereira deu rebote e Pelé marcou na segunda tentativa. “Você poderia colocar três para parar o Negão naquela noite que ninguém conseguiria”, comenta Lima. “Ele estava em uma noite iluminadíssima. Ele acha que foi a maior partida que fez na carreira.”

O bom goleiro do time português falhou mais uma vez, por causa do gramado molhado. Escorregou e permitiu que Pepe fizesse 5 a 0. “Eu fiz uma tabela com o Coutinho e ele me devolveu com muita força. A bola ganhou muita velocidade e eu não a alcançaria. O Costa Pereira saiu do gol e caiu atravessado no chão, segurando a bola, mas como o campo estava escorregadio ele foi para fora da área, sem a bola. Fiquei mais ou menos na marca do pênalti, sem goleiro, e com o gol vazio. Quase devolvi a bola para ele. Foi o gol mais feio da minha carreira”, brinca Pepe. O Benfica não desistiu e depois dos 40 minutos do segundo tempo fez dois gols: primeiro com Eusébio, em rápido contra-ataque iniciado por Costa Pereira, e depois com Simões, que chutou após drible em Olavo.

Inapeláveis 5 a 2. O Santos aproveitou o embalo do segundo título mundial da Seleção Brasileira para ser campeão. Sete jogadores santistas estiveram no Chile: Gilmar, Mauro, Zito, Pelé, Mengálvio, Coutinho e Pepe. Do outro lado, o Benfica contava com a base do time de Portugal que seria terceiro colocado na Copa do Mundo da Inglaterra, em 1966, sob o comando do técnico brasileiro Otto Glória: o goleiro Costa Pereira, o meia Coluna, os pontas José Augusto e Simões e o atacante Eusébio. “Quando eu saí do Juventus para vir ao Santos, fiquei feliz em ser campeão paulista. De repente, sou campeão sul-americano e mundial. Foi uma mu-dança radical, muito grande”, comemora Lima.

35 36

Page 38: Sete Vezes Campeão

A imprensa europeia reverenciou o clube brasileiro, que foi um “escândalo”, segundo a France Press, e um “infalível campeão”, de acordo com A Bola. A Gazeta Esportiva publicou que “não há, nem pode haver melhor” e a France Football encerrou a discussão: “O Brasil tem também o melhor clube do mundo”

37

Page 39: Sete Vezes Campeão

Amarildo nega ter desrespeitado Pelé depois do primeiro jogo da final (Foto: Acervo Santista)

Amarildo: Pelé sono io!

Em sua segunda final de Mundial de Clubes, em 1963, o Santos poderia enfrentar o Benfica novamente, mas o brasileiro José João Altafini, o Mazzola, marcou duas vezes no Estádio de Wembley, em Londres, asse-gurando a virada para 2 a 1 e o título para o Milan, da Itália.

O clube rubro-negro de Milão havia reforçado seu patamar de grande italiano com quato títulos nacio-nais na década de 1950, chegando a um total de oito com o de 1961/62.

O Milan foi convidado a disputar a Taça Rio de 1951, mas recusou por questões contratuais de seus três principais jogadores, os suecos Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm, que formavam o famoso trio Gre-No-Li. A Copa dos Campeões da Europa conquistada na capital britânica resultou na primeira oportuni-dade de ampliar seu domínio regional para outros continentes.

O elenco era extremamente qualificado. A defesa tinha como líder Cesare Maldini, capitão e zagueiro de muita técnica nascido em 1932. Jogou no Milan de 1954 a 1966 e encerrou a carreira no Torino. Como trei-nador, participou de duas Copas do Mundo, em 1998, com a Itália, e quatro anos depois com o Paraguai.

Outro jogador daquele time que se tornou técnico foi o médio Giovanni Trapattoni, responsável por marcar Pelé em dois duelos anteriores ao Mundial. Em 12 de maio de 1963, ele anulou o camisa 10 na vitória da Itália por 3 a 0 sobre um Brasil com mais sete santistas: Gilmar, Lima, Mengálvio, Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Quarenta dias depois, o Milan bateu o Santos por 4 a 0, com Trapattoni mais uma vez se destacando na defesa. Com a prancheta na mão, dirigiu times como o próprio Milan, a Juventus, a Inter de Milão, o Bayern de Munique, da Alemanha, e a Seleção Italiana.

37 38

Page 40: Sete Vezes Campeão

O sucesso com o trio de suecos na década anterior legitimou mais uma aposta em estrangeiros, dessa vez naturais do país bicampeão mundial, o Brasil – no fim dos anos 1980, o Milan repetiria a estratégia e teria um de seus períodos de maior sucesso, dessa vez com holandeses: Marco Van Basten, Ruud Gullit e Frank Ri-jkaard. Revelado pelo Palmeiras, Dino Sani chegou a ser titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958, mas perdeu a posição para o santista Zito a partir da vitória por 2 a 0 sobre a União Soviética. Em clubes, destacou-se no São Paulo e foi para a Itália depois de passar pelo Boca Juniors, da Argentina. Encerraria, ainda, a carreira no Corinthians. Por contusão, não atuou contra o Santos.

José Altafini ganhou o apelido de Mazzola por sua semelhança física com o italiano Valentino Mazzola, capitão e melhor jogador do Torino, que foi pentacampeão italiano na década de 1940, e morreu aos 30 anos em um acidente de avião que também matou seus companheiros.

O brasileiro aterrissou na Suécia com uma carreira de sucesso no Palmeiras e uma transferência con-cretizada para o Milan. Na Copa de 1958, havia sido titular nos dois primeiros jogos da fase de grupos e nas quartas de final, mas a comissão técnica diagnosticou que sua concentração estava comprometida pelo novo contrato e preferiu utilizar Vavá a partir da semifinal. Impossível saber se Mazzola faria o mesmo, mas o ata-cante do Vasco marcou contra a França, duas vezes na final diante da Suécia e deu uma contribuição decisiva ao primeiro título mundial da Seleção Brasileira.

Por fim, Amarildo, o Possesso. O meia-esquerda é até hoje o 11° maior artilheiro da história do Bota-fogo e foi incumbido da ingrata missão de substituir Pelé no Mundial do Chile, em 1962, após a distensão muscular que tirou o Rei de ação logo no segundo jogo, contra a Tchecoslováquia.

Amarildo mostrou suas credenciais imediatamente, com dois gols diante da Espanha, e nas partidas restantes foi um coajuvante de luxo de um iluminado Garrinha. Também deixou sua marca na decisão contra os tchecos. “Estou orgulhoso de ter sido o substituto de Pelé. Foi um grandíssimo jogador, o melhor de todos, ele e o Garrincha. Depois do jogo contra a Espanha, foi o primeiro a me cumprimentar. Eu estava tomando banho e ele entrou debaixo do chuveiro para me abraçar. Isso foi uma demonstração da amizade que havia entre nós”, afirma o hoje aposentado Amarilso, que tentou carreira como técnico – chegou a comandar o América, do Rio de Janeiro – e desde setembro de 2011 luta contra um câncer na garganta.

Na noite de 16 de outubro de 1963, data do início do Mundial de Clubes daquele ano, Amarildo estava em estado de graça. No quarto minuto de jogo, viu o compatriota Mazzola cruzar para Trapattoni abrir o placar com um chute de muita força, e ampliou, de cabeça, aos 15. O Santos chegou com um pesado arremate de Pepe, mas Ghezzi fez a defesa.

Sumido até então, mais uma vez apagado pela marcação de Trapattoni, Pelé conseguiu escapar e marcar um belo gol. Arrancou em velocidade, passou pelo seu principal perseguidor, depois pelo atacante Giovanni Lodetti, e colocou a bola no canto direito de Ghezzi.

Amarildo não se assustou. Dominou uma virada de jogo de Rivera e finalizou com categoria para am-pliar o placar. Aos 37 minutos da etapa final, definiu a vitória milanesa com um cruzamento, completado por Bruno Mora. Pelé diminuiu, de pênalti, para 4 a 2.

“Ganhamos até com certa facilidade. Ele (Pelé) foi muito bem marcado, mas não foi só por isso. Nós fomos muito superiores ao Santos”, avalia Amarildo. O santista Pepe recorda: “O Milan tinha uma marcação muito forte, com líbero (Trapattoni) e homem a homem. Fomos jogar na Itália muitas vezes e tínhamos dificul-dades, mas sabíamos que o segundo e o terceiro jogos seriam aqui no Brasil”.

Apesar das reclamações do Santos – de um pênalti em Pepe e de um gol de Coutinho mal anulado -, a imprensa italiana ficou em festa. “O Milan jogou magnificamente à italiana”, escreveu o Tuttosport.

39

Page 41: Sete Vezes Campeão

A Gazzetta dello Sport colocou o clube entre “os maiores quadros de futebol do mundo”. O Corrierre della Sera afirmou que os campeões europeus deram “uma verdadeira lição de futebol aos adversários”.

Os jogadores brasileiros ficaram incomodados com as declarações otimistas dos italianos e com a festa dos jornais, mas nada chegou perto da reação à suposta declaração de Amarildo ao semanário Supersports, da Itáia. Com a manchete “Amarildo: Pelé sono io!”, a matéria informou que o ex-jogador do Botafogo havia dito que “Pelé já era”.

“Eu seria incapaz, não sou ignorante de fazer uma afirmação daquelas. Foi uma fantasia do jornalista e do jornal para vender. Eu não dei nenhuma declaração de nenhuma espécie. Sou um grande fã de Pelé, sempre fomos amigos”, defende-se Amarildo, quase 50 anos depois.

Amarildo diz que tentou procurar o jornalista para exigir uma retratação, mas não conseguiu. “Não deixaram. Eu queria que ele desmentisse aquilo. Se não tivesse nada a esconder, falaria comigo. Ele se negou a me encontrar, e o próprio jornal dava desculpa, dizendo que ele tinha entrado em férias, que não estava mais no jornal”, conta.

“Amarildo era amigo nosso. Jogou conosco na Seleção, mas o apelido dele era papagaio. O que ele fa-lava entrava por um ouvido e saía pelo outro”, brinca Pepe. Zito não acredita que o adversário tenha dado essa declaração. “Ele era um menino, mas não falava isso”, comenta.

Lima ficou bravo com Amarildo e lembra que o brasileiro tentou jogar a torcida italiana contra o Santos no jogo de Milão. “Ele ficava encenando, não podia encostar nele que ele se jogava, fazia encenações. Buscou uma situação e depois não soube como sair dela. Não precisava jogar a torcida contra a gente. O Pelé foi o maior jogador de todos os tempos, e o Amarildo? Acredito que 99% das pessoas vão achar tudo que ele falou ridículo”, aponta.

“Eu não era jogador de me sentir superior. Eu era Amarildo, o Possesso, e basta. O Pelé é o Pelé. O Garrincha é o Garrincha. Dois mestres, dois jogadores que para mim foram os melhores de todos os tempos”, encerra Amarildo.

40

Page 42: Sete Vezes Campeão

Almir Pernambuquinho ficou irritado com as declarações de Amarildo (Foto: Gazeta Press)

O outro Possesso

“Amarildo para mim parecia um mercenário. Estava seduzido pelas liras italianas a tal ponto que agre-dia Pelé sem razão”, escreveu Almir Pernambuquinho, o substituto de Pelé no segundo e no terceiro jogos, em seu livro Eu e o Futebol, publicado pela revista Placar em 1973. “Em entrevistas à imprensa italiana, ele cansou de repetir que o Milan faturaria o título fácil. Um jogador fazer isso é normal, faz parte da guerra de nervos, mas ele não ficou só nisso. Disse também que Pelé já era, que não era mais o Rei. Eu fiquei com raiva dele não apenas porque se tratava de um brasileiro que falava mal de Pelé. Como jogador, cara que conhece futebol, Amarildo não podia ignorar que Pelé, ainda hoje, é o maior jogador de futebol do mundo. Com uma bolinha na nuca, entrei em campo como um miúra, um touro bravo daqueles que vi na Espanha. Tomei uma resolução: logo de cara vou acertar Amarildo.”

Pela segunda vez em pouco mais de um ano, um técnico precisava lidar com um problema que não tinha solução: substituir Pelé. Obviamente, Lula não poderia fazer o mesmo que Aymoré Moreira na Seleção e lançar Amarildo, que estava a serviço do Milan. Então, utilizou Almir Pernambuquinho no lugar do Rei, que dias antes sofrera nova distensão no empate por 1 a 1 com o Juventus, no Pacaembu, pelo Campeonato Pau-lista.

De temperamento explosivo, Almir começou a carreira em 1956 no Sport Recife, e passou por Vasco, Corinthians, Boca Juniors, da Argentina, e Genoa, da Itália, antes de chegar ao Santos em 1963. Abandonou a profissão em 1968, após passar por Flamengo e América-RJ, e foi assassinado cinco anos depois em uma briga de bar em Copacabana, no Rio de Janeiro.

Sem papas na língua, ou na caneta, Almir também escreveu na sua autobiografia que tomou anfetamina nos vestiários do Maracanã antes de encarar o segundo jogo contra o Milan. A “bolinha” teria sido oferecida pelo assistente técnico Alfredinho e imediatamente aceita, pois aquilo era “normal” e uma vitória renderia ao elenco um bicho de dois mil cruzeiros por cabeça, suficiente para comprar um carro Volskwagen “zerinho”.

“Por que eu não ia querer? Nós entramos em campo vendo o automóvel ao alcance da mão. Do outro lado, estavam os caras que poderiam impedir isso. Era preciso, então, fazer tudo, se matar em campo para não deixar que faturassem o bicho Depois que Alfredinho me deu a ‘bola’, fiquei doido. Eu estava substituindo Pelé

41

Page 43: Sete Vezes Campeão

e precisava dar tudo de mim. O Santos tinha um timaço, mas estávamos sem duas peças principais: Zito, que foi substituído por Lima, e Pelé. Peguei a camisa dez mais famosa do mundo e fiz uma promessa: vou jogar por mim e pelo negão”, contou.

Pepe não sabe dizer se Almir realmente tomou a anfetamina, mas lembra que na época não existia exame antidoping e o seu companheiro estava pressionado pela responsabilidade de substituir Pelé. Ele garante que o resto do elenco do Santos não utilizava o reforço químico. “Se ele tomou, foi por conta própria. Não con-cordo com qualquer tipo de indisciplina, mas, valendo título mundial, um cara com o temperamento do Almir era capaz de qualquer coisa”, avalia Pepe.

Lima argumenta que o Santos tinha excelentes preparadores físicos e não precisava de estímulo para jogar futebol. “É horrível e ridículo ficar batendo nessa tecla. Almir falou que ele sempre jogou dessa forma. Se tomou alguma coisa ou não é um problema dele, não nosso”, explica.

Com autoridade moral sobre o time, Zito sempre tentava dissuadir os companheiros de usar doping. “Aquilo fazia mal. Não sei se ele tomou ou não. Com a força que tinha, raivoso, dá a impressão que tomou an-fetamina, mas não sei. Eu procurava tirar da cabeça do jogador de usar aquilo”, lembra.

Cerca de 150 mil pessoas no total, das quais 132.728 mil pagantes, abarrotaram o Maracanã naquele 14 de novembro. Boa parte vaiou quando Amarildo entrou em campo. Um sentimento estranho para o jogador que naquele mesmo estádio tantos gols marcou pelo Botafogo.

“Eu compreendi o seguinte: era como se eu estivesse jogando em uma seleção estrangeira contra o Bra-sil. Eles não podiam imaginar que, depois de ganhar uma Copa do Mundo pelo Brasil, eu pudesse disputar um Mundial de Clubes contra o Santos. A vaia foi mais uma decepção de me ver jogando por outro clube, contra brasileiros. Isso foi pelo carinho que tinham comigo, amor que tinham comigo. Eu cumpri minha obrigação, meu dever de jogar, porque era um jogo de campeonato, não era uma seleção”, explica Amarildo.

Segundo o livro Na Raça – Como o Santos se Tornou o Primeiro Bicampeão Mundial, Amarildo foi ao centro do gramado para cumprimentar os craques do Santos, mas não foi bem recebido. O goleiro Gilmar deu-lhe as costas, Mengálvio soltou um “italiano” em tom pejorativo e Mauro Ramos desviou o olhar. “Não teve nada disso. Foi outra invenção. Tudo uma falsidade, uma mentira, que eu posso confirmar, mesmo na presença de todo o grupo do Santos”, explica Amarildo.

O árbitro argentino Juan Brozzi apitou o início da partida e Amarildo recebeu a bola. Deslocou-se à esquerda para se aproximar da linha de fundo e fazer uma jogada característica, buscando o cruzamento ou um chute direto ao gol. Almir foi atrás e deu uma pancada no tornozelo do adversário.

Em sua biografia, Almir escreveu: “Logo que entrei em campo, mirei o Amarildo e disse comigo que desta vez ele não escapava. Eu ia dar por mim e pelo Pelé, que nem sabia da minha intenção. O cara que fala mal de Pelé tem de receber o troco na hora. O tempo estava meio chuvoso, não caía tanta água como no primeiro jogo, mas isso afastou um pouco o público. Com um minuto de jogo, Amarildo pegou a bola e fez uma jogada que executava no Maracanã desde os tempos de Botafogo. Eu tinha sido advertido para isso, manjei bem o estilo dele. Ele descambou para a esquerda e procurou se aproximar da linha de fundo, por fora da área. O danado tinha bom domínio de bola, driblava bem, chutava como gente grande. Vinha saçaricando, queria im-pressionar o público, estava naquela de mostrar que era o Possesso, apelido que ganhou na Copa do Mundo de 1962. Mas o possesso ali era eu. Falei: ‘deixa esse filho da mãe comigo’. Foi um toco só. Ele caiu se contorcendo de dor, mas acho que fez cena demais. Depois disso, o cacete comeu firme dentro de campo”. Amarildo acha que o substituto de Pelé estava com carta branca para fazer o que quisesse naquela noite. O próprio Almir confirmou em seu livro que ouviu do vice-presidente Nicolau Moran que o árbitro estava comprado e não o expulsaria, independente do que fizesse.

41 42

Page 44: Sete Vezes Campeão

“Ele fez porque estava autorizado a fazer”, reclama Amarildo. “Mesmo se eu tivesse feito a declaração, aquilo ali foi uma ação que ele tinha que ser expulso. Foi uma coisa premeditada. Isso faz crer que o juiz já estava autorizado a deixar o comportamento livre para o Santos. Iniciando o jogo, me passaram a bola e a pri-meira coisa que Almir fez foi me dar uma cabeçada e uma joelhada. O juiz não tomou nenhuma atitude. Valia tudo para o Santos e para nós nada.”

43

Page 45: Sete Vezes Campeão

Maldini acerta a cabeça de Almir na jogada que decidiu a final de 1963 (Foto: Reprodução)

Jogador de chuva

Os jogadores do Santos voltaram para os vestiários do Maracanã com a cabeça inchada. Sofreram dois gols do Milan e precisavam virar o jogo para manter vivas as chances do título mundial. Aos 14 minutos do primeiro tempo, Amarildo havia alcançado, finalmente, a linha de fundo e cruzado para Mazzola, que ganhou de Haroldo pelo alto e cabeceou no canto direito de Gilmar, fixo na meta. O segundo gol veio em lançamento de Cesare Maldini para Mora, entre Haroldo e Mauro. O ponta tocou na saída do goleiro para ampliar.

Almir contou que, ao chegarem no vestiário, um repórter de um jornal do Rio de Janeiro disse-lhes que havia uma mesa de 20 metros nas acomodações do Milan, com todo o tipo de bebida e comida. A festa do título mundial já estava preparada. “Foi a melhor preleção que ouvi na minha vida. Se você olhasse no rosto de cada jogador, notaria a ansiedade para voltar a campo. Acho que nem ficamos cinco minutos no vestário. Voltamos a campo e começou a chover. Tomamos uns dez minutos de chuva esperando os italianos”, recordou.

Lima lembra bem desse momento e também considera a notícia do profissional do Jornal dos Sports como a maior preleção da sua vida. “Eles tinham uma mesa de mais ou menos quatro ou cinco metros, com comida e bebida, só esperando para comemorar. Estava 2 a 0 para eles, maravilhoso, mas não poderiam es-quecer que havia uma grande equipe do outro lado. Não houve respeito”, reclama.

Amarildo, mais uma vez, nega. Indignado, disse que a festa, em caso de vitória, seria no hotel e não no vestiário. No máximo, os jogadores trocariam abraços e abririam uma garrafa de espumante. “Banquete? Isso é uma coisa realmente abusada, mentirosa, que jamais passou pela nossa cabeça. A cultura dos europeus é dife-rente da nossa aqui no Brasil. Talvez se fosse ao contrário eu poderia acreditar, que o Santos tinha preparado isso no terceiro jogo, mas o Milan absolutamente nada”, assegura.

Pepe recorda que Almir era um dos mais vibrantes no vestiário e que Lula deu uma preleção rápida, de uns cinco minutos, na base do “vamos lá, com força, entusiasmo”. “Se era outro time, sem a nossa raça e vibra-ção, levava um saco de gols, mas o Santos tinha força, time e o meu chute, que poderia resolver”, constata.

O fato é que o Santos voltou diferente. Logo na saída de bola, Almir acertou a trave. Falta na entrada da

43 44

Page 46: Sete Vezes Campeão

área em cima de Coutinho. Pepe cobrou com muita força, rasteiro, e acertou o canto direito de Ghezzi, diminu-indo o placar para 2 a 1. Outra infração, Dalmo levantou na boca do gol para Almir e Mengálvio brigarem pela bola. O meia diz que o gol foi dele, mas o árbitro assinalou para o Pernambuquinho.

O jogo estava empatado, e o gramado encharcado. O Santos chegava bastante em faltas, mas também conseguiu balançar as redes com bola rolando. Lima recebeu lançamento de Mengálvio e chutou de fora da área. Ghezzi não se mexeu, viu a bola entrar e foi bastante criticado pelo capitão Cesare Maldini.

Mais uma falta, mais um gol de Pepe. Aos 22 minutos, ele acertou um petardo que furou a barreira, en-tre Maldini e David, e entrou. “O Pepe era um jogador de chuva”, brinca Zito. O ex-ponta-esquerda concorda: por ter muita velocidade, ajeitar bem a bola e ter um dos arremates mais fortes da história do futebol, Pepe gostava de atuar em gramados molhados. Mas naquele dia ele quase não jogou no Maracanã.

No dia da partida, Pepe conversou com Dalmo e ficou sabendo que Lula havia dado a primeira preleção para os jogadores que entrariam em campo com Batista na ponta-esquerda, pois o ex-atleta do Noroeste era mais defensivo, e o treinador estava com medo da força do Milan. “Porra, sou titular há anos e na hora do va-mos ver ele vai me tirar para colocar um jogador absolutamente comum? Se era outro jogador, pensaria ‘dane-se’, vou ficar ‘numa boa’, sem jogar, sem responsabilidade. Mas fiquei puto da vida. Se eu tivesse condições, pegava o ônibus e ia embora”, afirma Pepe.

Por volta das 17 horas daquele dia, Pepe foi chamado para um reunião em seu quarto com Lula e os diretores Modesto Roma e Nicolau Moran. “Quando subi a escada, Lula disse: ‘E aí, ‘Bomba’, como está para hoje?’”. Respondi: ‘Estou bem, estou legal, pode contar comigo’. Ele disse: ‘Ah, precisamos muito de você hoje’. Saí dali com uma injeção de ânimo e imaginei que o Modesto Roma e o Nicolau haviam tirado da cabeça do Lula a asneira que ele ia fazer. O Santos não teria ganhado se eu não tivesse jogado. Foi, na minha carreira de futebolista, o maior jogo da minha vida.”

Nos últimos minutos, Dalmo, Lima e Almir “se vingaram” de Trapattoni e o colocaram na “roda”, to-cando a bola propositalmente em torno dele, sem deixar que o italiano a alcançasse. Amarildo lamenta: “Qual-quer jogada que fazíamos era falta. O Santos jogou os 45 minutos do segundo tempo à base de faltas. Nós começamos muito bem, um jogo muito fácil, e depois deu um temporal, não poderia mais se jogar futebol, era apenas ‘balão’. Nós poderíamos ter liquidado o jogo no primeiro tempo, feito mais de dois gols, saído com 4 a 0. O segundo tempo foi um desastre, pela chuva que caiu e o juiz que não se comportou bem. O Santos tinha um jogador como Pepe, um exímio batedor de faltas, e concluiu com isso”.

O Santos ganhou, por 4 a 2, mas haveria ainda uma terceira partida. Que ocorreu apenas dois dias de-pois, em um sábado, 16 de novembro. Lula repetiu a escalação, mas o técnico do Milan, Luis Antonio Carniglia, trocou o goleiro Ghezzi por Balzarini. O arqueiro havia reclamado da pouca visibilidade por causa da chuva e acabou responsabilizado pela imprensa por três dos quatro gols do Santos na partida anterior.

Em seis minutos, Balzarini estava sangrando. Almir tentou um chute dentro da área, mas acertou a cabeça do goleiro, que precisou de faixas para continuar jogando. Maldini foi tirar satisfações com o Pernam-buquinho, Ambrosio Pelagalli agrediu Coutinho e Mauro juntou-se à confusão. Instantes após a bola voltar a rolar, Maldini fez falta em Almir.

Aos 30 minutos, o zagueiro Mario Trebbi escorregou e a marcação em Almir ficou frouxa. Maldini ten-tou cortar a bola, mas acertou a cabeça de Almir. O argentino Juan Brozzi, novamente no comando do apito, marcou pênalti para o Santos. O jogo foi interrompido por quatro minutos. O capitão do Milan perdeu a ca-beça e partiu para cima do árbitro com a óbvia intenção de agredi-lo. Acabou expulso e foi preciso intervenção policial para retirá-lo do gramado.

Em sua autobiografia, Almir escreveu: “Lima fez um cruzamento alto, eu estava mais ou menos pela marca do pênalti. Chegaria um pouco atrasado na bola, mas tinha de tentar, acreditar em mim. Eu vi quando

45

Page 47: Sete Vezes Campeão

Maldini, desesperado, levantou o pé, tentando cortar o lançamento. Eu tinha de dar tudo naquele lance, meter a cabeça para levar um pontapé de Maldini, correr o risco de uma contusão grave, ficar cego, até mesmo mor-rer. Era ele ou eu. Meti a cabeça, Maldini enfiou pé. Eu rolei de dor pelo chão”.

Dalmo não era o craque do time. Na ausência de Pelé e Zito, esse posto certamente ficava com Pepe. Portanto, o lateral de 29 anos precisou de muita convicção para pedir ao ponta-esquerda a permissão para co-brar aquele pênalti. Pepe assentiu e não se arrependeu. Dalmo cobrou com a perna direita no canto esquerdo de Balzarini e marcou o gol do título mundial.

Pepe declara: “Eu tenho respondido essa pergunta há quase 50 anos. Por que eu não bati o pênalti? An-tes do jogo, o Lula falou: ‘Se tiver pênalti cobra o Dalmo ou o Pepe’. Eu não vinha em uma fase muito boa, quem estava batendo pênalti era o Pelé. O Dalmo estava muito seguro. Foi a melhor coisa que aconteceu. Eu poderia ter marcado o gol do título, mas fiquei muito contente porque o Dalmo é muito meu amigo e merecia, por tudo o que fez, estar na história do Santos. Foi um jogador extremamente eficiente e ficou marcado na galeria de conquistas como o homem que marcou o gol do título”.

O Santos consagrou-se mais uma vez. Foi o nono título consecutivo daquela equipe que desde 1961 vinha 1961 ganhando tudo o que disputava. Naquele período, levantou os troféus do Campeonato Paulista (1961 e 1962), da Taça Brasil (1961 e 1962), do Rio-São Paulo (1963), da Libertadores (1962 e 1963) e do Mun-dial de Clubes (1962 e 1963). Encerrou ainda um retrospecto recente negativo contra clubes italianos. Antes da disputa do Mundial, tinha sete vitórias e cinco derrotas no geral, mas vinha de três revezes seguidos: 2 a 0 para a Inter de Milão, em junho de 1962, aqueles 4 a 0 para o Milan e um 5 a 3 para a Juventus, em junho de 1963.

Sobre o bicampeonato mundial, pairam as confissões de doping e compra do árbitro por parte de Almir Pernambuquinho. O Milan não conseguiu digerir a derrota. O técnico Carniglia, anos depois, disse à revista argentina El Gráfico que ouviu de Dino Sani que Juan Brozzi havia sido comprado. “Quando chegamos ao Rio de Janeiro, Dino Sani aproximou-se de mim e disse: ‘Don Luis, eu ouvi uma coisa’, e me contou que eles tinham comprado o árbitro. Era um argentino, Juan Brozzi. Eu relatei o fato para os diretores do clube, que imediatamente solicitaram à Confederação Sul-Americana de Futebol a substituição de Brozzi por (Juan Luis) Praddaude, um dos bandeirinhas. Os diretores da Confederação recusaram”, reclamou.

“Eu acho isso daí ridículo, principalmente porque quem falou esse monte de bobagens foram os brasileiros”, ataca Lima. “Nunca viram um time perdendo de 2 a 0 virar para 4 a 2? Eles questionam o quê? Pergunte para quem assistiu se houve algo de anormal. Todo mundo vai falar nada. E foi pênalti claríssimo. Eu até hoje não sei por que ele não chutou a cabeça do Almir. No que eu entendo de regra de futebol, é pênalti.”

Pepe provoca: “Acho que isso é choro do Milan, que era um grande time, mas a nossa vitória foi mer-ecida. A única dúvida foi o pênalti no Almir. A bola estava em disputa no alto e o Almir subiu para cabecear. O Maldini era um jogador de muita categoria e até estranho ele dar uma bicicleta daquelas, quase acertou o pescoço do Almir. Foi bem marcado”.

O Canhão da Vila conquistou dois títulos mundiais pela Seleção Brasileira, mas, machucado em ambas as Copas, pouco conseguiu contribuir. Pelo Santos, foi decisivo no jogo mais importante do bicampeonato. “Foi uma massagem incrível no ego. Ser bicampeão mundial dentro de campo, produzindo. Melhor que ficar na torcida, como na Suécia e no Chile, de paletó e gravata. Embora tenha jogado 40 vezes pela Seleção Brasileira e marcado 22 gols, nas principais conquistas tive essas lesões que me encheram muito a paciência. A revanche foi em cima do Milan, jogando pelo Santos”, comemora.

45 46

Page 48: Sete Vezes Campeão

O MESTRE E O MITO

O mestre Telê Santana, mentor do São Paulo bicampeão mundial (Foto: Rodolpho Machado/Placar)

O mestre

O ponteiro dos segundos de qualquer relógio analógico que funcione perfeitamente se move em um ritmo frenético. Não poderia haver, portanto, apelido mais apropriado para Telê Santana, ponta-direita e téc-nico dos mais vencedores do futebol brasileiro. Como jogador, Telê corria na mesma intensidade os 90 minutos de uma partida. Posteriormente, em promoção realizada pelo Jornal dos Sports, do pioneiro do jornalismo esportivo Mário Filho, Telê, o “Ponteiro dos Segundos”, acabou ganhando dos torcedores mais um apelido: Fio de Esperança.

Telê era um excelente jogador, técnico e com muito senso tático, mas nunca disputou uma Copa do Mundo. Sequer chegou a atuar pela Seleção Brasileira. Nos anos 1950, ser excelente era pouco para conseguir uma vaga no time nacional, especificamente na ponta direita, onde a briga era com gênios como Garrincha e Julinho Botelho. Mesmo assim, pelo Fluminense, seu time de coração, Telê conquistou títulos importantes, como o Campeonato Carioca de 1951 e a Copa Rio de 1952.

A carreira de técnico começou no próprio Tricolor das Laranjeiras, em 1969, e veio a primeira con-quista, o Campeonato Carioca. No ano seguinte, assumiu o Atlético-MG para iniciar uma sequência de feitos que o levariam à Seleção Brasileira: campeão nacional com o Atlético-MG, em 1971; gaúcho com o Grêmio, impedindo o nono título consecutivo do Internacional, em 1977; e a semifinal do Campeonato Brasileiro com um jovem e desacreditado Palmeiras, em 1979.

A trajetória promissora sofreu um baque. Ou vários baques. Telê não foi campeão paulista com o Pal-meiras em 1979, após uma confusão causada pelo então presidente da Federação Paulista de Futebol, Nabi Abi Chedid. Ele tentou realizar uma rodada dupla no Morumbi com os jogos Palmeiras x Guarani e Corinthians x Ponte Preta, mas o presidente do Corinthians, Vicente Matheus, entrou com uma liminar na Justiça para inter-romper o campeonato. As partidas decisivas, que coincidentemente envolviam aqueles mesmos quatro times, foram realizadas apenas em 1980. O time do Palmeiras perdeu o ritmo e o Corinthians levantou o troféu.

47 48

Page 49: Sete Vezes Campeão

Apesar do revés, Telê foi chamado para dirigir a Seleção Brasileira em 1980, no lugar de Cláudio Coutinho, e prepará-la para a Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Aproveitando a base deixada pelo seu an-tecessor, montou um time que seria símbolo do futebol ofensivo e bem jogado, uma das bandeiras da carreira do treinador. Formou um meio-campo sem especialistas na marcação e com qualidade técnica inquestionável: Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico.

Na Copa do Mundo, depois de protagonizar jogos brilhantes contra União Soviética (2 a 1), Escócia (4 a 1), Nova Zelândia (4 a 0) e Argentina (3 a 1), o Brasil foi derrotado pela Itália de Bruno Conti, Marco Tardelli e principalmente Paolo Rossi, autor dos três gols da vitória italiana por 3 a 2. Para o time de Telê Santana, bas-taria um empate, e o técnico foi muito criticado por ter mantido a filosofia ofensiva ao longo de todo o jogo.

O ex-técnico da Seleção Brasileira e comentarista esportivo João Saldanha escreveu diversas colunas no Jornal do Brasil durante a preparação criticando outros dois aspectos do time brasileiro: a constante troca de titulares e a falta de um ponta direita. Saldanha nomeou a resistência de Telê Santana de “teimosia siderúrgica”. O humorista Jô Soares foi mais longe e criou um personagem, o Zé da Galera, cujo bordão era: “Bota ponta, Telê!!!” Após a Tragédia do Sarriá, como ficou conhecida a derrota para a Itália – a partida foi disputada no Estádio Sarriá, em Barcelona -, Saldanha intitulou sua coluna de “O limite da estupidez” e apontou vários joga-dores cansados como causa das falhas táticas da equipe.

A verdade é que a derrota na Espanha nunca saiu da mente de Telê Santana. “Quando ainda existia o campo [foi demolido em 1997 para a construção de um conjunto habitacional], a gente foi para a Espanha e ele começou a andar sozinho no gramado”, conta o ex-zagueiro Adílson, jogador de Telê no São Paulo, hoje funcionário do departamento de esportes da Prefeitura de Cruzeiro, sua cidade natal, no interior de São Paulo. “Ele deve ter visto aquele jogo de 1982 na cabeça dele.”

Telê teria outra oportunidade de ser campeão mundial com a Seleção Brasileira, em 1986, mas perdeu as quartas de final para a França, dessa vez nos pênaltis. Em 1990, foi convidado para recuperar o São Paulo de uma campanha horrorosa no Campeonato Paulista (oito vitórias, sete empates e oito derrotas, que obrigou a equipe a começar a disputa do ano seguinte jogando no grupo dos times mais fracos), e levou o time à final do Brasileiro daquele ano. Mas perdeu novamente. Antes de ganhar a alcunha de Mestre pelo trabalho realizado no Morumbi, teve que lidar com a fama de azarado. Telê virou “pé-frio”, como se dizia à época.

Apesar dos obstáculos, Telê Santana nunca abandonou os príncipios do futebol bem jogado. “Mesmo ganhando e jogando mal, ele não gostava”, conta Adílson. “Era como se fosse uma derrota. Se perdesse jogando bem, ele ficava até feliz.” Durante o Campeonato Paulista de 1992, o treinador foi perguntado se jogar sem-pre para a frente não aumentava o risco de ser demitido. “Estou pouco me lixando se me mandarem embora amanhã”, respondeu.

No São Paulo, o treinador acabaria colhendo os frutos dessa “teimosa” e deixando de ser “pé-frio”. Ganhou 11 títulos na sua passagem de sete anos: um bicampeonato paulista (1991 e 1992), duas Libertadores (1992 e 1993), o mesmo número de Mundiais (1992 e 1993), o Campeonato Brasileiro (1991), a Recopa Sul-Americana, duas vezes (1993 e 1994), a Supercopa da Libetadores (1993) e a Copa Conmebol (1994).

“A gente tinha um time que estava em baixa quando ele assumiu”, admite o ex-zagueiro Ronaldo, o Ronaldão. “No começo foi uma relação meio tensa, a gente não conhecia o trabalho dele, a pessoa, os métodos, e ele não era de muita conversa. Com o decorrer do tempo, a coisa começou a fluir mais naturalmente.”

O método de trabalho de Telê Santana era baseado na prática de fundamentos – cabeceio, domínio, chute e, principalmente, passe – e na realização incansável de treinos coletivos (time titular contra reserva). Alguns jornalistas que cobriram a carreira do treinador dizem que às vezes essas atividades eram melhores que muitas partidas oficiais. “Ele gostava muito do trabalho técnico”, continua Ronaldão. “A ponto de colocar um jogador na frente do outro e fazer trabalho de categoria de base, passe de chapa, peito de pé. Fazia todo o trabalho de fundamento com jogadores que já haviam disputado Copa do Mundo.”

48

Page 50: Sete Vezes Campeão

Um dos símbolos dessa insistência era Cafu, que tinha dificuldade para cruzar, uma falha grave na formação de um jogador que se consagraria com o pentacampeonato da Seleção Brasileira em 2002 atuando na lateral direita. Com a insistência de Telê e a força de vontade do próprio atleta, Cafu aprimorou esse tipo de jogada. “Não é que aprendi a passar e a cruzar, apenas melhorei”, explica. “Isso é mérito da minha força de vontade. Não adianta nada o técnico querer que você melhore se você não se esforça para isso. Costumo dizer que juntei a fome à vontade de comer, pois ele gostava de passar treinos e eu adorava treinar.”

Cafu desmente que uma noite, cansado de tanto treinar cruzamentos – e errá-los –, tenha se dirigido a Telê e dito: “Se é tão fácil, vai lá e cruza o senhor”. Ele teria ido e cruzado perfeitamente na cabeça do joga-dor. “Está equivocado da forma como estão falando”, responde. “A gente colocava um cesto de lixo no banco de reservas e chutava para ver quem acertava. Um belo dia, Telê chegou e na primeira chance, sem querer, acertou o alvo. Pedimos pra que ele fizesse de novo, mas ele recusou, afirmando que queria sair por cima. Foi essa a brincadeira, eu jamais falaria isso pra qualquer treinador.”

Apesar das cobranças, “ácidas”, como define Ronaldão, Telê tinha o respeito de todos os jogadores porque estava sempre ao lado dos atletas. Como quando insistiu com Adílson, que enfrentou uma sequência de lesões. “Ele gostava muito de mim”, conta o ex-zagueiro. “Em 1990, eu me machuquei quatro vezes. Não conseguia jogar. Quando ele chegou, eu estava voltando e me machuquei novamente. O (Vanderlei) Luxem-burgo queria que eu fosse para o Flamengo e o Telê aceitou me emprestar. Fui, joguei o Brasileiro e voltei.”

Apesar de conhecê-lo dos tempos de Atlético Mineiro e da Seleção Brasileira, o volante Toninho Cer-ezo não era próximo de Telê Santana quando chegou ao São Paulo. Ele conta que o treinador era um homem de poucas palavras fora das situações de treinamento e jogos. “Era bom dia e boa tarde”, brinca. “Trocávamos uma ou outra palavra, mas, na realidade, foi depois da minha vinda ao São Paulo que começamos a ter mais diálogos. Ele falava muito nos treinamentos. Fora dali era mais calado. Acho que o Telê tinha uma grande virtude. Conseguia juntar um bom grupo, coeso, tranquilo. Todos conseguiam jogar bola, treinavam. O grupo sabia qual era a mentalidade dele. Deixava isso claro logo no começo: disciplina.”

Telê viveu intensamente o São Paulo, a ponto de morar no moderno Centro de Treinamentos da Bar-ra Funda, longe da família, que residia em Belo Horizonte. Ele acordava cedo para inspecionar os gramados e não deixava ninguém, exceto os jogadores, pisar nele. A exceção foi em 1992, durante uma sessão de fotos de uma patrocinadora que daria uma caminhonete ao melhor jogador do São Paulo no Mundial de Clubes, em Tóquio. O evento foi realizado no campo principal do CT, mas Telê não se incomodou ao ver cerca de 100 pessoas em cima da sua grama.

Em 1996, uma vida inteira dedicada ao futebol em um ritmo alucinante cobrou seu preço. Telê sofreu um acidente vascular cerebral e pediu licença do cargo de treinador do São Paulo. A doença comprometeu seriamente sua saúde, e ele ficou impossibilitado de continuar sendo treinador. Bravo com o tricolor paulista por não acreditar mais nele, chegou a ser anunciado como novo técnico do Palmeiras, mas percebeu rapida-mente que não teria condições de se manter ativo. Na apresentação, no início de 1997, precisou ser levado pelo braço por Cafu na primeira vez que foi cumprimentar os jogadores. “Sempre tive um carinho especial por ele, por tudo que passamos”, comenta o ex-lateral direito. “Por ter convivido com Telê, e ele ser um cara do bem, que busca fazer as coisas certas, isso fez com que tivéssemos uma relação muito boa.”

Telê passou dez anos com sua família em Belo Horizonte e fez poucas aparições públicas. Em 2003, precisou ter a perna esquerda amputada. Três anos depois, foi internado com uma infecção abdominal e não resistiu. O Mestre morreu aos 74 anos. O grito de “Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê”, que tantas vezes saiu das gargantas de torcedores de Fluminense, Atlético-MG, Grêmio, Palmeiras e São Paulo, transformou-se em “Adeus, Telê”. O ponteiro dos segundos parou de vez.

49

Page 51: Sete Vezes Campeão

Cafu (e) e Raí (c) são símbolos da movimentação do São Paulo (Foto: Divulgação)

Os aprendizes

Telê Santana era fã confesso da seleção holandesa de 1974, que jogava sob o conceito de Fute-bol Total criado pelo treinador holandês Rinus Michels. Essa filosofia de jogo transformou o Ajax em tri-campeão europeu e levou a Holanda a duas finais de Copa do Mundo. Em 1992, o time montado no São Paulo não era exatamente uma tentativa de imitar a Laranja Mecânica, mas havia algumas influências.

O Futebol Total exigia dos jogadores um grande preparo físico e principalmente in-teligência para ocupar os espaços em campo que os adversários inevitavelmente deixari-am. Não havia posição fixa, e todos deveriam realizar qualquer função com competência.

O conceito foi primeiro utilizado pelo Ajax, mas ganhou proporções internacionais com a seleção holandesa na Copa do Mundo de 1974. Antes de ser vice-campeã na Alemanha Ocidental, a Holanda ha-via disputado apenas dois mundiais – 1934 e 1938 – e nunca havia passado das oitavas de final. Aquele time até hoje é chamado de Laranja Mecânica ou Carrossel Holandês, por ter conseguido de maneira quase perfeita executar as ideias de movimentação e constante troca de posições introduzidas por Michels.

“Acho que de todos os acertos do técnico o mais importante foi conseguir esta coesão, esta solidariedade no esforço”, escreveu Cruyff em seu livro Futebol Total, um relato em primeira pessoa do Mundial de 1974. “Michels era um homem de muitas qualidades no exercício da profissão, por sua mentalidade, seu modo de conceber futebol, seu domínio das táticas e por sua habilidade quase genial de armar uma equipe mesmo sem os jogadores desejados.” Cruyff era o principal expoente dessa filosofia. Atacante de origem, flutuava por todas as posições e participava da maioria das jogadas. Tornou-se treinador, assumiu o Barcelona em 1988 e levou consigo os ideais de Michels.

“Fixo, mesmo, apenas o goleiro Andoni Zubizarreta e o central holandês Ronald Koeman”, analisava o jornal Folha de S. Paulo em 6 de dezembro de 1992¨, quando, como campeões da Europa e da América do Sul, Barcelona e São Paulo fizeram, em Tóquio, a final da Copa Intercontinental, considerada o Mundial Interclubes.“O mister (Cruyff) utiliza apenas três beques - além de Koeman, Ferrer e Juan Carlos. Cruyff gosta de

50

Page 52: Sete Vezes Campeão

concentrar cinco ou seis jogadores no meio-campo. O forte Eusébio Sacristán e o versátil Guillermo Amor funcionam como volantes. José-Maria Bakero e Aitor Beguiristain se encarregam do apoio via laterais. O pre-cioso Josep Guardiola funciona como catalisador das reações de ataque, que tem o habilidoso búlgaro Hristo Stoichkov e o inteligente dinamarquês Michael Laudrup ao lado do rápido ala Juan Antonio Goicoechea.”

O São Paulo de Telê Santana não era um Carrossel do Morumbi ou um Tricolor Mecânico, mas havia certa dose de troca de posições. Todo o quarteto ofensivo do São Paulo àquela época se movimentava. Cafu e Müller trocavam de posições. Raí às vezes jogava de centroavante e Palhinha voltava ao meio-campo para armar as jogadas.

Telê cobrava dos jogadores a capacidade de desempenhar mais de uma função em campo. Cafu, por exemplo, vinha atuando como meio-campista, mas voltou à lateral direita após a lesão de Vítor. Quando o titular se recuperou, o treinador precisou encontrar um lugar para Cafu e o colocou na ponta direita. “Eu tinha facilidade para me adaptar nas posições”, esclarece. “Por isso eu falo da força de vontade do atleta, pois poderia muito bem dizer que não jogaria naquela posição, mas enxerguei a necessidade do time naquele momento, então me protinfiquei a jogar de meia, lateral, zagueiro, ponta-esquerda. Onde ele precisava, eu atuava.”

“Eu joguei de volante, na zaga, de quarto-zagueiro”, conta o ex-zagueiro Ronaldão. “Ele não tinha ver-gonha de escalar o jogador em outra posição. Vai de lateral, de volante, de atacante. Sempre tinha um impro-viso e o jogador tinha que fazer a função.”

Havia também muita preocupação com a forma física dos jogadores, principalmente em 1992. O jogo contra o Barcelona foi o 84º do time de Telê Santana naquele ano. Prevendo o excesso de partidas, o prepara-dor físico Moraci Sant’Anna mudou o cronograma de recuperação dos atletas após as partidas. Nos domingos, permaneceu a sessão de alongamento, mas, nos jogos durante a semana, os atletas precisavam comparecer a uma academia para realizar exercícios na água. “Ná água a gente consegue benefícios do exercício, mas não tem a sobrecarga, pois se elimina a gravidade e se evitam os atritos”, explicou o profissional para A Gazeta Esportiva. “Como a água oferece resistência aos movimentos, a hidroginástica acaba funcionando também como massagem.” Segundo os testes, o mais bem preparado fisicamente era Cafu. “Sabia que tinha um bom condicionamento físico, mas tinha de treinar bem o tempo todo para estar 100%. Treinava mais do que meus companheiros para ter um preparo melhor”, diz o próprio jogador.

A comissão técnica planejou a viagem ao Japão nos mínimos detalhes. A delegação fez a primeira refeição em solo asiático assim que chegou, em 7 de novembro, por volta das 13h30 (horário local). Depois, realizou um treinamento em um bosque para manter os jogadores acordados até a noite para ajudar na adap-tação ao fuso horário. O frio também era um problema, já que a previsão para Tóquio náquela época do ano era próxima a zero grau. Tanto que o goleiro Zetti decidiu utilizar na final um colete comum a mergulhadores para se proteger da temperatura baixa, que afinal acabou ficando em suportáveis 5 graus positivos.

Mas nem a preparação física moderna do São Paulo conseguiu evitar que Toninho Cerezo, 37 anos, atu-asse machucado na segunda partida da decisão do Campeonato Paulista, contra o Palmeiras. Ele contraiu uma lesão muscular nos treinamentos da semana, teve uma atuação ruim no primeiro jogo (vitória do São Paulo por 4 a 2) e acabou substituído por Dinho ao longo daquela partida. Apesar das dores, Cerezo não poderia ficar parado. Ele acreditava que um jogador da sua idade não precisa treinar mais intensamente que os outros, mas não pode interromper o trabalho. Consciente das limitações do próprio corpo e experiente, nunca temeu ficar fora do Mundial. “Eu já tinha algumas contusões que me acompanhavam”, diz, aos risos. “Sabendo do meu nível técnico, seria difícil eu trombar, dividir, eu tinha uma certa experiência de estar em determinado local no momento certo.”

Nas atividades em solo japonês, Cerezo amarrou a perna esquerda na trave com uma borracha para for-talecer a musculatura. Outros cinco jogadores, dos 18 que viajaram, apresentaram problemas físicos. Ronaldão torceu o tornozelo, Müller e Palhinha tiveram dor de garganta, Zetti sentiu o ombro após uma queda e o golei-ro reserva Marcos sofreu contratura muscular em uma das pernas.

51

Page 53: Sete Vezes Campeão

Apesar das semelhanças, Ronaldão nega as análises dos jornais da época e afirma que Telê não usava a Holanda de 1974 como exemplo para explicar as suas táticas. “Eu sei que nosso time jogava de uma maneira muito técnica, muita posse de bola, mas se era inspirado (no Futebol Total) é uma novidade”, esclarece. O zagueiro Adílson acredita que aquele time era mais parecido com a Seleção Brasileira de 1982, mas admite que jogava um futebol parecido com o do Barcelona de Pep Guardiola, que anos depois conquistaria 14 títulos em um período de três anos, esse sim sob influência das ideias de Michels. “O atacante era o Raí, Müller mais pela esquerda, não tinha centroavante. É o Barcelona do Guardiola, mas o Barcelona não vai tanto para o ataque. O que ele queria na verdade era o time de 1982”, comenta Adílson. Cafu argumenta que havia uma facilidade para rodar os jogadores por causa da abundância de peças de qualidade no elenco. “Sabíamos as nossas responsabi-lidades, mas cada um tinha liberdade de fazer o que quisesse dentro de campo. Ao mesmo tempo que tínhamos obrigações, sabíamos que tínhamos liberdade para percorrer a defesa, o meio e o ataque”, conta.

Telê Santana e Cruyff encontraram-se pelo menos duas vezes antes do duelo entre suas equipes pelo Mundial de Clubes. Durante a Copa do Mundo de 1982, o brasileiro, então técnico do Brasil, foi entrevistado pelo holandês, então comentarista de uma emissora de televisão, e ouviu que o ex-jogador queria se tornar treinador, mas estava irritado com as leis da Holanda, que exigiam um curso de quatro anos. Com o telefone do holandês em mãos, Telê ligou para Cruyff e informou que não era necessário tanto esforço para exercer a profissão no Brasil. O Fluminense chegou a contactá-lo, mas a negociação não foi concretizada pelos salários baixos pagos no País e pela resistência de Cruyff a “ficar rodando muito”.

Alguns anos depois, Telê treinou o colega em uma partida de exibição entre o Al-Ahly, da Arábia Sau-dita, seu time na época, e o Feyenoord, da Holanda. Cruyff jogou um tempo em cada equipe e tomou bronca do brasileiro para parar de fumar assim que acendeu um cigarro no vestiário.

51 52

Page 54: Sete Vezes Campeão

Stoichkov abriu o placar para o Barcelona encobrindo Zetti (Foto: Getty Images)

O búlgaro

“Se Stoichkov não marcar um gol no São Paulo, nós o matamos”, disse Johan Cruyff. Obviamente o treinador do Barcelona não tinha a intenção de assassinar seu principal atacante, mesmo que o búlgaro fal-hasse na decisão do Mundial de Clubes de 1992. Natural de Plovdiv, segunda maior cidade da Bulgária, depois da capital Sófia, o jogador viajou ao Japão como artilheiro do Campeonato Espanhol. “Em uma ocasião, disse que poderia falar por uma semana sobre ele”, escreveu Cruyff no livro Meus Futebolistas e Eu. “Queríamos um jogador com essas características: velocidade, caráter e arremate. Um homem que se adequasse ao nosso estilo de jogo. Nós nos convencemos que ele era a melhor resposta.”

No São Paulo, o jogador de ataque em melhor forma era Cafu. Dias antes da decisão, antes de viajar para o Japão, o time venceu o Palmeiras por 4 a 2, na primeira partida da final do Campeonato Paulista, e en-caminhou o título. O volante-lateral-ponta-direita participou dos quatro gols e estragou qualquer intenção que Telê tivesse de utilizá-lo como elemento surpresa. Isso porque Cruyff enviou o assistente técnico Toni Bruins Slot para acompanhar aquela partida. O ex-jogador disse que Cafu era o único do time que ele gostaria de contratar para o Barcelona e prometeu um cuidado especial com ele. Afirmou que a defesa do São Paulo, com Ronaldão e Adílson, era nervosa e que exploraria os lançamentos do líbero Ronald Koeman para os atacantes Hristo Stoichkov e Michael Laudrup. “O diagnóstico dele foi errado”. Adílson acredita que a análise foi influ-enciada pela ofensividade do São Paulo. “O time fazia muitos gols, era mais para o ataque. Talvez ele tenha dito isso, mas sempre falam que o ponto fraco é a defesa”, reclamou.

“Nós descobrimos que a principal jogada era o Koeman sempre lançando pro Stoichkov”, revela Adíl-son. O São Paulo conhecia o Barcelona por meio de um vídeo que Toninho Cerezo, ex-Sampdoria, havia tra-zido da Itália. Os dois times se enfrentaram na decisão da então Copa dos Campeões da Europa, atual Liga dos Campeões – vitória dos espanhóis por 1 a 0. “Eu tinha acabado de jogar uma final contra o Barcelona, então eu conhecia o estilo de futebol deles, mas eram dois times de alto nível”, pondera Cerezo. “(A defesa) era lenta e foi campeã mundial e da Libertadores”, rebate Ronaldão.

O time espanhol estava em alta. Era bicampeão nacional e liderava a competição da temporada 1992/93. Antes de viajar para o Japão, foram seis vitórias consecutivas e três goleadas: 4 a 0 no Celta de Vigo, 6 a 1 no Za-

53

Page 55: Sete Vezes Campeão

ragoza e 3 a 0 no Espanyol. “Quando as coisas saem bem, somos uma máquina”, disse Koeman. “Se atentarmos somente às três últimas goleadas, pode-se falar que somos um dream team (time dos sonhos)”, acrescentou Laudrup. “O São Paulo não assusta. É apenas um time com bom entrosamento e sem nenhum jogador de grande destaque”, provocou Cruyff.

Adílson acredita que o Barcelona estava bravo com o São Paulo por ter sido goleado por 4 a 1, em La Coruña, pelo Troféu Tereza Herrera, em agosto daquele mesmo ano. “O Raí foi em uma coletiva e passou para nós que eles esnobaram. Dentro de campo, olhavam para a gente de qualquer jeito. Eles disseram lá mesmo que iam ser campeões, detonar a gente”, conta. “Eles acabaram cutucando a gente”, continua Cafu. “Disseram que o resultado no Tereza Herrera não aconteceria de novo, que era pré-temporada, que não jogariam duas vezes contra aquele timinho brasileiro, mas foi o mesmo que ganhou deles no Mundial. Eles tinham essa mania de não respeitar tanto os times brasileiros.” Telê Santana, questionado por repórteres no Japão, foi menos polido que seus comandados. Disse que o São Paulo “não era o Zaragoza nem o Cadiz”.

Assim como em La Coruña, o Barcelona saiu na frente. Aos 11 minutos, Stoichkov avançou pela in-termediária com a bola e chegou à meia-lua. O goleiro Zetti se adiantou, antecipando um chute forte, mas o búlgaro decidiu não pagar para ver se a “ameaça” de Cruyff era verdadeira: pensou rápido e teve a categoria necessária para encobrir o arqueiro do São Paulo e abrir o placar. “A gente sabia que uma hora eles iam cansar, cansavam fácil, não tinham a preparação física dos brasileiros”, lembra Adílson. “Quando fizeram 1 a 0, a gente manteve a tranquilidade. Éramos um time maduro.”

Aos 26 minutos, Stoichkov e Ronaldão disputaram uma bola perto da linha lateral. Aproveitando o físico avantajado, o zagueiro fez uma falta dura e jogou o atacante para fora do campo. O árbitro argentino Juan Carlos Lostau não marcou falta, mas, depois de assinalar o escanteio, deu amarelo para o jogador do São Paulo. As diferenças entre os dois começaram na goleada em La Coruña. “Na bandeira do campo, ele me deu um empurrão, meteu as duas mãos no meu peito, e eu achei extremamente arrogante da parte dele”, conta o defensor tricolor. “No momento da dividida, fui com força. Ele já me conhecia e acabou passando por cima de mim, caindo em cima do braço, e se arrebentou todo. Às vezes, no futebol, você tem que dividir com vontade, e isso eu fazia muito bem na época. Foi para ele se ligar também.”

Um minuto depois, apoiado pela maioria das 60 mil pessoas presentes, inclusive os japoneses, o São Paulo empatou a partida. Müller recebeu na esquerda e avançou, forçando o zagueiro espanhol Ferrer a entrar na área. Fingiu que sairia pela direita, mas buscou à linha de fundo para cruzar. Raí usou o corpo para desviar a bola e empatar. Depois da partida, ele disse que fez um inédito “gol de púbis”. “Raí completou de barriga, de púbis, de coxa, ninguém sabe”, descreve Cafu. “Não importa muito, foi gol e um golaço. O gol que abriu o caminho para que pudéssemos ganhar aquele título.”

Faltando 11 minutos para o fim da partida, Palhinha sofreu uma falta na entrada da área, pela direita. Raí olhou para Cafu e decidiu cobrar em dois toques. Uma jogada que ele treinava todos os dias, mas nunca tinha funcionado durante os jogos. Daquela vez funcionou. A bola entrou no ângulo. No contrapé do goleiro Zubizarreta. “O ano inteiro não tinha dado certo aquela falta ensaida”, lembra Cafu. “Tentávamos o ano todo e nunca dava certo. Telê em determinado ponto nos disse: ‘Façam o que quiserem, nunca dá certo isso mesmo’. Naquele momento, eu e Raí nos olhamos e combinamos. Vi Zubizarreta dar um passinho e disse: só vou parar, é com você. Eu parei e quando ele chutou, já vi que a bola ia entrar.”

“Quando eu toquei a bola, eu não tirei da barreira, joguei mais para o meio”, explicou Raí depois do jogo. “O goleiro perdeu a visão da bola e se movimentou para tentar vê-la. Ele pensou que eu ia jogar de um lado tirando da barreira e deu um passo. Bati sobre a barreira e peguei bem na bola. Quando ela passou, já sabia que era gol.”

“Parece que ele guardou para aquele jogo”, brinca Ronaldão. “O Telê era muito persistente nos trein-amentos. Aquela jogada que ele treinou acabou dando certo no Mundial. É mérito do treinador e do Raí.”

53 54

Page 56: Sete Vezes Campeão

O São Paulo tornou-se campeão mundial pela primeira vez. Adicionou às conquistas anteriores do Brasil, com Palmeiras e Fluminense na extinta Taça Rio, e aos títulos de Santos, Grêmio e Flamengo – todos campeonatos não reconhecidos pela Fifa. Aproveitou o momento também para desabafar.

Um dos mais efusivos era Toninho Cerezo. Chorou, cantou com os torcedores, bebeu cerveja e deu banho de champanhe. Incentivou os companheiros a comemorar quando entrou no vestiário. Disse que os adversários “iriam voltar para Barcelona a pé” e que “só o tempo para calar a boca de todo mundo”.

“O Barcelona faltou com o respeito”, disse após a partida. “Agora leva para casa duas ‘boletas’. Nós so-mos fortes porque ganhamos em campo. Eles vêm usar psicologia barata como usam com o La Coruña, só que não funciona conosco. A psicologia de desqualificar o adversário talvez dê certo com times pequenos, mas não com o São Paulo, que entrou em campo para correr um metro a mais que o Barcelona.”

Vinte anos depois, Cerezo adota um tom mais brando para criticar as declarações dos jogadores do Barcelona. “Eles tinham alguns jogadores, principalmente o Stoichkov, que falavam palavras demais, enten-deu? Era só ele, porque o resto dos jogadores respeitava. Poderiam ter pensado que seria um jogo fácil, mas se enganaram, e se enganam quase sempre quando enfrentam times da América do Sul. É o nariz em pé do europeu, mas futebol é no campo”, avisa.

A Gazeta Esportiva escreveu na edição do dia seguinte ao título que a Seleção Brasileira deveria se inspirar no São Paulo para voltar a conquistar a Copa do Mundo – em 1992, o Brasil lidava com um jejum de 22 anos em Mundiais: “Está de volta o futebol brasileiro, um futebol moderno porque tem base científica, con-hece todos os fundamentos – como os europeus – e acima de tudo tem a técnica que nunca faltou aos nossos craques. Esse futebol campeão do mundo veste a camisa do São Paulo e tem uma cara. A cara de Telê Santana”.

Cruyff, que criticava o momento do futebol do Brasil antes da final, afirmou que agora “o brasileiro poderia sorrir”. Ele destacou que a troca de posições entre Raí e Müller, a força da marcação de Pintado e Cer-ezo e a velocidade de Palhinha acentuaram os problemas da defesa do Barcelona e fez uma curiosa analogia. “Na Holanda, costumamos dizer que, se você vai ser atropelado por um carro, é melhor que seja por uma Fer-rari. Em outras palavras, nenhum erro foi tão grave”, brincou.

A Folha de S.Paulo destacou que Telê “dobrou” o amigo Cruyff e conquistou pela primeira vez um título mundial – embora já tivesse sido, como jogador, campeão da Copa Rio pelo Fluminense em 1952. “O futebol brasileiro volta ao Olimpo nove anos depois do seu último título mundial de primeiro escalão, obtido pelo Grêmio. As duas equipes atuaram conforme os scripts de seus treinadores, adeptos do futebol ofensivo e rápido. Inspirados na Laranja Mecânica da Holanda, Telê e Cruyff foram os maestros de uma sinfonia repleta de tabelas dinâmicas, jogadas ensaiadas, deslocamentos e dribles. São Paulo e Barcelona exibiram a mesma disposição tática e igual empenho. Os diferenciais são-paulinos foram a habilidade e a preparação física. E Raí, lógico: ele selou a conquista com seus dois gols.”

“É puro sentimento”, disse Raí em entrevista coletiva ainda no Estádio Nacional de Tóquio. “Você não consegue dizer palavras, vem tudo na cabeça, a força da minha família, dos outros jogadores, do clube. Tem que agradecer, passar a vibração do gol. Senti que ganharíamos desde o primeiro minuto. O time estava tran-quilo, driblando, fazendo jogadas de efeito e não mudei de opinião mesmo quando estávamos perdendo o jogo.” O meia fez dois gols e decidiu a final, mas não deixou a festa ser plena para o são-paulino. Anunciou que estava acertado com um clube francês e se despediria do São Paulo na segunda final do Campeonato Paulista, contra o Palmeiras.

55

Page 57: Sete Vezes Campeão

Toninho Cerezo, aos 38 anos, liderou o segundo título do São Paulo (Foto: Folhapress)

O veterano

“No ano passado, o São Paulo tinha Raí e foi campeão mundial”, lembrou A Gazeta Esportiva no dia anterior à final entre São Paulo e Milan pelo Mundial de Clubes do ano seguinte, 1993. “Neste ano, Raí não integra mais o elenco são-paulino e o SPFC decide novamente o título mundial. Raí marcou os dois gols da vitória sobre o Barcelona e garantiu o título para a equipe brasileira. E na madrugada de amanhã, quem será o personagem da decisão que poderá levar o São Paulo ao bicampeonato?”

Raí acabou não se despedindo na segunda partida da final do Campeonato Paulista de 1992 contra o Palmeiras. Conseguiu adiar sua transferência em sete meses, mas, em julho do ano seguinte, uma proposta de 2,7 milhões de dólares do Paris Saint-Germain foi irrecusável. Irmão de Sócrates, outro craque que marcou época, o meia havia sido contratado do Botafogo de Ribeirão Preto em 1987, e conquistou sete títulos impor-tantes no clube: três Paulistas, um Brasileiro, duas Libertadores e um Mundial. Em seis anos, marcou 101 gols com a camisa tricolor, inclusive os dois que garantiram o primeiro título mundial, contra o Barcelona. “Mas o São Paulo continuou chegando, continuou ganhando”, avalia Ronaldão, herdeiro da braçadeira de capitão que pertencia a Raí. “Eu achei que estava preparado, já tinha sete anos de clube, conhecia todos os trâmites, todo o processo de como funcionava o clube. Aconteceu de um jeito muito natural. Eu era um líder dentro da equipe, tinha personalidade, voz ativa. Eu era um capitão democrata. Não tomava decisão nenhuma sem ouvir os out-ros jogadores”, esclarece.

Raí não era um centroavante de ofício, mas foi considerado o substituto de Careca no Morumbi, nego-ciado com o Napoli, da Itália. Com 1,85 metro, ganhava a maioria das bolas aéreas e sabia usar seu porte físico. “O Raí, além de ser um cara de peso, um atleta, era grande companheiro”, afirma Toninho Cerezo. “Existia um entrosamento muito grande entre ele, o Müller e o Palhinha. Nós o perdemos, mas adiantamos o Palhinha. Isso era a grande virtude do São Paulo. Tinha sempre três ou quatro jogadores para substituir um ou outro campeão que pudesse ir embora. Eu me recordo que prepararam um garoto (Edmílson, ex-Barcelona, Palmei-ras e Seleção Brasileira) para me substituir. O Juninho Paulista estava sendo preparado para entrar (no lugar de Raí).” Juninho Paulista foi contratado do Ituano por 400 mil dólares e estava “comendo a bola”, principalmente

56

Page 58: Sete Vezes Campeão

no segundo tempo das partidas. Mas o líder do meio-campo do time de Telê Santana no Japão não se-ria Juninho Paulista, um garoto de 20 anos, e sim um veterano que já estava na casa dos 38. “Perdem-os um jogador fantástico e ganhamos outro naquele mundial, que era o Toninho Cerezo”, diz Cafu.

Toninho Cerezo chegou ao São Paulo quase que por acaso. Quando sua passagem pela Sampdoria, da Itália, terminou, ele próprio telefonou para Telê Santana pedindo a indicação de um clube árabe para atuar. O treinador aproveitou a deixa e o trouxe para o Brasil. “Eu estava com o passe na mão e liguei para ele”, conta Cerezo. “Ele me fa-lou: ‘Pode vir para cá’. Acho que estava acompanhando os jogos que eu fazia. Ele me deu essa oportunidade e eu vim.”

O meia que havia trabalhado com Telê Santana na Seleção Brasileira e brevemente no Atlético-MG encontrou alguma resistência da diretoria do São Paulo por causa da idade. Ao chegar, foi hones-to. Admitiu que tinha uma lesão constante no joelho após uma cirurgia no menisco. Consersava bastante com o preparador físico Moracy Sant’anna, com quem tinha mais “liberdade”, pois se tratava de um profis-sional mais “aberto” que Telê. “Eu era poupado em alguns jogos e jogava nos que havia mais responsabi-lidade”, lembra. “Nós tínhamos um grupo muito bom e forte. Era um ambiente tranquilo e isso era muito bom. A própria diretoria era um escudo. Quando cheguei, eles questionaram minha idade, mas a direto-ria me deu total cobertura. Eu me recordo dos diretores conversando comigo e me dando o maior apoio.”

Cerezo foi reserva de Juninho nas três partidas pelo Campeonato Brasileiro anteriores à decisão em Tóquio, mas, contra o Milan, Telê não poderia ignorar o retrospecto do veterano. O meia diz que jogou 11 vezes contra o clube italiano por Roma e Sampdoria e perdeu apenas duas partidas. “O Milan tinha feito um pré-con-trato comigo antes de eu ir para a Sampdoria, mas, como não joguei o Mundial, desfez esse pré-contrato, e eu fiquei chateado”, conta Cerezo. “Fiquei mordido com o Milan por isso, então eu arrebentava em todos os jogos contra eles, fazia gol, sempre tive estrela. Depois daquele jogo (decisão do Mundial), todos os diretores foram lá me cum-primentar, me dar os parabéns pela conquista e falar que foi realmente um grande erro não ter me contratado.”

Além de Raí, o São Paulo havia negociado três outros jogadores importantes: Adílson transfer-iu-se para o Guarani, Vítor acabou vendido ao Real Madrid, da Espanha, e Pintado acertou com o Cruz Azul, do México. Dinho e Doriva tornaram-se titulares no meio-campo, reforçaram a marcação e de-ram liberdade para Toninho Cerezo atuar mais avançado, ajudando Leonardo na armação para Pal-hinha e Müller. Com a venda de Vítor, Cafu foi deslocado para a lateral direita. “Tive proposta do Real Madrid. Vítor foi no meu lugar como experiência, pois o São Paulo não queria me liberar antes do Mun-dial. Era para ter ido eu em vez dele. No fim a negociação não deu certo e eu fiquei”, afirma Cafu.

Na defesa, Válber passou a formar a dupla de zaga com Ronaldão e André Luiz gan-hou a posição de Ronaldo Luiz na lateral esquerda. “Era um time tão bom quanto (o de 92), mas eu faço uma ressalva”, diz Ronaldão. “A (equipe) de 93 era muito mais equilibrada tecnicamente. Gan-hamos Recopa, Supercopa, Libertadores e Mundial. Não se chega a esse patamar sem qualidade.”

O São Paulo também poderia ter perdido Müller. Ele teve propostas de clubes da Espanha e da Itália. An-tes de embarcar, admitiu o interesse do Barcelona e disse que havia 90% de chance de ir para a Península Ibérica porque lá o clima era parecido com o do Brasil. O diário espanhol Marca não ajudou o São Paulo e destacou, após a vitória por 2 a 1 no Mundial de 1992, que “os japoneses ficaram boquiabertos diante de um ponteiro como Müller”. Mas as negociações falharam e Müller só sairia do Morumbi em 1994, para o Kashiwa Reysol, do Japão.

O contrato de Telê Santana terminaria junto com o Mundial de Clubes de 1993. Cansado, ele pensava em tirar férias até a Copa do Mundo, que aconteceria no ano seguinte, nos Estados Unidos. Não tinha vontade nenhu-ma de comandar o São Paulo no Campeonato Paulista. “No Campeonato Paulista não vou trabalhar, vou dizer isso aos dirigentes se porventura ficar no São Paulo”, afirmou para A Gazeta Esportiva. “Não vou trabalhar no Paulista porque não leva a nada, não significa nada ganhar essa competição. É deficitária e mal feita. O SPFC vai jogar em Marília, por exemplo, e enche o estádio. Quando o Marília vem à capital, apenas 500 pessoas vão assistir ao jogo. Isso é campeonato? Esse negócio de renda dos mandantes é brincadeira. Mas a federação vai engordando seus cofres.”

57

Page 59: Sete Vezes Campeão

E ainda havia o interesse do futebol japonês. À Folha de S. Paulo, Telê negou que tivesse recebido oferta de U$ 300 mil para treinar a seleção daquele país, mas confirmou que pediu U$ 200 mil. “Não tenho muita vontade de vir para cá, por isso pedi essa quantia. Se eles aceitarem, venho, se não quiserem, fico no Brasil”, explicou. O técnico reuniu-se com o então presidente da Liga de Futebol Japonesa, Tokuaki Suzuki, e com o presidente da federação Kawabuchi Saburo, mas ficou no São Paulo e entregou a um jovem Muricy Ramalho o comando do time nas oito primeiras rodadas do estadual. “No trabalho do dia a dia isso não influenciava nada”, diz Ronaldão. “A gente estava preocupado com o Mundial, não com as férias do Telê. Era um assunto particular dele com o São Paulo.”

O adversário do São Paulo poderia não ter sido o Milan, mas o Olympique de Marselha. O clube francês venceu a final da Copa dos Campeões por 1 a 0, gol do zagueiro Basile Boli, mas foi impedido de representar a Europa no Mundial de Clubes por ter sido protagonista de um escândalo de manipulação de resultados na liga do seu país. O presidente do clube, Bernard Tapie, foi acusado de oferecerer U$ 45 mil ao meia Christophe Roberto, do Valenciennes, para “amolecer” a partida entre as equipes na penúltima rodada do Campeonato Francês. O Olympique venceu por 1 a 0 e conquistou o título nacional da temporada 1992/93. Quando o caso de suborno foi comprovado, a UEFA não só cassou esse título como impediu o denunciado de disputar a Copa dos Campeões do ano seguinte e o Mundial de Clubes. O Olympique de Marselha foi rebaixado em 1993/94 por irregularidades em suas finanças. Tapie ficou dois anos na prisão por cumplicidade em corrupção e por pagar propinas a testemunhas.

“Eu não conhecia a equipe do Marselha, mas conhecia o Milan”, afirma Toninho Cerezo. “Era uma grande equipe, que se compactava muito bem, então você tinha que usar a virada de jogo. Isso era fundamen-tal. Se a fizesse bem, pegava sempre um lateral no mano a mano com um ponta, então não daria tempo para a defesa do Milan se recompor. Eu fazia muito bem essa virada. Como o Müller era muito rápido, a gente tinha jogadinhas que matavam a defesa. O Müller, quando tomava a frente do defensor, não perdia mais a bola.”

O Milan tinha desfalques importantes para essa partida. A começar pelo artilheiro holandês Marco Van Basten, que foi operado no tornozelo direito dias antes do Mundial. Ele estava havia 11 meses longe do futebol e se aposentaria em 1995, por excesso de lesões, aos 31 anos. O técnico Fabio Capello ainda não poderia contar com o meia Gianluigi Lentini, o croata Zvonimir Boban e o dinamarquês Brian Laudrup, todos afastados por contusão. O atacante Dejan Savicevic era dúvida por questões legais. Ele havia sido expulso, quando ainda atu-ava pelo Estrela Vermelha, no segundo tempo da final do Mundial de 1991, contra o Colo-Colo, do Chile. O presidente do Milan, Silvio Berlusconi, enviou um fax à organização da Copa Internacontinental para buscar uma definição e recebeu como resposta a orientação de não escalá-lo. O iugoslavo, de fato, não atuou. Deu lugar ao romeno Florin Raducioiu.

O volante Demetrio Albertini levou uma forte pancada na vista em setembro daquele ano e ficou quatro partidas afastado. Depois, sofreu uma distensão muscular e poderia mais uma vez perder uma final de Mundi-al. Em 1989, quando o Milan enfrentou o Nacional de Medelin, ele teve um ataque de apendicite e foi cortado. No ano seguinte, estava emprestado ao Padova, da Série B italiana, e não enfrentou o Olimpia, do Paraguai. Albertini foi titular contra o São Paulo, mas não jogou a partida inteira – acabou substituído por Orlando.

O líbero Franco Baresi, um dos líderes da equipe, afirmou que o Milan era melhor que o São Paulo, embora estivesse preocupado com a habilidade, característica, segundo ele, inerente a todas as equipes sul-americanas. O técnico Capello via um adversário muito impetuoso nos primeiros minutos, mas que cansava rápido. “Por isso, se a equipe controlar o São Paulo na meia hora inicial, será possível vencer”, explicou.

O São Paulo não foi controlado na meia hora inicial. Massaro acertou o travessão de Zetti, mas foi o clube brasileiro que abriu o placar, com Palhinha, aos 19 minutos, usando as inversões de jogo alertadas por Cerezo. André Luiz dominou na esquerda e achou Cafu no outro lado do campo, atrás da linha de impedi-mento adiantada do Milan. O cruzamento, tantas vezes trabalhado por Telê Santana, foi rasteiro e encontrou Palhinha, que bateu de primeira e estufou as redes.

58

Page 60: Sete Vezes Campeão

“Cerezo jogou muitos anos na Europa e conhecia o Milan”, explica Cafu. “Sabia que se escolhêssemos uma jogada em que os laterais saíssem nas costas da defesa seria fa-tal. Eu peguei o lançamento do André Luiz meio de voleio para o meio da área, Palhinha antecipou o zagueiro e fez o gol.”

A defesa do São Paulo bobeou no começo do segundo tempo e Massaro empatou. Em uma cobrança de lateral, a bola foi afastada pela defesa de cabeça e caiu para Marcel Desailly. O francês jogou de primeira para dentro da área e o italiano apareceu livre para chutar por baixo das pernas de Zetti. O segundo gol tricolor mais uma vez passou por Palhinha. Ele abriu a jogada para Leonardo pela ponta esquerda. O cruzamento passou por toda a defesa do Milan e encontrou Toninho Cerezo na segunda trave. Com a calma que a experiência fornece, o veterano simplesmente encostou na bola e venceu o goleiro Rossi. “Foi um jogo bom, entre duas grandes equipes. Passou até veloz demais, esses jogos passam rápido, igual um foguete”, define.

O São Paulo levou perigo em dois contra-ataques com Juninho Paulista e Cafu, mas quem realmente assustou a torcida adversária foi o time italiano. Em bola lançada na área, Massaro cabeceou para o meio e Papin apareceu entre Cafu e Válber para empatar, a nove minutos do fim do jogo. Quando a expectativa era a prorrogação, brilhou mais uma vez a qualidade de Toninho Cerezo. E a sorte de Müller. “Eu fiz um lançamento para ele e, na dividida com o goleiro, ele virou para não bater de frente e acabou fazendo o gol. Virtude dele, porque estava no momento certo. Foi um golaço”, analisa Cerezo. “Gol vale de qualquer jeito e nos deu o título. Só não vale com a mão.”

“Foi um golaço de calcanhar. Ele estava consciente do que estava fazendo”, brinca Cafu. “Ele tentou sair do goleiro, bateu no calcanhar dele, que nem viu o que aconteceu.” Após o jogo, Müller confirmou que “nem viu direito” o lance e só percebeu que teve “felicidade porque a bola bateu no meu calcanhar” e entrou no gol. “O Müller fugiu de uma falta, a bola bateu no calcanhar dele e acabou entrando no gol”, lembra Ronaldão. “Com esse gol, a gente não poderia perder o título. Nós marcamos forte e ganhamos com autoridade.”

O São Paulo venceu o Milan por 3 a 2 e se tornou bicampeão mundial, igualando o feito do Santos de Pelé em 1962 e 1963. “Nós decepcionamos os críticos, os jornalistas, ganhamos os dois títulos e não foi somente sorte”, continua o ex-zagueiro. “Se você pegasse a imprensa, pelo complexo de inferioridade, tanto o Milan quanto o Barcelona eram superiores, mas, na prática, quem ganhou foi o futebol brasileiro. Saímos do Brasil sem a mínima possibilidade de ganhar e ganhamos os dois.”

O Milan colocou a culpa no goleiro Rossi. “Levamos um gol acidental. O Rossi foi infeliz no lance. Ja-mais poderia imaginar que o terceiro gol ia sair. Eu estava pensando na prorrogação”, admitiu o técnico Fabio Capello. Aos jornalistas italianos, ele também criticou a linha de impedimento da equipe. “Não sei por que não fizeram a linha de impedimento em pelo menos duas jogadas que originaram os gols do São Paulo. Eles treinam para fazer. Se não fizeram, o que posso dizer?”, argumentou.

Segundo A Gazeta Esportiva, o São Paulo venceu porque “Ronaldo novamente foi Ronaldo e porque Cerezo voltou a jogar como Cerezo. O zagueiro perdeu apenas uma bola. Dividiu todas, cobriu bem André e foi perfeito pelo alto. Como no ano passado, um jogador de nível internacional. O ‘menino’ Toninho Cerezo deu ao SPFC o que faltou em suas últimas partidas: a saída com consciência da defesa para o ataque. Marcou forte, duro, passou bem, fez um gol e deu um passe perfeito para Müller.”

O time do “menino” Toninho Cerezo era bicampeão mundial graças a uma partida iluminada do meio-campista de 38 anos. “Ganhar é sempre bom, principalmente naquela fase da minha idade”, comemora. “Eu sabia que não era mais menino. Dois títulos daquela grandeza, daquela importância. O São Paulo ganhou to-dos os torneios na Europa naquele período. Além de tudo dava prazer de jogar. Acho que isso sempre foi uma mentalidade do Telê, de ter um time que jogava futebol. Todos anos da minha vida, eu joguei uma final, ganhei ou perdi. O título seria consequência da competição. Em todos esses anos da minha vida, acreditei que a pos-sibilidade da vitória só dependeria de nós. De ter um time bom, como era o São Paulo”, encerra.

59

Page 61: Sete Vezes Campeão

O tricampeonato mundial do São Paulo começou nos pés de Aloísio (Foto: AP)

O garçom

Aloísio fez o que podia contra o São Paulo. Marcou o gol do Atlético Paranaense no empate por 1 a 1 no Estádio Beira-Rio, já que a Arena da Baixada não comporta 40 mil pessoas, número mínimo exigido pela Conmebol para um estádio abrigar a final da Libertadores. No Morumbi, foi espectador da goleada por 4 a 0 imposta pelo time paulista.

Se perdeu a chance de conquistar uma Libertadores, Aloísio começou a ganhar, naquele duelo, a opor-tunidade de ser campeão mundial. Ele conta que estava próximo de Rogério Ceni em um escanteio e ouviu: “Olha, você já vai vir para cá, vai devagar”. Aloísio não sabia de nada ainda. Achou que aquilo era um artíficio do capitão são-paulino para desconcentrá-lo. “Você está é com medo de eu fazer outro (gol) de cabeça”, respon-deu. “Quando você vier, vou ser o primeiro a te abraçar”, prometeu Ceni.

E o São Paulo precisava de outro atacante. O elenco que venceu a Libertadores pela terceira vez, com um placar agregado de 5 a 1 sobre o Atlético-PR, tinha apenas Amoroso e Christian em forma. Grafite recu-perava-se de uma cirurgia no joelho após séria lesão sofrida nas quartas de final da competição sul-americana, contra o Tigres, do México. Diego Tardelli não estava nos planos do técnico Paulo Autuori, tanto que ficou fora da lista de inscritos no Mundial e acabou emprestado ao Bétis, da Espanha. O jovem Thiago Ribeiro, 19 anos, ainda não inspirava confiança e era chamado apenas de “Thiago”.

Apesar de a diretoria do São Paulo ter negado que estava atrás de reforços, no início da noite de sexta-feira, 11 de novembro de 2005, o nome de Aloísio já aparecia no Boletim Informativo Diário (BID) da Con-federação Brasileira de Futebol, a CBF. Ele estava registrado, mas não poderia ajudar sua nova equipe a afastar a possibilidade de rebaixamento no Campeonato Brasileiro, pois já havia alcançado o número máximo de partidas pelo Atlético-PR.

60

Page 62: Sete Vezes Campeão

Autuori priorizou a Libertadores nas primeiras rodadas e deu um descanso aos principais jogadores após a conquista do título. Por causa disso, o melhor time da América passou cinco rodadas entre os últimos colocados do Nacional, até vencer o Vasco por 4 a 2, pular para o 14º lugar, engatar uma sequência de bons re-sultados e se estabelecer na metade da tabela. Ao vencer o Figueirense por 4 a 2 na 40ª rodada, abriu dez pontos de vantagem para o Coritiba e afastou de vez o perigo de disputar a Série B no ano seguinte.

“O Paulo Autuori resolveu dar um descanso de dez dias para alguns jogadores e dar sequência para os que não vinham jogando com frequência”, recorda o lateral direito Cicinho, hoje jogador do Sport. “Queria avaliar todo mundo para fazer a lista do Mundial. A gente sabia que quando fechasse o cerco o São Paulo tinha muita força e jogadores de qualidade. Foi um período de relaxamento, ganhamos o Paulista, a Libertadores. Tivemos a condição de colocar o pé no freio.”

Aloísio assinou contrato por três meses, com a intenção de estendê-lo até o fim de 2006. Ceni cumpriu a promessa feita durante a final da Libertadores. E até hoje é chamado de “patrão” pelo atacante. “Eu era são-paulino doente, desde pequeno, e de repente estava lá na Barra Funda (local do Centro de Treinamento). Jogar no time do coração foi um sonho realizado. Decidi uma Libertadores contra o São Paulo e de repente estava contratado para disputar o Mundial. Eu mesmo não acreditava naquilo”, admite o jogador, atualmente no CRB, de Alagoas.

Aloísio, então com 30 anos, chegou com um discurso humilde. Sentia-se honrado por ser o reserva de Christian e Amoroso. Naturalmente, constou na lista de 23 convocados para o Mundial de Clubes. Além dele, o ataque tinha os dois suspostos titulares, Grafite e Thiago Ribeiro — este, a surpresa de Autuori. A lista ainda apareceu com o zagueiro Alex no lugar de Fábio, o jovem Denilson na vaga de Alê e a ausência do polivalente Hernanes.

O zagueiro Edcarlos foi titular do São Paulo em cinco partidas da Libertadores. Virava reserva quando a equipe variava da tática padrão, o 3-5-2, para o 4-4-2, e foi convocado para a Seleção Brasileira sub-20. Isso fez com que perdesse as quartas de final e as semifinais. Voltou antes das duas decisões, mas o time estava jo-gando bem com Alex ao lado de Fabão e Lugano.

Alex sofreu uma entorse no tornozelo direito, o que ajudou Edcarlos a recuperar a posição. Suspeitando das condições físicas do zagueiro, Autuori chegou a incluir o reserva Flávio Donizete na delegação que viajou ao Japão. Em um dos primeiros treinos na Ásia, Alex não sentiu dores no local da lesão e foi confirmado. “O Alex cresceu, aproveitou bem. Quando voltei, o time estava encaixado para as finais. Depois pude ter tempo para reverter a situação e conseguir jogar o Mundial”, conta Edcarlos, hoje companheiro de Cicinho no Sport.

Com Amoroso confirmado, e Grafite ainda longe da forma física ideal, Aloísio brigava principalmente com Christian por um lugar no ataque. O gaúcho de Porto Alegre fez gol na estreia, marcou em cinco jogos se-guidos, mas iniciou um jejum em 5 de novembro de 2005. Mesmo assim, foi escalado como titular no terceiro dia de treinamentos no Japão e era cotado para iniciar a semifinal contra o Al-Ittihad, da Arábia Saudita. Mas quem jogou foi Aloísio.

“Eu não achava que seria titular, porque eles estavam lá há mais tempo. O Autuori falou que o Amoroso já tinha vaga garantida e nós tentaríamos conseguir a outra. Acabei indo bem nos treinos e ele optou por mim. Precisava ir bem no primeiro jogo, senão fodeu”, lembra, com sinceridade.

Aloísio foi bem no primeiro jogo, o São Paulo venceu por 3 a 2 e ele continuou no time. Uma decisão acertada de Autuori, pois aos 25 minutos e 59 segundos da final contra o Liverpool o atacante dominou um passe de Fabão e a bola subiu. Aloísio ignorou as orientações do treinador – deveria fazer o pivô para trás -, viu Mineiro nas costas dos defensores Jamie Carragher e Samy Hyypia e acertou um passe de trivela. Deixou o volante na cara do gol.

61

Page 63: Sete Vezes Campeão

“Eu fazia o pivô para quem vinha de frente para mim, mas na hora que a bola veio vi o Mineiro passan-do e dei aquela trivela. Eu tentei 100 vezes e ainda não consegui acertar de novo. Foi de Ronaldinho paraguaio. E o Mineiro foi o Romário paraguaio”, brinca.

Edcarlos valoriza o passe de Fabão, “ali pela lateral”, e Amoroso conta que chamou a atenção de Hyppia para ajudar na jogada. Cicinho exalta a “inversão de papéis” protagonizada por Aloísio. “Ele recebeu a bola no meio-campo, não era a posição dele. Foi muito inteligente porque fez o papel de lançador, de meia-atacante, e o Mineiro fez o papel de atacante”, relata, descrevendo o lance que fez o São Paulo abrir 1 a 0 na final do Mundial de Clubes.

62

Page 64: Sete Vezes Campeão

Amoroso era o único garantido no ataque e marcou duas vezes na semifinal (Foto: Getty Images)

O artilheiro

“Cheguei para ser campeão”, prometeu Amoroso em sua apresentação no CCT da Barra Funda, em 18 de junho de 2005. Grafite estava seriamente lesionado – a expectativa dos médicos era contar com ele apenas em 2006 -, e Diego Tardelli, assim como Edcarlos, estava com a Seleção Brasileira sub-20. O São Paulo estava prestes a enfrentar o River Plate, da Argentina, nas semifinais da Libertadores, e contava com apenas dois ata-cantes na época: Luizão e Roger.

Revelado pelo Guarani, Amoroso estava desde 1996 na Europa. Passou por Udinese e Parma, da Itália, Borussia Dortmund, da Alemanha, e Málaga, da Espanha, clube com o qual rescindiu contrato em 30 de maio daquele ano. Chegou e foi imediatamente titular na vitória por 2 a 0 sobre o River Plate, da Argentina, no Mo-rumbi. Jogou 90 minutos na partida de volta, no Monumental de Núñez, em Buenos Aires, e contribuiu com um gol no segundo triunfo do São Paulo, desta vez por 3 a 2. Balançou as redes na final contra o Atlético-PR, abrindo o placar aos 16 minutos do primeiro tempo da goleada por 4 a 0.

Com 14 gols em 27 jogos no ano, Amoroso era o único atacante garantido no time titular. Um status que, segundo seus companheiros, era totalmente merecido. “Com certeza absoluta. Não tem nem o que falar do Amoroso. Um craque, como jogador e pessoa. Poucos jogadores do futebol brasileiro têm a humildade dele”, afirma Aloísio.

Amoroso trazia da época de Guarani um entrosamento natural com Luizão, que disputou a Libertado-res mas depois preferiu ir para o Japão, atuar pelo Nagoya Grampus, e não para jogar o Mundial de Clubes. O importante era o novo companheiro de ataque se adaptar bem. “Era uma briga saudável”, conta Amoroso. “O objetivo era trazer o título mundial para a nação são-paulina, então o mais importante era o grupo estar unido, independente de quem fosse jogar. Dependeria muito do Autuori.”

63

Page 65: Sete Vezes Campeão

Amoroso tinha contrato com o São Paulo até o fim daquele ano. Ele expiraria pouco depois da de-cisão do Mundial. O clube queria esperar a definição do título para procurar o atacante, que se antecipou e assinou um pré-contrato com o FC Tóquio em outubro daquele ano. “Minha intenção era fazer o São Paulo se movimentar para me contratar em definitivo por três anos para eu não sair mais do Brasil”, explica. “Fiquei aguardando de outubro até dezembro para o São Paulo manifestar interesse. Não se manifestaram, ficaram esperando o Mundial para saber em quem poderiam apostar.”

A atitude de Amoroso irritou o São Paulo. As declarações do presidente Marcelo Portugal Gouvêa à Folha de S.Paulo, à época, deixavam claro que o futuro do jogador estava longe do Morumbi. “Se ele quiser ir, que vá. Não assinou o contrato obrigado. Renovamos com Lugano, Cicinho. Fazemos o possível. Isso foi opção dele. Jamais vamos cobrir uma proposta do exterior”, avisou.

O pré-contrato de Amoroso previa uma multa rescisória de U$ 500 mil (R$ 1,1 milhão), mas havia uma exceção para o São Paulo. “Não tinha nenhum valor para o São Paulo se eu permanecesse, nenhuma multa a partir do momento em que o São Paulo se manifestasse”, esclarece. “Eles sempre me tiveram de graça, sem nenhum valor de luvas (premiação dada pelos clubes na hora da contratação). O contrato com o FC Tóquio só teria valor se outro clube quisesse me contratar. Logo depois da Libertadores, pedi para eles renovarem meu contrato. Sabia que se voltasse do Mundial com o título vários clubes europeus bateriam na minha porta.” Ele tinha razão. O FC Tóquio não cumpriu o que tinha prometido e Amoroso acertou para jogar no Milan, da Itália.

O atacante não deixou que a questão atrapalhasse seu rendimento em campo. Com dois gols dele, o São Paulo venceu o Al Ittihad, da Arábia Saudita, na semifinal do Mundial de Clubes. O clube árabe era con-siderado “de aluguel”, porque fez muitas contratações apenas para a disputa da competição em solo japonês. Os brasileiros Pedrinho, ex-Vasco, Magrão, ex-Palmeiras, e Lima, ex-Atlético-PR foram vetados pela FIFA. O camaronês Job estava suspenso por duas partidas por causa de uma expulsão durante a Copa da Ásia. Desse pacote de reforços, apenas Mohamed Kallon, de Serra Leoa, atuou contra o São Paulo.

“Para mim, o jogo mais difícil seria esse primeiro da semifinal, principalmente pela ansiedade e von-tade de entrar em campo para saber como nos comportaríamos em uma possível final”, diz Amoroso. “Eu sabia que aquele jogo poderia ser o mais difícil e depois as coisas acabaram fluindo normalmente. Foi uma partida no primeiro tempo e outra no segundo.”

O time começou nervoso, errando passes. O alívio só veio aos 15 minutos, quando o meia Danilo, car-acteristicamente, buscou o lado esquerdo do campo e cruzou para Amoroso. “Esse primeiro gol tirou um peso das minhas costas”, admite. “Pensaram que eu já estava com a cabeça no futebol japonês. Minha vontade era chorar com todo mundo porque fazer esse gol não tinha preço. Tirei toda minha raiva, um peso das costas.” A bola de Danilo veio alta, Amoroso matou no peito e estufou a rede. “O zagueiro cortou errado, dominei, deixei ela cair e bati. Ela teve um desvio na perna do zagueiro”, descreve.

Aos 32, Kallon puxou rápido contra-ataque e chutou forte. Rogério Ceni espalmou e dividiu o rebote com o meia Mohammed Noor, que ganhou a disputa e empatou o jogo. No intervalo, o tricampeão da América apenas empatava com o time árabe. “Não conhecíamos tanto o futebol árabe”, confessa Edcarlos. “Achávamos que não teríamos tanta dificuldade.” Cicinho admite o nervosismo, por se tratar de uma estreia, e o descon-hecimento em relação ao adversário: “Quase fomos surpreendidos. Sabíamos da nossa obrigação de vencer. Começamos muito bem, mas acabamos sofrendo um pouco”.

O medo de não conseguir vencer acabou logo no primeiro minuto do segundo tempo. Cicinho recebeu na linha de fundo e cruzou na pequena área. A bola mais uma vez encontrou Amoroso. “Cicinho tabelou com Aloísio, entrou no fundo e colocou no segundo pau. Foi tudo muito rápido”, conta o atacante. Aos 10, Aloísio foi derrubado dentro da área e o goleiro Rogério Ceni marcou de pênalti, colocando no canto alto do seu colega de posição Mabrouk Zaid.

64

Page 66: Sete Vezes Campeão

Com 3 a 1 no placar, o São Paulo ainda sofreu um certo sufoco no fim. Aos 22, o brasileiro Tcheco cobrou escanteio da esquerda e Al Montashari diminuiu de cabeça. “Não achamos que seria fácil”, contrapõe Aloísio. “Encaramos ali com seriedade, respeito, humildade e conseguimos o resultado. Eles ainda fizeram uma pressãozinha.”

Com o placar de 3 a 2, o São Paulo estava na final do Mundial de Clubes, mas o clima estava longe de ser ser tranquilo. Após a partida, os jogadores se recusaram a conversar com a imprensa. As exceções foram Rogério Ceni, escolhido pela FIFA para dar a entrevista coletiva obrigatória, e Amoroso, que parou para re-sponder algumas perguntas.

Havia um problema com a premiação para o Mundial. Segundo o site Terra, os jogadores confirmaram que, antes da semifinal, estavam com medo de passar aos torcedores a impressão de estarem preocupados ape-nas com o dinheiro. “Se tivéssemos perdido o jogo, entraríamos para a história como o time mais mercenário de todos os tempos”, disse o zagueiro Lugano. “Como voltaríamos para casa se tivéssemos perdido? Como mercenários? O dinheiro ia fazer a diferença na vida do Amoroso e do Cicinho, por exemplo? Queremos ser campeões do mundo”, acrescentou o goleiro Rogério Ceni. O presidente Marcelo Portugal Gouvêa definiu tudo antes da estreia e destinou os R$ 10 milhões que receberia pelo título aos jogadores. Sete anos mais tarde, os jogadores negam qualquer problema com a premiação.

“Não teve desentendimento nenhum”, garante Amoroso. “Foi tudo inventado pela imprensa de que o grupo tinha rachado por não estar de acordo com a premiação. A imprensa estava tentando tumultuar o ambi-ente do São Paulo, que era tranquilo e sereno. Criamos aquele momento, nos fechamos e nada iria nos abalar. Eu tinha a vida resolvida (financeiramente), mas um título mundial poderia mudar minha vida.”

De acordo com Cicinho, o elenco era muito unido e a ideia de não falar com a imprensa partiu de uma conversa conjunta. Ele lembra que até parou de assistir à televisão e ver programas de esporte para evitar que palavras negativas influenciassem o seu rendimento. “Foi devido ao que estavam falando no Brasil. A imprensa estava lá para tumultuar o ambiente e davam o São Paulo como derrotado. Nós preferimos não rebater com palavras, mas com futebol. Estávamos chateados, magoados. Diziam que o São Paulo não tinha condições de vencer o Liverpool, ia tomar de goleada, era baixo, time de Bambi, a história que sempre rola no São Paulo”, explica.

Sempre tentando fugir das polêmicas, Aloísio diz que “nem lembrava disso” e apenas ficou sabendo pe-los assessores de imprensa que os dois (Amoroso e Ceni) seriam responsáveis pelas entrevistas. Edcarlos evitou a palavra boicote e falou em “preservação”: “Era uma final de competição muito importante. Resolvemos nos preservar para focar mais em uma final de competição tão importante”.

65

Page 67: Sete Vezes Campeão

Pequeno e tímido, Mineiro passou pelos zagueiros altos do Liverpool e fez o gol da vitória (Foto: Divulgação)

O gaúcho

Mineiro, na verdade, é gaúcho. Carlos Luciano da Silva nasceu em Porto Alegre, em 2 de agosto de 1975, e herdou o apelido do irmão André, nas categorias de base do Internacional. A nomenclatura veio de um ex-jogador do próprio Inter, chamado Cláudio Mineiro, campeão brasileiro em 1979. Na escolinha, André era Mineiro e Luciano era Mineirinho. Com a aposentadoria do irmão, Luciano virou definitivamente Mineiro.

O volante foi dispensado do Internacional por causa da baixa estatura. Mas o jogador de 1,69 metro não desistiu e foi aprovado em um teste no Rio Branco, de Americana. Depois de passar por Guarani, Ponte Preta e São Caetano, acertou com o São Paulo nos últimos dias de 2004. Um ano depois, sua altura era mais uma vez colocada à prova contra os gigantes do Liverpool.

Sem maiores problemas, o clube inglês passou pelo Deportivo Saprissa, de Costa Rica, na semifinal. O técnico Rafa Benítez poupou alguns dos principais jogadores, como os atacantes Luis Garcia e Fernando Morientes e o meia australiano Harry Kewell. O placar de 3 a 0 foi construído com dois gols de Peter Crouch, de 2,01 metros, e um do capitão Steven Gerrard, de 1,83 metro.

Perto do que o Liverpool havia feito em maio daquele ano, vencer um time da Costa Rica era um pas-seio no parque. Em Istambul, o time foi para o intervalo da final da Liga dos Campeões perdendo de 3 a 0 para o Milan. No segundo tempo, em apenas seis minutos, Gerrard, o atacante Vladimir Smicer e Xabi Alonso em-pataram. A partida foi para os pênaltis. Com erros do brasileiro Serginho, Pirlo e Andriy Shevchenko, o goleiro polonês Jerzy Dudek se consagrou, e o Liverpool conquistou seu quinto título europeu.

A defesa liderada pelo capitão Jamie Carragher e o novo arqueiro José Manuel Reina completou 11 jo-gos sem tomar gols contra o Saprissa, superando o recorde da temporada 1987/88, quando passou 10 partidas ilesa. Foram nove vitórias e dois empates nesse período. “Nós nos sentimos imbatíveis neste momento”, admi-tiu Gerrard depois da semifinal. “A equipe está orgulhosa deste recorde. A defesa e o goleiro foram soberbos

66

Page 68: Sete Vezes Campeão

todos têm trabalhado duro. Não queremos apenas superar marcas, e sim conquistar troféus.” A declaração não repercutiu bem nos vestiários do São Paulo. “Acharam que iam passar por cima, sem humildade, sem respeito. Uma Ferrari por cima de nós, um Fusca, uma Brasília”, brinca Aloísio. “Não sei se foi uma declaração desres-peitosa”, pondera Cicinho. “Eles estavam em um grande momento e não imaginavam o que tinham pela frente. Achavam que encontrariam um time amedontrado, sem qualidade. Quanto tentaram acordar, a vaca já tinha ido para o brejo..

O São Paulo se preparou para enfrentar o Liverpool. Apesar das dificuldades na semifinal, sabia que o duelo principal seria esse. Segundo o jornal Lance!, a comissão técnica montou um dossiê com vídeos para analisar as jogadas do time adversário. Até o meia Kaká, àquela época no Milan, enviou fitas para o ex-clube. A principal preocupação eram as bolas paradas. “Eu conhecia a qualidade do Liverpool por já ter jogado contra eles no futebol europeu”, lembra Amoroso. “Eu sabia como enfrentá-los, então a gente se preparou para que esse jogo fosse do jeito que a gente queria..

“Eles tinham um ataque muito alto e eram muito fortes de cabeça”, acrescenta Cicinho. “Sabíamos das jogadas, marcamos as principais deles e poderíamos levar vantagem na velocidade.” Na velocidade, aliás, Mi-neiro, 1,69 metro, começou a mandar a vaca do time inglês para o brejo quando recebeu passe de Aloísio, aos 26 minutos. Nas costas de Carragher, 1,86 metro, e Sami Hyypia, 1,96 metro, ficou cara a cara e tocou no canto direito do gol do Estádio Internacional de Yokohama, para acabar com a invencibilidade do Liverpool.

67

Page 69: Sete Vezes Campeão

Rogério Ceni “voa” para defender a falta cobrada por Steven Gerrard (Foto: Reproduçao/ESPN Brasil)

O mito

“Nós fizemos tudo que pudemos para vencer”, lamentou o técnico Rafa Benítez, do Liverpool. “Conse-guimos 21 chutes e 17 escanteios. Acertamos a trave duas vezes e tivemos três gols anulados.” E não venceram. O que se seguiu ao gol de Mineiro, que abriu o placar para o São Paulo na decisão do Mundial de Clubes, foi uma partida de ataque contra defesa. E a defesa prevaleceu porque Rogério Ceni não deixou nenhuma bola passar. Natural de Pato Branco, no Paraná, Ceni chegou ao clube do Morumbi em 1990 e nunca mais saiu. O capitão do São Paulo estava com 32 anos e já havia sido essencial na conquista da Libertadores. Além das quali-dades debaixo da trave, destacou-se em 2005 pelos gols marcados. Foram 21, sendo 11 de falta e 10 de pênalti. Naquela temporada, mais que nas outras, as atuações em campo se misturaram com características naturais de liderança.

“O Rogério é uma bandeira do São Paulo”, comenta Amoroso. “Todos sabem o que ele representa e o carinho que tem pelo clube. Isso não tem nem palavras para expressar.” Aloísio, que sempre se refere ao goleiro como “patrão”, também o vê como um líder: “Na hora que o time está perdendo, ele chama a responsabilidade, chama o grupo, une, fala o que está errado. Isso é ser líder”.

Segundo Edcarlos, Rogério Ceni se destaca pelo seu profissionalismo. “Ele é simples, objetivo. Um cara que procura se impor e nunca chega atrasado, apesar da força que tem no São Paulo. Ele não usa esse ar-tifício para levar vantagem, procura se envolver o mínimo possível nas coisas. Na hora de dar dura ele chama e conversa, mas nunca usa os anos de clube”, relata. Além de tudo, na opinião de Cicinho, o goleiro tem uma inteligência acima da média para jogadores de futebol: “Muitos taxam jogadores de ignorantes, que nós não entendemos das coisas, e ele é diferente. Entende de todos os assuntos. A cobrança faz com que todos os cob-rados aumentem seu rendimento”.

67 68

Page 70: Sete Vezes Campeão

Rogério Ceni chamou o grupo antes de começar a final do Mundial de Clubes e falou “as palavras certas na hora certa”, segundo Cicinho, que conta o que o capitão disse: “Sabemos que nosso time é bem baixo, mas cada um tem que confiar em si mesmo. Eu confio em mim, no Cicinho, no Júnior, no Josué e sei que vamos ganhar”. Ceni também lembrou as palavras de Steven Gerrard e as utilizou para motivar os seus “comandados”. “Ele soube mexer com os brios dos jogadores”, continua o lateral direito. “Isso fez com que tivéssemos a confi-ança. Todo mundo falando que o Liverpool ia passear, ganhar a final tranquilamente, mas mostramos que os imbatíveis éramos nós.”

“Lógico que mexe com o grupo”, acrescenta Edcarlos. “Chegamos com bastante tempo para nos pre-parar e eles falaram que não precisavam chegar tão cedo, já se sentiam preparados para o título. Essa situação de falarem que eram imbatíveis soou muito positivo para a gente e entramos com mais força ainda. Você vai jogar contra o cara e ele fala que é imbatível? Pela forma como eles estavam tratando o jogo, deixaram transpa-recer que já estava ganho. Acho que foi o maior erro deles.”

O Liverpool tentou continuar imbatível depois do gol de Mineiro, mas Rogério Ceni, a trave e o auxiliar Héctor Vergara não deixaram. Luis Garcia acertou o poste aos 28 minutos do primeiro tempo. Aos 35, Ger-rard pegou de primeira uma bola limpa na entrada da área e errou um chute que costuma acertar. Na jogada ofensiva seguinte, Garcia escorou de cabeça, mas, com reflexo apurado, o capitão tricolor pulou no canto e evitou o gol de empate. “Foi uma das partidas que eu mais defendi na minha vida”, admite Amoroso. “Eu tinha que defender, ajudar o Edcarlos, o Fabão. Não tinha vaidade. Todo mundo estava com um objetivo só. No final todos ficariam marcados na história.”

Na segunda etapa, a pressão aumentou e Ceni, logo aos 7 minutos, precisou executar a defesa mais impressionante da partida. Uma falta pelo lado esquerdo da entrada da área foi cobrada com perfeição por Steven Gerrard. A bola flutuava na trajetória correta. Entraria no ângulo, a milímetros da junção da trave com o travessão. Rogério Ceni impediu. Pulou alto, trocou as mãos e espalmou. “Todo mundo até hoje fala dessa defesa da falta do Gerrard”, afirma Aloísio. “Ele foi fundamental na conquista. O patrão é o patrão.”

Rogério ainda fez outra defesa fundamental, aos 20 minutos do segundo tempo. Luis Garcia dominou um longo lançamento e ganhou de Lugano na habilidade. Estava muito próximo ao gol adversário e chutou forte, cruzado e alto. Mais uma vez no reflexo, Ceni estapeou a bola por cima da trave.

“Foi a maior partida de Rogério na história dele”, elogia Amoroso. “Nunca mais vi ele ter uma atuação daquela como goleiro. Ele foi muito exigido durante os 90 minutos e acabou colocando a gente em uma situa-ção confortável. A confiança parte do goleiro, e naquele momento ele nos dava total confiança.”

O São Paulo ainda contou com uma noite inspirada do auxiliar canadense Héctor Vergara. Ele anulou três gols ilegais do Liverpool. Dois por impedimento – de Luis Garcia e Sinama-Pongolle – e um de Samy Hyypia, após escanteio que foi cobrado diretamente para fora. Naturalmente, as atuações do árbitro Benito Archundia, que não expulsou Lugano por uma entrada dura em Gerrard, e do bandeirinha motivaram recla-mações inglesas.

“Você não teria um árbitro mexicano e um auxiliar canadense em uma final de Copa do Mundo”, dispa-rou Benítez nos vestiários. “Eu fiquei desapontado com o árbitro. É inacreditável que ele não tenha dado cartão vermelho naquele lance. Eu também quero saber por que houve apenas três minutos de acréscimo.”

Os jogadores do São Paulo comemoraram a perícia de Vergara. “Se é outro bandeirinha fraco tinha dado o gol. Ele estava concentrado”, lembra Aloísio. “Tenho que agradecer que ele estava em um dia feliz”, comenta Amoroso. “Ele estava correto em todas as jogadas. Foi o dedo de Deus”, assegura Cicinho. Anos mais tarde, ao jornal Lance!, o auxiliar afirmou que teve 100% de certeza em todas as decisões e que, se tivesse er-rado, provavelmente seria o fim da sua carreira em alto nível, porque “é difícil perdoar alguém que vem do Canadá”.

69

Page 71: Sete Vezes Campeão

O tom das críticas dos ingleses à derrota do Liverpool foi brando. Eles reconheceram a boa apresen-tação do time, mas criticaram o elenco montado por Rafa Benítez. O jornal The Telegraph afirmou que Peter Crouch e Fernando Morientes têm características parecidas. Luis Garcia movimentava-se mais, mas não con-seguia aparecer nas costas da defesa como o ex-atacante do clube, Michael Owen, fazia. A publicação acredita que a responsabilidade dos gols recaiu demais sobre o meio-campo, principalmente em Gerrard.

Benítez observou após a partida que o São Paulo recuou muito depois de marcar o gol e que “normal-mente você não vê um time brasileiro defendendo dessa forma”. O The Telegraph foi mais ácido e escreveu que “o time que já teve Gérson, Careca, Leonardo, Cafu e Kaká concentrou-se puramente na vitória e não no entretenimento”.

“O que vale é levantar caneco, amigo”, responde o bem-humorado Aloísio. “O Brasil de 1994 (campeão da Copa do Mundo) jogou bonito? Decepcionou a torcida brasileira? Jogou para dar espetáculo? Não jogou.” Cicinho diz que é muito difícil jogar contra um adversário europeu que abusa das jogadas aéreas. “Era o que a gente tinha em mãos. Sabíamos que depois de fazermos o gol tínhamos que partir para o contra-ataque”, explica. Amoroso usa um discurso mais contemporizador e exalta a estratégia de Paulo Autuori: “Não foi uma crítica. Nossa estratégia sempre foi aquela. Sair na frente, furar a defesa do Liverpool e nos defender. Não adi-anta jogar bonito, ter 90% de posse de bola e perder o jogo.”

A imprensa internacional destacou o feito do São Paulo. O jornal italiano Gazzetta dello Sport e o francês L’Equipe colocaram a conquista nas suas páginas principais. O jornal argentino Olé lembrou que o clube brasileiro sofreu, mas “foi campeão”, apesar de o Liverpool ter dominado a partida. “Foi uma experiên-cia única. Meu nome está na história do São Paulo”, comemora Cicinho. “Não pode perder final de Mundial. Seríamos criticados por todo mundo.”

O avião que trouxe o São Paulo para o Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Zona Norte da capital paulista, ficou no ar por 34 horas e fez escala em Frankfurt, na Alemanha. Aloísio conta que antes de embarcar Rogério Ceni foi dar a mão para Gerrard, que recebeu o cumprimento sem olhar para o goleiro.

Com o avião ainda em movimento, Rogério apareceu na janela da cabine de comando e agitou uma bandeira do clube. Cerca de cinco mil pessoas, segundo a Polícia Militar, festejaram os ídolos no aeroporto. Mi-neiro subiu no trio elétrico carregando a taça e o comboio são-paulino atravessou a cidade. “Acabamos calando a boca de muita gente”, provoca Amoroso. “Muita gente não acreditava. Teve um gostinho a mais justamente porque nós fomos para lá descreditados.”

A primeira parada foi a sede da prefeitura, para encontrar o prefeito da época, José Serra, palmeirense, que recebeu os jogadores com uma faixa “São Paulo tricampeão”. Depois, o trio-elétrico dirigiu-se ao Palácio do Governo para ser homenageado pelo governador Geraldo Alckimin (santista), às 15h50 (de Brasília), nove horas e 20 minutos depois do avião aterrissar. O então presidente Luis Inácio Lula da Silva, corintiano, para-benizou o clube em uma nota oficial pelo São Paulo ter “mais uma vez elevado o nome do Brasil ao topo do mundo”.

“Esse título representou tudo”, resume Aloísio. “Minha terra parou para ver aquela final e me ver levar o nome de Atalaia (Alagoas) para o mundo. Um atalaiense campeão mundial.”

69 70

Page 72: Sete Vezes Campeão

O “MUNDIALITO” OFICIAL

Luizão ajoelha-se no Maracanã e comemorar o título do primeiro Mundial da Fifa (Foto: Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem)

Tudo começou no Egito

Foi no Cairo, capital do Egito, que a FIFA anunciou a sede do primeiro Mundial de Clubes organizado por ela. Em 7 de junho de 1999, o Brasil venceu a concorrência com Arábia Saudita, México e Urugua, e definiu os estádios do Morumbi, em São Paulo, e Maracanã, no Rio de Janeiro, como palcos dos jogos que seriam re-alizados em janeiro do ano seguinte. O torneio foi confirmado com oito clubes: um representante de cada uma das seis confederações filiadas à Fifa, uma indicação do país-sede e o campeão da Copa Intercontinental.

O torneio intercontinental, disputado entre os campeões da Europa e da América do Sul entre 1960 e 2004, jamais foi reconhecido oficialmente pela FIFA como o campeonato mundial de clubes, embora ela não esqueça os vencedores, uma vez que chamou o São Paulo de “tri mundial” em sua página na internet após a vitória sobre o Liverpool, por 1 a 0, em 2005, na final da segunda edição do seu torneio oficial.

Essa competição, vencida pelo tricolor paulista em 1992 e 1993, foi uma iniciativa do presidente do Real Madrid, Santiago Bernabéu, em 1960. Após vencer cinco vezes consecutivas a Copa dos Campeões da Europa, ele queria testar a força do seu time com adversários de outras partes do mundo. Um acordo entre a União Europeia de Futebol e a Confederação Sul-Americana de Futebol permitiu que jogos de ida e volta fos-sem realizados até 1979.

A disputa envolvia os campeões da Copa Libertadores e da Copa dos Campeões da Europa, mas, as-sustados com a falta de segurança dos estádios sul-americanos e com a violência de seus adversários em campo, apenas dois campeões europeus aceitaram a viagem continental para jogar futebol entre 1971 e 1979. Quem salvou a disputa foi a montadora de carros Toyota, que decidiu tornar-se a principal patrocinadora e a partir de 1980 definiu o Japão como sede de um jogo único, mantendo os critérios de participação.

71

Page 73: Sete Vezes Campeão

O Mundial realizado pela FIFA em 2000 parecia mais com a Taça Rio. As sedes são as mesmas, embora em 1951 e 1952 os jogos em São Paulo tenham sido realizados no Pacaembu – o Morumbi foi inaugurado em 2 de outubro de 1960. Também foram formados dois grupos de quatro times. A principal semelhança com o primeiro embrião de um torneio intercontinental, porém, é a politicagem para definir seus representantes.

Na década de 1960, o comitê organizador da Taça Rio usou o estádio do Maracanã como principal trunfo para sediar a competição e contava com as altas rendas de bilheteria para cobrir os custos. Embora existisse o Torneio Rio-São Paulo, os promotores do evento preferiram não arriscar e deram duas vagas para representantes brasileiros: Palmeiras, campeão paulista, e Vasco da Gama, campeão carioca, ambos em 1950.

Praticamente 50 anos depois, a mentalidade dos dirigentes permaneceu a mesma. A Copa Libertadores da América de 1999 seria decidida entre Palmeiras e Deportivo Cali, da Colômbia, e o Campeonato Brasileiro de 1999 nem havia começado quando a Conmebol indicou o Vasco, campeão da Libertadores do ano anterior, para disputar o Mundial. Aproveitando a deixa, e usando a “uniformidade de critérios” como justificativa, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, decidiu que o Corinthians, campeão brasileiro de 1998, seria o representante do país-sede.

Era vontade do chefe da CBF que houvesse um clube de São Paulo e um do Rio de Janeiro. Teixeira que-ria provar que o Brasil conseguia hospedar grandes competições para fortalecer a candidatura do país a sede da Copa do Mundo de 2006. Tanto é que Teixeira ficou assustado quando o presidente da Conmebol, o paraguaio Nicolás Leoz, disse no dia anterior à final da Libertadores, entre Palmeiras e Deportivo Cali, em 15 de junho, que estudava rever a decisão de indicar o Vasco, alegando que “pensava que o Mundial fosse em julho”, hipótese que nunca foi levantada. “O assunto está liquidado”, garantiu Teixeira à Folha de S. Paulo. “Já houve comunica-ção da FIFA e da Confederação Sul-Americana. A CBF vai lutar para garantir o Vasco no torneio.”

Um dos principais jornalistas esportivos do Brasil e ex-diretor de redação da conceituada revista Placar, Juca Kfouri escreveu uma coluna em 20 de junho de 1999 na Folha de S.Paulo criticando a decisão política das entidades e afirmando que a credibilidade do torneio ficou em xeque. “Era preciso garantir torcida no primeiro Campeonato Mundial de Clubes oficialmente organizado pela Fifa. Como o torneio será disputado em São Paulo e no Rio de Janeiro, tornou-se necessário inventar um critério que garantisse a inclusão de uma equipe de cada cidade. Se o campeão brasileiro de 1999 não for do Rio? E se o Palmeiras não ganhasse do Deportivo Cali? Já imaginou? A América do Sul defendida pelos colombianos e o representante brasileiro ser um clube fora do eixo Rio-São Paulo? Quem iria? O Mundial da FIFA já nasce irremediavelmente comprometido, sem representatividade, como um torneio qualquer, muito menos importante do que o jogo de Tóquio, entre os campeões Palmeiras e Manchester United (Inglaterra), que representam continentes onde se joga o melhor futebol do mundo”.

Juca também apontou os motivos das escolhas. “Por que a CBF trataria de beneficiar o Vasco, clube que tem negócios com Pelé? O simples fato de pagar os favores que Eurico Miranda (vice-presidente de futebol do clube) tem feito na Câmara Federal seria o suficiente. E o Corinthians? Ora, o Corinthians é Traffic (empresa de marketing esportivo). Traffic é CBF, é Klefer, empresa de Kleber Leite (ex-presidente do Flamengo e candidato de Teixeira à presidência do Clube dos 13 em 2010), escolhida pela CBF para ser a responsável pelo marketing do Mundial de Clubes da Fifa”.

De fato, em 24 de junho de 1999, o Vasco foi confirmado oficialmente em um comunicado emitido pela Conmebol. O responsável pelo departamento de comunicação da entidade, Nestor Benítez, afirmou que não havia a possibilidade de entrar com qualquer recurso e estava definido que sempre o campeão sul-americano jogaria o Mundial dois anos depois. O Palmeiras venceu o Deportivo Cali e acatou a decisão sem fazer barulho, pois lhe foi prometida uma vaga na edição de 2001.

Os grupos foram até sorteados. O Palmeiras caiu na chave do Galatasaray, da Turquia, do Al Hilal, da Arábia Saudita, e do Olimpia, de Honduras. O torneio marcado para começar em 28 de julho de 2001 e sediado em Madrid, na Espanha, teria três grupos, com representantes de Espanha, Argentina, Austrália, Egito, Gana,

72

Page 74: Sete Vezes Campeão

Japão e Estados Unidos, mas sequer começou. A falência da International Sport and Leisure (ISL), agência de marketing responsável pelos direitos de transmissão das competições da Fifa, obrigou a entidade a cancelar o torneio. “Sentimos que algo estava errado e precisávamos de outro formato, pois tivemos o que não podería-mos ter: dois clubes do mesmo país na final (Vasco e Corinthians)”, justificou o presidente Joseph Blatter, dez anos depois, em um discurso antes de sortear as chaves da edição 2010 do Mundial de Clubes. “Então tivemos que interromper a competição, por diferentes razões. Além disso, nos anos seguintes, houve outros problemas na Fifa.”

O Palmeiras ficou irritadíssimo. Em parceria com muitas empresas, como a Planeta Brasil Turismo Via-gens e a B2 Comunicação, o clube montou um extenso material promocional para incentivar os torcedores a viajarem para a Espanha e acompanhar o torneio. O material contava com declarações dos principais jogadores do time, como o goleiro Marcos: “Sabemos que a conquista do título mundial é fundamental para o clube e vamos dar o máximo para que ela realmente aconteça”.

A Fifa prometeu indenizar os envolvidos, mas isso não minimizou a fúria de Luiz Felipe Scolari, que nem era mais técnico do Palmeiras. Ele ficou revoltado porque avalia que a diretoria alviverde abriu mão de disputar o Mundial de 2000 em troca de uma promessa vazia. “Não se abre mão de um direito adquirido em nome de nada”, afirmou à edição de 25 de maio de 2001 do Jornal da Tarde. “Eles me disseram que o Palmeiras iria abrir mão porque teria assegurado a participação no Mundial de 2001. O Vasco ficaria com a nossa vaga porque interessava para a realização do campeonato ter um time do Rio de Janeiro. A desculpa que convenceu os dirigentes foi que se ganhássemos o Mundial, do Japão, em dezembro de 1999, só teríamos um mês para desfrutá-lo. Fui contrário desde o início. Estou me sentindo roubado. Eu avisei. E agora? Cadê a competição? Em futebol não se confia em ninguém. Sinto raiva, bronca, vergonha.”

O presidente palmeirense na época, Mustafá Contursi, negou que tenha feito um acordo para permitir que o Vasco fosse o representante sul-americano e disse que apenas acatou uma determinação da Conmebol. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o clube sofreu um prejuízo de R$ 10 milhões pelo cancelamento do torneio. O Palmeiras ameaçou entrar na Justiça contra a FIFA, mas se contentou com uma indenização de U$ 750 mil (R$ 1,7 milhão).

Em 2000, apenas a Ásia seguiu o critério brasileiro e sul-americano para escolher o seu representante. O Al Nassr venceu a Copa dos Campeões de 1998. Por ter sido campeão da Copa Intercontinental daquele ano, o Real Madrid também conseguiu vaga, já que o intervalo entre a final da Copa Toyota de 1999 e o início do torneio organizado pela FIFA foi de apenas 36 dias. Oceania, África, América do Norte e Europa foram com os ganhadores de 1999, respectivamente South Melbourne (Austrália), Raja Casablanca (Marrocos), Necaxa (México) e Manchester United (Inglaterra).

73

Page 75: Sete Vezes Campeão

O chute de Fábio Luciano não entrou no gol, mas ele comemorou mesmo assim (Foto: Jorge Araujo/Folha de S. Paulo)

A bola que não entrou

Bicampeões brasileiros, os jogadores do Corinthians ganharam o direito de passar o Natal com suas famílias, mas apenas isso. A série de três jogos contra o Atlético-MG, que deu também o título nacional de 1999 ao clube paulista, terminou em 22 de dezembro. Em 5 de janeiro, o time já estava novamente em campo, para enfrentar o Raja Casablanca, do Marrocos, no Morumbi, pela primeira rodada do Grupo A do Mundial de Clubes da FIFA, que tinha também o Real Madrid, da Espanha, e o Al Nassr, da Arábia Saudita.

O time do técnico Oswaldo de Oliveira havia disputado 83 jogos na temporada de 1999 antes da estreia no torneio internacional sediado no Brasil. Muitos jogadores terminariam a primeira fase contundidos, casos de Ricardinho (contratura), João Carlos (dores na coxa esquerda), Marcelinho (dores na perna direita) e Edu (luxação no ombro). “A gente treinava pouco para poder jogar”, admite o ex-atacante Luizão, hoje agente de jogadores. “O cansaço era muito grande. Viemos de um torneio muito competitivo, jogamos três partidas fi-nais, então isso prejudicou bastante, mas todo mundo se entregou para ganhar.”

O volante Vampeta não chegou a ter problemas físicos, mas estava cansado. Foi o jogador que mais entrou em campo pelo Corinthians na temporada que se estendeu até o início de janeiro: 71 vezes. “A gente treinava menos”, confirma o hoje vice-presidente do Grêmio Osasco. “Para nós, era complicado. Nós vínhamos de um desgaste muito grande. Tínhamos sido campeões paulista, brasileiro, eu tinha ido para a Copa América.”

O Brasil foi campeão daquela competição vencendo o Uruguai na decisão, em Assunção, no Paraguai, por 3 a 0. Vampeta foi titular contra Venezuela, México e Chile, mas antes das quartas de final perdeu a posição para Émerson, então no Bayer Leverkusen, da Alemanha. Vampeta ainda teve problemas extra-campo para resolver. Uma proposta do futebol italiano mexia com sua cabeça. Insatisfeito com o salário que recebia, cinco vezes menor que os de Marcelinho Carioca e Edílson, faltou em seis treinos em quatro dias e se reapresentou somente em 2 de janeiro, dizendo que se fosse embora

73 74

Page 76: Sete Vezes Campeão

“a culpa seria da diretoria do Corinthians”. No dia seguinte, o jogador anunciou que o problema estava re-solvido e falou em cumprir seu contrato de dois anos até o fim e “talvez renovar por mais um”. O clube não preciso pagar os novos vencimentos de Vampeta por muito tempo. Em 22 de agosto, ele confirmou sua venda à Inter de Milão.

O problema que mais preocupava Oswaldo de Oliveira era a defesa. Adílson, que “ganhou” o sobre-nome Batista quando se tornou treinador de clubes como Cruzeiro, Corinthians, Santos e São Paulo, estava no Jubilo Iwata, do Japão, e não jogava desde 27 de novembro, fim do campeonato japonês. O fisíco do jogador de 31 anos ainda estava avariado por causa de uma cirurgia no joelho esquerdo no final de 1998.

O treinador queria contar com a experiência do jogador que levantou a Libertadores de 1995 pelo Grêmio – e foi apelidado de “Capitão América” -, tanto que chegou a treinar com ele ao lado de João Carlos, mas na estreia contra o Raja Casablanca decidiu escalar Fábio Luciano, recém-contratado da Ponte Preta. A desconfiança em relação à forma física de Adilson motivou Oswaldo, em um primeiro momento, a inscrever cinco zagueiros no Mundial e apenas dois goleiros: Dida e Maurício. Na última hora, porém, ele mudou de ideia e trocou o defensor Nenê por mais um goleiro, Yamada.

O futebol marroquino não era muito acompanhado pela comissão técnica do Corinthians, mas Oswal-do de Oliveira tinha informações sobre o Raja Casablanca. O auxiliar Édson Cegonha assistiu ao amistoso em que o clube africano foi goleado por 4 a 1 pelo Vasco, em 28 de dezembro de 1999, e pediu atenção com “dois ou três jogadores que vêm de trás em velocidade”. Oswaldo exaltou o “toque de bola refinado” dos adversários.

O time que naquela época contava com cinco títulos do Campeonato Marroquino estava sendo coman-dado pelo auxiliar Fathi Jamal, ex-jogador do próprio Raja Casablanca, porque o treinador efetivo, o argentino Luís Oscar Fullone, ficou em Paris, internado em um hospital tratando de uma doença que não foi revelada.

No começo do jogo, o Corinthians ameaçou em uma bicicleta de Marcelinho Carioca que passou por cima do gol de Mustapha Chadili. O meia levou perigo mais uma vez, com um chute colocado após jogada que envolveu um toque de calcanhar de Edílson e um bom passe de Ricardinho. A principal chance do pri-meiro tempo foi em um cruzamento do lateral esquerdo Kléber que encontrou Edílson na pequena área. O Capetinha, como é conhecido o atacante, tentou completar com a chapa do pé direito sem dominar a bola e desperdiçou a oportunidade.

Foi apenas aos 5 minutos do segundo tempo que a torcida corintiana respirou aliviada. Marcelinho cru-zou da direita, mas a bola repentinamente começou a descer. Luizão teve rapidez de raciocínio para abandonar a tentativa de cabeçada e esticar o pé esquerdo. “A bola vinha na minha cabeça, mas de repente ela abaixou”, lembra o ex-camisa 9.

A primeira vitória do Corinthians na história dos Mundiais ficou marcada por um lance polêmico, quinze minutos depois do gol de Luizão. Ricardinho cobrou falta próxima ao lado esquerdo da grande área. Fazendo seu primeiro jogo com a camisa alvinegra, Fábio Luciano não conseguiu cabecear a bola em cheio e finalizou em cima do goleiro Chadili. Com o pé esquerdo, muito próximo da linha de meta, o zagueiro chutou o rebote no travessão, a bola bateu no chão, dentro da pequena área, e depois no defensor do time marroquino que estava em cima da linha e afastou o perigo. O árbitro italiano Stefano Braschi validou o lance, e o clube paulista acabou vencendo por 2 a 0.

“A bola não entrou, todo mundo viu”, admite Luizão. “Mas o juiz deu o gol e a gente comemorou.” De-pois da partida, Marcelinho Carioca afirmou que “na dúvida, é pra comemorar o gol e confundir todo mundo”. O próprio Fábio Luciano disse que o seu “instinto de comemorar rápido” ajudou o Corinthians. “Isso é a mal-andragem do brasileiro”, completa Luizão.

O erro poderia ter sido evitado caso a Fifa tivesse introduzido auxílio eletrônico nas partidas, como o “olho eletrônico”, que teria ajudado Braschi a decidir se a bola havia ou não entrado no gol.

75

Page 77: Sete Vezes Campeão

Reportagem da Folha de S.Paulo em 7 de janeiro de 2000 diz que a International Board, órgão que regulamenta o futebol, deu aval para testes no segundo semestre de 1999, mas a entidade máxima do esporte preferiu experimentar a utilização de dois árbitros em campo. Na realidade, apenas no Mundial de Clubes de 2012 a tecnologia vai começar a ajudar o futebol. Após passar por vários laboratórios, a bola vai conter um chip para confirmar o gol.

76

Page 78: Sete Vezes Campeão

Edílson humilhou Karembeu e marcou dois gols no Real Madrid (Foto: Evelson de Freitas/Folha de S. Paulo)

Rolinho

O volante Christian Karembeu nasceu em Lifou, na Nova Caledônia, e teve uma carreira de sucesso no futebol internacional. Jogou de 1997 a 2000 no Real Madrid, da Espanha, e ganhou duas Ligas dos Campeões. Passou dez anos defendendo a França e foi titular em quatro das sete partidas da seleção campeã da Copa do Mundo de 1998, inclusive na final contra o Brasil. Nada disso importa. Pelo menos em terras brasileiras, ele sempre será lembrado como o “francês que levou rolinho do Edílson”.

Rolinho é apenas uma das denominações do drible que consiste em jogar a bola por entre as per-nas do marcador e recuperá-la do outro lado. Dependendo da região, ele também é chamado de “caneta” ou “janelinha”.

Cinco meses antes do Mundial, Edílson comentou com Vampeta que o francês era “ruim para caramba” perto de vários jornalistas. Na época do torneio, próximo ao duelo entre Corinthians e Real Madrid, a imprensa recuperou a declaração do atacante e questionou membros do clube espanhol. Karembeu foi diplomático, disse que era apenas a opinião de um jogador, mas o vice-presidente Juan Onieva afirmou que “Edílson é desconhe-cido internacionalmente e vai precisar de umas três vidas para chegar ao mesmo nível de Karembeu”.

O lance aconteceu aos 18 minutos do segundo tempo. Na ponta direita, Edílson dominou lançamento de Ricardinho e partiu para cima de Roberto Carlos. O lateral esquerdo brasileiro caminhou para trás, dando espaço para o atacante. Edílson mudou de alvo, cortou para o meio e adiantou a bola. Aproveitou a velocidade e a jogou entre as pernas de Karembeu. Recuperou-a, já dentro da área, e chutou cruzado no canto direito do goleiro Iker Casillas, marcando o segundo gol do Corinthians no empate por 2 a 2 com o Real Madrid.

Em diversas entrevistas depois do Mundial de Clubes de 2000, Edílson não confirmou a promessa de realizar o drible. Vampeta, doze anos depois, apenas lembra que “isso deu uma polêmica com algum jogador do Real Madrid”. O atacante Luizão também não se recorda. “Ele falava que ia para cima dele, mas não dá para prometer fazer um gol daqueles”, explica.

77

Page 79: Sete Vezes Campeão

Não foi a única polêmica envolvendo o atacante naquele Mundial. Os elencos de Real Madrid e Corin-thians estavam concentrados no mesmo hotel na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Em um encontro com Roberto Carlos dentro do elevador, no dia do confronto, Edílson pegou uma nota de dinheiro, dobrou e colocou no bolso. “Roberto Carlos, está vendo essa nota aqui? O dinheiro é igual a você. Vou te arrebentar e colocar no bolso”, afirmou, à frente de outros jogadores do Real Madrid, como Casillas e Fernando Hierro. “Você está fodido na minha mão. Vai sair humilhado do Morumbi.”

O Real Madrid havia vencido o Al Nassr na primeira rodada por 3 a 1. Se o Corinthians perdesse o con-fronto direto com os espanhóis, teria que torcer por uma derrota do gigante europeu para o Raja Casablanca. A partida entre os dois, além de considerada a melhor do grupo na primeira fase, era também uma espécie de decisão. E quem saiu na frente foi o Real Madrid, aos 19 minutos do primeiro tempo. Roberto Carlos cobrou uma falta rasteira que cruzou a área e o atacante francês Nicolas Anelka desviou para enganar o goleiro Dida e fazer 1 a 0. Após falha da defesa, Luizão dominou a bola na entrada da área e deu para Edílson, que chegou batendo e empatou, aos 28 minutos. “Eu segurei, esperei o Edílson chegar e escorei a bola para ele”, lembra o atacante. “Eu havia jogado contra eles em 1998 (pelo Vasco), conhecia todo mundo. Era um jogo muito difícil.”

Depois do gol da virada de Edílson, aos 19 minutos da etapa final, o Real Madrid empatou, aos 26, em falha de Vampeta, que errou um passe no meio-campo e iniciou o contra-ataque que foi parar nos pés de An-elka, cara a cara com Dida. Bastou ao francês driblar o goleiro e tocar para o gol vazio. A situação corintiana poderia ter sido pior. Aos 36, Sávio foi derrubado dentro da área e o juiz marcou pênalti. O brasileiro havia convertido uma penalidade contra o Al Nassr, mas desta vez Anelka estava confiante e pegou a bola. Cobrou no canto direito de Dida, mas o goleiro, especialista nesse tipo de lance, defendeu. Era a quarta penalidade seguida contra o Corinthians que o goleiro defendia: as anteriores haviam sido pelo Brasileiro de 1999, no empate por 1 a 1 com o Guarani, pelas quartas de final, e duas na vitória por 3 a 2 sobre o São Paulo, pelas semifinais, ambas em cobranças do ídolo são-paulino Raí. “Nunca me disseram que eu era o batedor oficial. O Anelka pegou a bola e quis bater. Não quis falar nada para ele, pois o batedor tem que chutar da forma que achar melhor”, ex-plicou Sávio depois da partida. O técnico do Real Madrid, Vicente Del Bosque, afirmou que não faz uma lista de cobradores antes dos jogos e deixa os jogadores decidirem na hora.

Vampeta foi substituído por Edu quatro minutos depois de falhar no gol de empate. Segundo Oswaldo de Oliveira, ele não estava “cumprindo o que eu queria, talvez pelo cansaço”. “Tinha um plantel forte, outros jogadores para me substituir”, rebate Vampeta. “Não foi porque eu não fiz o que o Oswaldo pediu.”

Os resultados das duas primeiras rodadas deixaram Real Madrid e Corinthians empatados com quatro pontos. O clube espanhol levava vantagem por ter marcado um gol a mais que o adversário, mas os brasileiros jogariam depois do confronto entre Real e Raja Casablanca, preliminar da rodada dupla a ser disputada no Morumbi, já cientes do número de gols que precisariam fazer. Vicente Del Bosque reclamou dessa “vantagem indevida” a favor do Corinthians. O técnico Oswaldo de Oliveira cogitava até mudar a formação da equipe dependendo do resultado que fosse necessário. Pensava em tirar o cansado Vampeta para colocar um terceiro atacante, Fernando Baiano ou Dinei, ao lado de Edílson e Luizão. Com gols de Fernando Morientes, Hierro e Geremi, o Real Madrid teve trabalho para vencer o time marroquino por 3 a 2. Isso significava que o Corinthi-ans precisaria ganhar do Al Nassr por dois gols de diferença para se classificar à decisão do Mundial de Clubes da Fifa.

Oswaldo preferiu manter a escalação que vinha dando certo, com Vampeta, Ríncon, Ricardinho e Mar-celinho no meio-campo. Aos 25 minutos do primeiro tempo, Ricardinho limpou um zagueiro dentro da área e bateu cruzado para abrir o placar. A bola desviou e enganou o goleiro Mohammed Babkr. O Corinthians desperdiçou oportunidades com Luizão e, curiosamente, só conseguiu o gol da classificação quando o atacante foi improvisado na lateral direita para substituir Daniel, expulso. Luizão dominou pela direita e deu o passe para Rincón chegar batendo, sem chances para Babkr. “Eu tinha errado dois gols de cabeça. A bola não entrava e o Daniel ainda foi expulso. Fui jogar de lateral direito e, de repente, dei o passe pro Ríncon fazer o gol”, conta Luizão. Foi a primeira vez que o jogador atuou naquela posição. “Na hora que precisa, a gente tem que se doar ao máximo”, explica.

77 78

Page 80: Sete Vezes Campeão

Antes de comemorar, Dida caminhou até Edmundo para consolá-lo (Foto: Alexandre Battibugli)

O pegador de pênaltis

Dida tem 1,95 metro. Quando pula para defender um pênalti, ainda utiliza os longos braços para di-minuir o espaço. Se um jogador tenta converter uma penalidade contra o goleiro, o gol de fato fica menor. Talvez por isso Raí tenha desperdiçado aquelas duas cobranças na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1999. Na fase de grupos do Mundial de Clubes, com toda a confiança que dois gols lhe proporcionam, o francês Nicolas Anelka parou nas mãos do baiano de Irará. Na final daquele Mundial, Edmundo estava ciente da es-pecialidade do seu adversário e tentou deslocá-lo. Deslocou demais. Errou o pênalti decisivo. E o Corinthians tornou-se campeão mundial, o primeiro de uma competição interclubes organizada pela FIFA.

Dida diz que aprendeu muito da habilidade necessária para pegar pênaltis observando o goleiro Cláu-dio Taffarel na Seleção Brasileira. Também se inspirava no soviético Rinat Dasayev, que disputou as Copas do Mundo de 1982, 1986 e 1990.

Nélson de Jesus Silva, o Dida, foi destaque do Vitória em 1993 e se transferiu para o Cruzeiro, clube pelo qual ganhou proporções internacionais com a conquista da Libertadores de 1997. As boas atuações chamaram a atenção do Milan, que pagou três milhões de liras para contratá-lo em 1998, mas uma batalha judicial com o clube brasileiro o impediu de entrar em campo pelo italiano. Acabou emprestado ao Lugano, da Suíça, mas não chegou a atuar. O tempo de inatividade o atrapalhou quando foi finalmente apresentado ao Milan, porém o técnico Alberto Zaccheroni preferiu goleiros como Christian Abbiati e Sebastiano Rossi. Dida acabou em-prestado para o Corinthians em 1999. Antes da partida, os jogadores do Vasco estavam cientes do perigo que seria levar a decisão aos pênaltis. Edmundo, por exemplo, disse que era preciso “treinar direitinho”. Já Gilberto sugeriu chutar forte e rasteiro.

Uma das principais missões do goleiro na final do Mundial de Clubes era parar a dupla de ataque do Vasco. O atacante Romário havia acabado de chegar ao clube depois de sair do Flamengo e encontrou nele o desafeto Edmundo. Os dois eram amigos, formaram um ataque famoso no Flamengo de 1995, ao lado de Sávio, mas brigaram em 1999 quando Romário mandou desenhar uma caricatura da modelo Cristina Mortágua,

79

Page 81: Sete Vezes Campeão

que tem um filho com Edmundo, na porta do banheiro do seu bar. Os funcionários do estabelecimento tam-bém fizeram uma imagem do atacante sentado em uma bola murcha. No final do ano, Romário tentou uma reaproximação quando Edmundo foi preso por ter se envolvido em um acidente automobilístico que matou três pessoas e mostrou um mensagem de solidariedade em uma camisa após um gol pelo Flamengo.

A estreia da dupla aconteceu na vitória por 2 a 0 sobre o South Melbourne, também a estreia do Vasco no outro grupo do Mundial, O B, disputado no Maracanã, que tinha também o Necaxa, do México, e o Man-chester United, da Inglaterra. Após uma tabela, aos 12 minutos do segundo tempo, Romário estendeu a mão para Edmundo, que retribuiu com um tapinha. A torcida do Vasco comemorou o gesto como se fosse um gol. Novo cumprimento ocorreu quando Edmundo marcou o segundo gol do time. Ele foi substituído na sequên-cia e passou a faixa de capitão para Romário. “Eles tinham um grande ataque, mas o nosso também era bom”, rebate Luizão. “Eu e o Edílson estávamos em uma fase muio boa.”

Na 87ª partida do Corinthians na temporada, Oswaldo de Oliveira precisou escalar uma zaga inédita. João Carlos, machucado, estava fora. Os responsáveis por parar Edmundo e Romário, portanto, seriam o ex-periente Adílson e o jovem Fábio Luciano, que nunca haviam atuado juntos. A defesa foi um problema desde o Brasileiro. Na primeira partida das finais contra o Atlético Mineiro, o alvinegro paulista jogou com os reservas Márcio Costa e Luciano, também por causa de lesões. Como Nenê foi cortado para a inscrição de um terceiro goleiro, o treinador viu-se obrigado a escalar os dois “debutantes”. Ambos eram defensores mais lentos e en-traram em campo tentando evitar “apostar corrida” com os dois atacantes do Vasco. O próprio Edmundo não estava 100%. Ficou na reserva até os 23 minutos do segundo tempo da vitória sobre o Necaxa, do México, por 2 a 1. Mesmo assim, nem cogitou não entrar em campo contra o Corinthians, já que a final seria a última partida da equipe na temporada. Depois, ele teria tempo para se recuperar.

O fundo de investimentos Hicks, Muse, Tate & Furst, que administrava o futebol do Corinthians, prom-eteu financiar os ônibus para levar a torcida do clube até o Rio de Janeiro, palco da decisão, como já havia feito na primeira partida da final do Brasileiro, contra o Atlético-MG, em Belo Horizonte. A ideia era tentar repro-duzir a “Invasão Corintiana” de 1976, quando estimados 70 mil torcedores se locomoveram para a capital ca-rioca e assistiram à semifinal da competição nacional contra o Fluminense. Segundo a Folha de S.Paulo, o clube conseguiu apenas 20 mil ingressos para a final e cerca de 10 mil membros da principal torcida organizada, a Gaviões da Fiel, viajaram em 210 ônibus. Outras organizadas e torcedores sem filiação completaram a parte corintiana do Maracanã.

O estádio abriu seus portões às 15 horas (de Brasília). O ingresso mais barato era de arquibancada verde, a R$ 15, contrastando com o mais caro, de cadeiras especiais, a R$ 60. A polícia reservou 1.440 homens para cuidar das 69 mil pessoas. A Polícia Militar orientou os torcedores a não tentarem levar rojões e objetos cortantes para o estádio, mas permitiu bandeiras, instrumentos de percussão, faixas e camisas de torcidas or-ganizadas.

O primeiro tempo foi nervoso, com poucas chances para os dois lados. O Maracanã prendeu a respi-ração apenas aos 38 minutos, quando Ricardinho fez boa jogada e tocou para Marcelinho. O chute do camisa 7 saiu fraco, buscando o canto direito, e foi bem defendido pelo goleiro Hélton. Na segunda etapa, Edílson arrancou pela direita e chutou cruzado, levando bastante perigo. Na jogada seguinte, o Vasco assustou em um arremate de primeira de Gilberto, que passou próximo à trave de Dida.

Ao longo da partida, o técnico Antônio Lopes, do Vasco, foi fazendo o possível para evitar a disputa de pênaltis. Tirou Juninho Pernambucano e colocou Viola. Substituiu Ramón por Donizete. Eram quatro ata-cantes em campo, mas não funcionou. Com a ajuda de Ríncon, marcando Edmundo de perto, a defesa im-provisada do Corinthians conseguiu anular o poderio ofensivo vascaíno. A final foi para os pênaltis.

Ríncon, acertou a primeira cobrança, depois que a bola bateu na trave esquerda. Romário chutou mal, fraco, rasteiro, mas a bola passou por baixo de Dida. Fernando Baiano também fez o dele. Com calma, Alex Oliveira empatou para o Vasco. A missão de fazer 3 a 2 para o Corinthians era de Luizão.

80

Page 82: Sete Vezes Campeão

Ele recuou até a meia-lua e chutou rasteiro no canto esquerdo de Hélton. “Na hora do pênalti, o Os-waldo perguntou quem queria bater, e eu queria de qualquer maneira. Nervoso a gente sempre fica, mas eu treinava há seis meses. Na hora, tem que ir com confiança”, afirma, hoje, Luizão.

Gilberto não conseguiu empatar para o Vasco. Ele correu quase em linha reta em direção à bola, deu dois pulinhos e buscou o canto direito do gol de Dida, que desviou com a mão direita e mal comemorou a defesa. Edu, para o Corinthians, e Viola, para o Vasco, converteram sem problemas suas cobranças, mas Mar-celinho errou o pênalti que poderia ter dado o título ao Corinthians. Hélton defendeu.

Tudo estava nos pés de Edmundo, que nunca foi um grande batedor de pênaltis. Buscando o ângulo esquerdo, ele chutou muito para o lado e errou. Dida não precisou defender e entendeu a tristeza do colega. Em vez de sair correndo para abraçar os companheiros, andou até Edmundo e lhe deu um tapinha nas costas.

“Até gritei. Fiz tudo o que tinha direito. Cada um tem uma maneira diferente de vibrar. Comemorei mais no vestiário. O Edmundo é uma grande pessoa. Fui até ele, porque era um momento decisivo. A gente sabe e sente pelo companheiro”, afirmou depois da partida o goleiro que defendeu nove pênaltis na temporada de 1999, segundo a Folha de S.Paulo. “Não quero mais pênaltis. Eles provocam sofrimento nos jogadores e na torcida.”

A conquista do mundial atendeu às expectativas da Hicks, Muse, Tate & Furst. Até aquele momento, o clube paulista era considerado “local”, sem grandes conquistas internacionais. A empresa queria globalizar a marca do Corinthians e projetou até 32 partidas com times de outros países em 2000, contando Mundial de Clubes, Libertadores, Mundial Interclubes de Tóquio e Copa Mercosul. Isso seria mais da metade dos jogos internacionais disputados entre 1991 e 1999: 52.

“O Corinthians é o campeão mundial de futebol”, escreveu a Folha de S.Paulo de 15 de janeiro. “O tí-tulo é único e histórico: o Mundial foi o primeiro torneio planetário de clubes organizado pela Fifa, entidade que controla o esporte. A conquista se concretizou apenas na cobrança de pênaltis da final contra o Vasco, ontem, no Maracanã. De novo, foi o goleiro Dida quem salvou o time paulista. Após um empate sem gols no tempo normal e na prorrogação, ele defendeu a cobrança do vascaíno Gilberto. O título mundial veio às 22h42, quando Edmundo bateu seu pênalti para fora. Essa é a mais importante conquista dos 89 anos de história do Corinthians, o mais popular clube do Estado de São Paulo. A vitória no Mundial consagra o sucesso da parceria do clube com o fundo de investimentos norte-americano HMTF, na mais emblemática investida empresarial da história do futebol brasileiro. Desde que se associou ao fundo, em abril do ano passado, o Corinthians já venceu, além do Mundial da Fifa, o Paulista e o Brasileiro. O troféu de ontem é a primeira conquista interna-cional de vulto da história do clube, que carregava a pecha de time ‘doméstico’.”

81

Page 83: Sete Vezes Campeão

A torcida invade o gramado do Maracanã para comemorar o título inédito (Foto: Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem)

“Mundialito”

O Brasil perdeu a concorrência para sediar a Copa do Mundo de 2006 para a Alemanha. Ao contrário do que a Confederação Brasileira de Futebol pensou, organizar o primeiro Mundial de Clubes da FIFA em São Paulo e no Rio de Janeiro não ajudou a pretensão do País.

A começar pelo público. Em São Paulo, a média das seis partidas, segundo a FIFA, foi de apenas 23 mil pessoas. O único jogo digno de nota foi Corinthians e Real Madrid, assistido por 55 mil torcedores. O Rio de Janeiro foi melhor, com 44 mil pagantes.

O formato de disputa idealizado pela FIFA, com dois grupos de quatro times e um representante de cada continente, era democrático, mas também ocasionava partidas como Raja Casablanca contra Al Nassr, assistida por apenas três mil pessoas. Ou South Melbourne e Necaxa, que teve público de cinco mil. A solução encontrada pela entidade foi extinguir as rodadas duplas. “Para a próxima competição, será mais interessante ter apenas um jogo por partida. Se realizássemos South Melbourne x Necaxa no interior do Rio de Janeiro, teríamos um bom público”, disse o presidente Joseph Blatter.

“Era época de férias, estava todo mundo viajando”, diagnostica Luizão. E ele tem razão. A audiência televisiva foi excelente, apesar de os jogos não terem sido transmitidos pela principal emissora de televisão do Brasil, mas pela TV Bandeirantes. Na realidade, em muitos momentos, a Rede Globo ignorou o Mundial de Clubes.

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, os telejornais da emissora foram orientados a falar o mínimo possível do torneio. Antes de entrevistar jogadores do Corinthians ou do Vasco para pautas diferentes, os repórteres pediam para que o Mundial não fosse mencionado. A abertura da competição, com rodada dupla no Morumbi (Raja Casablanca x Corinthians e Real Madrid x Al Nassr), ganhou apenas 25 segundos no principal programa esportivo, o Globo Esporte, contra 5min44s da Copa São Paulo de Futebol Júnior, tradicional torneio de jovens também realizado em janeiro.

81 82

Page 84: Sete Vezes Campeão

Os direitos de transmissão foram negociados pela Traffic, parceira da Hicks, Muse, Tate & Furst, empre-sa que administra o futebol do Corinthians. Em dezembro de 1999, a Globo preferiu comprar o Pré-Olímpico da Olimpíada de Sidney porque avaliou que o torneio organizado pela FIFA era experimental e não deveria receber muita atenção. Àquela época, a emissora dava bastante espaço ao ministro de Esporte e Turismo do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Rafael Greca. Ele editou uma medida provisória para impedir que uma mesma empresa controlasse dois clubes brasileiros – a HMTF também era parceira do Cruzeiro.

Sob influência da HMTF, o Corinthians foi o único integrante do Clube dos 13, associação dos prin-cipais times de futebol do Brasil, a não vender os direitos de transmissão para o exterior para a International Sport and Leisure (ISL), agência de marketing com relações estreitas com a FIFA e o presidente da CBF, Ri-cardo Teixeira. Em julho de 2012, documentos liberados pela Justiça suíça confirmaram que Teixeira, membro do comitê-executivo da entidade máxima do futebol, recebeu 10,6 milhões de euros de suborno da ISL.

A Globo se deu mal. A partida entre Real Madrid e Corinthians deu a liderança do ibope para a TV Bandeirantes. Entre as 18h45 e as 20h37 (horário de Brasília), a Bandeirantes teve média de 25,5 pontos de audiência contra 24,5 da Globo. A média normal da Bandeirantes nesse período era de apenas três pontos – cada ponto representa 80 mil telespectadores na Grande São Paulo. A final bateu 53 pontos, ganhando com sobras do Jornal Nacional e da novela Terra Nostra. Foi a maior audiência da história da Bandeirantes.

A Europa não acompanhou o interesse brasileiro. Os jornais de Alemanha e Itália, por exemplo, não deram espaço à competição. A mídia espanhola falou mais da contusão do francê Nicolas Anelka. Os jornais ingleses foram mais ácidos, como de costume. O Financial Times não poupou críticas à organização. Escreveu que os estádios foram preparados em cima da hora, comparou as torcidas organizadas brasileiras aos hooligans ingleses (grupo de torcedores violentos) e atacou até o Campeonato Brasileiro, com “regras que quase ninguém entende, pois mudam todo ano. Datas e locais de partidas frequentemente são alteradas”. O The Times lamen-tou a estreia “vergonhosa” do Manchester United contra o Necaxa – empate por 1 a 1 – e ironizou a expulsão do astro David Beckham. “Beckham, na verdade, fez um favor aos organizadores ao ser expulso e pelo menos injetar um pouco de controvérsia em uma competição fadada ao fracasso desde o início.” O tablóide Daily Mir-ror, mais popular que seus concorrentes e, ao mesmo tempo, com menos papas na língua, quis saber qual era o sentido de o United disputar um “torneio mal concebido, que a cada dia alcança novos índices de incompetên-cia e farsa”.

As críticas à organização do Mundial não ficaram apenas na boca da mídia. O Real Madrid reclamou de vários tópicos, a começar pela última rodada, que definiu o finalista do Grupo A. O técnico Vicente Del Bosque ficou irritado por ter que jogar antes do Corinthians, já que a vaga seria decidida no saldo de gols. Ele falou mal da arbitragem, que validou o gol irregular do Corinthians contra o Raja Casablanca e, na sua opinião, não marcou um pênalti em cima de Fernando Redondo no jogo contra o Al Nassr. O clube espanhol também não ficou satisfeito com as instalações do Pacaembu, que lhe foram reservadas, e decidiu treinar no Centro de Treinamento da Barra Funda, de propriedade do São Paulo. O vice-presidente Leandro Crespo Valera ques-tionou a premiação que o time receberia da Fifa pela participação. Ele não entendia por que o time, um dos fundadores da própria entidade e escolhido o melhor do século XX, ganharia o mesmo que o Raja Casablanca.

Anos depois, em entrevista à emissora de televisão ESPN Brasil, o lateral esquerdo Roberto Carlos, que jogou o Mundial de Clubes pelo Real Madrid, escancarou o pouco interesse dos europeus na competição. “Para eles, era um ‘mundialito’. Sinceramente, muitos jogadores do nosso time ficavam acordados até as 5, 6 horas. O pessoal não dormiu. Muitos vieram aqui a passeio. Além do mais, os times europeus enfrentaram um calor enorme. O pessoal do Manchester United, então, lá no Rio, ficava só na piscina”, afirmou.

Para minimizar a polêmica, Roberto Carlos, que jogava no Corinthians na época da declaração, emitiu uma nota oficial diminuindo o tom da crítica. “O Corinthians é campeão legítimo do Mundial e eu não tive a menor intenção de desmerecer a conquista do clube. Só disse que, na verdade, os clubes europeus valorizam mais a Champions League que o torneio intercontinental. E que sempre é assim, mas isso não tira o mérito do Corinthians, nem tampouco de qualquer outro clube que tenha vencido o torneio. Se você fizer uma pesqui-

83

Page 85: Sete Vezes Campeão

sa nos jornais da época, verá que a imprensa espanhola usava esse termo para o torneio, mas o que vale é que a Fifa definiu esse e os outros torneios como Mundial Interclubes. Tenho todo respeito e carinho pelos títulos e pela história do Corinthians. Não iria de forma alguma falar algo que fosse contra nossas conquistas passadas”, afirmou.

O próprio Manchester United não queria participar do torneio, mas cedeu às pressões do governo inglês, que não queria desagradar a FIFA e prejudicar suas chances de sediar a Copa do Mundo de 2006. O técnico do time, o escocês Alex Ferguson, disse pouco antes de viajar que “há muito mérito em ir para o Brasil nesta fase da temporada, mas quatro jogos em dez dias vai ser muito difícil”. Pelo menos eles não puderam reclamar da recepção que tiveram no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Membros da torcida do Fla-mengo criaram a “Fla-Manchester” para torcer contra o Vasco no Mundial. Fizeram uma camisa, com a frase “A torcida duas vezes campeã do mundo”, em referência ao título de 1981 do rubro-negro e o de 1999 dos ing-leses, recepcionaram a delegação com 60 torcedores e oito modelos contratadas.

O Vasco ajudou a manchar a organização brasileira. Mais especificamente, o seu vice-presidente de futebol Eurico Miranda. Na vitória por 2 a 1 sobre o Necaxa, Eurico insistiu em colocar o seu filho Mário dentro dos vestiários do clube carioca, mas a FIFA impede o acesso de qualquer um que não esteja portando a credencial emitida pela entidade especificamente para o evento em questão. O diretor de marketing da FIFA, Keith Cooper, chegou a puxar Eurico pelos suspensórios quando ele tentou passar por uma porta proibida. O assesor de imprensa do torneio Ricardo Seyton tropeçou por causa da confusão, caiu e deslocou a clavícula. Mário acabou entrando nos vestiários.

Eurico, mais uma vez contra a regulamentação da FIFA, assistiu à decisão do banco de reservas do Vasco sem o crachá de membro da comissão técnica e ignorou as orientações do árbitro holandês Dick Jol. Foi preciso que o atacante Romário, com história no futebol da Holanda quando atuou pelo PSV, convencesse o juiz, que aceitou a presença do dirigente, mas prometeu relatar o caso na súmula.

Às vésperas do Mundial de Clubes de 2005, o primeiro no atual formato de disputa, a FIFA listou 25 clubes que foram campeões mundiais e esqueceu o Corinthians. O título de 2000 foi creditado ao Boca Ju-niors, da Argentina, que venceu o Real Madrid, em um jogo único em Tóquio, ainda patrocinado pela Toyota. A negligência causou uma repercussão muito negativa no Brasil, e o porta-voz da entidade Andreas Herren pediu desculpas ao Corinthians. O site da entidade imediatamente colocou o clube alvinegro na lista, embora sem muitos detalhes. Atualmente, a página do campeonato de 2000 não deve em nada à dos outros torneios interclubes organizados pela entidade.

Esse esquecimento apenas alimentou os rivais do clube, que sempre que podem desdenham das cir-cunstâncias em que o primeiro Mundial de Clubes da FIFA foi realizado, e diminuem o título do Corinthians. O desdém dos europeus, a ausência do Palmeiras, a falta de organização e o fato de o evento ter sido realizado apenas uma vez nesses moldes contribuem para as “tirações de sarro” de santista e são paulinos, que acreditam ser os únicos com títulos mundiais legítimos. Os 25 milhões de torcedores alvinegros, porém, comemoraram a conquista do campeonato como uma das mais importante da história do clube, e pouco ligam para o que os outros dizem.

84

Page 86: Sete Vezes Campeão

ANEXOS

FICHAS TÉCNICAS

PALMEIRAS

1951

PALMEIRAS 3 X 0 OLYMPIQUE NICE

Data: 30/06/1951Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo, BrasilÁrbitro: Franz Grill (AUS)Público: 28.709Gols: Aquiles aos 7min, Ponce de León aos 11min e Richard aos 31min do segundo tempo

Palmeiras: Oberdan; Salvador, Juvenal, Waldemar Fiúme, Luiz Villa e Dema; Lima, Aquiles (Richard), Ponce de León, Jair (Rodrigues) e Canhotinho. Técnico: Ventura Cambom

Olympique Nice: Germain; Pedini, Firoud, Rossi, Gonzales, Belver, Bonifaci (Carnigilia), Yeso Amalfi, Bengtsson, Carre e Hjakmarsson. Técnico: Numa Andoire

PALMEIRAS 2 X 1 ESTRELA VERMELHA

Data: 05/07/1951Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo, BrasilÁrbitro: Gaby Tordjman (FRA)Público: 24.933Gols: Ognjanov aos 9 min e Aquiles aos 31 min do primeiro tempo. Liminha aos 35min do segundo tempo

Palmeiras: Oberdan; Salvador, Juvenal, Waldemar Fiúme, Luiz Villa e Dema; Lima, Aquiles, Liminha, Jair e Rodrigues (Canhotinho). Técnico: Ventura Cambom

Estrela Vermelha: Krivokuca; Stankovic, Distric, Palfi, Djurdjevic, Tadic, Ognjanov, Mitic, Tomasevic, Djajic, Vukosaljevic. Técnico: Lubisa Broci

PALMEIRAS 0 X 4 JUVENTUS

Data: 08/07/1951Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo, BrasilÁrbitro: Edward Graigh (ING)Público: 37.639Gols: Boniperti aos 10min e aos 18min do primeiro tempo. Karl Hansen aos 3min ePraest aos 35min do segundo tempo

Palmeiras: Oberdan; Sarno, Juvenal, Waldemar Fiúma, Túlio e Dema; Lima, Aquiles, Liminha, Canhotinho (Jair) e Rodrigues (Ponce de León). Técnico Ventura Cambom

Juventus: Viola; Bertucelli, Manente, Mari Jacomo, Filipo e Piccinini; Mucinelli, Karl Hansen, Boniperti, Johan Hansen (Vivole) e Praest. Técnico: Carver

85

Page 87: Sete Vezes Campeão

PALMEIRAS 2 X 1 VASCO

Data: 11/07/1951Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Edward Graigh (ING)Público: 42.992Gols: Richard aos 24min do primeiro tempo. Maneca ao 1min e Liminha aos 37min do segundo tempo

Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador, Juvenal, Waldemar Fiúme, Luiz Villa e Dema; Liminha, Aquiles, Richard, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambom

Vasco: Barbosa; Augusto, Clarel, Ely, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Ipojucan (Vasconcelos), Friaça, Maneca e Djair. Técnico: Otto Glória

PALMEIRAS 0 X 0 VASC0

Data: 15/07/1951Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Edward Graigh (ING)Público: 77.488

Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador, Juvenal, Túlio, Luiz Villa e Dema; Liminha, Ponce de León, Richard, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambom

Vasco: Guimarães; Augusto, Ely, Clarel, Danilo e Alfredo; Tesourinha, Vasconcelos, Friaça, Maneca e Djair. Técnico: Otto Glória

PALMEIRAS 1 X 0 JUVENTUS

Data: 18/07/1951Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Franz Grill (AUS)Público: 56.961Gols: Rodrigues aos 20 min do primeiro tempo

Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador, Juvenal, Túlio, Luiz Villa e Dema; Lima, Ponce de León, Liminha, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambom

Juventus: Viola; Bertucelli, Manente, Mari Jacomo, Ferrario e Piccinini (Bizzotto); Muccinelli, Karl Hansen, Boniperti, Vivole e Praest. Técnico: Carver

PALMEIRAS 2 X 2 JUVENTUS

Data: 22/07/1951Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Gaby Tordjman (FRA)Público: 100.093Gols: Praest aos 18min do primeiro tempo. Rodrigues aos 2min, Karl Hansen aos 18min e Liminha aos 31min do segundo tempo

Palmeiras: Fábio Crippa; Salvador, Juvenal, Túlio, Luiz Villa e Dema; Lima, Ponce de León (Canhotinho), Liminha, Jair e Rodrigues. Técnico: Ventura Cambom

85 86

Page 88: Sete Vezes Campeão

SANTOS

1962

SANTOS 3 X 2 BENFICA

Data: 19/09/1962Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Rubén Cabrera (PAR)Público: 130.000Gols: Pelé aos 31min do primeiro tempo; Santana aos 8min e aos 43min, Coutinho aos 19min e Pelé aos 40min do segundo tempo

Santos: Gilmar; Lima, Mauro, Dalmo e Calvet; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula

Benfica: José Rita; Ângelo, Cruz, Cavem, Raul e Humberto; José Augusto, Santana, Eusébio, Coluna e Simões. Técnico: Fernando Riera

SANTOS 5 X 2 BENFICA

Data: 11/10/1962Local: Estádio da Luz, em Lisboa, PortugalÁrbitro: Pierre Schinter (FRA)Público: 73.000Gols: Pelé aos 17min e 26min do primeiro tempo. Coutinho aos 3min, Pelé aos 19min, Pepe aos 31min, Eu-sébio aos 41min e Simões aos 44min do segundo tempo

Santos: Gilmar; Olavo, Mauro, Dalmo e Calvet; Zito e Lima; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula

Benfica: Costa Pereira; Humberto, Raul, Cruz, Cavem e Jacinto; José Augusto, Santana, Eusébio, Coluna e Simões. Técnico: Fernando Riera

1963

SANTOS 2 X 4 MILAN

Data: 16/10/1963Local: Estádio San Siro, em Milão, ItáliaÁrbitro: Ernst Habefellner (AUS)Público: 51.957Gols: Trapattoni aos 3min e Amarildo aos 15min do primeiro tempo. Pelé aos 10min e aos 39min, Amarildo aos 22min e Mora aos 37min do segundo tempo

Santos: Gilmar; Lima, Calvet, Haroldo e Geraldino; Zito e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Almir e Pepe. Téc-nico: Lula

Milan: Ghezzi; David, Trebbi, Maldini, Trapattoni e Pelagalli; Lodetti e Rivera; Mora, José Altafini (Mazzola) e Amarildo. Técnico: Luis Carniglia

87

Page 89: Sete Vezes Campeão

SANTOS 4 X 2 MILAN

Data: 14/11/1963Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Juan Brozzi (ARG)Público: 132.728Gols: José Altafini (Mazzola) aos 14min e Mora aos 19min do primeiro tempo. Pepe aos 5min e aos 22 min, Almir aos 10min e Lima aos 18min do segundo tempo

Santos: Gilmar; Ismael, Haroldo, Mauro e Dalmo; Lima e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe. Técnico: Lula

Milan: Balzarini; David, Trebbi, Maldini, Trapattoni e Pelagalli; Lodetti e Rivera; Mora, José Altafini (Maz-zola) e Amarildo. Técnico: Luis Carniglia

SANTOS 1 X 0 MILAN

Data: 16/11/1963Local: Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Juan Brozzi (ARG)Público: 120.421Gols: Dalmo aos 34min do primeiro tempo

Santos: Gilmar; Ismael, Haroldo, Mauro e Dalmo; Lima e Mengálvio; Dorval, Coutinho, Almir e Pepe. Téc-nico: Lula

Milan: Ghezzi; Benitez, Trebbi, Maldini, Trapattoni e Pelagalli; Lodetti e Fortunato; Mora, José Altafini (Maz-zola) e Amarildo. Técnico: Luis Carniglia

SÃO PAULO

1992

SÃO PAULO 2 X 1 BARCELONA (ESP)

Data: 13/12/1992Local: Estádio Nacional de Tóqui, JapãoÁrbitro: Juan Carlos Lostau (ARG)Público: 60.000Gols: Stoichkov aos 11min do primeiro tempo e Raí aos 27min do primeiro e aos 34 minutos do segundo tempo

São Paulo: Zetti; Vítor, Adílson, Ronaldão e Ronaldo Luis; Toninho Cerezo (Dinho), Pintado e Raí; Cafu, Palhinha e Muller. Técnico: Telê Santana

Barcelona: Zubizarreta; Ferrer, Koeman, Guardiola e Euzébio; Bakero (Goicoechéa), Amor, Witschge e Be-guiristiain (Nadal); Stoichkov e Laudrup. Técnico: Johan Cruyff

87 88

Page 90: Sete Vezes Campeão

1993

SÃO PAULO 3 X 2 MILAN (ITA)

Data: 12/12/1993Local: Estádio Nacional de Tóquio, JapãoÁrbitro: Joel Quinou (FRA)Público: 52.275Gols: Palhinha aos 19min do primeiro tempo. Massaro aos 3min, Cerezo aos 14min, Papin aos 36min e Muller aos 41min do segundo tempo

São Paulo: Zetti; Cafu, Válber, Ronaldão e André Luiz; Doriva, Dinho, Toninho Cerezo e Leonardo; Muller e Palhinha (Juninho). Técnico: Telê Santana

Milan: Rossi; Panucci, Costacurta, Baresi e Maldini; Albertini (Orlando), Donadoni e Desailly; Massaro, Papin e Raduciou (Tassoti). Técnico: Fábio Capello

2005

SÃO PAULO 3 X 2 AL ITTIHAD (SAU)

Data: 14/12/2005Local: Estádio Nacional de Tóquio, JapãoÁrbitro: Alain Sars (FRA)Público: 31.510Gols: Amoroso aos 16min e Mohammed Noor aos 33 minutos do primeiro tempo. Amoroso aos 2min, Ro-gério Ceni aos 12min e Al Montashari aos 23min do segundo tempo

São Paulo: Rogério Ceni; Cicinho, Fabão, Edcarlos, Lugano e Júnior; Josué, Mineiro e Danilo; Amoroso e Aloísio (Grafite). Técnico: Paulo Autuori

Al Ittihad: Mabrouk Zaid; Ahmed Al Dosari (Osama Al Harbi), Redha Tukar, Hamad Al Montashari e Adnan Falatah;Manaf Abushgeer, Saud Kariri, Ibrahim Al Shahrani (Mohammed Ameen) e Tcheco; Mohammed Noor e Mohammed Kallon. Técnico: Anghel Iordanescu

SÃO PAULO 1 X 0 LIVERPOOL

Data: 18/12/2005Local: Estádio Internacional de Yokohama, JapãoÁrbitro: Benito Archundia (MEX)Público: 66.821Gols: Mineiro aos 27 minutos do primeiro tempo

São Paulo: Rogério Ceni; Cicinho, Fabão, Edcarlos, Lugano e Júnior; Josué, Mineiro e Danilo; Amoroso e Aloísio (Grafite). Técnico: Paulo Autuori

Liverpool: Reina; Steve Finnan, Sami Hyypia, Jamie Carragher e Stephen Warnock (John Arne Riise); Mo-hamed Sissoko, Xabi Alonso (Florent Sinama Pongolle), Harry Kewel, Steven Gerrard e Luís Garcia; Fernan-do Morientes (Peter Crouch). Técnico: Rafa Benítez

89 90

Page 91: Sete Vezes Campeão

CORINTHIANS

2000

CORINTHIANS 2 X 0 RAJA CASABLANCA (MAR)

Data: 05/01/2000Local: Estádio do Morumbi, em São Paulo, BrasilÁrbitro: Stefano Braschi (ITA)Público: 23.000Gols: Luizão aos 5 min e Fábio Luciano aos 19min do segundo tempo

Corinthians: Dida, Índio, João Carlos, Fábio Luciano, Kléber, Vampeta (Edu), Rincón, Marcelinho Carioca (Marcos Senna), Ricardinho, Edilson, Luizão (Dinei). Técnico: Oswaldo de Oliveira

Raja Casablanca: Chadili, Misbah, Talal, Jrindou, El Haimeur, Nejjary, Safri, Reda, Aboub, Moustaoudia e Khoubbache (Achami). Técnico: Fathi Jama

CORINTHIANS 2 x 2 REAL MADRID (ESP)

Data: 07/01/2000Local: Estádio do Morumbi, em São Paulo, BrasilÁrbitro: William Mattus (CRC)Público: 55.000Gols: Nicolas Anelka aos 19min e Edílson aos 28min do primeiro tempo. Edílson aos 19min e Nicolas Anelka aos 26min do segundo tempo.

Corinthians: Dida; Índio, João Carlos, Fábio Luciano e Kléber; Vampeta (Edu), Freddy Rincón, Ricardinho (Marcos Senna) e Marcelinho Carioca, Luizão e Edilson. Técnico: Oswaldo de Oliveira

Real Madrid: Iker Casillas; Michel Salgado, Fernando Hierro, José Guti (Fernando Morientes) e Roberto Car-los; Fernando Redondo, Christian Karembeu e Geremi (Steve McManaman); Anelka, Raúl e Sávio. Técnico: Vicente del Bosque

CORINTHIANS 2 X 0 AL NASSR (SAU)

Data: 10/01/2000Local: Estádio do Morumbi, em São Paulo, BrasilÁrbitro: Dick Jol (HOL)Público: 31.000Gols: Ricardinho aos 24min do primeiro tempo. Ríncon aos 36min do segundo tempo.

Corinthians: Dida; Daniel, João Carlos (Adílson), Fabio Luciano e Kléber; Vampeta (Dinei), Freddy Rincón, Ricardinho (Edu) e Marcelinho Carioca; Edilson e Luizão Técnico: Oswaldo de Oliveira

Al Nassr: Mohammed Babkr; Mohsin Al Harthi, Hadi Sharify, Ibrahim Al Shokia e Abdallah Al Karni; Man-sour Al Mousa, Mousa Saib (Fahad Mehalel), Fahad Al Husseini (Abdulaziz Al Janoubi) e Ahmed Bahji; Fuad Al Amin e Muhaisen Al Dosari (Ismael Triki). Técnico: Oscar-Luis Fullone

90

Page 92: Sete Vezes Campeão

CORINTHIANS (4) 0 X 0 (3) VASCO

Data: 14/01/2000Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, BrasilÁrbitro: Dick Jol (HOL)Público: 73.000

Corinthians: Dida; Indio, Adilson, Fabio Luciano e Kleber; Vampeta (Gilmar), Freddy Rincón, Ricardinho (Edu) e Marcelinho Carioca; Edilson (Fernando Baiano) e Luizão Técnico: Oswaldo de Oliveira

Vasco: Helton; Paulo Miranda, Odvan, Mauro Galvão e Gilberto; Amaral, Felipe (Alex Oliveira,), Ramon (Donizete) e Juninho (Viola); Romário e Edmundo Técnico: Antônio Lopes

91

Page 93: Sete Vezes Campeão

Bibliografia

ALBUQUERQUE, Almir. Eu e o futebol. São Paulo: Editora Abril, 1973

AMALFI, Yeso. Yeso Amalfi – O Futebolista Brasileiro que Conquistou o Mundo, São Paulo: Cla Editora, 2010.

ARANTES, Thiago. Os dez mais do Santos. São Paulo: Maquinária Editora, 2012

BETING, Mauro. Os dez mais do Palmeiras, São Paulo: Maquinária, 2009.

CRUYFF, Johan. Mis futbolistas y Yo. Barcelona: Ediciones B, 1993

CUNHA, Odir. Donos da Terra, a história do primeiro título mundial do Santos. São Paulo: Realejo, 2007

CUNHA, Odir. Na Raça! – Como o Santos se tornou o primeiro bicampeão mundial. São Paulo: Realejo, 2008

FILHO, Arnaldo Branco, FRIZZO, Roberto e NETO, Lucas Iazzetti. Torneio Internacional de Clubes Campeões – Copa Rio ao Campeão 1951, São Paulo: B2 Comunicação, 2007

GALUPPO, Fernando. Palmeiras campeão do mundo 1951, São Paulo: Maquinária, 2011.

NEVES, Marcos Eduardo. Nunca Houve um Homem Como Heleno, Rio de Janeiro: Ediour, 2006.

NORIEGA, Maurício. Os 11 maiores técnicos do futebol brasileiro. São Paulo: Editora Contexto, 2009

SARMENTO, Carlos Eduardo. A regra do jogo: uma história institucional da CBF, Coordenação Adelina Maria Novaes Cruz, Carlos Eduardo Sarmento e Juliana Lage Rodrigues. Rio de Janeiro: CPDOC, 2006

UNZELTE, Celso Dario e VENDITTI, Mário Sérgio. Almanaque do Palmeiras, São Paulo: Editora Abril S/A, 2004.

WINNER, David. Brilliant orange – the neurotic genius of dutch football. Londres: Editora Bloomsbury, 2000

Jornais: A Gazeta EsportivaFolha de S. PauloEstado de S. PauloJornal da TardeLance!

Sites: Portal Terra (acessado em setembro de 2012)

92