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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº 2039 Julho/2014 Seu Arlindo: um exemplo de guardião de plantas medicinais Belo Campo Com olhar pensador e aquele tom de voz cheio de sabedoria, Seu Arlindo Carneiro também pode ser considerado como a voz do sertão. Aquela voz que luta, participa e vibra! Gosta de dançar (já foi bailarino), açougueiro, iniciou o curso técnico de enfermagem (não concluiu por motivos pessoais), trabalhou na construção civil, supermercado e também foi professor. Além desses ofícios, foi lavrador em toda sua da vida, morou no Paraná e voltou de São Paulo para a Bahia (Lagoa de Estevão - Belo Campo), 17 anos depois de ter ido embora, com a esperança de melhorar a vida aqui, no semiárido. Há pouco mais de 30 anos ele mora em sua propriedade, com sua esposa, Dona Rita, seus dois filhos, Alice e Rocha (Arlindo Filho), nora e netos. Quando perguntando sobre qual foi o melhor momento de sua vida, ele responde: “Meu melhor momento foi minha vida toda" e complementa: "A alegria de viver foi sempre, sempre tive amigos do meu lado, minha esposa, minha família”. A experiência de Seu Arlindo envolve as questões sociais e toca também na questão da cultura popular, um agricultor que toda vida se dedicou à produção de remédios caseiros com a utilização de plantas medicinais encontradas nessa região. Ele nos conta seus primeiros momentos com as plantas medicinais: “Desde o tempo de pequeno que eu entendia por gente, quando era garotão adolescente, existia uma tosse, a gente chamava de tosse grande, mas o nome dela é coqueluche: 'só sara com 06 'meis', só sara com 06 'meis' ', assim eu ouvia, aí eu falei 'eu que não sou nenhum idiota de ficar 6 meses tossindo não´, aí peguei uma erva que tem lá no mato que chama cravinho e 'ranquei' a raiz, quebrei os 'gaio' dele e 'truxe' pra casa, aí botei erva-cidreira , botei a folha de algodão, a folha de andu e peguei canela, 'massei' a canela bem 'massada', a imburana macho, casca de anjico (é a casca da imburana macho), agora amassei e cozinhei, e arrumei aquele chá bem feito, agora quebrei rapadura dentro e fiz aquele melado, aí fui tomando de colher em colher e não foi nem 3 meses e a tosse sarou.” E se perguntar a ele como ele aprendeu as receitas, ele diz “com os antigos, minha avó era filha de índia e eu aprendi um pouco, tomei instrução com livro e com o professor que cuidava da medicina caseira, ele dizia que precisava rezar pra Jesus das Matas e eu perguntava porque, aí ele me ensinou que rezar pra Jesus das Matas era rezar pra as almas dos índios e também pra Santo Agostinho, que é o protetor das mentes”.

Seu Arlindo: um exemplo de guardião de plantas medicinais

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O objetivo de publicizar esta experiência é incentivar o resgate da utilização de plantas medicinais, de forma a fortalecer culturalmente o semiárido.

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Page 1: Seu Arlindo: um exemplo de guardião de plantas medicinais

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº 2039

Julho/2014

Seu Arlindo: um exemplo de guardião de plantas medicinais

Belo Campo

Com olhar pensador e aquele tom de voz cheio de sabedoria, Seu Arlindo Carneiro também pode ser considerado como a voz do sertão. Aquela voz que luta, participa e vibra! Gosta de dançar (já foi bailarino), açougueiro, iniciou o curso técnico de enfermagem (não concluiu por motivos pessoais), trabalhou na construção civil, supermercado e também foi professor. Além desses ofícios, foi lavrador em toda sua da vida, morou no Paraná e voltou de São Paulo para a Bahia (Lagoa de Estevão - Belo Campo), 17 anos depois de ter ido embora, com a esperança de melhorar a vida aqui, no semiárido. Há pouco mais de 30 anos ele mora em sua propriedade, com sua esposa, Dona Rita, seus dois filhos, Alice e Rocha (Arlindo Filho), nora e netos. Quando perguntando sobre qual foi o melhor momento de sua vida, ele responde: “Meu melhor momento foi minha vida toda" e complementa: "A alegria de viver

foi sempre, sempre tive amigos do meu lado, minha esposa, minha família”. A experiência de Seu Arlindo envolve as questões sociais e toca também na questão da cultura popular, um agricultor que toda vida se dedicou à produção de remédios caseiros com a utilização de plantas medicinais encontradas nessa região. Ele nos conta seus primeiros momentos com as plantas medicinais: “Desde o tempo de pequeno que eu entendia por gente, quando era garotão adolescente, existia uma tosse, a gente chamava de tosse grande, mas o nome dela é coqueluche: 'só sara com 06 'meis', só sara com 06 'meis' ', assim eu ouvia, aí eu falei 'eu que não sou nenhum idiota de ficar 6 meses tossindo não´, aí peguei uma erva que

tem lá no mato que chama cravinho e 'ranquei' a raiz, quebrei os 'gaio' dele e 'truxe' pra casa, aí botei erva-cidreira , botei a folha de algodão, a folha de andu e peguei canela, 'massei' a canela bem 'massada', a imburana macho, casca de anjico (é a casca da imburana macho), agora amassei e cozinhei, e arrumei aquele chá bem feito, agora quebrei rapadura dentro e fiz aquele melado, aí fui tomando de colher em colher e não foi nem 3 meses e a tosse sarou.”

E se perguntar a ele como ele aprendeu as receitas, ele diz “com os antigos,

minha avó era filha de índia e eu aprendi um pouco, tomei instrução com livro e

com o professor que cuidava da medicina caseira, ele dizia que precisava rezar pra

Jesus das Matas e eu perguntava porque, aí ele me ensinou que rezar pra Jesus das

Matas era rezar pra as almas dos índios e também pra Santo Agostinho, que é o

protetor das mentes”.

Page 2: Seu Arlindo: um exemplo de guardião de plantas medicinais

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

A motivação maior para seu aprendizado foi a necessidade, segundo

Seu Arlindo: “antigamente não havia 'rodagem' para levar o povo pra Vitória

da Conquista, ninguém daqui desse sertão conhecia médicos, não havia

médicos (..) a gente ia em lombo de animal ou o animal era pra carga e a gente

ia de a pé e não tinha médico pra ninguém”.

No seu quintal encontra-se uma variedade de plantas medicinais,

como: erva-cidreira, hortelã, capim santo, boldo, alecrim, quebra-pedra,

mastruz, romã, vagem, pinha, folhas de: caju, andu, algodão, laranja e limão

entre outros. A paciência e o brilho nos olhos são únicos nesse agricultor

que fala com propriedade, é um exemplo de guardião dessas plantas, tem

amor e respeito pelas suas diversidades e limitações naturais. Segundo ele, a

procura atualmente por remédios caseiros diminuiu pelo fácil acesso a

médicos e remédios industrializados: "É só umas coisinhas plantadas, depois

da medicina forte de hoje o povo não procura muito, mas quando procura o

que a gente tem plantado a gente faz”. Além de produzir os remédios caseiros, ele complementa com

uma oração de acordo com o problema de cada um.

Plantas Medicinais: para que servem?

Desde adolescente Seu Arlindo já se

preocupava com a utilização de plantas

medicinais para o tratamento de doenças,

durante sua vida esse agricultor distribuía

remédios para quem precisasse, e ele

ensina algumas de suas utilizações:

a) Noz-moscada – digestiva e controla o

sistema cardíaco;

b) Imburana Macho – é digestiva, serve

para problemas relacionados ao estômago e

intestino e também picada de cobra e

escorpião. Segundo seu Arlindo: “O

primeiro socorro é ela, mesmo que vai pro

médico depois”;

c) Batata de Teiú – uma raiz que serve

para picada de cobra;

d) “Hortelanzim” – erva que serve para

verme e anemia;

e) Folha de andu – apropriada para

gripe e febre;

Receitas de Seu Arlindo

Para Anemia:

«Hortelanzim»

1. Faça chá do hortelanzim; 2. Descasque uma porção de banana, rale a cenoura e beterraba (com casca) e coloque dentro do chá;

3. Quebre um pedaço de rapadura e faça um doce

com os outros ingredientes.

Para Verme:

«Hortelanzim»

1. Faça um chá forte;

2. Acrescente chifre de gado ( queime o chifre

de gado e raspe uma colher de sopa,

coloque no chá quente)

3. Depois deixe esfriar – tome em jejum e a

tarde

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