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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Silvio Luiz Maciel Interpretação conforme a Constituição MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

Silvio Luiz Maciel - Pesquisa Básica · Leva-me para junto das águas de descanso; Refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da Justiça por amor ao seu nome. Ainda que eu ande

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Silvio Luiz Maciel

Interpretação conforme a Constituição

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Silvio Luiz Maciel

Interpretação conforme a Constituição

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito, na área de concentração Direito do Estado, sob a orientação do Prof. Livre Docente André Ramos Tavares.

SÃO PAULO

2008

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Maciel, Silvio Luiz.

M152i

Interpretação conforme a constituição/ Silvio Luiz Maciel. – São Paulo: PUC, 2008.

176f.

Orientador: Dr. André Ramos Tavares. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Direito do Estado) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

1. Interpretação conforme. 2. Controle de Constitucionalidade 3. Interpretação constitucional. I. Maciel, Silvio Luiz. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Antonio (in memorian) e Iolete, que com sublime

simplicidade ensinaram-me os valores, para mim, mais importantes para uma vida

digna: o amor incondicional; o respeito ao próximo; a fé em DEUS; a crença na vida e a

honestidade.

Aos meus queridos irmãos, Paulo e José, os quais são partes

indissociáveis da minha história.

À Gi, meu grande amor, que há catorze anos transformou-me num novo

ser humano; com ela aprendi quase tudo que sei sobre a amizade, a cumplicidade, a

paixão e o amor mais sincero possível entre um homem e uma mulher e que faz unir

duas pessoas por uma vida inteira... E talvez para além dela.

A DEUS, pela benção da vida nesta terra.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Francisco de Camargo Lima, meu eterno mestre; o senhor,

professor, é o verdadeiro responsável pela linda mudança no rumo de vida deste jovem,

que um dia soube ouvir seus sábios conselhos e que agora colhe os bons frutos

anunciados; ao senhor, que é daqueles homens cujo semblante resplandece bondade,

sabedoria e amor ao próximo, minha eterna gratidão.

Ao meu prezado e estimado orientador, professor André Ramos

Tavares. Desde a primeira vez que o procurei, ele jamais disse “não” a mim. Dizer

“sim” a alguém que precisa de nossa ajuda é um ato humano à altura de homens como o

senhor, professor André. Muito obrigado por não me abandonar em nenhum momento

desta difícil jornada que está prestes a se completar.

Ao professor Luiz Flávio Gomes, um dos maiores juristas deste país e

sem dúvida um dos homens de maior retidão de caráter que já conheci. Sua incansável e

diuturna dedicação ao estudo do Direito, que redundou num dos projetos de ensino mais

sérios e profícuos do nosso país, permitiu-me, não por acaso (porque acredito que nada

é por acaso) a realização de um projeto outrora inatingível: o de seguir a carreira de

docente do Direito, algo sonhado por mim desde os bancos acadêmicos. Muito obrigado

professor, por me abrir tão amplos horizontes acadêmicos e por servir-me de paradigma

para tudo que pretendo ser, na vida e na carreira que escolhi seguir. E por me ensinar a

lutar, incansavelmente, pela aplicação de um Direito justo e com respeito aos princípios

constitucionais.

À professora Alice Bianchini, exemplo de cidadã; incansável defensora

da aplicação de um Direito justo e igualitário. Sem dúvida uma jurista que o Brasil não

poderia deixar de ter.

A todos os meus professores do mestrado da PUC-SP, que com especial

sabedoria souberam-me abrir novos horizontes na compreensão do Direito, permitindo-

me, nas palavras do professor Willis Santiago, “uma mudança interior”.

Aos meus colegas do curso, em especial ao Marcelo Leite, que ficará

para sempre na minha memória, como exemplo de homem a ser seguido.

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Oração O Senhor é meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; Refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da Justiça por amor ao seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo: a tua vara e teu cajado me consolam. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Bondade e misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre. (Salmo:23).

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MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. 2008. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO

O presente estudo dedica-se à análise da interpretação conforme a

Constituição, que ao mesmo tempo é instrumento hermenêutico e técnica de controle de

constitucionalidade.

Em primeiro é analisada a natureza da interpretação conforme, nas

diversas acepções pelas quais é encarada pela doutrina e jurisprudência: como princípio

constitucional; como método ou regra de interpretação jurídica; como “moderna” forma

de interpretação constitucional; como método ou técnica de controle de

constitucionalidade. Em seguida faz-se a abordagem da interpretação conforme como

forma de colmatação de lacunas e de otimização constitucional e ainda como

mecanismo de efetivação judicial de direitos fundamentais. Após tais análises, são

estudadas a origem e evolução histórica da interpretação em conformidade com a

Constituição.

Na seqüência o instituto é abordado em sua vertente de método de

controle de constitucionalidade, com o enfrentamento das questões correspondentes a

esse enquadramento: o cabimento da interpretação conforme nos métodos difuso e

concentrado de constitucionalidade; sua distinção com a inconstitucionalidade parcial

sem redução de texto; a aplicabilidade ou não da reserva de plenário nas decisões de

inconstitucionalidade proferidas pelos Tribunais; a extensão do efeito vinculante da

interpretação conforme proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

São estudados ainda os diversos fundamentos indicados pela doutrina e

jurisprudência nacionais e estrangeiras para justificar o emprego da interpretação

conforme. Ao final, são analisados os limites da interpretação conforme, a importância

do instituto e a questão da chamada “interpretação da Constituição conforme a lei”.

Palavras-chave: interpretação conforme; controle de constitucionalidade; interpretação

constitucional.

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ABSTRACT

The purpose of the present study is the analysis of the interpretation in

accordance with the Constitution, which is both a hermeneutic tool and a technique for

the control of constitutionality.

First, the nature of such interpretation is reviewed according to the

various senses adopted by the doctrine and jurisprudence: as a constitutional principle;

as a method or rule for legal interpretation; as a “modern” form of constitutional

interpretation; as a method or technique for the control of constitutionality. Then, such

interpretation is approached as a form to close the gaps and optimize the Constitution.

After such review, the origin and the historic evolution of the

interpretation in accordance with the Constitution are studied.

Next, the instrument is discussed as a method to control

constitutionality, taking into account the different issues related to this approach: the

pertinence of such interpretation for the diffuse and concentrated methods of

constitutionality; the difference between such method and partial unconstitutionality

without textual reduction; the applicability or not of plenary reservation in the decisions

awarded by the Court; the extent of the binding effect of such interpretation as issued by

the Supreme Federal Court.

There is further the study of the various fundamentals indicated by the

Brazilian and foreign doctrine and jurisprudence to justify the use of interpretation in

accordance with the Constitution. Finally, the limits of such interpretation and the issue

of the so-called “interpretation of the Constitution in accordance with the law” are

examined.

Key words: interpretation; control of constitutionality; constitutional interpretation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................Erro! Indicador não definido.

1 NOÇÕES GERAIS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME..................... 15

2 A NATUREZA DA INTERPRETAÇÃO CONFORME.............................. 19

3 A INTERPRETAÇÃO CONFORME COMO ESPÉCIE DE "MODERNA" FORMA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL........................................................................................27

3.1 Os métodos clássicos de interpretação e as “modernas” formas de interpretação constitucional ..........................................................................................................31

3.2 A interpretação como atividade criadora do direito e o surgimento das “modernas” formas de interpretação.......................................................................33

4 A INTERPRETAÇÃO CONFORME COMO MECANISMO DE SUPRESSÃO DE LACUNAS E DE OTIMIZAÇÃO CONSTITUCIONAL .............................................................................................................................. 42

5 A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO COMO MECANISMO DE TUTELA E EFETIVAÇÃO JUDICIAL DOS DIREI TOS FUNDAMENTAIS ............................................................................................ 45

6 ORIGENS HISTÓRICAS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO.............................................................................................. 53

7 A INTERPRETAÇÃO CONFORME COMO MECANISMO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE .................... ........................ 57

7.1 Cabimento da interpretação conforme nos sistemas concentrado e difuso de constitucionalidade .................................................................................................60

7.2 Distinção entre a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e a interpretação conforme............................................................................64

7.3 A “reserva de plenário” e a extensão do efeito vinculante da interpretação conforme dada pelo STF (no controle concentrado) ..............................................75

7.3.1 Inaplicabilidade da cláusula de reserva de plenário ......................................75

7.3.2 O efeito vinculante da interpretação conforme dada pelo Supremo Tribunal Federal ....................................................................................................................82

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7.4 A natureza da decisão que aplica a interpretação conforme.............................96

8 FUNDAMENTOS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO............................................................................................ 102

8.1 Supremacia da Constituição: a Constituição como fundamento de validade das demais normas jurídicas........................................................................................102

8.2 Segurança jurídica: a necessidade de se evitar o vazio normativo .................108

8.3 Separação de poderes e presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos.............................................................................................................112

8.4 Princípio da conservação das normas jurídicas e princípio da economia do ordenamento jurídico ............................................................................................120

8.5 Princípio da unidade do ordenamento jurídico ...............................................122

8.6 A insuficiência de um único fundamento para justificar o princípio da interpretação conforme a Constituição .................................................................124

9 LIMITES À INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO.... 127

9.1 Polissemia do texto normativo. A necessidade de um sentido compatível com a Constituição como limite à interpretação conforme.............................................143

10 INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO: MODERNIDADE OU MERA TRIVIALIDADE? .................. .................... 148

11 INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CONFORME A LEI.... ... 151

CONCLUSÃO ................................................................................................. 155

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 164

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INTRODUÇÃO

O presente estudo versa sobre a interpretação conforme a Constituição,

instrumento de interpretação e técnica de controle de constitucionalidade que há muito

vem sendo utilizado pelos Tribunais de inúmeros países, inclusive no Brasil.

Paulo Bonavides coloca que “a interpretação das leis ‘conforme a

Constituição’, se já não tomou foros de método autônomo na hermenêutica

contemporânea, constitui, fora de toda a dúvida um princípio largamente consagrado em

vários sistemas constitucionais”1. E acrescenta que por representar um método não

formalista de interpretação constitucional, “converteu-se num dos mais importantes

postulados da teoria material da Constituição e da autoridade interpretativa do juiz.”2

No Brasil, a interpretação conforme vem sendo cada vez mais utilizada

pelo Supremo Tribunal Federal, como técnica de decisão para conformar o texto

normativo aos ditames constitucionais, evitando-se a pecha da sua

inconstitucionalidade. “O Supremo vem se servindo da mencionada técnica em diversas

decisões, o que confere, outrossim, relevo à matéria aqui estudada.”3 Acrescente-se, que

o art. 28, parágrafo único da Lei n. 9.868, de 1999 prevê, expressamente, o instituto da

interpretação conforme, o que aumenta a relevância do tema, por se tratar de estudo

sobre instituto positivado em nosso sistema jurídico-constitucional.

No primeiro capítulo são traçadas as linhas gerais da interpretação

conforme, para a apreensão e conhecimento do objeto de estudo.

O segundo capítulo é dedicado à análise da natureza da interpretação

conforme, nas diversas acepções em que é vista pela doutrina e jurisprudência pátria e

alienígena. Com efeito, a interpretação conforme é vista como princípio constitucional, 1 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 1994, p. 517-518. 2 “A concepção material da Constituição representa no século XX uma corrente de pensamento crítico e revisor, a cujo leito confluem todas aquelas direções inconformadas com o exclusivismo normativo e formalista do positivismo lógico”. Tal concepção, que ideologicamente está relacionada ao constitucionalismo do Estado Social, representou “para a interpretação jurídica uma latitude significativa e abrangente”. Cf. BONAVIDES, 1994, p. 100-101. 3 PAVANI, Sérgio Augusto Zampol. A Interpretação Conforme a Constituição e o Controle Difuso de Constitucionalidade. Temas de Direito Público – Estudos em Homenagem ao Ministro José Augusto Delgado. Curitiba: Juruá Editora, 2005. p. 582-583.

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como princípio de interpretação jurídica, como método ou regra de interpretação

jurídica e ainda como técnica de fiscalização de constitucionalidade.

Na seqüência, a interpretação conforme é estudada como uma

“moderna” forma de interpretação constitucional que engendra uma técnica moderna de

decisão no controle de constitucionalidade das leis. Seu surgimento foi possível graças a

uma nova concepção sobre o papel e abrangência da interpretação, que deixou de ser

vista apenas como um procedimento de descoberta da vontade objetiva da lei ou do

legislador com a aplicação dos métodos tradicionais de exegese, para ser alçada a uma

atividade criadora do Direito. Conseqüentemente, o intérprete deixou de ser visto como

mero autômato aplicador de regras a fatos por meio de uma aplicação silogística e

mecanicista da lei. Foi dado a ele um papel mais proeminente e discricionário na

construção da inteligência das normas, respeitada, é claro, a “moldura da norma”.

No capítulo seguinte são analisadas outras duas finalidades da

interpretação conforme, que além de funcionar como mecanismo de controle de

constitucionalidade, serve ainda como forma de colmatação de lacunas e como

otimização constitucional (princípio da máxima efetividade das normas jurídicas). Esta

última finalidade significa que a interpretação conforme é também utilizada para que

seja obtida de normas constitucionais a interpretação “mais constitucional possível” e

que melhor atenda aos propósitos da Constituição (princípio do máximo aproveitamento

dos atos jurídicos).

A seguir, a interpretação conforme é analisada ainda como mecanismo

de tutela e efetivação dos direitos fundamentais, considerando que ao Judiciário, dado

seu papel de “realizador” da Constituição por meio dessa técnica de decisão

interpretativa, pode dar concreção a direitos fundamentais que constituem a marca das

Constituições contemporâneas. Ao Judiciário, no Estado Democrático de Direito

cumpre buscar dar efetivação às normas de direitos fundamentais. Considerando ainda

que a interpretação conforme é uma técnica de decisão e de máximo aproveitamento

dos atos jurídicos, a interpretação conforme funciona então também como mecanismo

judicial de proteção e efetivação desses direitos fundamentais.

O quinto capítulo é dedicado à origem histórica da interpretação

conforme, inclusive com a análise da aplicação do instituto pela nossa Suprema Corte.

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Vê-se que a interpretação constitucionalmente conforme, embora tenha se irradiado a

partir da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, surgiu, na verdade, na

jurisprudência norte-americana.

No sexto capítulo a interpretação é analisada como mecanismo de

controle de constitucionalidade, sem dúvida seu aspecto mais marcante. E então são

enfrentadas as questões decorrentes desse enquadramento, tais como o cabimento

interpretação conforme à Constituição nos métodos difuso e concentrado de

constitucionalidade; sua distinção com a inconstitucionalidade parcial sem redução de

texto; a aplicabilidade ou não da reserva de plenário nas decisões proferidas pelos

Tribunais; e o efeito vinculante da interpretação conforme dada pelo Supremo Tribunal

Federal.

O Capítulo oitavo é dedico à análise dos diferentes fundamentos

utilizados pela doutrina para justificar o emprego dessa técnica de decisão em sede de

jurisdição constitucional. A doutrina e a jurisprudência apelam a diferentes princípios

justificadores da interpretação conforme, dentre os quais se destacam a supremacia

constitucional, a segurança jurídica, a separação de poderes e a presunção de

constitucionalidade das leis e atos normativos e os princípios da conservação das

normas jurídicas e da unidade do ordenamento jurídico. O que se conclui, entretanto, é

que nenhum dos fundamentos, por si só, é suficiente para justificar o emprego da

interpretação conforme, devendo ser utilizados, conjuntamente, na legitimação dessa

técnica de decisão.

Em seguida é abordada a delicada questão dos limites da interpretação

conforme. São demonstradas as divergências entre aqueles que sustentam que a técnica

deve observar os instransponíveis limites do texto normativo e a vontade inequívoca da

lei e aqueles que, ao contrário, sustentam que pode o Judiciário, com tal técnica pode

exercer decisão corretiva da lei, ou na expressão forjada pela Corte Constitucional

italiana, uma decisão manipulativa de efeito aditivo. A polissemia da norma, colocada

com pressuposto indispensável para o cabimento da interpretação conforme, é analisada

como também um limite a ela.

No penúltimo capítulo é tratamos da importância da interpretação

conforme, que não é uma simples saliência dos mecanismos tradicionais de controle de

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constitucionalidade, mas ao contrário, constitui uma ruptura com esse modelo inflexível

sustentado no binômio constitucionalidade/inconstitucionalidade da lei. A interpretação

conforme permite a flexibilização do sentido do texto normativo, mantendo-o no

ordenamento jurídico, diminuindo assim a tensão entre Poderes e os problemas

decorrentes do embate entre o respeito à Constituição e o respeito ao trabalho do

legislador

Por último, enfrentamos a questão da chamada interpretação da

Constituição conforme a lei, que seria uma maneira de manter a Constituição atualizada

(assunto relativo à chamada mutação constitucional informal) já que os princípios e

valores impressos no ordenamento constitucional são concretizados pelas normas

inferiores. A doutrina, com acerto, rechaça esse raciocínio que impõe a verificação de

normas constitucionais a partir de normas inferiores.

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1 NOÇÕES GERAIS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME

A interpretação conforme consiste num princípio de interpretação,

aplicado, principalmente, em sede de controle de constitucionalidade, pelo qual o

Judiciário, diante das possibilidades de sentido de uma lei (ou ato normativo), emprega-

lhe um significado que a torne compatível com a Constituição, salvando-a, assim, da

eiva da inconstitucionalidade. Daí se vê que essa técnica de decisão interpretativa

somente é cabível diante de normas plurissignificativas, que comportem diversas

interpretações e, dentre essas, ao menos uma que se revele constitucional.

É, portanto, uma técnica de salvação da norma, embora não seja apenas

isso, como veremos no transcorrer deste trabalho. Permite a interpretação conforme que

seja extraído o “veneno”4 da inconstitucionalidade da norma, afim de mantê-la

integrando o ordenamento jurídico.

Na verdade, interpretar as leis em conformidade com a Constituição,

dada a supremacia desta, é um dever de qualquer exegeta. Assim é que Enterría coloca:

“[...] antes que uma Ley sea declarada inconstitucional, el juiz que efectúa el examen

tinene el deber de buscar en via interpretativa uma concordancia de dicha Ley com la

Constitución.”5

4 A metáfora é dos juristas franceses, onde em lugar da expressão interpretação conforme, “[...] fala-se de ‘conformidade sob reserva de interpretação neutralizante’ que visa extrair o ‘veneno’ (‘[elles] vident de leur venin’) das disposições potencialmente perigosas de uma lei”. Cf. SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 209. 5 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional. Madrid: Civitas, 1996 apud ALMEIDA JUNIOR, Fernando Osório de. Interpretação conforme a Constituição e Direito Tributário . São Paulo: Dialética, 2002. p. 17. A propósito, não somente o Poder Judiciário, mas qualquer interprete da lei deve fazê-la de acordo com a Constituição. “De facto, ninguém nega que a interpretação conforme à Constituição constitua uma operação fundamental para todos os operadores jurídicos. A doutrina reconhece, generalizadamente, que se trata de uma operação a que devem recorrer entidades públicas e privadas, tribunais em geral e Tribunal Constitucional, em particular. Como refere Jorge Miranda, todo intérprete de normas legais deve procurar o sentido mais adequado ao do correspondente comando ou princípio constitucional: ‘todo tribunal, e, em geral, todo operador jurídico fazem interpretação conforme a Constituição’”. Cf. FIRMINO, Ana Sofia de Sousa. Princípio da Interpretação Conforme à Constituição. 2004. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional I), Faculdade de Direito de Lisboa, Portugal, p. 16. Rui Medeiros é um dos autores que, em Portugal, afirma a necessidade da Administração também realizar a interpretação conforme: “O elemento sistemático-teleológico, que deve ser tomado em consideração por qualquer intérprete, obriga as autoridades administrativas a proceder a uma interpretação das leis em conformidade com a

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Canotilho, em passagem que já se tornou clássica, resume os aspectos

gerais da interpretação conforme, ressaltando inclusive os limites a serem observados

no emprego do método:

“Este principio deve ser compreendido articulando todas as dimensões

referidas, de modo que se torne claro: (i) a interpretação conforme a Constituição só é

legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a varias

propostas interpretativas, umas em conformidade com a Constituição e que devem ser

preferidas, e outras em desconformidade com ela; (ii) no caso de se chegar a um

resultado interpretativo de uma norma jurídica em inequívoca contradição com a lei

constitucional, impõe-se a rejeição, por inconstitucionalidade, dessa norma (=

competencia de rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais pelos juízes),

proibindo-se a sua correcção pelos tribunais (= proibição de correcção de norma jurídica

em contradição inequívoca com a Constituição); (iii) a interpretação da Constituição

deve afastar-se quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma

regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objectivo

claramente recognoscível da lei ou em manifesta dessintonia com os objectivos

pretendidos pelo legislador.”6

A interpretação conforme a Constituição é um cânone de interpretação,

utilizado primordialmente no sistema de controle de constitucionalidade, cuja função é,

ao lado de outros cânones hermenêuticos, tentar equacionar o intrincado problema da

interpretação/concretização da lei e da Constituição realizada no exercício da jurisdição

constitucional. Não se trata, pois, de um mecanismo hermenêutico auto-suficiente ou

bastante em si mesmo.

De forma brilhante, coloca Inocêncio Mártires Coelho que desde que a

a jurisdição constitucional foi consolidada nos vários quadrante do mundo jurídico,

legitimando-se o judicial review (exercício de “jurisdição excepcional”), o debate sobre

as origens do controle de constitucionalidade foi substituído pelo debate sobre o

Constituição: a Administração não é (nem pode ser) alheia às regras do pensamento sistemático”. Cf. MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade: os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica, 1999, p. 319. 6 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Lisboa: Almedina, 1991, p. 236.

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problema da interpretação/aplicação da lei fundamental, e sobre se seus métodos são

jurídicos, políticos ou jurídicos-políticos. Desde então, juristas das mais diversas

tendências têm se esforçado por controlar as decisões desses “supertribunais –

verdadeiras constituintes de plantão”, mediante a criação de cânones hermenêuticos

para “[...] reduzir a um mínimo democraticamente tolerável aquele resíduo incômodo de

voluntarismo e irracionalidade que se faz presente em todo decisão judicial, mormente

nos veredictos dos órgãos da jurisdição constitucional, cuja tarefa consiste muito mais

em concretizar do que em interpretar as pautas axiologicamente abertas e

linguisticamente plurissignificativas que integram a parte dogmática das constituições”.7

E esses cânones hermenêuticos, prossegue Inocêncio, devem ser

empregados conjuntamente, considerando-se o caráter unitário da atividade

interpretativa: “Invocando a lição de Canotilho, devemos enfatizar que, atualmente, a

interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos desenvolvidos pela

doutrina e pela jurisprudência com base em critérios ou premissas – filosóficas,

metodológicas, epistemológicas – diferentes – mas, em geral, reciprocamente

complementares, o que ressalta o caráter unitário da atividade interpretativa.”8. E mais

adiante acrescenta que “os chamados princípios da interpretação constitucional, à

semelhança dos métodos interpretativos, também devem ser aplicados conjuntamente,

em um jogo concertado de complementações e restrições recíprocas.”9

Nesse mesmo sentido coloca Rui Medeiros: “‘Não há várias espécies de

interpretação. A interpretação é única: os diversos meios empregados ajudam-se uns aos

outros, combinam-se e controlam-se reciprocamente, e assim todos contribuem para a

averiguação do sentido legislativo.’[...] A admissibilidade de um princípio de

interpretação das leis em conformidade com a Constituição não legitima qualquer

monismo metodológico traduzido numa absoluta primazia do aspecto da conformidade

7 COELHO, 2004, op. cit. p. 24-25. 8 Idem, Ibidem. 9 Idem, p. 29. Nesses princípios de interpretação constitucional, o autor inclui o princípio da interpretação conforme, que embora não esteja ligado exclusivamente à exegese constitucional, é utilizado essencialmente no controle de constitucionalidade das leis. Cf. COELHO, op. cit. p. 29.

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à Constituição. O princípio da interpretação conforme à Constituição deve antes ser

utilizado em conformidade com o método.”10

10 MEDEIROS, op. cit. p. 307-308. A doutrina majoritária tem entendido que entre os vários critérios de interpretação não existe qualquer hierarquia, devendo os mesmos combinar-se entre si para averiguar o sentido de uma determinada disposição. Assim, “a interpretação conforme à Constituição, neste sentido, não elimina, nem minimiza o valor próprio dos restantes critérios interpretativos, concorrendo com eles para a determinação da norma”. Cf. Firmino, op. cit. p. 33.

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2 A NATUREZA DA INTERPRETAÇÃO CONFORME11

Dada às peculiaridades que marcam a interpretação conforme, a

doutrina em geral a encara sob um tríplice aspecto: a) como princípio; b) como

instrumento hermenêutico; e c) como mecanismo de controle de constitucionalidade.

Como muito bem observa Eduardo Fernando Appio12 “não é incomum que a doutrina

faça referência ao instituto jurídico como método de interpretação constitucional, como

princípio da Constituição, ou ainda como técnica de controle de constitucionalidade

das leis e atos normativos, seja na forma concentrada (realizada com exclusividade pelo

Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Estaduais) ou difusa (realizada pelo STF

ou por qualquer outro juízo do país).”

Por isso, o primeiro problema que se coloca quanto ao tema da

interpretação conforme é o do estudo da sua natureza, tendo em vista que ela é, em

suma, mencionada como princípio constitucional imanente; como princípio de

interpretação constitucional; como regra (ou método) geral de interpretação; como

mecanismo de controle de constitucionalidade das leis.

É importante ressaltar, entretanto, e desde logo, que há quase um

consenso na doutrina e jurisprudência de que a interpretação conforme é, ao mesmo

tempo, instrumento hermenêutico e mecanismo de controle de constitucionalidade.13

11 Como bem diz Virgílio Afonso da Silva, “en un trabajo acerca de la interpretación conforme la Constitución, es preciso que se empiece por um concepto, por lo menos preliminar, de este Canon de interpretación”, SILVA, Virgílio Afonso. La interpretación conforme a La Constitución. Entre la trivialidad y la centralización judicial. In: Revista Mexicana de Derecho Constitucional, n. 12, jan-jun. 2005, p. 4. 12 APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação Conforme a Constituição: Instrumentos de Tutela Jurisdicional dos Direitos Fundamentais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 27. “Sob perspectivas diferentes, a interpretação em conformidade com a constituição pode ser vista como princípio hermenêutico, como princípio de controle de constitucionalidade, como princípio de conservação de normas e como técnica de decisão”. Cf. ANDRADE, André. Dimensões da Interpretação Conforme a Constituição. In: ______. A Constitucionalização do Direito: a Constituição como Locus da Hermenêutica Jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 102. 13 “ Trata-se de um princípio de interpretação da lei ordinária em face da Constituição, inserto como instrumento a serviço do controle de constitucionalidade”, AMANDO JUNIOR, José. Hermenêutica

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Pois bem. Há quem veja a interpretação conforme como um princípio

constitucional imanente.

Nesse sentido o professor Lenio Streck14: “Alçado à categoria de

princípio, a interpretação conforme a Constituição é mais do que um princípio é um

princípio imanente da Constituição, até porque não há nada mais imanente a uma

Constituição do que a obrigação de que todos os textos normativos do sistema sejam

interpretados de acordo com ela. Desse modo, em sendo um princípio (imanente), os

juízes e os tribunais não podem so(negar) a sua aplicação sob pena de violação da

própria Constituição.”

Também Fernando Appio coloca que, “não resta dúvida de que a

‘interpretação conforme’ pode ser considerada como um princípio ‘imanente’ da

Constituição [...]” na medida em que o art. 102, I, “a” da Constituição Federal, ao prever

a ação direta de inconstitucionalidade (dentre outros instrumentos) estabeleceu um

princípio de conformidade das leis infraconstitucionais à Constituição.15

Maurício Martins Reis também se refere à interpretação conforme

como um “instituto imanente do sistema jurídico”.16

Konrad Hesse, por seu turno, menciona a interpretação conforme como

“um princípio de interpretação constitucional.”17 Paulo Bonavides também refere-se ao

princípio da interpretação conforme a Constituição18, como um “método especial de

Jurídica e o Efeito Vinculante da Interpretação Conforme a Constituição em Relação aos Órgãos do Poder Judiciário. Jurídica: Administração Municipal, v. 7, n. 1, 2002, p. 44. 14 STRECK, Lenio. A Hermenêutica e o Acontecer (ereigen) da Constituição a tarefa de uma nova crítica do direito. In: APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação Conforme a Constituição. Curitiba: Juruá, 2002. p. 32. 15 APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação Conforme a Constituição. Curitiba: Juruá, 2002. p. 31-32. Consigne-se, entretanto, que o autor faz uma ressalva à sua própria afirmação, mencionando que: “por outro lado, não há como se negar o fato de que o postulado ou princípio da interpretação conforme, neste patamar, em muito se aproximaria da natureza conceitual do princípio constitucional da supremacia da Constituição Federal frente aos demais instrumentos normativos. Em outras palavras, o princípio constitucional da interpretação conforme seria mais um efeito do princípio da supremacia do que propriamente um princípio constitucional, motivo pelo qual não se aceita esta natureza jurídica sem reservas” (Idem, Ibidem, p. 32-33). 16 REIS, Maurício Martins. A Interpretação conforme à Constituição como Garantia Inerente ao Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 160, 13 dez. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4533>. Acesso em: 26 dez. 2007. 17 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p. 70. 18 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 254.

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interpretação” que em rigor não constitui um princípio de interpretação da Constituição,

mas um princípio da interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição19.

Willis Santiago considera o método como um princípio de interpretação

constitucional, na medida em que qualquer pessoa deve interpretar a lei de acordo com a

Constituição.20

Inocêncio Mártires Coelho coloca que a interpretação conforme “[...]

além de valioso instrumento de controle de constitucionalidade, é também uma

importante regra de interpretação das leis em geral [...]” Ele inclui a interpretação

conforme entre os “princípios da interpretação constitucional,” mas ressalta que eles não

estão “[...] ligados exclusivamente à exegese constitucional”.21

Em Portugal, Rui Medeiros pontifica que “a interpretação da lei em

conformidade com a Constituição, mais do que um princípio especial conexo com a

fiscalização da constitucionalidade das normas legais, constitui, portanto, um princípio

regra de aplicação da lei em geral.”22 E Ana Sofia de Sousa Firmino também vai nesse

sentido: “o princípio da interpretação conforme a Constituição, tal como o concebemos,

é um princípio geral de interpretação que, quando considerado no âmbito específico da

jurisdição constitucional, apela ao velho princípio da jurisprudência americana, segundo

o qual os juízes devem interpretar as leis ‘in harmony with the Constitution.’” 23

19 BONAVIDES, 1994, p. 518. 20 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001. p. 60. 21 COELHO, Inocêncio Mártires. O Novo Código Civil e a Interpretação Conforme a Constituição. In: FRANCIULLI NETTO, Gilmar Ferreira Mendes et al. (Coord.). O Novo Código Civil: homenagem ao Professor Miguel Reale. 2 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 29-37. 22 MEDEIROS, op. cit., p. 290. 23 FIRMINO, op. cit., p. 6. A propósito, Ana Sofia, referindo-se especificamente ao sistema português, coloca que o dever de conformação da Lei à Constituição estende-se para além da Constituição material, ou seja, as leis devem ser conformes também com a Constituição formal. “Tal significa, seguindo os ensinamentos de Jorge Miranda que o dever de conformação se estende à Declaração Universal dos Direitos do Homem” pois o art. 16º, nº 2 da CRP eleva os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem à categoria de princípios constitucionais, tal como os demais”. (Idem, Ibidem). Canotilho e Vital Moreira também se referem expressamente à um princípio de interpretação em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seguintes termos: a) em caso de polissemia da norma constitucional de direitos fundamentais, deve se dar preferência àquele que permita uma interpretação conforme à Declaração Universal; b) na densificação dos conceitos constitucionais relativamente indeterminados relativos a direitos fundamentais deve-se recorrer ao sentido desses conceitos na Declaração Universal. Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 136 e ss. Esse raciocínio se aplica inteiramente ao sistema brasileiro, no que se refere aos tratados e convenções internacionais sobre

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Igualmente, Karl Larenz vê no instituto um “critério de interpretação”,

pois dentre as várias interpretações possíveis deve ser escolhida a que mais se coadune

com a Constituição.24

A nós parece inegável que a interpretação conforme é, ao mesmo

tempo, um método de interpretação jurídico-constitucional e técnica de decisão em sede

de jurisdição constitucional.25 Na verdade é um método de interpretação que viabiliza

um mecanismo moderno de controle de constitucionalidade26. Um princípio de

interpretação, só que voltado, primordialmente,27 para a solução de um problema de

controle de constitucionalidade, convertendo-se, assim, numa técnica de decisão. A

propósito, esse último aspecto – mecanismo de controle de constitucionalidade – é sem

dúvida o mais marcante da interpretação conforme, por se confundir com a própria

finalidade principal do instituto.

A interpretação conforme, sem dúvida nenhuma, constitui-se numa

técnica de controle de constitucionalidade, com a peculiar característica de evitar, ao

máximo, a decretação de nulidade (por inconstitucionalidade) de uma lei ou ato

normativo. Quanto a esse aspecto da interpretação conforme – mecanismo de controle

de constitucionalidade – não há, aliás, controvérsia alguma na doutrina e na

jurisprudência. No Brasil, a propósito, a interpretação conforme foi institucionalizada

direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional, com força de emenda constitucional (art. 5º, § 4º da CF/88). 24 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997. p. 480. Nesse sentido também João Zenha Martins: “acompanhando-se LARENZ, ‘conformidade com a Constituição’ é um critério de interpretação. No domínio específico da jurisdição constitucional, radica no velho princípio, trabalhado pela jurisprudência americana, de que os juízes devem interpretar as leis in harmony with Constitution” . Cf. MARTINS, João Zenha. Interpretação Conforme a Constituição. In: CORDEIRO, António Menezes et al. (Org.). Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles. Coimbra: Almedina, 2003. p. 900. 25 Jorge Miranda, em sua obra Manual de Direito Constitucional se opõe à idéia de que a interpretação conforme a Constituição seja uma regra de interpretação, vislumbrando-a apenas como método de fiscalização da constitucionalidade das leis. Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. t. II. p. 267.

26 Como muito bem coloca o professor Marcelo Figueiredo, “há divergência se o princípio da interpretação conforme a Constituição é verdadeiramente um método de interpretação constitucional ou um procedimento próprio de fiscalização da constitucionalidade. Cremos que o conflito é só aparente já que a interpretação conforme a Constituição serve como mecanismo de controle de constitucionalidade através do aludido princípio”. (grifo nosso) Cf. FIGUEIREDO, Marcelo. As agências reguladoras – O Estado Democrático de Direito no Brasil e sua Atividade Normativa. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 35. 27 Há outras funções da interpretação conforme, como veremos adiante.

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como técnica de controle de constitucionalidade pelo art. 28, § 1º, da Lei 9.868, de

10.11.1999.28

Ocorre que esse processo de verificação de (in)constitucionalidade com

vistas à conformação da norma, não se faz, senão, por meio de um processo

interpretativo da norma infraconstitucional e da própria norma constitucional. Primeiro

se faz a verificação de todas as interpretações possíveis que a norma infraconstitucional

comporta; depois, se encontrada uma diversidade de significados do texto normativo

inferior, eles são colocados em confronto com a norma constitucional – que também

demandará uma interpretação – para que se verifique se ao menos um dos seus sentidos

apreendidos no processo hermenêutico anterior pode se adequar à Constituição.29

Inegável, portanto, que a interpretação conforme, como o próprio nome

está a indicar, implica, necessariamente, numa interpretação exaustiva dos possíveis

sentidos embutidos no texto legal e ainda, numa interpretação da própria norma

constitucional para que se possa realizar o cotejo entre as espécies normativas

manejadas. Trata-se, sem dúvida, também de um trabalho exegético.

É bem verdade que essa interpretação conforme se faz,

indissociavelmente, dentro de um processo de decisão de constitucionalidade da norma

impugnada; em outras palavras, a interpretação conforme tem como finalidade precípua

funcionar como uma técnica de controle de constitucionalidade. Mas é também

interpretação.

É uma interpretação – atribuição de significados às normas,

infraconstitucional e constitucional – acrescida de uma finalidade específica, qual seja,

viabilizar um mecanismo de controle de constitucionalidade da norma inferior.

28 “Tendo em vista as especificidades e as imprecisões que marcam seu enquadramento dogmático, a interpretação conforme à Constituição mereceu expressa referência no art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868, de 1999. [...] É possível até mesmo que essa referência expressa no texto legal contribua para a autonomização da interpretação conforme à Constituição como técnica especial de decisão entre nós”. Cf. MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 326.

29 Como diz Celso Ribeiro Bastos: “O que se pode constatar desse intricado problema que surge da interpretação conforme à Constituição é a confirmação de que a interpretação da norma constitucional é imprescindível à boa compreensão do restante do ordenamento jurídico. Na verdade, na interpretação conforme à Constituição o que está em jogo é, acima de tudo, a interpretação do próprio sentido da norma constitucional, com a conseqüente adaptação a esse sentido, quando possível, da legislação ordinária (na hipótese desta apresentar uma pluralidade de sentidos possíveis)”. (grifo nosso). Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3 ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 279.

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Além disso, não olvidamos que o conceito moderno de interpretação

significa concretização, que inclui “no processo de compreensão da norma, os fatos,

como elementos inseparáveis desse mesmo processo (e da norma).”30 E que “[...] essa

idéia de concretização envolve, num contexto de obrigatoriedade, o problema concreto

(real ou hipotético).”·

Daí dizer Hesse que, “interpretação constitucional é concretização”31 e

que “não existe interpretação constitucional independente de problemas concretos.”32. E

daí dizer Celso Bastos da “impossibilidade de se desvincular a interpretação do caso

concreto”, ao colocar que “o intérprete simplesmente não pode cindir a norma do caso a

ser solucionado (ainda que hipotético). Ao analisar a norma, o intérprete está estudando-

a em relação a um caso. Conseqüentemente, o dado decorrente deste caso entra no

processo interpretativo.”33

Com efeito, na interpretação conforme ocorre exatamente uma

concretização da norma (interpretação com vistas a um problema concreto). É que o

Poder Judiciário, ao aplicar a técnica da interpretação conforme (mesmo no controle

30 TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Método, 2006. v. 1. (Coleção Professor Gilmar Mendes). p. 61. Nesse sentido também as palavras do Ministro Eros Roberto Grau quando aponta que: “inexiste, hoje, interpretação do direito sem concretização; esta é a derradeira etapa daquela” e que “não será demasiada a insistência neste ponto: interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. [...] Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém, frente a uma só operação [Marí]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo unitário [Gadamer], superpondo-se”. Cf. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 19-25. 31 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, p. 43. 32 HESSE, 1983, p. 43. “O método concretista de interpretação gravita ao redor de três elementos básicos: a norma que se vai concretizar, a ‘compreensão prévia do intérprete e o problema concreto a resolver”. Cf. BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 323. 33 BASTOS, op. cit., p. 248. No mesmo sentido coloca Anna Cândida da Cunha Ferraz, “O método interpretativo de concretização considera a interpretação constitucional ‘uma concretização, admitindo que o intérprete, onde houver obscuridade, determine o conteúdo material da Constituição’ de forma tal que o teor da norma só se concretiza ou só se completa no ato de interpretação da Constituição independentemente de problemas concretos, o que torna impossível a formulação de construções abstratas, do mesmo modo que se torna inviável explicar-se a Constituição pela fundamentação lógica e clássica dos silogismos jurídicos. Esse meio de interpretação permite amoldar a Constituição às realidades sociais mais vivas, recorrendo-se inclusive a fatores extra-constitucionais.” Cf. FERRAZ, Anna Cândida da Cunha Ferraz. Processos informais de mudança da Constituição: mutações constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 50.

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difuso de constitucionalidade)34 tem justamente em conta um problema concreto – real

ou hipotético – a ser inegavelmente considerado na adaptação do sentido da norma

inferior aos mandamentos constitucionais. Em outras palavras, a interpretação

conforme é utilizada exatamente para ajustar um dos possíveis sentidos do texto

normativo à Constituição, de molde a equacionar problemas concretos, em regra reais,

envolvendo a norma questionada.35

Ana Sofia menciona que na doutrina portuguesa a interpretação

conforme também é vista sobre diferentes acepções. É vista como regra preferencial na

interpretação de normas infra-constitucionais (no caso da norma comportar vários

sentidos, deve-se preferir aquele em conformidade com a constituição); como método de

fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas; como instrumento

hermenêutico, por meio do qual se deve recorrer às normas constitucionais para

determinar o conteúdo intrínseco da lei.

Realmente, tal como no Brasil, vários autores portugueses conferem

mais ênfase a um ou outro sentido da interpretação conforme, porém, não raro colocam

que ela deve ser encarada conjuntamente em suas várias acepções36.

Jorge Miranda, por exemplo, que é sempre citado como um dos autores

que nega que a interpretação conforme possa ser vista como método de interpretação37,

em outra obra coloca que o instituto deve ser encarado numa acepção genérica, como

regra de interpretação por meio da qual, dentro do método sistemático, se concede

maior relevância à Constituição; e numa acepção específica como método de

34 Como coloca Streck, “mesmo quando o Tribunal realiza o controle abstrato de constitucionalidade, terá em vista o campo de aplicação da norma”. Cf. STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma Nova Crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 447. 35 Em excelente trabalho sobre as decisões interpretativas do Supremo Tribunal Federal, Cláudio Colnago colaciona várias decisões da Corte nas quais houve a aplicação da técnica da interpretação conforme em sede abstrata de controle, e em todas, pode-se observar que a técnica envolveu a solução de problemas concretos, que foram considerados na interpretação da norma impugnada face a norma constitucional. Cf. COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Interpretação Conforme à Constituição: Decisões Interpretativas do STF em sede de controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2007. p. 143 e ss. 36 FIRMINO, 2004, op. cit. p. 10. “A generalidade dos autores que em Portugal se debruça sobre o tema da interpretação conforme à Constituição acentua, como já assinalamos, um ou outro sentido deste princípio, defendendo, não raras vezes, que o princípio da interpretação conforme à Constituição deverá ser compreendido em nas suas várias acepções”, Cf. FIRMINO, op. cit. p. 11. 37 Nós mesmos fizemos tal observação acima.

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fiscalização de constitucionalidade.38 Não deixa o mestre português, portanto, de

reconhecer as duas vertentes da interpretação conforme.

Canotilho, por sua vez, refere-se à interpretação conforme como um

“princípio geral de interpretação (princípio funcionalmente limitativo)” “no domínio

específico da jurisdição constitucional.” E considera que tal princípio não é apenas um

“simples meio de controlo jurisdicional,” mas sim também um “[...] instrumento

hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas

para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei.”39 É assim um princípio geral de

interpretação e um “princípio de controlo”, atuando no sistema de controle de

constitucionalidade. Canotilho ainda observa que o princípio deve ser compreendido e

articulado em todas as suas dimensões para sua inteira compreensão40.

A própria Ana Sofia ressalta:41 “pela nossa parte, consideramos que as

diferentes acepções sobre o princípio da interpretação conforme a Constituição, a que

agora aludimos, correspondem a diferentes perspectivas de um mesmo método que

obriga dar preferência, no caso de várias interpretações possíveis, à referência a

Constituição. Não podem, por isso, ser vistas de forma estanque. Aliás, a própria

doutrina a que aludimos, se opta por um ou outro sentido do princípio da interpretação

conforme a Constituição, não deixa depois de o analisar sob as diferentes perspectivas

possíveis.”42

38 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Coimbra: Coimbra, 2002. p. 658-660. 39 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6 ed. Lisboa: Almedina, 2002. p. 1225. Em outra passagem Canotilho coloca que o princípio da interpretação conforme é “[...] fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) [...]”. (Idem, Ibidem, p. 1151). 40 CANOTILHO, 2002, op. cit. p. 1212 e ss. 41 FIRMINO, op. cit., p. 13. 42 E Ana Sofia (Idem, Ibidem), seguindo os ensinamentos de Jorge Miranda, ainda ressalta que dentre as várias acepções da interpretação conforme “não se pode, porém, deixar de reconhecer em tal princípio duas dimensões fundamentais: i) uma dimensão abrangente, ligada à inserção de tal método no âmbito dos cânones hermenêuticos gerais da lei (interpretação conforme à Constituição em sentido amplo)” e “uma dimensão mais específica, relacionada à fiscalização da constitucionalidade das normas (interpretação conforme à Constituição em sentido restrito).

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3 A INTERPRETAÇÃO CONFORME COMO ESPÉCIE DE “MODERNA”

FORMA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.

Ainda quanto à natureza da interpretação conforme, é pertinente

lembrar o posicionamento do saudoso Celso Bastos, que ao lado de outros juristas,

coloca-a como uma “moderna” forma de interpretação constitucional. Diz Bastos que

“dentre as modernas formas de interpretação constitucional existentes destacam-se a

‘declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade e a

mutação constitucional’43, a ‘declaração de inconstitucionalidade com apelo ao

legislador’, a ‘declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto’,

‘declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade’ e principalmente a

‘ interpretação conforme a Constituição.’” 44

E o professor Celso Bastos explica a diferença entre o que ele denomina

de “interpretações constitucionais tradicionais” e “modernas formas de interpretação:”45

“As interpretações constitucionais tradicionais, cumpre dizer, limitam-

se a levantar todas as possíveis interpretações que a norma sub exame comporta e a

confrontá-las com a Constituição, através dos métodos histórico, científico, literal,

sistemático e teleológico. Na interpretação constitucional tradicional não é permitido ao

intérprete fazer qualquer alargamento ou restrição do sentido da norma, de modo a

deixá-la compatível com a Carta Maior. No segundo pós-guerra ao que se assiste é uma

inclinação da jurisprudência no sentido de maximizar as formas de interpretação,

permitindo, assim um alargamento ou restrição do sentido da norma de modo a torná-la

constitucional. Procura-se buscar até mesmo naquelas normas que à primeira vista só

parecem comportar interpretações inconstitucionais – através da ingerência da Corte

43 Também chamada de inconstitucionalidade progressiva. 44 (grifo nosso) BASTOS, op. cit., p. 269-270. Ressalte-se que o professor Celso Bastos, embora se referindo à interpretação conforme como uma técnica ou forma “moderna” de interpretação constitucional, não deixa de vê-la também como “técnica de decisão”. Assim ele coloca: “deve-se ter, ainda, em mira, ao abordar este tema, que esta indicação, mais do que uma técnica de salvamento da lei ou do ato normativo (doutrina americana) consiste já numa técnica de decisão” (Idem, Ibidem, p. 271), ressaltando ainda que essa “técnica de decisão” é bastante utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (Idem, Ibidem, p. 279). 45 Idem, Ibidem, p. 267.

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Suprema alargando ou restringindo seu sentido – uma interpretação que a coadune com

a Carta Magna.”

E, especificamente, em relação à interpretação conforme, ele ainda

acrescenta: “pode-se dizer que o mandamento da interpretação conforme a Constituição

não significa extrair-se um sentido da lei, mais do que isso, determina ele proceder-se a

uma redução ou mesmo a uma ampliação da eficácia da norma legal, segundo os termos

constitucionais. Se assim não fosse, esta técnica não apresentaria peculiaridade alguma,

digna de destacar-se como técnica autônoma. Entender-se esta como apenas escolher o

significado da lei que esteja de acordo com a Carta Magna nada mais é do que aplicar o

dogma da supremacia da Constituição. Nesses termos, a técnica da interpretação

conforme a Constituição estaria absorvida pelo postulado da supremacia desta.”46

Celso Bastos encara a interpretação conforme como uma “moderna”

forma de interpretação, primeiro por ela representar, no seu entender, uma superação do

formalismo hermenêutico (que marcou o Estado Liberal), consubstanciando-se numa

forma de interpretação criadora e evolutiva, conferindo um papel mais proeminente ao

intérprete na construção das normas jurídicas para adaptá-las às mutantes realidades

sociais. Depois, por ela funcionar como uma técnica de salvação da norma, quando isso

não é possível pelos métodos tradicionais de exegese, consubstanciando-se num método

hermenêutico subsidiário desses métodos clássicos.47

A propósito, quanto a esta última peculiaridade da interpretação

conforme mencionada por Bastos – técnica de salvação da norma –, o magistrado

alemão, Helmunt Simon, citado por Bonavides, também a destaca como critério

46 Idem, p. 272. O professor André Ramos critica a idéia de considerar a interpretação conforme como um método peculiar de interpretação constitucional. Diz ele: “[...] Muitos doutrinadores, apressadamente, apresentam a interpretação conforme como um método peculiar de interpretação constitucional (cf. BASTOS, 1999: 171), inserindo-se dentre aquilo que acabou por ser chamado de modernas técnicas de interpretação constitucional. Tal raciocínio apresenta uma dupla falha: a primeira, logo abaixo examinada, residiria em considerar a denominada interpretação constitucionalmente conforme como um caso puro de interpretação; a outra, analisada mais adiante, está na circunstância de se associar a interpretação constitucionalmente conforme à idéia clássica de supremacia constitucional, tout court”. Cf. TAVARES, 2006, p. 135.

47 Jorge Miranda também coloca que “a interpretação conforme à Constituição não consiste, tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito o que seja mais conforme com a Constituição quanto em discernir, no limite – na fronteira da inconstitucionalidade, um sentido que embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental”. Cf. MIRANDA, 2000, p. 264-265.

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diferenciador entre a interpretação conforme e métodos clássicos de interpretação.

Conforme Bonavides: “num seminário de Tribunais Constitucionais da Europa, em

1974, inquiriu-se acerca da legitimidade e do significado que tem o método da

interpretação conforme a Constituição [...] Simon assinalou que uma norma,

interpretada, não deverá ser declarada nula, por inconstitucional, se após o emprego dos

métodos interpretativos usuais for ainda suscetível de uma interpretação compatível

com a Constituição. Inconstitucional, segundo ele, seria unicamente a norma que,

examinada por todos os ângulos e meios hermenêuticos possíveis, conservasse ainda o

vício ou eiva de inconstitucionalidade. A interpretação conforme a Constituição, no

dizer desse preclaro constitucionalista, é, enquanto procedimento de controle normativo,

uma alternativa para a declaração de nulidade48. Reside aí, no seu entender, o traço

característico por excelência que distingue tal método das demais regras

interpretativas.”49

O próprio Paulo Bonavides também coloca a interpretação conforme

como um método moderno de interpretação ao mencionar que “seu maior raio de

elasticidade o faz singular e infenso à metodologia formalista [...]”50 funcionando,

assim, como um método de “última saída ou via de solução.”51

Bachof, buscando as origens do método da interpretação conforme,

descobriu-lhe a causa numa espécie de temor dos juízes constitucionais ao positivismo

legalista clássico, entendendo que o método surgiu do empenho em prevenir que a

48 Nesse sentido é que Gilmar Mendes também se refere à interpretação conforme como um “princípio de conservação da norma” Cf. Mendes, op. cit., p. 260. E Alexandre de Moraes coloca que “a finalidade, portanto, dessa regra interpretativa é possibilitar a manutenção no ordenamento jurídico das leis e atos normativos editados pelo poder competente que guardem valor interpretativo com o texto constitucional” Cf. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 12. Também Marcelo Novelino coloca que “a interpretação conforme contém um princípio conservador da norma, cujo escopo é a preservação da autoridade do comando normativo, evitando-se a anulação de normas dúbias” Cf. NOVELINO, Marcelo. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 116. 49 BONAVIDES, 2003, p. 254-255. José Amando Junior, citando Bonavides coloca que a interpretação conforme tem o intuito de evitar a nulificação da legislação infraconstitucional, utilizando-se o julgador, para este fim, da hermenêutica jurídica. A idéia é evitar a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, quando desta for depreendida uma interpretação adequada a constituição. AMANDO JUNIOR, José. Hermenêutica Jurídica e o Efeito Vinculante da Interpretação Conforme a Constituição em Relação aos Órgãos do Poder Judiciário. Jurídica: Administração Municipal, v. 7, n. 1, 2002, p. 44. 50 Idem, Ibidem, p. 256. 51 Idem, Ibidem. Mais adiante Bonavides coloca que a interpretação conforme é um “método autônomo, conceitualmente afim ao controle de normas” (Idem, p. 260).

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justiça material, a segurança jurídica e o bem comum sejam sacrificados ao rigorismo

formal.52

Gilmar Mendes também coloca que a interpretação conforme ganhou

prestígio no Tribunal Constitucional Federal Alemão “[...] graças à sua flexibilidade,

que permite uma renúncia ao formalismo jurídico em nome da idéia de justiça material e

da segurança jurídica.”53

Inocêncio Mártires Coelho, ao contrário, não vê na interpretação

conforme nenhuma novidade hermenêutica, sendo ela apenas forma de interpretações

extensivas e restritivas, é dizer, “arte de conformação” que sempre foi praticada pelos

aplicadores do Direito, muito antes do surgimento da jurisdição constitucional. Diz

Inocêncio: “Noutro dizer, se à luz do princípio da interpretação conforme, deve-se

ampliar ou restringir o alcance de modo a ajustá-la aos ditames da Constituição, outro

não é o escopo das chamadas interpretações extensiva ou restritiva, que se adotam

precisamente para ajustar os textos – inclusive os de nível constitucional – e, por esse

modo, conciliá-los com as normas a que devem servir de expressão.”54

Da mesma forma, André Ramos Tavares afirma que “[...] o que se tem

na interpretação constitucionalmente conforme é uma interpretação da lei (e da

Constituição) sem qualquer inovação, salvo a orientação de que na leitura da lei, não se

devem adotar sentidos (significados) interpretativos hermeneuticamente possíveis, mas

constitucionalmente inviáveis.”55

Rui Medeiros, por seu turno, coloca que como a Constituição tem força

normativa plena e status de Lei Fundamental (integra, com supremacia, o sistema

jurídico positivo) o princípio da interpretação conforme a Constituição “[...] não

constitui um corpo estranho na metodologia jurídica, apresentando-se como simples

concretização da interpretação sistemático-teleológica.”56 “O reconhecimento de um

princípio de interpretação das leis em conformidade com a Constituição não constitui,

neste contexto, numa solução estranha ou anômala. [...]. Ora, em sistemas que atribuem

à Constituição uma força normativa plena e o estatuto de Lei Fundamental, o elemento 52 BACHOF, 1976 apud BONAVIDES, 2003, p. 261. 53 MENDES, op. cit., p. 258. 54 (grifo do autor) COELHO, 2006, op. cit. p. 29. 55 (grifo nosso) TAVARES, 2006, p. 141. 56 MEDEIROS, op. cit., p. 295-298.

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sistemático teleológico não pode, à partida, dispensar o apelo à Constituição. ‘A

principal manifestação da preeminência normativa da Constituição consiste’,

justamente, ‘em que toda a ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu

crivo.”57

3.1 Os métodos clássicos de interpretação e as “modernas” formas de interpretação

constitucional

Como já se fez referência, ao falar em moderna forma de interpretação

constitucional, o professor Celso Bastos quis diferenciar a interpretação conforme (e as

outras modernas técnicas de interpretação), das interpretações puramente cognoscitivas,

próprias do juspositivismo formalista.58 Sob uma perspectiva histórica e evolutiva,

portanto, é que a interpretação conforme é catalogada por setores da doutrina no rol das

modernas formas de interpretação constitucional. Os “modernos” métodos de

interpretação constitucional sinalizam uma superação do formalismo clássico, em prol

de uma hermenêutica material da constituição.59

Os métodos clássicos de interpretação foram propostos por Savigny,

fundador da Escola Histórica do Direito. Inicialmente, o jurista francês vislumbrou três

métodos, quais sejam, o gramatical, o sistemático e o histórico. Posteriormente,

acrescentou a este rol o método teleológico de interpretação. Estes são,

tradicionalmente, os métodos prevalecentes na interpretação jurídica.

57 Idem, Ibidem. 58 “A moderna interpretação da Constituição deriva de um estado de inconformismo de alguns juristas com o positivismo lógico-formal que tanto prosperou na época do Estado Liberal”. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 424. Bonavides ainda inclui a interpretação conforme dentre os “métodos de interpretação constitucional da nova hermenêutica” (Idem, p. 489-524). 59 As modernas técnicas de interpretação constitucional significam “[...] uma reação ao rígido formalismo jurídico em nome da idéia de justiça material e de segurança jurídica” Cf. NUNES JUNIOR, Armandino Teixeira. A Moderna Interpretação Constitucional. In: REVISTA DA PROCURADORIA GERAL DO INSS , Cidade, v. 8, n. 2, p. 62, 2002.

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Tais métodos, próprios do positivismo jurídico60, serviriam apenas

para o intérprete descobrir o sentido já pronto da norma e assim aplicá-lo, por

silogismo, ao fato por ela regido. São métodos ditos formalistas de interpretação que

não permitem qualquer flexibilização de sentido das normas. Os métodos de Savigny

buscaram, sob uma perspectiva positivista, reconstruir formal e dogmaticamente a

vontade da lei ou do legislador,61 sem permitir ao intérprete qualquer função construtiva

da norma. Ao intérprete não caberia construir o sentido da lei, mas apenas aplicá-la,

devendo ainda aceitar seus defeitos.62

Assim, a aplicação exclusiva dos métodos clássicos de interpretação

não permitia qualquer adaptação das normas, ainda que dentro de certos parâmetros,

para compatibilizá-las com o Texto Constitucional. Daí a necessidade do

desenvolvimento de técnicas modernas de interpretação constitucional que, livres das

amarras impostas pelos critérios puramente positivistas, puderam, dentre outras nobres

finalidades, cumprir o mister de salvar normas jurídicas que, se interpretadas com

excesso de formalismos, seriam fatalmente fulminadas de inconstitucionalidade.

Tais “modernas” formas de interpretação se inserem na chamada

interpretação evolutiva pela qual se atualiza o sentido das normas constitucionais e

infra-constitucionais em face do desenvolvimento da sociedade.

A propósito, valem aqui as palavras de Luís Roberto Barroso sobre a

chamada interpretação evolutiva: “já se expôs, um pouco mais atrás, a prevalência, na

moderna doutrina, da concepção objetiva da interpretação pela qual se deve buscar não

60 Como diz Bobbio “para reconstruir a vontade que o legislador expressou na lei, o positivismo jurídico se serve principalmente de quatro expedientes (ditos hermenêuticos) que já haviam sido elaborados pela precedente tradição jurídica”. Cf. BOBBIO, Noberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone, 1999. p. 214. Em seguida ao trecho aqui transcrito, Bobbio cita esses quatro métodos como sendo o léxico (gramatical), o teleológico, o sistemático e o histórico. 61 Um dos aspectos do positivismo jurídico francês (a Escola da Exegese) é a interpretação fundada na intenção do legislador. “É a concepção subjetiva da vontade da lei, entendida como vontade do legislador que a pôs historicamente”. Posteriormente, contrapõe-se a esta, a concepção objetiva da vontade da lei “entendida como o conteúdo normativo que a lei possui em si mesma, prescindindo das intenções dos seus autores” Cf. BOBBIO, op. cit., p. 87. 62 Cumpre dizer que o dogma da separação de Poderes muito contribuiu para essa redução do Direito à lei escrita e para a redução do papel do intérprete a um mero descobridor do sentido dela. A lei era vista como, “produto de um legislador supostamente racional e que, de quebra, ainda gozava de legitimidade popular, pois não era ninguém menos do que os representantes eleitos pelo povo e fiéis portadores ou intérpretes da volonté géneralé (Bolingbroke, 1754: 147; Montesquieu, 2000: 167). A intangibilidade da lei se supunha, assim, fora de qualquer assalto por parte do executivo e do judiciário [...]”. Cf. SAMPAIO, 2001, p. 59-60.

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a vontade do legislador histórico (a mens legislatoris), mas a vontade autônoma que

emana da lei. O que é mais relevante não é a occasio legis, a conjuntura em que editada

a norma, mas a ratio legis, o fundamento racional que a acompanha ao longo de toda

sua vigência. Este é o fundamento da chamada interpretação evolutiva.”63

As normas adquirem novos sentidos, mesmo quando inalteradas suas

estruturas formais.

A interpretação conforme a Constituição (assim como as demais

formas modernas de interpretação), nesse contexto histórico, contrapõe-se, portanto, à

interpretação juspositivista, consistente numa atividade puramente declarativa e

reprodutiva de um direito preexistente e supostamente acabado, incapaz, portanto, de

fazê-lo acompanhar a evolução ocorrida na sociedade.

Como explica Samantha Ribeiro Meyer-Pflug64 “de outra parte estas

modernas formas representam uma atualização do próprio sentido das normas

constitucionais em relação ao desenvolvimento da sociedade e as alterações pelas quais

passam o ordenamento jurídico. Nestas modernas formas também faz-se uso de uma

interpretação evolutiva do Texto Constitucional.”

3.2 A interpretação como atividade criadora do direito e o surgimento das

“modernas” formas de interpretação

O desenvolvimento dessas “modernas formas de interpretação

constitucional,” dentre as quais a interpretação conforme, deu-se graças a uma nova

concepção sobre a interpretação e o papel do intérprete.

Com efeito, é clássica a divergência a respeito do caráter da

interpretação, firmada entre as correntes cognoscitivas e voluntaristas. As primeiras

63 (grifo do autor) BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 145. 64 MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. As Modernas Formas de Interpretação Constitucional. 2002. Dissertação (Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. p. 125.

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decorreram do positivismo jurídico, enquanto as segundas derivaram-se do chamado

realismo ou antipositivismo.

Para os adeptos da primeira linha de pensamento, é necessário realizar-

se uma interpretação puramente objetiva, despida de qualquer cunho volitivo, para

assim se obter a verdade da norma. Como diz Celso Bastos, “as correntes cognoscitivas

entendem que se pode chegar à verdade da norma.”65 Para estes, deve-se impedir o

subjetivismo do intérprete, cujo excesso na compreensão da norma pode gerar uma

desconformidade com a vontade dela emanada.

Ao contrário, os realistas sustentam que cabe ao intérprete um papel

mais proeminente que o de mero aplicador autômato da lei. Ele deve realizar uma

interpretação criativa e evolutiva do Direito, para adaptá-lo às novas circunstâncias

sociais que se sucedem continuamente. Como diz Antonio Carlos Wolkmer “o papel do

Juiz é acentuadamente marcante, não só como recriador, através do processo

hermenêutico, mas também como adaptador das regras jurídicas às constantes condições

da realidade social. É contribuindo para a transformação e evolução contínua da ordem

jurídica positiva que o Juiz, em seu mister recriador, insere a semente perpetuadora e a

fonte inspiradora do Direito ideal.”66

Norberto Bobbio bem sintetiza a diferença existente entre essas

correntes de pensamento acerca da função do intérprete: “na realidade, a dissensão entre

o juspositivismo e os seus adversários começa propriamente quando se trata de precisar

65 BASTOS, op. cit., p. 264. Warat sistematiza quinze postulados que resumem as características das correntes formalistas de interpretação jurídica dos quais podemos destacar os seguintes: “1º. A única fonte do direito é a lei. 2º. As normas positivas constituem um universo significativo auto-suficiente, do qual se pode inferior por atos de derivação racional, soluções para todos os tipos de conflitos normativos. 3º. O ato de interpretação é um ato de conhecimento e não de vontade, uma atividade mecânica através da qual o juiz, mediante a aplicação das regras de cálculo lógico, obtém certas conclusões logicamente deriváveis das premissas normativas. O raciocínio jurídico responde às regras do silogismo demonstrativo. 4º. Os códigos não deixam nenhum arbítrio ao intérprete. Esse não faz o direito porque já o encontra realizado. [...] 12. O direito é um modelo axiomático, um sistema completo, dotado de plenitude hermética, do qual se pode extrair conclusões para todas as hipóteses. A ciência jurídica deve estudar, sem formular juízos valorativos o direito positivo vigente. A atitude científica dos juristas baseia-se na aceitação sem questionamentos do direito positivo vigente”. Cf. WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994. p. 55-56. 66 WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 147.

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a natureza cognoscitiva da jurisprudência. Para o primeiro, esta consiste numa atividade

puramente declarativa ou reprodutiva de um direito preexistente, isto é, no

conhecimento puramente passivo e contemplativo de um objeto já dado; para os

segundos, a natureza cognoscitiva consiste numa atividade que é também criativa ou

produtiva de um novo direito, ou seja, no conhecimento ativo de um objeto que o

próprio sujeito cognoscente contribui para produzir.”67

De fato, os adeptos da corrente cognoscitiva, com o objetivo de obter

segurança jurídica na aplicação do Direito, negam ao intérprete qualquer função

construtiva da norma. Referindo-se a essa “doutrina da subsunção”, o professor Celso

Bastos esclarece que “essa formulação doutrinária, na verdade, está sedimentada na

necessidade existente em qualquer ordenamento jurídico de oferecer segurança,

entendida esta como o prévio conhecimento das regras que irão regulamentar as

diversas relações que surgem na sociedade. Assim, mesmo que a lei seja incerta, injusta

ou esteja equivocada, para essa doutrina há de ser aplicada à lei, pois assim evitam-se

que os juízes possam vir a cometer novos erros, além daqueles já presentes na lei.”68

Ocorre que o positivismo jurídico, com seu formalismo científico, ou na

feliz expressão de Bobbio69, com a “ideologia que consiste em afirmar o dever absoluto

ou incondicional de obedecer à lei enquanto tal” acaba por desconsiderar as variantes

da realidade social em função da qual existe o ordenamento jurídico. Essa

inflexibilidade que propugna a aplicação puramente formal das normas jurídicas causou

um descompasso entre a ciência e a realidade, acabando por viabilizar injustiças na

aplicação do Direito, a pretexto de uma pretensa segurança jurídica.70

67 (grifo do autor) BOBBIO, op. cit., p. 211. 68 BASTOS, op. cit., p. 266. 69 BOBBIO, op. cit., p. 225. 70 A segurança jurídica propugnada pelos positivistas, conquanto importante, não é o único nem o maior valor a ser perseguido, acima do qual está, certamente, a justiça. Nesse sentido, bem coloca Celso Bastos que: “Além disso, embora o ordenamento jurídico esteja voltado a oferecer a necessária segurança e estabilidade nas relações humanas, o certo é que não é a segurança jurídica o primado último do Direito. Certamente acima dele encontram-se outros objetivos. Dentre estes, destaque-se, em especial, o princípio da justiça. Este, de acordo com a doutrina mais moderna, enquadra-se dentro dos chamados princípios gerais de Direito, e tem aplicação ampla entre os diversos campos em que este se divide. A própria segurança jurídica busca a realização da justiça. Na medida em que não houver nenhuma segurança, é praticamente certa a ausência também da justiça. O que ocorre é que nem todo o Direito seguro será inexoravelmente um Direito justo. Reconhece-se, pois, que o princípio da segurança jurídica exerce um papel mínimo, posto que sem ele não será possível realizar os demais elementos, tais como a justiça, a liberdade, a igualdade etc.”. Cf. BASTOS, op. cit., p. 46.

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Hermeticamente isolado dentro de um formalismo irracional e

insensível aos anseios sociais, o positivismo jurídico sofreu um forte declínio no século

passado, sendo superado por teorias mais modernas, que conferiram ao intérprete um

papel de construção das normas jurídicas, para adaptá-las à constante evolução social.

“O positivismo jurídico é, realmente, acusado de sustentar uma concepção estática da

interpretação, que deveria consistir somente na reconstrução pontual da vontade

subjetiva do legislador que pôs as normas, sem se adaptar estas últimas às condições e

exigências histórico-sociais variadas, como faz, ao contrário, a interpretação evolutiva

sustentada pela corrente antipositivista.”71

O realismo jurídico, como o próprio nome está a indicar, propôs uma

interação do Direito com a realidade social e a evolução nela operada.

Conseqüentemente, conferiu ao intérprete um papel mais significativo, atribuindo-lhe

espaço para adaptar e atualizar as normas jurídicas, em vez de considerá-lo como mero

autômato aplicador das leis, cuja generalidade e objetividade não permitem a adequação

automática aos diferentes e complexos episódios do contexto social. Nesse contexto

“avulta então o papel da interpretação constitucional como meio ou processo de

transformação constitucional não formal que leva à superação do desajuste entre a

realidade social e os textos constitucionais.”72

Por isso, para os voluntaristas há, na interpretação, criação do Direito.

Trata-se de processo dentro do qual entra a vontade humana, é dizer, o intérprete não se

limita a descobrir a norma e aplicá-la dedutivamente, mas ajuda a construí-la, dentro

dos limites que lhe são franqueados. No dizer de Celso Bastos, que se filiava à corrente

voluntarista, “é através da função interpretativa que se alcança a desejável estabilidade

jurídica, adequando-se a letra da lei à evolução operada no seio da sociedade.”73

Não se pode olvidar, outrossim, o aspecto ideológico imanente ao

processo exegético, que envolve os intérpretes do Direito, e que, nas sábias palavras de

Jorge Miranda constitui a “‘rebeldia’ destes perante os quadros puramente lógicos da

71 (grifo do autor) BOBBIO, op. cit., p. 214. 72 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica Jurídica no Brasil. São Paulo: RT, 1991. p. 216. 73 BASTOS, op. cit., p. 266.

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hermenêutica; a influência ineliminável, senão da ideologia, pelo menos da ‘pré-

compreensão’ de cada intérprete, num contexto plural e complexo.”74

Com efeito, foi essa evolução do pensamento jurídico sobre o caráter

da interpretação que permitiu, então, o incremento das “modernas” formas de

interpretação constitucional, dentre elas a interpretação conforme a Constituição. A

interpretação deixou de ser entendida como um mero ato mecanicista de subsunção dos

fatos à norma, o que acabou por possibilitar ao intérprete alargar ou restringir o sentido

das normas infra-constitucionais (adaptá-las) para torná-las compatíveis com a

Constituição. Não fosse essa evolução, e qualquer interpretação conformadora das

normas seria tomada como subversão ao sentido pretensamente objetivo e inequívoco

da lei, donde se concluir que não seriam viabilizadas as técnicas avançadas de

interpretação constitucional.

É de se ressaltar ainda que essas modernas formas de interpretação

constitucional passaram a ser sistematicamente adotadas no segundo pós-guerra, na

Europa75, quando houve uma mudança a respeito da própria concepção de Constituição,

na República de Weimar, na Alemanha. Com o advento do Estado Social, as

Constituições assumiram a forma de pactos reguladores de uma sociedade pluralista,

heterogênea e composta de classes e grupos com interesses sociais antagônicos. “Para

solucionar esta situação, surgem os novos métodos interpretativos capazes de

acompanhar as variações do Direito Constitucional e atendendo, de outra parte as novas

exigências do Direito Público.”76

As Constituições anteriores a esse período eram permeadas de um

excessivo formalismo jurídico, próprio do Estado Liberal vigente. A interpretação de

seus dispositivos e da legislação inferior se fazia, portanto, a partir dos métodos

exegéticos clássicos. As modernas formas de interpretação constitucional surgiram

74 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 450. 75 “No segundo pós-guerra, ao que se assiste é uma inclinação da jurisprudência no sentido de maximizar as formas de interpretação, permitindo assim um alargamento ou restrição de sentido da norma de modo a torná-la constitucional”. Cf. BASTOS, op. cit., p. 267. 76 MEYER-PFLUG, op. cit., p. 124.

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justamente para suprir essa inflexibilidade que impedia a compatibilização do contexto

normativo com as novas realidades do Estado Social.77

“Estas modernas formas surgem em oposição ao positivismo formal e

jurídico até então existente. Encontram-se, especialmente, ligadas à reformulação da

teoria material da Constituição. São empregadas em nome da necessidade de manter no

sistema jurídico, normas que deveriam ser excluídas, segundo a adoção de critérios

puramente formais.”78

A esse respeito são irretocáveis as palavras de Tércio Sampaio Ferraz

Junior:

“Para se compreender estas transformações, temos de partir do caráter

positivado das normas constitucionais modernas. Esta positivação foi uma das idéias

que corporificaram o movimento constitucionalista a partir do século XIX. Um dos

traços centrais do Estado de Direito foi, assim, a fixação de uma ordem estatal livre, na

forma de normas positivas, sujeitas às formalidades garantidoras da certeza e da

segurança. Desta forma protegia-se a liberdade conforme a lei.”

“Isto exigiu, portanto, uma formalidade constitucional. Esta

formalidade conferia à constituição uma transparência e uma estabilidade

indispensáveis. Graças a ela, as constituições puderam submeter-se às regras usuais de

interpretação. Por seu intermédio chegava-se ao seu sentido e se controlava a sua

eficácia. Sua estabilidade decorria igualmente, não obstante as mudanças na realidade,

das limitações postas por estas regras. Na tradição do século XIX, estas regras

correspondiam à fixação do sentido vocabular (método gramatical), proposicional

(método lógico), genético (método histórico) e global (método sistemático), conforme

as lições de Savigny e outros autores clássicos. Para efeito de uma hermenêutica

77 “É claro que os modernos métodos interpretativos floresceram por obra do anacronismo da hermenêutica formalista, impotente desde a Constituição de Weimar, em acompanhar e explicar a transformação por que passaram as constituições no século XX. Já não era possível prestar contas de variações emergenciais de sentido, cada vez mais freqüentes, valendo-se apenas dos recursos lógicos ministrados pela interpretação formal, que naturalmente obrigavam o intérprete a ignorar o conteúdo da norma, a distanciar-se com segurança do lado material do problema, a situar-se enfim regaladamente à margem do respectivo mérito. O casuísmo interpretativo na jurisprudência de alguns países como a Alemanha, por exemplo, decorre sem dúvida das falhas dos métodos tradicionais, de suas regras interpretativas inaplicáveis a casos ou questões que pedem interpretação diversa e especial, vinculada ao objeto e ao problema, particularizado na lide constitucional”. Cf. BONAVIDES, 1980, p. 325.

78 MEYER-PFLUG, op. cit., p. 125.

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constitucional voltada para o Estado de Direito concebido como um estado mínimo,

reduzido em suas funções, a interpretação tinha uma orientação de bloqueio –

interpretação de bloqueio – conforme princípios de legalidade e estrita legalidade como

peças fundantes da constitucionalidade. [...].”

“A questão muda de figura quando pensamos nas exigências postas ao

Estado Social. Este acaba por exigir os mencionados procedimentos interpretativos de

legitimação, que pressupõem que o intérprete esteja autorizado a articular e qualificar o

interesse público, coletivo, individual, posto como um objetivo pelo preceito

constitucional, o que implica, para tomar por empréstimo um termo do Direito

Administrativo, uma certa discricionariedade hermenêutica.”

Tornou-se, assim, necessária uma “[...] distinção entre procedimentos

interpretativos de bloqueio – hermenêutica tradicional – e procedimentos

interpretativos de legitimação de aspirações sociais à luz da Constituição,” pois “a

questão hermenêutica deixa de ser um problema de correta subsunção do fato à norma –

com sua carga lógica, histórica, sistemática, teleológica e valorativa – para tornar-se um

problema de conformação políticas dos fatos, isto é, de sua transformação conforme um

projeto ideológico.” 79

A derrocada do Estado Liberal (no qual se confundia Lei com Direito e

se relegava o intérprete a um autômato aplicador de leis) e o advento do Estado Social

influenciaram decisivamente na nova perspectiva sob a interpretação jurídico-

constitucional e no papel do intérprete.

“Com esta mudança de perspectiva estatal, convertendo-se o Estado

neutro liberal num Estado ativo social, tornou-se natural que os juízes passassem a ter

uma maior liberdade de interpretação, uma vez que agora estavam escudados em

dispositivos constitucionais que, além de garantir ‘liberdades abstratas’, pretendiam

também implementar ‘liberdades concretas’. O paradigma estatal havia sido alterado.”

Também Colnago coloca que “pode-se afirmar que o advento do Estado

Liberal, calcado na supremacia do Poder Legislativo dominado pela burguesia,

representou um primeiro momento no qual haveria identidade necessária entre lei e

79 (grifo do autor) FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990. p. 11-13.

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norma. O perfil neutro do Estado Liberal visava à preservação de um status quo social

já estabelecido, o que contribuía enormemente para a timidez judicial na interpretação

da lei. Cabia ao juiz tão somente aplicar a lei e fazer valer os contratos celebrados entre

‘iguais’.”

“Num segundo momento, com o advento do Estado Social de Direito,

alterou-se a concepção do Estado, agora incumbido de atuar positivamente sobre a

conduta humana, garantindo uma igualdade que não se implementaria de forma

automática. O Judiciário, neste contexto, passou a usufruir de uma maior liberdade

interpretativa, dada a utilização, pelos novos textos constitucionais, de expressões de

baixa densidade semântica.80 Basta lembrar dos comandos segundo os quais a dantes

sagrada propriedade passaria as se sujeitar ao ‘interesse público’ ou ‘interesse geral’,

presentes nas Constituições mexicana de 1917 e alemã de 1919.”

“Abre-se, assim, um primeiro espaço para a desvinculação dos

conceitos de lei e norma, a partir da maior flexibilidade interpretativa conferida pelos

enunciados constitucionais do Estado Social de Direito, no que pode ser chamado de um

movimento por uma ‘interpretação de legitimação’, em oposição a uma ‘interpretação

de bloqueio’, seguindo a nomenclatura utilizada por Ferraz Junior.”81

Daí porque a interpretação conforme, nas autorizadas palavras de Paulo

Bonavides82 “converteu-se num dos mais importantes postulados da teoria material da

Constituição e da autoridade interpretativa do juiz.”83

Dentro dessa perspectiva histórica acima traçada pode-se considerar a

interpretação conforme como uma moderna forma de interpretação, ainda que sob uma

80 A propósito, como bem observa Tavares, essa indeterminação que constitui a tônica da norma constitucional, por engendrar diversas significações diferentes, é uma das dificuldades enfrentadas pelo intérprete em seu trabalho exegético. Cf. TAVARES, 2006, p. 137-138. 81 COLNAGO, op. cit., p. 38. 82 BONAVIDES, 2003, p. 256. 83 “A concepção material da Constituição representa, no século XX uma corrente de pensamento crítico e revisor, a cujo leito confluem todas aquelas direções inconformadas com o exclusivismo normativo e formalista do positivismo lógico”. Tal concepção, que ideologicamente está relacionada ao constitucionalismo do Estado Social, representou “para a interpretação jurídica uma latitude significativa e abrangente”. Cf. BONAVIDES, 1994, p. 100-101. Streck vai além e assenta que a interpretação conforme é um instituto típico da “[...] terceira fase do constitucionalismo (Estado Democrático de Direito, no qual a Justiça Constitucional assume lugar absolutamente diferenciado daquele que tinha no Estado Liberal de Direito e até mesmo do Estado Social de Direito)” sendo razoável afirmar que sua configuração longe está do paradigma que consubstanciou a hermenêutica clássica, de caráter reprodutivo. Cf. STRECK, op. cit. p. 580

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perspectiva puramente hermenêutica, ela signifique a ampliação ou redução do sentido

de um comando normativo, tal como já é realizado por outros cânones hermenêuticos.

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4 A INTERPRETAÇÃO CONFORME COMO MECANISMO DE

SUPRESSÃO DE LACUNAS E DE OTIMIZAÇÃO CONSTITUCIONAL

A finalidade primordial da interpretação conforme, como já

assinalamos até aqui (e como será visto mais detalhadamente adiante), é funcionar como

uma técnica de decisão interpretativa, em sede de controle (abstrato e difuso) de

constitucionalidade das leis e atos normativos.

O jurista português, Rui Medeiros, entretanto, menciona ainda mais

duas finalidades da interpretação conforme: a colmatação de lacunas (no “âmbito

autônomo do Direito”) e a função seletiva de apontar, dentre duas ou mais

interpretações constitucionais, aquela que melhor atende e se coaduna aos propósitos da

Constituição (otimização constitucional). No seu estudo sobre a interpretação

conforme84, antes de analisá-la no âmbito específico do controle de constitucionalidade,

o constitucionalista português destaca essas outras duas aplicações do instituto85.

Em primeiro, Rui menciona que além do sentido usual da interpretação

conforme (de buscar um sentido da lei compatível com a Constituição) essa técnica

pode “[...] desde que entendida em sentido amplo, ao menos em teoria, operar também

no nível autônomo do direito [...],” no âmbito da analogia e da “integração” do sistema

jurídico.86 E logo adiante ele acrescenta: “a interpretação conforme a Constituição em

sentido amplo também não significa apenas que ‘entre duas interpretações possíveis da

mesma norma se há de necessariamente optar por aquela que a torna compatível com a

Constituição. [...] O recurso à interpretação conforme também se justifica nos casos em

que nenhuma das interpretações possíveis da lei conduz à sua inconstitucionalidade.

Fala-se, por vezes, a esse propósito, em interpretação orientada para a Constituição. O 84 MEDEIROS, op. cit., p. 289 e ss. 85 Karine Campos Espinheira também identifica na interpretação conforme um mecanismo de suprimento de lacunas da lei. Comentários ao Princípio da Interpretação Conforme a Constituição. Jurídica: Municipal, ano VIII, n. 4, 2003, pp. 1-3. 86 Na Alemanha, a interpretação conforme também serve para suprir lacunas. Conforme o professor Gilmar Mendes, “o Tribunal vale-se, todavia, desse método também para colmatar lacunas. Esse grupo de casos, considerado por Gusy como exemplo de uma otimização constitucional (verfassungsrechliche Optimierung), possibilita a ‘construção’, em conformidade com a Constituição, mediante analogia, redução, ou mediante derivação de premissas normativas constantes da própria Constituição”. Cf. MENDES, op. cit., 259.

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apelo à Constituição serve aqui para escolher aquela interpretação que melhor

corresponde às decisões do legislador constitucional e traduz-se ‘num argumento

sistemático referido à totalidade do sistema jurídico, ou à própria unidade da ordem

jurídica, através de uma certa combinação de intencionalidade normativa daqueles dois

níveis.’”87

Nessa mesma linha de raciocínio, de que a interpretação conforme

também serve para encontrar a interpretação mais constitucional possível (otimização

constitucional), Martins Reis, de forma muito perspicaz, raciocina assim: “[...] uma

mudança das relações fáticas pode provocar mudanças na interpretação constitucional,

no que se refere à norma produzida pelo intérprete para o caso concreto. Isto ressalta

que não há qualquer óbice que impeça juízes e tribunais de aplicarem a interpretação

conforme a Constituição, entendida esta como a modalidade instrumental, de estirpe

genuinamente hermenêutica, que confere ao operador do direito a salvaguarda de um

sentido constitucional mais forte do que outros, conquanto possíveis e também

constitucionais.”88 Realmente, como o problema concreto, indissociavelmente, compõe

o processo hermenêutico, deve-se buscar, dentro das possíveis interpretações conformes

ao ditame constitucional, aquela que se afigura mais justa e adequada ao problema

posto. Não basta que a interpretação seja conforme a Constituição. É necessário que seja

ainda, conforme (e mais adequada possível) ao problema que se tem em vista.

Inocêncio Mártires também lembra que “modernamente, esse princípio

passou a consubstanciar, também, um mandato de otimização do querer constitucional,

ao não significar apenas que, dentre duas interpretações possíveis da mesma norma, se

há de optar por aquela que a torna compatível com a Constituição, mas também que,

entre diversas exegeses igualmente constitucionais, deve-se escolher a que se orienta

para a Constituição ou a que melhor corresponde às decisões do constituinte.”89

87 (grifo do autor) MEDEIROS, op. cit., p. 290. A propósito, Rui cita acórdão do Tribunal Constitucional Português reconhecendo essa outra finalidade da interpretação conforme (Acórdão n. 90/88) e ainda posicionamentos de autores alemães (Helmunt Simon, Rolf Wank, Klaus Schlaich) que falam na mencionada interpretação orientada para a Constituição. 88 (grifo nosso) REIS, op. cit., p. 01. 89 (grifo do autor) COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional: o que são, para que servem, como se aplicam. In: DIREITO PÚBLICO , ano I, n. 5, p. 35, jul./ago./set. 2004.

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Canotilho também coloca que quando estão em causa duas ou mais

interpretações possíveis – todas em conformidade com a Constituição – deverá

procurar-se a interpretação melhor orientada para a Constituição.90

Ana Sofia, igualmente, refere-se a essa outra função da interpretação

conforme: “Assim, podemos definir o princípio da interpretação conforme a

Constituição como o método que obriga o intérprete a dar preferência, dentre vários

sentidos possíveis, àquele que é conforme, ou mais conforme, com o sentido da

Constituição.” 91

90 CANOTILHO, 2002, p. 1213. 91 (grifo da autora) FIRMINO, op. cit., p. 19.

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5 A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO COMO

MECANISMO DE TUTELA E EFETIVAÇÃO JUDICIAL DOS DIREI TOS

FUNDAMENTAIS

Na conformidade do panorama até aqui delineado, a interpretação

judicial criadora – como é a interpretação conforme – ao lado de outros mecanismos

jurídicos (v.g. mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão)

converte-se, a par das funções já apontadas do instituto, também numa das importantes

ferramentas de proteção e efetivação dos direitos fundamentais que constituem o núcleo

essencial das Constituições contemporâneas.

Como é cediço, não se admite mais um Judiciário passivo de outrora.92

Cumpre a esse Poder, hoje, não só o resguardo de direitos fundamentais (v.g. direitos

individuais), como a efetivação deles (v.g. direitos sociais). Ao Judiciário, no seu papel

de “intérprete autêntico” das leis e da Constituição incumbe a co-responsabilidade (ao

lado dos demais poderes) de garantir respeito e conferir efetividade ao extenso rol de

direitos fundamentais que marcam as Constituições modernas.93

Nesse contexto, a interpretação judicial das normas de direitos

fundamentais (constitucionais ou não) consubstancia-se num caminho viável para a

observância (respeito) e efetivação de direitos fundamentais. Pois dentre todas as teorias

jurídicas dos direitos fundamentais “[...] nenhuma se substitui ao esforço do jurista ou

fornece soluções práticas: qualquer delas é apenas auxílio da interpretação, construção e

sistematização jurídica, e as soluções ou os resultados práticos apenas se encontram no

confronto dos princípios e preceitos com as situações da vida. As teorias jurídicas dos

92 Uma postura ativa é a que o Estado Democrático e Social de Direito exige do Judiciário, no seu papel de interpretação/concretização do ordenamento jurídico. 93 “O quadro actual dos direitos modernos nos ordenamentos do Ocidente – entre os quais o português e o brasileiro – caracteriza-se por: ampliação e diversificação do catálogo, muito para lá das declarações clássicas [...]”. Cf. MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais e Interpretação Constitucional. In: REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – QUARTA REGIÃ O, Porto Alegre, ano 9, n. 30, p. 25, 1998.

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direitos fundamentais são instrumentos de coerência, não sistemas acabados de decisão

jurídica.”94 Por tal razão, “interpretar a Constituição é ainda realizar a Constituição.”95

Durante todo o século XIX e na primeira metade do século XX as

normas de direitos fundamentais não tinham a mesma força das demais normas

jurídicas, e se dirigiram ao legislador (normas exeqüíveis e não exeqüíveis) e só por

interposição deste vinculavam as autoridades administrativas e judiciárias96. Hoje,

entretanto, “ao juiz cabe a tarefa – nobre e gloriosa, embora por vezes árdua e

complexa, – de interpretar e aplicar as normas constitucionais sobre direitos

fundamentais. Não lhe pode fugir e, para tanto, tem de se munir de conhecimentos e

critérios de acção que permitam descobrir quer o sentido e o fim último dessas normas,

quer o das normas legais que diariamente, se defronta. Mas interpretar e aplicar a

Constituição equivale a ir ao encontro dos valores mais profundos da vivência e do

Direito de um povo – mais do que os valores assumidos em cada época, os valores

permanentes de justiça; é saber impregnar-se desses valores; é juntar ao imprescindível

domínio da técnica jurídica o conceito humanista de que a Constituição é para as

pessoas, e não as pessoas para a Constituição.”97

Assim, quando utiliza a interpretação conforme, o Juiz ou Tribunal, ao

conferir um sentido conformador a uma norma que envolve um direito fundamental,

deve sim objetivar o controle da constitucionalidade do texto (para sua preservação no

ordenamento vigente), mas um sentido que, para além dessa nobre função de

conformação e controle, também tutele ou concretize da forma mais efetiva possível o

direito fundamental contido nas normas em cotejo (otimização constitucional ou

máximo aproveitamento das normas jurídicas). A interpretação conforme deve ajustar o

94 MIRANDA, 1998, p. 26. 95 Idem, Ibidem, p. 29. 96 Idem, Ibidem, p. 24. 97 Idem, Ibidem, p. 33-34. E essa atuação judicial, se realizada sem exageros, em nada afeta a separação de Poderes porque o Judiciário estará apenas exercendo jurisdição, ou seja, aplicando o Direito em conformidade com o plano constitucional dos direitos fundamentais, considerando que “essa função de interpretar conforme a Constituição cabe diretamente ao órgão competente de cada país. No Brasil, por exemplo, cabe ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de guardião máximo do texto constitucional. Já na Alemanha, tal tarefa cabe ao Tribunal Constitucional Alemão (Bundesverfassungsgericht). É justamente o Tribunal competente, no exercício de suas funções, que declara qual das possíveis interpretações se revela compatível com a Lei Fundamental”. Cf. SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano. Interpretação Conforme a Constituição. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 39, fev. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=133>. Acesso em: 26 dez. 2007. p. 01.

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sentido da norma não apenas com vista à sua preservação, mas também à observância e

efetivação do direito fundamental envolvido.

Daí porque corretas as palavras de Rothenburg: “ressalta da perspectiva

objetiva98 que acompanha os direitos fundamentais servirem eles como critério de

interpretação/aplicação do Direito em geral. Nessa medida, desempenham o relevante

papel de parâmetro para as modernas técnicas de fiscalização abstrata da

constitucionalidade (direcionada primeiramente à proteção institucional do ordenamento

jurídico).”99

Fernando Appio,100 que faz uma detida análise da interpretação

conforme como instrumento de tutela dos direitos fundamentais, bem coloca que tais

direitos, que tem como sede ontológica a dignidade humana, merecem ser protegidos

por meio de mecanismos de efetividade jurisdicional, dentre as quais, a interpretação

conforme. Criticando o que ele chama de hermenêutica legalista, Appio coloca que “em

verdade, a obediência servil à lógica formalista confere ao julgador a falsa impressão de

que está a praticar sua atividade com um grau de cientificidade que lhe permite

assegurar condição de neutralidade absoluta, nos moldes de 1789,”101 e “neste contexto,

a sociedade fica refém de uma interpretação legalista e órfã de uma hermenêutica

concretizadora dos princípios constitucionais.”102 Assim, para uma tutela jurisdicional

de concreção dos princípios da isonomia material e da efetividade, deve o Judiciário,

reconhecendo e assumindo a sua crise de legitimidade, buscar alternativas. Por exemplo,

o julgador deve buscar “[...]‘saídas’ interpretativas possíveis, dentre as quais a aplicação

dos princípios constitucionais e a própria interpretação conforme, na qual se cria o

Direito para o caso concreto.”103

98 A par da raiz subjetiva dos direitos fundamentais, a dimensão objetiva deles os coloca como princípios básicos de todo o sistema jurídico (desde o Direito Constitucional ao penal, ao administrativo, ao tributário, ao Direito do Trabalho). Cf. MIRANDA, 1998, p. 25. 99 ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas características. In: CADERNOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL E CIÊNCIA POLÍTICA , São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 29, p. 58. 100 APPIO, op. cit., p. 110-155. O autor dedica a segunda parte de sua obra, exatamente, para analisar a “[...] ligação existente entre a interpretação conforme e os direitos fundamentais”. (Idem, Ibidem, p. 108). 101 Idem, Ibidem, p. 123-124. 102 Idem, Ibidem, p. 125. 103 (grifo nosso) Idem, Ibidem, p. 138. Quanto a “concreção da isonomia material” relembremos que o advento do Estado Social propiciou uma radical transformação no conteúdo e no papel das Cartas

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Paulo Bonavides também enfatiza essa finalidade da interpretação

conforme ao dispor que esse método “granjeou foros de universalidade, e é hoje, talvez,

o mais idôneo na hermenêutica das Constituições; pelo menos o que melhor se amolda a

solver problemas que a metodologia clássica da subsunção e dedutivismo não lograva

fazê-lo, em razão de apoucar ou ignorar a normatividade dos princípios. Dantes

relegadas ao espaço programático, jaziam as cláusulas gerais, com ou sem razão, num

campo abstrato de vaga e duvidosa possibilidade de concreção. Os métodos tradicionais

eram os métodos da legalidade, o método da interpretação conforme a Constituição é o

método da constitucionalidade. Converteu-se ele, de último, num dos mais importantes

postulados da teoria material da Constituição e da autoridade interpretativa do juiz.104”

Nessa mesma linha, Maria Luisa Callejon também refere que a

interpretação conforme submete o juiz a um sistema de princípios de valores que devem

orientar a aplicação do Direito. E esse “submetimento” permite uma maior dinâmica do

ordenamento jurídico, viabilizando transformação social e efetivo cumprimento aos

direitos constitucionais.105

Também Francisco Fernandez Segado, ao tratar da interpretação

conforme, menciona que as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas em

conformidade com a Constituição e no sentido mais favorável para a efetividade dos

direitos fundamentais, que é a manifestação primária dessa ordem axiológica sobre a

Constitucionais, que de meros escudos de defesa contra o poder opressor do Estado, erigiram-se em instrumentos de transformação social, responsáveis pela implementação de uma situação de justiça material (de diminuição, no possível, das desigualdades sociais). Assim, por efetividade (eficácia social), deve-se entender a concreta inserção dos propósitos constitucionais na realidade, na vida das pessoas. Celso Antonio Bandeira de Mello, referindo-se à “força jurídica vinculante das constituições” coloca: “a Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos”. Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social. In: REVISTA DE DIREITO PÚBLICO , n. 57/58, p. 236-237, jan./jun. 1981. 104 (grifo do autor) BONAVIDES, p. 257-258. Em outra passagem, diferenciando a interpretação conforme dos métodos tradicionais de exegese, diz o professor: “é no interior desse quadro normativo aberto que se desenrola a interpretação conforme a Constituição, e se perfazem as divisas de um modelo apto a determinar, com precisão, o sentido e a compatibilidade da norma inferior com a norma superior, transcendendo as regiões hermenêuticas da metodologia tradicional para chegar a um terreno mais convizinho da concretude normativa na realização do direito”. (Idem, Ibidem, p. 260). 105 CALLEJON, Maria Luisa Balaguer. La Interpretacion de La Constitucion por La Jurisdccion Ordinária . Madrid: Editorial Civitas, 1990. p. 143-144.

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qual deve descansar todo o conjunto do ordenamento.106

João Zenha Martins107 aponta como um dos principais fundamentos da

interpretação conforme, o princípio da maximização das normas constitucionais

(máxima efetividade) que, segundo ele, reflete na questão da interpretação conforme

dos direitos fundamentais: “no âmbito das normas atributivas de direitos fundamentais,

verdadeiros valores estruturantes da idéia de direito e fundamentos de base

antropológica da Constituição, o intérprete-aplicador deve optar sempre pela

interpretação que com estes mais se mostre conforme, interpretando e aplicando o

direito legal ‘tomando como «direito de decisão» os direitos, liberdades e garantias.’”

Realmente, devemos lembrar, com João Zenha, que a interpretação

conforme não é apenas princípio hermenêutico, mas técnica de decisão. Pode, por assim

dizer, funcionar como um mecanismo de proteção e efetivação das normas

constitucionais. Sendo técnica de decisão pode assim atuar como mecanismo de

proteção judicial dos direitos fundamentais. Zenha, citando Canotilho, coloca que a

salvação da norma não pode neste caso ser desenvolvida apenas com base no favor-

actus108, mas também com base na força axiológica irradiante da constituição, de forma

a lhe conferir operacionalidade material.109

O professor Jorge Miranda destaca dois casos acontecidos em Portugal,

com solução dada pelo Tribunal Constitucional, em interpretação conforme a

Constituição, visando “constitucionalizar” leis inconstitucionais que feriam liberdades

públicas. Um caso é o de uma lei que concedeu privilégios apenas à Igreja Católica, em

detrimento das demais igrejas e convicções religiosas, sendo que o Tribunal Português

entendeu que a lei em questão era constitucional desde que estendida a prerrogativa a

todas as demais religiões. Noutro caso, o Tribunal decidiu que a norma que dispunha

sobre a idade mínima para o casamento – 14 anos para as mulheres e 16 anos para os

homens – apenas seria constitucional se a idade mínima fosse de 16 anos para ambos os

106 (grifo nosso) SEGADO, Francisco Fernández. El Sistema Constitucional Español. Madrid: Dykinson, 1992. p. 81. apud MEYER-PFLUG, op. cit., p. 151. 107 MARTINS, 2003, p. 912. 108 CANOTILHO, apud MARTINS, 2003, p. 914. Martins se refere aqui à presunção de constitucionalidade, que é um dos fundamentos mencionados por ele, em outra passagem de seu texto, a justificar a interpretação conforme. 109 MARTINS, 2003, p. 914.

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sexos, sob o argumento de que a idade inferior para as mulheres as tornava suscetíveis

de maior dependência dos maridos, abandono dos estudos etc110.

Paulo Ricardo Schier observa que a interpretação conforme possui

algumas dimensões políticas, já que por meio dela deve o Judiciário, diante do caso

concreto, buscar a interpretação que mais eficácia atribua aos valores constitucionais,

permitindo um “diálogo entre as realidades jurídica e social”.111 Assim, a técnica da

interpretação conforme a Constituição mostra-se como instrumento de realização do

Estado Democrático de Direito.112

Lenio Streck bem sintetiza a possibilidade da interpretação conforme

servir de mecanismo judicial de efetivação de direitos:

“De pronto, torna-se importante referir que os institutos (mecanismos)

da interpretação conforme e da nulidade (inconstitucionalidade) parcial sem redução de

texto) enquadram-se na contemporânea concepção de justiça constitucional, entendida

sob a ótica do Estado Democrático de Direito, onde a função do Poder Judiciário

perpassa, de longe, a concepção de ‘legislador negativo’ própria do Judiciário do Estado

Liberal Absenteísta. [...] Dito de outro modo, se no Estado Democrático de Direito o

Direito assume uma função transformadora, torna-se evidente que a concretização das

promessas da modernidade constantes em uma Constituição Compromissória e

Dirigente demanda uma nova postura do Poder Judiciário (e em especial da Justiça

Constitucional). [...] A interpretação conforme e a inconstitucionalidade parcial sem

redução de texto são, pois, mecanismo aptos a fazer cumprir – no limite – a função

‘intervencionista’ do Poder Judiciário para pôr freios á ‘liberdade de conformação do

legislador’ de índole liberal clássica, no interior do qual se concebe a Constituição

apenas em seu aspecto formal, sendo o seu texto entendido tão-somente como um

anteparo do cidadão contra a arbitrariedade do Estado. Não há dúvida, assim, de que os

citados institutos representam importantes mecanismos ‘corretivos’ da atividade

legislativa (seja do Poder Legislativo, da atividade normativa proveniente do Poder

110 Apud PEREIRA JUNIOR, Wilson. Liberdades Públicas: Interpretação Conforme a Constituição. In: Universitária: Revista do Curso de Mestrado em Direito – Faculdades Integradas Toledo. Araçatuba: 2000, p. 389-390. 111 SCHIER, Paulo Ricardo. A Interpretação Conforme a Constituição. Jurídica: Administração Municipal, v. 4, n. 4, 1999, p. 57-60. 112 Idem, p. 60.

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Executivo, bem como dos atos normativos oriundos dos tribunais da República). Isto

porque, além de a atividade interpretativa representar, sempre, um processo de

atribuição de sentido (interpretar é, sempre, aplicar), há que se considerar que é

impensável que um Tribunal, em sede de justiça constitucional, considere-se desligado

da ordem política que o envolve, o que implica mecanismos adaptativos/corretivos a

serem aplicados nos textos legais contrastados com Conzstituição. Isto parece

evidente!113”

Ingo Wolfgang Sarlet, falando sobre a vinculação dos juízes e tribunais

aos direitos fundamentais, ressalta que os órgãos do Poder Judiciário, na medida em que

estão vinculados à Constituição e aos direitos fundamentais e ao mesmo tempo exercem

o controle de constitucionalidade, têm não só o dever de não aplicar atos atentatórios

aos direitos fundamentais (vinculação negativa), como também de, pela jurisdição

constitucional, definir, para si mesmos e para os demais órgãos estatais, o conteúdo e

sentido “correto” dos direitos fundamentais114. E arremata: “Paralelamente a esta

dimensão negativa da vinculação do Poder Judiciário aos direitos fundamentais, J.

Miranda, ilustre mestre de Lisboa, aponta a existência de uma faceta positiva, no sentido

de que os juízes e tribunais estão obrigados, por meio da aplicação, interpretação e

integração, a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no

âmbito do sistema jurídico. Ainda no âmbito destas funções positiva e negativa da

eficácia vinculante dos direitos fundamentais, é de destacar-se o dever de os tribunais

interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamentais, assim

como o dever de colmatação de eventuais lacunas à luz das normas de direitos

fundamentais, o que alcança, inclusive, a jurisdição cível, esfera na qual – ainda numa

interpretação diferenciada – também se impõe uma análise da influência exercida pelos

direitos fundamentais sobre as normas de direito privado.”115

Enfim, a interpretação conforme, como técnica de decisão que é, deve

funcionar ainda como instrumento judicial de proteção e efetivação dos direitos

113 (grifo do autor) STRECK, 2004, p. 571-572. 114 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 397. 115 (grifo nosso), Idem, p. 397-398

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fundamentais, o que bem se coaduna com o princípio da máxima efetividade das normas

jurídicas.

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6 ORIGENS HISTÓRICAS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A

CONSTITUIÇÃO

Embora o advento do Welfare State e a teoria material da Constituição

impuseram um incremento e desenvolvimento da interpretação constitucional pelo Poder

Judiciário e em especial pelas Cortes Constitucionais, a verdade é que a técnica da

interpretação conforme foi forjada em período bem anterior. E de há muito vem sendo

utilizada pelas Cortes Constitucionais de diversos países, como Estados Unidos,

Alemanha, Suíça, Inglaterra, Espanha, França e Itália.

Não há, assim, um consenso a respeito da exata origem do instituto.

Alguns autores mencionam a década de 50, na Alemanha, como o ponto de partida da

aplicação da interpretação conforme; outros, ao contrário, mencionam a origem norte-

americana do instituto.

Lenio Luiz Streck coloca: “é na década de 50 do século passado que

surge o instituto. Há registro de uma decisão de interpretação conforme a Constituição

proferida já em 13 de fevereiro de 1952 pelo Tribunal da Baviera, na Alemanha. Haak

anota, entretanto, que a técnica da interpretação conforme possui antecedentes no

Tribunal Federal da Suíça, anteriormente a essa decisão.116 Importa referir, nos limites

desta abordagem, que a partir de 1955, mais especificamente em 7 de maio (E2,

266(282)), o Bundesverfassungsgericht freqüentemente passou a renunciar a

possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de leis, toda vez que esta pudesse ser

“salva”, isto é, quando fosse possível interpretá-la em conformidade com a

Constituição. Trata-se, no dizer de Béguin, de um mecanismo de depuração de

inconstitucionalidade.”117

116 Ana Sofia menciona que a origem da interpretação conforme “remonta a 1903, ano em que, segundo se sabe, um tribunal suíço terá feito, pela primeira vez, uma aplicação bastante clara desse princípio”. Cf. FIRMINO, op. cit., p. 05. Virgílio Afonso da Silva também anota que a interpretação conforme a Constituição tem uma trajetória muito grande e freqüente na Corte Federal Suiça, sendo que em reiteradas decisões os juízes ressaltam que no controle abstrato de constitucionalidade a Corte Federal somente pode declarar a nulidade de uma disposição de “derecho cantonal” se ela não admitir nenhuma interpretação conforme a Constituição. Cf. SILVA, op. cit. p. 5. 117 (grifo do autor) STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 617. “A interpretação conforme assume uma condição privilegiada no plano

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Hesse também coloca que “no desenvolvimento jurídico-

constitucional recente apareceu, progressivamente, um princípio de interpretação que,

sem dúvida, não pressupõe a existência de uma jurisdição constitucional, porém, deve

sua formação e organização prática: o princípio da interpretação conforme a

Constituição. Na prática judicial do Tribunal Constitucional Federal esse princípio

ganhou significado crescente [...].”118

Inocêncio Mártires Coelho, ao contrário, assinala que: “muito embora

juristas de expressão, como Konrad Hesse, afirmem que esse princípio surgiu

recentemente e teve a sua formação e desenvolvimento ligados à expansão da jurisdição

constitucional – anote-se, para cotejo de datas, que a Corte Constitucional alemã

começou a funcionar em 1951, enquanto a da Itália só proferiu a sua primeira decisão

em 1956 – em verdade esse cânone hermenêutico é mais que centenário, fazendo parte

do elenco das chamadas regras de bom aviso ou preceitos sábios que, há pelo menos

dois séculos, os juízes e tribunais norte-americanos têm observado no contencioso das

leis119. É o que se constata, entre outras, na obra clássica de Lúcio Bittencourt – O

controle judicial da constitucionalidade das leis – livro que veio a público em 1949, por

coincidência no mesmo ano em que promulgada a Lei Fundamental de Bonn, que

instituiu o Tribunal Constitucional Federal da República da Alemanha, cuja organização

foi objeto de lei editada em 1951.”120

Também o professor Geovany Cardoso Jeveaux121, citando Héctor

López Boffil122 refere que “o primeiro país a adotar uma decisão desse tipo foi os EUA,

ainda no século XIX, descrita pela expressão interpreting a statute to make it

constitutional, sobre a qual logo se cunhou o nome de interpretação da lei conforme a

Constituição. Tal decisão não continha detalhes dogmáticos, que somente surgiram

hermenêutico. Trata-se de um salto paradigmático, que rompe com as concepções tradicionais de interpretação constitucional e com a própria concepção de separação de poderes de Estado” (Idem, Ibidem). 118 HESSE, 1998, p. 70-71. 119 O professor André Ramos Tavares também identifica a origem norte-americana da interpretação. Cf. TAVARES, 2007, p. 136. Gilmar Mendes também enfatiza que essa categoria de decisão vem sendo aplicada desde o início da Corte Constitucional Alemã, mas já era conhecida na jurisprudência da Suprema Corte Alemã. Cf. MENDES, op. cit., p. 259. 120 (grifo do autor) COELHO, p. 25. 121 JEVEAUX, Geovany Cardoso, 2007. In: COLNAGO, op. cit., No Prefácio à obra. 122 BOFFIL, Héctor López. Decisiones interpretativas em el control de constitucionalidad de La ley. Valência: IVAP, 2004. p. 86-90. In: COLNAGO, op. cit., No Prefácio à obra.

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naquele país no julgamento do caso Aschwander v. Tennessee Authority, em 1936, pelo

voto concorrente do juiz Brandeis. Talvez por isso se negue influência das primeiras

experiências americanas na matéria nos países europeus, cuja primeira decisão

conforme foi adotada em 1908 pelo Tribunal Federal Suíço, embora a respeito de uma

lei cantonal. O desenvolvimento técnico da matéria, na Europa, ocorreu em seguida com

o Tribunal Austríaco (1951) e com os Tribunais Constitucionais Alemão (1953) e

Italiano (1956).”

Paulo Bonavides parece esclarecer a controvérsia acima apontada ao

mencionar que a interpretação conforme teve origem nos estados Unidos, mas se

irradiou a partir da Alemanha. “A interpretação conforme, desde muito em voga nos

tribunais superiores, não é criação da Alemanha, de onde se irradiou [...]; nasceu nos

Estados Unidos [...].”123

Essa talvez a raiz da divergência doutrinária sobre a origem alemã ou

norte-americana da interpretação conforme. O instituto foi forjado nos Estados Unidos,

a partir da verificação (depois disseminada na jurisprudência daquele país) de que as

leis devem ser interpretadas “in harmony with the Constitution”, mas o seu incremento

e difusão se deram a partir da década de 50, na jurisprudência tedesca,124 tendo em vista

a relação da interpretação conforme, já assinalada, com o Estado Social de Direito e

com a teoria material da Constituição.

No Brasil, conforme coloca Cláudio Colnago125, embora as decisões

interpretativas tenham sido adotadas com certa relevância pela jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal apenas a partir da segunda metade da década de 80, já existia

bem antes em nosso ordenamento um instituto que pode ser considerado o predecessor

da interpretação conforme a Constituição (e também da inconstitucionalidade parcial

sem redução de texto) que é a representação para interpretação da lei, criada pela

123 (grifo nosso) BONAVIDES, p. 257. Acrescenta ainda Bonavides que “as origens americanas do método de interpretação conforme a Constituição são patentes desde a máxima haurida na irrefutável tese de Marshall de que todas as leis se devem aplicar ‘em harmonia com a Constituição’ (‘in harmony with the Constitucion’), critério, este, consagrado nos Estados Unidos pela jurisprudência de todos os tribunais, nomeadamente a da Suprema Corte, de onde deriva” (Idem, Ibidem). 124 Ana Sofia, que menciona, como já apontado, a decisão de 1903 do Tribunal Suíço como a primeira a aplicar a interpretação conforme, coloca que “têm sido, porém, os tribunais alemães aqueles que maior desenvolvimento têm dado ao tema da interpretação conforme à Constituição.” Cf. FIRMINO, op. cit., p. 05. 125 op. cit., p. 123-127.

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Emenda Constitucional n. 7, de 1977, que acrescentou a alínea l ao art. 119 da então

Constituição vigente, estabelecendo a competência do Supremo Tribunal Federal para o

julgamento da referida representação. O art. 187 do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal, regulamentando essa ação direta interpretativa, dispôs que a

interpretação fixada pela Suprema Corte teria efeito vinculante para todos os efeitos126.

“Citada representação, editada ainda sob o manto de um Estado

autoritário, tinha o nítido intuito de servir como instrumento de força de governo, que

poderia imediatamente aniquilar uma determinada interpretação ‘controvertida’ que lhe

fosse contrária mediante a rápida provocação do órgão de cúpula do Judiciário, em

muito similar à configuração inicial da ADC no direito brasileiro.”127 Além disso,

mesmo sem a força vinculante da “representação interpretativa” o Supremo antes já

proferia decisões de rejeição de inconstitucionalidade condicionada (ainda que

implicitamente) à interpretação dada pela Corte à norma128.

Gilmar Mendes igualmente coloca que a prática de adotar decisões

interpretativas não é tão nova no Supremo Tribunal Federal.129

Quanto à interpretação conforme, propriamente dita, verifica-se um

vertiginoso crescimento na jurisprudência da Corte de decisões aplicando essa técnica,

especialmente em sede de controle abstrato de constitucionalidade Porém, conforme

esclarece Cláudio Colnago, que como já se disse, faz um aprofundado estudo da

jurisprudência do Supremo sobre as decisões interpretativas, a Corte não distingue com

clareza a interpretação conforme, da inconstitucionalidade parcial sem redução de

texto, utilizando, em vários julgados, a expressão “inconstitucionalidade parcial sem

redução de texto, mediante interpretação conforme à Constituição”, o que indica a

confusão

conceitual ainda existente no Supremo entre ambos os institutos.130

126 O professor André Ramos Tavares, referindo-se à essa “ação direta interpretativa”, bem coloca que ela incumbiu ao Tribunal Constitucional, como atividade-fim, a interpretação. Assim, foi considerada uma controvertida inovação, introduzida sob o manto da reforma do Judiciário, para fins de declarar, em tese, a interpretação de algum dispositivos legal, com efeito erga omnes. TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional. São Paulo: Saraiva: 2005, p. 251.

127 COLNAGO, 2007, p. 124. 128 COLNAGO, op. cit., p. 144-145. 129 MENDES, 1999, p. 317. 130 op. cit., p. 143-193.

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7 A INTERPRETAÇÃO CONFORME COMO MECANISMO DE

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Conforme ressaltamos no início do presente trabalho, a interpretação

conforme constitui um método de interpretação jurídica que viabiliza um mecanismo

moderno de controle de constitucionalidade. Sem dúvida, portanto, que seu aspecto

mais marcante é o de uma técnica de jurisdição constitucional131.

“A interpretação conforme à Constituição é aquela que se situa no

âmbito do controle de constitucionalidade das leis, conforme sentenciam os alemães

Zippelius, Wolf, Hesse, Maunz, Larenz, Friesenhahn, e os italianos Gaetano Silvestri,

Luigi Montesano, Nicola Carulli, Franco Pierandrei e Mauro Cappelletti. Categoria já

reconhecida da Suprema Corte norte-americana, a interpretação conforme á

Constituição corrobora uma técnica que possui o traço da flexibilidade, possibilitando o

exegeta livrar-se do formalismo jurídico, isto é, das formalidades impostas pela

estrutura normativa dos textos legais, em prol do ideário de justiça constitucional132”

Como diz Canotilho, em passagem já citada, a interpretação

constitucionalmente conforme “tem como função assegurar a constitucionalidade da

interpretação.” Realmente, a interpretação conforme realizada tanto no sistema abstrato,

como no sistema difuso de constitucionalidade, tem como escopo dar à norma uma

interpretação que não contravenha a Constituição. Visa manter a norma no sistema

normativo, mas mantê-la com um sentido constitucionalmente adequado.

Em outras palavras, na interpretação conforme a Constituição cumpre

ao Judiciário verificar se algum dos sentidos da norma é compatível com a Constituição,

podendo ser então aproveitada e mantida no sistema jurídico. Ao verificar a

conformidade da lei com os imperativos constitucionais, o Judiciário está,

131 “A interpretação conforme a Constituição se constitui fundamentalmente num mecanismo de controle, eis que sua principal função é assegurar um razoável grau de constitucionalidade das normas no exercício de interpretação das leis”. Cf. PEREIRA JUNIOR, op. cit., p. 376-377. 132 (grifo do autor) BULOS, Uadi Lâmego. Teoria da Interpretação Constitucional. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 205, jul./set. 1996. Rio de Janeiro: Edições Renovar, 1996, p. 52.

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inegavelmente, controlando a constitucionalidade do dispositivo. Tanto isso é

verdadeiro que, se esgotadas todas as possibilidade de interpretação da norma, ainda

assim persistir sua incompatibilidade com a Constituição, não restará outra opção senão

o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.

Por tais razões é que a doutrina reconhece que a interpretação conforme

a Constituição é, na verdade, mais do que uma regra de interpretação, uma forma de

controle de constitucionalidade133.

Conforme as precisas palavras de André Ramos, “a interpretação

constitucionalmente conforme foi forjada dentro do ambiente das técnicas de decisão

da Justiça Constitucional.”134 “A interpretação conforme a Constituição haveria de ser

entendida como um método de trabalho desenvolvido dentro da atividade de controle de

constitucionalidade do que, propriamente, mais uma fórmula puramente interpretativa

(cf. TAVARES, 2003: 234). Isso porque a sua ratio de utilização se dá no Tribunal

Constitucional (no caso de controle concentrado) e até nos diversos tribunais e

instâncias existentes no seio do Poder Judiciário (na hipótese de controle difuso),

quando da verificação de eventual inconstitucionalidade de determinado ato normativo,

vale dizer, quando do exercício do que se pode chamar de vertente formal da

Constituição (TAVARES, 2005). É, assim, indubitavelmente, uma técnica de decisão da

Justiça Constitucional. A origem e evolução norte-americana da técnica da

interpretação constitucionalmente conforme já prenunciam essa conclusão, desde o

famoso voto proferido pelo Justice BRANDEIS no caso Ashwader v. Tennessee Valley

Authority, até a opinião exposta pelo Justice RUTLEDGE no caso Rescue Army v.

Municipal Court (cf. NOWAK, ROTUNDA, 2000: 106-7). A técnica é apresentada,

ainda hoje, naquele contexto, como uma política de atuação da Corte Suprema (a

avoidance doctrine), como forma de reverenciar o legislador democrático e utilizar com

parcimônia o poder de fulminar as leis (self-restrint).”135

133 “A interpretação conforme a Constituição se constitui fundamentalmente num mecanismo de controle, eis que sua principal função é assegurar um razoável grau de constitucionalidade das normas no exercício de interpretação das leis.” Cf. SUXBERGER, op. cit., p. 01. 134 TAVARES, 2007, p. 136. 135 Idem, Ibidem, p. 135-136. “Esse cânone interpretativo ao mesmo tempo em que valoriza o trabalho legislativo, aproveitando ou conservando as leis, previne o surgimento de conflitos, que se tornariam crescentemente perigosos caso os juízes, sem o devido cuidado, se pusessem a invalidar os atos legislativos”. Cf. COELHO, 2004, op. cit. p. 35.

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O Ministro Carlos Ayres Brito, em voto proferido na ADPF nº 54,

também ressalta a interpretação conforme como mecanismo de controle de

constitucionalidade, negando que ela seja um “típico exercício de hermenêutica:

“Em remate, a interpretação conforme não se exprime num típico

exercício de hermenêutica, pois o típico exercício de hermenêutica se dá é num

precedente contexto de não-exame de validade do dispositivo sobre que recai. Ela se

inscreve é entre os mecanismos de controle de constitucionalidade, como exigência do

sumo princípio da supremacia formal e material da Constituição. [...] mecanismo pelo

qual se afere tanto a validade formal quanto material de um modelo jurídico-positivo

posto em cotejo com a Magna Carta.”136

Jorge Miranda, conforme já ressaltado, também coloca que “a chamada

interpretação conforme a Constituição [...] vem a ser mais do que a aplicação de uma

regra de interpretação. É um procedimento ou regra própria de fiscalização da

constitucionalidade [...]”137 que se justifica em nome de um princípio de economia do

ordenamento ou de máximo aproveitamento dos actos jurídicos – e não de uma

presunção de constitucionalidade da norma.”138

Também o professor Celso Bastos, em passagem já mencionada,

esclarece que “deve-se ter em mira, ao abordar este tema, que esta indicação, mais do

que uma técnica de salvamento da lei ou ato normativo (doutrina americana) consiste já

numa técnica de decisão.” 139

Luís Roberto Barroso,140 ao decompor o processo de interpretação

conforme a Constituição, conclui que: “Por via de conseqüência, a interpretação

conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um

mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma

determinada leitura da norma legal.”

Na jurisprudência, o reconhecimento da interpretação conforme como

forma de controle de constitucionalidade ficou assentado pela primeira no

136 BRITO, Carlos Ayres. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF-QO nº 54. Relator: Carlos Ayares Brito, Brasília. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 nov. 2007. 137 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra, 1987. t. II. p. 232. 138 Idem, Ibidem. 139 (grifo nosso) BASTOS, op. cit., p. 271. 140 BARROSO, op. cit., p. 189.

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paradigmático voto do Ministro aposentado Moreira Alves, no julgamento da

representação de inconstitucionalidade nº 1417 (da qual ele foi relator), quando Sua

Excelência consignou que “o princípio da interpretação conforme a Constituição

(verfassungskonforme auslegung) é princípio que se situa no âmbito de controle de

constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação.”141

Como se percebe, a doutrina e a jurisprudência, sem olvidar a natureza

dúplice do instituto, já referida no início deste trabalho, parecem dar destaque ao

aspecto de mecanismo de controle de constitucionalidade da interpretação conforme. O

que constitui entendimento amplamente predominante, repita-se, é o de que a

interpretação conforme não é exclusivamente um método ou técnica de interpretação,

nem exclusivamente um mecanismo de controle de constitucionalidade.

7.1 Cabimento da interpretação conforme nos sistemas concentrado e difuso de

constitucionalidade

Interpretar as leis e atos normativos em conformidade com a

Constituição é um dever de todo intérprete. No Poder Judiciário, consubstancia uma

tarefa de todos os julgadores, desde os juízes monocráticos até os Ministros da Suprema

Corte.

Assim, a interpretação conforme é mecanismo a ser aplicado tanto no

controle concentrado, como no controle difuso de constitucionalidade. Embora a

interpretação conforme seja mais comumente enfocada pela doutrina no sistema

concentrado de controle de constitucionalidade, não há maiores controvérsias quanto ao

seu cabimento (e sua necessidade) também no sistema difuso de controle142.

141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Representação n. 1417. Relator: Moreira Alves, Brasília. Julgamento: 09.12.1987. Votação: Unânime. Resultado: Procedente. Publicação: DJ 15.04.1988, p. 08397, vol. 01497-01 p. 00072. apud BASTOS, op. cit., p. 274. Com a edição da Lei 9.868/99 houve a institucionalização do mecanismo da interpretação conforme (e da nulidade parcial sem redução de texto) como formas de controle de constitucionalidade”. Cf. STRECK, 2004, p. 574. 142 “De uma maneira geral, a doutrina se refere à interpretação conforme enquanto instrumento de constitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal, não descurando, portanto, que sua aplicação

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É pacífico que “a interpretação conforme a Constituição é uma decisão

que pode ser tomada tanto no controle incidental ou concreto, quando no controle

abstrato de normas. No primeiro caso tem eficácia apenas para as partes da demanda.

No segundo, tem eficácia erga omnes.” 143

A propósito, merece destaque o raciocínio de Lenio Streck, a respeito

do cabimento da interpretação conforme no controle difuso: “uma pergunta se impõe

desde logo: a nulidade parcial sem redução de texto e a interpretação conforme a

Constituição podem ser aplicadas pelo juízo singular e pelos demais Tribunais, ou tal

aplicação afigura-se como prerrogativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal?

Entendo que não há qualquer óbice constitucional que impeça juízes e tribunais de

aplicarem a interpretação conforme e a nulidade parcial sem redução de texto. Entender

o contrário seria admitir que juízes e Tribunais (que não o STF) estivessem obrigados a

declarar inconstitucionalidade de dispositivos que pudessem, no mínimo em parte, ser

salvaguardados no sistema, mediante a aplicação das citadas técnicas de controle. [...]

Assim como o controle de constitucionalidade não é prerrogativa do Supremo Tribunal,

os seus diversos mecanismos – incluídos aí a interpretação conforme e a nulidade

parcial – também não o são. Porque um Juiz de Direito – que, desde a Constituição de

1891 sempre esteve autorizado a deixar de aplicar uma lei na íntegra por entende-la

inconstitucional – não pode, também hoje, em pleno Estado Democrático de Direito,

aplicá-la tão somente em parte?.”144

se faça presente, também, junto a qualquer juízo ou grau de jurisdição (controle difuso).” Cf. APPIO, op. cit., p. 33. 143 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 192. A propósito, como no controle difuso a decisão vincula apenas as partes litigantes, Gilmar Mendes coloca que “[...] essa variante de decisão não prepara maiores embaraços no âmbito do controle incidental de normas, uma vez que aqui o Tribunal profere uma decisão sobre um caso concreto que vincula apenas as partes envolvidas”. Cf. MENDES, op. cit., p. 317. É pertinente uma observação nessas palavras do Ministro: como a interpretação conforme é também um mecanismo de garantia e efetivação dos direitos fundamentais, cremos que sua utilização se afigura de igual importância no controle difuso e concentrado de constitucionalidade. A função de “realizar” a Constituição, por meio da jurisdição constitucional, incumbe a todo o Poder Judiciário. Não importa se essa realização beneficiará uma pessoa, um grupo de pessoas ou terá caráter geral. O que mais importa é a mudança de postura, no sentido de que em qualquer âmbito deve-se dar efetividade aos direitos fundamentais. 144(grifo do autor) STRECK, p. 659-660. Samantha Ribeiro Meyer-Pflug também anota que “[...] no sistema jurídico pátrio, a interpretação conforme à Constituição é passível de aplicação pelos Tribunais inferiores, quando do exercício do controle de constitucionalidade difuso. Nesta forma de controle, ou seja, por via de defesa, a questão que se coloca não é somente a de se interpretar a lei conforme a Constituição, mas sim de verificar-se no caso concreto se a norma foi aplicada em consonância com o

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O Juiz Federal, Fernando Appio145, que conforme já ressaltamos,

analisa a interpretação conforme (dentre outros aspectos) como um instrumento de

tutela jurisdicional dos direitos fundamentais, menciona um bom exemplo no qual seria

cabível essa técnica em sede difusa de controle de constitucionalidade:

O exemplo envolve o cotejo do art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, que,

aparentemente, permite a concessão do benefício da prestação continuada (benefício da

renda mínima) apenas aos idosos e portadores de deficiência mínima cujas respectivas

famílias tenham renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo,

com o disposto no artigo 203, V, da CF/88 que prevê esse benefício à “[...] pessoa

portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à

própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” Em

uma ação condenatória proposta contra o INSS, por exemplo, se o juiz ou Tribunal

declarar incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 3º, do artigo 20, da lei citada,

por entender que ela viola o direito de comprovação da pobreza tal como previsto no art.

203, V, da CF/88, estará, na verdade, retirando do postulante a possibilidade de

recebimento do benefício. A solução, nesse caso, seria uma interpretação conforme do

dispositivo infraconstitucional: “Na parte dispositiva da sentença declararia que a

referida lei somente não é inconstitucional caso interpretada (em conformidade com a

Constituição Federal) no sentido de que a comprovação da renda per capita não é o

único meio de prova posto à disposição da administração, à qual deve proceder à

concessão do benefício negado, na medida em que provada, através de testemunhas, a

hipossuficiência do autor da ação.”146

Texto Constitucional. É dizer, se a sua aplicação é capaz de solucionar o conflito existente no plano concreto. Tratando-se de um caso concreto, portanto, sua decisão é inter partes, ou seja, só se aplica as partes integrantes do processo.” Cf. MEYER-PFLUG, op. cit., p. 170-171. 145 APPIO, op. cit., p. 97-108. 146 Idem, Ibidem, p. 99. A propósito, Fernando Appio ainda acrescenta que “o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em várias ocasiões adotou esse posicionamento, o qual obvia o inconveniente de declaração de nulidade de lei que tenha sido editada para regulamentar direito previsto na Constituição em norma de eficácia contida, permitindo, por exemplo, que o julgador se utilize de outros meios de prova da comprovação da miserabilidade do cidadão que pretende a concessão da ‘renda mínima’” (Idem, Ibidem). Realmente, dentre as leituras possíveis do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, o Superior Tribunal de Justiça conferiu uma interpretação à norma que a tornou conforme a Constituição ao asseverar que “[...] a Lei 8.742/93, art. 20, § 3º, quis apenas definir que a renda familiar inferior a 1/4 do salário mínimo é, objetivamente, considerada, insuficiente para a subsistência do idoso ou portador de deficiência; tal regra não afasta, no caso em concreto, outros meios de prova da condição de

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Ainda sobre a possibilidade de aplicação da interpretação conforme no

sistema difuso de controle de constitucionalidade coloca Nagibi: “relevante acrescer que

também juízes e os administradores públicos, nos casos que lhes forem submetidos,

poderão utilizar o método da interpretação conforme a Constituição para a apreciação

dos temas, sendo certo que suas decisões, em tais casos, não terão os poderosos efeitos

erga omnes que a legislação federal concedeu às decisões do Supremo Tribunal Federal

em sede do controle concentrado.”147

Já no sistema concentrado, a interpretação conforme pode ser aplicada

pelo Supremo Tribunal Federal, em quaisquer das argüições de (in)constitucionalidade

(ADIn, ADC, ADPF), cuja decisão, neste casos, terá efeito erga omnes e vinculante em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Público; também pode ser

aplicada no controle concentrado efetuado pelos Tribunais, em ações envolvendo a

constitucionalidade de normas estaduais e municipais em face da respectiva

Constituição Estadual, sem efeito vinculante.

Ainda quanto ao controle concentrado, uma questão deve ser abordada

– na verdade retomada, porquanto já a enfrentamos em outro momento – e que envolve

um aparente problema.

A interpretação conforme é, como já sustentamos, uma forma de

interpretação que viabiliza um controle de constitucionalidade de determinado texto

normativo. E interpretação significa concretização, é dizer, atribuição de sentido à

norma tendo em vista um problema concreto (real ou hipotético). Como no controle

concentrado a demanda envolve um cotejo abstrato de normas (da norma

infraconstitucional com a norma constitucional) poderia se questionar a inviabilidade da

aplicação da interpretação conforme no controle abstrato.

Obviamente que o problema é só aparente. Os órgãos encarregados da

fiscalização abstrata, ao aplicar a técnica da interpretação conforme têm exatamente em

vista um problema, que servirá de parâmetro e elemento hermenêutico para a adaptação

do sentido da norma inferior aos mandamentos constitucionais. Noutro dizer, a argüição

de (in)constitucionalidade (ainda que abstrata) é sempre forjada a partir de problemas

miserabilidade da família do necessitado”. Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 222.778/SP. Relator: Ministro Edson Vidigal, Brasília, 04 de novembro de 1999. DJ de 29.11.1999. 147 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 115.

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(reais ou imaginados) que levam algum legitimado a questionar a compatibilidade

vertical da norma impugnada. E tais fatos (hipotéticos ou verdadeiros) são utilizados

pelo Tribunal no seu trabalho de construção do sentido da norma em conformidade com

a Constituição. Repita-se, aqui, a passagem de Streck, que bem diz que no controle

abstrato de constitucionalidade o Tribunal tem em vista o campo prático de aplicação da

norma.

Como diz Celso Bastos: “No controle de constitucionalidade em

abstrato, não se toma em consideração qualquer caso concreto. O que há é a

consideração e confrontação de normas, de diferente nível hierárquico, em grau de

abstratividade absoluto.” Mas “o controle de constitucionalidade não pode se reduzir a

uma mera comparação entre textos. Não basta colocar face à face a letra da norma

constitucional com a letra da norma infraconstitucional. O magistrado vai além,

verificando quais as hipóteses contempladas nas normas. [...] Portanto, a abstração, aqui

referida, não quer significar não referibilidade a nenhum caso hipotético. Ela é apenas

utilizada tecnicamente para designar a desvinculação do processo com qualquer caso

concreto, real e específico, na análise jurisdicional.”148

No sistema difuso de controle, este aparente problema nem se coloca,

porquanto a questão da constitucionalidade da norma é incidental, sendo o objeto

principal da demanda exatamente a solução de um problema real.

7.2 Distinção entre a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de

texto e a interpretação conforme

Outro aspecto por demais controvertido é o da similitude ou diferença

entre a interpretação conforme e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto.

A distinção se afigura relevante, por influenciar em questões

importantes, como a da extensão do efeito vinculante da decisão do STF que aplica a

148 BASTOS, op. cit., p. 249-250.

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interpretação conforme, e a da necessidade de aplicação ou não da cláusula da reserva

de plenário.

Na Alemanha, quando o Tribunal Constitucional aplica a interpretação

conforme, ele julga a ação de inconstitucionalidade parcialmente procedente. É que,

apesar de manter a norma em vigor com a interpretação que lhe dá, o Tribunal também

a declara inconstitucional, se tomada em qualquer outro sentido. A interpretação

conforme a Constituição é equiparada, portanto, à declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto149.

Este foi também o entendimento adotado, inicialmente, no Supremo

Tribunal Federal. No julgamento da paradigmática Representação 1417-7, o então

relator Ministro Moreira Alves vislumbrou esse duplo efeito da interpretação conforme

a Constituição ao asseverar que: “o mesmo ocorre quando Corte dessa natureza

(constitucional), aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara

constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Carta Magna,

pois, nessa hipótese, há uma modalidade de inconstitucionalidade parcial (a

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto – Teilnichtigerklärung ohne

Normtextreduzierung), o que implica dizer que o tribunal constitucional elimina – e

atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas, mas

inconciliáveis com a Constituição.”150

Posteriormente, no julgamento da ADI 581-DF, a Suprema Corte

ratificou o entendimento do Ministro aposentado Moreira Alves. Nesse julgamento, o

Ministro relator, Celso de Mello, assentou que: “a incidência desse postulado permite,

desse modo, que, reconhecendo-se a legitimidade constitucional a uma determinada

149 Na Alemanha a doutrina e a jurisprudência identificam a interpretação conforme com a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, apesar do posicionamento divergente de Bryde. Nesse sentido, BARROSO, op. cit., p. 190, e MENDES, op. cit., p. 265-266. Como esclarece Cláudio de Oliveira Santos Colnago, na Alemanha, “enquanto na pronúncia de nulidade qualitativa sem redução de texto há a exclusão de um significado possível do enunciado normativo, deixando em aberto as demais possibilidades interpretativas, na declaração de compatibilidade mediante interpretação conforme há o estabelecimento de um único significado constitucionalmente admissível, o que importa na exclusão de todos os demais significados que não aquele estabelecido pelo Tribunal Constitucional e, conseqüentemente, na redução das possibilidades de construção hermenêutica sobre aquela disposição de lei”. Cf. COLNAGO, op. cit., p. 92. 150 (grifo do autor) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Representação n. 1417. Relator: Ministro Moreira Alves, Brasília, 09 de dezembro de 1987. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2008. In: BARROSO, op. cit., p. 191.

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proposta interpretativa, excluam-se as demais construções exegéticas propiciado pelo

conteúdo normativo do ato questionado.”151

Assim, “foi a partir dessa decisão que o Supremo, seguindo proposta do

Ministro Moreira Alves, e na linha adotada pelo Tribunal Constitucional Federal

alemão, passou, nos casos de interpretação conforme a Constituição, a julgar a ação

direta procedente em parte, em lugar de julgá-la improcedente.”152

Também há setores da doutrina que adotam esse entendimento

unificador. Nesse sentido as palavras de Gilmar Mendes:

“Importantes vozes da literatura sustentam que a interpretação

conforme à Constituição equipara-se, nessa hipótese, a uma declaração de nulidade sem

redução de texto. Afirma-se, em favor dessa tese, que, considerado o resultado da

interpretação conforme à Constituição não do lado positivo – mas do lado negativo – o

caráter cassatório – divisa-se semelhança entre a declaração de nulidade qualitativa

(declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto) e a interpretação conforme à

Constituição.”

“Essa orientação é complementada com a alegação de que, se a coisa

julgada de uma decisão dessa sorte devesse ser determinada apenas segundo os

princípios da ‘decisão de rejeição’, ter-se-ia de reconhecer que a interpretação conforme

à Constituição faltaria com seus objetivos, uma vez que não impediria a aplicação da

norma segundo a interpretação censurada.”153

Parte da doutrina reconhece, assim, que o Judiciário, ao aplicar a

interpretação conforme, além de fixar um sentido da norma que seja compatível com a

Constituição, impede todas as outras interpretações por acaso possíveis, declarando-as

inconstitucionais. É a chamada “sentença redutora”, no dizer da doutrina espanhola154.

151 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 581-DF. Relator: Ministro Celso de Mello, Brasília. In: BARROSO, op. cit., p. 194. 152 BARROSO, op. cit., p. 195. No mesmo sentido, MENDES, op. cit., p. 322. 153 MENDES, op. cit., p. 264. O professor Gilmar Mendes menciona vários autores alemães que posicionam-se assim: Skouris, Bogs, Moench; Von Mutius e Vogel. 154 Nesse sentido coloca-se, dentre outros, Zeno Veloso: “utilizando o método da interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional atua como legislador negativo, emitindo um juízo de inconstitucionalidade parcial, ao eliminar, por incompatibilidade com a Carta Magna, algumas possibilidades interpretativas. Afirma-se, por isto, que o Tribunal proclama uma sentença ‘manipuladora’, como denomina a doutrina italiana, ou ‘redutora’, como diz, melhor, a espanhola. E redutora porque enuncia que o preceito impugnado é inconstitucional em algum ou em alguns de seus

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No Brasil, Luís Roberto Barroso posiciona-se nesse sentido. Diz o

autor:

“Freqüentemente, o princípio enseja que se afirme a compatibilidade de

uma lei com a Constituição, com exclusão expressa de outras possibilidades

interpretativas, reputadas inconstitucionais. Visto pelo lado positivo, a conseqüência que

engendra é, sem dúvida, a preservação da norma. Mas, pelo lado negativo, tem um

caráter invalidatório, sendo acertada sua equiparação a uma declaração de nulidade sem

redução de texto, como fazem autores alemães, a despeito da crítica de cunho

teorizante de Bryde.”

“Porque assim é, a interpretação conforme a Constituição funciona

também como um mecanismo de controle de constitucionalidade. Como bem

perceberam os publicistas alemães e, especialmente, o Tribunal Constitucional Federal,

quando o Judiciário condiciona a validade da lei a uma determinada interpretação ou

declara que certas aplicações não são compatíveis com a Constituição está, em verdade,

declarando a inconstitucionalidade de outras possibilidades de interpretação

(Auslegungsmöglichkeiten) ou de outras possíveis aplicações

(Anwendungsfälle).”155

No mesmo sentido é o posicionamento do professor Adércio, pelo qual

a interpretação conforme “importa a exclusão de interpretações inconstitucionais da

norma impugnada e a sua redução ao único significado conforme à Constituição. Exige-

se, primeiramente, que os ‘métodos tradicionais’ ou outros instrumentos de

concretização revelem ou explicitem os vários sentidos da disposição. [...] Somente

depois da identificação dos vários sentidos, para usar a metáfora francesa, é preciso

retirar o veneno da disposição de norma [...].”156

entendimentos, delimitando, encurtando, diminuindo o âmbito de aplicação do mesmo”. Cf. VELOSO, op. cit., p. 172. Em outra passagem o autor reafirma que “quando utiliza este mecanismo de controle de constitucionalidade, elegendo a alternativa interpretativa que é compatível com a Carta Magna, o órgão jurisdicional está afirmando que a norma impugnada é constitucional, com a interpretação que a concilia com a Lei Fundamental, e, por conseguinte, está declarando a inconstitucionalidade do dispositivo, segundo a interpretação que apresenta antagonismo à Constituição”, idem, p. 171.

155 (grifo do autor) BARROSO, op. cit., p. 190-191. 156 SAMPAIO, op. cit. 165-166.

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Flávia Viveiros157 também coloca que “na medida em que o juiz

constitucional dispõe desta técnica para tirar do texto legal a norma conforme a

Constituição é que se poderá falar de uma interpretação neutralizante positiva. Com

efeito, este mecanismo irá permitir a seleção da norma conforme à Constituição, o que,

em conseqüência, terá como efeito neutralizar, por inconstitucionais todas as outras

interpretações ou normas possíveis da mesma disposição legal.”

Wilson Pereira Junior158 sustenta que na interpretação conforme o

Tribunal imputa uma determinada interpretação à norma, que somente será válida

quanto interpretada naquele sentido, o que equivale a uma declaração de nulidade

parcial sem redução de texto, é dizer, a interpretação dada pela Corte Suprema exclui

todas as outras interpretações possíveis159.

Há autores que se referem inclusive a uma interpretação conforme com

redução de texto e sem redução de texto. Nagib Slaib160, por exemplo, menciona que a

interpretação conforme se faz através ou da declaração de constitucionalidade ou da

declaração de inconstitucionalidade da norma, sendo que nesta última hipótese “a

interpretação conforme pode se operar com declaração de inconstitucionalidade com ou

sem redução de texto.”

Alexandre de Moraes161 também dispõe que na interpretação conforme

o Tribunal poderá declarar a inconstitucionalidade parcial do texto impugnado ou

conceder ou excluir da norma impugnada um determinado sentido, a fim de

compatibilizá-la com o texto constitucional. O autor divide o instituto em três espécies:

a) interpretação conforme com redução de texto; b) interpretação conforme sem redução

de texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe

preserve a constitucionalidade; c) interpretação conforme sem redução do texto,

157 CASTRO, Flávia Almeida Viveiros de. Novas Técnicas de Interpretação Constitucional. In: REVISTA DE DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL , São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 34, p. 141, jan./mar. 2001. 158 PEREIRA, ob. cit. p. 384-385. 159 Karine Campos Espinheira também identifica a os efeitos da interpretação conforme com os da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Diz ela: “quando o Judiciário condiciona a validade da lei a uma determinada interpretação ou declara que certas aplicações são compatíveis com a Constituição, está declarando a inconstitucionalidade de outras possibilidades de interpretação, equiparando-se a uma modalidade de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto”, op. cit. p. 1-3. 160 SLAIBI FILHO,op. cit., p. 113-114. 161 MORAES, op. cit., p. 11-14.

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excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a

inconstitucionalidade.

E completa:

“Apesar da doutrina apontar as diferenças entre a interpretação

conforme à Constituição – que consiste em técnica interpretativa – e a declaração de

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto – que configura técnica de decisão

judicial – entendemos que ambas as hipóteses se completam, de forma que diversas

vezes para se atingir uma interpretação conforme a Constituição, o intérprete deverá

declarar a inconstitucionalidade de algumas interpretações possíveis do texto legal, sem

contudo alterá-lo gramaticalmente. [...] Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal

Federal, conforme verificado no item anterior, utiliza-se da declaração de

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto como instrumento decisório para

atingir uma interpretação conforme a Constituição, de maneira a salvar a

constitucionalidade da lei ou do ato normativo, sem contudo alterar seu texto.”162

Na verdade o entendimento da doutrina até aqui apontada parte da idéia

(neste aspecto, acertada) de que o Judiciário, para encontrar a interpretação conforme,

deve antes e necessariamente identificar as interpretações desconformes

(inconstitucionais) da norma. Daí porque a declaração de interpretação conforme

importaria, automaticamente, na declaração de inconstitucionalidade dos outros

sentidos do texto. Seguindo esse raciocínio, escreve Fernando Osório:

“A eleição da interpretação dada como razoável da lei, conforme a

Constituição, implica necessariamente a exclusão de todas as outras interpretações

possíveis. Essa interpretação passa, então, a vincular-se definitivamente à lei, como a se

lhe explicitar, esclarecer seu conteúdo de forma inequívoca. A partir daí, não se admite

aplicação da lei sob outra orientação senão aquela dada, pena de ilegalidade do ato sob o

qual busca este se arrimar.”163

“Pelo exposto, podemos conceituar: a interpretação conforme a

Constituição é um critério de solução de antinomias entre interpretações possíveis de

162 Idem, Ibidem, p. 14. 163 (grifo nosso) ALMEIDA JUNIOR, op. cit., p. 18.

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uma mesma lei, pelo qual deverá prevalecer aquela que lhe revela a conformidade com

a Constituição, excluindo-se, assim, todas as demais formas de interpretação.”164

Sem embargo desse respeitável posicionamento, cremos que ambas as

técnicas de decisão não se confundem.

Um primeiro argumento já serve de subsídio a fundamentar a

diferenciação entre os institutos. O parágrafo único, do art. 28, da Lei 9.868, de 10 de

novembro de 1999 prevê em seu texto as duas espécies de decisões interpretativas: a

interpretação conforme e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de

texto165. Assim, muito bem observa Fernando Appio166 que “considerando o fato de que

o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868 de novembro de 1999 é expresso ao tratar de

ambos os instrumentos de controle de constitucionalidade, não se revela lícita a

equiparação pura e simples, sendo defesa, em nome da boa técnica, a inferência de que

o legislador teria se utilizado de palavras inúteis no bojo do dispositivo.” De fato, não é

adequada a idéia de que o legislador tenha criado dois institutos distintos, porém com a

mesma finalidade, abrangência e efeitos.

Além desse argumento de ordem hermenêutica, a caracterização e os

efeitos de ambos os institutos deixam patente a diferença entre eles. A esse respeito são

absolutamente precisas e claras as palavras do professor André Ramos Tavares:167

“Poder-se-ia considerar, na interpretação conforme, embutida outra

modalidade, a declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto da

norma impugnada. É que na primeira modalidade, conforme foi visto, eliminam-se as

interpretações possíveis da norma objeto da ação que sejam incompatíveis com o

sentido constitucional, o que a aproximaria, enquanto técnica, da declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto. Em comum está, ainda, a chamativa

circunstância de manterem integralmente a redação do texto normativo objeto de

análise. Ademais, ambas produzem eficácia erga omnes e efeito vinculante como se

verificou.”

164 (grifo nosso) ALMEIDA JUNIOR, Idem, Ibidem. 165 “Que se trata de dois mecanismos diferentes não há qualquer dúvida, o que se pode perceber pela própria redação do parágrafo único da Lei 9.868/99”. Cf. STRECK, 2004, p. 613. 166 APPIO, op. cit., p. 74. 167 TAVARES, p. 142-143.

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“Sem embargo, há diferenças entre elas, e a mais importante está na

caracterização e nos efeitos da declaração que cada uma dessas modalidades engendra.

A interpretação conforme a Constituição, embora afaste as interpretações que se situam

fora da ‘moldura’ constitucional, não finda por declarar a inconstitucionalidade destas,

mas, apenas, por considerar inconstitucional aqueles sentidos alocados dentro do liame

constitucional. Em outras palavras, a resultante desta técnica é a declaração da

constitucionalidade do ato normativo.”

“Na declaração parcial de inconstitucionalidade com nulidade, sem

redução de texto, ocorre o contrário. As significações inconstitucionais decorrentes do

(e presentes no) enunciado normativo são terminantemente afastadas, por

inconstitucionalidade. Isto é, declara-se a inconstitucionalidade sem que, contudo, o

enunciado normativo sofra qualquer alteração formal exógena.”

Realmente, na interpretação conforme é encontrado um sentido à

norma que a torne compatível com a Carta, para assim impedir sua nulidade, enquanto

na declaração parcial de nulidade sem redução de texto, ao contrário, são identificadas

as hipóteses de aplicação incompatíveis com a Carta Maior, para assim declará-las

inconstitucionais, com preservação do texto legal168.

Virgílio Afonso da Silva169, nessa mesma trilha, aponta que “a

diferença primordial entre interpretação conforme a Constituição e declaração de

nulidade parcial sem redução de texto consiste no fato de que a primeira, ao pretender

dar um significado ao texto legal que seja compatível com a Constituição, se situa no

âmbito da interpretação da lei enquanto que a nulidade parcial sem redução de texto se

situa no âmbito da aplicação, pois pretende excluir alguns casos específicos da

aplicação da lei”. A partir dessa diferença básica, o autor detalha as outras distinções,

metodológicas, entre ambos os institutos: i) a interpretação conforme a Constituição tem

como objetivo evitar, em abstrato, a inconstitucionalidade de uma norma, enquanto a

nulidade parcial sem modificação de texto não se refere à definição do conteúdo da 168 Caio Augusto Silva Santos também afirma que embora sejam parecidas em virtude de se apresentarem como decisões constitucionais interpretativas, a interpretação conforme e a nulidade parcial sem redução de texto não são institutos idênticos. SANTOS, Caio Augusto Silva dos. Os efeitos das decisões no controle concentrado de constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 94, volume 831, 2005, p. 102. 169 SILVA, op. cit, p. 18-21.

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norma em abstrato, senão sua aplicação em concreto; ii) a interpretação conforme a

Constituição, na forma como é delineada pela doutrina, não tem como resultado excluir

casos ou destinatários da aplicação da norma, enquanto este é o resultado por excelência

da nulidade parcial sem modificação de texto. Virgílio ainda aponta uma outra

diferença entre os institutos, relacionada à fundamentação: iii) enquanto a interpretação

conforme a Constituição tem como fundamentos apontados pela doutrina, a presunção

de constitucionalidade das leis e a separação de poderes, tais fundamentos não podem

sustentar uma declaração de nulidade, ainda que parcial, da lei170.

O professor e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira

Mendes também ressalta a diferença entre os institutos. Diz ele:

“Os efeitos assemelhados na prática e a proximidade entre as duas

categorias não devem levar, necessariamente, à equiparação dos dois institutos.”171 E

mais adiante acrescenta: “Ainda que não se possa negar a semelhança dessas categorias

e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na

interpretação conforme à Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração de que

uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial,

constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por

inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do

programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.

“Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto

normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade

sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas

situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica expressa na

parte dispositiva da decisão (a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y

é inconstitucional se autorizativa da cobrança de tributo em determinado exercício

financeiro).”172

Realmente, enquanto a interpretação conforme constitui sempre uma

decisão de constitucionalidade da lei (ainda que apenas no sentido atribuído pelo

170 A única similitude entre os institutos vislumbrada por Virgílio é a de que, em ambos os casos, o texto da lei não sofre alterações. Cf. SILVA, op. cit. p. 19. 171 MENDES, op. cit., p. 265. 172 Idem, p. 324.

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Tribunal no caso sob exame), a declaração de nulidade sem redução de texto importa

numa decisão de inconstitucionalidade das hipóteses de incidência que se revelem

incompatíveis com a Constituição.

Juarez Freitas também acentua que: “Quadra referir, por apreço ao

rigor, que a prescrição em pauta não se confunde – apesar das semelhanças – com a

estratégia da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.”173

A propósito, o mesmo Supremo Tribunal Federal, revendo seu

posicionamento inicial de equiparação dos institutos, passou a divisar essas técnicas de

decisão. O Ministro Gilmar Mendes, citando os julgamentos das ADI n. 491, ADI n.

939 e ADI n. 1045, nos quais foi aplicada a técnica da declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto observa que “esses precedentes estão a

denotar que a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto parece

ter ganho autonomia no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Tudo

indica, pois, que gradual e positivamente, o Supremo Tribunal afastou-se da posição

inicialmente fixada, que equiparava simplesmente a interpretação conforme à

Constituição à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.”174

Inocêncio Mártires também coloca que há uma “[...] mudança de rumo

na jurisprudência do STF, que antes simplesmente equiparava a interpretação conforme

à Constituição à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto – o que por

certo fecharia as leituras da Lei Maior – mas aos poucos veio alargando a aplicação

desse cânone hermenêutico e, por essa forma, abrindo a interpretação constitucional.”175

Não olvidemos, porém, que a diferença entre as técnicas, embora

relevante (principalmente quanto aos efeitos da decisão), é sutil. Daí a observação de

André Ramos Tavares de que o próprio STF, dada a “debilidade da diferença”

173 FREITAS, Juarez. A Melhor Interpretação Constitucional “versus” a Única Resposta Correta. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 351. 174 MENDES, op. cit., p. 326. No julgamento da Rcl-AgR n. 2143/SP, o Pleno do STF também parece tem distinguido os dois institutos, como se vê pelo seguinte trecho da ementa do julgado: “[...] As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos ("erga omnes") e possuem efeito vinculante [...]” (grifo nosso) Cf. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Reclamação no Agravo Regimental n. 2143/SP. Relator: Ministro Celso de Mello, Pleno, j. 12.03.2003, DJ de 06.06.2003. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 jan. 2008. 175 (grifo do autor) COELHO, p. 28.

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confunde, por vezes, os institutos, como fez, por exemplo, na ADI 2.652: “Ação Direta

de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar

interpretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme a

Constituição e declarar que a ressalva contida na parte final deste artigo alcança todos

os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos

também a outros regimes jurídicos’ (Min. Rel. Maurício Correa, DJ 08.05.2003).”176

Virgílio Afonso da Silva177 também verifica que o conceito de

interpretação conforme e bem como seus fundamentos, expostos pela doutrina

brasileira, não foram assimilados pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que a Corte

mencione a interpretação conforme em um sem-número de julgados. Virgílio identifica

dois tipos de “atuação” do STF em relação à interpretação conforme:

i) Na maioria dos julgados o STF, equivocadamente, se refere a uma

“interpretação conforme a Constituição sem redução de texto” confundindo institutos

diferentes (a interpretação conforme, com a declaração de inconstitucionalidade sem

redução de texto);

ii) Em outro grupo de decisões, a interpretação conforme se caracteriza

como um recurso absolutamente supérfluo utilizado pela Corte. Na ADI 234, por

exemplo, o STF decidiu que a expressão “autorização legislativa” constante do artigo 69

da Constituição do Rio de Janeiro significava “autorização por meio de lei específica”

(no caso de alienação de ações de sociedade de economia mista), mencionando em

várias passagens do julgado que havia procedido a uma interpretação conforme, quando

176 (grifo nosso) TAVARES, p. 144. Outro exemplo que pode ser mencionado é o RE 401.436/GO, cuja ementa é a seguinte: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: REAJUSTE: 3,17%. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.225-45/2001. PARCELAMENTO DOS ATRASADOS: MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.225-45/2001, ART. 11. I. - O direito dos servidores ao índice residual de 3,17% foi reconhecido pela Administração: Medida Provisória 2.225-45/2001. II. - Parcelamento dos valores devidos até 31.12.2001, que passam a ser considerados passivos: Medida Provisória 2.225-45/2001, art. 11. Esse parcelamento, assim previsto, se for considerado de aceitação compulsória por parte do servidor público, é inconstitucional. É que dependeria ele do assentimento do servidor. No caso, inocorre a anuência do servidor. III. - Declaração da inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, do art. 11 da Medida Provisória nº 2.225-45/2001, mediante interpretação conforme, de modo a excluir do seu alcance as hipóteses em que o servidor se recuse, explícita ou tacitamente, a aceitar o parcelamento previsto. IV. - Recurso extraordinário conhecido e improvido”. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 401.436. Relator: Ministro Carlos Velloso , j. 31.03.04, DJ de 03.12.04. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 jan 2008.

177 Cf. SILVA, op. cit, p. 18-21.

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na verdade apenas delimitou o significado da mencionada expressão “autorização

legal”.

7.3 A “reserva de plenário” e a extensão do efeito vinculante da interpretação

conforme dada pelo STF (no controle concentrado).

Conforme dissemos há pouco, a distinção da interpretação conforme

com a declaração de inconstitucionalidade, é dizer, o reconhecimento de sua autonomia

enquanto técnica de controle tem reflexos na questão da chamada cláusula de reserva

de plenário e na extensão do efeito vinculante da decisão proferida pelo STF no

controle concentrado de constitucionalidade.

Enfrentaremos as duas questões, coerentes com nosso posicionamento

de que a aplicação da interpretação conforme enseja, exclusivamente, uma decisão de

constitucionalidade.

7.3.1 Inaplicabilidade da cláusula de reserva de plenário

Dispõe o artigo 97, da Constituição Federal, verbis: “Somente pelo voto

da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial

poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder

Público.”

Essa é a chamada cláusula da reserva de plenário imposta aos tribunais

(inclusive ao Supremo Tribunal Federal)178 e “[...] a razão de ser do preceito está na

necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela primeira vez, a pecha de

178 A regra não se aplica aos juízes monocráticos, que por óbvio podem e devem aplicar a interpretação conforme quando a técnica se mostrar cabível e necessária.

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inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo,”179 evitando assim

uma “[...] tensão entre Poderes inerente a uma pronúncia de

inconstitucionalidade do enunciado legislativo.”180

A necessidade ou não de obediência à cláusula full bench, nas decisões

de controle de constitucionalidade que aplicam a interpretação conforme passa pela

discussão, já suscitada, sobre os efeitos da decisão que utiliza essa técnica

conformadora, ou seja, se tais decisões consubstanciam, exclusivamente, uma

declaração de constitucionalidade, ou também ensejam decisão de

inconstitucionalidade. Isso porque o mencionado artigo 97, da Constituição somente

exige a maioria absoluta, para as hipóteses de declarações de inconstitucionalidade.

De nossa parte, como a interpretação conforme enseja apenas decisão

de constitucionalidade e não decisão explícita de constitucionalidade e implícita de

inconstitucionalidade, a cláusula de reserva não se aplica à hipótese de interpretação

conforme, o que equivale a dizer que os órgãos fracionários dos tribunais e as Turmas

do Supremo Tribunal Federal poderão aplicá-la sem recorrerem aos seus plenários.

Com esse raciocínio é que o Ministro Gilmar Mendes ressalta que as

decisões que envolvem interpretação conforme a Constituição não precisam ser

encaminhadas ao Pleno dos Tribunais ou ao seu órgão especial (CF, art. 97).181 Também

Marcelo Novelino coloca que na interpretação conforme há um juízo de

constitucionalidade, enquanto na declaração de nulidade sem redução de texto há um

juízo de inconstitucionalidade, sendo neste caso necessária a observância à cláusula da

reserva de plenário.182

A propósito, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal em recente

decisão: “[...] não é necessário instaurar o procedimento do art. 97 da Lei Maior, pois o

acórdão objurgado não exerceu o controle da compatibilidade vertical da lei em face da

179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 168.149. Relator: Ministro Marco Aurélio, j. 26.06.1995, DJ de 04.08.1995. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 15 jan. 2008. 180 COLNAGO, op. cit., p. 189. 181 MENDES, op. cit., p. 324. No mesmo sentido, MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1252. 182 NOVELINO, op. cit., p. 118.

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Constituição, mas deu, conforme seu juízo, uma interpretação consentânea com os

princípios constitucionais.”183

José Levi do Amaral Júnior, ao diferenciar a interpretação conforme da

declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, também se pronuncia nessa

linha: “como na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto há

efetivo juízo de desvalor da norma, surgindo a quaestio juris incidentalmente em um

órgão fracionário de Tribunal, o incidente deverá ser remetido ao respectivo Plenário ou

Órgão Especial (art. 97 da CRFB/88 - "full bench"). Por sua vez, a interpretação

conforme à Constituição, por ser técnica hermenêutica que visa à preservação do texto

inquinado, pode (e deve) ser procedida por todo e qualquer juízo, monocrático ou

colegiado, não necessitando, nesse último caso, de provocação do Plenário.”184

Cláudio Colnago, no mesmo sentido, coloca que a cláusula de reserva

de plenário não se aplica às decisões interpretativas – dentre elas a interpretação

conforme – pois como o texto legal, nessas decisões, é mantido íntegro no ordenamento

(havendo apenas inconstitucionalidade de interpretação), tais decisões não ensejam

nenhuma tensão entre Poderes a justificar a aplicação do artigo 97 da Constituição. Diz

o autor: “[...] a chamada regra do full bench do art. 97 da Constituição não poderá ser

aplicada nos casos em que a Corte proferir decisões interpretativas. Assim pensamos

porque a razão de ser do quorum qualificado supra é justamente evitar a tensão entre

Poderes inerente a uma pronúncia de inconstitucionalidade do enunciado legislativo.

Quando a Constituição reputa como necessário para a pronúncia de

inconstitucionalidade de uma lei a maioria absoluta dos membros de um Tribunal,

busca-se dificultar a conclusão pela inconstitucionalidade, justamente para evitar um

choque freqüente entre o Poder Judiciário e o Legislador. Citada tensão, todavia, é

bastante minimizada pela utilização das decisões interpretativas.”

“Assim, a regra da reserva de plenário, formulável com base no art. 97

da Constituição, somente poderá ser aplicada aos casos de pronúncia de

183 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento 574.356, rel. Ministro Joaquim Barbosa, j. 22.02.2006. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 12 de janeiro de 2007. 184 AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, abr. 1998. Disponível em: <www.ufrgs.br>. Acesso em: 26 dez. 2007. p. 01.

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constitucionalidade ou inconstitucionalidade ‘tradicional’, ou seja, quando o controle

atinja diretamente o enunciado legislativo atacado. Quando se tratar de decisões

interpretativas, que afetam diretamente a norma jurídica e conservam o texto legislativo,

não é cabível a exigência do quorum especial, já que a finalidade buscada pela norma

constitucional é evitar a tensão entre os Poderes, tensão esta que já é evitada pela

adoção das técnicas decisórias aqui estudadas.”185

Streck186 também coloca que a suscitação do incidente só tem sentido

nas hipóteses em que o texto é expungido do sistema. No caso da interpretação

conforme, o texto é mantido íntegro, de modo que se afigura desnecessário o incidente

da reserva de plenário.

Como se vê, parece haver um consenso doutrinário e jurisprudencial

sobre a inaplicabilidade da cláusula de reserva de plenário nas decisões que envolvam a

técnica da interpretação conforme, mesmo entre aqueles que vislumbram semelhança

entre a tal instituto e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.

A propósito, apesar da interpretação conforme e da cláusula full

bench187 serem perfeitamente aplicáveis tanto no controle concentrado, como no

controle difuso de constitucionalidade, o STF decidiu que nesta última forma – controle

difuso – a interpretação conforme não pode se equiparar a uma declaração de 185 COLNAGO, op. cit., p. 197. Nesse mesmo sentido também já se pronunciou o Pleno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “[...] o Plenário deste Tribunal tem inúmeros precedentes no sentido de que não se deve declarar a inconstitucionalidade da lei quando ela puder ser considerada constitucional em determinados casos concretos e inconstitucional em outros. Como já asseverou o ilustrado Juiz Amir Sarti (ED na MAS nº 97.04.33734-5/SC) ‘o art. 97 da CF só incide quando se tratar de declarar (rectius, decretar), a inconstitucionalidade total ou parcial da lei ou ato normativo com redução de texto, não, porém, quando – como na espécie – o caso é de mera interpretação conforme a Constituição, ou seja, pronúncia de inconstitucionalidade sem redução de texto”. Cf. BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). Agravo de Instrumento nº 40.664. Relatora: Juíza Tânia Terezinha Cardoso Escobar, 26 de abril de 2000. Disponível em: <www.trf4.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2008. 186 STRECK, 2004, p. 670-671. 187

“[...] A estrita observância, pelos Tribunais em geral, do postulado da reserva de plenário, inscrito no art. 97 da Constituição, atua como pressuposto de validade e de eficácia jurídicas da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade dos atos do Poder Público. Doutrina. Jurisprudência. - A inconstitucionalidade de leis ou de outros atos estatais somente pode ser declarada, quer em sede de fiscalização abstrata (método concentrado), quer em sede de controle incidental (método difuso), pelo voto da maioria absoluta dos membros integrantes do Tribunal, reunidos em sessão plenária ou, onde houver, no respectivo órgão especial. Precedentes. - Nenhum órgão fracionário de qualquer Tribunal, em conseqüência, dispõe de competência, no sistema jurídico brasileiro, para declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos emanados do Poder Público [...]. Precedentes (STF).” (grifo nosso) BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). AI-AgR n. 472897/PR. Relator: Ministro Celso de Mello, Brasília, 18 de setembro de 2007.

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inconstitucionalidade sem redução de texto, não havendo que se falar, assim, na

observância da regra do artigo 97, da Constituição. No julgamento do RE 184.093/RS, o

relator Moreira Alves fez essa ressalva:

“Caderneta de poupança. Direito adquirido. Interpretação do artigo 17

da Medida Provisória nº 32/89 convertida na Lei 7.730/89. Redução do percentual da

inflação aplicável ao caso. - Inexistência de ofensa ao artigo 97 da Constituição Federal.

Com efeito, o acórdão recorrido não declarou a inconstitucionalidade do artigo 17, I, da

Medida Provisória nº 32/89, convertida na Lei 7.730/89, mas, apenas, em respeito ao

direito adquirido, o interpretou no sentido de que não se aplicava ele às cadernetas de

poupança em que, antes da edição dela, já se iniciara o período de aquisição da correção

monetária. Note-se que no controle difuso interpretação que restringe a aplicação de

uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a

declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o artigo 97 da

Constituição, e isso porque, nesse sistema de controle, ao contrário do que ocorre no

controle concentrado, não é utilizável a técnica da declaração de inconstitucionalidade

sem redução do texto, por se lhe dar uma interpretação conforme à Constituição, o que

implica dizer que inconstitucional é a interpretação da norma de modo que a coloque

em choque com a Carta Magna, e não a inconstitucionalidade dela mesma que admite

interpretação que a compatibiliza com esta. - Falta de prequestionamento (súmulas 282

e 356) da questão constitucional relativa ao direito adquirido no que diz respeito à

redução do percentual da inflação aplicável ao caso. Recursos extraordinários não

conhecidos.”188

E recentemente, a 2ª Turma da Corte, invocando o precedente acima,

corroborou tal entendimento:

“EMENTA: Controle incidente de inconstitucionalidade: reserva de

plenário (CF, art. 97). ‘Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns

casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de

inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art. 97 da Constituição.’ [...].”189

188 (grifo nosso) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 184.093. Relator: Ministro Moreira Alves, Brasília, 29 de abril de 1997. DJ de 05.09.97. 189 Cf. Idem.. Ver também: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 460.971/RS. Relator: Sepúlveda Pertence, Brasília, 13 de fevereiro de 2007.

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Fernando Appio, sustentando-se em outro argumento (na questão do

efeito vinculante), também ressalta a inaplicabilidade da cláusula do art. 97 da CF/88 no

sistema difuso de constitucionalidade. Diz ele:

“Ressalte-se que, segundo a jurisprudência, nesta forma de controle

difuso da constitucionalidade das leis, o exame da (in)constitucionalidade pela

Turma/Câmara não implicaria a aplicação do art. 97, caput, da Constituição Federal, na

medida em que, na interpretação e na declaração parcial de nulidade, apenas a

interpretação seria declarada inconstitucional. [...] Parcela da doutrina, contudo,

assevera pela remessa da questão constitucional ao Pleno do Tribunal, sob a

consideração de que, declarada a inconstitucionalidade qualitativa (sem redução de

texto), impor-se-ia a aplicação do disposto no art. 97, “caput” , da Constituição

Federal.”

“Todavia, há que se recordar que os efeitos da interpretação conforme –

e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto – são diferenciados nos

Tribunais, daqueles em relação ao sistema de controle concentrado no Supremo

Tribunal Federal.”

“Enquanto neste o principal efeito decorrente da utilização das técnicas

consiste em impor efeito vinculante (art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99) aos

órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, no controle difuso, diversamente,

os efeitos se projetam inter partes, tão somente. [...].”

“Não havendo efeito ‘erga omnes’, não existe necessidade de o Pleno

do Tribunal ser chamado a se manifestar, com exceção das hipóteses em que dada a

diversidade de posicionamentos entre as Turmas/Câmaras do Tribunal se repute

fundamental a manifestação prévia do Pleno.”190

É de se ressaltar, entretanto, o posicionamento divergente de Sérgio

Augusto Zampol Pavani191 que apenas admite a utilização da interpretação conforme no

controle difuso de constitucionalidade, se observada a regra do artigo 97 da

Constituição. O autor fundamenta seu posicionamento, em síntese, com o seguinte

190 APPIO, op. cit., p. 103-105. 191 PAVANI, Sérgio Augusto Zampol. A Interpretação Conforme a Constituição e o Controle Difuso de Constitucionalidade. Temas de Direito Público – estudos em Homenagem ao Ministro José Augusto Delgado. Curitiba: Juruá, 2005, pp. 592-598.

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raciocínio: no controle difuso, a questão da inconstitucionalidade da norma é questão

prejudicial de mérito, que provoca, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, uma

“cisão da competência funcional” do Tribunal, cabendo ao Pleno (ou ao órgão especial)

julgar a questão da constitucionalidade e ao órgão fracionário julgar depois, a luz dessa

decisão, a matéria restante. É bem verdade, que o art. 97 menciona que a declaração de

inconstitucionalidade deve ser submetida ao Pleno e na interpretação conforme haverá

uma declaração de constitucionalidade da norma. Ocorre que na interpretação conforme

há uma atividade jurisdicional que busca o limiar da constitucionalidade, em que tanto a

constitucionalidade quanto a inconstitucionalidade encontram-se próximas, possíveis e

viáveis. Assim, mesmo que a interpretação conforme engendra uma declaração de

constitucionalidade, ela não pode deixar de ser submetida ao Pleno, pois é questão

prejudicial de mérito a respeito do juízo de constitucionalidade de matéria envolta em

atmosfera de dúvidas a respeito de sua constitucionalidade. Assim, sobre o prisma

lógico, a construção do juízo de constitucionalidade acaba passando por outro ou outros

de inconstitucionalidade, pois, para alcançar a hipótese que se amolda à Constituição –

interpretação conforme – outras serão afastadas. E então conclui o autor que a técnica

da interpretação conforme se aplica no controle difuso, com restrições, é dizer, desde

que a matéria seja submetida ao Peno ou órgão especial do Tribunal, cuja decisão

vinculará o órgão fracionário no julgamento do recurso ou causa em questão.

Cremos que essa divergência levantada pelo autor acima mencionado

não afasta o acertado entendimento da maioria de que a aplicação do art. 97 é

desnecessária nas questões que envolvam a interpretação conforme. É que o incidente

de inconstitucionalidade tem de ser suscitado por um dos juízes votantes ou requerido

pela parte. Se a maioria dos juízes aprovar a argüição, instaura-se então o procedimento

da reserva de plenário, na qual a norma poderá ser declarada constitucional (pelo Pleno

ou pelo órgão especial) por meio da interpretação conforme. Se o incidente não for

suscitado ou requerido, ou for negado pela maioria dos juízes, segue-se o julgamento

sem a aplicação do art. 97 da CF, o que não impede que na decisão final da causa ou do

recurso, seja dada uma interpretação conforme a norma (ou normas) em questão, como

fundamento para o julgamento do mérito.

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7.3.2 O efeito vinculante da interpretação conforme dada pelo Supremo Tribunal

Federal192

O mencionado artigo 28, parágrafo único, da Lei 9.868, de 1999

estabelece que a interpretação conforme aplicada pelo STF (e também a declaração

parcial de nulidade sem redução de texto) tem eficácia erga omnes e efeito vinculante

em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal,

estadual e municipal. A lei, como se vê, é expressa e inequívoca quanto ao efeito

vinculante. O mesmo não se pode dizer, todavia, quanto à extensão desse efeito

vinculante.

E esse problema também se coloca, repita-se, em função da

divergência, já apontada, sobre a similitude ou não da interpretação conforme com a

declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Em outras palavras, se os efeitos da decisão de interpretação conforme

forem equiparados aos de uma decisão de declaração de inconstitucionalidade sem

redução de texto, isso importa em entender que somente aquela interpretação dada pelo

Judiciário à norma, para compatibilizá-la à Constituição, é válida e, automaticamente,

todas as demais interpretações por acaso possíveis são inconstitucionais. Nessa ótica,

não se pode declarar inconstitucional a interpretação conforme dada pelo STF, mas

também não se pode atribuir outras interpretações ao dispositivo, porque implicitamente

declaradas inconstitucionais pela Corte, ao fixar o único sentido constitucionalmente

adequado.

Por outro lado, reconhecida a autonomia da interpretação conforme e

sua distinção com a nulidade parcial sem redução de texto (o que nos parece o

entendimento correto), pode-se concluir que o efeito vinculante da decisão judicial

refere-se apenas àquele sentido constitucional dado à norma pelo Supremo, que não

192 Conforme já ressaltamos, o efeito vinculante somente existe na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado de constitucionalidade. No controle difuso (ainda que no STF) e no controle concentrado de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face de Constituição Estadual não há tal efeito.

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poderá ser declarado inconstitucional pelos demais órgãos de Poder Judiciário e da

Administração.

O professor Celso Bastos, por exemplo, embora reconheça a diferença e

autonomia entre a interpretação conforme e a nulidade parcial sem redução de texto193,

parece equiparar seus efeitos, pois ao se referir à primeira técnica, coloca que “a Corte

Constitucional, quando declara a norma constitucional, em função de determinada

interpretação que a socorre, evitando o mal maior de sua anulação, acaba afastando as

demais interpretações possíveis, que passam a ser declaradas como inconstitucionais.

Assim, é como se declarasse inconstitucionais os demais sentidos admissíveis pela

norma, mas que destoam da Constituição.”194 E em outra passagem acrescenta195 que

quando a técnica da interpretação conforme foi implementada pelo STF “ficava

franqueada a possibilidade dos demais juízes e Tribunais continuarem aplicando a

norma infraconstitucional, já que não foi declarada inconstitucional, mas com alguns

dos sentidos apontados como inconstitucionais nos considerandos da decisão da Corte,”

sendo que o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868, de 1999 “deu fim a esta discussão”196

ao conferir efeito vinculante à interpretação conforme dada pelo STF.

Cremos, ao contrário, que o efeito vinculante da interpretação

conforme conferida pela Suprema Corte não pode ter a força de excluir outras

possibilidades de interpretação da norma pelos demais órgãos de Poder. Quando a Corte

Suprema confere determinada interpretação a um dispositivo para compatibilizá-lo com

a Constituição não está também declarando inconstitucionais outras interpretações. Em

outras palavras, não se pode identificar os efeitos da decisão de interpretação conforme

a Constituição aos da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Mais uma vez merece ser exposto o raciocínio do Ministro Gilmar

Mendes, agora acerca desta questão dos efeitos:

“A constatação de que uma lei determinada é compatível com a Lei

Fundamental não significa que apenas naquela interpretação deva ela ser considerada

constitucional, uma vez que a Corte Constitucional não pode proferir decisão sobre

193 BASTOS, op. cit., p. 284. 194 (grifo nosso) Idem, Ibidem, p. 277. 195 Idem, Ibidem, p. 278. 196 Idem, Ibidem.

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todas as possíveis interpretações197. A norma declarada constitucional continua, também

depois da decisão do Tribunal, carecendo de interpretação em outras aplicações, e os

Tribunais ordinários, que também são competentes para aplicação do direito, podem

desenvolver outras interpretações em conformidade com a Constituição.” [...] “A

declaração de compatibilidade não corresponde nem a uma censura de outras

interpretações nem à fixação de uma única interpretação como válida.”198

Sustenta, assim, Gilmar Mendes199, que o efeito vinculante da

interpretação conforme a Constituição significa apenas que aquela interpretação da

norma conferida pelo Supremo não pode ser considerada inconstitucional por nenhuma

outra instância.200

Perfeita, a nosso ver, essa exegese acerca da força vinculante da

interpretação conforme.

A propósito, é assim que ocorre na Alemanha. Embora muitos digam

que a decisão de interpretação conforme dada pelo Tribunal Federal Alemão tem efeito

vinculante, a questão não é tão simples assim, como explica o mestre português Rui

Medeiros. Explica Rui que no Direito tedesco, se o tribunal ordinário não encontrar uma

197 “A interpretação conforme à Constituição não é, por isso, também necessariamente unívoca, pois podem caber várias interpretações conforme à Constituição num mesmo preceito. E essas interpretações podem até mesmo ser contraditórias entre si, fruto da diversidade de orientações que são acolhidas numa Constituição, as quais promovem um sistema pluralista e contribuem para a diversidade de interpretações.” Cf. FIRMINO, op. cit., p. 09. 198 MENDES, op. cit., p. 265. “A pretensão da única resposta correta pode inviabilizar a melhor interpretação. Quem defender postura contrária poderá estar reproduzindo, sem o pretender, os ecos da obsoleta Escola da Exegese.” Cf. FREITAS, op. cit., p. 317-318. 199 MENDES, op. cit., p. 266. 200 Gilmar Mendes vai além e, com apoio em Bryde, acrescenta que “eventual referência aos fundamentos da decisão na parte dispositiva serve como advertência (Warnfunktion) com vistas a evitar uma possível aplicação inconstitucional da lei”, Idem, Ibidem. A mera “referência” de uma ou mais interpretações inconstitucionais na parte dispositiva da decisão realmente não parece causar maiores problemas, pois o efeito da decisão se manterá restrito à interpretação conforme dada pela Corte. O problema é se a Corte, ao lado da interpretação conforme, incluir na parte dispositiva as interpretações inconstitucionais como questões também decididas. Embora não haja precedentes jurisprudenciais nesse sentido, se a hipótese ocorrer será mais uma questão controvertida a ser enfrentada pela doutrina. A primeira discussão a ser colocada será sobre a própria possibilidade de ocorrer essa inclusão das “interpretações inconstitucionais” na parte dispositiva de uma decisão que emprega a técnica da interpretação conforme justamente para não declarar a inconstitucionalidade da lei. Essa inclusão, a nosso ver, não alteraria a declaração de constitucionalidade da norma, pois dentre as interpretações inconstitucionais, estaria na parte dispositiva a interpretação conforme, empregada para “salvar” a norma, ou seja, para considerá-la constitucional. O problema seria quanto ao efeito (vinculante ou não) das interpretações inconstitucionais acrescentadas na parte dispositiva do acórdão, como decisão da Corte.

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outra interpretação conforme a Constituição, diversa daquela dada pelo Tribunal

Federal, não poderá então questionar a constitucionalidade da interpretação empregada

pela Corte Federal. Mas isso não impede o Tribunal a quo de adotar a sua própria

interpretação conforme. Segundo Rui, embora os tribunais não possam desconsiderar a

interpretação conforme dada pelo Tribunal Constitucional Federal, isso não os impede

de realizarem sua própria interpretação em conformidade com a Constituição sobre a

mesma norma, uma vez que o Tribunal Federal não está autorizado a determinar que sua

interpretação seja a única correta. Assim, conclui Rui, é muito simplista a idéia de que

na Alemanha o Tribunal Federal podem impor aos Tribunais ordinário sua própria

interpretação da lei.201

No mesmo sentido, Uadi Lamêgo Bulos, mencionando o entendimento

de Gilmar Mendes, acima referido, coloca que “a verificação de constitucionalidade da

norma não obsta a fixação de outros sentidos para esta mesma norma, isto é, o Tribunal

não pode determinar todas as combinações possíveis de delimitação dos sentidos que as

normas encerram”202. E mais adiante reitera que “a declaração de constitucionalidade

não impede novas interpretações, mesmo porque, como temos defendido ao longo desta

exposição, a interpretação constitucional afigura-se como um ato volitivo associado a

um ato cognoscitivo. Por isso, não é possível apontar qual o ‘método por excelência’,

nem tampouco o sentido único e acabado para a determinação do significado dos

preceptivos constitucionais. Logo, inexiste critério absoluto para a exegese da

Constituição. Faculta-se ao intérprete estipular as interpretações possíveis, de acordo

com a sua vontade e o seu conhecimento. [...] É injustificável qualquer censura ou

cerceamento em relação ao mister interpretativo, seja qual for o argumento,

precisamente porque é impossível determinar uma única interpretação como válida.”203

No mesmo diapasão, Marcelo Novelino pontifica que “ao fixar dada

interpretação como constitucional, o Tribunal, não declara – e nem poderia – a

inconstitucionalidade de todas as outras possíveis interpretações, podendo surgir novas

201 Cf. MEDEIROS, 1999, p. 377-378. 202 BULOS, Uadi Lâmego. Teoria da Interpretação Constitucional. In: Revista de Direito Administrativo, vol. 205, jul./set. 1996. Rio de Janeiro: Edições Renovar, 1996, p. 58. 203 Idem, ibidem.

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hipóteses compatíveis com o texto da Lei Maior.”204

A interpretação conforme dada pelo STF é colocada de forma resumida

na parte dispositiva da decisão, sendo este o ponto que vincula os demais órgãos, que

não poderão reconhecer a inconstitucionalidade daquela leitura do dispositivo feita pelo

Tribunal. O Tribunal proclama que a norma é constitucional desde que interpretada

naquele sentido por ele indicado e esse sentido não pode ser declarado inconstitucional

por nenhuma outra instância. Isso não significa, porém, que outras interpretações não

possam ser extraídas da norma, diante de circunstâncias diversas que envolvam outras

hipóteses fáticas.205

As interpretações inconstitucionais vislumbradas pelos Ministros e

levantadas no julgamento como obter ditcta ou mesmo como fundamentos

determinantes para se chegar ao sentido conforme do dispositivo impugnado, não

entram na parte dispositiva da decisão e assim não apresentam força vinculante. Repita-

se, não importa diferenciar se essas interpretações inconstitucionais são mencionadas

apenas obiter dicta, ou como fundamentos para a aplicação da interpretação

conformadora, uma vez que o Supremo já afastou a tese da vinculação dos motivos

determinantes das decisões em sede de controle de constitucionalidade, embora a

questão não esteja absolutamente pacificada na Corte.206

204 NOVELINO, op. cit., p. 116. 205 Cabe perfeitamente aqui o raciocínio de João Zenha Martins ao se referir á interpretação conforme: “não se encerra uma contradição, ao entender-se que a lei alberga em abstracto vários sentidos (e soluções) possíveis, mas que, objectivamente, à face do problema decidendo, apenas existe uma adequada.” Cf. MARTINS, op. cit., p. 903-904. Realmente, na análise de um determinado “problema decidendo” o tribunal vislumbra e salva a norma da eiva da inconstitucionalidade, desde que ela seja interpretada naquele único sentido adaptado ao caso. Isso não impede, todavia, que novos casos permitam outras interpretações conformadoras da mesma norma. 206 “EMENTA: I. Reclamação. Ausência de pertinência temática entre o caso e o objeto da decisão paradigma. Seguimento negado. II. Agravo regimental. Desprovimento. Em recente julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese da eficácia vinculante dos motivos determinantes das decisões de ações de controle abstrato de constitucionalidade (RCL 2475-AgRg, j. 2.8.07).” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação n. 2990. Relator: Sepúlveda Pertence, Brasília, 14 de setembro de 2007. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2008. Na mencionada Reclamação n. 2475, o Ministro relator, Carlos Velloso, em certo ponto de seu voto coloca que “o efeito vinclante, evidentemente, é para o que foi decidido pela Corte. E o que foi decidido está no dispositivo do voto do relator, fielmente resumido na ementa do acórdão”. Em seu voto o Min. Carlos Velloso ainda menciona passagem do voto do Ministro Moreira Alves proferido na Questão de Ordem da ADC n. 1/DF na qual ele, dissertando sobre o efeito vinculante da decisão proferida em Ação Declaratória de Constitucionalidade, deixou expresso que tal efeito vinculante se restringe ao dispositivo da decisão, não abrangendo, como sucede na Alemanha, seus fundamentos determinantes. Por sua vez, o Ministro

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De fato, a Suprema Corte, em uma ação de controle de

constitucionalidade não tem como identificar e prever todas as possibilidades de

interpretação da norma e assim declará-las inconstitucionais. A interpretação conforme

dada pelo STF não significa, implicitamente, a declaração de inconstitucionalidade de

qualquer outra possibilidade de interpretação. Assim, não pode ter a força de automática

e veladamente inibir todos os outros sentidos possíveis que o texto eventualmente venha

comportar, diante de outras realidades surgidas (considerando que os problemas,

diferentes uns dos outros, compõem o processo interpretativo). Assim como o

legislador, ao elaborar a lei, não tem condições de prever todas as suas possibilidades de

aplicação (daí a existência de lacunas na lei), também não tem a Suprema Corte

(composta de um número bem menor de pessoas do que o Parlamento) condições de

prever todas as possíveis interpretações que a norma possa receber e todas as realidades

nas quais ela possa ser aplicada. O efeito vinculante da interpretação conforme a

Constituição proferida pela Suprema Corte não pode ter essa extensão paralisante dos

debates em torno da lei.207

Em outros termos, o efeito vinculante previsto no parágrafo único, do

art. 28, da Lei 9868, de 1999 não pode transformar a interpretação conforme dada à lei

pela Suprema Corte como a única legalmente correta.

Há muito já foi superado o fetiche da única interpretação correta,

aquela capaz de alcançar a verdade da norma, propugnada pelos cognoscitivos208. O

desenvolvimento sobre a função do intérprete e a derrubada de dogmas positivistas

pelas correntes oposicionistas permitiram concluir que a interpretação não é algo dotado

de uma objetividade plena, ou isenta de qualquer subjetivismo. É, ao contrário, um ato

Sepúlveda Pertence (nessa reclamação 2475) em seu voto deixou claro que ele não estende os efeitos vinculantes das decisões nas ações de controle abstrato de normas à sua fundamentação. 207 “Ao atribuir um determinado sentido a um texto jurídico, é preciso ter claro que está estabelecendo, vale frisar novamente, apenas um dos sentidos constitucionais possíveis. Depreender o contrário significaria cristalizar a imposição ao sistema de única interpretação, tida como correta. Ao agregar um sentido, não poderá o juízo impedir que os demais órgãos encontrem outras maneiras para a aplicação daquele texto, como se toda a inconstitucionalidade fosse oriunda de interpretação diferente daquela tida por conforme à Constituição”. Cf. REIS, 2003, p. 01. 208 O próprio Kelsen mencionava a possibilidade de diversas interpretações, dentro da “moldura da norma”. Dizia ele: “na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação”, KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 394.

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volitivo (conforme já colocamos), cuja pré-compreensão do interprete entra

necessariamente em jogo, do que decorre a existência de diferentes visões do ato

normativo, todas factíveis, desde que dentro dos limites aceitáveis.

Há diversos fatores que são considerados pelo intérprete no momento

da concretização da norma, o que pode levar a diferentes compreensões sobre ela. Nesse

passo, o professor Celso Bastos, ao falar das “implicações dos efeitos concretos da

decisão nas considerações interpretativas” assim se manifesta: “não se pode duvidar

que, muitas vezes, amiúde na interpretação que o Tribunal Constitucional realiza, os

efeitos que a decisão pode gerar são considerados pelos julgadores. A repercussão na

estabilidade da economia do país, no relacionamento internacional, na opinião pública,

na imprensa, ou em qualquer outro elemento estranho ao processo, acaba por

representar um argumento de certo peso no processo interpretativo.”209 E completa

dizendo: “essas forças a que se refere se encaixam, por assim dizer, naquilo que Hesse

denomina de ‘precomprensión del intérprete’, ou seja, ‘el interprete no puede captar el

contenido de la norma desde um punto cuasi arquimédico situado fuera de la existencia

histórica sino unicamente desde la concreta situación histórica em la que se encuentra,

cuya plasmación há conformado sus hábitos mentales, condicionando sus

conocimientos y sus pré-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a

partir de una pré-comprensión que es la que va a permitirle contemplar la norma desde

ciertas expectativas, hacerse una ideia del conjunto y perfilar um primer proyecto

necesitado aún de comprobación, corección y revisión a través de la progresiva

aproximación a la ‘cosa’ por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad

de sentido queda claramente fijada.” 210

Na mesma linha, o Ministro Eros Roberto Grau coloca que: “A

evolução da reflexão hermenêutica permitiu a superação da concepção da interpretação

como técnica de subsunção do fato no álveo da previsão legal e instalou a verificação de

que ela se desenvolve a partir de pressuposições. [...]. Quando afirmo ser uma prudência

o direito estou a dizer, também, que o saber prático que interpreta é saber prático do

209 BASTOS, op. cit., p. 255-256. 210 Idem, Ibidem, p. 256.

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sujeito, isto é, do intérprete – quer dizer – daquele intérprete.”211 E assim completa:

“Nego peremptoriamente a existência de uma única resposta correta (verdadeira,

portanto) para o caso jurídico – ainda que o intérprete esteja, através dos princípios,

vinculado pelo sistema jurídico. Nem mesmo o juiz Hércules [Dworkin] estará em

condições de encontrar para cada caso uma resposta verdadeira, pois aquela que seria a

única resposta correta simplesmente não existe. O fato é que, sendo a interpretação

convencional, não possui realidade objetiva com a qual possa ser confrontado o seu

resultado (o interpretante), inexistindo, portanto, uma interpretação objetivamente

verdadeira [Zagrebelsky].”212

Ademais, as possibilidades concretas de aplicação da norma são

incontáveis. Dito de outra forma, hoje não se compreende mais interpretação sem se ter

em vista um problema concreto. Os fatos entram, portanto, no processo interpretativo e

como são variáveis, determinam, conseqüentemente, o surgimento de diferentes

interpretações da norma. “A interpretação é fruto dessa atividade de cotejo da norma

com o fato hipotético, e com o próprio valor, aqui substituído pelo princípio. Isso

porque não se consegue interpretar em abstrato. É necessário olhar a norma e imaginar

situações sobre as quais se passe a emitir opiniões. É isto que permite a variedade muito

grande de interpretações. É porque muitas vezes o que está variando não é o aspecto

normativo, mas o aspecto fático.”213

Na mesma esteira é o pensamento de Lenio Streck214 que, a propósito,

faz uma exaustiva e sólida crítica ao efeito vinculante das decisões proferidas em sede

de controle abstrato de constitucionalidade, efeito que no seu dizer “petrifica o processo

hermenêutico.” Especificamente quanto à interpretação conforme, diz Streck: “Assim,

quando um órgão judicial atribui um determinado sentido a um texto jurídico, é preciso

ter claro que está estabelecendo um dos sentidos possíveis, muito embora a dificuldade

hermenêutica que isso representa,” pois, “casos jurídicos diferentes proporcionarão

211 GRAU, 2002, p. 31. 212 GRAU, op. cit., p. 30. 213 BASTOS, op. cit., p. 248. 214 STRECK, p. 616-659.

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outros (novos) sentidos de um mesmo texto, que, repita-se, não existe ‘solto’,

categorialmente, no mundo jurídico.”215

E mais adiante acrescenta: “Quando o Tribunal aplica a interpretação

conforme a Constituição está optando por não decretar inconstitucional um determinado

dispositivo inconstitucional. Se o fizesse, este texto seria retirado do sistema, o que

acarretaria, por óbvio, força obrigatória vinculativa para todos os demais órgãos e

tribunais. Raciocínio inverso não pode ser feito, uma vez que não pode o Tribunal ao

mesmo tempo dizer – numa dada causa – que um determinado sentido de um texto

normativo é compatível com a Constituição e outro não o é, fechando, com isso, as

diversas possibilidades de sentido que o texto pode assumir no confronto com a

realidade social.”216 “Por isso, somente pode ser vinculante a decisão na qual o Tribunal

atua como legislador negativo, expungindo (no plano da validade) o texto do sistema.

Na contramão, quando, de um modo ou de outro, o tribunal estabelecer um sentido

conformador com a Constituição, necessariamente está agregando sentido [...]. E essa

adição de sentido ao texto original é um dos sentidos possíveis a adicionar, não

podendo, destarte, de forma vinculativa, impedir-se que os demais tribunais encontrem

outras maneiras para a aplicação daquele texto. As circunstâncias histórico-factuais-

temporais sempre demandarão novas incidências, novas ‘sínteses ontológico-

existenciais’.”217

José Amando Junior, que faz contundentes críticas ao efeito vinculante

da interpretação conforme, muito bem ressalta que tais decisões, proferidas no controle

abstrato pelo Supremo, não exaurem os problemas jurídicos que envolvem a norma.

Assim, afirma o autor, não pode uma interpretação conforme que se pretende atemporal

ter esse efeito vinculante, sob pena da decisão da Corte passar as vestes de uma

verdadeira norma jurídica geral e abstrata218. E em outra passagem acrescenta:

215 (grifo do autor) Idem, Ibidem, p. 616-617. 216 STRECK, p. 624. 217 Idem, Ibidem, p. 627. Streck ainda muito bem observa que é irrelevante o fato da interpretação conforme ser aplicada em Ação Direta de Inconstitucionalidade ou em Ação Declaratória de Constitucionalidade já que em ambos os casos estará sendo aplicada uma decisão de rejeição, ou seja, uma “decisão de não-pronúncia de inconstitucionalidade”, na Terminologia do Tribunal Constitucional de Portugal, de tal sorte que o texto permanecerá intacto no ordenamento, apto a receber, portanto, diferentes interpretações em circunstâncias outras. Cf. Streck, 2004, p. 628. 218 AMANDO JUNIOR, 2002, p. 38-49.

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“vincular a interpretação de uma norma infraconstitucional, a partir de um conflito

abstrato, utilizando da metodologia da interpretação conforme, pode gerar teratologias

inimagináveis”219.

Francisco Revório220 também coloca que “no que tange às sentenças

interpretativas que pronunciam a constitucionalidade, creio que elas não impedem a

rediscussão da questão constitucional em outros processos, embora me pareça que não

se possa propor a questão interpretando a lei no sentido de que o Tribunal

Constitucional considerou inconstitucional, mas somente baseando-se na ou nas

interpretações que em dado momento se entenderam como compatíveis com a

Constituição, mas acerca das quais uma mudança de circunstâncias pode aconselhar um

novo pronunciamento; ou em relação a novas interpretações não consideradas quando

do julgamento. Deve-se ter em conta que nesses casos se utilizarão argumentos

diferentes dos considerados inicialmente pelo Tribunal constitucional, já que a mudança

de circunstâncias implicará numa interpretação diferente da Constituição.”

No controle difuso de constitucionalidade, a interpretação conforme a

Constituição dada pelo juiz ou Tribunal para decidir a lide vinculará as partes do

processo. Em outras palavras, uma vez transitada em julgada a decisão, a interpretação

conforme dada pelo juiz ou Tribunal para decidir a lide será a única válida na demanda.

Mas no âmbito do controle abstrato, a vinculação no que se refere a todas as outras

possibilidades de interpretação constitucionais da norma (v.g. em outros processos) é

insustentável, até porque inviabiliza uma das principiais funções da interpretação

constitucional, que é a de permitir a mutação informal da norma na conformidade da

transformação social ou da alteração da realidade fática posta.221

219 Idem, p. 43. 220 REVORIO, Franscisco Javier Díaz. Las sentencias interpretativas del tribunal constitucional: significado, tipología, efectos y legitimidad. Valladolid: Editoral Lex Nova, 2001. p. 118. 221 Nesse sentido é o pensamento de Lenio Streck: “Miranda é contundente ao chamar a atenção para a significativa diferença de planos consoante se trate de fiscalização concreta e de fiscalização abstrata de constitucionalidade. O grau de aceitabilidade do método não pode ser o mesmo numa e outra. Na fiscalização concreta, a decisão que venha a ser tomada somente produz efeito na questão levada a julgamento. E, naturalmente, se o Tribunal Constitucional fizer interpretação conforme a Constituição, ela impor-se-á ao Tribunal a quo. Pelo contrário, na fiscalização abstrata, uma decisão do Tribunal Constitucional no sentido de não-constitucionalidade não tem – nem pode ter – qualquer eficácia jurídica vinculante; só a tem a pronúncia pela inconstitucionalidade ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.” (grifo do autor) Cf. STRECK, p. 623.

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Nesse sentido, Jorge Miranda adverte para as diferenças sobre os

efeitos da interpretação conforme, na fiscalização abstrata e na fiscalização concreta de

constitucionalidade. Coloca o mestre português que no controle incidental, dado o efeito

inter partes da decisão, a interpretação conforme realizada pelo Tribunal Constitucional

impor-se-á ao juízo a quo devendo ser aplicada no processo em causa. Já no sistema

difuso, a decisão da Corte no sentido de rejeitar a inconstitucionalidade da norma (pela

interpretação conforme) não pode ter efeito vinculante, já que “o Tribunal

Constitucional não pode decretar, com força obrigatória geral, que certa norma com

certo alcance é inconstitucional e, ao mesmo tempo, que com alcance diverso não o

é”222. Por tal razão Jorge Miranda chega a colocar que a interpretação conforme pode

ser útil no sistema concreto de controle de constitucionalidade, mostrando-se perigoso,

porém, no sistema abstrato, devendo ser aplicada com muita atenção223.

A propósito, o efeito vinculante das decisões proferidas no controle

concentrado de constitucionalidade não é visto com bons olhos por setores respeitáveis

da doutrina pátria. Por ocasião da criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade

(instituída pela EC 3/93), que inaugurou entre nós o stare decisis, houve uma

insurgência muito grande contra o instituto. Dentre outras objeções, alguns juristas

questionaram com veemência exatamente o efeito vinculante da decisão, que para

alguns feria diversos princípios constitucionais, como o devido processo legal,

contraditório, ampla defesa, dupla instância de julgamento, o livre acesso do cidadão ao

Judiciário, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, a separação de Poderes etc. Por

tais razões, muitos o consideraram um instituto inconstitucional224.

O professor Marcelo Figueiredo, um dos críticos da Ação Declaratória

naquela oportunidade, também observou que o efeito vinculante impede a evolução da

interpretação na compreensão da norma. Escrevendo sobre tal efeito, assim se

222 MIRANDA, 2000, p. 269. 223 Idem, Ibidem. 224 Veja-se, a propósito, PINTO FERREIRA. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 432, em que o autor cita o posicionamento de diversos juristas contra a Ação Declaratória. No mesmo sentido, André Ramos Tavares, Tratado de Argüição de Preceito Fundamental, São Paulo: Saraiva, 2001. p. 254-5, que também cita o inconformismo da doutrina contra o efeito vinculante da Ação Declaratória. Ainda, Marcelo Figueiredo, A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade: Inovação Infeliz e Inconstitucional. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira (Org.). Ação Declaratória de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 172-175.

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pronunciou o professor: “outro dado fático, e nem por tal razão desprezível, é o da

complexidade de temas constitucionais aliado à necessidade de amadurecimento e

debate. É notória a dificuldade na interpretação de temas constitucionais. Decisão

‘célere’ pode ser vantajosa para uma das partes, mas, por sua natureza (constitucional),

deveria ser amplamente questionada, debatida, discutida, testada e, afinal, julgada. Com

a ação declaratória não há dúvida que nunca será possível chegar ao ‘amadurecimento’

dos temas em foco.”225

A propósito, valem aqui, mutatis mutandis, as advertências feitas por

Mauro Capeletti sobre os possíveis inconvenientes do stare decisis: “O resultado final

do princípio do vínculo aos precedentes é que, embora também nas Cortes (estaduais e

federais) norte-americanas possam surgir divergências quanto à constitucionalidade de

uma determinada lei, através dos sistemas das impugnações a questão de

constitucionalidade poderá acabar, porém, por ser decidida pelos órgãos judiciários

superiores e, em particular, pela Supreme Court cuja decisão será, daquele momento em

diante, vinculatória para todos os órgãos judiciários. Em outras palavras, o princípio do

stare decisis opera de modo tal que o julgamento de inconstitucionalidade da lei acaba,

indiretamente, por assumir uma verdadeira eficácia erga omnes e não se limita então a

trazer consigo puro e simples efeito de não aplicação da lei a um caso concreto com

possibilidade, no entanto, de que em outros casos a lei seja, ao invés, de novo aplicada.

Uma vez não aplicada pela Supreme Court por inconstitucionalidade, uma lei

americana, embora permanecendo ‘on the books’, é tornada ‘a dead law’, uma lei morta,

conquanto pareçam que não tenham faltado alguns casos, de resto excepcionalíssimos,

de revivescimento de uma tal lei por causa de uma ‘mudança de rota’ daquela Corte.

[...] Mediante o instrumento do stare decisis, aquela ‘mera não aplicação’, limitada ao

caso concreto e não vinculatória para os outros juízes, acaba, ao contrário, por agigantar

os próprios efeitos, tornando-se, em síntese, uma verdadeira eliminação, final e

definitiva, válida para sempre e para quaisquer outros casos, da lei inconstitucional:

225 FIGUEIREDO, op. cit., p. 174. Pinto Ferreira, referindo-se a essa crítica da doutrina sobre a pertinência do efeito vinculante na Ação Declaratória, asseverou que “se introduziu no Brasil o efeito vinculante das decisões ‘erga omnes’, levando a obrigatoriedade do precedente judiciário, própria do direito norte-americano, embora com ampla discussão jurídica a respeito da legitimidade do stare decisis em nosso direito.” (grifo do autor) PINTO FERREIRA, op. cit., p. 433.

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acaba, em suma, por tornar-se uma verdadeira anulação da lei, além disso, com efeito,

em geral, retroativo.”226

E no caso da interpretação conforme, como o texto se manterá integro

no sistema, considerar que o efeito vinculante significa que aquela interpretação dada

pelo STF passará a ser a única admissível, significa transmudar uma decisão da Corte

em verdadeira “lei”227.

Por tais razões é que o efeito vinculante da interpretação conforme dada

pelo STF, significa, nos moldes sustentados pelo Ministro Gilmar Mendes, apenas que a

interpretação conformadora dada pela Corte à norma impugnada não pode ser declarada

inconstitucional pelos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração. Apenas

isso.

A propósito, uma observação ainda se faz necessária no encerramento

desta questão sobre a extensão do efeito vinculante da decisão de interpretação

conforme. É necessário acrescentar que o efeito vinculante e a eficácia erga omnes dos

julgados do STF por certo não se aplicam à própria Corte Suprema. Pode o Supremo, a

qualquer momento, rever seu entendimento e alterar a interpretação conforme

anteriormente dada, conferindo novo significado à norma, diante de modificações

fáticas ou jurídicas que reclamem uma nova leitura do texto normativo.

226 (grifo do autor) CAPELETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 81-82. 227 Pertinente, portanto, registrar aqui brilhante passagem do Ministro Eros Grau sobre o efeito vinculante das decisões do Supremo, comentada por STRECK: “Fazendo a distinção entre texto normativo, que é alográfico e produzido pelo Poder Legislativo, e normas, que são produzidas pelo intérprete autêntico (juiz, tribunal) no quadro de um determinado caso, Grau lembra que as decisões do STF são o resultado de sua produção normativa, atividade que envolve interpretação/aplicação e, pois, é desempenhada não a partir de elementos que se desprendem do texto (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isso é, a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Tais decisões, acrescenta Grau, são normas [...] Desse modo, a ampliação da eficácia da decisão judicial, ao ponto de alcançar quem não tenha participado no caso ao qual o direito foi aplicado/interpretado, apenas se pode dar na medida em que se expresse como eficácia do texto, não da norma contida na decisão. Da mesma forma, o efeito vinculante que transcende os limites do caso objeto da decisão é efeito do texto, não daquela mesma norma. Com isso, é imperioso dizer, assevera o mestre paulista, que a atribuição de eficácia contra todos e de efeitos vinculantes às decisões de que trata importa em atribuir ao STF função legislativa” . Cf. GRAU, Eros. Sobre a produção legislativa e sobre a produção normativa do direito oficial: o chamado efeito vinculante. Anais do 13º Colóquio Internacional de Semiótica e Direito. São Paulo: USP, 1997, p 343-346, Apud, STRECK, 1994, op. cit. p. 640. Esse raciocínio brilhante do Ministro cabe perfeitamente para se insurgir contra a idéia de que a interpretação conforme dada pelo STF, em controle concentrado de constitucionalidade, se imporá como a única admissível.

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Nesse sentido, referindo-se ao efeito erga omnes na Ação Declaratória

de Constitucionalidade, coloca o professor Marcelo Figueiredo que: “parece-nos que o

dispositivo não pretende incluir a própria Suprema Corte em suas malhas. É dizer, uma

vez julgada determinada norma ou lei federal x ou y constitucional, tal decisão não

vincularia o próprio Supremo, que, se provocado novamente em face de algum fato ou

aspecto novo no tema, poderia decidir em outro sentido. O dispositivo, portanto, parece

ter eficácia erga alter omnes, em relação ao Supremo Tribunal Federal. Raciocinar

contrariamente implicaria impossibilitar a evolução do pensamento da Corte.”228

Também o professor Gilmar Mendes229, referindo-se ao efeito vinculante na Ação

Declaratória, coloca: “daí parecer-nos plenamente legítimo que se argua, perante o

Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade de norma anteriormente

declarada constitucional em ação direta de constitucionalidade.”

Se até mesmo o próprio órgão prolator da interpretação conforme

vinculante ficar definitivamente adstrito à conformação dada àa norma, trocaremos o

dogma do Legislador perfeito pelo dogma do Tribunal perfeito, impedindo, da mesma

forma, uma interpretação evolutiva que acompanhe a realidade social. A norma, com a

interpretação conformadora não sairá do cenário jurídico (porque salva da eiva da

inconstitucionalidade), mas também não terá nenhuma outra aplicação, a não ser a única

conferida pela Corte ao proferir a decisão interpretativa. Estará a norma, da mesma

forma, limitada em seus fins de regulação social evolutiva.

Cláudio Colnago, que, aliás, se filia ao entendimento de que na

interpretação conforme o STF fixa “um único significado do enunciado compatível com

a Constituição, excluindo implicitamente todos os demais [...]”230 ressalta que se o

efeito vinculante se aplicar à própria Suprema Corte haverá “[...] em demasiado uma

paralisia da interpretação, no que denominamos de ‘Escola da Exegese

Constitucional.”231

Ademais, como argumento aditivo, podemos lembrar que o parágrafo

228 FIGUEIREDO, op. cit., p. 172. 229 MENDES, op. cit., p. 333. 230 COLNAGO, op. cit., p. 205. 231 Idem, Ibidem.

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2º, do art. 102, da Constituição Federal (com redação determinada pela EC n. 45)

menciona que o efeito vinculante, nas ações diretas de inconstitucionalidade, aplica-se

aos demais órgãos do Poder Judiciário (leia-se, aos outros órgãos), o que, por óbvio,

exclui o Supremo Tribunal Federal. Se o Supremo, portanto, em uma ADI, aplicar a

decisão de interpretação conforme, o efeito vinculante não se volta contra ele, o que

significa dizer o a Corte poderá considerar inconstitucional a interpretação conforme

anteriormente criada.

7.4 A natureza da decisão que aplica a interpretação conforme

A decisão de interpretação conforme é, sem dúvida alguma, uma

espécie do gênero, decisões interpretativas232, pois foge do clássico e rígido esquema de

inconstitucionalidade/constitucionalidade de uma norma233. Trata-se de um recurso,

232 STRECK não aceita muito bem a idéia de “decisões interpretativas”, por entender que essa expressão sugere a existência de “decisões não interpretativas”, o que é inaceitável, considerando o caráter criador da interpretação. Mas ele aceita e utiliza a expressão apenas para referir que as “decisões interpretações” significam decisões que se afastam dos cânones tradicionais da interpretação do Direito. Justamente por se referir às decisões interpretativas no sentido mencionado, Streck inclui a decisão de nulidade parcial sem redução de texto como também espécie de decisão interpretativa. Diz ele: “Há que se discordar de Rui Medeiros quando classifica a interpretação conforme a Constituição como sentença interpretativa, retirando tal epíteto da nulidade parcial sem redução de texto (inconstitucionalidade parcial qualitativa). Com efeito, ambas a decisões que aplicam os institutos da interpretação conforme a Constituição e a nulidade parcial sem redução de texto são interpretativas, pois afastam-se do cânone tradicional da interpretação do Direito. Na medida em que as duas modalidades, ao adicionarem sentidos ou reduzirem incidências dos sentidos do texto, estabelecem correções à atividade legislativa, a toda evidência podem ser enquadradas como não-ortodoxas, pois são manifestações dos tribunais que longe estão da clássica função de ‘legislador negativo’, eis que, se assim não fosse, bastaria expungir o texto normativo do sistema, declarando-se inconstitucional. Ora, ao contrário disso, quando se está fazendo uma interpretação conforme ou uma nulidade parcial sem redução de texto, está-se elaborando uma decisão que refoge à idéia, própria do paradigma do constitucionalismo liberal, de os tribunais exercerem uma função dicotômica, isto é, ou declaram a inconstitucionalidade ou rejeitam a ação de inconstitucionalidade”. Cf. Streck, 2004, p. 616.

233 Flávia Viveiros coloca que “os novos parâmetros de decisão, em sede de controle de constitucionalidade, foram ganhando espaço a partir da constatação de que o esquema decisional original, no qual tentou-se aprisionar os juízes, retratado pela alternativa rejeição da argüição de inconstitucionalidade ou anulação da lei inconstitucional, não pode resistir, em realidade, ás exigência teóricas que dão suporte à função do magistrado afeto á questão da constitucionalidade das leis. O juiz que trata da questão constitucional é conduzido a exercer uma função interpretativa, que condicionará inteiramente suas decisões. CASTRO, Flávia de Almeida Viveiros. Novas técnicas de interpretação

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como tantas vezes referimos, que visa adaptar o sentido da norma para impedir sua

declaração de inconstitucionalidade e conseqüente expurgação do ordenamento jurídico,

não atingindo, assim, o texto legal, que permanece intacto234. As modernas técnicas de

decisão, dentre as quais se insere a interpretação conforme, surgiram, como já dito, com

o propósito claro de flexibilizar a atividade dos juízes e Tribunais no controle das leis e

atos normativos. Visaram romper com o sistema tradicional de controle que apenas

permitia a declaração total de constitucionalidade ou inconstitucionalidade do texto

legal, sem possibilitar variantes tão necessárias para equacionar os problemas

decorrentes do exercício da jurisdição constitucional.

Quanto às espécies de decisões interpretativas, são variadas as

classificações na doutrina e jurisprudência. E o enquadramento da interpretação

conforme nesta ou naquela categoria de decisão interpretativa depende não só da

classificação que se adota, mas também da noção que se tem sobre a própria

interpretação em conformidade com a Constituição (se o tribunal, ao utilizá-la, apenas

declara a constitucionalidade de uma determinada interpretação do texto, ou se ele

também declara, ainda que implicitamente, a inconstitucionalidade de todas as outras

interpretações que a lei eventualmente comporte).

constitucional. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. n. 34, janeiro-marco de 2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 134. No mesmo sentido, Cláudio Colnago que as decisões interpretativas decorrem da necessidade de buscar alternativas à mera constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei (op. cit. p. 211)

234 Claúdio Colnago coloca que a expressão, “decisões interpretativas”, não serve para expressar qualquer decisão da jurisdição constitucional, mas tão somente aquelas decisões que não atuam sobre o “texto normativo”, atingindo apenas o significado dele decorrente. Assim, com as decisões interpretativas, o texto permanece inalterado, mas o entendimento possível daquele texto passa por restrições de maior ou menor monta, em especial pelo efeito vinculante de tais decisões. Op. cit. p. 65. E mais adiante o autor acrescenta: “Na aplicação das técnicas ‘clássicas’ de controle, consistente na pronúncia de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, a decisão judicial incide, diretamente, sobre o texto que fundamenta a formulação da norma tida por inconstitucional, seja para mantê-lo, seja para suprimi-lo do ordenamento jurídico. Já nas técnicas interpretativas de decisão, que serão melhor detalhadas adiante, a decisão incide sobre os significados possíveis do texto normativo (ou seja, sobre as normas jurídicas propriamente ditas), restringindo a liberdade do intérprete, sem passar pela alteração do texto, fixando assim um ou mais sentidos que sejam compatíveis com a Constituição, ou excluindo um ou mais significados com ela incompatíveis”. Cf. COLNAGO, op. cit. p. 67.

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De acordo com a classificação mencionada, v.g., por Vitalino Canas235,

as decisões interpretativas se desdobram em três espécies: i) decisões interpretativas de

acolhimento, em que o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade de uma

(ou várias interpretações de uma norma); ii) decisões interpretativas de rejeição, em

que o Tribunal Constitucional declara a não inconstitucionalidade de uma norma

quando interpretada em certo sentido; iii) decisões interpretativas mistas, em que o

Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade de uma norma quando

interpretada em certo sentido, com simultânea exposição de interpretação considerada

válida perante a Lei Fundamental236.

Já na Alemanha, que “é de longe o país cuja doutrina acerca das

decisões interpretativas mais influência gerou sobre a doutrina e jurisprudência

brasileiras”237 fala-se, dentre outras espécies, em decisão de anulação parcial

qualitiativa ou pronúncia de nulidade qualitativa sem redução de texto, na qual o texto

é mantido íntegro, mas o tribunal exclui sua aplicação de determinada situação ou

situações (nulidade parcial sem redução de texto)238 e em declaração de

compatibilidade mediante sentença de interpretação conforme, pela qual há um único

significado constitucionalmente admissível, o que importa na exclusão de todos os

demais significados que não aquele estabelecido pelo Tribunal.239

Na Itália, onde foram adotadas as formas mais requintadas e diversas de

decisões interpretativas, surgiu num primeiro momento a decisão de rejeição da questão

constitucional. “A expressão ‘sentença interpretativa’ foi utilizada num primeiro

momento, para designar um particular tipo de sentença de rejeição da

inconstitucionalidade, fundada numa interpretação da disposição impugnada distinta

daquela proposta pelo juízo a quo – ou pelas partes no juízo, em via de ação –, mas sim

aquela considerada pela Corte a mais exata e aquela capaz de fazer com que o conteúdo

235 CANAS, Vitalino. Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2ª Ed., 1994, p. 39 e SS, apud, FIRMINO, op. cit. p. 43. 236 Deve-se à doutrina italiana a denominação decisão interpretativa de acolhimento e de rejeição. 237 Cf. COLNAGO, op. cit. p. 94 238 Na anulação parcial quantitativa há declaração de inconstitucionalidade incidente sobre parte do texto normativo. 239 Cf. COLNAGO, op. cit. p. 84 e SS.

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normativo não seja incompatível com a Constituição.” 240. “Com a consolidação de sua

posição de primazia das leis em face da Constituição, a Corte Constitucional italiana

desenvolveu posteriormente novas formas de decisões interpretativas, como as

sentenças aditivas, destinadas a solucionar omissões inconstitucionais, e as sentenças

substitutivas, em que confere um significado externo ao texto legislativo, sob o pretexto

de adequá-lo perante a força normativa da Constituição. Tais decisões, como espécie de

decisões interpretativas, ficaram conhecidas na Itália como ‘sentenças manipulativas’241.

Na Espanha, o jurista Francisco Javier Díaz Revorio, estudando as

decisões do Tribunal Constitucional no sistema espanhol, mas inspirado no sistema e na

doutrina italianos, faz uma exaustiva classificação das decisões da Corte daquele país,

inclusive quanto às decisões interpretativas. Ele considera dois critérios de classificação,

quais sejam, o formal (que se refere ao conteúdo da decisão) e o material (que considera

os efeitos que a decisão produz sobre o enunciado analisado). Sob o critério material,

ele classifica as decisões interpretativas em decisões interpretativas em sentido estrito,

pelas quais, ou se descarta uma ou mais normas incompatíveis com a Constituição ou se

elege uma única compatível e decisões manipulativas pelas quais se produz uma

redução, ampliação, substituição ou ampliação do sentido da norma242.

Feita essa breve síntese exemplificativa sob algumas classificações de

decisões interpretativas (síntese feita para servir de subsídio ao que defenderemos a

seguir) importa dizer, coerente com o que defendemos até aqui, que a decisão de

interpretação conforme, no Brasil, é, repita-se, uma decisão interpretativa, já que não

altera o texto normativo. E uma decisão interpretativa de rejeição tão somente,

porquanto na sistemática do Direito Brasileiro, ao aplicar a interpretação conforme, o

Tribunal apenas decide qual a interpretação constitucional, é dizer, qual a interpretação

que se ajusta à Constituição, sem decidir sobre a inconstitucionalidade de outras

interpretações cabíveis (ainda que as mencione no julgado como obter dicta ou mesmo

como fundamentos da decisão).

240 DE LA VEJA, Augusto Martín. La sentencia constitucional em Italia: tipologia y efectos de las sentencias em La jurisdicción constitucional italiana: médio siglo de debate doctrinal. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 104, apud, COLNAGO, op. cit. p. 103. 241 COLNAGO, op. cit. p. 106-107. 242 Cf. COLNAGO, op. cit. p. 118-120.

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É claro que essa decisão de rejeição pode ganhar contornos de decisão

manipulativa aditiva, pois como veremos adiante, embora a Corte se coloque como

“legislador negativo” ao proferir decisões interpretativas, não é isso que se verifica na

prática dos julgados do Supremo. Há, variadas vezes, um acréscimo de sentido ao texto

para adaptá-lo à Constituição.

Conseqüentemente, a aplicação da técnica da interpretação conforme

leva sempre à uma decisão de constitucionalidade da lei243, que acarreta a total

improcedência da ação de inconstitucionalidade ou a procedência da declaratória de

constitucionalidade. Como coloca José Levi Amaral Júnior “o fato é que, efetuada no

bojo de uma argüição de inconstitucionalidade (incidental ou direta), a interpretação

conforme à Constituição leva à improcedência da argüição. É o que se conclui pela

seguinte passagem do voto do Min. Moreira Alves na Rp. nº 948: "Em conclusão, e com

a interpretação que dou ao caput do art. 156 da Constituição do Estado de Sergipe,

julgo improcedente a presente Representação" (RTJ nº 82/56).”244

Trata-se de uma decisão interpretativa de rejeição da

inconstitucionalidade, que considera não inconstitucional a norma impugnada, com a

interpretação conformadora atribuída ao texto pela Corte245.

No Supremo Tribunal Federal, entretanto, dada a identificação já

mencionada, que não raro a Corte faz entre interpretação conforme e

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, as decisões por vezes ensejam a

improcedência parcial da argüição de inconstitucionalidade. É o que ocorreu, v.g., na

ADI 2979/ES, conforme ementa de julgado, verbis:

243 MENDES, op. cit., p. 320. 244 (grifo do autor) AMARAL JÚNIOR, op. cit., p. 01. Ressalte-se apenas que a decisão mencionada por Levi Júnior, na Rep. n. 948, foi proferida em 27.10.76, época em que o STF equiparava a interpretação conforme com a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. 245 Streck, comentando as diferenças entre a interpretação conforme e a nulidade parcial sem redução de texto, menciona que em Portugal a interpretação conforme é também denominada de decisão interpretativa de rejeição, que ocorre quando o Tribunal a quo declara a inconstitucionalidade da lei (decisão positiva), mas depois é considerada constitucional pelo Tribunal Constitucional, desde que ela seja interpretada num sentido conforme a Constituição (interpretação adequadora), diferente do atribuído pelo tribunal recorrido. Já a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto é denominada na Itália de decisão interpretativa de acolhimento (ou de acolhimento parcial), ou inconstitucionalidade parcial qualitativa, ideal, ou vertical, ou ainda decisão redutiva qualitiativa, pois nessa modalidade de decisão declara-se inconstitucional um certo seguimento ou secção ideal da norma questionada. Cf. Streck, 2004, p. 612.

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“EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei

complementar estadual. LC nº 206, de 26.06.2001, do Estado do Espírito Santo.

Servidor público. Polícia militar e corpo de bombeiros. Praças. Promoção dita

"peculiar". Necessidade da existência de cargo vago na classe ou nível superior da

carreira. Interpretação conforme à Constituição, para esse fim. Ação julgada, em parte,

procedente. É constitucional lei estadual que regule promoção, dita "peculiar", de praças

da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, desde que se lhe subentenda, por

interpretação conforme à Constituição, que cada promoção só pode efetivar-se quando

exista, na classe ou nível superior, cargo vago (ADI 2979/ES, rel. Min. Cezar Peluso,

DJ 04.06.2004).246”

246 (grifo nosso) Supremo Tribunal Federal. ADIn 2979. Relator: Ministro Cezar Peluso, Brasília, 04 de junho de 2004. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2008.

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8 FUNDAMENTOS DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A

CONSTITUIÇÃO

Diversos são os fundamentos247 apontados pela doutrina para legitimar

a interpretação conforme. Não há um consenso nesse ponto. “Os autores especulam

sobre o fundamento da interpretação conforme a Constituição.”248 É muito discutida a

questão sobre qual o fundamento legitimador da interpretação conforme. Aqui também

não existe unanimidade na doutrina, que aponta diversos fundamentos para justificar o

emprego da interpretação conforme.

8.1 Supremacia da Constituição: a Constituição como fundamento de validade das

demais normas jurídicas

Antes de tudo, a técnica da interpretação conforme se justifica já pelo

postulado da supremacia constitucional.249

“Como consectário lógico do princípio da supremacia da constituição,

tem-se que a interpretação de toda e qualquer norma, especialmente aquela

infraconstitucional, haverá de ter como parâmetro a Constituição.”250

247 Esses fundamentos, na verdade, atuam também como limites a própria aplicação da interpretação conforme. Assim, ao mesmo tempo em que legitimam a técnica, traçam-lhe a extensão na qual pode ser aplicada. Nesse sentido é que Fernando Osório coloca como “princípios justificadores da interpretação conforme a Constituição”, a presunção de constitucionalidade das leis; a supremacia da Constituição; a unidade do ordenamento jurídico, e como “princípios limitadores da interpretação conforme a Constituição”, a separação funcional do Poder e o princípio da proporcionalidade. Cf. ALMEIDA JUNIOR, op. cit., p. 20-42. 248 BARROSO, op. cit., p. 191. Gilmar Mendes também coloca que a “admissibilidade da interpretação conforme à Constituição é justificada pela doutrina e jurisprudência de forma diferenciada.” Cf. MENDES, op. cit., p. 260. 249 “[...] a Constituição não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo de normas. A Constituição, sabidamente, é um corpo de normas qualificado pela posição altaneira, suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a Lei das Leis. É a Lei Máxima, à qual todas as demais se subordinam e na qual todas se fundam. É a Lei de mais alta hierarquia. É a Lei fundamental. É a fonte de todo Direito. É a matriz última da validade de qualquer ato jurídico.” Cf. MELLO, op. cit., p. 236-237.

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Assim, todas as leis e atos normativos devem ser conjugadas no sentido

dos propósitos constitucionais.251

A “força normativa” da Constituição (Hesse),252 é dizer, seu

reconhecimento também como documento jurídico (não apenas político), conjugada

com sua supremacia no ordenamento positivo, leva a inexorável conclusão de que as

leis e atos normativos devem ser interpretados no sentido dela.253

No dizer de Enterría “la Constitución es una norma juridica, y no

cualquiera, sino la primera entre todas, lex superior, aquella que sienta los valores

supremos de un ordenamiento y qye desde esa supremacía es capaz de erigirse en el

parámetro de validez de todas las demás normas jurídicas del sistema.”254

O padre EMMANUEL JOSEPH SIEYÉS, em seu histórico opúsculo

Qu’est-ce que le Tiers État? forjou a idéia de superioridade da Constituição, ao fazer a

distinção entre poder constituinte e poder constituído, vislumbrando no primeiro uma

posição de superioridade por não estar sujeito ele a nenhuma limitação de natureza

jurídica, mas tão somente àquelas impostas pelo direito natural. Em razão dessa

250 TAVARES, p. 133. “Grande parte das leis possui conteúdo do qual podem ser extraídas diferentes interpretações e, portanto, diversas conseqüências, como é o caso da sua própria validade posta à prova perante a Constituição.” Cf. ALMEIDA JUNIOR, op. cit., p. 17. 251 “A interpretação conforme a constituição constitui princípio hermenêutico que encontra sua raiz no princípio da supremacia da Constituição.” Cf. ANDRADE, 2003, p. 102. “Este principio es uma consecuencia derivada do carácter normativo de La Constitución y de su rango supremo y está reconocido en los sistemas que hacen de esse carácter um postulado básico. Cf. ENTERRÍA, op. cit. p. 21. 252 Com a noção de “Constituição jurídica”, Hesse pretende, assim, evidenciar a força normativa da Carta Política, contrapondo-se a idéia de que ela seja uma “mera folha de papel” (LASSALE), totalmente condicionada pelas forças reais de poder, contra as quais nada pode fazer. Em outras palavras, pretende opor-se à idéia de que os problemas constitucionais não são questões jurídicas, senão questões apenas de poder. Cf. HESSE. A propósito, Paulo Bonavides, em tópico intitulado “do conceito político e filosófico ao conceito jurídico das Constituições: dois séculos de crise constitucional” demonstra, com especial brilhantismo, o longo processo histórico que decorreu para que as Constituições fossem reconhecidas como documentos jurídicos e não apenas políticos. Ressalta, aliás, a importância da Constituição belga de 1832 dizendo que “desde aí o conceito jurídico de Constituição, ou seja, o conceito da Constituição como lei ou conjunto de leis aparece em substituição do conceito político ou pelo menos como alternativa teórica e doutrinária para este último”. (grifo do autor). Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 225-237. 253 Como substractum jurídico e político da sociedade, a Constituição obriga a uma interpretação de todas as normas “conformemente” aos seus postulados, à sua ordem de valores materiais. MARTINS, 2003, p. 870. 254 ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitución como Norma y el Tribunal Constitucional. Madrid: Civitas, 1983. p. 123

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superioridade, o produto do seu exercício, a Constituição, converteu-se em fundamento

de validade de todas as outras normas jurídicas.

Conforme ressalta Linares Quintana “[...] el princípio de La supremacia

de La Constitución, que descansa no presupuesto de la distinción entre el poder

constituyente y el poder constituido, inherente al sistema de las contituciones

rígidas.”255 No mesmo sentido coloca José Afonso da Silva que “da rigidez emana,

como principal conseqüência, o princípio da supremacia da constituição, que no dizer

de Pinto Ferreira ‘é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do

moderno direito político.’”256

A Constituição, porque decorrente desse Poder Constituinte Originário,

é o documento jurídico de fundação do Estado, que o organiza e estrutura, o que a torna,

conseqüentemente, o instrumento legitimador do ordenamento subjacente. Por força

dessa superioridade da Constituição, ela passa a servir de fundamento de validade de

todas as demais normas jurídicas do ordenamento, produzidas pelos poderes

constituídos e subordinados aos seus imperativos. Toda a produtividade normativa fica

vinculada à conformidade com os princípios e regras constitucionais.

No dizer de Christiano José de Andrade, “a Constituição delineia a

estrutura da organização político-administrativa do Estado, a forma de governo, com os

seus poderes, o programa socioeconômico e ideológico e as diretrizes básicas do

sistema jurídico. Daí a supremacia das normas constitucionais, com superioridade

hierárquica em relação aos demais ramos do direito, avultando aí o princípio da

compatibilidade vertical das normas jurídicas do ordenamento estatal, de tal modo que

as normas de grau inferior somente terão validade se forem compatíveis com as normas

constitucionais, que são de grau superior.”257

Konrad Hesse, por seu turno, coloca que “al cumplir estas tarefas

fundamentales de formación política de unidade y de orden jurídico, la Constitución se

255 QUINTANA, Linares. Derecho constitucional e instituciones políticas. Buenos Aires: Plus Ultra, 1981. p. 481. 256 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 49. 257 ANDRADE, 1991. p. 217. Mais adiante acrescenta o autor: “E como a Constituição é o marco a partir do qual se erige a ordem jurídica, toda interpretação é inicialmente regressiva, devendo portanto ser conforme à Constituição. A conformidade com a Constituição é, por isso, um princípio de interpretação”. (Idem, Ibidem, p. 223-224).

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convierte no sólo en el orden jurídico fundamental del Estado, sino también en el de la

vida no estatal dentro del territorio de un Estado: es dicer, en el orden jurídico

fundamental de la comunidad.” E então: “Al Derecho Constitucional corresponde la

primacia respecto de todo el restante Derecho interno. Esta primacía es presupuesto de

la función constitucional como orden jurídico fundamental de la comunidad. De ahí que

el Derecho Constitucional no pueda ser derogado ni reformado por leyes ordinarias;

ninguma disposicón del ordenamento jurídico ni acto estatal alguno pueden

contradercilo; todos los poderes publicos, incluso el legislativo, se hallan vinculados por

la Constitución.”258

Pois bem. Dessa superioridade (formal e material) da Constituição,

tem-se como consectário lógico que toda a atividade normativa inferior deve ser não só

produzida, mas interpretada em conformidade com a Carta Maior. A proeminência da

Constituição impõe não só que as demais normas do ordenamento sejam elaboradas,

mas também interpretadas com vistas a ela. Como esclarece Luis Roberto Barroso,

“toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade da

Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da

supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade

pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental.”259

Daí porque, nas precisas palavras de Canotilho, “a interpretação

conforme a Constituição nada mais é do que um corolário da idéia sedimentada pela

jurisprudência norte-americana de que os juízes devem interpretar a lei “in harmony

with de Constitution.”260

A supremacia da Constituição, muito bem delineada no paradigmático

julgamento Marbury vs. Madison teve como efeito imediato a “[...] submissão das leis e

atos do mundo normativo à verificação de sua compatibilidade com a Constituição, no

258 Manual de Derecho Constitucional. Madri: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A, 1996. p. 05-06. 259 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 161. E mais adiante, o professor coloca ainda que “[...] o princípio guarda suas conexões com a unidade do ordenamento jurídico e, dentro desta, com a supremacia da Constituição. Disso resulta que as leis editadas na vigência da Constituição, assim como as que procedem de momento anterior, devem curvar-se aos comandos da Lei Fundamental e ser interpretadas em conformidade com ela”. Cf. BARROSO, 2003, p. 192. 260 CANOTILHO, p. 1111.

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que se incluiriam todos os Códigos. Ato subseqüente, o modelo de Estado legalista entra

em crise, com a lei perdendo a sua exclusividade enquanto fonte de produção do direito.

Na concepção positivista formal, a Constituição será, doravante, fonte do Direito

(constitucional) e também conjunto normativo que disciplina as demais fontes do

direito.”261

Com efeito, adaptar o sentido de uma norma infraconstitucional para

interpretá-la em conformidade com o Texto da Constituição, significa, em última

análise, obedecer ao princípio da supremacia da Carta Magna. Bem pontifica Celso

Bastos ao dispor que “o postulado da supremacia da Constituição repele todo o tipo de

interpretação que venha de baixo, é dizer, repele toda a tentativa de interpretar a

Constituição a partir da lei. O que cumpre ser feito é sempre o contrário, vale dizer,

procede-se à interpretação do ordenamento jurídico a partir da Constituição.”262

É preciso ressaltar ainda que a supremacia da Constituição não significa

apenas a superioridade dela na pirâmide jurídica imaginária, é dizer, o princípio da

supremacia não se limita a estabelecer uma superioridade formal da Constituição.

Importa também em considerá-la não somente um objeto, mas um critério de

interpretação, viabilizando a chamada constitucionalização do Direito263.

Como bem coloca André Ramos Tavares, pelo princípio da supremacia

constitucional, a Constituição desempenha um papel de standard interpretativo264.

“Quando se fala, portanto, da constitucionalização do Direito, não se está apenas

querendo fazer referência à supremacia formal da Constituição. Evidentemente que ela é

um pressuposto necessário. [...] O que se pretende designar mais recentemente com essa

expressão é o alcance que os marcos ‘valorativos’ constitucionalmente fixados possuem

em relação ao restante do Direito (embora não só deles, mas também de todas as normas

constitucionais). Trata-se, como referido inicialmente, do poder de conformação que se

261 TAVARES, 2006, p. 132-133. 262 BASTOS, op. cit., p. 172. 263 “A interpretação conforme a Constituição constitui-se em mecanismo de fundamental importância para a constitucionalização dos textos normativos infraconstitucionais”. Cf. STRECK, 2004, p. 573. A propósito, STRECK sugere que em vez de interpretação conforme a Constituição, melhor seria a nomenclatura atribuição de sentido conforme a Constituição já que os Tribunais, ao lançarem mão desse mecanismo (e os exemplos não são poucos) “elaboram consideráveis redefinições no sentido do texto infraconstitucional para adaptá-lo ao conteúdo material da Constituição”. Cf. Streck, op. cit. p. 579. 264 (grifo do autor) TAVARES, 2006, p. 133-134.

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reconhece na Constituição em relação às demais determinações normativas. É o pensar

a lei até as últimas conseqüências conforme a Constituição (cf. STERN, 2001: 508).

Assim, a Constituição apresenta-se como vetor valorativo para qualquer discurso

hermenêutico das leis e atos normativos em geral. E interpretação constitucionalmente

conforme parece realçar essa função das Constituições.”265

Nesse mesmo sentido são as palavras do professor Marcelo Figueiredo

ao colocar que a Constituição, “é ela que ocupa, na sistemática jurídica contemporânea,

lugar de destaque, revela a orientação geral das estruturas jurídicas, decide o significado

e alcance das instituições jurídicas e decide, em última análise, os problemas do direito

positivo. Para preservar essa importante função, construiu-se a noção de supremacia da

Constituição.”266 E mais adiante ele adverte que “é preciso compreendê-la como um

instrumento que vai além da conformação formal do poder ou de um conjunto

normativo com hierarquia superior, regra-matriz de um dado ordenamento jurídico.”267

Em suma, a interpretação conforme a constituição atende não só ao

postulado da superioridade formal da Constituição, mas também à necessidade de se

adaptar as normas do ordenamento jurídico aos propósitos constitucionais268.

265 (grifo do autor) Idem, p. 134-135. “A primazia da Constituição tem, como hoje é pacificamente reconhecido, um duplo significado: é regra de colisão e vale como critério de interpretação ou como instrumento hermenêutico.” Cf. MEDEIROS, op. cit., p. 289. “No quadro da interpretação conforme a Constituição, normas constitucionais são, portanto, não só ‘normas de exame’, mas também ‘normas materiais’ para determinação do conteúdo de leis ordinárias.” Cf. HESSE, 1998, p. 71. Daí porque as normas constitucionais não são apenas normas de comprovação, mas também normas materiais de aferição do teor da lei ordinária. Em outras palavras, “a conformidade da lei com a Constituição não consiste apenas em verificar formalmente se a lei está de acordo com a regra suprema, mas em determinar também a compatibilidade material, por onde resulta que um conteúdo equívoco ou incerto da lei será aferido por igual pelo conteúdo da norma constitucional.” Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 522. 266 FIGUEIREDO, 2005, p. 42-43. 267 (grifo nosso) Idem, p. 44. Canotilho coloca que o princípio da interpretação conforme significa, (dentre outras acepções que lhes são conferidas) que “interpretar, aplicar e concretizar conforme a lei fundamental é considerar as normas hierarquicamente superiores da constituição como elemento fundamental na determinação do conteúdo das normas infraconstitucionais”. “Neste sentido, o princípio deixará de ser um princípio de conservação para se considerar um princípio de prevalência normativo-vertical e de integração hierárquico-normativa. Deixará também de ser um princípio de legalização da constituição para se transformar em um princípio de interpretação crítica da concretização constitucional, legislativamente operada. (grifo do autor) CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador – contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1994, p. 406. 268 “Nesse sentido, a interpretação constitucionalmente conforme atua como arrimo (e não mera decorrência) da idéia de supremacia da Constituição[...].” Cf. TAVARES, 2007, op. cit. p. 148.

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Daí porque, como já ressaltado em outra passagem, a interpretação

conforme a Constituição deve ser observada por qualquer pessoa ou órgão na

construção da inteligência das normas inferiores. Nesse sentido é que Enterría coloca

que “La supremacia de la Constitución sobre todas las normas y su carácter central en la

construcción y en la validez del ordenamiento en su conjunto, obligan a interpretar éste

en cualquier momento de su aplicación – por operadores públicos o por operadores

privados, por Tribunales o por órganos legislativos o administrativos – en el sentido que

resulta de los principios y reglas constitucionales, tanto los generales como los

específicos referentes a la materia de que se trate.”269

8.2 Segurança jurídica: a necessidade de se evitar o vazio normativo

Outro fundamento a justificar a técnica da interpretação conforme é a

segurança jurídica, entendida aqui como a necessidade de se evitar a expurgação de uma

lei ou ato normativo do cenário jurídico, gerando um perigoso vazio normativo.

No dizer do saudoso Celso Bastos, “foi sempre o temor e a prudência

de declarar uma lei inconstitucional que deram origem às modernas formas de

interpretação constitucional, que visam, sobretudo, manter a norma no ordenamento

jurídico tendo como fundamento o princípio da economia, da segurança jurídica e da

presunção de constitucionalidade das leis e como escopo a busca de uma interpretação

que compatibilize a norma tida como ‘inconstitucional’ com a Lei Maior. Parte-se da

idéia de que na maioria dos casos essa inconstitucionalidade da norma vai dar lugar a

um vazio legislativo, que produzirá sérios danos ao ordenamento jurídico.”

“Nesse sentido, procura-se evitar de todas as maneiras a decretação de

nulidade da norma tendo em vista os inconvenientes que ela traz, pois a interrupção

269 ENTERRÍA, Eduardo Garcia. La Constitucion como norma y el tribunal constitucional. 3. ed. Madri: Civitas, 1985. p. 95.

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brusca da vigência de uma lei, sem ter transcorrido tempo suficiente para colocar outra

em seu lugar, gera um vazio normativo.”270

André Ramos também faz essa análise: “deixando de lado os limites a

serem observados quando da utilização desta peculiar técnica de decisão, frise-se que a

sua realizabilidade tem como fundamento precípuo assegurar a mantença e eficácia do

ato normativo dentro do ordenamento jurídico, na medida em que se tem como assente a

idéia de que a declaração de inconstitucionalidade, embora seja um profícuo remédio,

apresenta-se, porém, repleta de nefastos efeitos colaterais, dentre os quais se poderia,

aqui, pinçar o problema do vazio normativo decorrente da expulsão de um ato

normativo do sistema, o qual pode ser mais danoso do que a sua própria manutenção,

embora eivada de inconstitucionalidade. Assim, a falta de outras alternativas pode, em

muitas situações, compelir o STF a deixar de reconhecer a inconstitucionalidade, como

quando a falta da lei (pela declaração de sua nulidade) criaria um vazio normativo

insuportável (TAVARES, 2003: 230).”271

Samantha Ribeiro Meyer-Pflug pontifica que “as modernas formas de

interpretação constitucional surgem em resposta ao anseio da sociedade de maior

segurança, eis que as mesmas visam evitar a declaração de inconstitucionalidade e

conseqüente expulsão da norma do ordenamento jurídico, com fundamento em aspectos

puramente formais. Estas novas formas de interpretação assumem relevância quando se

tem em vista que a inobservância da advertência doutrinária pelos órgãos jurisdicionais

responsáveis pelo exercício do controle de constitucionalidade, com emprego apenas

dos métodos clássicos de interpretação, que atribuem exagerado valor à literalidade das

270 BASTOS, op. cit., p. 268. Realmente, a interpretação conforme, quando possível, é sempre preferível à danosa declaração de nulidade de uma norma posta e vigente no ordenamento. A propósito, em excelente artigo, o professor Inocêncio Mártires Coelho, opondo-se à idéia de alguns civilistas de que o Novo Código Civil é inconstitucional por ser adverso aos avanços da Constituição de 1988, faz uma interpretação conforme de vários dispositivos do novo diploma civil. Após uma leitura conforme a Constituição de vários artigos do Código, o professor muito bem conclui: “Afora esses dispositivos do novo Código Civil, muitos outros poderiam ser trazidos à colação para demonstrar como, através da chamada interpretação conforme – e sem violência ao sentido desses preceitos – é possível e necessário dar-lhes significados que os tornem compatíveis com a Constituição, assim como interditar leituras que acarretem a sua inconstitucionalidade”. Cf. COELHO, p. 46-53. 271 TAVARES, 2006, p. 140.

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normas constitucionais, ao seu sentido originário pode implicar na proliferação de

vício de inconstitucionalidade das leis.”272

No mesmo sentido Flávia Viveiros273:

“Para fazer frente ao medo do vazio jurídico que poderia ocorrer pela só

declaração de nulidade de uma lei, no caso de sua desconformidade com a Constituição,

os magistrados constitucionais desenvolveram técnicas interpretativas refinadas, no

intuito de desempenharem adequadamente sua missão de examinar a

constitucionalidade das leis, sem provocar inúteis perturbações da ordem jurídica

estatuída.”

“O juiz constitucional, efetivamente, tem horror ao vácuo jurídico. Tal

aversão se traduz pela ampla efetividade dada aos valores constitucionais e pela

facilitação da penetração dos mesmos em todos os ramos do Direito, evitando, na

medida do possível, a criação de buracos negros dentro da ordem jurídica.”

“Desta forma, a preocupação com a segurança jurídica do sistema

normativo e o medo do vácuo ocasionaram o desenvolvimento de determinadas técnicas

de decisão interpretativas, especialmente na Alemanha, Itália e França.”

“É necessário que o juiz, o qual decidirá a questão da

constitucionalidade, utilize técnicas decisionais que permitam assegurar eficazmente o

controle da constitucionalidade das leis, sem comprometer a segurança do sistema

jurídico.”

A propósito, preocupado em impedir o vazio normativo que as decisões

de controle de constitucionalidade podem ocasionar, o legislador pátrio estabeleceu no

artigo 27, da Lei 9868, de 10 de novembro de 1999, verbis: “ao declarar a

inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança

jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por

maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou

decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

272 MEYER-PFLUG, op. cit., p.127. 273 CASTRO, op. cit., p. 136-137.

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momento que venha ser fixado.”274 Veja-se que mesmo quando não for possível salvar a

norma, em razão de evidente inconstitucionalidade, pode a Suprema Corte mantê-la por

certo tempo em vigor, se ficar comprovado que a retirada da norma jurídica do

ordenamento sem que haja tempo para a criação de outra em seu lugar, poderá causar

danos irreparáveis e maiores do que sua própria mantença no sistema.

É interessante notar que a interpretação clássica (juspositivista) impõe

ao intérprete métodos formais de apreciação da lei, visando, justamente, a segurança

jurídica, mas no sentido de resguardar a imperatividade e a pretensa objetividade do

texto. Para tanto, confere ao intérprete uma função limitada de realizar uma pura

operação de dedução lógica, isenta de subjetivismos e excessos que possam subverter a

impositividade da norma.

Pode-se compreender por segurança jurídica, portanto, uma

interpretação formalista que não contravenha o texto legal, mas também uma

interpretação menos inflexível, que impeça o desaparecimento desse mesmo texto

normativo do sistema jurídico, criando uma lacuna da lei em razão de sua

inconstitucionalidade. E a adoção de métodos menos ortodoxos de interpretação

constitucional, desde que utilizados dentro de limites aceitáveis, parece preferível às

formas clássicas, porque pode impedir decretações de nulidades da lei que não seriam

evitadas se aplicados apenas os métodos propostos por Savigny.

Canotilho, ao citar as modernas formas de interpretação constitucional

(“declaração de inconstitucionalidade sem as conseqüências da nulidade;” “situação

ainda constitucional mas a tender para a inconstitucionalidade;” “interpretação

conforme a Constituição” e “nulidade parcial”), as coloca como métodos para a solução

das “situações constitucionais imperfeitas,” tais sejam, situações de

inconstitucionalidades que podem ser solucionadas por outras formas menos radicais

que a sanção extrema da nulidade total. Diz ele: “A sanção de nulidade com as

características atrás assinaladas (no direito civil e no direito administrativo) pode

revelar-se uma sanção pouco adequada para certas situações que, embora imperfeitas

sob o ponto de vista constitucional, exigem um tratamento diferenciado, não

274 (grifo nosso) CASTRO, op. cit., p. 137. Na Áustria pode também a Corte Suprema, mesmo após reconhecer e declarar a inconstitucionalidade da lei, estabelecer que ela continuará vigendo pelo período de até um ano após a decisão.

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necessariamente reconduzível ao regime da nulidade absoluta. Isto conduziu a doutrina

e a jurisprudência a construções mais complexas e matizadas relativamente às sanções

aplicáveis a actos normativos desconformes com a Constituição.”275 E mais adiante

completa: “Todos estes exemplos do tipo de desconformidade constitucional não

reconduzíveis à bipartição radical entre actos normativos constitucionais válidos e actos

normativos nulos (entre constitucionalidade e inconstitucionalidade não há meio termo)

demonstram que as exigências da vida obrigam a soluções conciliadoras das dimensões

de constitucionalidade com as necessidades da segurança do direito.”276

8.3 Separação de poderes e presunção de constitucionalidade das leis e atos

normativos

Um dos princípios fundamentais do Estado Constitucional é o da

separação de Poderes. O sistema checks and balances tem, dentro da proposta de

Montesquieu, como uma de suas características principais, a especialização funcional,

como forma de impedir a concentração dos poderes estatais em apenas uma única

instância de poder, o que geraria, inexoravelmente, o arbítrio e o excesso pelos seus

detentores277.

E dentro dessa divisão de poderes, as leis (nos regimes democráticos)

emanam da vontade popular, consubstanciadas por representantes legitimamente eleitos

pela maioria do povo (salvo casos excepcionais de democracia direta). As leis são, por

assim dizer, uma das marcas inexoráveis da democracia. Assim, uma vez postas as leis

pelo Parlamento, devem elas ser observadas e preservadas, porque significam, em

última análise, a materialização do princípio democrático278.

275 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 1012. 276 Idem, Ibidem, p. 1013. 277 “A tese central está exatamente na formulação pragmática segundo a qual o poder deve conter instrumentos que possibilitem controles recíprocos ‘le pouvoir arrête le pouvoir” (Montesquieu) de modo a que nenhum órgão ou agente do Estado possa dele abusar”. Cf. FIGUEIREDO, 2005, p. 51.

278 O princípio democrático, portanto, também fundamenta e justifica a interpretação conforme, que tem exatamente essa missão de evitar a decretação de nulidade de leis positivadas pela vontade popular.

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André Ramos Tavares, ao se referir a interpretação conforme, ressalta

que entre duas ou mais interpretações possíveis da lei, havendo uma constitucional,

deve-se preferir esta, sendo que “isso é assim porque as leis são consideradas expressão

da vontade popular, e, pois, se possível, devem ser preservadas pelo Judiciário.”279 E

em outra passagem diz o professor: “pela interpretação conforme a Constituição

enfatiza-se a supremacia desta, mas, de outra parte, reconhecem-se a legitimidade das

leis e a relevância democrática de sua origem, de forma que sua anulação só venha a

materializar-se quando única solução viável, vale dizer, como medida impositiva, ultima

ratio.” 280

O professor Luís Roberto Barroso, ao mencionar o princípio da

independência e harmonia entre os Poderes como o fundamento mais primitivamente

relacionado à interpretação conforme, coloca que “deveras, foi ao Poder Legislativo,

que tem o batismo da representação popular, e não ao Judiciário, que a Constituição

conferiu a função de criar o direito positivo e reger as relações sociais. Só por exceção –

e em resguardo de inequívoca vontade constitucional – é que deverão juízes e tribunais

superpor sua interpretação às decisões e avaliações dos legisladores.”281

Hesse também acentua que “o legislador democrático tem a presunção

de constitucionalidade de sua vontade e atuação para si; a ele está encarregada a função

de configuração jurídica das condições de vida em primeiro lugar. Ao Tribunal

Gerson dos Santo Sicca coloca que a interpretação conforme a Constituição é um meio criado para tentar garantir a relação entre o princípio democrático, caracterizado no Parlamento e nas normas por ele emanadas, e o princípio da supremacia da Constituição. SICCA, Gerson dos Santos. A interpretação conforme à Constituição – Verfassungskonforme Auslegung – no direito brasileiro. In: Revista de Informação Legislativa, ano 36, n. 134, julho/setembro – 1999, p. 20. 279 (grifo nosso) TAVARES, 2002, p. 77. 280 (grifo do autor) TAVARES, 2006, p. 136-137. Em apresentação da mencionada obra de Cláudio de Oliveira Santos Colnago, o professor André Tavares também coloca que “a tensão entre Justiça Constitucional, especialmente aquela representada por um Tribunal Constitucional ou por uma Suprema Corte, de uma parte, e, de outra, por um Parlamento democraticamente eleito, encontra nas decisões interpretativas e, mais intensamente, na interpretação conforme a Constituição, uma fórmula que pressupõe a existência de uma autocontenção (embora também discricionária quanto ao seu cabimento e, pois, mantenedora, em parte, daquela tensão) da Justiça Constitucional. Nitidamente fica demonstrada uma dimensão de respeito diuturno para com as opções validamente consagradas pelo Parlamento, podendo algumas das fórmulas ou técnicas da Justiça Constitucional ser apresentadas como expedientes de uma self restraint”. (grifo nosso). In: COLNAGO, op. cit. p. 9. 281 (grifo nosso) BARROSO, op. cit., p. 192.

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constitucional é proibido disputar essa primazia ao legislador e, com isso, causar uma

remoção de funções, atribuídas constitucionalmente.” 282

Nessa divisão constitucional, repita-se, incumbe ao Poder Legislativo a

tarefa de criação formal do Direito, cuja função típica é produzir o ordenamento

vigente283.

Tais leis e atos normativos, portanto, porque praticados no

constitucional exercício dos poderes constituídos, devem gozar de uma presunção de

constitucionalidade, uma vez que é de se supor que ao editar esses atos, os órgãos

responsáveis os fazem com observância dos preceitos da Constituição. A presunção de

constitucionalidade das leis e atos normativos significa, na verdade, a presunção de que

os Poderes Públicos, quando os produzem, os fazem com vistas ao cumprimento da

vontade constitucional.284

Como bem coloca Meirelles Teixeira “se o sentido da lei se apresenta

duvidoso; se a lei comporta duas interpretações, uma contrária à Constituição, outra

perfeitamente compatível com esta, é evidente que o intérprete deve preferir a segunda,

pois já se viu que as leis se presumem constitucionais, isto é, coerentes com a

Constituição. É de admitir-se e de crer-se que o intuito do legislador era estabelecer uma

norma concorde com o estatuto básico, e não contrária a este.”285

Carlos Maximiliano também aponta que “todas as presunções militam a

favor da validade de um ato, legislativo ou executivo; portanto, se a incompetência, a

falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade, em geral, não estão acima de toda dúvida

razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do deliberado por qualquer dos três

ramos em que se divide o Poder Público. Entre duas exegeses possíveis, prefere-se a que

282 HESSE, p. 73. 283 Embora aos Poderes Judiciário e Executivo, como função atípica, permite-se, excepcionalmente, a produção de atos normativos, cuja generalidade da abrangência os equipara às leis do Legislativo, estando tais atos também sujeitos ao controle de constitucionalidade. 284 “Em favor da admissibilidade da interpretação conforme à Constituição militar também a presunção da constitucionalidade da lei, fundada na idéia de que o legislador não poderia ter pretendido votar lei inconstitucional.” Cf. MENDES, 2004. p. 319. 285 TEIXEIRA, Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 393.

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não infirma o ato de autoridade.”286 Em outras palavras, deve-se sempre tentar uma

interpretação conforme a Constituição.

O próprio Poder Legislativo, quando elabora uma norma, acaba por

interpretar a Constituição, para que a lei produzida não a contradiga. “Como se sabe,

praticamente todos os indivíduos acabam interpretando o Texto Supremo. O Poder

Legislativo o faz quando elabora determinada lei de acordo com o que estipula a

Constituição, ou ainda quando considera as possíveis interpretações que, em situações

futuras, possam ter as regras que irá aprovar. Também quando altera a própria

Constituição tem de obedecer aos limites por esta impostos.”287

No mesmo sentido aponta Lúcio Bitencourt: “é princípio assente entre

os autores, reproduzindo a orientação pacífica da jurisprudência, que milita sempre em

favor dos atos do Congresso a presunção de constitucionalidade. É que ao Parlamento,

tanto quanto ao Judiciário, cabe a interpretação do texto constitucional, de sorte que,

quando uma lei é posta em vigor, já o problema de sua conformidade com o Estatuto

Político foi objeto de exame e apreciação, devendo-se presumir boa e válida a

resolução adotada.”288

Além disso, se não houvesse essa presunção, o sistema normativo

jamais gozaria da imperatividade de que necessita para atingir seus fins de regulação

social. O descumprimento das normas, sob o argumento de inconstitucionalidade,

constituir-se-ia numa faculdade conferida a todo aquele que pretendesse subtrair-se às

regras vigentes. Como diz Luís Roberto Barroso, “o princípio desempenha uma função

pragmática indispensável na manutenção da imperatividade das normas jurídicas e, por

via de conseqüência, na harmonia do sistema. O cumprimento ou não aplicação da lei,

sob o fundamento de inconstitucionalidade, antes que o vício haja sido proclamado pelo

286 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 307. 287 BASTOS, op. cit.,, p. 123. No mesmo sentido coloca Luis Roberto Barroso, “A interpretação constitucional pelas Casas do Congresso, por Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais é indispensável para que exercitem sua atividade legislativa nos limites da Lei Maior, e, talvez mais importante, para que legislem de forma a realizar os fins constitucionais.” Cf. BARROSO, op. cit., p. 117. 288 (grifo do autor) BITENCOURT, Lúcio. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 91.

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órgão competente, sujeita a vontade insubmissa às sanções prescritas pelo ordenamento.

Antes da decisão judicial, quem subtrair-se a lei o fará por sua conta e risco.”289

Pois bem. Por força dessa separação de poderes e da presunção de

constitucionalidade dos atos do Legislativo a lei deve, portanto, ser preservada ao

máximo pelo Judiciário, devendo ser expulsa do âmbito normativo apenas quando não

houver, de forma alguma, como harmonizá-la com a Constituição, é dizer, quando for

evidente e inafastável sua contrariedade com os preceitos constitucionais em todos os

sentidos tomados. Apenas quando essa presunção de constitucionalidade dos atos

legislativos for definitivamente afastada e transformada em uma certeza de

inconstitucionalidade, torna-se factível a nulificação do texto (ou de parte dele).

Como bem esquematiza o professor Luís Roberto Barroso, o princípio

da presunção de constitucionalidade se traduz em duas regras de observância obrigatória

pelo intérprete: “a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou a

possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão

competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma

interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a

Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o

intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor.”290

Por tais razões é que a presunção iuris tantum de constitucionalidade

das leis é um dos fundamentos mais invocados pela doutrina para justificar o emprego

da interpretação conforme.

Paulo Bonavides, v.g. coloca que “a aplicação desse método parte, por

conseguinte, da presunção de que toda lei é constitucional, adotando-se, ao mesmo

passo o princípio de que em caso de dúvida a lei será interpretada ‘conforme a

Constituição.’”291 Em outra passagem, analisando a constitucionalidade de Lei Estadual

da Paraíba, que instituiu um regime especial de aposentadoria para detentores de

mandato eletivo, o mestre Bonavides disserta sobre a relação entre a presunção de

constitucionalidade das leis e a interpretação conforme, colocando que:

289 BARROSO, op. cit., p. 178. 290 BARROSO, op. cit., p. 178. Luís Roberto Barroso inclui entre os fundamentos da interpretação conforme, a presunção da constitucionalidade dos atos do Poder Público. BARROSO, op. cit., p. 192. 291 BONAVIDES, p. 518.

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“Nos Estados unidos, a doutrina, os arestos dos tribunais, os grandes

hermeneutas, a tradição jurisprudencial, a Suprema Corte e as Cortes Estaduais

fundaram e fizeram florescer, desde Marshall, a Ciência das Constituições.”

“Dali se irradiou o axioma universal de que não se presume

inconstitucionalidade; presume-se, sim, constitucionalidade, legalidade – o favor legis,

que cobre e protege a autoridade do legislador. Não se consente, em caso de dúvida, por

mera conjectura de infringência à Constituição, que leis nascidas, via de regra, de

procedimentos formais, legítimos e corretos, sejam inaplicadas, ignoradas ou

invalidadas e até mesmo varridas do ordenamento jurídico nas instâncias inferiores e

superiores da administração pública, sem que primeiro se lhes demonstre a mácula da

inconstitucionalidade insanável [...].”

“Com efeito, quem caminha do princípio da presunção de

constitucionalidade para o princípio da interpretação conforme a Constituição, sob um

degrau na hermenêutica constitucional; o princípio da presunção reside na esfera

abstrata e é o primeiro momento na reflexão do hermeneuta; já o da interpretação se

realiza noutro reino – o da concretude. Ambos, porém, são afins e se conjugam em

termos de interdependência com respeito à formulação efetiva de um controle de

normas constitucionais volvido para conservar a unidade do sistema jurídico e a

tripartição constitucional dos poderes, designadamente no contexto da complexa e

delicada relação do poder judiciário com o poder legislativo.”292

“Com efeito, a função metodológica de semelhante interpretação criada

em âmbito jurisprudencial, se justifica, em determinado sentido, na medida em que sua

aplicação fortalece o respeito ao legislador, consagra uma presunção de

constitucionalidade dos atos legislativos, precata a continuidade da ordem jurídica, faz

eficaz a segurança do direito, salvaguarda ao máximo possível a voluntas legislatoris,

garante a separação dos poderes, inibe a vocação dos tribunais para o governo dos juízes

nos sistemas de controle concentrado de constitucionalidade, induz o magistrado das

Cortes Constitucionais a restringir-se ao papel de legislador negativo no controle de

constitucionalidade e, sem dúvida nenhuma, prescreve-lhe, ao aplicá-lo, o acatamento à

292 BONAVIDES, 2003, p. 247-248.

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autoridade de um poder, cuja razão de legitimidade tem por base e fonte de concretude

de seu compromisso constitucional a manifesta expressão da vontade democrática.”293

Enterría294 também menciona essa presunção relativa de

constitucionalidade das leis como um fundamento muito utilizado pela jurisprudência

do Tribunal Federal Alemão e da Suprema Corte norte-americana na aplicação da

interpretação conforme.

E Juarez Freitas coloca que a interpretação conforme está,

indissociavelmente, vinculada à presunção de constitucionalidade das leis.295

Já Hesse coloca que a interpretação conforme está sedimentada no

princípio da unidade do ordenamento jurídico e tem como limite a presunção de

constitucionalidade do legislador democrático.296

Rui Medeiros297, por sua vez, não nega que essa presunção possa

fundamentar a técnica, mas coloca que “o recurso à presunção de constitucionalidade

para fundamentar o princípio da interpretação conforme à Constituição é incapaz de

abarcar toda a riqueza do fenómeno”. Um dos problemas colocados por Rui é o de que

essa presunção não serve para fundamentar a interpretação do direito ordinário anterior

em conformidade com a nova Constituição298. De fato assiste razão ao

constitucionalista, pois quanto às leis pré-constitucionais não é possível afirmar que o

293 Idem, Ibidem, p. 255. 294 ENTERRÍA, 1985, p. 96. 295 FREITAS, p. 351. 296 Konrad Hesse diz: “O princípio encontra suas raízes, antes, no princípio da unidade da ordem jurídica: por causa dessa unidade, leis que foram promulgadas sob a vigência da Lei Fundamental devem ser interpretadas em consonância com a Constituição, e direito que continua a viger, de época anterior, deve ser ajustado à nova situação constitucional”. Cf. HESSE, p. 72. O princípio da unidade da Constituição significa que “as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído pela própria Constituição. Em conseqüência, a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente se nós a entendermos como unidade, do que resulta, por outro lado, que em nenhuma hipótese devemos separar uma norma do conjunto em que se integra, até porque – relembre-se o circulo hermenêutico – o sentido da parte e o sentido do todo são mutuamente dependentes.” COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional: o que são, para que servem, como se aplicam. In: DIREITO PÚBLICO , ano 1, n. 5, p. 31-32, jul./ago./set. 2004. Inocêncio Mártires coloca que o princípio hermenêutico da interpretação conforme a Constituição “reforça” os cânones interpretativos do princípio da unidade da Constituição e o princípio da correção funcional (corolário do princípio da unidade da Constituição). Cf. COELHO, 2004, p. 34-35. 297 MEDEIROS, op. cit., p. 291-292. 298 Rui ainda menciona que o fundamento da presunção iuris tantum de constitucionalidade das leis acentua muito a importância da vontade do legislador, pressupondo uma adesão às teses subjetivistas de interpretação da lei. (Idem, Ibidem).

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legislador as elaborou com vistas à observância da futura Constituição, que ainda não

existia no momento da elaboração da norma inferior.299

Canotilho também faz essa observação quanto ao direito pré-

constitucional: “aqui perderá força a consideração de a lei se presumir de acordo com a

Constituição. A lei é anterior à Constituição e essa pode nortear-se por princípios

radicalmente diversos dos que informavam a constituição anterior.”300

Virgílio Afonso da Silva301 faz críticas ao que ele denomina “discussão

simplista” acerca do princípio da presunção de constitucionalidade como fundamento

para justificar a interpretação conforme, colocando que ela deve ser travada com um

pouco mais de atenção para que possa ter algum valor argumentativo. O usual

argumento de respeito à obra do legislador e à separação de poderes, diz o autor, faz

parecer que basta uma “faísca” de constitucionalidade para eliminar toda e qualquer

dúvida, por mais procedente que seja, acerca da constitucionalidade de uma lei, e todo e

qualquer argumento, por mais sólido que seja, sobre uma possível inconstitucionalidade

do dispositivo questionado. Além disso, prossegue o constitucionalista, embora a

vontade do legislador deva ser levada em conta na interpretação das leis e no controle

de constitucionalidade, o simples fato de a lei ter sido produto da decisão do legislador

democraticamente legitimado é apenas parte de uma argumentação mais complexa. Há

outros fatores e outras presunções as quais se pode recorrer no ato de interpretação das

leis, todas inspiradas na Constituição, e que podem militar justamente no sentido

contrário, ou seja, como argumento a favor da inconstitucionalidade de uma lei. Por

exemplo, a presunção in dúbio pro libertate determina que no caso de uma lei permitir

mais de uma interpretação, sendo que uma delas garante de forma mais efetiva a

liberdade dos cidadãos, é a essa interpretação que se deve dar prioridade. Pode ocorrer,

no entanto, que uma lei restrinja a liberdade garantida pela Constituição. Se admitida a

idéia simples da presunção de constitucionalidade da lei e da interpretação conforme, no

caso de haver uma interpretação que permita a constitucionalidade da lei, esta deverá ter

299 João Zenha Martins concorda com Rui Medeiros, afirmando que realmente não há como sustentar a presunção de constitucionalidade como fundamento da interpretação conforme, quanto ao direito pré-constitucional. Cf. MARTINS, 2003, p. 902. 300 CANOTILHO, 1993, p. 1229. 301 Cf. SILVA, 2005, op. cit., p. 9-13.

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prioridade. Mas é inegável que a liberdade dos cidadãos seria mais efetiva se a lei fosse

declarada inconstitucional.

Após todas essas ponderações conclui o autor, em tradução livre: “Isso

somente reforça o argumento de que a interpretação conforme a Constituição e a

presunção de constitucionalidade – e também de máximas como a da in dubio pro

libertate – se baseiam em premissas excessivamente simplistas para ter algum valor em

casos difíceis. E para os casos mais simples são simplesmente supérfluas ou triviais.”302

8.4 Princípio da conservação das normas jurídicas e princípio do máximo

aproveitamento dos atos jurídicos

Outros fundamentos invocados para justificar a interpretação conforme

são os princípio da conservação das normas jurídicas (ou dos actos jurídicos) e da

economia do ordenamento jurídico, e ainda o princípio do máximo aproveitamento das

normas.

“A idéia subjacente a tal tese é a de que, enquanto for possível

conservar os actos jurídicos, por uma questão de respeito pela função legislativa, estes

não devem ser declarados inconstitucionais. Procura-se, neste contexto, explorar ao

máximo as possibilidades de manutenção das normas jurídicas no seio da ordem

jurídica.”303

Em seu trabalho sobre a interpretação conforme, João Zenha Martins304

dispõe que:

“A interpretação conforme com a Constituição obedece assim a dois

propósitos hermenêuticos fundamentais:”

“Se existirem várias vias interpretativas possíveis, todas

constitucionalmente admissíveis, de um preceito legal, deve optar-se por aquela que

leve mais longe a realização das finalidades constitucionais, que permita a consecução

302 Silva, 2005, op. cit. p. 13. 303 FIRMINO, op. cit., p. 20. 304 (grifo do autor) MARTINS, 2003, p. 900.

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do punctus optimus de equilíbrio menos restritivo entre direitos ou bens

constitucionalmente protegidos – postulado de maximização das normas constitucionais

ou Interpretação orientada para a Constituição.

“Se existirem duas ou mais interpretações de um preceito legal, deve

optar-se pelo sentido constitucionalmente conforme, que permita a conservação do

preceito legal. O preceito não deve ser afastado enquanto puder ser interpretado em

conformidade com a Constituição – postulado de conservação das normas legais.”

Jorge Miranda também menciona que a interpretação conforme existe

em função de um princípio de economia do ordenamento ou de máximo aproveitamento

dos atos jurídicos e não de uma presunção de constitucionalidade.305

O professor André Ramos, mencionando os posicionamentos de Hesse,

Jorge Miranda e Zagrebelsky, menciona ainda que “o fundamento da interpretação

conforme é a unidade da ordem jurídica, ou seja, ‘leis que foram promulgadas sob a

vigência da Lei Fundamental devem ser interpretadas em consonância com a

Constituição, e direito que continua a viger, de época anterior, deve ser ajustado à nova

situação constitucional’. Ademais, encontra fundamento também em ‘um princípio de

economia do ordenamento ou de máximo aproveitamento dos atos jurídicos.”306

Rui Medeiros,307 por seu turno, a exemplo da citada crítica à presunção

de constitucionalidade das leis, também não nega que “o princípio da conservação dos

atos jurídicos [...] possa, em certos casos, desempenhar um papel complementar na

fundamentação das decisões interpretativas.” Mas recusa “[...] fundamentar a

interpretação conforme à Constituição neste princípio, seja em termos exclusivos, seja

em conjugação com a presunção de constitucionalidade das leis.” Em primeiro, coloca o

autor português que a interpretação conforme também pode ser utilizada quando

nenhuma das interpretações da norma é inconstitucional, sendo empregada então para

selecionar qual a interpretação mais constitucional dentre todas possíveis. Nessa

hipótese, portanto, a interpretação conforme não é utilizada para conservar a norma no

sistema (que é totalmente constitucional) e sim para obter o máximo aproveitamento

305 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1987. t. II. p. 232. 306 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 225-226. 307 MEDEIROS, op. cit., p. 293-295.

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dela. Além disso, ele sustenta que mesmo nos sistemas que recusam um controle

jurisdicional e administrativo da constitucionalidade das leis, como na Suíça, admite-se

o recurso à interpretação conforme à Constituição para afastar interpretações

inconstitucionais de uma lei. Assim, “o exemplo suíço demonstra, por conseguinte, que

a interpretação conforme à Constituição tanto pode servir para limitar como para

possibilitar a fiscalização de constitucionalidade.”

Quanto a essa última crítica de Rui, também observa Ana Sofia de

Sousa Firmino308 que: “É curioso notar que tal método se estendeu mesmo a

ordenamentos jurídicos em que não existe (ou em que é parcialmente vedado) o

controlo judicial da constitucionalidade das leis, funcionando, nestes casos, como uma

espécie de compensação por tal ausência de controlo (é o caso, por exemplo, da Suíça,

quanto às leis federais e da Finlândia).”

8.5 Princípio da unidade do ordenamento jurídico

Conforme foi visto acima e se verá adiante, muitos doutrinadores

brasileiros e estrangeiros sustentam a plausibilidade da interpretação conforme no

postulado na unidade do ordenamento jurídico que, partindo da supremacia da

Constituição na ordem jurídica, tem como conseqüência inexorável a necessidade de

que todo regramento inferior seja elaborado e interpretado em obediência às normas da

Carta Magna. Sob esse prisma, a interpretação conforme a Constituição constitui,

portanto, uma obviedade. Por tal razão é que a unidade do ordenamento jurídico

constitui um dos fundamentos mais apontados pela doutrina e jurisprudência para

subsidiar a interpretação conforme a Constituição.

Virgílio Afonso da Silva, entretanto, faz uma crítica acerca desse

fundamento. Ele coloca que para aqueles que vêem o ordenamento jurídico como uma

pirâmide em cujo cume se encontra a Constituição, a unidade do ordenamento jurídico

como fundamento da interpretação conforme a Constituição é algo auto-explicativo.

308 FIRMINO, op. cit., p. 05.

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Mas a seguir faz críticas a essa conclusão aparentemente lógica. Em primeiro, coloca o

autor que considerar a Constituição como parâmetro interpretativo (que é no fundo o

que significa a unidade do ordenamento jurídico) é bem diferente de dar prioridade a

uma interpretação que mantenha a constitucionalidade da lei. Depois, prossegue o

jurista, proceder de maneira exatamente contrária ao que propõe a interpretação

conforme, ou seja, declarar a inconstitucionalidade de uma lei também garante, da

mesma forma, a unidade do ordenamento, de tal sorte que esse postulado serve para

fundamentar todo e qualquer controle de constitucionalidade e, conseqüentemente, a

possibilidade de declarar-se a inconstitucionalidade de uma lei.309. E nessa linha de

raciocínio conclui Virgílio Afonso, em tradução livre: “Por isso, não se pode sustentar

que a idéia de unidade do ordenamento jurídico, na forma defendida por Hesse e, no

Brasil, por Gilmar Mendes dentre outros, possa ter algum valor na fundamentação da

interpretação conforme a Constituição, já que, como foi visto, tê-la como pressuposto

pode fundamentar ações diametralmente opostas.”310

Com a devida vênia do eminente constitucionalista da Universidade de

São Paulo, mas sua crítica encerra uma contradição em si mesma, já que ele nega a

unidade do ordenamento jurídico como fundamento da interpretação conforme, ao

mesmo tempo em que sustenta que tal fundamento se presta a fundamentar “todo y

cualquier control de constitucionalidad” (no qual se inclui, portanto, a interpretação

conforme). O fato do postulado da unidade do ordenamento jurídico poder servir de

fundamento também para a decretação de inconstitucionalidade de uma norma não traz

nenhum óbice ou incompatibilidade a que ele seja utilizado para fundamentar a técnica

da interpretação conforme. Realmente, tanto quando se interpreta uma norma em

conformidade com a Constituição, como quando se declara a inconstitucionalidade de

uma norma por contrariedade à Constituição, tem-se em vista manter a unidade do

ordenamento jurídico, cujo fundamento maior é a Constituição. Em outras palavras, às

vezes a unidade do ordenamento exige que a norma seja expurgada do sistema jurídico

(quando ela for inevitavelmente incompatível com a Constituição); às vezes, exige que a

norma seja mantida, ainda que com uma interpretação conformadora à Carta Magna.

309 SILVA, op. cit. p. 8-9. 310 Idem, p. 9.

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8.6 A insuficiência de um único fundamento para justificar o princípio da

interpretação conforme a Constituição

Como se vê, da mesma forma que não há um consenso sobre quse nada

que diga respeito a interpretação conforme, também não há quanto ao fundamento de

sua legitimação. Mas, embora cada autor acabe reverenciando, mais ou menos, este ou

aquele fundamento, a verdade é que aqui também a doutrina não adota um único

fundamento para justificar essa técnica de decisão interpretativa.

O professor Celso Bastos, por exemplo, menciona vários fundamentos a

legitimar as “modernas formas de interpretação constitucional” dentre as quais a

interpretação conforme. Em dado momento311 ele ressalta como “fundamento o

princípio da economia, da segurança jurídica e da presunção de constitucionalidade

[...].” Mais adiante,312 assenta que a idéia de interpretar uma norma em conformidade

com a Constituição “nada mais é do que a aplicação do princípio da supremacia da

Constituição.”

Da mesma forma, Luís Roberto Barroso, além da presunção de

constitucionalidade, indica como fundamentos da interpretação conforme também a

supremacia da Constituição, a segurança jurídica e ainda a independência e harmonia

entre os poderes (separação de Poderes), além da unidade do ordenamento.313

Paulo Bonavides também menciona como fundamentos da

interpretação conforme, a presunção de constitucionalidade das leis e a Separação de

Poderes; a segurança do direito; a continuidade da ordem jurídica e a unidade do

sistema constitucional. Quanto a este último fundamento mencionado ele muito bem

escreve: “Outra coisa não é a interpretação conforme a Constituição senão um postulado

de hermenêutica que embarga a contradição axiológica no interior dos corpos

311 BASTOS, op. cit., p. 268. 312 Idem, Ibidem, p. 271. 313 BARROSO, op. cit., p. 192.

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constitucionais mantendo e afiançando e amparando a unidade jurídica do sistema

constitucional.”314

Marcelo Novelino justifica a interpretação conforme, com a supremacia

da Constituição e a presunção de constitucionalidade das leis. “Se os atos

infraconstitucionais têm como fundamento de validade a Constituição, presume-se que

os poderes que dela retiram sua competência agiram em conformidade com os seus

preceitos, razão pela qual a dúvida milita a favor da manutenção da lei.”315

João Zenha Martins316 indica como “proposições” (fundamentos) da

interpretação conforme, além do “postulado” de conservação das normas, ainda a

presunção filiada no favor legis , o princípio da segurança jurídica317 e o princípio da

coerência e unidade da ordem jurídica.318

Na verdade todos os princípios mencionados pela doutrina devem,

conjuntamente, legitimar a adoção da interpretação conforme (e de outras técnicas de

decisões interpretativas), pois nenhum deles é suficiente para, por si só, justificar

plenamente o recurso à interpretação conforme. Com efeito, deve-se conservar a norma

e impedir, o quanto possível, sua decretação de inconstitucionalidade porque ela é fruto

do exercício dos Poderes de Estado, assim erigidos na separação constitucional

estabelecida. As leis têm, portanto, presunção de compatibilidade com a Carta Maior, já

que é de se supor que tais Poderes, ao editar as normas inferiores, o fazem com vistas a

obedecer à supremacia da Constituição e com respeito à coerência (unidade) que deve

314 (grifo nosso) BONAVIDES, 2003, p. 254-261. Gilmar Mendes também menciona que “um importante argumento que confere validade à interpretação conforme à Constituição é o princípio da unidade da ordem jurídica que considera a Constituição como contexto superior das demais normas. Dessa perspectiva, a interpretação conforme constitui uma subdivisão da chamada interpretação sistemática.” Cf. MENDES, op. cit., p. 260. João Zenha Martins também se refere à interpretação conforme como uma modalidade de interpretação sistemática (Cf. op. cit., p. 897) e como elemento sistemático-teleológico, embora reconheça a distinção clássica entre os elementos sistemático e teleológico (Cf. op. cit., p. 899). 315 NOVELINO, 2008, p. 116. 316 MARTINS, op. cit., p. 901-902. 317 Idem, Ibidem, p. 839. 318 Quanto à unidade da ordem jurídica como fundamento da interpretação conforme, escreve João Zenha que esse princípio “conleva” (requer) a consideração de cada preceito sob o influxo dos princípios e conceitos constitucionais. A Constituição, como conjunto de normas, constitui o contexto necessário de todas e de cada uma das normas do ordenamento para efeitos de interpretação e aplicação. Assim, a interpretação conforme com a Constituição surge como uma “modalidade” de interpretação sistemática, colocando-se num plano de conexidade com a unidade da ordem jurídica.” Cf. MARTINS, 2003, p. 896-897.

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ter o sistema jurídico, cuja segurança depende da manutenção e preservação de todas as

normas vigentes, aproveitadas no máximo de sua normatividade.

Ana Sofia319 também coloca que nenhum dos fundamentos,

isoladamente considerado, é suficiente para abarcar o fenômeno da interpretação

conforme em todas as suas dimensões, sendo que cada fundamento apontado pela

doutrina tem, na verdade, um papel complementador na fundamentação das decisões

que apelem à interpretação conforme à Constituição. Ela menciona como exemplos o

princípio da presunção de constitucionalidade das leis (ressalvando que ele não explica

a admissibilidade de uma interpretação conforme à Constituição de leis pré-

constitucionais) e o princípio da conservação dos “actos jurídicos” que não se aplica

quando a interpretação conforme é utilizada para verificação da interpretação mais

constitucional, pois nesta hipótese não está em causa uma norma inconstitucional, não

tendo sentido falar-se em sua conservação320.

Todos os fundamentos deduzidos pela doutrina para justificar a

interpretação conforme – principalmente a supremacia constitucional e a presunção de

constitucionalidade das leis – também indicam que o emprego dessa técnica de decisão

interpretativa consubstancia, na verdade, um dever do aplicador da lei, que só pode

reconhecer a inconstitucionalidade de uma norma acima de qualquer dúvida razoável

(beyond all reasonable doubt).

Nesse sentido coloca Nagib Slaibi: “na dúvida sobre a

constitucionalidade do ato impugnado deve o intérprete considerá-lo hígido, compatível

com a Lei das Leis. De tal regra decorrer que deve o juiz, ao dirimir a lide, contornar, no

que puder, a questão da constitucionalidade.”321 E acrescenta: “se ao menos uma das

normas que se pode extrair do dispositivo legal se mostra compatível com a

Constituição, o intérprete deve abster-se de proclamar a inconstitucionalidade (afirme-

se, novamente: a declaração de inconstitucionalidade é uma exceção, é a última

providência, que o juiz somente pode incorrer se nenhuma outra alternativa restar!).”322

319 FIRMINO, op. cit., p. 22-23. 320 Karine Espinheira também indica como fundamentos da interpretação conforme os princípios da unidade do ordenamento jurídico, da economia do ordenamento e de máximo aproveitamento dos atos jurídicos, além da independência e harmonia entre os poderes (op. cit., p. 1-3). 321 (grifo nosso) SLAIBI FILHO, 2006. p. 107. 322 Idem, Ibidem, p. 114.

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9 LIMITES À INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Sem dúvida, o tema mais polêmico acerca da interpretação conforme é

o dos limites dessa técnica de decisão interpretativa. Trata-se de campo delicado e

complexo acerca desse método de interpretação323.

Na verdade, “a problemática dos limites da interpretação conforme à

Constituição está indissociavelmente ligada ao tema dos limites da interpretação em

geral”324. Muitas vezes esses limites não se apresentam claros e são difíceis de

definir325.

Por um lado, como já vimos, a interpretação conforme consubstancia

um dever do intérprete (em especial do Poder Judiciário) que não deve declarar a

inconstitucionalidade de uma norma quando ela possa ser mantida no ordenamento

mediante a técnica aqui estudada; por outro lado, assenta doutrina e jurisprudência, que

nessa missão de preservação das normas jurídicas, o Judiciário não pode extrapolar as

barreiras do texto legal e a voluntas legis, convertendo-se assim em legislador positivo,

usurpando as funções constitucionalmente delegadas ao Poder Legislativo. Em outras

palavras, o Judiciário deve procurar uma interpretação conformadora, para preservar as

normas postas positivamente pelo Legislador, mas sem extravasar os limites dessas

mesmas normas. Embora não seja simples essa equação, assim é que deve ser.

A questão que se coloca, portanto, é se a interpretação conforme tem

realmente como limites as possibilidades do texto legal e a vontade do legislador

democrático, ou se ela pode funcionar como interpretação corretiva do dispositivo

legal. “O debate trava-se aqui entre os adeptos de uma interpretação conforme à

Constituição delimitada negativamente pela letra da lei e os defensores de decisões

323 BONAVIDES, 1994, p. 520. 324 MEDEIROS, op. cit., p. 301. 325 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., p. 1255. “Não há uma norma que especifique como se deve interpretar as normas, como bem lembra Eros Grau. É esse o calcanhar de Aquiles do processo hermenêutico, como já frisei em capítulo específico”. Cf. STRECK, 2004, op. cit. p. 579. “Os limites entre a interpretação e a criação do direito, porém, são bastante fugazes e tênues, e facilmente podemos passar de uma situação respeitadora do princípio da separação de poderes para outra em que o julgador usurpa por completo suas funções, criando uma nova norma. Tudo reside, pois, em saber se, no caso concreto, tais limites foram ou não ultrapassados (o que envolve naturalmente elementos de ponderação)”. Cf. FIRMINO, op. cit. p. 38.

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interpretativas correctivas dos sentidos que dela resultam, por via extensiva ou

restritiva.”326. A questão é absolutamente controvertida, como de resto todos os demais

temas que envolvem a interpretação conforme.

A doutrina e a jurisprudência nacionais e estrangeiras sustentam,

realmente, que a interpretação conforme encontra limites tanto na expressão literal da

lei, bem como na chamada vontade do legislador327. Como pontifica Marcelo Novelino,

“Há dois limites a serem observados na utilização deste princípio: o sentido claro do

texto legal e o fim contemplado pelo legislador.” 328

Numa perspectiva funcional, a interpretação conforme a Constituição

atua, portanto, como um princípio de auto-limitação judiciária, tendo como limites

imediatos a expressão literal da lei e os propósitos perseguidos pelo legislador329.

Sob esse prisma, pode-se verificar que a necessidade de salvar uma

norma da eiva da inconstitucionalidade e da sua conseqüente retirada do ordenamento

jurídico não vai a ponto de autorizar uma interpretação conforme sem critérios e

limites, que subverta o sentido da lei. Quando a norma é inevitavelmente

inconstitucional, não há outra solução possível que não o reconhecimento desse vício

insanável. O trabalho interpretativo, apesar da parcela de subjetivismo que encerra, não

pode extravasar os limites intransponíveis do texto normativo.330

Se por um lado a interpretação conforme significa uma superação dos

métodos ortodoxos e inflexíveis de interpretação propugnados pelo juspositivismo

formalista, por outro prisma, não pode se constituir em uma verdadeira negação do

direito posto pelo Poder Legislativo, o que em última análise, traduzir-se-ia numa

326 MEDEIROS, 1999, p. 303. 327 MENDES, op. cit., p. 319. “Não se trata aqui de dizer que a vontade do legislador é determinante. Ela não o é unicamente. Entretanto, o órgão judicial, no exercício de suas funções deve procurar aproximar-se ao máximo do escopo idealizado primordialmente pelo legislador. Até mesmo porque, se assim não fosse, não haveria sentido na importância e na manutenção de sua atividade”, Cf PEREIRA JUNIOR, 2000, p. 382. 328 (grifo do autor) NOVELINO, op. cit., p. 117. 329 PEREIRA JUNIOR, 2000, p. 376-383. 330 A interpretação conforme, conquanto represente uma superação do formalismo hermenêutico, não pode conduzir aos excessos interpretativos próprios das correntes realistas, nas quais “[...] a figura do Deus legislador é transladada para a instituição onde o juiz cumpre o papel de um criador divino”; onde “o juiz é divinizado como o legislador no formalismo.” Cf. WARAT, op. cit., p. 57.

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flagrante violação da separação de Poderes, que como já foi colocado, é uma das vigas

mestras do Estado Constitucional de Direito.331

Assim, “é enfaticamente ressaltado pela doutrina que a interpretação

conforme a constituição não constitui um instrumento de salvação da lei ao custo de

uma interpretação forçada, que, ao fim e ao cabo, configure verdadeiro exercício

legislativo.”332 Não pode o Judiciário, na expressão comumente utilizada pela doutrina e

jurisprudência, converter-se em legislador positivo333, extrapolando os limites do texto

normativo.

Gilmar Mendes, que confere especial atenção aos limites de uma

interpretação conforme, observa muito bem que alteração do conteúdo da lei, sob

pretensa interpretação em conformidade com a Constituição, acaba sendo mais gravosa

do que a própria declaração de nulidade do texto legal, já que neste caso o ente

legiferante pode imprimir uma nova conformação à matéria.334 Realmente, a declaração

de nulidade oportuniza e mesmo impõe ao Legislativo, diante do vácuo normativo

criado, produzir a norma substitutiva, enquanto uma interpretação desvirtuada do

sentido expresso da lei acaba por manter o texto no ordenamento, porém com o sentido

dado pelo Poder Judiciário em inequívoca contrariedade com aquele pretendido pelo

legislador.335

331 “Interpretar conforme a Constituição não significa alterar o conteúdo da lei. Até mesmo porque, se assim fosse, tratar-se-ia de uma intervenção extremamente drástica na esfera de competência do legislador – mais drástica do que a própria declaração de nulidade dessa mesma lei. Tal hipótese permitiria ao ente legiferante a possibilidade de uma nova conformação da matéria [...].” Cf. SUXBERGER, 2000, p. 01. 332 ANDRADE, 2003, p. 109. A propósito, o autor aqui mencionado, faz uma crítica de expressões textuais mencionadas por alguns doutrinadores (Canotilho, Luís Roberto Barroso, Celso de Albuquerque Silva, Zeno Veloso, Gilmar Mendes) que ao mencionarem os limites da interpretação conforme falam em respeito à “vontade do legislador”. Cf. ANDRADE, 2003, p. 109.

333 Zeno Veloso, referindo-se à declaração de inconstitucionalidade parcial, ressalta a impossibilidade do Supremo atuar como legislador positivo: “ao declarar a inconstitucionalidade parcial de uma norma, não pode o STF, deixando de agir como legislador negativo – o que é permitido –, atuar como legislador positivo – o que significaria usurpação. Assim, se a declaração de inconstitucionalidade parcial implicar alteração no sentido e no alcance do preceito, a única solução possível está na eliminação de todo o dispositivo. Neste sentido é firme a jurisprudência do Excelso Pretório (cf. DJU 10.02.1995, p. 1.897; DJU 16.02.1996, p. 2.997; DJU 01.07.1996, p. 23.867)”. Cf. VELOSO, 2003, p. 163. 334 MENDES, op. cit., p. 261. 335 Conforme já frisamos não é tão simples, porém, conformar a norma à Constituição para conservá-lo no ordenamento e ao mesmo tempo manter-se, nesse trabalho exegético, dentro de limites que não delirem dos fins do texto normativo. Gilmar Mendes menciona que o próprio Tribunal Constitucional Federal Alemão nem sempre observa tais limites com o necessário rigor. E menciona como exemplo clássico a seguinte decisão: O § 18, (3) da Lei de 14 de abril de 1950, que disciplinava a Jurisdição

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Gilmar Mendes ainda dispõe que a limitação à interpretação conforme

pode estar não no texto normativo, mas na natureza da norma interpretada. Ele se refere

às emendas constitucionais: “ao contrário da interpretação conforme à Constituição

aplicada ao direito ordinário, que deixa a Constituição intocada, a utilização da

interpretação conforme à Constituição em relação à emenda constitucional afigura-se

problemática, porque as normas introduzidas acabam por emprestar novo significado ao

ordenamento constitucional em vigor. Uma limitação dessa conseqüência através da

interpretação conforme à Constituição não parece ser possível”336. Segundo o autor, no

caso de emenda à Constituição a aferição de sua constitucionalidade material deve ser

pautada pelos princípios constantes das cláusulas pétreas.337

O mestre português, Canotilho, ao catalogar os princípios da

interpretação constitucional refere-se ao princípio da justeza ou conformidade

funcional, que “tem em vista impedir, em sede de concretização da constituição, a

alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecida. O seu alcance

primeiro é este: o órgão (ou órgãos) encarregado da interpretação da lei constitucional

não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-

funcional constitucionalmente estabelecido (EHMKE).” 338

E mais adiante, o autor cita ainda o princípio da exclusão da

interpretação conforme a constituição mas‘contra legem ́ que “impõe ao aplicador de

uma norma não poder contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma

interpretação conforme a constituição, mesmo que através desta interpretação consiga

Administrativa do Estado de Rheinland-Pfalz dispunha, verbis: “contra decisão da comissão jurídica do ‘Kreis’ pode ser interposto, a juízo do interessado, recurso dirigido ao Presidente do Governo ou ser proposta ação perante a jurisdição administrativa. A utilização de um desses remédios exclui a utilização do outro”. A Corte Constitucional, dando interpretação conforme a esse dispositivo, admitiu o cabimento da ação administrativa após o recurso ao Presidente do Governo, sob o argumento de que a expressão “a utilização de um desses remédios exclui o uso do outro” apenas proibia a proposição simultânea deles. Cf. MENDES, op. cit., p. 262. 336 MENDES, op. cit., p. 263-264. 337 Ressalte-se, entretanto, que no julgamento da ADI-MC n. 3684, o Minstro Cezar Peluso atribuiu interpretação conforme ao art. 114, incisos I, IV e IX, da CF (com redação determinada pela EC 45/04) para excluir do âmbito de incidência desses dispositivos a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de ações penais. Foi, sem dúvida, interpretação conforme, conferida à emenda constitucional. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 3684. Relator: Minstro Cezar Peluso, Brasília, 02 de janeiro de 2007. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2008. 338 CANOTILHO, p. 1149-1150.

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uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais.”339

O professor André Ramos também dispensa especial atenção aos

limites a serem respeitados na utilização da interpretação conforme. Diz o mestre:340

“[...] Não há como negar-se que a tarefa interpretativa, contrariando a

idéia constante do positivismo formalista, não é meramente mecânica. Em outras

palavras, a interpretação não se afigura, simplesmente, como um ato de conhecimento,

mas sim como um irresistível ato de vontade do próprio exegeta, que deve sempre partir

de casos concretos.”

“Sem embargo, não se pode admitir um ato de vontade absoluto,

desenfreado, ilimitado. Fazê-lo seria trilhar as veredas da mais extremada subjetividade

e, conseqüentemente, da insegurança. Nesse sentido, afigura-se essencial estabelecer

determinados limites, conforme já dito alhures:”

“‘A técnica, contudo, encontra limites, derivados tanto do âmbito literal

da norma quanto da vontade (objetiva) do legislador ao aprovar a lei. Existem, também,

limites lógicos ao uso da interpretação conforme a Constituição, não se admitindo que o

julgador se substitua ao legislador, fugindo da literalidade da lei. [...] deve-se afastar a

utilização desse recurso quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém

uma regulação nova e distinta (TAVARES, 2003:237).’”

“Em outras palavras, não se pode pretender a inovação plena, quando

da atividade exegética, distorcendo, de forma compromissada e repudiável, o que consta

do enunciado normativo escrito.”341

Também Samantha Ribeiro Meyer-Pflug342 coloca que “não é permitido

às Cortes Constitucionais343 quando da análise da norma infraconstitucional alterar o

seu conteúdo normativo, ou seja, a sua finalidade só para evitar a declaração de sua

339 CANOTILHO, p. 1151-1152. Em outra passagem, Canotilho diz expressamente que “a interpretação conforme tem, assim, seus limites na letra e na clara vontade do legislador”, não podendo ir além dos sentidos possíveis, resultantes do texto e do fim da lei; não podendo consubstanciar-se numa revisão do conteúdo da lei. (Idem, Ibidem, p. 1226). 340 TAVARES, p. 137-140. 341 TAVARES, p. 138-139. “Os limites da interpretação constitucional estão lá onde [...] terminam as possibilidades de uma compreensão conveniente do texto da norma ou onde uma resolução iria entrar em contradição unívoca com o texto da norma.” Cf. HESSE, p. 69. 342 MEYER-PFLUG, op. cit., p. 142. 343 Ao Poder Judiciário em geral, já que a interpretação, repita-se, se dá nos controles concentrado e difuso de constitucionalidade.

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inconstitucionalidade. Vale dizer que a alteração da finalidade da norma pelo Poder

Judiciário configuraria uma verdadeira violação ao princípio da separação de poderes,

pois estar-se-ia criando, assim, uma nova norma jurídica. Do mesmo modo não é

admissível a permanência de uma norma inconstitucional no ordenamento jurídico.

Uma vez verificado o vício da inconstitucionalidade das normas jurídicas, deve-se

proceder à declaração de sua inconstitucionalidade e, conseqüente, expulsão do

ordenamento jurídico.”

Rui Medeiros, tratando das conseqüências da interpretação conforme

nas relações entre os órgãos de fiscalização da constitucionalidade das leis e o legislador

coloca que ninguém ignora que por meio desse instituto os órgãos de controle podem se

substituírem ao legislador, razão pela qual salta aos olhos a importância da

determinação dos limites da interpretação conforme a Constituição. E quanto a tais

limites é enfático: “Há que impedir ‘a transformação, ainda que com efeitos limitados

ao caso concreto, da pretensa interpretação adequadora em verdadeira e própria

modificação da disposição fiscalizada. A relevância da questão não pode ser

subestimada com base na idéia de que quem tem competência para proferir uma decisão

de inconstitucionalidade de um preceito legal pode, por maioria de razão, optar por uma

decisão interpretativa. Com efeito, ‘quando o conteúdo atribuído à lei pelo órgão

fiscalizador através do apelo à interpretação conforme à Constituição contém, já não um

minus, mas antes um aliud em face do conteúdo originário da lei’, o órgão fiscalizador

‘intervém mais fortemente nas competências do legislador do que nas hipóteses em que

profere uma decisão de invalidade’: enquanto após a decisão de invalidade da lei a nova

conformação material positiva é realizada directamente pelo legislador, no caso de

decisão interpretativa tal tarefa é levada a cabo pelo próprio órgão fiscalizador. Este,

mais do que interpretar a lei, corrige-a ou converte-a e, obviamente, a correção e a

conversão da lei atingem mais intensamente as competências do legislador do que a

mera invalidação ou não aplicação da lei.”344 E mencionando o entendimento de

Canotilho também nesse sentido, completa Rui: ‘A admissibilidade de uma correção

intrínseca da lei’ é, portanto, mais atentatória ‘da preferência legislativa

344 MEDEIROS, 1999, p. 300-301.

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constitucionalmente concretizadora do que a declaração ou reconhecimento de

inconstitucionalidade.’”345

O próprio Tribunal Constitucional Federal Alemão, cuja jurisprudência,

como já se disse, foi em grande parte a responsável pelo incremento destas modernas

formas de interpretação, já deixou assentado os limites de sua aplicação: “Através da

interpretação não se pode dar a uma lei inequívoca em seu texto e em seu sentido, um

sentido oposto; não se pode determinar de novo, no fundamental, o conteúdo normativo

da norma que há de ser interpretada; não se pode faltar ao objetivo do legislador em um

ponto essencial.”346

Em outro julgado, o Tribunal Alemão deixou assentado que “o juiz não

pode dar, por meio de interpretação ‘conforme a constituição’, a uma lei de texto e

sentido inequívocos, um significado oposto àqueles”,347 não podendo essa técnica

atribuir “[...] justamente um sentido oposto ao do texto legal, que é claro.”348 Em outras

palavras, não pode a interpretação conforme deturpar os propósitos e objetivos da lei.

O Tribunal Constitucional espanhol também enfatiza essa necessidade

de limitação à interpretação conforme. “Na Espanha, o Tribunal Constitucional tem

editado sentenças interpretativas, reconhecendo que representam meio lícito de

prestação jurisdicional, embora ‘muito delicado e de difícil uso’. Sobre o tema, a

jurisprudência tem consignado que pode o Tribunal estabelecer um significado de um

texto e decidir que ele é conforme a Constituição, mas não pode tratar de reconstruir

uma norma que não esteja devidamente explícita em um texto, para concluir que esta é a

norma constitucional, sendo-lhe vedado ignorar ou desfigurar o sentido dos enunciados

legais meridianos (cf. Sentenças 5/1981, de 13 de abril; 11/1981, de 8 de abril;

341/1993, de 18 de novembro).”349

345 Idem, Ibidem. Rui Medeiros reconhece que o sentido das palavras que serve de limite à interpretação quase sempre é induvidoso e indeterminado o que só pode ser superado por uma determinação interpretativa, mas reafirma que isso não anula o problema de enfrentar os limites da interpretação conforme. Cf. MEDEIROS, op. cit. p. 302-303.

346 ALEMANHA, BVerfGE, 11, 126 (130) apud BARROSO, op. cit., p. 122-123. 347 MARTINS, Leonardo (Org.) Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Coletânea original de Jürgen Schwabe. Uruguai: Konrad Adenauer Stiftung, 2005. p. 134-135. 348 Idem, Ibidem. 349 VELOSO, 2003, p. 173.

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Não cabe, portanto, ao Poder Judiciário proceder a uma interpretação

contra legem para, forçosamente, tentar adequar a norma viciada à Constituição. A

interpretação operada pelos juízes deve conter-se dentro de limites razoáveis350, de

modo que alcance uma aceitável harmonização do comando legal com os propósitos

constitucionais, apenas quando isso se revelar possível.

Assim é que Juarez Freitas coloca a questão: “De conseguinte, não se

admite o intérprete passivo de outrora, perspectiva advogada, ainda hoje, por áulicos

nostálgicos da Escola da Exegese. Tal orientação mecanicista, como acentuado, situa-se

em desacordo pleno com a vida real. De outra parte, certo está que a hierarquização não

deve ocorrer nos termos da aplicação de um Direito livre. Há, sem a menor dúvida,

limites formais e substanciais para que se dê vida socialmente adequada à ordem

jurídica, sendo um destes o que deflui do dever de realizar, com a máxima

cautela, a ‘interpretação conforme.’”351

Antonio Henrique Graciano Suxberger também coloca que: “a

interpretação conforme a Constituição, realizada de forma legítima e escorreita,

pressupõe a reunião de determinados elementos. É imprescindível a existência de um

espaço de decisão, ou seja, que uma determinada questão comporte e aceite como

admissíveis várias propostas interpretativas. Por outro lado, embora os órgãos

judiciários rejeitem ou não apliquem as normas inconstitucionais, proíbe-se a correção 350 A doutrina defende que a aplicação da interpretação conforme deve ocorrer com observância do princípio da razoabilidade, para não desbordar dos seus legítimos limites. Eduardo Fernando Appio, muito bem coloca que a interpretação conforme tem como requisitos prévios para sua aplicação judicial os requisitos da necessidade e da utilidade funcional, além de ter de obedecer a um juízo de proporcionalidade. Segundo o autor, a necessidade existe quando a interpretação conforme se revele o único caminho para salvar a norma que se interpretada em seu sentido literal será passível de nulidade. A utilidade, no sistema concentrado significa a proteção dos princípios constitucionais e no sistema difuso de controle significa a proteção do interesse jurídico perseguido na causa, ou seja, a efetiva possibilidade de concessão do bem da vida pretendido pelo interessado. Cf. APPIO, op. cit., p. 39-62. No mesmo sentido, Luiz Lenio Streck, referindo-se aos limites da interpretação conforme a Constituição, também fala da razoabilidade e utilidade em sua aplicação: “Fazendo coro com Jorge Miranda, é preciso entender, pois, que a interpretação conforme a constituição implica uma posição ativa e quase criadora do controle de constitucionalidade e de relativa autonomia das entidades que a promovem em face dos órgãos legislativos. Não pode, no entanto, deixar de estar sujeita a um requisito de razoabilidade: implica um mínimo de base na letra da lei; e tem de se deter aí onde o preceito legal, interpretado conforme a Constituição, fique privado de função útil ou onde, segundo entendimento comum, seja incontestável que o legislador ordinário acolheu critérios e soluções opostos aos critérios e soluções do legislador constituinte.” (grifo do autor) Cf. STRECK, p. 618. 351 FREITAS, Juarez. O intérprete e o poder de dar vida à Constituição: preceitos de exegese constitucional. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito Constitucional – Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 231.

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de norma jurídica em contradição inequívoca com a Constituição, já que se trataria, em

última análise, de uma nova conformação da matéria elaborada pelo ente legiferante.

Impõe-se, necessariamente, o afastamento da interpretação conforme a Constituição se,

no lugar da vontade do legislador, obtém-se uma regulação nova e distinta. Caracterizar-

se-ia uma clara contradição com o sentido literal ou o sentido objetivo evidentemente

recognoscível da lei, ou com a manifesta vontade do legislador.”352

Luis Roberto Barroso353 diz que “em primeiro lugar, a atuação do

intérprete deve conter-se sempre dentro dos limites e possibilidades do texto legal. A

interpretação gramatical não pode ser inteiramente desprezada. Assim, por exemplo,

entre interpretações possíveis, deve-se optar pela que conduza a compatibilização de

uma norma com a Constituição. É a chamada interpretação conforme a Constituição.

Todavia, não é possível distorcer ou ignorar o sentido das palavras, para chegar a um

resultado que dela esteja inteiramente dissociado.” E mais adiante acrescenta que ”a

declaração de inconstitucionalidade de uma norma, em qualquer caso, é atividade a ser

exercida com auto-limitação pelo Judiciário, devido à deferência e ao respeito que deve

ter em relação aos demais Poderes. A atribuição institucional de dizer a última palavra

sobre a interpretação de uma norma não o dispensa de considerar as possibilidades

legítimas de interpretação pelos outros Poderes.”354

O professor Celso Bastos também não deixa de ressaltar os limites da

interpretação conforme a Constituição. Referindo-se a tais limites Bastos coloca:

“contudo, há uma limitação lógica. É que se exclui a possibilidade de que o intérprete

da lei pretenda forçar uma interpretação que, não obstante em consonância com os

termos constitucionais, viola a literalidade daquela, vale dizer, seja contra legem, com o

que se cria uma verdadeira norma paralela, porque não extraível do texto da lei o

conteúdo constitucional atribuído, erigindo-se o Judiciário à função de legislador

positivo. É que o intérprete não poderá atribuir um significado à norma totalmente

distante da letra desta, ou em inteira autonomia, desprezando por completo o que estiver

preceituado. A interpretação não pode desvincular-se da norma posta. Nesses casos, só

352 SUXBERGER, 2000, p. 01. 353 BARROSO, op. cit., p. 126. 354 (grifo do autor) BARROSO, op. cit., p. 177.

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restará a exclusão da regra do ordenamento, por ser incompatível com os preceitos

supremos.”355

Referindo-se à declaração de nulidade parcial, Rodrigo Lopes Lourenço

coloca a questão dos limites nos seguintes termos: “Todavia, quando o pedido de

declaração de inconstitucionalidade parcial implicar a alteração do sentido da norma

jurídica impugnada, o mesmo será juridicamente impossível, porque a modificação de

regra jurídica é atividade legislativa-positiva, equivalente à propositura de emenda

modificativa a projeto de lei. Ora, sendo a atuação do Supremo Tribunal Federal, em

verificação abstrata de constitucionalidade, legislativa-negativa, não é jurídico o pedido

que implique a adulteração do sentido do comando jurídico impugnado. Esse é o

entendimento da Corte Suprema.”356

A interpretação conforme deve operar-se sem violentar as palavras da

lei ou “[...] como prefere o nosso Supremo Tribunal Federal, sem contrariar o sentido

inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, porque isso implicaria, em

verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo.”357

Como se vê, portanto, “a doutrina faz menção ao fato de que a

interpretação conforme não pode extravasar os limites literais do texto de lei, ou seja,

quando a norma contida na lei apresentar uma única via interpretativa, não é lícito ao

julgador, sob o pretexto de conformá-la à Constituição, alterar-lhe o sentido possível,

com o que estaria legislando sem mandato. Os adeptos desta manifestação doutrinária e

jurisprudencial, a qual, é bom que se frise, representa a maioria senão a quase totalidade

de opiniões sobre o tema, encontram apoio na doutrina da separação de poderes do

Estado [...].”358

355 BASTOS, op. cit., p. 273-274. 356 LOURENÇO, Rodrigo Lopes. Controle da Constitucionalidade à luz da jurisprudência do STF. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 78. 357 COELHO, op. cit., p. 26. 358 APPIO, op. cit., p. 44-45. “Doutrina e jurisprudência ressaltam que esta técnica de controle de constitucionalidade deve ser utilizada sem expansões e excessos, não podendo o Judiciário, com o propósito de salvar a lei, transbordar dos limites do razoável, oferecendo uma interpretação exótica, fingida, que signifique uma inovação, uma alteração ou reforma da lei, dando-se, afinal, um sentido contrário ao determinado na expressão literal do preceito, falseando ou contrariando os inequívocos objetivos do legislador. Vale transcrever a advertência de Lúcio Bitencourt: ‘Quando a mens legis é clara e, na sua eloqüência, colide com a lei suprema, não é lícito aos tribunais recorrer a uma interpretação forçada ou arbitrária para tornar a lei válida”, Cf VELOSO, 2003, p. 174.

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O apego excessivo e incondicional a literalidade da lei pode inviabilizar

a operacionalização e evolução do Direito, mas a total indiferença à norma pode

importar em ofensa ao próprio Direito. As correntes formalistas, conforme já abordado,

atribuem excessivo valor à literalidade da norma e à pretensa completude do sistema

normativo. Também conferem exagerado valor à segurança jurídica, que para essa linha

de pensamento se identifica com o conceito de legalidade estrita. Mas as correntes

realistas podem também incorrer em exageros, transferindo o mito da lei para a figura

do juiz (do Judiciário), materializado no ato da interpretação da norma.359

Benjamin Cardozo, a propósito, um dos representantes do realismo de

tradição norte-americana, reconhece o problema dos limites da interpretação levada a

cabo pelo Judiciário: “O Juiz, mesmo quando livre, não o é totalmente. Ele não pode

inovar a seu bel prazer. Não é um cavaleiro errante, vagando à vontade em busca de seu

próprio ideal de beleza ou de bondade. Deve extrair sua inspiração de princípios

consagrados. Não deve ceder ao sentimento espasmódico, à benevolência indefinida e

desgovernada. Deve exercer uma discrição informada pela tradição, metodizada pela

analogia, disciplinada pelo sistema e subordinada à necessidade primordial de ordem na

vida social.”360

É curioso notar que se a apressada decretação de inconstitucionalidade

pelo Judiciário, quando a norma pode ser interpretada em conformidade com a

Constituição e salva da decretação de nulidade, conflita com o princípio da separação de

Poderes, conforme já vimos, (porque ao Judiciário não é dado interferir arbitrariamente

na atividade do Poder Legislativo, a quem incumbe primordialmente o papel de

produção do Direito), por outro lado, uma interpretação forçada, exagerada,

completamente contrária ao texto da lei, feita pelo Judiciário apenas para adaptar a

norma à Constituição fere, igualmente, o sistema dos checks and balances. “Uma

359 Luiz Alberto Warat criticando os exageros das correntes realistas (principalmente a concepção alemã do direito livre e o realismo jurídico de origem norte-americana), diz: “no realismo, a figura do Deus legislador é transladada para a instituição onde o juiz cumpre o papel de um criador divino. Ali o juiz é divinizado como o legislador no formalismo. Contudo nenhum dos dois é protagonista principal da história. São personagens legendários, com quem nos identificamos e iludimos”. E mais adiante coloca: “A aplicação semântica efetuada pelo realismo tem portanto só um valor retórico. Serve para pôr em xeque os significados das normas gerais e erigir o culto do julgador”. Cf. WARAT, op. cit., p. 57. 360 CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo e a evolução do direito. 3. ed. Porto Alegre: Ajuris-9, 1978. p 134 apud WOLKMER, op. cit., p. 148.

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interpretação conforme à Constituição, nesse caso, esbarra no princípio da separação

dos poderes. Ao Judiciário não cabe colocar as normas em vigor, mas apenas afastar da

vigência aquelas que contrariem as normas superiores do ordenamento jurídico.”361 É

necessário, então, encontrar-se o equilíbrio, para que a interpretação conforme, essa

preciosa técnica de decisão interpretativa, não se revele uma negação ao direito posto.

Esse é também o entendimento predominante na nossa Corte Suprema.

“Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à

Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da

chamada vontade do legislador. A interpretação conforme a Constituição é, por isso,

apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não

alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção do

legislador”362. Assim, “o Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma

Kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se

deparar com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma

decisão interpretativa corretiva da lei”363.

Há, por outro lado, uma outra concepção, que vê a possibilidade da

interpretação conforme a Constituição atuar como uma decisão interpretativa

modificativa da lei (decisão corretiva)364, ou na expressão forjada pela Corte

Constitucional italiana, uma decisão manipulativa de efeito aditivo.

361 BASTOS, op. cit., p. 275. 362 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., p. 1255. 363 Idem, p. 1256. No julgamento da ADI 3.046-9/SP, por exemplo, o Ministro Sepúlveda Pertence colocou: “Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição”. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em 10 de fevereiro de 2008. Essa é também a orientação do Tribunal Constitucional de Portugal: “o Tribunal Constitucional Pátrio tem considerado que a interpretação conforme jamais poderá ultrapassar a ‘letra da lei e a clara vontade do legislador’, não podendo convolar-se em reconstrução de uma norma que não esteja devidamente explícita no texto. Refere o TC que a interpretação conforme acaba quando ‘o teor verbal do texto a não consente’ e que o intérprete não pode, escorado na revisão do conteúdo da lei, proceder a uma subrogação legislativa convolando-se em verdadeiro legislador ad situationem. Porque a interpretação conforme com a Constituição só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis, mas nunca uma correção de seu conteúdo”, Cf. MARTINS, op. cit., p. 917-918. 364 Ana Sofia de Sousa Firmino coloca que, em Portugal, a maioria da doutrina não se opõe à possibilidade de uma interpretação “correctiva” da lei em conformidade com a Constituição, citando, como exemplos, Jorge Miranda, J.J. Gomes Canotilho e Rui Medeiros, que aceitam que sejam diversos os resultados a que se pode chegar em sede de interpretação conforme a Constituição: desde interpretação extensiva e restritiva, passando em alguns casos pela redução ou conversão. Cf.

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O próprio Supremo Tribunal Federal em várias decisões (recentes ou

mais antigas) acabou por imprimir à interpretação conforme esses efeitos corretivos e

aditivos. Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires e Paulo Gonet365, citando dezenas de

decisões da Corte, colocam que uma análise detida da jurisprudência do Tribunal

permite verificar que, em muitos casos, o Supremo não atenta para os limites, sempre

imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos

literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos

pelo legislador, convolando tais decisões em verdadeira interpretação corretiva da lei,

adicionando novo conteúdo normativo ao texto.

E mencionando ainda como exemplo a ADPF 54 (que discute a

legalidade da interrupção da gravidez em casos de anencefalia), os autores colocam que

o Supremo, ao rejeitar a questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da

República e decidir que julgará o mérito da referida Ação de Descumprimento, admitiu

atuar como legislador positivo, com a possibilidade de proferir uma típica decisão

manipulativa com eficácia aditiva, para acrescentar uma terceira causa excludente de

ilicitude (a anencefalia) nos delitos de interrupção da gravidez tipificados no Código

Penal.

E concluem: “portanto, é possível antever se o Supremo Tribunal

Federal acabará por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo, e aliar-se à mais

progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já

adotada pelas principais Cortes Constitucionais do mundo. A assunção de uma atuação

criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas

relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para

a efetivação desses direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto

constitucional”366.

FIRMINO, op. cit. p. 29. Mas a autora ressalta em qual sentido ela está empregando a expressão “interpretação correctiva”: “quando falamos aqui de interpretação correctiva estamos a referir-nos às figuras da interpretação extensiva e restritiva, ou seja, ás situações em que há uma discordância entre o resultado da interpretação gramatical e lógica – casos em que, não coincidindo a letra da lei com o pensamento que dela se extrai, é necessário proceder à correcção da letra da lei por via de uma interpretação extensiva ou restritiva”, CF, FIRMINO, op. cit. p. 26.

365 MENDES, op. cit., p. 1255-1257. 366 Idem, p. 1257. STRECK coloca que “com a institucionalização da interpretação conforme a Constituição e da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto através da Lei 9.868/99, o Poder

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Lenio Streck, um dos defensores dessa possibilidade, defende seu

posicionamento inclusive com uma discordância aos posicionamentos de Canotilho e de

Rui Medeiros. Diz o autor: “torna-se necessário discordar da posição de Canotilho,

quando assevera que a interpretação conforme a Constituição seria mecanismo auxiliar

de interpretação. Explicando: segundo o mestre português a interpretação conforme a

Constituição só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis da lei e nunca

uma revisão do seu conteúdo. [...] Não concordo com tal assertiva do mestre coimbrano

e o faço a partir de duas perguntas, que exsurgem em face da inexorável plurivocidade

sígnica do Direito: quais são os sentidos possíveis de um texto? Quais as condições de

possibilidade que terá o jurista para afirmar que esse sentido (que é sempre

atribuído/adjudicado, portanto, produzido) se enquadra na concepção de ‘sentidos

possíveis do texto’? [...] Em um segundo momento, e como corolário das razões

explicitadas anteriormente, entendo que, pela feição que assume a relação de Poderes no

Estado Democrático de Direito, o mecanismo (princípio) da interpretação conforme

(assim como o da nulidade parcial sem redução de texto), permite não somente redefinir

o conteúdo do texto, como adaptá-lo à Constituição. É o que acontece freqüentemente

com as decisões que têm por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

[...] Nesse sentido, na mesma linha dos argumentos apostos acima à posição de

Canotilho, há que se discordar também de Rui Medeiros, quando este diz que a

interpretação conforme a Constituição somente pode ter lugar quando a vontade do

legislador não pode ser reconhecida, ou seja, de que a interpretação conforme a

Constituição ‘não pode contrariar a letra e a intenção claramente reconhecível do

Legislativo brasileiro admite (explicitamente) que o Poder Judiciário possa exercer uma atividade de adaptação e adição/adjudicação de sentidos aos textos legislativos, reconhecendo, ademais, que a função do Poder Judiciário, no plano do controle de constitucionalidade, não mais se reduz – repita-se – à clássica concepção de ‘legislador negativo. À evidência isso não significa dizer que o Judiciário se transformará em legislador positivo. O instituto da interpretação conforme e os demais mecanismos hermenêuticos não têm o condão de transformar o Poder Judiciário em um órgão que está acima da Constituição’”, Cf. STRECK, 2004, p. 574. Mais adiante, o autor acrescenta que a interpretação conforme, a nulidade parcial sem redução de texto, as sentenças construtivas, etc, seja o nome que se dê aos diversos tipos de normas extraídas dos textos são tipos de interpretação que recebem o ‘epíteto de ‘construtivos’ e, portanto, tidos como ‘invasores’ da competência do Legislativo, mas que na verdade são produto da vagueza e ambigüidade inerente aos textos normativos. Cf. STRECK, op. cit. p. 578.

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legislador, ou numa versão mais restritiva, a intenção que está subjacente à ‘tendência’

geral da lei ou ás opções fundamentais nela consagradas.” 367

A propósito, embora a quase unanimidade da doutrina ressalte os

limites do Tribunal ao aplicar a interpretação conforme, para ele não se converter,

indevidamente, em legislador positivo, é indispensável mencionar a observação crítica

de Inocêncio Mártires, com apoio em José Adércio: “Apesar dessa ressalva – que todos

parecem fazer apenas como sinal de reverência ao dogma da separação de poderes – o

que a experiência da jurisdição constitucional evidencia é a mais aberta criação de

normas jurídicas de caráter geral e efeito vinculante, por meio das chamadas sentenças

normativas, a que se refere, entre outros, José Adércio Leite Sampaio em sua erudita

tese de doutorado A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional [...].”368

Virgílio Afonso da Silva369 também faz a mesma observação. Ele diz

que o Tribunal, quando aplica a chamada interpretação conforme a Constituição sob o

pretexto de respeitar a vontade do legislador na verdade está empregando a sua

interpretação ao dispositivo legal para compatibilizá-lo com aquilo que o próprio

tribunal, e ninguém mais, crê que seja constitucional. O autor se opõe a idéia

disseminada na doutrina e na jurisprudência pátria e alienígena de que a finalidade da

interpretação é salvar a norma no limiar da inconstitucionalidade, reverenciando, assim,

o dogma da vontade do legislador e da separação de Poderes.

No que se refere especificamente ao Brasil, Virgílio observa que o

Supremo Tribunal Federal, invariavelmente consigna em suas decisões que não é papel

do Poder Judiciário atuar como “legislador positivo”, ou seja, suprir omissões ou

corrigir falhas na legislação (o Tribunal pode, no máximo, negar a constitucionalidade

da obra legislativa, mas nunca produzir algo em seu lugar ou corrigi-la). Mas ao

contrário do que o Supremo (e a doutrina) insiste em negar, a interpretação conforme

367 STRECK, 2004, p. 583-586. O autor também critica as idéias de “vontade da lei” ou “espírito do legislador” como argumentos de limitação à interpretação conforme dizendo que “não há como aferir a intenção do legislador e tampouco a fórmula normativa objetiva no texto[...].” Cf. STRECK, 2004, p. 587.E mais adiante arremata: “É inexorável, pois, que a interpretação conforme a Constituição será um procedimento corretivo da lei, exsurgindo uma nova norma de um determinado texto (repita-se, a norma é sempre resultado da interpretação de um texto). Com isso, fica sem sentido a alusão a qualquer intenção do legislador ou a uma fictícia vontade da lei.”, op. cit. p. 594. 368 COELHO, p. 26. 369 SILVA, op. cit. p. 22-26

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implica sim uma possibilidade de alteração no sentido da lei, principalmente quando se

pretende ir mais além do que o próprio texto dispõe. Há assim, uma desavença entre o

que se predica – com referência ao legislador e à separação de poderes – e os efeitos que

a interpretação conforme a Constituição pode ter, e que são justamente os de corrigir ou

estender aquilo que a lei dispõe370.

Após tais ponderações, Virgílio encerra questionando se a interpretação

conforme desempenha alguma função no sistema brasileiro de controle de

constitucionalidade. E ele próprio responde à sua indagação nos seguintes termos, em

tradução livre: “Sim, mas nenhuma das que a doutrina pretende identificar. A

interpretação conforme a Constituição desempenha uma função de legitimação sutil da

centralização da tarefa interpretativa – não somente da Constituição, mas de todas as

leis – nas mãos do Supremo Tribunal Federal. O parágrafo único do artigo 28 da Lei

9868/99 prescreve que as declarações de constitucionalidade, inclusive a interpretação

conforme a Constituição, tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos

demais órgãos do Poder Judiciário e da administração federal, estadual e municipal.

Quais são as conseqüências deste dispositivo? São muito maiores do que possa crer.

Basta que o Supremo Tribunal Federal de o nome de interpretação conforme a

Constituição a qualquer clarificação de um significado de um determinado dispositivo

legal, para que qualquer interpretação divergente, ainda que seja também no sentido de

manter a constitucionalidade de uma lei, se torne impossível. Com isto, o Supremo

Tribunal Federal não somente desempenha sua função de guardião da Constituição de

forma cada vez mais centralizada, como também passa a ter a possibilidade quase

ilimitada de excluir qualquer ‘desobediência’ interpretativa por parte de quase todos os

órgãos judiciais que, até o presente, sempre tiveram no sistema brasileiro grande

liberdade para interpretar a Constituição. Por isso, a interpretação conforme a

Constituição veste como uma luva.”371

370 STRECK também observa que os tribunais constitucionais, bem como a Suprema Corte norte-americana, muito embora as críticas que recebem, proferem inúmeras decisões que, enquadradas como ‘técnicas’ de interpretação conforme (tomada a expressão no sentido lato) ou como nulidade parcial sem redução de texto, são decisões construtivas, manipulativas, aditivas etc. Cf. STRECK, 2004, p. 584.

371 (grifo do autor) SILVA, 2005, op. cit. p. 25-26. No mais, Virgílio sustenta que a interpretação conforme a Constituição não tem grande significado; é trivial e não agrega nada à prática corrente do controle de constitucionalidade no Brasil, pois há uma enorme distância entre aquilo que a doutrina

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9.1 Polissemia do texto normativo. A necessidade de um sentido compatível com a

Constituição como limite à interpretação conforme

A doutrina ressalta que a interpretação conforme, para não extravasar

os limites da “moldura” da norma, consubstanciando-se num instrumento de subversão

da vontade objetiva do legislador, só é cabível em face de normas polissêmicas,

plurissignificativas e que revelem ao menos um significado conforme a Carta Maior.

Alexandre de Moraes diz que é “extremamente importante ressaltar

que a interpretação conforme a Constituição somente será possível quando a norma

apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros

não [...].”372

A polissemia da norma está, portanto, inegavelmente ligada a questão

dos limites da interpretação conforme.

A interpretação conforme a Constituição só tem cabimento em face de

normas que possuem sentido equívoco. E as normas, em regra, possuem sentido

plurissignificativo, que permite várias compreensões, todas perfeitamente corretas.

Assim, quando se interpreta uma norma infra-constitucional em face da Constituição, é

possível encontrar sentidos que a aproximem ou a afastem da Carta Magna. Nesse caso,

torna-se factível a utilização da técnica aqui estudada, que seleciona, dentre as possíveis

interpretações, aquela (ou aquelas) que se afiguram compatíveis com a Constituição.

Não é estranhável e nem raro obter-se diversas normas como produto

da interpretação de uma única regra ou princípio. Esta possibilidade ocorre em face da

estrutura aberta e polissêmica da linguagem jurídica (e das normas constitucionais em

especial) e ainda em razão de outros fatores, tais como a pré-compreensão dos

operadores jurídicos na determinação/construção das normas. Neste contexto, é certo

que dentre as diversas normas possíveis de construção, algumas delas sejam

expõe, aquilo que a jurisprudência sustenta aplicar e aquilo que a jurisprudência de fato aplica. Cf. SILVA, op. cit. p. 16-17. 372 MORAES, 2007, p. 11.

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constitucionais e outras inconstitucionais. Nessa situação torna-se factível a

interpretação conforme a Constituição373.

Quando, entretanto, a norma só comportar interpretações

inconstitucionais, não haverá cabimento para a interpretação conforme. “Portanto, a

interpretação conforme a Constituição só é factível na medida em que a norma

infraconstitucional comporte inúmeras hipóteses de compreensão. Na terminologia de

Canotilho, é necessário que a norma legal ofereça um “espaço de decisão” (= espaço de

intepretação), em que, dentre as várias possibilidades interpretativas, algumas

encontrem-se em conformidade com a Constituição e outras lhe contrariem o texto ou

espírito. Ora, quando só é possível se chegar a um resultado interpretativo em plena

discordância com a Constituição, não há espaço para a interpretação conforme à

Constituição, e a regra legal deve ser declarada inconstitucional.”374

Não basta, portanto, que a norma seja polissêmica, enfim, que comporte

vários sentidos. É preciso ainda que um ou alguns desses sentidos se mostrem

adequados à Constituição. Caso contrário, mesmo sendo plurissignificativa a norma,

não haverá possibilidade de se aplicar a técnica da interpretação conforme a

Constituição. As normas devem ser, portanto, polissêmicas e mais, devem ter um ou

alguns dos sentidos compatíveis com a Carta Maior. Se todas as interpretações

apreendidas no conteúdo normativo indicam uma desconformidade com a Constituição,

não haverá espaço para a interpretação conforme.

Nesse sentido é que Gilmar Ferreira Mendes coloca que

“oportunidade para interpretação conforme à Constituição existe sempre que

373 SCHIER, Paulo Ricardo. A Interpretação Conforme a Constituição. Jurídica: Administração Municipal, ano IV, nº 4, v. 4, 1999, p. 57. 374 BASTOS, op. cit., p. 275. Em outra passagem Canotilho coloca que, a interpretação conforme “ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma”. Cf. CANOTILHO, “A aplicação do princípio da interpretação conforme à Constituição só é possível quando, em face de normas infraconstitucionais polissêmicas ou plurissignificativas, existem diferentes alternativas de interpretação, umas em desconformidade e outras de acordo com a Constituição, sendo que estas devem ser preferidas àquelas. Entretanto, na hipótese de se chegar a uma interpretação manifestamente contrária à Constituição, impõe-se que a norma seja declarada inconstitucional.” Cf. NUNES JUNIOR, 2001, p. 61.

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determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo

algumas delas incompatíveis com a própria Constituição.”375

André Ramos Tavares376 menciona que a “[...] interpretação conforme,

somente será cabível se, da atividade exegética da lei (fase inicial), aferirem-se, ao

menos, compreensões dúplices ou plúrimas, não redutíveis a uma e única interpretação.

Em outras palavras, na decorrência de um entendimento único ou, até, de entendimentos

semelhantes, dever-se-á descartar interpretação constitucionalmente conforme, em sua

fase própria.”

Como ressalta Samantha Ribeiro Meyer-Plug, “Para fazer-se uso desta

técnica de interpretação é necessário que a norma jurídica quando examinada, comporte

uma pluralidade de interpretações. Nesses casos, deve-se dentro dessa multiplicidade de

sentidos comportados pela norma, perquirir-se um que seja constitucional, é dizer,

conforme a Constituição e compatível com a finalidade da norma jurídica.”377

Como se vê, esse pressuposto de cabimento da técnica da interpretação

conforme – polissemia da norma infraconstitucional – está relacionado aos limites que

devem ser respeitados na utilização da técnica.

A propósito, o professor André Ramos,378 que conforme já ressaltamos,

anteriormente, destaca bem a necessidade de limite na utilização da técnica, sustenta, na

esteira do voto do Ministro Carlos Ayres Brito, proferido na ADPF n. 54, que a

interpretação conforme deve ocorrer em duas etapas:

Na primeira fase, denominada de pressuposto de admissibilidade, faz-

se única e exclusivamente a interpretação da lei, para não “forçar um conteúdo legal

contra o próprio texto da lei,” aplicando-se, nessa etapa, as técnicas e métodos usuais de

interpretação/concretização. É nessa fase primeira que se verifica se a norma é

polissêmica e se nessa pluralidade de significados algum se revela em conformidade

com a Constituição.

Feita essa exegese da lei (etapa inicial), se ela revelar compreensões

plúrimas ou dúplices, ou seja, se a lei for polissêmica, somente então se passa à etapa

375 MENDES, op. cit., p. 259. 376 TAVARES, p. 140 377 MEYER-PFLUG, op. cit., p. 148. 378 TAVARES, p. 139-140.

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derradeira, de aplicação da interpretação conforme. Caso a lei revele um único sentido

inconstitucional (ou sentidos variados, mas todos inconstitucionais), descarta-se a

interpretação conforme379.

No voto referido, o Ministro Carlos Ayres Brito assim discorreu sobre o

processo de aplicação da interpretação conforme:

“Esse modo conciliador de velar pela integridade da Constituição passa

por um pressuposto de admissibilidade. E esse pressuposto consiste em que o particular

significado do ato estatal insurgente, ou os particulares significados desse ato oficial

discordante da Constituição provenha de elementos encontradiços nele próprio.

Equivale a dizer: quando se trata de aplicar a técnica da interpretação conforme, não há

que se obter a compreensão de um dado texto normativo inferior pelo imediato cotejo

entre ele e a Constituição Federal. Ainda não, porque se tal imediatidade comparativa

ocorresse, a interpretação conforme deixaria de ser um mecanismo de controle de

constitucionalidade para se transformar em mais um centrado método de hermenêutica

do Direito em geral. Com o grave inconveniente de estimular o juiz-intérprete a ‘forçar’

a adaptação da norma inferior à normatividade constitucional, na perpetração de um tipo

de corrigenda ou inovação de conteúdo que implicaria vulneração ao princípio da

Separação de Poderes. Princípio de que deflui um insuperável limite exógeno ao Poder

Judiciário, somente legitimado a atuar como ‘legislador negativo’ ou contralegislador,

em sede de controle de constitucionalidade, porém, jamais na condição de legislador

positivo (como tantas vezes tem proclamado este Supremo Tribunal de Justiça).”

“A ilação que daqui se destaca é evidente: toda compreensão de um

dado texto normativo subconstitucional se faz à luz dele mesmo e por comparação

apenas com o diploma normativo com que veio ao mundo das positividades jurídicas.

379 No mesmo sentido são as palavras do mestre alemão Karl Larenz: “Examina-se, por conseguinte, em primeiro lugar se uma interpretação, reconhecida como inconstitucional, é, de acordo com os ‘métodos de interpretação tradicionais’, a única possível – e então a disposição é inválida – ou se também é possível que resulte uma interpretação conforme a Constituição. Se uma interpretação, que não contradiz os princípios da Constituição, é possível segundo os demais critérios de interpretação, há-de preferir-se a qualquer outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional. A disposição é, então, nesta interpretação, válida. Disto decorre, então, que dentre várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da Constituição”. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. Trad. José Lamego, 3 ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997, p. 479.

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Esse o primeiro e endógeno limite ao juiz-intérprete. Somente depois é que se pode

pretender o manejo da “interpretação conforme”, caso o resultado daquela primeira

operação interpretativa venha a se traduzir numa compreensibilidade pelo menos

dúplice (uma a negar a outra). É como reversamente afirmar: o requisito de

procedibilidade da interpretação conforme somente se considera atendido, em princípio,

se o resultado daquela primeira operação hermenêutica não implicar unicidade de

entendimento normativo.”380

Essa divisão de etapas do processo de aplicação da interpretação

conforme constitui uma prudência, na medida em que pretende impedir que o intérprete,

com a atenção especialmente voltada para o salvamento da norma infraconstitucional,

seja levado logo a dar um sentido ilegal ao texto normativo, apenas para adaptá-lo ao

comando constitucional. Daí a cautela: primeiro se busca os sentidos do texto

infraconstitucional, considerado em si mesmo; encontrados sentidos diversos, coloca-se

então o texto frente a frente com a Constituição, para verificar se, dentre os significados

apreendidos, um deles possa ser adaptado à Constituição.

Isso evita que o intérprete seja induzido a procurar, forçosamente,

sentidos para o texto normativo que sejam “hermeneuticamente possíveis, mas

constitucionalmente inviáveis.”381

“É nesse sentido que se torna preciso o jogral semântico realizado pelo

próprio Ministro, ao entender que a interpretação constitucionalmente conforme não foi

feita para conformar um dispositivo infraconstitucional inconstitucional à norma

fundamental, mas, sim, para eliminar uma interpretação que lhe é desconforme. Do

contrário, ter-se-á uma ‘interpretação constitucionalmente conforme’

inconstitucional.”382

380 (grifo do autor) BRITO In: BRASIL. ADPF-QO nº 54. 381 TAVARES, p. 141. 382 TAVARES, p. 140.

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10 INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO:

MODERNIDADE OU MERA TRIVIALIDADE?

Virgílio Afonso da Silva383 faz o seguinte questionamento (em tradução

livre): “A interpretação conforme a Constituição agrega algo à discussão sobre

interpretação das leis e controle de constitucionalidade no direito brasileiro?”

E responde (em tradução livre) que o instituto “não tem grande

significado, ao menos para o sistema jurídico brasileiro”, por uma razão simples: “Em

todos os processos de controle abstrato de constitucionalidade de um dispositivo legal

estaremos diante de uma interpretação conforme a Constituição. [...] Não se pode

escapar desse modelo, pois sempre existirá a interpretação do STF, favorável a

constitucionalidade e a interpretação de quem proponha a ação, ou favorável a

inconstitucionalidade. Ao eleger a interpretação favorável, o STF haverá praticado a

interpretação conforme a Constituição nos termos expostos tradicionalmente pela

doutrina e pela jurisprudência”.

Após tal constatação, Virgílio novamente pergunta (em tradução livre):

“Mas se a interpretação conforme a Constituição é tão trivial e se não agrega nada à

prática básica e corrente do controle de constitucionalidade, porque há, especialmente

nos últimos tempos, tanto discussão a seu respeito?” E o professor da USP vê três

respostas possíveis a essa pergunta, que se completam na explicação do problema: i) o

deslumbramento com aquilo que é criado pela doutrina de outros países, que é

considerada “a doutrina mais moderna”, principalmente o que é produzido na

Alemanha, que por razões desconhecidas é sempre recebida com uma aura de

cientificismo e verdade indiscutíveis; ii) o discurso da interpretação conforme

desempenha um papel importantíssimo que é o de possibilitar que o STF mantenha-se

fiel, ao menos aparentemente, ao dogma do legislador negativo, e ao mesmo tempo

possa corrigir ou estender a obra do legislador quando entender necessário; iii) a

interpretação conforme legitima sutilmente a centralização da tarefa interpretativa no

383 Op. cit. p. 15 e ss.

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Supremo Tribunal Federal, aliás, a única função que a técnica verdadeiramente

desempenha no controle de constitucionalidade384.

Por todas as razões expostas até aqui, pode-se afirmar, ao contrário do

que sustentado pelo professor Virgílio, que a interpretação conforme não é um

mecanismo trivial de interpretação e de controle de constitucionalidade.

Sem embargo das funções já apontadas do instituto ao longo deste

trabalho e sem olvidar que a interpretação conforme representa uma ruptura com o

modelo legalista de interpretação, o que por si só já justificaria importância do instituto,

é preciso lembrar que a interpretação conforme atua, em conjunto com outros cânones

hermenêuticos, na difícil tentativa de equacionar o problema entre o respeito à

Constituição e o respeito ao trabalho do legislador. Não é (nem poderia ser) como já

foi dito, um mecanismo de solução completa deste delicado problema, mas sem dúvida

é um cânone imprescindível nessa tarefa.385 Essa função torna inquestionável a

importância da interpretação constitucional nos quadrantes da interpretação jurídica e da

jurisdição constitucional.

Nesse passo, socorremo-nos mais uma vez do pensamento do professor

André Ramos Tavares, que ao fazer uma releitura da correlação entre a supremacia da

Constituição e a interpretação conforme, coloca de forma irretocável a importância

desse instituto.386

Tavares coloca que a idéia de supremacia constitucional não só sob o

aspecto formal, mas também como “carta norteadora de ‘valores’ do Estado

(‘neoconstitucionalismo’)” pressupõe necessariamente a existência de um órgão

encarregado de realizar o controle de constitucionalidade e de ser o guardião do respeito

a essa supremacia. Não se pode pensar nessa supremacia constitucional sem controle de

constitucionalidade. 384 Sob a essa terceira crítica nós já mencionamos o entendimento do professor no tópico sobre os limites da interpretação conforme, razão pela qual agora apenas a mencionamos sucintamente.

385 Quanto a esse aspecto o próprio professor Virgílio reconhece que ao dizer que a interpretação conforme é “um critério excessivamente simplista”, ele não pretende refutá-la com base na crítica de que ela não resolve definitivamente os problemas que se propõe a resolver, já que nenhum critério interpretativo é suficiente, por si só, para resolver de forma definitiva os complexos problemas da interpretação jurídica.

386 Cf. TAVARES, 2007, op. cit. p. 145-148.

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“O devir histórico, porém, trouxe questionamentos a este binômio

supremacia/controle. A violência com que se dá a extirpação de um corpo legal eivado

de inconstitucionalidade do sistema jurídico, por vezes, é tão ou mais nefasta à saúde

jurídica do que sua manutenção”.

Como se não bastassem tais questionamentos, há um movimento

acadêmico, quiçá ocidental, contra o exercício do controle de constitucionalidade (na

verdade contra os Tribunais que se apartam da sistemática democrática), ao ponto de

autores conclamarem a volta da “dignidade da legislação, ainda que circunstancial”.

“No bojo desta panela de pressão, surgem, então, as modernas técnicas

de decisão no controle de constitucionalidade, dentre as quais se apresenta com inegável

importância a interpretação conforme a Constituição, acima desenvolvida. Sua função é,

propriamente, como se verificou, a de um mediador, permitindo uma convivência entre

a Constituição e a legislação, entre o elemento supostamente rígido e o inovador.”

“Supera-se, aqui, portanto, uma idéia deveras leviana de que as

modernas formas, quer sejam de interpretação, quer sejam de decisão, nada mais seriam

do que singelas saliências do controle de constitucionalidade (ou da supremacia da

Constituição). Em outras palavras, decorrências naturais deste processo de revisão

judicial, que assim carregariam todas as mazelas a este processo atribuídas.”

Muito pelo contrário. Trata-se de um aparato equacionador das novéis

pressões produzidas pela sociedade jurídica, insatisfeita com as sendas que a clássica

teoria da Constituição, da inconstitucionalidade e do controle de constitucionalidade

trilharam. Daí o termo moderno, que não guarda relação com um critério cronológico,

mas sim com uma mudança paradigmática.”

Como se vê, a interpretação conforme já se justifica tão somente pela

nobre função que tem de colaborar na diminuição da tensão entre os Poderes, causada

pelo clássico judicial review sustentado no inflexível binômio constitucionalidade-

inconstitucionalidade. O uso dessa técnica, por si só constitui uma reverência ao

princípio da separação de poderes, ao tentar preservar ao máximo o texto na ordem

jurídica, reconhecendo que ao legislador cumpre a função de concretização

constitucional.

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11 INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO CONFORME A LEI

Uma das constatações mais evidentes dos modernos estudos sobre

interpretação é a de que ela deve cumprir uma função de atualização das normas

jurídicas, colocando o Direito em sintonia com a realidade social que pretende regular.

Como diz Celso Bastos, “a interpretação faz a ordem jurídica funcionar, tornando o

Direito operativo.”387

Assim como as regras jurídicas em geral, as normas constitucionais

também são feitas para regular a vida em sociedade e, portanto, também devem

acompanhar a evolução nela ocorrida.

Nesse sentido, cumpre à interpretação esse papel de atualização das

normas fundamentais, propiciando, assim, uma mutação constitucional informal ou, no

dizer de Canotilho, uma transição constitucional ou uma mutação constitucional

silenciosa, sem mudar seu texto, colocando-a em consonância com a evolução social.

Anna Cândida da Cunha Ferraz explica que, “se essa mudança de

sentido, alteração de significado, maior abrangência da norma constitucional são

produzidas por via da interpretação constitucional, então se pode afirmar que a

interpretação constitucional assumiu o papel de processo de mutação constitucional.

[...].” Com propriedade, demonstra Paulo Bonavides o caráter do processo de mutação

constitucional atribuído à interpretação constitucional: ‘o emprego de novos métodos da

hermenêutica jurídica tradicional fez possível uma considerável e silenciosa mudança de

sentido das normas constitucionais, sem necessidade de substituí-la expressamente ou

sequer alterá-las pelas vias formais da emenda constitucional.’”388

Dentro deste contexto da necessária atualização da Constituição é que

Canotilho verifica se é necessária e viável a chamada interpretação da Constituição de

acordo com as leis, já que os princípios e valores constantes da Constituição são

concretizados pelo ordenamento inferior. Vejamos o que diz o mestre português a

respeito disso:

387 BASTOS, op. cit., p. 157-158. 388 FERRAZ, op. cit., p. 57.

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“Perspectiva diferente se deve adoptar quanto às tentativas de

legitimação de uma interpretação constitucional criadora que, com base na força

normativa dos fatos, pretenda «constitucionalizar» uma alteração constitucional em

inequívoca contradição com a constitutio scripta. A recente concepção de constituição

como concentrado de princípios, concretizados e desenvolvidos na legislação

infraconstitucional, aponta para a necessidade da interpretação da constituição de

acordo com as leis, a fim de encontrar um mecanismo constitucional capaz de salvar a

constituição em face da pressão sobre ela exercida pelas complexas e incessantemente

mutáveis questões econômico-sociais. Esta leitura da constituição de baixo para cima,

justificadora de uma nova compreensão da constituição a partir das leis

infraconstitucionais, pode conduzir à derrocada interna da constituição por obra do

legislador e de outros órgãos concretizadores, e à formação de uma constituição legal

paralela, pretensamente mais próxima dos momentos «metajurídicos» (sociológicos e

políticos). Reconhece-se, porém, que entre uma mutação constitucional obtida por via

interpretativa de desenvolvimento do direito constitucional e uma mutação

constitucional inconstitucional há, por vezes, diferenças quase imperceptíveis,

sobretudo quando se tiver em conta o primado do legislador para a evolução

constitucional (B.O. BRYDE: Verfassungsentwicklungsprimat) e a impossibilidade de,

através de qualquer teoria, captar as tensões entre a constituição e a realidade

constitucional.”389

A exemplo de Canotilho, o professor Celso Bastos também não admite

qualquer interpretação de baixo para cima. Diz ele que a interpretação conforme “é

como que uma decorrência da supremacia da Constituição, sendo defeso ao aplicador da

lei proceder a uma interpretação da Constituição a partir das leis subconstitucionais.”390

No mesmo sentido, Marcelo Figueiredo, referindo-se exatamente à

interpretação conforme, pontifica: “seja como for, o princípio, inegavelmente, traduz a

necessidade de que o intérprete da Constituição deve tomá-la como fundamento básico e

superior de interpretação e jamais realizá-la a partir das leis”.391

Luís Roberto Barroso também encara o assunto: “Toda atividade

389 (grifo do autor) CANOTILHO, p. 232-233. 390 BASTOS, op. cit., p. 279. 391 FIGUEIREDO, 2005, p. 35.

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legislativa ordinária nada mais é, em última análise, do que um instrumento de atuação

da Constituição, de desenvolvimento de suas normas e atualização de seus fins.

Portanto, e como já assentado, o legislador também interpreta rotineiramente a

Constituição. Simétrica à interpretação da lei conforme a Constituição situa-se a

interpretação da Constituição conforme a lei. Quando o Judiciário, desprezando outras

possibilidades interpretativas, prestigia a que fora escolhida pelo legislador, está, em

verdade, endossando a interpretação da Constituição conforme a lei. Mas tal deferência

há de cessar onde não seja possível transigir com a vontade cristalina emanada do Texto

Constitucional.”392

Na verdade, a interpretação da própria Constituição mostra-se a única

adequada para colocá-la passo a passo com as novas realidades. Isso já é suficiente para

atualizá-la (além da revisão formal, que deve ser feita com muita parcimônia), sendo

incabível a verificação das normas fundamentais a partir do ordenamento inferior.

Caberá ao ordenamento subjacente acompanhar a evolução constitucional, seja por meio

de um aperfeiçoamento legislativo, seja através de uma interpretação atualizadora que a

coloque em sintonia com os propósitos constitucionais, como por exemplo, a própria

interpretação conforme.

Jorge Miranda assenta que “na interpretação de preceitos da

Constituição, é legítimo e pode ser conveniente considerar o modo como são aplicados

na prática, em especial através das leis e das decisões dos tribunais. Todavia,

evidentemente, não é o sentido que daí decorra que, por si só, deve ser acolhido –

porque não é a constituição que deve ser interpretada em conformidade com a lei, mas

sim a lei que deve ser interpretada em conformidade com a Constituição.”393

Zeno Veloso, ao contrário, vislumbra a possibilidade de interpretação

da Constituição conforme a lei:

“Assim como a lei pode produzir vários sentidos, alguns compatíveis e

outros inconciliáveis com o Texto Fundamental, intervindo o Judiciário para superar o

impasse, elegendo a interpretação da lei que se harmoniza com a Constituição e

eliminando as possibilidades interpretativas violadoras da Lei Maior, pode ocorrer,

392 BARROSO, op. cit., p. 195. 393 MIRANDA, 1998, p. 29.

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também, de a norma constitucional proporcionar diversas hipóteses interpretativas e,

segundo algumas, a lei é considerada constitucional, não o sendo nas outras. O

Judiciário, diante da questão, deve resolvê-la salvando a lei, optando por uma

interpretação da Constituição debaixo da qual a lei é tida como válida. Portanto, assim

como temos a interpretação da lei conforme a Constituição, é pertinente,

simetricamente, uma interpretação da Constituição conforme a lei. Em ambos os casos

prestigia-se o princípio da presunção da constitucionalidade (in dúbio pro legislatore) e

a necessidade de conservação das leis, observando-se a circunstância relevante e

especialíssima de que as mesmas foram produzidas pelo legislador democrático.”394

394 VELOSO, 2003, p. 174.

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CONCLUSÃO

Por tudo quanto foi exposto no presente trabalho, foi possível extrair as

seguintes conclusões acerca da interpretação conforme a Constituição:

A interpretação conforme é um princípio de interpretação

constitucional, utilizado primordialmente no âmbito do controle de constitucionalidade

das leis, como técnica de decisão que tem por finalidade precípua o salvamento da

norma, adaptando-a aos propósitos constitucionais. Embora seja encarada sob diferentes

acepções, tem o instituto, inegavelmente, uma natureza dúplice, sendo ao mesmo tempo

princípio de interpretação jurídico-constitucional e técnica de decisão em sede de

jurisdição constitucional. Isso porque a decisão de constitucionalidade somente se

viabiliza a partir da interpretação da norma infraconstitucional e da norma

constitucional colocadas em cotejamento, para se verificar a possibilidade de adaptação

da lei à Constituição.

Dentro de uma perspectiva histórica e evolutiva da hermenêutica

constitucional, o instituto estudado caracteriza-se como uma “moderna” forma de

interpretação constitucional. Encontra-se no quadro da superação dos clássicos métodos

de interpretação constitucional; importa num abandono do formalismo jurídico (próprio

do Estado Liberal), em nome da idéia de uma justiça material, convertendo-se, assim,

“num dos mais importantes postulados da teoria material da Constituição e da

autoridade interpretativa do juiz.” (BONAVIDES). E justamente por permitir essa

flexibilização na interpretação dos enunciados normativos, é que também se destaca

como técnica autônoma de decisão em sede de jurisdição constitucional. A propósito, se

“assim não fosse, esta técnica não apresentaria peculiaridade alguma, digna de destacar-

se como técnica autônoma” (BASTOS). Em outras palavras, a interpretação conforme

apresenta-se como técnica de salvação se após o emprego dos métodos interpretativos

usuais, ainda subsistir a inconstitucionalidade da norma, e “nisso reside, o traço

característico por excelência que distingue tal método das demais regras

interpretativas.” (Simon). É um método subsidiário desses métodos clássicos.

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A par da função acima apontada, a interpretação conforme ainda serve

como forma de colmatação de lacunas. E ainda pode ser manejada nos casos em que

nenhuma das interpretações possíveis da lei indica sua inconstitucionalidade, ou seja,

serve ainda para escolher, no caso de normas constitucionais, o sentido mais

constitucional possível, aquele que atende melhor os propósitos constitucionais. Trata-

se aqui de uma interpretação orientada para a Constituição que atende ao princípio do

máximo aproveitamento dos atos normativos.

Considerando o novo papel que o Judiciário no Estado Democrático de

Direito tem a cumprir, de auxiliar na efetivação das normas de direitos fundamentais, e

considerando que a interpretação conforme é uma técnica de decisão e de máximo

aproveitamento dos atos jurídicos, a interpretação conforme funciona ainda como

mecanismo judicial de proteção e efetivação desses direitos fundamentais. A

“vinculação positiva” do Judiciário à Constituição e aos direitos fundamentais, imposta

pelo modelo de Estado atual, impõe que a interpretação e aplicação outorguem às

normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema

jurídico, em outras palavras, impõe o dever de os tribunais interpretarem e aplicarem as

leis em conformidade com os direitos fundamentais, atribuindo-lhes concreção. Até

porque nenhuma teoria dos direitos fundamentais serve para efetivá-los, senão por meio

da interpretação/aplicação das normas jurídicas. “Interpretar a Constituição é realizar a

Constituição.” (MIRANDA)

Não há um consenso doutrinário sobre a origem da interpretação

conforme a Constituição. O que se pode constatar é que, sem embargo de decisões

anteriores aplicando o princípio – antecedentes no Tribunal Federal da Suíça (HAAK) –

a técnica foi forjada pela Suprema Corte Estados Unidos, a partir da verificação, depois

disseminada na jurisprudência daquele país, de que as leis devem ser interpretadas “in

harmony with the Constitution”, sendo depois incrementada peloa Tribunal Federal

Alemão, dada a relação da interpretação conforme com o Welfare State e com a teoria

material da Constituição. A técnica surgiu nos Estados Unidos, desde o famoso voto

proferido pelo Justice BRANDEIS no caso Ashwader v. Tennessee Valley Authority, em

1936, mas se irradiou pela jurisprudência do Bundesverfassungsgericht, que a partir de

1955, freqüentemente passou a renunciar a possibilidade de declarar a

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inconstitucionalidade de leis, toda vez que elas pudessem ser “salvas” por meio de uma

interpretação em conformidade com a Constituição.

Sem embargo das diferentes acepções nas quais pode ser vista a

interpretação conforme, seu aspecto mais marcante é o de uma técnica de decisão de

constitucionalidade. Não por acaso que ela foi “forjada dentro do ambiente das técnicas

de decisão da Justiça Constitucional”. (TAVARES). Na jurisprudência brasileira ela foi

reconhecida como técnica de decisão em controle de constitucionalidade no

paradigmático voto do então Ministro Moreira Alves, proferido na Representação de

Inconstitucionalidade n. 1147, quando Sua Excelência consignou que “o princípio da

interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme auslegung) é princípio que

se situa no âmbito de controle de constitucionalidade, e não apenas simples regra de

interpretação”. No plano legislativo a interpretação conforme foi “institucionalizada”

como mecanismo de controle de constitucionalidade pelo parágrafo único do artigo 28

da Lei n. 9.868/99. Esse enquadramento da interpretação conforme como técnica de

decisão em controle de constitucionalidade nos permitiu aprofundar esse aspecto do

instituto e, conseqüentemente, chegar a várias conclusões próprias deste ponto:

Interpretar as leis e atos normativos em conformidade com a

Constituição e também evitar no máximo possível que uma norma seja nulificada e

expurgada do sistema jurídico por incompatibilidade com o Texto Maior, é tarefa de

todo intérprete. No Poder Judiciário constitui uma postura a ser adotada desde os juízes

monocráticos até os Ministros da Suprema Corte. Por tal razão, interpretação conforme

não é uma opção hermenêutica, mas um dever exegético, que impõe a todo aplicador da

lei tentar compatibilizá-la com a Constituição para mantê-la no ordenamento jurídico.

Além disso, se é um dever de todo e qualquer juiz ou Tribunal, trata-se de mecanismo

de controle cabível tanto no sistema difuso como no sistema concentrado de controle de

constitucionalidade.

A interpretação conforme não se confunde com a declaração de

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, embora ambas sejam espécies de

decisões interpretativas da Justiça Constitucional que não afetam o texto normativo, mas

tão somente um ou alguns dos sentidos dele e ambas têm efeito vinculante e eficácia

erga omnes. Embora apresentem essas similitudes, os institutos não se confundem, tanto

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que o mencionado parágrafo único do art. 28, da Lei n. 9.868/99 menciona os dois

institutos em seu texto, o que denota, inexoravelmente, que são instrumentos distintos.

Na interpretação conforme é encontrado um sentido à norma que a torne compatível

com a Carta, para assim impedir sua nulidade, enquanto na declaração parcial de

nulidade sem redução de texto, ao contrário, são identificadas as hipóteses de aplicação

incompatíveis com a Carta Maior, para assim declará-las inconstitucionais, com

preservação do texto legal. A interpretação conforme a Constituição não tem como

resultado excluir casos ou destinatários da aplicação da norma, enquanto este “é o

resultado por excelência da nulidade parcial sem modificação de texto” (STRECK). Se

o Tribunal, portanto, deseja excluir algumas hipóteses do âmbito de incidência de

determinada norma, deve utilizar a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem

redução de texto; se deseja declarar a constitucionalidade de determinada norma, por

meio de uma adaptação “salvadora” que a compatibilize com a Constituição, tem de

aplicar a interpretação conforme.

O Supremo Tribunal Federal, quando passou a empregar mais

correntemente tais técnicas, simplesmente equiparava a interpretação conforme a

Constituição à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Houve depois

uma mudança de rumo na jurisprudência do STF, que revendo seu posicionamento

inicial de equiparação dos institutos, passou a divisar essas técnicas de decisão. Os

julgamentos das ADI n. 491, ADI n. 939 e ADI n. 1045, nos quais foi aplicada a técnica

da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto denotaram que “a

declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto parece ter ganho

autonomia no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” (GILMAR). Por

vezes, entretanto, o Supremo Tribunal Federal confunde os institutos, como fez, por

exemplo, na ADI 2.652.

A interpretação conforme, ao contrário do que sustentado por setores

respeitadíssimos da doutrina e jurisprudência, não importa na fixação de um único

sentido constitucionalmente admissível para o texto normativo, com exclusão de todas

as demais possíveis interpretações que a norma comporte. O Supremo Tribunal Federal,

ao aplicar a interpretação conforme não pode decidir sobre todas as possíveis

interpretações de um texto normativo. A norma declarada constitucional continua

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carecendo de interpretação em outras aplicações, por meio de outras interpretações em

conformidade com a Constituição.

Como a função da interpretação conforme é apenas conferir um sentido

à norma que a compatibilize com a Constituição, impedindo sua decretação de nulidade,

a aplicação dessa técnica enseja, no sistema brasileiro de controle concentrado de

constitucionalidade, a total improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou a

procedência da Ação Declaratória. Trata-se de uma decisão de constitucionalidade da

norma.

E como a interpretação conforme enseja apenas decisão de

constitucionalidade e não decisão explícita de constitucionalidade e implícita de

inconstitucionalidade, a cláusula de reserva de Plenário não se aplica às decisões que

utilizam a interpretação conforme. Os órgãos fracionários dos tribunais e as Turmas do

Supremo Tribunal Federal poderão aplicá-la sem recorrerem aos seus plenários. Além

disso, a finalidade da cláusula full bench é diminuir a tensão entre os Poderes

Legislativo e Judiciário engendrada pela declaração de inconstitucionalidade de uma

norma. Como a interpretação conforme produz exatamente o contrário, ou seja,

declaração de constitucionalidade do texto normativo, torna-se desnecessária a

aplicação da regra constitucional inserta no artigo 97 da Constituição Federal.

O efeito vinculante da interpretação conforme dada pelo Supremo

Tribunal Federal significa apenas que aquela interpretação da norma conferida pelo

Supremo não pode ser considerada inconstitucional por nenhuma outra instância. Não

significa que somente a interpretação conferida pela Corte Suprema poderá ser aplicada,

pois como já colocado, a decisão do Supremo, na interpretação conforme, cinge-se à

atribuição de um sentido do texto inferior compatível com a Constituição. Não há

também decisão sobre interpretações inconstitucionais da norma. Na parte dispositiva

da decisão consta apenas a interpretação conforme dada ao dispositivo, sendo esse o

efeito vinculante do julgado. É paradoxal sustentar que a aplicação da interpretação

conforme acarreta, exclusivamente, uma decisão de constitucionalidade da lei e a

conseqüente improcedência total da Ação de Inconstitucionalidade, e ao mesmo tempo

afirmar que na mesma ação o STF também decide pela exclusão de todos os demais

sentidos possíveis do texto, considerando-os inconstitucionais, com efeito vinculante. Se

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eventuais interpretações inconstitucionais do texto normativo forem consignadas no

julgado como expediente de raciocínio para se chegar a interpretação conforme, tais

interpretações não terão efeito vinculante, sejam utilizadas obter dicta ou como

fundamentos determinantes da decisão.

A decisão de interpretação conforme é uma de decisão interpretativa,

pois foge do clássico e rígido esquema de inconstitucionalidade/constitucionalidade de

uma norma. E uma decisão interpretativa de rejeição tão somente, porquanto na

sistemática do Direito Brasileiro, ao aplicar a interpretação conforme, como colocado

acima, o Tribunal apenas decide qual é a interpretação constitucionalmente conforme,

qual a interpretação que se ajusta à Constituição. Em alguns casos, porém, sem deixar

de ser uma decisão de rejeição da inconstitucionalidade, a decisão que utiliza a técnica

da interpretação conforme assume também uma natureza de decisão manipulativa

aditiva, pois não raras vezes, a Corte, embora se coloque como “legislador negativo”,

produz um acréscimo de sentido ao texto para adaptá-lo à Constituição.

A doutrina justifica a interpretação conforme em diferentes e variados

fundamentos (princípio da supremacia da Constituição; princípio da presunção de

constitucionalidade das leis; princípio da economia do ordenamento jurídico; princípio

da unidade da ordem jurídica etc). O que se conclui, entretanto, é que nenhum dos

fundamentos, por si só, é suficiente para justificar o emprego da interpretação conforme,

devendo ser utilizados, conjuntamente, na legitimação dessa técnica de decisão. Como

ressaltamos durante o desenvolvimento deste estudo, todos os princípios mencionados

pela doutrina devem, conjuntamente, legitimar a adoção da interpretação conforme (e

de outras técnicas de decisões interpretativas), pois nenhum deles é suficiente para, por

si só, justificar plenamente o recurso à interpretação conforme. Com efeito, deve-se

conservar a norma e impedir, o quanto possível, sua decretação de inconstitucionalidade

porque ela é fruto do exercício dos Poderes de Estado, assim erigidos na separação

constitucional estabelecida. As leis têm, portanto, presunção de compatibilidade com a

Carta Maior, já que é de se supor que tais Poderes, ao editar as normas inferiores, o

fazem com vistas a obedecer à supremacia da Constituição e com respeito à coerência

(unidade) que deve ter o sistema jurídico, cuja segurança depende da manutenção e

preservação de todas as normas vigentes, aproveitadas no máximo de sua

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normatividade. Além disso, muitos desses fundamentos, ao mesmo tempo que

legitimam a interpretação conforme, impõem-se como limites à técnica.

A questão dos limites da interpretação conforme é sem dúvida o tema

mais difícil e controvertido de todos que foram enfrentados. Setores da doutrina e

jurisprudência propugnam que a interpretação conforme possui dois limites

intransponíveis: a vontade legislativa e as possibilidades normativas do texto, devendo o

Judiciário conter-se nesses limites para não se converter em “legislador positivo”,

extravasando suas funções constitucionalmente previstas. Sustenta-se que a subversão

completa do sentido inequívoco do texto normativo e da voluntas legis mostra-se mais

nefasta do que a própria decisão de inconstitucionalidade da norma. Isso porque a

declaração de nulidade oportuniza e mesmo impõe ao Legislativo, diante do vácuo

normativo criado, produzir a norma substitutiva, enquanto uma interpretação

desvirtuada do sentido expresso da lei acaba por manter o texto no ordenamento, porém

com o sentido dado pelo Poder Judiciário em inequívoca contrariedade com aquele

pretendido pelo legislador. Outros, porém, sustentam a possibilidade do Judiciário, ao

utilizar a interpretação conforme, proferir uma decisão corretiva, ou na expressão

forjada pela Corte Constitucional italiana, uma decisão manipulativa de efeito aditivo.

Primeiro porque a “plurivocidade sígnica do Direito” impossibilita saber quais são os

“sentidos possíveis de um texto” ou a “vontade da lei”. Depois porque a interpretação

significa criação do Direito com atribuição/adjudicação de sentido ao texto normativo. E

ainda porque o princípio da interpretação conforme, no modelo de Estado Democrático

de Direito, deve conferir ao Judiciário o papel de “não somente redefinir o conteúdo do

texto, como adaptá-lo à Constituição” (STRECK).

Nesse embate sobre os limites da interpretação conforme, que na

verdade é um embate sobre os limites da interpretação em geral, podemos concluir que

essa técnica de decisão não pode mesmo extravasar os limites intransponíveis do texto

normativo e do trabalho legislativo que o originou, sob pena de se permitir um ativismo

judicial e uma inconstitucional usurpação de funções do Judiciário. A abertura e

plurivocidade dos textos normativos não isentam o Judiciário de se conter nos limites do

razoável, ao realizar a interpretação conforme.

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Esses limites, entretanto, nem sempre são observados. Tem toda razão

Virgílio Afonso da Silva ao dizer que há uma grande diferença entre o que o Tribunal (e

a doutrina) sustenta, entre o que afirma aplicar e entre o que efetivamente aplica e que

muitas vezes o Tribunal aplica a sua interpretação ao dispositivo legal para

compatibilizá-lo com aquilo que o próprio tribunal, e ninguém mais, crê que seja

constitucional. Também tem razão Inocêncio Mártires, que com apoio em José Adércio

diz que “apesar dessa ressalva – que todos parecem fazer apenas como sinal de

reverência ao dogma da separação de poderes – o que a experiência da jurisdição

constitucional evidencia é a mais aberta criação de normas jurídicas de caráter geral e

efeito vinculante, por meio das chamadas sentenças normativas. O que se conclui então

é que esse papel do “legislador negativo” muitas vezes não passa de um discurso para

que o Tribunal realize uma atividade corretiva e manipulativa do texto normativo.

Todos quantos enfrentam o tema da interpretação conforme ressaltam

que a técnica somente é cabível em face de normas polissêmicas, que contenham mais

de um significado possível, com um “espaço de decisão” para o intérprete manejar a

técnica da interpretação conforme. Esse verdadeiro pressuposto de admissibilidade da

interpretação conforme na verdade está relacionado com os limites da técnica, já que a

interpretação conforme a Constituição somente será possível quando a norma

apresentar vários significados possíveis. Além disso, podemos concluir que não basta a

polissemia da norma. É preciso ainda que um ou alguns desses sentidos se mostrem

adequados à Constituição. Caso contrário, mesmo sendo plurissignificativa a norma,

não haverá possibilidade de se aplicar a técnica da interpretação conforme a

Constituição. As normas devem ser, portanto, polissêmicas e mais, devem ter um ou

alguns dos sentidos compatíveis com a Carta Maior. Se todas as interpretações

apreendidas no conteúdo normativo indicam uma desconformidade com a Constituição,

não haverá espaço para a interpretação conforme.

A interpretação conforme não constitui uma trivialidade ou simples

forma comum de controle de constitucionalidade nos moldes tradicionais. A técnica

importa, ao contrário, num salto paradigmático que supera o modelo de controle

baseado no rígido e inflexível binômio, constitucionalidade/inconstitucionalidade do

texto normativo. É uma técnica menos ortodoxa que as tradicionais formas de Justiça

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Constitucional. Permite que o Judiciário flexibilize o sentido do texto normativo,

mantendo-o no ordenamento jurídico, diminuindo assim a tensão entre Poderes e os

problemas decorrentes do difícil equacionamento entre o respeito à Constituição e o

respeito ao trabalho do legislador. É bem verdade que muitas vezes a técnica é

empregada com excessos pelo Tribunal, que acaba extrapolando os limites que lhe são

franqueados, atuando como verdadeiro “legislador positivo”. Mas isso não é um

problema da técnica em si mesma, e sim da sua incorreta aplicação.

A chamada interpretação da Constituição de acordo com as leis, ou

seja, a atualização da Constituição a partir do ordenamento inferior, onde são

concretizados os valores constantes da Constituição é algo que deve ser rechaçado. A

Supremacia formal e material da Constituição inviabiliza essa inversão hierárquica

normativa. O que cumpre é interpretar as leis de acordo com a Constituição. Jamais o

contrário.

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