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Radiopropagação em Sistemas de Radar Ivan St’Aubyn Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em Orientador: Prof. António Luís Campos da Silva Topa Engenharia Electrotécnica e de Computadores Júri Presidente: Prof. Doutor Fernando Duarte Nunes Orientador: Prof. Doutor António Luís Campos da Silva Topa Vogal: Prof. Doutor António José Castelo Branco Rodrigues Setembro 2014

Simulação de ambientes de radiopropagação

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Page 1: Simulação de ambientes de radiopropagação

Radiopropagação em Sistemas de Radar

Ivan St’Aubyn

Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em

Orientador: Prof. António Luís Campos da Silva Topa

Engenharia Electrotécnica e de Computadores

Júri

Presidente: Prof. Doutor Fernando Duarte Nunes

Orientador: Prof. Doutor António Luís Campos da Silva Topa

Vogal: Prof. Doutor António José Castelo Branco Rodrigues

Setembro 2014

Page 2: Simulação de ambientes de radiopropagação

II

Page 3: Simulação de ambientes de radiopropagação

III

Agradecimentos

Esta dissertação representa o último passo numa etapa difícil e que foi conseguida com muito

esforço, dedicação e empenho. Mas tudo foi possível com a ajuda e atenção de muitas

pessoas que aproveito desde já para agradecer profundamente.

Em primeiro lugar, queria agradecer ao Professor António Topa, por aceitar a responsabilidade

de ser o orientador da Dissertação de Mestrado. Foi sempre uma pessoa presente, atenciosa,

paciente e amiga ao longo de todo o percurso. O seu contributo foi fundamental na realização

deste trabalho.

Gostaria de agradecer aos meus pais, irmãs, primos, avôs, e à minha namorada pelo apoio

incondicional e carinho demonstrado.

Aos meus colegas, amigos e professores, que conheci no IST e que certamente serão amigos

para toda a vida, um sincero obrigado pela camaradagem e amizade que sempre

demonstraram.

Finalmente, queria também dedicar em memória dos familiares que partiram cedo demais e

que não presenciaram este momento.

Page 4: Simulação de ambientes de radiopropagação

IV

Page 5: Simulação de ambientes de radiopropagação

V

Resumo

Os radares constituem-se como um dos elementos essenciais na navegação aérea,

marítima e na previsão meteorológica. Cedo percebeu-se que dado o enorme

crescimento do tráfego aéreo e marítimo era preciso uma monitorização mais intensiva

e mais precisa, que levou desde logo a necessidade de estudar os aspectos que

afectavam o funcionamento dos radares.

Esta dissertação consiste na análise dos diferentes aspectos que intervêm na

propagação de ondas electromagnéticas que afectam os radares. Neste trabalho

foram desenvolvidas várias simulações em MATLAB®, que permitem uma melhor

compreensão dos diferentes fenómenos de radiopropagação em radares.

As simulações abordam os seguintes temas: representação do campo eléctrico com

reflexão no solo, representação da potência recebida por um radar em baixa altitude,

análise da secção eficaz de radar em função de vários parâmetros (ângulo de aspecto,

frequência e forma do alvo), traçado de raios para uma atmosfera estratificada

horizontalmente, comparação do sinal recebido para situações com e sem ducto e

simulação de uma situação de despolarização devido à chuva e ao vento.

Uma análise aos aspectos que afectam a propagação de ondas em radares torna-se

bastante necessária, visto que uma pequena variação num índice meteorológico pode

afectar fortemente as condições de funcionamento do sistema.

Palavras-Chave

Radar; Radiopropagação; Reflexão; Refracção; Secção Eficaz de Radar;

Despolarização;

Page 6: Simulação de ambientes de radiopropagação

VI

Page 7: Simulação de ambientes de radiopropagação

VII

Abstract

Radars are one of the key elements in aircraft and ship navigation, monitoring and the

most important meteorological forecast system. Early, people understood that the air

traffic and ship flow were growing up in a very high rate. This fact triggered the need of

understand the physical models and aspects that affects the radars.

This project consists in the analysis of radio wave propagation in radars. Several

simulations were developed in MATLAB® with the purpose of understand the different

phenomena’s that affects this system.

The simulations address the following items: representation of the electric field

interference pattern due to ground reflection, representation of the received power by

low altitude radar, the variation of the radar cross section in function of several

parameters (aspect angle, frequency and target shape), ray tracing in a horizontal

stratified atmosphere, comparison of the received signal for the scenery with and

without duct and simulation of depolarization due to rain and wind.

Keywords

Radar; Radiopropagation; Reflection; Refraction; Radar Cross Section; Depolarisation;

Page 8: Simulação de ambientes de radiopropagação

VIII

Page 9: Simulação de ambientes de radiopropagação

IX

Índice

1. INTRODUÇÃO ______________________________________________ 1

Enquadramento histórico ________________________________________ 1 1.1.

Motivação e objectivos __________________________________________ 6 1.2.

Estrutura da dissertação _________________________________________ 7 1.3.

Principais contribuições __________________________________________ 8 1.4.

2. PROPAGAÇÃO EM RADAR ___________________________________ 9

2.1. Introdução ____________________________________________________ 9

Propagação em espaço livre ______________________________________ 9 2.2.

Potência transmitida entre duas antenas _______________________________ 9 2.2.1.

Intensidade do campo ____________________________________________ 11 2.2.2.

Dipolo linear de meia onda _________________________________________ 12 2.2.3.

Reflexão no solo ______________________________________________ 14 2.3.

Simulações _____________________________________________________ 18 2.3.1.

Equação de Radar ____________________________________________ 26 2.4.

Aproximação de baixa altitude ______________________________________ 30 2.4.1.

Secção eficaz de radar _________________________________________ 31 2.5.

Simulações _____________________________________________________ 35 2.5.1.

Clutter de Radar ______________________________________________ 41 2.6.

Clutter de superfície ______________________________________________ 42 2.6.1.

2.6.1.1. Equação de radar para clutter de área ____________________________ 44

Clutter de volume ________________________________________________ 47 2.6.2.

2.6.2.1. Equação de radar para clutter de volume _________________________ 49

3. REFRAÇÃO EM RADAR _____________________________________ 51

Refracção na atmosfera ________________________________________ 51 3.1.

Índice de refracção na Atmosfera ___________________________________ 52 3.1.1.

Trajectória de um raio óptico numa atmosfera horizontalmente estratificada __ 54 3.1.2.

3.1.2.1. Estratificação plana __________________________________________ 54

3.1.2.2. Estratificação esférica ________________________________________ 55

Raio de curvatura do raio óptico ____________________________________ 56 3.1.3.

Refractividade modificada _________________________________________ 58 3.1.4.

Captação em Ductos ___________________________________________ 60 3.2.

Condições de formação de ductos ___________________________________ 61 3.2.1.

Traçado de raios _________________________________________________ 64 3.2.2.

3.2.2.1. Modelo exacto ______________________________________________ 64

3.2.2.2. Modelo aproximado __________________________________________ 65

3.2.2.3. Modelo analítico para a trajectória _______________________________ 67

3.2.2.4. Cálculo do ponto de indeterminação _____________________________ 68

Simulações __________________________________________________ 70 3.3.

Uma camada atmosférica__________________________________________ 70 3.3.1.

Page 10: Simulação de ambientes de radiopropagação

X

Ducto superficial e sobrelevado _____________________________________ 74 3.3.2.

Potência recebida _____________________________________________ 76 3.4.

4. ABSORÇÃO E DESPOLARIZAÇÃO EM RADAR __________________ 79

Absorção pelos gases __________________________________________ 79 4.1.

Absorção pela chuva ___________________________________________ 82 4.2.

Despolarização pela chuva ______________________________________ 84 4.3.

Coeficiente de despolarização ______________________________________ 89 4.3.1.

Potência recebida ________________________________________________ 91 4.3.2.

5. CONCLUSÃO _____________________________________________ 95

Principais conclusões __________________________________________ 95 5.1.

Perspectivas de trabalhos futuros _________________________________ 96 5.2.

6. BIBLIOGRAFIA _________________________________________________ 97

Page 11: Simulação de ambientes de radiopropagação

XI

Lista de Figuras

Figura 1.1 – Esquema do aparelho usado por Faraday

Figura 1.2 – Experiência de Hertz

Figura 1.3 – Marconi

Figura 1.4 – Esquema do aparelho usado por Christian Hülsmeyer

Figura 1.5 – Radar usado na Segunda Guerra mundial

Figura 1.6 – Tipos de radar

Figura 2.1 – Coordenadas esféricas para o campo distante

Figura 2.2 - Versor e e versor r das antenas emissora e receptora

Figura 2.3 – Diagrama de radiação tridimensional de dois agregados. O primeiro com um dipolo e o segundo com dois dipolos

Figura 2.4 – Reflexão em polarizações Vertical e Horizontal

Figura 2.5 – Módulo do coeficiente de reflexão em função do ângulo de fogo

Figura 2.6 – Fase coeficiente de reflexão em função do ângulo de fogo

Figura 2.7 – Raio directo e raio reflectido

Figura 2.8 – Variação do campo recebido com a distância em polarização

vertical

Figura 2.9 – Variação do campo recebido com a distância em polarização

horizontal

Figura 2.10 – Variação do campo normalizado com a distância em polarização

horizontal e 4

Figura 2.11 – Variação da potência recebida com a distância em polarização

horizontal e 4

Figura 2.12 – Variação do campo eléctrico em espaço livre

Figura 2.13 – Campo eléctrico em espaço livre com um agregado de duas

antenas (à esquerda) e um agregado de quatro antenas (à direita).

Figura 2.14 – Variação da amplitude do campo eléctrico com reflexão no solo.

Sinal emitido em PV

Figura 2.15 – Esquema ilustrativo dum radar

Figura 2.16 – Potência normalizada sem aproximações

Page 12: Simulação de ambientes de radiopropagação

XII

Figura 2.17 – Potência normalizada com aproximações

Figura 2.18 – Variação da potência recebida com a distância

Figura 2.19 – Potência com e sem aproximação de baixa altitude

Figura 2.20 – Configuração básica da RCS

Figura 2.21 – RCS em função da região de frequência

Figura 2.22 – Configuração para simulação da RCS em função do ângulo de

aspecto

Figura 2.23 – Variação da RCS em função do ângulo de aspecto

Figura 2.24 – Configuração para simulação da RCS em função da frequência

Figura 2.25 – Variação da RCS em função da frequência para dist=0.1m

Figura 2.26 – Variação da RCS em função da frequência para dist=0.7m

Figura 2.27 – Direcção da antena receptora do radar

Figura 2.28 – RCS normalizada para uma esfera condutora perfeita

Figura 2.29 – Elipsóide

Figura 2.30 – Variação da RCS em função do ângulo de aspecto com 45º

Figura 2.31 – Regiões de clutter

Figura 2.32 – Definição de rugosidade de uma superfície

Figura 2.33 – Influência do solo na configuração do radar

Figura 2.34 – “Footprint” da área de clutter

Figura 2.35 – Variação do SCR com o ângulo de incidência

Figura 2.36 – Definição de resolução do volume

Figura 2.37 – Variação do SCR em função de elementos de clutter

Figura 3.1 – Variação da refractividade com a altura.

Figura 3.2 - Geometria para estratificação plana.

Figura 3.3 – Geometria para estratificação esférica.

Figura 3.4 – Definição de raio de curvatura

Figura 3.5 – Variação da refractividade modificada com a altura.

Figura 3.6 – Ilustração do efeito de um ducto

Figura 3.7 – Trajectória dos raios em atmosfera standard

Figura 3.8 – Trajectória dos raios na presença dum ducto superficial

Page 13: Simulação de ambientes de radiopropagação

XIII

Figura 3.9 – Trajectória dos raios na presença dum ducto sobrelevado

Figura 3.10 – Geometria para o traçado de raios

Figura 3.11 – Trajectória dos raios com 0 0 e 0dM dh

Figura 3.12 – Trajectória dos raios com 0 0 e 0dM dh

Figura 3.13 – Trajectória dos raios com 0 0 e 0dM dh com reflexão no

solo

Figura 3.14 – Trajectória dos raios com 0 0 e 0dM dh

Figura 3.15 – Trajectória dos raios com 0 0 e 0dM dh

Figura 3.16 – Trajectória de 4 raios na presença de ducto superficial.

Figura 3.17 – Trajectória de 4 raios na presença de ducto sobrelevado.

Figura 3.18 – Potência recebida do eco para situações de formação de ductos.

Figura 4.1 – Coeficiente de absorção para o oxigénio

Figura 4.2 - Coeficiente de absorção para o vapor de água

Figura 4.3 – Distância efectiva para vapor de água e oxigénio.

Figura 4.4 – Representação dos parâmetros K e em função da frequência

Figura 4.5 – Eixos da gota da chuva

Figura 4.6 – Atenuação e fase diferencial introduzidas pela forma achatada da

gota da chuva

Figura 4.7 – Alteração da polarização causada pela inclinação da gota da chuva

Figura 4.8 – Representação de P e de para a polarização para a onda.

Figura 4.9 – Efeito da chuva e do vento na polarização de saída

Figura 4.10 – Influência da chuva na despolarização

Figura 4.11 – Variação de pC com para a polarização vertical

Figura 4.12 – Variação de pC com para a polarização horizontal

Figura 4.13 – Potência recebida para diferentes polarizações

Page 14: Simulação de ambientes de radiopropagação

XIV

Page 15: Simulação de ambientes de radiopropagação

XV

Lista de Símbolos

a Raio da terra

A Atenuação

efA Abertura efectiva

c Velocidade da luz no vácuo

pC Coeficiente de despolarização

d Distância

dN

dh Gradiente de refractividade

iD Diâmetro da gota

e Tensão de vapor

E Amplitude de campo eléctrico

df Factor direccional

dF Factor de propagação transmitido

rF Factor de propagação recebido

eG Ganho da antena de emissão

rG Ganho da antena de recepção

h Altura

efh Altura efectiva

1,eh Altura da antena de emissão

2,rh Altura da antena de recepção

H Amplitude do campo magnético

nH Função de Hankel

nJ Função de Bessel

Page 16: Simulação de ambientes de radiopropagação

XVI

mI Corrente nos terminais duma antena

K Constante de propagação

l Metade do comprimento da antena

L Atenuação suplementar

pL Comprimento do percurso de ida e volta

kL Comprimento do intervalo horizontal

vL Comprimento do intervalo vertical

M Índice de refracção modificado

n Índice de reflexão do solo em relação ao ar

in Índice de refracção da camada i

N Índice de refracção reduzido

eP Potência emitida

rP Potência recebida

r Distância radial

dr Raio directo

rr Raio reflectido

R Taxa de precipitação

cR Alcance do radar

SCR Relação sinal-clutter

hS Coeficiente de ondulação

S Densidade de fluxo de potência

T Temperatura

wV Unidade de volume

X Coeficiente de polarização cruzada

0Z Impedância característica

Page 17: Simulação de ambientes de radiopropagação

XVII

Ângulo do raio em relação à horizontal

0 Coeficiente de absorção do oxigénio

w Coeficiente de absorção do vapor de água

Diferença de fase entre raio directo e raio reflectido

r Diferença de trajecto entre raio directo e raio reflectido

's Constante dieléctrica complexa do solo

Coeficiente de Fresnel

Comprimento de onda

Co-latitude

d Co-latitude do raio directo

r Co-latitude do raio reflectido

3dB Abertura a meia potência

Ângulo de fogo

Raio de curvatura

Secção equivalente do alvo

a Secção eficaz de absorção

s Secção eficaz de dispersão

t Secção eficaz de extinção

Duração do impulso

Page 18: Simulação de ambientes de radiopropagação

XVIII

Page 19: Simulação de ambientes de radiopropagação

1

1. INTRODUÇÃO

Enquadramento histórico 1.1.

Desde os primórdios da humanidade que foram verificados relatos da existência de

elementos na natureza que eram capazes de criar curiosidade. Desde 2750 A.C que

as civilizações egípcias e gregas notaram algo de estranho com os peixes “eléctricos”,

que criavam pequenas descargas. Depois, notaram-se outras experiências,

nomeadamente, que se uma vareta feita de mineral fosse excitada, esta conseguia

atrair pequenos elementos, como penas. Estes tipos de ocasiões, despertaram grande

curiosidade e interesse no homem da altura.

Thales de Mileto foi um dos que fez uma serie de observações, relativas à

electricidade estática por volta de 600 A.C.

O tema manteve-se parcialmente intacto até por volta de 1800 D.C. Nesta altura houve

grande contribuição de muitas personalidades que foram os grandes impulsionadores

do electromagnetismo. Destacam-se Alessandro Volta, André-Marie Ampère, Georg

Ohm, Michael Faraday e James Clerk Maxwell.

No ano de 1800, Alessandro Volta destacou-se pela invenção da pilha, que foi

fabricada por camadas de zinco, que forneceu aos cientistas uma fonte fiável de

energia.

Por volta de 1819, André-Marie Ampère e Hans Christian Ørsted fizeram experiências

que ligavam fenómenos eléctricos aos fenómenos magnéticos, indiciando que era

possível haver uma ligação entre estes dois temas.

Ohm teve um papel importante, porque analisou de forma matemática, os circuitos

eléctricos, criando padrões (leis), que serviram como referência doravante.

Michael Faraday, que inventou o motor eléctrico em 1821, fez inúmeras experiências.

Ele conseguiu demonstrar que, se uma bobine fosse percorrida por uma corrente, era

possível criar uma corrente numa outra bobine, sem estes estarem fisicamente

ligados. Este fenómeno é conhecido como indução.

Page 20: Simulação de ambientes de radiopropagação

2

Figura 1.1 – Esquema do aparelho usado por Faraday ( [1])

James Clerk Maxwell fez a ligação de forma definitiva entre a electroestática e a

magnetostática, criando assim o electromagnetismo.

No final do século XVIII, fez experiências com intuito de relacionar a luz com as ondas

electromagnéticas. Depois de realizadas as referidas experiências, ele desenvolveu

teorias. De acordo com a teoria, se as ondas electromagnéticas fossem “excitadas” a

partir de um oscilador, estes induziam corrente numa espira. Hertz notou que era

possível obter o mesmo efeito, quando as ondas reflectiam num plano condutor. Esta

foi a primeira vez em que se podia relacionar de forma directa a emissão e a recepção

de ondas electromagnéticas.

Figura 1.2 – Experiência de Hertz [2]

No século XIX, foram vários os nomes que deram contribuições. Destacam-se

Alexander Bell, Thomas Edison e Nikola Tesla, que conseguiram transformar a

electricidade dum cenário de curiosidade científica para uma ferramenta essencial da

vida moderna, que foi uma das forças que levaram à segunda revolução industrial.

Page 21: Simulação de ambientes de radiopropagação

3

Um nome que teve grande impacto nas telecomunicações, foi Guglielmo Marconi. Ele

estava convicto que a comunicação entre pessoas era possível através de ondas

rádio. Em 1895, ele começou a fazer experiências em casa dos pais, em Pontecchio,

onde pouco tempo depois, ele já conseguia enviar sinais a uma distância de

aproximadamente 2.5 Km. Em 1896, ele viajou para Inglaterra para registar as

patentes das teorias desenvolvidas até então. Ele passou a ser a primeira pessoa a

registar uma patente de um sistema de telegrafia sem fios. Depois de demonstrar que

o sistema era capaz de transmitir sinais rádio através do canal de Bristol, ele criou a

“Wireless Telegraph & Signal Company”.

Figura 1.3 – Marconi [3]

Em 1899, Marconi conseguiu fazer uma ligação entre Inglaterra e França, através do

canal inglês e seguidamente instalou umas estações sem fios em Bournemouth, na

ilha Wight e num hotel em Poole, Dorset.

Em Dezembro de 1901, ele estabeleceu a primeira ligação transatlântica, provando

que a curvatura da terra não impedia tal ligação. A ligação foi de Poldhu, Cornwall

(Inglaterra) e St Johns, New Foundland (Canada), e com uma distância de

aproximadamente 4000 Km. Este anúncio levantou muito cepticismo, pois o teste foi

efectuado durante o dia e com um comprimento de onda na ordem dos 350 metros e

sabe-se que para este tipo de comprimentos de onda uma comunicação de longa

distância durante o dia não é possível, devido à grande absorção das ondas na

ionosfera. Com o objectivo de provar as suas experiências, Marconi viajou abordo do

SS Philadelphia desde Inglaterra, guardando diariamente os sinais enviados pela

Page 22: Simulação de ambientes de radiopropagação

4

estação em Poldhu. Os testes resultaram numa recepção do sinal até 2.496 km e uma

recepção de áudio até 3.378 km.

Mas, em 1904 um engenheiro alemão denominado de Christian Hülsmeyer inventou o

“telemoviloscópio” para monitorização sobre a água em cenários de pouca visibilidade.

Este foi considerado o primeiro radar. Hülsmeyer patenteou a invenção na Alemanha,

França e na Grã-Bretanha.

Figura 1.4 – Esquema do aparelho usado por [4]

No ano de 1921, com a invenção do magnetrão, foi usada como um tubo de

transmissão pelo físico americano Albert Wallace Hull.

No ano seguinte, os engenheiros americanos Taylor e Young, do laboratório de

pesquisas navais conseguiram localizar um barco pela primeira vez.

Em 1930 foi detectado o primeiro avião por Lawrence A. Hyland e no ano seguinte foi

instalado o primeiro radar a bordo de um barco, com uma antena parabólica com

emissores em cornetas.

Aproximadamente uma década depois, em 1939, dois cientistas da universidade de

Birmingham, John Turton Randall e Henry Albert Howard Boot construíram um

pequeno e revolucionador radar usando um magnetrão com multi-cavidades.

A partir de 1940 muitos países continuam a desenvolver radares de forma

independente, mas sempre assentes nos conhecimentos adquiridos até então.

A segunda guerra mundial teve um impacto fundamental no uso do espectro de

radiofrequência. A necessidade, devido à guerra, de realizar comunicações com maior

capacidade levou a um grande avanço nas comunicações sem fios, nomeadamente no

desenvolvimento de sistemas de alta frequência.

Page 23: Simulação de ambientes de radiopropagação

5

Figura 1.5 – Radar usado na Segunda Guerra mundial [5] [6]

Desde a segunda guerra mundial até os dias de hoje, os radares tiveram uma

mudança relativamente grande em termos de tecnologias usadas. Este facto deve-se

ao facto de ocorrer uma mudança do analógico para o mundo digital. A partir dai muito

se estudou relativamente aos radares, visto que a informação em formato digital

permite um tratamento de dados diferente e mais profunda. O acrónimo Radar

significa “Radio Detection and Ranging”.

Hoje em dia, faz-se a classificação dos radares como se representa na figura 1.6.

Figura 1.6 – Tipos de radar [7]

O radar primário é o radar de vigilância, ou seja, a detecção é feita pelo

reconhecimento de um “eco”. O alvo desempenha um papel totalmente passivo. O

radar secundário suporta-se na cooperação do alvo, ou seja, este desempenha um

papel activo. O objecto a detectar possui um transceptor que interpreta os impulsos

transmitidos como uma sequência de interrogação e transmite uma sequência

codificada de impulsos com informação gerada a bordo. O receptor do radar

secundário está preparado para interpretar a sequência de resposta. Um radar

Page 24: Simulação de ambientes de radiopropagação

6

secundário funciona normalmente associado a um radar primário. O radar primário

divide-se em dois tipos, o radar de impulsos (modo de frequência e modo de impulsos)

e o radar de onda contínua (modulação de frequência ou sem modulação).

É no contexto de crescimento da indústria do sector das comunicações em radares e

comunicações a longa distância que se insere a presente Dissertação de Mestrado,

mais especificamente no estudo da radiopropagação e caracterizam o comportamento

e desempenho das ondas electromagnéticas em ambientes que se inserem os

radares.

Motivação e objectivos 1.2.

A extrema beleza da comunicação sem fios deve-se ao facto da informação ser

transportada por uma onda electromagnética que se propaga no espaço e tem o

potencial de alcançar qualquer lugar em qualquer direcção ou distância. Esta forma de

comunicação proporciona uma vantagem em termos de mobilidade e acessibilidade,

em relação à comunicação com fios. Tal flexibilidade tem um preço: a comunicação

sem fios envolve a propagação de ondas electromagnéticas dentro de ambientes

complexos, diversificados e que apresentam grandes desafios:

As ondas que se propagam nestes ambientes não se encontram confinadas

num guia como acontece em linhas de transmissão;

Estes ambientes costumam conter inúmeros obstáculos que interagem

negativamente com a onda, como por exemplo, partículas suspensas na

atmosfera, influência do solo, chuva, vento, ductos;

De modo a ultrapassar estes constrangimentos, é necessário um conhecimento

profundo sobre o comportamento das ondas ao propagarem-se em ambientes

complexos. Assim, a radiopropagação e a forma de propagação em radares continuam

a ter um interesse de estudo muito elevado.

O objectivo desta dissertação é investigar e observar o modo como as ondas rádio

podem ser afectadas quando se propagam em ambientes complexos e com relevância

não só para os radares, mas também para outros sistemas de comunicação via radio.

Para tal, modelos de propagação teóricos e empíricos são usados para realizar

Page 25: Simulação de ambientes de radiopropagação

7

simulações em MATLAB®, que permitem a visualização de diversos factores

característicos da radiopropagação e conduzem a uma melhor compreensão dos

diferentes fenómenos de propagação, com especial ênfase para a reflexão, refracção

e difracção de ondas electromagnéticas em ambientes de radares e em serviços de

comunicação de longa distância.

Estrutura da dissertação 1.3.

Este trabalho encontra-se organizado em seis capítulos, três dos quais abordando

aspectos da propagação de ondas electromagnéticas. Cada um desses capítulos

contém uma explicação teórica e resultados experimentais.

No capítulo 1 é feito o enquadramento do trabalho no contexto da radiopropagação

com base numa breve síntese da evolução tecnológica, e são delineados os objectivos

do trabalho.

No capítulo 2 aborda-se o tema das reflexões das ondas no solo. A onda reflectida vai

interferir com o raio directo, provocando oscilações do campo eléctrico em torno do

valor do campo eléctrico em espaço livre. O efeito da polarização, da altura da antena

de recepção, da distância entre antenas e da utilização de um agregado, é

demonstrado ao longo deste capítulo.

Todos estes parâmetros vão influenciar o campo eléctrico na recepção. A polarização

vai influenciar a intensidade máxima e mínima do campo eléctrico, enquanto a altura

da antena de recepção e a distância entre antenas irão influenciar a distância e a

altura à qual os máximos e mínimos do campo eléctrico se manifestam. O agregado

de antenas vai influenciar a intensidade do campo. No seguimento da análise da

reflexão no solo, surge a necessidade de fazer o enquadramento no âmbito dos

radares. Este enquadramento faz-se recorrendo à equação do radar. Seguidamente

aborda-se o tema da secção eficaz de radar, com uma explicação da sua importância

e da forma que esta é medida/caracterizada. Finalmente faz-se o estudo do clutter,

com distinção e análise das duas formas de classificação do clutter, clutter de

superfície e clutter de volume.

No capítulo 3 aborda-se o efeito da refracção nos radares. Neste capítulo são

demonstradas as trajectórias das ondas electromagnéticas durante a propagação pela

Page 26: Simulação de ambientes de radiopropagação

8

atmosfera, sendo esta representada como um conjunto de camadas com índice de

refracção diferente.

A primeira análise incide sobre o andamento dos raios em atmosfera com uma

camada, atmosfera padrão, sendo posteriormente demonstrado o comportamento dos

raios na presença de condições especiais (ductos – atmosfera com duas ou três

camadas).

Ainda no capítulo 3, fez-se uma simulação para comparação da potência recebida

num radar para o caso de haver ducto e para o caso de não haver formação de ducto.

Por último, para a análise dos principais parâmetros meteorológicos nos radares, no

capítulo 4 abordam-se as influências da chuva e do vento na propagação de ondas

electromagnéticas em radares.

O capítulo 5 contém as conclusões e considerações finais do trabalho, bem como

algumas sugestões de trabalho futuro.

Principais contribuições 1.4.

Este trabalho vem na extensão das matérias abordadas nas cadeiras de

Radiopropagação, Sistemas de Comunicações Móveis, Propagação e Radiação de

Ondas Electromagnéticas, Antenas e Sistemas de Telecomunicações Via Rádio.

Obtém-se um conjunto de simulações, cuja visualização gráfica e análise no contexto

teórico têm interesse a nível pedagógico e de projecto. A nível académico este

trabalho permite uma melhor compreensão sobre alguns dos fenómenos que ocorrem

durante a propagação de ondas electromagnéticas em ambientes de radares. A nível

de projecto, os resultados obtidos da simulação dos vários modelos contribuem para o

dimensionamento de um sistema de comunicações de longa distância ou de um

sistema de comunicações de radares. Abordaram-se dois aspectos importantes em

radares, o clutter e a influência da chuva e do vento na polarização.

Page 27: Simulação de ambientes de radiopropagação

9

2. PROPAGAÇÃO EM RADAR

2.1. Introdução

Para uma análise mais perceptível da propagação das ondas electromagnéticas,

convém fazer uma passagem pelos conceitos mais fundamentais que as afectam.

Parte-se do cenário mais simples, que é a propagação em espaço livre, em que se

analisa a interacção entre o emissor e o receptor em termos de potência e campo,

com enfase no caso do radar. Seguidamente analisar-se-á o caso em que há reflexão

no solo, por meio de simulações, para se perceber a influência da reflexão. A equação

do radar é o primeiro ponto de relacionamento da reflexão no solo com os radares.

Será feita esta relação com simulações. Na segunda metade do capítulo serão

abordados dois temas mais característicos dos radares, que serão a secção eficaz de

radar e o clutter.

Propagação em espaço livre 2.2.

Por espaço livre, entende-se um cenário em que o meio físico não afecta a

propagação, ou seja, fora da presença de quaisquer obstáculos e num meio uniforme,

homogéneo e isotrópico. Assume-se também, que se tem uma onda esférica TEM

centrada na antena emissora, ou seja, está-se na zona distante da antena

Potência transmitida entre duas antenas 2.2.1.

Figura 2.1 – Coordenadas esféricas para o campo distante [8]

Page 28: Simulação de ambientes de radiopropagação

10

Seja eP a potência emitida pelo emissor. À distância d , e se a potência for emitida

isotropicamente, a densidade de fluxo de potência na direcção radial é dada por

2

2

1, Wm

4eS P

d

(2.1)

Nas condições anteriores a potência recebida por uma antena receptora de abertura

2( , ) mefA será

2

( , )W

4

ef

r e

AP P

d

(2.2)

em que ( , )efA foi escrito por forma a realçar que se trata da abertura na direcção

definida pelo versor ( , )r (Fig 2.1).

r

e

Figura 2.2 - Versor e e versor r das antenas emissora e receptora [9]

Seja agora ( , )r rG G o ganho da antena receptora em relação a uma antena

isotrópica, segundo a direcção do emissor. Sabe-se que:

2

( , )( , ) 4

ef

r

AG

(2.3)

Pelo que a potência recebida é

Page 29: Simulação de ambientes de radiopropagação

11

2

2

1

4r e rP PG

d

(2.4)

Se o emissor não for isotrópico, mas tiver um ganho eG na direcção , da antena

receptora, a potência recebida será

2

2

1

4r e e rP PG G

d

(2.5)

em que eP é agora a potência entregue pelo emissor à respectiva antena. A relação

entre a potência recebida e a potência emitida (atenuação), expressa em dBé

dB dB

dB

21.984 20logre r

e

PG G

P d

(2.6)

No caso de haver alguma atenuação suplementar, esta é introduzida na expressão

anterior. Se L for essa atenuação, vem

dB dB dB

dB

21.984 20logre r

e

PG G L

P d

(2.7)

Intensidade do campo 2.2.2.

Como anunciado anteriormente, o fluxo de potência, para um ganho eG , na direcção

do receptor é dado por

2

1,

4 2

ee

GS P EH

d

(2.8)

Onde E e H são respectivamente as amplitudes do campo eléctrico e magnético da

onda esférica TEM (visto que estamos na condição de campo distante).

Page 30: Simulação de ambientes de radiopropagação

12

Como entre E e H existe a relação

0E Z H (2.9)

Em que 0Z é a impedância de onda ( 0 120Z ) para um meio com índice de

refracção unitário. Com isso temos

01

2

e eZ PGE

d (2.10)

Em que em baixa atmosfera ( 0 120Z ), se pode considerar aproximadamente

60 e ePG

Ed

(2.11)

Analogamente para o campo magnético

1

240

e ePGH

d (2.12)

O produto e ePG , que aparece nas duas expressões anteriores, é usual denomina-lo de

potência aparente ou potência equivalente radiada isotropicamente (EIRP) do emissor.

Dipolo linear de meia onda 2.2.3.

Neste trabalho, para uma melhor compreensão, nas simulações, foram usadas

antenas de comprimento 2 / 2L l , que vulgarmente são mencionados como

dipolos de meia onda.

Considera-se a expressão do campo de uma antena rectilínea na zona distante:

0

2

jkr

M ef D

ZE j I h e f

r

(2.13)

Page 31: Simulação de ambientes de radiopropagação

13

em que, MI é a corrente aos terminais da antena(corrente de entrada, que no caso

da antena de / 2 corresponde ao máximo da corrente), efh é a altura efectiva,

Df designa-se por factor direccional relativo ou simplesmente factor direccional. k

a constante de propagação, r é a distância, é o comprimento de onda e 0Z é a

impedância característica da onda em espaço livre.

Para a antena de / 2 , a altura efectiva e o factor direcciona vêm, respectivamente

(2.14)

cos coscos( cos ) cos 2

sin1 cos sinD

kl klf

kl

(2.15)

Finalmente, o módulo do campo radiado na zona distante pela antena de / 2 vem

dado pela seguinte expressão:

0

cos cos2

2 sin

MZ IE

r

(2.16)

Sendo fácil, verificar, que a intensidade máxima de E obtém-se para / 2 .

Designa-se o campo correspondente por ME .

0

2

MM

Z IE

r (2.17)

Pelo que substituindo em (2.16), ficamos com

M DE E f (2.18)

A antena de / 2 , tal como um dipolo de Hertz, radia isotropicamente em azimute, .

O mesmo não se verifica no que respeita à co-latitude, , onde exibem propriedades

directivas.

Segue-se uma representação em 3D para o diagrama de radiação de dois agregados

de dipolos de meia onda. O primeiro agregado é constituído por só um dipolo,

enquanto o segundo diz respeito a um agregado com dois dipolos.

tanef

lh

Page 32: Simulação de ambientes de radiopropagação

14

Figura 2.3 – Diagrama de radiação tridimensional de dois agregados. O primeiro com um dipolo e o segundo com dois dipolos

Reflexão no solo 2.3.

Um dos fenómenos que afecta a propagação das ondas, quando em presença da

terra, é a reflexão. Quando há reflexão, vai haver interferência entre os raios directos e

reflectidos, podendo afectar o sinal recebido no receptor quando comparado com o

sinal que seria em propagação em espaço livre. Isto é justificado pelo facto de se usar

a aproximação de que as amplitudes dos raios directos e reflectidos serem próximos, o

que implica que a fase desempenha um papel fundamental quando há múltiplos sinais

recebidos, nomeadamente se chegarem em oposição de fase poderá haver um

cancelamento dos sinais recebidos.

Para uma primeira análise, considera-se uma aproximação de terra plana, em que

temos:

Direcção de propagação da onda reflectida está no mesmo plano que a

direcção da onda incidente.

O ângulo de reflexão é igual ao ângulo de incidência ( ).

O índice de reflexão do solo em relação ao ar é dado por:

1' 2

0

sn

(2.19)

Page 33: Simulação de ambientes de radiopropagação

15

Onde '

0

02

s ss s rj j

f

é a constante dieléctrica complexa do solo,

com 0s r , e considerando a permitividade eléctrica igual à do vácuo ( 0 1 ).

Figura 2.4 – Reflexão em polarizações Vertical e Horizontal [9]

Para a caracterização da reflexão, torna-se necessário obter a relação entre os

campos incidente e reflectido. Esta relação é dada pelos coeficientes de Fresnel.

2 2

H2 2

sin cos:

sin cos

reflectido

incidente

E nPH

E n

(2.20)

2 2 2_

V2 2 2

_

sin cos:

sin cos

normal reflectido

normal incidente

E n nPV

E n n

(2.21)

Segue-se uma simulação em ambiente Matlab, para a obtenção do coeficiente de

reflexão para várias frequências. Visto ser um número complexo, faz-se a

representação do módulo e da fase de forma separada.

( )vj C

v vR e

(2.22)

( )hj C

h hR e

(2.23)

Onde ,V HR é o módulo do coeficiente de reflexão e ,V HC é a fase em radianos.

Page 34: Simulação de ambientes de radiopropagação

16

A simulação foi feita para uma onda com polarização vertical e a propagação é sobre o

mar. De notar que no eixo das ordenadas, se representa a tangente do ângulo de fogo

(ângulo de incidência sobre o solo).

Figura 2.5 – Módulo do coeficiente de reflexão em função do ângulo de fogo

Figura 2.6 – Fase coeficiente de reflexão em função do ângulo de fogo

Depois de se perceber o efeito da reflexão, torna-se necessário analisar a sua

influência na recepção, ou seja, como é que a presença do solo vai afectar o campo

recebido. Esta análise é feita sobrepondo os efeitos (recepção com e sem a presença

do solo). Segue-se uma representação esquemática do cenário em estudo.

Page 35: Simulação de ambientes de radiopropagação

17

Figura 2.7 – Raio directo e raio reflectido [9]

O campo total é dado pela soma do campo directo e do campo devido ao raio

reflectido.

1 1 expr

rd d d

d

EE E E E E j

E

(2.24)

Em que é a diferença de fase entre o raio reflectido e o raio directo.

arg 2r

(2.25)

onde é o coeficiente de Fresnel correspondente à polarização em estudo e r

representa a diferença de trajectos entre o raio directo e o raio reflectido.

r dr r r (2.26)

1

22 2

2 1dr d h h

(2.27)

1

22 2

2 1rr d h h

(2.28)

Page 36: Simulação de ambientes de radiopropagação

18

Como mencionado no capitulo anterior, o campo eléctrico em espaço livre é dado por

60 e e

d

PGE

d (2.29)

Em que a fórmula é aplicada na condição de campo distante, ou seja, d 1 2,h h .

Analisando a expressão do campo total recebido (2.24), podemos verificar que o valor

do campo varia entre um mínimo e um máximo, ou seja, quando exp 1j . Os

valores destes campos vêm dados por

max

Máximos : 1 ,d

E

E

n par (2.30)

min

Mínimos : 1 ,d

E

E

n impar

(2.31)

Em termos da fase, os extremos do campo são assim dados por

2

argr

n

(2.32)

Manipulando a expressão anterior e tendo em conta que d 1 2,h h , obtém.se a

distâncias para o qual se verificam os extremos

1 24

1n

h hd

n

com n=2,3,… (2.33)

n par Máximos

n impar Mínimos

Simulações 2.3.1.

Para a simulação da variação do campo com a distância, criou-se um interface gráfica

em ambiente MATLAB®, que permite, de uma forma simples, variar os parâmetros e

obter a variação do campo com a distância em função destes parâmetros (alturas das

antenas, frequência, ganho, potência, tipo de solo e polarização).

Page 37: Simulação de ambientes de radiopropagação

19

Na Fig. 2.8 representa-se a variação do campo total recebido com a distância, para

alturas de emissão e recepção de 200 m e 100 m, com polarização vertical. A potência

de emissão é de 10 W e o ganho de 5 dBi. A frequência considerada foi de 100 MHz (

= 3 m). Para a determinação dos coeficientes de Frensel nas duas polarizações

(2.22 e 2.23) considerou-se um terreno médio ( 15, 0.005r s 1 1m ). Na Fig.

2.9 represente-se a variação do campo total recebido com a distância, para as

mesmas condições usadas na simulação anterior, mas agora em polarização

horizontal.

Figura 2.8 – Variação do campo recebido com a distância em polarização vertical

Page 38: Simulação de ambientes de radiopropagação

20

Figura 2.9 – Variação do campo recebido com a distância em polarização horizontal

Pelos gráficos, consegue-se ver o andamento do campo recebido com a distância para

as duas polarizações (vertical e horizontal). O gráfico a vermelho representa o campo

recebido em espaço livre, e a azul o campo total, ou seja, contabilizando o efeito da

reflexão. Era de esperar que o campo total seria algo a oscilar em torno do campo em

espaço livre, visto que temos a sobreposição dos dois efeitos (espaço livre e reflexão).

Quando comparamos o andamento do campo total recebido para as duas

polarizações, depara-se com uma diferença relevante entre os dois, que é o facto de

termos o campo total recebido a tender para o campo em espaço livre, para a

polarização vertical. Ora, isto é justificado pelo facto de haver um ângulo para o qual a

onda reflectida é nula, e a este ângulo chama-se de ângulo de Brewster.

Com esta simulação, percebe-se um facto interessante. Quando se tem reflexão no

solo, em polarização vertical, convêm que o solo seja o mais absorvente possível

(electromagneticamente), visto que os campos directo e reflectido vão se somar na

recepção, portanto, mesmo que cheguem em oposição de fase, quanto maior for a

diferença em módulo entre os dois melhor, evitando com isso, a possibilidade de

ocorrer um nulo do campo recebido.

Page 39: Simulação de ambientes de radiopropagação

21

Conclui-se que mesmo usando uma simulação simples, fica perceptível a influência do

tipo de terreno e do tipo de polarização na propagação, ou seja, de uma forma

genérica, consegue-se perceber o efeito da reflexão nas ondas electromagnéticas.

Para o cálculo do campo é necessário acrescentar as contribuições do factor

direccional da antena e do factor do agregado, tanto para o raio directo como para o

raio reflectido. O factor direccional do raio directo e reflectido vem, respectivamente

cos cos2

sin

d

D d

d

f

(2.34)

cos cos2

sin

r

D r

r

f

(2.35)

O factor do agregado é dado por:

sin2

sin2

dant

d

d

N

F

(2.36)

sin2

sin2

rant

r

r

N

F

(2.37)

onde, cosd ant dk d , cosr ant rk d . antN , antd e 𝛿 representam o

número de antenas do agregado, a distância entre as antenas e a diferença de fase

entre a corrente destas, respectivamente.

Os ângulos d e r representam a co-latitude (90°−𝑙𝑎𝑡𝑖𝑡𝑢𝑑𝑒) dos raios directo e

reflectido, respectivamente.

2 11tan

2d

abs h h

d

(2.38)

1 2 1tan

2r

h h

d

(2.39)

Page 40: Simulação de ambientes de radiopropagação

22

O campo total é então dado pela seguinte expressão:

,arg

,

V Hj k rdd D D D D r r V H

r

rE E f F f F e

r

(2.40)

Passando o termo dE para o lado esquerdo da equação, obtemos:

,arg

,

V Hj k rdD D D D r r V H

rd

rEf F f F e

rE

(2.41)

Usando as expressões (2.22 e 2.23) para obtenção do factor de reflexão do solo, as

expressões (2.34 e 2.35) para o factor direccional e as expressões (2.36 e 2.37) para o

factor do agregado, torna-se possível simular cenários reais.

Na Fig. 2.10 representa-se a variação do campo normalizado, em função da distância.

Figura 2.10 – Variação do campo normalizado com a distância em polarização horizontal

e 4

Page 41: Simulação de ambientes de radiopropagação

23

Usando a aproximação de que a potência é proporcional ao quadrado do campo,

apresenta-se na Fig. 2.11, a variação da potência normalizada com a distância,

recebida no alvo.

,

2 2

arg

,

V Hj k rdD D D D r r V H

d rd

rP Ef F f F e

P rE

(2.42)

Figura 2.11 – Variação da potência recebida com a distância em polarização horizontal e

4

Nas figuras que se seguem, o campo é calculado ponto a ponto desde a zona próxima

da antena até a um limite escolhido. Tanto a distância entre as antenas como a altura

foram divididas em intervalos. Como a distância entre as antenas costuma ser superior

à altura, considerou-se um maior número de intervalos para a distância do que para a

altura. O comprimento vertical ( vL ) de cada intervalo é dado por

max

v

v

hL

n (2.43)

Page 42: Simulação de ambientes de radiopropagação

24

em que vn é o número de intervalos verticais. O comprimento horizontal (

hL ) é dado

por

max

h

h

zL

n (2.44)

onde hn é o número de intervalos horizontais.

Nas simulações considerou-se 250 intervalos horizontais e 100 intervalos verticais. Os

parâmetros maxz e maxh correspondem à distância máxima entre as antenas e à altura

máxima que o raio pode atingir nas simulações, respectivamente.

Para a representação do campo recorreu-se à função imagesc do MATLAB®, que

atribui cores conforme os valores da matriz do campo eléctrico. Estas cores foram

atribuídas pela função colormap (jet).

Figura 2.12 ilustra a variação da amplitude do campo eléctrico em espaço livre, em

função da distância. O sinal (onda esférica) é emitido por um dipolo de meia-onda (

/ 2 ) a 50 m de altura, de potência 10 W, ganho 15 dBi e frequência 1000 MHz.

Como se pode observar, a intensidade do campo eléctrico vai diminuindo à medida

que a distância e a altura aumentam.

Figura 2.12 – Variação do campo eléctrico em espaço livre

Page 43: Simulação de ambientes de radiopropagação

25

Na Figura 2.13 analisa-se o efeito que um agregado de duas e quatro antenas tem na

propagação em espaço livre. Utilizam-se antenas a radiar uma potência de 10 W, com

um ganho de emissão de 15 dBi e frequência 1000 MHz. As antenas encontram-se

distanciadas de / 2 e estão alimentadas em fase. Procedendo à análise da

simulação, verifica-se que a intensidade do campo aumenta e o lobo principal fica

mais estreito, i.e., o feixe é mais directivo. Isto deve-se ao facto de que quando se

utiliza um agregado, o diagrama de radiação tende a reforça-se na horizontal e a

anular-se na vertical. No caso do agregado de quatro antenas, salienta-se a presença

de dois lobos secundários.

Figura 2.13 – Campo eléctrico em espaço livre com um agregado de duas antenas (à

esquerda) e um agregado de quatro antenas (à direita)

Na fig. 2.14 é representado o efeito e o impacto que as reflexões no solo têm na

variação da amplitude do campo eléctrico ao longo da distância e também da altura da

antena de recepção, ponto a ponto. É feito um varrimento de 0 a 100 m de altura, ao

longo de uma distância de 3000 m. Na primeira situação a antena emite um sinal em

polarização vertical, com potência de emissão de 10 W, ganho de 15 dBi e frequência

de 500 MHz, em solo húmido. A partir de cerca de 500 m de distância é possível

distinguir os máximos e mínimos do campo na recepção, ao longo da distância e da

altura. Na segunda Figura representa-se a variação da amplitude do campo em função

da distância e altura da antena de recepção, quando o sinal é emitido por um

agregado de duas antenas de meia-onda, em polarização vertical. Cada antena radia

com uma potência de 10 W, ganho de 15 dBi e frequência 500 MHz, separadas de

/ 2 e sem desfasagem entre as correntes. Comparando com a situação anterior,

neste caso o valor do campo eléctrico será maior para distâncias mais longas. Verifica-

Page 44: Simulação de ambientes de radiopropagação

26

se também que o ponto a partir do qual se começam a notar os máximos e mínimos

aumenta.

Figura 2.14 – Variação da amplitude do campo eléctrico com reflexão no solo. Sinal

emitido em PV

Equação de Radar 2.4.

Para exemplificar as expressões apresentadas anteriormente, recorreu-se ao caso do

radar. O radar é um dispositivo destinado fundamentalmente à localização de alvos

distantes por meio de ondas electromagnéticas reflectidas nestes alvos. A forma mais

elementar de funcionamento dum radar, é enviar um impulso curto e tentar induzir a

posição deste alvo através da recepção da onda reflectida. A orientação da antena de

recepção fornece as coordenadas angulares do alvo (azimute e altura) enquanto o

tempo entre a transmissão e a recepção fornece a distância (usando uma velocidade

de referência).

Page 45: Simulação de ambientes de radiopropagação

27

Figura 2.15 – Esquema ilustrativo dum radar

A equação do radar é dada por:

2 2

32 2 4

1 1( ) ( )

4 4 4

r

e

P GG e A e

P d d d

(2.45)

Ida Volta

Nas condições referidas, esta equação estabelece a relação entre a potência recebida

do eco e a potência emitida. Na expressão acima, G representa o ganho da antena,

2

4efA G

a abertura efectiva da antena, a área equivalente do alvo e d a

distância do alvo.

Mas, considerando o cenário de haver reflexão no solo, torna-se necessário introduzir

este fenómeno, para obtenção de uma aproximação mais realística. Usando a

expressão (2.41), e usando a aproximação de que P 2E , podemos extrair a

variação da potência normalizada recebida do eco.

A potência recebida no alvo pode ser exprimida sob a seguinte forma:

,

2 2

arg

,

V Hj k rdD D D D r r V H

d rd

rP Ef F f F e

P rE

(2.46)

Sendo o dP a potência devido ao raio directo. Logo, relativamente à potência recebida

do eco, teremos:

Page 46: Simulação de ambientes de radiopropagação

28

,

4 4

arg

,

V Hj k rdrD D D D r r V H

e rd

rP Ef F f F e

P rE

(2.47)

De notar que neste caso, considera-se que a área equivalente do alvo é unitária, e

para o caso da propagação em espaço livre, temos

2 2

3 44r e

GP P

d

.

Para uma melhor compreensão, é feita a representação da potência normalizada,

proveniente do eco.

Figura 2.16 – Potência normalizada Figura 2.17 – Potência normalizada (aproximações)

Como era de esperar, temos uma oscilação em torno de 0 e 16. Isto explica-se pelo

facto do módulo do campo oscilar entre 0 e 2, e tendo em conta que P 2E , e de

termos o percurso de ida e volta.

Nas duas figuras (2.16 e 2.17), comparam-se as duas situações, o cenário com

aproximações e o cenário sem aproximações. Estas aproximações dizem respeito ao

ângulo de fogo, que é muito baixo, que faz com que , 1V H , e a aproximação de

que os factores direccionais e de agregados não são incluídos, visto que as distâncias

em jogo são grandes, que faz com que estejamos na zona de máxima radiação, ou

seja, 1D D D D r Df F f F .

Desta comparação, notam-se dois factos que destacam-se. Um facto é a de que para

pequenas distâncias, há uma diferença considerável de comprimentos dos raios

directo e reflectido, o que vai afectar a fase. A outra diferença assenta-se no facto do

máximo atingir 16 no caso de haver aproximações, e 15 no caso sem aproximações.

Page 47: Simulação de ambientes de radiopropagação

29

Isto é explicado pela aproximação de que , 1V H , conjugado com o facto de que a

fase atinge -180°, faz com que seja atingido o máximo.

Finalmente, podemos fazer a representação da potência recebida (em Watts),

proveniente do eco, que é reflectido no alvo, considerando uma secção equivalente de

10 m². Como era de esperar, a potência decresce de forma rápida com a variação da

distância, visto que temos um decaimento com a quarta da distância.

Figura 2.18 – Variação da potência recebida com a distância

Com isso, fica-se com uma noção considerável, da maneira que a presença do solo

afecta a propagação, tanto em termos de campo, como de potência. Percebe-se que

há um efeito de soma, o que aumenta os máximos e diminui os mínimos. De realçar,

que todas os cálculos foram desenvolvidos, tendo em conta que não há perdas. Se

considerássemos as perdas, o raciocínio seria muito mais difícil de concretizar, porque

factores como a adaptação já não seriam válidas, o que faria com que o problema

fosse abordado usando mais do que aspectos de geometria.

Page 48: Simulação de ambientes de radiopropagação

30

Aproximação de baixa altitude 2.4.1.

Existem situações, que pelas suas particularidades, permitem reduzir a complexidade

da análise. Um caso interessante, é o caso de cenários em que as antenas de

emissão e recepção são baixas, quando comparadas com a distância da ligação. Um

exemplo disso, são as comunicações marítimas, em que as antenas em terra e nos

receptores estão na ordem de metros ou poucas dezenas de metros, para ligações

para ordem de quilómetros.

Tendo em conta que

,e rh h d (2.48)

permite usar a aproximação de que

, 1H V (2.49)

Dai infere-se:

,arg

,1 1V Hj k r jk rd

d V H d

r

rE E e E E e

r

(2.50)

2 sin( )jk r

dE E e j jk r (2.51)

Agora, passando para uma perspectiva de potência, obtemos a seguinte expressão:

42 2

3 416

(4 )

e rr

e

kh hP G

P d d

(2.52)

A expressão permite perceber que o facto de se usar a aproximação de baixa altitude,

o decaimento da potência passa de 41 d para

81 d , o que torna-se mais

perceptível na figura 2.19, que a medida que a distância aumenta, fica-se cada vez

mais nas condições de baixa altitude, ou seja, os gráficos tendem a aproximarem-se.

Page 49: Simulação de ambientes de radiopropagação

31

Figura 2.19 – Potência com e sem aproximação de baixa altitude

Secção eficaz de radar 2.5.

Como já se percebeu, quando se analisa o caso do radar, em que toda a análise

passa pelas características do eco proveniente do alvo, torna-se necessário perceber

o parâmetro que caracteriza o alvo.

Quando as ondas electromagnéticas interagem com objectos, estas são dispersas

(“scatter”). Da perspectiva de sistemas de radar, isso é referido como reflectividade do

alvo, e é descrito por um parâmetro designado de secção eficaz de radar (RCS em

Inglês “Radar Cross Section”) ou área equivalente do alvo. A observação qualitativa de

que as ondas são dispersas ou re-radiadas, é conhecido desde que foram conhecidas

as primeiras experiencia realizadas por Hertz com ondas rádio, mas os estudos sobre

reflectividade dos radares e a predição da RCS aumentou durante a segunda guerra

mundial. Desde então, o trabalho em tecnologias RCS se convergiu em medição e

simulação numérica para uma grande variedade de frequências, incluindo as ondas

milimétricas.

Por volta de 1960, foi desenvolvido um programa de medidas, na Universidade de

Ohio, com o intuito de caracterizar o tipo de solo (terra, relva, neve, pavimento) e,

Page 50: Simulação de ambientes de radiopropagação

32

função do angulo de depressão, frequência e polarização. Um outro programa

relevante de medidas foi conduzido por “Goodyear Aircraft Corporation” na banda X.

Na mesma altura, pesquisas significativas foram feitas na teoria da dispersão das

ondas EM. Varias instituições como Universidade de Syracuse, Universidade de

Michigan, Universidade de Ohio e Instituto tecnológica de Georgia estavam envolvidas

na compreensão dos fundamentos com o objectivo de obter medidas mais precisas,

assim como estar apto para analisar analiticamente e prever numericamente a

dispersão em objectos cada vez mais complexos. Muitas ferramentas, que são hoje

usadas, como o método dos momentos, a teoria geométrica da difracção e óptica

física, foram desenvolvidos nesse período. Foram desenvolvidas instalações (Indoor e

Outdoor) para medições da RCS, e instrumentos importantes, como o analisador de

redes (Osciloscópio). Em paralelo a este progresso, foram alcançadas medidas da

dispersão electromagnética com precisão de 0.2 dBsm e gama dinâmica de 130 dB.

A RCS é um parâmetro chave no que toca a medida de grande e/ou pequena

observabilidade do alvo. É definida, calculada ou medida a partir do campo

espalhado/reflectido causado por uma onda plana incidente no alvo.

Figura 2.20 – Configuração básica da RCS [10]

2

2

2lim 4

s

R

t

ERE

(2.53)

Mono-estático Bi-estático

Page 51: Simulação de ambientes de radiopropagação

33

Onde R é a distância entre o transmissor e o alvo, sE e

tE são os campos disperso e

incidente, respectivamente ( ,i sE E ou ,i sE E ). A RCS é expressa em metro

quadrado (2m ) ou em dB relativo ao metro quadrado (dBsm ). A Figura 2.20

representa um cenário típico de medida da RCS. O alvo está no centro do sistema de

coordenadas. Em coordenadas esféricas, e são os ângulos verticais e

horizontais. O alvo é iluminado pelo emissor e o sinal disperso/reflectido pelo alvo é

captado pelo receptor, considerando uma situação de campo distante. Os termos

mono-estático e bi-estático são usados para o caso do emissor e do receptor estarem

localizados no mesmo lugar, ou de estarem afastados, respectivamente.

Em ambas as situações (mono-estático ou bi-estático), a RCS do alvo pode ser

expressa como , , ou , dependendo da polarização. ou VV

representa o caso em que a onda incidente e a onda dispersa/reflectida estão ambos

polarizados verticalmente. Analogamente, ou HH representa o caso em que a

onda incidente e a onda dispersa/reflectida estão ambos polarizados horizontalmente.

Estes dois casos são denominados de co-polarização, ou que estamos num cenário

de RCS co-polarizada. Caso contrário, ou seja, se não houver somente uma

polarização, estaremos numa situação de polarização cruzada. A matriz de dispersão

do alvo é dada por:

sH HH VH tH

sV HV VV tV

E σ σ E=

E σ σ E

(2.54)

A RCS de um alvo é uma medida da sua reflectividade numa determinada direcção.

As contribuições electromagnéticas mais relevantes são:

Espalhamento especular: O espalhamento localizado depende do

material/textura da superfície.

Difracção: Espalhamento nos vértices e arestas e outras descontinuidades

abruptas.

Multi-percurso: Reflecções em elementos do alvo.

Ondas circundantes: Ondas que são difractadas em superfícies suaves, como

superfícies esféricas.

Page 52: Simulação de ambientes de radiopropagação

34

A secção eficaz de radar é classificada tendo em conta a dimensão do alvo ( l ) e o

comprimento de onda ( ). As três regiões de frequência em que há diferenças são:

Região de Rayleigh (baixas frequências), em que as dimensões do alvo são

consideravelmente menores do que o comprimento de onda ( l ). Nesta

região a RCS é proporcional a quarta da frequência (4f ) e ao quadrado

do volume do alvo (4(volume) ). Qualquer alvo comporta-se como um

ponto de espalhamento.

Região de ressonância (frequências médias), onde as dimensões do alvo e o

comprimento de onda do radar são da mesma ordem ( l ), e a geometria e o

material do alvo contribuem para a RCS como um todo. As maiorias dos

métodos numéricos em frequência-tempo são eficientes neste regime.

Região óptica (altas frequências), onde as dimensões do alvo são muito

grandes, quando comparados com o comprimento de onda, que é na ordem

dos centímetros ( l ). A RCS de muitos alvos de radares de microondas

estão neste regime, e estes valores são obtidos por medição.

A Figura 2.21 mostra a variação angular da RCS para alvos típicos, nos regimes de

ressonância e óptico. O ângulo de iluminação deve ser definido para o caso do radar

bi-estático. A medida que a frequência aumenta, a variação da RCS com o ângulo

começa a apresentar flutuações.

Figura 2.21 – RCS em função da região de frequência [10]

Page 53: Simulação de ambientes de radiopropagação

35

Simulações 2.5.1.

Depois de se apresentarem as noções teóricas sobre a RCS, torna-se necessário

demonstrar, de uma perspectiva mais prática os aspectos que estão directamente

ligados ao conceito de RCS.

Ângulo de aspecto

Para a compreensão da dependência da RCS com o ângulo de aspecto, consideram-

se dois pontos isotrópicos de dispersão (pontos que radiam igualmente em todas as

direcções), cada um com 1 m². Na figura 2.22, são apresentados os dois pontos,

alinhados em linha de vista do emissor (ângulo de aspecto nulo), em condições de

campo distante, à distância R. A distancia entre os dois pontos é de 1 m. Varia-se o

ângulo de aspecto de 0° a 180° e extrai-se o valor do RCS ao longo dessa variação. O

RCS resulta da sobreposição dos RCS dos dois pontos. Para um ângulo de aspecto

nulo, o RCS é de 2 m². Considerando o ponto 1 como referência de fase, quando o

ângulo de aspecto é incrementado, a RCS resultante é modificada pela fase que

corresponde à distância eléctrica entre os dois pontos. Por exemplo, se o angulo de

aspecto for de 10°, a distancia eléctrica entre os dois pontos é dado por:

2 (1.0 cos(10º ))_dist elec

Onde representa o comprimento de onda de operação do radar.

Figura 2.22 – Configuração para simulação da RCS em função do ângulo de aspecto [11]

Page 54: Simulação de ambientes de radiopropagação

36

A figura 2.23 representa a RCS obtida para este cenário.

Figura 2.23 – Variação da RCS em função do ângulo de aspecto

Nota-se que o valor do RCS oscila entre 6 dBsm e valores próximos dos -55 dBsm,

que em unidades lineares, o máximo é na ordem dos 2 m², e o mínimo de 0.002 m².

Os máximos e os mínimos são justificados pela variação de fase, porque as ondas

dispersas pelos dois pontos podem estar em fase (máximo) ou em oposição de fase

(mínimo).

Frequência

Para se compreender a dependência da RCS com a frequência, considera-se o

esquema seguinte, em que estão dois pontos alinhados em linha de vista com o radar.

Page 55: Simulação de ambientes de radiopropagação

37

Figura 2.24 – Configuração para simulação da RCS em função da frequência [11]

A simulação é feita com um varrimento da frequência na banda X (8 GHz a 12.5 GHz),

e para duas distâncias entre os pontos (0.1 m e 0.7 m).

Figura 2.25 – Variação da RCS em função da frequência para dist=0.1 m

Figura 2.26 – Variação da RCS em função da frequência para dist=0.7 m

Forma

o Esfera

Uma estrutura para a qual que se torna interessante analisar, é a esfera. Esta é usada

pelos engenheiros de radares, porque é o objecto mais simples de simular. Usamos a

aproximação de ser uma esfera perfeita condutora e de que a RCS é medida nas

condições de campo distante, na direcção ( , ), como ilustrado na figura 2.27.

Page 56: Simulação de ambientes de radiopropagação

38

Figura 2.27 – Direcção da antena receptora do radar [11]

Pela simetria, percebe-se que as ondas difractadas da esfera condutora perfeita são

co polarizadas (têm a mesma polarização) com as ondas incidentes. Isso significa que

as ondas em polarização cruzada podem ser consideradas nulas.

A RCS exacta normalizada para uma esfera condutora é obtida a partir da série de

Mie, que é dada por:

1

2 (1) (1) (1)1 1

( ) ( ) ( )1 2 1

( ) ( ) ( )

n n n n

n n n n

krJ kr nJ kr J krjn

r kr krH kr nH kr H kr

(2.55)

Em que r é o raio da esfera, 2k , é o comprimento de onda, nJ é a função de

Bessel esférica do primeiro tipo de ordem n , (1)

nH é a função de Hankel de ordem n ,

que é dada por:

(1) ( ) ( )n n nH J kr jY kr (2.56)

Page 57: Simulação de ambientes de radiopropagação

39

Com nY sendo a função de Bessel esférica do segundo tipo de ordem n. Na figura

2.28 representa-se a RCS da esfera condutora normalizada em função do perímetro,

em unidades de comprimento de onda.

Figura 2.28 – RCS normalizada para uma esfera condutora perfeita

o Elipsóide

Um elipsóide centrado em (0,0,0) é representado na figura 2.29. Esta é definida pela

seguinte expressão:

2 2 2

1x y z

a b c

(2.57)

Uma aproximação bastante satisfatória para a RCS dispersa/radiada por uma

elipsóide é dada por:

Page 58: Simulação de ambientes de radiopropagação

40

2 2 2

22 2 2 22 2 2 2(sin ) cos sin sin cos

a b c

a b c

(2.58)

Figura 2.29 – Elipsóide [11]

Quando a b c :

2c (2.59)

De notar, que a expressão anterior, representa a RCS de uma esfera. A figura 2.30

representa a RCS de uma elipsóide em função do angulo , para 45º .

Page 59: Simulação de ambientes de radiopropagação

41

Figura 2.30 – Variação da RCS em função do ângulo de aspecto com 45º

Clutter de Radar 2.6.

Clutter é um termo usado para descrever qualquer objecto que é passível de gerar eco

não desejado que pode interferir na operação normal do radar. Clutter pode ser

classificado em duas categorias: Clutter de superfície ou clutter de volume. Clutter de

superfície engloba árvores, vegetação, terreno, estruturas (torres, pontes, prédios) e

superfícies aquáticas (mar, rio). Quanto a clutter de volume, este refere-se a chuva,

pássaros, insectos e outros objectos suspensos no ar que podem interferir na

propagação do sinal de radar.

O eco proveniente dum clutter é aleatório e tem características do ruido térmico

porque as componentes individuais do clutter são aleatórias em fase e em amplitude.

Em muitos casos, o nível de sinal do clutter é muito superior ao nível do ruído do

receptor. Portanto, a capacidade de detectar alvos embebidos em grandes superfícies

de clutter depende mais da relação sinal- clutter do que da relação sinal-ruído.

O ruido branco, normalmente introduz a mesma quantidade de potência ao longo de

toda a gama de frequência, enquanto a potência de clutter pode variar numa gama

Page 60: Simulação de ambientes de radiopropagação

42

muito mais reduzida. A potência recebida do clutter é do mesmo tipo da potência

reflectida no alvo, a única forma que o radar pode distinguir a sinal do clutter do sinal

do alvo é baseando-se no RCS (“Radar Cross Section”) do alvo t , e no RCS do

clutter c . O RCS do clutter pode ser definido como o RCS equivalente do clutter, ou

seja, o RCS referente às reflexões provenientes da área de clutter.

A RCS média do clutter pode ser definida como:

0

c cA (2.60)

Onde 0 2 2( / )m m é o coeficiente de dispersão do clutter, e que é normalmente

expressa em dB.

O termo que descreve a interferência electromagnética construtiva/destrutiva das

ondas difractadas por um objecto (alvo ou clutter) é o factor de propagação. Como as

ondas que retornam do alvo e o clutter têm ângulos de chegada diferentes, podemos

definir o SCR (“Signal to clutter ratio”) como:

2 2

2

t t r

c c

F FSCR

F

(2.61)

Onde cF é o factor de propagação do clutter, tF e rF são, respectivamente, o factor de

propagação transmitido e recebido. Em muitos casos t rF F .

Clutter de superfície 2.6.1.

Clutter de superfície abrange todo o clutter oriundo do solo e do mar/rio, e é

normalmente mencionado como clutter de área. Clutter de área faz sentido quando

estamos em condições de radar aéreo e com o solo “visível”. Pode, também fazer

sentido em radares terrestres, quando em condições de incidência rasante.

Existem três factores que afectam a quantidade de clutter no horizonte do radar. O

ângulo de incidência, a rugosidade do terreno e o comprimento de onda. A Fig. 2.31

representa a dependência do coeficiente de dispersão do clutter (0 ) em função do

ângulo de incidência. Identificam-se três zonas; a região de pequenos ângulos, a

região plana e a região para ângulos elevados. A região de pequenos ângulos,

Page 61: Simulação de ambientes de radiopropagação

43

estende-se de zero até o angulo crítico. O ângulo crítico é definido por Rayleigh como

o angulo abaixo do qual o terreno pode ser considerado como suave e acima do qua o

terreno passa a ser considerado como rugoso. De notar que rmsh refere à altura da

irregularidade do terreno.

Figura 2.31 – Regiões de clutter [11]

De acordo com o critério de Rayleigh, o terreno é considerado suave se:

4

sin2

rmsg

h

(2.62)

Considerando uma onda incidente numa superfície rugosa, como representado na Fig.

2.32, podemos notar que devido à altura da irregularidade do terreno, o percurso maior

tem uma diferença em relação ao percurso menor de 2 sinrms gh . Esta diferença

traduz-se numa diferença de fase :

22 sinrms gh

(2.63)

Page 62: Simulação de ambientes de radiopropagação

44

Figura 2.32 – Definição de rugosidade de uma superfície [11]

O ângulo crítico, pode ser calculado, fazendo (primeiro nulo). Com isso:

4

sinrmsgc

h

(2.64)

arcsin( )4

gc

rmsh

(2.65)

No caso de o clutter ser referente ao mar (ondulação), rmsh é definido como:

1.720.025 0.046rms stateh S (2.66)

Em que stateS é tabelado. Depende da altura das ondas, do período, das condições do

vento, etc.

2.6.1.1. Equação de radar para clutter de área

Considera-se um cenário em que têm-se um radar aéreo em “downlink”. A intersecção

do feixe da antena com o solo define uma pegada sob forma de uma elipsóide. A

pegada é função do ângulo de incidência e da largura de feixe a 3dB da antena, como

ilustrado na figura 2.33. A pegada é dividida em várias secções de comprimento

( / 2)sec gc , onde representa a duração do impulso.

Page 63: Simulação de ambientes de radiopropagação

45

Figura 2.33 – Influência do solo na configuração do radar [11]

A partir da figura 2.32, a área de clutter cA é definida por:

3 sec2

c dB g

cA R

(2.67)

A potência recebida pelo radar dispersa por uma aérea cA é dada pela equação:

2 2

3 4(4 )

t tt

PGS

R

(2.68)

Sendo o tP a potência de pico transmitida, G o ganho da antena, o comprimento

de onda e t o RCS do alvo. Analogamente, a potência recebida proveniente do

clutter:

2 2

3 4(4 )

t cAc

PGS

R

(2.69)

Page 64: Simulação de ambientes de radiopropagação

46

Figura 2.34 – “Footprint” da área de clutter [11]

Como cA sendo a área do clutter. Substituindo a equação 2.60 por c ,obtém-se o

SCR para a área cA do clutter:

0

3

2 cos( )

t g

Ac

dB

SCRRc

(2.70)

Uma simulação que torna-se interessante fazer, é a obtenção do SCR em função do

ângulo de incidência ( gψ ). Para a análise em questão, admitiu-se um cenário de radar

em altitude, com a largura de feixe a 3 dB 3dBθ 0.02 rad , a duração do impulso τ 2

μs , o alcance R=20 km , a secção eficaz de radar (RCS) tσ 10 2m e o coeficiente

de reflexão do clutter tσ =0.014 2 2m /m .

Page 65: Simulação de ambientes de radiopropagação

47

Figura 2.35 – Variação do SCR com o ângulo de incidência

Nota-se que com o aumento do angulo de incidência, o SCR tem tendência a diminuir.

Isto é devido ao facto de se aumentarmos o angulo de incidência, aumenta a área de

clutter, provocando a diminuição do SCR.

Clutter de volume 2.6.2.

Como clutter de volume, entende-se como o clutter que tem origem na chuva,

pássaros, ou insectos. O coeficiente de clutter de volume é normalmente expresso em

2m . Normalmente, o RCS médio para insectos ou pássaros é calculado com baso nos

respectivos pesos.

( )b dBsm 46 5.8log bW (2.71)

Onde bW refere-se ao peso individual dos pássaros/insectos.

No que refere à chuva, considerando as gotas de chuva como esféricas, pode-se usar

a aproximação de Rayleigh para estimar a RCS das gotas de chuva.

2 49 ( )r kr (2.72)

com r .

Page 66: Simulação de ambientes de radiopropagação

48

Em que 2k e r o raio da gota de chuva.

Definindo como RCS por unidade de volume WV , calcula-se a soma dos RCS

individuais contidos no volume.

1

N

i

i

(2.73)

Onde N é o número total de elementos de dispersão contidos no volume. Dai, a RCS

total dum único elemento de volume, ser:

1

N

W i W

i

V

(2.74)

A unidade de volume é representada na figura 2.36, e pode ser aproximada por:

WV 2

8a e cR c

(2.75)

Onde a e e representam os feixes em azimute e elevação, a duração do impulso,

c a velocidade da luz e cR o alcance.

Figura 2.36 – Definição de resolução do volume [11]

Considerando um meio de propagação com índice de refracção m , uma aproximação

para a RCS da gota da chuva i á:

Page 67: Simulação de ambientes de radiopropagação

49

i

52 6

4 iK D

(2.76)

Com

22

2

2

1

2

mK

m

(2.77)

E iD o diâmetro da gota i .

Substituindo a equação 2.76 na equação 2.73, obtemos:

5

2

4K Z

(2.78)

Em que

6

1

N

i

i

Z D

(2.79)

Em geral, o diâmetro da gota da chuva é expressa em milímetros e a resolução

volumétrica do radar em 3m , dai que usualmente se refere a Z em

6 3mm m

2.6.2.1. Equação de radar para clutter de volume

Como referido anteriormente, a potência total recebida pelo radar, oriunda dum alvo

com RCS de t à distancia R é dada por:

2 2

3 4(4 )

t tt

PGS

R

(2.80)

Dai que pode-se escrever, para um volume WV

2 2

3 4(4 )

t WW

PGS

R

(2.81)

Juntando os termos desenvolvidos para W , obtemos:

Page 68: Simulação de ambientes de radiopropagação

50

2 22

3 41(4 ) 8

Nt W

W a e i

i

PGS R c

R

(2.82)

Com isto, torna-se possível deduzir o SCR originado a partir do clutter em volume.

2

1

8( ) t t

V N

Wa e i

i

SSCR

Sc R

(2.83)

Como forma de perceber a relação entre as dimensões do alvo e dos componentes de

clutter, fez-se uma análise baseada na equação 2.83, que é representada na figura

2.37.

Figura 2.37 – Variação do SCR em função de elementos de clutter

Admitiu-se a distância R=50 km , τ=0.2 μs , eθ =0.1 rad e aθ =0.2 rad . Representou-

se a SCR em função de 1

N

i

i

.

No gráfico destacou-se o ponto SCR=0 dB, por ser o valor que permite obter o valor

de 1

N

i

i

, conhecendo o valor de t .

Page 69: Simulação de ambientes de radiopropagação

51

3. REFRAÇÃO EM RADAR

Refracção na atmosfera 3.1.

No capítulo anterior, um dos pontos que foi abordado foi o efeito da reflexão no solo na

propagação das ondas electromagnéticas. A análise foi feita considerando a terra

como plana. Mas, como não podia deixar de ser, introduz-se o efeito da curvatura da

terra na propagação das ondas. Ora, o primeiro efeito provocado pela curvatura da

terra, vai ser a refracção na atmosfera.

Na atmosfera destacam-se fundamentalmente três zonas consideravelmente distintas:

A baixa atmosfera, principalmente até os primeiros 2 a 3 mil metros, constituída

por gases neutros e eventualmente gotas de chuva;

Troposfera;

Ionosfera, que se inicia a cerca de 50 a 70 km de altura, constituída por gases

ionizados.

Neste capítulo será dado um maior relevo à baixa atmosfera, pois é nesta região que

se efectuam a maior parte das ligações solo-solo. A baixa atmosfera influência a

propagação das ondas electromagnéticas na gama das radiofrequências,

fundamentalmente, das seguintes maneiras:

O índice de refracção do ar ainda que muito próximo de 1, varia em cada local

com a altura, pelo que ao longo do trajecto os “raios” deixam de ser rectilíneos,

passando a apresentar uma curvatura.

Dado que o índice de refracção depende de grandezas “ meteorológicas”, o

seu gradiente com a altura além de variar de ponto para ponto, varia também

com o tempo.

Em certas regiões da troposfera, o índice de refracção varia muito rapidamente

de local para local, pelo que essas regiões dispersam as ondas que nelas

incidem.

A presença na atmosfera de gotas de água em suspensão (chuva, nevoeiro,

nuvens) ou de água em estado sólido (granizo, neve) provoca absorção e

dispersão, mais acentuadamente em frequências elevadas.

Em frequências acima dos 10 GHz a transparência da atmosfera é diminuída

pela absorção das moléculas dos gases componentes, em certas bandas

características.

Page 70: Simulação de ambientes de radiopropagação

52

Índice de refracção na Atmosfera 3.1.1.

O índice de refracção em relação ao vácuo na baixa atmosfera é aproximadamente 1,

ou seja, 1n . Nestas circunstâncias é usual utilizar a refractividade N , também

conhecida como índice de refracção reduzido.

6( 1) 10N n (3.1)

A refractividade N depende da temperatura T ºK , da tensão de vapor de água e

mb e da pressão atmosférica total p mb , através da seguinte fórmula empírica

(recomendada pela CCIR):

77.64810

eN p

T T

(3.2)

Em condições normais de atmosfera, o índice de refracção e, consequentemente, a

refractividade N , diminuem com a altura. No CCIR (Relatório 231-1) é dada a

seguinte fórmula para a “atmosfera média”:

6 0.136( ) 1 315 10 hn h e (3.3)

Onde a altura, h , vem em km.

Que na superfície da terra ( 0h ), resulta em:

(0) 315N (3.4)

1

0| 43kmh

N

h

(3.5)

Page 71: Simulação de ambientes de radiopropagação

53

Na figura 3.1, representa-se N em função da altura, ( )N h , segundo a lei expressa na

expressão (3.3) (traço continuo).

Figura 3.1 – Variação da refractividade com a altura

No gráfico a tracejado representa-se

(0) 43N N h (3.6)

Em que h vem e km.

A expressão (3.6) constitui um dos primeiros termos do desenvolvimento em série

de (n(h)). Esta variação linear define a “atmosfera padrão”. Pela figura, é fácil

notar, que nos dois gráficos as duas formas de variação praticamente coincidem

até cerca de 1000 m de altitude. Este facto é muito interessante, visto que a

maioria das ligações terrestres se efectuam nesta zona.

Page 72: Simulação de ambientes de radiopropagação

54

Trajectória de um raio óptico numa atmosfera 3.1.2.

horizontalmente estratificada

Atendendo à variação do índice de refracção de local para local na atmosfera,

podemos analisar esta como uma sequência de camadas. Admite-se, as seguintes

simplificações:

A atmosfera está estratificada horizontalmente, ou seja, o índice de refracção

n é só função da altura.

A função ( )n h varia muito lentamente, à escala do comprimento de onda, o que

permite considerar que em cada ponto são válidos os resultados da

propagação em meios uniformes.

Como consequência de ( )n h variar muito lentamente, pode-se ignorar a onda

reflectida na transição entre camadas, considerando só a onda transmitida.

Utilizam-se os procedimentos da óptica geométrica.

Considera-se primeiro a estratificação plana, e seguidamente a estratificação esférica.

3.1.2.1. Estratificação plana

A figura ilustra a situação mais simples, em que existem três estratos de índices 0n , 1n

e n . O andamento do raio implica que 0 1n n n .

Figura 3.2 – Geometria para estratificação plana [8]

Page 73: Simulação de ambientes de radiopropagação

55

Usando a lei de refracção para um cenário de camadas planas, da passagem do meio

0n para o meio 1n :

0 0 1 1sin sinn n (3.7)

E do meio 1n para o meio n :

1 1sin sinn n (3.8)

Relacionando estas duas equações, conclui-se que do meio 0n para o meio n tem-se:

0 0sin sinn n (3.9)

Com esta pequena ilustração, consegue-se perceber que se acrescentarmos mais

camadas entre os meios entre 0n e n , este resultado não se altera. Com isso temos:

( )sinn h Cte (3.10)

3.1.2.2. Estratificação esférica

Figura 3.3 – Geometria para estratificação esférica [8]

Page 74: Simulação de ambientes de radiopropagação

56

Note-se que '

1 1 , mas considerando o triângulo CP̥P vem

'1 '1

0 1 1

0

sin sinsin sinc

c

r rr r

(3.11)

Usando as leis de refracção em interfaces planas e a expressão (3.11), vem:

0 0 0sin sincn r nr (3.12)

Introduzindo para o caso contínuo, vem:

( ) sincn h r Cte (3.13)

Ou, atendendo a que cr a h (onde a representa o raio da terra):

( )( )sinn h a h Cte (3.14)

Raio de curvatura do raio óptico 3.1.3.

O raio de curvatura do raio óptico é dado em cada ponto por

ds d (3.15)

Sendo definido pela expressão:

sin

n

dn

dh

(3.16)

O sinal de é tal que 0 quando a curvatura do raio está virada para a terra. A

figura seguinte ilustra o cenário em estudo.

Page 75: Simulação de ambientes de radiopropagação

57

Figura 3.4 – Definição de raio de curvatura [8]

Para que um raio tangente ao círculo de raio ( )a h concêntrico com a terra volte à

superfície da terra é necessário que se verifique a seguinte condição:

( )

na h

dn

dh

(3.17)

Onde sin( ) 1 (pois o raio é tangente a um circulo concêntrico com a terra).

Como 1n e ( ) 6370a h km, o gradiente vertical do índice de refracção vem

6 11

157 10 km6370

dn

dh

(3.18)

Este valor é muito superior ao observado para a “atmosfera média” (6 143 10 km ),

pelo que em condições “normais” os raios iniciados horizontalmente afastam-se da

terra.

No entanto, dado que em condições “normais”, na baixa atmosfera, dn dh é

aproximadamente constante, verifica-se que o raio de curvatura dos raios iniciados

horizontalmente (sin( ) 1 ) é também aproximadamente constante, ainda que se

afastem progressivamente da terra.

Page 76: Simulação de ambientes de radiopropagação

58

Refractividade modificada 3.1.4.

A refractividade modificada M constitui uma outra forma de representação do índice

de refracção, e é definido de tal modo que o seu gradiente vertical dM dh seja nulo

para a altura 0h em que a trajectória de um raio óptico iniciado segundo a horizontal

seja um arco de círculo concêntrico com a superfície da terra. Nestas condições, este

raio é tangente a um círculo concêntrico com a terra, logo sin( ) 1 e 1n , portanto

na h

dn

dh

(3.19)

Por outro lado, para a atmosfera média sabe-se que

6 6 1

0 0

10 43 10 kmh h

dn dN

dh dh

(3.20)

Assim, ao valor de N dado por

0

6

0

10

h

dN

dh a h

(3.21)

Então M satisfaz à sua definição se for

6

0

10dM dN

dh dh a h

(3.22)

Visto que desta forma resulta 0

( ) 0hdM dh .

Após alguma manipulação algébrica e escrevendo genericamente h em vez de 0h , e

sabendo que h a , vem

610h

M Na

(3.23)

Page 77: Simulação de ambientes de radiopropagação

59

Em que 6370a km, representa o raio da terra.

Na figura abaixo representa-se a variação do índice M com a altura, ( )M h , usando a

expressão de ( )n h para obter a refractividade N para a atmosfera média.

Figura 3.5 – Variação da refractividade modificada com a altura

Para uma melhor interpretação do índice M , retoma-se a equação da estratificação

esférica.

0 0sin sinCnr n a (3.24)

Efectuando as seguintes substituições:

1C

hr a

a

(3.25)

61 10n N (3.26)

Vindo, a menos de um termo de segunda ordem,

Page 78: Simulação de ambientes de radiopropagação

60

6

0 01 10 sin sinM n (3.27)

Concluindo-se que este resultado é obtido para um raio numa estrutura plana,

estratificada horizontalmente, com um índice de refracção modificado dado por

6( ) 1 10m h M (3.28)

Em que a refractividade modificada M , faz o papel de refractividade N .

Esta interpretação permite resolver os problemas relativos a uma atmosfera com

estratificação esférica caracterizada por ( )N h , transformando-os em problemas

relativos a uma atmosfera com estratificação plana caracterizada por ( )M h -

Equivalente da terra plana.

Captação em Ductos 3.2.

Como é expectável, as condições meteorológicas influenciam a propagação das ondas

electromagnéticas. Existem condições meteorológicas especiais que poderão

despoletar formações de uma forma típica de variação de M com a altura nas

condições “usuais” de propagação. Existe um interesse particular nas curvas em que

se formam camadas de inversão, onde dM dh se torna negativo. A estas regiões se

designam ductos, e comportam-se como guias de onda, podendo guiar ondas a

grandes distâncias. Os ductos estão geralmente associados a situações de bom

tempo e ausência de vento, ocorrendo mais frequentemente no final do dia ou à noite.

As zonas onde é mais frequente acontecerem estes fenómenos localizam-se perto da

superfície do mar, junto a costas de zonas desérticas ou, pelo menos, áridas.

Quando as condições favoráveis ao aparecimento de ductos ocorrem, junto á

superfície, dá-se o nome de ducto superficial. Quando surgem em altitude, denomina-

se de ducto sobreelevado. Nas figuras seguintes podem observar-se os dois tipos de

ductos e os efeitos que ambos criam na propagação do raio.

Page 79: Simulação de ambientes de radiopropagação

61

Figura 3.6 – Ilustração do efeito de um ducto [12]

Em termos práticos, quando um raio é emitido horizontalmente, este poderá ser

afectado, ou seja, o raio poderá ser “desviado”, aproximando ou afastando-se da terra.

Devido ao facto de haver captação de energia sob a forma de ondas guiadas, a

atenuação é menor que em espaço livre. Assim, se um ducto captar a emissão de um

sinal de uma antena e se esse ducto for circunferencialmente uniforme, ter-se-á

propagação numa estrutura cilíndrica e portanto a potência vem atenuada de 1 d em

vez de 2

1 d como seria em espaço livre. A análise deste comportamento torna-se

importante, visto que no planeamento da cobertura dum serviço deve-se ter em conta

este fenómeno, que poderá, em casos excepcionais, aumentar consideravelmente o

alcance do sinal.

Condições de formação de ductos 3.2.1.

Como mencionado anteriormente, os ductos formam-se quando existem condições

meteorológicas propicias para tal. Ora, torna-se necessário citar estas condições.

Em geral, os ductos surgem, quando há uma inversão de temperatura na atmosfera,

em que a temperatura do ar em vez de decrescer monotonamente com a altura, sofre

um crescimento em dezenas ou centenas de metros. A refractividade N é muito

sensível a 1 T , dN dh poderá decrescer tão rapidamente, que poderá tornar dM dh

negativo. Esta situação é acentuada se o ar frio for muito húmido, e a camada mais

quente for constituída por ar seco, porque N é também sensível à tensão de vapor de

água e . As zonas em que este fenómeno acontece mais frequentemente, são sítios

próximos da superfície do mar, junto a costas de zonas desérticas e áridas.

Page 80: Simulação de ambientes de radiopropagação

62

As camadas dos ductos apresentam uma espessura reduzida da ordem do metro ou

das dezenas de metros, razão pelo qual a propagação esteja limitada à captação de

frequências muito elevadas. Normalmente, só para frequências acima de 1 GHz é que

o ducto começa a ter dimensão apropriada para reter a energia que nele foi excitada.

As condições de captura por um ducto de altura finita são determinadas pelas perdas

por radiação através dos bordos (topos) do ducto. Assim, o ducto só reterá energia se

as perdas pelo topo forem reduzidas.

Nas figuras seguintes pode-se observar a trajectória dos raios para diferentes

variações da refractividade modificada em função da altura, ( )M h . Serão

representados os comportamentos dos raios, para três cenários, a atmosfera standard,

quando há um ducto superficial e o ducto sobrelevado

Atmosfera standard

Figura 3.7 - Trajectória dos raios em atmosfera standard

Page 81: Simulação de ambientes de radiopropagação

63

Ducto superficial

Figura 3.8 - Trajectória dos raios na presença dum ducto superficial

Ducto sobrelevado

Figura 3.9 -Trajectória dos raios na presença dum ducto sobrelevado

Page 82: Simulação de ambientes de radiopropagação

64

Traçado de raios 3.2.2.

3.2.2.1. Modelo exacto

A figura em baixo representa a trajectória de um raio, ao atravessar uma atmosfera

caracterizada pela refractividade M e o ângulo que o raio faz com a horizontal, para

cada ponto da trajectória. Um raio ao atravessar a atmosfera com mais que um estrato

ou camada, os diferentes índices M irão influenciar significativamente a trajectória do

seu traçado. O raio é emitido com um ângulo se saída 0 em relação à horizontal, a

uma altura 0h da antena. A refractividade modificada no ponto de partida do raio é

dada por 0( )M h .

Figura 3.10 – Geometria para o traçado de raios [8]

Para o caso geral do traçado de raios, tem-se

tan

dhdz

(3.29)

Atendendo às relações trigonométricas

2sin 1 costan

cos cos

(3.30)

Usando a equação dos raios para a estratificação plana, temos

Page 83: Simulação de ambientes de radiopropagação

65

6 6

0 0cos 1 10 cos 1 10 ( )M M h (3.31)

6

0 0

6

0

cos 1 10 ( )cos

(1 10 ( ))

M h

M h

(3.32)

Relacionando com a equação da tangente

6 2

0 0

6

6

0 0

6

cos (1 10 ( ))1

(1 10 )sintan

cos (1 10 ( ))cos

(1 10 )

M h

M

M h

M

(3.33)

Integrando a expressão (3.29) obtém-se a equação da trajectória

0tan tan

h

h

dh dhdz z

(3.34)

Em que tan( ) é dado por (3.33).

3.2.2.2. Modelo aproximado

Nos projectos de ligação ponto a ponto terrestres, normalmente, as distâncias das

ligações são muito maiores do qua as alturas das antenas, ou seja, não se pretendem

raios com inclinações grandes, mas sim que os traçados dos raios se afastem pouco

da horizontal ao longo da trajectória. Com isso, pode-se afirmar que em geral, o

ângulo que a tangente ao raio num certo ponto da trajectória faz com a horizontal é

bastante próximo de zero ( 0 ). Sendo este ângulo bastante pequeno, então

2 (aproximação paraxial), vindo

21

sin 12

(3.35)

Page 84: Simulação de ambientes de radiopropagação

66

E ainda, para ângulos próximos de zero, obtém-se

tan

2

dh

dz

(3.36)

Desta forma, a equação (3.29) vem

dhdz

(3.37)

Para obter a equação da trajectória, começa-se por usar a expressão (3.10) para a

estratificação plana, sob a forma:

6 2 6 2

0 0

1 11 10 1 1 10 1

2 2M M

(3.38)

Onde 0 0( )M M h .

Desprezando os termos de segunda ordem,

1

26 6 2

0 0

12 10 (10 )

2M M

(3.39)

Donde, notando que para cada raio, o termo

6 2 6 '

0 0

110 10

2M M (3.40)

É constante, vem

13 ' 22 10 M M (3.41)

Onde o sinal de é o de dh dz local.

Page 85: Simulação de ambientes de radiopropagação

67

A equação da trajectória vem então:

0

13 ' 22 10

h

h

dh dhdz z

M M

(3.42)

3.2.2.3. Modelo analítico para a trajectória

Se a atmosfera for caracterizada por uma refractividade modificada M com um perfil

linear, a equação (3.42) pode ser resolvida analiticamente do seguinte modo:

0( ) (0)M h M h (3.43)

Desenvolvendo a diferença das refractividades

6' 2

0 0

10( (0) ) ( )

2M M M h M h

(3.44)

6' 2

0 0

10( (0) ) (0)

2M M M h M h

(3.45)

6' 2

0 0

10

2M M h h (3.46)

Considerando 6 2

0 010 2b h , vem finalmente

'M M h b (3.47)

Substituindo em (3.42), temos:

Page 86: Simulação de ambientes de radiopropagação

68

0

13

22 10

h

h

dhz

h b

(3.48)

Considerando 32 10A , obtém-se:

0 0

1

2

2h

h

h h

h bdhz

AA h b

(3.49)

0

2z h b h b

A

(3.50)

3.2.2.4. Cálculo do ponto de indeterminação

Um raio pode inverter o sentido (ascendente ou descendente) de propagação ao longo

da sua trajectória. Os pontos onde se dá essa inversão são chamados pontos de

indeterminação, visto a equação (3.50), que calcula o percurso do raio, tomar valores

imaginários a partir desse ponto.

Para determinar o ponto de indeterminação do traçado do raio, é necessário ter em

conta que nesse local da trajectória, o ângulo 0 . Partindo da equação (3.50), vem

0

2z h b h b

A

(3.51)

62

0 0 0

2 10

2z h b h h

A

(3.52)

Ao parar no ponto de indeterminação e, lançando-se um raio com ângulo inicial nulo

0 0 para uma atmosfera com as mesmas características, a equação (3.52) fica

Page 87: Simulação de ambientes de radiopropagação

69

0

2indz h b h b

A

(3.53)

2

indz h bA

(3.54)

62

0 0

2 10

2z h h

A

(3.55)

0

2( )indz h h

A

(3.56)

Relativamente à altura do ponto de indeterminação, consideram-se as equações (3.37)

e (3.41).

Para que se atinja a indeterminação, o denominador da equação (3.37) tem de ser

nulo, ou seja,

' 0A M M h b (3.57)

Resolvendo

62

0 0

100 0

2h b h h (3.58)

O que resulta na expressão

62

0 0

10

2indh h (3.59)

Page 88: Simulação de ambientes de radiopropagação

70

Simulações 3.3.

Uma camada atmosférica 3.3.1.

O conjunto de simulações iniciais consiste no traçado de raios emitidos a uma altura

0h , que atravessam uma atmosfera caracterizada por uma camada, ao longo de um

perfil linear da refractividade modificada. Para a simulação e representação da

trajectória dos raios, define-se um ângulo de partida 0 , e um valor de 𝑑𝑀/𝑑ℎ. A

trajectória dos raios manifesta um comportamento diferente consoante o valor de

𝑑𝑀/𝑑ℎ seja positivo ou negativo, fazendo com que estes se afastem ou aproximem

progressivamente da superfície terrestre, respectivamente.

Mais adiante apresentam-se as simulações para ductos superficiais e sobrelevados,

considerando uma atmosfera caracterizada por duas ou três camadas, uma das quais

com valores de 𝑑𝑀/𝑑ℎ<0. Nestas simulações é possível observar o trajecto dos raios

que se propagam guiados entre uma camada da atmosfera e o solo, ou dentro de uma

camada da atmosfera, com perdas muito diminuídas.

Em cada simulação, o traçado dos raios vem acompanhado por uma figura que

representa a variação da refractividade modificada em função da altura na atmosfera.

Através da expressão (3.22), sabe-se que

6 6

0

10 10157

dM dN dN dN

dh dh a h dh a dh

(3.60)

Vindo a refractividade dada por

(0) 157

dMN N h

dh

(3.61)

Onde (0) 315N .

Page 89: Simulação de ambientes de radiopropagação

71

A variação da refractividade modificada com a altura é calculada através das

expressões (3.26) e (3.61). Mantendo constantes os parâmetros (0)N , 𝑑𝑀/𝑑ℎ e , e

variando o valor de ℎ (altura), obtêm-se os valores de 𝑀 correspondentes às alturas

definidas, em cada camada da atmosfera. Para a representação da trajectória dos

raios, que varia consoante o perfil 𝑀, optou-se pelo modelo analítico (expressão

(3.50)), por uma questão de simplificação dos cálculos computacionais. Os raios são

iniciados a uma altura 0h e com um ângulo de partida 0 . O valor de 𝑑𝑀/𝑑ℎ é definido

para cada camada

Devido aos diversos encurvamentos dos raios, surgem situações onde ocorre uma

inversão do sentido da trajectória. Através das expressões (3.56) e (3.59) é possível

calcular os pontos a partir do qual isso acontece. Esses pontos são designados pontos

de indeterminação.

Outra situação abordada é a reflexão que os raios podem eventualmente sofrer no

solo. Assim, quando estes atingem a superfície, são reflectidos com um ângulo

simétrico ao de chegada.

Nas simulações efectuadas é possível observar os encurvamentos dos raios. Por

observação da Figura 3.11 à Figura 3.17 conclui-se que o valor do gradiente da

refractividade modificada é responsável pelas diferentes trajectórias dos raios. Se este

for positivo o raio tende a subir, e se for negativo, a descer.

Os diferentes cenários para o caso de haver só uma camada são:

Page 90: Simulação de ambientes de radiopropagação

72

0 0 e 0dM dh

Figura 3.11 – Trajectória dos raios com 𝜶𝟎≥𝟎 e 𝒅𝑴/𝒅𝒉>𝟎

0 0 e 0dM dh

Figura 3.12 – Trajectória dos raios com 𝜶𝟎<𝟎 e 𝒅𝑴/𝒅𝒉>𝟎

Com reflexão

Page 91: Simulação de ambientes de radiopropagação

73

Figura 3.13 – Trajectória dos raios com 𝜶𝟎<𝟎 e 𝒅𝑴/𝒅𝒉>𝟎 e reflexão no solo

0 0 e 0dM dh

Figura 3.14 – Trajectória dos raios com 𝜶𝟎≥𝟎 e 𝒅𝑴/𝒅𝒉<𝟎.

Page 92: Simulação de ambientes de radiopropagação

74

0 0 e 0dM dh

Figura 3.15 – Trajectória dos raios com 𝜶𝟎<𝟎 e 𝒅𝑴/𝒅𝒉<𝟎

Ducto superficial e sobrelevado 3.3.2.

Pode-se notar que os raios ficam captados em torno da camada onde a variação da

refractividade modificada é negativa. Esta região da atmosfera vai comportar-se como

um guia de ondas aberto, podendo guiar ondas a grande distância.

No ducto superficial (Figuras 3.16 e 3.17) observa-se a trajectória descrita por raios

com diversos ângulos de partida, a atravessar uma atmosfera caracterizada por duas

camadas. Cada camada apresenta um valor dM dh de sinal diferente. Neste tipo de

ductos a propagação guiada realiza-se junto à superfície da terra, i.e., com sucessivas

reflexões no solo e podendo os raios ascender até à altura onde se inicia a segunda

camada. Quando um raio ultrapassa essa altura, continua a subir indefinidamente.

Como referido, os raios ficam contidos dentro da camada onde a variação da

refractividade modificada é negativa. Isso apenas não acontece se o ângulo de saída

for grande tanto positivamente como negativamente. No caso positivo, o raio liberta-se

no ducto e afasta-se progressivamente da terra, pois a segunda camada apresenta um

0dM dh . No caso do ângulo de partida ser bastante negativo, este vai reflectir-se

Page 93: Simulação de ambientes de radiopropagação

75

no solo, entrando imediatamente a seguir numa fase ascendente até passar a linha de

separação das camadas. A partir daí o raio continua a subir.

Figura 3.16 – Trajectória de 4 raios na presença de ducto superficial

Figura 3.17 – Trajectória de 4 raios na presença de ducto sobrelevado

Page 94: Simulação de ambientes de radiopropagação

76

Como se pode verificar, nesta situação os raios não alcançam o solo, i.e., os raios

propagam-se guiados dentro de uma camada da atmosfera e com perdas muito

diminuídas.

Da presença dos ductos resultam por exemplo alcances inesperados para radares,

sobretudo sobre o mar e visibilidade de programas TV inexplicáveis pelos mecanismos

normais de propagação. Um ducto é assim um fenómeno que pode dar origem a fortes

perturbações num serviço.

Potência recebida 3.4.

Para a dedução da potência recebida do eco, nos diferentes cenários (com ou sem

ducto), usaram-se asa seguintes fórmulas.

2 2

_ 3 44

e esem ducto r

PGP A

d

(3.62)

Em que rA representa a atenuação por difracção devido à superfície da terra, para o

percurso de ida e volta. A atenuação rA é tabelada em função da distância e da

frequência.

2 2

_ 2316

e ecom ducto

PGP

dh

(3.63)

A diferença das duas fórmulas, baseia-se no facto de quando existe propagação num

ducto, esta é feita sob forma cilíndrica, ou seja, para uma altura fixa, enquanto no

cenário sem ducto, a propagação é esférica.

Depois de se analisar o efeito dos ductos na propagação, torna-se necessário, ilustrar

a ideia, com um exemplo mais realístico.

Normalmente, os radares têm um alcance típico, ou seja, uma distância a partir da

qual não se detectam alvos, mas poderão ocorrer fenómenos atmosféricos de curta

duração, que poderão alterar este alcance. A formação de ductos é o fenómeno mais

relevante. Para este exemplo, toma-se como um radar de vigilância, a funcionar a 2.8

GHz, com a antena de emissão a 200 m e potência de emissão de 1.5 kW. A

sensibilidade do receptor é na ordem de -104 dBm.

Page 95: Simulação de ambientes de radiopropagação

77

Figura 3.18 – Potência recebida do eco para situações de formação de ductos

Consegue-se perceber que o efeito do ducto permite receber em boas condições para

distâncias que claramente não eram possíveis, em condições atmosféricas normais.

Isto permite também perceber, que caso estejam reunidas as condições de formação

de ductos, os radares poderão detectar alvos fora do alcance previsto, ou detectar

alvos com dimensões maiores do que realmente possuem.

Page 96: Simulação de ambientes de radiopropagação

78

Page 97: Simulação de ambientes de radiopropagação

79

4. ABSORÇÃO E DESPOLARIZAÇÃO EM RADAR

A atmosfera tem uma influência considerável nas ondas electromagnéticas. De uma

forma geral, podem-se considerar três fenómenos que afectam a propagação das

ondas, a absorção, a dispersão e a despolarização.

O mecanismo de absorção pelos gases na baixa atmosfera é o das ressonâncias

moleculares: quando a frequência da onda electromagnética é idêntica a uma das

frequências próprias (de rotação e de vibração) das moléculas dos gases que

constituem a atmosfera, alguma energia é retirada do feixe para excitar a molécula; a

molécula reemite essa energia mas não na forma original, nem necessariamente na

mesma frequência (passam a ser uma fonte de ruido) nem sequer necessariamente

por um mecanismo totalmente electromagnético. Devido à temperatura elevada (

300º K) e à pressão também elevada (1 atm) a absorção à superfície da terra dá-se

numa faixa de frequências muito larga em torno das frequências próprias.

No que toca à despolarização, serão analisados os efeitos da chuva e do vento na

polarização do sinal do radar, com distinção do sinal recebido com polarização vertical

e polarização horizontal.

Absorção pelos gases 4.1.

Os gases com maior responsabilidade na absorção de energia nas frequências mais

usuais são o vapor de água (ressonância em 22 GHz) e o oxigénio (ressonância em

50 GHz e 120 GHz). À superfície da terra os coeficientes de absorção 0o (oxigénio) e

0w (vapor de água) tomam o aspecto que se vê nas Figuras 4.1 e 4.2. Verifica-se que

a absorção pela atmosfera é consideravelmente reduzida abaixo de 1 GHz, tornando-

se progressivamente opaca até às frequências visíveis.

Page 98: Simulação de ambientes de radiopropagação

80

Figura 4.1 – Coeficiente de absorção para o oxigénio [9]

Figura 4.2 – Coeficiente de absorção para o vapor de água [9]

A situação é diferente à medida que se sobe na atmosfera. Efectivamente, por um

lado, em resultado da diminuição da densidade do ar decresce a absorção nas

ressonâncias – porque o número de moléculas absorventes ao longo da trajectória é

menor – e, por outro lado, devido à diminuição da pressão atmosférica, a largura das

riscas de absorção decresce drasticamente, formando múltiplas janelas entre as

sucessivas ressonâncias. Na realidade, enquanto um trajecto, mesmo curto, à

Page 99: Simulação de ambientes de radiopropagação

81

superfície da terra pode sofrer numa dada frequência uma grande atenuação devida à

absorção pelos gases da atmosfera, nessa mesma frequência será muitas vezes

possível estabelecer uma comunicação via satélite desde que o trajecto tenha

inclinação elevada, visto que então a atenuação suplementar vem muito reduzida.

O cálculo da atenuação suplementar faz-se a partir de:

( )raio

A s ds (4.1)

Onde s é contabilizado ao longo do raio, e é o coeficiente de absorção diferencial

total.

Se só se incluir a absorção pelo oxigénio e vapor de água vem:

0 w (4.2)

A Figura 4.3 apresenta a variação da atenuação suplementar em termos de “distâncias

efectivas” er , para vários ângulos de fogo e para várias frequências, de forma e poder

escrever

0 0 0e o eo w ewA r r r (4.3)

Nesta expressão, 0 é o valor que toma à altura da superfície do mar. Nos gráficos

da Figura 4.3, representa-se (em função do comprimento s do raio), a distância

efectiva para o oxigénio para f=1 GHz e f > 10 GHz, para ângulos de fogo de 0 e 1

radianos, e analogamente para o vapor de água (excepto para frequências entre 0.1 e

100 GHz. Note-se que a absorção devida ao vapor de água depende da tensão de

vapor e da sua distribuição em altura e portanto exibe uma certa variabilidade no

tempo.

Page 100: Simulação de ambientes de radiopropagação

82

Figura 4.3 – Distância efectiva para vapor de água e oxigénio. À esquerda para um

ângulo de fogo de ψ = 0 rad a direita para ψ = 0.1 rad

Absorção pela chuva 4.2.

A atenuação sofrida pelo feixe deve-se a dois mecanismos: perdas nas gotas de água

(que são aquecidas) e dispersão. Em geral os cálculos não separam estes dois

mecanismos. Existe uma teoria da atenuação produzida pela chuva que toma como

ponto de partida a interacção de uma onda plana com uma esfera (teoria de Mie), uma

distribuição estatística empírica do tamanho das gotas de chuva em termos de

intensidade da chuva (em mm/hora) e uma distribuição de velocidades terminais das

gotas; assim a chuva é assimilada a uma distribuição de esferas dieléctricas com os

valores de r e da água, esferas essas agindo independentemente (não há efeitos

de sombra umas em relação às outras).

Utiliza-se como modelo da chuva uma colecção de partículas, cada uma associada a

uma seção eficaz de extinção t

t a s (4.4)

Em que a representa a secção eficaz de absorção, e s a secção eficaz de

dispersão. Se todas as gotas fossem iguais e se o número de gotas por unidade de

volume ter-se-ia t . Para fazer intervir os diferentes diâmetros das gotas

características da chuva natural, ter-se-ia:

Page 101: Simulação de ambientes de radiopropagação

83

0

( , , ) ( )t a f n D a da

(4.5)

Em que ( , , )t a f n é a secção eficaz total de uma gota de raio a , à frequência f ,

para o índice de refracção n (que por sua vez depende da frequência e da

temperatura). ( )D a é a distribuição do tamanho das gotas, isto é, o numero de gotas

cujos raios estão compreendidos entre a e a da .

A expressão anterior é útil para calcular a atenuação por exemplo em cada ponto de

uma trajectória terra-satélite. Neste caso a atenuação suplementar virá,

( )raio

A s ds (4.6)

Sobre a superfície da terra convém exprimir a atenuação específica em termos de taxa

de precipitação R [mm/hora]. Desta forma foi obtida a lei de Ryde.

KR (4.7)

Em que representa a taxa de atenuação em dB/km.K e são os coeficientes

dependentes da frequência.

Figura 4.4 – Representação dos parâmetros K e em função da frequência [9]

Page 102: Simulação de ambientes de radiopropagação

84

Despolarização pela chuva 4.3.

Um efeito que torna-se necessário analisar resulta do facto de as gotas de chuva não

serem esféricas, mas tomarem antes uma forma achatada como representado na

Figura 4.5, devido à resistência do ar.

Figura 4.5 – Eixos da gota da chuva

Em consequência, a atenuação sofrida pela polarização linear paralela ao eixo maior

das gotas (em principio, a polarização horizontal) é mais elevada que a sofrida pela

outra polarização ortogonal. Na figura 4.6 mostra-se a evolução da atenuação

diferencial em função da taxa de precipitação R e em função da frequência.

I

II

Page 103: Simulação de ambientes de radiopropagação

85

Figura 4.6 – Atenuação e fase diferencial introduzidas pela forma achatada da gota da

chuva

Na realidade o fenómeno é mais complexo porque em geral intervém a acção do

vento, que tende a inclinar as gotas de água. Pelo mecanismo que se mostra na

Figura 4.7 resulta uma despolarização da onda que atravessa a célula de chuva. Em

a) representa-se a gota inclinada pelo vento. Tomando como exemplo a PV, o vector

campo eléctrico está decomposto segundo os eixos da gota; em c) mostra-se como a

diferente atenuação das 2 componentes provoca uma rotação da polarização, e

finalmente em d) retorna-se aos eixos vertical e horizontal e observa-se, para além

duma atenuação sofrida pela PV, o aparecimento de uma componente PH. Dado que

a fase da onda também é afectada de forma diferente segundo os dois eixos das

gotas, a polarização final é elíptica.

Figura 4.7 – Alteração da polarização causada pela inclinação da gota da chuva [9]

Page 104: Simulação de ambientes de radiopropagação

86

No caso geral a emissão tem uma componente de PH e uma de PV, com amplitudes

complexas respectivamente eHE e

eVE ; o sinal na recepção terá por componentes de

PH e de PV respectivamente rHE e

rVE . A relação entre estas últimas componentes e

as primeiras pode escrever-se sob a forma de uma matriz de transmissão:

eVrV 11 12

eHrH 21 22

EE T T=

EE T T

(4.8)

Ou seja, abreviadamente

r eE =TE (4.9)

Em que a matriz T é em geral complexa. A equação (4.9) sugere a maneira de

determinar por medição as características de um meio em que haja chuva: emite-se

numa polarização obliqua conhecida e faz-se na recepção em dois canais ortogonais.

Para calcular a matriz T , considera-se uma onda incidente num volume de chuva. O

correspondente campo eléctrico pode decompor-se em duas polarizações lineares

eHE e eVE . No volume de chuva, as gotas estão inclinadas de um ângulo . Admite-

se que se conhece (teórica ou empiricamente) os coeficientes de transmissão de um

agregado de gotas não esféricas para ondas polarizadas segundo os eixos principais

I e II , para um percurso de comprimento L .

I I IT exp ( )j L (4.10)

II II IIT exp ( )j L (4.11)

Em que representa a atenuação, e a fase.

Com isto, podemos escrever:

Page 105: Simulação de ambientes de radiopropagação

87

rI I eIE TE (4.12)

rII II eIIE T E (4.13)

Para obter eIE e

eIIE a partir de eVE e

eHE , usa-se a matriz rotação de :

rII II eIIE T E (4.14)

eI eV

eII eH

E E=

E E

(4.15)

Com

cos -sen

=sen cos

(4.16)

A partir de rIE e rIIE pode obter-se rVE e rHE pela aplicação da matriz

1 ,

resultando portanto

1

r eE = T Ee

(4.17)

Em que

rV

rH

E

ErE

eV

eH

E

EeE

I

e

II

T 0T =

0 T

Concluindo virá:

1

r eE = T Ee

(4.18)

Page 106: Simulação de ambientes de radiopropagação

88

2 2

11 I IIT T cos T sin (4.19)

2 2

22 I IIT T sin T cos (4.20)

II I12 21

T TT T = sin 2

2

(4.21)

Note-se que 11T e

22T são independentes do sinal de . Como 12T e

21T a presença

num certo meio de gotas inclinadas para um lado e de gotas inclinadas para o outro

tende a cancelar os efeitos de despolarização pela chuva.

Observe-se finalmente que este fenómeno da alteração da polarização é aleatório, não

só devido às variações da intensidade e direcção do vento mas também devido à

variabilidade da distribuição de diâmetros de gotas de chuva de instante para instante.

A despolarização descrita dificulta, ou pode mesmo tornar impossível um sistema de

recepção que use dois canais em polarizações ortogonais. Para que o sistema

funcione convenientemente exige-se que a separação entre canais exceda um certo

valor, que em geral é definido pelo poder de separação entre polarizações da antena

de recepção utilizada.

Um outro aspecto importante da perturbação introduzida pela chuva numa

comunicação entre dois pontos é o facto de a chuva não ter uma distribuição espacial

uniforme, sobretudo quando a taxa de precipitação é elevada (podendo levar a

interrupção a comunicação). Na realidade observa-se que as grandes precipitações

aparecem sob forma de células cuja extensão espacial máxima não excede

normalmente alguns quilómetros. Desta forma numa ligação à superfície da Terra a

atenuação devida à chuva não é necessariamente proporcional ao comprimento da

ligação, mas na realidade tende a crescer mais lentamente.

No que diz respeito às ligações terra-satélite, a coluna de chuva que as pode afectar

tem normalmente no máximo 2 ou 3 km de altura, e a probabilidade de chuva intensa

simultânea nos dois ramos (ascendente e descendente) da ligação é possivelmente

muito pequena.

Page 107: Simulação de ambientes de radiopropagação

89

Por último tem interesse avaliar o sinal recebido na polarização ortogonal à

polarização do emissor. Para a polarização linear define-se então os seguintes

coeficientes de polarização cruzada em relação as polarizações horizontal e vertical.

eV

rV

12eHH

rH 22

eH E 0

ETE

X 20logE TE dB

(4.22)

eH

rH

21eVV

rV 11

eV E 0

ETE

X 20logE TE dB

(4.23)

Percebe-se que o HX representa uma medida do campo recebido no canal vertical em

relação ao campo emitido no canal horizontal, e o VX , uma razão do campo recebido

no canal horizontal quando se emite no canal vertical.

Coeficiente de despolarização 4.3.1.

O coeficiente de despolarização apresenta-se como a relação entre a potência

entregue ao receptor e o valor máximo que se obteria com uma onda incidente com a

mesma intensidade do vector de Poynting (polarização adaptada).

O termo p diz respeito ao um factor de conversão para a representação na esfera de

Poincaré e é denominado de razão de polarização.

V Y j2

H X 1

EE Ep=

EE Ee (4.24)

2

1

Etan

E (4.25)

aej

ae aep =P e

(4.26)

Page 108: Simulação de ambientes de radiopropagação

90

arj

ar arp =P e

(4.27)

*

ar aep =-p (Polarização

adaptada) (4.28)

Em que o P representa a amplitude e a fase.

Figura 4.8 – Representação de P e de para a polarização para a onda [13]

Com isso torna-se possível calcular o pC , pela formula analítica.

22 2

i ear oi ar oi ar oi

p 2 2 22ar oi

i e

E .h 1+P P +2P P cos( - )C =

(1+P )(1+P )E h

(4.29)

Em que arP e oiP são as amplitudes da razão de polarização da antena de recepção e

da onda incidente, respectivamente.

Com este cálculo torna-se possível introduzir uma medida do fenómeno da

despolarização na fórmula da potência recebida do radar.

2 2

e p

r 3 4

P G σλ CP =

4π d (4.30)

Page 109: Simulação de ambientes de radiopropagação

91

Potência recebida 4.3.2.

Nesta secção, iremos simular, em simultâneo, o efeito da chuva e do vento na

despolarização. Como referido, se a taxa de precipitação for superior a 10 mm/h, a

gota da chuva já começa a apresentar uma forma achatada, e se o vento for

considerável, este poderá introduzir uma rotação na gota. Ora, a conjugação destes

dois fenómenos, é representada de forma ilustrativa na figura que se segue. O facto

de a gota ser achatada e de apresentar uma rotação, vai repercutir em dois aspectos;

o primeiro deve-se ao facto da gota ter uma forma achatada, que vai introduzir uma

atenuação superior na componente horizontal comparativamente à componente

vertical, e o segundo aspecto, refere-se ao facto da gota estar inclinada, resultante da

acção do vento. A conjugação destes dois factores resulta na obtenção duma

polarização de saída diferente da polarização de entrada, ou seja, vai haver uma

rotação da polarização.

Figura 4.9 – Efeito da chuva e do vento na polarização de saída [9]

Agora, vamos assumir que temos uma polarização vertical emitida. Este sinal vai

atravessar uma célula de chuva, com comprimento d , taxa de precipitação R e ângulo

de rotação das gotas . Como é previsível, vai haver uma rotação da polarização,

devida à acção da chuva. Esta modificação vai afectar a polarização na recepção, e de

uma forma muito acentuada, visto que o sinal vai atravessar a célula duas vezes, ou

seja, no percurso de ida e de volta, 2pL d .

Admite-se que 2d km , 50R mm/h .

Page 110: Simulação de ambientes de radiopropagação

92

Figura 4.10 – Influência da chuva na despolarização

O termo que traduz o grau de despolarização introduzida pela chuva, é o pC , que já

foi definido na equação 4.33. Para o caso em análise, e para um frequência de 2.8

GHz , e 50R mm/h foi simulada o valor de pC em função de .

Figura 4.11 – Variação de pC com para a polarização vertical

d

,R

Page 111: Simulação de ambientes de radiopropagação

93

Figura 4.12 – Variação de pC com para a polarização horizontal

Finalmente, torna-se possível obter a variação da potência recebida para os dois

canais individualmente (vertical e horizontal) em função do ângulo de rotação da gota.

Consegue-se perceber que a variação da potência para os dois canais é

complementar, ou seja, o aumento de um significa a diminuição da outra. Isto é

provocado pela rotação da gota (forma achatada), que vai introduzir uma atenuação e

desfasagem diferencial nos dois canais. A potência de emissão é na ordem dos 20

kW .

Figura 4.13 – Potência recebida para diferentes polarizações

Page 112: Simulação de ambientes de radiopropagação

94

Consegue-se ver pelo gráfico que o efeito da chuva na despolarização é considerável,

porque apresenta reduções consideráveis na potência recebida na polarização em

uso. Para um ângulo de rotação nulo, resulta o máximo de potência para o canal

vertical e um mínimo no canal horizontal, como era de esperar. Para solucionar este

facto, existem duas opções. Evitar a chuva e o vento, ou usar uma polarização

alternativa. Como a primeira solução não é viável, resta a segunda opção. Pode-se

escolher uma outra solução para a polarização, como polarização circular.

Com isto, fica-se com uma noção mais clara da influência dos fenómenos

meteorológicos na polarização de um sinal de radar.

Page 113: Simulação de ambientes de radiopropagação

95

5. CONCLUSÃO

Principais conclusões 5.1.

Com este trabalho pretende-se investigar o nível de perturbação e a influência que um

dado ambiente pode ter na propagação de ondas electromagnéticas, mais

concretamente nas condições de funcionamento dos radares. Assim, num contexto

académico, o trabalho permite aos alunos uma melhor percepção da influência dos

fenómenos atmosféricos no dimensionamento, na operação e monitorização dos

sistemas de radares. Dos temas abordados constam a reflexão, difracção, refracção,

absorção e despolarização em ambientes típicos de operação dos radares.

No capítulo da reflexão, representou-se graficamente o andamento do campo eléctrico

com polarização vertical e horizontal considerando o raio reflectido no solo. Foi

possível verificar a interferência entre o raio directo e raio reflectido, observando-se, a

partir de um certo ponto, a existência de máximos e mínimos do campo eléctrico. Da

análise efectuada ao andamento do campo em função da altura da antena de

recepção e da distância entre antenas observa-se que este apresenta máximos e

mínimos tanto em altura como em distância. Partindo de um certo ponto, esses

máximos e mínimos são mais visíveis. Através da Figura 2.8 e Figura 2.9 é possível

verificar o andamento do campo e academicamente perceber-se a que distância e

altura se deve colocar a antena de recepção para se obter um maior rendimento do

sistema. Na Figura 2.13 apresenta-se o campo em espaço livre em duas dimensões,

enquanto na Figura 2.14 representa-se a mesma figura mas em condições de reflexão

no solo. Posteriormente, analisa-se um aspecto particular, que é o radar de baixa

altitude, em que se mostra através da Figura 2.19, que a potência recebida do eco

tende a passar de um andamento de 4(1 )d para

8(1 )d . No mesmo capítulo,

aprofunda-se o conceito de secção eficaz de radar, nomeadamente com diversas

simulações com parâmetros típicos dos radares. Finalmente, discute-se a influência do

clutter nos radares, com a distinção do clutter de superfície do clutter de volume, e

apresentando simulações para dados típicos para os dois casos.

No estudo da refracção demonstrou-se o traçado de raios em atmosferas normais e

em condições especiais (ductos). Através da visualização das trajectórias dos raios

observou-se a influência do gradiente da refractividade modificada sobre os raios.

Como já referido, se este for positivo, os raios tendem a subir e caso contrário, tendem

a descer. A simulação das trajectórias dos raios na presença de vários tipos de ductos,

Page 114: Simulação de ambientes de radiopropagação

96

confirmou que os raios ficam confinados à camada que apresenta o índice de

refracção modificado negativo, atingindo, assim, distâncias mais elevadas do que na

presença de uma atmosfera tradicional. No final do capítulo, foram comparadas as

potências recebidas para o cenário de formação de ducto e sem formação de ductos,

e provou-se que a formação de ductos pode afectar profundamente o funcionamento

do sistema.

Relativamente ao estudo da absorção e da despolarização provocadas pelos gases e

pela chuva, mostrou-se que existem dois gases (oxigénio e apor de água) que afectam

de forma mais considerável o sinal, devido ao facto de serem gases que apresentam

coeficientes de absorção mais relevantes. Seguidamente concluiu-se que devido ao

facto das gotas de chuva, para valores de precipitação elevados, apresentam uma

forma achatada, estas poderão provocar uma despolarização da onda que atravessa a

célula de chuva, devido ao facto de a atenuação para os dois eixos da gota serem

diferentes. Para ilustração deste fenómeno, na Figura 4.11 apresentou-se a potência

recebida para o eixo vertical e horizontal quando se emite um sinal só com

componente vertical, ou seja, com polarização linear vertical.

Perspectivas de trabalhos futuros 5.2.

Este trabalho tem uma grande margem para actualizações em termos futuros, com a

introdução de novos módulos referentes a qualquer matéria dentro da área da

propagação de ondas electromagnéticas nos radares, nomeadamente a influência da

atmosfera.

O tema da reflexão pode ser actualizado com a introdução da terra esférica, tornando

o capítulo mais completo.

Relativamente à polarização das ondas, neste trabalho foram consideradas as

polarizações horizontais e verticais através dos coeficientes de Fresnel, porém, pode

ser introduzida a polarização circular, comum em sistemas de radares.

Um estudo profundo sobre desvanecimento seria uma adição significativa, dado tratar-

se de um fenómeno que afecta de maneira preponderante a qualidade de serviço

conseguida.

O estudo dos tipos de antenas usados nos radares apresenta-se como um assunto

que seria interessante acrescentar.

A comunicação via satélite e propagação de ondas electromagnéticas na ionosfera

também seriam possíveis sugestões de interesse académico para complementar os

tópicos abordados.

Page 115: Simulação de ambientes de radiopropagação

97

6. BIBLIOGRAFIA

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