Sintaxe Da Linguagem Visual D a Dondis

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linguagem visual, sintaxe segundo dondis.

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    Contedo 1. CARTER E CONTEDO DO ALFABETISMO VISUAL ................... 3

    2. COMPOSIO: FUNDAMENTOS SINTTICOS DO ALFABETISMO

    VISUAL .......................................................................................................... 25

    3. ELEMENTOS BSICOS DA COMUNICAO VISUAL................... 47

    4. ANATOMIA DA MENSAGEM VISUAL ............................................. 78

    5. A DINMICA DO CONTRASTE ......................................................... 99

    6. TCNICAS VISUAIS: ESTRATGIAS DE COMUNICAO ......... 122

    7. A SNTESE DO ESTILO VISUAL ..................................................... 151

    8. AS ARTES VISUAIS: FUNO E MENSAGEM .............................. 170

    9. ALFABETISMO VISUAL: COMO E POR QU ................................ 212

    Bibliografia ............................................................................................... 217

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    1. CARTER E CONTEDO DO ALFABETISMO

    VISUAL

    Quantos de ns vem?

    Que amplo espectro de processos, atividades, funes, atitudes, essa simples

    pergunta abrange! A lista longa: perceber, compreender, contemplar, observar,

    descobrir, reconhecer, visualizar, examinar, ler, olhar. As conotaes so multilaterais:

    da identificao de objetos simples ao uso de smbolos e da linguagem para conceituar,

    do pensamento indutivo ao dedutivo. O nmero de questes levantadas por esta nica

    pergunta: "Quantos de ns vem?", nos d a chave da complexidade do carter e do

    contedo da inteligncia visual. Essa complexidade se reflete nas inmeras maneiras

    atravs das quais este livro vai pesquisar a natureza da experincia visual mediante

    exploraes, anlises e definies, que lhe permitam desenvolver uma metodologia

    capaz de instruir todas as pessoas, aperfeioando ao mximo sua capacidade, no s de

    criadores, mas tambm de receptores de mensagens visuais; em outras palavras, capaz

    de transform-las em indivduos visualmente alfabetizados.A primeira experincia por

    que passa uma criana em seu processo de aprendizagem ocorre atravs da conscincia

    ttil. Alm desse conhecimento "manual", o reconhecimento inclui o olfato, a audio e

    o paladar, num intenso e fecundo contato com o meio ambiente. Esses sentidos so

    rapidamente intensificados e superados pelo plano ic- nico a capacidade de ver,

    reconhecer e compreender, em termos visuais, as foras ambientais e emocionais.

    Praticamente desde nossa primeira experincia no mundo, passamos a organizar nossas

    necessidades e nossos prazeres, nossas preferncias e nossos temores, com base naquilo

    que vemos. Ou naquilo que queremos ver. Essa descrio, porm, apenas a ponta do

    iceberg, e no d de forma alguma a exata medida do poder e da importncia que o

    sentido visual exerce sobre nossa vida. Ns o aceitamos sem nos darmos conta de que

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    ele pode ser aperfeioado no processo bsico de observao, ou ampliado at converter-

    se num incomparvel instrumento de comunicao humana. Aceitamos a capacidade de

    ver da mesma maneira como a vivencia- mos sem esforo.

    Para os que vem, o processo requer pouca energia; os mecanismos fisiolgicos so

    automticos no sistema nervoso do homem. No causa assombro o fato de que a partir

    desse output mnimo recebamos uma enorme quantidade de informaes, de todas as

    maneiras e em muitos nveis. Tudo parece muito natural e simples, sugerindo que no

    h necessidade de desenvolver nossa capacidade de ver e de visualizar, e que basta

    aceit-la como uma funo natural. Em seu livro Towards a Visual Culture, Caleb

    Gattegno comenta, referindo-se natureza do sentido visual: "Embora usada por ns

    com tanta naturalidade, a viso ainda no produziu sua civilizao. A viso veloz, de

    grande alcance, simultaneamente analtica e sinttica. Requer to pouca energia para

    funcionar, como funciona, velocidade da luz, que nos permite receber e conservar um

    nmero infinito de unidades de informao numa frao de segundos." A observao de

    Gattegno um testemunho da riqueza assombrosa de nossa capacidade visual, o que

    nos torna propensos a concordar entusiasticamente com suas concluses: "Com a viso,

    o infinito nos dado de uma s vez; a riqueza sua descrio."

    No difcil de detectar a tendncia informao visual no comportamento

    humano. Buscamos um reforo visual de nosso conhecimento por muitas razes; a mais

    importante delas o carter direto da informao, a proximidade da experincia real.

    Quando a nave espacial norte-americana Apolo XI alunissou, e quando os primeiros e

    vacilantes passos dos astronautas tocaram a superfcie da lua, quantos, dentre os

    telespectadores do mundo inteiro que acompanhavam a transmisso do acontecimento

    ao vivo, momento a momento, teriam preferido acompanh-lo atravs de uma

    reportagem escrita ou falada, por mais detalhada ou eloqente que ela fosse? Essa

    ocasio histrica apenas um exemplo da preferncia do homem pela informao vi-

    sual. H muitos outros: o instantneo que acompanha a carta de um amigo querido que

    se acha distante, o modelo tridimensional de um novo edifcio. Por que procuramos esse

    reforo visual? Ver uma experincia direta, e a utilizao de dados visuais para

    transmitir informaes representa a mxima aproximao que podemos obter com

    relao verdadeira natureza da realidade. As redes de televiso demonstraram sua

    escolha. Quando ficou impossvel o contato visual direto com os astronautas da Apolo

    XI, elas colocaram no ar uma simulao visual do que estava sendo simultaneamente

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    descrito atravs de palavras. Havendo opes, a escolha muito clara. No s os

    astronautas, mas tambm o turista, os participantes de um piquenique ou o cientista,

    voltam-se, todos, para o modo icnico, seja para preservar uma lembrana visual seja

    para ter em mos uma prova tcnica. Nesse aspecto, parecemos todos ser do Missouri;

    dizemos todos: "Mostre-me."

    A falsa dicotomia: belas-artes e artes aplicadas

    A experincia visual humana fundamental no aprendizado para que possamos

    compreender o meio ambiente e reagir a ele; a informao visual o mais antigo

    registro da histria humana. As pinturas das cavernas representam o relato mais antigo

    que se preservou sobre o mundo tal como ele podia ser visto h cerca de trinta mil anos.

    Ambos os fatos demonstram a necessidade de um novo enfoque da funo no somente

    do processo, como tambm daquele que visualiza a sociedade. O maior dos obstculos

    com que se depara esse esforo a classificao das artes visuais nas polaridades belas-

    artes e artes aplicadas. Em qualquer momento da histria, a definio se desloca e

    modifica, embora os mais constantes fatores de diferenciao costumem ser a utilidade

    e a esttica.

    A utilidade designa o design e a fabricao de objetos, materiais e demonstraes

    que respondam a necessidades bsicas. Das culturas primitivas tecnologia de

    fabricao extremamente avanada de nossos dias, passando pelas culturas antigas e

    contemporneas, as necessidades bsicas do homem sofreram poucas modificaes. O

    homem precisa comer; para faz-lo, precisa de instrumentos para caar e matar, lavrar e

    cortar; precisa de recipientes para cozinhar e de utenslios nos quais possa comer.

    Precisa proteger seu corpo vulnervel das mudanas climticas e do meio ambiente

    traioeiro, e para isso necessita de ferramentas para costurar, cortar e tecer. Precisa

    manter-se quente e seco e proteger-se dos predadores, e para tanto preciso que cons-

    trua algum tipo de habitat. As sutilezas da preferncia cultural ou da localizao

    geogrfica exercem pouca influncia sobre essas necessidades; somente a interpretao

    e a variao distinguem o produto em termos da expresso criadora, como representante

    de um tempo ou lugar especficos. Na rea do design e da fabricao das necessidades

    vitais bsicas, supe-se que todo membro da comunidade seja capaz no apenas de

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    aprender a produzir, mas tambm de dar uma expresso individual e nica a seu

    trabalho atravs do design e da decorao. Mas a expresso das prprias idias regida,

    primeiro, pelo processo de aprendizagem do ofcio e, em segundo lugar, pelas

    exigncias de funcionalidade. O importante que o aprendizado seja essencial e aceito.

    A perspectiva de que um membro da comunidade contribua em diversos nveis da

    expresso visual revela um tipo de envolvimento e participao que gradualmente

    deixou de existir no mundo moderno, num processo que se tem acelerado por inmeras

    razes, entre as quais sobressai o conceito contemporneo de "belas-artes".

    A diferena mais citada entre o utilitrio e o puramente artstico o grau de

    motivao que leva produo do belo. Esse o domnio da esttica, da indagao

    sobre a natureza da percepo sensorial, da experincia do belo e, talvez, da mera beleza

    artstica. Mas so muitas as finalidades das artes visuais. Scrates levanta a questo de

    "as experincias estticas terem valor intrnseco, ou de ser necessrio valoriza-las ou

    conden-las por seu estmulo ao que proveitoso e bom". "A experincia do belo no

    comporta nenhum tipo de conhecimento, seja ele histrico, cientfico ou filosfico", diz

    Immanuel Kant. "Dela se pode dizer que verdadeira por tornar-nos mais conscientes

    de nossa atividade mental." Seja qual for sua abordagem do problema, os filsofos

    concordam em que a arte inclui um tema, emoes, paixes e sentimentos. No vasto

    mbito das diversas artes visuais, religiosas, sociais ou domsticas, o tema se modifica

    com a inteno, tendo em comum apenas a capacidade de comunicar algo de especfico

    ou de abstrato. Como diz Henri Bergson: "A arte apenas uma viso mais direta da

    realidade." Em outras palavras, mesmo nesse nvel elevado de avaliao, as artes visuais

    tm alguma funo ou utilidade. fcil traar um diagrama que situe diversos formatos

    visuais em alguma relao com essas polaridades. A figura 1.1 apresenta uma maneira

    de expressar as tendncias atuais em termos de avaliao:

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    Muito antes da Bauhaus, William Morris e os pr-rafaelitas j se inclinavam na

    mesma direco. "A arte", dizia Ruskin, porta-voz do grupo, " una, e qualquer

    separao entre belas-artes e artes aplicadas destrutiva e artificial." Os pr-rafaelitas

    acrescentavam a essa tese uma distino que os afastava totalmente da filosofia

    posterior da Bauhaus rejeitavam todo trabalho mecanizado. O que feito pela mo

    belo, acreditavam, e ainda que abraassem a causa de compartilhar a arte com tudo, o

    fato de voltarem as costas s possibilidades da produo em massa constitua uma

    negao bvia dos objetivos que afirmavam seguir.

    Em sua volta ao passado para renovar o interesse por um artesanato orgulhoso e

    esmerado, o que o grupo do movimento liderado por Morris, "Artes e Ofcios", na

    verdade afirmava era a impossibilidade de produzir arte desvinculada do artesanato

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    um fato facilmente esquecido na snobe dicotomia entre as belas-artes e as artes

    aplicadas. Durante o Renascimento, o artista aprendia seu ofcio a partir de tarefas

    simples, e, apesar de sua elevada posio social, compartilhava sua guilda ou sua

    agremiao com o verdadeiro arteso. Isso gerava um sistema de aprendizagem mais

    slido, c, o que era mais importante, menor especializao. Havia livre interao entre

    artista e arteso, e os dois podiam participar de todas as etapas do trabalho; a nica bar-

    reira a separ-los era o respectivo grau de habilidade. Com o passar do tempo, porm,

    modificam-se os procedimentos. O que se classifica como "arte" pode mudar com tanta

    rapidez quanto as pessoas que criam esse rtulo. "Um coro de aleluias", diz Carl

    Sandburg em seu poema "The People, Yes", "eternamente trocando de solista."

    A concepo contempornea das artes visuais avanou para alm da mera

    polaridade entre as artes "belas" e as "aplicadas", e passou a abordar questes relativas

    expresso subjetiva e funo objetiva, tendendo, mais uma vez, associao da

    interpretao individual com a expresso criadora como pertencente s "belas-artes", e

    resposta finalidade e ao uso como pertencente ao mbito das "artes aplicadas". Um

    pintor de cavalete que trabalhe para si mesmo, sem a preocupao de vender, est

    basicamente exercendo uma atividade que lhe d prazer e no o leva a preocupar-se

    com o mercado, sendo, assim, quase que inteiramente subjetiva. Um arteso que

    modela um recipiente de cermica pode parecer-nos tambm subjetivo, pois d a sua

    obra a forma e o tamanho que correspondem a seu gosto pessoal. Em seu caso, porm,

    h uma preocupao de ordem prtica: essa forma que lhe agrada poder ser tambm

    um bom recipiente para a gua? Essa modificao da utilidade impe ao designer um

    certo grau de objetividade que no to imediatamente necessria, nem to aparente na

    obra do pintor de cavalete. O aforismo do arquiteto norte-americano Sullivan, "A forma

    acompanha a funo", encontra sua ilustrao mxima no designer de avies, que tem

    suas preferncias limitadas pela indagao de quais formas a serem montadas, quais

    propores e materiais so realmente capazes de voar. A forma do produto final de-

    pende daquilo para que ele serve. Mas no que diz respeito aos problemas mais sutis do

    design h muitos produtos que podem refletir as preferncias subjetivas do designer e,

    ainda assim, funcionar perfeitamente bem. O designer no o nico a enfrentar a

    questo de se chegar a um meio-termo quando o que est em pauta o gosto pessoal.

    comum que um artista ou um escultor tenha de modificar uma obra pelo fato de ter

    recebido a encomenda de um cliente que sabe exatamente o que deseja. As

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    interminveis brigas de Michelangelo, por causa das encomendas que lhe foram feitas

    por dois papas, constituem os exemplos mais vivos e ilustrativos do problema com que

    se depara um artista ao ter de manter suas idias pessoais sob controle para agradar a

    seus clientes. Mesmo assim, ningum se atreveria a dizer que "O juzo final" ou o

    "Davi" so obras comerciais.

    Os frescos de Michelangelo para o teto da Capela Sistina demonstram claramente a

    fragilidade dessa falsa dicotomia. Como representante das necessidades da Igreja, o

    papa influenciou as idias de Michelangelo, as quais tambm foram, por sua vez,

    modificadas pelas finalidades especficas do mural. Trata-se de uma explicao visual

    da "Criao" para um pblico em sua maior parte analfabeto e, portanto, incapaz de ler

    a histria bblica. Mesmo que soubesse ler, esse pblico no conseguiria apreender de

    modo to palpvel toda a dramaticidade do relato. O mural um equilbrio entre a

    abordagem subjetiva e a abordagem objetiva do artista, e um equilbrio comparvel

    entre a pura expresso artstica e o carter utilitrio de suas finalidades. Esse delicado

    equilbrio extraordinariamente raro nas artes visuais, mas, sempre que alcanado,

    tem a preciso de um tiro certeiro. Ningum questionaria esse mural como um produto

    autntico das "belas-artes" e, no entanto, ele tem um propsito e uma utilidade que

    contradizem a definio da suposta diferena entre belas-artes e artes aplicadas: as

    "aplicadas" devem ser funcionais, e as "belas" devem prescindir de utilidade. Essa

    atitude snobe influencia muitos artistas de ambas as esferas, criando um clima de

    alienao e confuso. Por mais estranho que parea, trata-se de um fenmeno bastante

    recente. A noo de "obra de arte" moderna, sendo reforada pelo conceito de museu

    como repositrio definitivo do belo. Um certo pblico, entusiasticamente interessado

    em prostrar-se em atitude de reverncia diante do altar da beleza, dela se aproxima sem

    se dar conta de um ambiente inacreditavelmente feio. Tal atitude afasta a arte do

    essencial, confere- lhe uma aura de algo especial e inconseqente a ser reservado

    apenas a uma elite e nega o fato inquestionvel de quo ela influenciada por nossa

    vida e nosso mundo. Se aceitarmos esse ponto de vista, estaremos renunciando a uma

    parte valiosa de nosso potencial humano. No s nos transformamos em consumidores

    desprovidos de critrios bem definidos, como tambm negamos a importncia

    fundamental da comunicao visual, tanto historicamente quanto em termos de nossa

    prpria vida.

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    O impacto da fotografia

    O ltimo baluarte da exclusividade do "artista" aquele talento especial que o

    caracteriza: a capacidade de desenhar e reproduzir o ambiente tal como este lhe

    aparece. Em todas as suas formas, a cmara acabou com isso. Ela constitui o ltimo elo

    de ligao entre a capacidade inata de ver e a capacidade extrnseca de relatar,

    interpretar e expressar o que vemos, prescindindo de um talento especial ou de um

    longo aprendizado que nos predisponha a efetuar o processo. H poucas dvidas de que

    o estilo de vida contemporneo tenha sido crucialmente influenciado pelas

    transformaes que nele foram instauradas pelo advento da fotografia. Em textos

    impressos, a palavra o elemento fundamental, enquanto os fatores visuais, como o

    cenrio fsico, o formato e a ilustrao, so secundrios ou necessrios apenas como

    apoio. Nos modernos meios de comunicao acontece exatamente o contrrio. O visual

    predomina, o verbal tem a funo de acrscimo. A impresso ainda no morreu, e com

    certeza no morrer jamais; no obstante, nossa cultura dominada pela linguagem j se

    deslocou sensivelmente para o nvel icnico. Quase tudo em que acreditamos, e a maior

    parte das coisas que sabemos, aprendemos e compramos, reconhecemos e desejamos,

    vem determinado pelo domnio que a fotografia exerce sobre nossa psique. E esse

    fenmeno tende a intensificar-se.

    O grau de influncia da fotografia em todas as suas inmeras variantes e

    permutaes constitui um retorno importncia dos olhos em nossa vida. Em seu livro

    The Act of Creation, Arthur Koestler observa: "O pensamento atravs de imagens

    domina as manifestaes do inconsciente, o sonho, o semi-sonho hipnaggico, as

    alucinaes psicticas e a viso do artista. (O profeta visionrio parece ter sido um

    visualizador, e no um verbalizador; o maior dos elogios que podemos fazer aos que se

    sobressaem em fluncia verbal cham-los de 'pensadores visionrios'.)" Ao ver,

    fazemos um grande nmero de coisas: vivenciamos o que est acontecendo de maneira

    direta, descobrimos algo que nunca havamos percebido, talvez nem mesmo visto,

    conscientizamo-nos, atravs de uma srie de experincias visuais, de algo que

    acabamos por reconhecer e saber, e percebemos o desenvolvimento de transformaes

    atravs da observao paciente. Tanto a palavra quanto o processo da viso passaram a

    ter implicaes muito mais amplas. Ver passou a significar compreender. O homem de

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    Missouri, a quem se mostra alguma coisa, ter, provavelmente, uma compreenso

    muito mais profunda dessa mesma coisa do que se apenas tivesse ouvido falar dela.

    Existem, aqui, implicaes da mxima importncia para o alfabetismo visual.

    Expandir nossa capacidade de ver significa expandir nossa capacidade de entender uma

    mensagem visual, e, o que ainda mais importante, de criar uma mensagem visual. A

    viso envolve algo mais do que o mero fato de ver ou de que algo nos seja mostrado.

    parte integrante do processo de comunicao, que abrange todas as consideraes

    relativas s belas-artes, s artes aplicadas, expresso subjetiva e resposta a um

    objetivo funcional.

    Conhecimento visual e linguagem verbal

    Visualizar ser capaz de formar imagens mentais. Lembramo-nos de um caminho

    que, nas ruas de uma cidade, nos leva a um determinado destino, e seguimos

    mentalmente uma rota que vai de um lugar a outro, verificando as pistas visuais,

    recusando o que no nos parece certo, voltando atrs, e fazemos tudo isso antes mesmo

    de iniciar o caminho. Tudo mentalmente. Porm, de um modo ainda mais misterioso e

    mgico, criamos a viso de uma coisa que nunca vimos antes. Essa viso, ou pr-

    visualizao, encontra-se estreitamente vinculada ao salto criativo e sndrome de

    heureca, enquanto meios fundamentais para a soluo de problemas. E exatamente

    esse processo de dar voltas atravs de imagens mentais em nossa imaginao que

    muitas vezes nos leva a solues e descobertas inesperadas. Em The Act of Creation,

    Koestler formula assim o processo: "O pensamento por conceitos surgiu do pensamento

    por imagens atravs do lento desenvolvimento dos poderes de abstrao e de

    simbolizao, assim como a escritura fontica surgiu, por processos similares, dos

    smbolos pictricos e dos hierglifos." Nessa progresso est contido um grande

    ensinamento de comunicao. A evoluo da linguagem comeou com imagens,

    avanou rumo aos pictogramas, cartoons auto- explicativos e unidades fonticas, e

    chegou finalmente ao alfabeto, ao qual, em The Intelligent Eye, R. L. Gregory se refere

    to acertadamente como "a matemtica do significado". Cada novo passo representou,

    sem dvida, um avano rumo a uma comunicao mais eficiente. Mas h inmeros

    indcios de que est em curso uma reverso desse processo, que se volta mais uma vez

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    para a imagem, de novo inspirado pela busca de maior eficincia. A questo mais

    importante o alfabetismo e o que ele representa no contexto da linguagem, bem como

    quais analogias dela podem ser extradas e aplicadas informao visual.

    A linguagem ocupou uma posio nica no aprendizado humano. Tem funcionado

    como meio de armazenar e transmitir informaes, veculo para o intercmbio de idias

    e meio para que a mente humana seja capaz de conceituar. Logos, a palavra grega que

    designa linguagem, inclui tambm os significados paralelos de "pensamento" e "razo"

    na palavra inglesa que dela deriva, logic. As implicaes so bastante bvias; a

    linguagem verbal vista como um meio de chegar a uma forma de pensamento superior

    ao modo visual e ao ttil. Essa hiptese, porm, precisa ser submetida a alguns

    questionamentos e indagaes. Para comear, linguagem e alfabetismo verbal no so a

    mesma coisa. Ser capaz de falar uma lngua muitssimo diferente de alcanar o

    alfabetismo atravs da leitura e da escrita, ainda que possamos aprender a entender e a

    usar a linguagem em ambos os nveis operativos. Mas s a linguagem falada evolui

    naturalmente. Os trabalhos lingsticos de Noam Chomsky indicam que a estrutura

    profunda da capacidade lingstica biologicamente inata. O alfabetismo verbal, o ler e

    o escrever, deve porm ser aprendido ao longo de um processo dividido em etapas.

    Primeiro aprendemos um sistema de smbolos, formas abstratas que representam

    determinados sons. Esses smbolos so o nosso -b-c, o alfa e o beta da lngua grega

    que deram nome a todo o grupo de smbolos sonoros ou letras, o alfabeto. Aprendemos

    nosso alfabeto letra por letra, para depois aprendermos as combinaes das letras e de

    seus sons, que chamamos de palavras e constituem os representantes ou substitutos das

    coisas, idias e aes. Conhecer o significado das palavras equivale a conhecer as

    definies comuns que compartilham. O ltimo passo para a aquisio do alfabetismo

    verbal envolve a aprendizagem da sintaxe comum, o que nos possibilita estabelecer os

    limites construtivos em consonncia com os usos aceitos. So esses os rudimentos, os

    elementos irredutivelmente bsicos da linguagem verbal. Quando so dominados,

    tornamo-nos capazes de ler e escrever, expressar e compreender a informao escrita.

    Esta uma descrio extremamente superficial. Fica claro, porm, que mesmo em sua

    forma mais simplificada o alfabetismo verbal representa uma estrutura dotada de planos

    tcnicos e definies consensuais que, comparativamente, caracterizam a comunicao

    visual como quase que inteiramente carente de organizao. No bem isso o que

    acontece.

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    Alfabetismo visual

    O maior perigo que pode ameaar o desenvolvimento de uma abordagem do

    alfabetismo visual tentar envolv-lo num excesso de definies. A existncia da

    linguagem, um modo de comunicao que conta com uma estrutura relativamente bem

    organizada, sem dvida exerce uma forte presso sobre todos os que se ocupam da idia

    mesma do alfabetismo visual. Se um meio de comunicao to fcil de decompor em

    partes componentes e estrutura, por que no o outro? Qualquer sistema de smbolos

    uma inveno do homem. Os sistemas de smbolos que chamamos de linguagem so

    invenes ou refinamentos do que foram, em outros tempos, percepes do objeto

    dentro de uma mentalidade despojada de imagens. Da a existncia de tantos sistemas

    de smbolos e tantas lnguas, algumas ligadas entre si por derivao de uma mesma

    raiz, e outras desprovidas de quaisquer relaes desse tipo. Os nmeros, por exemplo,

    so substitutos de um sistema nico de recuperao de informaes, o mesmo

    acontecendo com as notas musicais. Nos dois casos, a facilidade de aprender a

    informao codificada baseia-se na sntese original do sistema. Os significados so

    atribudos, e se dota cada sistema de regras sintticas bsicas. Existem mais de trs mil

    lnguas em uso corrente no mundo, todas elas independentes e nicas. Em termos

    comparativos, a linguagem visual to mais universal que sua complexidade no deve

    ser considerada impossvel de superar. As linguagens so conjuntos lgicos, mas

    nenhuma simplicidade desse tipo pode ser atribuda inteligncia visual, e todos

    aqueles, dentre ns, que tm tentado estabelecer uma analogia com a linguagem esto

    empenhados num exerccio intil.

    Existe, porm, uma enorme importncia no uso da palavra "alfabetismo" em

    conjuno com a palavra "visual". A viso natural; criar e compreender mensagens

    visuais natural at certo ponto, mas a eficcia, em ambos os nveis, s pode ser

    alcanada atravs do estudo. Na busca do alfabetismo visual, um problema deve ser

    claramente identificado e evitado. No alfabetismo verbal se espera, das pessoas

    educadas, que sejam capazes de ler e escrever muito antes que palavras como "criativo"

    possam ser aplicadas como juzo de valor. A escrita no precisa ser necessariamente

    brilhante; suficiente que se produza uma prosa clara e compreensvel, de grafia

    correta e sintaxe bem articulada. O alfabetismo verbal pode ser alcanado num nvel

    muito simples de realizao e compreenso de mensagens escritas. Podemos

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    caracteriz-la como um instrumento. Saber ler e escrever, pela prpria natureza de sua

    funo, no implica a necessidade de expressar-se em linguagem mais elevada, ou seja,

    a produo de romances e poemas. Aceitamos a idia de que o alfabetismo verbal

    operativo em muitos nveis, desde as mensagens mais simples at as formas artsticas

    cada vez mais complexas.

    Em parte devido separao, na esfera do visual, entre arte e ofcio, e em parte

    devido s limitaes de talento para o desenho, grande parte da comunicao visual foi

    deixada ao sabor da intuio e do acaso. Como no se fez nenhuma tentativa de analis-

    la ou defini-la em termos da estrutura do modo visual, nenhum mtodo de aplicao

    pode ser obtido. Na verdade, essa uma esfera em que o sistema educacional se move

    com lentido monoltica, persistindo ainda uma nfase no modo verbal, que exclui o

    restante da sensibilidade humana, e pouco ou nada se preocupando com o carter

    esmagadoramente visual da experincia de aprendizagem da criana. At mesmo a

    utilizao de uma abordagem visual do ensino carece de rigor e objetivos bem

    definidos. Em muitos casos, os alunos so bombardeados com recursos visuais

    diapositivos, filmes, slides, projees audiovisuais , mas trata-se de apresentaes

    que reforam sua experincia passiva de consumidores de televiso. Os recursos de

    comunicao que vm sendo produzidos e usados com fins pedaggicos so

    apresentados com critrios muito deficientes para a avaliao e a compreenso dos

    efeitos que produzem. O consumidor da maior parte da produo dos meios de

    comunicao educacionais no seria capaz de identificar (para recorrermos a uma

    analogia com o alfabetismo verbal) um erro de grafia, uma frase incorretamente

    estruturada ou um tema mal formulado. O mesmo se pode quase sempre afirmar no que

    diz respeito experincia dos meios "manipulveis". As nicas instrues para o uso de

    cmeras, na elaborao de mensagens inteligentes, procedem das tradies literrias, e

    no da estrutura e da integridade do modo visual em si. Uma das tragdias do

    avassalador potencial do alfabetismo visual em todos os nveis da educao a funo

    irracional, de depositrio da recreao, que as artes visuais desempenham nos

    currculos escolares, e a situao parecida que se verifica no uso dos meios de

    comunicao, cmeras, cinema, televiso. Por que herdamos, nas artes visuais, uma de-

    voo tcita ao no-intelectualismo? O exame dos sistemas de educao revela que o

    desenvolvimento de mtodos construtivos de aprendizagem visual so ignorados, a no

    ser no caso de alunos especialmente interessados e talentosos. Os juzos relativos ao

  • 15

    que factvel, adequado e eficaz na comunicao visual foram deixados ao sabor das

    fantasias e de amorfas definies de gosto, quando no da avaliao subjetiva e auto-

    reflexiva do emissor ou do receptor, sem que se tente ao menos compreender alguns

    dos nveis recomendados que esperamos encontrar naquilo que chamamos de

    alfabetismo no modo verbal. Isso talvez no se deva tanto a um preconceito como

    firme convico de que impossvel chegar a qualquer metodologia e a quaisquer

    meios que nos permitam alcanar o alfabetismo visual. Contudo, a exigncia de estudo

    dos meios de comunicao j ultrapassou a capacidade de nossas escolas e faculdades.

    Diante do desafio do alfabetismo visual, no poderemos continuar mantendo por muito

    mais tempo uma postura de ignorncia do assunto.

    Como foi que chegamos a esse beco sem sada? Dentre todos os meios de

    comunicao humana, o visual o nico que no dispe de um conjunto de normas e

    preceitos, de metodologia e de nem um nico sistema com critrios definidos, tanto

    para a expresso quanto para o entendimento dos mtodos visuais. Por que, exatamente

    quando o desejamos e dele tanto precisamos, o alfabetismo visual se torna to esquivo?

    No resta dvida de que se torna imperativa uma nova abordagem que possa solucionar

    esse dilema.

    Uma abordagem do alfabetismo visual

    Temos um grande conhecimento dos sentidos humanos, especialmente da viso.

    No sabemos tudo, mas conhecemos bastante. Tambm dispomos de muitos sistemas

    de trabalho para o estudo e a anlise dos componentes das mensagens visuais.

    Infelizmente, tudo isso ainda no se integrou em uma forma vivel. A classificao e a

    anlise podem ser de fato reveladoras do que sempre ali esteve, as origens de uma

    abordagem vivel do alfabetismo visual universal.

    ' Devemos buscar o alfabetismo visual em muitos lugares e de muitas maneiras, nos

    mtodos de treinamento de artistas, na formao tcnica de artesos, na teoria

    psicolgica, na natureza e no funcionamento fisiolgico do prprio organismo humano.

    A sintaxe visual existe. H linhas gerais para a criao de composies. H

    elementos bsicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos

    dos meios de comunicao visual, sejam eles artistas ou no, e que podem ser usados,

  • 16

    em conjunto com tcnicas manipulativas, para a criao de mensagens visuais claras. O

    conhecimento de todos esses fatores pode levar a uma melhor compreenso das mensa-

    gens visuais.

    Apreendemos a informao visual de muitas maneiras. A percepo e as foras

    cinestsicas, de natureza psicolgica, so de importncia fundamental para o processo

    visual. O modo como nos mantemos em p, nos movimentamos, mantemos o equilbrio

    e nos protegemos, reagimos luz ou ao escuro, ou ainda a um movimento sbito, so

    fatores que tm uma relao importante com nossa maneira de receber e interpretar as

    mensagens visuais. Todas essas reaes so naturais e atuam sem esforo; no

    precisamos estud-las nem aprender como efetu-las. Mas elas so influenciadas, e

    possivelmente modificadas, por estados psicolgicos e condicionamentos culturais, e,

    por ltimo, pelas expectativas ambientais. O modo como encaramos o mundo quase

    sempre afeta aquilo que vemos. O processo , afinal, muito individual para cada um de

    ns. O controle da psique freqentemente programado pelos costumes sociais. Assim

    como alguns grupos culturais comem coisas que deixariam outros enojados, temos

    preferncias visuais arraigadas. O indivduo que cresce no moderno mundo ocidental

    condiciona-se s tcnicas de perspectiva que apresentam um mundo sinttico e

    tridimensional atravs da pintura e da fotografia, meios que, na verdade, so planos e

    bidimensionais. Um aborgine precisa aprender a decodificar a representao sinttica

    da dimenso que, numa fotografia, se d atravs da perspectiva. Tem de aprender a

    conveno; incapaz de v-la naturalmente. O ambiente tambm exerce um profundo

    controle sobre nossa maneira de ver. O habitante das montanhas, por exemplo, tem de

    dar uma nova orientao a seu modo de ver quando se encontra numa grande plancie.

    Em nenhum outro exemplo isso se torna mais evidente do que na arte dos esquims.

    Tendo uma experincia to intensa do branco indiferenciado da neve e do cu luminoso

    em seu meio ambiente, que resulta num obscurecimento do horizonte enquanto

    referncia, a arte dos esquims toma liberdades com os elementos verticais ascendentes

    e descendentes.

    Apesar dessas modificaes, h um sistema visual, perceptivo e bsico, que

    comum a todos os seres humanos; o sistema, porm, est sujeito a variaes nos temas

    estruturais bsicos. A sintaxe visual existe, e sua caracterstica dominante a

    complexidade. A complexidade, porm, no se ope definio.

  • 17

    Uma coisa certa. O alfabetismo visual jamais poder ser um sistema to lgico e

    preciso quanto a linguagem. As linguagens so sistemas inventados pelo homem para

    codificar, armazenar e decodificar informaes. Sua estrutura, portanto, tem uma lgica

    que o alfabetismo visual incapaz de alcanar.

    Algumas caractersticas das mensagens visuais

    A tendncia a associar a estrutura verbal e a visual perfeitamente compreensvel.

    Uma das razes natural. Os dados visuais tm trs nveis distintos e individuais: o

    input visual, que consiste de mirades de sistemas de smbolos; o material visual

    representacional, que identificamos no meio ambiente e podemos reproduzir atravs do

    desenho, da pintura, da escultura e do cinema; e a estrutura abstrata, a forma de tudo

    aquilo que vemos, seja natural ou resultado de uma composio para efeitos

    intencionais.

    Existe um vasto universo de smbolos que identificam aes ou organizaes,

    estados de esprito, direes smbolos que vo desde os mais prdigos em detalhes

    representacionais at os completamente abstratos, e to desvinculados da informao

    identificvel que preciso aprend-los da maneira como se aprende uma lngua. Ao

    longo de seu desenvolvimento, o homem deu os passos lentos e penosos que lhe

    permitem colocar numa forma preservvel os acontecimentos e os gestos familiares de

    sua experincia, e a partir desse processo desenvolveu- se a linguagem escrita. No

    incio, as palavras so representadas por imagens, e quando isso no possvel inventa-

    se um smbolo. Finalmente, numa linguagem escrita altamente desenvolvida, as

    imagens so abandonadas e os sons passam a ser representados por smbolos. Ao

    contrrio das imagens, a reproduo dos smbolos exige muito pouco em termos de

    uma habilidade especial. O alfabetismo infinitamente mais acessvel maioria que

    disponha de uma linguagem de smbolos sonoros, por ser muito mais simples. A lngua

    inglesa utiliza apenas vinte e seis smbolos em seu alfabeto. Contudo, as lnguas que

    nunca foram alm da fase pictogrfica, como o chins, onde os smbolos da palavra-

    imagem, ou ideogramas, contam-se aos milhares, apresentam grandes problemas para a

    alfabetizao em massa. Em chins, a escrita e o desenho de imagens so designados

  • 18

    pela mesma palavra, caligrafia. Isso implica a exigncia de algumas habilidades visuais

    especficas para se escrever em chins. Os ideogramas, porm, no so imagens.

    Em The Intelligent Eye, R. L. Gregory refere-se a eles como "cartoons of

    cartoons".

    Porm, mesmo quando existem como componente principal do modo visual, os

    smbolos atuam diferentemente da linguagem, e, de fato, por mais compreensvel e

    tentadora que possa ser, a tentativa de encontrar critrios para o alfabetismo visual na

    estrutura da linguagem simplesmente no funcionar. Mas os smbolos, enquanto fora

    no mbito do alfabetismo visual, so de importncia e viabilidade enormes.

    A mesma utilidade para compor materiais e mensagens visuais encontra-se nos

    outros dois nveis da inteligncia visual. Saber como funcionam no processo da viso, e

    de que modo so entendidos, pode contribuir enormemente para a compreenso de

    como podem ser aplicados comunicao.

    O nvel representacional da inteligncia visual fortemente governado pela

    experincia direta que ultrapassa a percepo. Aprendemos sobre coisas das quais no

    podemos ter experincia direta atravs dos meios visuais, de demonstraes e de

    exemplos em forma de modelo. Ainda que uma descrio verbal possa ser uma

    explicao extremamente eficaz, o carter dos meios visuais muito diferente do da

    linguagem, sobretudo no que diz respeito a sua natureza direta. No se faz necessria a

    interveno de nenhum sistema de cdigos para facilitar a compreenso, e de nenhuma

    decodificao que retarde o entendimento. s vezes basta ver um processo para

    compreender como ele funciona. Em outras situaes, ver um objeto j nos proporciona

    um conhecimento suficiente para que possamos avali-lo e compreend-lo. Essa

    experincia da observao serve no apenas como um recurso que nos permite

    aprender, mas tambm atua como nossa mais estreita ligao com a realidade de nosso

    meio ambiente. Confiamos em nossos olhos, e deles dependemos.

    O ltimo nvel de inteligncia visual talvez o mais difcil de descrever, e pode vir

    a tornar-se o mais importante para o desenvolvimento do alfabetismo visual. Trata-se da

    subestrutura, da composio elementar abstrata, e, portanto, da mensagem visual pura.

    Anton Ehrenzweig desenvolveu uma teoria da arte com base num processo primrio de

    desenvolvimento e viso, ou seja, o nvel consciente, e, num nvel secundrio, o pr-

    consciente. Elabora essa classificao dos nveis estruturais do modo visual associando

    o termo de Piaget, "sincrtico", para a viso infantil do mundo atravs da arte, com o

  • 19

    conceito de no-diferenciao. Ehrenzweig descreve a criana como sendo capaz de ver

    todo o conjunto numa viso "global". Esse talento, acredita ele, nunca vem a ser

    destrudo no adulto, e pode ser utilizado como "um poderoso instrumento". Outra

    maneira de analisar esse sistema dplice de viso reconhecer que tudo o que vemos e

    criamos compe-se dos elementos visuais bsicos que representam a fora visual

    estrutural, de enorme importncia para o significado e poderosa no que diz respeito

    resposta. uma parte inextricvel de tudo aquilo que vemos, seja qual for sua natureza,

    realista ou abstrata. energia visual pura, despojada.

    Vrias disciplinas tm abordado a questo da procedncia do significado nas artes

    visuais. Artistas, historiadores da arte, filsofos e especialistas de vrios campos das

    cincias humanas e sociais j vm h muito tempo explorando como e o que as artes

    visuais "comunicam". Creio que alguns dos trabalhos mais significativos nesse campo

    foram realizados pelos psiclogos da Gestalt, cujo principal interesse tm sido os

    princpios da organizao perceptiva, o processo da configurao de um todo a partir

    das partes. O ponto de vista subjacente da Gestalt, conforme definio de Ehrenfels,

    afirma que "se cada um de doze observadores ouvisse um dos doze tons de uma

    melodia, a soma de suas experincias no corresponderia ao que seria percebido por

    algum que ouvisse a melodia toda". Rudolf Arnheim o autor de uma obra brilhante

    na qual aplicou grande parte da teoria da Gestalt desenvolvida por Wertheimer, Kohler

    e Koffka interpretao das artes visuais. Arnheim explora no apenas o funcionamento

    da percepo, mas tambm a qualidade das unidades visuais individuais e as estratgias

    de sua unificao em um todo final e completo. Em todos os estmulos visuais e em

    todos os nveis da inteligncia visual, o significado pode encontrar-se no apenas nos

    dados representacionais, na informao ambiental e nos smbolos, inclusive a

    linguagem, mas tambm nas foras compositivas que existem ou coexistem com a

    expresso factual e visual. Qualquer acontecimento visual uma forma com contedo,

    mas o contedo extremamente influenciado pela importncia das partes constitutivas,

    como a cor, o tom, a textura, a dimenso, a proporo e suas relaes compositivas com

    o significado. Em Symbols and Civilization, Ralph Ross s fala de "arte" quando

    observa que esta "produz uma experincia do tipo que chamamos de esttica, uma

    experincia pela qual quase todos passamos quando nos encontramos diante do belo e

    que resulta numa profunda satisfao. O que h sculos vem deixando os filsofos

    intrigados exatamente por que sentimos essa satisfao, mas parece claro que ela

  • 20

    depende, de alguma forma, das qualidades e da organizao de uma obra de arte com

    seus significados includos, e no apenas dos significados considerados isoladamente".

    Palavras como significado, experincia, esttica e beleza colocam-se todas em

    contigidade no mesmo ponto de interesse, isto , aquilo que extramos da experincia

    visual, e como o fazemos. Isso abrange toda a experincia visual, em qualquer nvel e de

    qualquer maneira em que ela se d.

    Para comear a responder a essas perguntas preciso examinar os componentes

    individuais do processo visual em sua forma mais simples. A caixa de ferramentas de

    todas as comunicaes visuais so os elementos bsicos, a fonte compositiva de todo

    tipo de materiais e mensagens visuais, alm de objetos e experincias: o ponto, a

    unidade visual mnima, o indicador e marcador de espao; a linha, o articulador fluido e

    incansvel da forma, seja na soltura vacilante do esboo seja na rigidez de um projeto

    tcnico; a forma, as formas bsicas, o crculo, o quadrado, o tringulo e todas as suas

    infinitas variaes, combinaes, permutaes de planos e dimenses; a direo, o

    impulso de movimento que incorpora e reflete o carter das formas bsicas, circulares,

    diagonais, perpendiculares; o tom, a presena ou a ausncia de luz, atravs da qual

    enxergamos; a cor, a contraparte do tom com o acrscimo do componente cromtico, o

    elemento visual mais expressivo e emocional; a textura, ptica ou ttil, o carter de

    superfcie dos materiais visuais; a escala ou proporo, a medida e o tamanho relati-

    vos; a dimenso e o movimento, ambos implcitos e expressos com a mesma freqncia.

    So esses os elementos visuais; a partir deles obtemos matria-prima para todos os

    nveis de inteligncia visual, e a partir deles que se planejam e expressam todas as

    variedades de manifestaes visuais, objetos, ambientes e experincias.

    Os elementos visuais so manipulados com nfase cambivel pelas tcnicas de

    comunicao visual, numa resposta direta ao carter do que est sendo concebido e ao

    objetivo da mensagem. A mais dinmi- ca das tcnicas visuais o contraste, que se

    manifesta numa relao de polaridade com a tcnica oposta, a harmonia. No se deve

    pensar que o uso de tcnicas s seja operativo nos extremos; seu uso deve expandir-se,

    num ritmo sutil, por um continuum compreendido entre uma polaridade e outra, como

    todos os graus de cinza existentes entre o branco e o negro. So muitas as tcnicas que

    podem ser aplicadas na busca de solues visuais. Aqui esto algumas das mais usadas

    e de mais fcil identificao, dispostas de modo a demonstrar suas fontes antagnicas:

  • 21

    Contraste Harmonia

    Instabilidade Equilbrio

    Assimetria Simetria

    Irregularidade Regularidade

    Complexidade Simplicidade

    Fragmentao Unidade

    Profuso Economia

    Exagero Minimizao

    Espontaneidade Previsibilidade

    Atividade Estase

    Ousadia Sutileza

    nfase Neutralidade

    Transparncia Opacidade

    Variao Estabilidade

    Distoro Exatido

    Profundidade Planura

    Justaposio Singularidade

    Acaso Seqencialidade

    Agudeza Difuso

    Episodicidade Repetio

    As tcnicas so os agentes no processo de comunicao visual; atravs de sua

    energia que o carter de uma soluo visual adquire forma. As opes so vastas, e so

    muitos os formatos e os meios; os trs nveis da estrutura visual interagem. Por mais

    avassalador que seja o nmero de opes abertas a quem pretenda solucionar um

    problema visual, so as tcnicas que apresentaro sempre uma maior eficcia enquanto

    elementos de conexo entre a inteno e o resultado. Inversamente, o conhecimento da

    natureza das tcnicas criar um pblico mais perspicaz para qualquer manifestao

    visual.

    Em nossa busca de alfabetismo visual, devemos nos preocupar com cada uma das

    reas de anlise e definio acima mencionadas; as foras estruturais que existem

    funcionalmente na relao interativa entre os estmulos visuais e o organismo humano,

    tanto ao nvel fsico quanto ao nvel psicolgico; o carter dos elementos visuais; e o

    poder de configurao das tcnicas. Alm disso, as solues visuais devem ser regidas

    pela postura e pelo significado pretendidos, atravs do estilo pessoal e cultural.

    Devemos, finalmente, considerar o meio em si, cujo carter e cujas limitaes iro reger

    os mtodos de soluo. A cada passo de nossos estudos sero sugeridos exerccios para

    ampliar o entendimento da natureza da expresso visual.

    Em todos os seus inmeros aspectos, o processo complexo. No obstante, no h

    por que transformar a complexidade num obstculo compreenso do modo visual.

    Certamente mais fcil dispor de um conjunto de definies e limites comuns para a

  • 22

    construo ou a composio, mas a simplicidade tem aspectos negativos. Quanto mais

    simples a frmula, mais restrito ser o potencial de variao e expresso criativas.

    Longe de ser negativa, a funcionalidade da inteligncia visual em trs nveis realista,

    abstrato e simblico tem a nos oferecer uma interao harmoniosa, por mais

    sincrtica que possa ser.

    Quando vemos, fazemos muitas coisas ao mesmo tempo. Vemos, perifericamente,

    um vasto campo. Vemos atravs de um movimento de cima para baixo e da esquerda

    para a direita. Com relao ao que isolamos em nosso campo visual, impomos no

    apenas eixos implcitos que ajustem o equilbrio, mas tambm um mapa estrutural que

    registre e mea a ao das foras compositivas, to vitais para o contedo e,

    conseqentemente, para o input e o output da mensagem. Tudo isso acontece ao mesmo

    tempo em que decodificamos todas as categorias de smbolos.

    Trata-se de um processo multidimensional, cuja caracterstica mais extraordinria

    a simultaneidade. Cada funo est ligada ao processo e circunstncia, pois a viso

    no s nos oferece opes metodolgicas para o resgate de informaes, mas tambm

    opes que coexistem e so disponveis e interativas no mesmo momento. Os

    resultados so extraordinrios, no importando quo condicionados estejamos a tom-

    los como verdadeiros. velocidade da luz, a inteligncia visual transmite uma

    multiplicidade de unidades bsicas de informao, ou bits atuando simultaneamente

    como um dinmico canal de comunicao e um recurso pedaggico ao qual ainda no

    se deu o devido reconhecimento. Ser esse o motivo pelo qual aquele que visualmente

    ativo parece aprender melhor? Gattegno formulou magistralmente essa questo, em

    Towards a Visual Culture: "H milnios o homem vem funcionando como uma criatura

    que v e, assim, abarcando vastides. S recentemente, porm, atravs da televiso (e

    dos meios modernos, o cinema e a fotografia), ele foi capaz de passar da rudeza da fala

    (por mais milagrosa e abrangente que esta seja) enquanto meio de expresso, e portanto

    de comunicao, para os poderes infinitos da expresso visual, capacitando-se assim a

    compartilhar, com todos os seus semelhantes e com enorme rapidez, imensos conjuntos

    dinmicos."

    No existe nenhuma maneira fcil de desenvolver o alfabetismo visual, mas este

    to vital para o ensino dos modernos meios de comunicao quanto a escrita e a leitura

    foram para o texto impresso. Na verdade, ele pode tornar-se o componente crucial de

    todos os canais de comunicao do presente e do futuro. Enquanto a informao foi

  • 23

    basicamente armazenada e distribuda atravs da linguagem, e o artista foi visto pela

    sociedade como um ser solitrio em sua capacidade exclusiva de comunicar-se

    visualmente, o alfabetismo verbal universal foi considerado essencial, mas a

    inteligncia visual foi amplamente ignorada. A inveno da cmara provocou o

    surgimento espetacular de uma nova maneira de ver a comunicao e, por extenso, a

    educao. A cmara, o cinema, a televiso e a videocassete, alm dos meios visuais que

    ainda no esto em uso, modificaro no apenas nossa definio de educao, mas da

    prpria inteligncia. Em primeiro lugar, impe-se uma reviso de nossas capacidades

    visuais bsicas. A seguir vem a necessidade urgente de se buscar e desenvolver um

    sistema estrutural e uma metodologia para o ensino e o aprendizado de como interpretar

    visualmente as idias. Um campo que foi outrora considerado domnio exclusivo do

    artista e do designer hoje tem de ser visto como objeto da preocupao tanto dos que

    atuam em quaisquer dos meios visuais de comunicao quanto de seu pblico.

    Se a arte , como Bergson a define, uma "viso direta da realidade", ento no resta

    dvida de que os modernos meios de comunicao devem ser muito seriamente vistos

    como meios naturais de expresso artstica, uma vez que apresentam e reproduzem a

    vida quase como um espelho. "Oh, que algum poder nos desse o dom", implora Robert

    Burns, "de vermos a ns prprios como os outros nos vem!" E os meios de

    comunicao respondem com seus vastos poderes. No s colocaram sua magia

    disposio do pblico, como tambm a depuseram firmemente nas mos de quem quer

    que deseje utiliz-los para expressar suas idias. Numa infinita evoluo de seus

    recursos tcnicos, a fotografia e o cinema passam por um constante processo de

    simplificao para que possam servir a muitos objetivos. Mas a habilidade tcnica no

    manuseio do equipamento no suficiente. A natureza dos meios de comunicao

    enfatiza a necessidade de compreenso de seus componentes visuais. A capacidade

    intelectual decorrente de um treinamento para criar e compreender as mensagens

    visuais est se tornando uma necessidade vital para quem pretenda engajar-se nas

    atividades ligadas comunicao. bastante provvel que o alfabetismo visual venha a

    tornar-se, no ltimo tero de nosso sculo, um dos paradigmas fundamentais da

    educao.

    A arte e o significado da arte mudaram profundamente na era tecnolgica, mas a

    esttica da arte no deu resposta s modificaes. Aconteceu o contrrio: enquanto o

    carter das artes visuais e sua relao com a sociedade modificaram-se dramaticamente,

  • 24

    a esttica da arte tornou-se ainda mais estacionria. O resultado a idia difusa de que

    as artes visuais constituem o domnio exclusivo da intuio subjetiva, um juzo to

    superficial quanto o seria a nfase excessiva no significado literal. Na verdade, a

    expresso visual o produto de uma inteligncia extremamente complexa, da qual

    temos, infelizmente, um conhecimento muito reduzido. O que vemos uma parte

    fundamental do que sabemos, e o alfabetismo visual pode nos ajudar a ver o que vemos

    e a saber o que sabemos.

    Exerccios

    1. Escolha, entre seus pertences ou entre as fotos de uma revista, um exemplo de

    objeto que tenha valor tanto em termos de belas-artes quanto de artes aplicadas. Faa

    uma lista, avaliando sua funcionalidade, sua beleza esttica, seu valor comunicativo (o

    que ele faz para expandir o conhecimento do leitor sobre si mesmo, seu meio ambiente,

    o mundo, o passado e o presente) e seu valor decorativo ou de entretenimento.

    2. Recorte uma foto de uma revista ou jornal e faa uma relao de respostas curtas

    ou de uma s palavra que voc lhe aplicaria em termos da mensagem literal da foto e de

    seu significado compositivo subjacente, e inclua a reao a quaisquer smbolos

    (lingsticos ou de outro gnero) que nela estejam inclusos. Depois de analisar a foto,

    escreva um pargrafo que descreva completamente o efeito da foto e o que poderia ser

    usado em substituio mesma.

    3. Escolha um instantneo que voc tenha feito, ou qualquer outra coisa que tenha

    desenhado ou criado (um desenho, um bordado, um jardim, um arranjo de sala, roupas),

    e analise qual foi o efeito ou a mensagem que teve em mente ao cri-lo. Compare as

    intenes com os resultados.

  • 25

    2. COMPOSIO: FUNDAMENTOS SINTTICOS DO

    ALFABETISMO VISUAL

    O processo de composio o passo mais crucial na soluo dos problemas visuais.

    Os resultados das decises compositivas determinam o objetivo e o significado da

    manifestao visual e tm fortes implicaes com relao ao que recebido pelo

    espectador. nessa etapa vital do processo criativo que o comunicador visual exerce o

    mais forte controle sobre seu trabalho e tem a maior oportunidade de expressar, em sua

    plenitude, o estado de esprito que a obra se destina a transmitir. O modo visual, porm,

    no oferece sistemas estruturais definitivos e absolutos. Como adquirir o controle de

    nossos complexos meios visuais com alguma certeza de que, no resultado final, haver

    um significado compartilhado? Em termos lingsticos, sintaxe significa disposio

    ordenada das palavras segundo uma forma e uma ordenao adequadas. As regras so

    definidas: tudo o que se tem de fazer aprend-las e us-las inteligentemente. Mas, no

    contexto do alfabetismo visual, a sintaxe s pode significar a disposio ordenada de

    partes, deixando-nos com o problema de como abordar o processo de composio com

    inteligncia e conhecimento de como as decises compositivas iro afetar o resultado

    final. No h regras absolutas: o que existe um alto grau de compreenso do que vai

    acontecer em termos de significado, se fizermos determinadas ordenaes das partes

    que nos permitam organizar e orquestrar os meios visuais. Muitos dos critrios para o

    entendimento do significado na forma visual, o potencial sinttico da estrutura no

    alfabetismo visual, decorrem da investigao do processo da percepo humana.

    Percepo e comunicao visual

    Na criao de mensagens visuais, o significado no se encontra apenas nos efeitos

    cumulativos da disposio dos elementos bsicos, mas tambm no mecanismo

    perceptivo universalmente compartilhado pelo organismo humano. Colocando em

    termos mais simples: criamos um design a partir de inmeras cores e formas, texturas,

  • 26

    tons e propores relativas; relacionamos interativamente esses elementos; temos em

    vista um significado. O resultado a composio, a inteno do artista, do fotgrafo ou

    do designer. seu input. Ver outro passo distinto da comunicao visual. o

    processo de absorver informao no interior do sistema nervoso atravs dos olhos, do

    sentido da viso. Esse processo e essa capacidade so compartilhados por todas as pes-

    soas, em maior ou menor grau, tendo sua importncia medida em termos do significado

    compartilhado. Os dois passos distintos, ver e criar e/ou fazer so interdependentes,

    tanto para o significado em sentido geral quanto para a mensagem, no caso de se tentar

    responder a uma comunicao especfica. Entre o significado geral, estado de esprito

    ou ambiente da informao visual e a mensagem especfica e definida existe ainda um

    outro campo de significado visual, a funcionalidade, no caso dos objetos que so

    criados, confeccionados e manufaturados para servir a um propsito. Conquanto possa

    parecer que a mensagem de tais obras secundria em termos de sua viabilidade, os

    fatos provam o contrrio. Roupas, casas, edifcios pblicos e at mesmo os entalhes e os

    objetos decorativos feitos por artesos amadores nos revelam muitssimo sobre as

    pessoas que os criaram e escolheram. E nossa compreenso de uma cultura depende de

    nosso estudo do mundo que seus membros construram e das ferramentas, dos artefatos

    e das obras de arte que criaram.

    Basicamente, o ato de ver envolve uma resposta luz. Em outras palavras, o

    elemento mais importante e necessrio da experincia visual de natureza tonal. Todos

    os outros elementos visuais nos so revelados atravs da luz, mas so secundrios em

    relao ao elemento tonal, que , de fato, a luz ou a ausncia dela. O que a luz nos

    revela e oferece a substncia atravs da qual o homem configura e imagina aquilo que

    reconhece e identifica no meio ambiente, isto , todos os outros elementos visuais:

    linha, cor, forma, direco, textura, escala, dimenso, movimento. Que elementos

    dominam quais manifestaes visuais algo determinado pela natureza daquilo que est

    sendo concebido, ou, no caso da natureza, daquilo que existe. Mas quando definimos a

    pintura basicamente como tonal, como tendo referncia de forma e, conseqentemente,

    direco, como tendo textura e matiz, possivelmente referncia de escala, e nenhuma

    dimenso ou movimento, a no ser indiretamente, no estamos nem comeando a

    definir o potencial visual da pintura. As possveis variaes de uma manifestao visual

    que se ajuste perfeitamente a essa descrio so literalmente infinitas. Essas variaes

    dependem da expresso subjetiva do artista, atravs da nfase em determinados

  • 27

    elementos em detrimento de outros, e da manipulao desses elementos atravs da

    opo estratgica das tcnicas. nessas opes que o artista encontra seu significado.

    O resultado final a verdadeira manifestao do artista. O significado, porm,

    depende da resposta do espectador, que tambm a modifica e interpreta atravs da rede

    de seus critrios subjetivos. Um s fator moeda corrente entre o artista e o pblico, e,

    na verdade, entre todas as pessoas o sistema fsico das percepes visuais, os

    componentes psicofisiolgicos do sistema nervoso, o funcionamento mecnico, o

    aparato sensorial atravs do qual vemos.

    A psicologia da Gestalt tem contribudo com valiosos estudos e experimentos no

    campo da percepo, recolhendo dados, buscando conhecer a importncia dos padres

    visuais e descobrindo como o organismo humano v e organiza o input visual e articula

    o output visual. Em conjunto, o componente fsico e o psicolgico so relativos, nunca

    absolutos. Todo padro visual tem uma qualidade dinmica que no pode ser definida

    intelectual, emocional ou mecanicamente, atravs de tamanho, direco, forma ou

    distncia. Esses estmulos so apenas as medies estticas, mas as foras psicofsicas

    que desencadeiam, como as de quaisquer outros estmulos, modificam o espao e

    ordenam ou perturbam o equilbrio. Em conjunto, criam a percepo de um design, de

    um ambiente ou de uma coisa. As coisas visuais no so simplesmente algo que est ali

    por acaso. So acontecimentos visuais, ocorrncias totais, aes que incorporam a

    reao ao todo.

    Por mais abstratos que possam ser os elementos psicofisiolgicos da sintaxe visual,

    pode-se definir seu carter geral. Na expresso abstrata, o significado inerente

    intenso; ele coloca o intelecto em curto- circuito, estabelecendo o contato diretamente

    com as emoes e os sentimentos, encapsulando o significado essencial e atravessando

    o consciente para chegar ao inconsciente.

    A informao visual tambm pode ter uma forma definvel, seja atravs de

    significados incorporados, em forma de smbolos, ou de experincias compartilhadas

    no ambiente e na vida. Acima, abaixo, cu azul, rvores verticais, areia spera e fogo

    vermelho-alaranjado-amarelo so apenas algumas das qualidades denotativas, possveis

    de serem indicadas, que todos compartilhamos visualmente. Assim, conscientemente ou

    no, respondemos com alguma conformidade a seu significado.

  • 28

    Equilbrio

    A mais importante influncia tanto psicolgica como fsica sobre a percepo

    humana a necessidade que o homem tem de equilbrio, de ter os ps firmemente

    plantados no solo e saber que vai permanecer erecto em qualquer circunstncia, em

    qualquer atitude, com um certo grau de certeza. O equilbrio , ento, a referncia

    visual mais forte e firme do homem, sua base consciente e inconsciente para fazer ava-

    liaes visuais. O extraordinrio que, enquanto todos os padres visuais tm um

    centro de gravidade que pode ser tecnicamente calculvel, nenhum mtodo de calcular

    to rpido, exato e automtico quanto o senso intuitivo de equilbrio inerente s

    percepes do homem.

    Assim, o constructo horizontal-vertical constitui a relao bsica do

    homem com seu meio ambiente. Mas alm do equilbrio simples e esttico ilustrado na

    figura 2.1 existe o processo de ajustamento a cada variao de peso, que se d atravs de

    uma reao de contrapeso (fig. 2.2 e 2.3). Essa conscincia interiorizada da firme

    verticalidade em relao a uma base estvel externamente expressa pela configurao

    visual da figura 2.4, por uma relao horizontal-vertical do que est sendo visto (fig.

    2.5) e por seu peso relativo em relao a um estado de equilbrio (fig. 2.6). O equilbrio

    to fundamental na natureza quanto no homem. o estado oposto ao colapso.

    possvel avaliar o efeito do desequilbrio observando-se o aspecto de alarme estampado

    rosto de uma vtima que, subitamente e sem aviso prvio, leva um empurro.

  • 29

    Na expresso ou interpretao visual, esse processo de estabilizao impe a

    todas as coisas vistas e planejadas um "eixo" vertical, com um referente horizontal

    secundrio, os quais determinam, em conjunto, os fatores estruturais que medem o

    equilbrio. Esse eixo visual tambm chamado de eixo sentido, que melhor expressa a

    presena invisvel mas preponderante do eixo no ato de ver. Trata-se de uma

    constante inconsciente.

    Tenso

    Muitas coisas no meio ambiente parecem no ter estabilidade. O crculo um

    bom exemplo. Parece o mesmo, seja como for que o olhemos

    (fig. 2.7), mas, no ato de ver, lhe conferimos estabilidade impondo-lhe o eixo

    vertical que analisa e determina seu equilbrio enquanto forma (fig. 2.8), e

    acrescentando em seguida (fig. 2.9) a base horizontal como referncia que completa a

    sensao de estabilidade. Projetar os fatores estruturais ocultos (ou manifestos) sobre

    formas regulares, como o crculo, o quadrado ou um tringulo equiltero,

    relativamente simples e fcil de compreender, mas, quando uma forma irregular, a

    anlise e a determinao do equilbrio so mais difceis e complexas (ver figura 2.10).

    Esse processo de estabilizao pode ser demonstrado com maior clareza atravs de uma

  • 30

    seqncia de modificaes ligeiras nos exemplos e dos efeitos da posio do eixo

    sentido ao estado varivel de equilbrio da figura 2.11.

    Esse processo de ordenao, de reconhecimento intuitivo da regularidade ou de sua

    ausncia, inconsciente e no requer explicao ou verbalizao. Tanto para o emissor

    quanto para o receptor da informao visual, a falta de equilbrio e regularidade um

    fator de desorientao. Em outras palavras, o meio visual mais eficaz para criar um

    efeito em resposta ao objetivo da mensagem, efeito que tem um potencial direto e

    econmico de transmitir a informao visual. As opes visuais so polaridades, tanto

    de regularidade quanto de simplicidade (fig. 2.12) de um lado, ou de variao complexa

    e inesperada (fig. 2.13) de outro. A escolha entre essas opes determina a resposta

    relativa do espectador, tanto em termos de repouso e relaxamento quanto de tenso.

  • 31

    A relao entre tenso relativa e equilbrio relativo pode ser demonstrada em

    qualquer forma regular. Por exemplo, um raio em ponta no interior de um crculo (fig.

    2.14) provoca uma maior tenso visual porque o raio no se ajusta ao "eixo visual"

    invisvel, perturbando, portanto, o equilbrio. O elemento visvel, o raio, modificado

    pelo elemento invisvel, o eixo sentido (fig. 2.15), e tambm por sua relao com a base

    horizontal e estabilizadora (fig. 2.16). Em termos de design, de plano ou

    propsito, podemos dizer que, se tivermos dois crculos lado a lado, o que mais

    atrair a ateno do espectador ser o crculo com raio em ponta, ou no-concordante

    (fig. 2.18 mais que a 2.17).

  • 32

    No h por que atribuir juzo de valor a esse fenmeno. Ele no nem bom nem

    mau. Na teoria da percepo, seu valor est no modo como usado na comunicao

    visual, isto , de que maneira refora o significado, o propsito e a inteno, e, alm

    disso, como pode ser usado como base para a interpretao e a compreenso. A tenso,

    ou sua ausncia, o primeiro fator compositivo que pode ser usado sintaticamente na

    busca do alfabetismo visual.

    H muitos aspectos da tenso que deveriam ser desenvolvidos, mas, primeiro,

    preciso levar em conta que a tenso (o inesperado, o mais irregular, complexo e

    instvel) no domina, por si s, o olho. Na sequncia da viso, h outros fatores

    responsveis pela ateno e pelo predomnio compositivo. O processo de estabelecer o

    eixo vertical e a base horizontal atrai o olho com muito maior intensidade para ambos os

    campos visuais, dando-lhes automaticamente uma maior importncia em termos

    compositivos. Como j foi demonstrado, fcil localizar esses campos quando se trata

    de formas regulares, a exemplo das que foram mostradas na figura 2.19. Em formas

    mais complexas, naturalmente mais difcil estabelecer o eixo sentido, mas o processo

    ainda conserva a mxima importncia compositiva. Assim, um elemento visual

    colocado no local onde se encontra o eixo sentido, nos exemplos da figura 2.20, v-se

    automaticamente enfatizado. Trata-se de exemplos simples de um fenmeno que

    continua sendo verdadeiro, no s nas formas complexas, mas tambm nas composies

    complicadas. Contudo, por mais que os elementos se faam sentir, o olho busca o eixo

    sentido em qualquer fato visual, num processo interminvel de estabelecimento do

    equilbrio relativo.

  • 33

    Num trptico, a informao visual contida no painel central predomina, em ter-

    mos compositivos, em relao aos painis laterais. A rea axial de qualquer campo

    sempre aquilo para o que olhamos em primeiro lugar; onde esperamos ver alguma

    coisa. O mesmo se aplica informao visual da metade inferior de qualquer campo; o

    olho se volta para esse lugar no passo secundrio de estabelecimento do equilbrio

    atravs da referncia horizontal.

    Nivelamento e aguamento

    O poder do previsvel, porm, empalidece diante do poder da surpresa. A

    estabilidade e a harmonia so polaridades daquilo que visualmente inesperado e

    daquilo que cria tenses na composio. Em psicologia, esses opostos so chamados de

    nivelamento e aguamento. Num campo visual retangular, uma demonstrao simples

    de nivelamento seria colocar um ponto no centro geomtrico de um traado estrutural

    (fig. 2.21).

  • 34

    A posio do ponto, como mostrado na figura 2.22, no oferece nenhuma

    surpresa visual; totalmente harmoniosa. A colocao do ponto no canto direito

    provoca um aguamento (fig. 2.23). O ponto est fora do centro no apenas na

    estrutura vertical, mas tambm na horizontal, como mostrado na figura 2.24. Ele

    nem mesmo se ajusta aos componentes diagonais do traado estrutural (fig. 2.25). Em

    ambos os casos, nivelamento e aguamento compositivos, h clareza de inteno.

    Atravs de nossa percepo automtica, podemos estabelecer o equilbrio ou uma

    ausncia marcante do mesmo, e tambm reconhecer facilmente as condies visuais

    abstratas. Mas h um terceiro estado da composio visual que no nem o nivelado

    nem o aguado, e no qual o olho precisa esforar-se por analisar os componentes no

    que diz respeito a seu equilbrio. A esse estado d-se o nome de ambigidade, e

    embora a conotao seja a mesma que a da linguagem, a forma pode ser visualmente

    descrita em termos ligeiramente diferentes. Na figura 2.26, o ponto no est cla-

    ramente no centro, nem est muito distanciado do mesmo, como se mostra na figura

    2.27. Em termos visuais, sua posio no clara, e poderia confundir o espectador

    que, inconscientemente, pretendesse estabilizar sua posio em termos de equilbrio

    relativo.

    Como a ambigidade verbal, a ambigidade visual obscurece no apenas a

    inteno compositiva, mas tambm o significado. O processo de equilbrio natural seria

    refreado, tornar-se-ia confuso e, o que mais importante, no resolvido pela fraseologia

    espacial sem significado da figura 2.26. A lei da Gestalt que rege a simplicidade

  • 35

    perceptiva v-se extremamente transgredida por esse estado to pouco claro em toda a

    composio visual. Em termos de uma perfeita sintaxe visual, a ambigidade

    totalmente indesejvel. De todos os nossos sentidos, a viso o que consome menos

    energia. Ela experimenta e identifica o equilbrio, bvio ou sutil, e as relaes que

    atuam entre diversos dados visuais. Seria contraproducente frustrar e confundir essa

    funo nica. Em termos ideais, as formas visuais no devem ser propositamente

    obscuras; devem harmonizar ou contrastar, atrair ou repelir, estabelecer relao ou

    entrar em conflito.

    Preferncia pelo ngulo inferior esquerdo

    Alm de ser influenciada pelas relaes elementares com o traado estrutural, a

    tenso visual maximizada de duas outras maneiras: o olho favorece a zona inferior

    esquerda de qualquer campo visual. Traduzido em forma de representao

    diagramtica, isso significa que existe um padro primrio de varredura do campo que

    reage aos referentes verticais-horizontais (fig. 2.28), e um padro secundrio de var-

    redura que reage ao impulso perceptivo inferior-esquerdo (fig. 2.29).

    H inmeras explicaes para essas preferncias perceptivas secundrias, e, ao

    contrrio do que acontece com as preferncias primrias, no fcil dar-lhes uma

    explicao conclusiva. O favorecimento departe esquerda do campo visual talvez seja

    influenciado pelo modo ocidental de imprimir, e pelo forte condicionamento decorrente

    do fato de aprendermos a ler da esquerda para a direita. H poucos estudos e ainda

  • 36

    muito a aprender sobre o porqu de sermos organismos predominantemente destros e

    de termos concentrado no hemisfrio cerebral esquerdo nossa faculdade de ler e

    escrever da esquerda para a direita. Curiosamente, a destreza estende-se s culturas que

    escreviam de cima para baixo, e que, no presente, escrevem da direita para a esquerda.

    Tambm favorecemos o campo esquerdo de viso. Se desconhecemos as razes que nos

    levam a faz-lo, j suficiente sabermos que o fato se comprova na prtica. Basta

    observarmos para que ngulo de um palco se voltam os olhos do pblico quando ainda

    no h ao e a cortina sobe.

    Alguns exemplos

    Por mais conjectural que possa ser, a existncia de diferenas de peso alto-baixo e

    esquerda-direita tem grande valor nas decises com- positivas. Isso pode nos

    proporcionar um requintado conhecimento de nossa compreenso da tenso, tal como se

    ilustra na figura 2.30, que mostra uma diviso linear de um rectngulo numa

    composio nivelada; a figura 2.31 representa um aguamento, mas nela a tenso

    minimizada, ao passo que a figura 2.32 mostra um mximo de tenso. Esses fatos

    podem ser certamente modificados para as pessoas canhotas, ou para aquelas que, em

    suas respectivas lnguas, no lem da esquerda para a direita.

    Quando o material visual se ajusta s nossas expectativas em termos do eixo

    sentido, da base estabilizadora horizontal, do predomnio da rea esquerda do campo

    sobre a direita e da metade inferior do campo visual sobre a superior, estamos diante de

    uma composio nivelada, que apresenta um mnimo de tenso. Quando predominam as

    condies opostas,, temos uma composio visual de tenso mxima. Em termos mais

    simples, os elementos visuais que se situam em reas de tenso tm mais peso (fig.

    2.33, 2.34, 2.35) do que os elementos nivelados. O peso, que nesse contexto significa

  • 37

    capacidade de atrair o olho, tem aqui uma enorme importncia em termos do equilbrio

    compositivo.

    Uma demonstrao prtica da teoria demonstrada na figura 2.36 revela que, numa

    natureza-morta, uma ma direita equilibra duas mas esquerda. O predomnio

    compositivo intensificado ao deslocarmos a ma da direita para uma posio mais

    alta que a das duas mas da esquerda, como se v na figura 2.37.

    H uma relao direta entre o peso e o predomnio visual das formas e sua

    regularidade relativa. A complexidade, a instabilidade e a irregularidade aumentam a

    tenso visual, e, em decorrncia disso, atraem o olho, como se mostra nas formas

  • 38

    regulares (fig. 2.38, 2.39, 2.40) e nas irregulares (fig. 2.41, 2.42, 2.43). Os dois grupos

    representam a opo entre duas categorias fundamentais em composio: a composio

    equilibrada, racional e harmoniosa, em contraposio exagerada, distorcida e

    emocional.

    Na teoria da percepo da Gestalt, a lei da pregnncia (Prgnanz) define a

    organizao psicolgica como sendo to "boa" (regular, simtrica, simples) quanto o

    permitam as condies vigentes. Nesse caso, o adjetivo "bom" no uma palavra

    desejvel, e nem mesmo um termo descritivo, levando-se em conta o significado

    pretendido; uma definio mais precisa seria emocionalmente menos provocativa, mais

    simples e menos complicada, qualidades essas que descrevem o estado a que se chegou

    visualmente atravs da simetria bilateral. Os designs de equilbrio axial no so apenas

    fceis de compreender; so tambm fceis de fazer, usando-se a formulao menos

    complicada do contrapeso. Se um ponto for firmemente colocado esquerda do eixo

    vertical ou eixo sentido, provoca-se um estado de desequilbrio, mostrado na figura

    2.44, que imediatamente anulado pelo acrscimo de outro ponto, como se v na figura

    2.45. Trata-se de uma perfeita demonstrao do contrapeso, o qual, ao ser usado numa

    composio visual, produz o efeito mais ordenado e organizado possvel. O templo

    grego clssico um tour de force em simetria, e, como seria de se esperar, uma forma

    visual de extrema serenidade.

  • 39

    extraordinrio encontrar, tanto na natureza quanto nas obras criadas pelo homem,

    um grande nmero de exemplos capazes de atingir um estado de equilbrio ideal. Poder-

    se-ia argumentar que, em termos compositivos, mais dinmico chegar a um equilbrio

    dos elementos de uma obra visual atravs da tcnica da assimetria. No to fcil

    assim. As variaes dos meios visuais envolvem factores compositivos de peso,

    tamanho e posio. As figuras 2.46 e 2.47 demonstram a distribuio axial do peso

    baseada no tamanho. Tambm possvel equilibrar pesos dessemelhantes mudando-se

    sua posio, como se mostra na figura 2.48.

    Atraco e agrupamento

    A fora de atraco nas relaes visuais constitui outro princpio da Gestalt de

    grande valor compositivo: a lei do agrupamento. Ela tem dois nveis de significao

    para a linguagem visual. uma condio visual que cria uma circunstncia de

    concesses mtuas nas relaes que envolvem interaco. Um ponto isolado em um

    campo relaciona-se com o todo, como se mostra na figura 2.49, mas ele permanece s, e

    a relao um estado moderado de intermodificao entre ele e o quadrado. Na figura

    2.50, os dois pontos disputam a ateno em sua interaco, criando manifestaes

    comparativamente individuais devido distncia que os separa, e, em decorrncia disso,

  • 40

    dando a impresso de se repelirem mutuamente. Na figura 2.51, h uma interaco

    imediata e mais intensa; os pontos se harmonizam e, portanto, se atraem. Quanto maior

    for sua proximidade, maior ser sua atraco.

    .

    No ato espontneo de ver, as unidades visuais individuais criam outras formas

    distintas. Quanto mais prximas as marcas, mais complicadas as formas que podem

    delinear. Em diagramas simples, como o 2.52 e o 2.53, o olho supre os elos de ligao

    ausentes. Atravs de suas percepes, o homem tem necessidade de construir conjuntos

    a partir de unidades; nesse caso, a necessidade ligar os pontos de acordo com a

    atraco dos mesmos.

    Foi esse fenmeno visual que levou o homem primitivo a relacionar os pontos de

    luz das estrelas a formas representacionais. Ainda podemos fazer o mesmo nas noites

    claras e estreladas, quando olhamos para o cu e distinguimos as formas de rion, da

    Ursa Maior e da Ursa Menor, j h tanto tempo identificadas. Poderamos inclusive

    tentar um exerccio original, descobrindo objectos delineados pelos pontos luminosos

    das estrelas.

  • 41

    O segundo nvel de importncia para o alfabetismo visual, no que diz respeito

    lei do agrupamento, consiste no modo como esta ltima afectada pela similaridade. Na

    linguagem visual, os opostos se repelem, mas os semelhantes se atraem. Assim, o olho

    completa as conexes que faltam, mas relaciona automaticamente, e com maior fora,

    as unidades semelhantes. O processo perceptivo demonstrado pelas pistas visuais da

    figura 2.54, que formam um quadrado (fig. 2.55). Na figura 2.56, porm, as pistas foram

    modificadas, e sua forma influencia os elementos que se ligam e a ordem em que se d a

    ligao; a figura 2.57 mostra possveis ligaes. Em todas as quatro figuras (2.54-2.57),

  • 42

    a similaridade demonstrada a forma, mas muitas outras afinidades visuais

    regem a lei do agrupamento no ato de ver, tais como o tamanho, a textura ou o tom,

    como se mostra nas figuras 2.58, 2.59 e 2.60.

    Positivo e negativo

    Tudo aquilo que vemos tem a qualidade gramatical de ser a afirmao principal

    ou o modificador principal em terminologia verbal , o substantivo ou o adjetivo. A

    relao estrutural da mensagem visual est fortemente ligada sequncia de ver e

  • 43

    absorver informao. O quadrado um bom exemplo de um campo que uma

    afirmao visual positiva, expressando claramente sua prpria definio, seu carcter e

    sua qualidade (fig. 2.61). Seria conveniente observar que, como no caso da maior parte

    desses exemplos, o quadrado o campo mais simples possvel. Embora a introduo de

    um ponto no quadrado ou campo (fig. 2.62) seja tambm um elemento visual

    desprovido de complexidade, ela estabelece uma tenso visual e absorve a ateno

    visual do espectador, desviando-a, em parte, do quadrado. Cria uma sequncia de viso

    que chamada de viso positiva e negativa. A importncia do positivo e do negativo

    nesse contexto relaciona-se apenas ao fato de que, em todos os acontecimentos visuais,

    h elementos separados e ainda assim unificados. As figuras 2.62 e 2.63 demonstram

    que positivo e negativo no se referem absolutamente obscuridade, luminosidade ou

    imagem especular, como acontece na descrio de filmes e reprodues fotogrficas.

    Quer se trate de um ponto escuro num campo luminoso, como na figura 2.62, ou de um

    ponto branco sobre fundo escuro, como na figura 2.63, o ponto a forma positiva, a

    tenso activa, e o quadrado a forma negativa. Em outras palavras, o que domina o olho

    na experincia visual seria visto como elemento positivo, e como elemento negativo

    consideraramos tudo aquilo que se apresenta de maneira mais passiva. A viso positiva

    e negativa muitas vezes engana o olho. Olhamos para algumas coisas e, na pista visual

    que ela nos transmite, vemos o que na realidade ali no se encontra.

    Vistos distncia, dois casais muito prximos podem assemelhar-se a um co

    sentado sobre as patas traseiras. Um rosto pode parecer-nos modelado em pedra. O

    envolvimento com as pistas relativas e activas da viso de um objecto pode ser s vezes

    to convincente que fica quase impossvel ver aquilo para o que estamos realmente

    olhando. Essas iluses pticas sempre foram de grande interesse para os gestaltistas. Na

    figura 2.64, a sequncia positivo-negativo demonstrada por aquilo que vemos um

  • 44

    vaso ou dois perfis , e por aquilo que vemos primeiro, isso no caso de vermos as duas

    coisas. As mesmas observaes podem ser feitas com relao ao modo como vemos o 2

    e o 3 justapostos na figura 2.65. Nos dois exemplos h pouco predomnio de um

    elemento sobre o outro, o que vem reforar a ambiguidade da manifestao visual. O

    olho procura uma soluo simples para aquilo que est vendo, e, embora o processo de

    assimilao da informao possa ser longo e complexo, a simplicidade o fim que se

    busca. O smbolo chins de yin- yang, mostrado na figura 2.66, um exemplo perfeito

    de contraste simultneo e design complementar. Como o "arco que nunca dorme", o

    yin-yang dinmico tanto em sua simplicidade quanto em sua complexidade, movendo-

    se incessantemente; seu estado visual negativo- positivo nunca se resolve. Encontra-se o

    mais prximo possvel de um equilbrio de elementos individuais que formam um todo

    coerente.

    H outros exemplos de fenmenos psicofsicos de viso que podem ser

    utilizados para a compreenso da linguagem visual. O que maior parece mais prximo

    dentro do campo visual, como se mostra na figura 2.67. Contudo, a distncia relativa

    ainda mais claramente determinada pela superposio (fig. 2.68). Elementos claros

    sobre fundo escuro parecem expandir-se, ao passo que elementos escuros sobre fundo

    claro parecem contrair-se (fig. 2.69).

  • 45

    H um mtodo Berlitz para a comunicao visual. No preciso conjugar

    verbos, soletrar palavras ou aprender sintaxe. O aprendizado ocorre na prtica. No modo

    visual, pegamos um lpis ou um giz de cera e desenhamos; esboamos um croqui de

    uma nova sala de estar; pintamos um cartaz que anuncia uma apresentao pblica.

    Podemos especular sobre os meios visuais capazes de produzir uma mensagem, um

    plano ou uma interpretao, mas como o esforo se ajusta em termos das necessidades

    do alfabetismo visual? As principais diferenas entre a abordagem directa e intuitiva e o

    alfabetismo visual o nvel de confiabilidade e exactido entre a mensagem codificada

    e a mensagem recebida. Na comunicao verbal, ouve-se apenas uma vez aquilo que se

    diz. Saber escrever oferece maiores oportunidades de controlar os efeitos, e restringe a

    rea de interpretao. O mesmo acontece com a mensagem visual, apesar das diferenas

    existentes. A complexidade do modo visual no permite a estreita gama de

    interpretaes da linguagem. Mas o conhecimento em profundidade dos processos

    perceptivos que regem a resposta aos estmulos visuais intensifica o controle do

    significado.

    Os exemplos deste captulo representam apenas uma parte da informao visual

    possvel de se utilizar no desenvolvimento de uma linguagem visual que possa ser

    articulada e compreendida por todos. O conhecimento desses fatos perceptivos educa

    nossa estratgia compositiva e oferece critrios sintcticos a todos os que comeam a se

    voltar para o aprendizado do alfabetismo visual. Os padres do alfabetismo no exigem

    que cada criador de uma mensagem visual seja um poeta; assim, no seria justo

    pretender que todo designer ou criador de materiais visuais fosse um artista de grande

    talento. Trata-se de um primeiro passo rumo liberao da habilidade de uma gerao

    imersa num ambiente com intenso predomnio de meios visuais de comunicao; aqui

    esto as regras bsicas que podem representar uma sintaxe estratgica para todos os que

  • 46

    carecem de informao visual, que assim podero controlar e determinar os rumos do

    contedo de seu trabalho visual.

    Exerccios

    1. Fotografe ou encontre um exemplo de equilbrio perfeito e um exemplo

    de desequilbrio completo. Analise-os do ponto de vista da disposio compositiva

    bsica e de seus efeitos, sobretudo seu significado.

    2. Faa uma colagem usando duas formas diferentes como meio para

    identificar e associar dois grupos distintos (por exemplo, velho/novo, rico/pobre,

    alegre/triste).

    3. Ache um exemplo de criao visual que seja de m qualidade em termos de

    arte grfica, e que, apesar de pretender transmitir uma mensagem, seja difcil de ler e

    compreender. Analise at que ponto a ambiguidade contribui para o fracasso da

    expresso visual. Esboce novamente o desenho, procurando: 1) nivelar o efeito e 2)

    aguar o efeito.

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    3. ELEMENTOS BSICOS DA COMUNICAO

    VISUAL

    Sempre que alguma coisa projectada e feita, esboada e pintada, desenhada,

    rabiscada, construda, esculpida ou gesticulada, a substncia visual da obra composta a

    partir de uma lista bsica de elementos. No se devem confundir os elementos visuais

    com os materiais ou o meio de expresso, a madeira ou a argila, a tinta ou o filme. Os

    elementos visuais constituem a substncia bsica daquilo que vemos, e seu nmero

    reduzido: o ponto, a linha, a forma, a direco, o tom, a cor, a textura, a dimenso, a

    escala e o movimento. Por poucos que sejam, so a matria-prima de toda informao

    visual em termos de opes e combinaes selectivas. A estrutura da obra visual a

    fora que determina quais eleme