11
107107 Revista do Instituto de Geociências - USP Geol. USP, Sér. cient., São Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Março 2113 Disponível on-line no endereço www.igc.usp.br/geologiausp - 107 - Resumo Mapas geológicos e cartas estratigráficas das bacias sedimentares do Amazonas e do Solimões foram revisados, enfatizando-se as formações Alter do Chão, Içá e Solimões, detentoras das maiores reservas de água doce subterrânea, nessas bacias. A ca- rência de informações sobre essas formações foi minimizada pela utilização de amostras de sondagens estratigráficas e de perfis construtivos, litológicos e geofísicos de poços de captação de água e de petróleo obtidos na Base Operacional Geólogo Pedro de Moura, região de Urucu, cerca de 650 km a sudoeste de Manaus (AM). Na Bacia do Amazonas, o Sistema Aquífero Alter do Chão comporta aquíferos livres e confinados, com coeficiente de transmissividades entre 1,5 x 10 -3 e 9,1 x 10 -3 m 2 /s, indicados para abastecimento público; na Bacia do Solimões, esse Sistema é confinado pelo Aquiclude Solimões, ao qual se sobrepõe o Sistema Aquífero Içá-Solimões. A reserva de água estimada é de 33.000 km 3 . O Sistema Aquífero Içá-Solimões, em Urucu, é livre-confinado, com dois aquíferos hidraulicamente conectados: o mais superficial, com topo e base em profun- didades próximas de 20 e 70 m, respectivamente, e o mais profundo, entre 50 e 120 m. Com área de afloramento na Bacia do Solimões de 948.600 km 2 , a reserva estimada desse sistema foi calculada em 7.200 km 3 , menos expressiva que a do Sistema Aquífero Alter do Chão. Os parâmetros hidrodinâmicos médios foram: T = 3 x 10 -3 m 2 /s, S = 5 x 10 -4 e K = 1 x 10 -4 m/s, de ordens de grandeza similares aos valores encontrados no Sistema Aquífero Alter do Chão. Avaliando-se as inter-relações regionais e potencialidades desses dois sistemas aquíferos procurou-se contribuir para o conhecimento hidrogeológico na Região Hidrográfica Amazônica, onde as pesquisas sobre águas subterrâneas ainda são incipientes. Palavras-chave: Sistemas aquíferos; Içá-Solimões e Alter do Chão; Água subterrânea; Reservas. Abstract Geological maps and stratigraphic charts of the Amazon and Solimões sedimentary basins were reviewed, emphasizing the formations Alter do Chão, Içá and Solimões, the largest reserves of fresh groundwater in these basins. The lack of in- formation on these formations was minimized by sample probe and stratigraphic profiles of construction, lithological and geophysical water and oil wells, obtained in the Base Operacional Geólogo Pedro de Moura, Urucu region, about 650 km southwest of Manaus (AM). In the Amazon Basin, the Aquifer System Alter do Chão is characterized by unconfined and confined aquifers, with transmissivity between 1.5 and 9.1 x 10 -3 m 2 /s, indicated for public supply. In the Solimões Basin, this system is confined by Aquiclude Solimões, recovered by the Içá-Solimões Aquifers. The reserve is estimated as 33,000 km 3 . Síntese da hidrogeologia nas bacias sedimentares do Amazonas e do Solimões: Sistemas Aquíferos Içá-Solimões e Alter do Chão Synthesis of the hydrogeological studies in the sedimentary basins Amazon and Solimões: the Aquifers Systems Içá-Solimões and Alter do Chão Eliene Lopes de Souza 1 , Paulo Henrique Ferreira Galvão 2 , Cleane do Socorro da Silva Pinheiro 3 , Marcus Paulus Martins Baessa 4 , José Geilson Alves Demétrio 5 , Wilker Roberto Rodrigues Brito 6 1 Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará - UFPA, Rua Augusto Corrêa 1, Guamá, CEP 66105-111, Belém, PA, BR ([email protected]) 2 Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, SP, BR ([email protected]) 3 Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá - IMAP, Macapá, AP, BR ([email protected]) 4 Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello - CENPES, Rio de Janeiro, RJ, BR ([email protected]) 5 Laboratório de Hidrogeologia, Departamento de Geologia, Centro de Tecnologia, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Recife, PE, BR ([email protected]) 6 Mineração Aurizona S/A, Godofredo Viana, MA, BR ([email protected]) Recebido em 21 de março de 2112; aceito em 31 de novembro de 2112 DOI: 10.5327/Z1519-874X2013000100007

Síntese da hidrogeologia nas bacias sedimentares do Amazonas e do Solimões: Sistemas Aquíferos Içá-Solimões e Alter do Chão

Embed Size (px)

DESCRIPTION

ResumoMapas geológicos e cartas estratigráfias das bacias sedimentares do Amazonas e do Solimões foram revisados, enfatizando-seas formações Alter do Chão, Içá e Solimões, detentoras das maiores reservas de água doce subterrânea, nessas bacias. A carência de informações sobre essas formações foi minimizada pela utilização de amostras de sondagens estratigráfias e deperfi construtivos, litológicos e geofísicos de poços de captação de água e de petróleo obtidos na Base Operacional GeólogoPedro de Moura, região de Urucu, cerca de 650 km a sudoeste de Manaus (AM). Na Bacia do Amazonas, o Sistema AquíferoAlter do Chão comporta aquíferos livres e confiados, com coefiiente de transmissividades entre 1,5 x 10-3 e 9,1 x 10-3 m2/s,indicados para abastecimento público; na Bacia do Solimões, esse Sistema é confiado pelo Aquiclude Solimões, ao qual sesobrepõe o Sistema Aquífero Içá-Solimões.

Citation preview

  • 107107

    Revista do Instituto de Geocincias - USP

    Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    Disponvel on-line no endereo www.igc.usp.br/geologiausp - 107 -

    ResumoMapas geolgicos e cartas estratigrficas das bacias sedimentares do Amazonas e do Solimes foram revisados, enfatizando-se as formaes Alter do Cho, I e Solimes, detentoras das maiores reservas de gua doce subterrnea, nessas bacias. A ca-rncia de informaes sobre essas formaes foi minimizada pela utilizao de amostras de sondagens estratigrficas e de perfis construtivos, litolgicos e geofsicos de poos de captao de gua e de petrleo obtidos na Base Operacional Gelogo Pedro de Moura, regio de Urucu, cerca de 650 km a sudoeste de Manaus (AM). Na Bacia do Amazonas, o Sistema Aqufero Alter do Cho comporta aquferos livres e confinados, com coeficiente de transmissividades entre 1,5 x 10-3 e 9,1 x 10-3 m2/s, indicados para abastecimento pblico; na Bacia do Solimes, esse Sistema confinado pelo Aquiclude Solimes, ao qual se sobrepe o Sistema Aqufero I-Solimes. A reserva de gua estimada de 33.000 km3. O Sistema Aqufero I-Solimes, em Urucu, livre-confinado, com dois aquferos hidraulicamente conectados: o mais superficial, com topo e base em profun-didades prximas de 20 e 70 m, respectivamente, e o mais profundo, entre 50 e 120 m. Com rea de afloramento na Bacia do Solimes de 948.600 km2, a reserva estimada desse sistema foi calculada em 7.200 km3, menos expressiva que a do Sistema Aqufero Alter do Cho. Os parmetros hidrodinmicos mdios foram: T = 3 x 10-3 m2/s, S = 5 x 10-4 e K = 1 x 10-4 m/s, de ordens de grandeza similares aos valores encontrados no Sistema Aqufero Alter do Cho. Avaliando-se as inter-relaes regionais e potencialidades desses dois sistemas aquferos procurou-se contribuir para o conhecimento hidrogeolgico na Regio Hidrogrfica Amaznica, onde as pesquisas sobre guas subterrneas ainda so incipientes.

    Palavras-chave: Sistemas aquferos; I-Solimes e Alter do Cho; gua subterrnea; Reservas.

    AbstractGeological maps and stratigraphic charts of the Amazon and Solimes sedimentary basins were reviewed, emphasizing the formations Alter do Cho, I and Solimes, the largest reserves of fresh groundwater in these basins. The lack of in-formation on these formations was minimized by sample probe and stratigraphic profiles of construction, lithological and geophysical water and oil wells, obtained in the Base Operacional Gelogo Pedro de Moura, Urucu region, about 650 km southwest of Manaus (AM). In the Amazon Basin, the Aquifer System Alter do Cho is characterized by unconfined and confined aquifers, with transmissivity between 1.5 and 9.1 x 10-3 m2/s, indicated for public supply. In the Solimes Basin, this system is confined by Aquiclude Solimes, recovered by the I-Solimes Aquifers. The reserve is estimated as 33,000 km3.

    Sntese da hidrogeologia nas bacias sedimentares do Amazonas e do Solimes: Sistemas Aquferos I-Solimes e Alter do Cho

    Synthesis of the hydrogeological studies in the sedimentary basins Amazon and Solimes: the Aquifers Systems I-Solimes and Alter do Cho

    Eliene Lopes de Souza1, Paulo Henrique Ferreira Galvo2, Cleane do Socorro da Silva Pinheiro3, Marcus Paulus Martins Baessa4, Jos Geilson Alves Demtrio5, Wilker Roberto Rodrigues Brito6

    1Instituto de Geocincias, Universidade Federal do Par - UFPA, Rua Augusto Corra 1, Guam, CEP 66105-111, Belm, PA, BR ([email protected])

    2Instituto de Geocincias, Universidade de So Paulo - USP, So Paulo, SP, BR ([email protected])3Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amap - IMAP, Macap, AP, BR ([email protected])

    4Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Amrico Miguez de Mello - CENPES, Rio de Janeiro, RJ, BR ([email protected])

    5Laboratrio de Hidrogeologia, Departamento de Geologia, Centro de Tecnologia, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Recife, PE, BR ([email protected])

    6Minerao Aurizona S/A, Godofredo Viana, MA, BR ([email protected])

    Recebido em 21 de maro de 2112; aceito em 31 de novembro de 2112

    DOI: 10.5327/Z1519-874X2013000100007

  • Souza, E. L. et al.

    - 108 - Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    INTRODUO

    Na Regio Hidrogrfica Amaznica (Brasil, 2006), as pesquisas sobre guas subterrneas so ainda incipien-tes e concentradas nos aquferos da Formao Alter do Cho (Tancredi, 1996; Aguiar et al., 2002; Souza e Verma, 2006). Alm disso, ainda no se dispe de uma integrao abrangente desses estudos com as informaes geolgicas regionais existentes, dificultando o planejamento e a exe-cuo de programas voltados para a gesto integrada dos recursos hdricos nessa regio.

    Segundo a Agncia Nacional de guas (ANA, 2005), o Sistema Aqufero Alter do Cho do tipo livre, ocorrendo na regio centro-norte do Par e leste do Amazonas, ocupando uma rea de 312.574 km2 na Bacia Sedimentar do Amazonas.

    No trabalho de Cunha et al. (1994), o Sistema Aqufero Alter do Cho caracterizado como sendo livre e confinado, representado por intercalaes de arenitos, argilitos, siltitos e, subordinadamente, conglomerados. Em Manaus, o estudo desenvolvido por Aguiar et al. (2002) determinou para o sis-tema espessura em torno de 200 m, sendo 175 m saturados, com uma reserva permanente estimada em 10 km, para uma porosidade efetiva de 15% e rea de ocorrncia de 400 km.

    Tambm em Manaus, Souza e Verma (2006) mapearam as unidades geolgicas que compem o Sistema Aqufero Alter do Cho por meio de dados de sondagens eltricas verticais, perfilagens geofsicas de poos e perfis litol-gicos de amostragem de calha, identificando duas zonas aquferas: a primeira, at 50 m de profundidade, constitu-da por camadas argilosas, arenosas e areno-argilosas, de dimenses variadas; e a segunda, de 50 a 290 m, caracteri-zada por camadas mais arenosas e areno-argilosas, prop-cias ao armazenamento de gua devido sua boa continui-dade lateral, maior espessura e aos corpos mais arenosos. Os poos que captam essa zona apresentam vazo em tor-no de 300 m3/h, servindo para o abastecimento pblico.

    Em Santarm, no estado do Par, os estudos realiza-dos por Tancredi (1996) indicam que, assim como nas pes-quisas realizadas em Manaus, a Formao Alter do Cho constitui um aqufero livre e outros confinados, estes se-parados por aquicludes e/ou aquitardes, pouco espessos; o aqufero livre possui espessura mdia de 50 m, enquanto que os confinados totalizam 430 m. Os aquferos possuem elevada produtividade, com valores de transmissividades

    compreendidos entre 1,5 x 10-3 e 9,1 x 10-3 m2/s, supe-riores aos indicados para poos de abastecimento. Nesse mesmo estudo, o autor obteve uma reserva permanente de 86,55 km3, considerando uma rea de ocorrncia de 900 km2, espessura total e porosidade efetiva de 480 m e 20%, respectivamente. A reserva reguladora, calculada para uma rea de cerca de 150 km2, foi de 0,037 km3.

    A qualidade da gua do Sistema Alter do Cho consi-derada boa, apresentando pH mdio de 4,8 e slidos totais dissolvidos inferiores a 100 mg/L (ANA, 2005). Na regio de Manaus, as guas apresentam pH mdio variando de 4,1 a 5,4; so fracamente mineralizadas, com condutividade eltrica variando entre 15,1 a 82,9 S/cm, sendo predomi-nantemente cloretadas sdicas ou potssicas. Na cidade de Manaus, Vasconcelos (2006) estudou a qualidade da gua de 30 poos tubulares, nas pocas chuvosa e seca, identifican-do evidncias de contaminao antrpica em algumas reas, principalmente nos poos que captam aquferos livres.

    No levantamento bibliogrfico feito no presente estudo constatou-se que a caracterizao do denominado Sistema Aqufero Solimes bastante escassa, sendo a sua des-crio obtida essencialmente da ANA (2005). De acordo com essa publicao, esse Sistema representado pelos sedimentos do topo da sequncia sedimentar da Bacia do Amazonas, possuindo uma rea de recarga de 457.664 km2, correspondente ao estado do Acre e a parte do oeste do es-tado do Amazonas. A qualidade da gua considerada boa, embora haja limitaes para o seu uso nas reas urbanas devido elevada vulnerabilidade natural poluio (aqu-fero fretico com nvel da gua raso), associada carncia de saneamento bsico e aos riscos de contaminao repre-sentados por poos mal construdos.

    Este trabalho fundamentou-se principalmente em estudos geolgicos e hidrogeolgicos publicados, desenvol-vidos nas bacias sedimentares do Amazonas e do Solimes, com nfase para as Formaes Alter do Cho, Solimes e I, detentoras das maiores reservas de gua doce subterr-nea, nessas bacias.

    s informaes publicadas acrescentam-se novas, obtidas na Base Operacional Gelogo Pedro de Moura (BOGPM), da Petrobras, na regio de Urucu, a cerca de 650 km a sudoeste de Manaus (AM). Os dados so resul-tado do Projeto Caracterizao Hidrogeolgica para o Uso Sustentvel da gua Subterrnea (ECO-03), desenvolvido

    The Aquifer System I-Solimes, in Urucu, is unconfined-confined, with two aquifers hydraulically connected: the superficial, with top and bottom at depths near 20 and 70 m, respectively; and the deeper, between 50 and 120 m. With an outcrop area of 948,600 km2 in the Solimes Basin, the reservation of this system was estimated as 7,200 km3, less expressive than the Aquifer System Alter do Cho. The average hydrodynamic parameters were: T = 3 x 10-3 m2/s, S = 5 x 10-4 and K = 1 x 10-4 m/s, orders of magnitudes similar to those found in the aquifer Alter do Cho. Assessing the interrelationships and potential of these two regional aquifers sought to contribute to the hydrogeological knowledge in the Amazon Basin region, where researches on groundwater are still incipient.

    Keywords: Aquifer systems; I-Solimes and Alter do Cho; Groundwater; Reserves.

  • Hidrogeologia nas bacias do Amazonas e do Solimes

    - 109 -Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    por meio de uma parceria entre a Petrobras, a Universidade Federal do Par (UFPA) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

    Procurou-se mostrar regionalmente as inter-relaes en-tre os sistemas aquferos constitudos pelas formaes enfo-cadas, alm de efetuar estimativas preliminares de suas reser-vas. Buscou-se, dessa forma, contribuir para o conhecimento hidrogeolgico da Regio Hidrogrfica Amaznica.

    GEOLOGIA

    O entendimento da hidrogeologia na Amaznia Brasileira passa pelo conhecimento da geologia das duas maiores ba-cias sedimentares da regio, a do Solimes e a do Amazonas.

    A Bacia Paleozoica Sedimentar do Solimes ocu-pa uma rea de aproximadamente 948.600 km2 (Barata e Caputo, 2007). Desse total, afloram cerca de 576.300 km2

    de sedimentos pertencentes Formao I, enquan-to que nos 372.300 km2 restantes afloram os sedimen-tos da Formao Solimes (Figura 1). Essa bacia se desenvolveu em rochas cristalinas e sedimentares prote-rozoicas da Provncia Amaznia Central, sendo subdivi-dida em sub-bacia de Jandiatuba, a oeste, e sub-bacia do Juru, a leste, separadas pelo Alto de Carauari (Figura 2).

    Por sua vez, o limite com a Bacia do Amazonas fei-to atravs do Arco de Purus (Eiras et al., 1994). O arca-bouo estratigrfico da Bacia do Solimes divide-se em seis sequencias: Ordoviciana, Siluriana-Devoniano, Devoniana-Carbonfera, Carbonfera-Permiana, Cretcea e Terciria-Quaternria, na qual se encerra a sedimentao nessa bacia. Com relao aos ambientes deposicionais das formaes em estudo, a sequncia Cretcea caracteriza-da por um sistema fluvial de alta energia, responsvel pela deposio da Formao Alter do Cho, sob clima mido, enquanto que a sequncia Terciria-Quaternria, discor-dante sobre a Formao Alter do Cho, e representada pe-las formaes Solimes e I, forma uma cunha sedimen-tar desde o Arco de Purus at as bacias subandinas (Barata e Caputo, 2007). Os ambientes de deposio dessas duas formaes foram interpretados como fluvial meandrante e fluvial deltaico, respectivamente (Silveira, 2005).

    A Bacia Paleozoica do Amazonas ocupa uma rea se-dimentar total de aproximadamente 615.600 km2, com as superfcies de afloramentos das Formaes Alter do Cho e I correspondendo a 410.000 e 205.000 km2, respec-tivamente (Figura 1). O preenchimento sedimentar da bacia atinge espessuras superiores a 5.000 m (Figura 2) e os seus limites geolgicos so definidos pelo Arco de Purus a oeste, pelo Arco de Gurup a leste, pelo Escudo

    Figura 1. reas de afloramento das formaes I, Solimes e Alter do Cho, nas bacias sedimentares do Solimes e do Amazonas.

  • Souza, E. L. et al.

    - 110 - Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    Figura 2. Colunas estratigrficas das bacias do Solimes (modificado de Eiras et al., 1994) e do Amazonas e suas respectivas sees geolgicas regionais simplificadas (modificadas de Eiras, 1998; Wanderley Filho, Travassos, Alves, 2005).

  • Hidrogeologia nas bacias do Amazonas e do Solimes

    - 111 -Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    das Guianas ao norte e pelo Escudo Brasil Central ao sul (Barata e Caputo, 2007). Segundo esses autores, a evo-luo da Bacia do Amazonas compreende as sequn-cias deposicionais Ordoviciana-Devoniana, Devoniana-Carbonfera, Permo-Carbonfera e, por fim, a sequncia Cretceo-Tercirio, que encerra a sedimentao nessa ba-cia; a sequncia Cretceo-Tercirio inicialmente carac-terizada pela deposio da Formao Alter do Cho, sob condies climticas midas e sistema fluvial arenoso de alta energia. Com o soerguimento da Cadeia Andina, os rios cretceos transformaram-se em lagos doces e rasos, alimentados por rios de baixa energia, responsveis pela deposio da Formao Solimes, que grada para o topo da Formao Alter do Cho. O Magmatismo Penatecaua (Santos, 1978), representado pela intruso de soleiras de diabsio, ocorreu durante o Trissico.

    De acordo com as colunas estratigrficas e suas respec-tivas sees geolgicas regionais simplificadas, mostradas na Figura 2, constata-se que, na Bacia do Solimes, a for-mao homnima alcana espessura mxima de 1.800 m, enquanto que na Bacia do Amazonas sua espessura mxi-ma de 200 m. No caso da Formao Alter do Cho, sua espessura mxima na Bacia do Solimes de 1.000 m, en-quanto que na Bacia do Amazonas pode atingir 1.250 m. Com relao Formao I, na Bacia do Solimes, ela sobrepe-se discordantemente Formao Solimes, exi-bindo espessura mdia geral de 15 m (Maia et al., 1977).

    Do ponto de vista das reservas de gua subterr-nea na regio, nas bacias sedimentares do Solimes e do Amazonas as formaes mais expressivas so I, Solimes e Alter do Cho, enfocadas neste trabalho.

    A Formao I constituda por arenitos finos a m-dios e siltitos, localmente com conglomerados argilosos de coloraes amarelo avermelhadas (Nogueira et al., 2003); sobrepe-se discordantemente Formao Solimes. Nos estudos da Petrobras, a separao entre as Formaes I e Solimes feita principalmente com base em relaes es-truturais e possveis discordncias observadas em sees de detalhe, com apoio de poos.

    A Formao Solimes consiste em uma sucesso de pe-litos de cor cinza claro e cinza esverdeado, macios e lami-nados, com linhitos intercalados em camadas de 2 a 10 m de espessura, e arenitos finos a grossos, subangulares a su-barredondados; muito rica em fsseis vegetais e animais, como troncos, folhas, ostracodes, escamas, dentes, entre outros (Caputo, 1984). As associaes esporopolnicas per-mitem o estabelecimento de trs zonas palinolgicas, cor-respondendo ao Mioceno, Mioceno/Plioceno e Plioceno, sugerindo uma deposio em ambiente fluvial meandrante fino e lagos formados por canais abandonados (Cruz, 1987).

    A Formao Alter do Cho aflora essencialmen-te na Bacia do Amazonas, sendo composta por arenitos grossos, friveis e de cores variadas, que recobrem os

    estratos paleozoicos (Caputo, Rodrigues, Vasconcelos, 1971, 1972). Na Bacia do Solimes essa formao in-sere-se, em discordncia angular, entre o Grupo Tef e a Formao Solimes. Nessa bacia, devido ausncia de dataes, a idade da parte superior da Formao Alter do Cho estimada como sendo neocretcea, por correlao com a Bacia do Amazonas (Caputo, 1984). O ambien-te de deposio continental, com fcies de plancie e leques aluviais. Algumas bandas ferrosas podem indicar perodos de formao de lateritas sob condies climti-cas mais midas.

    MATERIAIS E MTODOS

    Inicialmente, foram avaliados mapas geolgicos e cartas estratigrficas das bacias sedimentares do Amazonas e do Solimes, com nfase para as Formaes Alter do Cho, I e Solimes, detentoras das maiores reservas de gua doce subterrnea, nessas bacias. Entre as diversas publi-caes consultadas nessa etapa destacaram-se Eiras et al. (1994), Eiras (1998), Wanderley Filho, Travassos e Alves (2005), Bahia (2007) e Barata e Caputo (2007).

    A carncia de informaes sobre a hidrogeologia dos aquferos das Formaes I e Solimes foi minimizada com dados obtidos na BOGPM. Esses dados compreende-ram 14 perfis construtivos, 19 perfis litolgicos e 18 perfis geofsicos (resistncia eltrica, de potencial espontneo e de raios gama) de poos de captao de gua, alm de 25 perfis litolgicos de poos de captao de petrleo. Esse conjunto de dados foi fornecido pela Petrobras.

    Com relao s profundidades, os perfis dos poos de petrleo alcanavam at 465 m de profundidade, enquanto que os de abastecimento de gua variavam entre 36 e 120 m.

    No mbito do projeto ECO-03 foram executadas 3 son-dagens estratigrficas, com 300, 330 e 150 m de profundida-de, coletando-se amostras de calha a cada metro perfurado, para obter informaes mais detalhadas da sequncia litol-gica na regio da BOGPM. Nessas amostras foram realiza-das anlises granulomtricas e mineralgicas, objetivando uma caracterizao mais precisa dos litotipos perfurados. Essas anlises e os seus resultados foram apresentadas em um Trabalho de Concluso do Curso de Geologia da UFPA (Oliveira, 2010).

    Aps a anlise dos dados mencionados nos pargrafos precedentes, foram selecionados perfis litolgicos e geofsicos das sondagens estratigrficas e de poos com mais de 100 m de extenso, para elaborao de uma seo hidrogeolgica es-quemtica representativa da provncia petrolfera de Urucu.

    Com base nas informaes obtidas, foram elaboradas se-es geolgicas simplificadas regionais das bacias do Solimes e do Amazonas, que permitiram visualizar as inter-relaes entre as Formaes Alter do Cho, I e Solimes, nessas

  • Souza, E. L. et al.

    - 112 - Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    bacias, alm de fundamentar estimativas preliminares de re-servas de gua subterrnea nessas formaes.

    No domnio da Hidrogeologia, os poucos trabalhos dis-ponveis para obteno de dados referiam-se, sobretudo, aos Aquferos da Formao Alter do Cho, destacando-se o estudo realizado por Tancredi (1996), na regio de Santarm; entre as publicaes pesquisadas apenas nesta foram encontrados resultados de testes de aqufero, pos-sibilitando comparaes com os parmetros hidrodinmi-cos obtidos na BOGPM, no projeto ECO-03. Informaes complementares, principalmente relacionadas com as ca-ractersticas litolgicas e espessuras das camadas areno-sas, bem como reas de afloramento e qualidade da gua, foram obtidas nos trabalhos de Cunha et al. (1994), Aguiar et al. (2002), Souza e Verma (2006) e ANA (2005).

    Para os parmetros hidrodinmicos coeficiente de ar-mazenamento (S), condutividade hidrulica (K) e coeficien-te de transmissividade (T) do Sistema Alter do Cho fo-ram considerados os valores obtidos de trabalho realizado em Santarm (PA), enquanto que para o I-Solimes foram adotados os parmetros resultantes de dois testes de aquferos realizados na BOGM, apresentados em Galvo et al. (2012). Nesses testes as curvas rebaixamento versus tempo no evi-denciaram feies de recarga, compatveis com as zonas con-finadas do Sistema; desse modo, os resultados foram interpre-tados pelos mtodos de Theis (1935) e Cooper-Jacob (1946), para aquferos confinados no drenantes, em regime transiente.

    Embora os perfis de poos e sees hidrogeolgicas mostrem que o Sistema Aqufero I-Solimes do tipo livre-confinado, essa caracterizao foi confirmada com base nos resultados obtidos por Souza e Demtrio (2011) que observaram o comportamento hidrulico do sistema em nveis distintos. Para tanto, foram realizadas medidas de nvel dgua em dois poos de pesquisa, cada um de-les com outros dois pontos de observao associados, com profundidades diferentes.

    Nas estimativas de reservas de gua subterrnea para o Sistema Aqufero I-Solimes, considerou-se apenas a reser-va permanente. Nos aquferos confinados, a soma dos volumes acumulados por saturao (Vs) e sob presso (Vp) constituem a reserva permanente, que representa o volume armazenado, passvel de mobilizao. Essa aproximao pode ser conside-rada como representativa da reserva total, posto que os nveis dgua subterrnea nos aquferos confinados apenas respon-dem de maneira muito retardada, em ciclos de longo perodo.

    Na prtica, a retirada de gua dos aquferos confina-dos feita apenas das reservas sob presso, uma vez que o aqufero, na grande maioria dos casos, permanece to-talmente saturado durante a explotao: se a captao de gua rebaixar o nvel potenciomtrico de um aqufero con-finado para uma posio abaixo da camada confinante este passar a ser livre. Para aquferos confinados a reserva per-manente dada pela Equao 1.

    V = Vp + Vs = (A c.S.h) + (A.e.b) (1)

    Onde, V: reserva permanente;Vp: reserva confinada;Vs: volume de saturao;A: rea de ocorrncia do aqufero (L2); Ac: rea sob confinamento (L2); e: porosidade efetiva (adimensional); b: espessura mdia saturada (L); S: coeficiente de armazenamento (adimensional);h: carga piezomtrica acima da base da camada confi-nante (L).

    Para os aquferos livres, a reserva permanente repre-sentada apenas pelo volume de saturao (Vs).

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Hidrogeologia

    Sistema Aqufero Alter do Cho

    As condies geolgicas descritas anteriormente, associadas anlise de perfis de poos de captao de gua e de poos de petrleo, permitiram concluir que na Bacia do Solimes as unidades aquferas da Formao Alter do Cho so confina-das por espessas camadas argilosas da Formao Solimes. Nos trabalhos de Galvo et al. (2012) e Souza e Demtrio (2011), na regio de Urucu, esse pacote argiloso apresenta es-pessura entre 150 a 180 m, tendo sido denominado Aquiclude Solimes, enquanto que a Formao Alter do Cho ocorre a partir dos 300 m de profundidade (Figura 3).

    Tendo como base o mapa geolgico da Figura 1, foi elaborado um perfil esquemtico regional, englobando as duas bacias consideradas neste estudo (Figura 4), adotan-do-se para as formaes I, Solimes e Alter do Cho as espessuras reconhecidas em trabalhos da Petrobras, para se estimar as suas pores no aflorantes. Com base nesse perfil, possvel observar que, entre as trs forma-es, cerca de 50% da espessura total da bacia do Solimes so representados pela Formao Alter do Cho, sendo essa recoberta pelas Formaes I/Solimes.

    Embora a espessura da Formao Alter do Cho na bacia do Amazonas possa alcanar 1.250 m (Figura 2), na regio de Urucu, as poucas informaes obtidas no mbito do projeto ECO-03, sobre a qualidade da gua dessa formao, sugerem um teor de sais superior a 1.000 mg/L (Souza e Demtrio, 2011). Desse modo, nas estimativas de reservas de gua subterrnea na bacia do Solimes, a Formao Alter do Cho no deve ser levada em conta, pelo menos at que estudos futuros

  • Hidrogeologia nas bacias do Amazonas e do Solimes

    - 113 -Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    caracterizem mais especificamente a qualidade da gua nesse domnio hidrogeolgico.

    Com base nos dados disponveis at o momento, nas estimativas de reservas para o Sistema Aqufero Alter do Cho, pode-se considerar uma rea de ocorrncia de cer-ca de 410.000 km2 (Figura 1) e uma espessura mdia de 400 m (Figura 2). Admitindo-se uma porosidade efetiva de 20%, chega-se a um volume de saturao em torno de 33.000 km3. Embora no se tenha dados suficientes para estimar o volume sob presso, sabe-se que este bem me-nor do que o volume de saturao, uma vez que o S de aquferos confinados possui normalmente valores iguais

    ou menores que 10-4. Desse modo, para fins de estimativas de carter regional considera-se vlido adotar o volume de saturao como representativo da ordem de grandeza da reserva permanente do Sistema Aqufero Alter do Cho.

    Os nmeros referentes s estimativas de reserva perma-nente de gua no Sistema Aqufero Alter do Cho apontam para uma grande possibilidade de uso dessas guas. Isto se deve, sobretudo, ao fato delas serem menos vulnerveis contaminao do que as guas superficiais e com custo de captao/distribuio que, em geral, no chega a 50% da captao, tratamento e distribuio da gua superficial (Tancredi, 1996). Entretanto, deve-se ter em mente que a

    Figura 3. Seo hidrogeolgica esquemtica da provncia petrolfera de Urucu (Galvo et al., 2012).

    Figura 4. Seo esquemtica da rea, com espessuras aproximadas das formaes I, Solimes e Alter do Cho.

  • Souza, E. L. et al.

    - 114 - Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    gua retirada de aquferos confinados praticamente no se renova, uma vez que a sua recarga um processo extre-mamente lento. Tambm fundamental considerar que as guas subterrneas participam ativamente do ciclo hidro-lgico, contribuindo para manter o fluxo dos rios. Estudo realizado por Tancredi (1996) na regio de Santarm (PA) mostrou que, localmente, a contribuio subterrnea para a descarga superficial chega a 46% da descarga do rio. Sem a contribuio da gua proveniente dos aquferos, os rios perenes podem se tornar intermitentes, gerando perdas ambientais e sociais incalculveis. As guas dos aquferos podem ainda descarregar na superfcie dos terrenos, origi-nando fontes, lagoas, alagados, entre outros. Caso ocorra a retirada excessiva de gua subterrnea, essas reas tendem a secar, causando desequilbrios ecolgicos.

    A importncia de se entender as relaes entre os recur-sos hdricos, a biodiversidade e a complexidade do Bioma Amaznico foi bem ressaltada em um trabalho abordando o possvel modelo de gesto de recursos hdricos que seria pertinente para a Amaznia, tendo a bacia do Rio Madeira como unidade de estudo (Masson, 2005).

    No que se refere aos parmetros hidrodinmicos, os dados disponveis como referncia at agora so os ob-tidos por Tancredi (1996), para a regio de Santarm. Os resultados obtidos por esse autor, em poos com profundi-dades variando de 13,5 a 167,1 m, indicaram T mnimo de 1,5 x 10-3 m2/s e mximo de 9,1 x 10-3 m2/s. Trata-se, por-tanto, de aquferos com potencial de abastecimento mu-nicipal, industrial ou para irrigao, tendo em vista que transmissividades superiores a 1,4 x 10-3 m2/s so indica-das para essas finalidades (Driscoll, 1987). Quanto ao S, o valor mximo obtido por Tancredi (1996) foi de 4,1 x 10-4 e o mnimo de 3,3 x 10-4; para os valores de K, o m-ximo e o mnimo foram de 2,1 x 10-4 e 5,0 x 10-5 m/s, respectivamente.

    Sistema Aqufero I-Solimes

    Ao contrrio dos aquferos do Sistema Alter do Cho, para os quais j existem alguns dados, mesmo que localizados, o Sistema I-Solimes praticamente desconhecido. Desse modo, aqui so apresentados os resultados obtidos na regio de Urucu, no projeto ECO-03.

    Inicialmente, se faz necessrio esclarecer a denomina-o Sistema I-Solimes assumida: a opo de acrescentar o termo I, ao j denominado Sistema Aqufero Solimes (ANA, 2005), se deve primeiramente ao fato de que na re-gio de Urucu o primeiro aqufero ocorre em profundidades variando entre 20 (ou menos) e 70 m, zona onde pode se re-ferir tanto a base da Formao I como os nveis superio-res da Solimes. Assim, devido dificuldade para se sepa-rar litologicamente essas duas formaes, tendo em vista as semelhanas observadas entre ambas, considerou-se que o

    intervalo de ocorrncia desse primeiro aqufero insere-se, pelo menos em parte, no domnio da Formao I.

    Alm disso, esse aqufero superior hidraulicamente conectado com outro, com topo e base em profundidades prximas de 50 e 120 m, respectivamente, pertencendo Unidade Superior da Formao Solimes (Figura 3). Essa conexo ficou evidenciada em testes de aqufero com obser-vao de nveis em poos captando individualmente esses dois aquferos (Souza e Demtrio, 2011). Durante o bom-beamento dos poos de pesquisa, constatou-se que os pon-tos de observao evidenciaram, tambm, rebaixamento do nvel dgua, mostrando que no h separao hidrulica entre os aquferos superior e inferior captados pelos poos e que o conjunto pode ser considerado um nico sistema aqufero, do tipo livre-confinado, ou seja, o I-Solimes.

    No aqufero inferior existem arenitos com boa poro-sidade e permeabilidade, com espessura variando de 45 a 50 m, passveis de serem captados por meio de poos tu-bulares (Figura 3). nesse aqufero que esto localizadas as sees de filtros da maioria dos poos tubulares utili-zados para o abastecimento de gua na regio de Urucu. Entretanto, o aqufero superior tem uma grande importn-cia para a disponibilidade de gua na regio, pois a sua eventual contaminao poder afetar tambm o aqufero mais explotado, tendo em vista a conexo hidrulica entre esses dois reservatrios de gua subterrnea. Esse aspecto deve ser devidamente considerado pelos rgos gestores de recursos hdricos.

    A qualidade das guas nesse sistema aqufero apresenta semelhana hidrogeoqumica com a do Sistema Aqufero Alter do Cho, com baixos teores de ctions e nions; na maioria dos poos dessa regio, as guas so classificadas como bicarbonatadas-sdicas, com teores de Na+ e HCO

    3-

    geralmente inferiores a 7 e 30 mg/L; em alguns poos, en-tretanto, os teores de K+ so expressivos, com mximo de 5,5 mg/L. As baixas concentraes inicas se refletem nos valores de condutividade eltrica, com mnimo prximo de 12 S/cm e mximo em torno de 100 S/cm. Em todos os poos estudados nessa rea, a gua cida, predomi-nando valores de pH entre 5 e 6 (Souza e Demtrio, 2011).

    Em Urucu, a reserva permanente (V) (Equao 1) para o Sistema Aqufero I-Solimes foi determinada consideran-do-se a rea sob confinamento (Ac) de 40,5 km2, correspon-dendo quela com informaes mais representativas. Nessa rea se encontram o aeroporto, os alojamentos e o polo in-dustrial Arara, abrigando a quase totalidade dos poos de captao de gua instalados na BOGPM e, por conseguinte, a maior parte das informaes a respeito do aqufero estu-dado. O valor adotado para o S foi 10-4, com base na mdia dos valores determinados em testes de aqufero; para a carga hidrulica acima da base da camada confinante (h) o valor mdio considerado foi de 35 m, estimado com base na pro-fundidade do topo do aqufero confinado e de informaes

  • Hidrogeologia nas bacias do Amazonas e do Solimes

    - 115 -Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    acerca da potenciometria da regio. A partir desses dados, a Vp estimada foi de 141.750 m

    3 (1,418 x 10-4 km3).No clculo do Vs, a rea de ocorrncia do aqufero (A)

    foi tambm considerada de 40,5 km2. Para a porosidade efetiva (e) adotou-se 10%, valor correspondente a areias argilosas, predominante nos aquferos identificados; a es-pessura saturada (b) considerada foi de 50 m, mdia dos valores registrados nos perfis. Desse modo, a reserva sa-turada (Vs) obtida foi de 202.510.000 m

    3 (0,20251 km3).Somando-se as parcelas de Vs e Vp, a reserva perma-

    nente (V) calculada para a rea anteriormente especificada foi de 202.651.750 m3 (0,20264 km3).

    Extrapolando o clculo para toda a rea de afloramen-to na Bacia do Solimes, que de 948.600 km2 (Barata e Caputo, 2007) (Figura 1), a reserva total estimada para os aquferos I-Solimes de 7.200 km3. Comparando-a com aquela que foi admitida para o Sistema Aqufero Alter do Cho, em torno de 33.000 km3, trata-se de uma reserva con-sideravelmente menos expressiva, equivalente a cerca de 22% da estimada para o Sistema Aqufero Alter do Cho.

    Os valores mdios observados para os parmetros hidro-dinmicos do Sistema Aqufero I-Solimes em Urucu fo-ram 3 x 10-3 m2/s para T e 5 x 10-4 para S. Considerando uma espessura (b) do aqufero de 50 m, o valor mdio de K (K = T/b) foi de 1 x 10-4 m/s (Galvo et al., 2012). Comparando-se esses valores com aqueles obtidos por Tancredi (1996) para os aquferos da Formao Alter do Cho, no municpio de Santarm (T entre 1,5 x 10-3 e 9,1 x 10-3 m2/s, S de 4,1 x 10-4 a 3,3 x 10-4, e K de 2,1 x 10-4 a 5 x 10-5 m/s) constata-se que no Sistema I-Solimes os parmetros hidrodinmicos tm ordens de grandezas compatveis com os valores mni-mos obtidos no Sistema Alter do Cho, em Santarm.

    CONCLUSES

    Na Regio Hidrogrfica Amaznica as pesquisas sobre guas subterrneas so incipientes e concentradas nos aquferos da Formao Alter do Cho, havendo uma ca-rncia quase absoluta de informaes a respeito da hidro-geologia das Formaes I e Solimes.

    A associao do mapa geolgico das bacias do Solimes e do Amazonas com as espessuras no aflorantes reconheci-das para as Formaes Alter do Cho, Solimes e I mos-tra que cerca de 50% da espessura total dessas formaes na bacia do Solimes so representados pela Formao Alter do Cho, recoberta pelas Formaes I/Solimes.

    Na Bacia do Solimes, os aquferos da Formao Alter do Cho so confinados pelo Aquiclude Solimes, cuja es-pessura na regio de Urucu varia de 150 a 180 m.

    As poucas informaes obtidas no mbito do proje-to ECO-03 na regio de Urucu referentes qualidade da gua da Formao Alter do Cho, a partir dos 300 m de

    profundidade, sugerem um teor de sais superior a 1.000 mg/L. Desse modo, nas estimativas de reservas de gua subterrnea na bacia do Solimes, a Formao Alter do Cho no deve ser levada em conta, pelo menos at que estudos futuros caracterizem mais especificamente a qua-lidade da gua nesse domnio hidrogeolgico.

    Na Bacia do Amazonas, embora a espessura da Formao Alter do Cho alcance 1.250 m, nos aquferos confinados mais profundos a gua pode apresentar teor de sais elevado, como evidenciado na bacia do Solimes.

    Na Bacia do Amazonas, a reserva estimada para o Sistema Aqufero Alter do Cho em torno de 33.000 km3. Estudos da qualidade da gua dos aquferos mais profun-dos dessa formao podero demonstrar valores diferentes dessa estimativa.

    Estudos realizados no projeto ECO-O3 caracterizaram o Sistema Aqufero I-Solimes na regio de Urucu, po-dendo servir de base para pesquisas hidrogeolgicas re-gionais, na bacia do Solimes. Na regio em apreo, esse sistema do tipo livre-confinado, constitudo por dois aquferos hidraulicamente conectados: o mais superficial com topo e base em profundidades prximas de 20 e 70 m, respectivamente, e o mais profundo com intervalo de pro-fundidades que varia de 80 a 130 m.

    Com relao qualidade das guas, os sistemas aqufe-ros Alter do Cho e I-Solimes, apresentam semelhana hidrogeoqumica, com baixos teores de ctions e nions, pre-dominando Na+, K+e HCO

    3-, cujos teores mais elevados obti-

    dos em Urucu em geral no ultrapassam 7,0, 5,5 e 30 mg/L, respectivamente. Em todos os poos estudados nessa rea, a gua cida, predominando valores de pH entre 5 e 6, en-quanto que, para a condutividade eltrica, o mnimo situa-se prximo de 12 S/cm e o mximo em torno de 100 S/cm.

    Os parmetros hidrodinmicos mdios para os aquferos do Sistema I-Solimes foram T = 3 x 10-3 m2/s, S = 5 x 10-4 e K = 1 x 10-4 m/s, de ordens de grandezas similares aos valo-res mnimos obtidos no Sistema Alter do Cho, em Santarm.

    Para o Sistema I-Solimes, com uma rea de aflo-ramento de aproximadamente 948.600 km2, a reserva to-tal estimada de 7.200 km3, consideravelmente menos ex-pressiva e equivalente a cerca de 22% da obtida para o Sistema Aqufero Alter do Cho.

    AGRADECIMENTOS

    Petrobras pelo apoio a todas as atividades do projeto Caracterizao Hidrogeolgica para o Uso Sustentvel da gua Subterrnea na BOGPM, sobretudo ao geofsico Marcus Paulus Martins Baessa, pelo profissionalismo e re-lao de amizade e confiana com toda a equipe que parti-cipou dos trabalhos, durante a sua fase de coordenador do projeto, pelo CENPES.

  • Souza, E. L. et al.

    - 116 - Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    REFERNCIAS

    AGNCIA NACIONAL DE GUAS (ANA). Panorama da qualidade das guas subterrneas no Brasil. Coordenao Geral: Joo Gilberto Lotufo Conejo. Coordenao Executiva: Marcelo Pires da Costa, Jos Luiz Gomes Zoby. Braslia. 2005. 80 p.

    AGUIAR, C. J. B.; HORBE, M. A.; ROSA FILHO, S. F.; LOPES, E. S.; MOURA, U. F.; ANDRADE, N. M.; DIGENES, H. S. Carta hidrogeolgica da cidade de Manaus. CPRM-AM Manaus. 2002.

    BAHIA, R. B. C. Evoluo tectonossedimentar da bacia dos Parecis - Amaznia. Ouro Preto: UFOP, 2007. 149 p. (Contribuio s cincias da terra. Srie D, v. 18, n. 26). Originalmente apresentada como tese de Doutorado ao Departamento de Geologia da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto UFOP.

    BARATA, C. F.; CAPUTO, M. V. Geologia do petrleo da Bacia do Solimes. 2007. O Estado da Arte, 4 PDPETRO Campinas, SP - ABPG.

    BRASIL. Ministrio do Meio Ambiente. Caderno da Regio Hidrogrfica Amaznica. Braslia: Ministrio do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hdricos, 2006. 124 p.

    CAPUTO, M. V. Stratigraphy, Tectonics, Paleoclimatology and Paleogeography of Northern Basin of Brazil. 1984. Tese (Doutorado) - University of California, p. 163-170.

    CAPUTO, M. V.; RODRIGUES, R.; VASCONCELOS, D. N. N. Nomenclatura estratigrfica da Bacia do Amazonas: Histrico e Atualizao. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 26., 1972. Belm. Anais... Belm: SBG, 1972. v. 3, p. 35-46.

    CAPUTO, M. V.; RODRIGUES, R.; VASCONCELOS, D. N. N. Litoestratigrafia da Bacia do Amazonas. Belm: Petrobras, 1971. Relatrio interno.

    COOPER, H. H.; JACOB, C. E. A generalized graphical method for evaluating formational constants and summarizing well field history. Transactions American Geophysical Union. v. 27, n. 4, p. 526-634, 1946.

    CRUZ, N. M. C. Quitinozorios da Bacia do Solimes, Brasil. Belm: Convnio CPRM/Petrobras, 1987. Relatrio interno.

    CUNHA, P. R. C.; GONZAGA, F. G.; COUTINHO, L. F. C.; FEIJ, F. J. Bacia do Amazonas. Boletim de Geocincias da Petrobras, v. 8, n. 1, p. 47-55, 1984.

    DRISCOLL, G. Groundwater and Wells. 2.ed. St. Paul: Johnson Division, 1987. 1088 p.

    EIRAS, J. F. Tectnica, sedimentao e sistemas petrolferos da Bacia do Solimes, Estado do Amazonas. In: TAHA, M. Searching for oil and gas in the land of giants: the search magazine. Edio Especial sobre o Brasil. Argentina: Schlumberger, 1998.

    EIRAS, J. F.; BECKER, C. R.; SOUZA, E. M.; GONZAGA, J. E. F.; SILVA, L. M.; DANIEL, L. M. F.; MATSUDA, N. S.; FEIJ, F. J. Bacia do Solimes. Boletim de Geocincias da Petrobras, v. 8, n. 1, p. 17-45, 1994.

    GALVO, P. H. F.; DEMTRIO, J. G. A.; SOUZA, E. L.; PINHEIRO, C. S. S.; BAESSA, M. P. M. Hidrogeologia e Geometria dos Aquferos das Formaes Cretceas I e Solimes, Bacia Paleozica do Solimes, na Regio de Urucu/AM. Revista Brasileira de Geocincias, v. 42, suppl 1, p. 141-152, 2012.

    MAIA, R. G.; GODOY, H. K.; IAMAGUTTI, H. S.; MOURA, P. A.; COSTA, F. S. F.; HOLANDA, M. A.; COSTA, J. A. Projeto Carvo no Alto Solimes. Manaus: Amazonas, 1977, 137p. Relatrio Interno.

    MASSON, C. G. M. J. Subsdios para uma gesto dos recursos hdricos na Amaznia: estudo de caso na Bacia do Rio Madeira. 2005. 258p. Dissertao (Mestrado em Cincias em Planejamento Energtico) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

    NOGUEIRA, A. C. R.; ARAI, M.; HORBE A. M.; SILVEIRA, R. R.; SILVA, J. S. A Influncia marinha nos depsitos da Formao Solimes na regio de Coari (AM): registro da transgresso miocnica na Amaznia ocidental. In: SIMPSIO DE GEOLOGIA DA AMAZNIA, 8., 2003. Manaus. Resumos expandidos... Manaus: SBG, 2003.

    OLIVEIRA, K. S. Fatores responsveis pela ocorrncia da slica na gua de aquferos da Formao Solimes, em Urucu-AM com nfase para a composio mineralgica. 2010. 98p. Trabalho de Concluso de Curso - Centro de Geocincias, Universidade Federal do Par.

    SANTOS, J. O. S. Magmatismo Bsico-Alcalino no Proterozico Superior da Plataforma Amaznica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA. 1978. Recife. Anais... Recife: SBG, 1978. v. 3, p. 1309-1322.

    SILVEIRA, R. R. Cronoestratigrafia e interpretao paleoambiental de depsitos miocenos da Formao Solimes, Regio de Coari, AM. 2005. 93 p. Dissertao

  • Hidrogeologia nas bacias do Amazonas e do Solimes

    - 117 -Geol. USP, Sr. cient., So Paulo, v. 13, n. 1, p. 110-110, Maro 2113

    (Mestrado) - Departamento de Geocincias, Universidade Federal do Amazonas, Manaus.

    SOUZA, E. L.; DEMTRIO, J. G. A. Caracterizao Hidrogeolgica da Base Operacional Gelogo Pedro de Moura (BOGPM). Convnio UFPA/Petrobras, 2011. Relatrio interno. Manaus.

    SOUZA, L. S. B.; VERMA, O. P. Mapeamento de aquferos na cidade de Manaus/AM (zonas norte e leste) atravs de perfilagem geofsica de poo e sondagem eltrica vertical. Revista Brasileira de Geocincias, v. 19, n. 1, p. 111-127, 2006.

    TANCREDI, A. C. F. N. S. Recursos hdricos subterrneos de Santarm: fundamentos para uso e proteo. 1996. 154 p. Tese (Doutorado) - Curso de Ps-Graduao em Geologia e

    Geoqumica, Centro de Geocincias, Universidade Federal do Par, Belm.

    THEIS, C. V. The relation between the lowering of the piezometric surface and the rate and duration of discharge of a well using ground-water storage. Transactions American Geophysical Union, v. 16, p. 519-524, 1935.

    VASCONCELOS, T. A. Estudos fsico-qumicos e microbiolgicos de guas de poos tubulares da cidade de Manaus. 2006. Dissertao (Mestrado) - Instituto de Cincias Exatas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus.

    WANDERLEY FILHO, J. R.; TRAVASSOS, W. A. S.; ALVES, D. B. O diabsio nas bacias paleozicas amaznicas - heri ou vilo. Boletim Geocincias da Petrobras, v. 14, n. 1, p. 177-184, 2005.