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Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Mestrado Acadêmico DISCIPLINA: EPISTEMOLOGIA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA (EHC) DOCENTES: Dra. Maria Delourdes Maciel DISCENTE (S): Marco Antônio Sabará RGM Talita Valadares RGM 1551639-3 Síntese: GILBERT SIMONDON VIDA E OBRA Gilbert Simondon nasceu em Saint-Etienne, França, em 2 de outubro de 1924. Muito cedo se interessou pela maneira como as inovações científicas e tecnológicas eram recebidas pela sociedade. Foi aluno no Liceu do Parque em Lyon e na École Normale Supérieure (1944-8); e também, foi professor no Liceu Descartes, em Tours (1948-55), onde fez os cursos de Física e de Filosofia. Georges Canguilhem, Martial Guéroultc e Maurice Merleau-Ponty estiveram entre seus professores. Doutorou-se em 1958, habilitando-se como docente da Faculdade de Letras da Universidade de Poitier (1960-3), de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris (1963-9), e de Psicologia da Universidade de Paris V (Sorbonne, 1969-84). Escreveu ensaios em cadernos de pedagogia e de psicologia, contribuindo para o estudo de novos processos de ensino e aprendizagem de cultura técnica. Os últimos anos de sua vida foram marcados por um sofrimento psíquico que o levaria a antecipar sua aposentadoria. Faleceu em 7 de fevereiro de 1989 (CAMPOS E CHAGAS, 2007). Entre seus escritos se destacam L’individu et sa genèse physico-biologique – L’individuation à la lumière des notions de

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Epistemologia

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Page 1: Síntese - Gilbert Simondon

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências

Mestrado Acadêmico

DISCIPLINA: EPISTEMOLOGIA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA (EHC)

DOCENTES: Dra. Maria Delourdes Maciel

DISCENTE (S): Marco Antônio Sabará RGM

Talita Valadares RGM 1551639-3

Síntese:

GILBERT SIMONDON

VIDA E OBRA

Gilbert Simondon nasceu em Saint-Etienne, França, em 2 de outubro de 1924.

Muito cedo se interessou pela maneira como as inovações científicas e tecnológicas eram

recebidas pela sociedade. Foi aluno no Liceu do Parque em Lyon e na École Normale

Supérieure (1944-8); e também, foi professor no Liceu Descartes, em Tours (1948-55),

onde fez os cursos de Física e de Filosofia. Georges Canguilhem, Martial Guéroultc e

Maurice Merleau-Ponty estiveram entre seus professores. Doutorou-se em 1958,

habilitando-se como docente da Faculdade de Letras da Universidade de Poitier (1960-3),

de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris (1963-9), e de Psicologia da

Universidade de Paris V (Sorbonne, 1969-84). Escreveu ensaios em cadernos de

pedagogia e de psicologia, contribuindo para o estudo de novos processos de ensino e

aprendizagem de cultura técnica. Os últimos anos de sua vida foram marcados por um

sofrimento psíquico que o levaria a antecipar sua aposentadoria. Faleceu em 7 de fevereiro

de 1989 (CAMPOS E CHAGAS, 2007).

Entre seus escritos se destacam L’individu et sa genèse physico-biologique –

L’individuation à la lumière des notions de forme et d’information (“O indivíduo e sua

gênese físico-biológica: A individuação à luz das noções de forme e de informação”,

publicado em 1964) e L’individuation psychique et collective (“A individuação psíquica e

coletiva”, publicado em 1969). Ambos integravam sua Tese da qual se originou sua obra

principal Du mode d’existence des objects techniques (“Do modo de existência dos objetos

técnicos”, publicada em 1989) (CAMPOS E CHAGAS, 2007).

De acordo com Neves e Costa (2009), Simondon, se apresenta em uma perspectiva

filosófica, baseado numa génese de análise de base ontológica (que estuda a natureza,

características, existência e realidade do ser). Ele organiza as suas idéias a partir de três

centros: primeiro, a relação entre o homem e o objeto técnico; segundo, a origem e a

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evolução dos objetos técnicos e terceiro, a essência da tecnicidade. Avalia um certo mal-

estar na sociedade contemporânea em relação à tecnologia, gerando duas correntes

opostas (tecnofílica e tecnofóbica) ambas decorrentes do próprio desconhecimento dos

objetos técnicos em si mesmos. Surge, desta forma, o conflito entre aqueles que desejam

seguir o fluxo tecnológico e outros que desejam impedi-lo, rotulados de “conservadores”.

A seguir, ele traça um panorama histórico das técnicas, dividido em 8 fases

históricas, da pré-história até o século XX e XXI.

A partir de uma fase inicial mágica, de técnica e religião, há uma tendência histórica

de separação entre técnica e religião. Em uma fase posterior, a própria prática se bifurcaria

entre a epistéme (conhecimento) e a techné (técnica). Por sua vez, a religião se

subdividiria entre o dogma e a ética. A partir do Império Romano, a tecnicidade ganha

força, passando por três estágios: primeiro, o do elemento (ferramentas, instrumentos) –

até o sec. XVI; segundo, o do indivíduo (máquinas), séc. XVIII e XIX; e terceiro, o do

conjunto (indústrias e redes), século XX.

Simondon analisa a resistência dos meios não técnicos aos modos de pensamento

do meio técnico. Para ele, o objeto técnico teria sido inventado independente de qualquer

contexto histórico, social ou econômico por viabilizar uma presença de realidade humana,

uma etapa de evolução. A harmonização entre a realidade técnica e a cultura universal

seria a individuação. Ele trabalha conceitos de termodinâmica para expor que a máquina

cumpre a função de estabilizar o mundo e organizar sistemas sociais e psíquicos, opondo-

se à tendência geral de desagregação energética dos sistemas.

Para Simondon, uma das características básicas dos objetos técnicos construídos

pelo homem consiste no fato de que eles são antes de mais nada feitos a partir de

informações que advém de seu exterior, e que lhe fornecem o sentido de seu

funcionamento. Uma máquina representa para ele não um ser fechado em suas

engrenagens, mas a materialização do pensamento humano, que forja conexões

mentalmente e depois as inscreve no objeto (SIMONDON, 1969: 60 Apud ANDRADE).

Dessa forma a máquina se torna um sistema aberto, propenso a dialogar com os

homens em uma troca constante de informações. Objetos técnicos automáticos não

permitem esse diálogo e formas de exploração criativa, o que os desvaloriza dentro de

uma perspectiva técnica.

Ele observa um hiato entre o conceito corrente de objetos naturais e objetos

técnicos, sendo estes últimos construídos artificialmente para algum fim utilitário. A partir

daí ele desenvolve o conceito de individuação, através dos quais os “indiferenciados” se

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tornam “individuais” e os “diferenciados” se tornam “indivisíveis”. É possível compreender

os objetos técnicos não enquanto peças destacáveis (este ou aquele objeto), mas sim

como resultados de diversos desenvolvimentos em processos contínuos de evolução. Para

poder se tornar um indivíduo, o objeto técnico necessita responder a certos quesitos. É

preciso que ele adquira uma condição especial, concretização. Este processo tem

ressonância na psicologia analítica de Jung, no qual a individuação é um processo central

no qual o ser humano evolui de um estado infantil para uma maior ampliação da

consciência. Para Simondon, o sujeito é efeito e não causa da individuação em um

processo progressivo que ele denominou transdução.

Ele trabalha ainda o conceito de concretização, através do qual os objetos técnicos

não são vistos como peças destacáveis, mas como resultados de diversos

desenvolvimentos em processos contínuos de evolução. Isso os aproximaria da noção de

indivíduo presente na biologia, em que cada indivíduo constitui um conjunto de dispositivos

articulados que formam um corpo em separado. A concretização dos objetos técnicos é

uma das suas principais contribuições teóricas, pois através dela se reformula os

parâmetros para se avaliar a atividade técnica. Não são os índices de produtividade e a

capacidade de intervenção pontual de uma máquina que determinam sua eficiência, mas a

passagem de um estado de artificialidade e desarticulação para uma sinergia complexa

dos componentes internos do objeto.

A princípio, os objetos são considerados abstratos ou artificiais por não possuírem

uma coesão interna e os homens precisarem constantemente intervir para garantir seu

funcionamento. À medida em que ocorre essa evolução, a necessidade de participação

humana diminui. Segundo o próprio Simondon,

"Com a evolução, esse objeto perde seu caráter artificial: a artificialidade essencial de um objeto ocorre porque o homem precisa interferir para manter o objeto existindo, protegendo-o contra o mundo natural e dando a ele uma forma separada de existência" (SIMONDON, 1969: 46-7 Apud ANDRADE).

Simondon polemiza ao afirmar que os movimentos que defendem o ambiente são

insensíveis à realidade técnica, ou seja, incapazes de entender a técnica como parte das

questões ambientais e, igualmente, sujeitas às interferências do industrialismo e do projeto

de mercado capitalista. A maioria procura a preservação da natureza, sem considerar as

condições de evolução da técnica, como se fossem questões distintas, relembrando seus

questionamentos sobre tecnofobia e tecnofilia.

Segundo Simondon, utiliza-se o conhecimento técnico unicamente para fins de

acumulação e perfeccionismo econômico, sem respeitar os parâmetros técnicos de

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evolução e de eficiência inscritos no processo de invenção e evolução dos objetos

(individuação da tecnologia). O industrialismo sacrifica o avanço técnico, dominando o

objeto técnico como um escravo indefeso.

Os objetos técnicos evoluem no sentido de sua concretização, o que os irá tornar

indivizíveis e plenamente integrados. Ao contrário do que muitas vezes se imagina, as

mudanças técnicas não são lineares e cumulativas, mas se organizam em ciclos. A

substituição de uma máquina por outra, segundo o autor, não significa simplesmente

acréscimo de informação e desempenho, mas momentos de superação que se organizam

por saltos aleatórios, mas que se atualizam ciclicamente.

Nessa evolução, os objetos irão apresentar transformações que se relacionam de

algum modo com suas fases anteriores.

Os princípios de estruturação desses objetos estão contidos em mecanismos que

Simondon denomina de elementos de tecnicidade, os menores depositários da informação

técnica (por exemplo, o princípio da alavanca, ou de combustão). Será a partir do

desenvolvimento e articulação destes elementos técnicos infra-individuais que se torna

viável a constituição de indivíduos técnicos autônomos (SIMONDON, 1969: 72 Apud

ANDRADE).

Simondon detecta, no mundo moderno, um impasse perigoso, em que a esfera

técnica e a cultura são concebidas como formas de atuação humana claramente distintas e

opostas. A cultura representaria o espaço das atividades humanas, portanto "vivas",

dotadas de sentido e inteligibilidade, que seriam condicionadas pelo pensamento social e

pelos rituais coletivos. A técnica, ao contrário, seria composta por um infinito número de

objetos fragmentados e indiferentes aos imperativos humanos, por assim dizer "mortos",

situados em uma posição de concorrência em relação às qualidades e potencialidades da

cultura.

Simondon, manifesta portanto, uma apreciação positiva sobre a técnica sendo esta,

um o meio privilegiado para o aperfeiçoamento e a emancipação humana. Trata-se de

“instrumentalismo antropocentrado”, porque a técnica é essencialmente um instrumento de

realização humana.

O autor coloca as tecnociências sob o signo do progresso, que é também o da

humanidade em um sentido universal. Os problemas suscitados pelas tecnociências são

solúveis, com o auxílio de uma educação, de uma aculturação e de uma informação

apropriadas.

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Nesta perspectiva o fundamental seria a construção de uma cultura tecnocientífica,

de uma intercessão entre ciências-técnicas e culturas tradicionais uma vez que para

Simondon, não há oposição essencial entre tecnociência e cultura. Existe pois uma

defasagem entre a cultura dominante em relação ao meio real e atual.

A perspectiva na qual se coloca Simondon é aquela que vê o homem libertário em

busca de ação no mundo material se servindo da técnica para se emancipar sempre mais

dos limites impostos pelo mundo físico, do qual seu corpo, com todos os seus órgãos, é

parte.

A perspectiva elaborada por Simondon ainda é atual e instrutiva, pois indica: o

horizonte de uma humanidade unificada que se reconhece como civilização não na

oposição, mas na interseção entre cultura e tecnologia.

Referências:

ANDRADE. T. Intersecções entre o ambiente e a realidade técnica: contribuições do pensamento de G. Simondon. Ambiente e Sociedade.  no.8 Campinas Jan./June 2001. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-753X2001000800006&script=sci_arttext Acesso em 15/09/2015

AZAMBUJA, C.C. Ética e tecnociência. Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 25, n. 36, p. 323-340, jan./jun. 2013. Disponível em www2.pucpr.br/reol/index.php/rf?dd99=pdf&dd1=7777 Acesso em 15/09/2015

NEVES, J.P. e COSTA, P. Algumas notas sobre o conceito de individuação em Jung e Simondon: pensando a natureza das novas mediações técnicas. Sessão "Cibercultura" do Congresso LUSOCOM, Universidade Lusófona, Lisboa, 14 e 15 de Abril de 2009. Disponível em http://neves.paginas.sapo.pt/SOPCOM_Neves_P_Costa_Abril2009.pdf Acesso em 15/09/2015