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Sistema de Análise de Erros Humanos na Prevenção De Acidentes Aeronáuticos Leonardo Gomes Saraiva¹ – Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional/UNITAU Aviação do Exército/Universidade de Taubaté Palavras Chave: Erros Humanos, Fatores Humanos, Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, Sistema de Análise de Erro Humano. BIOGRAFIA Capitão do Exército, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté, Especialista em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras. Oficial de Segurança de Voo formado pelo CENIPA. Piloto de Helicópteros AS365 Dauphin (Pantera) e AS350 Esquilo. Foi instrutor do Centro de Instrução de Aviação do Exército por 4 anos nos cursos de piloto de aeronaves, pilotagem tática, piloto de combate, curso de gerência de aviação e do curso de Mecânicos de aeronaves, onde exerceu ainda a função de OSV e instrutor do módulo de Segurança de Voo para todos os cursos deste Centro. Facilitador de CRM/MRM pelo CENIPA e ANAC, responsável pelo projeto de implantação do MRM na Aviação do Exército. Atualmente exerce a função de OSV e piloto técnico, de produção e de testes no Batalhão de Manutenção e Suprimento, unidade de logística e manutenção, em último nível, da frota de helicópteros da Aviação do Exército. RESUMO Os fatores humanos vêm recebendo constantes investigações de pesquisadores e estudiosos nos últimos anos, principalmente em razão das estatísticas de acidentes aeronáuticos que os apontam como os principais fatores contribuintes nesses eventos. Este estudo teve o objetivo de explorar as características dos fatores humanos com enfoque no ambiente complexo da aviação e de identificar os erros humanos que provocam acidentes aeronáuticos inseridos nos seus respectivos contextos. Teve ainda o objetivo de apresentar uma metodologia sistêmica de análise dos fatores humanos associada a um sistema computacional, suas potencialidades e contribuições para a segurança de voo. Este trabalho tem como relevância a aplicação prática e contextualizada do modelo teórico de Reason e da taxonomia de erros humanos denominada de Human Factor Analysis and Classification System (HFACS) e a concepção de um software que parametriza os dados contextuais e relativos aos fatores contribuintes em acidentes. Possibilitando, realizar cruzamento de dados sob um ponto de vista holístico e sistêmico dos acidentes. A pesquisa foi exploratória descritiva, teve uma abordagem qualitativa quanto à coleta dos dados e uma abordagem quantitativa quanto ao seu tratamento. O levantamento dos dados foi feito por meio da análise documental dos relatórios finais de acidentes investigados pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA). O tratamento dos dados foi feito através de um Software de Análise, construído pelo autor, denominado Sistema de Análise de Erro Humano que parametrizou dados oriundos da metodologia Human Factor Analysis and Classification System (HFACS) e o cruzamento destes com dados contextuais operacionais. Identificou-se que os erros humanos que provocaram acidentes são recorrentes e frequentes em determinados contextos operacionais e que há uma significativa diferença destas frequências entre os operadores da Aviação Civil. A significância do trabalho reside na construção de um Software de Análise de Erro Humano aplicando a metodologia Human Factor Analysis and Classification System em contextos operacionais que integra informações de forma sistemática podendo utilizá-las em novos projetos e programas de prevenção. Conclui-se que o Sistema de Análise de Erro Humano possibilita identificar os tipos de erros em determinados contextos operacionais e analisar as distinções e particularidades destes entre os operadores, permite integrar informações e estabelecer programas de prevenção de acidentes aeronáuticos específicos a fim de utilizá-las em novos projetos de aeronaves para minimizar os erros humanos e melhorar ainda mais os índices de segurança de voo no Brasil e no Mundo. INTRODUÇÃO O sistema de aviação moderno caracteriza-se por ser cada vez mais diversificado em redes complexas de negócios e nas organizações governamentais. A rápida evolução do ambiente operacional da aviação exige que essas empresas e - - - - - - - - - - Anais do 4º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2011) – Direitos Reservados - Página 916 de 1041 - - - - - - - - - -

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Sistema de Análise de Erros Humanos na Prevenção De Acidentes Aeronáuticos

Leonardo Gomes Saraiva¹ – Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional/UNITAU Aviação do Exército/Universidade de Taubaté

Palavras Chave: Erros Humanos, Fatores Humanos, Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, Sistema de Análise de Erro Humano. BIOGRAFIA Capitão do Exército, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté, Especialista em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras. Oficial de Segurança de Voo formado pelo CENIPA. Piloto de Helicópteros AS365 Dauphin (Pantera) e AS350 Esquilo. Foi instrutor do Centro de Instrução de Aviação do Exército por 4 anos nos cursos de piloto de aeronaves, pilotagem tática, piloto de combate, curso de gerência de aviação e do curso de Mecânicos de aeronaves, onde exerceu ainda a função de OSV e instrutor do módulo de Segurança de Voo para todos os cursos deste Centro. Facilitador de CRM/MRM pelo CENIPA e ANAC, responsável pelo projeto de implantação do MRM na Aviação do Exército. Atualmente exerce a função de OSV e piloto técnico, de produção e de testes no Batalhão de Manutenção e Suprimento, unidade de logística e manutenção, em último nível, da frota de helicópteros da Aviação do Exército. RESUMO Os fatores humanos vêm recebendo constantes investigações de pesquisadores e estudiosos nos últimos anos, principalmente em razão das estatísticas de acidentes aeronáuticos que os apontam como os principais fatores contribuintes nesses eventos. Este estudo teve o objetivo de explorar as características dos fatores humanos com enfoque no ambiente complexo da aviação e de identificar os erros humanos que provocam acidentes aeronáuticos inseridos nos seus respectivos contextos. Teve ainda o objetivo de apresentar uma metodologia sistêmica de análise dos fatores humanos associada a um sistema computacional, suas potencialidades e contribuições para a segurança de voo. Este trabalho tem como relevância a aplicação prática e contextualizada do modelo teórico de Reason e da taxonomia de erros humanos denominada de Human Factor Analysis and Classification System (HFACS) e a concepção de um software que parametriza os dados contextuais e relativos aos

fatores contribuintes em acidentes. Possibilitando, realizar cruzamento de dados sob um ponto de vista holístico e sistêmico dos acidentes. A pesquisa foi exploratória descritiva, teve uma abordagem qualitativa quanto à coleta dos dados e uma abordagem quantitativa quanto ao seu tratamento. O levantamento dos dados foi feito por meio da análise documental dos relatórios finais de acidentes investigados pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA). O tratamento dos dados foi feito através de um Software de Análise, construído pelo autor, denominado Sistema de Análise de Erro Humano que parametrizou dados oriundos da metodologia Human Factor Analysis and Classification System (HFACS) e o cruzamento destes com dados contextuais operacionais. Identificou-se que os erros humanos que provocaram acidentes são recorrentes e frequentes em determinados contextos operacionais e que há uma significativa diferença destas frequências entre os operadores da Aviação Civil. A significância do trabalho reside na construção de um Software de Análise de Erro Humano aplicando a metodologia Human Factor Analysis and Classification System em contextos operacionais que integra informações de forma sistemática podendo utilizá-las em novos projetos e programas de prevenção. Conclui-se que o Sistema de Análise de Erro Humano possibilita identificar os tipos de erros em determinados contextos operacionais e analisar as distinções e particularidades destes entre os operadores, permite integrar informações e estabelecer programas de prevenção de acidentes aeronáuticos específicos a fim de utilizá-las em novos projetos de aeronaves para minimizar os erros humanos e melhorar ainda mais os índices de segurança de voo no Brasil e no Mundo. INTRODUÇÃO O sistema de aviação moderno caracteriza-se por ser cada vez mais diversificado em redes complexas de negócios e nas organizações governamentais. A rápida evolução do ambiente operacional da aviação exige que essas empresas e

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organizações se adaptem continuamente para manter sua viabilidade e relevância. O sistema de aviação também está se tornando cada vez mais global. Poucos negócios desse setor, redes de fornecedores e operações são totalmente realizados dentro de um único país. Características de complexidade, diversidade e mudança aumentaram a importância da boa gestão das funções que são essenciais ao desenvolvimento e à manutenção dos negócios na aviação. Mais do que qualquer outro tipo de negócio ou segmento, a aviação precisa manter uma imagem que dê segurança e confiança ao usuário. Dentre a complexidade de fatores que interferem nessa percepção está a segurança que o transporte ou os meios aéreos oferecem. Os acidentes aeronáuticos são uma das maiores fragilidades dessa área de atuação, e como a atividade aérea é extremamente complexa, as variáveis que se inter-relacionam, interdependem e se interconectam, como o homem, a máquina e o meio, devem ser estudados e compreendidos com a máxima profundidade na busca da maior eficiência na prevenção de acidentes aeronáuticos. No entanto, os estudos em Segurança de Aviação nem sempre tiveram uma abordagem sistêmica e complexa. Para a OACI (2009), desde o surgimento da aviação até a década de 70 os estudos centraram-se nos requisitos de projetos sob o ponto de vista dos fatores materiais. Esta fase ficou caracterizada como a era técnica. Segundo a OACI (2009), pouco antes da década de 70 até meados da década de 90 os estudos passaram a considerar os fatores humanos e surgiram treinamentos focados em habilidades sociais. Nesta fase, denominada a Era de Ouro dos fatores humanos, o erro humano foi considerado indescritível e onipresente. Ainda conforme a OACI (2009), a desvantagem dos esforços nos fatores humanos durante uma parte significativa da Era Dourada foi a tendência de centrar-se no indivíduo, com pouca atenção ao contexto operacional em que as pessoas realizam suas tarefas. Pouco antes do começo da década de 1990, passou-se a considerar que os indivíduos não operavam no vácuo, sozinhos, mas definidos dentro de contextos operacionais. Isso marcou o início da Era Organizacional, quando a segurança de voo começou a ser vista de uma perspectiva sistêmica, englobando organização, fatores humanos e técnicos, conforme a Figura1. Daí surgiu o conceito de acidente organizacional.

Figura 1 - A evolução do pensamento em segurança de voo. Fonte: OACI (2009).

Os fatores humanos tornaram-se o foco das pesquisas no intuito de aumentar os índices de segurança de aviação, assumindo a posição central desse sistema. Passou-se a estudar as características físicas e psicossociais inseridas nos contextos organizacionais e operacionais, que, diferentemente da tecnologia em constante inovação, pouco ou nada evoluíram e não evoluirão na mesma medida das tecnologias incorporadas aos novos projetos de aeronaves ou de infraestrutura. Faz-se mister, ao analisar um evento ou um projeto, bem como na gestão dos fatores humanos, permanecer aberto e flexível e evitar julgamentos precipitados de causa e efeito, até a análise ampla e contextualizada dos fatos sob o ponto de vista do operador. Isso é importante para a melhor compreensão do real problema, que está inserido no contexto dos sistemas complexos de alto grau de risco. Assim, estudar os fatores humanos, criar ambientes onde as variáveis se ajustem em suas características, e conhecer as condicionantes que favorecem a ocorrência de erros no ambiente de trabalho e inseridos na organização são aspectos vitais para tornar a atividade aérea mais segura e fomentar o seu desenvolvimento. Nesse sentido, uma pergunta fundamental que respondida proporciona uma melhor compreensão acerca das dinâmicas dos acidentes é: quais são os tipos de erros humanos que provocam acidentes aeronáuticos e em que contextos eles são mais frequentes? Este trabalho analisa 65 relatórios finais de acidentes aeronáuticos disponíveis no site do CENIPA entre os anos de 2007 e 2009 e realiza um estudo dos erros humanos ocorridos em acidentes aeronáuticos na aviação civil brasileira, dentro do seu contexto, utilizando o SAEH (Sistema de Análise de Erro Humano) tendo como base a metodologia HFACS (Human Factor Analysis and Classification System). REVISÃO DE LITERATURA Durante a revisão de literatura buscou-se reunir os conceitos e abordagens dos fatores humanos essenciais para o entendimento da concepção do sistema computacional, das análises e dos dados estatísticos estudados. Assim, nesta revisão há uma breve conceituação de sistemas complexos, conceitos de fatores humanos, erros humanos, HFACS, riscos e de gerenciamento de riscos. Sistemas Complexos A teoria dos sistemas surgiu na década de 40, abordando aspectos que os reducionistas não conseguiam explicar. Segundo Bertalanffy (1950a), ao analisar a evolução da ciência moderna, encontra-se o fenômeno notável em vários ramos da ciência, na qual há semelhanças gerais entre concepções e pontos de vista que evoluíram de forma independente. Segundo Neves e Neves (2006), as diferenças entre o modo de pensar de forma linear e sistêmica são apresentadas a seguir, com o objetivo de elucidar as diferenças conceituais. As premissas dos dois pensamentos, em relação ao pensamento linear, podem ser assim resumidas;

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• existe um problema; • há uma única causa; • é necessária uma única solução; • a solução pode ser avaliada apenas em termos do seu

impacto sobre o problema; • a solução permanecerá estável.

O pensamento linear é como olhar através de um orifício: olha-se em frente, e os únicos resultados que podem ser vistos são os que se querem ver. O administrador, pressionado a agir sobre o problema, muitas vezes olha em frente quando toma ações corretivas, mas uma das falhas do pensamento linear é que nem sempre se consegue enxergar o que se quer ver. Ainda para Neves e Neves (2006), em relação ao Pensamento Sistêmico; • existe um problema; • faz parte de uma situação; • requer uma solução; • a solução apresentará efeitos diversos, além do impacto

esperado sobre o problema; • faz sentido tentar antecipar esses efeitos; • a solução pode ser avaliada pela identificação e

ponderação da mistura de efeitos pretendidos e inesperados;

• a solução não será estável, uma vez que a situação é dinâmica.

Constata-se em Bertalanffy (1968), que a ciência vinha sendo tratada de forma dividida, embora algumas questões devessem ser tratadas mais amplamente. Essa constatação deve-se à complexidade das tecnologias e das sociedades, que não podem ser compreendidas nas formas tradicionais de análise de problemas. Para Bertalanffy (1968), um sistema é formado por elementos e propriedades, e a interação entre eles, que resulta na totalidade, permite compreender o seu funcionamento. O suprasistema é o meio onde o sistema se desenvolve e o subsistema é um componente do sistema. Para Bertalanffy (1950b) os sistemas podem ser fechados ou abertos. O fechado se caracteriza pelo fato de seus componentes não trocarem informação, matéria e energia com o meio externo. O aberto caracteriza-se pela troca de informação, matéria e energia com o meio externo, e ainda por adaptar-se a esse meio. Para Bertalanffy (1950b) os sistemas recebem do exterior as entradas, os inputs, em forma de informação, recursos físicos ou energia. As entradas são submetidas a processos de transformação, dos quais são obtidos os resultados, os outputs. Em Bertalanffy (1950b) os sistemas têm a capacidade de se autorregular por meio de mecanismos de feedback e feedforward, que mantêm seus parâmetros básicos de funcionamento. A retroalimentação, o feedback, é a parte das saídas de um sistema que volta em forma de entrada.

Sistema Aviação A segurança de voo é um desejo de todos e goza de importância crucial para a indústria aeronáutica e para a opinião pública que, muitas vezes, tem a expectativa de que a segurança das operações reside, quase que exclusivamente, em índices de confiabilidade dos produtos aeronáuticos. No entanto, sob o ponto de vista sistêmico, a aviação e todas as suas estruturas de apoio, tripulação, e todos os fatores humanos relacionados ao voo interagem entre si, e os fatores ambientais têm efeito em todos. O conjunto de interações pode ser chamado de sistema sociotécnico ou, em outras palavras, sistema homem-máquina, que possui dois elementos ou subsistemas principais que interagem entre si e estão sob influência dos fatores ambientais. Assim, a segurança de voo não depende exclusivamente da confiabilidade das aeronaves, mas da sua interação com os fatores humanos que estão sob influência de um determinado meio ou ambiente. Essas interações complexas constituem o sistema sociotécnico de aviação, que, segundo Alfrazehe e Bartsch (2007), compreende: subsistema técnico: envolve as aeronaves e

equipamentos de apoio e toda a sua infraestrutura logística, inclusive os equipamentos de controle do espaço aéreo;

subsistema social: composto pela tripulação, pessoal de logística, manutenção e de apoio e suas interelações;

fatores ambientais: inclui os fenômenos naturais, tais como: condições climáticas, aerodinâmicas e outros fatores desse ambiente, como a regulação operacional e as regras de tráfego aéreo e de voo utilizados para manter a separação mínima entre as aeronaves.

Segundo Afrazeh e Bartsch (2007), no sistema sociotécnico de aviação, simplesmente chamado sistema aviação, há presença de risco elevado; assim, é extremamente importante que se opere em segurança e confiabilidade total. Tão importante quanto obter a confiabilidade técnica e social desses subsistemas separados é a obtenção da confiabilidade total do sistema integrado, inserido ainda em seu ambiente e contexto.

Figura 2 - A confiabilidade total do sistema sociotécnico na aviação. Fonte: Afrazeh e Bartsch (2007).

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Fatores Humanos em Aviação Diversos atores e circunstâncias provocam a participação do ser humano em uma determinada ocorrência, mesmo antes de a aeronave decolar. Assim, em uma ocorrência de falha de motor, por exemplo, apesar de ser um equipamento, motor, se houve uma manutenção deficiente há presença do fator humano no acidente. Estatísticas apontam que 70% a 80% dos fatores contribuintes em acidentes aeronáuticos tiveram origem nos fatores humanos. (Paoli et al, 2007). Diante dessa significância numérica, estudar o fator humano é fundamental para alcançar maior eficiência no sistema sociotécnico da aviação. Com essa estatística pode-se inferir que o sistema está em desequilíbrio, atribuindo mais valores contribuintes ao sistema social. Dessa forma, é extremamente importante retomar o equilíbrio para alcançar a máxima confiabilidade do sistema como um todo. É uma tarefa complexa. A dificuldade da análise, aplicada ao fator humano, reside na sua extrema complexidade, na dificuldade de mensurar com precisão o seu desempenho individual e quando em interação com as interfaces do complexo sistema aeronáutico: Chapanis (1996) descreve que: (...) a engenharia dos fatores humanos estuda e aplica a informação sobre o comportamento humano, capacidades, limitações e outras características para a concepção de ferramentas, máquinas, sistemas, tarefas, trabalhos e ambientes para produção, segura, confortável e de fácil emprego (CHAPANIS, 1996, p. 11). Segundo Lewis e Hughes (s.d.), a disciplina Fatores Humanos é usualmente confundida com a Ergonomia, e é um campo multidisciplinar, conforme evidenciado na Figura 3, incluindo Antropometria, Fisiologia Aplicada, Medicina, Engenharia, Estatística, Dinâmica do Trabalho, Projeto e Psicologia.

Figura 3 - Disciplinas que pertencem ao estudo dos fatores humanos (ergonomia). Fonte: Lewis e Hughes (s.d.).

Todas essas disciplinas possuem um objetivo comum: compreender as limitações, as capacidades humanas, e projetar um sistema e/ou proporcionar um ambiente que irá aumentar a produtividade, segurança e facilidade de uso. Em relação aos fatores humanos, a FAA adota alguns conceitos que são considerados em seus projetos, como o do sistema total. Para a FAA (2000), a experiência tem demonstrado que quando as pessoas pensam em um sistema ou projeto, elas tendem a se concentrar nos aspectos tangíveis, como, por exemplo, na estrutura física e programas computacionais que foram adquiridos. Os indivíduos muitas vezes não conseguem visualizar que os usuários, as pessoas que operam e mantêm o sistema, têm diferentes aptidões, habilidades e formação, e vão atuar sob várias condições de funcionamento, estrutura organizacional, procedimentos, configurações de equipamentos e cenários de trabalho. O compósito total desses elementos e os recursos humanos componentes irão determinar a segurança, desempenho e eficiência do sistema como um todo. Outro conceito importante adotado pela FAA (2000) é o relacionado ao desempenho do Sistema Total. Assim, a probabilidade de o sistema total executar a sua operação conforme o pretendido é a probabilidade de que a máquina e as programações execute corretamente, vezes a probabilidade de que o ambiente operacional não degrade o funcionamento do sistema, vezes a probabilidade de que o usuário execute corretamente. Por definição do sistema total, o desempenho humano é identificado como um componente do sistema. Assim, o sistema pode funcionar perfeitamente sob uma avaliação de engenharia em um laboratório, ou em um banco de ensaio, e então não executar bem quando é operado e mantido pelos próprios usuários. Modelos de Análise dos Fatores Humanos Na tentativa de simplificar, sistematizar e facilitar a compreensão da análise aplicada dos fatores humanos na Aviação, estudiosos e agências regulatórias fomentam o uso de modelos. A OACI fomenta a utilização dos modelos SHELL e Reason no intuito de melhor compreender o complexo do ser humano inserido dentro do sistema aeronáutico. Sob a visão sistêmica, os acidentes acontecem, pois a confiabilidade total ou segurança de voo é proporcionada pelas interfaces, perfeitamente ajustadas, de todas as variáveis. Um desequilíbrio ou mudança em uma delas acarretará uma demanda de ajustes em todos os outros elementos que compõem o sistema. Essa demanda poderá não ser identificada e gerenciada a tempo, antes que se forme o ambiente propício para a ocorrência do acidente. Os modelos SHELL e Reason podem ser utilizados separadamente na identificação de perigos ou na investigação de acidentes, no entanto quando utilizados juntos eles se complementam. Um é centrado no homem (SHELL) e o outro nos fatores organizacionais (Reason).

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Figura 4 - Utilização do modelo SHELL e Reason de maneira complementar. Adaptada do modelo SHELL (OACI, 2009) e Reason (1995). Erro Humano Segundo Brasil (2008), o erro humano é o termo genérico que compreende toda ocasião em que a sequência mental planejada de atividades mentais ou físicas falha em alcançar seu resultado pretendido. Trata-se de uma característica do comportamento normal do ser humano. Sob o ponto de vista cultural, há uma tendência ao estabelecimento de culpa para agentes que cometem erros operacionais. No entanto, ao observar os erros humanos em sistemas complexos de alto grau de risco e segundo Reason (1990) estes são induzidos por influências organizacionais, aspectos de supervisão e pré-condições. Segundo a OACI (2009), o gerenciamento de erros operacionais não deve ser limitado ao pessoal da linha de frente, os pilotos e mecânicos. O seu desempenho é influenciado por fatores organizacionais, regulamentares e ambientais. Assim, por exemplo, processos organizacionais, tais como a comunicação inadequada, procedimentos ambíguos, escalas incoerentes, recursos insuficientes e orçamentos irrealistas constituem o terreno fértil para erros operacionais. Todos esses são processos nos quais uma organização deve ter um grau razoável de controle direto. Riscos e Gerenciamento de riscos A identificação de riscos e sua gestão são essenciais no sistema aviação. Para Dudova (2004), a palavra risco pode ser vista na literatura sob vários aspectos: do gerenciamento de riscos à fuga de riscos, do organizacional à mudança cultural e processual necessária para uma próspera mitigação de riscos, associados com a mudança organizacional. O risco pode ser definido como qualquer evento que pode, adversamente, ter influência sobre o desempenho das organizações e impedi-las de alcançar seus objetivos. Deve-se ressaltar que o risco, além de oportunidade, representa incerteza e ambiguidade. Dessa forma, Dudova (2004) cita que, o risco é definido como a exposição à perda/ganho, ou à probabilidade de ocorrência de perda/ganho multiplicado por sua magnitude. Eventos são ditos certos se sua probabilidade de ocorrência é de 100%, ou

totalmente incertos se sua probabilidade de ocorrência é 0%. Entre esses extremos a incerteza varia amplamente. Bastos (2005) descreve que o risco adotado em aviação se refere à perda potencial associada a um evento quando considerada sua probabilidade de ocorrência, o tempo de exposição a essa ocorrência e a gravidade dos resultados caso o evento ocorra. Maschio (2007) menciona que algumas ações podem ser tomadas a fim de controlar o risco: • prevenção: medidas defensivas são implantadas para

impedir o surgimento de ameaça ou problema; ou para prevenir que o risco tenha algum impacto na tarefa, projeto ou negócio;

• redução: ações reduzem a probabilidade do desenvolvimento do risco, ou limitam seu impacto a níveis aceitáveis;

• transferência do risco para uma terceira pessoa: por exemplo, apólice de seguro ou cláusula de multa;

• contingência: ações são planejadas e organizadas para quando o risco ocorrer.

A identificação, controle e monitoramento de riscos têm como objetivo evitar ou prevenir perdas com antecedência, permitindo instalar um processo de modelagem de gestão eficaz de riscos calculados, com base no mapeamento de eventualidades no ambiente de trabalho, por meio de sistemas, procedimentos, informação e comunicação. Os riscos podem ainda ser analisados e calculados de forma qualitativa ou quantitativa, dependendo das informações disponíveis e do evento propriamente dito que se deseja analisar. A análise de riscos de forma qualitativa tem a vantagem de considerar um determinado evento de forma mais holística e sistêmica, no entanto cabe ressaltar que esse cálculo depende da percepção do agente que o analisa. De acordo com Skinner e Villalobos (1999), o ser humano percebe o mundo de acordo com as contingências às quais foi exposto. Essas contingências ou estímulos de reforço controlam o tipo de comportamento perceptivo das pessoas. A análise de risco de forma quantitativa peca pela dificuldade de considerar todas as variáveis inseridas no evento que, de alguma forma, influenciam a probabilidade, exposição e suas consequências. Para Firmino (2004), o cálculo das probabilidades permite a representação das dependências e independências entre eventos. Assim, é possível a abordagem probabilística da causalidade, representada pelas dependências probabilísticas. Korb e Nicholsom (2003), fazem, ainda, um estudo sobre a confiabilidade humana, empregando redes Bayesianas, que são estruturas gráficas que permitem representar razões ou argumentos no domínio da incerteza. Em Aviação, de acordo com Bastos (2005), quanto à avaliação de risco, dois parâmetros fundamentais para o seu cálculo são a probabilidade de ocorrência, ou frequência, e a gravidade de um determinado evento perigoso. Técnicas de análise de risco são agrupadas em categorias qualitativas e quantitativas.

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Para este autor, normalmente são aplicadas técnicas qualitativas em primeiro lugar, assim permitir a categorização de risco em termos relativos, pelo uso de adjetivos como baixo, médio ou alto, e o advérbio muito. A partir de então, com o uso da matemática e/ou métodos computacionais, são aplicadas técnicas quantitativas para determinar valores numéricos para o grau de risco. Conforme a OACI (2002), estudos recentes em fatores humanos (FH) alertam para o perigo de ignorar o ser humano como parte de um sistema sociotécnico. Sistemas induzem erros humanos, tais como leitura deficiente de altímetro ou seleção deficiente dos controles e comandos da cabine de voo, que podem ter sido provocadas pelos chamados agentes tensores, ou, mais comumente, ameaças. Estratégias de Controle de Erros Segundo o Safety Management Manual (SMM), da OACI (2009), há três estratégias básicas para o controle de erros operacionais, que são baseadas nas três defesas fundamentais do sistema de aviação: tecnologia, formação (treinamento) e regulamento, incluindo procedimentos. Essas estratégias podem ser de redução do erro, de captura do erro e tolerância ao erro. A primeira atua diretamente na fonte do erro operacional, reduzindo ou eliminando os fatores que contribuem para a sua ocorrência. Exemplo: concepção centrada no homem, fatores ergonômicos, regulamentação, formação e capacitação. A segunda é a estratégia de captura do erro operacional antes de qualquer consequência adversa ou mais grave. A estratégia de captura é diferente da estratégia de redução, pois ela não serve diretamente para eliminar o erro, no entanto fornece informação eficiente aos gestores da operação. Num exemplo tem-se: Air/Aviation Safety Report (ASR), programa de reporte voluntário; Flight Operational Quality Assurance (FOQA), programa de garantia da qualidade operacional do voo, Line Operational Safety Audit (LOSA), programa de auditoria de segurança operacional aplicado em voo, e o Maintenance Operational Safety Audit (MOSA), programa de auditoria de segurança operacional aplicado durante a manutenção. A terceira estratégia é a de tolerância. Refere-se à capacidade de um sistema para aceitar um erro operacional, sem graves consequências. Um exemplo de medida para aumentar a tolerância a erros de sistema operacional é a incorporação de um duplo sistema. Ainda segundo a OACI (2009), o gerenciamento de erros operacionais não deve ser limitado ao pessoal da linha de frente, os pilotos, mecânicos e controladores de tráfego aéreo. O seu desempenho, como ilustrado pelo modelo SHELL, é influenciado por fatores organizacionais, regulamentares e ambientais. Assim, por exemplo, processos organizacionais, tais como a comunicação inadequada, procedimentos ambíguos, escalas incoerentes, recursos insuficientes e orçamentos irrealistas constituem o terreno fértil para erros operacionais. Todos esses são processos nos quais uma organização deve ter um grau razoável de controle direto.

Sistema de Classificação e Análise dos Fatores Humanos (HFACS) O HFACS foi desenvolvido por Wiegmann e Shappell (2003), inspirando-se em Reason (1990), a partir de uma taxonomia de falhas ativas e falhas/condições latentes, para identificar perigos e riscos. O HFACS descreve quatro níveis principais de condições de erros humanos, ilustrados na Figura 5 (United States-US, 2005): • atos inseguros; • pré-condições; • supervisão; • influências organizacionais.

Além dos quatro níveis de erros, o HFACS subdivide esses níveis que se expandem para sub níveis. Os sub níveis dividem-se em categorias e essas categorias de erros dividem-se, em última análise, em códigos de erros finais (CEF), como apresentado na Figura 5.

Figura 5 - Departamento de defesa - sistema de classificação e análise dos fatores humanos (DOD-HFACS). Fonte: United States-US (2005).

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Segundo Departamento de Defesa (DOD) dos EUA, US (2005), ao utilizar esse modelo de fatores humanos, o investigador deve considerar sua aplicação a partir de três áreas distintas: do ambiente, do indivíduo e do evento/acidente. A tripulação, os indivíduos que participaram do evento/acidente, interagem com o ambiente a que estão expostos. Os fatores ambientais referem-se não só ao ambiente físico aos quais os membros individuais estão expostos, mas também aos ambientes organizacionais, de supervisão e condições específicas, físicas e tecnológicas. Segundo Wiegmann e Shappell (2003), o sistema de classificação e análise dos fatores humanos apresenta uma abordagem sistemática e multidimensional para análise de erros e explora várias abordagens do fator humano, como cognitivo, psicomotor, fisiológico, da medicina aeronáutica, psicológico e organizacional. Ainda dando continuidade às colocações do US (2005), o processo de investigação tem seus esforços centrados em detectar e identificar os “buracos (riscos e falhas) no queijo", (trajetória do acidente ao longo dos níveis de erros humanos) como apresentado na Figura 5. Então, como identificar esses riscos? Eles não são demasiadamente numerosos para serem definidos? Cada acidente é único? Os erros e os riscos serão sempre diferentes para cada acidente? Em realidade, para o US (2005), cada acidente não é único e diferente dos seus antecessores. A maioria tem fatores contribuintes semelhantes, e são provocados pelos ’buracos no queijo’. Os riscos identificados em cada novo acidente não são exclusivos para ele, portanto, se são conhecidos pode-se identificar melhor as suas funções em acidentes, ou, melhor ainda, detectar a sua presença, desenvolver uma estratégia de mitigação do risco e corrigi-los antes que ocorram. Sistema de Análise de Erro Humano O programa computacional utilizado e desenvolvido nesta pesquisa parametrizou, além das informações oriundas do método HFACS, informações contextuais do acidente, como hora, local, experiência da tripulação, fase da operação, e tipo de ocorrência, dentre outras. Assim, o SAEH é uma ferramenta que proporciona o cruzamento de dados na busca da captura dos erros humanos proporcionando uma visão ampla, sistêmica e holística das ocorrências presentes em sua base de dados. Nesta pesquisa compõe a base de dados do SAEH os relatórios de investigação de acidentes aeronáuticos, a partir dos quais foi feita uma leitura, interpretação e a extração de dados de forma qualitativa, a fim de identificá-los e analisá-los. Após leitura e interpretação de 65 relatórios finais de acidentes aeronáuticos investigados pelo CENIPA, os dados extraídos foram inseridos no programa computacional.

O processo de coleta dos dados foi realizado conforme apresentado na Figura 6.

Figura 6 - Fluxograma da cronologia da pesquisa. Os dados foram contabilizados numa base de 100 em relação ao nível estudado, assim para cada nível o somatório dos códigos encontrados foi sempre 100%. A partir da leitura dos relatórios finais buscou-se identificar quais foram os CEFs que contribuíram para o acidente, gerando um banco de dados, juntamente com as informações contextuais que foram cruzadas e analisadas para identificar os erros mais frequentes e/ou mais relevantes nas ocorrências aeronáuticas, no Brasil, entre os anos de 2007 e 2009. O programa possibilita uma infinidade de cruzamento de dados. Estes cruzamentos de dados podem ser realizados conforme o que se deseja conhecer sobre a dinâmica dos acidentes. Assim, nesta pesquisa, extraiu-se alguns cruzamentos de dados apenas como amostragem da capacidade do SAEH, como se vê a seguir. No entanto, o sistema possibilita conhecer muito mais sobre a dinâmica das ocorrências. Estudos e análises oriundas do SAEH O SAEH pode realizar análises puramente operacionais, análises puramente utilizando a taxonomia de erros do HFACS e ainda realizar uma análise cruzada entre o contexto operacional e o HFACS. Exemplo de cada uma dos três tipos de análises descritas anteriormente é mostrado a seguir: Análise Operacional oriunda do SAEH

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Dentre os diversos contextos operacionais que o SAEH pode estudar apresenta-se a frequência de ocorrências por fase da operação. Dessa forma, pode-se observar em qual momento do voo a tripulação deve focar mais sua atenção e se antecipar aos eventos. Bem como proporcionar que o operador gerencie o seu treinamento conforme as suas frequências. A Tabela 1 mostra os quantitativos total e percentual de ocorrências por fase da operação ou do voo, e um quadro resumo que divide as principais fases do voo.

Total de Ocorrências por Fase da Operação

Descrição Total % Pouso 14 21,5 Subida 13 20 Cruzeiro 9 13,8 Circuito de Tráfego/Pulverização 6 9,2 Decolagem 5 7,7 Passe de Pulverização/Baixa 5 7,7 Taxi 3 4,6 Aproximação 3 4,6 Descida 2 3,1 DEMONSTRAÇÃO -

ACROBACIA (Autorizada ou Não)

2 3,1

Não Informado 1 1,5 Arremetida/Aproximação Perdida 2 3,1

Total de Acidentes 65 100

QUADRO RESUMO táxi, decolagem, subida – INÍCIO DO VOO 21 32,3

Cruzeiro – VOO ESTABILIZADO 9 13,8 descida, circuito tráfego/pulv, aproximação, pouso e arremetida – FINAL DO VOO

27 41,5

Outros momentos do voo - demonstração/acrobacia, passe de pulverização/baixa

8 12,4

TOTAL 65 100 Tabela 1 - Quantitativo total e percentual de ocorrências por fase do voo. Nota-se que, conforme o quadro resumo, a maior parte dos acidentes ocorre ao final do voo, e, em seguida, no início do voo. Cabe ressaltar, ainda, que essas fases do voo representam, em termos de duração, um período muito curto em relação ao voo como um todo e em relação à fase de voo de cruzeiro, quando há o menor percentual de acidentes. A maior frequência dos acidentes nos períodos citados pode estar associada, especificamente no início do voo, a uma adaptação tanto da tripulação quanto da aeronave, e em relação ao final pode estar associada à fadiga e à ansiedade. Essas duas fases, início e final do voo, podem estar associadas, ainda, a outros fatores, como aumento da carga de trabalho da tripulação, necessidade de maior acurácia, habilidade e treinamento, fatores organizacionais, como procedimentos-padrão bem estabelecidos, pré-condições,

como capacidade de atenção concentrada e difusa, e até mesmo fatores culturais. Assim, não é o objetivo deste tópico do artigo analisar amiúde o contexto operacional associado ao erro humano. Mas poderia ser produzido pelo sistema uma associação deste contexto com os tipos de erros humanos mais frequentes para cada fase de voo descrita na tabela 1. Conforme se identifica as possibilidades causais e necessite conhecer mais acerca da dinâmica de um determinado contexto, o SAEH pode ser utilizado portanto, para responder por exemplo, qual o tipo de erro, segundo a taxonomia HFACS é mais frequente durante a aproximação final. Análise HFACS oriunda do SAEH Quando se observam as ocorrências sob o prisma dos quatro principais níveis do HFACS (atos inseguros, pré-condições, supervisão e influências organizacionais), tem-se uma visão ampla das grandes áreas (níveis de erros humanos) onde devem ser focados os esforços na prevenção de acidentes. O HFACS utilizado nesta pesquisa possui 150 CEFs, que são distribuídos nas categorias, nos sub níveis e níveis propostos pela taxonomia de erros. Durante a pesquisa foi encontrado um total de 906 CEFs, que foram contribuintes para os acidentes distribuídos nestas categorias, sub níveis e níveis do HFACS. O Gráfico 1 ilustra o percentual de erros, contabilizando todos os acidentes analisados a partir dos quatro níveis do HFACS, e também o percentual dos fatores contribuintes dentre os quatro níveis do HFACS.

Gráfico 1 - Percentual dos fatores contribuintes dentre os quatro níveis do HFACS. Constata-se maior prevalência os Fatores Contribuintes no nível 2, das Pré-Condições, concentrando 34,4% do total dos Fatores Contribuintes. O nível 3, Supervisão, concentra 23,1% do total dos Fatores Contribuintes. Em seguida, com 22,2%, está o nível 1, Atos Inseguros, e, por último, o nível 4, Influências Organizacionais, com 20,3%. Estes resultados sugerem que há certa equivalência de Fatores Contribuintes dentro dos níveis do HFACS, excetuando-se o nível 2, das Pré-Condições, que se destaca dos demais. Assim, ao se considerar o modelo e a teoria da

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causalidade dos acidentes de James Reason, denominada ‘queijo suíco’, é como se a ‘fatia’ Pré-Condições possuísse um ‘buraco’ maior que as demais, o que permite inferir que é a barreira defensiva mais fraca do sistema para a amostra estudada. O Gráfico 6 estabelece o percentual da frequência dentre os Atos Inseguros (nível 1) e entre Erros e Violações, em uma base de 100% dentro do nível 1.

Gráfico 2 - Percentual dos atos inseguros (nível 1) entre erros e violações.

Do total, 75,6% dos Atos Inseguros são erros e 24,4% Violações. Cabe destacar o elevado número de Erros ao se comparar com as Violações. No entanto, para se ter uma noção de grandeza e fazer juízo de valor, é importante adotar uma base de comparação utilizando-se a mesma taxonomia. A FAA (2005) realizou uma análise dos relatórios finais de acidentes ocorridos na Aviação Geral entre os anos de 1990 e 2000, analisados pelo NTSB, utilizando o HFACS. As Violações representaram 13,7%, um percentual bem abaixo do encontrado no Brasil. A comparação é útil, no entanto há que se ter o cuidado de considerar que a amostra da pesquisa da FAA (2005) é oriunda de acidentes ocorridos com a Aviação Geral, e o espaço amostral das Violações destacadas no Gráfico 6 refere-se a todos os operadores da Aviação Civil, portanto, tipos de operadores diferentes. Pode-se supor que há um espaço significativo para redução das Violações no Brasil, o que traria significativo aumento do índice de segurança de voo. Para tanto, devem-se intensificar a fiscalização e a aplicação de medidas motivacionais por parte das autoridades aeronáuticas. Análise cruzada (Operacional x HFACS) oriunda do SAEH Outro tipo de análise que o SAEH pode executar é a análise cruzada que contempla o tipo de erro humano inserido em um contexto operacional. Esta análise vai ao encontro das teorias de sistemas complexos e as teorias mais atuais de análises dos fatores humanos utilizadas pela ICAO, que é a análise dos fatores humanos inserindo-o em contextos operacionais.

As atividades de prevenção devem focar e priorizar as áreas de maior risco. Assim, um tipo de análise levando em consideração as consequências do acidente é quando divide-se as ocorrências em fatais e não fatais. Deve-se priorizar a prevenção das ocorrências fatais, pois a sua gravidade é muito maior. Surgem, então, duas questões importantes para a segurança de voo: • Os acidentes fatais e não fatais possuem fatores

contribuintes diferentes e específicos?; • Quais são os Códigos de Erros Finais (CEFs) mais

frequentes em ocorrências fatais e não fatais? Dessa forma, diante das 65 ocorrências cabe destacar que 45 delas não tiveram como consequência nenhuma fatalidade e 20 tiveram consequências fatais. A Tabela 2 apresenta os cinco CEFs mais frequentes em ocorrências não fatais e sua ocorrência: liderança/supervisão/fiscalização deficiente; decisão durante a operação; erros de procedimento; controle deficiente; e publicações/guias de procedimentos.

Descrição Total Não Fatal - Liderança / Supervisão / Fiscalização Deficiente 22

Não Fatal - Decisão durante a operação 19 Não Fatal - Erro de procedimento 17 Não Fatal - Controle deficiente 17 Não Fatal - Publicações/guias de procedimentos 16

Tabela 2 - Cinco CEFs mais frequentes em ocorrências não fatais. A Tabela 3 apresenta os cinco CEF mais frequentes em ocorrências fatais. Cultura e Valores Organizacionais estiveram presentes em 15 acidentes analisados, seguidos da Decisão Deficiente Durante a Operação; Liderança/Supervisão/Fiscalização Deficiente; Excesso de Confiança; e Planejamento da Missão.

Tipo de CEF por Ocorrências Fatais

Descrição Total Fatal -Cultura/valores organizacionais 15 Fatal - Decisão durante a operação 14 Fatal -Liderança / Supervisão / Fiscalização Deficiente 13

Fatal -Excesso de confiança 13 Fatal -Planejamento de missão 12

Tabela 3 - Os 5 CEFs mais frequentes em ocorrências fatais. Na comparação dos CEFs não fatais e fatais, percebe-se que as Decisões Durante a Operação e Liderança/Supervisão/Fiscalização Deficiente são comuns; portanto, devem ter maior enfoque, já que contribuem tanto para ocorrências fatais como para não fatais. Não menos importante, é necessário focar esforços na prevenção dos demais CEFs fatais, como Cultura/Valores Organizacionais, Excesso de Confiança e Planejamento de Missão. Pode-se ainda realizar uma comparação, entre os operadores, da proporção de ocorrências fatais frente ao total de ocorrências, conforme apresenta o Gráfico 3.

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Gráfico 3 - Número absoluto de ocorrências fatais e não fatais por operadores. Em relação ao aeroclube não houve ocorrência fatal. Na aviação agrícola, para cada ocorrência 0,30 é fatal; na regular (comercial) 0,50; na instrução 0,14; na não regular 0,43; na particular 0,19; na polícia e defesa civil 0,50; e no táxi aéreo 0,35. Em publicidade houve apenas uma ocorrência fatal; desta forma, para cada ocorrência uma é fatal. Os menores índices de ocorrências fatais são na Instrução e na Aviação Particular. Os maiores índices de ocorrências fatais são na Publicidade, Polícia/Defesa Civil e na Aviação Regular; portanto, possuem os maiores riscos sem levar em consideração a frequência dos respectivos voos. Em relação ainda a ocorrências fatais e não fatais o SAEH poderia realizar ainda uma análise cruzada dos tipos de erros contribuintes para cada operador distinguindo-os entre fatais e não fatais. Portanto, a capacidade de análise do SAEH e de cruzamento de dados é ampla e possibilita uma visão ampla de fatores que são analisados, geralmente, de forma isolada por acidente/ocorrência. CONCLUSÃO Este artigo não teve a pretensão de esgotar os tratamentos estatísticos e possibilidade de cruzamento de dados que o SAEH pode proporcionar, mas apenas demonstrar algumas de suas possibilidades acerca das análises dos fatores humanos inseridos nos contextos operacionais. Uma das características do referido método é a capacidade de reunir as informações de diversos acidentes na busca de tendências, identificação das frequências dos fatores contribuintes, e comparação entre os tipos de operadores, que podem ter erros diferentes em razão das características específicas de suas operações. O sistema de análise de erros possibilita visualizar o que aconteceu, e o que poderá acontecer à medida que podemos estabelecer tendências ao analisarmos dados ao longo dos anos.

As análises podem ser comparadas com outras bases de dados que utilizaram a mesma taxonomia HFACS. Pode-se, ainda, verificar se houve mudança dos fatores contribuintes ao longo do tempo, ao se utilizar o método para outro período. O SAEH pode ainda, auxiliar na concepção de projetos de engenharia e programas de prevenção através de cruzamento de dados específicos para um determinado tipo aeronave e ou tipo de operador. Para os profissionais de segurança de voo o aspecto mais importante para a execução do seu trabalho na prevenção de acidentes é a informação. O SAEH auxilia na coleta das informações que estão distribuídas ao longo de vários acidentes, as reúne, parametriza através de uma metodologia padronizada, proporcionando comparação com outras bases de dados de outros operadores em qualquer parte do mundo. Devido à complexidade e ao elevado número de dados de acidentes e ou de fatores contribuintes há uma tendência à simplificação dos fatores causais. Desta forma, as estatísticas de acidentes e os estudos na prevenção de acidentes aeronáuticos geralmente tratam os eventos de forma isolada ou analisam os fatores contribuintes sem considerá-los no contexto operacional em que ocorreram. O SAEH, portanto, auxilia no entendimento da complexidade da contribuição dos fatores humanos nos acidentes aeronáuticos, proporcionando uma visão ampla, holística e sistêmica das ocorrências, possibilitando focar as atividades de prevenção em áreas e fatores críticos que, dada sua gravidade e frequência, dificultariam a observação de forma isolada e sem comparação. A relevância da concepção do SAEH reside em possibilitar o conhecimento das características inerentes aos fatores humanos no seu ambiente normal de trabalho e os tipos de erros humanos que contribuem para a ocorrência de acidentes aeronáuticos. Isto é fundamental para o estabelecimento de estratégias de prevenção eficientes e aumentar os índices de segurança de voo, contribuindo, assim, para a sustentabilidade dos negócios das empresas aéreas e para o desenvolvimento desse modal de transporte. Durante o trabalho de prevenção de acidentes o gestor de segurança de voo, de qualquer empresa ou organização, seja operacional, de manutenção, logística deve saber o que aconteceu, o que está acontecendo e o que poderá acontecer. Ou seja, quais foram os eventos passados, quais são os riscos atuais, e quais são os maiores riscos que ainda estão presentes. O SAEH é, portanto, uma ferramenta de integração da informação que auxilia no gerenciamento dos riscos organizacionais. REFERÊNCIAS ABNT, NBR10520:2002 - Informação e documentação – Citações em Documento - Apresentação. RC: ABNT-Associação Brasileira de Normas Técnicas, [S.d.], 2002a, 7p ABNT, NBR6023:2002 - Informação e documentação - Referências- Elaboração. RC: ABNT-Associação Brasileira de Normas Técnicas, [S.d.], 2002b, 24p

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