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Universidade de Brasília - UnB Instituto de Ciências Humanas IH Departamento de Serviço Social SER Sistema penitenciário e acesso à saúde: possibilidades e limites do controle social. Jéssica Fonseca Machado Brasília, 2013

Sistema penitenciário e acesso à saúde: possibilidades e ...bdm.unb.br/bitstream/10483/6136/6/2013_JessicaFonsecaMachado.pdf · 3 FOLHA DE APROVAÇÃO JÉSSICA FONSECA MACHADO

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Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Ciências Humanas – IH

Departamento de Serviço Social – SER

Sistema penitenciário e acesso à saúde: possibilidades e limites

do controle social.

Jéssica Fonseca Machado

Brasília, 2013

2

Universidade de Brasília - UnB

Instituto de Ciências Humanas – IH

Departamento de Serviço Social – SER

JÉSSICA FONSECA MACHADO

SISTEMA PENITENCIÁRIOE ACESSO À SAÚDE:

possibilidades e limites do controle social.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Departamento de Serviço Social (SER) da Universidade de

Brasília (UnB), como pré requisito para aprovação na

disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Orientadora: Profª Mª Morena Gomes Marques Soares.

Brasília, 2013

3

FOLHA DE APROVAÇÃO

JÉSSICA FONSECA MACHADO

SISTEMA PENITENCIÁRIOE ACESSO À SAÚDE:

possibilidades e limites do controle social.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Departamento de Serviço Social (SER) da Universidade de

Brasília (UnB), como pré requisito para aprovação na

disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Orientadora: Profª Mª Morena Gomes Marques Soares.

APROVADA:

__________________________________________

Profª Mª Morena Gomes Marques Soares

__________________________________________

Prof.ª Dra. Andreia de Oliveira

(Membro interno do SER/UnB)

__________________________________________

Mª Alessandra Ribeiro de Souza

(Membro externo ao SER/UnB)

4

MACHADO, Jéssica Fonseca.

Sistema penitenciário e acesso à saúde: possibilidades e limites

do controle social. Pg. 70. 2013.

Orientadora: Prof.ª Mª Morena Gomes Marques Soares

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade de Brasília, Curso de

Serviço Social, 2013.

1. Contrarreforma do Estado. 2. Sistema Penitenciário. 3. Saúde. 4. Direitos

Humanos. 5. Penalização. I. Marques, Morena. II. Universidade de Brasília. III.

Sistema penitenciário e acesso à saúde: possibilidades e limites do controle social.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por todas as coisas boas que me oferece a cada

dia. E a Nossa Senhora por me manter amparada, iluminando sempre o meu caminho.

A minha família, pai (Wilson) mãe (Nilza) e irmã (Vanessa), por sempre me

apoiar e confiar nas escolhas que tomei. Pela paciência, amor e atenção que sempre me

deram, mesmo nos momentos mais difíceis. Em especial a minha irmã que foi uma

grande companheira nos momentos de estudo e criação desse trabalho.

A minha orientadora, Morena, por ter aceitado me orientar nessa etapa

importante de minha formação. Pela sua paciência e disposição em ensinar e contribuir

para meu crescimento.

A Andreia de Oliveira e Alessandra de Souza por terem aceitado participar da

banca. Em especial a Alessandra por também colaborar no momento de realização das

entrevistas.

A Ana, Robertinha, e Gessyca, que partilharam das mesmas angústias,

questionamentos e aflições acadêmicas. Por estarem ao meu lado durante toda a

formação e também nas saídas e distrações. Pela amizade, companheirismo, apoio e

parceria.

A Mixa, amiga fiel e parceira. Pelo suporte emocional, pela paciência e amparo

em todos os nossos nove anos de amizade. Por estar presente nos momentos mais

importantes da minha vida, inclusive acadêmicos, e por sempre se mostrar solicita e

disposta a ouvir, ajudar, e até mesmo mostrar quando estou errada.

Aos companheiros de curso que de certa forma fizeram parte dessa etapa e

contribuíram para meu crescimento intelectual e pessoal: Wladsla, Madalena, Linniker,

Laila, Lynn, Amanda, Ana Paula, Dani, Sabin, Etiene, Gabi, dona Silvia, Chandra,

Thamiris, e Thamara.

Agradeço a todas as professoras e professores do Departamento de Serviço

Social, pois foram essenciais em minha formação acadêmica. E aos funcionários e

funcionárias que sempre nos auxiliavam.

Agradeço aos trabalhadores do Conselho Nacional de Saúde por aceitarem

participar das entrevistas para a realização deste trabalho.

6

EPÍGRAFE

Confuso amanhecer, de alma ofertante

e angustias sofreada, injustiças e fomes

e contrastes e lutas e achados rutilantes

de riquezas da mente e do trabalho,

meu passo vai seguindo no ziguezague

de equívocos, de esperanças que malogram

mas renascem de sua cinza morna.

Vai comigo meu projeto entre sombras,

minha luz de bolso me orienta

ou sou eu mesmo o caminho a procurar-se?

(Carlos Drummond de Andrade – Canto Brasileiro)

7

RESUMO

Com a Constituição Federal de 1988 muitos dos direitos passaram a ser garantidos no

Brasil, sendo a saúde materializada no Sistema Único de Saúde – SUS, o qual prevê a

participação da comunidade como um de seus princípios. A discussão da temática

“saúde, direitos humanos e sistema penitenciário” é ainda hoje pouco presente nas

pautas do controle social. No sentido de democratização do controle sob processos

decisórios, os conselhos profissionais e movimentos sociais voltados à saúde são

determinantes para pautá-la. Estes se encontram em um campo contraditório e permeado

por lutas de interesses distintos, no entanto são mecanismos possíveis de realizar

algumas mudanças através da participação na elaboração, implementação e fiscalização

das políticas sociais. Cabe a eles agirem de forma a construir estratégias para viabilizar

o acesso à política de saúde à todos, inclusive aos apenados. Tendo em vista que a

conjuntura contemporânea de contrarreforma incide sob todas as esferas das políticas

sociais, os apenados nessa perspectiva se tornam dupla ou até triplamente penalizados,

onde perdem o direito à liberdade, não possuem a garantia de seus direitos

fundamentais, nem a representação na luta por parte do controle social.

Palavras-chave: Contrarreforma do Estado; Sistema Penitenciário;

Saúde;Direitos Humanos; Penalização.

8

ABSTRACT

With the Constitution of 1988 many of the rights guaranteed to be spent in

Brazil, the health embodied in the Unified Health System - SUS, which provides for

community participation as one of its principles. The discussion of the theme "health,

human rights and prison system" is still somewhat present on the agendas of social

control. Towards democratization of control over decision making, professional advice

and health-related social movements are crucial to her agenda. These are contradictory

and in a field permeated by struggles distinct interests, however are possible

mechanisms to do these changes through participation in the preparation,

implementation and monitoring of social policies. It is for them to act in order to build

strategies to facilitate access to health policy to everyone, including inmates. Given that

the contemporary conjuncture of contrarreforma focuses on all areas of social policy,

the prospect that inmates become double or even triple penalized where they lose their

right to freedom, not have the guarantee of fundamental rights or representation in part

of the struggle for social control.

Keywords: Counter State; Prisons, Health, Human Rights, Penalty.

9

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABRATO - Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais

ANTRA – Associação Nacional de travestis e Transexuais

CAPs – Caixa de Aposentadoria e Pensões

CF/88 – Constituição Federal de 1988

CFESS - Conselho Federal de Serviço Social

CNS – Conselho Nacional de Saúde

DH – Direitos Humanos

DRU – Desvinculação de Receitas da União

FASUBRA - Federação de Sindicados de Trabalhadores Técnico-

Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil

FENAM - Federação Nacional dos Médicos

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIO - Federação Interestadual dos Odontólogos

FNE - Federação Nacional dos Enfermeiros

IAPAS – Instituto de Administração financeira da Previdência e da Assistência

Social

IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

LEP – Lei de Execução Penal

OMS – Organização Mundial de Saúde

PNS – Plano Nacional de Saúde

PNSSP - Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário

PT – Partido dos Trabalhadores

SUS – Sistema Único de Saúde

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

TLCE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

10

SUMÁRIO

2.1 Histórico da saúde no Brasil ................................................................. 14

2.2 Concepção de saúde .............................................................................. 23

2.3 Sistema Único de Saúde – SUS ............................................................ 24

2.3.1 Controle Social ................................................................................ 28

3.1 Direitos humanos e Sistema Penitenciário ............................................ 30

3.2 Saúde e Sistema Penitenciário .............................................................. 35

4.1 Neoliberalismo e a Contrarreforma do Estado...................................... 39

4.1.1 Impactos da reorganização do capital e da contra-reforma do Estado

na Saúde ......................................................................................................... 47

4.2 O olhar do controle social sobre o acesso à saúde no sistema

penitenciário .............................................................................................................. 49

4.2.1 Debate da temática “saúde, direitos humanos e sistema

penitenciário” ......................................................................................................... 50

4.2.2 Limites e estratégias do controle social e movimentos sociais na

saúde do sistema penitenciário ............................................................................... 55

7.1 Anexo 1 - Roteiro de entrevista semi-estruturada................................. 68

7.2 Anexo 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE ...... 70

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

2 CAPÍTULO I: PANORAMA DA SAÚDE NO BRASIL ...................................... 14

3 CAPÍTULO II:SAÚDE, DIREITOS HUMANOS E SISTEMA PENITENCIÁRIO

................................................................................................................................ 30

4 CAPÍTULO III: CONTRARREFORMA DO ESTADO: IMPACTOS NA SAÚDE,

SISTEMA PENITENCIÁRIO E CONTROLE SOCIAL .............................................. 39

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 61

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 63

7 ANEXOS ................................................................................................................ 68

11

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar as possibilidades e limites na atuação

das entidades dos trabalhadores em saúde presentes no Conselho Nacional de Saúde em

relação à temática “Saúde, Direitos Humanos e Sistema Penitenciário”. Para balizar essa

análise será feita uma revisão bibliográfica em quatro eixos diferenciados: a delimitação

do marco histórico e teórico da saúde no Brasil, a compreensão do Sistema Único de

Saúde,seus princípios, diretrizes e concepção norteadora;o sistema penitenciário e sua

relação entre os direitos humanos e a saúde; e, por último, a conjuntura contemporânea

de contrarreforma do Estado e seus rebatimentos no acesso da população carcerária ao

sistema público de saúde a partir do “olhar” do controle social.

Para tanto, se fez necessário apreender a trajetória da saúde no Brasil, em que

esta foi marcada por conquistas protagonizadas pela classe trabalhadora, além de

modificações na ordem e dinâmica do capitalismo que influenciaram diretamente nas

políticas sociais, no reconhecimento e ampliação dos direitos dos que vivem da sua

força de trabalho, estando estes em liberdade ou não.

Nesta perspectiva, o Estado detém centralidade, enquanto executor, legislador e

gestor de políticas. Imbricado por uma contradição fundamental no processo de

produção e reprodução das relações sociais. Pois, se de um lado deve atuar com o

intuito de manter as condições subsidiárias através de serviços e políticas sociais para

que a classe trabalhadora se mantenha como sujeito produtor de riquezas, no outro deve

dar continuidade às condições necessárias para a permanência da acumulação do capital.

Desta forma, compreendemos que a realidade tem por centro organizador da

vida social uma relação contraditória – entre o capital e o trabalho – que implica em

interesses diversos. A saúde passar a dispor assim de um papel destacado no conjunto

da sociedade seja como instrumento de consenso dos setores dominantes para com a

reprodução da força de trabalho; seja por ser uma bandeira prioritária para o trabalho,

catalisando um inegável potencial de mobilização e luta dos setores subalternos.

É neste contexto que se insere este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que

tem por objetivo principal analisar as possibilidades e limites dos representantes dos

trabalhadores no conselho nacional de saúde quanto a relação “saúde, direitos humanos

12

e sistema penitenciário”. Aqui se busca compreender o olhar dos trabalhadores

conselheiros acerca da saúde no sistema penitenciário; identificar o debate feito pelos

conselhos e movimentos acerca da temática; compreender as estratégias utilizadas para

garantir o acesso à saúde no sistema penitenciário; e identificar quais as

dificuldades/limites encontrados para a execução das propostas dos conselhos e

movimentos, voltadas a saúde no sistema penitenciário.

Para isso realizamos uma pesquisa através de um questionário semi estruturado,

com a devida autorização dos entrevistados. Foi feito um conjunto de procedimentos

para compreender, interpretar os dados e articulá-los com a teoria crítica de análise do

real. Esta última etapa de tratamento do material foi realizada segundo procedimentos

lógicos de ordenação dos dados, classificação dos dados e a análise propriamente dita.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa as entrevistas foram analisadas a rigor,

buscando a compreensão e interpretação dos fenômenos singulares e particulares

apresentados a partir dos determinantes macrossociais, devidamente contextualizado.

Tal temática foi escolhida devido à negligência com a garantia dos direitos das

pessoas privadas de liberdade, considerando que há uma exacerbada cultura liberal de

culpabilização do indivíduo na sociedade brasileira. Além de perceber que a atual

conjuntura com políticas neoliberais focalizadas e privatistas, influenciou diretamente

nas políticas sociais, onde a condição estrutural em que estes indivíduos vivem não

permite o acesso a um dos direitos essenciais que é a saúde.

Este trabalho parte da hipótese de que há limites no acesso à saúde no sistema

penitenciário, assim como a falta de informação de direitos aos detentos. De tal modo

que o apenado vive em uma situação de dupla ou até tripla penalização, onde se

restringe o seu direito a liberdade e o acesso a direitos fundamentais; além de não dispor

de representatividade política para pautar lutas e demandas reprimidas em fóruns mais

amplos. No sentido de democratização do controle sob processos decisórios, os

conselhos profissionais e movimentos sociais que pautem esta temática são

determinantes. Apesar do sistema contraditório e lutas de interesses distintos, o controle

social ainda é um mecanismo possível de realizar mudanças por meio da participação na

elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais. Cabe aos conselhos

profissionais e movimentos sociais, agirem de forma estratégica, como meio de

viabilizar o acesso à política de saúde à todos, tendo em vista que a conjuntura

13

contemporânea de Contrarreforma incide sob todas as esferas das políticas sociais,

acentuando a pena dos detentos. Ou seja, além de estarem privados de liberdade, não

possuem a garantia de seus direitos fundamentais, nem a possibilidade de luta por esses.

Portanto, o presente trabalho terá sua estrutura em três capítulos, sendo que o

primeiro irá conter os pontos: histórico da saúde no Brasil; a concepção de saúde; o

Sistema Único de Saúde,e o Controle Social. O segundo capítulo será destinado a

compreensão da Saúde e Direitos Humanos na atual conjuntura do Sistema

Penitenciário. Enquanto o terceiro capítulo destina-se à reflexão teórica acerca da

compreensão da contrarreforma do Estado; bem como das entrevistas dos representantes

do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que participaram da pesquisa de campo, no que

tange ao posicionamento de suas entidades à temática proposta.

14

2 CAPÍTULO I: PANORAMA DA SAÚDE NO BRASIL

2.1 Histórico da saúde no Brasil

No Brasil, ao fim do século XIX – em um período histórico em que o modo de

produção capitalista adentra em sua fase monopólica1 – têm-se modificações no

ordenamento e dinâmica econômica nos países periféricos, onde de acordo com Netto

(2009),foram necessárias incidências na estrutura social e nas instâncias políticas das

sociedades nacionais. Nesse contexto e com maior ênfase ao início do século XX, as

expressões da “questão social”2 são percebidas com manifestações bem claras de

pauperismo e iniqüidade. Ou seja, segundo Josiane Santos (2008) a “questão social”,

enquanto parte constitutiva das relações sociais, é apreendida como expressão das

desigualdades sociais oriundas do modo de produção capitalista, tendo por essência a

contradição entre o capital e o trabalho, entre a produção crescentemente socializada de

riquezas e a sua apropriação privada. Por regra, a “questão social” é objeto da ação

estatal na medida em que esta emerge em sua forma política, como produto de

mobilização trabalhadora ameaçando a ordem burguesa. Porém o que se torna evidente

no discurso dominante é que esta ação procura apenas “mascarar” as expressões da

“questão social” no campo dos direitos sociais.

Conforme Iamamoto retrata em “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil”

(2009), a noção de direitos sociais, que tem por justificativa a cidadania3, não era

incorporada, nem garantida neste começo do século XX. Os direitos sociais do cidadão

são concretizados a partir de serviços sociais em que todos têm o direito, porém estes

não vêm para suprir a todas as necessidades. Tais serviços transmutam-se em matéria-

1O capitalismo monopolista visa preservar e aumentar a taxa de lucro dos trustes, o que “[...] recoloca, em

patamar mais alto, o sistema totalizante de contradições que confere à ordem burguesa os seus traços

basilares de exploração, alienação e transitoriedade histórica [...]” (NETTO, 1992: 19) 2 A utilização das aspas em “questão social” se dá, conforme Josiane Santos (2008), pelo fato desta não

ser alçada ao estatuto de uma categoria no sentido marxiano como “forma de ser, determinação da

existência”. Ou seja, o que tem existência real não é a “questão social” e sim suas expressões,

determinadas pela desigualdade fundamental do modo de produção capitalista. 3 “A cidadania mesmo que em suas formas iniciais, constitui um princípio de igualdade. Começando do

ponto no qual todos os homens são livres, em teoria, capazes de gozar de direitos, a cidadania se

desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de direitos de quem eram capazes de gozar.”

(MARSHALL, 1967: 77)

15

prima da assistência, ou seja, são desenvolvidos para a devolução à classe trabalhadora

de uma parcela mínima da qual eles criaram e não se apropriaram, sob uma nova

roupagem de serviço ou benefício social4. Estes serviços se dão através de ações do

Estado, em que atua diretamente nas relações de produção que foram instaladas na

sociedade.

Assim como os serviços sociais têm para os capitalistas um caráter

complementar à reprodução da força de trabalho a menos custo, para os

trabalhadores assalariados tais serviços são também complementares na sua

reprodução física, intelectual e espiritual e de sua família, já que a base de

sua sobrevivência depende da venda de sua força de trabalho. (IAMAMOTO,

2009: 102)

O Estado como interventor e controlador do processo dinâmico das relações

sociais, orientado pela ordem burguesa, capitalista, presta manutenção de condições

subsidiárias para que a classe trabalhadora possa adquirir ao mínimo necessário para sua

sobrevivência e dar continuidade na acumulação do capital. Ele desenvolve funções de

forma que consiga tanto assegurar continuamente a reprodução e a manutenção da força

de trabalho, através principalmente dos sistemas de previdência, assim como

instrumentalizar mecanismos capazes de garantir a sua mobilização e alocação em

função das necessidades para garantir os superlucros.

Com isso, o Estado é então parte essencial da formação econômica, justamente

porque a garante, porém não é este que determina sua estrutura, apenas “é o produto e a

manifestação do antagonismo inconciliável das classes” (LÊNIN, 1987: 9). De acordo

com Marx a necessidade do Estado se dá exatamente pela presença de conflitos entre as

classes, sendo o órgão utilizado como dominação da ordem burguesa, amortecendo

assim a colisão das classes.

O Estado representativo moderno é um instrumento de exploração do

trabalho assalariado pelo capital. Há, no entanto, períodos excepcionais em

que as classes em luta atingem tal equilíbrio de forças, que o poder público

adquire momentaneamente certa independência em relação às mesmas e se

torna uma espécie de árbitro entre elas. (LÊNIN, 1987: 16)5

4 “Parte da riqueza socialmente gerada é canalizada para o Estado, principalmente sob a forma de

impostos e taxas pagos por toda a população. Assim, parte do valor criado pela classe trabalhadora e

apropriado pelo Estado e pelas classes dominantes é redistribuído à população sob forma de serviços.”

(IAMAMOTO, 2009: 91,92) 5A exemplo disso, em 1907, a ausência de direitos só realmente começa a ser mudada a partir de

reivindicações e manifestações dos movimentos, nas primeiras lutas dos trabalhadores, criando e sendo

reconhecido o direito de organização sindical.

16

Nesta perspectiva, para Iamamoto (2009: 92), “a generalização dos serviços sociais

expressa, portanto, vitórias da classe operária na luta pelo reconhecimento de sua

cidadania na sociedade burguesa”. O cenário complexo de luta em defesa dos direitos de

cidadania é então tomado nesse começo de século por medidas de proteção social,

esparsas e frágeis que adquirem espaço até a década de 1930. Tais medidas serviram,

sobretudo para transformar algumas reivindicações em leis, sem atingir necessariamente

ao cerne da “questão social”.

No caso da saúde, em seu papel de manutenção da ordem, o Estado realiza reformas

no intuito de ampliar o atendimento à saúde com a Reforma de Carlos Chagas em 1923.

O que coloca também em questão neste período são as medidas que o governo toma no

sentido de higiene e saúde do trabalhador, sendo criadas as Caixas de Aposentadoria e

Pensões (CAPs), também conhecidas como Lei Elói Chaves. Estas tinham um caráter

previdenciário, ou seja, eram por meio de contribuições, fornecendo benefícios como

assistência médica-curativa, aposentadoria, pensão, e auxílio funeral. A partir de 1933

no primeiro governo de Getulio Vargas, deu inicio a transformação das CAPs em

Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que por essa vez passaram por congregar

um maior número de trabalhadores, a partir de categorias profissionais. Essa medida

teve uma orientação de contenção de gastos por cada segurado, onde foi realizado um

limite orçamentário para as despesas médico-hospitalares.

O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado pelas organizações dos

movimentos e pressão da classe trabalhadora. O Estado ao ser permeado por demandas

das classes subalternas, que incidem de forma a garantir seus interesses, atua na

condição de intervir nas seqüelas da “questão social”. No que tange aos interesses do

capital, a funcionalidade da política social é essencial nos processos referentes à

preservação e ao controle da força de trabalho. Os sistemas previdenciários, por

exemplo, não passam de instrumentos que o governo utilizou para fazer com que a vida

“útil” dos trabalhadores fosse reaproveitada no subconsumo.

Com isso a política de saúde foi formulada na segunda metade do período de 1930

– no governo de Getúlio Vargas – com um caráter nacional, organizado em duas

medidas, uma saúde pública e outra previdenciária. Sendo a primeira de forma mínima

de sanitarismo, predominando este caráter até meados dos anos 60, tendo como

alternativas adotadas, segundo Braga e Paula (apud BRAVO, 2006, p. 4 e 5): maior

17

ênfase em campanhas sanitárias; interiorização das ações para as áreas de endemias

rurais; criação de serviços de combate às endemias; reorganização do departamento

nacional de saúde; entre outras. E a medida previdenciária, com caráter contencionista

se dava de forma mais restrita ao modelo público, preocupando-se mais com a

acumulação de reservas financeiras do que com a ampla prestação de serviços. Com

isso, foi demarcada a diferença entre previdência e assistência, delimitando assim

orçamentos para as despesas “assistência médico-hospitalar e farmacêutica”.

Em 1948 surge um “novo” conceito de saúde divulgado pela Organização Mundial

de Saúde – OMS em que a saúde é agora considerada como um estado de completo

bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Longe de ser uma

realidade para a maior parte da população, mas sim um referencial através do qual os

profissionais de saúde deveriam seguir a fim de tratar a saúde não mais como imagem

complementar da doença. Nesse novo momento de reconceituação da saúde,

profissionais ganharam novo papel, redimensionamento suas ações na atuação na saúde,

como exemplo o assistente social, psicólogo, educador físico, entre outros. A educação

para a saúde foi estratégia inicial fundamental, como fator de promoção e proteção da

saúde, por isso a importância dessa nova reestruturação de intervenção normativa e

preventiva. No Brasil esse novo conceito foi incorporado como assistência à saúde dos

trabalhadores que contribuíam para a previdência, o que não caracteriza então como um

direito, mas um ainda limitado benefício.

Aos anos 50 – no segundo Governo Vargas – estrutura-se a política de saúde,

aumentando o seu nível de cobertura a partir de um controle e monopólio privado,

pressionada pela categoria médica ao Estado, o que só foi realmente instaurado como

política do Estado após 1964, no momento ditatorial. Inicialmente o que se buscava era

tanto apreender modificações do Estado frente ao papel da medicina no processo de

acumulação, quanto à própria prática médica enquanto ação estatal. O Estado passou

então a intervir de forma contundente com o intuito de desenvolvimento econômico,

social e político. Problemas nacionais que se tinham, ao invés de serem resolvidos

foram aprofundados. O desfecho que se deu em abril de 1964 foi então a solução

política encontrada de estabelecer um pacto contra-revolucionário, inaugurando um

padrão de dominação burguesa através do golpe de mecanismos repressivos de

profundos impactos nos direitos e políticas sociais.

18

A resposta de 1964 à crise de dominação burguesa no Brasil, gestada

fundamentalmente pela contradição entre as demandas das classes trabalhadoras e

burguesas, tem como base desta a industrialização, a forte intervenção estatal e a

articulação da classe dominante e suas frações. O Estado que se estrutura depois do

golpe aprofunda a heteronomia e a exclusão, com o caráter de acumulação do capital,

assegurando a reprodução do desenvolvimento dependente e associado, assumindo

então um papel de repassador de renda aos monopólios e mediador de conflitos

setoriais. De maneira produtiva esse desenvolvimento foi capaz de controlar a classe

operária, favorecendo produção de uma taxa grande de mais-valia.

Na perspectiva de O‟Donnell (1986, apud BRAVO, 2007, 21-22) o Estado nesse

período fez: a burguesia como a base social; a eliminação da ativação política da classe

trabalhadora, impondo uma nova “ordem” na sociedade; a exclusão econômica do setor

popular, promovendo assim acúmulo de capital em beneficio às unidades oligopólicas,

acentuando as desigualdades sociais; a despolitização das políticas sociais; e

fechamento de acesso democrático. Ao restringir o exercício da cidadania, através da

negação de direitos civis e políticos, o Estado brasileiro é considerado como

autocrático-burguês, com a concepção de que a sociedade civil precisava ser controlada,

tornando a classe trabalhadora nesse período sem direitos de greve, sindicatos, e

impondo-lhe trabalho, solapamento dos salários e da qualidade de vida. Ou seja, a

sociedade civil, e seus movimentos políticos e sociais, eram excluídos politicamente,

interditando dessa forma qualquer ascensão que pudesse haver dos trabalhadores.

De acordo com Florestan Fernandes (1976), o que está em questão não é apenas o

fato de exercer a liberdade e a democracia, mas sim entender que as classes populares

estão incluídas nesse processo capitalista, o que é incompatível com a universalidade

dos direitos, desembocando assim em uma democracia restrita. A ditadura militar

desencadeou assim um modelo pautado pela aceleração econômica, e uma dinâmica

societária que limitou os benefícios em especial aos trabalhadores. Dessa forma, as

políticas sociais tiveram exatamente um mix no caráter repressor-assistencial,

modernizando de um lado para aumentar a produção, e mediando as tensões sociais

encontradas. Houve então uma reconfiguração no trato às expressões da “questão

social”, incrementando nesse momento as políticas sociais. O bloco militar-tecnocrático

empresarial buscou adesão e legitimidade por meio da expansão e modernização dessas

19

políticas. Uma das principais medidas tomada no intuito assistencial foram a unificação

da Previdência Social com os Instituto de Aposentadoria e Pensões em 1966, deixando

os trabalhadores com o papel somente como contribuintes, e reestruturando o setor.

Porém, da mesma forma que se impulsionavam políticas públicas, mesmo que restritas,

ampliando-se seu rol de intervenção, abriam-se espaços para outras esferas de

intervenção, a exemplo da saúde, educação, e a previdência privada.

A saúde e a educação foram reproduzidas no setor privado de forma excepcional. A

medicalização da vida social foi imposta e setores passaram a reconhecer no setor de

serviços um lócus privilegiado para a reprodução ampliada do capital. A medicina

previdenciária cresceu devido a essa reestruturação, o que também fez com que os

gastos em saúde pública fossem reduzidos, afetando consideravelmente a vida da

população. Profissionais da saúde pública se viram diante uma atuação na prática

curativa, individual, assistencialista e especializada. Os laboratórios nacionais, e as

indústrias de equipamentos médicos foram beneficiados nesse período, com a criação de

um complexo-médico industrial, responsáveis por parte da grande taxa de acumulação

de capital. Ao Estado coube nesse momento incentivar a expansão da prática médica

privatista, financiando hospitais privados e favorecendo ao serviço de convênios, além

de contratar empresas médicas para que pudessem arcar com a assistência.

A partir de 74 se diz que ocorreu um “milagre econômico” no Brasil, porém o que é

identificado são dívidas externas, elevação da inflação, recesso econômico, tornando a

classe operária forte na luta para a recuperação de um espaço público tomado pelo golpe

de 64. Nesse momento, movimentos sociais, trabalhadores rurais, parcela da Igreja, se

juntaram para modificar a situação de desemprego, pauperização do trabalho, entre

outras tensões sociais que se alastraram incontrolavelmente pelo novo sistema

incorporado. Estratégias governamentais foram tomadas no intuito de demonstrar

interesse pela formulação de políticas sociais, como por exemplo, a criação do

Ministério da Previdência e Assistência Social. A assistência passou a agregar também

aqueles que não contribuíam de forma ativa, estendendo assim o benefício. A saúde

agora além de persistir a dicotomia entre assistência médica e saúde coletiva6, apresenta

impasses na assistência médica e previdenciária.

6 A assistência médica era voltada apenas àqueles que contribuíam, ou seja, aos trabalhadores vinculados

formalmente ao mercado de trabalho. Já a saúde coletiva é um movimento que surge na década de 70

20

Como autarquia filiada ao novo Ministério criado da Previdência e Assistência

social, foi criada o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

(INAMPS), que tinha por finalidade prestar atendimento médico àqueles que

contribuíam com a previdência social, seguindo a lógica de cuidar da doença em si. Em

1978 o processo de institucionalização continua com a criação de outros órgãos, como o

DATAPREV (empresa de processamento de dados da previdência social), o IAPAS

(Instituto de Administração financeira da Previdência e da Assistência Social), entre

outros, em uma crescente utilização do modelo restrito de seguridade social. Modelo

esse que contava com o caráter contributivo da previdência e assistencialista a quem

dele necessitasse, porém este não foi incorporado também para o atendimento médico.

O Plano Nacional de Saúde enfrentou grande tensão neste momento, segundo Bravo

(2006), entre a ampliação dos serviços, a disponibilidade de recursos financeiros, os

interesses advindos das conexões burocráticas e entre os setores estatal e empresarial

médico. Sendo assim as reformas estruturais, organizacionais, não conseguiram reverter

a ênfase de ações curativas comandadas pelo setor privado da Previdência Social.

Como efeito aos modelos adotados pelo Estado, as classes populares buscam por

um enfrentamento da “questão social”, pressionando o governo, o que faz com que este

tome medidas com fim de canalizar e conter as reivindicações. Essa nova atitude tinha

como princípio legitimar a dominação burguesa, porém de forma a conter as classes

populares, o que se torna contraditório com a manutenção do modelo econômico

excludente. Tal contradição provoca em longo prazo uma luta por parte da sociedade

civil quanto à redemocratização. Dessa forma, a ação estatal,

que atuava nos programas sociais, pela falta de recursos e pela pressão dos

movimentos urbanos, que lutavam pelas condições de saúde, foi permeada

por contradições e tensões, tornando-se interlocutora das demandas dos

diferentes movimentos reivindicatórios. (BRAVO, 2006, p. 66)

A classe trabalhadora ao superar a ditadura é impactada por uma profunda crise

econômica em um processo de redemocratização política a partir da década de 1980. O

que traz novas exigências a fim de equalizar as dívidas sociais acumuladas. A saúde

dentro dessa perspectiva passa a ter novos sujeitos e a ganhar maior visibilidade,

estando ligada diretamente ao conceito de democracia e cidadania, por estes serem,

segundo Bravo (2007), elementos revolucionários e de consenso. Onde a democracia –

contestando os paradigmas de saúde, com a necessidade de construir um campo teórico-conceitual em

saúde frente ao esgotamento do modelo biologicista da saúde pública.

21

pensada nos limites do referencial burguês – é o lócus de articulação das mediações

entre Estado moderno e sociedade, e a cidadania é a mediação que dá organicidade a

esta relação, na medida em que articula as classes e consequentemente as suas

contradições ao Estado representativo, assegurando assim sua legitimidade.

O movimento de reforma sanitária surge então no sentido de enfrentar o sistema

perverso da saúde. Se articulando como um novo ator coletivo, uma nova força política,

trazendo propostas transformadoras, construindo e ampliando a sua organicidade, e

estabelecendo alianças com os demais movimentos pela democratização. É chamado de

movimento sanitário esse movimento de profissionais da saúde e de pessoas vinculadas

ao setor, que compartilham do referencial médico-social7, onde busca transformar o

setor saúde em prol da melhoria das condições de saúde e de atenção à saúde a

população, sempre na perspectiva do direito de cidadania, em sua perspectiva ampliada.

É uma percepção, um pensamento inicialmente vinculado ao da medicina preventiva, e

à busca de alternativas para a crise da saúde durante o autoritarismo.

Dessa forma, categorias profissionais da saúde passam a consolidar movimentos em

busca de pressionar o Estado em sua luta por melhores condições de saúde. Ampliando

sua representatividade e articulando com outros sindicatos de trabalhadores, além de

movimentos que começam também a se destacar, como aqueles de bairros, periferias, na

luta por vários direitos, adquirindo avanços no âmbito político e enfatizando o setor

público e a promoção da saúde. Com isso o fortalecimento da saúde pública entra em

cena novamente, ganhando nesse momento maior difusão e ampliação, tendo como

aspecto central, segundo Teixeira (1989: 50-53), “a politização da saúde, a mudança na

constituição, e no arcabouço e práticas institucionais”. Aspecto representativo desta luta

é a promulgação da Constituição Federal de 19888, pós-ditadura militar, a qual

materializa a promessa de extensão dos direitos sociais, trazendo avanços na tentativa

de corrigir as injustiças sociais cometidas no país.

Em consonância com isso, a luta pela reforma sanitária se solidifica no Brasil,

compreendendo que ela só pode ser realmente efetivada em um Estado democrático.

7 O referencial médico-social de acordo com Arouca (1998) é também chamado de uma abordagem

marxista da saúde e teoria social da medicina, que determina que a doença está socialmente determinada.

Essa nova abordagem se torna relevante, reconhecido academicamente e difundida. 8 “A constituinte para alguns é uma das alternativas políticas possíveis para a celebração de um novo

ordenamento democrático de massas, somente viável quando estas estiverem em condições de

participarcom uma possibilidade efetiva de tornar-se classe hegemônica, isto é, de oferecer uma outra

alternativa, sob sua direção, para toda a sociedade.” (ANTUNES, P. 22)

22

Tratando de formular propostas contra-hegemônicas e organizar forças sociais

comprometidas com a transformação, ela também é referente à:

um processo de transformação da norma legal e do aparelho institucional que

regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos e

corresponde a um efetivo deslocamento do poder político em direção às

camadas populares, cuja expressão material se concretiza na busca do direito

universal à saúde e na criação de um sistema único de serviços sob a égide do

Estado. (Fleury: 2006, p.39)

Tais transformações visaram fortalecer o setor público e tornar o atendimento

universal, descentralizado, com execução em nível local. Origina-se assim, o Sistema

Único de Saúde (SUS)9 em 1988, considerado a maior conquista da saúde pública. A

partir desse momento, movimentos como o da Reforma Sanitária começam a perder

espaço, havendo fragilidade nas medidas reformadoras, e redução do apoio popular. A

situação do país era de aceleração no âmbito econômico-social e político, ocorrendo

uma transição à democracia de forma a dar continuidade ao já instaurado nos governos

anteriores. Porém, o Estado vem abrindo mão cada vez mais de seu papel como

provedor social, tornando as políticas sociais focalizadas, enquanto o mercado toma

conta do bem-estar ocupacional que protege aos trabalhadores.

Nos anos 90 há uma forte influência da política neoliberal, onde acreditam que a

solução para os problemas estruturais seriam a redução da intervenção estatal, tirando

do Estado suas responsabilidades sociais10

. Era pressuposto pelos liberais que a

organização estatal não seria afetada por fatores sociais e econômicos, e que não deveria

se ater aos serviços ligados à sociedade. Sendo assim um dos pontos altos do

neoliberalismo, é o fato de ter sido diminuído os investimentos produtivos, públicos em

infra-estrutura física e social. Com isso ocorrem reduções nos direitos sociais e

trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência

pública, sucateamento da saúde e educação, o que perde a representatividade da

Constituição Federal de 1988 (CF/88).

A política de saúde vinculada a isso fica ligada ao mercado, enfatizando a parceria

com a sociedade civil e a responsabilizando para assumir os custos da crise, ocorrendo

9Será tratado no ponto 1.3do presente trabalho mais detalhadamente a respeito da conquista, avanços e

limites do Sistema Único de Saúde (SUS), aprofundando também no que se refere os conselhos e

conferências de saúde. 10

Ao contrário do que se acreditava, o pensamento neoliberal não obteve o êxito desejado. Perry

Anderson (1995) diz que economicamente, ele fracassou, mas socialmente conseguiu muitos de seus

objetivos, tornando a sociedade desigual, porém não desestatizadas. E essa é uma de suas conseqüências

mais sérias, o crescimento da pobreza e das desigualdades sociais.

23

muito da refilantropização. O que também constrói conflitos entre o projetado

anteriormente na reforma sanitária, na CF/88, com o modelo da saúde ligada

diretamente ao modelo de privatização. Um aspecto que tem provocado resistência do

projeto de saúde voltada ao mercado é o da universalidade do direito, sendo que tal

projeto tem como premissa o individualismo e fragmentação da realidade, sendo que

deveria ser pautado em concepções coletivas e universais. No entanto, uma das formas

de resistência mais eficaz são justamente as participações da sociedade, como nos

Conselhos e Conferências de Saúde11

, que são espaços concebidos para a discussão de

interesses comuns na luta por melhores condições de vida e saúde.

2.2 Concepção de saúde

Com todas as modificações nas políticas até os dias de hoje, muitas concepções

acerca da saúde estiveram em disputa, sendo considerada hegemônica aquela

atualmente adotada na Constituição Federal de 1988. Nesta, a saúde é considerada como

um direito fundamental, e há o compromisso de garanti-la de forma universal,

igualitária e integral. Sendo um dos desafios situados pelo Ministério da Saúde a

implementação da agenda ético-política da Reforma Sanitária, no sentido de: construir

novos modelos de fazer saúde com base na integralidade, na intersetorialidade e na

atuação em equipe; estabelecer cooperação entre ensino, gestão e controle social; e em

suprimir os modelos assistenciais e voltados somente para a assistência médica.

A saúde é definida na 8ª Conferência Nacional de Saúde como a soma das condições

de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer,

liberdade, acesso a terra e também à serviços de saúde. Não é uma concepção abstrata,

pois é definida no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de

seu desenvolvimento, com as diferentes condições de vida e trabalho, sendo então

estruturante da vida em sociedade e pauta constante nas lutas da população. E, é a partir

desta concepção de saúde que nortearemos a análise deste trabalho.

De acordo com Arouca, a saúde é uma totalidade concreta, com múltiplas

determinações, sendo um objeto que compreende:

11

Ver na nota 9.

24

1. Um campo das necessidades geradas pelo fenômeno saúde,

enfermidade;

2. A produção dos serviços de saúde com sua base técnico-material,

seus agentes e instituições organizados para satisfazer necessidades;

3. Um espaço específico de circulação de mercadorias e de sua

produção (empresas, equipamentos, e medicamentos);

4. Um espaço de densidade ideológica;

5. Um espaço da hegemonia de classe, através das políticas sociais que

têm a ver com a produção social.

6. Uma potência tecnológica específica que permite solucionar

problemas tanto a nível individual como coletivo (Arouca, A. S.,

1982)

Tomando por pressuposto esta perspectiva, compreendemos a saúde como um dos

núcleos subversivos da estrutura social, sendo um processo de construção social, sempre

inacabada, com demandas sociais. Um campo especialmente privilegiado para

construção de alianças policlassistas e suprapartidárias. A saúde teria então um caráter

dual – o valor universal e subversivo.

2.3 Sistema Único de Saúde – SUS

Um dos maiores avanços impressos na Constituição Federal de 1988 foi a criação de

um Sistema Único de Saúde (SUS) com a concepção de que o Estado tem o dever de

fornecer a saúde, como um direito de todos. Não sendo então dependente de

contribuição, mérito ou caridade, como posto pelo caráter restrito de cidadania, típico

do período autocrático-burguês. O texto constitucional traz, no artigo 196, que a saúde

será garantida “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para

sua promoção, proteção e recuperação.” (BRASIL, 1988)

Para Teixeira (1989, p. 50-51), a constituição trouxe como os principais aspectos da

saúde: o direito universal, como dever do Estado, eliminando assim qualquer

discriminação em seu acesso; a importância do setor público, como regulamentador,

controlador; a constituição do SUS, com a respectiva integração e desterritorialização

dos serviços; e a saúde privada no seu caráter complementar12

. Dessa forma, a direção

12

Aqui, cabe destacar, que saúde complementar – segundo a constituição e legislação específica –

restringe-se a insuficiências determinadas e locais (Art. 24, Lei 8.080), destinando-se apenas às

atividades-meio, tais como limpeza, vigilância e determinados serviços técnicos especializados. Deste

modo, o Estado somente pode transferir a execução material de determinadas atividades, jamais a gestão

25

do SUS é única nos níveis nacional, estadual e municipal, sendo exercida

respectivamente pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias de Saúde ou órgãos

equivalentes. As funções delineadas pela União, os estados e os municípios se

caracterizam pela existência de um grande número de atribuições comuns e

concorrentes entre as diferentes esferas de governo.

O SUS é definido então como um conjunto de ações e serviços públicos de saúde,

prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da

administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público. Tem

incluso na definição da CF/88, ações de distintas complexidades (baixa, média e alta) e

custos, controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, e

equipamentos no geral. Destaca-se em sua estrutura espaços e instrumentos para a

democratização e compartilhamento da gestão do sistema de saúde, sendo a participação

popular sua principal característica13

. Dissertaremos acerca do controle social um pouco

mais à frente.

Os serviços que devem ser prestados pelo SUS são de promoção, proteção e

recuperação. De acordo com Paim (2009) promover a saúde significa fomentar,

estimular a saúde e a qualidade de vida das pessoas, sendo considerada importante a

educação, atividade física, lazer, paz, alimentação, e outras que proporcionem bem

estar. Proteger a saúde seria o fato de reduzir ou eliminar os riscos, com medidas

específicas como vacinação, combate a certos insetos, distribuição de camisinhas e

contraceptivos, entre outras. Já recuperar seria obter um diagnóstico precoce, um

tratamento oportuno e limitação do dado, com o intuito de evitar complicações ou

seqüelas.

No entanto, para toda e qualquer atividade realizada pelo SUS deve estar presente

seus princípios e diretrizes, que vão balizar os atendimentos. Sendo os principais

princípios: a universalidade, equidade, igualdade, integralidade, e participação da

comunidade. E as diretrizes: descentralização, regionalização e hierarquização. A

universalidade é um princípio finalístico, ou seja, um ideal a ser alcançado. Para ser

universal é preciso que ocorra um processo de extensão de cobertura dos serviços para

do patrimônio, dos equipamentos e do pessoal. Cf. Carta da Frente Nacional contra a Privatização da

Saúde aos Ministros do Supremo Tribunal Federal: http://pelasaude.blogspot.com.br/ (acessado em

01/05/2013). 13

Toda esta estrutura é garantida pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.080, e a lei complementar de nº 8.142,

ambas criadas no ano de 1990.

26

se tornarem acessíveis a toda a população independente da complexidade ou custo. Por

isso, de acordo com Teixeira (2011, p.3), “é preciso eliminar barreiras jurídicas,

econômicas, culturais e sociais que se interpõem entre a população e os serviços.”A

equidade também considerada um princípio finalístico do SUS remete ao tratamento

igualitário, a construção de possibilidade ao acesso de todos, ainda que para isso seja

necessário „tratar desigualmente os desiguais‟, com programas e ações específicas.

A igualdade determina que a assistência a saúde não deve conter preconceito ou

discriminação de cor, religião, opção sexual, ou de qualquer outra espécie. A

integralidade nos termos da lei é entendida como um conjunto articulado e contínuo de

ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso

em todos os níveis de complexidade do sistema. Ou seja, ela deve contemplar a

continuidade do atendimento, quando necessário, em seus distintos níveis: atenção

básica, ambulatória especializada (média) e hospitalar, alta complexidade.

Um modelo “integral”, portanto, é aquele que dispõe de estabelecimentos,

unidades de prestação de serviços, pessoal capacitado e recursos necessários,

à produção de ações de saúde que vão desde as ações inespecíficas de

promoção da saúde em grupos populacionais definidos, às ações específicas

de vigilância ambiental, sanitária e epidemiológica dirigidas ao controle de

riscos e danos, até ações de assistência e recuperação de indivíduos enfermos,

sejam ações para a detecção precoce de doenças, sejam ações de diagnóstico,

tratamento e reabilitação. (TEIXEIRA, 2011, p. 6)

A atenção básica constitui o nível que engloba um conjunto de ações de caráter

individual ou coletivo, envolve a promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e a

reabilitação. É preferencialmente a “porta de entrada” no sistema de saúde, sendo

realizados atendimentos em equipes multiprofissionais também nesse nível. A média

complexidade é composta por ações e serviços que visam atender aos principais

problemas de saúde, cuja prática demanda disponibilidade de profissionais

especializados, e uso de recursos tecnológicos de apoio. Já a alta complexidade

corresponde a procedimentos que estão envolvidos com alta tecnologia e/ou custo. São

alguns exemplos: cardiologia, oncologia, entre outras especialidades.

O último elemento aqui exemplificado, e o mais importante é o da participação da

comunidade. Ela é a garantia de que a população possa participar do processo de

formulação de diretrizes e prioridades, por intermédio de entidades representativas.

Com o intuito de concretizar esse princípio, a lei nº 8.142/90 preconiza duas

importantes instancias colegiadas: as conferências de saúde e os conselhos de saúde.

27

Eles foram criados para a materialização do controle social como ideal da democracia

participativa, referenciada em uma concepção de cidadania ampliada, que em muito

ultrapassa o limite democrático burguês, parlamentar e representativo. Propõe-se assim,

a construção de uma gestão participativa, tendo em vista a necessidade de propiciar um

vínculo entre a sociedade organizada e as instituições públicas na saúde. Sendo este o

canal permanente de diálogo e interação entre os gestores, profissionais e a população.

Por fim, devemos fazer referência às diretrizes constitutivas do SUS: a

descentralização, a hierarquização e a regionalização. A descentralização é considerada

uma diretriz político-administrativa, com um comando único em cada esfera do governo

que busca adequar o SUS às diversidades regionais do país, devido às distintas

realidades econômicas, sociais e sanitárias. Ela implica maiores responsabilidades e

autonomia para decidir e implementar ações e serviços de saúde aos governos estaduais

e municipais. Por ser a única diretriz organizativa do SUS, seu propósito estratégico é

promover a democratização do processo decisório, aumentar a capacidade de resposta

dos governos em relação aos problemas de saúde e incorporar novos atores sociais. No

entanto, desde a sua implementação, a descentralização encontra dificuldades

institucionais e de financiamento para a sua execução.

As outras diretrizes são a hierarquização e a regionalização, que são os serviços por

níveis de atenção e a distribuição deles geograficamente. Em um nível mais básico da

hierarquização é levado em conta os serviços dotados de tecnologias e profissionais para

realizar procedimentos mais freqüentes, como vacinas, consultas, parto normal, entre

outros. Em um nível mais complexo estão os hospitais, ambulatórios e unidades de

diagnose e terapia.

Todos os princípios e diretrizes estão interligados e são fundamentais para que a

política de saúde alcance seus objetivos. No entanto, eles foram construídos na

contracorrente da tendência hegemônica da contra-reforma do Estado, o que faz com

que a sua implementação sofra impactos comprometedores. Pois, o que se tem são

graves conseqüências e retrocessos históricos no processo de construção da cidadania

social, chamando a atenção para o conteúdo de caráter político-ideológico neoliberal das

reformas implementadas.

28

2.3.1 Controle Social

O controle social nada mais é que um elemento estratégico político da esfera

pública. Ele implica em um acesso às decisões, e formulações políticas, viabilizando

dessa forma, a participação da população. Na Constituição Federal de 1988 o sentido é

justamente da democratização dos processos decisórios, ou seja, participação na

elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais. Enquanto expressão da

luta política e da mobilização da sociedade é um espaço de disputa e interesses diversos,

o que não permite representação efetiva da sociedade. Sendo assim um mecanismo de

aspecto contraditório, pois apesar de ter sido conquistado por reivindicações, continua

tendo seu caráter de dominação, sem neutralidade nas decisões.

No entanto, na área da saúde essa participação aparece através das já citadas

conferências e conselhos de saúde. As conferências de saúde têm como objetivo avaliar

e propor diretrizes para a política de saúde nas três esferas do governo. Devem ser

convocadas nacionalmente a cada quatro anos, contando com ampla participação da

sociedade, com representação dos usuários paritária à dos demais segmentos, ou seja,

representantes do poder público, dos profissionais de saúde, dos prestadores de serviços.

Não cabe a essa instancia formular políticas, mas sim propor diretrizes para elas, tendo a

análise da situação de saúde.

Já os conselhos de saúde têm caráter permanente e deliberativo, formados em cada

esfera – federal, estadual e municipal – por representantes do governo, profissionais de

saúde, prestadores de serviços e usuários, sendo que este último segmento deve

constituir no mínimo metade dos conselheiros. Atuam na formulação de estratégias de

forma propositiva, interagindo com o gestor do SUS naquela esfera e com o poder

legislativo. E no controle da execução da política de saúde por meio do

acompanhamento permanente das ações implementadas, financiamento, e sua coerência

com os princípios do SUS e as necessidades de saúde da população.

Apesar da característica contraditória, não deixa de ser verdade que os conselhos

vem numa perspectiva de romper com as tradicionais formas de gestão, possibilitando a

ampliação dos espaços de decisões do poder público, numa perspectiva processual de

consolidação democrática, de fazer valer os direitos e necessidade sociais. A luta pela

garantia da saúde como direito de cidadania é hoje, também, por um novo modelo de

29

desenvolvimento e por um novo espaço para a proteção social. E o fato de poder

participar também no processo orçamentário, evitando desvios do que é público para o

privado, já é um grande avanço, e é exatamente nesse sentido que os conselhos devem

ser fortalecidos e ampliados. No entanto, os limites ainda são claros no que tange à

ordem do capital.

30

3 CAPÍTULO II:SAÚDE, DIREITOS HUMANOS E SISTEMA

PENITENCIÁRIO

3.1 Direitos humanos e Sistema Penitenciário

A “prisão”– neste padrão civilizatório – tem a função de proteger a sociedade

contra o crime e os sujeitos que o cometem, cabendo ao sistema penitenciário assegurar

o cumprimento da lei voltada àquelas pessoas privadas de liberdade, as quais devem ser

tratadas com respeito à dignidade humana. Para isso é preciso garantir-lhes o acesso aos

seus direitos humanos, sendo estes compreendidos como a garantia do conjunto dos

direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Ou seja, um ideal comum a ser

atingido por todos os povos e nações, em que buscam por uma vida com dignidade, sem

discriminação, sem violência e sem privações.

Uma igualdade humana básica que está associada ao conceito de participação

integral da comunidade, ao que Marshall (1967) vai considerar como cidadania. O

conceito de cidadania visto por este autor é dividido em três partes: civil, política e

social. O elemento civil é composto por direitos necessários à liberdade individual, seja

a liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e fé, o direito à propriedade e a de

concluir contratos válidos e o direito à justiça. Já o elemento político é entendido como

o direito a participar no exercício do poder político como um membro, ou como um

eleitor, por exemplo, da participação no controle social ou na votação eleitoral. O

elemento social se refere a tudo que englobe desde o direito a um mínimo de bem-estar

econômico e segurança ao direito de participar e levar a vida de um ser civilizado.

Ao compreender o pleno exercício da cidadania, entende-se que está sendo

contemplado o acesso aos direitos humanos básicos. No âmbito econômico, o direito

civil básico é o direito a trabalhar. Já o direito de voto se dá como um direito político.

“A participação nas comunidades locais e associações funcionais constitui a fonte

original dos direitos sociais.” (MARSHALL, 1967, 70) O direito a educação é um

direito social de cidadania, requisito necessário a liberdade civil. Ou seja, a cidadania é

um status concedido àqueles membros integrais de uma comunidade, onde tem

igualdade em seus direitos e deveres.

31

A cidadania se desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de direitos de

que eram capazes de gozar. Mas esses direitos não estavam em conflito com

as desigualdades da sociedade capitalista, eram ao contrário, necessários para

a manutenção daquela determinada forma de desigualdade. (MARSHALL,

1967, 79)

Nesta fase de desenvolvimento do conceito da cidadania os direitos civis eram

indispensáveis a uma economia de mercado competitiva, em que cada indivíduo tinha o

poder de participar na concorrência econômica. É uma noção de cidadania que visa

proteger a esfera privada da sociedade, a partir da liberdade dos indivíduos. No entanto,

a partir disso supõe-se que cada um é capaz de proteger a si mesmo, ocorrendo uma

negação da proteção social como um dever do Estado. Que é o que ocorre atualmente,

onde há uma culpabilização do indivíduo por não conseguir arcar com suas

necessidades, e a desresponsabilização do Estado em fornecer o acesso a direito sociais.

Antes, os Estados eram cobrados apenas pela violação dos direitos civis e

políticos; jamais pela violação dos direitos econômicos e sociais (EVANS,

apud ALMEIDA, 1997). [...] O momento atual está, paradoxalmente,

favorecendo o redirecionamento das propostas e ações das organizações

transnacionais de defesa dos direitos humanos para a reconstrução do seu

sentido em uma perspectiva de totalidade. (ALMEIDA, 1997, 39)

No âmbito do sistema penitenciário isso é visto de forma que os sujeitos

privados de liberdade por terem transgredido a ordem, são penalizados dupla ou até

triplamente, pois além de não terem mais o seu direito civil de ir e vir, não são capazes

de exercer sua cidadania, ou seja, não tem acesso aos direitos econômicos, sociais,

culturais, políticos. Há uma negação de seu pleno exercício de cidadania, onde não se

compreende também a falta de acesso à direitos antes mesmo de ter cometido algum

crime. Onde esta ordem societária em que vive é baseada na busca por lucros e na

ausência do Estado frente a garantia dos direitos fundamentais.

De acordo com Paulo Carbonari (2007) existe a necessidade de uma nova

cultura de direitos humanos, ou seja, a construção de um novo ser, uma nova ética, e é

dessa forma que poderá se reforçar atitudes básicas que caracterizam a humanidade, a

indignação e a solidariedade. Nesta perspectiva, precisamos compreender os direitos

humanos em dois aspectos: normativo, ou seja, ético e jurídico; e político. O primeiro

pauta-se na dignidade humana dos sujeitos de direitos, e o segundo tem o Estado como

principal articulador, comprometido com a garantia dos direitos humanos e a sua

reparação. No entanto, a perspectiva histórica de direitos humanos é de uma constante

luta, feita principalmente pela classe trabalhadora, voltada ao combate da dominação,

32

exploração, exclusão e vitimização, tendo em vista as lutas pela emancipação política e

pela construção de relações solidárias e justas.

É preciso ter em mente que toda e qualquer pessoa deve ter seus direitos

fundamentais garantidos, principalmente o direito de gozar de saúde física e mental,

sendo isto inerente à sua cidadania, independente de estar ou não privada de liberdade.

O Estado consolidou tais direitos através das legislações14

, porém ainda preserva-se um

forte resquício da cultura autoritária e conservadora própria à formação social brasileira,

onde defender os direitos humanos é fazer a defesa de “bandidos” e/ou“marginais”15

.A

essência deste pensamento trata a estas frações de classes e categorias que já vieram

sendo exploradas historicamente e estruturalmente na política do país, com descaso,

ocorrendo de forma crescente casos de violências, e violações dos direitos.

Umas das legislações que se refere aos direitos e deveres da população

penitenciária no Brasil é a Lei de Execução Penal nº. 7.210, em que dispõe em seu

capítulo II seção I sobre a assistência, onde é dever do Estado garantir os direitos ao

detento, de forma também a prevenir futuros crimes e orientar à convivência em

sociedade. De acordo com isso, a assistência que eles devem ter é: material; à saúde;

jurídica; educacional; social; e religiosa. Em específico da assistência à saúde, na seção

III deste mesmo capítulo, considera-se que esta deverá ser de caráter preventivo e

curativo, contanto com atendimento médico, farmacêutico e odontológico. No entanto

quando o estabelecimento penal não contar com o material necessário, o detento poderá

ser levado a outro local capaz de dar a assistência à sua saúde, mediante uma

autorização do estabelecimento.

Outro ponto importante a ser tratado é da assistência social, que se encontra na

seção VI do capítulo II. Esta tem por finalidade amparar o preso e o internado a fim de

prepará-los para o retorno à liberdade, por isso é necessário o serviço de acompanhar

aos resultados de permissões de saídas temporárias; promover recreação, orientação, e

ações de cunho sócio-educativos à fim de facilitar sua reinserção na sociedade;

providenciar a obtenção de documentos; assim como amparar e orientar, a família do

preso quanto a sua situação, seus direitos e deveres.

14

A Constituição Federal de 1988, a lei de regulamentação da saúde nº. 8.080, a que dispõe sobre a

participação da sociedade na gestão do SUS, nº. 8.142, e a lei de execução penal nº. 7.210, incluem a

população penitenciária como detentoras de direitos humanos, e sociais. 15

A este debate também se traz a associação feita de pobreza e violência/criminalidade, concepção

presente no senso comum e fundamentado em preconceitos de caráter étnico-racial e de classe.

33

Segundo Magnobosco a violência praticada pelo Estado contra o indivíduo

encarcerado realiza-se de uma forma diferente: quanto à ilegalidade da prisão, ou

duração excessiva da pena; e no que diz respeito à maneira de execução da prisão, ou

seja, superlotação de celas, falta de higiene e sanitários, ociosidade dos presos, castigos

arbitrários, estupro, espancamento, maus tratos, torturas, etc (MAGNOBOSCO, 1998,

apud DAMAS, 2011).Tais violências, acrescentadas a má alimentação, uso de drogas e

falta de higiene, causam mais facilmente a proliferação de epidemias e o contágio de

doenças. Este “trato” do Estado à população carcerária infringe o duplo aspecto antes

mencionado da compreensão dos direitos humanos.

Mesmo após vinte anos de restauração da democracia no país, as denuncias e os

estudos relacionados aos direitos humanos são crescentes. Os dados revelam a

agudização da “questão social”16

e a persistente criminalização, precarização da

cidadania, o aumento de indigência e da miséria, enfim, um quadro de barbárie que se

alastra e aumenta a cada dia no Brasil, tendo por “alvo” uma população afro

descendente, negra, majoritariamente pobre e masculina. Tal situação brasileira traz

consigo toda uma bagagem de relações determinadas por cinco séculos de colonialismo,

e um passado escravocrata, além do conjunto de violações vividas no regime ditatorial

de 1964-1984, onde os governos continuam a se recusar a esclarecer os crimes políticos

cometidos e todas as formas de violência.

No entanto, as torturas de hoje utilizadas por agentes e policiais, são feitas em

um período histórico diferente da ditadura, ainda que, na maioria das vezes, como uma

forma de extração de informações, estas se realizam em uma conjuntura “democrática”,

de garantia pública e legal dos direitos de cidadania. Tornou-se então comum a

retaliação contra os presos na forma de torturas, espancamentos, privação e humilhação,

ficando a maioria desses crimes impunes. É possível identificar assim, que os direitos,

ainda os mais incipientes,não foram realmente universalizados.

De acordo com Suely Almeida (1997, p. 27) tem-se uma “violência endêmica

estrutural cotidiana”, que é voltada sistematicamente a frações de classes e categorias

16

A violência é uma das expressões mais visíveis da “questão social”. Sendo que fenômenos em

crescimento aludem a outras materializações da violência nas condições de vida, como exemplo a

indigência, a convivência diária com a fome, falta de acesso a habitação, o trabalho precário, o

desemprego, as precárias condições de saúde, entre outros.

34

exploradas, tornando cada dia mais enraizado na cultura política autoritária do país, o

medo crescente dos genocídios, torturas, massacres, limpezas étnicas, estupros e outras

práticas de violência que ocorrem todos os dias. A luta pelos direitos civis, nesse

contexto, embora seja insuficiente, é política e com caráter emancipatório. Deve ainda

se levar ao reforço dos princípios de liberdade, democracia, cidadania, justiça e

igualdade social, para que a luta contra as mais diversas atrocidades do país possa ser

concreta a partir de um discurso de defesa dos direitos civis, políticos e sociais.

Tais condições ocasionam profundas e estruturais desigualdades no país, que são

reconhecidas pelo próprio poder público, seja por pesquisas conduzidas por organismos

nacionais ou supranacionais, ou por pesquisas acadêmicas. A omissão e falta de apoio

sócio-político do Estado brasileiro à população carcerária, bem como a crescente

banalização e naturalização do processo de institucionalização da violência agrava mais

ainda os efeitos que incidem na desigualdade da sociedade. Esta institucionalização da

violência se dá por envolver agente públicos, ou esferas do poder público e privado, e

por se apoiar na complacência do Estado.

Hoje, a fonte principal de violações dos direitos humanos é ocasionada a partir

de interesses políticos,de caráter privado, baseados na exploração própria do capitalismo

neoliberal e da forma imperialista de se voltar ao crescimento econômico, enfatizando

mais ainda as desigualdades e precarizações. Nesse quadro a institucionalização da

política de direitos humanos significava a conversão às idéias neoliberais, onde “os

direitos sociais e econômicos (ou o que restava deles) estavam afetos a instâncias

estratégicas do poder de Estado” (ALMEIDA, 1997, 33).

É papel do Estado gerar condições de regulação social para atenuar os efeitos

das desigualdades, da exclusão e da mutilação capitalista, assim como empregar os

recursos públicos destinados às políticas de saúde, educação, entre outras, de maneira

mais eficaz. No entanto, é necessário também que a sociedade, sobretudo, os

trabalhadores busquem pressionar a esfera estatal por uma nova educação em direitos

humanos, para formação de uma crescente consciência social de que a luta pelos direitos

faz parte da construção da cidadania. É importante para isso entender que a realidade é

formada por um conjunto de relações sociais contraditórias, que ao se potencializarem,

produzem um grau enorme de exploração, dominação e injustiças sociais.

35

3.2 Saúde e Sistema Penitenciário

A saúde no sistema prisional foi regulamentada a partir de setembro de 2003

pela Portaria Interministerial nº. 1.777 a qual determina atuação pública voltada a uma

atenção integral, e que embora os profissionais da saúde façam parte da atenção

primária17

, a especificidade do sistema prisional requer atendimentos também de média

e alta complexidade. A definição mais utilizada de atenção primária à saúde é a

formulada pela Organização Mundial da Saúde, que considera esta atenção essencial e

de acesso mais fácil e prático devido à sua operacionalização de menor custo.

Esta Portaria aprova também o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário–

PNSSP (2004), o qual prevê a inclusão dos detentos no Sistema Único de Saúde,

buscando garantir o direito à cidadania na perspectiva dos direitos humanos. As ações e

serviços desse plano são relacionados aos princípios e diretrizes do SUS, cabendo maior

atenção aos processos da universalidade, equidade, integralidade e resolubilidade da

assistência. A integralidade especificamente exige da equipe de saúde, um conjunto de

serviços que atendam às demandas mais comuns da população, a oferta de serviços em

outros pontos de atenção e o reconhecimento dos problemas biológicos, psicológicos e

sociais causadores da doença.

Tal plano tem como objetivo primordial a garantia ao direito de acesso à saúde das

pessoas privadas de liberdade, oferecendo serviços tanto de atenção básica dentro dos

próprios presídios, quanto de atendimento médico-hospitalar (fora dos presídios, em sua

grande maioria), quando necessário. Este plano foi elaborado devido à estimativa de

algumas doenças que afeta grande parte dessa população, da importância em se realizar

estudos que revelam o perfil da população presidiária, além da necessidade de viabilizar

atenção integral à saúde desses.

A população carcerária no Brasil segundo dados oficiais do DEPEN/Ministério da

Justiça de agosto de 2003 é de aproximadamente 210.150 pessoas. A distribuição dessa

população se encontra de forma desigual nas diversas penitenciárias e unidades de

detenção no país, como também em colônias agrícolas, industriais ou similares que

17

Há uma discussão sobre a terminologia ideal para nomear o primeiro nível de atenção à saúde, seja pela

origem, e diferenças conceituais, no entanto os termos “Atenção básica de saúde” e “Atenção primária a

saúde”, são considerados sinônimos.

36

recebem os apenados ou os hospitais de custódia para tratamento psiquiátrico. Têm

ainda as casas destinadas aos presos de regime aberto, as cadeias públicas e os distritos

policiais, destinados a custódia de presos e provisórios.

O levantamento feito pelo Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário –

PNSSP (2004) mostra que a composição da população penitenciária é

predominantemente por adultos jovens, homens brancos, solteiros e com menos de

trinta anos de idade. Na grande maioria condenados por crimes pequenos como furto e

roubo. Poucos alfabetizados e com profissão definida, o que pode perceber uma

exclusão dos direitos sociais antes mesmo ao ingresso no sistema penitenciário. Além

de que mais da metade é reincidente por ter transgredido a ordem, devido

principalmente as condições de desemprego, pobreza e falta de garantia de direitos que

esses indivíduos passam.

Com a perspectiva de investir na melhoria em políticas de atenção à saúde das

pessoas privadas de liberdade, este plano foi elaborado baseado em princípios básicos

que assegurem a eficácia das ações de promoção, prevenção e atenção integral à saúde,

sendo eles: ética, justiça, cidadania, Direitos Humanos, participação, equidade,

qualidade e transparência. E como diretrizes estratégicas foram desenvolvidos os

seguintes pontos: prestar assistência integral resolutiva, contínua e de boa qualidade às

necessidades de saúde; contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais

freqüentes; definir e implementar ações e serviços de acordo com os princípios e

diretrizes do SUS; proporcionar parcerias para ações intersetoriais; contribuir para

democratização do conhecimento do processo saúde/doença; provocar o

reconhecimento da saúde como um direito; e estimular o efetivo exercício do controle

social.

As condições de execução da política penal, ou seja, a forma como esta se

dispõe nas unidades públicas de confinamento são determinantes para o bem-estar

físico, psíquico e social dos detentos, o que fornece à política de saúde centralidade nos

institutos penitenciários. Contudo, as “prisões” brasileiras atualmente não contam com

estruturas capazes de suportar a demanda da população prisional, tornando tal ambiente

propício a violações dos direitos. Como se não bastasse, os detentos encontram-se à

margem de políticas de saúde do SUS, já que as despesas desses dois sistemas são

distintos, o que faz com que o financiamento utilizado seja do próprio sistema

37

penitenciário, ficando o sistema de saúde de fora deste processo, ainda que responsável

pela sua gestão e controle. Para Taborda (apudDAMAS, 2008, p.48)“esta discriminação

redunda em prejuízo concreto a esses estabelecimentos de saúde e favorece o processo

de sucateamento dessas instituições”.Acredita-se assim, que a atenção à saúde é

inadequada na maioria dos presídios do país, dada a ineficácia de garantia da saúde em

seu conceito ampliado.

Prevenir a doença e melhorar o bem-estar seria uma estratégia orientada a

intervir no surgimento de doenças específicas, sendo as doenças transmissíveis as mais

freqüentes dentro da comunidade prisional e devem ter uma atenção maior para evitar a

contaminação dos outros. As mais comuns são: pneumonia; HIV/AIDS; hepatite; e

tuberculose. Outro ponto que deve ter certa prioridade são os casos dos idosos, e dos

doentes mentais, por necessitarem de tratamentos diferenciados. Os projetos de

prevenção se estruturam em educação em saúde, mediante divulgação e transmissão de

informações científicas e de recomendações normativas de mudanças de hábitos.

A promoção da saúde propõe a articulação de saberes técnicos, e populares, e a

mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, sempre

buscando ao enfrentamento e resolução por condições de vida favoráveis à saúde. A

promoção da saúde visa assegurar a igualdade de oportunidades para que os indivíduos

possam realizar o controle da sua saúde e deter condições físicas e mentais produtiva

para a sua reinserção mercantil pós-detenção. Os profissionais de saúde têm a

responsabilidade de contribuir de forma a mediar os diferentes interesses em relação à

saúde dentro de determinado ambiente. Estes devem compreender o indivíduo em sua

integralidade, e no intuito de garantir que estes possam a partir do momento de

liberdade, se inserir na sociedade de maneira integrada e saudável.

A concepção de saúde é então um direito, independente do mérito e da disciplina

dos presos. Isto está garantido na Lei de Execução Penal nº 7.210 de 1984, no Art. 41,

inciso VII onde trata do direito à saúde, e no Art. 43 em que prevê também a

possibilidade de atendimento de um médico particular:

Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do

internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou

dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento. (LEP nº 7.210)

Porém tais direitos não são garantidos como deviam, mesmo que determinados

em lei. O que fere também aos direitos humanos dos indivíduos, e os princípios para

38

proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou prisão, em que

preconiza que essas devem se beneficiar de um exame médico adequado, assim como

devem se beneficiar de cuidados e de tratamentos médicos sempre que se mostre

necessário e de forma gratuita. Mais do que prestar serviços médico-assistenciais, é

preciso enfrentar os determinantes da saúde em toda a sua amplitude. A partir do

momento que o Estado priva tais pessoas de liberdade, deve se responsabilizar por seus

direitos fundamentais, o que requer respeito aos direitos humanos, políticas públicas de

qualidade, uma efetiva articulação intersetorial do poder público e também o incentivo

de participação da população.

39

4 CAPÍTULO III: CONTRARREFORMA DO ESTADO:

IMPACTOS NA SAÚDE, SISTEMA PENITENCIÁRIO E

CONTROLE SOCIAL

4.1 Neoliberalismo e a Contrarreforma do Estado

O período após a segunda guerra mundial - até meados dos anos 1970 - foi

marcado por uma expansão da economia capitalista, sob destaque da indústria bélica,

propulsora do processo de acumulação, cujas estratégias de organização e gestão do

processo de trabalho foram apoiadas por modelos de produção impulsionadores do

crescimento econômico. A guerra e a indústria bélica, como sua consequência imediata,

representaram no contexto político internacional da “guerra fria” um campo de

supercapitalização para a retomada de ciclos produtivos ameaçados pela crise. O

momento histórico é de organização do capital, eu sua fase monopolista, onde o padrão

rígido de acumulação é adotado. Os objetivos da organização monopolista são o de

obter lucros acima da média e escapar dos efeitos gerais de queda da tendência à taxa de

lucro. A constituição da organização monopólica nos ditos “anos gloriosos ”obedeceu à

urgência de viabilizar o acréscimo dos lucros capitalistas através do recrudescimento do

controle dos mercados18

. Esse tipo de controle se deu devido ao avanço da formação e

domínio dos oligopólios/monopólios, organizando em nível econômico-financeiro o

sistema bancário e creditício, para controlar tanto por acordo, como por fusões de

empresas, os seus preços, volumes de produção e os tipos de investimentos.

É próprio do capitalismo monopolista o crescimento exponencial de capitais

excedentes. O Estado, dessa forma, teve uma posição de destaque para a consolidação

desta nova fase do capital. Este buscou canalizar o fundo público tanto para o

financiamento do capital, quanto para a reprodução da força de trabalho, no sentido de

preservar o poder aquisitivo dos trabalhadores para o consumo, através da ampliação

18

Na economia, as formas mais conhecidas de controle de mercado são: o pool (fusão de empresas para

maior poder de mercado); cartel (empresas concorrentes em acordo para distorcer as forças de mercado e

alterar o preço de equilíbrio do mesmo.); e truste (fusão de empresas concorrentes para aproximar seu

poder de mercado)

40

dos serviços públicos estatais, e ampliação dos mercados. Não só a isso, mas o Estado

também foi compelido a regular sua pertinência a níveis determinados de consumo, bem

como, instrumentalizar mecanismos que garantissem sua mobilização e alocação em

função das necessidades dos monopólios. De acordo com Netto (2005), o Estado

desempenha múltiplas funções. As econômicas diretas com base na garantia explícita

de lucro ocorrem através do controle privado de empresas de custo estatal, sendo

entregues aos monopólios complexos construídos com o fundo público, entre outras

ações. Já as funções indiretas econômicas estão relacionadas às compras voltadas aos

monopólios, assegurando capital excedente, e investindo em serviços públicos

vinculados ao requerido pelos mesmos. Mas é no setor estratégico que o Estado funde

suas atribuições diretas e indiretas, desenvolvendo planos, projetos de médio e longo

prazo, atuando “como um instrumento de organização da economia, operando

notadamente como um administrador dos ciclos da crise.” (NETTO, 2005, 26)

No sistema de modo capitalista, é inerente ao desenvolvimento a perseguição

por superlucros, busca diferenciada de produtos, e fuga a qualquer nivelamento de taxa

de lucros, o que por sua vez, desencadeia em uma acumulação de riqueza de forma

desigual e combinada. A crise tem a função objetiva de se constituir como meio pelo

qual a lei do valor se expressa e se impõe. Ela se consolida devido a dificuldades

crescentes na realização da mais-valia socialmente produzida, gerando a superprodução

para obtenção de lucros. De acordo com Mandel (apud Behring e Boschetti, 2006)a

combinação variada das possibilidades de extração de superlucros é a base para os

movimentos de aceleração e desaceleração no capitalismo - as chamadas “ondas longas”

expansivas. Compreende-se por ondas longas expansivas19

a articulação entre o salário

real, produtividade do trabalho, e eficácia do capital, assegurando a realização do valor

em tempo limitado.

Este movimento, na busca a qualquer custo a continuidade do sistema,

intensifica a produtividade do trabalho, aumentando a massa de meios de produção de

forma produtiva, associada à composição técnica do capital e sua eficácia por

trabalhador. Além disso, para atingir tais metas de superação da crise do capital, foi

necessário, pós a grande crise de 1929, uma política voltada para impulsionar a

19

Em contraponto a onda longa expansiva, se tem a onda longa depressiva, típica da crise cíclica do

capital, que pós-1970 amplia o seu tempo de permanência, na qual o salário real permanece constante ou

pouco crescente, o que significa baixa acumulação de mais-valia e salário consequentemente.

41

expansão do emprego através da experiência histórica do “keynesianismo”, expressão

de regulação entre Estado e capital - conhecido como “pleno emprego” - capaz de

manter certo padrão salarial, negociando com as diversas categorias de trabalhadores,

por meio dos sindicatos. Como afirma Iamamoto “Coube ao Estado viabilizar salários

indiretos por meio das políticas sociais públicas, que permitisse liberar parte da renda

monetária da população para o consumo de massa e conseqüente dinamização da

produção econômica.” (IAMAMOTO, 2009, 30).

Dessa forma, a implantação de uma rede de serviços sociais pública é parte da

chamada regulação keynesiana da economia, uma das estratégias de reversão das crises

cíclicas do capital. O modelo orgânico a esta política, foi o fordista, onde seus modelos

constitutivos de organização fabril se davam através de uma linha de montagem em

massa, de forma homogênea, caracterizada pela produção em série através do controle

do tempo e do movimento de cada operário. Este modelo supõe a linha de montagem de

base técnica eletromecânica, com uma estrutura organizacional hierarquizada e uma

relação salarial que apontava para uma produção e um consumo em massa. Essa relação

também pressupunha um sistema de proteção social a partir do Estado – o nomeado

“Estado de Bem Estar Social” (WelfareState), conquistado especialmente nos países

chamados de “primeiro mundo”, com destaque para as experiências da Inglaterra,

França, e Estados Unidos.

As conseqüências desse padrão de regulação social foi a diminuição do exército

industrial de reserva, o aumento da extração da mais-valia e do poder político dos

trabalhadores, que concentrados em grandes unidades fabris constituíram maior

resistência à exploração20

. Ford tinha a visão de um novo tipo de sociedade

“democrática” - racionalizada, modernista e populista - que possibilitava sem prejuízos

ao capital, concessões ao trabalho. No entanto, seu modelo apontava problemas com a

rigidez nos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo, o que impedia

muita flexibilidade de planejamento. E este “excesso” do fordismo foi o elemento

20

Apesar dos descontentamentos e tensões manifestas, o núcleo essencial fordista conseguiu manter a

expansão do período pós-guerra, favorecendo ao trabalhador sindicalizado, e de certa maneira estendendo

“beneficiários” da produção e do consumo de massa. No entanto, os lucros corporativos prevaleciam,

contradizendo ainda mais a relação capital/trabalho, o que explica as ondas de greve e os problemas

trabalhistas no período. Como afirma Harvey (1989), por trás da rigidez do modelo fordista havia uma

configuração indomável e aparentemente fixa de poder político e relações que unia o grande capital, o

trabalho, e o governo no que parecia uma defesa disfuncional de interesses diferentes que ao invés de

garantir, solapavam a acumulação capitalista.

42

causal da crise capitalista, que já não era nova, e se manifestava devido à essência do

modo de produção capitalista, trazendo grandes prejuízos aos trabalhadores.

O conjunto de práticas do modelo rígido de produção, com o controle do

trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico,

chamado de fordista/keynesiano, teve seu colapso a partir de 1973, segundo Harvey. O

mundo capitalista estava então sendo imerso pelo “excesso de fundos; e, com as poucas

áreas produtivas reduzidas para investimento, esse excesso significava uma forte

inflação. Ao mesmo tempo, corporações viram-se com muita capacidade excedente

inutilizável em condições de intensificação da competição.” (HARVEY, 1989, 136).

Abre-se aqui um novo período histórico, de racionalização, reestruturação e

intensificação do controle do trabalho. Inicia-se assim, uma crise que aprofunda e

mantém algumas características enunciadas deste capitalismo monopolista maduro, que

se desenvolve até os dias de hoje. É chamado de monopolista maduro, pois se

aprofundou e deu maior visibilidade às contradições fundamentais do capital, e seus

impactos de barbarização da vida social.

Como resposta econômica a esta crise estrutural do capital é incorporado um

novo modelo de acumulação “flexível”, o qual confronta diretamente a rigidez do

fordismo. Ele se apóia, de acordo com Harvey (1989), em uma flexibilização dos

processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e padrões de consumo,

caracterizando-se pelo surgimento de setores tecnológicos altamente novos e modernos.

O mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação, diante de grande

volatilidade do novo padrão de regulação: o aumento da competição e a imposição de

regimes e contratos de trabalho mais flexíveis. Este período de acumulação flexível

opera condições necessárias ao mundo do capital e, em valores reais, o seu crescimento

tem apoio na exploração do trabalho vivo, fundado na relação de dominação

contraditória entre capital/trabalho:

A transformação da estrutura do mercado de trabalho teve como paralelo

mudanças de igual importância na organização industrial. Por exemplo, a

subcontratação organizada abre oportunidades para a formação de pequenos

negócios e, em alguns casos, permite que sistemas mais antigos de trabalho

doméstico, artesanal, familiar e paternalista revivam e floresçam, mas agora

como peças centrais, e não apêndices do sistema produtivo. (HARVEY,

1989, 145)

43

Os anos 1980/1990– período de reprodução do trabalhado baseado no modelo

toyotista – foram marcados por essa revolução tecnológica e organizacional na

produção, tratada também como reestruturação produtiva, a qual trouxe este modelo

como maneira de superar parte da crise. Essa reestruturação produtiva tem por impacto

no mundo do trabalho um desemprego de longa duração, o chamado “desemprego

estrutural”, crônico deste padrão de acumulação, que para garantir os altos índices de

lucratividade, produz uma profunda precarização das relações de trabalho, com salários

baixos, flexibilização dos direitos e subcontratações/terceirizações, além de um

“inchaço” desproporcional do então Exército Industrial de Reserva (EIR).

Dessa forma, os trabalhadores produzem mais, porém o poder de compra fica

estagnado. Para isso Boschetti e Behring (2010) acreditam que há duas soluções: um

crescimento da acumulação maior que o produto social, ou seja, o incremento no setor

de meios de produção; ou abrir novas saídas de escoamento distintas de procura

primária, bens de consumo e de capital, que podem ser a penetração do capital no

campo, o crescimento dos rendimentos financeiros e os processos de supercapitalização.

No entanto, a reestruturação produtiva vem sendo conduzida juntamente com o ajuste

neoliberal, o qual implica forte desregulamentação de direitos no corte dos gastos

sociais. Entendido como uma expressão política da reorganização do capital, sendo

então materializado no plano do Estado e das políticas sociais, o neoliberalismo não foi

capaz de resolver a crise do capitalismo, nem alterou os índices de recessão e baixo

crescimento econômico.

Fazer um balanço do neoliberalismo, segundo Anderson (1995) é provisório,

pois este ainda é inacabado. Porém é possível visualizar que nos países mais ricos do

mundo, economicamente, o neoliberalismo realmente fracassou, não conseguindo uma

revitalização do capitalismo. E socialmente falando, o neoliberalismo conseguiu muitos

dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente desiguais. Política e

ideologicamente, o êxito foi alcançado no sentido de que não há alternativas para os

seus princípios, e todos têm de adaptar-se a suas normas. A isso se dá o nome de

hegemonia, pois ainda que muitos não acreditem em suas receitas e resistam a seus

regimes, o neoliberalismo conseguiu um predomínio muito abrangente em muitos países

principalmente europeus e da América do norte, onde imperava o capitalismo.

44

Desde o final dos anos 1980 o Brasil passou por algumas “reformas” orientadas

para o mercado. A superação da crise do capital foi uma das causas centrais apontada.

Ocorreu então nos anos 1990 o aprofundamento do desmonte do Estado brasileiro, no

sentido de uma nova adaptação à lógica do capital internacional. Sendo uma forma

imediatista, própria à submissão do modelo dependente de inserção brasileira à divisão

internacional do trabalho, bem como pragmática nas respostas sociais. Dessa forma,

além da precarização das relações de trabalho, as políticas sociais são reconfiguradas,

tornando-se mais limitadas. Devido à relação de escassez de empregos estáveis, que

também provoca a expansão de programas de transferência de renda como uma política

compensatória. Aqueles que não tiverem suas necessidades atendidas nas vitrines do

mercado, mediante seus salários, serão os beneficiários dessas políticas.

As mediações políticas são expressas com o caráter moralista, no sentido de

“reparar injustiças”, “acabar com a fome”, “incluir os excluídos”, além de incluir os

nomes de cidadania, democracia e de justiça social no discurso dessas repolitizações. A

tendência é de ampliar medidas compensatórias, ou de “inserção”, mesmo que restritas,

e, ao mesmo tempo, impor novos requisitos para o acesso, como exemplo

previdenciário nos casos de afastamento do trabalho por doença, morte, invalidez, entre

outros. Segundo Maranhão (2006, apud MOTA, 2009) aumenta-se os investimentos nas

políticas sociais para os pobres para esconder a abertura de novos e lucrativos mercados

de investimento do capital privado, por isso a “inclusão dos excluídos” serve para o

discurso e avanço da reforma neoliberal. As classes dominantes invocam a política de

assistência social como a solução do combate a pobreza, o que imprime nela o sentido

falacioso de enfrentamento da desigualdade.

As políticas sociais apresentam-se com um discurso ideológico, altamente

paternalista, gerador de desequilíbrio, com custo excessivo, e tendo que ser acessadas

via mercado, o que deixa de ser então um direito social. Os impactos gerados nas

famílias mostram a centralidade que essa política vem sendo adquirida, além de incluir a

mediação do indivíduo consumidor e das instituições do mercado, revertendo a lógica

para um exemplo de prodigioso e ineficaz programa assistencial. Porém, esta

redução/precarização das políticas sociais tem relações diretas com a crise da sociedade

salarial, que não faz mais parte do processo capitalista devido suas condições de

trabalho, ficando a mercê do Estado, com os programas assistenciais focalizados.

45

Com o neoliberalismo, há então uma desresponsabilização e desfinanciamento

da proteção social pelo Estado, sendo somente garantido o mínimo para os

trabalhadores e o máximo para o capital. A partir disso, ocorre um elevado processo de

privatização de serviços públicos, com “reformas” orientadas para o mercado. O Brasil

foi marcado nesse período por uma nova ofensiva burguesa, configurando-se de acordo

com Behring (2003) como uma contrarreforma social e moral, na perspectiva de

recompor a hegemonia burguesa no país. Por isso a forma encontrada foi o processo de

privatização, que se deu tanto na justificativa de atrair capital externo, quanto reduzir a

dívida, sob a falsa retórica de “melhorar a qualidade dos serviços”, os quais estariam

sendo ineficientes nas mãos do Estado.

Tais estratégias trouxeram para as políticas sociais um processo ainda mais

profundo da supercapitalização no âmbito do setor de serviços, além das políticas, de

um modo geral, se tornarem ainda mais focalizadas, e seletivas, dando acesso somente

àqueles comprovadamente em situação de pobreza ou extrema pobreza. De acordo com

Soares (2004), a tese central do governo é que a solução não está na expansão do gasto

social, e sim na focalização. Continua-se com políticas focais, em detrimento da lógica

do direito e da seguridade social universalizada.

Outro aspecto que merece destaque neste período de contrarreforma do Estado é

a contratação de agências executivas, fundações e organizações sociais, assim como a

regulamentação do terceiro setor para execução de políticas públicas. No plano da

reforma do Estado em 199521

, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o

princípio era de que, dentre as funções do Estado, estariam presentes a coordenação e

financiamento das políticas públicas, porém não sua execução, bem como, uma

flexibilidade em seu gerenciamento e controle. Defendia-se, deste modo, que nem tudo

que é publico, é estatal, devendo dessa maneira, ser socializada com a iniciativa privada

a responsabilidade de diminuir as mazelas provocadas pelo sistema econômico e

político do país. Além de que, “se o Estado não deixar de ser produtor de serviços, ainda

que na área de políticas públicas sociais, para ser agente estimulador, coordenador e

financiador, ele não irá recuperar a poupança pública” (REZENDE, 2008, 25).

21

A intitulada “reforma” foi totalmente incorporada como Plano Diretor da Reforma do Estado, elaborado

pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (PDRE/MARE), coordenador por Bresser Pereira,

que aprofundou como ideias centrais a disciplina fiscal, a privatização e a liberalização comercial.

46

De acordo com Temporão (apud BRAVO e MENEZES, 2008) há uma tensão

permanente entre o ideário reformista e o projeto real em construção, assim como

aspectos culturais e ideológicos em disputa, a exemplo das propostas de redução do

Estado, individualização do risco, focalização, negação da solidariedade e banalização

da violência. Sendo assim, uma das saídas deste conflito certamente passa pela

reorganização da luta dos trabalhadores pelos seus direitos. A proteção social

universalista e redistributiva foi fortemente tencionada pelas estratégias de extração de

superlucros, pela supercapitalização, e pelo desprezo burguês com o pacto social dos

anos de crescimento, configurando um ambiente ideológico individualista, e

consumista. As mazelas impostas à classe trabalhadora se intensificam devido à

conjuntura atual da classe trabalhadora fragmentada, em função da precarização no

mundo do trabalho, e a flexibilização das relações e ameaças aos direitos conquistados.

Tem-se desde o período do governo do FHC, e mantida no governo de Lula,

uma carga tributária regressiva, ou seja, os impostos e contribuições que incidem sobre

os trabalhadores, são revertidos ao consumo, de forma que fique concentrada a renda e

riqueza, não sendo esta redistribuída. E por mais que a arrecadação tributária aumente,

esta é utilizada com vistas à composição do superávit primário e pagamento de juros da

dívida. Esse mecanismo de manipulação orçamentária permite a desvinculação do

orçamento da seguridade social, para o orçamento fiscal, o que acaba também por

propagar os chamados “déficits previdenciários”.

Nesta perspectiva, uma proposta de caráter contra-hegemônico expressa-se na

idéia de que a consolidação da política social e seguridade social brasileiras dependem

da reestruturação do modelo econômico, com investimentos no crescimento da

economia, geração de empregos estáveis com carteira de trabalho, fortalecimento das

relações formais de trabalho, redução do desemprego, forte combate à precarização,

reversão das relações de trabalho flexibilizadas, o que assim poderá ampliar a

contribuição, sobretudo aos direitos sociais.

Desde o primeiro governo Lula em 2003, as propostas e reformas defendidas dão

seqüência a Contrarreforma do Estado iniciada na gestão de FHC, encolhendo o espaço

público democrático dos direitos sociais e ampliando o espaço privado, seja no campo

da produção econômica, quanto no dos direitos sociais. Segundo Behring (2004), no

plano econômico todos os parâmetros macroeconômicos foram mantidos, como o

47

superávit primário, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), apostas na política de

exportação, o inesgotável pagamento de juros, e encargos e amortizações da dívida

pública.

4.1.1 Impactos da reorganização do capital e da contra-reforma do Estado

na Saúde

Na saúde os impactos dessa reorganização do capital e da contrarreforma do

Estado trouxeram no sentido do acesso uma maior restrição, fragmentação e

desigualdade. E nesta lógica, quanto mais o serviço público se torna precarizado, mais o

privado se expande, sendo utilizadas também as agências para regulação de serviços

estrategicamente desvinculados do controle público convencional, o que atende aos

interesses do capital. No entanto, essas conseqüências para a saúde ficam de frente a

uma contradição dos princípios essenciais do Sistema Único de Saúde, fundados na

universalidade, equidade, integralidade das ações, regionalização, hierarquização,

descentralização, participação dos cidadãos e complementaridade do setor privado.

A partir disso, o que ocorre são péssimos atendimentos, falta de recursos,

passagem de recursos públicos aos esquemas privados, gerando instabilidade no

financiamento. Segundo Rezende (2008, p.33), as diretrizes do plano diretor para o setor

saúde em 1995 eram: a contenção de gastos públicos e a flexibilização dos

procedimentos de compras e contratações, especialmente da força de trabalho; a

focalização em detrimento das políticas universais (custo-efetividade); a reorientação

dos recursos públicos para o setor privado; o controle do “corporativismo” – combate a

organização sindical; e a descentralização do Estado através das terceirizações,

privatizações e o incentivo a mecanismos de competição.

Dessa forma, o que se identifica é que a política de saúde vem sofrendo os

impactos da política macroeconômica, e as questões que deveriam ser enfrentadas, tais

como a universalização das ações, o financiamento efetivo, a gestão do trabalho e

educação na saúde, não estão sendo efetivadas. Havia uma expectativa que com a

entrada do governo Lula o projeto de reforma sanitária fosse fortalecido, no entanto, só

foi dada continuidade do iniciado no governo FHC, focalizando ainda mais as políticas.

Um exemplo de focalização é a centralidade no programa saúde da família, sem

48

alterações do governo FHC para o Lula, onde ao invés de ser uma estratégia de

reorganização da atenção básica, se fez como um programa de extensão de cobertura

para as populações carentes. De acordo com Bravo (apud, BRAVO e MENEZES, 2010)

há um desafio no início do governo Lula para incorporar a agenda ético-política da

reforma sanitária pois, há um claro embate desta e da reforma privatista, onde ora o

governo fortalece a primeira, ora a segunda.

Já no segundo mandato do Lula, não é apresentado um compromisso com a

reforma sanitária, uma vez que não menciona eixos centrais, tais como o controle dos

planos de saúde, o financiamento e investimentos, a ação intersetorial e a política de

gestão do trabalho. No entanto o que se torna mais preocupante é a criação das

fundações estatais que apesar de estarem mais avançadas na saúde, tem a intenção de

abranger todas as áreas que não são exclusivas do Estado, como a educação, ciência e

tecnologia, cultura, meio ambiente, assistência social, entre outras. Além de estas

fundações serem regidas pelo direito privado, não se enfatiza o controle social, e

descaracteriza o SUS nos seus princípios fundamentais e todas as proposições que os

movimentos pela saúde buscavam construir em suas lutas desde os anos 1970.

Substitui-se o interesse público por interesses particulares numa privatização

perversa do Estado brasileiro, o que infelizmente não é novidade na cena

pública nacional. Todas essas modificações, entretanto, são ancoradas em

valores que foram resignificados, como a democracia, a qualidade, a

transparência, a eficiência, e a eficácia. (BRAVO e MENEZES, 2010, p. 60)

Há uma desvalorização da gestão pública tradicional, devido a suas formas de

controle rígido, e a burocracia incompatível com as demandas atuais e os novos padrões

de tecnologia organizacional. Por isso as novas alternativas de modernização do SUS,

adentrando o privado no espaço do público de forma institucionalizada no âmbito da

gestão, como uma empresa que segue seus instrumentos administrativos-gerenciais no

sentido de atingir metas. Para consolidação dessa estratégia de corporatização, ainda

ocorre incentivo do Estado, seja através do desfinanciamento público do setor saúde, ou

de subsídios fiscais e convênios.

Essas interfaces público-privadas trazem impactos à população no sentido de

acesso à saúde. O excesso de oferta privada, principalmente de tecnologias de alto

custo, aumenta o custo da atenção e não facilita o acesso para o usuário do SUS. A

democratização da saúde está nessa conjuntura ameaçada, tendo que ser enfrentadas

questões centrais da saúde, como a universalização das ações, o financiamento efetivo,

49

entre outros. Reverter tais desigualdades na conjuntura brasileira atual seria preciso aliar

um amplo movimento de massas que exija a igualdade de recursos entre a política

macroeconômica e as políticas sociais com a elaboração de uma agenda que defenda a

garantia dos direitos humanos e sociais e a ampliação da democracia nas esferas da

economia, política e da cultura. Os recursos, no entanto permanecem extremamente

concentrados e centralizados, contrariando a orientação da própria Constituição Federal.

O orçamento voltado a seguridade social, o que inclui a saúde, é entendido com

referência à estruturação da carga tributária brasileira e de seu significado no âmbito da

política macroeconômica.

Sendo assim, é possível identificar nos dois mandatos Lula que são acarretadas

pela lógica macroeconômica de valorização do capital financeiro, notórias dificuldades,

como: o encolhimento dos direitos sociais; ampliação do espaço do mercado;

subfinanciamento e distorção no gasto público; geração de desigualdades nos acessos

aos serviços; precarização do trabalho e a contratação deste; centralização do modelo

saúde na doença; entre tantas outras. E a forma de enfrentar esta lógica se dá justamente

através das privatizações e propostas contrárias ao SUS. Não ocorre nesse momento

uma articulação do movimento sanitário construídos nos anos 1980 com os movimentos

sociais, o que se tem são pluralismos teóricos, sem abordagens marxistas, e sem um

enfrentamento da política vigente, tornando a maioria das análises de conteúdo setorial.

Nesse cenário os conselhos de saúde tem tido um protagonismo, sendo o principal

articulador o Conselho Nacional de Saúde.

4.2 O olhar do controle social sobre o acesso à saúde no sistema

penitenciário

Para maior compreensão dos limites e possibilidades do controle social e

movimentos sociais em saúde, no que tange ao seu envolvimento com a temática

“saúde, direitos humanos e sistema penitenciário” foram realizadas oito entrevistas

semi-estruturadas com representantes do Conselho Nacional de Saúde22

(CNS), sendo

22

A composição do Conselho Nacional de Saúde encontra-se em:

http://conselho.saude.gov.br/apresentacao/Tabela%20segmento_26_07_13.pdf.

50

sete representantes de entidades profissionais de saúde: Federação Nacional dos

Médicos (FENAM), Federação Interestadual dos Odontólogos (FIO), duas

representantes do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)23

, Federação Nacional

dos Enfermeiros (FNE), Federação de Sindicados de Trabalhadores Técnico-

Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (FASUBRA), e

Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO). E um representante

dos movimentos sociais24

da Associação Nacional de travestis e Transexuais (ANTRA).

Este trabalho parte da premissa que há limites no direito de acesso à saúde no

sistema penitenciário, assim como a falta de informação de direitos aos detentos. No

sentido de democratização do controle sob processos decisórios, os conselhos

profissionais e movimentos sociais que pautem a temática da saúde no sistema

penitenciário são determinantes. Por mais que estes estejam em um sistema

contraditório e lutas de interesses distintos, são considerados como mecanismos

possíveis de realizar a mudança por meio da participação na elaboração, implementação

e fiscalização das políticas sociais. No entanto, tendo em vista a conjuntura

contemporânea de Contrarreforma, a hipótese é a de que os apenados são penalizados

dupla ou até triplamente, pois além de estarem privados de liberdade, não possuem a

garantia de seus direitos fundamentais, o exercício pleno de sua cidadania, nem a

representação que lhes cabe pelo controle social ou em outras esferas de participação.

A análise das entrevistas foi estruturada segundo dois eixos: a identificação do

debate realizado acerca da temática “saúde, direitos humanos e sistema penitenciário”; e

a reflexão sobre os limites e estratégias do controle social e movimentos sociais na

saúde do sistema penitenciário.

4.2.1 Debate da temática “saúde, direitos humanos e sistema

penitenciário”

A partir das entrevistas realizadas, pode-se perceber que apesar de apenas três

entrevistados afirmarem não existir o debate acerca da temática “saúde, direitos

23

Foram entrevistadas duas representantes do CFESS, devido a compreensão de que a primeira fez parte

das duas gestões passadas do Conselho Nacional de Saúde, e a segunda atua como conselheira nos dias de

hoje. 24

Foi utilizada somente uma entrevista com os representantes dos usuários devido ao tempo e

procedimento de pesquisa que se deu no decorrer da reunião do Conselho Nacional de Saúde que ocorreu

em Brasília nos dias 10 e 11 de julho do ano de 2013.

51

humanos e sistema penitenciário” em suas entidades, existe um posicionamento

unânime quanto à compreensão da saúde em sua forma defendida pelo SUS, ou seja,

pública, universalizada, integral, considerando portanto que o apenado tem também o

direito à saúde. Assim como afirma a Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO)

“acho que o acesso, pensando num Sistema Único de Saúde, você não pode excluir

aquelas pessoas que já estão excluídas, então eles tem que ter acesso a saúde.”

Alguns entrevistados foram além no que diz respeito a compreensão de saúde de

forma geral, o que permite afirmar que a saúde não é tida somente com foco na doença,

mas sim na soma de condições necessárias a proporcionar uma boa qualidade de vida.

A gente compreende a saúde no seu sentido amplo, considerando os

determinantes sociais da saúde, defendemos uma saúde que defenda os

direitos humanos, que compreenda o sujeito como portador de direitos.

(FNE)

Pra falar de saúde, tem que falar do modelo de desenvolvimento, como

essa sociedade se relaciona com a natureza, se relaciona com o resto do

mundo, se relaciona entre eles, ou seja, eu tenho que falar no modelo de

desenvolvimento.(CFESS – representante 1, grifo meu)

A compreensão do modelo de desenvolvimento como uma premissa para a

política de saúde está ligada diretamente com a democracia e os Direitos Humanos

(DH), com a possibilidade de todo e qualquer sujeito dispor de “capacidades e direitos

básicos lhe permitem fazer escolhas e participar das distintas esferas da vida social,

política, econômica e cultural na qual esteja concernido, sendo responsável pelas

conseqüências das decisões que toma.” (GOMEZ, 1997, 72). No entanto, quando se fala

de DH, ainda que em seus princípios liberais básicos, o que surge é a falta e a

necessidade de proteção contra violências multiformes e multicausais vindas do Estado

que nega o acesso aos direitos fundamentais, como à vida, à integridade física, entre

outros. Esses limites dos direitos de caráter universal são questões determinantes para a

saúde dos indivíduos, onde é exigida a garantia institucional por parte do Estado.

Portanto conceber a saúde passa pelo pressuposto de que o indivíduo depende de

toda uma estrutura social, enquanto um processo histórico de construção, onde os

Direitos Humanos são essenciais para a o bem estar físico, psíquico e social. Mas

atualmente essa perspectiva não é encontrada no sistema penitenciário no Brasil, o que

se pode verificar nas seguintes falas:

As pessoas privadas de liberdade fazem parte da comunidade, elas fazem

parte da sociedade e precisam ter um retorno. O que a gente luta é pra

justamente que nós possamos ter condição de prestar a assistência adequada

pra essas pessoas. Porque cada indivíduo, cada ser humano ele precisa ter um

52

lidar, um cuidado diferente, com uma diferente ótica, um diferente olhar [...]

então cada um precisa ter um tipo de assistência adequada. (FNE)

A gente entende que ele está em pena, pagando por transgredir uma ordem

societária que ele vive, uma civilidade que ele rompeu. Mas isso não permite

que as autoridades o apenem duplamente ou triplamente. A saúde é um

direito dele. A saúde é qualidade de vida, então ele esta apenado, mas tem

que ter as condições mínimas de uma vida decente. (CFESS – representante

1, grifo meu)

A partir disso, percebe-se que a atual conjuntura em que o Brasil se encontra, de

políticas neoliberais focalizadas e privatistas, influenciou diretamente na reorganização

das políticas sociais, com rebatimentos claros na política de saúde voltada ao sistema

penitenciário. Ocorre, dessa forma, a falta de repasse de recursos e a precarização dos

serviços, cujas políticas assistenciais, focalizadas e bastante seletivas não dão conta de

suprir as necessidades dos apenados. Com isso, a condição estrutural em que esses

indivíduos possivelmente já vivenciavam de ausência de serviços básicos antes mesmo

de terem cometido a transgressão da ordem, agora se agrava com a privação de

liberdade, não permitindo o acesso a um dos direitos essenciais que é a saúde,

restringindo o desenvolvimento pleno destes:

[...] se eu nasço em determinado contexto que me priva o acesso a elementos

essenciais pro meu pleno desenvolvimento, eu vou vivenciar uma situação

considerada pra nós terapeutas ocupacionais de injustiça ocupacional. Ou

seja, eu não teria acesso a educação, a trabalho, lazer, cultura, que nós

consideramos bens essenciais pro desenvolvimento, são ações ocupacionais

essenciais pro pleno desenvolvimento do ser humano. Isso só acarreta

injustiças ocupacionais e não permite a essas pessoas alcançarem seu pleno

desenvolvimento. O fazer humano tem uma vinculação com a saúde pra nós e

perpassa também por vários meios e situações de acessos a direitos.

(ABRATO)

A lógica da política macroeconômica vista desde o governo Collor, aprofundada

na gestão de FHC e continuada pelo governo do Partido dos Trabalhadores (PT) ocupa

o motivo central dessa falta de acesso a direitos, subfinanciamento do gasto do

orçamento com o meio público, e consequentemente agravamento das desigualdades,

precarizações no trabalho e nos serviços públicos. Como já debatido, hoje as propostas

são contrárias a estatização dos direitos fundamentais, onde tem ocorrido grande

privatização dos serviços seja na área da educação, como principalmente na área da

saúde. Isso faz com que as reivindicações e lutas sindicais sejam presentes e atuantes na

luta por melhoria nos serviços públicos, nas condições de trabalho, na garantia de

direitos de uma forma geral. Por isso o controle social e os movimentos sociais são tão

53

importantes nesse momento, pois possibilitam a participação popular nas instâncias de

decisões, na formulação de políticas e no controle e fiscalização destas, como uma

necessária resistência contra hegemônica.

No sistema penitenciário esse contexto também é atacado, como por exemplo,

nas condições de trabalho que os próprios profissionais de saúde dispõem. Trata-se de

uma população carcerária muito grande, para poucos profissionais alocados nesta área,e

uma orientação governamental de política de saúde restritiva:

A precariedade que a gente tem hoje nesses espaços; do que tem se tornado

esse sistema prisional né,quarto ou quinto país de maior população carcerária,

e que tem pelo menos duzentas mil vagas [...] e cerca de mil e trezentos

assistentes sociais atuando no sistema prisional em todo o Brasil, que é um

número ínfimo. (CFESS – representante 2)

Além de realizarem o trabalho sob a vigia de um policial, estes trabalhadores em

saúde não dispõem, na maioria das unidades penitenciárias, de estrutura física

apropriada para os atendimentos e demais ações em saúde, de forma a comprometer o

tratamento, a conduta ética do profissional e a adesão da população usuária25

. No que se

trata das práticas da enfermagem, por exemplo, foi dito que as condições para os

profissionais atuarem são mínimas, não há condição de trabalho, ou qualquer material,

portanto é difícil prestar uma assistência de qualidade aos apenados. Segundo a

Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE) “nós não somos preparados pra estar

naquele local socialmente falando, então até no lidar com eles, com o pessoal do sistema

prisional a gente não é treinado pra isso”.

Outro quesito fundamental a ser tratado é que os profissionais alocados para

trabalhar no âmbito do sistema penitenciário não conseguem avançar em um trabalho

pedagógico seja dos agentes penitenciários, seja da sociedade, ou dos próprios apenados

de que todos têm direito ao acesso à saúde, compreendendo esta em sua totalidade. Os

assistentes sociais, por exemplo, são solicitados a colaborarem no sentido de “moldar”

os sujeitos de acordo com a ordem vigente, e não realizar ações sócio-educativas.

Porém, de acordo com a Associação Nacional de travestis e Transexuais (ANTRA) 26

o

25

Muitas vezes, o fato de não ter um ambiente propicio aos atendimentos, a população carcerária não se

sente a vontade em se consultar, por isso é tão importante que os atendimentos sejam sem vigia policial, e

que os profissionais atuem de forma ética, sem comprometer com o seu sigilo profissional. 26

No da detenção feminina, a ANTRA fez algumas observações:“(...) No Rio Grande do Sul nós temos

um trabalho que as meninas não ficam com os homens, ficam num pavilhão separado, onde podem pintar

as unhas, ajeitar o seu cabelo, usar maquiagem, e elas fazem alguns trabalhos manuais para ocuparem o

tempo, e tem as meninas do movimento que vai lá dentro sempre levar palestras, e oficinas sobre DTS e

54

que é sustentado é que já existem ações desse tipo sendo realizadas, assim como a FNE

fala que os enfermeiros buscam realizar palestras e uma educação continuada, porém

não surte efeito diante das poucas condições para que isso se efetive. Desta forma, o que

se vive dentro do sistema penitenciário é um grande descaso, um impasse tanto para os

apenados, quanto para os profissionais inseridos nesse sistema.

No sistema prisional é isso né, controlar a subversão, garantir uma ordem

burguesa, então tem nos chamado a compactuar com isso, mas a atuação dos

assistentes sociais nesse espaço tem se dado de uma forma diferenciada. [...]

Nós temos entendido que o sistema prisional tem tido uma concepção de

direitos muito distorcida, não tem entendido os sujeitos como sujeito de

direitos, tem cometido um desrespeito a esses sujeitos imenso e solicitado aos

assistentes sociais uma atuação que não condiz com o nosso Projeto Ético-

Político, não condiz com o nosso projeto de profissão. (CFESS –

representante 2)

Além de impasses profissionais como estes, há também categorias que sentem a

falta de espaço para atuação profissional dentro desse sistema, como é o caso dos

terapeutas ocupacionais. Eles têm a função de trabalhar dentro das penitenciárias

fazendo propostas para reorganizar o cotidiano, promovendo a saúde mental, e a

melhora da convivência dos apenados, em detrimento da política ofertada. Pois, muitas

vezes, os detentos sofrem de crises psíquicas por não conseguirem adquirir o acesso aos

bens necessários para o seu melhor desenvolvimento e (re)integração.

Devido a essas condições, todas as entidades entrevistadas, mesmo as que não

discutem essa temática atualmente, acreditam ser interessante o seu debate nas reuniões

dentro de cada categoria, assim como no debate do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Porém é um tema de difícil abordagem, pois os conselhos de direitos são arenas

políticas, que compõem os mais diversos interesses, e há, principalmente por parte dos

representantes do governo e do setor “complementar” da saúde, uma maioria que

defende a privatização. Deste modo, não há no CNS uma pauta voltada a esse tema pelo

menos nos últimos dois anos. Alguns entrevistados atribuem a ausência da temática no

CNS por alguns motivos:

Muitas vezes o que acontece de pauta no CNS é o que está na mídia.

Infelizmente é assim, a gente trabalha como bombeiro, e “ó ta pegando fogo

ali, vamos lá apagar”. Então quando tem as rebeliões no sistema prisional e

isso acaba acontecendo em um âmbito que tome a mídia, às vezes acaba

outras patologias. Inclusive levar preservativo pra aquelas que tem a visita intima com os próprios

parceiro lá dentro do presídio, ou externo. Então em alguns lugares já tem esse cuidado que afetam

diretamente a sua saúde.” (ANTRA)

55

pautando aqui como prioridade. Infelizmente o quarto setor é usado pra isso

né. A mídia é usada pra gente elencar prioridades. (FNE)

Eu acho que ainda é um tema marginal, assim como as pessoas consideram

aqueles que estão no sistema prisional, que é reflexo de uma visão social

meio enviesada dessa questão prisional de maneira geral. A gente sabe é

senso comum reconhecer as dificuldades do sistema prisional, mas não é

comum das instancias de deliberação e controle sociais e movimentos sociais

em geral atuem nessa área exatamente pela forma que é tratado de forma

marginal o tema pela sociedade no geral. (FENAM)

Então esses assuntos que precisariam ser discutidos, eles não são nem

lembrados, porque a gente anda a reboque ou pelo o que é pautado pelo

Ministério da Saúde, ou por projetos de leis, ou algumas coisas que precisam

ser discutidas e que precisam ser postas em pauta. (FIO)

Refletindo acerca destas falas pode-se dizer que há uma restrição “velada” de

cidadania para os indivíduos encarcerados, onde são negados em parte dos seus direitos

civis e políticos e não podem organizar-se ou auto-representarem. Por isso é que as

demandas dependem de uma solidariedade de classe, da ação dos trabalhadores para dar

visibilidade e então reivindicar por essa pauta. No entanto, há um refluxo dos

movimentos organizados devido a ofensiva contra os direitos sociais, onde as entidades

representativas do controle social demandam respostas em um caráter corporativo,

secundarizando o debate aqui apresentado.

Devido a essas considerações acercada temática “saúde, direitos humanos e

sistema penitenciário”, abordaremos no ponto a seguiras dificuldades, limites e

propostas de ação que os entrevistados visualizam dentro do controle social e do

movimento social em saúde acerca do tema.

4.2.2 Limites e estratégias do controle social e movimentos sociais na

saúde do sistema penitenciário

No CNS um dos motivos de não se conseguir obter uma pauta voltada a temática

saúde e sistema penitenciário é devido a grande oposição dos diversos segmentos que o

compõem. Enquanto expressão de luta política, o controle social é um espaço de

grandes disputas, onde às vezes ocorrem divergências dentro de mesmos segmentos

representativos. Dentre o segmento dos usuários há diferenças de posicionamentos e

pouca organização no que tange ao debate sobre o tema. Há um complicador explicitado

que

56

na verdade se você for observar a maior parte dos usuários foram lesados

pelo grupo que estão lá no sistema prisional. Tem aqueles que não querem

que eles tenham condições, que eles não precisam, se eles receberem mal

comida e tenham onde dormir é isso mesmo, eles estão pagando pelo o que

fizeram. (FNE)

A opinião pública não é favorável, é uma bandeira que você não tem a

opinião pública com você. Porque você quer brigar pela saúde do prisioneiro?

Ninguém levanta essa bandeira nos conselhos, é muito difícil e tem muita

demanda [...] é muito difícil inclusive fazer esse discurso com os próprios

usuários, por exemplo. Não tem saúde nem pra mim como é que eu quero pra

ele. (CFESS - representante1)

O que se observa dessas falas é não mais uma dupla, mas uma tripla penalização

da população carcerária, um separador de águas entre aqueles que defendem uma

política baseada no respeito aos DH, e aos que lutam por uma segurança pública,

preocupados com o caráter individual e particular, criminalizando os apenados.

Além destes fatores, o controle social é um mecanismo que apesar de ter sido

conquistado por reivindicações, continua tendo um caráter de dominação. Existe a

prevalência de segmentos do governo nas decisões, no entanto há a falta de interesse

desses representantes do governo para com os interesses majoritários da população. Na

verdade, o que conta pra esse segmento em específico é o medo de perda do poder.

Nesta reflexão, a FNE acredita que “como o sistema penitenciário não dá voto, não há

quem realmente vá pras ruas lutar por essa causa, não é interessante se tratar”. No

entanto, de acordo com a FENAM, já pode ser compreendido que o CNS é:

(...) muito permeável, ele absorve muito das discussões, elas em geral são

muito acaloradas. Têm várias posições nas mais diversas direções, mas ele é

bastante permeável, as questões podem ser trazidas e terem repercussão, não

só pela federação dos médicos, porque certamente é um tema relevante. Acho

que eu vi recentemente são mais de 500 mil pessoas no país em situação

prisional, e certamente é um numero significativo e precisa ser tratado.

(FENAM)

Apesar dessa afirmação de que é possível se obter repercussão da temática, na

entrevista do CFESS (representante 1) o que é explicitado é que apesar de se falar em

um coletivo, os interesses ainda são corporativos, ou seja, a defesa é por categoria

profissional, por sua corporação. Há uma falta de visão da totalidade, o que dificulta

organizar uma luta que defenda a saúde nesse sistema. E, segundo o representante1 do

CFESS,“não defender a saúde, é defender o modo de produção, é defender como se

produz riqueza e como se socializa as riquezas na sociedade.” Para tanto, é preciso

considerar também o modelo de Estado que está vigente, ou seja, privatista e

57

corporativo, além de ser refém de grandes capitais, que capta a saúde como um espaço

de rentabilidade financeira, seja pelas privatizações ou subsídios ao setor privado.

Nesta perspectiva, é necessária uma proposta de caráter contra hegemônica

voltada à consolidação do acesso aos direitos constitucionais garantidos. Porém, o que

se identifica nesta pesquisa é que nem as entidades privilegiadas dos trabalhadores e

com maior poder de mobilização, a exemplo dos sindicatos, conseguem pautar esta

questão. Para o CFESS o que se faz necessário é uma nova articulação, uma renovação

no sindicalismo brasileiro. Efetivamente as entidades representativas têm a sua luta

específica, mas para se chegar a uma resolução sobre uma política é muito difícil. As

entidades estão no espaço de participação, de controle social, mas cada um lutando por

seu interesse particular, individual, sem a articulação com a totalidade.

Como pode ser visualizado pelas próprias entrevistas, as pautas que se levantam

dizem respeito a cada categoria profissional. Para algumas das entidades entrevistadas o

sistema penitenciário brasileiro não reconhece direitos, e a consolidação de uma equipe

multiprofissional na atuação da saúde dentro deste ainda é muito difusa. Falta espaço,

por exemplo, para os terapeutas ocupacionais, e a compreensão da verdadeira função

deles e dos assistentes sociais ainda não é entendida, considerando o projeto de cada

profissão. Tais limites dificultam as condições de trabalho dessas categorias, por isso se

tornam uma bandeira voltada essencialmente para as condições de trabalhado em saúde.

Por isso também a dificuldade de articular tanto os direitos dos trabalhadores, quanto a

luta pelos direitos dos apenados, o que vai contra o senso comum da sociedade.

De acordo com o CFESS foi possível pautar por volta do ano de 2009 a temática

“saúde, direitos humanos e sistema penitenciário” em uma mesa do CNS, onde houve

uma demanda muito forte, com a participação de uma assistente social especializada

sobre a temática. “A mesa foi uma mesa muito boa, uma reunião do conselho com

vários encaminhamentos e foram arquivados.” (CFESS - representante 1)E esse é outro

limite encontrado, o de que “muitos ficam no papel, e até chegar a ponta falta muito [...]

quer dizer, nós nunca demos continuidade” (CFESS – representante 1)

Algumas pautas tendem assim, a ser “esquecidas”. Pois como afirma a FNE “as

próprias estratégias para o sistema prisional, se existem, estão no papel. Efetivamente

nós não vemos isso”. Devido a isso, para o maior alcance da visibilidade acerca do

58

tema, o proposto pelo FENAM é de que se trate inicialmente a questão de forma

genérica:

O CNS tem bastante representatividade de diversos setores, mas se você

tratar a questão até um pouco mais genérica, não só no sistema prisional, mas

tratar como um direito humano, tratar com igualdade racial, de gênero, e etc.,

é bastante possível fazer essa discussão. Já existe uma discussão nesse

sentido e acho que o CNS teria bastante condição de fazê-la, ampliar e levar

pra a sociedade. (FENAM)

Outro ponto apresentado pelos entrevistados é a dicotomia entre quem planeja e

quem vive, “então às vezes é uma linguagem totalmente diferente. Se criam coisas

mirabolantes que jamais serão efetivas, não tem como você efetivar essa medida, porque

aquilo não tem como ser aplicado” (FNE). Assim como não há o acesso na hora de

executar este trabalho de formulação por parte dos trabalhadores, “então digamos assim

que a hierarquia política não lhe permite ter acesso ou executar esse trabalho

plenamente para uma reformulação, para uma maior eficácia na área. Vejo então isso

como um impedimento político.” (ABRATO). A partir do exposto pela FNE e

ABRATO, os próprios trabalhadores sob o aspecto do controle social que deveriam

colaborar de alguma forma na execução de políticas para o sistema penitenciário, sequer

tem o acesso a isso. Formulam-se políticas desconexas com as verdadeiras demandas da

população carcerária, onde se dá o impedimento político e lógico.

No momento de implementação das políticas elaboradas para o sistema

penitenciário, a dificuldade encontrada é a do financiamento, que “limita a adequação

de uma equipe multiprofissional que realmente atenda as necessidades da população

carcerária” (ABRATO), limita também os materiais necessários para os atendimentos

da enfermagem, medicina e odontologia, além de que não investe em uma infraestrutura

adequada. Em decorrência desse subfinanciamento a privatização surge como uma saída

estratégica de modo ao Brasil terceirizar um serviço que era pra ser fornecido de forma

pública, universal, e de boa qualidade. Há inclusive “uma grande privatização das

penitenciárias, principalmente estaduais [...] uma empresa que implementa uma

penitenciária e o Brasil aluga esse serviço.” (ABRATO)

Considera-se aqui que o controle social e movimentos sociais na saúde, por

serem considerados mecanismos possíveis de realizar a mudança por meio da

participação na elaboração, implementação, e fiscalização das políticas sociais,

deveriam ao menos contribuir com uma discussão no sentido de garantir os direitos

fundamentais aos apenados. No entanto, as entrevistas demonstraram que essa temática

59

nem mesmo é discutida, e quando se pensa em algo nesse sentido, existem empecilhos

políticos e organizativos que não permitem qualquer tipo de atuação dos trabalhadores

dessa área. Segundo o representante da ABRATO “não existe nenhum tipo de controle

social feito sobre isso. A participação social não existe em nenhum tipo de instrumento

que permita um diálogo com a sociedade na formulação de estratégias, se existe eu

desconheço.”

Dentre as propostas está a de aumentar o investimento na atenção básica, que é

exatamente aquela mais demandada no sistema penitenciário, e onde se tem a condição

de resolver a grande parte dos problemas de saúde.

Na atuação das comissões um empecilho infelizmente é o financiamento, o

CNS trabalha em cima de um orçamento e ele tem que contempla as diversas

demandas do controle social, e são „N‟, todas as necessidades da população

recaem com a gente, seja por forma virtual, através dos reclames dos

conselhos, das atuações de ruas, da internet. O que nos tolhe muito é

realmente o orçamento, a secretaria não tem como priorizar as necessidades

do povo, não tem como, imagina como fica a consciência ética de cada

conselheiro do governo. (FASUBRA)

Nisso é possível identificar a desresponsabilização e desfinanciamento da

proteção social pelo o Estado, além da ofensiva burguesa que se configura no país,

como uma contrarreforma social e moral, no intuito de manter essa classe como

hegemônica. Continua-se com políticas focais, seletivas e por isso que “a gente vive

uma intensa restrição de direitos e ataques a classe trabalhadora” (CFESS –

representante 2). É preciso antes de tudo compreender a conjuntura atual para se partir a

um debate da temática da “saúde, direitos humanos e sistema penitenciário”.

Partindo dessas considerações e identificando os limites presentes no movimento

em saúde e controle social, é que as estratégias de enfrentamento podem ser feitas.

Nessa perspectiva, muitas das entrevistas trouxeram questões que acreditam ser centrais

para um avanço na relação entre saúde e sistema penitenciário. Para a FNE o ponto

sugerido para superação da ausência do debate acerca da temática foi de que “realmente

precisa se levantar tanto uma bandeira mais efetiva, talvez uma comissão de

trabalhadores nesse sentido, pra apresentar estratégias, pra apresentar a sensibilização”

(FNE). Outra sugestão dos representantes da FNE e FIO é para criação de comissões

específicas, talvez de forma intersetorial para a discussão das problemáticas. Em outras

palavras, faz-se preciso uma reorganização do CNS, do Ministério da Saúde, e até

mesmo a mobilização dessa discussão em outras entidades representativas das próprias

60

categorias e em todos os diversos espaços, de forma a dar visibilidade para este debate a

nível nacional. Para que isso ocorra, podem até serem propostas mais reuniões, pois há

um número muito grande de demandas e pouco acúmulo político acerca do tema entre

as entidades.

61

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi proposto neste trabalho analisar as possibilidades e limites dos

representantes do Conselho Nacional de Saúde frente a temática “saúde, direitos

humanos e sistema penitenciário”, a partir da hipótese de que a população carcerária

vive hoje em uma situação de dupla ou até tripla penalização, onde se restringe não

apenas seu o direito a liberdade, mas também o acesso a direitos fundamentais, de

origem civil, política e social; além desta população não dispor de representatividade

política para pautar suas lutas e demandas reprimidas em fóruns mais amplos, a

exemplo do controle social.

A política vigente de neoliberalismo tornou as políticas sociais privatizadas,

focalizadas, seletivas, o que conduz a serviços públicos precários, inacessíveis, e sem a

perspectiva da real participação popular na formulação, gestão, controle e execução das

políticas. Vive-se assim, por meio da mercantilização dos serviços e redução do Estado,

um retorno,sob novas faces, à cidadania restrita.Se esta restrição cidadã ocorre para

todos, com consequências mais graves para os setores pauperizados, o que dizer

daqueles que possuem a negação legal da sua cidadania?27

As pessoas que estão

cumprindo pena não têm o acesso à saúde com qualidade, e a informação quanto a sua

luta por conquista de direitos. Eles ficam dessa forma a mercê do Estado e do controle

social, o qual é determinante nesse processo decisório.

Por mais que as entrevistas tenham mostrado a relevância da temática “Saúde,

Direitos Humanos e Sistema Penitenciário”, essa não é uma bandeira levantada pela

maioria das entidades, onde pode ser percebido que os interesses particulares/

corporativos ainda são predominantes. As condições desses profissionais perpassam por

uma disputa de categoria, o que substitui assim o reconhecimento como classe

trabalhadora, cujas lutas reduzem-se, na maioria dos casos à melhoria das condições de

trabalho das diferentes categorias, dada a ofensiva conjuntura atual.

Por isso é importante compreender o período em que o Brasil está vivendo, onde

a política está voltada a uma lógica macroeconômica a partir do subfinanciamento das

27

Afirmamos ocorrer uma negação legal da cidadania, pois os sujeitos em situação restritiva de liberdade – os ditos “apenados” – têm parte considerável dos seus direitos sociais, civis e políticos não usufruídos enquanto perdurar a detenção.

62

políticas públicas, o que ocasiona a falta de acesso a direitos, precarização no trabalho,

entre tantas outras consequências. E é para isso que as categorias profissionais estão

voltadas nesse espaço de participação, para lutar pela conquista de condições de

trabalho adequadas, por um serviço público de qualidade, e por estruturas político-

econômicas benéficas aos trabalhadores de forma geral.

Contudo, num país onde a política de saúde principalmente não é acessada de

forma gratuita, universal, integral, para o próprio trabalhador, mais difícil será isso

voltado ao sistema penitenciário. Este se vê negligenciado em todos os serviços e

formas acessos, seja na saúde, na educação, no lazer. A população carcerária hoje está

acima do total de vagas disponíveis, há poucos profissionais de saúde alocados nessa

área, e há também a violação dos direitos fundamentais destes.

Nesse sentido, existem empecilhos políticos e econômicos que não permitem

qualquer tipo de atuação dos trabalhadores além de reivindicar por condições de

trabalho decentes e maior orçamento voltado a política de saúde, e nisso, a incorporação

de outras pautas, como a demanda pela saúde também no sistema penitenciário, torna-se

secundária. É necessária uma proposta das entidades presentes no controle social de

caráter contra-hegemônico, voltada tanto à resistência à contrarreforma, como o avanço

pela consolidação dos direitos garantido na Constituição Federal. Esta necessidade

histórica não pode ser deixada apenas no papel.

63

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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68

7 ANEXOS

7.1 Anexo 1 - Roteiro de entrevista semi-estruturada

Bloco I – Dados profissionais

Data da entrevista: ___/___/___

Sexo: ___ (F/M)

Área de formação/entidade: ____________________

Tempo de atuação no Conselho de Saúde: ________________

Bloco II – Saúde, Direitos Humanos e Sistema Penitenciário no Brasil

1. Qual a compreensão de saúde defendida pela entidade a qual representa?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

2. Faz-se presente nos debates e campanhas desta entidade a temática “sistema

penitenciário, direitos humanos e acesso à saúde”? Caso contrário, pensa ser este um

debate relevante, necessário de inclusão na pauta de discussões de sua organização?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

3. O senhor gostaria de tecer comentários avaliativos acerca da política

contemporâneade assistência à saúde no sistema penitenciário brasileiro?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

Bloco III– Controle Social

69

4. A temática “sistema penitenciário, direitos humanos e acesso à saúde” tem

sido presente na pauta das reuniões ordinárias e/ou comissões do Conselho Nacional de

Saúde das quais participa? Caso contrário, ao que atribui a ausência deste tema?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

5. Em resposta positiva à presença da temática nas reuniões e/ou comissões,

gostaria de saber quais são as atuais estratégias discutidas pelo Conselho Nacional

acerca da saúde no sistema penitenciário.

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

6. Como se dá a troca de informações e discussões coletivas entre os diversos

segmentos do Conselho Nacional de Saúde? Há muitas divergências de interesses?

Como estas divergências incidem na temática hora em análise?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

7. Quais as dificuldades/limites encontrados para a execução das propostas do

Conselho, voltadas a saúde no sistema prisional?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

70

7.2 Anexo 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE

O (a) Senhor(a) está sendo convidado(a) a participar do projeto de

pesquisaSistema penitenciário e acesso à saúde: possibilidades e limites do controle

social. O objetivo é analisar as possibilidades e limites dos representantes dos

trabalhadores no conselho nacional de saúde quanto a relação “saúde, direitos humanos

e sistema penitenciário”; compreender o olhar dos trabalhadores dos conselhos e dos

representantes dos movimentos; identificar o debate feito pelos conselhos e movimentos

acerca da temática; compreender quais as estratégias utilizadas pelos conselhos e

movimentos para o acesso à saúde no sistema penitenciário; e identificar quais as

dificuldades/limites encontrados para a execução das propostas dos conselhos e

movimentos, voltadas a saúde no sistema penitenciário.

O(a) senhor(a) receberá todos os esclarecimentos necessários antes e no decorrer

da pesquisa e lhe asseguramos que seu nome não aparecerá, sendo mantido o mais

rigoroso sigilo através da omissão total de quaisquer informações que permitam

identificá-lo(a).

A sua participação será através de um questionário semi estruturado que deverá

responder sem um tempo pré-determinado. Será respeitado o tempo de cada um para

respondê-lo. Informamos que a Senhor(a) pode se recusar a responder qualquer questão

que lhe traga constrangimento, podendo desistir de participar da pesquisa em qualquer

momento sem nenhum prejuízo para a senhor(a).

Os resultados da pesquisa serão divulgados na Universidade de Brasília – UnB,

podendo ser publicados posteriormente. Os dados e materiais utilizados ficarão sobre a

guarda do pesquisador.

Se o Senhor(a) tiver qualquer dúvida em relação à pesquisa, por favor telefone

para: ProfªMorena Marques, no telefone: (61)9193-9193 ou para Jéssica Fonseca, no

telefone: (61)8487-8686, ou mande e-mail para: [email protected].

Nome/assinaturado entrevistado: ____________________________________

Nome e assinatura do pesquisador responsável: _________________________

Brasília, ___ de __________de _________